UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
ANÁLISE DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE NO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO
Por: Ottoni de Azevedo Neto
Orientador
Prof. Anselmo Souza
Rio de Janeiro
2012
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
ANÁLISE DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE NO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada como requisito parcial para obtenção do
grau de especialista em Direito Público e Tributário.
Por: Ottoni de Azevedo Neto.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela vida. Agradeço
também à minha mãe, Sonia Catarina,
e ao meu filho, Luan, por todo carinho
e amor que existe entre nós. Aos
amigos de minha vida pessoal e
profissional, em especial minhas
amigas Vevê e Solange Zimmermann,
por todos esses anos de amizade,
sinceridade e carinho.
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DEDICATÓRIA
Dedico esta monografia em memória de
meu pai, Ottoni de Azevedo Junior.
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RESUMO
Esta monografia pretende realizar um estudo sobre igualdade
tributária no direito brasileiro. Sendo a igualdade, um modo de tornar justos os
direitos dos cidadãos, no que se refere em matéria tributária. A igualdade gera
um tratamento isonômico entre os contribuintes, de acordo com a situação
econômica de cada um. Com isso, várias questões serão abordadas. Estas
questões têm o propósito de esclarecer um melhor posicionamento quanto ao
Princípio da Igualdade, mediante matéria tributária e sua maneira justa e
correta sobre sua aplicação.
Vale ressaltar que esta monografia também tem intuito abordar e
conceituar princípio e igualdade, assim como, esclarecer o funcionamento
obrigacional entre as relações dos contribuintes ou os responsáveis tributários,
mostrando alguns detalhes sobre alguns tributos relacionados ao princípio da
igualdade.
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METODOLOGIA
Para a realização desta monografia foram realizadas pesquisas
em livros e revistas especializadas, na questão que será aqui desenvolvida,
através de métodos dedutivos. Foram feitas pesquisa sobre teorias jurídicas e
a jurisprudência, com profunda análise da legislação pátria. Foram ainda
selecionadas fontes bibliográficas primárias – para se ater ao Princípio da
Igualdade – e fontes secundárias – com o intuito de entender a sua
importância e aplicabilidade. Esta monografia, portanto, foi escrita a partir do
diálogo com várias anotações de revistas científicas e, sobretudo publicações
de doutrinadores.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I - Princípios 11
1.1 Histórico 14
1.2 O conceito de Princípios 17
1.2 Princípios e Regras 21
CAPÍTULO II - Igualdade 26
2. 1 O conceito de Igualdade 27
2.2 A Relação com o Mundo Jurídico 30
2.2 Igualdade e Justiça 33
2.3 Desigualdade e Comparação 37
CAPÍTULO III – Capacidade Contributiva 42
CAPÍTULO IV – Igualdade Tributária 50
CONCLUSÃO 54
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 56
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INTRODUÇÃO
Das longínquas épocas de filósofos como Platão e Aristóteles até os
nossos juristas hodiernos, a igualdade e a justiça estiveram sempre atreladas
umas as outras, pois a concepção desses dois institutos está caminhando
paralelamente, uma vez que não há igualdade sem justiça tão como justiça
sem igualdade.
Os tributaristas nunca negaram a difícil tarefa de se manusear as
diferenciações, seja para beneficiar ou agravar a situação tributária do sujeito
passivo. A jurisprudência brasileira também tem sido cautelosa nessa matéria,
tanto que nossos melhores juristas fomentam a importância da
representatividade da classe minoritária no nosso regime democrático já que,
na democracia, governa a maioria, mas sem poder oprimir a minoria.
O que provoca o sentimento de desigualdade e, consequentemente, a
sensação de favoritismo, ou não, em relação a algumas classes é o grande
contraste econômico-social na sociedade. Este ocasiona o sentimento de
revolta e de injustiça dos economicamente mais fracos.
Diante do exposto, este trabalho de monografia delimita-se a estudar a
aplicabilidade do princípio da igualdade nas relações tributárias e seu
interrelacionamento com algumas normas tributárias.
Neste sentido, esta pesquisa justifica-se pela motivação de mostrar
como os contribuintes, ou responsáveis tributários, devem estabelecer
analogias entre suas relações obrigacionais, tendo por referência sua posição
isolada e coletivamente perante a situação todos os sujeitos passivos.
Esta monografia tem como objetivo geral analisar a relação entre o
legislador ordinário, que está obrigatoriamente vinculado ao enunciado da lei, e
a efetivação do princípio da igualdade no ordenamento jurídico. Dessa
maneira, fica estabelecido o problema básico da pesquisa: o que é levado em
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consideração para que o princípio da igualdade seja aplicado de maneira justa
e incontestável?
Para tanto, é preciso desenvolver alguns objetivos específicos: o
conceito de princípio e igualdade; a relação entre justiça e igualdade; o
cotejamento de desigualdade e comparação; a evidenciação de detalhes
presentes em alguns tributos relacionados ao princípio da igualdade; rivalizar
os princípios da igualdade tributária e capacidade contributiva.
Visando desenvolver os objetivos propostos, esta monografia pretende
investigar e debater as seguintes questões:
- O que é princípio?
- O que é igualdade?
- Qual é a relação entre igualdade e justiça?
- Como atingir a igualdade entre os contribuintes?
- Como se relacionam desigualdade e comparação?
- Onde o legislador fica obrigado a observar o princípio da igualdade?
- Por que a capacidade contributiva é relevante ao princípio isonômico?
As perguntas formuladas serão analisadas em capítulos, utilizando o
método de pesquisa explicativa, que é a metodologia aplicada em pesquisas
bibliográficas de doutrinadores renomados, etapa indispensável para que se
possa obter explicações científicas, sendo trabalhos que mais aprofundam o
conhecimento da realidade.
Estes pensadores do Direito serão fundamentais para a fixação do
conceito de princípio e igualdade, esclarece dúvidas a respeito de justiça e de
igualdade; relaciona desigualdade e comparação, demonstrando alguns
detalhes pertencentes aos tributos, rivalizando os princípios da igualdade
tributária e capacidade contributiva. Isto posto, as respostas das perguntas
formuladas serão apresentadas no Capítulo 3.
A pesquisa integralizou-se por estudos bibliográficos, realizada através
do método dedutivo. Almejou-se uma afinidade entre as teorias jurídicas e a
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jurisprudência, com profunda análise da legislação pátria. Foram selecionadas
fontes bibliográficas primárias para se ater ao Princípio da Igualdade como, por
exemplo, o livro de Aliomar Baleeiro e fontes secundárias com o intuito de
entender a sua importância e aplicabilidade.
Foram feitas também várias anotações de revistas científicas e
publicações de doutrinadores para se chegar a uma redação provisória, e que
após análise do que havia sido pesquisado chegou-se a uma redação
definitiva.
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CAPÍTULO I
Princípios
O sistema jurídico estrutura-se como um completo edifício, onde
tudo está organizado em perfeita arquitetura. Necessitando de sua aplicação,
seus súditos não só encontram a ordem, na aparente complicação, mas
também identificam, imediatamente, seus alicerces e suas vigas-mestras.
Como em toda construção civil tudo tem sua importância, por
exemplo, num edifício, são fundamentais: suas portas, janelas, luminárias,
paredes, alicerces etc. Porém, não é preciso ser formado em engenharia para
ter conhecimento de que muito mais importante que as portas e as janelas,
estas são substituíveis facilmente, são as fundações e as pedras angulares,
fundamentais à manutenção da estrutura formada. Isso decorre de que se
retirarmos ou substituirmos estes itens, considerados irrelevantes (portas,
janelas e até mesmo as paredes), ela não se abalará de maneira séria,
podendo ser reconstruída ou reformada. Todavia, se dela subtrairmos os
alicerces e as vigas-mestras, inevitavelmente cairá por terra, ainda que suas
portas, janelas e paredes estejam intactas em seus devidos lugares.
Desta forma, com as devidas cautelas de comparação, estes
“alicerces” e estas “vigas-mestras” são os princípios jurídicos do nosso
ordenamento jurídico.
No entendimento de Maria Tereza de Cárcamo Lobo:
“Os princípios são normas de normas detentoras de
intensa carga axiológica e ganharam assento
constitucional, positivando o direito natural. Esta
positivação induz à necessidade de se indagar pela
legitimidade tanto quanto pela legalidade, em ordem a
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realizar os objetivos inscritos na Constituição na plenitude
da sua normatividade” (LOBO, 2007, p.187).
Os princípios constituem um conjunto de proposições que
embasam um sistema garantindo sua validade. Eles podem ser: onivalentes,
ou seja, valem para qualquer ciência, como o princípio da não-contradição –
uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo; plurivalentes, isto é, os
que valem para um grupo de ciências, como o princípio da causalidade – à
causa corresponde um dado efeito; e, por fim, os monovalentes sendo estes
os que valem só para uma ciência, como o princípio da legalidade – aplicável
somente ao Direito. Estes últimos, os monovalentes, podem ser: gerais,
valendo para um ramo de determinada ciência, ou específicos, valendo apenas
para uma parte de um ramo de certa ciência (cf. ROTHENBURG , 1999, p. 23).
Determinados princípios, com seus conteúdos, são inseparáveis e
verdadeiramente nascem e se impõem por si só, praticamente excluindo a
possibilidade do legislador, mesmo constituinte originário, fazer uma opção
contrária a eles. Esses princípios são aqueles que têm vocação maior para
existirem mesmo não estando expressos no texto constitucional ou legal (cf.
ROTHENBURG , 1999, p. 23).
Assim, num regime democrático, os princípios da igualdade e da
justiça são inafastáveis e subsistem ainda que o texto constitucional seja
silente ao seu respeito. São princípios verdadeiramente ontológicos em relação
ao objeto a que se referem, impondo-se sem possibilidade de serem afastados
se a opção constitucional tiver sido pelo regime democrático. Isto é, feita esta
escolha, o constituinte não tem como evitar os referidos princípios (cf.
ROTHENBURG , 1999, p. 23).
Já outros princípios são produtos de escolha total do legislador,
adotados por este ao seu livre critério e opção em relação a um determinado
objeto, a partir do qual passam a se impor a este mesmo legislador para que a
lei em elaboração seja perfeita e consistente, assim como se impõem aos
demais níveis inferiores e aos destinatários da Constituição ou da lei em que
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eles tenham sido adotados. Mas, antes da sua adoção, o legislador estava livre
para querê-los ou não querê-los (cf. ROTHENBURG , 1999, p. 23).
O Direito Positivo, normalmente, não redige expressamente os
princípios, quando muito, apenas os menciona, sendo denominadas normas
princípios, pois foram positivadas, como dispõe a Constituição da República no
seu art. 37 que enumera os princípios da legalidade, da impessoalidade, da
moralidade, da publicidade e da eficiência. Quando obtidos pela hermenêutica,
implícitos nas normas são consideradas normas principiológicas (cf.
ROTHENBURG , 1999, p. 23).
A relevância assumida pelos princípios dá-se, notadamente, em
razão de sua importância para a realização dos conteúdos programáticos
escolhidos pelo legislador, buscando a concretização dos valores do Estado
Democrático, destacando a função que desempenham no auxílio à
interpretação constitucional, e seu apelo prático, conforme revelam situações
de conflito e concorrência de princípios, desafiando a solução de casos
concretos tais como: os limites do direito de informação, o uso do detector de
mentiras, o reconhecimento da união homossexual, a obrigatoriedade de
realização de testes de avaliação genética na avaliação de paternidade
(AMARO , 1997, p. 523).
Como as normas jurídicas principiológicas são oriundas da cultura
de um povo, elas sempre serão formuladas sob certo aspecto de valor que
contém, invariavelmente, variações de intensidade, de tal forma que existem
preceitos de tamanha importância que acabam exercendo significativa
influencia sobre grandes áreas do ordenamento jurídico, indicando o caminho
ser seguido pelas demais normas (BALAEERIO, 1997, p. 523).
Em suma, os princípios são normas fundamentadoras, de
natureza informadora ou orientadora com o objetivo de servir de vetor para o
legislador pátrio, utilizando-os como normas interpretativas de análise da
ciência jurídica, formulando um complexo ordenamento jurídico.
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É imprescindível o estudo aprofundado a respeito dos princípios
nos ordenamentos jurídicos, pois quando o intérprete se depara com os
valores neles inseridos cria-se um mundo de subjetividade, muitas vezes
complexas, possibilitando a realização de um fim diverso do pretendido na
norma. Sem essa investigação de hierarquia das funções dos princípios não é
possível assimilar a natureza, a essência e os rumos do constitucionalismo
contemporâneo que visa a garantia dos direitos do indivíduo contra a falta de
limites da máquina governamental.
1.1 Histórico
A imposição de tratamento isonômico constitui objetivo primeiro
de qualquer Estado que se organize sob a forma de democracia, apresentando
estreita ligação com o ideal de justiça, diretriz suprema presente em todos os
preceitos independentemente da conduta a ser disciplinada, e a igualdade.
Isso pode ser observado desde as origens mais remotas da civilização.
A igualdade, à época de Aristóteles, era conceituada como norma
que tratava igualmente os desiguais e desigualmente os desiguais, levando-se
em consideração o mérito. Porém, esse critério se apresentava falho naquelas
relações consideradas de superior para inferior. Nesta época, o justo ou o igual
foi estabelecido do ponto de vista político aos cidadãos, tendo Aristóteles
excluído as mulheres, as crianças, os bárbaros e os escravos do rol dessa
classe social (BALEEIRO, 1994, p.11).
Outro ponto histórico do princípio da igualdade foi quando o
grande Barão de Montesquieu invocou-o para manter aos nobres os tribunais
especiais de que gozavam, sob a fundamentação de o menor dos cidadãos
tem, em um Estado livre, o direito de ser julgado por seus pares, renunciando
ao principio da separação dos poderes (BALEEIRO, 1994, p.11).
Depois da Revolução Francesa, os regimes democráticos
concebiam a isonomia como a rejeição dos privilégios e discriminações entre
os cidadãos, pois até então, o critério de comparação, ou a valoração do
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mérito, estava na liberdade para os liberais democratas, ou na riqueza ou
nobreza para os oligarcas (BALEEIRO, 1994, p.11).
As Constituições promulgadas pela França, após a Revolução,
sempre se referiam invariavelmente à igualdade de todos perante os impostos,
refletindo o ardente e duradouro esforço dos povos na luta secular contra
privilégios e iniquidades de classe, sendo acolhido pela Ciência das Finanças e
desdobrado em aspectos, tais como: generalidade, uniformidade, justiça do
imposto. Porém, não coube à França a glória da primeira consagração
constitucional do princípio a igualdade. Cabendo-lhe tão somente o enunciado
que se tornou fluente (BALEEIRO, 1994, p.11).
O princípio jurídico-político, denominado princípio da igualdade ou
princípio da igualdade perante a lei, foi erigido pelo constitucionalismo
moderno presente nas Constituições Americanas de 1787, e Francesa, de
1793. A Constituição de 1787 extinguiu os títulos de nobreza, em seu artigo 1°,
secção 9, in fane:
“Nenhum título de nobreza será concedido pelos Estados
Unidos, nem pessoa alguma exercendo emprego de
interesse ou confiança debaixo da autoridade dos
Estados Unidos, poderá aceitar sem consentimento do
congresso, gratificação, emolumento, emprego ou título,
seja de que natureza for, de qualquer rei, príncipe, ou
estado estrangeiro” (PEIXINHO, 1988, p. 253).
As Constituições de alguns estados americanos, tendo como
referência o espírito da Constituição comum, complementaram o princípio.
Exemplo visto com o Bill of Rights da Virgínia (12/06/1776) que dispunha da
natureza igualmente livre e independente dos homens, tratamento dado
também pela Constituição do Estado da Carolina do Norte e Massachusetts de
1780.
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A Corte Suprema dos EUA, no caso Plessy versus Ferguson,
interpretou não haver inconstitucionalidade contra o principio da igualdade no
fato de as escolas públicas mantidas só para brancos não permitissem o
acesso aos negros. Para eles, este princípio se conformava em exigir que, nas
escolas de negros, todos de tal raça fossem igualmente tratados. Somente em
1954, no caso Brown versus Board of Education, tal entendimento foi alterado.
A Alemanha, no período entre 1815 e 1848, adotou o modelo
liberal clássico da igualdade perante a lei, seguindo as tradições do
constitucionalismo moderno, e concretizou-o durante a Assembléia Nacional
de Frankfurt. A Declaração dos Direitos Fundamentais do Povo Alemão
(27/12/1848) instituiu a inexistência de qualquer diferença entre os estados, a
igualdade de acesso às funções públicas a todos aqueles que têm capacidade
e as obrigações militares iguais para todos.
Caso peculiar aconteceu quando a Corte de Cassação da
Bélgica, em decisão de 11/11/1889, proibiu uma advogada belga, doutora em
Direito e mantenedora de todos os requisitos do exercício de sua profissão,
sob a alegação de que não era necessário um dispositivo legal estabelecendo
o acesso restrito dos homens ao serviço da justiça, sendo uma vedação tácita
às mulheres (BALEEIRO, 1994, p. 11).
No Brasil, do ponto de vista constitucional, o princípio da
igualdade já vem sendo consagrado desde a época imperial, pela primeira
constituição brasileira outorgada por D.Pedro I, influenciado pelas s da Europa,
formulou-a num modelo liberal que segundo Afonso Arinos ficou conhecida
como “um grande código político, dos maiores produzidos pela ciência e pela
experiência política do Século XIX” (ARINOS, 1993, p. 88).
O art. 179, da Constituição de Império, em seu item 13,
assegurava que “a lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e
recompensará em proporção dos merecimentos da cada um” (BRASIL.
Constituição do Império do Brasil de 1824).
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A Constituição Brasileira de 1824, seguindo o modelo liberal,
incorporou o princípio da igualdade no seu texto, apesar de manter a
escravatura para atender aos interesses das elites oligárquicas.
A Constituição Republicana de 1891 manteve o princípio
isonômico, não mais seguindo o perfil europeu e sim guiado pelo pensamento
jurídico norte americano, segundo o qual tratava de uma isonomia jurídica,
diferenciando aspectos relevantes, como a cidadania, visto que as mulheres
ainda eram excluídas da participação política de votar e ser votada, não
garantindo desta forma os seus direitos políticos (PEIXINHO, 1988, 13).
A igualdade, na Constituição Brasileira de 1988, denominada
pelos operadores do direito como Constituição Cidadã, formulada após um
longo período de ditadura política, momento em que os direitos individuais
foram suprimidos, passou a se apresentar como princípio expresso e
integrante dos direitos e garantias fundamentais do cidadão contribuinte, sendo
assim, auto-aplicáveis, efetivos e voltados à concretização do Estado
Democrático de Direito (MARTINS, 2000, p. 9).
1.2 – O Conceito de Princípios
Toda ciência se respalda e se evolui a partir de princípios.
Princípio é a origem, o começo de um fenômeno ou de uma série de
fenômenos e o fundamento de qualquer processo normativo, dando-lhe
logicidade e racionalidade aos seus postulados, é a causa da qual algo
procede. Isto posto, não há como falar sobre determinado assunto científico
sem debruçar-se em seus princípios.
De acordo com a difundida colocação de Celso Antônio Bandeira
de Mello princípio jurídico é:
“mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce
dele, disposição fundamental que se irradia sobre
diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de
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critério para sua exata compreensão e inteligência,
exatamente por definir a lógica e a racionalidade do
sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá
sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que
preside a intelecção das diferentes partes componentes
do todo unitário que há por nome sistema jurídico
positivo” (MELLO,1993, p.31).
Os princípios devem ser observados não porque favoreça ou
assegure uma situação econômica, política ou social considerada desejável,
mas porque é uma exigência da justiça, da equidade ou de alguma outra
dimensão da moralidade.
O conceito de princípio para Miguel Reale é:
“Princípios são, pios, verdades ou juízos fundamentais,
que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um
conjunto de juízos, ordenados em um sistema de
conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes
também se denominam princípios certas proposições que,
apesar de não serem evidentes ou resultantes de
evidencias, são assumidas como fundantes de validez de
um sistema particular de conhecimentos, como seus
pressupostos necessários” (REALE, 1986, p. 28).
Toda atividade tem seus princípios. Não precisamos ir muito
longe. Vamos pensar em regras comportamentais. Ninguém entra num
restaurante e pede primeiro a sobremesa para, em seguida, pedir o prato
salgado. Na verdade, todos nós aceitamos esta norma: primeiro o salgado e
depois a sobremesa, sendo consenso geral.
O conceito formulado por Roque Antônio Carrazza estabelece
que:
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“princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou
explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa
posição de preeminência nos vastos quadrantes do
Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o
entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com
ele se conectam” (CARRAZA, 1998, p. 57).
Duas condições básicas são necessárias para que os princípios
sejam aceitos e incorporados a qualquer doutrina:
• devem ser considerados praticáveis, ainda que com
dificuldades, e objetivos pelo consenso profissional;
• devem ser considerados úteis (relevantes).
Para Luis Roberto Barroso, de acordo com a Constituição da
República de 1988 e levando-se o seu grau de importância e abrangência, os
princípios se dividem em:
“Princípios fundamentais (“que contêm as decisões
políticas estruturais do estado”): o republicano
(Constituição brasileira, artigo 1°, caput), o federativo
(artigo 1°, caput), o de Estado Democrático de direito
(artigo 1°, caput), o da separação dos Poderes (artigo 2°),
o presidencialista (artigo 76) e o da livre iniciativa (artigo
1°, IV);
Princípios constitucionais gerais (desdobramentos menos
abstratos dos princípios fundamentais, equivalendo aos
“princípios-garantia”de Canotinho): o da legalidade (artigo
5°, II), o da isonomia (artigo 5°, caput e I), o da autonomia
estadual e municipal (artigo 18), o do acesso ao Judiciário
(artigo 5°, XXXV), o da irretroatividade das leis (artigo 5°,
XXXVI), o do juiz natural (artigo 5°, XXXVII e LIII) e o do
devido processo legal (artigo 5°, LIV);
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Princípios setoriais ou especiais (“presidem um específico
conjunto de normas afetas a um determinado tema,
capítulo ou título da Constituição... Por vezes são mero
detalhamento dos princípios gerais, como os princípios da
legalidade tributária ou da legalidade penal. Outras vezes
são autônomos, como o princípios da anterioridade em
matéria tributária ou o do concurso público em matéria de
administração pública”): relativos à Administração pública
(o da legalidade administrativa, o da impessoalidade, o da
moralidade e o da publicidade – artigo 37, caput; o do
concurso público – artigo 37, II; o da prestação de contas
– artigo 70, parágrafo único; 34, VII, “d”, e 35), relativo à
organização dos Poderes (o majoritário, o proporcional, o
da publicidade e da motivação das decisões judiciais e
administrativas – artigo 93, IX e X; o da independência e
da imparcialidade dos juízes – artigo 95 e 96; o da
subordinação das Forças Armadas ao poder civil – artigo
142); relativos à tributação e ao orçamento (o da
capacidade contributiva – artigo 145, III; o da legalidade
tributária – artigo 150, I; o da isonomia tributária – artigo
150, II; o da anterioridade da lei tributária – artigo 150, III;
o da imunidade recíproca das pessoas jurídicas de direito
público – artigo 150, VI, “a”; o da anualidade orçamentária
– artigo 165, III; o da universalidade do orçamento –
artigo 165, parágrafo 5°; o da exclusividade da matéria
orçamentária – artigo 165, parágrafo 8°), os relativos à
ordem econômica (o da garantia da propriedade privada –
artigo 170, II; o da função social da propriedade – artigo
170, III; o da livre concorrência – artigo 170, IV; o da
defesa do consumidor – artigo 170, V; o da defesa do
meio ambiente – artigo 170, VI) e os relativos à ordem
social (o da gratuidade do ensino público – artigo 206, IV;
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o da autonomia universitária – artigo 207; o da autonomia
desportiva – artigo 217, I)” (BARROSO, 1991, p. 17-39).
Dos conceitos acima veiculados, infere-se que os princípios
jurídicos têm como notas características à generalidade, pois seus efeitos
irradiam-se sobre múltiplas normas que com ele se conectam, e a
preeminência, conforme seu conteúdo condiciona a construção e a
interpretação das normas jurídicas a que se aplicam.
Importante compreensão tem Paulo de Barros Carvalho, pois
afirma que os princípios têm a função de iluminar a compreensão de setores
normativos que caem sob o seu raio de influência e manifestam-se no sentido
de que direção deve se seguir a fim de se realizar o objetivo valorado nos
mesmos (CARVALHO, 2000, p. 11).
De acordo com o exposto, princípios são mandados de
otimização, ou seja, possui um fim a ser alcançado, porém há uma certa
flexibilização, formados a partir de ponderação de valores que são dirigidos ao
legislador, principalmente, ao intérprete (operador do direito) e a qualquer um
do povo.
1.3 Princípios e Regras
Na visão do saudoso professor Hely Lopes Meirelles o Direito,
considerando objetivamente, seria “o conjunto de regras de conduta
coativamente imposta pelo Estado” (MEIRELLES, 2002, p. 35), porém de
acordo com Walter Claudius Rothenburg sob uma análise mais aprofundada
hão de ser separados das regras os princípios (ROTHENBURG , 1999, p.23).
As normas constitucionais não têm o mesmo valor. Existe uma
hierarquia sobre às quais elas se apresentam organizadas normativamente sob
a forma de princípios e regras, pois ambos possuem expressões deônticas
básicas do mandamento, da permissão e da proibição. Essa realidade,
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aparentemente simplista, pressupõe uma tomada de posição diversa quanto a
determinados temas, atuando diretamente no âmbito da interpretação
constitucional (ROTHENBURG , 1999, p.23).
Embora haja razoável concordância quanto aos objetivos
normativos dos princípios, o questionamento está em sua conceituação e nos
critérios de distinção com as regras, sendo de relevante importância para o
delineamento do aspecto morfológico das normas constitucionais, pois
repercute diretamente na solução dos problemas hermenêuticos que as
envolvem.
É ultrapassada e insuficiente para explicar todas as dimensões
do fenômeno normativo a definição que apresenta o Direito como um sistema
puro de regras. A força jurídica atribuída aos princípios possibilitou-lhe lugar de
destaque na teoria do direito e da constituição.
De fato, é fácil confundir-se com as estreitas relações entre o
reconhecimento da normatividade dos princípios e a aceitação da s de que
todas as normas constitucionais são dotadas de imperatividade e eficácia,
características das regras. Isso se dá graças às premissas do positivismo
clássico, que concebia o direito taxativamente como um sistema de regras,
remetendo aos princípios o papel secundário de preenchimento de lacunas e
de orientação da atividade interpretativa (PEIXINHO, 1988, p. 13).
Uma corrente de pensadores como Ferrajoli e Ronald Dworkin,
contrários às concepções positivistas clássicas, autodenominados de pós-
positivistas, conferiu a posição de relevo aos princípios no direito
contemporâneo, visto ser insuficiente à subsunção como método de aplicação
das normas, definiu o sistema jurídico como um conjunto de regras e
princípios, sendo este a conexão entre o Direito e a Moral, do ponto de vista
estrutural e lógico (PEIXINHO, 1988, p. 13).
Regras e princípios apontam para decisões particulares relativas
a obrigações jurídicas em determinadas circunstâncias, mas diferem-se na
23
forma de solucionar os casos de colisão. As regras são aplicadas à maneira do
tudo ou nada. Se os fatos que a regra estipula estão dados, então ou a regra é
valida, caso em que a resposta que fornece deve ser aceita, ou então não é,
caso em que em nada contribuirá para a decisão (PEIXINHO, 1988, p. 13).
Já os princípios incidem de forma diferente, porque não
estabelecem conseqüências jurídicas que devem ocorrer automaticamente
quando determinadas condições se apresentem. Por essa razão, quanto aos
princípios, não há como prever todas as possíveis formas de aplicação que
podem ensejar, pois esses enunciam razões que indicam determinada direção,
sem exigir uma decisão particular (PEIXINHO, 1988, p. 13).
Assim sendo, as regras normalmente são razões definitivas ou
razões para ações, pois diante de um juízo de dever ser que tenha de
pronunciar, sendo aplicáveis não permitem nenhuma exceção, são editadas
contemplando uma situação jurídica determinada. Os princípios são valores
superiores adotados em dada sociedade política que formam a própria
essência do sistema constitucional, facultando-lhes amoldarem-se às
diferentes situações e assim acompanharem o passo da evolução social
(PEIXINHO, 1988, p. 13).
Os princípios possuem uma dimensão de peso ou de
importância, que não está presente nas regras. Quando dois princípios opostos
colidem, incidindo no mesmo caso concreto, a solução do conflito tem que ser
encontrada levando-se em conta o peso relativo de cada um deles, visto que
comportam uma série indefinida de aplicações.
Em relação às regras, na solução de um conflito, não há
possibilidade que uma ceda espaço a outra, pois não possuem dimensão de
peso. O afastamento de uma das regras só pode ocorrer a partir da aplicação
do critério hierárquico, cronológico ou da especialidade.
“Os princípios são normas que ordenam que algo seja
realizado na maior medida possível, dentro das
24
possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os
princípios são mandados de otimização, que estão
caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em
diferente grau e que a medida devida de seu
cumprimento não só depende das possibilidades reais,
mas também das jurídicas. O âmbito das
responsabilidades jurídicas é determinado pelos
princípios e regras opostos.
De outro lado, as regras são normas que só podem ser
cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então deve
fazer-se o que ela exige, nem mais nem menos. Portanto,
as regras contêm determinações no âmbito do fática e
juridicamente possível. Isto significa que a diferença entre
regras e princípios é qualitativa e não de grau. Toda
norma ou é uma regra ou é um princípio” (Cf. PEIXINHO,
1988, p. 13).
Existem princípios porque existem valores. Para Paulo de Barros
Carvalho, princípios são normas jurídicas carregadas de forte conotação
axiológica que introduzem, no direito positivo, valores relevantes para o
sistema, influindo vigorosamente sobre a orientação de setores da ordem
jurídica. Esses valores existem tanto para o legislador que, no momento da
confecção da norma, leva em consideração as hipóteses de incidência, isto é,
os fatos sociais sob o prisma do interesse público, quanto para os juristas os
quais valoram os fatos já jurisdicizados, interpretando-os (CARVALHO, 2000, p.
11).
Para Luciano Amaro, chama-se de “princípio”, por comodidade
didática, varias proposições que nem sempre correspondem a meros
enunciados gerais de concretização de valores, dependentes, para sua
aplicação, do desdobramento de normas. O valor da justiça concretiza-se por
meio de um feixe de fundamentos que, no futuro, desdobrar-se-á em normas
25
que ampliam o grau de concretização do valor em causa, até que sua aplicação
aos fatos obtenha-se a plena concretização do valor (AMARO, 2001, p. 110).
O princípio isonômico, assim como o da capacidade contributiva,
não permite que se encontre sua exata dimensão, sendo mero enunciado geral
carente de normatização para acentuar sua concretitude. Por esse motivo,
pode-se dizer que o enunciado indica o início, o começo do caminho, mostram
o rumo a seguir, ou seja, mostra o caminho a ser trilhado, sem indicar até onde
se deve ir naquela direção correndo o risco, dessa forma, de dar a volta ao
mundo e parar no ponto inicial (AMARO, 2001, p. 22).
.
26
CAPÍTULO II
IGUALDADE
A igualdade ou isonomia postulada na Constituição de qualquer
Estado Democrático de Direito pressupõe uma generalidade de direitos que
são universalizáveis, ou seja, estão implícitos em todas as pessoas, sem haver
distinção. Neste contexto, as questões de gênero apresentam a
incompatibilidade rigorosa que há entre o ser e o dever ser nas questões de
igualdade entre homens e mulheres, que está presente de modo substancial
em todo e qualquer lugar (MELLO, 1993, p. 16).
A igualdade, como prevista na Constituição Brasileira, apresenta-
se como norma programática, haja vista apresentar uma interpretação
completamente diversa em um modelo garantista de Direito, aparecendo não
como tese descritiva, mas como um princípio normativo, não como líquido e
certo, mas como objetivo a ser alcançado (MELLO, 1993, p. 16).
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de
Dezembro de 1948,da Organização das Nações Unidas, dando tamanha
importância a igualdade na relação humanitária estabeleceu em seu artigo 1º:
“todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.
Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em
espírito de fraternidade”.
Partindo dessa de igualdade, o objetivo seguinte é a fixação de
valores do ponto de vista externo, ou seja, dos valores das pessoas, bem como
do respeito às suas diversas identidades. E nesta acepção, está inserida a
moderna tolerância, ou seja, o respeito por todas as diferenças existentes
entre as pessoas. Neste contexto, a diferença sexual pressupõe um valor
baseado nesta tolerância, postuladora das diferenças.
27
A relação com seu oposto (desigualdade) é a parte mais
dificultosa para se estabelecer a igualdade, pois tal qual acontece com outros
valores, como justiça, segurança, liberdade, que suas polaridades significam
negações: injustiça, insegurança, falta de liberdade, o mesmo não ocorre com
a isonomia, uma vez que o próprio tratamento desigual visa muitas vezes a
atingir a um tratamento igual, não contrariando à sua ideias (TORRES, 1995,
p. 262).
Ronald Dworkin considera o direito a ser tratado como igual, um
direito fundamental, onde a igualdade é referida a todos os seres humanos,
sem haver distinção de qualquer gênero. Neste contexto, Dworkin deduz todos
os outros direitos do sistema de referência ao direito de todos os homens
possuírem igual consideração e respeito. No entanto, este conceito não pode
ser generalizado pelo fato de que o respeito como valor fundante não está
inserido apenas no valor da igualdade, mas também em outros princípios
como, por exemplo, o da dignidade humana (PEIXINHO, 1993, p. 13).
A igualdade significa, então, que vigorarão as mesmas
perspectivas para aqueles que se encontrem em iguais condições, podendo
desfrutar dos mesmos direitos e prerrogativas enquanto não existir alteração
no ponto de igualdade em que se encontrem temporariamente.
2.1- O Conceito de Igualdade
Conceito milenar, difundido entre nós por Rui Barbosa (Oração
aos Moços – Escritos e Discursos Seletos, José Aguilar, 1960, p.685), a
isonomia está consagrada como sendo: “a regra da igualdade consiste em
quinhoar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam. Nesta
desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a
verdadeira lei da igualdade” (BARBOSA, 1960, p. 685). Sendo assim, os
indivíduos podem ser agrupados segundo notas comuns e separados por suas
diferenças, admitindo a comparabilidade entre sujeitos distintos com a
finalidade de agrupá-los segundo suas semelhanças e dessemelhanças
pessoais.
28
Igualdade é sempre uma relação interpessoal, pois
necessariamente haverá a comparação entre dois termos, no mínimo, sendo
esta a única significação formal. Exemplo típico se dá numa sociedade de
grandes diferenças sócio-economicas, na qual um simples aumento do salário
mínimo aos de baixa renda, ainda que os preços dos bens de consumo se
mantivessem estáveis, geraria uma incompreensão às demais classes sociais,
pois estas costumam medir suas capacidades econômicas em função da
quantidade de salários mínimos que percebem (MELLO, 1993, p. 13).
A rigor, no mundo dos fenômenos, não é possível a existência de
dois objetos exatamente idênticos, entre eles pode ser encontrada alguma
igualdade relativa, de acordo com certo ponto de vista e levando em
consideração algumas características. Quando dois objetos são absolutamente
iguais em todos os aspectos, diz-se que são idênticos e, por consequência,
são o mesmo e único objeto (MELLO, 1993, p. 16).
A igualdade pode ser dividida em formal e material. A primeira é
norma de tratamento que leva, em consideração situações individuais, o
critério para comparações: situação social, origem raça etc; a segunda não se
importa com a situação individual em si, não estabelecendo variáveis
objetivamente determinadas, fixando escala de valores através do direito
positivo (BALEEIRO, 1994, p. 11).
A igualdade formal tem como pressupostos a dessemelhança
entre todos os seres, a possibilidade de comparação entre os indivíduos,
utilizando-se de certos critérios ou aspectos determinados e a valoração
desses critérios ou aspectos que são utilizados como pesquisa para se chegar
a diferenciação. Nesta perspectiva todos são iguais na medida em que são
igualmente livres para desenvolverem-se individualmente sem a intervenção do
Estado, gerando assim as desigualdades econômicas (PEIXINHO, 1993, p.13).
Já a igualdade material é obtida a partir da proibição de distinção
entre a aplicação da lei e o teor da lei em que o valor básico protegido é a
segurança jurídica, no dever de distinguir no conteúdo da lei entre desiguais, e
29
na medida dessas desigualdades, no dever de considerar as grandes
desigualdades econômico-materiais advinda dos fatos, com o fim de atenuá-
las e restabelecer o equilíbrio social e na possibilidade de derrogações parciais
ou totais ao princípio da capacidade contributiva(PEIXINHO, 1993, p.13).
A de igualdade puramente formal é hoje reconhecidamente
insuficiente, por esvaziar o conteúdo do princípio da isonomia. Com efeito,
afirmar-se simplesmente a igualdade “perante a lei” significa apenas obrigar a
que todos observem as prescrições normativas. Permite-se, assim, que
indivíduos em diferentes situações recebam o mesmo tratamento,
independentemente das desigualdades (PEIXINHO, 1993, p.13).
Existem outras espécies do gênero isonomia:
• igualdade numérica ou absoluta (tudo igual para todos): seria a
distribuição de benefícios e ônus, em partes idênticas, a todos, criticável do
ponto de vista da inverificabilidade. Não há notícia de sociedade que não tenha
efetuado alguma espécie de discriminação. Mas esta concepção tem alguma
relação com a promessa feita nas declarações de direitos fundamentais, que,
pelo menos em aparência, atribuiriam, equanimente, a todos (ROTHENBURG,
1999, p. 9);
• Igualdade proporcional (ou proporcional-quantitativa: a cada qual
e de cada qual segundo certas características de grau variável): é a atribuição
de benefícios maiores aos mais necessitados e ônus progressivos aos mais
aquinhoados. A aplicação deste princípio depende da existência de uma regra
de distribuição, cujo critério de materialização mais ou menos intensa a
determine. Mas, neste caso, toda norma geral seria igualitária, por conter na
hipótese elemento descritivo que serve de pauta à intensidade da distribuição
(ROTHENBURG, 1999, p. 9).
• Igualdade proporcional pelo mérito (a cada qual segundo seu
merecimento): é uma variante da anterior, mas se tomando como característica
decisiva o mérito individual relativo. O problema está na subjetividade da
30
avaliação do mérito pessoal (é mais fácil determinar o valor relativo de coisas
do que de pessoas), a reclamar a intermediação de critérios definidores, com o
que, mais uma vez se reduz este caso ao da igualdade proporcional geral
(ROTHENBURG, 1999, p. 9).
• Igualdade pelas partes iguais ou proporcional-qualitativa (o igual
aos iguais e o desigual aos desiguais): se tomado nesta pureza, resultaria, de
novo, em que toda norma fosse igualitária, pois esta atribui ou exige conforme
o atributo que designa como relevante, para identificar semelhança ou
diferença (ROTHENBURG, 1999, p. 9).
2.2- A Relação com o Mundo Jurídico
No direito constitucional brasileiro o princípio da igualdade foi
sempre fundamental para a própria legitimidade do Estado Democrático de
Direito, pois este regime político é adotado para que muitos governem, porém
sem oprimir a minoria que vive sob tal governo.
Não há um lugar reservado para os princípios na Constituição,
pois não carecem de sede fixa, podendo aparecer em vários dispositivos
simultaneamente. Eles podem apresentar-se desde o preâmbulo ou em
qualquer ponto da mesma, como também nos demais atos normativos
infraconstitucionais que compõem o sistema jurídico (MARTINS, 2000, p. 9).
A preocupação pela igualdade mereceu e merece tamanho
destaque, por todos e principalmente pelos legisladores pátrios, que sua
ideologia foi inserida inclusive no preâmbulo da Constituição da República de
1988:
“Nos, representantes do povo brasileiro, reunidos em
Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado
Democrático, destinado a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
31
como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social
e comprometida, na ordem interna e internacional, com a
solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a
proteção de Deus, a seguinte Constituição da República
Federativa do Brasil ”(BRASIL, Constituição da República
Federativa do Brasil).
Entretanto, a realização desses objetivos está obstacularizada na
medida em que vivemos numa sociedade capitalista na qual a alegria dos mais
ricos está na acumulação de grandes capitais cujos investimentos dependem
para alcançarem o desempenho econômico desejado.
A igualdade jurídica possui como característica a tolerância, que
por sua vez constitui-se em um princípio complexo, que inclui as diferenças
pessoais e exclui as diferenças sociais. Assim, o valor da igualdade pode então
ser analisado através de duas acepções: a primeira consiste no igual valor
correspondente a todas as diferentes identidades que fazem de cada pessoa
um indivíduo diferente dos demais e de cada indivíduo uma pessoa como as
demais. Neste contexto, a tolerância reside na admissibilidade de violações
destas identidades. Em uma segunda acepção, a igualdade desvaloriza o
gênero das diferenças econômicas e sociais, que constituem privilégios e
discriminação social, capazes de erradicar as identidades e determinar as
desigualdades, estas intoleráveis (PEIXINHO, 1993, p. 13).
O princípio da igualdade está implícito em todos os direitos
fundamentais, que por sua vez são postulados como valores extrajurídicos, ou
seja, valores sociais, e por essa razão, as garantias democráticas cabíveis
devem ser idôneas de tal modo que, sobre esses princípios não possam recair
a regra da maioria, pois no Estado Democrático o direito da minoria deve ser
respeitado e também pelo fato de serem legitimadores dos direitos
fundamentais, considerados historicamente invioláveis. Desse modo, ao
32
formarem a base de uma igualdade, os direitos fundamentais possuem
distintos valores dos direitos patrimoniais (PEIXINHO, 1993, p. 13).
O que provoca grandes questionamentos no mundo jurídico em
relação à isonomia é justamente quanto ao critério de valores jurídicos que se
levam em considerações para ser realizada, de forma pacífica e ordeira, sem
causar profunda discórdia aos que são dirigidas as normas jurídicas.
Segundo Aliomar Baleeiro, a igualdade deve ser tomada como
pressuposto fundamental para ser atingida a unidade do justo nos casos
litigiosos:
“não pode haver igualdade parcelada, justiça parcelada,
pois a constituição integra as suas partes distintas de um
todo harmônico e coerente. Por isso mesmo,
generalidade, capacidade contributiva (considerada
proporcional ou progressivamente) e outros valores,
ditados pela política econômica e social do País, são
desdobramentos de um mesmo e único princípio, o da
igualdade” (BALEEIRO, 1994, p. 11).
De acordo como leciona Canotilho, não há democracia sem
cidadãos iguais, da mesma forma que não há democracia sem jurisdicionados,
porque o princípio da igualdade e o princípio da democracia econômica e social
aglutinam-se reciprocamente numa única unidade, pois se reconhece a
necessidade de um tratamento isonômica pelas cortes Judiciárias para lides
semelhantes para uma real afirmação do princípio isonômico (CANOTILHO,
1995, p. 480).
Pimenta Bueno averbou que:
“A lei deve ser uma e a mesma para todos os indivíduos;
qualquer especialidade ou prerrogativa que não for
fundada só e unicamente em uma razão muito valiosa do
33
bem público será uma injustiça e poderá ser uma tirania”
(BUENO, 1993, p. 424).
2.3 - Igualdade e Justiça
Segundo Celso Ribeiro Bastos, a justiça consiste na vontade
firme e constante a dar o que é devido a cada um por direito, sendo necessário
à distinção entre as pessoas existentes correlativamente a um direito e a um
dever e a especificação do objeto em questão que pertence a uma delas e que
deve ser respeitado, devolvido ou restabelecido em sua integralidade pela
outra. A justiça comutativa visa regular a igualdade das transações entre os
indivíduos (BASTOS, 1998, p. 234).
A igualdade jurídica seria um dos primeiros princípios
recepcionados no pacto social do qual são deduzidas prescrições na forma de
normas precisas e critérios de validade e legitimidade de modelos jurídico-
políticos determinados, pressupondo que todos os homens são, por natureza,
iguais e livres e o pacto de união é firmado por indivíduos igualmente livres, em
todas as suas identidades e pontos de vista, deduzida de uma relação de paz
que deve se concretizar na condição política (PEIXINHO, 1993, p. 13).
Ao ser postulado como um critério de justiça, o princípio da
igualdade incorpora diversas dimensões, com uma distinta formulação: por um
lado através de um modelo social, que concerne à igualdade material, e por
outro, um modelo liberal que considera a igualdade através dos méritos e de
iguais oportunidades a todos (PEIXINHO, 1993, p. 13).
Assim, pensadores como John Rawls e Ronald Dworkin
formularam os princípios de justiça, em que primeiramente deve haver a
existência de igualdade através de uma democracia liberal, bem como uma
liberdade política, como o direito de votar e desempenhar cargos públicos, e
conseqüentemente, havendo desigualdade de oportunidades, através de
vantagens econômicas e sociais, deve-se tentar amenizá-las em face da
34
existência de menos bens a repartir, buscando dessa forma tanto a justiça
social quanto a jurídica (PEIXINHO, 1993, p. 13).
Neste contexto, é realmente questionável formular critérios de
justiça acerca da igualdade, pelo fato de tal princípio incorporar valores meta-
jurídicos, inseridos em uma acepção normativa e prescritiva, mas que, no
entanto, deve ser considerado o alicerce para todo e qualquer ordenamento
jurídico que tenha como primordiais valores aqueles inseridos nos direitos
fundamentais (PEIXINHO, 1993, p. 13).
O princípio da igualdade possui substancial ligação à concepção
de Estado Constitucional de Direito que traduza todos os seus valores, obtendo
como supremos aqueles valores postulados pela Constituição. Assim
considerada, a igualdade será consubstanciada como um valor primordial para
fundamentar e legitimar os direitos fundamentais.
Um mito freqüentemente utilizado para destacar a função
valorativa do Estado, concerne à justiça distributiva, que consiste em falar do
marco das correspondentes quotas de igualdade concernentes aos cidadãos.
Seguindo tal critério de justiça aristotélica, que exige que cada qual receba
uma porção adequada a seus méritos, se estabelecerá uma relação
proporcional dando mais a quem merece e menos a quem não merece. Dessa
forma, sendo desiguais os méritos, os que governam devem receber o
“adequado e devido” prêmio pelo fato de governar (CANOTILHO, 1995, p. 32).
Um dos mecanismos formulados para solucionar as disparidades
da democracia representativa, que legitima a desigualdade através dos
méritos, foi à democracia direta e a sociedade sem classes. A primeira forma
implicava a eliminação dos representantes, conseguindo erguer a vontade
popular, a expressão política. A segunda maneira, a sociedade sem classes,
converteria todos os eleitores em automaticamente iguais, de tal maneira que
não poderiam utilizar sua riqueza e seus bens para impor-se aos demais.
Contudo, é certo que em uma sociedade sem classes subsistiriam ainda
35
diferenças relativas à inteligência, sexo, saúde, dentre outras. Assim, o resíduo
da desigualdade seria inevitável (CANOTILHO, 1995, p. 32).
Neste contexto de igualdade absoluta para toda a justiça poderia
obter um papel controvertido, onde a concepção de justiça implica dar a cada
um segundo as suas necessidades e méritos, tal como a concepção
aristotélica de justiça distributiva (onde o indivíduo contribui com respeito à
sociedade também de forma proporcional). Desse modo, a justiça entendida
como “a todos por igual” acaba recaindo em desigualdade e, por sua vez, em
injustiça. Neste contexto, a sociedade sem classes não conseguiria gerar
situações jurídicas igualitárias (CANOTILHO, 1995, p. 32).
Partindo-se, então, para uma diferenciação entre um modelo
social, e outro liberal, haverá fundamentalmente duas maneiras de se
interpretar o valor da igualdade, inserida na distinção entre uma concepção
socialista e outra liberal, de igualdade material e de oportunidades.
A concepção socialista de igualdade é considerada através da
isonomia na participação dos benefícios sociais, independente de seus
méritos, correspondentes às relações materiais de poder e igualando todas as
situações econômicas existentes entre os cidadãos.
A concepção liberal de igualdade entende estar compatível com a
justiça dar a cada um os seus méritos, relativizando até a igualdade de
oportunidades. O sistema favorecedor das minorias raciais, por exemplo, ou
mesmo outra categoria, alvo de discriminação, pode ser considerado, de certo
modo, uma aplicação do princípio da igualdade de oportunidades. Os
partidários da meritocracia, como pode também ser chamadas as igualdades
de oportunidades, defendem, em última instância que, o que a igualdade exige
é retribuir igualmente o mérito também igual, sendo que os diferentes
indivíduos, sendo desiguais em méritos, recebam recompensas diferentes
(CANOTILHO, 1995, p. 32).
36
A afirmação de que “todos são iguais perante a lei”, denota uma
exigência de igualdade na aplicação do Direito, e ao constituir-se numa das
dimensões básicas do princípio da igualdade constitucionalmente garantido,
assume, dessa forma, relevância no âmbito da aplicação igual da lei pelos
órgãos da administração e pelos tribunais.
Ser igual perante a lei não significa apenas aplicação igual da lei,
deve-se levar em consideração a situação pessoal de cada um. A própria lei
deve tratar de forma igual todos os cidadãos. O princípio da igualdade dirige-se
ao próprio legislador, vinculando-o à criação de um Direito igual para todos os
cidadãos.
A essencial relação entre a justiça e a igualdade com os direitos
fundamentais, justificará uma peculiar natureza jurídica dos direitos com o
centro do ordenamento, expressando um valor, condicionando um modelo de
Estado de Direito que garanta a igualdade, e ao mesmo tempo, incorporando
limites precisos aos poderes públicos, tanto negativos, como positivos, assim
como fins que pressupõem garantias, através de toda atividade jurídica.
Canotilho demonstra então três formas intrínsecas de criação de
direito igual:
a) Criação de direito igual como princípio da
universalidade ou princípio da justiça pessoal: a
racionalidade prática aqui é postulada, sendo que para
todos os sujeitos de direito com as mesmas
características, prevê-se iguais situações ou resultados
jurídicos. Nesta acepção, o princípio da igualdade
permitiria a discriminação quanto ao conteúdo: todos os
indivíduos de raça negra devem ser tratados igualmente
em “escolas separadas” dos brancos. Através desse
exemplo, percebe-se que em um sentido formal, tal
princípio ficaria reduzido a um princípio da prevalência da
lei em face da jurisdição.
37
b) Criação de direito igual como exigência de igualdade
material através da lei: nesta acepção, a exigência de
igualdade material deve tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais, reconduzindo a uma ideias
de igualdade relacional.
c) Igualdade justa: a igualdade pressupõe um juízo e um
critério de valoração. O critério de valoração não está
inserido no âmbito das relações de igualdade (ou
desigualdade), bem como os juízos de valor, mas sim,
encontra-se relacionado “à proibição geral do arbítrio”,
onde haverá observância da igualdade quando os
indivíduos (ou situações iguais) não são arbitrariamente
tratados como desiguais, ou seja, “o princípio da
igualdade é violado quando a desigualdade de tratamento
surge como arbitrária. O arbítrio da desigualdade seria
condição necessária e suficiente da violação do princípio
da igualdade” (CANOTILHO, 1995, pp. 563-4).
A igualdade está implícita em todos os direitos fundamentais, que
por sua vez são postulados como valores extrajurídicos, e por essa razão, as
garantias democráticas cabíveis devem ser idôneas de tal modo que, sobre
esses princípios não possam recair a regra da maioria, pelo fato de serem
legitimadores dos direitos fundamentais, considerados historicamente
invioláveis.
2.4 - Desigualdade e Comparação
Os aspectos de diferenças a serem estabelecidas para um
critério de valoração, por parte do legislador, constituem-se no maior problema
para a fixação do estado de desigualdade, pois o limite de sua tolerância está
bem próxima da arbitrariedade, que por descuido de nossos representantes e
38
por dificuldade de se estabelecer o seu marco, acaba sendo realizada
(TORRES, 1995, p. 25).
A resposta para esse problema está justamente na valoração
subjetiva da situação em questão utilizando como ferramenta a aplicação de
outros princípios constitucionais, como, por exemplo, a razoabilidade para que
nenhum excesso seja praticado na sujeição da desigualdade (TORRES, 1995,
p. 25).
Há quatro possibilidades de configuração jurídica das diferenças,
baseando-se nos parâmetros de igualdade e desigualdade, segundo Celso
Antônio Bandeira de Mello:
1. Indiferença jurídica da diferença: que consiste na sujeição de fato
da mulher ao poder masculino, na qual as diferenças não são valoradas, nem
desvaloradas, tuteladas ou reprimidas, mas apenas ignoradas (MELLO, 1993,
p. 16).
2. Diferenciação jurídica da diferença: nesta possibilidade há uma
hierarquização das diferentes identidades, exprimidas na valorização de
algumas e desvalorização de outras. Para Ferrajoli, estamos inseridos nesta
categoria, na atualidade (MELLO, 1993, p. 16).
3. Homologação jurídica da diferença: neste modelo há um
nivelamento, não se levando em conta as diferenças, sendo que, através de
um juízo de fato, normaliza-se a sociedade. A diferença feminina resulta,
assim, não discriminada pela anulação das diferenças (MELLO, 1993, p. 16).
4. Igual valorização jurídica da diferença: esta possibilidade baseia-
se no princípio normativo de igualdade, como um direito fundamental, e ao
mesmo tempo um sistema de garantias capaz de assegurar a efetividade de tal
princípio (MELLO, 1993, p. 16)..
Duas são as possibilidades de o Estado, pela via legislativa,
ofender o principio isonômico e, por conseguinte a liberdade relativa do
39
cidadão: privilégio odioso e discriminação. O primeiro mediante a possibilidade
de pagar tributo menor, não pagá-lo por isenção ou obter incentivos ou
subvenções, tudo em razão de diferenças subjetivas, sem observar os
princípios da justiça ou da segurança jurídica. A segunda criada a partir de
desigualdades infundadas que prejudiquem diretamente os contribuintes a que
são direcionados tais normas (TORRES, 1995, p. 25).
Conceitos, que distinguem igualdade, como norma, e diferença,
como fato, apesar de sua ligação recíproca, foram estabelecidos. De um lado,
a igualdade enquanto valor, não constitui um fato, nem uma asserção, mas
uma prescrição, bem como é também um termo normativo, ou seja, onde o
diferente deve ser respeitado e tratado como igual. De outro lado, a diferença
constitui um termo descritivo, denotando as diferentes pessoas e identidades,
sendo que todas elas devem ser tuteladas e respeitadas, bem como
garantidas, em favor do princípio da igualdade. Dessa forma, se uma diferença
é violada, como é o caso da diferença sexual, estará destinada à desigualdade
e discriminação (TORRES, 1995, p. 25).
Por conseguinte, a valorização da diferença sexual tem como
pressuposto o princípio normativo da igualdade, que consiste no igual valor da
diferença, como constitutiva da identidade da pessoa e é como tal assegurada
por sua universalidade. Cabe, então, a elaboração teórica e a realização
prática de garantias idôneas capazes de suprimir as discriminações. Esta
tarefa é a problemática para qualquer política Democrática de Direito, pois
tange a desigualdade (TORRES, 1995, p. 25).
Hugo de Brito Machado revela sua preocupação com tal questão
no seguinte excerto:
“É induvidoso que o Direito não pode fazer iguais todos
os seres humanos. Estes são naturalmente desiguais, e
como tal devem ser tratados pelo Direito. A grande
dificuldade reside em saber quando o Direito deve
considerar as desigualdades para atribuir, em função
40
destas, tratamento desigual, prestigiando-as, e quando
deve o Direito ignorar essas desigualdades, atribuindo
tratamento igual” (MACHADO, 1994, p. 132).
Comparação é a aproximação para exame de pelo menos dois
termos entre os quais existe alguma relação de semelhança ou
dessemelhança, por mais insignificante que seja.
Celso Antônio Bandeira de Mello argumenta que radica-se o
agravo à isonomia justamente pela escolha, estabelecida pela lei editada por
nossos representantes eleitos, de certos fatores diferenciais existentes nas
pessoas, mas que não seriam fundamentais, ou seja, de tamanha relevância,
para terem sidos eleitos como motivo de diferenciação. Situações pessoas,
traços característicos ou determinados elementos seriam insuscetíveis de
serem colhidos pela norma para a fixação de tratamento diferenciado (MELLO,
1993, p. 16).
Tal pensamento foi lembrado por nossos legisladores, quando no
próprio ditame constitucional, proibiu-se a desequiparação por motivo de raça,
sexo, trabalho, credo religioso, convicção política, dentre outros, colocando
assim em evidencia certos traços que não podem ser tomadas como forma de
discriminação, tidas por razões preconceituosas como normalmente acontece
(MELLO, 1993, p. 16).
Não há possibilidade de desequiparar pessoas e situações
quando nelas não se encontram fatores desiguais, assemelhando-se
integralmente nos critérios impostos pelo regime legal que se tomou em conta.
Tem-se que investigar aquilo que é erigido como critério discriminatório há
justificativa racional para atribuir o específico tratamento jurídico construído em
função da desigualdade afirmada.
Ricardo Lobo Torres afirma que as discriminações fiscais são
desigualdades infundadas que prejudicam a liberdade do contribuinte.
Qualquer discriminação desrrazoada, que implique excluir alguém da regra
41
tributária geral ou de um privilégio, constituirá ofensa aos seus direitos
humanos, visto que desrespeitará a igualdade (TORRES, 1995, p. 25).
42
CAPITULO III
CAPACIDADE CONTRIBUITIVA
Grande é a discussão acerca do conteúdo do princípio da
capacidade contributiva. Dissertando sobre o tema, averba Victor Uckmar que
“Tal expressão é uma das mais discutidas, e não foi ainda dada definição
cientificamente satisfatória. Alguns a consideram uma empty box.” (UCKMAR,
1999, p. 144).
No mesmo sentido, Alfredo Augusto Becker assevera que as
palavras capacidade contributiva nem oferecem um metro para determinar a
prestação do contribuinte e para adequá-la às prestações dos demais; nem
dizem se existe e qual seja o limite dos tributos. Esta expressão, por si mesma,
é recipiente vazio que pode ser preenchido pelos mais diversos conteúdos;
trata-se de locução ambígua que se presta às mais variadas interpretações
que ficam a cargo do legislador (BECKER 1988, p. 122).
A despeito da perplexidade dos autores acima mencionados em
face do conceito vago de capacidade contributiva, impõe-se a perquirição de
seu conteúdo com o fim de desvendar seus efeitos no Direito Tributário pátrio.
Um primeiro passo para tanto é o reconhecimento de sua íntima relação com o
princípio da igualdade, visto que um de seus objetivos é a realização da justiça
fiscal.
O princípio da capacidade contributiva está implícito na isonomia,
pois se todos são iguais, na forma da lei, todos devem contribuir igualmente.
Ele está expresso no § 1º do art. 145 CF/88:
“Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal
e serão graduados segundo a capacidade econômica do
contribuinte, facultando à administração tributária,
especialmente para conferir efetividade a esses objetivos,
43
identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos
da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades
econômicas do contribuinte” (BRASIL, Constituição da
República Federativa do Brasil).
Este princípio contributivo havia sido retirado de nossa
Constituição em 1967, embora como princípio geral de direito tributário, tenha
permanecido no sistema. Ele reapareceu na Carta Magna de 1988 ao lado do
princípio da personalização, sendo por muitos considerados como um único
mandamento.
Observam-se dois objetivos a serem alcançados com o princípio
da capacidade contributiva: o primeiro consubstancia-se em preservar a
eficácia da lei de incidência, no sentido de que se não houver riqueza é inútil
instituir o tributo por falta de suporte, ou seja, ausência da coisa a ser tributada
materialmente; o segundo busca preservar o contribuinte, evitando uma
tributação excessiva, impedindo que se comprometa os seus meios de
subsistência, ou o livre exercício de sua profissão, de sua empresa, ou de
outros direitos fundamentais (AMARO, 2001, p. 22).
Segundo Carlos Palao Taboada a relação entre capacidade
contributiva e o princípio da igualdade pode ser dividida em três fases. A
primeira pelo não conhecimento da ideias objetiva da capacidade contributiva,
a qual não passava de concepção deduzida imediatamente do princípio de
justiça, ou seja, exigir de cada um, de forma similar, que é devido,
independente da situação pessoal (TABOADA, 1978, p. 127).
Na segunda fase a capacidade contributiva era dotada de
conteúdo do princípio igualitário, pois completava-se por um critério material de
justiça, não estando contido, mas exercendo a seu modo a igualdade.
Por fim, a terceira fase declina a entender ser a capacidade
contributiva nada mais do que uma especificação concreta do princípio da
44
igualdade, concebido este não mais sob a ótica puramente formal, mas como
um princípio autônomo, com conteúdo determinado, sem depender de uma
realização material específica (TABOADA, 1978, p. 127).
Conforme restou assentado, a isonomia, em seu conteúdo
material, exige tratamento desigual para aqueles que se encontrem em
situações desiguais. Daí ser imprescindível a adoção de um critério de
comparação entre indivíduos e situações, para que se possa avaliar a
equiparação ou não destes. E o critério, qualquer que seja, envolve uma opção
valorativa. No Direito Tributário brasileiro, um dos critérios positivados para o
reconhecimento jurídico de diferenças entre sujeitos e situações, com a
conseqüente diversidade de tratamento, é a capacidade contributiva.
Fixando-se a capacidade contributiva como critério de
ponderação, impõe-se apreciar com qual intensidade valorou o constituinte a
diversidade de capacidade contributiva como apta a ensejar tratamento
diferenciado. Em outras palavras, em que medida as diferentes manifestações
de capacidade contributiva impõe-se a adoção de diferentes tratamentos, e,
sobretudo, quais espécies de tratamentos diferenciados são permitidos.
Carlos Palao Taboada concebeu dúplice acepção ao conceito de
capacidade contributiva. Primeiramente em capacidade contributiva absoluta
ou objetiva quando se está diante de um fato que se constitua numa
manifestação de riqueza; refere-se o termo, nessa acepção, à atividade de
eleição, pelo legislador, de eventos que demonstrem aptidão para concorrer às
despesas públicas. Tais eventos, assim escolhidos, apontam para a existência
de um sujeito passivo em potencial. Nesse sentido, a capacidade contributiva
atua como pressuposto ou fundamento jurídico do imposto, constituindo diretriz
para a eleição das hipóteses de incidência de impostos (TABOADA, 1978, p.
44).
45
Diversamente, a capacidade contributiva relativa ou subjetiva,
como a própria designação indica, reporta-se a um sujeito individualmente
considerado. Expressa aquela aptidão de contribuir na medida das
possibilidades econômicas de determinada pessoa. Nesse plano, presente a
capacidade contributiva in concreto, aquele potencial sujeito passivo torna-se
efetivo, apto, pois, a absorver o impacto tributário. Nessa outra acepção, a
capacidade contributiva opera, desse modo, como critério de graduação do
imposto e limite à tributação (TABOADA, 1978, p. 127).
A capacidade econômica de contribuir para as despesas do
Estado é aquela resultante da dedução dos gastos necessários à aquisição,
produção e manutenção da renda e do patrimônio, assim como do mínimo
indispensável a uma existência digna do contribuinte e de sua família, é a
verdadeira possibilidade de diminuir-se patrimonialmente, sem perder a
possibilidade de continuar gerando riqueza onde possa incidir a tributação
(AMARO, 2001, p. 22).
Quando dois contribuintes se apresentam em idêntica situação
eles têm o direito a tratamento igual. Nessa situação aplica-se tanto o princípio
isonômico como o contributivo. Todavia, quando a um deles é observado a
possibilidade econômica de ser tributados ou não, neste caso estará se
aplicando somente o princípio da capacidade contributiva. Esta é uma posição
que o próprio autor, Luciano Amaro, diz ser divergente a outros autores como
Ives Gandra da Silva Martins e Hugo de Brito Machado.
As Constituições de vários países recorrem à de capacidade
contributiva , mas o conteúdo deste princípio deve ser buscado em cada
ordenamento jurídico de per si. Em vão se buscará um princípio genérico de
capacidade contributiva, aplicável a qualquer ordenamento jurídico, que revele
em que casos podem o legislador reconhecer diferenças entre contribuintes e
em que medida pode regulá-los diferentemente.
Elencando algumas definições conceituais de Capacidade
Contributiva, Professor Luciano Amaro aponta:
46
"Capacidade contributiva é a força econômica do
contribuinte"(Moschetti); "indica a potencialidade que
possuem os submetidos à soberania fiscal para contribuir
para os gastos públicos"(Griziotti); "aptidão fiscal ou
potencialidade econômica", ‘isto é’, "possibilidade de
suportar o ônus tributário"(Giardina); "sua idoneidade
econômica para suportar, sem sacrifício do indispensável
à vida compatível com a dignidade humana, uma fração
qualquer do custo total de serviços públicos (AMARO,
2001, p. 22)..
Como se pode observar, gravitam as definições expostas na
potencial aptidão do cidadão para o exercício de dispor parte de sua riqueza
com vistas ao financiamento das necessidades públicas.
Ocorre, que a exata medida em que o referido potencial pode ser
verificado é que determina o alto grau de dificuldade da pretensão de definir o
conceito de capacidade contributiva. Como, astuciosamente, notou a
Professora Regina Helena Costa, tais dificuldades
"repousam, cremos no fato de que a expressão
‘capacidade contributiva’ apresenta alto grau de
generalidade e vaguidade, características próprias da
linguagem do direito positivo" (COSTA, 1996, p. 177).
Contudo, ainda segunda a mesma doutrinadora, "não significa
que os conceitos ou termos empregados pela linguagem jurídica não tenham
significação determinável" (COSTA, 1996, p. 177).
Seguindo as lições daquela mesma Professora, Misabel Derzi
esclarece que a capacidade contributiva pode ser absoluta ou objetiva, quando
configurada enquanto pressuposto ou fundamento jurídico do imposto ou da
diretriz para a eleição das hipóteses de incidência dos impostos (DERZI, 2001,
p. 157).
47
Se relativa ou subjetiva, a capacidade contributiva se exibe como
critério de graduação do imposto e limite à tributação.
Sublinhe-se que segundo o quadro apresentado, a capacidade
contributiva somente é invocável quando a espécie tributária for da modalidade
não vinculada. É que para os tributos vinculados, a limitação da imposição
encontra-se desde já definida. Tais tributos têm caráter estritamente
remuneratório.
Não é desimportante, portanto, a opção de se excluírem os
tributos vinculados. É certo ainda, que por via de conseqüência, de se cogitar
também a exclusão das espécies tributárias que não são diretas. Razão para
tanto é que enfocada a capacidade contributiva em concreto, ou seja, do ponto
de vista subjetivo, se indireta a tributação seria tecnicamente impossível uma
gradação sua imediata.
Aqui, todavia, a solução aponta para a isenção de parte do
montante, a princípio tributável, o que pode terminar reservado ao mínimo vital,
efetuando assim o objetivo da justiça fiscal.
Observe-se, ainda, que tomado o tributo sob que forma seja, a
capacidade contributiva como conteúdo da igualdade tributária deverá restar
preservada.
No Direito Tributário brasileiro o princípio da capacidade
contributiva deve ser interpretado à luz da concepção de Estado Democrático
de Direito, tal como prescrita no art. 1º da Constituição Federal, e tendo em
conta os objetivos fundamentais da República, expressos no art. 3º, tal como o
de construir uma sociedade livre, justa e solidária e o de erradicar a pobreza e
a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Deve-se,
ainda, ter em conta os direitos e garantias fundamentais, tal como o direito de
propriedade e os direitos sociais. Corroborando tal entendimento, afirma
Misabel Abreu Machado Derzi:
48
“É que a capacidade contributiva é princípio que serve de
critério ou de instrumento à concretização dos direitos
fundamentais individuais, quais sejam, a igualdade e o
direito de propriedade ou vedação do confisco” (DERZI,
2001, p. 47).
Portanto, o princípio da capacidade contributiva não mais pode
ser interpretado à luz da concepção de um Estado de Direito ultrapassado e
abstencionista. A Constituição de 1988 tende à concreção, à efetividade e à
consagração de princípios auto-aplicáveis, obrigatórios não apenas para o
legislador, como também para o intérprete e aplicador da lei.
Vislumbram-se, pois, dois sentidos para o princípio da
capacidade contributiva, a saber: objetivo e subjetivo. Em seu sentido objetivo,
a capacidade contributiva designa um limite ao legislador, consistente na
necessidade de inclusão na norma jurídica tributária de fatos reveladores de
riqueza. Nas palavras de Alfredo Augusto Becker, o legislador
“deverá escolher para a composição da hipótese de
incidência da regra jurídica criadora do tributo
exclusivamente fatos geradores que sejam signos
presuntivos de renda ou de capitã do sujeito passivol”
(BECKER , 1988, 42).
No sentido subjetivo, capacidade contributiva significa a aptidão
que o contribuinte tem de contribuir para as despesas do Estado na medida de
suas possibilidades. Conforme ensina Regina Helena Costa, a “capacidade
contributiva relativa ou subjetiva, por seu turno, opera, inicialmente, como
critério de graduação dos impostos” (BECKER , 1988, p.42).
Com base em tais pressupostos, é possível afirmar que o
princípio da capacidade contributiva traz as seguintes conseqüências no Direito
Tributário brasileiro: progressividade – significa que o tributo será graduado de
forma a atingir por alíquotas maiores as bases tributárias mais elevadas;
49
proporcionalidade - fixação de alíquotas uniformes para cada base de cálculo,
proporcionais à riqueza; personalização – leva em consideração a situação
pessoal do contribuinte; seletividade quanto mais necessária ou útil à
sociedade menor a incidência do tributo; e neutralidade – de difícil aplicação
estabelece que os impostos incidam igualmente sobre a mesma base jurídico-
economica e que não destorçam a formação dos preços (TORRES, 1995, p.
25).
Desta forma, capacidade contributiva é, por um lado, o patamar a
partir do qual a exigência tributária pode ocorrer, também significando que
antes desse patamar não pode haver tal exigência. Por outro lado, é o limite
além do qual a mesma exigência não pode ser feita, porque não pode
extravasá-lo.
De fato, a capacidade contributiva é a espinha dorsal da justiça
tributária, sendo ela um dos critérios de comparação que inspira o princípio da
igualdade. É um princípio o qual exige que a tributação seja feita em proporção
à riqueza de cada um, assim entendida aquela manifestada pelo fato
imponível.
50
CAPÍTULO IV
IGUALDADE TRIBUTÁRIA
Diante de todos os ramos do Direito, a igualdade é aceita como
regra de tratamento equânime de direitos e direitos dos cidadãos. Sendo o
tributo um dever cuja característica é ser econômica, patrimonial, a obrigação
de levar dinheiro aos cofres públicos é postulada puramente com o objetivo de
que esse dever seja idêntico para todos e importe em sacrifício igual para toda
a coletividade (PEIXINHO, 2001, p. 13).
Partindo da concepção exposta, para fins de efetiva eficácia da
norma do Princípio da Igualdade, o legislador constituinte elegeu em termos de
igualdade tributária o obrigatório tratamento isonômico de contribuintes que se
apresentem em situação equivalente, dispondo o art. 150, II da CF/88:
“... instituir tratamento desigual entre contribuintes que s
encontrem em situação equivalente, proibida qualquer
distinção em razão de ocupação profissional ou função
por eles exercida, independentemente da denominação
jurídica dos rendimentos títulos ou direitos” (BRASIL:
Constituição da República do Brasil).
Isonomia é um princípio geral do sistema constitucional, que
também se aplica ao subsistema relativo ao direito tributário, no qual aparece
com a especificação de alguns dos fatores pelos quais não pode haver
discriminação, ao lado de outros expressamente tolerados em certas
contribuições, e onde também se apresenta nominalmente como limitação ao
poder de tributar.
Porquanto, do ponto de vista da igualdade tributária, pretende-se
a generalidade da submissão à tributação, mas, conforme quer José Afonso da
Silva, “para a realização da justiça fiscal, depende de ser complementado com
51
a igualdade em sentido econômico, fundada no princípio da capacidade
contributiva" (SILVA, 2011, p. 47).
Não há dúvida de que a norma tributária deverá alcançar a todos,
sendo inconstitucional por burla ao princípio republicano e ao da isonomia a lei
tributária que selecione pessoas, para submetê-las a regras peculiares, que
não alcançam outras, ocupantes de idênticas posições jurídicas (CARRAZA,
1998, p. 17).
O princípio isonômico apresenta duas vertentes, dispondo a
primeira que, diante de uma lei qualquer, toda pessoa que se enquadre na
hipótese legal descrita sujeitar-se-á ao seu mandamento, pois não há pessoas
“diferentes” que possam, sob qualquer pretexto, escapar do comando legal, ou
excluir-se. Até este ponto, tal princípio está sendo encaminhado ao aplicador
da lei, significando que este está proibido de diferenciar as pessoas, para
efeito de ora submetê-las, ora não, ao mandamento legal (AMARO, 2001, p.
22).
A segunda dirige-se ao próprio legislador, estabelecendo que
todos devem ser tratados com igualdade, vedando que ele dê tratamento
diverso para situações iguais ou equivalentes, evitando discriminações,
perseguições e favoritismo, objetivando a garantia do indivíduo.
Mas se assim o é por imperativo constitucional, não menos se
apresenta como cogente a atenção à Justiça Tributária, que é fortemente
calcada na ideias de distributividade. Não despropositada se mostra a
invocação do radicado nos incisos I, III e IV, do artigo 3º, da Lei Maior
vigente:”... construir uma sociedade livre justa e solidária; erradicar a pobreza e
a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o
bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação (BRASIL, Constituição Federativa do Brasil).
Pensar em igualdade na tributação demanda conceber que
"Quem tem maior riqueza deve, em termos proporcionais, pagar mais imposto
do que quem tem menor riqueza" (CARRAZA, 1998, p. 17).
52
Dessa forma, deverão ser tratados igualdade os que tiverem a
mesma capacidade contributiva, e com desigualdade os que apresentem
riquezas diferentes, ou melhor, diferentes capacidades de contribuir.
De acordo com Luciano Amaro para a aplicação de isonomia não
é apenas observar a obediência a um comando abstrato e hipotético em que
as situações concretas devem ser submetidas e que as situações excepcionais
devem ser excluídas. É fundamental examinar se o legislador discriminou onde
isso lhe era vedado, ou se diferenciou dentro da legalidade de que era
possível, ou se deixou de dessemelhar onde lhe era obrigatório fazê-lo
(AMARO, 2001, p. 22).
A igualdade é um direito do individuo e não do Estado. Se diante
de duas situações que merecem igual tratamento, a lei exigir tributo só na
primeiro situação, é vedado à administração tributária, com base no princípio
comentado, tributar ambas as situações, pois de acordo com a analogia não
pode a administração exigir um tributo de uma situação não prevista em lei
(AMARO, 2001, p. 22).
Posiciona-se Celso Antônio Bandeira de melo no sentido de que
a igualdade proíbe tratamento desuniforme às pessoas que se enquadram
dentro de uma mesma situação de fato. Sua função precípua reside
exatamente em orientar a adequada aplicação das normas legais, que fixam
discriminações, isto é, tratamento diferenciado, porém que são destinadas à
indivíduos colhidos por regimes diferentes, abrigados em categorias diferentes,
sendo deferidos certos direitos e obrigações a alguns que não assistem a
outros (MELLO, 1993, p. 16).
Decorrente do princípio genérico de que todos são iguais perante
a lei, torna-se importantíssimo esclarecer que este princípio para ter validade,
não pode pressupor uma igualdade absoluta. Antes, refere-se a uma igualdade
relativa, onde situações iguais tratadas igualmente, com igualdade (AMARO,
2001, p. 22).
53
Afastam-se, assim, de pronto, todas as distinções de tratamento
que sejam odiosas ou repulsivas, como as baseadas em diferenças de sexo,
cor, fé religiosa, etc. Admite-se, no entanto, como corolário da igualdade
pretendida, que sejam tratados desigualmente os desiguais, para que se
obtenha a igualdade real. (AMARO, 2001, p. 22).
Conforme mencionado no capítulo anterior, este princípio induz
ao da Capacidade Contributiva, na medida em que cada cidadão participa do
ônus da manutenção do estado segundo suas próprias forças.
Como decorrência deste princípio, evolui-se da noção do
imposto proporcional para o progressivo, como tentativa de tributar,
progressivamente, a parcela da receita considerada de utilidade marginal.
Este princípio apresenta duas vertentes: a generalidade e a
uniformidade dos tributos. Pela generalidade entende-se que todos devem
sujeitar-se aos tributos, sem haver desigualdades fiscais entre iguais (sentido
jurídico). Pela uniformidade entende-se que os tributos devem ser repartidos
em encargos de igual medida, segundo a noção de sacrifício (aspecto
econômico). É de reiterar-se que este princípio não ilide as discriminações
baseadas em situações de fato, no interesse fiscal, no interesse social e outros
(AMARO, 2001, p. 22).
54
CONCLUSÃO
Posso concluir que os princípios são pressupostos ou valores
fundamentais desejados pelo legislador, os quais iluminam a própria produção
das normas particulares ou gerais, orientando o sentido que estas devem ter,
guardando correlação com o sentido maior que, dentro do espírito da lei a ser
promulgada, deve ter o conjunto das normas que compõem essa lei, assim
como orientam a própria redação de cada uma dessas normas para que
também estas observem aqueles valores fundamentais e apresentem
correlação sistemática entre si, formando um todo consistente com aqueles
valores.
O descumprimento de um princípio é mais grave infração do que
o descumprimento de uma norma, cuja advertência advém da correta
percepção da superioridade dos princípios em relação às normas, com o seu
conteúdo informador e orientador destas.
A igualdade, no sentido de comparação, sempre irá existir,
principalmente no sistema capitalista que é movido pela constante
concorrência dos indivíduos que o compõem, havendo dessa forma a
separação da sociedade em classes, provocando, conseqüentemente, o
sentimento de injustiça e de preferência aos que estiverem em melhores
situações.
O princípio da capacidade contributiva pode ser entendido como
sendo um meio pólo qual o princípio da igualdade é realizado, no entanto, não
há hierarquia entre os mesmos dada a flexibilidade dos princípios.
Assim, em face de tudo o que foi dito, argumento no sentido de
que capacidade contributiva e isonomia são princípios tributários
constitucionais, pois representam valores superiores informadores e diretivos
das normas jurídicas sobre tributos, e contêm uma carga de diretriz superior às
55
simples normas, impondo-se a estas em quaisquer circunstâncias, seja quando
da sua elaboração, seja quando da sua interpretação e aplicação.
Em conclusão, entendo que capacidade contributiva é um
princípio constitucional próprio do subsistema relativo aos tributos, e isonomia
é um princípio geral do sistema constitucional.
56
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