UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PETRÓPOLIS
FACULDADE DE PSICOLOGIA
CONTROLE DA TIMIDEZ MEDIANTE TREINAMENTO EM HABILIDADES SOCIAIS
SUELI MARIA BRAND ABRANTES
Monografia apresentada como requisito para
a conclusão da disciplina Monografia em
Psicologia II visando a obtenção do grau de
Psicólogo no Curso de Psicologia da
Universidade Católica de Petrópolis.
Prof. Orientador Dr. Helmuth Krüger
PETRÓPOLIS 2006
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SUELI MARIA BRAND ABRANTES
CONTROLE DA TIMIDEZ MEDIANTE TREINAMENTO
EM HABILIDADES SOCIAIS
A monografia apresentada como requisito para a conclusão da disciplina Monografia em Psicologia II visando a obtenção do grau de Psicólogo no Curso de Psicologia da Universidade Católica de Petrópolis foi considerada _________________________
Petrópolis, _____ de _____ de _____.
______________________________ Prof. Dr. Helmuth Krüger
______________________________ Profª. Msc. Rovena Lopes Paranhos
______________________________ Prof. Dr. Gustavo Arja Castañon
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AGRADECIMENTOS
Agradeço:
- a Deus pela oportunidade;
- ao professor e orientador Dr. Helmuth Krüger pela orientação e estímulo à coragem;
- à Professora Msc. Rovena Lopes Paranhos e ao Professor Dr. Gustavo Arja Castañon
pelo carinho de participarem da banca examinadora;
- a todos os professores do Curso de Psicologia responsáveis pela minha chegada a
esta etapa final;
- aos colegas do curso de Psicologia pela amizade e a Josiane, Cristina e Barbara pela
solidariedade quanto às dúvidas e expectativas deste trabalho;
- minha gratidão especial a Antônio José, Rodrigo e Diogo pelo apoio incondicional.
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Há três modos gerais para conduzir as relações interpessoais. O primeiro é considerar somente a si mesmo, desconsiderando os outros... O segundo é sempre colocar os outros antes de você... O terceiro é a regra de ouro... considerar a si mesmo e também aos outros. (Joseph Wolpe).
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RESUMO
Neste trabalho propõe-se o desenvolvimento das habilidades sociais na redução
da timidez, tornando as interações sociais mais confortáveis e eficientes para os
tímidos. Para tanto, foi realizado um estudo teórico através de livros e artigos de
autores especializados no assunto. A realização deste trabalho possibilitou a conclusão
de que a experiência profissional indica uma alta probabilidade de redução da timidez
mediante o desenvolvimento de habilidades sociais. Entretanto, é aconselhável,
sobretudo nos casos de timidez mais acentuada, que estes venham a ser clinicamente
tratados.
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SUMÁRIO
1. Introdução ...................................................................................................... 7 1.1 Tema ......................................................................................................... 8 1.2 Objetivos ................................................................................................... 9 1.3 Metodologia ............................................................................................... 9 1.4 Estrutura da monografia ............................................................................ 9 2. Timidez ............................................................................................................ 11 2.1 A experiência da timidez ........................................................................... 11 2.2 Causas da timidez ..................................................................................... 15 2.3 Efeitos pessoais e sociais ......................................................................... 18 2.4 Prevenção e aconselhamento ................................................................... 22 3. Habilidades Sociais ........................................................................................ 27 3.1 Habilidades sociais e interação social ....................................................... 27 3.2 Classificação das habilidades sociais ........................................................ 29 3.3 Assertividade e habilidades assertivas ...................................................... 32 4. Timidez e Habilidades Sociais ..................................................................... 35 4.1 Padrões comportamentais passivos, agressivos e assertivos .................. 35 4.2 Desenvolvimento das habilidades assertivas ............................................ 37 4.3 Desenvolvimento das habilidades sociais ................................................. 40 5. Conclusão ..................................................................................................... 46 Referências Bibliográficas ................................................................................. 48
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho de natureza teórica trata do tema timidez e habilidades
sociais, tendo como objetivo pesquisar a contribuição que o desenvolvimento e o
treinamento das habilidades sociais podem ter na vida de pessoas tímidas, diminuindo
sua ansiedade, tornando-as mais aptas para interações sociais.
Os tímidos são pessoas que se sentem ansiosas em interações sociais com
determinados tipos de pessoas, um desconforto suficiente para causar inibição e
perturbação em sua vida social. Muitos investigadores da área consideram que
qualquer que seja a causa da timidez, ela pode ser intensificada pela falta de interação,
mas que também pode ser superada a partir das interações competentes. Habilidades
sociais são classes de comportamentos sociais que as pessoas devem ter em seu
repertório, pois são importantes para um desempenho favorável em seu relacionamento
com as pessoas. Os teóricos estudados consideram que a maioria das pessoas tímidas
dispõe de um repertório empobrecido dessas habilidades, sendo também pessoas
muito controladas na expressividade de seus sentimentos e emoções, além de
inseguras na defesa dos seus direitos.
A teoria da timidez se fundamenta basicamente nos estudos do psicólogo Philip
G. Zimbardo que fundou, na Universidade de Stanford, na Califórnia, a primeira clínica
destinada à análise e ao tratamento da timidez. O estudo sobre habilidades sociais, no
Brasil, está baseado nas pesquisas realizadas pelos psicólogos Almir Del Prette e Zilda
P. Del Prette sobre o assunto.
Este trabalho tem sua relevância se considerarmos que estudos sistemáticos
sobre a timidez são recentes, de poucas décadas, e com os desafios e demandas
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atuais de uma sociedade que se modifica rapidamente, torna-se necessário um olhar
para essas crianças e jovens que muitas vezes tentam ficar no anonimato, prejudicando
a própria socialização.
1.1 Tema
A timidez geralmente não é percebida como dificuldade e é até reforçada, pois
adultos tendem a preferir crianças quietas que não lhes trazem dificuldades na
interação com elas. A timidez só vai chamar a atenção quando esse comportamento se
tornar exagerado, mostrando não ser apenas uma reação transitória diante de uma
situação nova, mas sim uma expressão comportamental que se repete com freqüência.
A timidez não compromete de forma significativa a realização pessoal, mas causa um
empobrecimento na qualidade de vida.
É grande o número de pessoas, segundo Zimbardo ( 2002, p.131), que
consegue vencer a timidez. A natureza humana é flexível e pode se ajustar às
demandas do ambiente. Tais resultados dependem do empenho pessoal na busca da
superação da timidez.
Tem-se observado atualmente uma maior eficácia no tratamento da timidez com
o desenvolvimento das habilidades sociais. Déficits nessas habilidades podem ser
recuperados através do treinamento de habilidades sociais (THS), pois já são diversos
os formatos deste trabalho destinados a tímidos, visando o aperfeiçoamento da
competência individual e interpessoal em interações sociais.
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1.2 Objetivos
Este estudo tem como objetivo contribuir no estudo da timidez no âmbito do
Curso de Psicologia da Universidade Católica de Petrópolis, notadamente nos
desenvolvidos nas disciplinas de Psicologia Social, Psicologia do Desenvolvimento,
Psicologia da Personalidade e Psicologia Clínica.
Pretende atender também à exigência institucional de elaboração e
apresentação de monografia de final de curso da Faculdade de Psicologia da
Universidade Católica de Petrópolis.
1.3 Metodologia
Este trabalho foi feito através de pesquisa bibliográfica. Os estudos foram feitos
em livros e artigos de autores especializados no assunto, consultados na Biblioteca da
Universidade Católica de Petrópolis; em consultas a diversos sites para maior
entendimento dos assuntos; em alguns artigos enviados gentilmente por e-mail pela
Professora Eliane Falcone; e através do esclarecimento de dúvidas com o professor
orientador Prof. Dr. Helmuth Krüger.
1.4 Estrutura da monografia
Para uma melhor compreensão, esta monografia está dividida em um capítulo
introdutório, que apresenta o tema, os objetivos, a metodologia e a estrutura do
trabalho. É composto por um segundo capítulo, que trata da timidez, sua definição,
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como as pessoas vivem essa experiência, as causas, os efeitos pessoais e sociais e
como se pode fazer um trabalho de prevenção. O terceiro capítulo aborda as
habilidades sociais, sua importância nas interações sociais e a descrição dessas
habilidades; aborda também o tema da assertividade e as habilidades assertivas. No
quarto capítulo estabelece-se uma relação entre timidez e habilidades sociais,
considerando as diferenças entre os estilos de comportamento passivo, agressivo e
assertivo, o desenvolvimento das habilidades sociais e assertivas nas diferentes fases
da vida e uma breve descrição do treinamento em habilidades sociais. Finalmente, são
apresentadas as conclusões do trabalho.
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2 TIMIDEZ
Os conceitos, a experiência, as causas, os efeitos e a prevenção da timidez
serão apresentados neste capítulo, numa síntese do livro de Philip Zimbardo, “A
Timidez”, onde são relatadas suas pesquisas sobre o assunto e a fundação de uma
clínica em Stanford, na Califórnia, para análise e tratamento da timidez.
2.1 A Experiência da Timidez
A timidez é um termo ambíguo, que quanto mais analisado, mais variedades
aparecem. Não há qualquer definição que seja exaustiva, pois ela representa coisas
diferentes para cada um de nós. O Dicionário Oxford ( apud Zimbardo 2002, p.20), diz
que a palavra “tímido” surgiu pela primeira vez num poema anglo-saxônico escrito por
volta do ano 1000 d.C. e que significa “que se assusta facilmente”. “Ser tímido”,
acrescenta o dicionário, é ser difícil de abordar, por uma questão de acanhamento,
prudência ou desconfiança. Para o dicionário Webster (apud Zimbardo 2002, p.21), a
pessoa tímida é aquela que sente “constrangida na presença de outros”. Segundo o
Dicionário de Psicologia de Doron & Parot (1998, p.752), a timidez é a incapacidade de
passar ao ato nas condutas verbais, profissionais ou sexuais de alguma importância e
no Dicionário da Língua Portuguesa de Aurélio (1997, p.1677), encontramos que tímido
(do lat. Timidu), é aquele que tem temor, é receoso.
Baseado em seus estudos, Zimbardo (2002) diz que ser tímido é ter medo de
pessoas, especialmente daquelas que por qualquer motivo constituem uma ameaça no
plano emocional: os estranhos, pelo fato de serem uma novidade e um fator de
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incerteza; as autoridades, por exercerem poder; e os membros do outro sexo, por
representarem a possibilidade de encontros íntimos. Porém, diz também que qualquer
pessoa pode viver a experiência da timidez diante de uma situação nova e de grande
visibilidade, como por exemplo apresentar-se em público e, ainda, que a
preponderância da timidez varia de pessoa para pessoa e de cultura para cultura. Para
Axia (2003, p.8 ), “culturas distantes entre si no tempo e no espaço consideram a
timidez de modo profundamente diverso, de maneira negativa ou positiva e
conseqüentemente, a adaptação social e cultural da pessoa tímida, que em alguns
contextos é difícil, em outros não é problema”.
Afirma Zimbardo (op.cit., p.10) que “o tímido quer fazer uma coisa, sabe fazer,
mas não consegue”, “vai a uma festa, tem um bom estoque de coisas para
conversar...até o momento em que se vê no meio de um grupo”, “na aula, tem a
resposta certa para a pergunta do professor, mas o que sabe se esfuma no momento
de levantar a mão”. Este é o tímido. Ele é contido por uma voz interior que diz: “cuidado,
você vai fazer um papelão; será melhor se você não for visto, nem ouvido!” O drama do
tímido não é a falta de armas para enfrentar os embates da vida, é apenas a falta de
coragem no momento de apresentar suas armas.
Em suas pesquisas, Zimbardo concluiu que a timidez é um fenômeno comum,
generalizado e universal. Mais de 80% dos entrevistados responderam que houvera um
período nas suas vidas em que tinham sido tímidos: uns ainda o eram, outros haviam
sido e outros nunca tinham deixado de ser. Cerca de um quarto dos entrevistados era
constituído por tímidos crônicos e entre estes havia um quarto de solitários (os tímidos
por excelência), que se consideravam tímidos todo o tempo, em todas as situações e
praticamente com todas as pessoas. Não se consideraram tímidos 20%, sendo que
13
muitos destes se admitiram tímidos em determinadas situações (timidez situacional). A
generalização ampla de dizer que a timidez é uma experiência universal foi baseada no
fato de apenas 7% dos americanos submetidos ao inquérito terem dito que nunca
tiveram a experiência da timidez e em outras culturas só uma minoria ter afirmado
nunca ter sentido timidez.
Pode-se dizer então que a timidez afeta de algum modo a vida de todos. Aquilo
que julgamos ser só do outro é um mal que atinge um número inacreditável de pessoas,
o que já é um consolo. Os tímidos se referem a três motivos de preocupação: os sinais
visíveis do seu comportamento que deixam a timidez aparente (a predisposição para
sentir medo em interações sociais); os sintomas fisiológicos de ansiedade e sua
autoconsciência deles (a taquicardia, o suor, o tremor, o corar); e a experiência de
embaraço e constrangimento pelo que está acontecendo.
A timidez se manifesta de várias maneiras. A aversão a falar foi o que mais se
destacou nas investigações como sinal para os tímidos e para os outros de que algo
não estava bem. A reticência é o termo que melhor descreve essa relutância do tímido
em relacionar-se, essa aversão a falar. O silêncio geralmente é uma reação natural
perante a ansiedade que todos sentem em certas situações, mas o tímido tem uma pré-
disposição maior para o silêncio, para não falar livremente, só falando quando
pressionado.
Fisiologicamente, os tímidos se referem à taquicardia, transpiração mais visível,
aperto na região do estômago e o corar que é o sintoma que as pessoas não
conseguem esconder. Estas reações quando acontecem com os não-tímidos, são
aceitas e consideradas um leve mal estar. Os tímidos, porém, concentram-se nesses
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sintomas e às vezes até os experimentam antecipadamente desistindo de suas
atividades receando resultados negativos.
O embaraço é uma perda breve, porém intensa, de amor-próprio que nos faz
corar, mas que todos experimentamos ocasionalmente quando a atenção dos outros se
concentra sobre nós, quando nossa privacidade é invadida, quando nossa incapacidade
é percebida e não aceita. As pessoas geralmente usam algumas estratégias nessas
situações, tais como mudar de assunto, apresentar desculpas ou negar o fracasso. Já
os tímidos são particularmente vulneráveis ao embaraço e preferem evitar essas
situações potencialmente embaraçosas, o que se tornará motivo de maior isolamento e
maior concentração nas suas deficiências.
Para não se destacar muito, o tímido reprime boa parte de seus pensamentos,
sentimentos e ações, que tenderão sempre a manifestar-se. Enquanto é visto
exteriormente no seu silêncio, sua vida mental é intensa, pois tem uma tendência
exagerada para a auto-análise e auto-avaliação, sendo essa preocupação excessiva a
causa do seu constrangimento. Essa análise obsessiva não é um meio para libertar-se
de suas barreiras e ajudar-se, ela é, ao contrário, um fim em si, na medida em que a
energia necessária para agir é transferida para o ato de pensar, causando assim uma
inibição para a ação. Afetada a sua ação, o modo como ele será avaliado pelos outros
também será afetado, o que por sua vez irá afetar aquilo que pensa de si mesmo.
Sentimentos negativos, atuação inadequada, uma avaliação desfavorável, baixo auto-
conceito.
As respostas ao que nos faz sentir tímidos são basicamente as mesmas para os
tímidos como para os não-tímidos, sendo a diferença quantitativa e não qualitativa.
Algumas pessoas desencadeiam a timidez: desconhecidos, autoridades, (pelo
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conhecimento que possuem e pelo papel que desempenham), pessoas do sexo oposto.
Algumas situações: ser o centro de atenção de um grande grupo, situação de
inferioridade, situações sociais em geral, situações novas, necessidade de se impor,
situações de avaliação, elogios. No caso de pessoas que se dizem tímidas, há mais
tipos de situações e uma maior variedade de pessoas suscetíveis de provocar a
timidez, bem como um maior número de manifestações de timidez.
2.2 Causas da Timidez
As respostas para as causas da timidez são muitas. As escolas que seguem a
orientação da análise fatorial defendem que a timidez é algo que se herda. Para Cattell
(apud Zimbardo 2002, p.48), na sua moderna teoria da timidez inata, a pessoa não-
tímida tem um fator H elevado segundo a sua classificação. O fator (gene) H é
constituído por dois atributos: H+ (audácia) por oposição a H- ( sensibilidade à
ameaça). Os tipos H+ são duros, pouco sensíveis e ousados. Os indivíduos H- são
vulneráveis à ameaça, nascem com um sistema nervoso mais sensível, mais facilmente
estimulável do que o tipo audacioso H+. Essa sensibilidade elevada conduz à timidez e
leva as pessoas a evitarem os conflitos e situações ameaçadoras. Cattell defende que,
uma vez que o fator H é em grande medida herdado, não se modifica com os
acontecimentos que se dão ao longo da vida. Porém, acrescenta que “a timidez
excessiva tende a curar-se por si”, mas não diz como nem porquê.
Para a psicanálise, a timidez é um sintoma, é a manifestação consciente de
conflitos inconscientes. No caso da timidez por excelência, há acontecimentos que
podem ser ameaçadores de uma maneira mais simbólica, sendo que essa timidez
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então não é fruto de uma experiência pessoal perturbadora com pessoas e situações
específicas. Essas pessoas ou situações provocam ansiedade porque representam
conflitos reprimidos que surgiram no início da vida e que ainda não foram resolvidos.
Para os sociólogos e alguns psicólogos da infância, são as condições da
sociedade que contribuem para a timidez. As pessoas estão vivendo cada vez mais
sozinhas ou em famílias menores, tendo menos filhos, divorciando-se com mais
freqüência e mudando-se mais de residência. Essas forças sociais contribuem para a
timidez, pois o acesso às outras pessoas se torna cada vez mais difícil, diminuindo as
oportunidades de ver relações ternas e generosas, de confraternizações entre parentes
e amigos e de interações sociais de um modo geral. Os grandes centros comerciais
estão substituindo os pequenos estabelecimentos e não há mais conversa com o
padeiro, o farmacêutico, o dono da confeitaria. O valor excessivo que se atribui à
competição e à realização individual também contribui para a predominância da timidez.
A necessidade de se provar aquilo que se vale, de ter êxito material, de se preocupar
com a condição social, são coisas que as crianças sentem muito. Para serem aceitas e
amadas têm de fazer aquilo que se espera delas; são reconhecidas pelo que produzem
e não pelo que são e assim sentem medo da rejeição caso deixem de ser necessárias
aos outros.
Os psicólogos sociais admitem que a timidez resulte de rótulos que recebemos:
“sou tímido porque me considero tímido ou porque me impuseram esse rótulo”.
Estamos sempre atribuindo rótulos às outras pessoas, aos nossos sentimentos e a nós
próprios. Convém notar que, muitas vezes, um rótulo se baseia em poucos ou nenhum
dado concreto, sendo apenas fruto de um preconceito pessoal e mesmo quando parte
de dados concretos, estes são filtrados pelos valores subjetivos de quem atribuiu o
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rótulo. A pessoa tende a aceitar um rótulo sem qualquer fundamento objetivo,
independentemente de um melhor conhecimento sobre a pessoa que lhe atribuiu o
rótulo. Nós mesmos nos atribuímos rótulos sem nenhuma justificação válida e depois de
o adotarmos, aceitamos tudo aquilo que possa confirmá-lo e ignoramos tudo que possa
negá-lo. Diante de uma situação que gera timidez, as pessoas que se intitulam “tímidas”
se responsabilizam pelo mal-estar que sentem enquanto os que se dizem “não-tímidos”
responsabilizam a situação.
Na Psicologia do Desenvolvimento Humano, segundo Axia (2003, p.8), a timidez
é considerada uma variante da condição humana, muito útil do ponto de vista biológico.
É importante que uma espécie tenha grande variabilidade interna para sobreviver em
qualquer tipo de ambiente, sendo úteis os indivíduos pouco sensíveis ao medo, que
lutam e operam mudanças, assim como os que são passíveis de assustar-se muito,
perceber o perigo, sendo assim capazes de proteger a si mesmos e aos outros. Para
Thomas Weisner, professor de antropologia no Instituto de Neuropsiquiatria da
Universidade da Califórnia ( apud Axia 2003, p.160), a diversidade humana é muito
importante especialmente em situações em que o ambiente não é estável, e sim
variável, tanto do ponto de vista ecológico quanto do social.
Já os behavioristas são de opinião que somos aquilo que aprendemos: agimos
de acordo com as conseqüências positivas ou negativas dos nossos comportamentos.
Os behavioristas modernos defendem que a timidez seja uma reação adquirida a
determinadas situações sociais, como: experiências negativas anteriores, falta de
aquisição de habilidades sociais necessárias, ansiedade antecipada, falta de auto-
estima devido a alguma experiência de ineficácia e pelo fato de acreditar-se tímido.
Para eles, uma criança pode aprender a ser tímida por tentar ser eficaz num mundo
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dominado pelos adultos. Pode também aprender a ser incompetente, se a
incompetência fizer com que lhe dêem a atenção que ela necessita (ex: o bobo da
turma), pois o reconhecimento social é um poderoso agente de reforço humano,
havendo muitos que fazem qualquer coisa para obtê-lo. O otimismo dos behavioristas é
mais positivo do que o fatalismo dos investigadores dos fatores da personalidade.
Porém, é importante lembrar dos diferentes tipos de timidez. No trabalho que foi feito
ensinando habilidades de comunicação às pessoas reservadas para melhorar a sua
reticência, algumas não melhoraram e algumas ficaram mais ansiosas. Para que o
trabalho com habilidades sociais tenha bons resultados deverá ser acompanhado de
exercícios destinados a reduzir a ansiedade social e a desenvolver o amor-próprio, bem
como proporcionar uma melhor compreensão dos fundamentos irracionais da timidez.
Outras teorias sobre a natureza humana, extraídas da Filosofia, da Literatura e ainda da
Psicologia, podem ser utilizadas na busca da compreensão da timidez.
2.3 Efeitos Pessoais e Sociais
A timidez abrange um vasto contínuo psicológico: pode ir de uma sensação
ocasional de incapacidade na presença de outras pessoas a momentos de muita
ansiedade, que dificultam a vida de uma pessoa. Num dos extremos do contínuo estão
aqueles que se sentem mais a vontade com os livros, as idéias, a natureza, e preferem
a privacidade. Mesmo nesta faixa estreita há gradações que vão desde aqueles que
conseguem relacionar-se facilmente com as pessoas quando isso é necessário até
aqueles para os quais a interação social é difícil. A faixa central abrange a maioria dos
tímidos, aqueles que se sentem acanhados e desconfortáveis em certas situações com
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determinados tipos de pessoas: uma ansiedade que os deixa inibidos, embaraçados,
corados e dificulta a expressão dos seus pensamentos e das suas ações. Essa
ansiedade pode também ocultar-se por detrás de uma fachada de agressividade.
Geralmente, as pessoas que se encontram nessa faixa central do contínuo da timidez,
são tímidas porque não dispõem das habilidades sociais necessárias e ou porque não
têm confiança em si mesmas, não sabem começar uma conversa e nem têm segurança
para fazer até aquilo que julgam correto. No outro extremo do contínuo, estão aqueles
cujo medo dos outros não tem limites, são os tímidos crônicos que sempre que têm que
fazer algo na frente dos outros sentem uma ansiedade muito grande, não se sentem
capazes de agir. Numa forma mais grave, a timidez pode tomar uma forma patológica.
É importante lembrar que a timidez tem também aspectos favoráveis, pois dez a
vinte por cento dos que se consideraram tímidos nas pesquisas disseram que gostam
de o ser. Por serem tímidos são descritos como reservados, discretos e simples, termos
que têm conotação positiva. Para esses, a timidez garante maior privacidade e
proporciona prazeres só possíveis na solidão. As pessoas tímidas não inspiram receio
nem magoam os outros, como acontece com as mais violentas e arrogantes. A timidez
contribui para que as pessoas sejam mais seletivas no estabelecimento de relações
interpessoais: a pessoa espera, observa e depois age cautelosamente. Evita conflitos
interpessoais e em alguns casos é apreciada por saber ouvir os outros. Outra
conseqüência positiva da timidez é o anonimato e a proteção que proporciona, pois o
anonimato às vezes evita que a pessoa se destaque na multidão, não sentindo assim
as limitações daquilo que “deveria” fazer.
A timidez tem como conseqüências a dificuldade para fazer novas amizades,
para estabelecer novos relacionamentos e para viver experiências potencialmente
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boas. Impede-nos de defender os nossos direitos e expressar nossas opiniões e
valores. Limita a possibilidade dos outros avaliarem positivamente as nossas
capacidades. Aumenta o constrangimento e a preocupação excessiva pelas nossas
próprias reações, afetando a memória, impedindo a clareza dos pensamentos e a
eficácia da comunicação. É freqüentemente acompanhada de sentimentos negativos
que levam à depressão e provocam ansiedade. Ao evitarem o objeto do seu medo
(medo das outras pessoas), os tímidos se isolam e sofrem a conseqüência disto,
principalmente com a perda de calor humano que é essencial para todos.
Todas as pessoas avaliam as vantagens e desvantagens de uma interação
social nova, imediata. Os tímidos crônicos fazem isso com uma consciência exagerada
desse processo, pois se preocupam demais, pensando se vão ser bem aceitos e se irão
fazer aquilo que é esperado deles. Geralmente preferem a segurança do isolamento ao
risco de serem rejeitados (risco muitas vezes imaginário), esquecendo que temos de
correr esse risco quando se trata das relações importantes da nossa vida. Com essa
defesa, perdem também a oportunidade de constatar que as outras pessoas podem
estar sentindo a mesma coisa. Este isolamento vai reforçar a imagem que têm de si
mesmos como tímidos. Acabam ficando tristes, pois no fundo gostariam de estar
convivendo, conversando, rindo e se divertindo. Para um relacionamento mais íntimo é
necessário um processo de auto-revelação, compartilhar valores, objetivos, esperanças,
atitudes etc. Porém, antes de compartilhar é necessário que haja confiança. Para
ganhar confiança dos tímidos as abordagens não devem ser demasiadamente
pessoais, nem valorativas, nem com muitas perguntas, pois enquanto as pessoas
erguem barreiras invisíveis à sua volta como proteção e definição do seu espaço
21
pessoal, os tímidos criam zonas amortecedoras que impedem a aproximação dos
outros determinando até que ponto estão dispostos a estabelecer contato com alguém.
A timidez mais grave pode ter conseqüências mais sérias como o sexo
despersonalizado, o alcoolismo, a violência e a depressão. Para muitos tímidos
crônicos, o risco da intimidade com um companheiro representa um preço emocional
elevado a pagar, sendo preferível então pagar por aquilo que precisam. A prostituição
intimida menos, não apresenta riscos de envolvimento, nem compromissos. O
alcoolismo já é comumente atribuído à época de ansiedade em que se vive. Os
adolescentes tímidos começam a beber para se ajustarem às pressões sociais que lhes
são impostas pelos colegas. As investigações feitas mostraram que as pessoas tímidas
que têm um problema pessoal, como o alcoolismo, sentem dificuldades em pedir ajuda
aos outros, pois fazer isto exige habilidades sociais mínimas, uma auto-avaliação
realista, uma atitude firme e admitir que precisa de ajuda. As conclusões tiradas sobre a
relação timidez e alcoolismo ainda precisam ser confirmadas por dados mais rigorosos.
As pessoas tímidas tendem a não manifestar as suas frustrações, não expressando
assim a hostilidade que sentem. Essa hostilidade reprimida pode explodir diante de algo
desencadeador (às vezes um incidente sem importância) e trazer à tona agressividade.
Nessas situações, o problema não é a incapacidade de controlar os impulsos e sim tê-
los controlados demais. A mulher com uma timidez crônica, não dispondo das saídas
que a sociedade proporciona aos homens, fica sujeita a um maior isolamento, pois
desde que o jantar esteja pronto na hora e as crianças tenham freqüentado a escola,
nenhum sofrimento será percebido, o que provavelmente levará à depressão. Assim
está confirmada a necessidade de se estimular as crianças desde cedo a expressar os
seus sentimentos, positivos ou negativos, de preferência no momento em que os estão
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vivendo. É preciso encorajá-las a comunicar suas emoções, pois ao contrário não é
possível qualquer modificação e o tímido continuará sentindo-se aprisionado numa
situação intolerável.
2.4 Prevenção e Aconselhamento.
Mesmo os que afirmam ser a timidez uma forte predisposição biológica,
acreditam que ela não seja absolutamente necessária. Se em grande parte ela é algo
que se aprende, também é algo que se pode desaprender. Todos os cuidadores da
infância têm a possibilidade de trabalhar as características inatas e de construir coisas
sobre ela. Segundo Kagan (apud Axia, 2003),
É relativamente fácil para uma criança tímida superar a sua timidez. Os pais podem ajudar os seus filhos tímidos expondo-os gradualmente e gentilmente a situações e pessoas pouco familiares. É importante habituar a criança, aos poucos, a tudo que possa causar-lhe medo. Esse processo chama-se dessensibilização. (p.122).
Geralmente, a timidez não é percebida como dificuldade e é até reforçada, pois
adultos tendem a preferir crianças quietas que não lhes trazem dificuldades na
interação com elas. Os comportamentos que mais preocupam os adultos são os que se
expressam em relação às outras pessoas como a agressão, a oposição, a hiper-
atividade etc. Geralmente, também é mais trabalhoso criar atividades para estimular
crianças tímidas do que atividades para acalmar os indisciplinados.
Reconhecendo a integridade individual de cada jovem, podemos ajudá-los a criar
uma noção do seu próprio valor, mostrando compreensão pelos seus problemas,
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ajudando-os a vencer as dificuldades que sentem em aprender a viver num mundo
adulto, complexo e instável, apoiando os esforços que fazem para o seu crescimento e
desenvolvimento. Acima de tudo, devemos amá-los incondicionalmente. A posição de
autoridade em que nos encontramos pode nos levar a gerar a timidez ou reduzi-la, se
soubermos conceder aos jovens as recompensas que esperam de nós como pais e
professores. A nossa atuação deverá ser um modelo para promover a vida e não para
diminuí-la. Temos que aprender a ver com nossos próprios olhos e a ouvir com nossos
próprios ouvidos o que uma criança está a fazer, a dizer ou a ser. Muitas vezes, as
queixas nos chegam filtradas por aqueles que as fazem e então é bom considerar que o
juízo de terceiros é feito numa altura e num local diferentes daqueles em que nos
encontramos. O comportamento surge sempre num contexto, de modo que é preciso
compreender esse contexto antes de fazer juízos ou reagir a determinado
comportamento, nunca esquecendo de ouvir a versão da criança. Quando as duas
versões se apresentam incoerentes, deve-se sempre investigar todos os aspectos da
situação. Compete ao adulto fazer a criança falar e ajudá-la a verbalizar os seus
pensamentos e sentimentos. Como a timidez varia de cultura para cultura é necessário
pensar também nas modificações de valores que geram a timidez como a valorização
do individualismo, o culto ao ego, o fracasso, que é visto como vergonha num sistema
competitivo, a instabilidade social causada pela mobilidade e incerteza econômica etc.
Em pesquisas que comparavam sociedades competitivas com as de postura
comunitária, Zimbardo encontrou menor incidência de timidez nas últimas.
As escolas, com o objetivo de prevenir as dificuldades nas relações interpessoais
através de estratégias educativas e terapêuticas, podem incluir nos seus projetos um
setor específico da Psicologia que é o Aconselhamento Psicológico. Considerando e
24
sintetizando os conceitos de vários teóricos como Garret, Carl Rogers, Tolberg,
Erickson e outros, Scheeffer (1973, p.14), define o aconselhamento como “uma relação
face a face de duas pessoas, na qual uma delas é ajudada a resolver dificuldades de
ordem educacional, profissional e vital e a utilizar melhor os seus recursos pessoais”.
Segundo ela, baseados no fato de que a psicoterapia visa a ajudar o indivíduo a obter
melhor compreensão de si mesmo para orientá-lo na solução de seus problemas vitais,
alguns autores consideram o aconselhamento psicológico como psicoterapia, pois
ambos têm a mesma finalidade, mas a Divisão de Psicologia do Aconselhamento da
American Psychological Association concluiu, após estudos, que aconselhamento e
psicoterapia constituem uma gradação, sendo o primeiro de natureza profilática.
Os principais métodos de aconselhamento são: método diretivo, não-diretivo e
eclético. O aconselhamento diretivo é definido com um processo educativo que visa à
aprendizagem de atitudes adequadas a um ajustamento pessoal e social satisfatórios.
A atitude do orientador é ativa. A relação entre o orientador e orientando se caracteriza
por maior ênfase no aspecto intelectual do que no emocional e lida com a informação: o
histórico do caso é mais importante do que as vivências do orientando. Por isso, é
também chamado de aconselhamento clínico.
O aconselhamento não-diretivo é a abordagem centrada no cliente. Afirma Carl
Rogers (apud Scheeffer, 1973):
Essa nova orientação se diferencia das outras, principalmente em relação à sua finalidade. No aconselhamento não-dirigido o indivíduo e não o problema é focalizado. A finalidade não é resolver um determinado problema, mas ajudar o indivíduo a obter uma integração, independência e amadurecimento, que lhe permitam resolver outros problemas que apareçam no futuro. (p.61).
25
Continuando, para Rogers, o aconselhamento não-diretivo proporciona uma
atmosfera adequada para o orientando resolver suas dificuldades. Tem uma concepção
positiva e otimista da natureza humana; uma concepção democrática no setor das
relações humanas, acreditando na capacidade potencial do ser humano para resolver
seus próprios problemas. Lida mais com conteúdo emocional do que com o intelectual
e quem dirige a entrevista é o orientando. Para Erickson (apud Sheeffer,2003, p.69), a
aplicação do aconselhamento não-dirigido é indicado quando o orientando revela
considerável estado de tensão e bloqueio emocional, que impede a análise intelectual
da situação, quando a solução dos problemas exige responsabilidade para decisão e
ação e quando as causas das dificuldades são obscuras e complicadas.
O aconselhamento eclético, defende a aplicação de princípios diretivos e não
diretivos o que não é aceito por alguns autores que acreditam na incoerência do
entrosamento desses princípios. Thorne (apud Sheeffer, 2003,p.103), defende a
escolha do método de acordo com a situação e atitude do cliente.
O Serviço de Aconselhamento Psicológico nas escolas poderia ser útil na
prevenção da timidez, trabalhando com a orientação de pais e professores em relação
à importância que deve ser dada à socialização de crianças e adolescentes para o
desenvolvimento natural de habilidades sociais como fator de proteção à saúde e bem
estar dos mesmos. Poderia incentivar a inserção no processo educativo de programas
de aprimoramento de algumas habilidades e treinamento de outras, detectadas como
deficientes ou inexistentes. Os alunos que manifestassem necessidade de ajuda
poderiam passar pelo aconselhamento psicológico dentro dos princípios da abordagem
não-diretiva que trabalha mais com os conteúdos emocionais, na qual a posição do
26
conselheiro é de aceitação e compreensão, refletindo e clarificando esses conteúdos,
facilitando assim no orientando a expressão de sentimentos e emoções,
autocompreensão, aceitação das deficiências, reconhecimento dos aspectos positivos,
insight, atitudes e comportamentos positivos. Os casos de conflitos profundos seriam
encaminhados para âmbito de outras psicoterapias. Para Del Prette e Del Prette (2005,
p.29), o Treinamento das Habilidades Sociais, que será tratado a seguir, também se
encontra no âmbito da clínica, visando a superação de dificuldades interpessoais e dos
problemas a elas associados por ser considerado um componente indispensável no
atendimento clínico a uma grande diversidade de transtornos psicológicos.
27
3 HABILIDADES SOCIAIS
Neste capítulo serão apresentadas noções gerais sobre a importância da
aquisição de várias habilidades de relacionamento, para que se tenha interações
sociais satisfatórias com um controle adequado da ansiedade. Serão apresentados
também os conceitos de habilidades sociais, competência social e assertividade, bem
como a descrição de algumas classes de habilidades sociais requeridas em diferentes
contextos interpessoais.
3.1 Habilidades Sociais e Interação Social
Em qualquer interação social são requeridas habilidades sociais (HS) para que a
convivência seja satisfatória para as pessoas envolvidas na interação. “O termo,
habilidades sociais refere-se a existência de diferentes classes de comportamentos
sociais no repertório do indivíduo para lidar de maneira adequada com as demandas
das situações interpessoais” Del Prette e Del Prette (2001,p.31).
Segundo esses autores, convivemos sempre com várias pessoas em situações
diferentes, nas quais precisamos nos comportar adequadamente, pois cada situação
social requer habilidades diferentes. Por exemplo, podemos precisar cumprimentar
alguém, falando bom dia ou apenas acenando com a cabeça ou podemos precisar
fazer alguma pergunta e então teremos que nos apresentar, explicar o motivo,
agradecer a atenção etc. Devido a experiências anteriores, praticamos algumas
habilidades com facilidade sem nenhuma preocupação, enquanto outras que
exercitamos pouco ou que até desconhecemos, nos causam uma sensação de
28
desconforto. Essa ansiedade gera reações orgânicas que variam de pessoa para
pessoa tais como: tensão muscular, dor de cabeça, aceleração cardíaca, tremor nas
mãos etc. Quando essa ansiedade se apresentar, o uso das habilidades sociais já
aprendidas pode ser inibido e é quando ouvimos: “deu um branco”; “pensei mas não
falei”; “senti-me perdida”; “comecei a tremer.”
Muitas das dificuldades que as pessoas experimentam nas interações sociais se
devem à falta de aprendizagem de maneiras adequadas de se comportar ou à
aprendizagem de formas inadequadas, que podem ser bem vistas em algumas
situações, porém em outras não. Podemos usar gírias entre os colegas, mas numa
entrevista de emprego isso não será compatível. Numa interação social às vezes nos
afastamos de pessoas que tentam nos prejudicar e as conseqüências sociais e
psicológicas dessas perdas são o enfraquecimento dos sentimentos de auto-eficácia e
de auto-estima. Uma relação social equilibrada tende a ser duradoura, com sentimentos
mais profundos. Segundo Del Prette e Del Prette, (2003, p.84), “A competência social é
a capacidade da pessoa para articular pensamento, sentimento e ações em função de
seus valores e objetivos, ao responder às demandas mediatas e imediatas do
ambiente”. Comportar-se assim evita conflitos intrapessoais e interpessoais, gerando
bem-estar físico e psicológico.
Aprendemos várias habilidades por observação e pelas conseqüências dos
nossos comportamentos. Quando damos atenção a uma criança que conta um caso,
estamos reforçando suas habilidades de falar de si, descrever acontecimentos e pedir
opinião. É importante também identificarmos as demandas da situação que estamos
vivendo para usarmos as habilidades sociais necessárias com sucesso. Em muitas
situações é fácil perceber o que devemos fazer ou não. Por exemplo, em um funeral
29
sabemos o que não se deve fazer, mas geralmente não sabemos quais
comportamentos poderiam acalmar e consolar. Uma variedade de estudos relaciona as
habilidades sociais a interações mais gratificantes, a maior realização pessoal e o
sucesso profissional (Caballo, 1987, 1991; Collins e Collins, 1992; Ickes, 1997, apud
Falcone, 2002).
Para prevenção, superação dos déficits de habilidades sociais e
desenvolvimento de um repertório mais amplo a fim de se lidar melhor com as
demandas atuais de uma sociedade que se modifica rapidamente, podemos contar com
os programas de Treinamento de Habilidades Sociais (THS). Esse treinamento consiste
no ensino direto e sistemático de habilidades sociais com o propósito de aperfeiçoar a
competência social, individual e interpessoal. Essa área que teve seu início como
método terapêutico, hoje também é considerada como área de investigação empírica e
teórica. O THS é objeto de descrição e análise no capítulo subseqüente.
3.2 Classificação das Habilidades Sociais
Considerando as várias habilidades existentes, Del Prette e Del Prette (2001,
p.61), listam sete classes de diferentes habilidades sociais:
Aprendendo a Aprender. A automonitoria é uma habilidade pela qual a pessoa observa,
descreve, interpreta e regula seus pensamentos, sentimentos e comportamentos em
situações sociais. Monitorar o próprio desempenho ajuda a alcançar melhor
competência social. Existem quatro requisitos para o desempenho dessa habilidade:
controle da impulsividade, observação do outro, introspecção e reflexão.
30
Habilidades Sociais de Comunicação. A comunicação é um mecanismo essencial da
vida e é um processo mediador do contato entre as pessoas. Entender o outro e se
fazer entender, depende da comunicação. Essas habilidades são classificadas como
verbais e não verbais. Algumas subclasses são: fazer e responder a perguntas,
gratificar e elogiar, pedir e dar feedback, iniciar, manter e encerrar conversação. As
subclasses de habilidades não-verbais, como o sorriso, os gestos, expressão facial,
distância/proximidade etc., complementam, ilustram, regulam, substituem e às vezes
até se opõem à verbal.
Habilidades Sociais de Civilidade. Segundo o senso comum: “a boa educação não
ocupa espaço”. Essas habilidades referem-se a desempenhos razoavelmente
padronizados, próprios das interações ocasionais. São exemplos: dizer por favor,
agradecer, apresentar-se, cumprimentar e despedir-se. Um bom repertório de
habilidades desta classe, o controle da ansiedade e o conhecimento das normas de
certos contextos podem ser suficientes para um desempenho social satisfatório.
Habilidades Sociais Assertivas de Enfrentamento. A assertividade é considerada uma
habilidade de enfrentamento, defesa de direitos e exercício de cidadania. No cotidiano,
pequenas violações aos direitos das pessoas não recebem acolhida nas instâncias de
justiça e precisam, então, ser resolvidas no âmbito das relações interpessoais, o que
requer um desempenho socialmente competente. São subclasses: manifestar opinião,
concordar e discordar; fazer, recusar e aceitar pedidos; desculpar-se e admitir falhas;
expressar raiva e pedir mudança de comportamento; lidar com críticas etc.
Habilidade de Expressão de Sentimento Positivo. O afeto é uma necessidade das
relações em que a expressividade emocional é indispensável para a satisfação e
manutenção de compromissos. A afetividade faz parte do cotidiano de qualquer pessoa
31
saudável, contribuindo para o equilíbrio emocional e a harmonia entre as pessoas.
Algumas habilidades: fazer amizades, expressar solidariedade e cultivar o amor.
Habilidades Sociais Empáticas. Disposição para abrir mão, por alguns instantes, dos
próprios interesses e sentimentos e se dedicar a ouvir e compreender, sem julgar, o que
a outra pessoa sente, pensa e deseja. O componente cognitivo da empatia é ter
consciência do outro e para isso se faz necessário prestar atenção e ouvir
sensivelmente. São exemplos: parafrasear, refletir sentimentos e expressar apoio.
Habilidades de Trabalho. Atualmente, as habilidades sociais profissionais são cada vez
mais requisitadas. Essas habilidades atendem às diferentes demandas interpessoais
do ambiente de trabalho tendo como objetivo o bem estar da equipe e o respeito aos
direitos de cada um. São habilidades importantes: coordenar grupos, falar em público,
resolver problemas, tomar decisões e mediar conflitos. A combinação de muitas dessas
atividades é também importante para educadores, pais e líderes comunitários
preocupados com o processo de aprendizagem. A habilidade de “falar em público” tem
sido considerada uma das mais importantes, pois além de ser solicitada em vários
contextos interpessoais oferece dificuldades pela importância dada à qualidade da
apresentação e por envolver controle da ansiedade.
As classes de habilidades sociais não se esgotam nestas listadas aqui. À medida
que vão surgindo novas experiências e novos contextos, outras habilidades vão se
fazendo necessárias como, por exemplo, habilidades religiosas, habilidades políticas,
habilidades de solidariedade, habilidades sociais acadêmicas etc.
32
3.3 Assertividade e Habilidades Assertivas
A definição de assertividade mais comumente aceita é “a afirmação dos próprios
direitos e expressão de pensamentos, sentimentos e crenças de maneira direta,
honesta e apropriada, de modo que não viole o direito de outras pessoas” (Lange e
Jakubowsky, apud Del Prette/Del Prette, 1999, p.41). As pessoas assertivas, em
situações de enfrentamento, conseguem ter autocontrole de seus sentimentos
negativos provocados pela ação do outro ou expressá-los adequadamente. O
comportamento assertivo melhora a qualidade dos relacionamentos e deixa as pessoas
mais tranqüilas, pois reduz a ansiedade e aumenta a auto-estima. A autoconsciência é
o componente cognitivo necessário para a obtenção do comportamento assertivo. Para
atingir a auto-consciência é necessário saber o que se quer ou se deseja, quais as
expectativas que se tem em relação àquilo que se quer e quais os sentimentos que se
está experimentando.
As pessoas com poucas habilidades assertivas submetem-se aos outros e têm
dificuldades para superar essa dependência. O desempenho assertivo exercitado
desde a infância costuma se manter ao longo da vida, desde que seja sempre
valorizado e ocorra em contextos não autoritários.
Os estudos teóricos e pesquisas na área do Treinamento Assertivo estabelecem
algumas habilidades como pertencendo à categoria assertividade. Baseado em Del
Prette e Del Prette (2001, p.76-84), poderemos destacar os seguintes:
Manifestar opinião, concordar, discordar. A expressão de opiniões de cada um dos
envolvidos numa interação, concordando ou discordando, é importante para a
33
construção de uma relação saudável, sempre lembrando dos princípios do direito à
liberdade de expressão e do respeito às diferentes opiniões.
Fazer, aceitar e recusar pedidos. Precisamos das outras pessoas para que algumas de
nossas necessidades sejam atendidas. Para que isto aconteça temos que reconhecer
as possibilidades e disponibilidades das pessoas e, ainda, a forma, a ocasião e a real
necessidade desses pedidos. Somos solidários quando atendemos a algum pedido
razoável, mas atender pedidos abusivos significa dificuldade na habilidade de recusa.
Encerrar relacionamento. Essa situação exige habilidade de empatia e expressão
honesta de sentimentos e opiniões, de avaliação, de negociação e compreensão de
perdas e de revisão de planos e expectativas.
Expressar raiva e pedir mudança de comportamento. É importante a expressão
adequada dos sentimentos negativos para evitar sintomas orgânicos, prevenir
problemas de relacionamentos ou mesmo garantir a autenticidade de uma relação. Não
deve ser apenas um desabafo e se possível deve ser acompanhada de pedido de
mudança de comportamento. É importante segundo Brower e Brower ( apud Del Prette
e Del Prette,2001):
Referir-se ao comportamento do outro e não à sua pessoa, especificando claramente o foco do desagrado; expressar os próprios sentimentos diante dos comportamentos considerados inconvenientes do outro; descrever claramente o comportamento que gostaria que o outro emitisse, solicitando pequenas mudanças de cada vez; apresentar conseqüências positivas diante das eventuais mudanças do comportamento na direção solicitada. (p.82).
Interagir com autoridades. A interação com pessoas com prestígio, às quais atribuímos
grande importância, gera muita ansiedade. Para o exercício dessa habilidade é
34
importante conhecer a real posição da autoridade, controlar a ansiedade, ter clareza e
fluência verbal para expor seus objetivos, ter flexibilidade para lidar com imprevistos e
ainda compreensão de que de acordo com a nossa Constituição somos todos iguais
perante a lei.
Lidar com críticas. È bastante difícil o bom desempenho dessa habilidade. Podemos
aceitar, rejeitar ou ignorar uma crítica. Para lidar bem com críticas é importante avaliar a
sua veracidade, a forma como foi feita, se o momento foi adequado e qual era o seu
objetivo. Para fazer uma crítica é adequado dirigir-se diretamente à pessoa excluindo
as que não estão envolvidas na situação, referir-se ao comportamento e não à pessoa
em si, controlar a emoção excessiva e cuidar para não provocar um desconforto
excessivo.
Desculpar-se e admitir falhas. Essa pode ser considerada uma habilidade de
enfrentamento. Desculpar-se significa admitir equívocos, desfazer mal entendidos,
diminuir ressentimentos. Basta desculpar-se, não sendo necessário apresentar
justificativas, pois o importante é a sinceridade dos propósitos através das ações.
Estabelecer relacionamento afetivo/sexual. As habilidades básicas na fase de
aproximação são o envio e a leitura dos sinais não verbais. As pessoas se interessam
por outras, conscientemente ou não, por meio de sinais culturalmente determinados. Na
fase seguinte são importantes as habilidades de conversação, de identificação, de auto-
revelação e de dar e aproveitar informações livres para estabelecer a relação. São
essenciais o auto-controle da ansiedade e o auto-conhecimento das próprias ações e
de seus efeitos sobre o outro.
35
4. TIMIDEZ E HABILIDADES SOCIAIS
Neste capítulo veremos as características dos comportamentos passivo,
agressivo e assertivo; a importância da socialização no desenvolvimento natural das
habilidades sociais e assertivas, um aprendizado que acontece como conseqüência das
interações inerentes a cada fase da vida. Finalmente, uma descrição breve do
Treinamento das Habilidades Sociais, método que vem sendo usado na superação dos
déficits de habilidades sociais e também como prevenção e ampliação dessas
habilidades na busca de relacionamentos saudáveis e gratificantes.
4.1 Padrões de comportamentos passivo, agressivo e assertivo
De acordo com Del Prette e Del Prette (2001, 2003), para a área de
Treinamento Assertivo, o comportamento humano pode ser dividido em três estilos:
passivo, assertivo e agressivo. As pessoas com o estilo passivo têm dificuldades para
tomar decisões, recusar pedidos, expressar seus sentimentos tanto positivos quanto
negativos, preocupam-se em desagradar aos outros, têm dificuldades em trocar
opiniões e em recusar pedidos. Falam em tom baixo, com pausas, interrupções e em
situações estressantes podem apresentar gagueira. Evitam o contato visual, conservam
os ombros rebaixados e os movimentos de braços e mãos são tensos. Essas pessoas
evitam conflitos interpessoais e geralmente mesmo quando sabem que suas idéias
estão corretas acabam cedendo para abrandar a situação. São vistas pelos outros
como pessoas tímidas, submissas, manipuláveis e que não confiam em si mesmas.
Pesquisas ressaltam a influência da cultura e da educação nas características passivas.
36
A predominância desse estilo não significa que ele se estenda a todas as situações e
que também não possa ser mudado. Exemplificando, uma pessoa passiva, quando
precisa fazer uma escolha, é indecisa e submete-se à opinião alheia.
O estilo agressivo caracteriza-se pelo autoritarismo, intolerância e coerção.
Envolve a autovalorização excessiva e quase sempre a desvalorização do outro. A fala
é rápida e o volume da voz é exagerado. A expressão facial é carregada, o contato
visual é intenso (intimidação) e os gestos são autoritários; o objetivo é vencer
independente dos sentimentos alheios. Uma pessoa agressiva, quando precisa fazer
escolhas, faz para si e para os outros.
O estilo assertivo envolve afirmação pessoal, mas com respeito ao próximo. A
pessoa assertiva faz contato visual, apresenta um volume de voz audível, firme e
modulada de acordo com o sentimento expressado; seus gestos são adequados às
situações encontradas e sua postura é moderada não sendo submissa nem
desafiadora. Defende seus direitos, sem desrespeitar o direito dos outros. Uma pessoa
assertiva, quando precisa tomar uma decisão, decide por si mesma, considerando
opiniões alheias quando necessário.
Para Alberti e Emmons (1978, p. 35, 36, 50), tanto o comportamento agressivo
como o passivo podem ser de caráter geral ou situacional. A pessoa geralmente
agressiva tem um comportamento tipicamente agressivo com os outros em todas as
situações e a situacionalmente agressiva, responde com agressão somente em
algumas circunstâncias. A pessoa geralmente passiva também apresenta
comportamentos tipicamente passivos em quase todas as situações, não tendo
coragem de defender seus direitos e de agir do modo que quer; prefere pensar que não
foi compreensiva a pensar que o outro está errado e sente-se ansiosa em suas
37
interações sociais. A pessoa situacionalmente passiva consegue ser espontaneamente
assertiva em algumas ocasiões e tem vontade de lidar melhor com situações que lhe
são difíceis; identifica suas dificuldades e quer desenvolver a asserção, o que não é
impossível. Numa seqüência positiva, ela pode emitir um comportamento assertivo
(autovalorização) e ganhar respostas positivas dos outros; este feedback positivo levará
a uma avaliação positiva e os sentimentos melhorados sobre si mesma resultará em
asserções futuras.
Baseado em Del Prette e Del Prette ( 2003 ), a assertividade deveria ser evitada
nas seguintes situações:
No caso de provável reação violenta do interlocutor, podendo tal reação ser danosa ao emissor; Em situações em que o interlocutor realiza tarefas profissionais, com desempenho abaixo do esperado por razões que excluem má vontade ou displicência e que os danos causados sejam pequenos; Quando a relação ocorre com pessoas suscetíveis ou com problemas devido a idade avançada, doenças etc; Quando a assertividade contrasta com as práticas culturais e pode ser considerada abusiva, equivocada ou agressiva. (p.109).
4.2 Desenvolvimento das Habilidades Assertivas
Segundo Del Prette e Del Prette, (2001, p. 42, 43), desde bebê, a criança se
expressa emocionalmente através do choro e por canais não verbais como movimentos
do corpo, e posteriormente, por outros recursos, como o sorriso, o olhar e a postura,
modelados por seus cuidadores. A comunicação verbal também vai se desenvolvendo
passando pelos sons e por algumas palavras até chegar à fala significativa. Para que
haja um desenvolvimento saudável, a habilidade de expressar sentimentos é um fator
38
importantíssimo. Preocupados com as formas inadequadas de expressão das crianças,
os adultos bloqueiam o desempenho dessa habilidade punindo, ignorando ou não
dando a menor importância.
A criança desde cedo deve aprender a conhecer e nomear seus sentimentos.
Hoje, crianças pequenas já usam computadores, mas não sabem nomear o que sentem
em certas situações. Falar sobre seus sentimentos e nomeá-los são habilidades que
acalmam a criança e lhe ajudam a transformar sensações desagradáveis em algo mais
definido e natural. É importante aprender a lidar com esses sentimentos de forma
adequada, reconhecendo o sentimento de inveja por um colega premiado, admitindo
seu amor e compaixão por uma pessoa necessitada ou por um animal abandonado.
Identificar e nomear uma emoção mesmo que considerada negativa, não significa ser
mau, mas apenas que esta emoção assim como outras, positivas ou negativas, fazem
parte da nossa humanidade. A criança deve identificar as reações motoras inerentes ao
medo, à alegria, à tristeza, à raiva etc. Os pais devem ajudar os filhos nessa
autodescoberta. Devem elogiar e estimular comportamentos psicológica e socialmente
aceitáveis que, sendo reforçados, se tornarão naturais. Assim como elogiavam o andar
e o falar, devem fazer o mesmo com o estudar, o organizar-se, ser gentil, ter iniciativa
na solução de pequenos problemas etc. Em qualquer fase, mas principalmente na
adolescência, é importante que pais e filhos cheguem a um acordo sobre regras de
convivência e padrões de conduta através de um diálogo habilidoso.
Na escola a amizade com os colegas, a convivência em grupos, as experiências
de aceitação e rejeição, as preferências, estimulam a cooperação, o respeito às regras
e o controle da agressividade, possibilitando relações interpessoais agradáveis. Os
estudantes tímidos devem ser estimulados a exercitar as habilidades de sobrevivência
39
em classe como fazer e responder perguntas, pedir e oferecer ajuda, defender-se de
acusações injustas e pedir mudança de comportamento dos colegas no caso de
provocações. Os tímidos têm dificuldade de iniciar interações, preferem atividades que
não requerem contato social e às vezes se sentem inseguros até para fazer o que
julgam certo. A exposição em várias situações sociais e em diversos contextos ajuda a
diminuir a ansiedade e a aumentar a autoconfiança. Ainda de acordo com Del Prette e
Del Prette (2005, p.62), a escola constitui um espaço essencialmente interativo e
reconhecidamente relevante para o desenvolvimento interpessoal da criança.
Neste sentido, segundo Alberti e Emmons (1978),
Os professores são especialmente culpados pelo comportamento não-assertivo, basicamente do mesmo modo que os pais. Crianças quietas, bem comportadas, que não questionam o sistema, são recompensadas, enquanto aquelas que o fazem são de algum modo tratadas com desprezo.(p.21).
Para Del Prette e Del Prette (2005, P.177-180), as habilidades assertivas às
vezes não são valorizadas na infância porque os adultos confundem os
questionamentos das crianças com rebeldia, teimosia e agressividade, temendo assim
perder a sua autoridade. Inseguros com a insistência das crianças, o desenvolvimento
da assertividade pode ser negligenciado por pais e professores, que precisariam
compreender que tem coisas que as crianças aprendem muito rápido e que eles não
têm obrigação de saber tudo. Para ajudar as crianças nessas situações, seria desejável
trabalhar o desenvolvimento da “habilidade de pensar assertivamente”, o que pode
começar já na pré-escola. Para isso, é importante uma compreensão dos direitos e
deveres que correspondem a cada um numa interação social como, por exemplo, o
40
direito de ser ouvido pelo colega, pelos pais e pelos professores corresponde o seu
dever de ouvi-los; este é o primeiro requisito para o pensar assertivo. O segundo
corresponde ao conhecimento do que é relevante e irrelevante nos relacionamentos
interpessoais. A criança deve saber que num jogo, por exemplo, o importante é desafiar
os próprios limites ou desfrutar o lazer com os colegas e não disputas do tipo “tudo ou
nada”, o que vai lhe ajudar também a lidar com frustrações. O terceiro requisito para o
pensar assertivo é a capacidade de avaliar e predizer as prováveis conseqüências de
comportar-se ou não assertivamente, fazendo então sua opção.
O treinamento para melhorar a assertividade é uma intervenção que se destaca
no trabalho com pessoas tímidas, pois estas têm dificuldades para falar de si, defender
seus direitos e a aceitar ou refutar críticas; geralmente dão pouca expressividade às
suas emoções, controlando-se em excesso.
Para Alberti e Emmons (1978, p. 43), à medida que uma pessoa se torna
assertiva ocorre uma redução de certos problemas somáticos (dor de cabeça, asma,
cansaço, problemas gástricos etc), devido à diminuição da ansiedade e da culpa que é
experimentada por pessoas agressivas e passivas.
4.3 Desenvolvimento das Habilidades Sociais
A sociabilidade humana vai se desenvolvendo ao longo da vida através das
interações sociais que favorecem o desenvolvimento cognitivo e sócio-emocional dos
indivíduos. Segundo Del Prette e Del Prette (1999; 2001), na infância, a criança tem
acesso à aquisição de muitas habilidades que serão importantes para as fases
posteriores da sua vida. A família é o primeiro grupo social onde ela começa a
41
aprendizagem de convivência e onde desenvolve sentimentos e crenças através da
educação. Nesse contexto, a aprendizagem de habilidades sociais é geralmente
mediada pelos pais, que além de modelos de comportamentos, proporcionam contatos
sociais para os filhos. As relações entre irmãos e outros parentes proporcionam tanto
satisfações quanto conflitos, sendo oportunidades para a experiência das habilidades
de enfrentamento. As habilidades sociais minimizam os conflitos e aumentam a
satisfação nas relações familiares. A vivência de situações extrafamiliares são sempre
novos desafios interpessoais, pois a criança vai ter que expressar suas necessidades a
outras pessoas.
O processo de socialização na escola é parecido com o da família e ambos são
espaços onde os acontecimentos são semelhantes aos da sociedade como, por
exemplo, o exercício do poder, a formação de alianças, os processos de atribuição de
tarefas e papéis etc. Na escola, a criança reforça as habilidades já aprendidas e
necessita aprender outras para interagir com os novos colegas. Essa interação na
escola resulta em aceitação dos outros, popularidade e formação de novas amizades.
Na adolescência, as demandas são maiores, pois espera-se dos jovens
comportamentos sociais mais elaborados. Timidez, ansiedade heterossexual,
dificuldades na solução de problemas e ausência de assertividade, são problemas
comuns nessa fase da vida (Chritoff et al., 1985, apud Del Prette e Del Prette,1999,
p.22), quando os jovens se encontram diante de múltiplas tarefas sociais diferentes
daquelas que experimentavam até há pouco tempo atrás. Nessas tarefas, novas
habilidades sociais são exigidas, tais como iniciar, manter e encerrar conversação,
recusar pedidos sem prejudicar a relação, fazer compras para si mesmo, tecer planos,
coordenar grupos etc.
42
Na vida adulta, habilidades profissionais e sexuais são requeridas para que o
indivíduo tenha a sua independência e na terceira idade, com a diminuição da
percepção e da prontidão para a resposta, é importante desenvolver habilidades para
lidar com os comportamentos sociais decorrentes do preconceito, tais como
agressividade e superproteção e também habilidades a serem usadas na defesa e
reivindicação de seus direitos .
Segundo Del Prette e Del Prette (2001, p.44), é cada vez maior o volume
informações sobre a influência da televisão no comportamento das crianças e dos
adultos. As famílias devem se preocupar com o tempo de exposição e com a qualidade
da programação, pois as crianças podem repetir em algumas situações o
comportamento agressivo de seus heróis e outros modelos sociais. De outro lado, a
internet vem causando a redução da quantidade e da qualidade das interações face a
face dos jovens, incrementando seu isolamento social, reduzindo a observação direta
de desempenho em situações sociais reais. A falta de vivências sociais é uma causa
relevante da timidez. Ao se isolar, o tímido perde oportunidades de interagir e não
desenvolve habilidades sociais e, não desenvolvendo essas habilidades torna-se ainda
mais tímido, formando um círculo vicioso que poderá ser quebrado com um treinamento
de habilidades sociais.
Mesmo havendo várias situações favoráveis à aprendizagem das habilidades
sociais durante a vida, podem acontecer déficits nessas habilidades de acordo com Del
Prette e Del Prette (2005, p. 53, 54,55), pelos seguintes motivos: falta de conhecimento:
pouca familiaridade com o ambiente, desconhecimento de normas e padrões
socialmente aceitos no contexto; por falta de oportunidades sociais: pouco contato com
outras crianças e adultos, falta de freqüência a lugares públicos e carência de modelos
43
adequados de habilidades sociais; por falhas de reforçamento: pouca sensibilidade às
aquisições e desempenhos sociais da criança e, em alguns casos, punição pelo uso de
determinadas habilidades sociais; por ausência de feedback: retroalimentação do
comportamento; por excesso de ansiedade interpessoal: desorganização
comportamental e autonômica ( aceleração dos batimentos cardíacos, sudorese,
cefaléia e dificuldade na respiração) que inibe o comportamento; por dificuldades de
discriminação e processamento: leitura do ambiente, escolha do melhor desempenho e
quando e onde deve ocorrer ou não; por problemas de comportamento: quando o
ambiente premia ou modela comportamentos inadequados, ignorando ou não
promovendo os adequados.
Como foi referido no capítulo anterior, atualmente existem programas de
treinamento em habilidades sociais que podem ser usados como recursos que podem
favorecer o desenvolvimento de interações sociais saudáveis para superar dificuldades,
para aprimorar algumas habilidades e para a ampliação do repertório das mesmas.
Observa-se atualmente uma maior eficácia no tratamento da timidez com o THS com
ênfase nas habilidades de conversação, de formação de amizade e de resolução de
problemas interpessoais. Nesse campo teórico-prático existem processos que podem
ser úteis na superação de habilidades que não foram naturalmente desenvolvidas,
melhorando a qualidade de vida de tímidos, tornando-os mais aptos a interações
sociais psicologicamente saudáveis.
Segundo Del Prette e Del Prette (1999, p. 24,26,27), o Treinamento das
Habilidades Sociais (THS) teve início na Inglaterra nos anos 70 a partir dos estudos de
Michael Argyle e sua equipe da Universidade de Oxford. Recebeu também
contribuições da área de Treinamento Assertivo (TA) em andamento na mesma época
44
nos Estados Unidos, impulsionado por publicações de Wolpe. Embora após os anos 80
tenha diminuído a freqüência de publicações sobre TA, a questão da assertividade vem
ganhando uma nova dimensão devido ao avanço das abordagens terapêuticas
cognitivistas. Alguns autores classificam o comportamento assertivo como uma subárea
das habilidades sociais ( Aron e Milicic, 1994; Hidalgo & Abarca, 1992, apud Dell Prette
e Dell Prette, 1999, p. 29).
De modo geral, as técnicas de treinamento em habilidades sociais, segundo Del
Prette e Del Prette (1999, p.117), são divididas em: técnicas comportamentais: ensaio
comportamental, reforçamento, modelagem, modelação (real e simbólica), feedback
(verbal e videofedback), relaxamento, tarefas de casa, dessensibilização sistemática e
em técnicas de reestruturação cognitiva, dirigidas para as cognições que mais
interferem nas relações sociais: crenças irracionais, diálogos internos inibitórios,
expectativas equivocadas de auto-eficácia, suposições negativas e estilos de atribuição
inadequados. Alguns dos objetivos da reestruturação cognitiva no THS visam: valorizar
os próprios direitos e de seu interlocutor; identificar as próprias cognições inadequadas
e de outrem; exercitar formas alternativas de avaliação; e identificar os próprios estilos
de atribuição, buscando avaliações mais realistas.
Os programas de habilidades sociais podem ter um formato individual ou grupal
e ambos proporcionam benefícios. Em grupos pode-se trabalhar com “vivências”, que
permitem experiências com demandas cognitivas, emocionais e comportamentais,
oferecendo oportunidades de observação, descrição e feedback e favorecendo o apoio
mútuo, que contribui para a dessensibilização da ansiedade social. Para Del Prette e
Del Prette (2001, p.106), “vivência pode ser entendida como uma atividade, estruturada
de modo análogo ou simbólico a situações cotidianas de interação social dos
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participantes, que mobiliza sentimentos, pensamentos e ações, com o objetivo de suprir
déficits e maximizar habilidades sociais em programas de THS em grupo”. Vale
acrescentar que o THS tem tido grande aplicabilidade na clínica e em contextos
educacionais, empresariais e comunitários.
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5 CONCLUSÃO
De acordo com os estudos feitos nesta monografia, concluímos que há uma
relação entre habilidades sociais e timidez. A timidez só chama a atenção de pais e
professores quando esse comportamento se torna exagerado, pois as crianças tímidas
não lhes trazem dificuldades na interação com elas. Ao se isolar no seu silêncio, o
tímido vai perdendo oportunidades de interagir deixando de vivenciar novas
experiências, entrando então numa via de mão dupla, pois não interagindo, não
desenvolve as habilidades sociais necessárias e torna-se mais tímido. Passamos a vida
convivendo com várias pessoas em situações diferentes sendo então o aprendizado de
habilidades sociais desejável ou até mesmo necessário para que tenhamos
comportamentos adequados nas nossas interações sociais, tornando-as satisfatórias e
gratificantes.
Constatou-se ser a aprendizagem das habilidades sociais importantíssima na
prevenção da timidez, devendo ocorrer naturalmente durante as fases do
desenvolvimento de uma pessoa através dos estímulos dados por pais e professores
na socialização de seus filhos e alunos. Nesse trabalho, espontâneo e natural, é
indispensável uma ênfase grande ao desenvolvimento das habilidades assertivas,
permitindo à criança a expressão dos seus sentimentos, levando-a a enfrentar
situações difíceis, defender seus direitos com controle da ansiedade e expressão
apropriada de sentimentos, desejos e opiniões, sem nunca esquecer o respeito à
opinião dos outros. Esse aprendizado da assertividade é importante pelo fato dos
tímidos terem um comportamento de estilo passivo apresentando dificuldades para
expressar sentimentos tanto positivos quanto negativos, dificuldades para tomar
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decisões, recusar pedidos e preocupação em desagradar os outros, evitando conflitos
interpessoais.
Finalmente, verificando-se deficiências no repertório de habilidades sociais,
vimos que podemos contar com programas de treinamento em habilidades sociais que
podem ser úteis na superação das habilidades que não foram naturalmente
desenvolvidas, melhorando a qualidade de vida dos tímidos, tornando-os mais aptos a
interações sociais psicologicamente saudáveis.
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