III Curso:
BRINQUEDISTA HOSPITALAR 26, 27, 29 e 30 de maio de 2014
A Comunicação com Crianças com Deficiências Sensoriais: o
que fazer na hora das brincadeiras e jogos
Valeria de Oliveira Silva1
UERJ – Faculdade de Educação – Programa Rompendo Barreiras
Em geral, adultos visitam sua infância e encontram nela significados
correspondentes ao seu cotidiano. Ao desempenhar suas atividades diárias entendem
que as regras de bem viver, paciência, dedicação, perseverança, tolerância, amizade,
dedicação e tantas outras atitudes da vida adulta foram iniciadas com as brincadeiras na
infância. Mas, nem sempre, a informação de que o brincar pode estabelecer um elo entre
a vida adulta e a infância.
A brincadeira é a vida da criança e uma forma gostosa para ela
movimentar-se e ser independente. Brincando, a criança desenvolve os
sentidos, adquire habilidades para usar as mãos e o corpo, reconhece
objetos e suas características, textura, forma, tamanho, cor e som.
Brincando, a criança entra em contato com o ambiente, relaciona-se
com o outro, desenvolve o físico, a mente, a autoestima, a afetividade,
torna-se ativa e curiosa (SIAULYS, 2006, P.10).
Se a criança participa de atividades lúdicas em diferentes contextos
sociais, mais que divertir-se, tem a oportunidade de estruturar seu pensamento, de
habituar-se ao convívio em grupo, de respeitar regras sociais e organizar-se a partir das
brincadeiras. Por conseguinte, sendo o brincar uma das atividades mais importantes para
1 Professora Me. Valeria de Oliveira Silva - Mestre em Educação, Linguista; Especialista na
área das deficiências sensoriais; Graduada em Pedagogia e Letras. Coordenadora do Programa
Rompendo Barreiras: Luta pela Inclusão/Faculdade de Educação/UERJ. Conselheira Titular,
representante da UERJ no Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Rio de
Janeiro - CEPDE-RJ - [email protected]
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as crianças, é evidente que essa prática, quando propostas por profissionais da educação,
recreadores, brinquedistas e/ou terapeutas, deve estar adequada à(s) criança(s) a(s)
qual(is) está destinada e, sempre, deve ter objetivos a serem alcançados. Ressaltamos,
ainda, a importância dos “brinquedos e jogos infantis para as várias áreas do
desenvolvimento humano” (SIAULYS, 2006, P.8).
Concordamos que o brincar promove o desenvolvimento da criança, além
de ser o melhor caminho para promovermos e acompanharmos os processos mentais
dos que fazem parte do universo infantil. Com as brincadeiras podemos estabelecer
prioridades e promover o desenvolvimento das crianças, é possível impulsionar sua
imaginação e cognição e afeto.
A relação entre a linguagem e o brincar é muito importante para construção do
pensamento, mas, tendo em vista a diversidade linguística e a falta de contato com
informações visuais, para as crianças surdas e as com problemas visuais esta relação é
muito mais forte. As atividades infantis se estruturam a partir da linguagem, por isso os
enunciados são tão importantes. Criar e recriar uma brincadeira demanda fazer com que
o outros entenda as regras propostas e saiba identificar a proposta que lhe é apresentada.
Mas é importante ressaltar que, naturalmente, a infância é o tempo do brincar.
Kelman (1996) ao investigar os processos de pensamento e linguagem em crianças na
faixa etária entre 2 e 7 anos, ouvintes2 e surdas congênitas profundas que não tinham
adquirido aprendizado sistemático de qualquer língua, oral auditiva3 ou espaço visual4,
revela-nos os quanto esses meninos e meninas trazem em seu imaginário características
2 Que não têm problemas de audição. 3 Língua oral auditiva que tem duas modalidades de recepção (audição e leitura) e duas de
produção (fala e escrita). 4 As línguas de sinais que só têm uma modalidade de recepção (a visualização dos sinais) e uma
de produção espacial (a realização dos sinais). No Brasil, a língua oficial de sinais é a Língua
Brasileira de Sinais (LIBRAS), lei 10436/2002, regulamentada pelo decreto 5626/2005.
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próprias da infância. A autora nos apresenta observações do comportamento da criança
em ambiente lúdico, as quais revelam a presença e internalização de atividade mental
através do uso de signos extralinguísticos em ambos os grupos; o que indica a
ocorrência de representações sígnicas sem componentes linguísticos, tanto nas crianças
surdas quanto nas ouvintes.
Independente da diversidade linguística e das diferentes formas utilizadas
socialmente para comunicação, toda criança deve ser capaz de refazer mentalmente a
estrutura da sua brincadeira. E, tendo em vista que não devemos excluir ninguém, em
nenhum contexto social, às crianças com deficiências sensoriais devemos fornecer
informações e apresentar brinquedos e jogos que lhes permitam mergulhar no
imaginário por ela desconhecido. O faz de conta que toda criança experimenta ganha
um significado mais sutil quando, por exemplo, uma criança surda imagina que fala,
canta e toca um instrumento com precisão ou quando uma criança cega experimenta em
seus sonhos correr por uma relva verdejante. Independente do lugar que ocupa, da
função que desempenha, entender características tão peculiares deve ser uma atribuição
do adulto mais próximo dessas crianças.
Em creches, escolas, clubes, parques, condomínios, em casa ou no
ambiente hospitalar, devemos adequar nossas propostas lúdicas aos meninos e meninas
com os quais desejamos trabalhar; mas o sucesso desses momentos depende do quanto
os conhecemos.
Embora idade, sexo, escolaridade e outras características sejam muito
importantes e contribuam para a melhor escolha das brincadeiras ou como adequá-las
quando necessário, conhecer especificidades individuais é condição sine qua non para o
desenvolvimento de práticas lúdicas exequíveis que apresentem resultados satisfatórios.
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Quando recebemos em nossos ambientes de ludicidade crianças com
desenvolvimento cognitivo, psicológico, físico e sensorial descritos segundo os padrões
de normalidade, permanecemos em uma zona de conforto que pode ser facilmente
abalada quando nossas crianças têm alguma deficiência; elas
precisam brincar, independentemente de suas condições físicas,
intelectuais ou sociais, pois a brincadeira é essencial a sua vida. O
brincar alegra e motiva as crianças, juntando-as e dando-lhes
oportunidade de ficar felizes, trocar experiências, ajudarem-se
mutuamente; as que enxergam e as que não enxergam, as que escutam
muito bem e aquelas que não escutam, as que correm muito depressa e
as que não podem correr (SIAULYS, 2006, P.9).
No caso de crianças com deficiências intelectuais ou com deficiências
físicas, embora seja necessário um pouco mais de tempo e dedicação, além de
adequações das brincadeiras e jogos as suas necessidades, nada se compara aos
momentos em que temos em uma roda de brincadeiras ou jogos crianças com
deficiências sensoriais: com surdez, cegueira, baixa visão ou surdocegueira.
Ter uma deficiência sensorial implica em ter necessidades singulares,
principalmente, particularidades de comunicação. Se dominamos as diferentes formas
de estabelecer a comunicação com crianças que têm deficiências sensoriais, o brincar
transcorre normalmente. Podemos atribuir, inclusive, objetivos individuais e coletivos
que promovam a inclusão dessas crianças e a sua interação com outras que não tenham
deficiência.
Na realidade, não há mudança significativa que não possam favorecer
outras crianças também, a grande diferença está na postura do profissional, ou liderança
adulta, que estiver desempenhando o papel de mediador da atividade. Observe o quadro
com o resumo das principais práticas necessárias para motivar o brincar com crianças
que têm deficiências sensoriais:
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O QUE FAZER NA HORA DAS BRINCADEIRAS E JOGOS
DEFICIÊNCIA
POSTURA DO PROFISSIONAL OU LIDERANÇA ADULTA
(Alguns exemplos)
Surdez
- Falar de frete para a criança, principalmente com as que não dominam a
LIBRAS;
- Nunca gritar, se a criança é surda, gritar não resolverá o problema;
- Ter domínio dos principais sinais da LIBRAS para orientar as crianças que
fazem uso desta língua sobre as regras do brincas;
- Sempre que possível, lançar mão de imagens e esquemas para ilustra suas
falas;
- Evitar brinquedos com informações sonoras;
- Ao trabalhar com músicas, ter próximo da criança uma caixa de som, e,
quando possível, mobiliário em madeira (cadeiras, bancos, mesas – capazes
de conduzir o som);
- Explorar os brinquedos coloridos e luminosos.
Cegueira
e
Baixa Visão
- Ter boa dicção, procurar pronunciar bem as palavras;
- Nunca gritar, se a criança é cega, teoricamente, esse problema não afeta sua
audição;
- Dar preferência a brinquedos com informações sonoras; sons diversificados
e a música costumam, fazer muito bem às crianças com cegueira;
- Explorar os brinquedos com textura, formas bem definidas, relevo e
cheiros;
- Para os casos de Baixa Visão, explorar brinquedos coloridos com cores
fortes que apresentem boa escala de contraste: azulão, vermelho, amarelo,
verde bandeira, preto e branco (sem trabalhar, por exemplo, com a
proximidade entre amarelo X branco ou preto X azulão).
Surdocegueira
- Ter domínio dos principais sinais da LIBRAS TÁTIL para orientar sobre as
regras do brincar;
- Mesclar as práticas dos casos anteriores, dependendo das características da
criança.
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A inclusão de pessoas com deficiência nos diferentes segmentos da
sociedade é uma prática iniciada na educação que vem sendo desenvolvida com mais
intensidade na última década em nosso país. Foi por meio das políticas públicas de
inclusão educacional, com pressupostos filosóficos que compreendem a construção de
uma escola aberta para todos(as), com o respeito e valorização à diversidade que tais
discussões ganharam força e se estabeleceram legalmente (BRASIL, 2004, 2005, 2006,
2009).
Imersos neste cenário, não poderíamos deixar de assumir e reconhecer
que a infância também deve ser respeitada em sua diversidade e, como tal, o direito ao
brincar inclusivo merece um olhar diferenciado. As brincadeiras devem ser pensadas e
planejadas para todos, assim como os profissionais envolvidos com estas práticas
devem ser orientados sobre a melhor forma de organizar brinquedos e atividades lúdicas
que atendam às crianças sem discriminá-las, “alertando para a importância de cada
brinquedo na promoção do desenvolvimento infantil” (SIAULYS, 2006, P.5).
O olhar inclusivo no momento das brincadeiras permite o
estabelecimento de mudança interior tanto dos profissionais quanto das crianças; as que
têm deficiências podem vivenciar a inclusão brincando com todos e as demais terão a
oportunidade de sentir que estar com seu próximo “um pouco diferente” é saudável e
contribui para sua formação social. Estas práticas podem fazer de todas pessoas
melhores.
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Vamos brincar?
Acorda criançada tá na hora da gente brincar
Brincar de pique-esconde, pique-cola e de pique-tá, tá, tá, tá
Essa brincadeira também tem pique-bandeira
Amarelinha pra quem gosta de pular
(...)
Brincadeira de criança
Como é bom, como é bom
Guardo ainda na lembrança
Como é bom, como é bom
Paz, amor e esperança
Como é bom, como é bom
(...)
(Grupo Molejo, Brincadeira de Criança)
Referências Bibliográficas
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Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo,
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http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/port976.pdf > Acesso em 19 maio 2014.
______. Decreto Nº 5.626, De 22 de Dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de
24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da
Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm > Acesso em
19 maio 2014.
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______. Decreto 5296 de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048, de 8
de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e
10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a
promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade
reduzida, e dá outras providências. Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm > Acesso em
19 maio 2014.
______. Lei Nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais
- Libras e dá outras providências. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm> Acesso em 19 maio 2014.
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