PARANÁGOVERNO DO
ESTADO
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO – SEEDSUPERINTENDENCIA DA EDUCAÇÃO – SUED
DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS - DPPEPROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE
Ficha para Catálogo - PRODUÇÃO DIDÁTICO PEDAGÓGICATítulo: Da Trama das Palavras à Magia do Conto
Autor: Gilma Heitor Mexia Zambolim
Escola de Atuação Colégio Estadual de Iporã – Ens. Fundamental, Médio e Profissional
Município da Escola Iporã
Núcleo Regional de Educação
Umuarama
Orientador Profª Dr Edson José Gomes
Instituição de Ensino Superior
UEM - Universidade Estadual de Maringá
Disciplina/Área (Entrada no PDE)
Língua Portuguesa
Produção Didático-Pedagógica
Sequência Didática
Relação Interdisciplinar
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Público Alvo Alunos de 8ª Série.
Localização Colégio Estadual de Iporã – EFMPAv. Duque de Caxias,2631 – Iporã _PR
Apresentação
Este projeto busca desenvolver estratégias de leituras que estimulem os alunos a realizarem leituras significativas, tendo como suporte o gênero conto. A metodologia e as atividades a serem desenvolvidas no transcorrer do processo terão como base o Método Recepcional. O gênero conto pode ser uma excelente porta de entrada para o universo literário. Por ser breve, pode ser lido com acompanhamento do professor, criando oportunidades para debates e atividades de expressão oral e escrita, estimulando assim o hábito prazeroso da leitura no aluno.
Leitura significativa; conto; método recepcional
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO-SEED
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL - PDE
PRODUÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA
PROFESSOR TITULADO-2010
MARINGÁ – PR
2011
SUMÁRIO
1 IDENTIFICAÇÃO_________________________________________________42 APRESENTAÇÃO_________________________________________________53 UNIDADE 1_____________________________________________________74 UNIDADE 2_____________________________________________________115 UNIDADE 3_____________________________________________________196 UNIDADE 4_____________________________________________________33REFERÊNCIAS____________________________________________________11
1 IDENTIFICAÇÃO
1.1 TÍTULO: Da trama das Palavras à Magia do Conto.
1.2 AUTOR: Gilma Heitor Mexia Zambolim
1.3 FINALIDADE: Atividade Integrante do PDE
1.4 INSTITUIÇÂO: Universidade Estadual de Maringá
1.5 ORIENTAÇÂO: Edson José Gomes
1.6 ESCOLA DE IMPLEMENTAÇÃO: Colégio Estadual de Iporã – Ensino
Fundamental, Médio e Profissional.
1.7 PÚBLICO OBJETO DA INTERVENÇÃO: 8ª Série do Ensino Fundamental
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2 APRESENTAÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo desenvolver estratégias de leitura que
estimulem os alunos a realizarem leituras significativas, tendo como suporte o
gênero conto, que se constitui numa narrativa curta, um texto em prosa que dá o seu
recado em um reduzido número de páginas ou linhas, apresenta como sua maior
qualidade os fatores da concisão e brevidade, devendo produzir em quem lê um
efeito de impacto. Possibilita-nos trabalhar de forma mais ampla esse gênero textual,
contribuindo para que o aluno, com nossa mediação, possa realizar uma leitura
crítica e fazer inferências. Nesse sentido Silva (2005, p.93) explica que:
...A leitura de contos pode estimular o aluno leitor a encontrar na leitura literária, uma forma lúdica de entender melhor sua própria realidade. Ao ler narrativas curtas que exijam uma resposta mais rápida e dinâmica do receptor, o aluno pode se sentir mais atraído pelo texto.
Diante da crise da leitura, faz-se necessário rever e questionar as nossas
práticas, encontrando espaços para o sonho e a imaginação. Luzia de Maria (1992)
nos diz que a trama do conto é objetiva e que a ação caminha claramente à frente
como na vida real que pretende espelhar. De um momento para o outro deflagra o
estopim e o drama explode imprevistamente e que a grande força do conto consiste
no jogo narrativo para prender o interesse do leitor até o desenlace, devendo
surpreender o leitor, deixando-lhe uma semente de meditação ou de pasmo perante
a nova situação conhecida.
Como encaminhamento metodológico desse trabalho com o gênero textual
conto, procura-se atender as Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Língua
Portuguesa do Paraná (DCEs) que sugerem o Método Recepcional das professoras
Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira Aguiar, como metodologia para as práticas
pedagógicas com o texto em sala de aula.
O Método Recepcional de Hans Robert Jauss está alicerçado na Estética da
Recepção, que valoriza o papel do leitor como parte do processo de produção da
obra, isto é, o leitor passa a ser encarado como co-autor, uma vez que vem dele a
possibilidade real de interpretação e de constituição do significado dos mais diversos
textos. Seu êxito foi revalorizar a experiência humana no mundo e a comunicação
como condição da compreensão do sentido. Jauss também critica o marxismo por
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submeter à arte à infra-estrutura econômica não perceber o caráter inovador e
formador da literatura.
Segundo ele, seria o caráter emancipatório da arte (literatura), que o
espectador pode ser afetado pelo que se representa identificar-se com as pessoas
em ação, dar assim livre curso às próprias paixões despertadas e sentir-se aliviado
por sua descarga prazerosa.
O texto literário permite múltiplas interpretações, uma vez que é na recepção
que ele significa. No entanto não está aberto a qualquer interpretação. O texto é
carregado de pistas, as quais direcionam o leitor, orientando-o para uma leitura
coerente. Além disso, o texto traz lacunas, vazios, que serão preenchidos conforme
o conhecimento de mundo, as experiências de vida, as ideologias, as crenças, os
valores que o leitor carrega consigo.
Esta proposta de trabalho, de acordo com Bordini e Aguiar (1993) tem o leitor
como elemento atuante no processo de leitura e firma-se na atitude participativa do
aluno em contato com os mais diferentes textos. Partindo do horizonte de
expectativa do grupo, em termos de interesses literários, o professor oferece num
segundo momento, leituras que propiciem o questionamento desse horizonte,
incitando-o assim a refletir e instaurando a mudança através de um processo
contínuo. Nesse sentido, o método recepcional de ensino da literatura enfatiza a
comparação entre o familiar e o novo,entre o próximo e o distante no tempo e no
espaço.
São cinco as etapas do desenvolvimento do método recepcional.
A primeira é o momento de determinação do horizonte de expectativa do
aluno, tomando conhecimento da realidade sócio cultural dos educandos.
Na segunda etapa, ocorre o atendimento ao horizonte de expectativas,
apresentando textos que sejam próximos ao conhecimento de mundo e as
experiências de leitura dos alunos.
Em seguida, acontece a ruptura do horizonte de expectativas. É o momento
de mostrar ao leitor que nem sempre determinada leitura é o que se espera e suas
certezas podem ser abaladas, fazendo com que eles se distanciem do senso comum
em que se encontravam e tenham seu horizonte de expectativa ampliado.
Após essa ruptura, o sujeito é direcionado a um questionamento e a uma
autoavaliação a partir dos textos oferecidos. O aluno deverá perceber que os textos
oferecidos na etapa anterior (ruptura) trouxeram-lhe mais dificuldades de leitura,
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porém, garantiu-lhe mais conhecimento, o que ajudou a ampliar seus horizontes.
A quinta e última etapa do método recepcional é a ampliação do horizonte de
expectativa. As leituras oferecidas ao aluno e o trabalho efetuado a partir delas
possibilitam uma reflexão e uma tomada de consciência, levando-o a uma ampliação
de seus conhecimentos.
Acreditando que o gênero conto venha ser um instrumento nas aula de leitura
em que o professor possa desenvolver a imaginação e ampliar os horizontes dos
jovens leitores, pois ele pode ajudar os alunos a perceber que os textos convidam a
um diálogo e pode ser um reencontro do leitor consigo mesmo, em busca de
respostas para suas inquietações, porque focalizam relações familiares, desnudam
conflitos sociais e psicológicos, mergulham no interior do ser humano, revelam e
introduzem a magia no cotidiano.
O gênero conto pode ser uma excelente porta de entrada para o universo
literário. Por ser breve, pode ser lido em sala de aula com acompanhamento do
professor, que por meio de comentários e sugestões importantes do estilo do autor e
sua visão de mundo, pode criar oportunidades para debates e atividades de
expressão oral e escrita, estimulando assim, o hábito prazeroso da leitura no aluno.
Portanto, fazer o aluno perceber o que está presente nas entrelinhas, o que
lhe permitirá observar a visão de mundo do autor, refletindo sobre ela e
estabelecendo uma relação de diálogo entre a sua leitura de mundo na posição de
leitor, e a do autor do texto, tendo em vista ampliar e transformar as suas
experiências e conhecimentos.
3 UNIDADE 1
Da Trama das palavras à Magia do Conto
“Puxe o fio da imaginação
Teça os sonhos, a fantasiaDeixe-se enfeitiçar pelas histórias
ou pelo volteio do fio
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Junte pontos e tricote um contoNos fios dos contos de fadas
Há em cada ponto uma emoçãoCada conto é um fio
Trance e desfie o ponto do mistérioDê laços nas palavras com sua voz
Junte coragem e ousadiaEmbarace a magia
De contar e recontar histórias”. Reni Tiago Pinheiro Barbosa
Atividades Propostas
1 Determinação do horizonte de expectativas (carga horária:
aproximadamente três aulas).
Professor, nesta primeira aula precisamos sondar o conhecimento e determinar os
horizontes de expectativas dos alunos em relação a leitura literária, para tal serão
feitos alguns questionamentos que possibilitem mapear o que eles já sabem sobre
a literatura.
O que vocês entendem por literatura?
O que seria a linguagem literária e a linguagem não-literária?
2 Ativando os conhecimentos prévios...
Literatura pode ser definida como a arte de criar e recriar textos. A palavra
literatura vem do latim “Litteris” que significa um conjunto de saberes ou habilidades
de escrever bem. Podemos também conceituar a literatura como ficção, a que recria
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uma realidade, que possui o potencial de adaptar uma obra a fatos reais, ou
simplesmente expressar fatos imaginários. A ferramenta da literatura é a palavra, a
que segue o estilo subjetivo de cada autor que interpreta a realidade sob o seu
ponto de vista ou analisando o ponto de vista de uma sociedade e época.
O texto literário permite mais de uma interpretação, enquanto que o não
literário não dá vazão a interpretações diversas, mesmo que gere opiniões. Os
textos literários são escritos em dois formatos, a poesia e a prosa.
A linguagem literária é caracterizada por sua plurissignificação, cuja base é a
conotação, é utilizada muitas vezes com um sentido diferente daquele que lhe é
comum.
Podemos citar como exemplos de textos literários o conto, o poema, o
romance, peças de teatro, novelas, crônicas.
A linguagem não literária é a utilizada no sentido objetivo, literal, empregada
denotativamente, é a linguagem dos textos informativos, jornalísticos, científicos,
receitas culinárias, manuais de instruções.
Oficina de Redação – Leila Lauar Sarmento
Logo após os alunos assistirão a um vídeo.
<http://youtu.be/58sW0ojthyI>acesso em 15/06/2011
Lendo o texto
Uma lata existe para conter algo
mas quando o poeta diz: LATA
Pode estar querendo dizer o incontível
<http://letras.terra.com.br/gilberto-gil/487564/>acesso em 16/06/2011
O autor faz um jogo com as palavras meta e lata (que substitui palavra no texto),
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para mostrar que o poeta usa as palavras com extrema liberdade, dando-lhes uma
múltipla conotação, irreal e expressiva. É como se ele criasse novos termos, tal a
riqueza dos significados que confere à palavra no contexto. Como diz a letra, na
palavra ( lata) do poeta cabe o incontível, o inatingível, por isso ele não a emprega
com um conteúdo determinado, exato, mas de uma forma figurada (metáfora), cheia
de imagens, permitindo ao leitor desvendar seu enigma.
Investigando...
Antes da leitura do primeiro conto é necessário que se faça uma investigação
sobre o que eles já sabem a respeito do conto.
Conversar com os alunos sobre o significado da palavra “conto”. Esclarecer
que o conto ( do latim contare = falar) é uma narrativa breve de um fato real ou
fantasioso, que desenrola-se com poucas personagens, apresenta apenas um
drama, tem espaço e tempo restritos e possui uma linguagem objetiva.
Para facilitar a interação, organizar os alunos em círculo e instigá-los com
algumas questões que possibilitem mapear o que eles já sabem sobre contos.
a) Quais contos costumavam ouvir quando eram pequenos?
b) De quais ainda se lembram para recontar aos colegas?
c) Há algum conto marcante? Qual o nome do autor? Quem são as
personagens principais? Onde e quando os episódios se sucedem?
Como é a trama? Há conflitos
O professor anotará os comentários dos alunos. Esse registro permitirá fazer
uma sondagem do conhecimento, interesse, ou não, dos alunos com o gênero e
também fortalecer a conversa sobre os recursos narrativos. Após analisarmos as
expectativas que os alunos têm quanto ao gênero conto, o conhecimento
acumulado, as experiências como leitor, devemos fazer a escolha de um texto
para iniciarmos nosso trabalho.
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4 UNIDADE 2
1 Atendimento do horizonte de expectativa. (aproximadamente 5 aulas)
A partir dos interesses demonstrados, o professor deverá preparar o grupo para
leitura do conto, conversando sobre o autor, época e informações que
contextualizam a obra. Em seguida, mobilizar o conhecimento dos alunos,
apresentando o título do conto: “A moça tecelã” e fazendo questionamentos como: O
que sugere esse título? Qual será o tema do conto? E a finalidade dessa narrativa:
informar, emocionar, divertir, instruir?
É possível, com base no título e no autor imaginar o cenário, as personagens, a
trama do conto? Pedir aos alunos que registrem suas hipóteses para que possam
compartilhá-las e conferi-las no decorrer da leitura do texto.
O professor distribuirá o texto aos alunos e todos farão a leitura silenciosa.
Logo após o professor lerá o texto de forma expressiva propiciando a participação
dos alunos. O professor poderá provocar a participação através dos esclarecimentos
e perguntas enquanto lê.A Moça Tecelã
Por Marina Colasanti*
Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das
beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.
Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia
passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã
desenhava o horizonte.
Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete
que nunca acabava.
Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava
na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na
penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos
rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.
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Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e
espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para
que o sol voltasse a acalmar a natureza.
Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes
pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.
Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de
escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha,
suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu
fio de escuridão, dormia tranquila.
Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha,
e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.
Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca
conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam
companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto
barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de
entremear o último fio da ponto dos sapatos, quando bateram à porta.
Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de
pluma, e foi entrando em sua vida. [...]
<http://www.releituras.com/i_ana_mcolasanti.asp>acesso em 21/07/2011
Logo após a leitura o professor fará o direcionamento e a mediação das questões
abaixo, dando oportunidade de manifestações de opinião e indagações
2. Questões para a compreensão do texto;
a) O que a moça tecelã fazia todas as manhãs quando o sol era forte demais,
quando chovia e fazia frio e quando sentia fome.
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b) ‘Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.” Mas, tecendo e
tecendo, ela percebeu que não queria mais ficar sozinha. O que ela fez
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c) A tecelã idealiza um marido perfeito e transforma-o numa figura concreta.
Transcreva do texto a passagem em que o narrador descreve o companheiro
da tecelã
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4) O companheiro logo esqueceu do que a faria mais feliz. No
que ele pensava e exigia dela, isto é, do seu tecer.
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5) O que se pode inferir sobre o marido da tecelã, nessa fala:”
Por que ter casa, se podemos ter palácio.”
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6) Que sentimento do marido levou a moça tecelã a livrar-se
dele Como ela fez isso
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d) A tecelã ao tecer seu destino, faz escolhas e as concretiza. Ao se decepcionar
com suas escolhas, ela as destece. O que a atitude de destecer o marido
revela da tecelã, em relação ao comportamento da mulher, principalmente no
casamento.
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Ativando os conhecimentos prévios 1
Era uma vez...
“Quem narra, narra o que viu, viveu, presenciou, ouviu, mas, também narra o que
sonhou, imaginou, desejou...”
A narrativa faz parte da vida do homem desde os primórdios, quando os
homens se reuniam ao redor da fogueira para contar suas histórias. Quem não
teve o avô, a mãe, etc...que narravam histórias belíssimas, fantásticas, reais ou
não? Então, o ato de narrar está atrelado à vida do homem.
O que é um conto? Como a ação dos personagens é desenvolvida? Em que
espaço? Quem é personagem principal ou secundário? É o vilão? É o mocinho?
Esses elementos são fundamentais para que a narrativa aconteça.
Você certamente, ao ler o primeiro texto, A Moça Tecelã, emocionou-se,
questionou, refletiu e até mesmo desejou ter um tear semelhante, que lhe
possibilitasse criar, construir os seus próprios anseios. Pois bem, esse texto é um
conto.
E o que é um conto? Qual o conceito que lhe é atribuído?
O conto caracteriza-se por ser uma narrativa curta, um texto em prosa que dá
seu recado em reduzido de páginas ou linhas. Apresenta como sua maior qualidade
os fatores da concisão e brevidade. Deve produzir em quem lê um efeito de impacto.
Trata-se de uma narrativa unívoca. Constitui uma unidade dramática.
Portanto, contém um só conflito, um só drama, uma só unidade de ação. Todos os
ingredientes do conto levam a um mesmo objetivo, convergem para um mesmo
ponto. Assim, a existência de um único conflito está intimamente relacionada com
essa concentração de efeitos e de pormenores. Ele aborrece as digressões, as
1 As informações desenvolvidas sobre as categorias da narrativa foram retiradas do livro de Cândida Vilares Gancho: Como analisar narrativas, p.11à30, Editora Ática, SP.
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divagações, os excessos. Caracteriza-se por ser objetivo, atual, vai direto ao ponto
com as três unidades: de ação, lugar e tempo. Tratando-se das personagens,
poucas são as que intervêm no conto como decorrência natural das características
apontadas: as unidades de ação, tempo e espaço.
O conto quer-se narrado em uma linguagem direta, concreta e objetiva.
Dentre os componentes da linguagem do conto, o diálogo é o mais importante de
todos. Os conflitos, os dramas residem na fala das pessoas. Sem diálogos não há
discórdia, desavença ou mal entendido e sem isso, não há conflito e nem ação.
A trama do conto é linear, objetiva. A ação caminha claramente à frente como
na vida real, que pretende espelhar, de um momento para o outro deflagra o estopim
e o drama explode imprevistamente. A grande força do conto consiste no jogo
narrativo para prender o interesse do leitor até o desenlace. O final deve
surpreender o leitor, deixar-lhe uma semente de meditação ou de pasmo perante a
nova situação conhecida.
Com o foco narrativo em 1ª e 3ª pessoas, o conto transmite uma única
impressão ao leitor. A posição diante do conto é a de quem deseja às pressas
desentediar-se. Ele procura o desenfado e o deslumbramento.
E quais são as categorias da narrativa?
Foco narrativo
O foco narrativo é o ponto, ou o ângulo, através do qual o narrador nos conta
a história, Os fatos que compõem o enredo, são selecionados e interpretados
conforme o modo dos narradores pensarem a realidade. Esses narradores se
apresentam escrevendo com o verbo na terceira pessoa do singular (ele); usando na
primeira do singular (eu) – personagens narradoras, que participam da história ou
ainda personagens que vivenciam uma cena e que são, portanto, personagens
observadoras.
Lendo, ouvindo, contando, escrevendo em prosa ou em verso, usando
imagens ou não, podemos perceber que a narrativa tem elementos muito
importantes, fundamentais, sem os quais não pode existir. Esses elementos são: o
enredo, personagens, tempo, espaço, narrador.
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Atividade
Perceba que esses cinco elementos respondem às seguintes questões:
O que aconteceu? Quem vivenciou os fatos? Quando? Onde? Por quê?
Veja que sem os fatos não há história e quem vive o fato, os acontecimentos
são as personagens, num tempo e num lugar determinado. O narrador é presença
necessária na narrativa em prosa.
Enredo
O conjunto de fatos de uma história. Existem duas questões fundamentais a
se observar no enredo: sua estrutura (as partes que o compõem) e sua natureza
ficcional. Comecemos por esse último aspecto.
Verossimelhança: Lógica interna do enredo, que o torna verdadeiro para o leitor, é ,
pois a essência do texto de ficção e mesmo que sejam inventados, o leitor deve
acreditar no que lê. Essa credibilidade vem da organização lógica dos fatos dentro
do enredo.
Partes do enredo: Introdução ou apresentação, aparece geralmente com o começo
da história, no qual são apresentados os fatos iniciais, as personagens, às vezes, o
tempo e o espaço. Enfim, é a parte na qual se situa o leitor diante da história que irá
ler.
Complicação (ou desenvolvimento): é a parte do enredo no qual se
desenvolve o conflito.
Clímax: é o momento culminante da história, o momento de maior tensão, no
qual, o conflito chega a seu ponto máximo.
Desfecho: é a solução do conflito, podendo ser um final feliz ou não.
Personagem - É um ser fictício, responsável pelo desempenho do enredo, é quem
faz as ações. A personagem pode ser:
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Protagonista – É a personagem principal que pode retratar o herói ou anti-herói.
Antagonista – É a personagem que se opõe ao protagonista, seja por sua ação que
atrapalha ou por suas características opostas às da personagem principal. É o vilão
da história.
Personagens- secundárias – São personagens menos importantes na história.
Têm uma participação menor ou menos freqüente no enredo. Podem desempenhar
papel de ajudantes tanto do protagonista como do antagonista.
Tempo
Os fatos de um enredo estão ligados ao tempo em vários níveis: época em
que se passa a história, duração da história. Ele pode ser cronológico ou
psicológico.
Tempo cronológico – É o nome que se dá ao tempo que se transcorre na ordem
natural do enredo, isto é, do começo ao final.
Tempo psicológico – É o tempo determinado pelo desejo ou pela imaginação do
narrador ou das personagens. Altera a ordem natural dos acontecimentos e portanto
está ligado ao enredo não-linear.
Espaço
É o lugar onde se passa a ação numa narrativa. Ele pode ser caracterizado
mais detalhadamente em trechos descritivos ou as referenciais espaciais podem ser
diluídas na narração. É possível identificar o espaço fechado ou aberto, espaço
urbano ou rural.
Ambiente é o espaço carregado de características socioeconômicas, morais e
psicológicas em que vivem as personagens.
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Narrador
A través do narrador,tomamos conhecimento do que é narrado. O narrador
não é o autor, mas uma entidade de ficção, isto é, uma criação lingüística do autor e,
portanto só existe no texto.
1. Narrador em terceira pessoa: é o narrador que não participa dos fatos
narrados, é apenas observador das situações apresentadas.
Suas principais características são:
a) Onisciência – sabe tudo sobre a história.
b) Onipresença – está presente em todos os lugares.
2. Narrador em primeira pessoa ou narrador personagem: é o narrador que participa diretamente do enredo, como qualquer personagem.
Atividades
Agora que já conhecem os elementos da narrativa vamos voltar ao conto “A
moça Tecelã”, vamos analisar alguns elementos da narrativa:
a) Quem é o autor do conto?
b) Como se apresenta o narrador do conto e quais são suas características?
c) Trace o perfil do caráter das personagens?
d) Diga em que espaços ocorrem as ações desse conto.
e) Quando se dá o início do conflito entre as personagens?
f) O conto em geral, centra-se num conflito. Essa afirmação aplica-se ao texto em
questão? Em caso afirmativo comente o conflito.
g) Esse conto dialoga com os contos de fadas antigos (castelos,estrebarias,
bordados fantásticos, príncipes com chapéus de pluma), mas apresenta um
desfecho diferente e atual. Comente essa afirmação, analisando o que
possivelmente tenha motivado essa mudança.
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5 UNIDADE 3
Mais Um Conto, Pois Quem Conta Um Conto...
Vamos conhecer, neste momento, um conto, onde fatos fantásticos ou
dramáticos sacodem repentinamente o cotidiano de pessoas comuns, revelando
facetas de um mundo ilógico e desumano. Uma fascinante viagem pela alma
humana na palavra precisa de uma escritora que com sensibilidade, consegue
captar a vida, muito além das2 aparências do dia-a-dia. É essa a vida que se lê nos
contos envolventes e profundamente inquietantes de Lygia Fagundes Telles.
Perguntar aos alunos se eles já ouviram falar da escritora, se conhecem alguma
obra publicada por ela. Contar a eles sua interessante biografia.
Venha Ver o Pôr- do- Sol
Ela subiu sem pressa a tortuosa ladeira. À medida que avançava, as casas
iam rareando, modestas casas espalhadas sem simetria e ilhadas em terrenos
baldios. No meio da rua sem calçamento, coberta aqui e ali por um mato rasteiro,
algumas crianças brincavam de roda. A débil cantiga infantil era a única nota viva na
quietude da tarde.
Ele a esperava encostado a uma árvore. Esguio e magro, metido num largo
blusão azul-marinho, cabelos crescidos e desalinhados, tinham um jeito jovial de
estudante.
- Minha querida Raquel.
Ela encarou-o, séria. E olhou para os próprios sapatos.
- Vejam que lama. Só mesmo você inventaria um encontro num lugar destes.
Que ideia, Ricardo, que ideia! Tive que descer do táxi lá longe, jamais ele chegaria
2Lygia Fagundes Telles In:.Antes do Baile Verde.Uma das grandes escritoras brasileiras do século 20, Lygia Fagundes Telles recebeu o Prêmio Camões em 2005. Pertence à Academia Brasileira de Letras. Entre suas obras, podem-se citar os romances: "Ciranda de pedra" (1954), "Verão no aquário" (1964), "As meninas", vencedor do Prêmio Jabuti em 1973, e "As horas nuas" (1989). Escreveu vários contos, como "Venha ver o pôr do sol" e "As formigas", que são alguns dos mais conhecidos.
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aqui em cima
Ele sorriu entre malicioso e ingênuo.
- Jamais, não é? Pensei que viesse vestida esportivamente e agora me
aparece nessa elegância...Quando você andava comigo, usava uns sapatões de
sete-léguas, lembra?
• Foi para falar sobre isso que você me fez subir até aqui? - perguntou ela,
guardando as luvas na bolsa. Tirou um cigarro. - Hem?!
• Ah, Raquel... - e ele tomou-a pelo braço rindo.
• Você está uma coisa de linda. E fuma agora uns cigarrinhos pilantras, azul e
dourado... Juro que eu tinha que ver uma vez toda essa beleza, sentir esse
perfume. Então fiz mal?
• Podia ter escolhido um outro lugar, não? – Abrandara a voz – E que é isso aí?
Um cemitério?
Ele voltou-se para o velho muro arruinado. Indicou com o olhar o portão de
ferro, carcomido pela ferrugem.
• Cemitério abandonado, meu anjo. Vivos e mortos, desertaram todos. Nem os
fantasmas sobraram, olha aí como as criancinhas brincam sem medo –
acrescentou, lançando um olhar às crianças rodando na sua ciranda. Ela
tragou lentamente. Soprou a fumaça na cara do companheiro. Sorriu. -
Ricardo e suas ideias. E agora? Qual é o programa?
Brandamente ele a tomou pela cintura [...]
<http://tempoesquecido.blogspot.com/2007/03/venha-ver-o-pr-do-sol.html>acesso em 21/07/2011
Em primeiro lugar, deverá ser feito uma leitura silenciosa do texto. Depois, o
professor poderá pedir que cada aluno leia em voz alta um período até o ponto final.
Num segundo momento, os alunos assistirão a um vídeo retirado do youtube.
<http://youtu.be/2J4GyiDImt4>acesso em 18/06/2011
Pedir aos alunos que façam uma paráfrase do conto lido.
Ativando os conhecimentos prévios
A paráfrase é a primeira parte da análise. Ela corresponde à questão “o que
fala o texto?” É um resumo do enredo, um contar a história com suas próprias
palavras.. Consiste em um excelente exercício de redação, uma vez que desenvolve
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o poder de síntese, clareza e precisão vocabular. É uma reprodução da ideia do
autor com as palavras do aluno, sem alterar o sentido. São exigências de uma boa
paráfrase:
− Utilizar a mesma ordem de ideias que aparecem no texto original.
− Não omitir nenhuma informação essencial.
− Não fazer qualquer comentário acerca do que se diz no texto original.
− Utilizar construções que não sejam uma simples repetição daquelas que
estão no texto original e sempre que possível, um vocabulário também
diferente.
A seguir, eles sentarão em círculo e farão comentários sobre a história, a autora, observando uma de suas principais características que é a abordagem dos conflitos humanos pela construção do fator psicológico nas atitudes das personagens. Também pensar no título do conto. Por que a autora escolheu este título?
O passo seguinte é fazer uma análise do texto. Algumas perguntas são muito importantes: Quem? O que? Quando? Onde? Como?
Formular as perguntas e obter as respostas ajuda a conhecer o conto por dentro:
Quais as personagens principais? O que acontece na história? Em que tempo e em que lugar se passa a história narrada? Quem narra? De que jeito? O narrador conta de fora ou é um dos personagens?
Depois dessa análise, fica mais fácil interpretar a obra. Já temos uma base para comentar, comparar, atribuir valor. A leitura está mais fundamentada, fica mais
fácil respondes as perguntas:
a) O que você achou do conto?b) Que elementos já demonstravam que algo de errado estava para acontecer?c) De que maneira passa o conto, cronológico ou psicológico? Explique.d) Em que momento da narrativa ocorre o clímax nesta história.e) De que maneira o desfecho acaba surpreendendo o leitor?f) O nome do conto é: Venha Ver o Pôr do Sol. Por quê?
21
Mais um conto...
Vamos conhecer, neste momento, um conto de Machado de Assis. Tendo
desenvolvido a ficção em vários gêneros, é no conto e no romance que Machado de
Assis atinge os pontos mais altos de sua vasta obra. Neles – conto e romance – o
escritor ultrapassa os limites do Romantismo, a escola literária na qual teve sua
formação, para criar o Realismo em nossa literatura, bem como revelar-se um dos
escritores mais inovadores e críticos de todos os tempos no Brasil.
A ironia, a percepção aguda do narrador, a reflexão crítica e abrangente, o
aprofundamento em questões psicológicas e sociais são alguns pontos abordados
nas obras machadianas.
<http://youtu.be/HSCDgTtEKww>acesso em 19/06/2011
Assistindo ao vídeo do youtube, o professor nos fala que as personagens de
Machado de Assis criam uma expectativa, mas sempre com o pé na realidade, que
suas emoções são contidas. Vamos entender por quê?
Noite de Almirante
Deolindo Venta-Grande (era uma alcunha de bordo) saiu do arsenal de
marinha e enfiou pela rua de Bragança. Batiam três horas da tarde. Era a fina flor
dos marujos e, de mais, levava um grande ar de felicidade nos olhos. A corveta dele
voltou de uma longa viagem de instrução, e Deolindo veio à terra tão depressa
A próxima etapa é a ruptura do horizonte de expectativas pela introdução de
textos e atividades de leitura que abalem as certezas e costumes dos alunos, seja
em termos de literatura ou de vivência cultural. Essa introdução deve dar
continuidade à etapa anterior através do oferecimento de textos que se assemelhem
aos anteriores em um aspecto apenas: o tema, o tratamento, a estrutura ou a
linguagem. Entretanto, os demais recursos compositivos devem ser diferentes, de
modo que o aluno ao mesmo tempo perceba estar ingressando num campo
desconhecido, mas não se sinta inseguro demais e rejeite a experiência.
( aproximadamente umas dez aulas).
22
alcançou licença.
Os companheiros disseram-lhe, rindo:
— Ah! Venta-Grande! Que noite de almirante vai você passar! Ceia, viola e os
braços de Genoveva. Colozinho de Genoveva...
Deolindo sorriu. Era assim mesmo, uma noite de almirante, como eles dizem,
uma dessas grandes noites de almirante que o esperava em terra. Começara a
paixão três meses antes de sair a corveta. Chamava-se Genoveva, caboclinha de
vinte anos, esperta, olho negro e atrevido. Encontraram-se em casa de terceiro e
ficaram morrendo um pelo outro, a tal ponto que estiveram prestes a dar uma
cabeçada, ele deixaria o serviço e ela o acompanharia para a vila mais recôndita do
interior.
A velha Inácia, que morava com ela, dissuadiu-os disso; Deolindo não teve
remédio senão seguir em viagem de instrução. Eram oito ou dez meses de
ausência. Como fiança recíproca, entenderam dever fazer um juramento de
fidelidade.
— Juro por Deus que está no céu. E você?
— Eu também.
— Diz direito.
— Juro por Deus que está no céu; a luz me falte na hora da morte.
Estava celebrado o contrato. Não havia descrer da sinceridade de ambos; ela
chorava doidamente, ele mordia o beiço para dissimular. Afinal separaram-se,
Genoveva foi ver sair a corveta e voltou para casa com um tal aperto no coração que
parecia que "lhe ia dar uma coisa". Não lhe deu nada, felizmente; os dias foram
passando, as semanas, os meses, dez meses, ao cabo dos quais, a corveta tornou
e Deolindo com ela.
Lá vai ele agora, pela rua de Bragança, Prainha e Saúde, até ao princípio da
Gamboa, onde mora Genoveva. A casa é uma rotulazinha escura, portal rachado do
sol, passando o cemitério dos Ingleses; lá deve estar Genoveva, debruçada à janela,
esperando por ele. Deolindo prepara uma palavra que lhe diga. Já formulou esta:
"Jurei e cumpri", mas procura outra melhor. Ao mesmo tempo lembra as mulheres
que viu por esse mundo de Cristo, italianas, marselhesas ou turcas, muitas delas
bonitas, ou que lhe pareciam tais. Concorda que nem todas seriam para os beiços
dele, mas algumas eram, e nem por isso fez caso de nenhuma. Só pensava em
Genoveva. A mesma casinha dela, tão pequenina, e a mobília de pé quebrado, tudo
23
velho e pouco, isso mesmo lhe lembrava diante dos palácios de outras terras. Foi à
custa de muita economia que comprou em Trieste um par de brincos, que leva agora
no bolso com algumas bugigangas. E ela que lhe guardaria? Pode ser que um lenço
marcado com o nome dele e uma âncora na ponta, porque ela sabia marcar muito
bem. Nisto chegou à Gamboa, passou o cemitério e deu com a casa fechada. Bateu,
falou lhe uma voz conhecida, a da velha Inácia, que veio abrir-lhe a porta com
grandes exclamações de prazer. Deolindo, impaciente, perguntou por Genoveva.
— Não me fale nessa maluca, arremeteu a velha. Estou bem satisfeita com o
conselho que lhe dei. Olhe lá se fugisse. Estava agora como o lindo amor.
— Mas que foi? que foi?
A velha disse-lhe que descansasse, que não era nada, uma dessas coisas
que aparecem na vida; não valia a pena zangar-se. Genoveva andava com a cabeça
virada...
— Mas virada por quê?
— Está com um mascate, José Diogo. Conheceu José Diogo, mascate de
fazendas?
Está com ele. Não imagina a paixão que eles têm um pelo outro. Ela então
anda maluca. Foi o motivo da nossa briga. José Diogo não me saía da porta; eram
conversas e mais conversas, até que eu um dia disse que não queria a minha casa
difamada. Ah! meu pai do céu! foi um dia de juízo. Genoveva investiu para mim com
uns olhos deste tamanho, dizendo que nunca difamou ninguém e não precisava de
esmolas. Que esmolas, Genoveva?
O que digo é que não quero esses cochichos à porta, desde as aves-marias...
Dois dias depois estava mudada e brigada comigo.
— Onde mora ela?
— Na praia Formosa, antes de chegar à pedreira, uma rótula pintada de novo.
Deolindo não quis ouvir mais nada. A velha Inácia, um tanto arrependida,
ainda lhe deu avisos de prudência, mas ele não os escutou e foi andando. Deixo de
notar o que pensou em todo o caminho; não pensou nada. As idéias marinhavam-lhe
no cérebro, como em hora de temporal, no meio de uma confusão de ventos e
apitos. Entre elas rutilou a faca de bordo, ensangüentada e vingadora. Tinha
passado a Gamboa, o Saco do Alferes, entrara na praia Formosa. Não sabia o
número de casa, mas era perto da pedreira, pintada de novo, e com auxílio da
vizinhança poderia achá-la. Não contou com o acaso que pegou de Genoveva e fê-
24
la sentar à janela, cosendo, no momento em que Deolindo ia passando. Ele
conheceu-a e parou; ela, vendo o vulto de um homem, levantou os olhos e deu com
o marujo.
— Que é isso? exclamou espantada. Quando chegou? Entre, seu Deolindo.
E, levantando-se, abriu a rótula e fê-lo entrar. Qualquer outro homem ficaria
alvoroçado de esperanças, tão francas eram as maneiras da rapariga; podia ser que
a velha se enganasse ou mentisse; podia ser mesmo que a cantiga do mascate
estivesse acabada.
Tudo isso lhe passou pela cabeça, sem a forma precisa do raciocínio ou da
reflexão, mas em tumulto e rápido. Genoveva deixou a porta aberta, fê-lo sentar-se,
pediu-lhe notícias da viagem e achou-o mais gordo; nenhuma comoção nem
intimidade. Deolindo perdeu a última esperança. Em falta de faca, bastavam-lhe as
mãos para estrangular Genoveva, que era um pedacinho de gente, e durante os
primeiros minutos não pensou em outra coisa.
— Sei tudo, disse ele.
— Quem lhe contou?
Deolindo levantou os ombros.
— Fosse quem fosse, tornou ela, disseram-lhe que eu gostava muito de um
moço?
— Disseram.
— Disseram a verdade.
Deolindo chegou a ter um ímpeto; ela fê-lo parar só com a ação dos olhos.
Em seguida disse que, se lhe abrira a porta, é porque contava que era homem de
juízo. Contou lhe então tudo, as saudades que curtira, as propostas do mascate, as
suas recusas, até que um dia, sem saber como, amanhecera gostando dele.
— Pode crer que pensei muito e muito em você. Sinhá Inácia que lhe diga se
não chorei muito... Mas o coração mudou... Mudou... Conto-lhe tudo isto, como se
estivesse diante do padre, concluiu sorrindo.
Não sorria de escárnio. A expressão das palavras é que era uma mescla de
candura e cinismo, de insolência e simplicidade, que desisto de definir melhor. Creio
até que insolência e cinismo são mal aplicados. Genoveva não se defendia de um
erro ou de um perjúrio; não se defendia de nada; faltava-lhe o padrão moral das
ações. O que dizia, em resumo, é que era melhor não ter mudado, dava-se bem com
a afeição do Deolindo, a prova é que quis fugir com ele; mas, uma vez que o
25
mascate venceu o marujo, a razão era do mascate, e cumpria declará-lo. Que vos
parece? O pobre marujo citava o juramento de despedida, como uma obrigação
eterna, diante da qual consentira em não fugir e embarcar: "Juro por Deus que está
no céu; a luz me falte na hora da morte". Se embarcou, foi porque ela lhe jurou isso.
Com essas palavras é que andou, viajou, esperou e tornou; foram elas que lhe
deram a força de viver. Juro por Deus que está no céu; a luz me falte na hora da
morte...
— Pois, sim, Deolindo, era verdade. Quando jurei, era verdade. Tanto era
verdade que eu queria fugir com você para o sertão. Só Deus sabe se era verdade!
Mas vieram outras coisas... Veio este moço e eu comecei a gostar dele...
— Mas a gente jura é para isso mesmo; é para não gostar de mais ninguém...
— Deixa disso, Deolindo. Então você só se lembrou de mim? Deixa de
partes...
— A que horas volta José Diogo?
— Não volta hoje.
— Não?
— Não volta; está lá para os lados de Guaratiba com a caixa; deve voltar
sexta-feira ou sábado... E por que é que você quer saber? Que mal lhe fez ele?
Pode ser que qualquer outra mulher tivesse igual palavra; poucas lhe dariam
uma expressão tão cândida, não de propósito, mas involuntariamente. Vede que
estamos aqui muito próximos da natureza. Que mal lhe fez ele? Que mal lhe fez esta
pedra que caiu de cima? Qualquer mestre de física lhe explicaria a queda das
pedras. Deolindo declarou, com um gesto de desespero, que queria matá-lo.
Genoveva olhou para ele com desprezo, sorriu de leve e deu um muxoxo; e, como
ele lhe falasse de ingratidão e perjúrio, não pôde disfarçar o pasmo. Que perjúrio?
que ingratidão? Já lhe tinha dito e repetia que quando jurou era verdade. Nossa
Senhora, que ali estava, em cima da cômoda, sabia se era verdade ou não. Era
assim que lhe pagava o que padeceu? E ele que tanto enchia a boca de fidelidade,
tinha-se lembrado dela por onde andou?
A resposta dele foi meter a mão no bolso e tirar o pacote que lhe trazia. Ela
abriu-o, aventou as bugigangas, uma por uma, e por fim deu com os brincos. Não
eram nem poderiam ser ricos; eram mesmo de mau gosto, mas faziam uma vista de
todos os diabos. Genoveva pegou deles, contente, deslumbrada, mirou-os por um
lado e outro, perto e longe dos olhos, e afinal enfiou-os nas orelhas; depois foi ao
26
espelho de pataca, suspenso na parede, entre a janela e a rótula, para ver o efeito
que lhe faziam. Recuou, aproximou-se, voltou a cabeça da direita para a esquerda e
da esquerda para a direita.
— Sim, senhor, muito bonitos, disse ela, fazendo uma grande mesura de
agradecimento. Onde é que comprou?
Creio que ele não respondeu nada, não teria tempo para isso, porque ela
disparou mais duas ou três perguntas, uma atrás da outra, tão confusa estava de
receber um mimo a troco de um esquecimento. Confusão de cinco ou quatro
minutos; pode ser que dois. Não tardou que tirasse os brincos, e os contemplasse e
pusesse na caixinha em cima da mesa redonda que estava no meio da sala. Ele
pela sua parte começou a crer que, assim como a perdeu, estando ausente, assim o
outro, ausente, podia também perdê-la; e, provavelmente, ela não lhe jurara nada.
— Brincando, brincando, é noite, disse Genoveva.
Com efeito, a noite ia caindo rapidamente. Já não podiam ver o hospital dos
Lázaros e mal distinguiam a ilha dos Melões; as mesmas lanchas e canoas, postas
em seco, defronte da casa, confundiam-se com a terra e o lodo da praia. Genoveva
acendeu uma vela. Depois foi sentar-se na soleira da porta e pediu-lhe que contasse
alguma coisa das terras por onde andara. Deolindo recusou a princípio; disse que se
ia embora, levantou-se e deu alguns passos na sala. Mas o demônio da esperança
mordia e babujava o coração do pobre diabo, e ele voltou a sentar-se, para dizer
duas ou três anedotas de bordo. Genoveva escutava com atenção. Interrompidos
por uma mulher da vizinhança, que ali veio, Genoveva fê-la sentar-se também para
ouvir "as bonitas histórias que o Sr. Deolindo estava contando". Não houve outra
apresentação. A grande dama que prolonga a vigília para concluir a leitura de um
livro ou de um capítulo, não vive mais intimamente a vida dos personagens do que a
antiga amante do marujo vivia as cenas que ele ia contando, tão livremente
interessada e presa, como se entre ambos não houvesse mais que uma narração de
episódios. Que importa à grande dama o autor do livro? Que importava a esta
rapariga o contador dos episódios?
A esperança, entretanto, começava a desampará-lo e ele levantou-se
definitivamente para sair. Genoveva não quis deixá-lo sair antes que a amiga visse
os brincos, e foi mostrar-lhos com grandes encarecimentos. A outra ficou encantada,
elogiou-os muito, perguntou se os comprara em França e pediu a Genoveva que os
pusesse.
27
— Realmente, são muito bonitos.
Quero crer que o próprio marujo concordou com essa opinião. Gostou de os
ver, achou que pareciam feitos para ela e, durante alguns segundos, saboreou o
prazer exclusivo e superfino de haver dado um bom presente; mas foram só alguns
segundos.
Como ele se despedisse, Genoveva acompanhou-o até à porta para lhe
agradecer ainda uma vez o mimo, e provavelmente dizer-lhe algumas coisas meigas
e inúteis. A amiga, que deixara ficar na sala, apenas lhe ouviu esta palavra: "Deixa
disso, Deolindo"; e esta outra do marinheiro: "Você verá." Não pôde ouvir o resto,
que não passou de um sussurro.
Deolindo seguiu, praia fora, cabisbaixo e lento, não já o rapaz impetuoso da
tarde, mas com um ar velho e triste, ou, para usar outra metáfora de marujo, como
um homem "que vai do meio caminho para terra". Genoveva entrou logo depois,
alegre e barulhenta.
Contou à outra a anedota dos seus amores marítimos, gabou muito o gênio do
Deolindo e os seus bonitos modos; a amiga declarou achá-lo grandemente
simpático.
— Muito bom rapaz, insistiu Genoveva. Sabe o que ele me disse agora?
— Que foi?
— Que vai matar-se.
— Jesus!
— Qual o quê! Não se mata, não. Deolindo é assim mesmo; diz as coisas,
mas não faz. Você verá que não se mata. Coitado, são ciúmes. Mas os brincos são
muito engraçados.
— Eu aqui ainda não vi destes.
— Nem eu, concordou Genoveva, examinando-os à luz. Depois guardou-os e
convidou a outra a coser. — Vamos coser um bocadinho, quero acabar o meu
corpinho azul...
A verdade é que o marinheiro não se matou. No dia seguinte, alguns dos
companheiros bateram-lhe no ombro, cumprimentando-o pela noite de almirante, e
pediram-lhe notícias de Genoveva, se estava mais bonita, se chorara muito na
ausência, etc.
Ele respondia a tudo com um sorriso satisfeito e discreto, um sorriso de
pessoa que viveu uma grande noite. Parece que teve vergonha da realidade e
28
preferiu mentir.
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000208.pdf>acesso em
21/06/2011
Após a leitura do texto, o professor poderá trabalhar o vocabulário e expressões
desconhecidas e também problematizar com a turma se alguém já viveu uma
história parecida com o conto ou conhece alguém que tenha passado por uma
situação parecida.
Propor também que criem um outro final para a história, de forma oral,
baseado na sua vivência.
A intenção é que o aluno pratique sua oralidade e a articulação das ideias de
maneira verbal.
Compreendendo o texto
1 Por que os companheiros de Deolindo usaram a expressão “Noite de
Almirante” ao referirem-se àquela noite
2 Genoveva e Deolindo estiveram prestes a dar uma cabeçada. Por quê? O
que eles fariam?
3 Ao invocar o juramento feito antes da partida como prova absoluta de
fidelidade, Deolindo recebe a resposta da namorada: “Quando jurei, era
verdade, mas vieram outras coisas... Veio esse moço e eu comecei a gostar
dele...”Pedir aos alunos que reflitam sobre o comportamento de Genoveva
para explicar a ideia de amor expressa por Machado de Assis nesse conto.
Essa ideia poderia ser considerada anti romântica?
Trabalhando o texto
1 O conto caracteriza-se por ser uma narrativa condensada, isto é, apresenta
poucas personagens, poucas ações, tempo e espaço resumidos. No conto,
“Noite de Almirante”.
29
2 Quais são as personagens envolvidas na narrativa?
_________________________________________________________________
3 Quais das personagens acima identificadas são as principais?Escreva sobre
suas principais características físicas, psicológicas e sociais.
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
4 Um dos mais importantes elementos do enredo é o conflito. No conto em
estudo. qual é o conflito?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
5 Há um momento em que o conflito atinge o clímax, isto é, seu ponto máximo,
o momento de maior tensão na história. Qual foi esse momento?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
6 O desfecho do conto confirma a informação de Genoveva de que
Deolindo”diz as coisas, mas não faz”? Explique
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
7 Cite quatro referências aos lugares em que as personagens viveram os fatos.___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
8 Existe alguma referência de tempo? Em caso afirmativo, indique.___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
30
9 O conto é narrado em 3ª pessoa, isto é, o narrador conta os fatos sem
participar deles, entretanto ele se intromete e tece comentários sobre os
acontecimentos. Indique um trecho.
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
10 Copie um trecho do conto em que o narrador se dirige ao leitor.
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
11 Observando a linguagem do conto lido, qual a variedade linguística foi
empregada.
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
12 Pedir que os alunos se reúnam em grupos e, juntos, concluam: Quais são as
características do conto?
Com as conclusões do grupo, sugere-se montar na lousa um quadro com as
características básicas do conto.
Trabalhando a escrita
Propor aos alunos que façam um resumo do conto “Noite de Almirante”.
Ativando os conhecimentos prévios.
O fato de sintetizar um texto ou capítulos longos pode se tornar um hábito e
auxiliar o aluno em todas as disciplinas, pois estará atento às ideias principais e se
lembrará dos pontos chaves do conteúdo.
Expor o texto em um número reduzido de linhas não parece ser tarefa fácil?
A seguir estão alguns passos para se fazer um bom resumo.
31
− Faça uma primeira leitura atenciosa do texto, a fim de saber o assunto
geral do mesmo;
− Depois leia o texto por parágrafos, sublinhando as palavras chaves ou as
ideias principais para serem a base do resumo;
− Logo após, faça o resumo dos parágrafos, baseando-se nas palavras
chaves já destacadas anteriormente;
− Releia o seu texto à medida que for escrevendo para verificar se as ideias
estão claras e têm sequência, ou seja, coerentes e coesas;
− Ao final, faça um resumo geral deste primeiro resumo dos parágrafos e
verifique se não está faltando nenhuma informação;
− Por fim, analise se os conceitos apresentados estão de acordo com a
opinião do autor porque não cabem, no resumo, comentários pessoais.
Conhecendo o estilo de Machado de Assis
Machado de Assis centrou seu interesse na sondagem psicológica, isto é,
buscou compreender os mecanismos que comandam as ações humanas, sejam
elas de natureza espiritual ou decorrente da ação que o meio social exerce sobre
cada indivíduo. Tudo temperado com profunda reflexão. O escritor busca inspiração
nas ações rotineiras do homem. Penetrando na consciência das personagens para
sondar-lhes o funcionamento. Machado mostra de maneira impiedosa e aguda, a
vaidade, a futilidade, a hipocrisia, a ambição, a inveja, a inclinação ao adultério.
Como este escritor capta sempre os impulsos contraditórios existentes em qualquer
ser humano, torna-se difícil classificar suas personagens em boas ou más.
Escolhendo suas personagens entre a burguesia que vive de acordo com o
convencionalismo da época,Machado desmascara o jogo das convenções sociais,
enfatizando o contraste entre o essencial (o que as personagens são) e aparência (o
que as personagens demonstram ser). O sucesso financeiro e social é quase
sempre o objetivo último das personagens.
A visão de mundo machadiana tem as seguintes características: humor, este
32
tem duas funções: ora visa criticar o ser humano e suas fraquesas através da ironia,
ora demonstram compaixão pelo homem, fazendo o leitor refletir sobre a condição
humana; pessimismo, não o angustiado nem desesperador. Tende para a ironia e
propõe a aceitação do prazer relativo que a vida pode oferecer, já que a felicidade
absoluta é inatingível.
Propondo atividades...
Observando as características de Machado de Assis, faça um parâmetro com
as personagens principais do conto “Noite de Almirante”.
6 UNIDADE 4
Questionamento do horizonte de expectativa (aproximadamente duas aulas)
Fase em que são comparados os dois momentos anteriores, verificando que
conhecimentos proporcionaram a eles facilidade de entendimento do texto e dos
problemas encontrados.
Após o trabalho realizado com os contos, o professor solicita a turma a questionar
seus horizontes de expectativas, Nesta etapa do trabalho, o professor propõe uma
atividade em grupo. Solicita que debatam nos grupos as questões propostas e
depois socializem com a sala toda.
O que eles esperavam ao iniciar o trabalho com cada conto se concretizou?
Aquilo que vocês entendiam por conto realmente é?
Perceberam as estratégias usadas pelos autores para criar e manter o interesse
do leitor no desvendamento dos conflitos internos das personagens?
Observaram o desfecho inesperado enquanto característica Machadiana?
33
Observaram as diferenças de características de um autor para outro?
As atividades desenvolvidas após as leituras dos contos proporcionaram que
você realizasse uma leitura compreensiva dos textos?
Vocês acham que a partir dessas leituras,conseguem localizar as informações
explícitas e implícitas, no texto, por meio de exercícios sugeridos pelo professor?
Você consegue estabelecer relações entre os temas abordados nos textos com
as questões da realidade?
Ampliação do horizonte de expectativas
Última etapa em que os alunos, conscientes de suas novas possibilidades de
manejo com a literatura, partem para a busca de novos textos que atendam suas
expectativas ampliadas no tocante a temas e composições mais complexos. Este
método evolui em espiral, deixando os alunos mais conscientes em relação à
literatura e à vida.
Trabalhando um novo texto Sondagem Oral
Perguntar aos alunos se eles já ouviram falar de Mario de Andrade, se conhecem
alguma obra publicada por ele. Contar a eles sua interessante biografia, que ele foi
um grande escritor Modernista. E entre suas principais obras convém citarmos
34
“Amar, Verbo Intransitivo,”Macunaíma, o herói sem nenhum caráter”, e “Contos
Novos”, onde o conto “Peru de Natal está incluído, entre outros. E também que o
próprio Mário explicou sua preferência pelos contos, chegando a declarar que
admirava a forma do conto, por sua concisão e por propiciar uma comunicação
direta entre o escritor e o leitor.
O Peru de NatalMário de Andrade3
A nossa primeira Natal de família, depois da morte de meu pai acontecida
cinco meses antes, foi de consequências decisivas para a felicidade familiar. Nós
sempre fôramos familiarmente felizes, nesse sentido muito abstrato da felicidade:
gente honesta, sem crimes, lar sem brigas internas nem graves dificuldades
econômicas. Mas, devido principalmente à natureza cinzenta de meu pai, ser
desprovido de qualquer lirismo, de uma exemplaridade incapaz, acolchoado no
medíocre, sempre nos faltara aquele aproveitamento da vida, aquele gosto pelas
felicidades materiais, um vinho bom, uma estação de águas, aquisição de geladeira,
coisas assim. Meu pai fora de um bom errado, quase dramático, o puro-sangue dos
desmancha-prazeres.
Morreu meu pai, sentimos muito, etc. Quando chegamos nas proximidades do
Natal, eu já estava que não podia mais pra afastar aquela memória obstruente do
morto, que parecia ter sistematizado pra sempre a obrigação de uma lembrança
dolorosa em cada almoço, em cada gesto mínimo da família. Uma vez que eu
sugerira à mamãe a ideia dela ir ver uma fita no cinema, o que resultou foram
lágrimas. Onde se viu ir ao cinema, de luto pesado! A dor já estava sendo cultivada
pelas aparências, e eu, que sempre gostara apenas regularmente de meu pai, mais
por instinto de filho que por espontaneidade de amor, me via a ponto de aborrecer o
bom do morto.
3 Mário de Andrade (1893 – 1945), nasceu em São Paulo, mostrando desde cedo inclinação pela música e literatura. Seu interesse pelas artes levou-o a realizar em São Paulo, de parceria com Oswald de Andrade, a Semana de Arte Moderna, que rasgou novas perspectivas para a cultura brasileira. Sua obra essencialmente brasileira, reflete um nacionalismo humanista, que nada tem de místico e abstrato. “Macunaíma”,baseada em temas folclóricos é, geralmente, considerada sua obra prima.
35
Foi decerto por isto que me nasceu esta sim, espontaneamente, a ideia de
fazer uma das minhas chamadas "loucuras". Essa fora, aliás, e desde muito cedo, a
minha esplêndida conquista contra o ambiente familiar. Desde cedinho, desde os
tempos de ginásio, em que arranjava regularmente uma reprovação todos os anos;
desde o beijo às escondidas, numa prima, aos dez anos, descoberto por Tia Velha,
uma detestável de tia; e principalmente desde as lições que dei ou recebi, não sei,
de uma criada de parentes: eu consegui no reformatório do lar e na vasta
parentagem, a fama conciliatória de "louco". "É doido, coitado!" falavam. Meus pais
falavam com certa tristeza condescendente, o resto da parentagem buscando
exemplo para os filhos e provavelmente com aquele prazer dos que se convencem
de alguma superioridade. Não tinham doidos entre os filhos. Pois foi o que me
salvou, essa fama. Fiz tudo o que a vida me apresentou e o meu ser exigia para se
realizar com integridade. E me deixaram fazer tudo, porque eu era doido, coitado.
Resultou disso uma existência sem complexos, de que não posso me queixar um
nada.
Era costume sempre, na família, a ceia de Natal. Ceia reles, já se imagina: ceia
tipo meu pai, castanhas, figos, passas, depois da Missa do Galo. Empanturrados de
amêndoas e nozes (quanto discutimos os três manos por causa dos quebra-
nozes...), empanturrados de castanhas e monotonias, a gente se abraçava e ia pra
cama. Foi lembrando isso que arrebentei com uma das minhas "loucuras":
Disponível em <http://www.releituras.com/marioandrade_natal.asp>acesso em
01/07/2011
Entendendo o texto
1 Com base nas características do gênero narrativo conto, faça um parâmetro,
exemplificando com os elementos do texto.
2 Em relação aos elementos da narrativa, responda.
a) Quais são as personagens envolvidas no conto?
b) Onde e quando acontecem os fatos narrados?
c) O tempo é psicológico ou cronológico? Justifique.
d) O conto pode ter tanto um narrador em terceira pessoa quanto um
36
narrador personagem. Que tipo de narrador o conto “Peru de Natal”
apresenta? Justifique sua resposta.
e) Um dos mais importantes elementos do enredo é o conflito. Identifique
o conflito no conto “Peru de Natal”. Identifique também o clímax.
f) O desfecho do conto apresenta a solução do conflito? Comente.
3 Como o narrador resume o caráter do pai?
4 Que conceito os membros da família e parentes faziam do narrador?
5 Embora a família vivesse aparentemente feliz, faltava-lhe alguma coisa.
Quem era responsável por “essa” meia felicidade familiar?
6 Por que o narrador personagem toma partido do pai na luta entre os mortos, o
pai e o peru, se o que ele queria era que a família esquecesse a figura do
pai?
7 Observe a linguagem do conto lido. Que tipo de Variedade linguística foi
empregada? Que tempo verbal predomina?
8 A frase a seguir assume um significado especial no conto “O Peru de Natal”:
“Morreu meu pai, sentimos muito.” Sobre essa frase é correto afirmar:
a) É carregado de sentimentalismo.
b) É um recurso que prepara a substituição da narração do luto pela
narração da alegria e do prazer na ceia de natal.
c) É uma ironia, porque a esposa e os filhos eram infelizes e não
gostavam do homem, nem sequer lamentavam sua morte.
d) É uma ironia porque o filho, narrador personagem, detestava o pai,
chegando mesmo a difamá-lo perante os familiares na ceia de natal.
Trabalhando o contexto
Mário de Andrade em “O Peru de Natal” procura expressar-se por meio de
uma linguagem ligada ao movimento Modernista que teve sua culminância com a
Semana de Arte Moderna.
A palavra de ordem era mudar, experimentar formas, transformar. O autor foi
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um dos mais ativos participantes dessa semana.
<http://youtu.be/_4g1j59AhEw>acesso em 03/07/2011
No conto “O Peru de Natal” a família descrita sempre foi submissa às ordens do pai,
aliás, este até mesmo depois de morto continuava a ter o controle da situação.
O filho considerado por todos como rebelde é que planeja ultrapassar essa barreira
e propõe a família a realização da ceia, prazer que antes ninguém naquela casa
pudera ter desfrutado. Nota-se aí uma ruptura das estruturas do passado e exemplo
de rebeldia, características marcantes dos escritores modernistas.
O Narrador personagem era considerado rebelde pela família e a representação dos
ideais dos escritores modernistas: O ser que foge dos padrões estabelecidos e
propõe uma nova realidade.
Características do modernismo.
− Emprego de uma linguagem mais simples e coloquial, cotidiana, com o
objetivo de combater o rebuscamento e o pedantismo de alguns literatos.
− Rompimento com os padrões culturais da época. Ideal de libertação estética
(oposição violenta à literatura do passado).
− Verso livre (o verso já não está sujeito ao rigor métrico e as formas fixas de
versificação como o soneto por exemplo).
− Liberdade de expressão.
− Visão amorosa e crítica do cotidiano.
− Linguagem emotiva e expressiva.
− Nova visão de mundo. Libertação da sintaxe.
− A ação do enredo perde a importância.
Vamos analisar o texto de acordo com algumas características do modernismo.
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1. O narrador personagem, um jovem de dezenove anos, rotulado como “louco”
num círculo familiar, de ”bem comportados”. Essa rebeldia é um sinal daquilo
que os Modernistas tanto pregavam. Por quê?
2. No conto há predominância da linguagem emotiva, expressiva. “Todos
estavam felicíssimos”. Encontre no texto mais exemplos.
3. O conto utiliza-se de várias expressões coloquiais, querendo criar uma
espécie de “língua brasileira”, com o uso de expressões como por exemplo:
“tentando o dianho”. Encontre algumas dessas expressões.
4. “Observando um trecho do texto”. A voz severizada de mamãe cortou o
espaço angustiado com que todos aspiravam pela sua parte no peru.
• Se lembre de seus irmãos, Juca!. Há aí uma característica do
modernismo que é a libertação da sintaxe. Explique.
5 O modernismo brasileiro é um movimento nascido no
Brasil, Queria uma literatura que fosse eminentemente brasileira e que
refletisse o pensamento do nosso povo, nossa beleza, nosso folclore e
tradições. O que você entendeu quando Juca diz que descarregou toda a sua
indiferença pela parentada infinita e que queria comer o peru somente entre
eles, as cinco pessoas da família?
Trabalhando a Escrita
Elabore um pequeno resumo sobre o conto que você leu (não poderá
ultrapassar a uma lauda) e construir um pequeno texto, fazendo uma análise da obra
lida, nela deverá ser respondida as questões:
a) Gostou do conto?
b) Existe alguma relação com a nossa realidade?
Os critérios de avaliação a serem empregados, abrangem a dinâmica do processo e cada leitura do aluno, que deve evidenciar a capacidade de comparar e contrastar todas as atividades realizadas, questionando a atuação do professor e a do grupo. A resposta final deve ser uma leitura
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mais exigente que a inicial, em termos estéticos e ideológicos.
REFERÊNCIAS
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