UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Faculdade de Engenharia de Alimentos
SAMUEL FONTENELLE FERREIRA
POTENCIAL DE APROVEITAMENTO ENERGÉTICO DO
BIOGÁS A PARTIR DA DIGESTÃO ANAERÓBIA DE
VINHAÇA
CAMPINAS-SP
2017
SAMUEL FONTENELLE FERREIRA
POTENCIAL DE APROVEITAMENTO ENERGÉTICO DO
BIOGÁS A PARTIR DA DIGESTÃO ANAERÓBIA DE
VINHAÇA
.
Orientador: Tânia Forster Carneiro
Coorientador: Ana Paula Bortoleto
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE
À VERSÃO FINAL DA
DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO
ALUNO SAMUEL FONTENELLE
FERREIRA, E ORIENTADO PELA
PROFA. DRA TÂNIA FORSTER
CARNEIRO
Dissertação apresentada à Faculdade de
Engenharia de Alimentos da
Universidade Estadual de Campinas,
como parte dos requisitos exigidos para
a obtenção do Título de Mestre em
Engenharia de Alimentos
CAMPINAS – SP
2017
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CNPq, 132627/2016-7
Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca da Faculdade de Engenharia de Alimentos Márcia Regina Garbelini Sevillano - CRB 8/3647
Ferreira, Samuel Fontenelle, 1990- F413p FerPotencial de aproveitamento energético do biogás a partir da
digestão anaeróbia de vinhaça / Samuel Fontenelle Ferreira. –
Campinas, SP : [s.n.], 2017.
FerOrientador: Tânia Forster-Carneiro. FerCoorientador: Ana Paula Bortoleto. FerDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas,
Faculdade de Engenharia de Alimentos.
Fer1. Biogas. 2. Digestão anaeróbia. 3. Vinhaça. 4. Energia
renovável. 5. Impacto ambiental. I. Forster-Carneiro, Tânia,1971-. II.
Bortoleto, Ana Paula,1978-. III. Universidade Estadual de Campinas.
Faculdade de Engenharia de Alimentos. IV. Título. Informações para Biblioteca Digital
Título em outro idioma: Energetic potential of biogas from anaerobic digestion of vinasse Palavras-chave em inglês: Biogas Anaerobic
digestion
Stillage Renewable energy
Environmental
impact Área de concentração: Engenharia de
Alimentos Titulação: Mestre em Engenharia de
Alimentos Banca examinadora: Tânia Forster-Carneiro [Orientador] Adriano Luiz Tonetti Mauro Donizeti Berni Data de defesa: 17-02-2017 Programa de Pós-Graduação: Engenharia de Alimentos
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dra. Tânia Forster Carneiro
FEA / UNICAMP
Orientadora
Prof. Dr. Adriano Luiz Tonetti
FEC / UNICAMP
Membro titular
Prof. Dr. Mauro Donizetti Berni
NIPE / UNICAMP
Membro titular
Prof. Dr. Alexandre Nunes Ponezi
CPQBA / UNICAMP
Membro suplente
Prof. Dra. Bruna de Souza Moraes
NIPE / UNICAMP
Membro suplente
A ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no processo de
vida acadêmica do aluno.
AGRADECIMENTOS
Ao longo do desenvolvimento dessa dissertação de mestrado tive muitas dúvidas e
problemas, tanto de naturezas técnicas quanto financeiras. Se não fosse a ajuda de
várias pessoas, eu não teria sido capaz de concluir este trabalho.
Por isso agradeço:
À minha família, em especial aos meus pais Joaquim e Silvia e à minha irmã Raquel,
pelo apoio, pelo amor e pela companhia, mesmo estando distante.
À minha Namorada Ticiana, pelo amor, pela paciência, pela compreensão e pela
companhia nesse trajeto.
À Professora Tânia, pela orientação, compreensão e apoio nesse período.
Aos meus amigos, próximos e distantes, pelos momentos de descontração.
Aos meus colegas de laboratório, Maria Paula, Fernan, Daniel e Paulo, pela ajuda no
laboratório e trocas de informação.
À usina Ester pela doação do inóculo e da vinhaça.
À minha coorientadora Ana Paula Bortoleto, pela orientação e fornecimento de material
bibliográfico.
Ao Professor Mario Berni, pela orientação e fornecimento de material bibliográfico.
Ao CNPq pelo apoio financeiro.
Sinto que todos contribuíram de forma direta ou indireta para o meu amadurecimento,
tanto profissional como pessoal, por isso me influenciarão para sempre.
RESUMO
A disposição ambientalmente adequada dos resíduos sólidos orgânicos estabelecida
pelas novas políticas de resíduos sólidos e de distribuição descentralizada de energia elétrica
irão contribuir para a melhoria da qualidade ambiental e incentivo às indústrias do setor de
energias renováveis. O objetivo principal deste trabalho foi estudar a tecnologia de digestão
anaeróbia no tratamento de vinhaça nas condições termofílicas, buscando avaliar os
parâmetros operacionais na etapa de arranque de um reator anaeróbio de 4,3 L, verificar o
potencial de aproveitamento energético do biogás e calcular a mitigação de impacto
ambiental da utilização dessa tecnologia, na perspectiva de mudanças climáticas. A
caracterização dos resíduos selecionados, da mistura no reator, assim como do efluente
(retirado a cada 3 dias) conforme regime semi-contínuo) foram realizados para os seguintes
parâmetros: pH, alcalinidade, amônia, DQO, nitrogênio total. Adicionalmente, foram feitas
estimativas de produção teórica de vinhaça em uma usina de referência do Estado de São
Paulo, do potencial teórico de produção de biogás, do potencial teórico de geração de
eletricidade, da receita anual da venda da energia elétrica e a avaliação dos impactos
ambientais. Os resultados sugerem que a tecnologia de digestão anaeróbia de vinhaça nas
condições termofílicas (55 ºC) apresentou condições operacionais favoráveis para produção
de metano a partir do 4º dia de experimento, sendo esta produção crescente atingindo
concentrações máximas próximas do 50% indicando fase de estabilização e metanogênica
em somente 30 dias. Os valores de eficiência de redução da carga orgânica em termo de
DQO (13%) são relativamente baixos nesta fase de partida, no entanto este aumento de
eficiência coincide com o aumento na composição de metano no biogás. A estimativa de
produção teórica de vinhaça foi de 1,2.106 m3/ano em uma usina de referência e a estimativa
do potencial teórico de produção de biogás no sistema de digestão anaeróbia calculado foi
de 1,9.106 Nm3/ano em função dos dados de produção de etanol da safra 2014/2015. O
potencial energético total (PE) calculado foi de 1,2.104 MWh/ano permitindo alcançar um
potencial teórico de geração de eletricidade de 7,4.103 MWh/ano, ou seja, a energia elétrica
gerada por uma usina de referência seria suficiente para satisfazer os gastos com energia
elétrica de 11600 habitantes e, ademais considerando que a energia elétrica gerada pode ser
vendida à rede elétrica em leilões abertos, a receita desta atividade seria de 1,7 milhão de
reais ao ano. Finalmente, a substituição de vinhaça in natura por vinhaça biodigerida geraria
uma mitigação de Impactos de Mudança Climática de 1177 tCO2eq/ano indicando um
processo viável no ponto de vista de sustentabilidade.
Palavras chaves: Biogás, Digestão anaeróbia, Vinhaça, Energia Renovável,
Impacto ambiental
ABSTRACT
The environmentally sound disposition of organic solid waste established by the new
solid waste and decentralized energy distribution policies will contribute to the improvement
of environmental quality and to the encouragement of industries in the renewable energy
sector. The main objective of this work was to study the anaerobic digestion technology in
the treatment of stillage in the thermophilic conditions, in order to evaluate the operational
parameters in the startup stage of an anaerobic reactor of 4.3 L, to verify the energetic
potential of the biogas and to calculate the mitigation of the environmental impact of the use
of this technology in the perspective of climate change. The characterization of the selected
residues, the mixture in the reactor, as well as the effluent (removed every 3 days) according
to the semi-continuous regime were performed for the following parameters: pH, alkalinity,
ammonia, COD, total nitrogen. In addition, estimates were made of the theoretical
production of stillage in a reference plant in the State of São Paulo, the theoretical potential
of biogas production, the theoretical potential of electricity generation, the annual revenue
from the sale of electricity and the environmental impact assessment. The results suggest
that the anaerobic digestion technology of stillage in the thermophilic conditions (55 ºC)
presented favorable operating conditions for methane production from the 4th day of
experiment, with this increasing production reaching maximum concentrations close to 50%
indicating stabilization and methanogenic phase in only 30 days. The organic load reduction
efficiency values in COD (13%) are relatively low at this starting phase, however this
increase in efficiency coincides with the increase in the methane composition in the biogas.
The theoretical production of stillage was 1.2x106 m3 / year in a reference plant and the
estimated theoretical potential of biogas production in the calculated anaerobic digestion
system was 1.9x106 Nm3 / year as a function of the production data of ethanol production
from the 2014/2015 harvest. The total energy potential (PE) calculated was 1.2x104 MWh
/year, allowing a theoretical electricity generation potential of 7.4x103 MWh / year, that is,
the electricity generated by a reference power plant would be sufficient to meet the electric
energy consumption of 11600 inhabitants, and in addition considering that the electric
energy generated can be sold to the electric grid in open auctions, the income from this
activity would be 1.7 million reais per year. Finally, the replacement of fresh stillage with
biodigested stillage would generate a mitigation of Climate Change Impacts of 1177 tCO2eq
/year, indicating a viable process from the point of view of sustainability.
Keywords: Biogas, Anaerobic digestion, Stillage, Renewable Energy,
Environmental impact
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 10
2. OBJETIVOS............................................................................................................ 12
2.1. Objetivo geral ...................................................................................................... 12
2.2. Objetivos específicos ........................................................................................... 12
3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................................ 13
3.1. Usinas sucroalcooleiras ........................................................................................ 13
3.2. Digestão anaeróbia ............................................................................................... 13
3.2.1. Hidrólise ........................................................................................................ 14
3.2.2. Acidogênica ................................................................................................... 14
3.2.3. Acetogênica ................................................................................................... 14
3.2.4. Metanogênica ................................................................................................ 15
3.3. Energia de Biomassa ............................................................................................ 16
3.4. Aspectos Tecnológicos da Cogeração ................................................................. 19
3.5. Aproveitamento energético do biogás ................................................................. 19
3.6. Avaliação de Impacto Ambiental......................................................................... 22
4. MATERIAL E MÉTODOS .................................................................................... 25
4.1. Caracterização inicial ........................................................................................... 25
4.1.1. Densidade ...................................................................................................... 25
4.1.2. Determinação de nitrogênio total e nitrogênio amoniacal ............................ 25
4.1.3. pH e Alcalinidade .......................................................................................... 26
4.1.4. Análise de demanda química de oxigênio (DQO) ........................................ 26
4.1.5. Sólidos Totais (ST)........................................................................................ 28
4.1.6. Sólidos totais fixos (STF) e sólidos totais voláteis (STV) ............................ 28
4.1.7. Sólidos em Suspensão Totais (SST), Fixos (SSF) e voláteis (SSV) ............. 28
4.2. Características do reator anaeróbio do tipo tanque agitado ................................. 29
4.2.1. Preparo e coleta das amostras........................................................................ 29
4.3. Volume e composição do biogás ......................................................................... 31
4.4. Estimativa de produção teórica de vinhaça no Estado de São Paulo ................... 32
4.5. Estimativa do potencial teórico de produção de biogás ....................................... 32
4.6. Determinação do potencial teórico de geração de eletricidade ............................ 33
4.7. Cálculo da receita anual da venda da energia elétrica ......................................... 34
4.8. Avaliação de Impactos Ambientais ..................................................................... 34
4.8.1 Cálculo das emissões de gases estufa evitadas na geração elétrica ................ 36
4.8.2 Cálculo das emissões de gases estufa no campo ............................................ 36
4.8.3 Cálculo das emissões devido à operação do reator UASB............................. 37
4.8.4 Cálculo das emissões devido à vazamentos no reator UASB ........................ 38
4.8.5 Cálculo das emissões totais ............................................................................ 38
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................ 39
5.1. Caracterização dos resíduos ................................................................................. 39
5.2. Análise da composição do biogás ........................................................................ 41
5.3. Evolução do volume de biogás ............................................................................ 43
5.4. Análise dos valores de alcalinidade total e pH .................................................... 44
5.5. Análises dos valores de nitrogênio amoniacal no reator ...................................... 47
5.6. Análises dos valores de demanda química de oxigênio (DQO) .......................... 48
5.7. Análises dos valores de sólidos ........................................................................... 50
5.8. Estimativa de produção teórica de vinhaça para o Estado de São Paulo ............. 52
5.9. Estimativa do potencial teórico de produção de biogás ....................................... 54
5.10. Determinação do potencial teórico de geração de eletricidade .......................... 54
5.11. Cálculo da receita anual da venda da energia elétrica ....................................... 55
5.12. Avaliação dos Impactos Ambientais .................................................................. 55
5.12.1. Emissões de gases estufa evitadas na geração elétrica ................................ 55
5.12.2. Emissões no campo ..................................................................................... 56
5.12.3. Emissões devido à operação do reator UASB ............................................. 57
5.12.4. Emissões devido à vazamentos no reator UASB ........................................ 58
5.12.5. Emissões totais ............................................................................................ 58
6. CONCLUSÃO ........................................................................................................ 60
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 62
10
1. INTRODUÇÃO
A utilização de combustíveis fósseis como principal fonte de energia tem trazido
algumas adversidades, tais como problemas ambientais e a flutuação do preço do petróleo
por interesses políticos (MORAES et al., 2014; RANJAN; KHANNA; MOHOLKAR,
2013; SRIRANGAN et al., 2012). Nesse cenário, se tornam atrativas substituições das
principais fontes não renováveis de obtenção de energia tais como, carvão, petróleo,
urânio e gás natural por fones renováveis. Dentre as estas fontes de energia se encontram
a hidráulica, eólica, solar, geotérmica, marítima e a energia a partir da biomassa.
O Brasil ocupa um papel privilegiado no setor de energias renováveis a partir da
biomassa, liderando o aproveitamento de resíduos de bagaço e palha em caldeira de
energia e produção de etanol a partir da cana-de-açúcar. Essa fonte de energia, além de
reduzir as emissões de gases de efeito estufa, produz menores impactos ambientais do
que fontes não renováveis. (CAVALETT et al., 2013; DIAS et al., 2013; EKMAN et al.,
2013; MORAES et al., 2014).
Entretanto, a produção de etanol a partir da cana de açúcar gera um outro resíduo
importante, a vinhaça, também chamado de vinhoto, tiborna ou restilo. A vinhaça é gerada
na destilação do etanol após a fermentação da garapa da cana-de-açúcar. Estima-se que
para cada litro de etanol, sejam produzidos aproximadamente 10 a 15 litros de vinhaça
(BONOMI et al., 2013; MORAES et al., 2014) que deixa a coluna de destilação a uma
temperatura de 85 a 90°C (WILKIE; RIEDESEL; OWENS, 2000). A principal opção
para o descarte de vinhaça é a sua aplicação no solo como fertilizante (fertirrigação)
(MORAES; ZAIAT; BONOMI 2015). Devido à ausência de legislação nacional
específica para o descarte de vinhaça, seu descarte é regulado especificamente apenas a
nível estadual, por exemplo, pela Norma Técnica P4. 231 da CETESB, no estado de São
Paulo (CETESB, 2015) e pela Deliberação Normativa da COPAM 164/11 no estado de
Minas Gerais (MINAS GERAIS, 2011). O descarte indiscriminado de vinhaça provoca
diversos impactos ambientais, tais como, salinização do solo (MADEJÓN et al., 2001;
MORAES; ZAIAT; BONOMI, 2015), vazamentos de metais e sulfatos (ALVES;
LAVORENTI, 2004; MORAES; ZAIAT; BONOMI, 2015; RIBEIRO et al., 2010), e
contaminação das águas subterrâneas (DA SILVA; GRIEBELER; BORGES, 2007;
ESPAÑA-GAMBOA et al., 2011; MORAES; ZAIAT; BONOMI, 2015). Além da
emissão de maus odores e atração de insetos (MORAES; ZAIAT; BONOMI, 2015).
11
A tecnologia da digestão anaeróbica permite converter os efluentes e resíduos com
alta carga orgânica através de microrganismos (bactérias acidogênicas e arqueias
metanogênicas) mantidos em biorreator sem a presença de oxigênio (anaeróbios). A
matéria orgânica é transformada pela ação dos micro-organismos em um produto final
com significativa redução da carga orgânica e produção de biogás (hidrogênio, metano e
dióxido de carbono, principalmente) (POKHREL; VIRARAGHAVAN, 2004).
Os benefícios operacionais da digestão anaeróbia incluem utilização de um reator
de menor área, possibilidade de operação com alta carga orgânica e uma menor
quantidade de lodo gerado em comparação com o tratamento biológico aeróbio
(FORSTER-CARNEIRO et al., 2008). A digestão anaeróbia pode ser mesofílica, se a
temperatura do processo está entre 35 e 45°C ou termofílica, se está entre 45 e 55°C.
Apesar da maior demanda de energia, na digestão anaeróbia termofílica a taxa de
crescimento das arqueias metanogênicas é maior, o que diminui o tempo de detenção
hidráulica e permite receber volumes maiores. (WEILAND, 2010). Os processos de
digestão anaeróbia podem ser classificados como secos ou úmidos: os úmidos possuem
concentrações de sólidos menores que 10% e os secos possuem concentrações de sólidos
entre 15 e 35% (WEILAND, 2010)
Nesse cenário, a digestão anaeróbia de vinhaça torna-se uma alternativa
interessante, tanto do ponto de vista energético, quanto do ponto de vista ambiental. Do
ponto de vista energético, o biogás, contendo principalmente metano, pode ser usado
como combustível para as caldeiras no processo produtivo, já que possui alto calor de
combustão (MORAES; ZAIAT; BONOMI, 2015). No Brasil, a Resolução n. 482 da
ANEEL (BRASIL, 2015) permite a produção descentralizada de energia elétrica, ou seja,
incentiva o uso de biogás como fonte de energia elétrica ou calorífica, permitindo, nos
períodos de seca das hidrelétricas, o uso energético nas usinas que coincidem com os
períodos de colheita da safra de cana-de açúcar (NOGUEIRA et al., 2015).
Este trabalho tem como finalidade estudar a tecnologia de digestão anaeróbica
com o intuito de agregar valor à vinhaça da usinas sucro-alcooleiras, desta forma estudos
dos parâmetros operacionais são necessários durante partida de reatores em condições
termofílicas de temperatura. Ao mesmo tempo que se avalia o potencial de
aproveitamento energético do biogás através de cálculos do potencial teórico da produção
de energia que permitirão estimar a mitigação de impactos ambientais.
12
2. OBJETIVOS
2.1. Objetivo geral
O objetivo principal deste trabalho foi avaliar os parâmetros operacionais na etapa
de arranque de um reator anaeróbio a partir de vinhaça em condições termofílica de
temperatura e regime de sólidos do tipo úmida. Adicionalmente, verificar o potencial de
aproveitamento energético do metano e calcular a mitigação de impactos ambientais pela
utilização de vinhaça biodigerida após digestão anaeróbia.
2.2. Objetivos específicos
• Avaliar os principais parâmetros operacionais do processo tais como, amônia,
pH, alcalinidade, sólidos e demanda química de oxigênio;
• Verificar a eficiência do processo em termos de remoção de demanda química de
oxigênio, assim como verificar a composição do biogás em função da
porcentagem de metano;
• Analisar os potenciais teóricos de produção de biogás a partir da remoção da
demanda química de oxigênio do reator anaeróbico em estudo;
• Calcular a emissão de gases de efeito estufa evitadas pela utilização de biogás
para cogeração de energia elétrica;
• Calcular a mitigação de impactos ambientais pela utilização de vinhaça pós-
digestão.
13
3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
3.1. Usinas sucroalcooleiras
A produção de etanol de primeira geração no Brasil ocorre através da fermentação
alcoólica do caldo de cana-de-açúcar constituída principalmente de sacarose, glicose e
frutose. No ano de 2014, foram produzidos mais de 28 bilhões de litros de etanol em todo
o Brasil (UNICA, 2015).
O processo de fermentação alcoólica converte a glicose em etanol e dióxido de
carbono (CO2) e, após a etapa de extração do caldo, resta o bagaço como resíduo sólido
e após a destilação do etanol, sobra a vinhaça como efluente líquido final (DIAS et al.,
2012). Estima-se que para cada litro de etanol produzido é produzido, adicionalmente, de
10 a 14 litros de vinhaça (RIBEIRO & RAIHER, 2013). O principal destino final vinhaça
é a aplicação no solo como fertilizante regulado pela CETESB no estado de São Paulo. A
dosagem de aplicação de vinhaça deverá considerar o relevo e as necessidades da cultura,
bem como, a profundidade e a fertilidade do solo, a concentração de potássio na vinhaça
e a extração média desse elemento pela cultura de modo a impedir o acúmulo superficial
de vinhaça, a ocorrência de processos erosivos, a geração de odores e a proliferação de
vetores (CETESB, 2014).
Tradicionalmente, as indústrias sucroalcooleiras utilizam o bagaço da cana de
açúcar como combustível nas caldeiras do processo.
3.2. Digestão anaeróbia
A tecnologia de digestão anaeróbia é bastante eficiente para o tratamento de
resíduos e águas residuárias com alta carga orgânica. O processo consiste na
biodegradação da matéria orgânica complexa na ausência de oxigênio até a formação de
metano, dióxido de carbono, entre outros. As reações químicas ocorrem devido a presença
de diversos tipos de microrganismos que atuam em quatro principais fases sequenciais:
hidrólise, acidogênese, acetogênese e metanogênese. Em resumo, os carboidratos,
lipídeos e proteínas se rompem por bactérias hidrolíticas formando compostos simples
(ácidos graxos voláteis, aminoácidos, etc.) e estas moléculas são convertidas a
continuação em álcoois, dióxido de carbono (CO2) e hidrogênio (H2) (fase acidogênica).
Finalmente, as bactérias acetogênicas convertem as moléculas formadas anteriormente
em ácido acético, H2 e CO2 e sequencialmente estes são transformados em metano (CH4)
14
e CO2 principalmente (fase metanogênica) (FORSTER-CARNEIRO et al., 2005;
MORAES; ZAIAT; BONOMI, 2015). Esse processo é apresentado de forma simplificada
na Figura 1.
3.2.1. Hidrólise
A hidrólise é a primeira etapa do processo de digestão anaeróbia - nela ocorre a
degradação de materiais complexos, tais como, composto celulósico e proteico, em
compostos mais simples, como glicose e aminoácidos. A velocidade da hidrólise é afetada
principalmente pelo pH, temperatura e tempo de retenção. Existem alguns estudos que
verificaram que maiores velocidades de reação foram obtidas a maior temperatura, em
condições levemente ácidas e com maiores tempos de retenção (POH et al., 2015).
3.2.2. Acidogênica
Nesta etapa, os produtos da hidrólise são transformados em ácidos orgânicos ou
ácidos graxos voláteis, tais como ácido acético, propiônico, butírico e lático, que também
podem estar presentes na forma dissociada. Observou-se que a produção de acetato é
muito importante, visto que esse composto será consumido nas seguintes fases,
principalmente na fase metanogênica, sendo este consumo acentuado sob baixa pressão
parcial de hidrogênio. A fase acidogênica também é afetada pelo pH: observou-se que
valores de pH entre 6,0 e 7,0 favorecem a produção de acetato, butirato e i-butirato (YU;
FANG, 2003).
3.2.3. Acetogênica
Nesta fase, os ácidos produzidos na fase acidogênica são convertidos em acetato,
principalmente. Trata-se de uma etapa importante, pois aproximadamente 70% do metano
produzido é formado pela via acetoclástica (FANG & ZANG, 2015). Tal como a fase
acidogênica, a fase acetogênica também é inibida pela alta pressão parcial de hidrogênio
GERARDI, 2006; MORAES; ZAIAT; BONOMI 2015).
15
Figura 1. Fluxograma do processo de digestão anaeróbia. Adaptado de MORAES;
ZAIAT; BONOMI (2015)
3.2.4. Metanogênica
Na fase metanogênica o gás hidrogênio, gás carbônico e o ácido acético
produzidos nas etapas anteriores são convertidos em metano, principalmente. Os
microrganismos responsáveis pela metanogênese são estritamente anaeróbios e
denominadas Archaeas (MORAES; ZAIAT; BONOMI, 2015; POH et al., 2015). O
controle de pH é essencial já que as arqueias trabalham melhor em faixas de pH de neutro
Bactérias acetogênicas
consumidoras de H2
Compostos orgânicos simples
(Açucares, ácidos graxos, aminoácidos)
Ácidos voláteis orgânicos de
cadeia longa, álcool e cetonas
Complexo orgânico
(Carboidrato, lipídeos, proteínas)
CH4, CO2
H2, CO2 Acetato
ACIDOGÊNESE
HIDRÓLISE
ACETOGÊNESE
Acetogênese por bactérias produtoras
de H2 Acetogênese
Archaea metanogênica
acetoclástica
Archaea metanogênica
hidrogenotrófica METANOGÊNESE
Sulfetos (HS-, H2S)
SULFUROGÊNESES
Bactérias sulforedutoras
16
a levemente alcalino (FERRY, 1993). Um fluxograma simplificado da digestão anaeróbia
pode ser visto na Figura 1 e algumas reações de cada etapa são apresentadas na Tabela 1.
Tabela 1. Reações mais importantes do processo de digestão anaeróbia.
Adaptado de MORAES; ZAIAT; BONOMI (2015)
3.3. Energia de Biomassa
O uso da biomassa como fonte de energia ou o aproveitamento energético da
biomassa é muito empregado em todo o mundo e há muito tempo. Além de seus usos
mais tradicionais, tais como a lenha para aquecimento, a sua utilização para geração de
eletricidade é um símbolo de evolução tecnológica e de consciência ambiental
(TOLMASQUIM, 2016).
Existe uma variedade de fontes de biomassa e resíduos que podem ser utilizados
para obtenção de energia. A biomassa pode ser dividida em culturas energéticos (culturas
energéticas herbáceas, culturas energéticas lenhosas, culturas industriais, culturas
agrícolas e culturas aquáticas); resíduos agrícolas (resíduos de culturas e resíduos
animais); resíduos florestais (resíduos de arbustos e árvores); e resíduos industriais e
municipais (resíduos sólidos urbanos, lodo de esgoto e resíduos da indústria de alimentos
e processados) (NI et al., 2006). Dentre os resíduos líquidos industriais está a vinhaça de
cana de açúcar procedente das usinas sucroalcooleiras.
O conceito de biorefinaria pode ser aplicado em unidades industriais que utilizam
biomassa e/ou resíduos como fonte de materiais, produtos químicos e energia ou calor
Etapa Reação
Acidogênese
C6H12O6 + 2H2O → 2CH3COO− + 2CO2 + 2H+ + 4H2
C6H12O6 + 2H2 → 2CH3CH2COO− + 2H2O + 2H+
C6H12O6 → CH3CH2CH2COO− + 2CO2 + H+ + 2H2
Acetogênese
CH3CH2COO− + 3H2O → CH3COO− + HCO3− + H+ + 3H2
CH3CH2COO− + 2HCO3− → CH3COO− + H+ + 3HCOO−
CH3CH2CH2COO− + 2H2O → 2CH3COO− + H+ + 2H2
Metanogênese
CH3COO− + H2O → CH4 + HCO3− + 2H2
H2 +1
4HCO3
− +1
4H+ →
1
4CH4 +
3
4H2O
HCOO− +1
4H2O +
1
4H+ →
1
4CH4 +
3
4HCO3
−
17
por meio de diversas tecnologias em uma mesma planta industrial. A Figura 2 apresenta
um fluxograma de um processo simplificado de aplicação do conceito de biorrefinaria
numa planta industrial de produção de etanol. Por exemplo, o biogás de biorrefinarias
pode ser queimado para produzir calor e energia elétrica, a energia elétrica pode ser para
consumo próprio ou nas redes de concessionárias e o metano pode ser diretamente
injetado nas redes de gás (TRZCINSKI, 2009; PETRUCCIOLI et al., 2011; MAITY,
2015)
As usinas sucroalcooleiras utilizam um sistema gerador de energia constituído de
caldeiras para queima de bagaço e turbinas de contrapressão para acionamento dos turbo
geradores de energia elétrica. Esse processo de geração combinada de calor e eletricidade
se denomina cogeração e é a principal forma de obtenção de bio-eletricidade no Brasil.
Dependendo da eficiência energética, pode haver geração de excedente de eletricidade,
que pode ser comercializado em leilões de energia (mercado regulado e de longo prazo)
ou nos mercados livres de curto prazo. Os leilões de energia, junto às iniciativas do
PROINFA (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas) têm permitido o
desenvolvimento do setor sucro-energético brasileiro desde 1990, com a privatização do
setor elétrico (CORTEZ, 2010).
O Governo Federal vem praticado uma série de incentivos para aumentar a
participação da bio-eletricidade no panorama nacional. Desde 2004, com a re-
estruturação do setor elétrico nacional, a biomassa tem aumentado nesse segmento. Até
2015, 394 termelétricas operavam com bagaço, com uma potência instalada de 11 GW,
sendo que 90% desta está cadastrada no BIG (Banco de Informações de Geração) como
PIE (Produtores Independentes de Energia), o que significa que podem comercializar
energia elétrica. Segundo o PDE (Plano Decenal de Expansão de Energia) feito em 2014,
o bagaço é a fonte de energia de biomassa dominante até 2024 (TOLMASQUIM, 2016).
18
Figura 2. Esquema de processo simplificado de uma biorefinaria de cana-de-açúcar. Adaptado de MORAES; ZAIAT; BONOMI, (2015)
19
3.4. Aspectos Tecnológicos da Cogeração
O bagaço é o resíduo fibroso da cana resultante no ultimo terno de moagem da
cana, constituído de fibra e caldo residual. Possui um teor energético de aproximadamente
2,48 MWh por tonelada de bagaço. O bagaço de cana é queimado nas caldeiras da usina
para produzir vapor e usado nos processos da própria usina e/ou na produção de energia
elétrica. As usinas, normalmente, utilizam sistema de ciclo a vapor Rankine com
reaquecimento e regenerativo, sendo esta configuração denominada Ciclo Vapor com
Condensação/Extração. A maioria das caldeiras funciona a pressão de 20 a 60 bar e
temperatura 480°C a 520°C (TOLMASQUIM, 2016; FANG & ZHANG, 2015). A Figura
3 mostra o balanço energético simplificado da energia da biomassa de cana.
Figura 3. Balanço energético simplificado da energia elétrica de biomassa.
Adaptado de CORTEZ (2010).
3.5. Aproveitamento energético do biogás
O biogás é um gás combustível de alto poder calorífico, produzido a partir de
matéria orgânica fermentada por microrganismos, dentro de certos limites de temperatura,
umidade e acidez, em ambiente impermeável ao ar (FARIA, 2012).
O biogás possui uma composição média de 50% - 65% de CH4, de 25% - 45% de
CO2 e traços de H2S, N2, H2, CO, e O2 e seu poder calorífico é de cerca de 5500 Kcal/m3
20
quando possui aproximadamente 60% de CH4 (IANNICELLI, 2008). Utiliza-se o
conceito de poder calorífico inferior (PCI) para determinar o potencial teórico de energia
contido em alguma fonte de combustível. A Tabela 2 apresenta o PCI do biogás
comparado com outros combustíveis.
Tabela 2. Comparação do poder calorífico inferior (PCI) do biogás e outros gases.
Gás combustível PCI (kcal/Nm3)
Metano 8500
Propano 22000
Butano 28000
Gás de cidade 4000
Gás natural 8554
Biogás 5500
Fonte: GENOVESE; UDAETA; GALVAO, 2006.
O biogás, quando utilizado in natura, direto da saída do biodigestor tem uma
queima mais lenta que outros gases combustíveis, devido à presença de CO2. Assim libera
menos calor por unidade de massa. Além disso a presença de traços de H2S, que ao entrar
em combustão gera vapores de ácido sulfúrico, pode corroer os equipamentos (CORTEZ,
2010). Essas características devem ser consideradas na escolha do material e no
dimensionamento dos equipamentos, tais como bombas hidráulicas e geradores de
energia. (SOUZA; SILVA; BASTOS, 2010).
NOGUEIRA e colaboradores (2015) estudaram o potencial energético de se
utilizar biogás da vinhaça de etanol de cana para geração de eletricidade no estado do
Paraná, assumindo um biodigestor do tipo tubular. Foram analisadas três formas de
operação da planta (baseadas em diferentes períodos de funcionamento anual), para cada
forma foram analisados cinco cenários diferentes de preço de energia e realizados
cálculos de taxas de internas de retorno, tempo de retorno de investimento e o valor
presente líquido para cada combinação possível. Concluindo que em todas as formas de
operação são viáveis (exceto nos piores cenários de preço das duas formas de operação
21
mais longas), tiveram valores presentes líquidos positivos e taxas internas de retorno
maiores que as desejadas, considerando um tempo de vida de projeto de 20 anos.
GALLERT; HENNING; WINTER (2003) em seu estudo sobre tratamento de
esgoto na cidade de Karlsruhe, na Alemanha, mostraram que um reator do tipo batelada
alimentada em escala laboratorial, de 8,5 L de volume útil, teve a mesma eficiência de
remoção de carga orgânica que o reator de escala industrial de 1350 m3 mantendo a
mesma carga orgânica na alimentação, o resultado foi consistente durante os 7 meses de
operação.
KIM e colaboradores (2008) em seu estudo, compararam o desempenho de um
sistema fermentativo de 3 etapas para tratamento de resíduos alimentares em escala
laboratorial e escala piloto, o volume total dos sistemas eram de 0,4 m3 e 10 m3
respectivamente. Observaram que a eficiência de remoção de DQO foi de 90,6% e 90,1%
para a escala laboratorial e piloto, além de fator de conversão em metano de 282 e 254 L
CH4 por kg de DQO removida, respectivamente.
Estes resultados sugerem que o processo de digestão anaeróbia é um processo
robusto e os rendimentos de produção de metano em escala de laboratório são esperados
em escalas maiores. Alguns estudos analisaram a possibilidade de utilização do biogás de
da digestão anaeróbia para aproveitamento energético. O PROJETO GERAÇÃO
DISTRIBUÍDA (2009) analisou a produção de energia elétrica descentralizada através da
queima de biogás da digestão de resíduos de pequenas e médias indústrias do setor
alimentício paranaense. SZYMANSKI; BALBINOT; SCHIRMER (2010) estudaram a
aplicabilidade de sistemas de digestão anaeróbia de vinhaça em reatores UASB, além do
aproveitamento do biogás para energia elétrica e créditos de carbono. CRUZ e
colaboradores (2013) analisaram a viabilidade técnica, econômica e ambiental das
tecnologias de condicionamento e aproveitamento de vinhaça, dentre elas a digestão
anaeróbia usando reatores UASB.
Neste contexto, a eficiência do sistema de tratamento e os índices de remoção da
carga orgânica podem ser calculados assim como é possível estimar a produção de biogás
gerado na digestão anaeróbia segundo os cálculos do PROJETO GERAÇÃO
DISTRIBUÍDA (2009).
22
3.6. Avaliação de Impacto Ambiental
A Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) é um processo de avaliação dos impactos
ambientais que um produto que causa no ambiente em seu ciclo de vida, “do berço ao
túmulo”. É uma avaliação que aborda todos os processos requeridos: extração e
processamento, manufatura, transporte e distribuição; uso, reuso e manutenção;
reciclagem e disposição final. Este conceito pode ser utilizado em decisões com
consequências ambientais, tais como políticas governamentais, desenvolvimento de
novos produtos ou fornecer material para o desenvolvimento de guias ambientais por
ONGs. (UNEP, 1996).
A crise energética dos anos 70 e a publicação de do livro “Limites do
Crescimento”, tiveram uma grande influência na percepção ambiental geral. Um dos
resultados foi um sistema detalhado para analisar a energia requerida para manufaturar
produtos individuais. A ACV foi desenvolvida em paralelo e influenciada por isso. O
interesse na ACV aumentou desde os anos 80. Desde então métodos têm sido
desenvolvidos para quantificar impactos de produtos em diferentes categorias de danos
ambientais. No final dos anos 80 era comum encontrar relatórios ambientais de produtos
semelhantes com resultados conflitantes. Isso levou à criação de uma metodologia para
ACV em um Código de Prática (Code of Practice for LCA), sob a orientação da SETAC
(Society of Environmental Toxicology and Chemistry). Atualmente a ISO (International
Standards Organization) está trabalhando para uma metodologia uniforme (UNEP,
1996).
Todos os procedimentos da ACV são elaborados de acordo com uma estrutura. A
SETAC tem sido a principal responsável pela coordenação e harmonização das atividades
internacionais de ACV, incluindo o Código de Prática, que é a atual estrutura oficial. Essa
estrutura se divide em quatro etapas: Definição de objetivo e escopo; Análise de
Inventário; Avaliação de Impacto; e Avaliação de Melhoramento. O procedimento é
ilustrado na Figura 4.
23
Figura 4. Fluxograma simplificado da ACV. Adaptado de NBR ISO14040 (2001).
Nos objetivos se define o que vai ser investigado e como vai ser investigado.
Deve-se especificar os procedimentos de qualidade. O escopo é relacionado com o nível
de sofisticação requerido para o objetivo do estudo. Para comparar produtos é necessário
selecionar um critério. A principal característica deve ser a função do produto. Essa
função é referida como unidade funcional.
A análise de inventário especifica os processos requeridos na manufatura, uso e
eventual descarte do produto. Esses processos constituem o ciclo de vida daquele produto.
Todo processo possui as seguintes entradas e saídas:
• A primeira tarefa da análise de inventário é especificar todos os processos
envolvidos no ciclo de vida do produto, na forma de um fluxograma.
Todos os processos começam com a extração de matéria prima e energia
do ambiente e terminam com o descarte, reentrando no ambiente como
emissões para a água ar e solo;
• Em seguida deve-se coletar os dados de cada processo, esta costuma ser a
etapa mais demorada;
24
• Em seguida definir as fronteiras do sistema, que normalmente são:
Fronteira em produto e ambiente, fronteira entre sistemas do produto de
outros sistemas do produto, fronteira entre processos considerados e
processos desconsiderados.
A avaliação de impacto é onde os resultados da avaliação são interpretados em
termos dos impactos no ambiente, e pode ser classificada em 3 passos:
• Classificação: onde se determina o tipo do impactante ao ambiente;
• Caracterização: onde se determina os perfis de impacto, que especificam
a contribuição quantificada de cada impacto ambiental;
• Avaliação: comparação dos impactos ambientais de cada produto. A
decisão por um produto ou outro é subjetiva.
A avaliação de melhoramento é similar a etapa de avaliação de impactos, onde se
compara mudanças no processo de um mesmo produto, buscando avaliar o impacto
ambiental de cada um e decidir por um mais adequado (UNEP, 1996).
25
4. MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi realizado no Laboratório Bioengenharia e Tratamento de Água
Residuárias – BIOTAR da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp. A
vinhaça foi coletada em uma usina de cana-de-açúcar (Usina Ester) situada no estado de
São Paulo e o inóculo foi obtido da própria usina.
4.1. Caracterização inicial
A caracterização dos resíduos selecionados (vinhaça e inóculo), da mistura do
reator inicial e final, assim como do efluente retirado a cada 3 dias (TDH) conforme
regime semi-contínuo de controle de processo foram realizados para os seguintes
parâmetros: pH, alcalinidade, amônia, DQO, nitrogênio total.
4.1.1. Densidade
A densidade foi obtida adicionando um volume próximo de 25ml em uma
proveta de 50ml previamente tarada em balança analítica de precisão conforme descrito
por NEVES (2016). Em seguida foi anotado a massa e o volume da amostra e a
densidade obtida pela razão entre massa/volume. O procedimento foi realizado em
triplicata e os resultados apresentados como média dos valores.
4.1.2. Determinação de nitrogênio total e nitrogênio amoniacal
O conteúdo de nitrogênio será determinado pelo método Kjeldhal o conteúdo de
proteína será de acordo com a AOAC (1990). O procedimento para a determinação de
nitrogênio amoniacal é o seguinte:
1-No bequer: colocar 5 mL de amostra diluída/filtrada + 5 mL de tampão borato,
medir o pH, e ajustar o pH para 9,5 com solução de NaOH 0,5 N
2-Transferir a amostra tamponada para um tubo Kjeldahl, em um erlenmeyer de
250 mL adicionar 10 mL de solução absorvente de ácido bórico, conectar o tubo com a
amostra ao destilador de nitrogênio, acoplar o erlenmeyer com a solução absorvente de
ácido bórico na saída do destilador de modo que a mangueira fique submersa na solução,
e ligar o aquecimento da caldeira e coletar 100 mL de destilado;
26
3-Titular com solução de ácido sulfúrico 0,02 N até mudança de cor do indicador
para rosa, fazer um branco.
As seguintes soluções para análise de Nitrogênio Amoniacal foram utilizadas:
a) Solução Tampão de Borato: Dissolver 5 g de tetraborato de sódio anidro (Na2B4O7)
ou 9,5 g de tetraborato de sódio decahidratado (Na2B4O7.10H2O) em
aproximadamente 500mL de água destilada, adicionar 88 mL de Hidróxido de sódio
0,1 N, transferir para um balão volumétrico de 1 L e completar o volume;
b) Indicador Misto: 1) Solução A: Dissolver 200 mg de vermelho de metila em 100
mL de álcool etilíco; 2) Solução B: Dissolver 100 mg de azul de metileno em 50
mL de álcool etilíco. Misturar as soluções A e B.
c) Solução Absorvente de Ácido Bórico: Dissolver 20 g de Ácido Bórico em
aproximadamente 800 mL de água destilada, adicionar 10 mL de indicador misto,
transferir para um balão volumétrico de 1 L e completar o volume.
d) Solução estoque de Ácido Sulfúrico 1 N: Adicionar cuidadosamente, em um béquer
com aproximadamente 500 mL de água deionizada, 27 mL de Ácido Sulfúrico
concentrado. Deixar esfriar, transferir para um balão volumétrico de 1L e completar
o volume.
4.1.3. pH e Alcalinidade
O potencial hidrogeniônico e a alcalinidade serão determinados por potenciômetro
digital de bancada e a alcalinidade será determinada por uma técnica volumétrica de
titulação potenciométrica como proposto por Standard Methods for Examination of Water
and Wastewater (APHA, 1998)
4.1.4. Análise de demanda química de oxigênio (DQO)
A demanda química de oxigênio representa a quantidade de oxigênio necessária
para oxidar quimicamente a matéria orgânica e inorgânica oxidável de uma determinada
amostra líquida. Para a determinação da DQO utilizou-se o método colorimétrico de
refluxo fechado 4520D da metodologia proposta por Standard Methods for Examination
of Water and Wastewater (APHA, 1998).
27
O método tem uma duração de 2 horas, suficientes para que o cromo seja reduzido
de número de oxidação de +7 (cor laranja) para número de oxidação +3 (cor verde) e essa
mudança quantificada através da medida da absorbância da luz de comprimento de onda
especificado.
As amostras foram transferidas para tubos digestores e em seguida foram
adicionadas duas soluções, uma fortemente oxidante contendo dicromato, ácido sulfúrico
e sulfato de mercúrio e outra catalítica contendo ácido sulfúrico e sulfato de prata. Os
tubos foram colocados em um bloco digestor para DQO Hach a 150ºC por duas horas. As
amostras foram resfriadas a temperatura ambiente e procedeu-se a leitura da absorbância
em um espectrofotômetro de modelo DR 4000U da marca Hach, em um comprimento de
onda de 610nm.
A curva de padrão foi feita segundo a metodologia, utilizando bfitalato de potássio
como padrão e para um amplo espectro de DQO. A curva analítica e a equação da reta.foi
construída e representada na Figura 3.
Figura 5. Curva padrão da análise de demanda química de oxigênio (DQO) e
equação da reta.
Para calcular a eficiência do sistema de tratamento e os índices de remoção da
carga orgânica foi levada em conta a maneira mais comum conforme equação 1:
𝐸𝑓𝑖𝑐𝑖ê𝑛𝑐𝑖𝑎 (%) =𝐷𝑄𝑂 𝑛𝑎 𝑒𝑛𝑡𝑟𝑎𝑑𝑎 − 𝐷𝑄𝑂 𝑛𝑎 𝑠𝑎í𝑑𝑎
𝐷𝑄𝑂 𝑛𝑎 𝑒𝑛𝑡𝑟𝑎𝑑𝑎∗ 100 (1)
y = 2268,1xR² = 0,9842
0
100
200
300
400
500
600
0 0,05 0,1 0,15 0,2 0,25
DQ
O(m
gO2
/L)
Absorbância
28
4.1.5. Sólidos Totais (ST)
A determinação de sólidos totais foi realizada pelo método gravimétrico com
secagem em estufa regulada a 105°C, como descrito método 2540 B proposto por
Standard Methods for Examination of Water and Wastewater (APHA, 1998). Segundo
esse método as amostras foram mantidas em estufa (Modelo 315 SE, marca Fanem) até
atingirem peso constante e o conteúdo de sólidos totais foi determinado pela equação 2.
As determinações de ST foram feitas em triplicata.
1 0( / ) *1000amostra
m mST g kg
m
(2)
onde:
m0 = massa do cadinho (g)
m1 = massa do resíduo seco + cadinho (g)
mamostra = massa da amostra (g)
4.1.6. Sólidos totais fixos (STF) e sólidos totais voláteis (STV)
Ambos serão determinados pelo método 2540 (APHA, 1998), sendo os STF
determinados gravimetricamente por incineração em mufla a 550°C e os STV pela
diferença entre os ST e os STF.
4.1.7. Sólidos em Suspensão Totais (SST), Fixos (SSF) e voláteis (SSV)
Os SST serão determinados segundo a metodologia descrita pela Norma Interna
da SABESP (1999), sendo os SSF determinados gravimetricamente por incineração em
mufla a 550°C e os SSV pela diferença entre os SST e os SSF.
29
4.2. Características do reator anaeróbio do tipo tanque agitado
O reator tipo tanque agitado de escala de laboratório (V = 4,3 litros) foi mantido
em regime semi-contínuo e em temperatura de 55°C (Figura 6). O reator era agitado 3
vezes por dia, por 10min. Aproximadamente 40% do volume total do reator (V=1,84L)
foi destinado ao acúmulo de biogás, 60% do volume restante (V=2,76L) foi destinado a
uma mistura inicial de tratamento no qual 65% (V=1,93L) constituiu de vinhaça e 35%
(V=0,83L) de inóculo.
Figura 6. Equipamento de digestão anaeróbia.
O pH e temperatura do reator foram monitorados diariamente. O inóculo ou lodo
termofílico foi mantido em um reator de tanque agitado de escala laboratorial (V=2,2 L)
e este alimentou o reator envolvido no processo de digestão anaeróbia.
4.2.1. Preparo e coleta das amostras
Após o início do reator, aproximadamente a cada 3 dias eram coletadas amostras
de 50mL do efluente do reator, em seguida eram repostos 50mL de uma solução de 35%
30
de inóculo e 65% de vinhaça, buscando manter o mesmo volume no reator. O
procedimento é ilustrado na Figura 6.
Figura 6: Esquema da coleta de efluentes do reator
A amostra inicial de vinhaça, devido à baixa concentração de sólidos em
suspensão, foi apenas filtrada em papel de filtro qualitativo de gramatura 80 g/m2.
As amostras de inóculo e de efluente do reator foram lixiviados como descrito por
FORSTER-CARNEIRO (2008): pesados 10g de amostra e diluídos em 100 mL de água
deionizada, em erlenmeyer de 250mL, em seguida foram postos em shaker por 2 horas
sob agitação de 200 rpm a 25°C, e depois filtrados em sistema de filtração a vácuo,
utilizando papel de filtro qualitativo de gramatura 80 g/m2.
As amostras foram analisadas conforme descrito na Figura 7, com exceção da
vinhaça que não precisou ser lixiviada.
31
Figura 7: Esquema da análise das amostras do reator e inóculo
4.3. Volume e composição do biogás
O volume do biogás foi determinado acoplando uma mangueira à saída de gás e a
outra extremidade da mangueira em uma proveta invertida totalmente preenchida com
água, de forma que o volume produzido de biogás deslocasse um volume conhecido de
água conforme mostrado na Figura 8.
Figura 8: Sistema de coleta do biogás.
A composição do biogás (H2, CH4, CO2) foi determinada através da retirada de
amostras de 0,5 mL em duplicadas, após ligada a agitação no reator para desprender os
32
gases. Em seguida eram analisadas por um detector de condutividade térmica de um
cromatógrafo de separação a gás (GC-2014 Shimadzu®) equipado com coluna
microempacotada ShinCarbon ST 50/80. A cada dois dias serão realizadas análises físico-
químicas do líquido no interior do reator, tal como a análise de composição e
quantificação do biogás.
4.4. Estimativa de produção teórica de vinhaça no Estado de São Paulo
Segundo estudo de RIBEIRO & RAIHER (2013), que entrevistaram membros do
setor industrial de biogás, a utilização de vinhaça para fins de produção de biogás só é
viável economicamente a partir de 1,5 milhão de toneladas de cana de açúcar moídas por
ano. A partir dessa informação foram selecionadas usinas do estado de São Paulo que
moeram cana nessa faixa, a partir dos dados fornecidos em PROCANA (2015).
Após a seleção das usinas, foi analisada a sua produção de etanol, chegando a um
valor médio, tomado como valor de referência. Em seguida a produção de vinhaça foi
estimada a partir da relação de 12 L de vinhaça por litro de etanol.
4.5. Estimativa do potencial teórico de produção de biogás
Segundo o cálculo do PROJETO GERAÇÃO DISTRIBUÍDA (2009), que
estudou a geração de eletricidade a partir da queima do biogás gerado na digestão
anaeróbia em usinas de pequeno e médio porte do setor alimentício paranaense.
Com base na relação de produção de metano por DQO removida e a concentração
de metano no biogás, estima-se do potencial teórico de produção de biogás, que pode ser
calculada pela equação 3:
𝑃𝐵 = 𝑉𝑒𝑓.(𝐷𝑄𝑂𝑐).𝑌
𝐶𝐶𝐻4 (3)
Onde:
PB é a produção de biogás (Nm3/ano);
Vef é a vazão de biomassa através do biodigestor anaeróbio (m3/ano);
DQOc é o valor médio da demanda química de oxigênio da biomassa consumida (kg
DQO/m3 de efluente);
Y é a produção de metano por kg de DQOc (Nm3 de CH4/kg DQOc);
CCH4 é a concentração de metano no biogás (m3 de CH4/m3 de biogás)
33
O valor de Vef foi definido a partir do volume de vinhaça produzido em usinas
do estado de São Paulo em função dos dados de produção de etanol.
A DQOc foi calculada com os resultados de eficiência de remoção de DQO
obtidos em laboratório, conforme descrito na equação 4:
𝐷𝑄𝑂𝑐 = 𝐷𝑄𝑂𝑒 ∗ 𝐸𝑓𝑖𝑐𝑖ê𝑛𝑐𝑖𝑎 (4)
Onde DQOe é a DQO de entrada do efluente da usina no reator
4.6. Determinação do potencial teórico de geração de eletricidade
Segundo CORTEZ (2010), de toda a energia do bagaço, considerando perdas
térmicas e combustão incompleta, 56% da energia do bagaço é utilizada como energia
térmica para o processo e 5% é utilizada para geração de energia elétrica.
Considerando que normalmente toda a energia necessária para o funcionamento
da usina já é fornecida pela queima do bagaço, a queima do biogás na mesma caldeira
proveria energia que poderia ser usada exclusivamente para a produção de energia
elétrica. Adotando as mesmas condições de queima de bagaço, os 56% da energia que
iriam para a produção de energia térmica seriam adicionados aos 5% do que já seria
destinado à energia elétrica, resultado que 61% da energia do biogás seria transformada
em energia a elétrica, como representado na Figura 8.
Figura 9: Balanço energético da cogeração com biogás. Adaptado de CORTEZ (2010)
Vale ressaltar que esta é uma consideração conservadora, visto que o modelo de
caldeira utilizado na referência é mais antigo e menos eficiente e o biogás queima melhor
que o bagaço, já que possui menos particulados e menos umidade. (CORTEZ, 2010)
34
Assim temos o potencial teórico de geração de eletricidade calculado pela seguinte
equação 5:
𝑃𝑜𝑡𝑒𝑙 = 0,61 ∗ 𝑃𝐶𝐼𝑏𝑖𝑜𝑔á𝑠 ∗ 𝑃𝐵 (5)
4.7. Cálculo da receita anual da venda da energia elétrica
Considerando que a energia elétrica gerada seria vendida à rede elétrica em leilões
abertos de energia e considerando o preço a ser vendida a energia como o Preço de
Liquidação das Diferenças (PLD) médio de 2015 de 228 R$/MWh (TOLMASQUIM,
2016). Temos que a receita anual calculada de acordo com a seguinte equação 6:
𝑅𝑒𝑐𝑒𝑖𝑡𝑎 = 228𝑅$
𝑀𝑊ℎ∗ 𝑃𝑜𝑡𝑒𝑙 (6)
4.8. Avaliação de Impactos Ambientais
Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) de acordo com a metodologia descrita pela
NBR ISO 14040 (2001) contém 4 etapas: 1) objetivo e escopo; 2) analises de inventário;
3) avaliação de impacto e 4) interpretação.
O presente trabalho realizou as seguintes etapas:
1ª ETAPA: O objetivo foi comparar os impactos ambientais da utilização como
fertilizante da vinhaça in natura através de fertirrigação e da vinhaça biodigerida, em
relação à capacidade de nitrogênio adicionada ao solo, conforme descrito por CARMO et
al (2013) que analisou as emissões de gases de efeito estufa em plantação de cana relativas
à aplicação de vinhaça e fertilizantes minerais;
- O escopo foi comparar o impacto de mudança climática da vinhaça in natura e
biodigerida, a partir do momento que saem do armazenamento até seu descarte no solo.
35
No caso da vinhaça biodigerida foi considerada a digestão anaeróbia e a utilização do
biogás gerado na caldeira da usina, junto com o bagaço. Para a análise de sensibilidade,
foram considerados dois cenários onde os respectivos escopos são apresentados nas
Figuras 9 e 10;
- Como a vinhaça biodigerida e in natura apresentam alto teor de umidade e teor
de potássio semelhante, foi considerado a utilização da mesma taxa de aplicação de 100
m3.ha-1.ano-1, considerado valor típico das usinas de São Paulo (MORAES et al., 2014).
Não foram considerados os impactos relacionados ao transporte da vinhaça, já que ambos
os cenários utilizam os mesmos equipamentos, sistemas de transporte na irrigação e
percorrem o mesmo percurso. Para o caso de operação do sistema foi considerado que
todas utilizam energia elétrica, conforme descrito por CORTEZ (2010).
2ª ETAPA: Na análise de inventário foram utilizados os dados potencial de
aquecimento global descrito pelo IPCC (2013). A caracterização dos efluentes foi obtida
no Laboratório BIOTAR pelos procedimentos descritos anteriormente nessa seção. Os
dados relativos à vinhaça biodigerida foram os mesmos do reator experimental no dia
final. Detalhes sobre a estimativa de emissões serão explicados adiante;
3ª ETAPA: A avaliação de impacto irá contemplar os seguintes cálculos,
descritos mais detalhadamente nos itens subsequentes:
- Emissões de gases estufa evitadas na geração elétrica;
- Emissões de gases estufa no campo
- Emissões devido à operação do reator UASB
- Emissões devido à vazamentos no reator UASB
- Emissões totais
Figura 10: Fluxograma para o caso da vinhaça in natura.
36
Figura 11: Fluxograma considerando a vinhaça biodigerida.
4.8.1 Cálculo das emissões de gases estufa evitadas na geração elétrica
Segundo os dados fornecidos pelo MCT (2016) para as emissões em 2015, foram
emitidas 0,1244 toneladas equivalentes em dióxido de carbono (CO2) por MWh de
energia produzida, emissão causada principalmente pela utilização de combustíveis
fósseis na matriz energética. Assim a usina de referência poderá evitar a emissão de CO2
anualmente conforme equação 7:
𝐸𝑚𝑖𝑠𝑠õ𝑒𝑠 𝑒𝑣𝑖𝑡𝑎𝑑𝑎𝑠 = 0,1244𝑡𝐶𝑂2
𝑀𝑊ℎ∗ 𝑃𝑜𝑡𝑒𝑙 (7)
4.8.2 Cálculo das emissões de gases estufa no campo
As emissões no campo foram calculadas com a taxa de aplicação de 100 m3/ha
como descrito por CARMO et al. (2013) e MORAES et al. (2014). Para se obter o
nitrogênio aplicado (Nap) em kg/ha utilizou-se a seguinte equação 8:
37
𝑁𝑎𝑝 = 𝑁𝑇𝐾 ∗ 100 (8)
Onde,
NTK é o Nitrogênio Total de Kjeldahl do fertilizante utilizado, em kg/m3.
As emissões de N2O (kg/ha) foram calculadas utilizando o método do IPCC para
gases estufa (DE KLEIN et al., 2006) e CARMO et al. (2013) que utiliza fatores de
emissão para a substância despejada no solo, conforme a equação 9:
𝑁2𝑂𝑐𝑎𝑚𝑝𝑜 = 𝑁𝑎𝑝 ∗ 𝐹𝐸 ∗ 44/28 (9)
Onde,
FE é o fator de emissão da substância empregada no solo, em porcentagem.
As emissões de gases de efeito estufa no é obtida multiplicando as emissões de
N2O pelo seu potencial de aquecimento global (GWP) relativo a um ano, obtido de dados
do IPCC (2013), de acordo com a seguinte equação 10:
𝐸𝑚𝑖𝑠𝑠õ𝑒𝑠𝑐𝑎𝑚𝑝𝑜 = 𝑁2𝑂𝑐𝑎𝑚𝑝𝑜 ∗ 𝐺𝑊𝑃N2O (10)
4.8.3 Cálculo das emissões devido à operação do reator UASB
O cálculo da energia elétrica consumida devido à operação do reator UASB foi
calculada a partir do estudo de CARRERE et al. (2010), que analisou várias tecnologias
de tratamento anaeróbio de lodo. O trabalho afirma que no tratamento anaeróbio de lodo
são necessários 0,04 kWh/kgSTV de energia elétrica. Assim se obtém a seguinte equação
11:
𝐸𝑐𝑜𝑛𝑠𝑢𝑚𝑖𝑑𝑎 = 𝑉𝑒𝑓 ∗ 𝑑 ∗ 𝑆𝑇𝑉 ∗ 4.10−5 𝑀𝑊ℎ
𝑘𝑔𝑆𝑇𝑉 (11)
Onde:
Vef é volume de vinhaça anual (m3/ano)
d é a densidade da vinhaça (ton/m3)
STV são os sólidos totais voláteis (kg/ton)
38
Segundo os dados fornecidos pelo MCT (2016) para as emissões em 2015, foram
emitidas 0,1244 toneladas equivalentes de CO2 por MWh. O cálculo das emissões de
gases de efeito estufa devido à operação do reator UASB foi calculada a partir da seguinte
equação 12:
𝐸𝑚𝑖𝑠𝑠õ𝑒𝑠𝑜𝑝 = 0,1244𝑡𝐶𝑂2𝑒𝑞
𝑀𝑊ℎ∗ 𝐸𝑐𝑜𝑛𝑠𝑢𝑚𝑖𝑑𝑎 (12)
4.8.4 Cálculo das emissões devido à vazamentos no reator UASB
De acordo com LOBATO; CHERNICHARO; SOUZA (2012), que estudaram o
balanço de DQO em reatores UASB, aproximadamente 10% do metano é perdido na
forma de vazamentos ou de purga. Desprezando o metano que fica dissolvidos no líquido
do reator, têm-se que os outros 90% estão representados pela Produção de Biogás (PB)
calculado na equação 3.
Assumindo que o biogás se comporta como um gás ideal nas condições normais
de temperatura e pressão, o volume molar é de 4,45.10-4mol/m3. Desprezando o efeito de
outros gases de efeito estufa que existem no biogás mas estão em concentrações muito
baixas, o valor calculado devido à vazamentos gasosos no reator UASB pode ser obtido
pela seguinte equação 13:
𝐸𝑚𝑖𝑠𝑠õ𝑒𝑠𝑣𝑎𝑧 = 10% ∗𝑃𝐵
90%∗ 𝐺𝑊𝑃𝐶𝐻4
∗ 𝑓𝐶𝐻4∗ 𝑀𝑀𝐶𝐻4
(13)
Onde:
MMCH4 é a massa molar do metano (kg/mol)
fCH4 é a fração volumétrica do metano no biogás
GWPCH4 é o potencial de aquecimento global do metano (kgCO2eq/kg)
4.8.5 Cálculo das emissões totais
O cálculo das emissões totais foi realizado com a soma das emissões
anteriormente calculados conforme equação 14:
𝐸𝑚𝑖𝑠𝑠õ𝑒𝑠𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 = 𝐸𝑚𝑖𝑠𝑠õ𝑒𝑠𝑜𝑝 + 𝐸𝑚𝑖𝑠𝑠õ𝑒𝑠𝑐𝑎𝑚𝑝𝑜
+ 𝐸𝑚𝑖𝑠𝑠õ𝑒𝑠𝑣𝑎𝑧 − 𝐸𝑚𝑖𝑠𝑠õ𝑒𝑠𝑒𝑣𝑖𝑡𝑎𝑑𝑎𝑠 (14)
39
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
5.1. Caracterização dos resíduos
A caracterização dos resíduos selecionados (vinhaça e inóculo), e a mistura do
reator inicial e final, assim como do efluente retirado a cada 3 dias (TDH) conforme
regime semi-contínuo de controle de processo foram realizadas, conforme mostram as
Tabelas 3 e 4.
Os resíduos e as etapas inicial e final do reator foram caracterizados utilizando os
procedimentos descritos na Seção 4.
Os dados de carbono orgânico total (COT) foram obtidos através da relação entre
DQO e COT descritas no trabalho de DUBBER & GRAY. Os dados de fósforo (P) e
potássio (K) foram obtidos do trabalho de SALOMON (2007).
Tabela 3. Caracterização individual dos materiais selecionados
inicialmente: vinhaça e lodo mesofílico (inóculo).
Parâmetro Material
Vinhaça Inóculo
DQO (mgO2/L) 20866,52 2708,18
N-NH3 (mg/L) 13,06 517,29
NTK (mg/kg) 414,44 1488,52
ST (g/kg) 36,92 30,98
STV (%ST) 58,47 63,46
STV(g/kg) 14,13 19,66
SST (g/kg) 0,89 20,2
SSV(g/kg) 0,89 14,5
Densidade (g/mL) 1,01 0,99
pH 4,67 7,85
Alcalinidade Total
(mgCaCO3/L) 0 392,14
COT (mg/L) 6955,5 902,7
C:N 16,78 0,61
P (mg P2O5/L) 17 ***
K (mg K2O/L) 1400 ***
40
Tabela 4. Caracterização inicial e final do reator de vinhaça e lodo
termofílico em conjunto.
Parâmetro Reator de vinhaça
Inicial Final
DQO (mgO2/L) 10584,47 8407,1
N-NH3 (mg/L) 126,27 344,93
NTK (mg/kg) 838,13 987,56
ST (g/kg) 32,75 30,93
STV (%ST) 56,85 61,16
STV(g/kg) 18,61 19,19
SST (g/kg) 5,3 8,3
SSV(g/kg) 4,4 5,7
Densidade (g/cm3) 1,00 1,00
pH 6,11 8,36
Alcalinidade Total
(mgCaCO3/L) 189,04 727,1
COT (mg/L) 3528,16 2802,4
C:N 4,21 2,84
P (mg P2O5/L) *** 32
K (mg K2O/L) *** 1400
AIYUK e colaboradores (2006) em seu estudo sobre tratamento de esgoto
doméstico, resume alguns parâmetros para um bom desempenho da digestão anaeróbia,
dentre eles:
• A razão SSV:SST deve estar entre 0,7 e 0,85 para boa granulação. No
presente trabalho é 0,83, o que sugere um bom desempenho
• A razão SST:DQO crescer prejudica a granulação. No presente trabalho,
esta razão aumenta, indicando desempenho prejudicado
• A razão DQO:N deve ser no mínimo 70. No presente trabalho, essa razão
é de 12,6 no início e de 8,52 no final, indicando um desempenho
prejudicado
ESPANA-GAMBOA e colaboradores (2011) estudou a caracterização de vinhaça
de diversas culturas agrícolas. Comparando o seu resultado para vinhaça de fermentação
do caldo de cana com o presente trabalho pode-se observar que a vinhaça deste:
• Apresenta DQO menor (20,9 gDQO/L) do que o citado (30,4gDQO/L), o
que pode ser devido a um início de deterioção da vinhaça antes deste
trabalho antes da medida da DQO ou por ser de uma usina diferente.
• Apresenta N total dentro da faixa do citado (102 a 628 mg/L)
• Apresenta pH total dentro da faixa do citado (4,04 a 4,6)
41
5.2. Análise da composição do biogás
Na Figura 12, pode-se observar que a concentração do metano aumenta desde o
quarto dia de experimento, e partir do dia 28 a produção de metano aumenta de forma
crescente e constante, alcançando 49% no dia 58 de experimento. Estes resultados são
consistentes aos encontrados por outros autores de acordo com as análises de composição
do biogás da digestão anaeróbia para resíduos ricos em carboidratos que indicam
composição máxima de 50% de metano (WEILAND, 2010; DOS REIS et al., 2015).
A composição dos gases está diretamente ligada com a ecologia do reator
anaeróbio. Os microrganismos interagem de forma complexa produzindo e consumindo
uma série de substâncias. Como o processo de digestão anaeróbia pode ser resumida em
três processos principais: acidogênese, acetogênese e metanogênese; a composição do
biogás é uma consequência desta população e da atividade dos microorganismos
envolvidos (FERRY, 1994; LIU & WHITMAN, 2008; OFFRE; SPANG; SCHLEPER,
2013).
A composição inicialmente alta de hidrogênio no biogás pode ser devido ao fato
de que as bactérias acidogênicas produtoras de hidrogênio possuem taxas de crescimento
muito elevadas (APARECIDA, 1996; SANTOS, 2013). A queda da composição do
hidrogênio pode ser devido ao fato de que uma pressão parcial alta de hidrogênio torna a
acidogênese termodinamicamente desfavorecida, o que por sua vez favorece a atividade
das bactérias hidrogenotróficas, que passam a consumir esse hidrogênio (AMANI;
NOSRATI; SREEKRISHNAN, 2010; SANTOS, 2013; WILKINSON 2011).
42
Figura 12: Evolução dos gases hidrogênio (H2), metano (CH4) e dióxido de carbono (CO2) após 60 dias de experimento no reator com vinhaça.
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60
Fraç
ão n
o B
iogá
s (%
)
Tempo (dias)
H2 CH4 CO2
43
No processo de digestão anaeróbia, teoricamente cerca de 70% do metano
produzido vem através do acetato e os outros 30% vem principalmente do metabolismo
do hidrogênio ou formato. Todas as Arqueas metanogênicas são capazes de produzir
metano através dessa última rota (WHITMAN; BOWEN; BOONE, 2014). Em geral, as
Archeas metanogênicas hidrogenotróficas possuem tempo de duplicação menor do que
as acidogênicas, portanto é de se esperar que o metano não apareça em abundância no
início, conforme verificado (SANTOS, 2013). As Arqueas metanogênicas que utilizam
acetato como substrato são dos gêneros Methanosarcina e Methanosaeta (SANTOS,
2013), e as do gênero Methanosarcina apresentam tempos de duplicação de 1 a 1,2 dias,
enquanto as do gênero Methanosaeta possuem tempos de duplicação da ordem de 3,2 a 6
dias (SANTOS, 2013). Há estudos que relacionam a alta composição de CO2 na fase
gasosa com a inibição da metanogêse. (HOBSON & WHEATLEY, 1993). Outros fatores
ambientais que influenciam na composição dos gases serão discutidos mais adiante.
5.3. Evolução do volume de biogás
A Figura 13 mostra a evolução do volume de biogás ao longo do tempo (dias) no
reator anaeróbio. O volume de biogás foi obtido somando o volume marcado na proveta,
no sistema de coleta.
Figura 13: Evolução do volume de biogás ao longo dos dias no reator.
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
0 10 20 30 40 50 60
Vo
lum
e ac
um
ula
do
(m
L)
Tempo (Dias)
Volume de biogás
44
Ao longo do experimento foi acumulado 3800 mL de biogás. A diminuição na
velocidade de acúmulo do biogás pode ser devido ao aumento da população de arqueias
metanogênicas em relação a população de bactérias acidogênicas, que possuem tempo
de duplicação maior que as arqueias (SANTOS, 2013). O biogás seria produzido mais
rapidamente, mas pobre em metano. A Figura 12 também reforça essa possibilidade,
pois havia quase totalidade de CO2 no biogás, sugerindo uma forte influência da
acidogênese até 28 dias de experimento.
5.4. Análise dos valores de alcalinidade total e pH
A alcalinidade total é definida como a capacidade de uma solução de neutralizar
ácidos fortes (SANTOS, 2013), e influenciada por todas as bases presentes na solução. A
Figura 14 mostra a evolução dos valores de alcalinidade no reator ao dos dias do
experimento, e estes valores são comparados com os valores de pH.
A monitoração da alcalinidade e pH da solução lixiviada ajuda na compreensão
do comportamento do reator. Pode-se verificar que a partir do dia 30 a alcalinidade
começa a aumentar de forma mais acentuada e no dia 42 a alcalinidade está em torno de
750,0 mgCaCO3/L. Neste período o pH do reator está básico com valores entre 8,0 e 8,6
bastante favorável as Arqueas metanogênicas (SANTOS, 2013). Segundo Ferry (1994)
os valores de pH ótimo para as Archeas metanogênicas termofílicas é pH de 8,5.
A digestão anaeróbia é influenciada pelas substâncias básicas principalmente as
do sistema carbônico (íons bicarbonato e carbonato), ácidos voláteis (acetato, propionato,
butirato, etc.) e amônia (LETTINGA & VAN HAANDEL, 1994). Dessas, apenas a
alcalinidade do sistema carbônico tem poder tamponante apreciável. Assim, a
alcalinidade total é definida como a capacidade de uma solução de neutralizar ácidos
fortes (SANTOS, 2013).
No início do experimento, nos primeiros 15 dias, a alcalinidade apresentou valores
mais baixos e ao mesmo tempo pode-se perceber maiores variações no pH, de 6,0 a 7,9.
Esse aumento no pH pode ter ocorrido devido à uma influência maior das bactérias
consumidoras de ácidos voláteis, que possuem crescimento mais lento que as bactérias
acidogênicas (SANTOS, 2013). A influência do pH será discutida com mais detalhes na
próxima seção.
45
Durante todo experimento pode-se observar que a alcalinidade da solução
lixiviada aumenta de 189 para 727 mgCaCO3/L e o acúmulo de amônia livre pode ter
contribuído para este aumento da alcalinidade, ademais considerando que nos dias 14, 28
e 49 o pH foi corrigido com solução NaOH 6N, o que pode ter ajudado a aumentar a
alcalinidade mais rapidamente.
Figura 14: Evolução dos parâmetros de alcalinidade e pH após 60 dias de experimento
no reator com vinhaça.
A Figura 15 mostra a evolução do pH na composição do gás metano no reator
anaeróbio termofílico tipo úmido ao longo dos dias. Observa-se um aumento dos valores
pH crescente e constante. Inicialmente, no processo de digestão anaeróbia temos o
predomínio das bactérias acidogênicas e estas tendem a formar ácidos que tendem a
baixar os valores de pH entre 5,0 e 6,0 (SANTOS, 2013), e estes valores de pH mais
baixos não favorecem o crescimento das bactérias metanogênicas, além do acúmulo dos
ácidos graxos voláteis (AGV) inibir a produção de metano.
6
6,5
7
7,5
8
8,5
9
0
125
250
375
500
625
750
875
1000
1125
1250
1375
1500
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60
pH
Alc
alin
idad
e (m
gCaC
O3
/L)
Tempo (dias)
Alcalinidade da solução pH da solução
46
Adicionalmente, a produção e consumo dos AGV e produção e consumo de
amônia, podem favorecer a produção de ácido sulfídrico pelas bactérias sulfuro-redutoras
que afetam o pH fortemente (WILKINSON, 2011).
Figura 15: Influência do pH na composição do gás metano no reator anaeróbio
termofílico tipo úmido ao longo dos dias.
Nos dias 14, 28 e 39 foi adicionado NaOH 6N para se manter o pH acima de 8,0
para favorecer o crescimento das Archeas metanogênicas termofílicas, assim nesses dias
pode-se perceber grandes inflexões nos valores do pH.
A partir do dia 28, a composição de metano passou a aumentar de forma crescente
e constante (Figura 15). O aumento da porcentagem de metano pode estar relacionado ao
aumento dos valores de pH, de 8,0 a 8,5, faixa adequada as arqueias metanogênicas
termofílicas (FERRY, 1994). Variações no pH menores que 1,0, dentro desta faixa de 8,0
a 8,5, são bem tolerada pelas Archeas metanogênicas (SANTOS, 2013), além disso os
ácidos graxos voláteis (AGV) estão na sua forma ionizada, o que diminui seu poder
inibidor de metanogênese. (FANG & ZHANG, 2015).
6
6,3
6,6
6,9
7,2
7,5
7,8
8,1
8,4
8,7
9
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
0 3 6 9 12 15 18 21 24 27 30 33 36 39 42 45 48 51 54 57 60
pH
Met
ano
(%
)
Tempo (Dias)
CH4 pH
47
5.5. Análises dos valores de nitrogênio amoniacal no reator
A Figura 16 mostra a evolução dos valores nitrogênio amoniacal total (N-
NH3_total), amônia livre e porcentagem de metano ao longo dos 60 dias de experimento no
reator anaeróbio termofílico tipo úmido. Observa-se que a quantidade de nitrogênio
amoniacal aumenta a concentração de 126 mg/L para 345 mg/L (Figura 15). Este aumento
na concentração pode ser decorrente da atividade de bactérias que hidrolisam as proteínas
e melanoidinas da vinhaça, seus principais compostos nitrogenados (DOS REIS et al.,
2015). As próprias proteínas das bactérias mortas podem ser utilizadas como fonte de
nitrogênio, através do metabolismo endógeno, por isso há uma tendência ao nitrogênio
amoniacal acumular enquanto aumenta o tamanho do lodo. (HOBSON & WHEATLEY,
1993; TCHOBANOGLOUS; BURTON; STENSEL, 1991). Como a amônia é bastante
solúvel em água, ela não tende a escapar da solução
Os valores de amônia livre são considerados baixos, pois abaixo de 500 mg/L,
pode levar a perda de biomassa e redução do rendimento de produção de metano,
devido à falta de nutrientes nitrogenados (RAJAGOPAL; MASSE; SINGH, 2013).
Figura 16: Perfil de nitrogênio amoniacal total (N-NH3), amônia livre e porcentagem de
metano no gás ao longo do tempo no reator anaeróbio termofílico tipo úmido.
0
40
80
120
160
200
240
280
320
360
400
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60
N-N
H3(m
g/L
)
Met
ano
(%
)
Tempo (Dias)
%CH4 N-NH3 TotalAmônia livre
48
5.6. Análises dos valores de demanda química de oxigênio (DQO)
A Figura 17 apresenta a evolução dos valores de composição de metano no biogás
e a demanda química de oxigênio ao longo dos 60 dias de experimento. Na Figura
observa-se que os valores de concentração de DQO foi de 10584 mgO2/L inicialmente
e atingindo o menor valor no dia 60, de 8407 mgO2/L.
Figura 17: Evolução dos valores de composição do metano no biogás e a demanda
química de oxigênio ao longo dos dias no reator anaeróbio termofílico tipo úmido.
Pode-se observar que, quando a DQO aumenta os valores de composição de
metano diminuem e vice-versa, o que sugere existe uma relação direta entre estes dois
parâmetros.
A Tabela 5 contém os valores de DQO teórica de alguns compostos que participam
da etapa da digestão anaeróbia, obtidos através da estequiomoetria da reação de
combustão completa de cada composto.
800
2800
4800
6800
8800
10800
12800
14800
16800
18800
20800
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
0 3 6 9 12 15 18 21 24 27 30 33 36 39 42 45 48 51 54 57 60
mgO
2/L
% d
e m
etan
o n
o B
iogá
s
Tempo (Dias)
CH4 DQO
49
Tabela 5: Valores de DQO teórica para alguns componentes da digestão
anaeróbia.
Componente DQO (gO2/mol)
Glicose 192,77
Hidrogênio 16,0
Ácido acético 32,0
Ácido propanóico 111,85
Ácido butírico 160,0
Analisando as reações de acidogênese da Tabela 1, pode-se observar que a reação
de produção de ácido propanoico, destacada abaixo, é a única que aumenta a DQO na
solução, já que o hidrogênio, além de pouco solúvel, é rapidamente consumido por
bactérias hidrogenotróficas, já que é um importante transportador de elétrons em diversas
reações de redução. (FANG & ZHANG, 2015; WHITMAN; BOWEN; BOONE, 2014;
STAMS; ELFERINK; WESTERMANN, 2003).
6 12 6 2 3 2 22 2 2C H O H CH CH COOH H O
Esse aumento no ácido propanóico parece ser o causador de inibição da atividade
das Archeas metanogênicas, já que esse ácido é um inibidor da metanogênese bastante
estudado (FANG & ZHANG, 2015). O aumento na composição de metano coincide com
a diminuição da DQO, Levando em conta a influência do ácido propanoico, isso deve
acontecer devido a conversão deste em ácido acético, na etapa de acetogênese, que
posteriormente se converte em metano e escapa da solução.
Para estimar a eficiência do reator, utilizando a equação 1, foi considerada a
diferença de DQO entre duas amostras consecutivas, a partir do dia 42. Como pode ser
observado na Figura 12, há um aumento na concentração de metano a partir desse dia,
indicando ser a etapa que o reator se estabiliza. Os resultados de eficiência são
apresentados na tabela 6 a seguir
50
Tabela 6: Valores de eficiência do reator em diversos períodos
Intervalo
(dias)
Eficiência
(%)
42-46 19%
46-49 5%
49-53 -12%
53-56 41%
56-60 14%
Calculando a média da eficiência nesses intervalos se obtém o valor de eficiência
do reator de 13%.
Essa eficiência é considerada baixa, reatores do tipo UASB tem eficiência de
remoção de DQO de 65 a 80%. (SANTOS, 2013; SZYMANSKI; BALBINOT;
SCHIRMER, 2010).
5.7. Análises dos valores de sólidos
A Figura 18 mostra a evolução do perfil de sólidos totais (ST), sólidos voláteis
(SV) e sólidos fixos totais (STF) ao longo do tempo (dias) no reator anaeróbio. Como
pode se observar na Figura 18 os perfis de sólidos (ST, SV e STF) são irregulares. Isso
pode ser consequência da agitação não uniforme no reator, regime semi-contínuo, tempo
de detenção hidráulico de aproximadamente 3 dias ou mudanças internas na distribuição
da população de microrganismos. Todas essas características causam perturbações no
reator que não permitem que ele se estabilize
51
Figura 18: Evolução do perfil de sólidos totais (ST), sólidos voláteis (SV) e sólidos fixos
totais (STF) ao longo do tempo (dias) no reator anaeróbio.
Segundo DE LEMOS CHERNICHARO (2007) os microrganismos se distribuem
em diferentes níveis no reator, mesmo sem agitação a própria produção de gases já é
suficiente para provocar movimentação da parte sólida do lodo. Como o reator era agitado
periodicamente, a agitação pode não ter sido suficiente para homogeneizar a distribuição
de sólidos.
Os perfis de sólidos totais fixos, tendem a aumentar com o aumento da
alcalinidade. Isso pode ser devido ao aumento de precipitados minerais, como carbonato
de cálcio, já que com o aumento da alcalinidade, a concentração de íons carbonato tende
a aumentar (LETTINGA & VAN HAANDEL, 1994).
Essa precipitação de minerais pode prejudicar o desempenho do reator, pois os
precipitados de carbonato de cálcio retiram os íons Ca2+ da solução, sendo que esses íons
auxiliam na formação de grãos, (TCHOBANOGLOUS; BURTON; STENSEL, 1991)
que permitem uma maior aproximação dos microrganismos no consórcio, melhorando a
produção de metano.
10
15
20
25
30
35
40
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60
Sólid
os(
g/k
g)
Tempo (Dias)
ST STF STV
52
5.8. Estimativa de produção teórica de vinhaça para o Estado de São Paulo
Para estimar a produção de vinhaça de uma usina de referência, tomou-se os dados
de produção de etanol das usinas do estado de São Paulo fornecidos em PROCANA
(2015) (Tabela 6). As seguintes usinas foram desconsideradas do estudo:
• Usinas que não moeram na safra de 2014/2015;
• Usinas que não informaram suas produções na safra de 2014/2015;
• Usinas que informaram as produções de forma consolidada das usinas de
uma mesma empresa;
Segundo estudo de RIBEIRO & RAIHER (2013) a utilização de vinhaça para fins
de produção de biogás só é viável a partir de 1,5 milhão de toneladas de cana de açúcar
moídas por ano. Utilizando os dados de PROCANA (2015) separou-se as usinas citadas
que satisfaziam a condição citada.
Fazendo uma análise estatística obteve-se que, das usinas citadas que produzem
mais de 1,5 milhão de tonelada de cana por ano, 87% destas produzem menos de
172000 m3 de etanol. Portanto as usinas que produzem mais que isto foram consideradas
outliers.
Com essas informações calculou-se a média dos resultados de produção de etanol
e obteve-se:
𝑃𝑟𝑜𝑑𝑢çã𝑜 𝑑𝑒 𝑒𝑡𝑎𝑛𝑜𝑙 = (1,0 ± 0,3) ∗ 105 𝑚3/𝑎𝑛𝑜
Sabendo que para cada litro de etanol produzidos são produzidos de 10 a 14 litros
de vinhaça (RIBEIRO & RAIHER, 2013). Adotando o valor de 12 L de vinhaça/L de
etanol têm-se:
𝑃𝑟𝑜𝑑𝑢çã𝑜 𝑑𝑒 𝑣𝑖𝑛ℎ𝑎ç𝑎 = (1,2 ± 0,4) ∗ 106 𝑚3/𝑎𝑛𝑜
53
Tabela 6. Produção de etanol total da safra 2014/2015 das usinas do estado de São Paulo.
Indústria Produção de etanol (m3) Indústria Produção de
etanol (m3)
Pederneiras* 14330,75 Tonon - Brotas 92297,52
Taquari* 14829,00 Santa Isabel - Novo
Horizonte 94390,46
Pinheiro* 24451,00 Ferrari 97940,25
Pedra – Ibira* 28813,00 Tonon - Santa Candida 99059,25
Diana* 32736,18 Ruette – Monterrey* 101877,00
Bioenergia* 34604,70 Abengoa São João 102762,00
Atena* 43240,83 Noble -
Sebastionopólis 103018,95
Alta Paulista* 45299,88 USJ 103541,93
Santa Maria - J. Pilon* 45810,00 São José da Estiva 104737,50
Carolo 45873,60 Noble - Meridiano 106560,55
Rio Pardo 47346,10 São Martinho - Iracema 117700,00
Santa Isabel – Mendonça 55059,10 Nardini - Matriz 117871,00
Toledo – Ibéria* 55652,03 Vale do Parana* 123069,27
Toniello - Santa Inês* 55909,40 Colombo 124365,33
Alcoeste* 56797,65 Odebrecht - Conq do
Pontal 124678,00
Campo lindo * 58539,49 Batatais- Lins 130459,85
Branco Peres* 59674,04 Moreno - Monte
Aprazível 136031,12
Unialco 62392,15 São Manoel 141179,00
Rio Vermelho 64555,00 Ipiranga - Iacanga 141190,00
Pitangueiras 66120,00 Moreno - Luiz Antônio 143449,61
Ipiranga – Mococa 67162,00 Noble - Catanduva 143873,00
Toniello - Viràlcool (Castilho) 69172,47 São Martinho - Santa
Cruz 152470,00
Ester 69600,00 Renuka-Revati 153807,85
São Domingos 72517,00 Colombo II 163145,73
Ipiranga – Descalvado 73799,00 Alta Mogiana 163320,00
Ruette 78189,97 Pedra - Ipê 169666,00
Noble – Potirendaba 79358,25 Batatais 171425,96
Odebrecht – Alcídia 80954,00 Moreno – Coplasa** 182776,75
Itajobi 81088,00 Renuka-Madhu** 227315,05
Cargill – Cevasa 83131,65 Pedra – Serrana** 229394,00
Colombo III 83583,20 Colorado** 236828,90
Da Mata 84334,27 Pedra – Buriti** 245586,00
Abengoa Luiz 85828,00 São Martinho** 325550,00
Guaíra 90330,00 Santa Adélia** 332700,45 *Usinas que não produzem cana suficiente para viabilizar a utilização de vinhaça para biogás
**Foram consideradas outliers
54
5.9. Estimativa do potencial teórico de produção de biogás
Tomando a eficiência do reator e o valor de DQO da vinhaça como a DQO do
líquido na entrada do reator, utilizando a equação 4 (seção 4.5), obtêm-se:
𝐷𝑄𝑂𝑐 = 20,87 ∗ 13% = 2,80 𝑘𝑔𝐷𝑄𝑂/𝑚3
Vários estudos estimaram a produção de biogás a partir da digestão anaeróbia de
vinhaça, alguns valores de taxa de conversão de DQO consumida em metano são
apresentados a seguir:
Tabela XX: Valores de taxa de conversão de DQO em metano
Y (Nm3CH4/kgDQO) Referência
0,27 (SZYMANSKI; BALBINOT; SCHIRMER, 2010)
0,3 (CRUZ et. al, 2013)
0,3 (ELIA NETO et al., 2010)
Neste trabalho, buscando analisar o pior cenário, será utilizado o valor de 0,27
Nm3CH4/kgDQO. Considerando a concentração de metano como 49% e o volume de
efluente como o volume de vinhaça produzida em um ano. Da equação 3, se obtém:
𝑃𝐵 = 1,2 ∗ 106 ∗ 2,80 ∗ 0,27
0,49= 1,9 ∗ 106 𝑁𝑚3/𝑎𝑛𝑜
5.10. Determinação do potencial teórico de geração de eletricidade
Utilizando os dados de poder calorífico inferior do biogás de GENOVESE;
UDAETA; GALVAO, (2006), foi possível neste trabalho calcular o potencial energético
total (PE) como:
𝑃𝐸 = 5500 𝑘𝑐𝑎𝑙
𝑚3∗
1,9 ∗ 106 𝑚3
𝑎𝑛𝑜= 1,05 ∗ 1010
𝑘𝑐𝑎𝑙
𝑎𝑛𝑜
Utilizando o fator de conversão de 1 kcal = 1,162 * 10-6 MWh:
𝑃𝐸 = 1,05 ∗ 1010 𝑘𝑐𝑎𝑙
𝑎𝑛𝑜∗ 1,162 ∗ 10−6
𝑀𝑊ℎ
𝑘𝑐𝑎𝑙= 1,2 ∗ 104
𝑀𝑊ℎ
𝑎𝑛𝑜
55
Assim temos que o potencial teórico de geração de eletricidade por ano é:
𝑃𝑜𝑡𝑒𝑙 = 0,61 ∗ 1,2 ∗ 104 𝑀𝑊ℎ/𝑎𝑛𝑜 = 7,4 ∗ 103𝑀𝑊ℎ/𝑎𝑛𝑜
O potencial energético total (PE) calculado foi de 1,2.104 MWh/ano, isso permite
alcançar um potencial teórico de geração de eletricidade de 7,4. 103 MWh/ano, ou seja, a
energia elétrica gerada por uma usina de referência seria suficiente para satisfazer os
gastos com energia elétrica residências de 11600 habitantes, segundo o Balanço
Energético Nacional de 2015 (EPE, 2016) assumindo 0,640 MWh/habitante para
consumo residencial.
5.11. Cálculo da receita anual da venda da energia elétrica
Considerando que a energia elétrica gerada seria vendida à rede elétrica em leilões
abertos de energia. Considerando o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) médio de
2015 (EPE, 2016) de 228 R$/MWh como o preço da a ser vendida a energia, temos que
a receita anual de:
𝑅𝑒𝑐𝑒𝑖𝑡𝑎 = 228𝑅$
𝑀𝑊ℎ∗ 4,2 ∗ 103𝑀𝑊ℎ = 9,6 ∗ 105 𝑅$
5.12. Avaliação dos Impactos Ambientais
5.12.1. Emissões de gases estufa evitadas na geração elétrica
Segundo os dados fornecidos pelo MCT (2016) para as emissões em 2015, foram
emitidas 0,1244 toneladas equivalentes de CO2 por MWh consumido, assim o resultado
para as emissões de gases estufa evitadas na geração elétrica neste trabalho foi de:
𝐸𝑚𝑖𝑠𝑠õ𝑒𝑠 𝑒𝑣𝑖𝑡𝑎𝑑𝑎𝑠 = 0,1244𝑡𝐶𝑂2
𝑀𝑊ℎ∗ 7,4 ∗ 103 𝑀𝑊ℎ
𝑎𝑛𝑜= 9,3 ∗ 102 𝑡𝐶𝑂2𝑒𝑞/𝑎𝑛𝑜
56
5.12.2. Emissões no campo
Para os cálculos de emissões de campo foram considerados os resultados obtidos
por CARMO et al. (2013) que estudou a emissão de gases de efeito estufa no solo durante
todo o período de uma safra. Conforme sugerido por MORAES et al (2014) a vinhaça
biodigerida em reatores anaeróbios pode ser considerada como um fertilizante mineral de
uso agrícola, já que os nutrientes presentes na vinhaça não são removidos após o processo
biológico, apenas a matéria orgânica é reduzida.
Neste estudo foram consideradas duas fases de colheita: soca e plantio. Na fase de
plantio as mudas são plantadas no solo e na fase soca a cana é cortada até a altura do nó
mais baixo para que possa crescer a partir dele, assim deixando resíduos no solo.
Adicionalmente, foi considerado neste trabalho uma fase de plantio e quatro de soca. Na
fase soca se considerou que havia 14 ton/ha de resíduos no solo, este valor pode ser
considerado médio (HASSUANI; LEAL; MACEDO, 2005; CARMO et al., 2013).
Utilizando as equações 8 e 9 e os valores de fato de emissão apresentados por
CARMO e colaboradores (2013), e considerando que a vinhaça biodigerida se comporta
semelhante ao fertilizante inorgânico, se obteve os valores de emissão de N2O no campo.
Os valores são apresentados nas Tabelas 7 e 8.
Tabela 7. Emissão de óxido nitroso (N2O) do solo na fase soca de colheita da cana de
açúcar.
Fase soca
Fertilizante Nad (kg/ha) Fator de emissão (%) N2Ocampo (kg/ha)
Vinhaça in natura 41,858 1,89 1,24
Vinhaça biodigerida 98,756 0,76 1,18
Tabela 8. Emissão de óxido nitroso (N2O) do solo na fase plantio da cana de açúcar.
Fase plantio
Fertilizante Nad (kg/ha) Fator de emissão (%) N2Ocampo (kg/ha)
Vinhaça in natura 41,858 2,99 1,97
Vinhaça biodigerida 98,756 1,11 1,72
57
Para o cálculo das emissões ao longo do ano, foi realizada uma média ponderada
das emissões relativas às fases de plantio e soca. Para a taxa de aplicação de 100 m3/ha,
seria necessária uma área de plantio de 12000 hectares.
Sabendo que não houve diferença de emissões de metano nos tratamentos com ou
sem vinhaça no trabalho de CARMO et al. (2013) e que o CO2 emitido faz parte do ciclo
de carbono que seria retirado da atmosfera na próxima plantação, os autores concluíram
que a diferença de emissões de gases de efeito estufa no campo se deve totalmente ao
N2O emitido.
Sendo assim, considerando o potencial de aquecimento global do N2O de 265
(IPCC, 2013), o Impacto de Mudança Climático, evitado com a substituição da vinhaça
in natura pela vinhaça biodigerida no campo foi de:
𝐼𝑀𝐶𝑐𝑎𝑚𝑝𝑜 = −336 𝑡𝐶𝑂2𝑒𝑞/𝑎𝑛𝑜
5.12.3. Emissões devido à operação do reator UASB
O reator tipo agitado utilizado neste experimento, necessita de energia elétrica
para manter a bomba que impulsiona a vinhaça para dentro do reator. CARRERE et al.
(2010) em seu estudo afirma que no tratamento anaeróbio de lodo são necessários 0,04
kWh/kgSTV de energia elétrica. Este valor pode estar superestimado para o caso do reator
UASB, já que este não necessita de agitadores.
Assim a energia elétrica consumida calculada foi de:
𝐸 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑢𝑚𝑖𝑑𝑎 = 1,2. 106𝑚3
𝑎𝑛𝑜∗
1,01𝑡𝑜𝑛
𝑚3∗
14,13𝑘𝑔𝑆𝑇𝑉
𝑡𝑜𝑛∗
4. 10−5𝑀𝑊ℎ
𝑘𝑔𝑆𝑇𝑉
= 685 𝑀𝑊ℎ/𝑎𝑛𝑜
Segundo os dados fornecidos pelo MCT (2016) para as emissões em 2015, foram
emitidas 0,1244 toneladas equivalentes de CO2 por MWh, ou seja:
𝐸𝑚𝑖𝑠𝑠õ𝑒𝑠𝑜𝑝 = 0,1244𝑡𝐶𝑂2
𝑀𝑊ℎ∗
685𝑀𝑊ℎ
𝑎𝑛𝑜= 85,22 𝑡𝐶𝑂2𝑒𝑞/𝑎𝑛𝑜
58
5.12.4. Emissões devido à vazamentos no reator UASB
No presente trabalho considerou-se que o biogás se comporta como um
gás ideal nas condições normais de temperatura e pressão (CNTP) e que, o único gás de
efeito estufa com volume relevante é o metano. Adotando o valor de potencial de
aquecimento global do metano como 28 (IPCC, 2013), o seguinte resultado foi obtido:
Assim o valor calculado para as emissões devido á vazamentos no reator de UASB,
utilizando a equação 13:
𝐸𝑚𝑖𝑠𝑠õ𝑒𝑠𝑣𝑎𝑧 = 10% ∗𝑃𝐵
90%∗ 28 ∗ 0,49 ∗ 16 = 2. 10−2𝑡𝐶𝑂2𝑒𝑞/𝑎𝑛𝑜
5.12.5. Emissões totais
Os cálculos para obtenção do impacto total da substituição de vinhaça in natura
por vinhaça biodigerida nas mudanças climáticas, foi obtida somando-se todos os valores
de impacto de cada etapa analisada anteriormente (emissões de operação, emissões
evitadas por co-geração e emissões evitadas no campo). Os valores devido a vazamentos
não foram apresentados por serem desprezíveis em comparação aos outros. O resultado é
apresentado na Figura 19
Figura 19: Impacto em mudanças climáticas relativo à substituição.
-1200,00
-1000,00
-800,00
-600,00
-400,00
-200,00
0,00
Emissões operaçãoEmissões evitadas
cogeraçãoEmissões evitadas
campo Total
Emissões de gases de efeito estufa (tCO2eq/ano)
59
A substituição de vinhaça in natura por vinhaça biodigerida por tecnologia
anaeróbia em fertirrigação evita a emissão de 1177 tCO2eq/ano. Este resultado é da ordem
de 20 vezes menor que o obtido por MORAES et al. (2014) que estudou os impactos
econômicos e ambientais da mesma substituição de vinhaça do presente trabalho. A
diferença é devido ao presente trabalho considerar, diferentemente do citado:
• Menor redução de DQO durante o arranque do reator e fase de
estabilização que leva à baixa produção volumétrica de biogás;
• Menor taxa de produção de CH4/DQOc;
• Maior concentração de Nitrogênio total, aumentando as emissões no
campo;
• Menor porcentagem de CH4 no biogás, diminuindo a energia gerada na
cogeração;
• Consideração das emissões causadas pela operação do reator.
Conclui-se que, para as medições teóricas para cada situação analisada deve-se
considerar as características específicas do efluente em questão, tais como a DQO e a
quantidade total de Nitrogênio, já que afetam nas emissões no solo. Um bom desempenho
no processo de digestão anaeróbia também é essencial, pois tanto diminui a DQO do
efluente quanto aumenta a produção de energia, tanto devido a maior produção de biogás
e de maior quantidade de metano.
Mesmo com considerações conservadoras, como as apresentadas neste trabalho,
a utilização do processo de digestão anaeróbia para o tratamento de vinhaça se mostra
eficaz na redução de emissão de gases de efeito estufa.
60
6. CONCLUSÃO
Ao final do desenvolvimento deste trabalho pôde-se concluir que:
✓ A tecnologia de digestão anaeróbia de vinhaça nas condições termofílicas
(55 ºC) apresentou condições operacionais favoráveis para produção de
metano a partir do 4º dia de experimento, sendo crescente e constante
atingindo concentrações máximas próximas do 50% indicando fase de
estabilização e metanogênica em somente 30 dias;
✓ Na primeira semana a produção de hidrogênio, H2 (70%) era
predominante, indicando a duração fase hidrolítica e acidogênica do
processo e sua finalização coincide com maior produção de metano nos
dias subsequentes;
✓ Os valores de alcalinidade e pH foram crescentes até o dia 30 de
experimento, e posteriormente se observa valores significativamente altos
como pH de 8,5 e alcalinidade de 1250 mg/L considerados ótimos para as
Arqueas metanogênicas e indicativo de estabilização do sistema (fase
metanogênica);
✓ Os valores de nitrogênio amoniacal aumentam de forma crescente e
constante até o final do experimento (60 dias), no entanto as maiores
concentrações encontradas (300-400 mg/L) são consideradas abaixo do
adequado para processos de digestão anaeróbia;
✓ Os valores de demanda química de oxigênio (DQO) se apresentam
instáveis ao longo de todo o processo provavelmente devido a inibição por
ácidos graxos voláteis e regime semi-contínuo de operação. Observa-se
que a partir do dia 30 de experimento valores que se reduzem até
concentrações de somente 8410 mgDQO/L e que essa redução coincide
com o aumento da concentração de metano. O reator apresentou uma
eficiência média de 13% de redução da carga orgânica, a partir de 42 dias.
61
✓ A estimativa de produção teórica de vinhaça nas usinas do estado de São
Paulo foi de 1,2.106 m3/ano e a estimativa do potencial teórico de produção
de biogás no sistema de digestão anaeróbia calculado foi de 1,9.106 m3/ano
em função dos dados de produção de etanol da safra 2014/2015, e
adotando o valor de 12,0 L de vinhaça/L de etanol;
✓ O potencial energético total (PE) calculado foi de 1,2.1011 MWh/ano isso
permite alcançar um potencial teórico de geração de eletricidade de 7,4.103
MWh/ano, ou seja, a energia elétrica gerada por uma usina de referência
seria suficiente para satisfazer os gastos com energia elétrica de 11700
habitantes e, ademais considerando que a energia elétrica gerada pode ser
vendida à rede elétrica em leilões abertos a receita desta atividade seria de
1,7 milhão de reais ao ano;
✓ A substituição de vinhaça in natura por vinhaça biodigerida geraria uma
mitigação de Impactos de Mudança Climática de 1177 tCO2eq/ano
indicando um processo viável no ponto de vista de sustentabilidade.
62
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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