4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
TOPOFILIA E TOPOFOBIA DAS PAISAGENS CULTURAIS NO
MUNICÍPIO DE BARBACENA (MG): ARTE E IDENTIDADE
CULTURAL
NASCIMENTO, CLÁUDIO H. (1); SILVA, LUDIMILA DE M. R. (2); DEUS, JOSÉ A. S.(3); NOGUEIRA, MARLY (4)
1.Graduando (Geografia) - Instituto de Geociências (IGC/UFMG) [email protected]
2.Doutoranda - Programa de Pós-graduação em Geografia do Instituto de Geociências da UFMG
3.Docente/Pesquisador Credenciado junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da UFMG/Brasil
4.Docente/Pesquisadora do Departamento de Geografia do Instituto de Geociências da UFMG/Brasil [email protected]
RESUMO
No município de Barbacena – lugar de identidade cultural marcante do estado de Minas Gerais (sudeste brasileiro)-, há em sua especificidade histórica, um passado relevante e que teve um dos maiores manicômios do Brasil. Observa-se aí uma realidade sociocultural densa, que perpassa pelo seu reconhecimento como “cidade dos loucos” à concepção de “cidade das rosas”. Direcionada pela dinâmica funcional e socioeconômica desse município, a construção de suas paisagens culturais, decorre da configuração de identidades culturais confrontantes, desde a aversão aos lugares (topofobia) como exemplo o museu da loucura ao sentimento de afeição (topofilia) na arte das rosas ornamentais, sendo este associado, principalmente, à festa das rosas. Este evento, que se destaca já há alguns anos, enaltecido pela arte da produção de rosas ornamentais, comemora desde a produção das novas criações e tipologias de rosas à produção e comercialização anual das mesmas. Ademais, a festa já é vista como parte integrante da paisagem cultural barbacenense, inerente à identidade cultural dessa população. Fato este que se revela no próprio reconhecimento do município como a “cidade das rosas”. Posto isso, o objetivo desse artigo é identificar, por meio de sua geo-história, os processos identitários intrínsecos à topofobia (relacionada ao estigma da cidade dos loucos) e à topofilia (diretamente associada à produção de rosas no município em questão) que agregam diferentes significados às paisagens culturais de Barbacena. Além de refletir sobre as diferentes percepções dessas paisagens que hoje conectam os moradores ao lugar e a arte. Para tal, partiu-se de metodologias qualitativas (observação participante e entrevistas semi-estruturadas), no intuito de rastrear e (re)interpretar essa aproximação intrínseca da importância funcional e dinâmica das rosas na paisagem, arte e identidade cultural do município. Palavras-chave: Topofobia; Topofilia; Festa das rosas; Paisagem Cultural.
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INTRODUÇÃO
O conceito de Paisagem, tão caro à ciência geográfica, com o passar dos anos vem
admitindo novas concepções que vão além da ideia de retrato, ou dos limites que a vista
alcança. A compreensão dessa categoria vem sendo realizada também sobre novas
perspectivas dos elementos imateriais que configuram uma paisagem. Sendo assim, arte,
cultura e a percepção individual ou coletiva dos lugares passam a agregar novos
significados à paisagem, identificando-a e correlacionando-a de acordo com as interações
espaço-temporais e da própria dinâmica socioeconômica dos lugares.
Uma das correntes geográficas que tem se destacado nessa nova construção conceitual da
paisagem é a Geografia Humanista, que, a partir do método fenomenológico, busca dialogar
com a percepção ambiental dos lugares, valorizando, nesse contexto o olhar e sentimento
dos agentes locais.
No final da década de 1970, a Geografia passava por um momento de renovação cuja
proximidade de reflexão interessava à temática cultural-humanística. Nesse contexto, houve
maior abertura para se abordar questões associadas ao lugar, à paisagem, à identidade
cultural e à percepção ambiental. Além disso, mediante a necessidade de preservação e
cuidados com o patrimônio cultural, estes estudos se tornaram cada vez mais relevantes e
emergentes em torno dessas relações. Desde então, a Geografia Cultural Humanista vem
ressaltando a importância de se estudar as nuances do nosso mundo vivido e perceber que
as pessoas é que dão significado ao lugar e à paisagem através de suas percepções e
modos de vida.
Assim, como ressalta Tuan (1980), os sujeitos percebem a realidade objetiva e/ou subjetiva
a partir de seus sentidos que são influenciados pela cultura, podendo modificar e construir
uma visão de mundo e atitudes a partir de sua relação com o ambiente. Ainda segundo este
autor, “o meio ambiente pode não ser a causa direta da topofilia, mas oferece o estímulo
sensorial que, ao agir como imagem percebida, dá forma às nossas alegrias e ideais”
(TUAN, 2012, p.161).
Posto isso, as categorias paisagem e lugar passam a ser compreendidas por meio de uma
nova concepção mais ligada aos valores subjetivos que podem ser referenciados por
aspectos de localização, classificatórios ou determinando a presença de fenômenos que lhe
conferem significados específicos (KOZEL, 2001). De acordo com Holzer (1999), o lugar
está além da localização e apresenta substâncias únicas dotadas de histórias com
significados que se materializam a partir de um conjunto complexo e simbólico. O lugar se
concretiza a partir da experiência do vivido. Assim, a subjetividade e as experiências das
pessoas com o lugar e a paisagem passam a ser temas privilegiados, a partir da década de
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1970, pela abordagem humanística, valorizando estudos voltados á dinâmica cultural, sem,
contudo, abandonar a problemática socioeconômica.
Essa dinâmica da percepção sobre a paisagem é o que acontece em Barbacena, município
localizado na mesorregião Campo das Vertentes, local de identidade cultural marcante do
estado de Minas Gerais, no qual há em sua especificidade histórica um passado relevante
por ter tido um dos maiores manicômios do Brasil, e que, na década de 1970, ficou
nacionalmente reconhecida como a “cidade das rosas”. Esse título decorre da grande
produção e comércio das rosas, com fornecimento de rosas para os estados de São Paulo,
Rio de Janeiro e para o município de Belo Horizonte. Na década de 1970, a cidade também
exportava para Estados Unidos e Europa. Barbacena é um dos municípios que mais se
destacam na produção de rosas no Brasil pelo clima e temperatura agradável e favorável a
atividade do cultivo das mesmas. Além da importância econômica, a produção de rosas
desenvolveu nos munícipes uma identidade cultural fortemente ligada a esta atividade, a
qual é vivenciada e experienciada há 45 anos na “Festa das Rosas”, evento que congrega
desde produtores ao público em geral. É reconhecida como uma das festas mais
tradicionais do município.
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Apesar do destaque atual à produção de rosas, Barbacena ainda carrega fortemente o
estigma de cidade dos loucos, passado que é perceptivelmente negado e desprezado pelos
moradores do lugar. Todavia, essa paisagem topofóbica se faz presente, tanto nos prédios
antigos (aos quais se associam essa identidade), quanto na memória de muitos
barbacenenses pela indignação, sobretudo, os que visitam ao museu da loucura (que foi
uma ala do Hospital Colônia). Em entrevistas a campo, as pessoas abordadas na porta do
museu, disseram que ainda ficam indignadas, tristes, sem ação, melancólicas pelo lugar e
no lugar com relação ao passado e ao que aconteceu no interior do edifício. Daí o
sentimento de topofobia. Em outra vertente de estudo e com muita paixão e desejo a
topofilia se insere em outro contexto.
A Topofilia é conceituada como o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico. A
palavra topofilia na verdade, é um neologismo, sendo útil quando pode ser definida em
sentido amplo, incluindo os laços afetivos dos seres humanos com o meio ambiente
material, mesmo que se diferenciem em intensidade, sutileza e modo de expressão. Já a
Topofobia, inversamente ao primeiro, decorre da aversão aos lugares, da ideia de paisagem
do medo e aversão ao lugar. (TUAN, 2012).
Em sua especificidade, que se revela por meio da geo-história, observa-se na transformação
da paisagem, os sentimentos e as emoções que configuram a identidade cultural do
município, inerente á sua população. São laços topofílicos e topofóbicos que se mostram,
atravessando rugosidades no espaço-tempo. Relevantes, principalmente, quando se
expressam e se mostram acerca de sentimentos de aversão ou de amor pelo lugar. Uma
percepção que se constrói e desconstrói a todo o momento entre a cidade dos loucos e a
cidade das rosas.
Posto isso, o objetivo desse artigo é identificar os processos identitários intrínsecos à
topofobia (relacionada ao estigma da cidade dos loucos) e à topofilia (diretamente associada
à produção de rosas no município) que agregam diferentes significados às paisagens
culturais de Barbacena. Visamos refletir acerca das diferentes percepções dessas
paisagens que hoje conectam os moradores ao lugar e a arte das rosas ornamentais em sua
festa anual. Nesse sentido, o estudo busca, também, analisar e entender a especialização
regional produtiva na cidade de Barbacena (MG) na produção dessas rosas e em especial o
cultivo como atividade econômica que contribuiu na conformação de uma paisagem inerente
à dinâmica funcional do município.
Para tal, partiu-se de pesquisa bibliográfica, cartográfica e documental; dos
reconhecimentos de campo; da contextualização e sistematização das informações; da
formulação do problema, análise e interpretação, além de críticas do objeto investigado. O
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reconhecimento de campo desenvolveu-se a partir de metodologias qualitativas (observação
participante, entrevistas semi-estruturadas), no intuito de rastrear e (re)interpretar a
aproximação intrínseca, sobretudo, da importância funcional e dinâmica na produção das
rosas na paisagem, arte e identidade cultural do município. Nesse sentido, foram realizadas
20 entrevistas na sede municipal de Barbacena, 20 nas proximidades das estufas de flores,
sobretudo do Sítio Margarida e 20 no entorno do parque de exposições (onde aconteceu a
Festa das Flores no ano de 2015).
PAISAGEM E LUGAR: percepções e construções identitárias
As paisagens culturais são o resultado das interações do homem com o meio ambiente em
seu espaço vivido, e, desse modo, devem ser descritas, percebidas, analisadas e
interpretadas a partir dessas correlações. Nessa perspectiva, ao se buscar a compreensão
de uma paisagem é necessário ainda dialogar com as percepções e vivências das pessoas
no lugar. Assim, como destaca Dardel (2011 p.30-31):
Muito mais que uma justaposição de detalhes pitorescos, a paisagem é um conjunto, uma convergência, um momento vivido, uma ligação interna, uma ‘impressão’, que une todos os elementos. A paisagem não é um círculo fechado, mas um desdobramento. A paisagem é um escape para toda a Terra, uma janela sobre as possibilidades ilimitadas: um horizonte. Não uma linha fixa, mas um movimento, um impulso” Dardel (2011 p.30-31).
A paisagem é dinâmica. Tem vida, história e estória. Ela é cultura e se correlaciona com o
lugar. Com nossas percepções aguçadas acerca de tudo o que forma o mundo exterior,
conseguimos e podemos sentir, ver e perceber a paisagem. Todo o estado de contemplação
pelo qual os meandros em seus complexos caminhos se relacionam com nossa alma e
podem ser representados por uma paisagem. No entanto, o lugar é o espaço vivido em que
se estabelecem relações sociais e de identidades, sobretudo culturais. Essas relações do
quotidiano são constituídas pelas experiências e memórias com o lugar-paisagem. Esse
espaço que é vivido, dotado de significados em sua dimensão cultural-simbólica. A partir
daí, as questões envolvem identidades, memórias, intersubjetividade e as trocas simbólicas
que podem ser espacialidades vividas e percebidas, com seus significados marcados pela
“Topofilia” e “Topofobia”. (SOUZA, 2013).
A paisagem e o lugar se correlacionam com todo o corpo físico e interagem com a
experiência pessoal ou coletiva de um grupo envolvido. Neste contexto, Machado (1999,
p.107) argumenta que “é dessa forma que a pessoa vivencia a paisagem e apreende seu
conteúdo subjetiva e afetivamente”, atribuindo-lhe, assim, percepções de afetividade ou
rejeição. Desse modo, os sentimentos de topofilia e topofobia são inerentes à identidade
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cultural e estes se correlacionam com lembranças e, sobretudo com a percepção ambiental
do espaço. E é nessa perspectiva, que como destaca Amorim Filho (1999, p.140) “os
estudos de percepção ambiental foram incluídos em um grande movimento que recebeu, na
década de setenta, o nome de ‘geografia humanística’”, dando relevância, principalmente,
para as experiências vividas e sentidas.
Os sentimentos de aversão (topofobia) ou empatia (topofilia) das pessoas pelo lugar,
considerados nesta investigação, são importantes para a percepção da dinâmica
socioeconômica e identitária. Da aversão pelo histórico de cidade dos loucos transformada
pela topofilia das rosas em sua dinâmica e funcionalidade, a paisagem se desvela por meio
da arte em que se observou na produção de rosas ornamentais. Na festa das rosas os
galpões e exposições nas galerias, sobretudo das rosas, revelam todo um o cuidado
artístico que é destinado a este substrato sociocultural. Nesse sentido, o cuidado com as
rosas se transforma em paisagem e arte.
Para Amorim Filho (1999, p.143) “a paisagem é uma realidade cultural, pois ela não é
somente resultado do trabalho humano, mas também, objeto de observação, e mesmo,
consumo”. A festa das rosas também é paisagem e arte, identifica o lugar e inspira
sentimentos topofílicos na população local, além de aguçar sentimentos e o interesse dos
visitantes, resultando em maior fluxo turístico em sua festa anual.
PAISAGEM TOPOFÓBICA: Barbacena - a “cidade dos loucos”
Barbacena já teve o maior hospício do Brasil. Conhecido como hospital Colônia, ele foi
inaugurado em 1903 e desativado em finais da década de 1980. Configurou-se como um
falso presente que compensava o município por ter perdido a disputa para Belo Horizonte
como possível localidade para a instalação da nova capital de Minas Gerais (ARBEX,2013).
Atualmente, figura no local o “Museu da Loucura”, inaugurado em 1996 no torreão do antigo
Hospital colônia.
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Figura 1: Antigo Hospital Colônia de Barbacena/MG. Fonte: www.issoebizarro.com
Figura 2: Frente do "Museu da Loucura" que é uma ala do antigo Hospital Colônia que foi desativada. Fonte: Arquivo ACS/Fhemig
O edifício foi construído sobre o terreno da antiga Fazenda da Caveira, pertencente ao
traidor de Tiradentes, Joaquim Silvério dos Reis. Antes, o local foi sanatório para
tuberculosos. Nele, aproximadamente, 60 mil pessoas morreram entre os anos de 1930 e
1980. Doentes que foram internados por serem homossexuais, alcoólatras, prostitutas,
adolescentes rebeldes, epiléticos, mendigos, filhas que engravidavam antes do casamento
ou que perderam a virgindade antes de se casarem, pessoas que eram tidas como escória,
enfim, seres humanos não desejados pela sociedade e que, segundo a concepção da
época, deveriam ser direcionados para um lugar longínquo, que a vista não pudesse abarcar
(ARBEX, 2013).
Esses pacientes viviam como animais. Comiam ratos e até suas próprias fezes, bebiam
água de esgoto e suas próprias urinas. Capins eram as suas camas. Houve muito
espancamento e violência sexual. Muitas mulheres engravidavam no hospital e assim que
os bebês nasciam retirava-os de suas mães e entregava-os a adoção. Nas noites geladas,
muitos pacientes morriam de fome e de doenças. Os eletrochoques eram constantes e
muitas mortes aconteciam. A sobrecarga de energia era tão alta que derrubava a rede
elétrica do município. As mortes dos internados no manicômio também eram positivas, pois
se obtinha lucro; os corpos eram vendidos para faculdades de medicina do país (ARBEX,
2013).
O manicômio impulsionou a economia Barbacenense com o Hospital Colônia. Mudou a
dinâmica e infraestrutura do município. Este impacto e esta dinâmica fizeram com que a
cidade fosse conhecida como a cidade dos loucos. Impacto negativo para o município, daí a
topofobia pelo lugar, pela paisagem, pelas pessoas que até há pouco tempo rejeitaram seu
passado, mas que na atualidade, se modifica, em topofilia, principalmente, pela atividade da
produção de rosas.
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“A paisagem era cinzenta, sem cor, fria, sem vida”, destaca uma barbacenense de 80 anos
de idade, que vivenciou essa paisagem. As pessoas da cidade não gostam de falar desta
história triste do município, deste passado horrível. Na década de 1990, uma das alas do
hospital Colônia se tornou museu: “O Museu da Loucura”. O museu conta um pouco da
história do hospital Colônia, há muitas fotografias e materiais que eram utilizados nos
pacientes. Atualmente, o local é muito visitado por turistas.
A partir de 1990 tem-se o início do movimento de reforma psiquiátrica e da luta
antimanicomial. Nesse período, a cidade e as pessoas, em seu limiar de transformação,
começam a modificar o sentimento topofóbico pelo sentimento topofílico. Com o crescente e
novo paradigma de transformação paisagística, o município se mostra mais alegre, colorido
e vivo. E assim, a paisagem acinzentada se transformou pelo trabalho das rosas
ornamentadas que se mostra como forma de arte na paisagem, principalmente na festa das
rosas.
As rosas também proporcionaram um crescimento socioeconômico na cidade, tornando-a
uma grande produtora de rosas, em escala nacional. Muitos imigrantes europeus, sobretudo
alemães e italianos recém-vindos do entre guerras e pós 2ª Guerra Mundial viram na cidade,
no clima ameno e propício ao cultivo das rosas uma oportunidade de uma vida melhor. A
produção das rosas transformou o município. Transformou a paisagem em arte.
Sentimentos topofílicos, sobretudo na festa das rosas. As rosas são símbolo da cidade já
que, atualmente, o município é grande exportador de rosas do país, configurando-se ainda
como uma das principais fontes da economia barbacenense.
PAISAGEM TOPOFÍLICA: Barbacena a “cidade das rosas”
Em 1948 centenas de imigrantes europeus, alemães e italianos se mudaram para
Barbacena, fugindo da crise econômica entre guerras e pós II Guerra Mundial, com o
objetivo de se estabelecerem economicamente no Brasil. Atraídos pelo clima favorável de
Barbacena, viram no cultivo de rosas grande oportunidade de trabalho e, então, deram
continuidade à tradição que já desenvolviam na Europa, posto que já tivessem a
experiência, o conhecimento e as técnicas necessárias para o bom cultivo e colheita. As
condições climáticas, como o clima e temperatura amena, a altitude e a localização
privilegiada contribuíram consideravelmente para o cultivo das rosas.
Em 1962 estes imigrantes conquistaram, pelo seu trabalho, suas terras e então conseguiram
dinamizar a produção de flores. Um exemplo foi o proprietário do Sítio Santa Margarida,
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que, atualmente, exporta suas rosas para várias partes do Brasil e alguns países do mundo
e tem grande número de estufas de rosas no município.
Frente ás dificuldades de reconhecimento dessa atividade no município, em 1967 a
prefeitura municipal, em parceria com a Cooperativa União Barbacenense dos Floricultores
(UNIFLOR), organizou a I Festa das Flores de Barbacena, cujo objetivo era divulgar a
produção para a comunidade regional e para os turistas.
Todavia, foi apenas entre 1970 e 1980, após grandes investimentos econômicos e
tecnológicos que a produção de rosas de Barbacena passou a ser referência no Brasil,
destacando-se no cultivo e comercialização. No ano de 1979 surgiu a Brasil Flowers, que se
tornou a maior empresa produtora de rosas do mundo usando tecnologia avançada na
produção das rosas e empregando boa parte da população do município. Seu objetivo era o
mercado externo, sobretudo a Alemanha. É nesse contexto que o município torna-se
conhecido como “cidade das rosas”, e, desde então, a produção destas rosas passou a ser
principal atividade econômica do município e da região.
No intuito de traçar novos caminhos visando o aumento da produção, em 1999, os
produtores de Barbacena se organizaram na Associação Barbacenense de Produtores de
Rosas e Flores (ABARFLORES1). Com a criação da associação, a festa anual das flores
tomou ainda mais força, tanto no âmbito do empreendedorismo da atividade, quanto do
reconhecimento enquanto elemento fundamental da construção da identidade cultural
barbacenense. Nesse novo cenário, destaca-se a parceria com o SEBRAE/MG, que apoiou
a instituição na elaboração de melhores estratégias de produção, comercialização e
estabelecimento de novos mercados para o consumo. Segundo Emídio (2013, p.1), “em
Barbacena, são 35 produtores associados à ABARFLORES. A cidade produz cerca de 15
milhões de dúzias de rosas por ano, o que representa a terceira principal produção do Brasil
e gera cerca de 450 empregos diretos e 1.500 indiretos”.
Atualmente as exportações estão concentradas para Portugal e no mercado interno,
sobretudo para o Rio de Janeiro, Minas Gerais e Brasília, constituindo os principais
consumidores de flores de Barbacena. Tal quadro e situação positiva de beleza e bem-estar
gera na população um sentimento topofílico em relação não apenas à produção, mas
também à própria Festa das Rosas.
1 A ARBAFLORES não é uma cooperativa, e sim uma associação que têm por finalidade a promoção de assistência social, educacional, cultural, representação política, defesa de interesses de classe e filantropia. Nesse sentido, são realizados cursos, palestras e treinamentos para produtores e cursos de paisagismo.
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FESTA DAS ROSAS: novas construções identitárias a partir da arte
A festa ocorre sempre nos meses de Outubro, durante a Primavera, quando as flores ficam
mais belas e deslumbrantes. Durante três dias de festas são realizados shows, desfiles de
carros ornamentados, eleição da rainha e da princesa das rosas e stands das rosas
ornamentais. Além disso, há apresentações de música sertaneja e cantores populares são
convidados para animar a festa das rosas. O objetivo do evento é reunir os produtores de
rosas de Barbacena, além de atrair um público que possa participar da dinâmica cultural do
município. A Festa das Rosas permite a realização de negócios, comercialização de rosas,
muita beleza, festa e alegria. E é nessa perspectiva que se considera esse evento como
uma manifestação artística, posto que revela não apenas a importância dessa atividade
econômica, como a dinâmica transformação da identidade cultural e artística do município,
evidenciada, principalmente, pelo primor das rosas e na paisagem do lugar. A paisagem
modificada pela arte que é feita com as rosas ornamentais. (como pode ser observado nas
fotografias a seguir).
Fotos: NASCIMENTO (2015)
As relações que se dão neste espaço são também de ordem simbólica, posto que há a
necessidade, quase orgânica, de transmissão dos saberes vinculados à produção de rosas
e de realização da festa, a tradição da eleição da rainha e princesa da festa, dos carros
ornamentados. Afinal, todos esses elementos estão atrelados a um conjunto de ideias e
relações complexas, que se revelam, sobretudo, na paisagem, e que se reconfiguram a
partir de uma experiência coletiva modelada por critérios culturais consolidados por meio da
interação do homem com o meio. Essa relação de afetividade surge então, como ressalta
Azevedo (2008, p.35), a partir do “(...) prazer da contemplação da paisagem (que) advém da
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potencialidade de um dado território em fornecer proteção ao indivíduo para ver sem ser
visto ou para se esconder, ou ainda da riqueza de fontes biológicas de abastecimento
humano”.
O sentimento topofílico durante o período que antecede a festa é muito grande. As linhas de
ônibus intraurbanos trazem a logomarca e o convite à festa; há encontros entre histórias,
convivências e sujeitos que unidos em torno de um sentimento, buscam demonstrar a
realidade e a dinâmica socioeconômica que a produção de rosas e sua festa anual
proporcionam aos moradores deste lugar.
O sentimento e a oralidade dão forma à paisagem, que movida à perspectiva espacial e
paisagística no município permite que sejam ratificados os objetivos e desejos da
população. Além disso, o espaço construído (vivido, percebido e sentido) faz a dinâmica
funcional se estabelecer diariamente no município. Nesta paisagem, onde a beleza das
rosas se destaca, há variadas dimensões a serem contempladas: cultural, emocional,
política, simbólica e também de interação, reflexão e ligação entre os seres e os objetos.
Nesse sentido, como ressalta Tuan (2013, p.175), “os acontecimentos simples podem com o
tempo, transformar-se em um sentimento profundo pelo lugar”.
Nessa perspectiva, a paisagem topofílica de Barbacena está relacionada ao sentimento de
pertencimento de seus moradores e à alegria que estes transmitem em relação à festa,
definindo-se a partir do discurso de determinados grupos e suas significações. A festa,
então, ajuda a fixar a memória de seus sujeitos participantes e assim o vínculo com o lugar
e sua paisagem. Além de ser um elemento em que há socialização e muito tem a dizer de
sua dinâmica, a festa das rosas também é arte, posto que os enfeites e ornamentos
superem uma mera exposição, configurando, assim verdadeiras exposições de arte, que
dialogam com a vida e cotidiano das pessoas desse lugar, como pode ser observado na fala
de uma moradora de Barbacena acerca da festa:
A festa nos enche de alegria, nos agrada, nos anima e nos enche de esperança. A cidade fica cheia e é bom para o comércio e o reconhecimento do município. O perfume das rosas e sua beleza satisfaz o ego. A alegria não tem igual, não tem quem não ame uma rosa. O marido chega e te dá uma rosa, eu me derreto toda! A rosa transmite uma beleza e através dela a gente se sente bela (Barbacenense, 70 anos, 2015).
Entretanto, em 2015, como reflexo da crise financeira, não havia muitas expectativas para a
realização de uma grande festa, muito embora, muitos moradores, permanecessem
esperançosos e otimistas em relação à realização dela. Para eles, vivenciar a festa das
rosas é um ato íntimo de harmonia consigo e com o lugar. A festa nesse sentido representa
a renovação, a cada ano, do cultivo das rosas e dos sentimentos atrelados a ela.
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Meus avós amaram este lugar e cuidaram dele como se fosse sua pátria. Um lugar
abençoado e de uma beleza magnífica. As nossas rosas simbolizam toda a beleza
do município de Barbacena. A festa das rosas é muito especial para nós. (Jovem
produtora de rosas, 2015).
Para minimizar os desafios a serem enfrentados, na atualidade, é possível perceber nos
moradores uma grande preocupação e apreensão no que diz respeito à continuidade da
realização da festa, uma tradição na cidade. Esses desafios deverão ser compartilhados e,
dessa forma, com a ajuda de todos serão dissipados. Na verdade, as parcerias entre os
órgãos públicos e a comunidade são importantes. Percebe-se, por meio dos relatos colhidos
em campo, que a comunidade é receptiva e está disposta a fazer a sua parte para o que for
necessário na preservação da festa das rosas. Todavia, sozinhos, os produtores das rosas
não estão conseguindo investir na festa, sobretudo, porque é elevado o valor do aluguel do
parque de exposições e de galpões para o devido armazenamento das plantas, além de
outros detalhes que constituem grandes despesas, para se produzir a festa. Desse modo,
para que a paisagem topofílica se preserve diante de tantas adversidades, na atualidade,
faz-se necessário o apoio da Prefeitura municipal.
A população acredita e está esperançosa acerca de mais investimentos financeiros na festa
das rosas para o próximo ano de 2016. Perspectiva que em 2016 uma grande festa se
realize e que a população possa se alegrar e ratificar ainda mais seu sentimento topofílico.
Além disso, que este sentimento aumente a cada amanhecer no município de Barbacena.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O lugar sob investigação neste trabalho (Município de Barbacena/MG), mesmo com sua
história negativa acerca da loucura, apresenta histórico positivo quanto á produção de rosas,
o que foi observado, sobretudo, nas entrevistas em campo. Deve-se, em grande parte, à
chegada dos imigrantes europeus ao município, ao clima e altitudes favoráveis. A floricultura
se mostrou muito importante no cenário econômico desse município, sobretudo com a vinda
desses imigrantes, se tornando uma das atividades com maior geração de renda e de
empregos para a população. A paisagem está inerente a este substrato socioeconômico e
cultural do município.
A economia de Barbacena especializou-se fortemente no cultivo e produção de rosas,
voltando-se inicialmente para atender a demanda do mercado externo, e, não obstante, à
formação atual de um mercado interno. A beleza das rosas influencia a paisagem, que
também se desvela a partir da arte. Com a implantação de novas técnicas nos processos de
plantio, de colheita, de transporte, e, principalmente, da implantação de sistemas de
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refrigeração, as empresas produtoras conseguiram ampliar a especialização e o
empreendedorismo na produção das mesmas.
A paisagem revelada por meio da arte das rosas de Barbacena também representa a
identidade cultural deste lugar, posto que para além da atividade econômica, há uma
identificação das pessoas com essa nova paisagem construída a partir do plantio de rosas
no município. Característica esta que, para ser preservada é preciso que se conheça,
reconheça, invista, cuide. É patente, conforme apurado no trabalho de campo, a formação
de parceria entre produtores e Prefeitura, na permanência da festa das rosas. Espera-se
que para os próximos anos ocorra maior união entre todos os envolvidos no município para
que não se rompa o laço de harmonia, topofilia, relações afetivas e que as pessoas
permaneçam construindo e sentindo pelo lugar onde vivem esse sentimento de
pertencimento. Ademais, o sentimento topofóbico forte do passado inerente à história do
hospital Colônia fique no (passado) e não apague o sentimento topofílico atualmente
existente.
REFERÊNCIAS
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