Universidade de Aveiro Secção Autónoma de Ciências de Saúde
2010
TERESA MARIA COELHO SILVESTRE
O CUIDADO À SAÚDE NAS VOZES DE
PESSOAS ADULTAS IDOSAS COM VIH/SIDA
Universidade de Aveiro Secção Autónoma de Ciências de Saúde
2010
TERESA MARIA COELHO SILVESTRE
O CUIDADO À SAÚDE NAS VOZES DE
PESSOAS ADULTAS IDOSAS COM VIH/SIDA
Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para
cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do
grau de Mestre em Gerontologia, realizada sob a
orientação científica da Professora Dra. Alcione Leite
Silva, Professora Associada Convidada da Secção
Autónoma de Ciências da Saúde da Universidade de
Aveiro
Dedico esta dissertação aos meus filhos, Rui e José, que foram o pilar que sustentou toda a sua realização.
A todos, os que neste Mundo são afectados pelo VIH/SIDA. Que o futuro traga a todos eles, uma existência mais feliz.
o júri
presidente
Professora Doutora Anabela Gonçalves da Silva Professora Adjunta da Escola Superior da Saúde da Universidade de
Aveiro
Professora Doutora Amarílis Pereira Rocha Professora Coordenadora da Escola Superior de Saúde de Viseu
Professora Doutora Alcione Leite Silva (orientadora) Professora Associada Convidada da Secção Autónoma de Ciências da
Saúde da Universidade de Aveiro
Agradecimentos
À minha orientadora, Prof. Dra. Alcione Leite da Silva, por
ter acreditado em mim, pelo apoio e pela força que sempre
me transmitiu e principalmente pelos conhecimentos e
sabedoria, cuja utilidade foi incalculável, durante a sua
orientação.
Aos meus queridos filhos, pela compreensão que tiveram,
num período em que foram muitas as ausências, pelo apoio e
pela forma como sempre me incentivaram a prosseguir neste
desafio.
À Paula e à Sandra, pela sua disponibilidade, colaboração e
apoio, neste percurso de vida que fizemos em conjunto.
Aos meus amigos e familiares por todo o apoio que me
concederam.
A todos aqueles que de algum modo contribuíram para a
realização deste trabalho.
Um agradecimento especial e sentido, a todos aqueles que
partilharam comigo as suas vivências e sem os quais a
realização deste trabalho não teria sido possível.
palavras-chave
resumo
Cuidado à saúde, pessoas adultas idosas, VIH/SIDA, história oral.
Estudos recentes têm demonstrado que, nos últimos anos, a infecção
por VIH tem aumentado nas pessoas com mais de cinquenta anos.
Com uma esperança de vida aumentada, estas pessoas viram-se
confrontadas com necessidades económicas, psicológicas, familiares
e sociais, que até então, aos olhos dos profissionais de saúde, não
eram consideradas prioritárias. Perante esta realidade, realizámos
este estudo com o objectivo de conhecer as vivências de cuidado à
saúde de pessoas adultas idosas com VIH/SIDA. Para a abordagem
do tema recorremos à pesquisa qualitativa, com foco na história oral.
Os(as) participantes do estudo foram 18 pessoas adultas idosas com
VIH/SIDA, sendo onze homens e sete mulheres. A recolha de dados
foi realizada através de entrevista semi-estruturada, tendo sido
respeitados os princípios éticos. A análise dos dados englobou três
etapas: organização, classificação, e interpretação dos dados. Para
este processo recorremos ao programa QSR NVivo. Com base na
análise dos dados, emergiram três categorias: O diagnóstico de
VIH/SIDA enquanto realidade difícil de ser vivida; cuidado à saúde
na vivência de pessoas adultas/idosas com VIH/SIDA; e
significados do cuidado em saúde. Como principais resultados
constatámos que as pessoas adultas idosas viviam uma vida de
inseguranças e medos face a um futuro incerto. O receio de
compartilharem o diagnóstico levou-as a viver uma vida solitária,
com apoio social reduzido. Nas vivências de cuidado à saúde
sobressaíram as consultas de vigilância e os internamentos. O
cuidado à saúde caracterizou-se por ser multiprofissional, centrado
na doença e na remissão dos sintomas. Na generalidade, os(as)
participantes encontravam-se satisfeitos com o cuidado à saúde. O
médico ocupou o centro no cuidado à saúde, tendo os demais
profissionais, pouca visibilidade. Os significados do cuidado
abrangeram três dimensões: cognitiva, afectiva/relacional e
técnico/instrumental. A maior ênfase do cuidado recaiu nas
dimensões técnico-instrumental e afectivo-relacional. Na primeira, a
ênfase foi nas análises sanguíneas e no tratamento medicamentoso.
Já na segunda, houve destaque para a demonstração de afectividade,
atenção e respeito, criação de vínculos de confiança e proximidade,
presteza no atendimento e comunicação efectiva. A dimensão
cognitiva foi a que teve menos relevância neste estudo, com foco
somente no repasse de informação. Na dimensão cognitiva, a
educação em saúde não foi valorizada pelos profissionais de saúde.
Com este estudo, pretendemos dar a conhecer as vivências de
cuidado à saúde e alertar os profissionais de saúde para a
necessidade de um cuidado integral, que abarque a unicidade e
diversidade do ser humano no seu contexto de vida.
keywords
abstract
Health Care, Elderly Adult People, HIV/AIDS, Oral Story
Recent studies have shown that in the last years, the HIV
infection has risen in people over fifty years old. With an
increased life expectancy, these people have been confronted
with economical, psychological, familiar and social needs,
which have so far not been considered as priority by the health
care professionals. Facing this reality, this study has the
objective to know the living experiences in the health care
services of elderly adult people with HIV/AIDS. To approach
the subject we used a qualitative research, focusing on oral
history. The participants in the study were 18 elderly adults with
HIV/AIDS, eleven men and seven women. Data collection was
conducted through semi-structured interviews, respecting the
ethical principles. Data analysis included three steps: organizing,
classifying and interpreting data. For this process we used the
program QSR NVivo. Based on the data analysis, three
categories were revealed: The diagnosis of HIV/AIDS as a
difficult reality to be lived; health care experience in adult /
elderly women with HIV/AIDS and then meanings of health
care. As the main results we found that the elderly adults lived a
life of insecurity and fear as they face an uncertain future. The
fear of sharing the diagnosis led them to live a lonely life, with
reduced social support. In the experiences in health care the
queries highlighted the surveillance and internments. The health
care was characterized by being a multidisciplinary approach,
and focused on the disease and symptom remission. In general,
the participants were satisfied with their health care. The doctor
took a central role in health care, and the other professionals‟
activity was less referred by the participants. The meanings of
care covered three dimensions: cognitive, affective / relational
and technical/instrumental. The main emphasis of care fell on
the technical-instrumental and affective-relational dimensions.
At the first dimension, the emphasis was on blood tests and
medication. In the second one, the emphasis was on the
demonstration of affection, attention and respect, creating bonds
of trust and closeness, promptness in service and effective
communication. The cognitive dimension was the one that had
less relevance in this study, focusing only on the transfer of
information. In this dimension, we concluded that health
education was not valued by health professionals. With this
study, we intend to publicize the experiences of health care and
to alert health professionals to the need for a comprehensive
care that encompasses the uniqueness and diversity of human
beings in the context of their lives.
SIGLAS
ABRAÇO Associação de Apoio a Pessoas com VIH/SIDA
ADIS/SIDA Apoio, Desenvolvimento e Intervenção na SIDA
AIDS Acquired Immune Deficiency Syndrome
ARS Administrações Regionais de Saúde
CAD Centros de Aconselhamento e Detecção Precoce VIH
CAAP Centros de Acompanhamento e Apoio Psicossocial
CDC Centers for Disease Control and Prevention
CNLCS Comissão Nacional de Luta Contra a SIDA
CNSIDA Coordenação Nacional para a Infecção VIH/SIDA
CVEDT Centro de Vigilância Epidemiológica de Doenças Transmissíveis
DGS Direcção-Geral da Saúde
DT Doenças Transmissíveis
ECDC European Center For Disease Prevention And Control
HAART Higly Active Antiretroviral Treatment
MS Ministério da Saúde
OMS Organização Mundial de Saúde
ONG Organizações Não-Governamentais
PNS Plano Nacional de Saúde
SAD Serviços de Apoio Domiciliário
SIDA Síndroma da Imunodeficiência Adquirida
SNS Serviço Nacional de Saúde
SOL Associação de Apoio às crianças com VIH/SIDA
UE União Europeia
UNAIDS Joint United Nations Program on HIV/AIDS
UR Unidades Residenciais
VIH Vírus da Imunodeficiência Humana
WHO World Health Organization
ÍNDICE
ÍNDICE DE FIGURAS…………………………………………………………. 10
ÍNDICE DE GRÁFICOS………………………………………………………. 10
ÍNDICE DE QUADROS………………………………………………………… 10
INTRODUÇÃO…………………………………………………………………... 11
I PARTE – FASE CONCEPTUAL
1.0. SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA……………….. 13
1.1. CONCPÇÕES BÁSICAS………………………………………………. 14
1.2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA…………………………………………….. 16
1.3. EPIDEMIOLOGIA DO VIH/SIDA…………………………………… 19
1.3.1. Panorama epidemiológico mundial………………………………….. 19
1.3.2. Panorama epidemiológico europeu…………………………………... 22
1.3.3. Panorama epidemiológico nacional…………………………………... 23
1.4. PESSOAS ADULTAS IDOSAS E O VIH/SIDA……………………… 26
1.5 VIH/SIDA E IMPACTO PSICOSSOCIAL…………………………… 28
1.6. AS POLITICAS DE SAÚDE E AS PESSOAS ADULTAS IDOSAS
COM VIH/SIDA………………………………………………………...
30
1.6.1 As políticas de saúde e as pessoas com VIH/SIDA…………………... 30
2. O CUIDADO À SAÚDE DE PESSOAS ADULTAS IDOSAS COM
VIH/SIDA…………………………………………………………………………
36
2.1. CONCEPÇÕES DE CUIDADO À SAÚDE…………………………..
36
2.2. O CUIDADO FORMAL À SAÚDE…………………………………… 37
2.2.1. Significados do cuidado……………………………………………….. 41
2.3. CUIDADO À SAUDE E SIDA………………………………………… 45
2.4. O CUIDADO A PESSOAS ADULTAS IDOSAS COM VIH/SIDA:
EVIDÊNCIA EMPIRICA………………………………………………
47
3.0 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO……………………….. 51
4.0 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO…………………………………………….. 56
II PARTE – FASE METODOLÓGICA
5.0 DESENHO DO ESTUDO………………………………………………….. 57
5.1. CONTEXTO E PARTICIPANTESDO ESTUDO…………………….. 57
5.2. RECOLHA DE DADOS……………………………………………….. 58
5.3. ANÁLISE DOS DADOS………………………………………………. 58
5.4. PROCEDIMENTOS ÉTICOS………………………………………..... 59
5.5 RIGOR DO ESTUDO 60
III PARTE - FASE EMPIRICA
6.0 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS………………………………… 61
6.1. CARACTERÍSTICAS DOS(AS) PARTICIPANTES…………………. 61
6.2. CATEGORIAS DO ESTUDO…………………………………………. 62
6.2.1. O Diagnóstico de VIH/SIDA: Realidade difícil de ser vivida………. 62
6.2.2. Vivências Cuidado À Saúde…………………………………………... 67
6.2.3. Significados de Cuidado em Saúde…………………………………… 73
6.2.3.1. Dimensão cognitiva……………………………………………………... 74
6.2.3.2. Dimensão Afectiva – Relacional………………………………………... 77
6.3.3.3. Dimensão técnica / instrumental………………………………………... 82
7.0 AS VIVÊNCIAS DE CUIDADO À SAÚDE DE PESSOAS ADULTA
IDOSAS COM VIH/SIDA EM DISCUSSÃO………………………………….
84
7.1. O DIAGNÓSTICO DE VIH/SIDA: REALIDADE DIFICIL DE SER
VIVIDA…………………………………………………………………. 84
7.2. VIVÊNCIAS DECUIDADO À SAÚDE……………………………….. 87
7.3. SIGNIFICADOS DO CUIDADO EM SAÚDE INTEGRANTES…….. 90
CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………………. 96
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS…………………………………………. 100
APÊNDICES
APÊNDICE I - ESTUDOS SOBRE O CUIDADO À SAÚDE E PESSOAS COM
VIH/SIDA
APÊNDICE II – ROTEIRO DA ENTREVISTA
APÊNDICE III – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
APÊNDICES IV - CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES
10
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 Prevalência Mundial da infecção por HIV em 2008
Figura 2 Número de casos de infecção por VIH por milhão de habitantes a
nível Europeu
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico I Evolução da esperança média de vida, de 1958 – 2003 em alguns
dos países mais afectados pelo HIV
Gráfico II Incidência mundial da infecção por VIH (1990-2009)
Gráfico II Prevalência Mundial da infecção por VIH (1990-2009)
Gráfico IV Incidência da infecção por HIV nas várias regiões geográficas
europeias (2000-2006)
Gráfico V Casos de SIDA: tendências temporais nas 3 principais categorias
de transmissão por ano de diagnóstico.
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro I Distribuição dos casos por grupo etário e género de 1/1/1983 a
31/12/2009.
Quadro II Resumo das etapas importantes da resposta nacional ao VIH/SIDA
em Portugal.
11
INTRODUÇÃO
A epidemia da SIDA, ao longo das últimas três décadas, atingiu o ser humano de forma
indiscriminada, independentemente do sexo, da idade, da cor e do extracto social a que
pertencem. A nível mundial, estima-se que, em 2009, 33,3 milhões de pessoas viviam
com o VIH1.
Se inicialmente, a SIDA estava associada a grupos de risco, assiste-se hoje a uma
alteração do perfil da epidemia, que rapidamente se estendeu a todos os grupos
populacionais, passando a estar relacionada com o conceito de comportamentos de
risco. Actualmente, a epidemiologia da infecção tem demonstrado o seu avanço em
grupos sociais mais vulneráveis, surgindo assim ligada ao critério de vulnerabilidade.
Entre os grupos mais vulneráveis está incluída a pessoa idosa. Estudos recentes têm
demonstrado que, nos últimos anos e nos países desenvolvidos, a infecção por
VIH/SIDA tem-se intensificado nas pessoas idosas. Nos EUA, em 2007, o número de
pessoas com mais de 50 anos infectadas com o VIH/SIDA representava 10 a 15% do
total de pessoas contaminadas. No Canadá, os casos de SIDA em pessoas com mais de
50 anos equivaliam a 11,7% do total dos casos2. Em Portugal, também se tem verificado
esta tendência, essencialmente nos grupos etários 60-64 anos e acima dos 65 anos3.
Esta alteração no perfil epidemiológico da infecção pode ser justificada em primeira
instância pelo aparecimento de terapias eficazes contra o VIH. A evolução no campo
dos agentes antirretrovirais permitiu um aumento significativo da esperança média de
vida das pessoas infectadas, ao abrandar a progressão da doença e ao diminuir a
incidência de doenças oportunistas potencialmente letais. Deste modo, um maior
número de pessoas infectadas acaba por chegar a sectores etários mais avançados,
aumentando nestes a prevalência da epidemia. Outro factor importante para o maior
envolvimento de pessoas com mais de 50 anos é a alteração dos hábitos sexuais da
população. Hoje em dia, tem-se verificado por parte destes escalões etários um maior
envolvimento nas actividades sexuais, o que os leva a estar mais susceptíveis à infecção
por VIH, quando não são adoptados comportamentos seguros. Atendendo a esta maior
esperança média de vida dos indivíduos infectados, torna-se prioritária uma mudança no
12
cuidado a estas pessoas. Se em tempos passados, certas questões não se colocavam,
visto que a evolução da doença levava rapidamente à morte, hoje, dado o carácter
crónico que esta manifesta, torna-se fundamental uma abordagem integral do utente. O
cuidado que visa a resolução dos problemas biológicos ou orgânicos torna-se
insuficiente. Deste modo, é fundamental o desenvolvimento de um cuidado que englobe
as dimensões psicossocial, familiar e económica, de que esta epidemia se reveste
actualmente.
Apesar de se verificar uma contribuição epidemiológica crescente nos sectores etários
para além dos 50 anos, a verdade é que a maior parte dos estudos e das estratégias de
contenção da doença ainda não estão direccionados para estas pessoas. A maior parte
está, preferencialmente, orientada para sectores populacionais que englobam pessoas na
sua idade produtiva e reprodutiva (e portanto, com menos de 50 anos). Assim
resolvemos tomar como objecto de estudo, o grupo de pessoas adultas (com mais de 50
anos) e idosas com VIH/SIDA, com o objectivo de conhecer as suas vivências de
cuidado à saúde. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) serão
consideradas pessoas idosas, as pessoas com 65 ou mais anos.
Este estudo está estruturado em três partes: I Parte - Fase Conceptual, II Parte - Fase
Metodológica e III Parte - Fase Empírica. Na primeira parte iniciamos por expor alguns
conceitos e informações relativas aos processos patofisiológicos da doença, à evolução
histórica desta epidemia e ao seu comportamento epidemiológico. Abordamos, ainda, as
políticas de cuidado à saúde, tendo em conta a evolução que estas políticas sofreram, e
os actuais planos de intervenção a nível nacional para a contenção do VIH/SIDA.
Posteriormente, abordamos o cuidado à saúde, suas concepções, seus significados e suas
dimensões, dando particular ênfase na sua projecção no âmbito do VIH/SIDA.
Seguidamente, fazemos a delimitação do estudo e procedemos à descrição do
referencial teórico-metodológico que orientou o seu desenvolvimento, ou seja a história
oral de Paul Thompson. Na segunda parte apresentamos o desenho do estudo, desde o
contexto e selecção dos participantes, métodos de recolha e análise dos dados, critérios
de rigor e procedimentos éticos. Na terceira parte procedemos à apresentação e
discussão dos dados, respectivamente. Com este estudo, esperamos contribuir para a
identificação de possíveis lacunas no cuidado e para o desenvolvimento de intervenções,
que melhor se adaptem às necessidades destes(as) utentes.
13
I PARTE – FASE CONCEPTUAL
1.0 - SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA E POLÍTICAS DE
CUIDADO À SAÚDE
Nos dias que correm, a SIDA apresenta-se como uma grande ameaça para a Saúde
Pública, com implicações epidémicas em todos os continentes. Ao atacar
preferencialmente uma população celular que desempenha um papel fundamental no
funcionamento imunológico normal, o VIH provoca distúrbios consideráveis nas
defesas do organismo. A maior susceptibilidade a inúmeros agentes patogénicos
predispõe a um agravamento acentuado da condição geral da pessoa infectada, com uma
consequente deterioração da qualidade de vida. Os avanços no campo da terapêutica
vieram retardar o aparecimento de doenças oportunistas e proporcionar um aumento da
sobrevivência. Ao assumir carácter de doença crónica e por ser uma doença
marcadamente estigmatizante, a SIDA envolve reacções psicossociais que muitas vezes
condicionam a vida das pessoas acometidas e de suas famílias. Devido ao medo de
serem rejeitadas, após o diagnóstico de VIH/SIDA, vivem uma vida de solidão, com
limitado apoio social.
Neste capítulo abordamos as noções básicas em relação ao vírus e à SIDA, seguindo-se
de uma breve introdução histórica, uma pequena síntese da situação epidemiológica
mundial, europeia e de Portugal. Em seguida, focamos o VIH/SIDA na população
adulta idosa e a tendência de crescimento da infecção e da síndrome neste grupo etário.
Destacamos ainda o impacto psicossocial a que estão sujeitas as pessoas com
VIH/SIDA e suas famílias, dado o aspecto estigmatizante que acompanha estes
diagnósticos. Finalmente, apresentamos a evolução das políticas de cuidado à saúde em
Portugal no combate a epidemia e ao tratamento das pessoas com VIH/SIDA.
14
1.1 - CONCEPÇÕES BÁSICAS
SIDA é a sigla portuguesa e francesa para a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida,
correspondendo a AIDS, termo inglês que significa Acquired Immune Deficiency
Syndrome. A SIDA é uma doença transmissível, não hereditária, causada pelo vírus da
imunodeficiência humana (VIH, na língua inglesa HIV), que afecta fundamentalmente o
sistema imunitário, originando a sua destruição. É caracterizada pela debilidade
progressiva do sistema imunitário, privando a pessoa de suas defesas e tornando-a mais
vulnerável ao aparecimento de doenças.
O VIH infecta e destrói essencialmente os linfócitos T4 (células CD4), que são
elementos fundamentais na estimulação da resposta imunitária. Ao penetrar na célula, o
VIH transforma o seu código genético do ARN (ácido ribonucleico) em ADN (ácido
desoxirribonucleico), através de uma enzima chamada transcriptase reversa, que lhe
permite replicar-se e destruir a célula. O vírus reproduz-se diariamente, criando dez
milhões de novos vírus, que destroem o mesmo número de células CD4. O organismo
reage produzindo células CD4 em quantidade suficiente para repor as células em falta.
No entanto, a determinada altura não consegue responder de forma eficaz, levando à
desorganização do sistema imunitário.
Numa fase inicial, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) considerou a
evolução da doença em quatro estádios (infecção aguda, assintomático, linfadenopatia
persistente generalizada e sintomático), que eram determinados em função de
características clínicas específicas. Posteriormente, em 1992, a Organização Mundial de
Saúde (OMS) sugeriu uma classificação que considerou não somente a situação clínica
do utente mas também os seus parâmetros imunológicos. Foi também naquele ano que a
definição de SIDA elaborada pelo CDC foi revista pela primeira vez. Em 1993, uma
nova revisão foi feita, sendo que a versão daí resultante englobou mais infecções
oportunistas e, pela primeira vez, enfatizou a importância da contagem dos linfócitos T4
na classificação da infecção pelo VIH.
Com base na última classificação da OMS podemos considerar três estádios da infecção
por VIH:
Estádio assintomático em que durante um período variável o utente, apesar de
estar infectado pelo VIH e possuir anticorpos detectáveis no sangue, não apresenta
15
sintomas. Há uma caída progressiva das células CD4 e um aumento da carga viral.
Estádio sintomático não SIDA que engloba um conjunto de sinais e sintomas
associados ao VIH, mas que não reúnem os critérios para o diagnóstico de SIDA. Esta
classificação epidemiológica é utilizada na União Europeia e inclui o grupo III e o
grupo IV (IVa, IVc2 e IVe) da classificação para fins de vigilância epidemiológica do
CDC de Atlanta:
Grupo III – Linfoadenopatia Persistente Generalizada (LPG).
Grupo IV – Outras doenças a VIH:
Sub-grupo a – Doença constitucional;
Sub-grupo c – Doenças infecciosas secundárias não incluídas nas doenças
constantes da definição de SIDA para fins de vigilância epidemiológica;
Sub-grupo e – Outras situações de infecção pelo VIH4.
O Estádio de SIDA só pode ser determinado pela observação de uma série de
critérios estabelecidos pelo CDC. Entre eles temos a seropositividade, uma contagem de
CD4 inferior a 200/mm3 de sangue e a presença de uma das 26 enfermidades
especificadas pelo CDC. Quando um utente reúne os critérios pré-estabelecidos para
que lhe seja diagnosticado o estádio SIDA, o diagnóstico permanecerá mesmo que os
CD4 aumentem ou fique assintomático.
O diagnóstico da seropositividade pode ser feito através de dois testes. O teste Elisa
numa primeira fase, visto ser mais barato e muito sensível e o teste Western-Blot
quando é necessário confirmar um possível resultado falso-positivo do teste Elisa.
O acompanhamento dos utentes infectados com o VIH baseia-se em dois indicadores
biológicos. A contagem dos linfócitos CD4 e a carga viral do VIH. O número de
linfócitos CD4 é um reflexo do estado imunitário do utente. Na pessoa saudável, o
número de CD4 situa-se entre os 800-1000 por mm3 de sangue. Com valores entre 350-
400 CD4/mm3 é frequente o aparecimento de doenças como o Herpes Zoster, a
Tuberculose, Pneumopatias, etc. Quando o número de CD4 se situa abaixo de 200/mm3
instalam-se as doenças oportunistas (Pneumocistose, Toxoplasmose dentre outras), ou
seja, doenças que não existem nas pessoas imunocompetentes 5. A carga viral é medida
através do número de cópias de ARN do vírus por mililitro de sangue. Dependendo dos
testes utilizados nos laboratórios, o limiar de detecção pode ser de 50, 200 ou 500
cópias por mm3 de sangue. Quando o número de cópias é inferior a este limiar, dizemos
16
que o vírus é indetectável5.
Em última análise, podemos referir que a grande finalidade do tratamento é manter o
vírus indetectável. O que se pretende é prolongar a sobrevivência e melhorar a
qualidade de vida das pessoas, através da redução da carga viral e reconstituição do
sistema imunológico. Actualmente, na luta contra o VIH podemos contar com uma
maior variedade de terapêuticas que se distribuem em quatro classes de antiretrovirais.
Os inibidores nucleosídeos da transcriptase reversa, que foram os primeiros
antiretrovirais a serem utilizados (zidovudina, didadosina, stavudina, lamivudina, entre
outros), que devido à intolerância e aos efeitos adversos limitavam o seu uso regular
pelos utentes. Posteriormente surgiram os inibidores não nucleosídeos da transcriptase
reversa e os inibidores da protease. Os inibidores da protease vieram proporcionar o
início de uma terapia de combinação, denominada Triterapia ou Terapêutica
Antiretroviral Altamente Eficaz (conhecida por HAART - Higly Active Antiretroviral
Treatment), ao serem administrados em conjunto com anti-retrovirais de outras classes5.
Como efeitos secundários dos inibidores da protease realçamos o aumento do colesterol
e dos triglicerídeos, o aparecimento de diabetes e a lipodistrofia que, devido à atrofia da
massa muscular da face e dos membros, configura uma imagem corporal característica
dos utentes, sendo por isso considerado o mais invalidante 5. Os inibidores de fusão
representaram uma nova abordagem no combate ao VIH. Enquanto as terapias
anteriores visavam interromper a replicação do vírus numa fase em que este já havia
infectado a célula alvo, com os inibidores de fusão pretende-se impedir que o vírus
penetre na célula e inicie a infecção. Tem como inconveniente o facto de ser
administrada por via subcutânea, duas vezes por dia, e reacções locais, como rubor, dor
e nódulos no local da picada. Presentemente, nenhuma das terapêuticas utilizadas é
curativa. Contudo, a HAART contribuiu para a redução do número de mortes de
pessoas com SIDA e também para a melhoria da saúde destas pessoas6.
1.2 - EVOLUÇÃO HISTÓRICA
A história do VIH e da SIDA é uma história de início recente, cuja origem pode ser
reportada ao final do século passado. Os primeiros casos reconhecidos desta síndrome
surgiram em Nova Iorque e na Califórnia em indivíduos homossexuais, no início da
década de 1980. No entanto, a origem do vírus e da doença foi desde sempre um
17
mistério. De facto, se hoje em dia existem provas fortes e bem documentadas que
atestam a ligação entre VIH e SIDA, nem sempre foi assim. Aquando dos primeiros
casos de SIDA, o vírus não tinha ainda sido descoberto e mesmo após a sua descoberta
existiu algum cepticismo em assumir o VIH como agente etiológico da SIDA. A origem
do VIH tem sido alvo de várias teorias. Uma das teorias mais aceites hoje em dia é que
o VIH deriva de um outro vírus, com o qual partilha semelhanças significativas e que
infecta símios: o SIV. Segundo esta teoria, ao comer carne de símios infectados com o
SIV, o indivíduo entrou em contacto com o vírus, que por meio de mutações acabou por
originar um vírus capaz de infectar humanos. Nesta teoria, todo este processo que levou
ao aparecimento do VIH decorreu em África7.
Os primeiros registos de sinais e sintomas que levaram a população médica a tomar
consciência da situação epidémica da SIDA surgiu na década de 1980. Até aí, o curso
da doença passou desapercebido, ou por escassez de casos, ou por falta de
relacionamento entre esses casos. Só em 1981, se começou a suspeitar da existência de
uma situação anormal devido ao aparecimento de doenças oportunistas raras, como
pneumonias fúngicas e tumores raros como o sarcoma de Kaposi. Estas doenças
começaram subitamente a aparecer em números excepcionalmente elevados de pessoas
jovens, até então raramente afectadas por tais doenças. Inicialmente, os jovens afectados
foram indivíduos homossexuais, sendo seguidos pelos utilizadores de drogas
injectáveis7. Mais tarde, em 1982, tinham já sido reportados 452 casos, em 23 estados
norte-americanos, que englobavam indivíduos homossexuais, hemofílicos, haitianos,
toxicodependentes e também heterossexuais. Naquele mesmo ano, o termo SIDA,
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, passou a ser adoptado.
Em Maio de 1983 foi identificado no Instituto Pasteur em França um novo vírus,
baptizado na altura como LAV, que foi apontado como possível causa da SIDA. Na
altura, este anúncio não foi tido em conta e só um ano depois, este mesmo vírus foi
considerado pelo CDC como a causa para a doença, no mesmo ano em que o Dr. Robert
Gallo, do Instituto Nacional do Cancro americano afirmou ter descoberto o vírus
causador da SIDA, o HTLV-III - na verdade o mesmo vírus que o LAV. Esta situação
colocou os dois institutos em disputa pela glória da descoberta, e os dois nomes dados
ao vírus passaram a ser utilizados como meio de disputa: de um lado, os franceses
utilizavam LAV, do outro, o grupo de Gallo, com o seu HTLV-III. Para pôr fim a esta
18
disputa, um novo nome foi colocado a este vírus pela OMS, em 1986. Este novo nome
tornou-se universalmente aceite, e persiste até aos dias de hoje: VIH, Vírus da
Imunodeficiência Humana7.
O ano de 1986 ficou marcado por um tremendo sucesso na terapêutica para a SIDA (a
Azidotimidina, AZT, que mostrou em testes clínicos, um sucesso no abrandamento da
replicação viral e progressão clínica da doença) e pela descoberta de que a SIDA
possuía um comportamento epidemiológico que mimetizava outras doenças
sexualmente transmissíveis. Assim, começou a surgir a ideia de que o VIH seguia uma
transmissão vertical, sexual e através da inoculação intravenosa de produtos sanguíneos
contaminados (transfusões sanguíneas e partilha de seringas, por exemplo). À luz destes
conhecimentos, em 1988 foi promovido o primeiro programa de troca de seringas para
prevenção da transmissão do VIH, nos EUA8.
O ano de 1992 ficou marcado pela aprovação da primeira combinação de drogas eficaz
no tratamento da infecção por VIH: O AZT com ddC (dideoxicitidina). No ano de 1995,
foi anunciada uma nova família de fármacos anti-VIH, a família dos inibidores de
proteases, que engloba entre outros fármacos, o Saquinovir. No ano seguinte, surgiu
outra nova classe de fármacos com o aparecimento da nevirapina, a classe dos
inibidores da transcriptase reversa não-nucleosídeos. Os avanços terapêuticos, naquela
altura, foram de tal ordem, que em 1996 muitos especialistas acreditavam que a SIDA
poderia estar em vias de se tornar uma doença crónica, em vez de fatal. No entanto, a
crença de que a terapia intensiva durante dois ou três anos poderia erradicar o vírus foi
destruída no ano seguinte, quando um estudo mostrou que mesmo que fossem usadas
combinações de três fármacos, com uma adesão à terapêutica perfeita, o vírus não
poderia ser erradicado7.
Em 2001, o CDC publicou um estudo que revelava um novo comportamento
epidemiológico do vírus do VIH: ficou patente que o número de novas infecções
(incidência) estava a aumentar a um ritmo duas vezes superior em indivíduos com mais
de 50 anos, do que em indivíduos mais novos.
Alguns anos depois, em 2003, ocorreu o lançamento de mais uma família de drogas
anti-VIH, a família dos inibidores de fusão, com a aprovação do fármaco enfuvirtide. Já
em 2006 surgiu a primeira terapêutica eficaz no tratamento da infecção por VIH, que
19
consistia em apenas um comprimido por dia. Este comprimido compreendia uma
combinação de três drogas de primeira linha no tratamento da infecção. Outro dos
acontecimentos relevantes na história da Investigação da SIDA foi a publicação por
parte da OMS de recomendações relativas a um dos maiores avanços científicos no
campo da SIDA/VIH. Em 2007, após um ensaio clínico realizado no Uganda e no
Quénia, foi publicado que a circuncisão masculina reduzia em 50-60% a transmissão
mulher-homem. No entanto, tendo em conta que a protecção oferecida pela circuncisão
não é total, a OMS recomendou que deveria existir uma correcta educação da população
masculina, para que não se criasse um sentimento de falsa segurança, que levasse os
homens circuncisados a abandonar os meios de protecção realmente eficaz7.
1.3 – EPIDEMIOLOGIA DO VIH/SIDA
Apesar de relativamente recente, a SIDA é nos dias de hoje uma das maiores
preocupações a nível mundial. Em alguns anos, o VIH tornou-se responsável por cerca
de 25 milhões de mortes e por mudanças demográficas importantes em muitos países9.
Se existem algumas razões para sorrir actualmente, com o decréscimo do número de
mortes e de infecções, a verdade é que os números se mantêm ainda bastante
assustadores. Os dados mundiais, da União Europeia e de Portugal, apresentados a
seguir, demonstram esta realidade.
1.3.1 - Panorama epidemiológico mundial
Em 2009, o panorama mundial mostrava que a prevalência da infecção por VIH,
rondava entre 31,4 e os 35,3 milhões de casos (Figura 1), sendo que no mesmo ano se
registaram entre 2,3 a 2,8 milhões de novos casos. O número de mortes devido a SIDA
esteve na ordem dos 1,6 a 2,1 milhões1.
20
Figura 1- Número estimado que de Pessoas vivem com VIH/SIDA, a nível mundial em 2009. Fonte: UNAIDS, 2010.
No panorama mundial, a região sul da África representava a zona mais fustigada,
englobando nove dos países com as maiores taxas de prevalência da infecção por VIH,
todas elas superiores a 10%. Suazilândia, Botswana, Lesoto, África do Sul fazem parte
desse grupo de países10
. Nesta zona, a infecção por HIV atingiu proporções
avassaladoras, que infligiu em determinados países profundas mudanças demográficas,
como a queda acentuada da esperança média de vida (Gráfico 1).
Gráfico 1 – Evolução da esperança média de vida, de 1958 – 2003 em alguns dos países mais
afectados pelo VIH.
Fonte: World Bank, World Development Indicators, 2004.
21
Ainda nessa região, a África do Sul é de todo o mundo, o país que possui a maior
população residente infectada, com 5,7 milhões. A nível mundial, a África subsariana
aloja 67% de todos os infectados10
.
Numa perspectiva evolutiva, verifica-se que a incidência e a mortalidade relacionadas
com a infecção por HIV têm vindo a diminuir. O Gráfico 2 demonstra que de 1990 a
2009, o número de novos casos teve um crescimento até aproximadamente 1996,
decrescendo progressivamente até 2009.
Gráfico 2 - Número de novos casos de infecção por VIH (1990-2009).
Fonte: UNAIDS, 2010.
No entanto, apesar do número de novos casos ser cada vez menor, a prevalência
continua a aumentar (Gráfico 3). Esse facto é explicado pelo maior acesso a fármacos
antirretrovirais, que possibilitam uma maior esperança média de vida para as pessoas
infectadas, sendo que a estas se juntam anualmente milhões de novos casos. Deste
modo, o aumento da prevalência não se deve a um aumento da incidência, mas sim a um
decréscimo na mortalidade relacionada com a doença1.
Gráfico 3 – Prevalência Mundial da infecção por VIH (1990-2009)
Fonte: UNAIDS, 2010.
22
A distribuição da doença em relação aos sexos é semelhante, sendo que cada sexo
possui aproximadamente metade do número de casos total, excepto na África
Subsariana, onde o sexo feminino representa 60% de todos os casos de infecção por
VIH9.
1.3.2 - Panorama epidemiológico europeu
No final de 2008, estimava-se que na Europa existiriam 2,3 milhões de pessoas a viver
com SIDA, com prevalências que variavam entre 0,1% na Europa Central, até valores
superiores a 1% nos países que anteriormente pertenciam à União Soviética7. No
mesmo ano de 2008 foram diagnosticados 25.656 novos casos de infecção por VIH e
reportados 7.565 casos de SIDA. Nas listas de países com maiores taxas de prevalência
e de incidência da infecção encontram-se a Ucrânia, Letónia, Moldávia e Portugal11
. A
Figura 2 apresenta a incidência da infecção na região Europeia12
.
Figura 2 – Número de novos casos de infecção por VIH por milhão de habitantes na região
Europeia em 2005. Fonte: EUROSURVEILLANCE, 2006.
23
Enquanto na Europa Central, a incidência se manteve bastante constante, em valores
relativamente baixos desde 2000, na Europa Ocidental, a incidência possuía valores
superiores, mas estes têm vindo a diminuir desde 2000. No caso da Europa de Leste, a
incidência tem aumentado de ano para ano desde 2000, e era superior à que se
verificava em qualquer outro lugar europeu em 2006 (Gráfico 4).
Gráfico 4 - Incidência da infecção por VIH nas várias regiões geográficas europeias (2000-
2006).
Fonte: AVERT, 2010
Na Europa, três regiões geográficas/epidemiológicas podem ser identificadas, visto que
cada uma delas possui características e tendências epidemiológicas próprias. Na Europa
Central e Ocidental a principal forma de transmissão é o contacto homossexual, seguida
do contacto heterossexual. Já na Europa de Leste, é a toxicodependência que mais
contribui para a progressão da doença11
.
Em Portugal, as tendências epidemiológicas seguem um padrão um pouco diferente da
Europa Ocidental e Central, visto que não acompanham o decréscimo de diagnósticos
de VIH destas regiões.
1.3.3 - Panorama epidemiológico nacional
Em Portugal, em 2007 a prevalência da infecção de VIH rondava os 34.000 casos, mais
5.000 do que os verificados em 200113
. Destes 34.000 casos de VIH existentes em
território nacional, 42,5% estavam ligados ao consumo de drogas intravenosas e,
portanto, ocorreram em indivíduos toxicodependentes.
24
De acordo com Centro de Vigilância Epidemiológica de Doenças Transmissíveis
(CVEDT), até 31 de Dezembro de 2009 tinham sido notificados 37.201 casos de
infecção por VIH/SIDA nos diferentes estádios de infecção: Portadores assintomáticos
(17.839), Casos sintomáticos não SIDA (3.677) e SIDA (15.685). No ano de 2009
foram notificados 2.489 casos de infecção por VIH. Quanto ao diagnóstico de novos
casos, em Portugal registaram-se no ano de 2009, 1107 novos casos de infecção por
VIH. Deste total, 297 foram diagnosticados já no estádio de SIDA, 669 casos eram de
Portadores Assintomáticos e 141 casos foram classificados como Sintomáticos não-
SIDA. Dos 1.107 casos de infecção por VIH diagnosticados em 2009, 677 pessoas
contraíram a doença por contactos heterossexuais, 218 por contactos homo ou
bissexuais e 164 por práticas ligadas à utilização de drogas.
Relativamente aos casos de SIDA, o total de casos acumulados desde 1983 até
Dezembro de 2009 foi de 15.685. O quadro 1 mostra que 81,4% dos casos de SIDA
corresponderam ao sexo masculino e 18,6% ao sexo feminino. Por idade, 83,3% dos
casos de SIDA se situaram nos grupos etários entre os 20 e os 49 anos. A partir dos 50
anos registaram-se 14,2% dos casos, destes 2,9% corresponderam a pessoas com 65 ou
mais anos.
Quadro 1 - SIDA - Distribuição dos casos por grupo etário e género de 1/1/1983 a 31/12/2009.
SEXO TOTAL
Grupo Etário Masculino Feminino Não referido Nº %
0-11 Meses 24 28 0 52 0.3
1-4 Anos 14 18 0 32 0.2
5-9 Anos 16 9 0 25 0.2
10-12 Anos 6 0 0 6 0.0
13-14 Anos 11 5 0 16 0.1
15-19 Anos 107 63 0 170 1.1
20-24 Anos 906 317 0 1223 7.8
25-29 Anos 2289 584 1 2874 18.3
30-34 Anos 2714 519 0 3233 20.6
35-39 Anos 2271 439 0 2710 17.3
40-44 Anos 1569 286 0 1855 11.8
45-49 Anos 974 208 0 1182 7.5
50-54 Anos 698 152 0 850 5.4
55-59 Anos 415 105 0 520 3.3
60-64 Anos 312 97 0 409 2.6
≥65 Anos 375 83 0 458 2.9
Não referido 61 9 0 70 0.4
TOTAL 12762 2922 1 15685 100
Fonte: CVEDT, 2009.
25
Em relação às categorias de transmissão, no conjunto dos casos notificados, a
toxicodependência é a categoria de transmissão que apresenta maior número de casos
(46,0%), seguindo-se os heterossexuais com 36,5% e o homo/bissexuais com 12,6% do
total de casos notificados14
.
Numa perspectiva evolutiva, em 2000, 55,9% dos casos de transmissão decorriam por
utilização de drogas intravenosas e apenas 34% dos casos por contacto sexual
heterossexual; já em 2009 ocorreu uma clara inversão da tendência, com apenas 23,6%
dos casos de transmissão por utilização de drogas e 59,6% dos casos por contactos
sexuais heterossexuais. Também a percentagem de casos de transmissão por contactos
homossexuais aumentou, de 7,6% em 2000, para 13,1% em 2009 (Gráfico 5).
Gráfico 5 - Casos de SIDA - tendências temporais nas 3 principais categorias de transmissão por
ano de diagnóstico.
Fonte: CVEDT, 2009.
Em Portugal, os casos de SIDA por Vírus da Imunodeficiência Tipo 2 (VIH2) revestem-
se de alguma importância devido ao elevado número de casos14
. Em Dezembro de 2009,
dos 15.685 casos de SIDA notificados, 494 eram causados por este vírus (3,2%). O
maior número de casos (346) situava-se nos grupos etários entre 20 e 49 anos (63,9%).
A partir dos 50 anos foram notificados 175 casos de SIDA por VIH2 (31,1%). Deste
total, 22 (4,5%) corresponderam ao grupo etário de 65 ou mais anos. A principal
categoria de transmissão foi a heterossexual com 354 casos (71,7%). É de salientar que
27 dos casos notificados não referiram a categoria de transmissão14
.
26
Em 2009, o total de casos acumulados classificados como Portadores Assintomáticos
foi de 17.839. No perfil predominou jovens com mais de 20 anos e adultos com idade
até 49 anos, constituindo este grupo o maior número de casos notificados (83,4%). A
partir dos 50 anos registaram-se 10,4% dos casos e ao grupo etário 65 ou mais anos
correspondeu 1,9% do número total de casos notificados. As proporções nas categorias
de transmissão foram variáveis. No entanto, a categoria heterossexual, desde o ano
2001, apresentou maiores valores percentuais. Após o ano 2006, também a categoria
homo/bissexual obteve valores percentuais superiores à categoria de contágio por
drogas injectáveis14
.
Portugal reveste-se de uma particularidade importante e perigosa no que diz respeito à
infecção por VIH, visto que é um país em que existe uma grande taxa de co-infecção
por Tuberculose. Mais de 50% das pessoas com SIDA têm tuberculose e 15% das
pessoas com tuberculose têm SIDA15
.
1.4 - PESSOAS ADULTAS IDOSAS E O VIH/SIDA
O envelhecimento populacional é, hoje, um fenómeno generalizado à escala mundial,
associado à diminuição da taxa de natalidade e ao aumento da esperança média de vida,
sobretudo nos países industrializados. Os avanços técnicos e científicos, assim como o
desenvolvimento económico e o investimento em estruturas sociais de higiene, saúde e
educação, têm contribuído para a longevidade. O envelhecimento demográfico é
também uma característica da população portuguesa, enquadrada no padrão da média
comunitária (16,8%). Existem em Portugal mais de um milhão e setecentos mil pessoas
idosas, representando 16,5% da população residente no país16
.
Estudos recentes têm demonstrado que nos últimos anos e nos países desenvolvidos, a
taxa de incidência de novos casos de infecção VIH/SIDA se tem intensificado nas
pessoas idosas. Os casos de SIDA em pessoas com mais de 50 anos equivaliam no
Canadá, em 2003, a 11,7% do total dos casos, nos EUA, em 2007, a aproximadamente
78.000, representando 10 a 15% do total de pessoas contaminadas2. Em Portugal,
também se verifica esta tendência, essencialmente nos grupos etários 60-64 anos e
acima dos 65 anos3. Entre 1983 e Junho de 2005 foram notificados 27.013 casos de
infecção VIH, dos quais 581 (4,7%) apresentavam mais de 60 anos. Destes 581 casos,
27
274 foram diagnosticados entre 1983 e 1999 (16 anos) e 307 entre 2000 e 2005 (5 anos),
o que denota um franco crescimento de infecção VIH, na população idosa17.
Nos anos subjacentes ao aparecimento da infecção, as pessoas morriam jovens e em
pouco tempo. Entre 1988 e 2003 houve uma alteração na estrutura etária dos óbitos em
Portugal. Ocorreu um decréscimo do número de óbitos nos grupos etários mais jovens e
um aumento no grupo acima dos 65 anos, que em 1988 representava 3,2% do total de
óbitos e em 2003 mais que duplicou, representando, 7,1% do total de óbitos18
. O
aumento da esperança de vida nas pessoas portadoras do VIH está directamente
relacionado com a maior eficácia e acessibilidade da terapêutica anti-retroviral. A
terapêutica anti-retroviral de elevada eficácia (HAART) é responsável pelo aumento da
sobrevivência e pelo alcance de idades impensáveis, há algumas décadas atrás19,20
. As
pessoas idosas surgem como uma nova população do VIH/SIDA, subdividida em dois
grupos: as que estão envelhecendo com a doença e as que são infectadas numa idade
mais avançada.
Embora não existam contribuições epidemiológicas que caracterizem a via de
transmissão mais prevalente no subgrupo de pessoas idosas que são infectadas mais
tardiamente, prevê-se que a transmissão heterossexual seja a dominante, à semelhança
da tendência de toda a população adulta20
. O aumento da incidência da infecção neste
grupo etário tem sido relacionado ao desenvolvimento científico e tecnológico que
melhorou e prolongou a actividade sexual neste grupo21
. Como factores não menos
importantes, temos a resistência que este grupo populacional apresenta no uso regular
do preservativo 22
e também o desconhecimento da doença e suas implicações. Esta falta
de informação pode ser justificada pela quase inexistência de campanhas de prevenção
dirigidas a esta população. Relativamente às mulheres em idades não reprodutivas, a
evidência científica tem demonstrado que a impossibilidade de engravidar, a aceitação
da infidelidade e o menor poder de negociação feminino na relação, são factores que
predispõem o aumento da incidência da infecção23,24
. Nesta perspectiva, outro
autor25
acrescenta que a violência doméstica, a dependência económica e a falta de
informação sobre a doença, reduzem as possibilidades das mulheres casadas poderem
negociar o uso do preservativo com os companheiros.
Em Portugal, a terapêutica HAART começou a integrar o tratamento de pacientes
infectados em 1996, alterando o panorama epidemiológico e clínico da infecção pelo
28
VIH/SIDA. Esta arma terapêutica possibilitou a diminuição do período de internamento
e a recuperação dos doentes para integrar uma vida activa26
. Contribuiu ainda para
melhorar a qualidade de vida destas pessoas e retardar o aparecimento de doenças
oportunistas. Actualmente, a SIDA é considerada uma doença crónica e as pessoas,
desde que tenham acesso ao tratamento adequado, vivem mais tempo e com mais
saúde27
.
1.5 – VIH/SIDA E IMPACTO PSICOSSOCIAL
O diagnóstico de seropositividade para o VIH tem um impacto psicossocial profundo
nas pessoas. Tende a desencadear um efeito desagregador em toda a estrutura social da
pessoa afectada, expondo-a a um grau de susceptibilidade inevitável, com
consequências, não só para esta, como também para os seus familiares, amigos e
parceiros sexuais33,34
. O conhecimento do diagnóstico desperta diversos sentimentos
que diferem de pessoa para pessoa. A reacção ao diagnóstico pode resultar de
concepções estigmatizantes e discriminatórias relacionadas com a doença35,36
e de
múltiplos factores, como: as características de personalidade, o conhecimento e
experiências relacionadas com a SIDA, a via de transmissão, o grau de apoio disponível
e a acessibilidade à medicação antirretroviral28
. De uma forma geral, as reacções
psicossociais assemelham-se com as encontradas em pessoas que sofrem de doença
crónica, acrescidas do estigma, que habitualmente está associado a esta infecção27
. São
frequentes os sentimentos de revolta, medo e culpa 29
, choque, raiva e desespero27
.
Podem ainda ocorrer sentimentos de impotência, falta de preparação para lidar com a
situação e sentimento de proximidade da morte30
.
Embora a epidemia esteja a aumentar sobretudo entre os heterossexuais, a associação a
grupos estigmatizados permaneceu. A rejeição tende a ser frequente e suscitar
isolamento, restrição nos relacionamentos interpessoais e dificuldades no campo
afectivo-sexual, para a pessoa acometida pelo VIH/SIDA35
. Consequentemente, o medo
da rejeição, assim como outros factores geradores de stress (medo de morte, raiva pela
sua condição, estados depressivos, estigma e discriminação) podem influenciar o
processo de decisão das pessoas acometidas pela síndrome, acerca da divulgação do seu
estado serológico36,37
. O receio em compartilhar o diagnóstico faz com que a rede social
29
destas pessoas se limite a um familiar ou amigo mais próximo31
. Ao restringirem o
número de pessoas a quem confidenciam o seu diagnóstico, geralmente escolhem
pessoas com as quais estabelecem relações de maior afectividade, predominantemente
cônjuges e filhos32
. De realçar, que entre as pessoas escolhidas para a revelação da sua
condição de seropositividade, nem sempre constam os parceiros sexuais32
.
A não divulgação do diagnóstico tende a afectar os processos de comunicação e o
relacionamento com as pessoas e, consequentemente, a levar a pessoa acometida a
enfrentar sozinha sua nova condição38
. Pode ocorrer, nestas situações, uma atitude de
auto-isolamento, em que as pessoas infectadas optam por não revelarem o seu
diagnóstico, para manter a sua rede social mas, simultaneamente, evitam o convívio
com esta, por se verem constantemente confrontados com a mentira33
.
A problemática vivenciada pela pessoa após o diagnóstico do VIH/SIDA torna o apoio
da rede social fundamental para estas pessoas, o que requer a divulgação deste
diagnóstico. Um estudo demonstrou que há uma correlação positiva entre a presença de
suporte social e a divulgação da seropositividade, enquanto reacções emocionais
(depressão) e sociais (rejeição e isolamento) não se associam à divulgação37
. Neste
mesmo estudo, o apoio da rede social contribuiu para menos estados depressivos, níveis
de qualidade de vida mais elevados e um melhor estado de saúde percebida. Em outro
estudo, quase metade da amostra relatou auto-isolamento como opção, para não revelar
sua condição clínica39
. Esta situação é preocupante na medida em que a mortalidade e a
morbilidade são significativamente mais elevadas entre pessoas com escassas relações
sociais40
.
Diante do exposto, fica evidente que este grupo social é vulnerável e requer apoio
constante da rede social. Esta condição específica de vida e consequentes necessidades
das pessoas com VIH/SIDA devem merecer a atenção dos legisladores em saúde na
elaboração das políticas de saúde, dos profissionais de saúde e da sociedade em geral. É
preciso a elaboração de estratégias conjuntas que efectivamente apoiem este grupo e
suas famílias.
30
1.6. POLITICAS DE CUIDADO À SAÚDE DE PESSOAS ADULTAS E IDOSAS
COM VIH/SIDA
O carácter de gravidade da infecção por VIH e da SIDA fez com vários países do
Mundo avançassem na elaboração de planos nacionais, com objectivos bem
demarcados, para tentar conter a evolução epidemiológica da infecção por VIH. A nível
nacional, as primeiras medidas implementadas, nesse sentido, surgiram em 1985 e,
desde aí, várias actualizações têm sido feitas, bem como novas entidades têm sido
criadas para tornar a luta a esta doença mais eficaz e mais orientada.
Actualmente, as directivas existentes para a contenção da infecção por VIH estão
presentes no Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Infecção VIH/SIDA e têm
como principais objectivos diminuir o risco e a vulnerabilidade à infecção e o impacto
da epidemia. Apresentamos, de seguida, a evolução nas medidas levadas a cabo em
Portugal para a contenção desta síndrome, bem como as áreas de intervenção
prioritárias.
1.6.1 - As políticas de saúde e as pessoas com VIH/SIDA
A necessidade de protecção dos direitos do ser humano e da não discriminação dos
portadores de VIH e de implementação de medidas que visassem a prevenção da
infecção e o tratamento da SIDA fez com que fosse incluída no Plano Nacional de
Saúde e no Programa do XVII Governo. Em Portugal, desde 1985 vêm sendo legisladas
medidas que orientam a prevenção da infecção e facilitam o acesso das pessoas com
VIH/SIDA aos cuidados de saúde.
O Quadro 2 apresenta um resumo das principais respostas nacionais ao VIH/SIDA, em
Portugal, desde 1983 (ano em que foi registado o primeiro caso de SIDA em Portugal)
até ao ano de 2007. A leitura deste quadro demonstra que as primeiras medidas
Nacionais no combate à infecção VIH/SIDA se tornam visíveis em 1985. Naquele ano
foi criado o grupo de trabalho da SIDA. A evolução da epidemia tornou necessária a
reformulação deste grupo de trabalho e em 1990 é criada a Comissão Nacional de Luta
Contra a SIDA (CNLCS). Esta comissão surgiu com o objectivo de desenvolver acções
de ordem preventiva, educacional, de investigação, assistencial e de aconselhamento e
31
acompanhamento41
. Em 1992, através do Decreto-Lei nº 54/92 foi estabelecida a
isenção de taxas moderadoras para os doentes com SIDA e para os seropositivos.
Quadro 2: Resumo das etapas importantes da resposta nacional ao VIH/SIDA em Portugal,
1983-2007.
Fonte: Coordenação Nacional para a Infecção VIH/SIDA – Ministério da Saúde, Portugal, 2007.
No ano de 1993, foi aprovado o Plano Nacional de Luta Contra a SIDA, que orientou a
acção da CNLCS até ao ano 2000. Ainda em 1993 teve início o Programa Nacional de
Trocas de Seringas “Diz não a uma seringa em segunda mão”. Foi um programa
inovador, em toda a Europa, na prevenção e luta contra a SIDA. Resultante de uma
parceria entre a CNLCS e a Associação Nacional de Farmácias, este programa tornou
possível a troca de seringas usadas por seringas estéreis, minimizando os riscos na
saúde de utilizadores e da saúde pública em geral. O Kit passou a ser fornecido
gratuitamente, sendo composto por: duas seringas estéreis, dois toalhetes desinfectantes
com álcool a 70 graus, um preservativo, uma ampola de água bidestilada, um filtro, um
recipiente, ácido cítrico e um folheto informativo42
.
Em 1996 a Ministra da Saúde através do Despacho 280/96 conferiu carácter gratuito aos
medicamentos antirretrovirais (HAART) destinados ao tratamento da infecção pelo
VIH. Já em 1997, com o objectivo de financiar os projectos e acções direccionados para
32
os cuidados de pessoas seropositivas e suas famílias, desenvolvidos por organizações
não governamentais e instituições de solidariedade social, surgiram alguns programas
de financiamento. São exemplos os programas: Conhecer, Responsabilizar, Informar e
Agir (CRIA/97), CRIA/98 e o Programa Apoio Desenvolvimento Intervenção na SIDA
(ADIS/SIDA), com início em 2003.
No triénio 2001-2003 surgiu o Plano Estratégico de Luta Contra a Infecção pelo
VIH/SIDA, que deu grande relevância aos Centros de Aconselhamento e Detecção
Precoce de VIH (CADs), como estruturas de apoio à prevenção44
. A implementação dos
CADs a nível nacional iniciou-se em 2001, permitindo que as pessoas tivessem acesso à
informação e ao teste voluntário, gratuito e confidencial da SIDA e a um
encaminhamento correcto para as entidades de saúde competentes53
. Ainda em 2003, a
CNLCS sofreu uma reestruturação funcional e orgânica, adquirindo o estatuto de
Unidade de Missão, que elaborou e dirigiu o Plano Nacional de Luta Contra SIDA
2004-2006 “Diferentes SIM! Indiferentes NUNCA!”44
.
O ano 2004 ficou ainda marcado pela elaboração do Plano Nacional de Saúde (PNS)46
,
que estabeleceu as orientações estratégicas necessárias à sustentação política, técnica e
financeira do Sistema Nacional de Saúde. Este documento desempenhou um papel
integrador e orientador das estratégias a implementar com vista a promover “Mais
Saúde para Todos” os portugueses nos anos 2004-2010. No que respeita à infecção por
VIH, o plano estabeleceu a necessidade de um modelo mais integrado de intervenção e
reconheceu a deficiente/inexistente articulação com a sociedade civil, sector privado,
ONGs e as pessoas que viviam com VIH. Reconheceu ainda a necessidade de promover
intervenções prioritárias a grupos populacionais específicos, entre os quais a população
heterossexual e idosa, em que a infecção VIH se tem manifestado de forma
preocupante. Foi dada ênfase à prevenção e ao diagnóstico precoce da infecção
VIH/SIDA, assim como à implementação de boas práticas no combate à discriminação.
O meio escolar, laboral e de lazer foram referenciados como os settings prioritários para
o desenvolvimento destas acções. De acordo com o plano, compete aos serviços de
saúde um papel primordial na sensibilização e na formação, com destaque para a
necessidade de disponibilizar mais recursos humanos, técnicos e de formação para um
melhor atendimento e melhoria das práticas nos serviços de saúde que lidam com estas
pessoas.
33
Com vista a uma melhor execução do PNS, a CNLCS foi extinta em 2005, sendo
integrada no Alto Comissariado de Saúde, através do Decreto Regulamentar 7/2005 de
10 de Agosto47
, sob a designação de Coordenação Nacional para a Infecção VIH/SIDA
(CNSIDA). Pretendeu-se melhorar a coordenação e articulação das políticas públicas
para a prevenção, o tratamento, o cuidado e o apoio dos que vivem com a infecção. Para
além disso, a Coordenação ficou responsável por coordenar a elaboração do Programa
Nacional de Prevenção da Infecção VIH/SIDA, por dirigir e avaliar a sua execução
(CNSIDA). Ainda em 2005, a infecção pelo VIH passou a integrar a lista de doenças de
declaração obrigatória. A declaração passou a ser obrigatória sempre que o diagnóstico
envolvesse qualquer estádio da infecção por VIH: portador assintomático, complexo
relacionado com a SIDA e SIDA, e sempre que se verificasse mudança de estádio ou o
óbito.
O Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Infecção VIH/SIDA (2007-2010)48
pretendeu dar resposta às propostas do PNS. Este programa foi designado “um
compromisso com o futuro” e surgiu com o objectivo de reduzir o número de novas
infecções e de mortes por SIDA; contribuir para a redução da transmissão a nível
internacional; e melhorar os cuidados e o apoio disponibilizado às pessoas com
VIH/SIDA. São identificadas onze áreas de intervenção prioritárias:
O conhecimento da dinâmica e dos determinantes da infecção;
A prevenção da infecção, com particular atenção às populações mais
vulneráveis;
O acesso à detecção precoce da infecção e à referenciação adequada;
O acesso a tratamento de acordo com o estado da arte;
A continuidade de cuidados e o apoio social aos infectados e afectados;
O estigma e a discriminação;
A partilha de responsabilidades;
A formação continuada;
A investigação;
A cooperação internacional;
A monitorização e a avaliação48
.
34
As orientações estratégicas do plano acompanham as tendências internacionais e
englobam: Diminuir o risco de infecção essencialmente através de acções dirigidas aos
indivíduos, diminuir a vulnerabilidade à infecção com acções dirigidas aos grupos mais
vulneráveis e diminuir o impacto da epidemia através de acções dirigidas ao contexto
social em que os indivíduos e grupos estão inseridos15
. Foram considerados quatro
grupos de actores, que deviam ser motivados e apoiados para a concretização de
programas e acções concretas, que dessem resposta a estas orientações estratégicas.
Foram eles, o Sistema Nacional de Saúde, o Sector Público/Ministérios, o Sector
Privado e a Sociedade Civil.
Foram desenvolvidas algumas políticas de acção social. A nível da comunidade,
surgiram alguns serviços de apoio, como os Centros de Acompanhamento e Apoio
Psicossocial (CAAP), os Serviços de Apoio Domiciliário (SAD) e as Unidades
Residenciais (UR). Emergiram algumas instituições de Solidariedade Social e
associações orientadas para o aconselhamento, orientação, prevenção e apoio social, de
crianças, jovens e população em geral afectada pelo VIH/SIDA. São exemplos:
ABRAÇO - Associação de Apoio a Pessoas com VIH/SIDA (1992), SOL - Associação
de Apoio às crianças com VIH/SIDA (1992), a Comunidade contra a SIDA - Centro de
Aconselhamento e orientação de Jovens (1993) e a Associação Portuguesa para a
Prevenção e Desafio à SIDA (SER+), que teve o seu início em 1995. Na perspectiva de
Lopes (2001), as associações que se encontram mais estreitamente envolvidas com a
SIDA revestem-se de particular importância ao expressarem claramente a vontade de
influenciar os processos de decisão política e ao assumirem abertamente uma posição de
contestação face às directivas e às orientações dos actores públicos.
Em síntese, este capítulo evidencia o avanço obtido desde a descoberta dos primeiros
casos de SIDA, em 1981, até os dias de hoje no campo do diagnóstico e do tratamento
desta síndrome. O diagnóstico da seropositividade tornou-se cada vez mais precoce e os
parâmetros para a avaliação do estado clínico dos doentes mais objectivos e fiáveis.
Apesar do carácter fatal de que esta condição se revestia quando surgiram os primeiros
casos, hoje em dia, graças aos aperfeiçoamentos no campo da terapêutica, conseguiu-se
garantir às pessoas infectadas por VIH uma melhor condição de vida e também um
prolongamento da sua longevidade.
35
Em Portugal, a evolução epidemiológica difere um pouco da que se verifica nos
restantes países da Europa, visto que o número anual de diagnósticos continua a
aumentar, sobretudo à custa da transmissão por contacto heterossexual. Esta realidade
sugere que neste campo, não foram ainda alcançados os níveis de conhecimento e
educação da população em geral, no sentido de se adoptarem comportamentos seguros.
Tendo em conta que para diminuir a incidência da infecção é essencial apostar na sua
prevenção, torna-se fundamental que as politicas e o cuidado à saúde direccionadas a
esta população, visem a diminuição do estigma. Só assim estas pessoas terão abertura
suficiente para a realização do teste numa fase mais precoce, para divulgarem o seu
diagnóstico, evitarem a transmissão da infecção e alargarem o apoio social
indispensável para a satisfação das suas necessidades.
Desde os primeiros casos documentados de SIDA em Portugal, em 1983, diversas
estratégias foram desenvolvidas no sentido de minimizar os danos causados por esta
infecção. Várias acções foram levadas a cabo no sentido de prevenir a infecção, de
promover um diagnóstico cada vez mais precoce da mesma e de fornecer à população
em geral, com destaque para a população mais jovem, os conhecimentos que permitam
a adopção de comportamentos seguros. Em 1993, emerge o Plano Nacional de Luta
Contra a SIDA, seguido no triénio 2001-2003 pelo Plano Estratégico de Luta Contra a
Infecção pelo VIH/SIDA. Mais recentemente o Programa Nacional de Prevenção e
Controlo da Infecção VIH/SIDA 2007-2010 integrou o Plano Nacional de Saúde.
Apesar dos avanços nas políticas de cuidado, com foco nesta problemática, poucas
medidas têm sido direccionadas à população adulta idosa, objecto deste estudo.
36
2.0 - O CUIDADO À SAÚDE DE PESSOAS ADULTAS IDOSAS COM VIH/SIDA
Numa doença crónica e debilitante como a SIDA, é fácil constatar a necessidade de uma
gama de serviços e intervenções que apoiem e ajudem as pessoas afectadas na satisfação
de suas necessidades que atravessam no decurso da doença. Neste caso em particular,
não basta a resolução dos problemas biológicos ou orgânicos. É necessária uma
abordagem integrada que apoie a pessoa na sua totalidade. Neste capítulo apresentamos
o cuidado à pessoa num contexto de doença crónica, estigmatizante, como é o caso da
SIDA. Destacamos as lacunas existentes na literatura acerca das evidências empíricas
desta temática, principalmente quando o objecto de estudo é a pessoa adulta (com mais
de 50 anos) e idosa, visto que a maioria dos estudos está orientada para pessoas jovens,
em idade produtiva e reprodutiva.
2.1 – CONCEPÇÕES DE CUIDADO À SAÚDE
O cuidado antes mesmo de ser e de se realizar em uma acção, expressa um modo de ser,
sentir e viver, estando intrinsecamente relacionado à essência do ser humano 49
. Trata-se
de um constructo amplo e complexo, uma forma de estar-com, de perceber, relacionar-
se e preocupar-se com outro ser humano, num determinado tempo e espaço
compartilhados face-a-face 49
.
“O cuidado é um processo inter-relacional, contextual, que envolve as mais
diversificadas formas de expressividade terapêutica, conhecimento, habilidade e
experiências prévias de cuidado”50:39
. De uma forma mais abrangente, o cuidado é toda
a acção desenvolvida com o propósito de promover e providenciar uma boa vida e a boa
saúde das pessoas e dos grupos51
.
O termo Cuidado à saúde, também designado como tratamento, assistência e atenção,
reflecte a necessidade de encontro entre o agente da oferta de cuidados e o agente que
procura o cuidado52
. Na sociedade ocidental, o cuidado à saúde tem sido definido, em
termos de patofisiologia, em que o objectivo central do cuidado assenta nos resultados
do tratamento, com ou sem resolução dos sintomas53
.
37
O cuidado à saúde pode ainda ser considerado como um conjunto de procedimentos
orientados pela ciência e pela técnica, “realizados por um profissional especialista
competente, visando o bom êxito de um determinado tratamento de modo a alcançar a
remissão, eliminação de doenças e o retorno ao estado considerado normal”52:78
. Está
associado à “perspectiva de se prestar atenção ou dirigir intervenções a uma pessoa ou a
um grupo, de maneira a envolver um conjunto de procedimentos tecnicamente
orientados para o bom êxito de um determinado tratamento”54:219
. Pressupõe uma
relação de saberes, técnicas e subjectividades, entre o “agente da oferta de cuidados e o
agente que demanda o cuidado”, caracterizada pelo facto de que este último em maior
ou menor grau se coloca sob a responsabilidade do cuidador52:93
. Na prática, o cuidado à
saúde manifesta-se “através de acções, serviços e sistemas de saúde destinados a
indivíduos e colectividades a partir de encontros e relações entre pessoas, conforme
necessidades e ofertas, atravessadas pelas dimensões técnico-científicas, subjectivo-
relacional e sociopolíticas”52:97
.
2.2 - O CUIDADO FORMAL À SAÚDE
Os profissionais de saúde orientam a sua prática pretendendo dar resposta aos
problemas de saúde da população. No entanto, fazem-no em função daquilo que eles
pensam serem as necessidades da população; os cidadãos não têm participação activa na
tomada de decisão, a comunidade assume um papel de receptora de cuidados55
.
Nas sociedades ocidentais, o cuidado à saúde foi, ao longo de muitos anos, e continua a
ser determinado pelo modelo biomédico. O cuidado à saúde é realizado por
profissionais cujas concepções e intervenções se baseiam numa noção de saúde
enquanto ausência de doença e o cuidado encontra-se associado ao emprego de
tecnologias e procedimentos que visam a remissão dos sintomas e o prolongamento da
vida52
. O cuidado à saúde é dirigido a pessoas (individual e/ou colectivamente) que se
encontram em situação de doença, de necessidade, de dependência, de vulnerabilidade,
de risco e de sofrimento52
. A doença tem uma conotação negativa, pelo que deve ser
eliminada o mais rapidamente possível. A ênfase é dada ao curar, aliviar ou adiar a
morte, o critério do sucesso é a cura. Nesta abordagem de cuidado predomina a técnica
38
em detrimento das relações e as acções de cuidado passam a estar directamente
relacionadas com o tratar o corpo doente e tendo como objecto de intervenção o órgão
doente e a doença.
Neste modelo reducionista e separatista, o cuidado assume um papel irrelevante. Refere-
se “à aplicação de tecnologias/técnicas comprovadas cientificamente, objectivas e
universais, em que as intervenções produzam os efeitos desejados, ou seja, o êxito
técnico dos procedimentos científicos aplicados”52:81
. O ser humano passa a ser visto de
uma forma fragmentada, em que a cura é obtida através de tratamentos médicos
dirigidos aos diferentes componentes do seu corpo. O organismo e as doenças são
separados da pessoa enquanto sujeito, não há espaço para o subjectivo, não é relevante o
que o doente possa dizer sobre o seu sofrimento, a sua doença ou o seu mal-estar 56
.
Prevalece a desintegração da pessoa e o distanciamento entre profissional e utente. As
diferentes especializações na área da saúde acentuam este distanciamento, na medida
em que o cuidado, já por si fragmentado, é repartido pelas diversas áreas especializadas,
impedindo a visão global do utente.
A hierarquia do poder é bem visível, seja no contexto disciplinar em que a medicina
assume o controlo e o poder no sistema de saúde, seja na relação profissional e ser
cuidado em que este é destituído do seu poder à voz e às decisões57
. A relação que se
estabelece entre os profissionais de saúde e o ser que é cuidado assume um carácter
vertical e impessoal57
. Os profissionais ao fazerem uso do seu poder não permitem que
na relação de cuidado, o outro possa opinar e participar nas tomadas de decisão57
. O
utente perde as suas características pessoais e individuais, renuncia aos seus sentimentos
e valores e passa a ser identificado pelas suas características externas: o que é portador
de determinada doença, o que vai ser submetido a uma determinada cirurgia58
.
De acordo com este modelo, o objectivo final do cuidado é a cura da doença. O avanço
científico e tecnológico tem permitido o desenvolvimento de tecnologias, cada vez mais
complexas, que têm contribuído para a obtenção deste objectivo. No entanto,
paralelamente contribuiu também para práticas de cuidado cada vez mais invasivas, que
ao pretenderem a cura da doença, nem sempre têm em atenção os desejos e os interesses
dos utentes. Neste sentido, é necessário acabar com todas as práticas de cuidado que
retiram aos cidadãos a sua autonomia e a capacidade de se pronunciarem e tomarem as
suas próprias decisões50
.
39
O final do século XX foi palco de uma revolução no cuidado à saúde, em especial no
cuidado de enfermagem. Novos modelos de cuidado emergiram, desacreditando a
abordagem tradicional centrada na racionalidade, na objectividade e na doença. Com o
aparecimento das doenças crónicas e degenerativas, as diferentes áreas da saúde não
conseguiram dar respostas aos problemas de saúde dos cidadãos. Lutar contra a doença,
agir no sentido de prolongar a vida, não é suficiente para o bem-estar das pessoas. Deste
modo, é necessário intensificar a importância que se dá ao mal-estar caracterizado pela
miséria, pela exclusão, pelos cancros, pela SIDA, entre outras condições de vida56
. Por
outro lado, as pessoas doentes tomam consciência dos seus direitos e tornam-se cada
vez mais reivindicativas. As suas exigências prendem-se essencialmente com a forma
como o cuidado vem sendo realizado pelos profissionais: com distanciamento,
indiferença, incompreensão e insensibilidade59
.
É evidente a necessidade de um cuidado à saúde mais personalizado, mais humanizante,
em que a pessoa doente não seja vista de uma forma fragmentada, mas em toda a sua
plenitude. É essencial, uma nova organização e uma nova gestão dos serviços de saúde
para responder eficazmente às necessidades da população. O cuidado à saúde, para além
da acção sobre as doenças e a produção de saúde, necessita contribuir para aumentar o
grau de autonomia das pessoas e o exercício da cidadania52
, valorizar a relação e a
interacção entre os seus intervenientes. Faz-se necessário um cuidado diferente, a partir
de relações e de encontros também diferentes, reorientando o objecto da intervenção da
doença para a saúde das pessoas e das populações52
.
O cuidado necessita ir além da visão biológica e biomédica, e integrar as diversas
unidades e multiplicidades dos seres60
. Para que tal seja possível, é fundamental reverter
a tendência manifestada pelos profissionais de saúde em reterem o conhecimento e em
actuarem de forma isolada 52
. Esta ideia é reforçada pela complexidade dos problemas
de saúde, que só podem ser solucionados através de um trabalho integrado, em que
todos os conhecimentos devem ser valorizados e tidos em consideração no planeamento
das acções61
. Cada vez é mais evidente a necessidade de transformações nas formas de
cuidado à saúde através da composição de equipas multidisciplinares e
interdisciplinares52
.
Embora as tendências actuais apontem para a necessidade de equipas interdisciplinares
no desenvolvimento do cuidado à saúde, a realidade mostra a predominância de equipas
40
multidisciplinares. Estas equipas, constituídas por profissionais de diferentes áreas,
actuam sem que haja interacção profissional, sem troca de saberes e sem áreas de
intersecção. O cuidado é dispensado por equipas em que se reconhece a necessidade de
intervenção de vários profissionais de diferentes áreas, mas que trabalham e tomam
decisões de forma isolada, orientando a prática em função da sua perspectiva pessoal e
da formação que possuem62
. Os profissionais colaboram no plano terapêutico, mas cada
um com o seu conhecimento específico e isolado. Como não há um objectivo comum
para o cuidado torna-se difícil estabelecer prioridades e, por vezes, as orientações e as
acções podem parecer contraditórias ou concorrentes62
. Faz-se, portanto, necessária uma
abordagem interdisciplinar, integral e centrada na pessoa, que promova a sua
participação quer a nível social, quer no seu processo de saúde-doença-cuidado52
.
A passagem de um cuidado multidisciplinar para o cuidado interdisciplinar reporta
algumas exigências, entre as quais salientamos o trabalho em equipa, a flexibilidade, a
cooperação e a reciprocidade63
. Na equipa de saúde interdisciplinar, os profissionais
actuam de forma interdependente, inter-relacionando-se com vista à obtenção de
objectivos comuns. A prática é orientada de acordo com as expectativas e a formação de
cada profissional, tendo também em atenção as expectativas dos outros profissionais em
relação ao que é esperado que ele faça. Há uma colaboração entre os profissionais, um
intercâmbio de saberes, que no final do processo interactivo leva a que cada um dos
profissionais saia enriquecido por ter incorporado os resultados de diversos olhares
disciplinares61
. A troca de informação nas áreas de intersecção é essencial, todos devem
estar abertos ao diálogo. As reuniões de equipa assumem um papel primordial na
definição de objectivos, no planeamento das acções e na avaliação do plano delineado.
Nesta perspectiva, é preciso envolver o utente e/ou a pessoa significativa no processo de
cuidado, ajudando-os a manter a sua autonomia e independência, respeitando os seus
desejos e expectativas. Contudo, este ideal está longe de ser alcançado. Na prática e
como foi salientado anteriormente, o funcionamento das equipas de saúde orientam as
suas intervenções seguindo uma abordagem multidisciplinar e mesmo quando a
abordagem se aproxima da “interdisciplinaridade”, na maioria das vezes, continuam a
ser os profissionais a decidir o que é melhor para o utente. O modelo biomédico
continua bem presente na prática do cuidado. O médico continua a ocupar um lugar de
destaque no campo da saúde e, por conseguinte, mantém-se a hierarquia do poder, que
41
inviabiliza a actuação das equipas interdisciplinares. Claro que esta será apenas uma das
razões apontadas para que tal fenómeno se verifique, pois a educação e a formação dos
profissionais também contribuem para o desenvolvimento ou não deste trabalho
interdisciplinar.
Assim, “a lógica da gestão nem sempre tem deixado muito espaço à lógica do cuidar”,
pelo que a medicina da doença, do corpo objecto ainda está muito presente nas acções
dos profissionais de saúde, empobrecendo e menosprezando o cuidado e a atenção
particular que se dispensa a alguém 64:13
. A realidade é que a ausência de doença parece
continuar a ser vista como condição necessária, embora não seja a única, para a
emergência da saúde64
. Apesar da discussão sobre estes novos conceitos e sobre este
novo paradigma já decorrer há imensos anos, em muitas áreas do conhecimento,
incluindo a área da saúde, poucas alterações se têm verificado, predominando ainda a
visão mecanicista e reducionista do paradigma cartesiano65
. Continuamos a assistir a
dois tipos de cuidado profissional, um que continua a manter a divisão do saber e a
fragmentação e outro que articula o conhecimento técnico e cientifico com o diálogo e a
criatividade para compreender, analisar e interpretar as necessidades em saúde e
optimizar o cuidado em saúde66
. Em suma, o cuidado à saúde ainda simboliza um
conjunto de palavras e de acções dirigidas aos indivíduos em geral e não a um indivíduo
como ser especial que é. Assim sendo, torna-se imperioso divulgar a filosofia do cuidar.
A Enfermagem, enquanto disciplina profissional cuja essência é o cuidar, tem um papel
importante a desempenhar nesta transição de paradigmas do cuidar, com atenção às
necessidades de cuidados da sociedade, no presente e no futuro67
.
2.2.1 - Significados do cuidado
O cuidado à saúde tem sido tradicionalmente entendido pelos utentes dos sistemas de
saúde e também pelos profissionais, de um modo extremamente limitado. De um modo
geral, restringe-se às acções que se desenrolam a partir da acção técnica dos
profissionais. Esta compreensão do cuidado depende do modo como este é
perspectivado e do sentido que lhe é dado. As significações do cuidar são classificadas
em: o cuidado como acto, o cuidado como acção, o cuidado como atitude (ter cuidado) e
o cuidado como forma de agir (tomar cuidado) 68
.
42
O cuidado como acto é muitas vezes um cuidado instrumentalizado, reduzido a técnicas
que pressupõe um certo treino com vista a uma melhor eficiência e eficácia. Estes actos
são reconhecidos como profissionais e são avaliados segundo critérios normalizados de
qualidade. Podem ser cuidados médicos, de enfermagem, de beleza, educativos, etc. Na
Enfermagem, o cuidado como acto engloba ainda as “pequenas coisas” do cuidado de
enfermagem, que dão à pessoa a sensação de ser considerado e valorizado como
pessoa56
. A diferença está na forma como se realizam os actos, se sobre o corpo objecto
ou sobre o corpo sujeito.
O cuidado como acção está relacionado com a finalidade do cuidado e também com o
contexto em que este se realiza. Depende da concepção de normalidade, de saúde e de
cuidado dos diferentes intervenientes do processo e também de qual a finalidade que
pretendem atingir com o cuidado. A acção de cuidar depende em grande parte das
aptidões que o cuidador possui para o cuidado: “a atenção, a vigilância, o acolhimento a
observação, a compreensão e o compromisso” 68:209
.
Ter cuidado é ter em atenção, ter preocupação, zelar pelo bom funcionamento de
alguma coisa ou pelo bem-estar de alguém que se encontra em situação de fragilidade
ou vulnerabilidade. Neste sentido, o cuidado surge como ideia de não esquecer, de não
negligenciar ou de não abandonar alguém ou alguma coisa que necessita do nosso
cuidado para evitar o seu mal-estar ou a sua deterioração.
Tomar cuidado é disponibilizar o cuidado a alguém que necessita que cuidem dela para
a manutenção da vida, tendo em atenção todas as suas qualidades e faculdades. Neste
sentido de “tomar cuidado” não prevalece a ideia de poder, de quem cuida, uma vez que
colocamos o nosso cuidado à disposição do outro, atendendo às suas expectativas, não
devendo ser confundido com o termo de “tomar conta de”.
O cuidado à saúde pode ser percepcionado de diferentes formas, dependendo das
expectativas e das experiências de cuidado dos intervenientes. Esta diversidade de
expressão do cuidado decorre da sua natureza multidimensional. Na actualidade, as
práticas de cuidado à saúde tendem a incorporar várias dimensões, com vista a uma
abordagem integral e humanizante. A dimensão afectiva/relacional (Saber-Estar, Saber-
Ser) é fundamental no acto de cuidar. No entanto, o cuidado efectivo necessita ser
acompanhado pelo Saber-Saber (dimensão cognitiva) e pelo Saber-Fazer (dimensão
43
técnico-instrumental). O cuidado integral reflecte “… uma interligação entre o que se
faz (competências de acção) e a relação que se estabelece ao agir (competências de
relação) e que a relação é preenchida pela competência reflexiva do que se é
(competências do ser)”69:221
.
Neste estudo, abordamos o cuidado nas suas dimensões Cognitiva, Afectivo-Relacional
e Técnico-Instrumental. Estas dimensões compõem, um todo indivisível que por
questões didácticas, serão apresentadas separadamente.
A Dimensão cognitiva está associada ao Saber-Saber ou seja à competência científica
dos profissionais de saúde. O conhecimento e o saber são considerados competências
essenciais para o agir profissional70
. Os profissionais de saúde em função de estratégias
cognitivas e dos recursos disponíveis (formação e/ou especialização) adquirem e
desenvolvem conhecimentos que ao serem sucessivamente aperfeiçoados são elevados à
categoria de competências científicas indispensáveis ao exercício da profissão71
. Na
realidade, a prática profissional resulta de um processo de formação que tem por base o
desenvolvimento e o acumular de conhecimentos e de tecnologias que vai orientar o
Saber-Fazer dos profissionais.
No campo da saúde esta dimensão reveste-se de extrema importância em todas as áreas
de intervenção, quer seja no âmbito da prevenção da doença e da promoção da saúde, no
estabelecimento do diagnóstico e na decisão terapêutica, assim como na recuperação e
reabilitação do utente. É da competência dos profissionais de saúde ajudar as pessoas a
alcançarem um nível de conhecimento que lhes permita um crescimento digno, com
vista à sua recuperação67
. Para que tal seja possível, é necessário que estes possuam os
conhecimentos necessários para poderem informar, analisar, decidir, argumentar e
negociar, tendo sempre como objectivo final a optimização dos cuidados.
A dimensão afectivo-relacional resulta de interacções em que é dada ao outro ser
humano a possibilidade de expressar seus sentimentos e sua subjectividade72
. Está
relacionada com o Saber-Ser e Saber Estar. Requer um sentimento de quem deseja
perceber e ver o outro, a partir dele mesmo e não através de conceitos e preconceitos
existentes. Nesta perspectiva, o cuidado é uma atitude de ocupação, de preocupação,
responsabilização, aproximação afectiva e de vinculação com o outro51
. Tem em
atenção a pessoa em si (o corpo sujeito), valorizando o verdadeiro sofrimento, as
44
aspirações e os problemas existenciais64
. O cuidado não se limita ao saber fazer, é dada
ênfase ao saber agir profissional73
, envolvendo necessariamente responsabilidade,
compromisso, respeito e valorização pelo outro. A comunicação advém como essencial
nesta relação. É através da comunicação que os seres cuidador e cuidado procuram
revelar “as suas unicidades e diversidades e dão significados à experiência do cuidar e
de ser cuidado” 50:13
.
A dimensão técnico-instrumental do cuidado constitui-se de acções físicas permeadas
por saberes e fazeres. Refere-se a uma vertente mais objectiva do cuidado. Envolve o
desenvolvimento de técnicas e procedimentos. Neste sentido, o cuidado baseia-se numa
intervenção técnica especializada, em que após o diagnóstico, os indivíduos são
correctamente tratados e orientados para o cumprimento das recomendações e
terapêuticas propostas, com vista à recuperação da saúde52
. A dimensão instrumental do
cuidado está associada “ao fazer com habilidade e conhecimento, ao fazer com
competência e qualidade”, sendo que a qualidade do cuidado resulta não somente da
capacidade instrumental do cuidador, mas também da sua capacidade cognitiva e
expressiva50:4
. Outros autores reforçam esta ideia ao afirmarem que a tecnologia pode
ser imprescindível para manter uma vida, contudo apesar de ela ter sido criada pelo ser
humano e para o seu benefício, não se pretende que ela supere a própria essência do ser
humano 73:6
.
Deste modo, a competência necessária ao cuidar converge do saber ser (valores,
crenças, convicções, atitudes), do saber em si (conhecimentos, compreensão, análise
crítica e síntese) e do saber fazer (habilidades relacionais e técnicas) 74.
As dimensões do
cuidado devem ser “articuladas, complementando-se de acordo com as necessidades
observadas e expressas pelo outro, numa relação recíproca e única, no sentido de
possibilitar a compreensão do ser humano como corpo, mente e espírito e assim facultar
o cuidado terapêutico…”72:387
. O profissional de saúde precisa desenvolver a capacidade
de aproximação, observando o ser cuidado em todas as dimensões, numa relação de
respeito e confiança. Nessa relação, exprime e compartilha seu conhecimento,
sensibilidade e habilidade técnica, ajudando o outro a crescer; este, por sua vez,
compartilhará o seu ser, seus rituais e suas características pessoais que mobilizam o
sistema de cuidado73
.
45
2.3 – CUIDADO À SAUDE E SIDA
Ao falamos de cuidado e de SIDA, torna-se evidente a necessidade de entendermos o
cuidado na sua dimensão mais ampla. Por se tratar de uma doença crónica, uma
abordagem tecnicista do cuidado não consegue responder às necessidades desta
população. A esta dificuldade acresce o facto de se tratar de uma doença marcadamente
estigmatizante.
A verdade é que o cuidado ao utente com VIH/SIDA foi pautado durante vários anos
por sentimentos de medo pelo desconhecido e pelo receio de contágio, resultantes do
desconhecimento dos profissionais de saúde, sobre as especificidades da doença, do
vírus e da pessoa seropositiva75
. Todos estes sentimentos, em diversas situações, deram
origem a um cuidado muito técnico e impessoal, reflectindo comportamentos
discriminatórios. Esta ideia é reforçada por outros autores, quando afirmam que os
comportamentos discriminatórios em relação à pessoa seropositiva, podem estar
relacionados com sentimentos de insegurança e medo de contágio e à falta de formação
dos profissionais, que não exercem a profissão nos centros especializados em SIDA76
.
Alguns autores verificaram que os profissionais de saúde sentiam necessidade de serem
mais cautelosos no cuidar destes utentes, devido ao risco de contágio75
. Os autores
alertam para o facto de que a cautela quando utilizada de forma extremosa pode
condicionar o relacionamento entre profissional e utente.
Por outro lado, o modelo biomédico também teve as suas repercussões na forma de
cuidar destas pessoas. Inicialmente as pessoas eram descriminadas devido ao
desconhecido e ao medo de contágio. Com o passar dos anos, o desenvolvimento
tecnológico permitiu uma visão mais clara e concreta da doença, que acabou por não se
manifestar numa forma mais humana de cuidar. A evolução tecnológica acabou por
limitar “a necessidade de utilizar o olho clínico, subjectivo e percebido como impreciso,
assim como contribuiu para, da forma como está sendo utilizada, relegar ao segundo
plano a atenção à subjectividade do paciente”77:1136
. Na opinião dos autores, a
tecnologia reforça o poder do médico, que em função dos resultados dos exames
complementares de diagnóstico, tem toda a autonomia para decidir o processo
terapêutico e para controlar se o utente segue ou não as suas prescrições.
46
Na nossa opinião, o que diferencia este cuidado é o facto de se tratar de uma patologia
que se insinuou de forma alarmante nas sociedades actuais, que devido à sua
mortalidade e ao facto de estar associada a factores repudiados pela sociedade
(homossexualidade, toxicodependência, sexualidade), levou a situações de
discriminação no cuidado. Por outro lado, o desgaste físico e psicológico que a infecção
pelo VIH e a SIDA causa nos utentes, faz com que estes sintam necessidades e tenham
expectativas para um acolhimento mais personalizado e um atendimento mais
individualizado78
. Assim sendo, o cuidado à pessoa seropositiva exige que o
profissional o veja como um ser humano, com necessidades específicas, que se encontra
fragilizado e que merece respeito e atenção79
. Não basta que o profissional tenha o
domínio técnico. É fundamental que ele desenvolva um cuidar ético, que leve em conta
a vida e a defenda, considerando a necessidade do utente, sem julgá-lo, discriminá-lo ou
estigmatizá-lo, sem perder de vista o cuidado ao outro79
.
A SIDA continua a ser uma doença mortal, como tal a prevenção é uma das armas mais
eficazes para reduzir ou limitar o número de pessoas infectadas. Neste campo da
sensibilização e da formação, os profissionais da saúde desempenham um papel
extremamente importante. A educação para a saúde é uma área bastante vasta que não
se pode resumir a intervenções de prevenção centradas na informação e na doença. Os
profissionais não se podem limitar à disseminação da informação, pois esta por si só não
leva à mudança de atitudes e de comportamentos80
. Na relação que se estabelece deve
haver espaço para estimular o utente a participar nas discussões e nas tomadas de
decisão. É essencial que os diversos profissionais se inter-relacionem e encaminhem os
utentes para outros profissionais, caso se deparem com situações que não consigam
solucionar. Só assim os utentes conseguem esclarecer as suas dúvidas e obter
informações e orientações que respondam a todas as suas necessidades79
. Alguns
autores defendem que um problema de saúde com a dimensão e a complexidade da
SIDA, só pode ser solucionado através de equipas multidisciplinares,
interdisciplinares79
ou transdisciplinares80
. No entanto, escassos são os estudos que têm
dedicado a sua atenção a esta problemática, o que abordamos a seguir.
47
2.4 - O CUIDADO A PESSOAS ADULTAS IDOSAS COM VIH/SIDA: EVIDÊNCIA
EMPIRICA
No quadro 3 (Apêndice I) constam os estudos encontrados na literatura sobre o tema em
questão. Estes estudos se dirigem essencialmente às pessoas em idade reprodutiva e
produtiva. A idade dos(as) participantes com VIH/SIDA, na maioria dos estudos,
situam-se entre os 23 e os 55 anos. Apenas um estudo dirigiu a sua atenção às pessoas
com mais de 60 anos. Na sua generalidade foram efectuados em unidades para utentes
com VIH/SIDA, quer em ambulatório quer em internamento. Somente em um estudo
(6)1 as pessoas com VIH/SIDA foram seleccionadas em grupos de apoio e ONGs
81.
Maioritariamente, o foco do cuidado refere-se ao cuidado de enfermagem ou cuidado
médico. Todos os estudos encontrados utilizaram a abordagem metodológica
qualitativa, demonstrando o limitado estado da arte nesta área.
Num estudo (2) sobre a equipa de enfermagem e o exercício do cuidado a utentes
portadores de VIH/SIDA, verificámos que, na perspectiva dos(as) utentes, o cuidado em
saúde foi referenciado como amor, carinho, atenção, respeito pelo outro, tendo em
atenção as suas particularidades82
. Neste estudo, outro aspecto evidenciado pelos(as)
utentes foi a disponibilidade para o cuidado. Eles(as) referiram que os profissionais
lhes disponibilizavam atenção quando solicitada. Contudo, reconheceram a existência
de um cuidado mais limitado por parte de alguns profissionais, que, na opinião dos(as)
utentes, poderia estar relacionado com limitações do próprio profissional ou do sistema
de saúde82
.
A necessidade de atenção no cuidado foi também evidenciada em outro estudo (5), a
qual se prendia tanto à necessidade de recolher informações sobre o seu estado de
saúde, como também aos sentimentos de aproximação, de afectividade e ao contacto
verbal aquando da realização dos procedimentos78
. Neste (5) e noutro estudo (6), os(as)
utentes consideraram extremamente importante o facto de os profissionais os manterem
informados sobre o seu estado de saúde e sobre os procedimentos que iriam ser
realizados, como forma de os ajudar a enfrentar as situações que vivenciavam78,82
.
Somente num estudo (2), os(as) utentes afirmaram possuir informações sobre a doença,
1 Os números apontados no texto identificam os estudos constantes no quadro 3 (Apêndice I).
48
as quais foram, na sua maioria, disponibilizadas pelo médico e em minoria pelo
profissional de enfermagem82
.
Noutro estudo (7), a confiança emergiu como elemento fundamental na relação de
cuidado e simbolizava a possibilidade de os(as) utentes poderem falar e exteriorizar os
seus sentimentos77
. Esta relação de confiança apareceu associada à solidariedade,
escuta/toque, atenção individualizada e seria através dela que se conseguiria o alívio da
dor e dos sofrimentos mais imediatos77
.
As expectativas dos(as) utentes em relação ao cuidado revelaram a pretensão de um
cuidado mais humanizado, em que se evidenciasse a atenção dispensada ao outro, a
afectividade e a comunicação (5)78
. A comunicação foi considerada deficiente em outros
estudos (4,6), tendo sido realçada a necessidade de uma melhor comunicação entre
profissional de saúde e utente 22,81
. Num destes estudos (6), os(as) utentes não eram
informados sobre as decisões médicas, nem sobre os efeitos dos antirretrovirais, facto
que pode ser explicado pelo carácter paternalista da relação utente profissional de saúde,
na qual a autoridade do médico é indiscutível81
. Os(as) utentes limitaram-se a ter um
papel passivo no processo terapêutico, que de acordo com os autores é o papel
socialmente esperado. Ainda noutro estudo (7), os(as) utentes quando se sentiam pouco
ouvidos, observados e examinados tendiam a estabelecer uma relação impessoal com o
profissional de saúde, não conseguindo o apoio necessário para enfrentar a doença e a
sociedade77
. Nesta perspectiva, a comunicação efectiva entre médico e utente é
fundamental e pode melhorar os resultados dos tratamentos e a qualidade de vida das
pessoas que vivem com VIH/SIDA81
.
A dimensão técnica do cuidado (cuidados com o soro, administração de medicação
correcta, horário da medicação…) foi pouco salientada pelos utentes em um estudo
(2)82
. Noutro estudo (7), esta dimensão foi criticada pelos(as) utentes por ser
excessivamente valorizada pelo médico, não deixar espaço para as relações
interpessoais e limitar a autonomia dos utentes77
. Os(as) utentes consideraram que o
cuidado ao ser dispensado em consultas rápidas e focando apenas dados objectivos, não
lhes dava a possibilidade de conversar e de exteriorizar os seus sentimentos. Este facto
denota a predominância do modelo biomédico e consequente sobrevalorização do saber
e do poder médico, nas acções de cuidado centradas nos exames complementares de
diagnóstico77
. Neste estudo (7) foi interessante observar a importância que os exames
49
complementares (CD4 CVP) têm vindo a desempenhar no diagnóstico e no
acompanhamento das pessoas com VIH/SIDA. As próprias pessoas consideraram que
estes exames permitiam uma visão mais clara e concreta da doença, sendo mais
importantes ao revelarem a “verdade” sobre a doença. Quando os resultados dos exames
compreendiam valores considerados satisfatórios, proporcionavam ao utente
sentimentos de segurança e bem-estar77
.
Em quatro estudos (2, 4, 6, 7), o cuidado dispensado foi sujeito à avaliação dos(as)
utentes. Num estudo (2) o cuidado foi classificado como óptimo, bom e regular82
.
Os(as) utentes que o classificaram como bom ou regular, fizeram-no pelo facto de
alguns profissionais demonstrarem atenção e carinho nas acções de cuidado e outros
expressarem má vontade na sua realização82
. Noutro estudo (4), as pessoas idosas
entrevistadas avaliaram o cuidado de forma positiva relativamente ao acesso, ao
tratamento e à prevenção da doença 22
. Contudo, a comunicação estabelecida com os
profissionais foi considerada insuficiente. As pessoas idosas relataram dificuldades em
compreender as recomendações médicas, em esclarecer dúvidas e em falar sobre os seus
medos e preocupações. Também noutro estudo (6), a qualidade do cuidado foi
considerada deficiente81
. No entanto, na opinião da maioria dos participantes, este facto
foi aceite favoravelmente, uma vez que os serviços eram gratuitos. Já noutro estudo (7),
o cuidado profissional menos atencioso e menos interessado foi fortemente contestado
pelas pessoas entrevistadas, que consideraram que a relação estabelecida era muito
impessoal e não lhes proporcionava qualquer tipo de apoio para que pudessem enfrentar
a doença e a sociedade77
.
De salientar num estudo (6), a relevância que os participantes deram às ONGs,
consideradas como elemento chave na adesão ao tratamento, na saúde física e mental e
na melhoria da qualidade de vida das pessoas que vivem com VIH/SIDA81
.
Transversal a todos os estudos está a necessidade de um cuidado integral, mais
humanizado, dispensado por equipas multidisciplinares e/ou interdisciplinares, com
uma participação mais activa dos utentes.
Em síntese, o cuidado tem sido alvo de estudo de diversos campos da ciência.
Actualmente, entende-se que o cuidado centrado na cura da doença e na remissão dos
50
sintomas, não responde eficazmente às necessidades das populações. Com o
aparecimento das doenças crónicas, mais especificamente da SIDA, tornou-se evidente
a necessidade de um cuidado integral. Não desvalorizando a necessidade dos
conhecimentos técnico-científicos nas acções de cuidar, é indispensável que o cuidado
seja permeado por relações interpessoais que tenham em atenção a unicidade e
diversidade da pessoa. Antevê-se a necessidade de ajudar as pessoas no
desenvolvimento de competências pessoais e sociais, que contribuam para a adopção de
estilos de vida saudáveis e para evitar comportamentos de risco. O cuidado
multidisciplinar e interdisciplinar emerge como forma de promover a participação da
pessoa no seu processo de saúde/doença e a educação para a saúde assume um papel
fundamental no processo de capacitação das populações.
Ao focarmos, neste estudo, o cuidado à saúde de pessoas adultas idosas com
VIH/SIDA, optamos por uma abordagem qualitativa, no sentido de dar voz a estas
pessoas e conhecer as suas experiências. Para tanto, o método da história oral de Paul
Thompson mostrou-se como caminho mais pertinentes aos nossos interesses, o qual será
descrito com mais pormenor no capítulo seguinte.
51
3.0 - REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
A história oral fala sobre significados, explora relações entre memória e história e
equaciona as relações entre passado e presente83
. Nas sociedades pré-letradas toda a
história era história oral, com a disseminação da documentação escrita esta tradição oral
tornou-se supérflua e mais vulnerável83
. A história oral moderna surgiu na década de
1940, após a segunda guerra mundial, inicialmente com o intuito de entrevistar figuras
da elite política e, posteriormente, com Paul Thompson, com o intuito de conhecer a
história dos excluídos.
A história oral é uma história feita a partir das pessoas; os heróis tanto podem ser os
líderes como qualquer membro desconhecido da comunidade. A história oral ajuda os
menos privilegiados e mesmas as pessoas idosas, frequentemente esquecidas e
fragilizadas, a conquistarem a sua dignidade e autoconfiança. Com efeito, ao reviverem
a sua própria vida e ao fornecerem informações a uma geração mais jovem, podem
sentir-se valorizadas e adquirirem o sentido de finalidade83
.
A história oral é “a interpretação da história e das sociedades e culturas em processo de
transformação, por intermédio da escuta às pessoas e do registo das histórias de
vida”84:20
.
A história oral tem vindo a ser utilizada por muitos estudiosos da área da sociologia e da
antropologia, existindo também alguns projectos na história da medicina e da
psiquiatria. Como metodologia de pesquisa, procura conhecer e aprofundar
conhecimentos sobre determinada realidade, obtidos através de conversas com pessoas,
relatos orais, que, ao focalizarem suas lembranças pessoais, ponderam esses fatos pela
sua importância em suas vidas. É sempre uma invocação à memória, reconstruindo um
passado pela perspectiva do presente e marcado pelo social 83
. A história oral exige do
pesquisador um elevado respeito pelo outro, pelas suas atitudes, opiniões, pela sua visão
do mundo. Sendo uma história individual, constitui mesmo assim um elemento
importante para a compreensão da história cultural e social.
52
Segundo Thompson (1998), a história oral pode ser construída a partir da narrativa da
história de uma única vida, de uma colectânea de narrativas ou da análise cruzada. A
escolha do modo de narrativa a utilizar vai determinar a prevalência da evidência oral
ou da evidência de outras fontes na construção da história. História de uma vida ou
biografia é usada quando o informante dotado de uma memória excepcional, fornece
informações tão ricas que para além da história individual, por vezes, podem ser
utilizada para transmitir a história de uma comunidade. A colectânea de entrevistas é
utilizada quando se pretende uma construção e interpretação da história num sentido
mais amplo, agrupando-as em torno de temas comuns. É usada quando se pretende
retratar a vida familiar ou de uma comunidade. Na análise cruzada a construção da
história assume um carácter mais analítico, as citações de histórias de vida tendem a ser
mais curtas e surgem associadas a outras fontes. Destas três propostas, a colectânea de
entrevistas é a que mais se enquadra no estudo em questão, pois possibilita compreender
o cuidado em saúde na sua multiplicidade de significados.
De acordo com a metodologia de Thompson (1998), a construção da história oral é feita
através da entrevista, que deverá ser registada com recurso ao gravador. Entrevistar com
sucesso exige habilidade. A habilidade fundamental da história oral é aprender e
escutar. Na história oral o pesquisador vem para a entrevista para aprender, pois só
existe razão para fazer uma entrevista, quando o entrevistado possua conhecimentos,
que possam ser de interesse e que complementem os conhecimentos que o entrevistador
já possui83
. Na entrevista é importante a postura „aberta‟ do pesquisador e seu modo de
formular as questões, em momentos „certos‟, o que depende, não somente de sua
experiência, mas dos conhecimentos acumulados ao longo do processo da pesquisa.
A atitude e o modo de se expressar do entrevistador, assim como as relações sociais
existentes entre ambos e o facto de a entrevista ser individual ou em grupo também
podem condicionar a veracidade das respostas. Para Thompson (1998), a entrevista deve
ser realizada num local em que o informante se sinta à vontade, em que não haja ruídos
que possam prejudicar as gravações ou distrair o informante. Preferencialmente, a
entrevista deve ser individual. Para evitar a inibição da expressão oral dos participantes,
a entrevista deve iniciar-se de uma forma mais livre em que o narrador é estimulado a
falar livremente sobre um assunto de interesse comum83
. Contudo, como a entrevista
totalmente livre não pode existir, gradualmente vão sendo introduzidas questões para
53
reorientar o sentido da conversa para temáticas que ainda não tenham sido respondidas.
As perguntas devem ser simples e directas e deve-se evitar perguntas directivas que
condicionem as respostas e que levem os informantes a responderem em função do que
pensam que o investigador gostaria de ouvir83
.
Ainda segundo o mesmo autor, terminada a entrevista, o entrevistador deve de imediato
registar o contexto em que esta decorreu, a personalidade do informante e as
observações que não tenham sido gravadas. O material recolhido deve ser catalogado,
duplicado e devidamente armazenado, para evitar a sua deterioração. Tão cedo quanto
possível procede-se à transcrição integral das gravações, sendo o entrevistador a pessoa
mais capaz de garantir a sua precisão. A transcrição deve obedecer a critérios rígidos,
escrevendo com exactidão tudo o que foi dito, obedecendo à sequência da palavra
falada, utilizando os termos gramaticais que foram usados e transformando as pausas
orais em pontuação escrita83
. Na opinião do autor, com a entrevista pretende-se, não a
verdade absoluta, mas a vivência pessoal, pelo que a narrativa deve ser registada como
foi articulada pelo entrevistado, pois tão importante como o conteúdo é o ritmo e o jeito
de contar.
O passo seguinte consiste na avaliação do material colectado. Qualquer análise mais
cuidadosa deverá sempre levar em consideração que tanto o documento escrito quanto o
depoimento oral não são conclusivos nem totalmente verdadeiros, pois deve-se ter em
mente que há condicionantes políticos, ideológicos e culturais permeando as
informações colectadas83
. A evidência oral é muitas vezes posta em causa, pelo que
deve ser usada de forma correcta pelo pesquisador e ser submetida a um trabalho
minucioso de critica e interpretação. As críticas relacionadas com a evidência oral
prendem-se com vários aspectos. O entrevistado por diversas razões (interesses
particulares, influências politicas, sociais, económicas ou culturais) pode passar uma
ideia falsa ao entrevistador. A subjectividade é outra das críticas à fidedignidade das
fontes orais, mas como refere Thompson (1998), ela também é importante para história,
uma vez que para além da história de acontecimentos, importa também conhecer como
esses acontecimentos foram lembrados e vivenciados pelas pessoas. Mesmo quando o
pesquisador tem a certeza de que o entrevistado está a mentir, o entrevistador deve
tentar compreender as razões da "mentira", ou seja, quais os motivos que levaram a
pessoa a mentir. A memória dos entrevistados, quando os acontecimentos remontam a
54
algum tempo atrás, pode ser influenciada por mudanças de valores e normas que podem
alterar as percepções. O processo de memória depende da capacidade de compreensão
do indivíduo e também do seu interesse pelo tema abordado, pelo que a memória será
tanto mais precisa quando corresponde a um interesse e uma necessidade sociais83
. O
autor acrescenta que ao contrário do que algumas pessoas possam pensar, as entrevistas
com pessoas idosas que gozem de boa saúde podem ser tão fidedignas como as
realizadas a pessoas mais jovens, pois vários são os estudos que têm demonstrado que o
declínio da memória, apesar de ocorrer de forma gradual não chega a ser drástico, sem
que ocorra um processo de senilidade ou uma doença terminal.
Através da leitura da entrevista como um todo é possível avaliar a fidedignidade do
informante, o que também é possível comparando as informações recolhidas nas
diferentes entrevistas. Como refere Thompson (1998), a evidência oral resultante da
experiência pessoal é única, pelo que pode ser avaliada, julgada, comparada e citada
mas não poderá ser confirmada.
Thompson (1998) defende que o essencial é procurar compreender a entrevista de modo
sensível e humanista para interpretar os significados, dar mais dinamismo à narrativa e
retirar determinadas conclusões. Os factos e as opiniões não são suficientes na
construção da história. É necessária criatividade para que transpareça a consciência
histórica das pessoas. O maior número de entrevistas reunidas pode determinar a
presença de factos únicos e a possibilidade de comparar diferentes contextos.
Na análise, os conteúdos devem ser organizados por categorias, inicialmente restritas e
específicas, que se vão moldando ao longo do processo de interpretação. Neste
processo, as evidências orais são relacionadas com o referencial teórico, requerendo
flexibilidade e criatividade da parte do investigador para julgar os trechos mais
expressivos e construir a consciência histórica das pessoas. A interpretação dos dados
relaciona a evidência encontrada com os modelos teóricos já existentes. A forma mais
eficaz de análise será olhar em simultâneo os elementos objectivos e subjectivos da
entrevista, de forma a entender como as experiências do passado são reinterpretadas na
memória.
Em suma, tendo em vista os objectivos traçados para este estudo, optámos pelo
referencial da História Oral de Paul Thompson (1998). A vantagem que este método
55
oferece é o facto de permitir integrar as informações fornecidas num contexto mais
amplo, uma vez que o entrevistador consegue, através da apreciação das atitudes, do
modo de se expressar, atingir aspectos mais profundos e mais inerentes ao íntimo das
pessoas, e explorar com mais detalhe, os aspectos que se apresentam como mais
importantes no decorrer do processo. Terminada esta fase, será utilizada a colectânea
das entrevistas, para cruzar os dados de cada uma delas com a totalidade, o que
permitirá retirar algumas conclusões relativamente às tendências que os entrevistados
manifestam no que diz respeito à percepção e ao modo como encaram a realidade em
que vivem. Deste modo ser-nos-á possível inferir sobre as suas experiências no contexto
dos cuidados de saúde, interpretando e compreendendo acontecimentos passados, com
vista a dar resposta a questões suscitadas no presente.
56
4.0 - DELIMITAÇÃO DO ESTUDO
A investigação relacionada ao cuidado à saúde de pessoas adultas idosas com
VIH/SIDA está em sua fase inicial. Há um vasto campo de temáticas nesta área
aguardando respostas, daí a pertinência deste estudo. Deste modo, esperamos contribuir
para ampliar o conhecimento nesta área e dar visibilidade às experiências de cuidado à
saúde deste grupo etário, destacando os significados percepcionados pelas pessoas
participantes deste estudo. Neste sentido, apresentamos abaixo a questão e objectivos do
estudo.
4.1 - QUESTÃO E OBJECTIVOS DO ESTUDO
4.1.1 - Questão do estudo
Quais são as vivências de cuidado formal à saúde de pessoas adultas idosas com
VIH/SIDA?
4.1.2 - Objectivo Geral
Conhecer as vivências de cuidado formal à saúde de pessoas adultas idosas com
VIH/SIDA.
4.1.3 - Objectivos específicos
Explorar as vivências com o diagnóstico de VIH/SIDA vividas por pessoas
adultas idosas;
Conhecer as vivências de cuidado formal à saúde de pessoas adultas idosas com
VIH/SIDA;
Conhecer os significados de cuidado à saúde para pessoas idosas com
VIH/SIDA.
Tendo em atenção os objectivos propostos, delineamos o desenho do estudo com base
na história oral, o que apresentamos a seguir.
57
II PARTE – FASE METODOLÓGICA
5.0 - DESENHO DO ESTUDO
Para este estudo seguimos uma abordagem qualitativa, uma vez que pretendemos
compreender o fenómeno em estudo através da perspectiva dos sujeitos que o
vivenciaram. Na investigação qualitativa o investigador assume que os participantes são
dotados de uma experiência e um saber pertinente, que devem ser conhecidos e
compreendidos85
. Para além disso, optámos por esta abordagem, uma vez que
pretendemos observar, descrever e analisar o fenómeno, sem contudo termos a
preocupação de o controlar e/ou de o generalizar. A escolha pela história oral decorreu
do facto de ao estudarmos o fenómeno em si, o que é realmente importante é conhecer o
significado que as pessoas lhe atribuem83
.
5.1 – CONTEXTO E PARTICIPANTES DO ESTUDO
O estudo foi desenvolvido em duas Instituições Particulares de Solidariedade Social
com acções dirigidas a pessoas com VIH/SIDA, sediadas no Porto e em Cascais, e num
serviço de doenças infecciosas de um hospital do Porto.
Ambas as associações actuam na prevenção da infecção, na luta contra a discriminação
e defesa dos direitos deste grupo social, no apoio psicossocial e na reinserção
socioprofissional de pessoas infectadas pelo VIH/SIDA. Dentre outras acções
desenvolvidas encontram-se: o apoio domiciliário e a formação no âmbito do
VIH/SIDA.
O hospital tem tido um papel importante no tratamento de doenças infecciosas, em
especial a SIDA. Apresenta uma articulação dos seus serviços com outras organizações
no combate à toxicodependência e à exclusão social. Dispõe, desde 1998, de um Centro
de Terapêutica Combinada para os utentes com VIH/ SIDA.
Para além destes contextos, outros hospitais e centros de saúde foram contactados,
tendo alegado diferentes motivos para a não colaboração na sua realização, como por
58
exemplo, a realização de outros estudo, o facto deste estudo poder afectar
psicologicamente as pessoas adultas idosas com VIH/SIDA.
Foram seleccionadas, para este estudo, pessoas portadoras de VIH/SIDA, tratando-se,
portanto, de uma amostra de conveniência. Participaram do estudo onze Homens e sete
mulheres. Os critérios de inclusão estabelecidos foram: ser pessoas portadoras de
VIH/SIDA, com idade igual ou superior a 50 anos e autónomas. Autonomia é entendida
como ter capacidade percebida para controlar, lidar com situações e tomar decisões
sobre a vida do dia-a-dia, de acordo com as próprias regras e preferências86
.
5.2 - RECOLHA DE DADOS
Os dados foram recolhidos através de entrevista semi-estruturada, conforme a proposta
de Thompson (1998). Foi elaborado um roteiro da entrevista composto por duas partes
distintas (Apêndice II). A primeira parte referente à caracterização das pessoas adultas
idosas e a segunda contendo uma questão aberta. As pessoas entrevistadas foram
convidadas a falar sobre “as vivências de cuidado à saúde depois de lhes ter sido
diagnosticado o VIH/SIDA”. Para dar resposta aos objectivos específicos, foram
elaborados alguns itens para nortear a recolha dos dados
As entrevistas tiveram uma duração média de 20 minutos. Foram gravadas através de
gravador digital, com o consentimento livre e esclarecido das pessoas participantes, em
local reservado e sem interrupções. Durante a entrevista as pessoas foram estimuladas a
falarem livremente sobre o tema. No final das entrevistas, o seu conteúdo foi validado
com cada participante, tendo sido reiterada a liberdade de retirar ou acrescentar
informações.
5.3 - ANÁLISE DOS DADOS
A análise dos dados foi feita em três etapas. A primeira consistiu em organizar e
estruturar os dados. Deste modo, após a recolha dos dados, as entrevistas foram ouvidas
e transcritas na íntegra. Posteriormente, a transcrição foi conferida com as fitas originais
e foram efectuadas leituras das entrevistas como um todo. A segunda etapa referiu-se à
classificação dos dados. Para tanto, procedemos à leitura horizontal e exaustiva das
entrevistas, para buscar a coerência interna das informações e encontrar as ideias
59
centrais, os momentos chave e as posturas sobre o tema em foco. Este facto possibilitou
a construção de categorias empíricas e respectivas subcategorias, para mais tarde serem
transformadas em categorias analíticas, teoricamente estabelecidas. Ainda na segunda
fase, realizamos a leitura transversal, através do recorte das entrevistas por “temas”.
Neste processo de classificação, colocamos as partes semelhantes juntas, buscando
compreender as conexões entre elas, e guardando-as em códigos. As categorias e
subcategorias foram revista e alteradas sempre que necessário, tendo sempre presente o
rigor na categorização dos dados. Para este processo recorremos ao programa QSR
NVivo. Na terceira fase, procedemos à interpretação dos dados, através de um
movimento circular entre os dados e o quadro teórico e empírico do estudo. A análise
teve como directriz básica dar respostas à questão e aos objectivos geral e específicos do
estudo.
5.4- PROCEDIMENTOS ÉTICOS
O projecto foi submetido e aprovado por uma comissão de ética do hospital em que o
estudo foi realizado. Foram respeitados os princípios relativos ao direito à
autodeterminação, direito à intimidade, direito à protecção contra o desconforto e o
prejuízo e direito a um tratamento justo e equitativo.
Os(as) participantes foram esclarecidos(as) sobre os objectivos do estudo,
procedimentos de recolha de dados, divulgação dos resultados e confidencialidade dos
dados recolhidos. Foi respeitado o carácter voluntário da participação, a possibilidade
de desistir a qualquer momento e a ausência de prejuízo no atendimento. No momento
que antecedeu a entrevista, cada participante assinou duas vias do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice III). Uma cópia foi entregue a cada
participante e a outra foi arquivada em local seguro.
5.5 - RIGOR DO ESTUDO
Com a finalidade de aumentar o rigor do estudo foram utilizados alguns dos critérios de
avaliação de investigação qualitativa de Leninger (credibilidade, confirmabilidade,
significado no contexto, saturação e padronização87
.
60
A credibilidade corresponde à verdade como conhecida, sentida ou experimentada pelas
pessoas estudadas. Este critério foi conseguido através da escuta activa no decorrer das
entrevistas e também através de um processo reflexivo que nos permitiu ver o fenómeno
tal como vivido pelos(as) participantes, evitando equívocos e más interpretações que
pudessem influenciar a precisão das construções e reconstruções.
A confirmabilidade “refere-se à participação directa repetida e à prova observada,
documentada ou obtida a partir de fontes informantes primárias”87:112
. Neste estudo, a
confirmabilidade resultou da obtenção de afirmações directas e repetidas do que o
investigador viu, ouviu ou experimentou sobre o fenómeno em estudo. Este critério foi
conseguido ao permitir que cada participante confirmasse ou alterasse os depoimentos
da entrevista, validando os dados obtidos. Por questões de sigilo, os(as) participantes
não disponibilizaram os dados necessários para contacto posterior com os mesmos.
Desta forma, foi inviável a validação do conteúdo transcrito das entrevistas, tendo esta
sido feita logo após as entrevistas com audição da gravação. Naquele momento, os(as)
participantes tiveram a oportunidade de retirar ou acrescentar conteúdos.
O significado no contexto “refere-se aos dados que se tornaram compreensíveis dentro
dos conteúdos holísticos ou com significados especiais relativos aos informantes ou
pessoas estudadas em contextos similares ou diferentes”87:112
. Neste estudo, as pessoas
seleccionadas detinham conhecimento sobre o fenómeno estudado. Deste modo,
valorizamos em seus depoimentos as situações e os acontecimentos de vida no contexto
do VIH/SIDA, que apoiaram as interpretações e compreensões dos significados das suas
experiências vividas.
Outro dos critérios utilizados foi a saturação, que traduz o conhecimento exaustivo do
fenómeno em estudo. Neste estudo, o total de participantes foi determinado pela
saturação dos dados, ou seja a recolha de dados decorreu até o momento em que não
houve novas explicações, interpretações ou descrições do fenómeno em estudo.
Por último, a padronização “refere-se a interpretações, sequência de eventos,
experiências ao modo de vida repetidos, que tendem a ser padronizados e recorrem no
tempo e meios designados e em contextos diferentes e similares”87:113
. Neste estudo, as
vivências repetidas das pessoas participantes acerca do fenómeno em estudo foram
usadas para dar consistência a um padrão.
61
III PARTE - FASE EMPIRICA
6.0 – APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
A apresentação dos resultados foi norteada pela questão e objectivos do estudo. Deste
modo, inicialmente procedemos à caracterização dos participantes e posteriormente
apresentaremos as três categorias do estudo: o diagnóstico de VIH/SIDA: realidade
difícil de ser vivida, experiências de cuidado à saúde e significados do cuidado em
saúde. Na apresentação destas categorias foram seleccionados alguns trechos das
narrativas, que de uma forma mais expressiva retratavam as experiências dos(as)
participantes.
6.1 - CARACTERÍSTICAS DOS(AS) PARTICIPANTES
Participaram neste estudo dezoitos pessoas com VIH/SIDA, onze do sexo masculino e
sete do sexo feminino2 (Apêndice IV). As idades oscilaram entre 50 e 75 anos (média de
58), sendo que para os homens situou-se entre 51 e 66 anos (média 57) e para as
mulheres entre 50 e 75 anos (média 59). Considerando a escolaridade, a maioria dos(as)
participantes (n=13, sete homens e seis mulheres) frequentou o primeiro ciclo do ensino
básico, três homens terminaram o terceiro ciclo do ensino básico e um homem e uma
mulher o ensino secundário. Os estados civil foram solteiros(as) (n=5),
casados(as)/união de facto (n=6), divorciados(as)/separados(as) (n=4) e viúvos(as)
(n=3). Em relação ao exercício profissional das pessoas adultas idosas, 10 encontravam-
se reformados(as) (5 mulheres e 5 homens), seis continuavam a exercer a sua actividade
profissional e dois homens estavam desempregados. As profissões para os homens
foram: motorista, engarrafador de vinhos, ajudante de motorista, director comercial e
para as mulheres: empregada doméstica e calandreira. A maioria das pessoas
participantes (n=12), dos quais seis homens e seis mulheres, percebia rendimentos
mensais inferiores ao salário mínimo nacional (475 Euros), três homens e uma mulher
2 Para efeito de anonimato, as entrevistas das mulheres do estudo foram identificadas por EM e o número da
entrevista e dos homens por EH e o número da entrevista correspondente.
62
usufruíam de um rendimento entre 475 e 600 Euros e um dos participantes de 1.100
Euros mensais3.
6.2. CATEGORIAS DO ESTUDO
6.2.1. O Diagnóstico de VIH/SIDA: Realidade difícil de ser vivida
A maioria dos participantes (n=10), dos quais seis homens e quatro mulheres,
considerava-se saudável antes do diagnóstico do VIH/SIDA. Eram pessoas que para
além das doenças próprias da infância, somente tiveram problemas ligeiros de saúde,
como gripes e constipações, conforme depoimentos abaixo:
Nunca tive grandes problemas. Uma constipação ou outra, uma gripe, mas de resto
nunca tive problemas nenhuns [antes do diagnóstico] (EH2).
Fui sempre saudável. Nunca tinha ido a um médico, agora é que eu tenho que ir porque
não sou saudável. Tenho que me convencer que não sou saudável. Nem umas dores de
cabeça, eu tinha (EM6).
Os(as) restantes participantes (cinco homens e três mulheres) mencionaram que em
dado momento da sua vida, antes do diagnóstico do VHI/SIDA, já haviam sido
confrontados com situações de doença. Dos problemas de saúde mencionados pelos
homens, constam os resultantes de acidentes de viação e desportivos (n=2), a taxa de
colesterol elevada e o acidente vascular cerebral (n=1), o alcoolismo crónico e
problemas circulatórios (n=1). Os problemas de saúde referidos pelas mulheres foram
depressão (n=1), acidente vascular cerebral, hipertensão arterial (n=1) e o herpes zóster
(n=1). Uma das participantes mencionou ainda problemas ginecológicos, com
consequente histerectomia e outra, problemas nos membros inferiores resultantes de
acidente de viação.
Porque tinha talvez um bocado de colesterol como o médico diz, e qualquer coisa, e
como me deu o AVC fiquei com aquela mazela (EH3).
Também bebia muito, estive lá internado. Também estive lá três semanas. Depois deixei
de beber (EH10).
Quando fui internada com um AVC […] eu não punha o braço acima e mancava desta
perna (EM2).
3 Um dos participantes recusou-se a dar esta informação.
63
Aconteceu um problema que eu não sabia bem o que era. Foi a zona, não sei se conhece
esse problema de saúde, é a zona e um problema num joelho (EM4).
A ausência de qualquer sintomatologia de doença foi o motivo alegado pelos(as)
participantes para não terem realizado o teste Elisa, numa fase anterior de suas vidas.
Dentre os motivos que levaram à realização do teste, o agravamento do estado de saúde
foi o mais referido pelas pessoas entrevistadas (n=5). Dois participantes (um homem e
uma mulher) realizaram o teste após a morte do companheiro(a) e uma participante fê-lo
numa altura em que o marido estava doente. Dois participantes (um homem e uma
mulher) referiram ter realizado o teste por desejar iniciar uma nova relação e por desejar
ter um filho, respectivamente.
Eu comecei a sentir um determinado cansaço comigo e eu pedi, no Centro de saúde, no
posto médico […] Qual foi o espanto que acusaram positivo, positivo mesmo (EH11).
Após a morte dele… o médico que o assistia, chamou-me para fazer umas análises, e
então descobri o problema que o fez morrer, porque… até então diziam-me que era uma
pneumonia, problemas nos pulmões… pronto (EM1).
Foi por uma precaução, foi por uma precaução de querer ter uma relação que fui
aconselhado. Antes de fazer as coisas é melhor a gente ver se há ou não. E foi quando
me dirigi ao CAD e acabei com a triste notícia (EH9).
Ele como queria um filho, então foi ao médico, e eles descobriram que a gente tinha…
fizeram exames que tinha isso… (EM5).
No que diz respeito ao ano de conhecimento do diagnóstico, por parte dos homens, a
maioria (n=8) ocorreu entre 2000 e 2006, dois no ano de 2009 e um em 1990. Em
relação às mulheres, a maioria (n=5) teve conhecimento do diagnóstico na década de
1990 e duas foram notificadas mais recentemente, respectivamente em 2004 e 2010.
Relativamente à via de transmissão, a via sexual foi a mais predominante (n=14), em
um total de oito homens e seis mulheres. Destas pessoas, apenas uma relatou que a
infecção resultou de práticas homossexuais. Da totalidade das mulheres (n=7), cinco
terão sido infectadas pelos maridos ou companheiros. A transmissão resultante da
utilização de drogas injectáveis foi somente referida por um homem. Dois homens
manifestaram desconhecimento da via de contaminação.
Sei que fiquei infectada em 1991, então vivia com um companheiro, foi ele que me
transmitiu a doença (EM1).
Não sei. A minha cunhada disse-me que o meu marido andava com uma senhora que
tinha… que tinha essa tal doença. E eu se foi, foi com ele (EM2).
64
O contágio foi a nível sexual, com uma rapariga que nunca mais a vi. Muito bonita e
tudo, enganou, pois paciência, assim não vale a pena. Está a ver, os homens também são
enganados. Somos todos enganados tanto faz a ser a mulher como os homens... Mas fui,
mas o único culpado sou eu (EH6).
Sexualmente, sou homossexual e foi sexualmente (EH2).
Como foi não sei, não faço ideia, mas foi com uma seringa de certeza absoluta. Mas eu
nunca troquei seringas com ninguém. Aquilo para mim fui eu que pousei e depois
alguém pousou ao lado e “ ó carago” se é minha se é tua. Só pode ter sido assim porque
eu nunca troquei seringas com ninguém. Só pode ter sido isso (EH4).
A quase totalidade das pessoas referiu ter sido informada sobre o diagnóstico pelo
médico. Apenas duas senhoras mencionaram ter tido conhecimento do diagnóstico
através da psicóloga e dos filhos, conforme depoimento abaixo:
A senhora fez os exames, e então veio […] aquele exame não veio para a gente, foi pá
médica […] da família, que era na outra banda, que era onde eu morava antes, e então
foi pó médico e ele lá é que disse (EM5).
Foi o médico. Soube quando vim para aqui internado, em 2005 (EH10).
Pois quem me disse isso foi a minha psicóloga […] que me chamou à associação. Eu
depois fui à associação, estive lá um ano e depois é que ela me disse que tinha apanhado
o vírus (EM6).
Disseram aos meus filhos e os meus filhos disseram-me a mim (EM2).
O diagnóstico do VIH/SIDA teve um grande impacto na vida de todos(as) os(as)
participantes. Ao relembrar aquele momento, deixaram transparecer a avalanche de
sentimentos que os(as) invadiram. Dentre os sentimentos destacados encontravam-se o
choque, a surpresa, a vergonha, a resignação, a tristeza e a culpa, como podemos
observar nos seguintes discursos:
Foi uma coisa que me custou muito (...) Fiquei mesmo, mesmo sem, pronto sem forças
nenhumas, sem vontade nenhuma de viver (EM4).
Pronto, eu, apanhou-me surpresa, que eu não sabia, não é? Mas acho que não tive
problema sobre isso, acho que, para mim, é uma doença como outra qualquer (EM5).
Reagi muito mal. Ao princípio eu já estava a contar com isso. Eu era uma pessoa
saudável, nunca tinha nada e eu apercebi-me logo. No momento que eu tinha feito
aquilo, disse logo, oh foi isto e eu a saber que tinha que se usar aquilo, pois já se sabia,
porque isso já estava muito falado. Eu agora só estou a pagar a factura (EH6).
Sim, mas eu fiquei meio envergonhado eu… porque eu nem sabia o que era isso…
(EH10).
65
A reacção ao diagnóstico foi condicionada pelo facto de se tratar de uma doença ainda
incurável e pela aura de preconceitos que a envolve dada a sua origem e a forma de
transmissão. A estes aspectos somavam-se os sentimentos de surpresa e tristeza, pela
traição dos companheiros, no caso das mulheres casadas ou em união de facto; de medo,
por terem de enfrentar a família, no caso de alguns homens; de angústia, por não ter tido
as devidas precauções e por imaginar que é “algo que acontece só aos outros”; de
vergonha, pelo desconhecimento da doença, dentre outros. Os seguintes depoimentos
exemplificam as afirmações acima.
A minha reacção… é sempre de choque! Porque, eu sabia, naquele momento, eu sabia
que a SIDA era uma doença incurável! Não é? (EH3).
Porque esta doença ainda é uma doença que não esteja bem na sociedade, não é. Eu às
vezes estou no café e ouço na televisão, porque lá onde eu moro ninguém sabe o que eu
tenho (EM6).
A reacção como é que foi. Andei para aí, andei para aí…Tive que ter acompanhamento
psicológico, porque uma pessoa, fiquei baralhado, uma pessoa não sabe o que é que há-
de fazer. Uma pessoa sabe que isso é um perigo… não sei (EH11).
Na altura foi muito complicado para mim, eu receber a notícia que era seropositivo.
Tive receio de muitas coisas especialmente dos meus pais e dos familiares. O que não
foi mau, felizmente aceitaram muitíssimo bem, tive o apoio deles (EH2).
A partir do diagnóstico seguiu-se uma vida repleta de incertezas, inseguranças e receios,
não só pela evolução da doença e possibilidade de se confrontar mais precocemente
com a morte, como também de ter de estar sempre procurando estratégias para manter
em sigilo o seu diagnóstico de VIH/SIDA. Viver esta nova condição implicou ter
diariamente de encontrar motivos para continuar a viver e de obter respostas às
inúmeras questões que afligiam as pessoas participantes, de reunir forças para sair da
depressão, do isolamento. Outras vezes, requereu não falar sobre a doença e esforçar-se
por esquecer que se vive esta condição, conforme depoimentos abaixo:
Fiquei traumatizado com isto. Conheci pessoas que já cá morreram com isto. Eu estava
cá internado e eu conheci pessoas que estavam aqui assim internadas com esta doença
do VIH, que morreram aqui (EH11).
Estragou a vida dele e estragou a minha. Mas pronto, eu ainda vou andando cá , já ele...
faleceu com 52 anos. E sofreu muito. Muito, muito, muito... É disso que eu tenho medo.
Se calhar, não sei. Se tenho que sofrer o que ele sofreu...(EM7).
Vivo martirizado mais desta situação do VIH, por saber que não tem soluções, de
momento. Eu leio, às vezes lá aparece uma notícia mais encorajante. Mas, mais disto
[…] o que é que se vai fazer, é uma coisa que está para sempre (EH8).
66
Porque a própria doença tirava-me o apetite de comer, ficava sem apetite para fazer
nada. Só pensava naquilo porque é que me aconteceu a mim, porque é que me
aconteceu a mim (EM4).
E eu graças a Deus que eu estou bem, quero dizer, integrei-me bem e faço por esquecer
o que tenho (EH1).
O receio de compartilhar o diagnóstico com outras pessoas, de uma forma mais directa
ou menos directa, esteve presente em todos os discursos das pessoas participantes,
exemplificados abaixo. Com efeito, o diagnóstico de VIH/SIDA só foi partilhado com
algumas pessoas da família, que foram escolhidas em função da relação de proximidade
e de confiança. Para os homens, foram sobretudo as irmãs as pessoas eleitas para
confidenciar o diagnóstico, enquanto as mulheres confidenciaram o diagnóstico
essencialmente aos filhos(as) e a algumas noras. A dificuldade em compartilhar o
diagnóstico com membros da família esteve associada ao medo da rejeição e do
diagnóstico extrapolar o meio familiar, e pelo facto de não sentirem que a família estava
preparada para enfrentar esta situação. Em alguns casos, o conhecimento pelos
membros da família ocorreu por não terem formas de ocultá-la, quando os sintomas
tornaram-se mais exacerbados e os internamentos se fizeram com maior frequência.
Os meus filhos sabem, não contem a ninguém, ninguém sabe que estou assim, que isso
lá no lugar, Deus me livre era muito falado e eu não queria isso (EM2).
Porque a única pessoa que sabe o que eu tenho a doença é o meu filho e a minha nora
(EM6).
A minha filha em princípio não sabe que eu tenho isto […] A nível familiar […] a
família não sabia, apenas tinha a minha irmã que sabia (E8H).
Sabe unicamente uma minha irmã, que é mais próxima, uma minha irmã que eu tenho
assim mais, pronto que eu achei que é a pessoa mais preparada, mais preparada para
saber dessa notícia […] não disse a ninguém, nem os meus filhos, nem nada… (EH11).
Depois, realmente, não é, vai se deixar ali sozinha todo o dia, não ter visitas, não é? Não
poder dizer à família “estou internada”. Tive de dizer nessa altura aos meus dois filhos
[…]. Vim com a salmonela e estive dois dias em casa e vomitava muito. Então a
doutora disse que era uma salmonela que apanhei. E tive que lhes dizer, porque eu não
estava em casa, tive que dizer (EM7).
Mesmo os amigos mais íntimos foram, muitas vezes, excluídos, deste momento da vida
das pessoas com VIH/SIDA, com receio de serem rejeitadas, caso estes viessem a ser
conhecedores da sua situação de doença. A necessidade sentida de ocultar a condição de
portador do VIH/SIDA, fez com que estivessem sempre vigilantes para não se traírem,
67
preocupando-se com a aparência física, os constantes internamentos e as visitas
domiciliares de profissionais de saúde, que poderiam denunciar essa condição.
Pessoas de fora ninguém sabe. Temos grandes amigos, mesmo grandes amigos mas
esses grandes amigos não sabem nada, portanto nós estamos bem (EH1).
Só que eu estou sempre de pé atrás, para não, sabe que às vezes na conversa pode sair
aquilo que a gente não quer dizer, mas num certo ponto a gente diz, sem querer. Então,
eu tenho que estar sempre com muita atenção às conversas que há, e quando vejo que há
conversas mais de doenças e assim, eu tento desviar (EM1).
Porque esta doença ainda é uma doença que não esteja bem na sociedade, não é. Eu às
vezes estou no café e ouço na televisão, porque lá onde eu moro ninguém sabe o que eu
tenho. […] E às vezes estou e na televisão falam dum seropositivo ou falam da droga e
eu oiço por trás, há.. (EM6).
E digo-lhe mais, porque na altura quando eu apareci muito magrinho, tinha muito medo
de aparecer à beira dos meus amigos, eles começavam logo com esses comentários…
não na minha frente, mas por trás. O que está mal, porque as pessoas não diziam na
minha cara, mas diziam. E afastavam-se um bocado até dificilmente me
cumprimentavam, mas eu não me importava. No momento em que eu reapareci, o que
estou hoje, já toda a gente fala para mim já toda a gente me cumprimenta. O que
precisavam era que eu dissesse o que tinha. Por isso eu nunca disse o que tinha,
obviamente. Se eles só pensavam e reagiram assim, imagine se soubessem. Não nós
estamos numa sociedade que não dá para isso o que está mal […] Pois é o problema é a
discriminação, mas isso em Portugal é, mas outros países não é, antes pelo contrário até
são apoiados (EH6).
O diagnóstico de VIH/SIDA deu início a uma condição de vida com muitos desafios,
em que se tiveram de aprender a conviver com as inseguranças e os medos de um futuro
incerto. Embora o viver implicasse esta condição, o diagnóstico do VIH/SIDA colocou
as pessoas participantes deste estudo frente a frente com a possibilidade do sofrimento,
advindo do agravamento da doença, da morte, de rejeição por parte da família e do
círculo de amigos. Esta é uma realidade difícil de ser vivida, como atestaram os
depoimentos das pessoas adultas idosas. Viver esta condição requeria uma luta
permanente contra uma cadeia de sentimentos e emoções desencorajadora, para vencer a
depressão, o desejo de isolamento e a falta de perspectivas futuras. Demandava atenção
à manifestação dos sintomas, ao tratamento, o que os(as) colocavam mais próximos dos
cuidados de saúde, abordados a seguir.
6.2.2. Vivências de Cuidado à Saúde
Após o diagnóstico do VIH/SIDA, todas as pessoas deste estudo referiram uma maior
proximidade com os cuidados de saúde. Ao abordarem o cuidado recebido nas
68
instituições de saúde, a totalidade (n=18) das pessoas foram unânimes em considerar
que foram bem tratadas ou bem cuidadas pelos profissionais de saúde (médicos,
enfermeiros e psicólogos).
As coisas que me fizeram, além de estarem a tratar de mim, psicologicamente ajudaram-
me, numa parte que eu não estava tão bem. Era essa a razão porque eu acho que fui
muito bem tratada, porque eu não vi mais ninguém a ter os miminhos e os carinhos que
tive do pessoal auxiliar e dos enfermeiros (EM1).
A nível de médicos, nunca tive grandes problemas, fui sempre muito bem tratada,
médicos, enfermeiros e auxiliares de acção médica tudo muito bem, nunca tive
problemas nenhuns, nenhuns (EM3).
Fui bem tratado. Foi óptimo, foi óptimo. Fui muito bem tratado mesmo. Os
medicamentos eram dadas a horas, a roupa de cama mudada diariamente, sempre que
precisava tocar a campainha vinham-me atender. Eu acho que isso é fundamental.
Portanto somos muito bem tratados. Não estamos num hotel, mas temos tudo aquilo que
precisamos, pelo menos a mim deram-me tudo aquilo que eu precisei. Passei aqui uma
semana, senti-me bem. Fui para casa. Portanto fui bem tratado (EH4).
Somente duas pessoas participantes (um homem e uma mulher) referiram ter tido
experiências de maus-tratos no passado. Na época da entrevista, percepcionavam o
cuidado de maneira diferente, destacando a forma diferenciada dos(as) profissionais de
saúde de agir e de se relacionar com elas.
No hospital, sabe que no hospital, eu fui muito mal tratada no hospital. […]. Fiz muitos
disparates, mas eu não fui bem tratada. Penso, eu não fui bem tratada no hospital. Aqui
elas tratam-me muito bem, também já são dez anos. Eu vou ao hospital, elas tratam-me
muito bem, elas falam-me muito bem (EM6).
Outro participante mencionou que o cuidado que recebia no serviço onde era seguido
pelo VIH/SIDA era diferente do cuidado em outros locais onde era seguido por outras
patologias. De acordo com o seu discurso, nas consultas de infecciologia, o cuidado era
de maior proximidade e com mais afectividade, enquanto em outros serviços essas
características estavam ausentes nas acções de cuidado.
Lá são, não estão para perder tempo, não vejo sensibilidade da parte da médica que
trabalha comigo, da endocrinologista e também a nível de oftalmologia. É a rotina, não
é? (EH8).
Quando mencionavam os profissionais de saúde, estes eram caracterizados pelo(as)
participantes como: excepcionais, excelentes, impecáveis, espectaculares e
maravilhosos.
Mas, em relação a técnicos de saúde, de enfermeiros, de auxiliares, foram todos, um
espectáculo para mim (EM1).
69
Os médicos muito simpáticos, os enfermeiros, toda a gente, não tenho razão de queixa
de ninguém de lá do hospital de ninguém, ninguém. Super amáveis, toda a equipa
(EH2).
Na maioria das situações, as experiências de cuidado à saúde estavam relacionadas com
situações de acompanhamento para avaliação da evolução da infecção e da doença e de
internamentos. Todas elas estavam sendo seguidas em consultas de infecciologia, cuja
frequência era determinada pela evolução clínica das pessoas participantes. As consultas
ocorriam mensalmente, a cada dois, três ou quatro meses por ano. No que diz respeito
aos internamentos, seis dos participantes já haviam tido esta experiência antes de terem
conhecimento do diagnóstico de VIH/SIDA. Metade das pessoas participantes (n=9, 5
homens e 4 mulheres) vivenciou esta experiência após ter tido conhecimento do
diagnóstico.
Vou às consultas, sou seguida mensalmente agora, antigamente era seguida de três em
três meses. Agora devido a tantas mudanças de terapia e a tantas outras questões que
estão ligadas a isso, as consultas são mais regulares (EM1).
No hospital andamos seguidinhos, certinhos e agora vou ao médico dia 16, vamos fazer
análises. Ao princípio era todos os meses e de dois em dois meses, ou de três em três
meses, agora é de meio em meio ano (EM4).
Quando cheguei ao hospital e fiz as primeiras análises e eles disseram-me que eu tinha
que ficar […] porque estava com uma pneumonia e estava com uma tuberculose, já um
bocado adiantada. Estive sessenta e dois dias internada (EM1).
Estive a primeira vez internado para aí há quatro anos. Estive também uma vez
internado para fazer uma operação ao apêndice. Também estive internado no hospital
com hepatite, aí já sabia que tinha o VIH, já sabia (EH5).
A evolução clínica da doença foi associada aos resultados das células CD4 e da carga
viríca. Assim, quando a carga viríca estava indetectável ou quase indetectável e as
células CD4 apresentavam taxas elevadas, as pessoas consideravam que a evolução da
doença não era preocupante. Já o inverso era sinónimo de que algo não estava bem.
Outro indicador da evolução da doença foi o número de recaídas.
Os CD4 começaram a aumentar e a carga viríca ficou quase indetectável, o que é muito
bom (EM1).
Há alturas em que a doença nos ataca um pouco mais no sentido das coisas não
melhorarem, os CD4 estão em baixo a carga viríca está alta (E2H).
Não tenho recaídas nem nada, portanto ela estabilizou, e o médico disse: “se você
continuar a tomar certinho, pode viver até muitos anos. Pode até não morrer disto, pode
morrer de outra coisa”. Portanto, eu vou seguir, os conselhos deles (EH3).
70
A melhoria do quadro clínico esteve também relacionada à redução dos medicamentos
aquando das consultas. O aumento ou mudança de medicamentos era percebido como
piora do quadro clínico ou falta de resposta do organismo ao tratamento. Deste modo, a
principal forma de tratamento para a quase totalidade dos(as) participantes (n=17) era a
medicação diária. Apenas uma das participantes estava medicada com interferon, uma
vez que a combinação das outras medicações já não estava a ser suficientemente eficaz.
A partir daí é normal, não tenho tido problema nenhum. Está tudo bem, agora até me
diminuíram um comprimido. Antes tomava três comprimidos agora só tomo dois
diariamente. Portanto é sinal que está tudo bem, porque senão aumentavam em vez de
diminuírem (EH4).
Estou na fase inicial (da doença), estou na fase completamente inicial. Aquilo que
comecei a tomar há dez anos, continuo a tomar (…) São dez anos com a mesma
medicação inicial (EH8).
Presentemente estou a fazer das últimas medicações mais recentes que veio. Estou a
fazer o interferon, injectado na barriga ou nos braços. Mas a médica já me avisou que ia
tentar levar esta medicação até onde pudesse, porque já não havia grandes hipóteses de
combinações porque eu já fiz muitas (EM1).
A quantidade de comprimidos que tomavam diariamente era variável. No entanto, ficou
notória a ideia de que há alguns anos atrás este número era substancialmente maior.
Algumas pessoas referiram que, inicialmente, chegaram a tomar entre 10 a 20
comprimidos diariamente.
Não, não, só para o VIH tomo três comprimidos. São diferentes, é um de manhã, outro à
noite e outro em jejum. […] Ora por dia, devo tomar para aí uns sete, mas cheguei a
tomar vinte (EH7).
Depois é que ela me explicou (a psicóloga), que tinha que ter uma vida muito regrada,
tinha que tomar a medicação todos os dias, mas já não tomo aqueles dezassete
comprimidos que tomava (EM6).
O tratamento com antirretrovirais foi referido por todas as pessoas como uma
experiência difícil, pelos efeitos secundários que acarretavam, principalmente no início.
Os efeitos secundários mencionados foram: os distúrbios gastrointestinais, cefaleias,
complicações cardiovasculares, diabetes e lipodistrofia. Outro aspecto destacado como
menos positivo foi o facto de se sentirem incomodadas por terem que tomar muitos
comprimidos em público, o que não passava despercebido às pessoas que as rodeavam.
Há medicação que faz bem a uma coisa mas faz mal a outra. Eu no meu caso, eu fiz, a
medicação está-me a fazer muito bem, mas fez-me lipodistrofia. Eu fiquei magrinha na
cara, nos membros e assim (EM3).
71
Embora dê tonturas, vómitos e diarreias nos primeiros tempos, o que nos deixa bastante
debilitados, mas com o tempo a coisa melhora (EH2).
Não, a única coisa que eu encontro, aliás, já falei com a minha médica é realmente às
vezes a quantidade da medicação, não ser um só, uma só pastilha. Isso seria bom pelo
aspecto, por exemplo, se eu tiver que ir jantar fora, não ter que levar aquela medicação
toda, não ter que alterar o horário. Se for uma pastilha, uma pessoa põe á boca e uma
pessoa não repara, não é? (EH2).
A medicação antirretroviral era fornecida gratuitamente às pessoas deste estudo. No
entanto, foi referida como sendo uma medicação extremamente cara. Este conhecimento
decorria do facto de ao ser levantada a medicação, esta vir acompanhada da factura, na
qual constava o preço da mesma. Este procedimento foi destacado como sendo uma
forma das pessoas conhecerem o custo da medicação e tomarem a medicação, de acordo
com a prescrição médica.
Porque nem deviam ir buscá-la se é para ir deitar fora. Medicações caríssimas! E vão
buscá-la e não a tomam. Eles agora até nos dão […] uma factura da medicação, para nós
vermos em quanto fica a medicação. Eu neste momento estou a ficar caríssima ao
estado, porque cada injecção custa 100 Euros por dia, andei 30 dias. Só em injecções,
3.000 euros (EM1).
Dados os efeitos secundários dos medicamentos e o surgimento de outras doenças,
algumas pessoas necessitavam fazer tratamentos adicionais, cujos custos tinham de ser
suportados por elas próprias. Esses custos, considerados extremamente elevados,
condicionavam a qualidade de vida destas pessoas, dados os baixos rendimentos, o que
as levavam muitas a recorrer à acção social.
E foi por isso que eu tive que recorrer à acção social para me ajudar, porque senão […]
Eu também sem o resto da medicação extra hospital, também é complicado, porque a
medicação para o vírus tira o sono, põe as pessoas mais nervosas… Tem alguns efeitos
que eles tentam combater com outros fármacos, que não são dados pelo hospital, e esses
fármacos, alguns também são caros. Sobretudo o do colesterol e o da tensão, são caros
(EM1).
Eu tenho um subsídio para a medicação, porque eu gasto muito em medicação e esse
subsídio foi retirado […] Para a falta de ar, até aqui davam-me a medicação, depois
deixaram de me dar a medicação e davam-me dinheiro e depois do dinheiro, tiraram-me
tudo (EH5).
As doenças oportunistas mais citadas foram: pneumonia e tuberculose. Outros
problemas de saúde também mencionados (n=11, 6 homens e 5 mulheres) foram:
72
diabetes, tumor no intestino, hepatite B, osteoporose, problemas pulmonares e
articulares, hipertensão, taxa de colesterol elevada, conforme depoimentos abaixo:
Porque estava com uma pneumonia e estava com uma tuberculose, já um bocado
adiantada. Depois descobriram também que eu tinha um tumor nos intestinos. (…)
Tenho problemas de tensão alta, tenho problemas de colesterol, tenho problemas de
articulações (EM1).
Ultimamente é que apareceu-me diabetes, osteoporose, depois também um problema de
hepatite B e tive um problema pulmonar e assim mais nada assim de grave (EH2).
Também estive internado no hospital com hepatite, aí já sabia que tinha o HIV, já sabia
(EH5).
Depois apanhei uma tuberculose, pois é sempre isso que a gente apanha (EM6).
Tenho às vezes as tensões altas. Também tenho colesterol (EH7).
Tenho, bem, colesterol, as tensões altas e tenho osteoporose bastante adiantada (EM7).
A diabetes também só foi detectada aos 50 anos, porque o meu pai era diabético e
também tomava insulina e portanto foi uma coisa hereditária que já vinha dos avós
(EH8).
Nas experiências de cuidado, as pessoas entrevistadas referiram a existência de um
cuidado multiprofissional. Para além do médico das consultas de infecciosas, com o
qual todas elas continuavam a contactar, houve ainda referência a outros profissionais
de saúde que de alguma maneira contribuíram ou continuavam a contribuir para o
cuidado à saúde destas pessoas. Sete participantes mencionaram ser cuidados por
psicólogas, dois estavam a ser seguidos por psiquiatras, três especificaram que em
determinado momento receberam cuidados de enfermagem e duas pessoas haviam se
beneficiado do apoio social. Nesta equipa multidisciplinar foram ainda referenciados o
oftalmologista e o endocrinologista.
Psicólogo, venho aqui (associação), também, já foram lá a minha casa, uma psicóloga
(EH1).
Eu agora quando comecei a fazer as injecções, era seguida pelo médico e pelos
enfermeiros” (EM1).
Mas o apoio social não me dá, tenho que pôr o resto e o meu filho também me ajuda,
mas nós também não temos muito apoio. Devia nos dar mais (EM6).
As Associações de Apoio na luta e prevenção do VIH/SIDA desempenharam um papel
fundamental e estrutural na vida de várias pessoas deste estudo. As pessoas que
recebiam apoio destas instituições encontravam-se satisfeitas com as ajudas
disponibilizadas, entre as quais salientaram: apoio psicossocial, ajudas financeiras,
73
banco alimentar e maior agilidade para resolução de processos para obtenção de
subsídios. Além destes apoios, as associações se constituíam em espaço para o convívio
e troca de informações.
Aqui da associação tenho recebido também bom apoio, uma boa ajuda porque estou
desempregado. Como é lógico tenho casa, tenho coisas para pagar e estou a receber um
subsídio. Foi através da associação que consegui esse subsídio, felizmente e graças a
Deus (EH2).
A associação tem me dado muito apoio. A única coisa que eu agora tenho é o banco
alimentar. Daqui não tenho mais nada. Também tenho o psicólogo, mas eu não venho
ao psicólogo porque eu, só quando eu estou assim um bocadinho mais em baixo é que
eu venho. Mas agora não me tem acontecido nada disso (EM6).
Em suma, todas as pessoas deste estudo tiveram experiência com os cuidados de saúde.
Essas experiências incluíram a consulta de acompanhamento para avaliação da evolução
da infecção e da doença e o internamento. Os(as) profissionais relacionados à esta
experiência foram: médicos - com especialidade em infecciologia, psiquiatria,
oftalmologia e endocrinologia - psicólogos, enfermeiros, nutricionistas e assistentes
sociais. Os(as) médicos(as) com especialidades em endocrinologia, oftalmologia, bem
como os(as) nutricionistas foram referidos(as) por duas pessoas com diabetes mellitus.
O cuidado de saúde, destacado nos depoimentos de todas as pessoas adultas idosas, foi a
medicação antirretroviral, a qual é fornecida gratuitamente pelo hospital, bem como
outros medicamentos para combate aos efeitos colaterais do tratamento, a doenças
oportunistas e outros problemas de saúde. Para colmatar as dificuldades encontradas,
principalmente de ordem financeira, as pessoas adultas idosas recorriam ao serviço
social, como também às associações de apoio e prevenção do VIH/SIDA.
6.2.3. - Significados de Cuidado à Saúde
Nos discursos dos(as) participantes podemos apreender os significados do cuidado em
saúde, os quais foram agrupados em três dimensões: dimensão cognitiva, dimensão
afectivo/relacional e dimensão técnico/instrumental, apresentadas a seguir.
74
6.2.3.1 - Dimensão cognitiva
A dimensão cognitiva surgiu nos relatos das pessoas participantes articulada às
informações acerca da infecção pelo vírus VIH e da SIDA, da evolução do quadro
clínico e o que fazer para impedir a evolução da doença, o que centrou-se
prioritariamente na medicação. O(a) médico(a) surgiu no depoimento da maioria das
pessoas (n=12, 7 homens e 5 mulheres) como o(a) profissional de destaque no repasse
das informações, como detentor do saber relacionado à doença. Estas informações eram
fornecidas durante as consultas médicas, através de conversas informais. Somente duas
pessoas participantes com problemas de saúde específicos, como diabetes, referiram ter
obtido informação da nutricionista sobre dietas específicas para seus problemas,
conforme exemplificam os depoimentos a seguir:
Agora a nível de informação que eu tenho, que eu estou a responder por mim, é do
doutor X, que é normal porque ele é médico da doença. Agora das outras pessoas não,
não (EM6).
A minha médica explica tudo, nisso ela explica tudo… Ela fala disso tudo, ela não tem
aquele problema de não dizer. Diz tudo o que a gente deve fazer e o que não deve fazer.
Para ter cuidados com certas coisas (EM5).
Eu já tive uma pessoa, uma nutricionista que me deu um catálogo, com o que é que eu
devia mais ou menos comer (EH6).
Não são bem ensinos aparecem as coisas na conversa corriqueira, chamam à atenção a
qualquer coisa, ou eu mesmo interrogo (EH8).
Estas pessoas adultas idosas revelaram uma relação de maior confiança com o(a)
médico(a). As informações recebidas sobre o VIH/SIDA e o tratamento medicamentoso
foram considerados extremamente importantes. Relataram que procuravam seguir as
indicações fornecidas, pois eram constantemente lembrados que esta era a forma de
conseguirem estabilizar a infecção ou a doença.
Porque eu sabia, naquele momento, eu sabia que a SIDA era uma doença incurável! Não
é? Sabia que era incurável! Mas também sabia que… se fosse tratada, que havia uma
possibilidade de… sei lá… estar mais… estar mais parada, a infecção estar mais parada!
E foi o que o Sr. Dr. me disse: “se você quiser andar mais um tempinho aqui, você tem
que tomar isto tudo certinho e não pode… não pode fazer asneiras! Se fizer asneiras, já
sabe… (EH3)
Os cuidados que tenho tido, tenho que levar a medicação sempre certinha, não posso
falhar, porque se falhar a gente no outro dia a gente já é capaz de se ressentir um
bocadinho. O médico também me diz “Senhor X, isto é uma coisa que você não pode
perdoar, é para ser tomado assim, assim!”; “está bem senhor doutor. Lá nisso não falho
(EH7).
75
Não tenho recaídas nem nada, portanto ela estabilizou, e o médico disse: “se você
continuar a tomar certinho, pode viver até muitos anos. Pode até não morrer disto, pode
morrer de outra coisa”, portanto… eu vou seguir, os conselhos deles (EH3).
Relativamente às formas de prevenção da SIDA, apenas quatro homens detinham tais
conhecimentos antes do diagnóstico. Destes, três acabaram por contrair a infecção por
não terem tomado as devidas precauções. Ainda outro mencionou que foi cuidadoso ao
longo dos anos e não compreendia o que poderia ter ocorrido para se contaminar.
Eu aqui há uma meia dúzia de anos atrás, vivi com uma moça lá em Esposende e havia
dúvidas que ela estivesse infectada. Tinha conhecimento que isso existia, que essa
doença existia, agora as implicações que tinha não sabia (EH11).
Eu acho que foi, talvez práticas sexuais sem protecção. Pronto, não sei bem como
aconteceu. É aquela coisa, a gente muitas vezes pensa que acontece só aos outros. Eu
praticamente já tinha um bocado de conhecimento do que era a doença. Pronto, eu fui
sempre uma pessoa que nunca fui vigiado, fui sempre uma pessoa com muita liberdade
e até certo ponto responsável e sabia mais ou menos os problemas que isso tinha (EH3).
E eu a saber que tinha que se usar aquilo, pois já se sabia, porque isso já estava muito
falado. Eu agora só estou a pagar a factura (EH6).
Pronto, porque não esperava ter, porque para além dos cuidados que sempre tive… mas
alguma coisa não correu bem e prontos aconteceu (EH9).
No momento da entrevista, doze participantes (7 homens e 5 mulheres) consideravam-se
bem informadas sobre a doença. Destes, somente dois participantes fizeram questão de
destacar a necessidade de obter mais informação do que aquela fornecida pelo(a)
médica.
Quando das consultas, sempre que tenho alguma dúvida levo sempre… há sempre
aquele entrave entre o doente e a médica! Eu não! Durante o tempo em que não tenho
consulta, sempre que surge alguma dúvida, escrevo sempre as que tenho e nesse dia tiro
todas as dúvidas que tenho (EM1).
Eu estou bem com quem estou a trabalhar […] porque eu gosto de estar consciente do
que estou a fazer. Dizer-me “olha, tomas isto e isto e isto” e mais nada, não. Eu gosto de
saber o que é que tomo e etc, até para me motivar. Sou muito rigoroso não falho, não
deixo de tomar os medicamentos (EH8).
Três pessoas (duas mulheres e um homem) deram ênfase às associações de apoio às
pessoas com VIH/SIDA, como meio de obter informações sobre a doença. Em geral,
todas as pessoas procuravam manter-se actualizadas sobre os progressos relacionados
com a doença e o seu tratamento, através dos meios de comunicação, incluindo internet,
revistas e jornais.
76
Aliás, a própria doença nos obriga a ter essas informações, a pesquisar, ver o que
acontece, o que poderá acontecer e isso temos que estar muito bem informados para não
sermos apanhados de surpresa (EH2).
Quando tenho alguma dúvida, eu pergunto a ela (à médica), ou senão venho aqui
(associação) e tento me informar (EM1).
Agora a nível de informação que eu tenho é do doutor, que é normal porque ele é
médico da doença (EM6).
Duas pessoas que tiveram conhecimento do diagnóstico há mais tempo (1990 e 1998),
relataram que a informação sobre esta síndrome tem evoluído ao longo dos anos. No seu
entender, nos anos de 1990, os profissionais de saúde ainda não estavam muito bem
informados sobre a doença, o que se reflectia na informação que disponibilizavam e nos
cuidados que dispensavam.
Eu, no início, fui informado pelo médico assistente, na altura tinha dois médicos. Eles
informaram-me, mas eles também não tinham muita informação para poderem passar às
pessoas (EH2).
As enfermeiras sabiam o que eu tinha. Eu não ia dizer às enfermeiras que era
seropositiva, porque elas sabiam. Pelos comprimidos, elas sabiam o que é que eu tinha.
Elas eram mal formadas, neste sentido. Agora, já não estou no hospital há onze anos,
não sei, mas acho que elas não, não tinham formação, informação (EM6).
As pessoas adultas idosas reconheceram que a divulgação da informação sobre o
VIH/SIDA avançou nestes últimos anos. Estas alterações eram percebidas tanto a nível
da quantidade como da qualidade da informação divulgada, como podemos constatar
nos seguintes depoimentos:
É porque, para já, foi há 20 anos e a informação não… Acho na minha maneira de ser
que não era dada a informação correctamente. Porque quando mostravam que havia
SIDA aparecia sempre uma pessoa já numa fase terminal. Hoje eu penso que poderiam
pôr e já põem aliás, as pessoas ditas normais, sem qualquer doença aparente a dizer que
são seropositivas ou que poderão ser seropositivas, isso, isso é bom (EH2).
A divulgação do conhecimento foi referida como importante na prevenção da síndrome.
Uma das pessoas entrevistadas admitiu que se tivesse conhecimento sobre a doença e a
necessidade de utilizar preservativo, provavelmente não teria sido infectada, teria
tomado as medidas necessárias. Afirmou que uma das razões para o aumento do número
de casos de SIDA decorria da falta de informação.
77
Não, eu não sinto porque agora já sei tudo. Porque, por exemplo, se fosse antes, se eu
tivesse informação antes de apanhar a doença eu não apanhava, porque eu tinha que pôr
preservativos (EM6).
Eu acho que ainda há pouca informação, falam muito pouco na televisão. Podem falar
todos os dias na televisão o que é a SIDA e não falam nada disto. Podem falar muito do
cancro, disto ou daquilo, mas agora nos seropositivos, não informam nada. Eu vejo
todos os dias televisão e vejo que a única coisa que é, é só no dia da SIDA e pronto.
Antes faziam aquelas manifestações, a que eu nunca fui. Mas depois acabou […]. Há
muito pouca informação, por isso é que cada vez há mais. Porquê? Porque não há
informação nenhuma, temos que ver que não há informação nenhuma (EM6).
No entanto, as opiniões não foram unânimes, na medida em que outros entendiam que
as informações eram suficientes, mas as pessoas é que não procuravam manter-se
informadas, conforme exemplifica o depoimento abaixo.
Mas acho que as pessoas passam ainda um bocadinho ao lado da informação que lhes é
dada, o que é mau, porque há tanta informação por aí, quer nos jornais, nas revistas, nas
televisões, enfim, nos rádios. O meio de comunicação é muito grande e o VIH está
muito divulgado, só que as pessoas passam ao lado, não querem saber. Perdem mais
tempo a ver uma telenovela do que a ver um anúncio de VIH e a saber como é que se
transmite (EH2).
Em suma, a quase totalidade das pessoas participantes afirmaram estar informados sobre
a prevenção da infecção, a evolução da doença e o tratamento. As fontes de informação
foram profissionais de saúde (médicos(as) e nutricionistas), as associações de apoio às
pessoas com VIH/SIDA e outros meios de comunicação (internet, revistas e jornais).
As pessoas adultas idosas também reconheceram os avanços no conhecimento sobre o
VIH/SIDA nos últimos anos.
6.2.3.2 - Dimensão Afectivo – Relacional
Esta dimensão do cuidado foi referida pela quase totalidade das pessoas entrevistadas
(n=16, 9 homens e 7 mulheres). Os aspectos mais valorizados nesta dimensão foram:
demonstração de afectividade, atenção, relação de respeito, confiança, proximidade,
presteza no atendimento e comunicação através do diálogo franco e escuta activa. Nesta
dimensão, os(as) profissionais de saúde mencionados foram, médicos(as) (n=9),
enfermeiros(as) (n=7) e psicólogas (n=3). Uma minoria de participantes referiu-se à
equipa de um modo geral.
78
A demonstração de afectividade emergiu como uma forma de sensibilidade expressa no
calor humano e presente nos menores gestos. A afectividade destacou-se também na
amabilidade, nos mimos, no sentir-se acarinhada, em ser cumprimentada com um beijo.
Esta forma de expressão foi muito valorizada pelas pessoas participantes,
principalmente por saberem ser a SIDA uma doença que desencadeia muitas atitudes
discriminatórias por parte da sociedade.
Por isso para mim é muito bom. Mais uma vez, Bravo! Pelo calor humano que eu tenho
e pelo sentimento com que eu tenho com os médicos e com a equipa que me serve! […]
Não estava tão bem! Era essa a razão porque eu acho que fui muito bem tratada, porque
eu não vi mais ninguém a ter os miminhos e os carinhos que tive… do pessoal auxiliar,
dos enfermeiros…” (EM1).
A experiência de estar internado não é fácil seja ela por VIH, seja ela por qual doença
for, não é? Estar internado é bocadinho de desespero para qualquer doente, mas de
qualquer forma fui muito bem atendido, fui muito bem acarinhado (EH2).
As médicas também, ela então eu gosto muito dela, sempre me cumprimenta com o
beijo (EM5).
A atenção foi outra forma de expressão mencionada pelas pessoas adultas idosas.
Revelou-se nas atitudes de consideração dos(as) profissionais, no acto de reconhecê-las
e tratá-las pelo nome, de recebê-las bem e com alegria. A atenção também esteve
relacionada ao atendimento das necessidades específicas de algumas pessoas adultas
idosas, conforme exemplificado a seguir:
Eu entrei, a enfermeira conheceu-me, “senhor Y pode entrar” e eu disse: vou falar com
a minha médica. Então siga. Portanto estou bem acompanhado, graças a Deus estou
bem acompanhado (EH1).
Na Vila da Feira até quando me vê ela faz-me uma festa quando… e a Sra. Dra. quando
eu venho aqui também faz muita festa (EM2).
Tem sido bom! Tem sido bom, tenho… desde que vim para aqui, a atenção é… é total!
Venho aqui às consultas, sou atendido, não há problemas… tenho o apoio também das
ambulâncias que o médico passa-me a… para vir para aqui às consultas e passa-me os
medicamentos, para dois meses ou três, para eu não ter que vir para aqui (EH3).
Eu também venho aqui logo à tarde à farmácia para levantar os medicamentos e já
aconteceu, foi neste último levantamento por um motivo de trânsito, atrasei-me e não
consegui levantar. Liguei para eles e ficámos, pronto, que quando fosse assim para ter o
cuidado de telefonar, que me deixavam a medicação na portaria e levantava, não tinha
qualquer problema. Acho que as pessoas aí demonstram a sua atenção, não tenho nada
que dizer (EH9).
Outros aspectos da dimensão afectivo-relacional referiram-se ao respeito, à confiança e
à proximidade, que se estabeleceram nas relações entre profissionais de saúde e
79
participantes, ao longo dos anos. Ser atendido com “bons modos”, ser “bem tratado”,
“bem cuidado”, foram algumas das formas de expressar respeito para com as pessoas
deste estudo. A confiança esteve intimamente vinculada ao respeito. Deste modo, não se
pode confiar em quem não demonstra respeito para com o outro. Todos estes aspectos
construíram-se na proximidade dos encontros. No entanto, a proximidade não resultou
exclusivamente de se estar próximo fisicamente, mas sim da construção de uma relação
horizontal, em que se sabe que não será discriminado, rejeitado pelo que se tem, mas
respeitado pelo que se é, como ser humano, conforme depoimentos abaixo.
Fui muito bem tratada, aliás a equipa que me segue é uma equipa muito boa, e além de
ter muita confiança (EM1).
Fico satisfeita. De ela falar com bons modos. Ela é de muito bons modos (EM2).
Não, nunca tive problemas nenhuns! Mesmo quando me deu o AVC fui atendido muito
bem… e talvez isso até me tenha curado melhor (EH3).
Há não, aqui elas tratam-me muito bem, também já são dez anos. Eu vou ao hospital,
elas tratam-me muito bem, elas falam-me muito bem (EM6).
Quando vou às enfermeiras é a mesma coisa que estar a falar consigo (EH10).
Todos estes aspectos mencionados somaram-se à presteza no atendimento. Saber que a
qualquer problema e a qualquer momento pode-se contar com a ajuda necessária foi
considerado fundamental para o estabelecimento de uma relação de confiança. Ter um
profissional de saúde, no caso o(a) médico(a), que conhece o diagnóstico das pessoas
participantes e que está sempre pronto(a) a socorrê-las nos momentos de incerteza
constituiu-se em factor gerador de segurança e bem-estar. Na situação específica destas
pessoa, a presteza no atendimento foi muito valorizada, dada a necessidade do sigilo e
de não sentirem seguros em ter de recorrer e compartilhar com o médico de família seu
diagnóstico.
Não peço nada, não exijo nada dos médicos, porque qualquer problema que eu tenha
sou logo socorrido, sou logo encaminhado, sou logo atendido. […] O que é bom para
mim, que sei que se tiver algum problema vêm logo me socorrer, se isso não fosse era
bem capaz de, de psicologicamente me afectar (EH2).
Fui muito bem tratado mesmo. Os medicamentos eram dadas a horas, a roupa de cama
mudada diariamente, sempre que precisava tocar a campainha vinham-me atender. Eu
acho que isso é fundamental (E4H).
A minha médica também se eu tiver um problema qualquer e eu lhe telefone também,
ela manda-me logo ir lá (EM5).
Eu chego aqui e isto é rápido, é meia bola e força. Não demora muito (EH11).
80
A importância da comunicação na relação entre profissionais de saúde e participantes
surgiu também nos discursos das pessoas entrevistadas. A comunicação fez uma grande
diferença nesta relação e implicou em abertura para se poder falar sobre os problemas
vividos. Considerando o sigilo que mantinham em relação ao diagnóstico, os(as)
profissionais de saúde compunham o reduzido número de pessoas com quem
compartilhavam seus problemas. Dentre estes profissionais de saúde com quem
mantinham uma boa comunicação, destacaram-se médicos(as), psicólogos(as) e
enfermeiros(as).
Sou seguida por um psicólogo e por psiquiatra… Uma psiquiatra no hospital, e uma
psicóloga aqui, na associação. Mas, pronto, eu descarrego tudo o que tenho a dizer,
aqui… Aqui é só mesmo para falar, para me ouvirem (EM1).
Aliás, eles tiveram o cuidado de verem o que realmente se estava a passar comigo. Fui
bem tratado, fui… Não direi medicado porque não foi preciso medicação, mas, pelo
menos, fui bem ouvido e isso foi muito bom para mim (EH2).
Tudo o que eu preciso, eles ouvem-me... tudo o que eu preciso dizer eles ouvem (EM7).
Na comunicação, o diálogo franco e a escuta activa foram aspectos fundamentais. O
diálogo franco com o(a) médico sobre seus problemas de saúde, suas dúvidas e
tratamento foi tido como factor importante para suas recuperações. Deste modo,
revelaram uma relação de confiança estabelecida principalmente com o(a) médico(a),
em que podem ser francos, sem medo de julgamentos. No diálogo franco, a escuta
activa foi mencionada como demonstração de interesse e preocupação pelos
participantes. O diálogo e a escuta requeriam disponibilidade por parte dos(as)
profissionais de saúde, a qual nem sempre era possível dada a agenda lotada,
exemplificados abaixo:
Dou-me muito bem com a minha médica… não lhe escondo nada porque isso também
pode ser prejudicial para mim (EM1).
Basta-me esta médica que tenho aqui, com quem me dou muito bem. Ela até gosta de
conversar comigo, não tem tempo, porque tem muita gente para receber (EH3).
Eu tenho relação com esta médica já há vários anos. A senhora doutora, aqui fomos
criando uma relação, aquilo já não é consulta. Isto aqui já não é consulta (EH8).
A relação estabelecida com os profissionais de saúde, ao longo dos anos, foi vista por
dois entrevistados como familiar, em que os laços de amizade estabelecidos permitiam
81
um diálogo que extrapolava os aspectos técnicos da doença, para incluir questões de
suas vidas que as atormentavam.
Ganhei laços de amizade com enfermeiras… Tenho uma relação muito boa com a
minha médica, que me assiste… Eu acho que eles fizeram o melhor que puderam
(EM1).
Aqui é do tipo mais familiar, lá não. Aqui permitem-nos, aqui eu entro e podemos
conversar sobre tudo, menos disto, porque isto está tudo bem. Senão qualquer dia chego
aqui, e se tiver que ser de outro modo, está tudo bem? Mais seis meses, voltas cá. Nós
conversamos sempre um bocadinho, falo sempre do meu grande problema que me
atormenta, que não é isto, não é o HIV que me atormenta (EH8).
Todas as pessoas adultas idosas foram unânimes em afirmar que estabeleciam relações
afectivo-relacionais de boa qualidade com os(as) profissionais de saúde, que atendiam
no serviço de infectologia. Contudo, para três destas pessoas, o mesmo não acontecia
com o atendimento em outros serviços, onde referiram ser mal tratados e não
conseguirem estabelecer nenhum tipo de relação com o(a) médico(a). Relacionaram esta
dificuldade à falta de sensibilidade e de respeito por parte deste(a) profissional, bem
como á doença.
No hospital, sabe que no hospital, eu fui muito mal tratada no hospital. Porque isto
ainda é uma doença que não está para a sociedade (EM6).
Lá são, não estão para perder tempo, não vejo sensibilidade da parte da médica que
trabalha comigo, da endocrinologista. O oftalmologista é a mesma coisa, não
conseguimos criar nenhum tipo de relação, não é? (E8H).
O médico de família já me atendeu mal, desde que eu vim para aqui, já não vou lá
desde… desde 2005 […].O médico nem entrava no consultório, ficava à porta. Ficava
ali à porta a falar para a gente (EH10).
Em suma, os diferentes aspectos da dimensão afectivo-relacional foram mencionados
por todas as pessoas participantes e estiveram intimamente interligados. Esta dimensão
foi considerada de ajuda na recuperação e bem-estar dos(as) depoentes. Como na
dimensão cognitiva, o profissional de destaque nos depoimentos das pessoas
participantes foi o(a) médico(a). Contudo, na dimensão afectivo-relacional, o(a)
enfermeiro(a) e a psicóloga(o) emergiram com maior frequência no depoimento das
pessoas deste estudo, quando comparada com a dimensão cognitiva.
82
6.2.3.3 - Dimensão Técnico-Instrumental
Nos discursos das pessoas entrevistadas, a dimensão técnica do cuidado esteve presente
tanto nas consultas de ambulatório como no internamento. Todas as pessoas deste
estudo eram seguidas em consultas médicas, no ambulatório. Contudo, somente
algumas delas haviam experienciado o internamento.
Em relação ao cuidado médico, foi notória a ênfase nas análises sanguíneas e outros
meios complementares de diagnóstico, a partir dos quais decorriam as acções médicas.
Desta forma, durante as consultas médicas, estas acções resultavam no exame clínico e
na observação das análises. Entre as acções mais evidenciadas pelas pessoas
participantes no exame clínico, destacaram-se a avaliação da tensão arterial e do peso,
assim como a palpação.
Vê-me as tensões e diz-me que estou muito bem (…) Pesa, vê as tensões e diz-me que
eu estou boa (EM2).
Examina-me (o médico), vê o que eu tenho e o que não tenho e receita-me a medicação
que tem que me receitar (EH5).
Ela me vê toda. Apalpa-me a garganta, debaixo dos braços, a barriga, vê-me toda.
Sempre que eu lá vou ela me vê (EM5).
No depoimento das pessoas adultas idosas constatámos uma preocupação acentuada
com as análises sanguíneas, as quais eram realizadas algum tempo antes das consultas,
para nortearem as prescrições médicas. Assim, com base nos resultados das análises
o(a) médico(a) determinava o estado de saúde e a evolução da doença, bem como a
necessidade de alterar ou não a medicação prescrita.
A médica agora, com o relatório que lá tenho, pede as análises, vê como é que está,
torna a passar outras, pede novas análises e é isto (EH7)
A médica vê-me as análises, se estão bem. Estando as análises bem, eu estou bem.
Depois vê qual é a medicação (EH4).
Agora estou à espera da consulta, (…) que é para ver se ele me muda a medicação.
Porque eu tenho que mudar a medicação, ou põe-me mais dois comprimidos até as
minhas… até levantar não é, porque eu estou com cento e tal e menos que duzentos e tal
não é o suficiente e agora estou à espera de ir a nova consulta porque ele vai-me ver as
análises não é (EM6).
Outros meios complementares de diagnóstico foram ressaltados diante da necessidade
de avaliar a existência de complicações ou a aparecimento de outras doenças.
83
Esse médico não… fizeram as análises, fizeram tudo. Tiraram chapas, mais chapas,
chapas, mais chapas e não sabiam o que é que eu tinha…Só souberam quando fizeram a
biópsia (EH10)
Ainda hoje fui tirar um electroencefalograma, que tenho aqui o cartão, está aqui, que é
para a médica de família saber se tenho algum problema relacionado, ou se é algum
problema que eu tenha, tirando a SIDA (EH4).
Na dimensão técnico-instrumental, os(as) enfermeiros(as) foram referenciados(as) na
execução de pensos, aferição do peso, na colheita de sangue para análises e também
quando surgia a necessidade de efectuar ensinos sobre a administração de medicação
por via subcutânea no domicilio.
A enfermeira é só para me pesar, antes era só pesada pela enfermeira, medir a tensão,
mas agora é a médica que faz isso (EM5).
A nível de enfermagem neste processo, aqui limitamo-nos a vir por causa do sangue e
mais nada (EH8).
Eu agora quando comecei a fazer as injecções, era seguida pelo médico e pelos
enfermeiros, porque eu tinha de ver como é que eles faziam para eu depois em casa
começar a fazer, assim como eu estou a fazer agora (EM1).
No internamento esta dimensão surgiu associada a intervenções que eram desenvolvidas
pelos(as) profissionais para dar respostas às necessidades que os(as) participantes não
conseguiam satisfazer. A administração da medicação com vista à cura da doença e ao
restabelecimento do estado de saúde também foi ressaltada.
Os medicamentos eram dadas a horas, a roupa de cama mudada diariamente, sempre
que precisava tocar a campainha vinham-me atender (EH4H.
Nos primeiros tempos eu tive muitas febres, eles vinham, davam-me banho, davam-me
de comer, não tinha forças, davam-me de comer (EH2).
Em suma, na dimensão técnico-instrumental, médico(a) e enfermeiro(a) foram os únicos
profissionais de saúde mencionados. Na parte médica, o destaque foi para as consultas
de ambulatório, com foco nos meios complementares de diagnóstico e nos
procedimentos do exame clínico. Relativamente à enfermagem, os procedimentos
técnicos foram mais destacados no internamento e centraram-se na execução de pensos,
colheita de sangue, aferição do peso e administração de medicamentos.
84
7 – AS VIVÊNCIAS DE CUIDADO À SAÚDE DE PESSOAS ADULTA IDOSAS
COM VIH/SIDA EM DISCUSSÃO
Seguindo a mesma dinâmica da apresentação dos resultados, neste capítulo procedemos
à sua discussão tendo por base as categorias do estudo. Deste modo, articulamos, a
seguir, os aspectos de destaque dos resultados relativos a cada categoria com o quadro
teórico-conceptual e empírico do estudo.
7.1 - O DIAGNÓSTICO DE VIH/SIDA: REALIDADE DIFICIL DE SER VIVIDA
A infecção por VIH é caracterizada pela ausência de sinais ou sintomas clínicos, durante
um período mais ou menos longo, após a contaminação. Esta característica faz com que
o diagnóstico ocorra numa fase mais tardia, quando, muitas vezes, a doença já se
instalou. Este período que decorre entre a infecção pelo VIH e a situação passível de
diagnóstico de SIDA pode ascender a dez anos88
. Como o teste de diagnóstico não pode
ser realizado sem o consentimento da própria pessoa e como muitas vezes os(as)
profissionais de saúde não sugerem a sua realização, as pessoas podem estar infectadas
e transmitir a infecção sem que disso tenham consciência. Neste estudo, somente duas
pessoas fizeram o teste com o intuito de evitar a transmissão da infecção. A grande
maioria fê-lo por aconselhamento médico, em presença de uma situação de doença, o
que também se verificou em outros estudos da literatura22,81
. Como justificação, os
autores destes estudos apontam a falta de experiência e/ou capacitação em VIH/SIDA e
a uma deficiente consciencialização sobre o risco de infecção, tanto dos(as)
profissionais de saúde como das pessoas infectadas ou acometidas pela doença. Esta
falta de consciencialização pode ser responsável pela demora de utentes em procurarem
os cuidados de saúde e de médicos(as) em estabelecerem um diagnóstico em tempo
oportuno81
.
Apesar da implementação dos Centro de Aconselhamento e Detecção Precoce com
início em 2001, que visava proporcionar o acesso à informação e ao teste voluntário
gratuito e confidencial, as pessoas continuam a não realizar o teste de rastreio. O
estigma que rodeia esta condição é provavelmente umas das razões que levam as
pessoas a não realizarem o teste. A realização do teste em maior escala só será possível
85
quando as pessoas estiverem informadas sobre a doença e sobre a importância do
diagnóstico, e quando as pessoas infectadas não forem sujeitas a discriminação89
. Como
o diagnóstico e o tratamento precoce se revestem de extrema importância e representam
um benefício em saúde pública, mais esforços deveriam ser levados a cabo, no sentido
de criar uma consciencialização social para a importância deste teste.
A principal via de transmissão da infecção das pessoas participantes esteve de acordo
com os dados encontrados pelo Centro de Vigilância Epidemiológica de Doenças
Transmissíveis14
, que numa perspectiva evolutiva indica como principal via de
transmissão, a via sexual heterossexual. A escassez de campanhas de prevenção
dirigidas à população adulta idosa, a sua maior actividade sexual21
e o preconceito em
relação ao uso do preservativo podem justificar o aumento de novos casos de VIH nas
pessoas com mais de 50 anos22
. O uso do preservativo parece continuar a não fazer parte
da sexualidade destes casais. Perante o diagnóstico de seropositividade torna-se difícil
explicar a necessidade da sua utilização, essencialmente quando não se compartilha o
diagnóstico com o parceiro sexual95
. Neste estudo, foi possível observar que das sete
participantes, cinco foram infectadas pelos maridos ou companheiros. Esta situação
pode ser justificada pela impossibilidade de engravidar, pela aceitação da infidelidade e
pelo menor poder de negociação feminino na relação, o que condiciona o uso do
preservativo23,24
. Também a dependência económica e a falta de informação sobre a
doença restringem a possibilidade das mulheres casadas negociarem o uso do
preservativo com os companheiros25
. Outro factor indicado para o não uso do
preservativo é o facto de ser percebido como obstáculo para a intimidade do casal,
interferindo no prazer e na satisfação sexual95
.
Segundo dados do CVEDT, de 2009, os casos de transmissão devidos à utilização de
drogas injectáveis manifestam uma tendência decrescente, o que também é observado
neste estudo. Apenas um dos participantes referiu ter sido infectado por esta via. Neste
contexto, é de salientar o Programa Nacional de Trocas de Seringas, com início em
1993, que terá contribuído para minimizar a transmissão da infecção por esta via.
Tratando-se de uma doença incurável, marcadamente estigmatizante, o conhecimento
do diagnóstico alterou o sentido de vida destas pessoas no que se relacionava com os
seus objectivos, expectativas e relacionamentos. O diagnóstico de VIH teve um impacto
considerável sobre a saúde psicológica e emocional. Como observámos neste estudo, o
86
diagnóstico de VIH acarretou consigo um stresse psicossocial, que passou por
sentimentos de choque27
, tristeza90
, culpa29
e ainda de vergonha19
e surpresa. Muitas
vezes os(as) participantes associavam estas reacções à falta de informação, a
experiências negativas relacionadas com a SIDA e ao facto de se tratar de uma doença
incurável, o que foi apoiado pela literatura28
. As reacções ao diagnóstico foram também
condicionadas, por se tratar de uma doença cheia de preconceitos, que carrega ainda o
estigma dos grupos de risco82
.
Neste estudo, verificámos que apesar das pessoas adultas idosas terem conhecimento do
diagnóstico, demonstraram alguma relutância em mencionarem expressamente o nome
da doença. Este facto poderá revelar que estas pessoas não sentiam o estigma vindo de
outras pessoas, mas também delas mesmas90
, reflectido na vergonha em encarar a
doença de que sofriam. A perspectiva de rejeição e o sigilo devido ao estigma levaram a
que o diagnóstico só fosse compartilhado com pessoas de confiança32
. Na sua maioria,
as pessoas participantes só confidenciaram o diagnóstico a selectos membros da família
e raramente a pessoa do círculo de amizades, o que também foi observado num dos
estudos31
. Entre as pessoas escolhidas pelas mulheres participantes para confidenciarem
o diagnóstico encontravam-se os filhos e algumas noras e pelos homens foram
essencialmente as irmãs. Em comum para os dois sexos, manteve-se o facto das pessoas
eleitas pelas pessoas adultas idosas serem seleccionadas em função da relação de
proximidade, afectividade e confiança, o que vai ao encontro de alguns estudos31,90,22
. A
restrição do número de pessoas a quem confidenciavam o diagnóstico, pode justificar-se
pelo receio de virem a ser vítimas de estigma e discriminação22
.
Neste estudo observámos que as pessoas participantes, para manterem a sua rede social,
optaram por não revelar o seu diagnóstico. O sigilo com o diagnóstico levou a que estas
pessoas, nas suas relações, se vissem constantemente confrontadas com a mentira33
e
vivessem uma vida de meias verdades, evitamentos e disfarces31
. Apesar de terem
mantido a rede social ou de apoio, estas pessoas se viam sozinhas na medida em que
esta rede, ao desconhecer o seu diagnóstico e as problemáticas vivenciadas, não as
podiam apoiar efectivamente38
. De acordo com a literatura, o apoio social tem uma
acção positiva na qualidade de vida das pessoas infectadas e com SIDA37
. Neste
sentido, é fundamental que os profissionais de saúde, nas suas intervenções, ajudem
87
estas pessoas a ampliar a rede de apoio social, com vista a uma melhor adaptação ao
processo de doença91
.
7.2 – VIVÊNCIAS DE CUIDADO À SAÚDE
Neste estudo foi interessante observar que a distinção entre “ser tratado” e “ser cuidado”
não estava clara para as pessoas adultas idosas. Os termos surgiram associados, sem que
se fizesse qualquer distinção. Este aspecto é compreensível, uma vez que, apesar da
discussão sobre este conceito e sobre os novos paradigmas do cuidar já decorrer há
muitos anos na área da saúde, com destaque para a Enfermagem, na prática, poucas
alterações se têm verificado65
. Por outro lado, dada a multidimensionalidade e
complexidade do conceito de cuidar/cuidado, torna-se desafiador, mesmo nos dias de
hoje, a sua compreensão e desenvolvimento na prática, mesmo para os(as) profissionais
de saúde.
De acordo com o preconizado por alguns autores79
, um problema de saúde com a
complexidade da SIDA exige um acompanhamento multidisciplinar, interdisciplinar ou
transdisciplinar. Nas vozes das pessoas participantes, o cuidado à saúde revestiu-se de
um carácter multiprofissional. Conviviam com uma diversidade de intervenções
realizadas por profissionais de saúde de diferentes áreas, mas que actuavam e tomavam
decisões de forma isolada, em função da sua perspectiva pessoal e dos conhecimentos
que possuíam62
. À semelhança dos resultados encontrados na literatura77
, não há relatos
que sustentassem a ideia de que estes(as) profissionais mantivessem alguma
colaboração entre si. A relação estabelecida entre eles(as) visava essencialmente o
encaminhamento das pessoas participantes, quando se deparavam com situações que
não conseguiam resolver ou quando as intervenções necessárias saiam do seu campo de
actuação. No cuidado dispensado a estas pessoas predominou a visão mecanicista e
reducionista do paradigma cartesiano, que mantém a fragmentação e a divisão do
saber65
.
No contexto geral, as pessoas adultas idosas manifestaram satisfação com o cuidado à
saúde. Afirmaram ter sido bem tratadas/cuidadas pelos(as) profissionais de saúde.
Verificámos que o cuidado no serviço de doenças infecciosas foi considerado um
cuidado mais “familiar”, menos impessoal que o cuidado dispensado noutros serviços
88
de saúde. Esta discrepância na forma de cuidar pode ser justificada pela falta de
formação dos(as) profissionais, que, ao não exercerem a profissão nos centros
especializados, se sintam inseguros(as) e pareçam extremamente cautelosos(as), o que
condiciona o relacionamento entre profissional e utente75,76
.
Na fase inicial da epidemia, devido ao medo do desconhecido e do contágio, o cuidado
assumiu um carácter muitas vezes impessoal. Este cuidado foi retratado por uma das
participantes ao referir que há dez anos atrás, quando esteve internada, foi muito mal
tratada. A justificação que foi dada por esta mulher confirma a ideia de alguns autores76
em que a falta de informação/formação dos(as) profissionais sobre a SIDA estaria na
base deste não cuidado. Também num outro estudo93
se verificou que a falta de
conhecimento sobre o VIH/SIDA e a falta de treino contribuíam para atitudes menos
empáticas para com as pessoas infectadas e com SIDA. No momento da entrevista, a
participante referiu que era bem “tratada” e que os(as) profissionais de saúde, apesar de
terem conhecimento do seu diagnóstico de SIDA, eram mais atenciosos nas suas
relações de cuidado. Nos dias de hoje, apesar de ainda estar patente na relação de
cuidado a ansiedade e o medo de contágio, observamos uma mudança importante
dos(as) profissionais de saúde em relação ao preconceito e ao estigma76
. Os temores
dos(as) profissionais de saúde, no início da epidemia, parecem ter-se abrandado pela
informação, pelo convívio e pelos avanços do tratamento da doença82
.
Considerando ser uma doença para a qual não existe cura, o tratamento visa
essencialmente prolongar a sobrevivência e melhorar a qualidade de vida das pessoas
com VIH/SIDA, através da redução da carga viral e da reconstituição do sistema
imunitário. As experiências de cuidado à saúde das pessoas adultas idosas seguiram
estas premissas. Na maioria das vezes, resumiram-se no acompanhamento do seu estado
clínico, através de consultas de ambulatório, na especialidade de infecciologia. A
periodicidade das consultas resultou da evolução clínica das pessoas adultas idosas e foi
estabelecida em função de dois indicadores biológicos: o número de células CD4 e a
carga viral do VIH. Todas as intervenções eram baseadas nos indicadores biológicos,
através dos quais o(a) médico(a) avaliava a adesão terapêutica, a eficácia do tratamento
e determinava as intervenções apropriadas77
. Como podemos verificar, para algumas
pessoas deste estudo, a evolução clínica da doença tinha por base estes indicadores, que
acabavam por predizer o agravamento da doença e a eficácia do tratamento77
.
89
Os internamentos só se verificavam no caso de agravamento do estado de saúde. O
diagnóstico de SIDA por si só não justifica o internamento, este só deve ocorrer quando
o tratamento em ambulatório não seja possível. Do total, 50% das pessoas participantes
não referiram qualquer internamento após o diagnóstico de VIH. Este facto pode ser
justificado com a introdução da terapêutica HAART, que ao retardar o aparecimento das
doenças oportunistas, contribuiu também para reduzir o número de internamentos26
.
O uso da HAART diminuiu a carga medicamentosa destes(as) utentes, que referiram
com satisfação o facto de já não terem que ingerir 15, 18 ou mesmo 20 comprimidos
diariamente. Na opinião de alguns autores5, é raro as pessoas submetidas a tratamentos
com antirretrovirais não apresentarem efeitos secundários. Neste estudo, os efeitos
secundários referidos pelas pessoas participantes (distúrbios gastrointestinais, cefaleias,
complicações cardiovasculares, diabetes e lipodistrofia) foram descritos na literatura5.
Para os autores citados anteriormente, este é um dos motivos da não adesão ao regime
terapêutico. Não foi referida, neste estudo, a falta de adesão ao tratamento em
decorrência dos efeitos colaterais, embora estes efeitos requeressem a ingestão de novos
medicamentos. Esta situação foi tida como um inconveniente, pelas pessoas
participantes, por não serem estes fármacos comparticipados a 100%, o que se tornava
um encargo financeiro difícil de ser suportado, dados os baixos rendimentos que
usufruíam. Para algumas das pessoas participantes era imprescindível recorrer a
associações de apoio às pessoas com VIH/SIDA e ao apoio da acção social, para
conseguirem fazer face às exigências do problema de saúde.
As associações de apoio às pessoas afectadas pelo VIH/SIDA surgiram neste estudo
como parte da rede social das pessoas adultas idosas. Os apoios mais referenciados
foram relativos às questões financeiras e psicossociais. Todas as pessoas atendidas por
estas associações referiram ser este apoio uma mais-valia e se sentirem satisfeitas com o
bom atendimento. Resultado similar foi encontrado num estudo81
em que se observou,
que as ONGs desempenhavam um papel importante na melhoria da saúde mental e da
qualidade de vida das pessoas atendidas. Neste processo, os(as) profissionais de saúde
podem desempenhar um papel importante, alertando as instituições sociais e
referenciando as pessoas mais susceptíveis e com maiores necessidades.
90
7.3 - SIGNIFICADOS DO CUIDADO EM SAÚDE
Para compreendermos quais os significados do cuidado que as pessoas adultas idosas
mais valorizaram, procedemos à sua análise com base nas três dimensões integrantes:
dimensão cognitiva, dimensão afectivo-relacional e dimensão técnico-instrumental.
A dimensão cognitiva revestiu-se de grande importância no cuidado às pessoas com
VIH/SIDA. Tratando-se de uma doença transmissível, associada a comportamentos de
risco, os conhecimentos que os(as) profissionais de saúde detinham sobre esta temática
foram essenciais. O(a) médico(a) surgiu como detentor(a) do saber, que dava as
orientações sobre o que as pessoas participantes deviam ou não fazer para evitar o
agravamento do seu estado de saúde e evitar a transmissão da infecção. À semelhança
de um estudo77
, temos um cuidado à saúde que se assenta no poder médico, em
decorrência da valorização excessiva dos exames laboratoriais e do tratamento. Nos
depoimentos destacou-se a posição passiva das pessoas participantes no processo de
cuidado a sua saúde. Ao transmitir a informação, o(a) profissional de saúde partia do
princípio que a sua missão havia sido cumprida e que a partir daí os(as) utentes deviam
cumprir o plano terapêutico, uma vez que só assim podiam evitar o agravamento do seu
estado de saúde. Estas pessoas, ao reconhecerem o saber técnico científico do(a)
médico(a), assumiam um papel passivo. Desempenhavam, assim, o papel preconizado
pelo modelo biomédico, em que se esperava que cooperassem com o(a) médico(a) no
processo de cuidado, sem que a sua opinião e intervenção fossem valorizadas81
. Na
opinião de autores81
, o auto-estigma vivenciado pelos(as) utentes, também, poderá ser
impedimento à participação activa no processo de cuidado e à reivindicação dos seus
direitos. A falta de conhecimento sobre os seus direitos pode ser outro motivo para
justificar a passividade dos(as) utentes face ao cuidado dispensado.
Contrariamente ao observado em outros estudos78,81
, as pessoas participantes referiram
possuir as informações necessárias sobre a doença, essencialmente no que se
relacionava com os cuidados a ter para evitar a transmissão e minimizar a sua evolução
(cuidados a ter com a alimentação e com a medicação). Os conhecimentos que possuíam
sobre a infecção do VIH e a SIDA foram transmitidos essencialmente pelo(a)
médico(a), no momento das consultas. De salientar que os(as) enfermeiros(as) que
detêm um papel preponderante na área da educação para a saúde, não foram
91
referenciados pelas pessoas deste estudo. Estes resultados são coincidentes com outro
estudo82
que também revelou que as informações a utentes eram disponibilizadas por
médicos(as), sendo a participação de enfermeiros(as) bastante reduzida, nesta área do
cuidado.
Neste estudo, quando as pessoas participantes necessitavam de recolher informação para
além daquela que lhes era fornecida pelo(a) médico(a), recorriam aos meios de
comunicação (jornais, revistas e internet), os quais nem sempre são fidedignos. Neste
sentido, é crucial que os meios de comunicação ao abordarem esta temática não utilizem
informações ambíguas, mas informações cientificamente verdadeiras89
. As associações
de apoio às pessoas com VIH/SIDA também foram mencionadas como locais onde
podiam obter informações.
Quando nos referimos à SIDA, é evidente que a simples transmissão de conhecimentos,
não é suficiente para evitar a propagação da infecção. Como podemos constatar, o facto
de algumas pessoas possuírem informações sobre a infecção e a doença, não foi
suficiente para evitar que fossem infectadas. A informação é necessária mas não é
suficiente. Há que compreender as razões que levam as pessoas a manter
comportamentos de risco, a não realizarem o teste de diagnóstico, bem como suas
percepções de risco e da estigmatização a que estão sujeitas89
. Podemos ainda verificar
que o número de pessoas, deste estudo, que referiram ter conhecimento da doença antes
do diagnóstico foi bastante reduzido. Estes resultados reflectem um cuidado à saúde que
continua a ter como foco de atenção a doença e em que a prevenção da transmissão do
VIH tende a ser dirigida, essencialmente, às pessoas já infectadas. Sugerem ainda a
necessidade de programas de educação para a saúde, como forma de promoção da saúde
e prevenção da infecção, especificamente direccionadas às pessoas adultas idosas com
VIH/SIDA. Quando falamos em pessoas adultas idosas, há que ter presente que neste
grupo populacional a auto percepção de risco ao VIH está diminuída, assim como a sua
determinação para a realização do teste22
. Os(as) profissionais de saúde
conhecedores(as) desta realidade devem ter abertura suficiente para falarem com estas
pessoas acerca da sua sexualidade e sempre que entendam necessário advogar a
realização do teste. Também não podem esquecer que a receptividade para a sua
realização será maior quando se estabelece um ambiente de confiança, que certifique as
92
pessoas de que após a realização do teste a confidencialidade e o anonimato serão
mantidos94
.
Na nossa perspectiva, o desenvolvimento de programas de educação para a saúde, nos
diferentes settings propostos pelo Plano Nacional de Saúde, é fundamental para conter a
epidemia. Partilhamos da opinião de alguns autores80
quando afirmam que a educação
para a saúde não se pode limitar à transmissão da informação, pois esta, por si só, não
origina mudanças de atitudes e comportamentos. Os(as) profissionais de saúde têm a
responsabilidade de esclarecer, questionar, colocar-se à disposição, para que o(a) utente
possa expressar livremente as suas dúvidas, sentimentos e angústias81
. É fundamental
que as pessoas participem nas discussões e nas tomadas de decisão, aumentando assim a
sua responsabilização. A sensibilização das pessoas passa, ainda, por campanhas de
informação e educação que as encorajem a realizar o teste de forma voluntária e a
abandonar os comportamentos de risco.
Entendemos ser fundamental que os(as) profissionais de saúde se consciencializem que
desempenham um papel preponderante no combate à epidemia, sendo necessário que
reflictam e repensem suas práticas. Acreditamos, ainda, ser fundamental que as
instituições de saúde disponibilizem os recursos necessários para que aos profissionais
seja facultada formação na área do VIH/SIDA, numa tentativa de melhorar a qualidade
do cuidado à saúde dispensado e promover a prevenção da infecção46
.
Ao analisarmos a dimensão cognitiva do cuidado, verificámos que nos relatos das
pessoas participantes sobressaiu a ideia de um cuidado à saúde essencialmente dirigido
à doença e à remissão dos sintomas. No entanto, a dimensão afectivo-relacional do
cuidado foi mais valorizada pelas pessoas participantes deste estudo, quando comparada
com a dimensão cognitiva.
Entre os aspectos mais valorizados na dimensão afectiva-relacional constam: a atenção,
o respeito, o carinho, a disponibilidade para o diálogo e a escuta. Estes aspectos também
estão presentes em outro estudo82
. A necessidade de atenção, manifestada pelas pessoas
participantes, não se resumiu à necessidade de informação sobre a doença e estado de
saúde. À semelhança de um estudo78
, esta necessidade esteve intimamente ligada às
questões do sentir, da aproximação e da afectividade.
93
Na opinião destas pessoas, a comunicação desempenhou um papel importante na sua
recuperação e surgiu como elemento fundamental na relação de confiança que
estabeleciam com o(a) médico(a). Para as pessoas participantes, a relação de confiança
representou a possibilidade de conversar sobre os problemas quotidianos e de
exteriorizar os seus sentimentos, na procura de alívio para a dor e sofrimento
imediatos77
. Outro aspecto do cuidado muito valorizado foi o facto de sentirem-se
respeitadas. O respeito foi manifestado através da escuta e abstenção de julgamentos por
parte dos(as) profissionais. Caminhamos, assim, no sentido de um cuidar ético, que tem
em consideração a pessoa, sem julgá-la, discriminá-la ou estigmatizá-la79
. Com o passar
dos anos, os(as) profissionais de saúde adquiriram outras informações e outras
competências que tornaram possível ver a pessoa com VIH/SIDA como ser humano,
que apesar de se encontrar fragilizada, necessita de respeito e atenção79
.
Ao contrário dos resultados encontrados em um estudo77
, verificámos que apesar das
consultas se centrarem nos resultados laboratoriais da carga vírica e dos níveis de
células CD4, às pessoas era dado espaço para falarem das suas preocupações. Este
aspecto, muito valorizado pelas pessoas participantes, anuncia uma mudança na prática
de cuidado. Os(as) profissionais começam a entender a importância do diálogo, para
uma melhor compreensão das necessidades dos(as) utentes e optimização do cuidado
em saúde66
. Apesar de ter ficado evidente a disponibilidade dos(as) profissionais para o
diálogo franco e escuta activa, também sugiram relatos de que nem sempre os(as)
profissionais dispunham do tempo necessário para ouvir e conversar. Estes resultados
vão ao encontro de outro estudo82
, em que o excesso de trabalho dos(as) profissionais,
também é referido como um entrave à comunicação.
Observamos ainda que certas pessoas adultas idosas diferenciaram a forma como eram
cuidadas nos serviços de infecciologia dos restantes serviços de saúde a que recorriam.
Como referem alguns autores76
, este facto pode ser justificado, uma vez que nestes
serviços os(as) utentes vêem-se confrontados(as) com os mesmos problemas que as
outras pessoas que a eles recorrem, entre os quais um acolhimento insatisfatório e a
dificuldade na marcação de consultas. Na realidade, a presteza no atendimento revelou-
se extremamente importante para a segurança e bem-estar das pessoas deste estudo. O
saberem que em qualquer momento de incerteza ou agravamento do estado clínico
podiam recorrer ao(à) médico(a) que as acompanhavam foi um factor diferenciador
94
importante no atendimento destes serviços. Outra justificação para a diferença no
tratamento é a falta de formação e de conhecimento dos(as) profissionais acerca do
VIH/SIDA75,76
, o que tende a condicionar o relacionamento profissional/utente75
.
A dimensão técnico-instrumental foi a que mais se destacou nas narrativas das pessoas
participantes. Referiu-se às intervenções técnicas realizadas com vista a evitar o
agravamento da situação clínica e o aparecimento de doenças oportunistas. Apesar da
SIDA ser uma doença incurável, o avanço científico e tecnológico tem permitido o
desenvolvimento de terapêuticas e exames complementares de diagnóstico, que
passaram a ser o foco central do cuidado à saúde. A medicina da doença continua bem
presente nas acções de cuidado dos(as) profissionais de saúde64
, em especial do(a)
profissional da Medicina, que, nas narrativas das pessoas adultas idosas, ocupa o centro
do cuidado à saúde.
Neste estudo, as acções médicas foram comuns a todos os depoimentos, uma vez que,
como já referimos anteriormente, o acompanhamento destes(as) utentes em regime de
ambulatório, resume-se a consultas de seguimento. Deste modo, as acções de maior
relevo foram a solicitação de exames laboratoriais e prescrições de medicamentos, a
realização de exame físico e a monitorização do peso e da tensão arterial. A ênfase nos
procedimentos médicos, voltados para o tratamento da doença, também foi relatada na
literatura52
. O grande enfoque desta dimensão foi a medicação antirretroviral, o que
pode ser justificado por se tratar de uma doença, cuja adesão terapêutica é fundamental
para a manutenção da qualidade de vida e para reduzir a morbilidade e a mortalidade
associados à doença.
Além dos(as) médicos(as), somente os(as) enfermeiros(as) foram referenciados nesta
dimensão, no âmbito do ambulatório e do internamento. No ambulatório, estes(as)
profissionais foram responsáveis pela colheita de sangue para análises, execução de
pensos, monitorização de peso e tensão arterial e pelos ensinos sobre intervenções
técnicas, como a administração de medicação por via subcutânea. No entanto, foi no
internamento que estes(as) profissionais mais se destacaram, através da administração
de medicamentos e da satisfação de necessidades dos(as) participantes, como por
exemplo, alimentação e higiene. Estes resultados são apoiados por outro estudo82
.
95
Neste estudo, observámos uma complementaridade nas dimensões técnica e relacional
do cuidado à saúde. Deste modo, este cuidado não se limitou ao saber fazer, foi dada
ênfase ao saber agir profissional73
. Já observámos nas acções técnicas do cuidado uma
diferenciação, pela atenção, respeito e confiança que os(as) profissionais demonstraram
pelas pessoas adultas idosas. No entanto, uma lacuna existente no cuidado à saúde
refere-se à dimensão cognitiva do cuidado. Neste aspecto, os(as) profissionais de saúde
se limitaram exclusivamente a repassar informações. A educação em saúde permanece
como desafio a ser concretizado na prática do cuidado à saúde.
Em jeito de conclusão podemos afirmar que as pessoas participantes se encontravam
satisfeitas com o cuidado à sua saúde. Contudo, presenciamos um cuidado
instrumentalizado, desenvolvido através de intervenções centradas no órgão doente e na
doença, em que as acções de cuidado visam essencialmente a remissão dos sintomas e
da doença. Apesar dos avanços observados neste estudo, o cuidado à saúde continua a
ser determinado pelo modelo biomédico. Neste cuidado, a pessoa não é chamada a
colaborar e a participar nas tomadas de decisões que visam a satisfação das suas
necessidades de saúde. Na relação de cuidado, os(as) profissionais de saúde ainda não
conseguem ver a pessoa cuidada como um ser repleto de saberes e de subjectividades,
que não necessita que “tomem conta” dela, mas sim, que “tomem cuidado” com ela68
.
Neste sentido, as suas qualidades, capacidades e expectativas não são consideradas na
relação de cuidado. Deste modo, os resultados deste estudo apontam para um cuidado à
saúde que está longe do perspectivado para este século, em que agente da oferta e
agente da procura de cuidados estabeleçam relações, nas quais se cruzem saberes,
técnicas e subjectividades52
.
96
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização deste estudo teve como objectivo geral conhecer as vivências de cuidado
formal à saúde de pessoas adultas idosas com VIH/SIDA. Ao optarmos pela história
oral como metodologia de estudo, demos liberdade às pessoas adultas idosas para
falarem livremente sobre as suas vivências de cuidado à saúde após o diagnóstico. No
decorrer das entrevistas, as suas ideias e sentimentos extrapolaram para outros contextos
que nos enriqueceram a compreensão da área temática do estudo. Da análise dos dados
emergiram três categorias: o diagnóstico do VIH/SIDA enquanto realidade difícil de ser
vivida; vivências de cuidado à saúde e significados do cuidado em saúde.
O diagnóstico do VIH/SIDA foi considerado pelas pessoas, deste estudo, como uma
realidade difícil de se traduzir em palavras. Pessoas consideradas saudáveis antes do
diagnóstico, de um momento para o outro viram suas vidas alteradas de forma radical,
no que diz respeito aos objectivos, às expectativas e relacionamentos.
Devido à estigmatização associada à doença, muitas vezes, encontraram-se sozinhas, ou
com apoio social limitado para fazerem face às dificuldades que se apresentavam no
decurso da doença. Estas dificuldades estiveram presentes desde o conhecimento do
diagnóstico. Por tratar-se de uma doença incurável, associada à ideia de morte,
despertou incertezas, inseguranças e receios que não podiam ser partilhados, devido ao
receio de serem rejeitadas. A estes condicionantes acresceu o facto de ser uma doença
que exigia a ingestão diária de medicamentos e uma maior frequência na procura de
cuidados de saúde, nem sempre fáceis de justificar perante as pessoas do círculo
familiar e de amigos. Através dos depoimentos observámos também que, na sua
maioria, os (as) participantes percebiam baixos rendimentos mensais. Esta condição
condicionava a qualidade de vida destas pessoas, que se viam obrigadas a recorrer à
segurança social e às instituições de apoio às pessoas com VIH/SIDA para fazer face às
suas necessidades.
Na prática, o cuidado à saúde é influenciado pelas políticas de saúde existentes. É em
função destas políticas que se estabelecem os objectivos, se planeiam os cuidados de
97
saúde e se realiza a sua avaliação. No que respeita ao VIH/SIDA, no nosso país, as
intervenções foram orientadas pelo Plano Nacional de Luta Contra a SIDA e mais
recentemente pelo Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Infecção VIH/SIDA.
Neste estudo, as vivências de cuidado à saúde das pessoas adultas idosas incluíram as
consultas de acompanhamento para avaliação da situação clínica e o internamento. As
pessoas participantes eram acompanhadas em consultas de infecciologia, cuja
periodicidade era avaliada em função dos indicadores biológicos. Nos depoimentos das
pessoas participantes podemos perceber uma abordagem multiprofissional, em que
os(as) diferentes profissionais eram chamados(as) a colaborar no cuidado à saúde destas
pessoas. Os(as) profissionais referidos(as) nas acções de cuidado à saúde foram
médicos(as) de diferentes especialidades, psicólogos(as) e enfermeiros(as). Geralmente
esta colaboração era agendada quando o(a) médico(a) que acompanhava a pessoa adulta
idosa se deparava com situações que saíam do seu âmbito profissional e, como tal,
encaminhava o(a) utente para as diversas especialidades.
Na generalidade, as pessoas deste estudo mostraram-se satisfeitas com o cuidado de
saúde. Quando manifestaram descontentamento, este estava relacionado com os
serviços de saúde aos quais recorriam esporadicamente e foi explicado pela falta de
tempo e pela falta de formação dos(as) profissionais. Constatámos que o cuidado à
saúde era determinado pelo modelo biomédico, centrado na doença e na remissão dos
sintomas, em que, de acordo com o que é esperado, os(as) utentes assumem um papel de
passividade. No entanto, reconhecemos um avanço no cuidado, uma vez que a dimensão
afectivo-relacional esteve presente.
Ao analisarmos as diferentes dimensões do cuidado concluímos que o profissional de
saúde que mais se evidenciou, em todas as dimensões, foi o(a) médico(a). A dimensão
afectivo-relacional foi aquela em que um maior número de profissionais de saúde foi
referenciado. Os aspectos mais valorizados nesta dimensão foram: a atenção, o respeito,
o carinho, a disponibilidade para o diálogo e a escuta. Na dimensão técnico-instrumental
somente foram mencionados os(as) médicos(as) e os(as) enfermeiros(as).
Comprovámos ainda que os(as) enfermeiros(as) surgem com maior destaque nos
cuidados aos doentes em regime de internamento, sendo que no ambulatório eles(as)
passam muitas vezes despercebidos(as). Mesmo no que diz respeito à transmissão das
informações, constatámos que é sobre o(a) médico(a) que recai esta responsabilidade.
98
Os(as) enfermeiros(as) que, através da educação para a saúde, poderiam ajudar as
pessoas a desenvolver competências com vista à adopção de comportamentos saudáveis
e a evitar comportamentos de risco, não demonstraram uma acção efectiva nas
mudanças necessárias para disponibilizarem um cuidado que vise a promoção da saúde
e a prevenção da infecção.
Cada vez mais é evidente que o cuidado centrado na cura da doença não responde às
necessidades das sociedades actuais. A SIDA é um bom exemplo para esta situação, não
só não tem cura, como sendo uma doença transmissível a sua erradicação depende da
mudança de comportamentos de risco. É indispensável ajudar as pessoas a
reconhecerem que os comportamentos de risco as predispõem ao contágio da infecção.
Muitas vezes, as pessoas negam esta possibilidade, pensam que a infecção é algo que só
acontece aos outros. Entendemos que os(as) profissionais de saúde têm um longo
caminho a percorrer neste sentido. Há que encontrar novas estratégias de actuação que
motivem e mobilizem a população para a promoção da saúde e a prevenção da infecção.
O desenvolvimento de programas de educação para a saúde será talvez uma das
estratégias mais eficazes para a contenção da epidemia, desde que não se limitem à
transmissão da informação. Questões como a sexualidade e a percepção de risco
deverão ser abordadas, para uma melhor consciencialização desta população sobre esta
temática. Por seu lado, os(as) profissionais de saúde necessitam estar sensibilizados(as)
para a manutenção de uma vida sexual activa na população adulta idosa, que também
adopta comportamentos de risco. Neste sentido, pensamos que aos profissionais de
saúde deverá ser facultada formação na área do VIH/SIDA, numa tentativa de melhorar
a qualidade dos cuidados de saúde e de promover a prevenção da infecção.
Como limites do estudo podemos destacar o tamanho e características da amostra.
Embora a amostra tenha sido delimitada pela saturação dos dados, não foi representativa
para os diferentes tipos de contágio e de instituições de saúde. Por exemplo, as vias de
transmissão homossexual e por droga injectável só foram representadas por uma pessoa
em cada categoria. Deste modo, questionamos: Será o cuidado à saúde diferente para
pessoas com outras vias de contaminação? Haverá diferenças no cuidado à saúde para
pessoas adultas idosas, desenvolvido por outras instituições de saúde? O estudo também
contemplou a perspectiva das pessoas adultas idosas com VIH/SIDA. A nossa intenção
inicial era focar o estudo na perspectiva das pessoas idosas (com mais de 65 anos), o
99
que não foi possível, dada a dificuldade em localizar pessoas desta faixa etária. Neste
sentido, nos perguntamos: Quais são as vivências de cuidado à saúde na perspectiva das
pessoas idosas com VIH/SIDA e dos(as) diferentes profissionais de saúde que delas
cuidam?
Temos de ressaltar o desafio enfrentado na execução deste estudo, no sentido de
localizar pessoas com VIH/SIDA. Ficou evidente no estudo o sigilo que estas pessoas
mantêm para continuar sobrevivendo em uma sociedade, na qual o preconceito e a
discriminação são comportamentos frequentes em relação ao VIH/SIDA. Deste modo,
as vias de acesso encontradas para entrevistar estas pessoas foram as associações de
apoio a este grupo social e as instituições de saúde. No entanto, nos deparamos com a
falta de abertura para a investigação por parte de várias instituições de saúde, bem como
a recusa de várias pessoas adultas idosas em participar do estudo, o que dificultou a
recolha dos dados.
Não é nossa intenção neste estudo a generalização dos resultados, já que esta não é um
dos critérios dos estudos qualitativos. Contudo, a realização desta investigação
possibilitou-nos uma maior compreensão do fenómeno em estudo. Identificámos a
carência de estudos nacionais que tratam a temática do VIH/SIDA na faixa etária aqui
estudada. Esperamos, assim, contribuir na construção de um maior conhecimento sobre
o significado do cuidado à saúde para as pessoas infectadas pelo VIH. Estamos cientes
da necessidade de complementar os dados obtidos com futuras investigações, que
permitam aprofundar e explorar esta realidade, para que se possam delinear
intervenções de cuidado que respondam eficazmente às necessidades desta população.
100
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APÊNDICES
APÊNDICE I
ESTUDOS SOBRE O CUIDADO À SAÚDE E PESSOAS COM
VIH/SIDA
Quadro 3 - Estudos sobre o cuidado à saúde e pessoas com VIH/SIDA
Autores,
Ano e
Local
Título Objectivo/
Questão/
Hipótese
Tipo de estudo Amostra Intervenção Conclusões
(1)
Matias e
Sadala
(2000)
Brasil
Os significados
atribuídos ao cuidar
de pacientes com
AIDS
Compreender as visões dos
profissionais de várias
categorias, suas limitações,
seus pensamentos e
sentimentos em relação à
doença e aos doentes.
Qualitativo
Fenomenológico
27
Profissionais
de saúde, de
diversas
categorias.
Entrevista Necessidade de formação dos
profissionais, com vista à aquisição de
conhecimentos e auto consciencialização
sobre os seus comportamentos em relação
à doença e aos doentes.
(2)
Alves;
Padilha e
Mancia
(2004)
Brasil
A equipe de
enfermagem e o
exercício do
cuidado a clientes
portadores de
HIV/AIDS
Identificar o conhecimento da
equipe de enfermagem e de
clientes portadores de
HIV/AIDS internados sobre
AIDS e o cuidar.
Analisar o modo como se
evidenciam as acções de
cuidado e não cuidado a esses
clientes.
Qualitativo
Exploratório
Descritivo
16
Profissionais
(enfermeiros,
técnicos de
enfermagem e
auxiliares de
enfermagem)
15 Clientes
Dois formulários
distintos com
perguntas
objectivas e
subjectivas, um
para o profissional
outro para o cliente
O convívio com a doença continua a
suscitar reacções diversas, tanto nos
profissionais como nos próprios
indivíduos, familiares e amigos.
Na relação de cuidado, identificou-se uma
lacuna no âmbito educativo, assim como
dificuldades em lidar com situações de
terminalidade e morte.
(3)
Oliveira
et. al
(2005)
Humanização e
cuidado: a
experiência da
equipe de um
serviço de
DST/Aids no
município de São
Paulo
Reflectir sobre a questão da
humanização da atenção à
saúde no quotidiano do
trabalho de um serviço de
ambulatório de atenção a
pessoas com HIV/Aids na
cidade de São Paulo
Qualitativo 70
Profissionais
de saúde de
diversas
categorias
Observação
participante
O modelo de atenção à saúde revela-se
quase exclusivamente centrado no êxito
técnico, com carácter monológico e
unilateral, o que condiciona a participação
activa do indivíduo, no cuidado à sua
saúde.
Quadro 3 - Estudos sobre o cuidado à saúde e pessoas com VIH/SIDA (cont.)
Autores,
Ano e
Local
Título Objectivo/
Questão/
Hipótese
Tipo de estudo Amostra Intervenção Conclusões
(4)
Castro
(2007)
Brasil
O viver com
HIV/AIDS na
perspectiva de pessoas
idosas atendidas em
ambulatório
especializado da cidade
de São Paulo
Descrever o viver com
HIV, a partir da
perspectiva de homens
e mulheres idosos,
atendidos em serviço
especializado no
cuidado dessa afecção
Quantitativo e
qualitativo
75 Indivíduos
infectados por
HIV, com idade
igual ou superior
a 60 anos.
Entrevista
individual
A percepção de cuidado por parte dos
idosos do estudo, descreve uma vivência de
estigma (mesmo por parte de alguns
profissionais de saúde), de solidão,
isolamento e receio de discriminação. Os
idosos do estudo avaliaram positivamente o
cuidado no que se refere ao acesso,
prevenção e tratamento, no entanto
demonstraram necessidade de um diálogo
mais efectivo com os profissionais.
(5)
Costa
et al
(2006)
Brasil
Expectativas de
pacientes com
HIV/AIDS
hospitalizados
quanto à assistência de
enfermagem
Verificar as
expectativas dos
pacientes
seropositivos
hospitalizados, quanto
à assistência de
enfermagem recebida
Qualitativo
12 Pacientes com
HIV/AIDS
Entrevista semi-
estruturada
As expectativas dos pacientes sugeriam a
necessidade de uma assistência de
enfermagem mais humanizada, onde se
valorize a atenção, o contacto verbal e a
afectividade. Verificou-se também a
necessidade de serem informados mais
assiduamente sobre a doença, estado de
saúde e resultados de exames.
Quadro 3 - Estudos sobre o cuidado à saúde e pessoas com VIH/SIDA (cont.)
utores,
Ano e
Local
Título Objectivo/
Questão/
Hipótese
Tipo de estudo Amostra Intervenção Conclusões
6)
Herrera
et al
(2008)
México
Relación entre
médicos y pacientes
con VIH: influencia
en apego
terapéutico y
calidad de vida
Analisar os factores no
relacionamento com os
médicos que afectam a
adesão terapêutica e a
qualidade de vida de pessoas
com HIV/AIDS
Qualitativo 40 Pessoas
vivendo com
VIH/SIDA e
cinco lideres de
grupos de
autoapoio
Questionário
sócio –
demográfico e
entrevistas em
profundidade
Observou-se falta de comunicação entre
pacientes e profissionais de saúde, falta de
capacitação e paternalismo por parte dos
médicos e estigma social das pessoas que
vivem com HIV/AIDS. De um modo geral
os médicos não dão informação suficiente
aos pacientes, limitando-se à prescrição do
tratamento
(7)
Guz
mán e
Iriart
(2009)
Brasil
Revelando o vírus,
ocultando pessoas:
exames de
monitoramento
(CD4 e CVP) e
relação médico-
paciente no
contexto da AIDS
Analisar os reflexos da
crescente utilização dos
exames de contagem de CD4
e CVP, na relação
terapêutica.
Qualitativo 27 Pacientes
vivendo com
AIDS e 4
médicos
Observação
participante com
registo em
diário de campo
e entrevistas
semi-
estruturadas
As consultas são rápidas e objectivas e
centradas no resultado dos exames CD4 e
CVP. Há uma predominância do modelo
biomédico e do saber médico, que ao actuar
em função dos resultados dos exames,
desvalorizam a anamnese, o exame clínico
e a subjectividade dos pacientes que se
reflecte na relação terapêutica (médico –
paciente).
APÊNDICE II
ROTEIRO DA ENTREVISTA
ROTEIRO DE ENTREVISTA
I - Caracterização da Pessoa com VIH/SIDA
1. Nome_______________________________________________________
2. Residência___________________________________________________
3. Sexo: Feminino ( ) Masculino ( )
4. Idade _____________
5. Nacionalidade ____________________
6. Naturalidade _____________________
7. Religião __________________________
8. Escolaridade ________________________________________
9. Estado Civil:
Solteiro Casado União de facto Viúvo Divorciado
10. Profissão ___________________________________________________
11. Data de diagnóstico___________________________________________
12. Com quem vive ______________________________________________
13. Nº de filhos/Idade ____________________________________________
14. Rendimento mensal ___________________________________________
II – Questão
“Fale-me sobre o cuidado formal à saúde que tem recebido depois de lhe ter sido
diagnosticado VIH/SIDA?”
Diagnóstico do VIH/SIDA (via de contaminação, data do diagnóstico,
reacção ao diagnóstico)
Vivências de cuidado à saúde após o diagnóstico de VIH/SIDA.
Significados de cuidado à saúde
APÊNDICE III
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu, ____________________________________, aluna do Mestrado em Gerontologia
da Secção Autónoma de Ciências da Saúde da Universidade de Aveiro, estou a
desenvolver, juntamente com a Professora Dra. Alcione Leite da Silva, uma
investigação acerca da experiência de vida e o cuidado à saúde de pessoas idosas com
VIH/SIDA, intitulada:
“O cuidado à saúde nas vozes de pessoas adultas idosas com VIH/SIDA”
A sua participação neste estudo é completamente voluntária. Se desejar poderá desistir a
qualquer momento. Para tal, a sua participação consistirá em responder a algumas
perguntas acerca das suas vivências de cuidado à saúde. Esta entrevista será gravada em
áudio, todos os dados recolhidos são confidenciais e usados somente para o estudo.
Apenas, as investigadoras terão acesso às informações. Realça-se ainda, que a
participação no estudo, em nada prejudicará ou influenciará o atendimento clínico.
Esperamos que a sua colaboração traga bons contributos, para caracterizar a forma
como vivem as pessoas idosas com VIH/SIDA.
Eu, ………………………………………………………………., fui esclarecido(a)
sobre a investigação:
“O cuidado à saúde nas vozes de pessoas adultas idosas com VIH/SIDA”
Concordo em participar e que os meus dados sejam utilizados na realização da mesma.
Data: ………………………………………………………………………
Assinatura: ………………………………………………………………………………
Caso, surja alguma dúvida da sua parte, ou queira desistir do estudo, agradecia que
contactasse a Dra. Prof. Alcione Leite da Silva (234401558/961680925)
Com os melhores cumprimentos,
________________________________
APÊNDICE IV
CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES
Quadro 4 - Caracterização dos (as) participantes do estudo
Individuo Idade Escolaridade Estado
Civil
Profissão Data de
Diagnóstico
Com
quem
vive
Nº de
filhos
Rendimen
to Mensal
EM1 51 12º Ano Solteiro Reformada 1991 Sozinha 0 <475
Euros
EM2 75 3º Ano Viúva Reformada 2010 Sozinha 4 475 – 600
Euros
EM3 50 4º Ano Casada Reformada 1996 Marido 2 <475
Euros
EM4 64 3º Ano Casada Reformada 2004 Marido 2 <475
Euros
EM5 50 4º Ano Divorciada Calandreira 2000 Irmão/
Irmã
<475
Euros
EM6 61 4º Ano Divorciada Reformada 1999 Sozinha 1 <475
Euros
EM7 59 4º Ano Viúva Empregada de
Limpeza
1999 Filho 2 <475
Euros
EH1 67 4º Ano Casado Reformado 2004 Esposa 2 475-600
Euros
EH2 51 9º Ano Solteiro Desempregado 1990 Sozinho 0 <475
Euros
EH3 52 8º Ano Solteiro Reformado 2009 Sozinho 0 <475
Euros
EH4 52 4º Ano Casado Desempregado 2000 Esposa 4 <475
Euros
EH5 59 4º Ano Solteiro Reformado 2000 Mãe e
duas irmãs
0 <475
Euros
EH6 52 4º Ano Casado Engarrafador de
Vinhos
2002 Esposa e
dois filhos
2 475-600
Euros
EH7 66 4º Ano Casado Reformado 2000 Esposa 4 <475
Euros
EH8 59 8º Ano Viúvo Motorista
Distribuidor
2000 Sozinho 4 1100
Euros
EH9 51 9º Ano Divorciado Director
Comercial
2009 Sozinho 0 Não
revelou
EH10 59 4º Ano Solteiro Ajudante de
Motorista
2005 Irmão/Irm
ã
0 475-600
Euros
EH11 60 4º Ano Divorciado Reformado 2006 Sozinho 4 <475
Euros