UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIEcircNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLAacuteSSICAS E VERNAacuteCULAS
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM LITERATURA PORTUGUESA
RODRIGO GOMES DE OLIVEIRA PINTO
Doutrina do misto e anatomia do monstro
usos da retoacuterica de Hermoacutegenes entre os seacuteculos XVI e XVIII
Satildeo Paulo
2015
2
UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIEcircNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLAacuteSSICAS E VERNAacuteCULAS
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM LITERATURA PORTUGUESA
Doutrina do misto e anatomia do monstro
usos da retoacuterica de Hermoacutegenes entre os seacuteculos XVI e XVIII
Rodrigo Gomes de Oliveira Pinto
Tese apresentada ao Departamento de
Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas da
Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias
Humanas da Universidade de Satildeo Paulo
para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de doutor
Orientadora Profordf Drordf Adma Fadul Muhana
Satildeo Paulo
2015
3
RESUMO
A presenccedila preceptiva da doutrina retoacuterica das ideai de estilo tal como reguladas pelo
retor grego Hermoacutegenes registra-se em terras italianas portuguesas e espanholas entre
os seacuteculos XVI e XVIII Ora increve-se nos debates que opotildeem detratores e defensores
do gecircnero de poema misto Entre os autores presentes nestes debates estaacute Manuel de
Galhegos cujo proacutelogo epidiacutetico agrave Ulyssea ou Lisboa Edificada elogia a elocuccedilatildeo do
poema heroico de Gabriel Pereira de Castro com base no Peri ideōn e permite que se
discutam os diferentes usos de Hermoacutegenes entre tradutores comentadores e glosadores
desde tratado desde Jorge de Trebizonda Ademais Francisco Joseacute Freire conhecido
como Cacircndido Lusitano na Arte poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de
todas as suas especies principaes tratadas com juizo critico censura a tragicomeacutedia
como misto vicioso nem traacutegico nem cocircmico sem proporccedilatildeo e sem unidade Essa
censura da tragicomeacutedia atualiza argumentos atinentes agrave controveacutersia doutrinaacuteria que
remonta aos fins do seacuteculo XVI e iniacutecios do seacuteculo XVII a qual opotildee eruditos como
Giasone Denores e Giovanni Battista Guarini autor de Il Pastor Fido poema considerado
exemplar no gecircnero e legitimado pela doutrina atribuiacuteda a Hermoacutegenes
PALAVRAS-CHAVE Hermoacutegenes retoacuterica retores gregos e latinos poeacutetica gecircneros
de discurso
E-MAIL rodrigopinto75yahoocombr
4
ABSTRACT
The Hermogenesrsquo rhetorical theory of stylistic ideai became evident in Italy Portugal and
Spain during the 16th and 18th centuries This doctrine is related to debates among critics
and apologists for the mixed genres Among the authors involved in theses debates is
Manuel de Galhegos whose epideictic preface to Ulyssea ou Lisboa Edificada praises
this Gabriel Pereira de Castrorsquos heroic poem based on Peri ideōn and enable this thesis
to discuss the different uses of Hermogenes by translators commentators and glossers
since George of Trebizond Besides Francisco Joseacute Freire also known as Cacircndido
Lusitano on the Arte poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as
suas especies principaes tratadas com juizo critico blames tragicomedy as a vicious
mixture neither tragic nor comic without proportion or unity This blame reaffirms
arguments concerning to poetic controversies of the late sixteenth and early seventeenth
centuries which opposes scholars like Giasone Denores and Giovanni Battista Guarini
author of the Pastor Fido a poem that is known as an example in terms of Hermogenesrsquo
theory of a misture of ideai
5
AGRADECIMENTOS
Agrave Profordf Drordf Adma Fadul Muhana pela confianccedila pelo exemplo e pela lucidez
ante os desvarios
Ao Prof Dr Leon Kossovitch e ao Prof Dr Adriano Machado Ribeiro pelas
sugestotildees que desconfortam e pelas contribuiccedilotildees no Exame de Qualificaccedilatildeo
Ao Prof Dr Joatildeo Adolfo Hansen pela saacutetira e pelo engenho
Ao Prof Dr Adriano Scatolin pelas leituras de Ciacutecero
Agrave Fundaccedilatildeo Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior
(CAPES) pela concessatildeo da bolsa de estudos que permitiu principiar esta tese
Aos meus pais
Agrave Priscila
6
Ao Francisco e ao Henrique
menino mais velho e menino mais novohellip
Ao Abel in memoriam
parceiro de grandes e pequenas histoacuterias
7
O Hermoacutegenes tinha voz que natildeo era fanhosa nem rouca mas assim
desgovernada desigual voz que se safava Assim ndash fantasia de dizer ndash o ser de
um irara com seu cheiro fedorendo
JOAtildeO GUIMARAtildeES ROSA
Grande Sertatildeo Veredas
8
IacuteNDICE DE FIGURAS
Figura 1 Frontispiacutecio de Ulyssea ou Lisboa Edificada (1636) 18
Figura 2 ldquoHermogenesrsquo Types and Subtypes of stylerdquo 43
Figura 3 ldquoCiceronian and Hermogenean Influences on George of Trebizondrsquos
Rhetoricorum Libri Vrdquo 44
Figura 4 LrsquoIdee overo Forme dellarsquoeloquentia (1606) 45
Figura 5 Le Idee ouero Forme della oratione da Hermogene (1594) 46
Figura 6 ldquoDiscoro di M Giulio Camillo sopra Hermogenerdquo (1560) 47
Figura 7 Tabulae institutionum rhetoricarum Petri Johannis Nunnesii Valentini (1588)
61
Figura 8 Aphtonius Hermogenes Dionysius Longinus praeligstatissimi artis Rhetorices
(1569) 63
Figura 9 Hermogenis Ars Oratoria Absolutissima (1614) 65
Figura 10 Hermogenis Ars Oratoria Absolutissima (1614) 66
Figura 11 Dellrsquo Arte di predicar bene (1627) 68
Figura 12 LrsquoEthica drsquoAristotele (1550) 297
9
SUMAacuteRIO
PROacuteLOGO 10
DOUTRINA DO MISTO 16
ANATOMIA DO MONSTRO 201
EPIacuteLOGO 313
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 315
10
PROacuteLOGO
Vale principiar pela anedota Eacute lugar de benevolecircncia eacute ldquoficccedilatildeo de origemrdquo1
Cabe aqui mencionar o jovem Hermogenes natural de Tarso na Cilicia
que vivia no governo de M Antonio o qual teve a curiosidade de ir
ouvil-o na idade de 15 annos explicar os preceitos da rhetorica de um
modo digno dos maiores mestres aos 18 annos segundo se diz
publicou elle a sua rhetorica uma das melhores daquelles tempos
improvisava publicamente discursos que attrahiam aacute Tarso uma
multidatildeo de estrangeiros compocircz muitos tractados sobre a arte oratoria
porem seu genio prematuro desappareceu repentinamente perdendo
completamente a memoria aos 24 annos cahiu em uma inteira
imbecilidade e neste estado vivecircu longos annos cercado de
soffrimentos e opprimido da miseria 2
Eacute liccedilatildeo introdutoacuteria da Nova Rhetorica Brasileira de Antocircnio Marciano da Silva
Pontes (1836-1901) compecircndio impresso no Rio de Janeiro em 1860 sob os auspiacutecios
de D Pedro II para uso nas classes de Eloquecircncia Poeacutetica e Literatura Nacional no
Imperial Coleacutegio Fosse a vida de Antocircnio Vieira religioso de Santo Inaacutecio ensinaria natildeo
a desmemoacuteria a necedade e a ineacutepcia mas a iluminaccedilatildeo do estalo e a eloquecircncia da Graccedila
Avessos no epidiacutetico Lugares do gecircnero A vida de Hermoacutegenes de Tarso Antocircnio
Marciano da Silva conta-a em conformidade sobretudo com a Vida dos sofistas de
Filoacutestrato o Velho (ca seacutec II-III dC) Conta desaparecer o gecircnio do retor e desertar-lhe
os conhecimentos da arte diz o bioacutegrafo grego natildeo diz a Nova Rhetorica Brasileira
como palavras aladas tais as de Homero feito o prodiacutegio latinamente ldquointer pueros
1 Cf CASSIN B Jacques el sofista Lacan logos y psicoanaacutelisis Traduccioacuten de Irene Miriam Agoff
Buenos Aires Ediciones Manancial 2013 p 25 2 Nova Rhetorica Brasileira por Antonio Marciano da Silva Pontes secretaacuterio do governo da proviacutencia de
Minas-Geraes ex-membro do Conselho Diretor da Instruccedilatildeo Primaria e Secundaria do Municipio da Cocircrte
antigo professor de Eloquencia Poeacutetica e Litteratura Nacional nos Colegios ndash Marinho e Tautphoeus ndash etc
etc Obra aprovada pelo Conselho Director e adoptada para o Imperial Collegio de Pedro II Rio de Janeiro
aacute venda em Casa de E amp H Laemmert Rua da Quitanda 77 1860 p 4
11
senex amp inter senes puerrdquo ldquoentre crianccedilas velho amp entre velhos crianccedilardquo3
Eacute ficto muito proximamente o relato de Jerocircnimo Soares Barbosa (1737-1816)
professor de Eloquecircncia e Poesia da Universidade de Coimbra Nas Instituiccedilotildees oratorias
de M Fabio Quintiliano impressas em dois tomos datados de 1788 e de 1790 4 itera-se
menos a natureza e o pendor mais a arte natildeo a que abandona o haacutebil orador Hermoacutegenes
de Tarso senatildeo que a tratadiacutestica monumentum de que Filoacutestrato o Velho natildeo daacute notiacutecia
Hermogenes natural de Tarso na Cilicia vivia no governo de M Antonio
o qual teve a curiosidade de hir ouvir este moccedilo que na idade de 15
annos explicava os preceitos de Rhetorica de hum modo digno dos
maiores mestres De idade de 18 compoz a sua Rhetorica que he a
dizer a verdade a quinta essencia do bom senso Ella consta de hum
livro sobre os Estados e quatro da Invenccedilaotilde no I dos quaes trata dos
Exordios no 2 da narraccedilatildeo no 3 da Prova e no 4 do Ornato Alem
destes compoz mais dois livros sobre as differentes Idecircas ou Caracteres
do discurso5
Jerocircnimo Soares Barbosa atribui a Hermoacutegenes trecircs tratados de retoacuterica o
primeiro contempla ldquohum livro sobre os Estadosrdquo o segundo ldquoquatro [livros] da
Invenccedilaotilderdquo e o terceiro ldquodois livros sobre as differentes Idecircasrdquo Sabe-se faz-se menccedilatildeo
em primeiro lugar ao Peri staseōn obra de preceituaccedilatildeo das estases dos estados de causa
em segundo lugar ao Peri heureseōs de mateacuteria discriminada isto seja a regulaccedilatildeo dos
proecircmios da narraccedilatildeo da argumentaccedilatildeo das figuras e em terceiro lugar ao Peri ideōn
de doutrina das ideai ditas ldquoformas de estilordquo tomadas no sentido de ldquoCaracteres do
3 De acordo com Filoacutestrato o Velho trata-se de burla atribuiacuteda ao sofista Antiacuteoco cf Flavii Philostrati de
Vitis Sophistarum Libri duo Antonio Bomfino interprete Cum gratia et priuilegio Imperiali ad sex ennium Ex Aedibus Schvrerianis Mense Martio Anno a restituta salute MDXVI [1516] sp 4 Sabe-se Jerocircnimo Soares Barbosa posto que trabalhasse na traduccedilatildeo de Quintiliano jaacute nos anos 1760 soacute
o editou posteriormente cf TEIXEIRA I ldquoArtifiacutecio persuasatildeo e sociedade em Olavo Bilacrdquo Revista USP
nordm 54 ago 2002 p 103 5 Cf Instituiccediloens oratorias de M Fabio Quintiliano escolhidas dos seus XII livros traduzidas em
linguagem e illustradas com notas criticas histoacutericas e Rhetoricas para uso dos que aprendem Ajuntaotilde-
se no fim as Peccedilas originaes de Eloquencia citadas por Quintiliano no corpo destas Instituiccediloens por
Jeronymo Soares Barboza Jubilado na Cadeira de Eloquencia e Poezia da Universidade de Coimbra
Tomo Primeiro Em Coimbra Na Imprensa da Universidade M DCC LXXXVIII Com licenccedila da Real
Meza da Commissatildeo Geral sobre о Ехате e Censura dos Livros Foi taxado este Livro a novecentos e
sessenta reis em papel p 46
12
discursordquo6 O nome de Hermoacutegenes amiuacutede classifica aleacutem dessas duas outras obras
assim denominadas os Progymnasmata de preceituaccedilatildeo de exerciacutecios preparatoacuterios e o
Peri methodou deinotētos de modos de composiccedilatildeo dos discursos de pensamentos
graves7
Aceitam hoje os helenistas que essas atribuiccedilotildees sejam afirmadamente incertas
Embora com frequecircncia se tome o corpo como de Hermoacutegenes de Tarso o Sofista supotildee
Michel Patillon que tenha se constituiacutedo espuriamente e que para o conjunto de textos
confluam distintos costumes retoacutericos que remontam aos seacuteculos II ou III de maneira tal
que apenas dois desses tratados o Peri staseōn e o Peri ideōn sejam considerados de
autoria daquele que o estudioso e tradutor francecircs chama Hermoacutegenes o Retor8 A fim de
se esquivar do sofista de Tarso Michel Patillon esforccedila-se por contruir um nome e
evidenciar que unidade natildeo haacute no corpo de Hermoacutegenes 9 A hipoacutetese pois que lhe
atravessa as pesquisas lida tanto em La theacuteorie du discours chez Hermogegravene le rheacuteteur
essai sur les structures linguistiques de la rheacutetorique ancienne quanto em Lrsquoart
rheacutetorique compreende que remonte aos seacuteculos V ou VI e que tenha se dado em torno
dos dois textos que se creem autecircnticos a constituiccedilatildeo do corpus retoacuterico de Hermoacutegenes
tal como se conhece desde Hugo Rabe o filoacutelogo alematildeo responsaacutevel por editar em 1913
o volume Hermogenis Opera da Bibliotheca Scriptorum Graecorum et Romanorum
Teubneriana reimpresso em 1969 e por estabelecer criticamente a liccedilatildeo textual em que
se baseiam as traduccedilotildees do Peri ideōn de Cecil W Wooten10 de Antonio Sancho Royo11
de Consuelo Ruiz Montero e de Michel Patillon
6 Neste trabalho daqui em diante ao operar a transliteraccedilatildeo do leacutexico da liacutengua grega optamos por natildeo
acentuar as palavras transliteradas (por ex eacute kallos) e por distinguir as vogais breves e longas (εη
e οω) as longas ldquoηrdquo e ldquoωrdquo transliteram-se como ldquoērdquo e ldquoōrdquo (por ex ἔρως eacute erōs ao passo que ἥρως eacute
hērōs) 7 HERMOGENE Lrsquoart rheacutetorique Traduction franccedilaise inteacutegrale introduction et notes de Michel Patillon
Paris LrsquoAcircge drsquoHomme 1997 pp 35-40 HERMOacuteGENES Sobre las formas de estilo Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Consuelo Ruiz Montero Madrid Editorial Gredos 1993 pp 24-5 PATILLON M La
theacuteorie du discours chez Hermogegravene le rheacuteteur essai sur les structures linguistiques de la rheacutetorique
ancienne Paris Les Belles Lettres 1988 pp 8-12 8 Itera-o a tambeacutem tradutora Consuelo Ruiz Montero cf HERMOacuteGENES Sobre las formas de estilo
Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Consuelo Ruiz Montero Madrid Editorial Gredos 1993 pp 24-26 9 PATILLON M La theacuteorie du discours chez Hermogegravene le rheacuteteur essai sur les structures linguistiques de
la rheacutetorique ancienne Paris Les Belles Lettres 1988 pp 13-17 10 Cf HERMOGENES Hermogenesrsquo on types of style Translated by Cecil W Wooten Chapel Hill University
of North Carolina Press 1987 11 Cf SANCHO ROYO A Hermoacutegenes Sobre los tipos de estilo y Sobre el meacutetodo del tipo Fueza
Introduccioacuten traduccioacuten y notas Sevilla Secretariado de Publicaciones de la Universidad 1991
13
Entende este estudioso francecircs que ao Peri staseōn e ao Peri ideōn teriam sido
reunidos os demais tratados os Progymnasmata que passaram a circular na versatildeo latina
de Prisciano a partir do seacuteculo VI e que se veem substituiacutedos bastante frequentemente
segundo o estudioso pelos exerciacutecios de Aftocircnio na vertente manuscrita do corpus o Peri
heureseōs datado de princiacutepios do seacuteculo III que se imagina incorporado aos demais em
substituiccedilatildeo a outro de mesma mateacuteria perdido citado no proecircmio do Peri staseōn e por
fim o chamado o Peri methodou deinotētos que se supotildee espuacuterio tambeacutem a ocupar o
lugar de texto que natildeo se sabe se perdido ou natildeo escrito referido no Peri ideōn (cf HERM
380 2)12
Acatadas ou natildeo as hipoacuteteses de Michel Patillon afirmam e reafirmam aqueles
que se dedicam agrave retoacuterica de Hermoacutegenes que da tratadiacutestica referida apenas os
Progymnasmata na versatildeo de Prisciano circularam no dito medievo latino13 O restante
do corpo difundiu-se ao que se conhece pelas matildeos de letrados como Jorge de
Trebizonda Demeacutetrio Ducas Marco Musuro Antocircnio Bonfine Francisco Porto Natale
Conti Johannes Sturm Giulio Camillo Delminio e Gaspar Laurent desde o seacuteculo XV
Ao primeiro eacute dado o primado da difusatildeo ocidental de Hermoacutegenes Eacute sabido as
afirmaccedilotildees de primazia servem bem agraves histoacuterias dos contributos vincadas pelo epidiacutetico
no louvor dos auctores14 Uma vez que eacute escusado dizer que as praacuteticas discursivas natildeo
se fazem de progressos de Jorge de Trebizonda ao germacircnico Hugo Rabe conveacutem natildeo
positivar essas afirmaccedilotildees e interessa pensar a recepccedilatildeo possiacutevel do corpo retoacuterico
atribuiacutedo a Hermoacutegenes mais particularmente da doutrina das ideai normatizada no Peri
ideōn segundo diferentes vertentes de circulaccedilatildeo que espraiam usos itere-se desde o
seacuteculo XV15
12 PATILLON M La theacuteorie du discours chez Hermogegravene le rheacuteteur essai sur les structures linguistiques
de la rheacutetorique ancienne Paris Les Belles Lettres 1988 pp 8-18 HERMOGENE Lrsquoart rheacutetorique
Traduction franccedilaise inteacutegrale introduction et notes de Michel Patillon Paris LrsquoAcircge drsquoHomme 1997 pp
39-40 124 13 Recorda nesse sentido Luiza Loacutepez Grigera a praacutetica da ekphrasis preceitudada nos exerciacutecios
retoacutericos ldquoCuando leemos algunos de esos retratos medievales femeninos como el de la reina de las Amazonas en el Libro de Alexandre o el de la ldquoduentildeardquo ideal en el Buen Amor el de Melibea en La
Celestina o qualquiera de los retratos de raigambre petrarquesca en que se presenta la belleza femenina
descendentemente desde el pelo hacia abajo estamos leyendo un fruto de los meacutetodos propuestos por esos
tratados de ejercitacionesrdquo cf LOacutePEZ GRIGERA L La retoacuterica en la Espantildea del siglo de oro Salamanca
Universidad de Salamanca 1994 pp 72-73 14 Remete-se agraves aulas de ldquoEsteacuteticardquo (FLF 5083) ministradas pelo professor Leon Kossovitch entre 11 de
agosto de 2006 e 2 de novembro de 2006 15 Luiza Loacutepez Grigera faz consideraccedilotildees a esse respeito bastante interessantes ldquo[] na Ruacutessia ndash como me
dizia um antigo colega da Universidade de Michigan o professor Stanislav Matejka ndash o ensino de retoacuterica
bizantina continuou sendo ministrado no seacuteculo XX isto eacute continuaram sendo lidos ininterruptamente os
textos natildeo soacute de Aristoacuteteles mas de Demeacutetrio Dioniacutesio de Halicarnasso Hermoacutegenes e seus comentaristas
14
Para fazecirc-lo persegue-se a hipoacutetese de que a defesa do gecircnero misto do discurso
ou a defesa do gecircnero de poema misto no uso do discurso de feiccedilatildeo vaacuteria supotildee a
presenccedila doutrinaacuteria de retores gregos como Hermoacutegenes (ou Demeacutetrio ou Dioniacutesio de
Halicarnasso) cujos tratados ganharam legibilidade em terras italianas espanholas e
portuguesas e assim se mantiveram ateacute se verem romanticamente em desuso visto que
inexpressivas julgadas precinto aristocraacutetico de antigo regime bizantinice ou recurso
artificioso de poeta afetado e passadista Como se sabe
De modo a pensar essa hipoacutetese o primeiro passo da tese intitulado ldquoDoutrina do
mistordquo parte do ldquoDiscurso Poeacuteticordquo de Manuel de Galhegos (1597-1665) proacutelogo de
matiz demonstrativo agrave Ulyssea ou Lisboa Edificada poema heroico de Gabriel Pereira
de Castro (1636) 16 e percorre usos possiacuteveis da retoacuterica de Hermoacutegenes e do Peri ideōn
entre tradutores comentadores e glosadores do tratado desde Jorge de Trebizonda ateacute
Jerocircnimo Soares Barbosa inteacuterprete setecentista de Quintiliano Como conveacutem a tese
potildee agrave vista usos em liacutengua portuguesa e se alastra por autores ibeacutericos e itaacutelicos mirando
a movecircncia dos termos da doutrina de Hermoacutegenes no latim e nos vernaacuteculos Manuel
de Galhegos eacute pretexto para que se avente a pluralidade dos usos histoacutericos do corpo
retoacuterico em questatildeo
O segundo passo denominado ldquoAnatomia do monstrordquo dedica-se por uma parte
ao vitupeacuterio da tragicomeacutedia e de Il Pastor Fido poema dramaacutetico de Giovanni Battista
Guarini (1538-1612) cuja primeira impressatildeo veio a puacuteblico em Veneza em 159017 tal
como proposto na Arte poetica ou regras da verdadeira poesia em geral e de todas as
suas especies principaes tratadas com juizo critico (1759) de Francisco Joseacute Freire em
conformidade com o Discorso di Iason Denores intorno a quersquo Principii Causae et
Accrescimenti che la Commedia la Tragedia et il Poema Heroico Ricevono dalla
Filosofia Morale amp Ciuile amp darsquo Gouernatori delle Republiche (1587) de Giason
Denores professor da Universidade de Paacutedua Dedica-se por outra parte ao elogio do
considerando-os justamente os melhores coacutedigos de produccedilatildeo artiacutestica A Europa por outro lado perdera
todos esses textos desde fins do seacuteculo XVIIIrdquo cf LOacutePEZ GRIGERA L La retoacuterica en la Espantildea del siglo
de oro Salamanca Universidad de Salamanca 1994 p 74 cf BURKE P As fortunas drsquoO Cortesatildeo Satildeo
Paulo Editora da Unesp 1995 pp 14-15 16 Ulyssea ov Lisboa Edificada Poema heroico Composto pelo insigne Doutor Gabriel Pereira de Castro
Corregedor que foy do crime da Corte amp nomeado por S Magestade pera Chanceler mograver do Reyno de
Portugal A El Rey Nosso Senhor Com licenccedila em Lisboa por Lourenccedilo Crasbeeck impressor del Rey
1636 Acusta de Paulo Crasbeeck mercador de liuro 17 Il Pastor Fido Tragicomedia Pastorale di Battista Gvarini Dedicata al SerMO D Carlo Emanvele Dvca
di Savoia ampc Nelle Reali Nozze di SA con la serma Infante D Caterina dAvstria Con privilegi In Venetia
Presso Gio Battista Bonfadino [1590]
15
gecircnero tragicocircmico composto em resposta pelo poeta Giovanni Battista Guarini em 1588
sob o tiacutetulo de Il Verrato ovvero difesa di quanto ha scritto M Giason Denores contra
le tragicomedie e le pastorali in un suo discorso di poesia Interessam na anaacutelise
apresentada o confronto de autoridades que firmam o vitupeacuterio e o elogio e sobretudo
a defesa da tragicomeacutedia amparada nas liccedilotildees de retores gregos como Hermoacutegenes
Isto seja natildeo se lecirc a Ulyssea ou Lisboa Edificada de Gabriel Pereira de Castro
nem Il Pastor Fido de Giovanni Battista Guarini Tomam-se esses poemas como exempla
Lecirc-se o que letrados como os referidos escreveram sobre ambos a fim de que se
vasculhe a presenccedila em terras italianas portuguesas ou espanholas entre fins do seacuteculo
XV e meados do XVIII da preceptiva retoacuterica que Hermoacutegenes propotildee no Peri ideōn
16
DOUTRINA DO MISTO
In Venice Tassorsquos echoes are no more
And silent rows the songless gondolier
Her palaces are crumbling to the shore
And music meets not always now the ear
Those days are gone [hellip]
GEORGE GORDON BYRON
Childe Harolds Pilgrimage18
Il est en litteacuterature des genres de meacuterite deacutelicieux mais qui ne peuvent pas
durer plus de trois ou quatre siegravecles Lucien est ennuyeux aujourdrsquohui comme
Candide le sera peut-ecirctre en lrsquoanneacute 2200
STENDHAL
Rome Naples et Florence19
Estampado postumamente em Lisboa em 1636 por Lourenccedilo Crasbeeck
impressor reacutegio e dedicado a D Felipe IV de Castela rei de Espanha e de Portugal o
poema Ulyssea ou Lisboa Edificada de Gabriel Pereira de Castro (1571-1632) publicou-
se precedido em sua primeira ediccedilatildeo do ldquoDiscurso Poeacuteticordquo de Manuel de Galhegos
(1597-1665)20 Agrave guisa de prefaacutecio como soacutei ocorrer o discurso incorporado a ediccedilotildees
posteriores do poema 21 mas excluiacutedo da mais recente preparada por Joseacute Antoacutenio
18 Childe Harolds Pilgrimage Canto The Fourth By Lord Byron London John Murray Albemarle-
Street 1818 p 4 Na traduccedilatildeo oitocentista de Francisco Joseacute Pinheiro Guimaratildees publicada no Rio de
Janeiro em 1863 os versos assim satildeo traduzidos ldquoJaacute natildeo se ouve em Veneza o echo do Tasso Sem cantar
mudo rema o gondoleiro Sobre a praia os palacios seus desabatildeo Mais natildeo se escuta a musica incessante
Esses tempos laacute vatildeo []rdquo cf Traducccedilotildees Poeticas de F J Pinheiro Guimaratildees Bacharel em Sciencias
Sociais e Juridicas Childe Harold e Sardanapalo de Lord Byron o Roubo da Madeixa de Pope Hernani
de Victor Hugo Rio de Janeiro Typographia Universal de Laemmert Rua dos Invalidos 61 B 1863 p 69 19 ldquoHaacute em literatura gecircneros de meacuteritos deliciosos mas que natildeo podem durar mais do que trecircs ou quatro
seacuteculos Luciano eacute tedioso hoje como Cacircndido [de Voltaire] talvez o seja no ano 2200rdquo cf STENDHAL
Rome Naples et Florence Paris Michel Leacutevy Fregraveres Libraires-Eacutediteurs 1854 p 98 Traduccedilatildeo nossa 20 Daqui em diante seraacute citada a editio princeps da obra Ulyssea ov Lisboa Edificada Poema heroico
Composto pelo insigne Doutor Gabriel Pereira de Castro Corregedor que foy do crime da Corte amp
nomeado por S Magestade pera Chanceler mograver do Reyno de Portugal A El Rey Nosso Senhor Com licenccedila
em Lisboa por Lourenccedilo Crasbeeck impressor del Rey 1636 Acusta de Paulo Crasbeeck mercador de
liuro 21 Foram consultadas cinco ediccedilotildees da obra em versotildees digitalizadas Ao que parece o ldquoDiscurso Poeacuteticordquo
de Manuel de Galhegos natildeo foi incorporado apenas agrave 2ordf ediccedilatildeo datada incertamente de 1642 e publicada
como se crecirc em Amsterdatilde O ldquoDiscurso Poeacuteticordquo de Manuel de Galhegos consta das demais ediccedilotildees isto
17
Segurado e Campos 22 e tornado hoje tatildeo obsoleto quanto a narrativa das accedilotildees do
astucioso Ulisses fundador fabular de Lisboa eacute juiacutezo encomiaacutestico que busca enaltecer
a engenhosidade do poeta e salientar-lhe o domiacutenio artiacutestico por meio da avaliaccedilatildeo
elogiosa da obra
Como uso que se faz da escrita o juiacutezo instaura os criteacuterios de adequaccedilatildeo
ldquoconformes agraves significaccedilotildees dominantesrdquo diriam Gilles Deleuze e Claire Parnet de justa
recepccedilatildeo do poema23 Julgar bem nesses termos eacute estabelecer padrotildees para fazecirc-lo eacute
operaccedilatildeo de criacutetica como arte de julgar de apreciaccedilatildeo autorizada que se constitui
precipuamente por meio da observaccedilatildeo de ldquoexcelecircncias que devem deleitar um leitor
sensatordquo24 Isto o que ensina o poeta inglecircs John Dryden (1631-1700) em ldquoThe Authorrsquos
Apology for Heroic Poetry and Poetic Licencerdquo discurso de matiz epidiacutetico de 1677 que
prefacia The state of innocence and fall of man adaptaccedilatildeo para os palcos em verso
heroico do Paradise Lost poema eacutepico de John Milton (1667)
Sabe o leitor de Gabriel Pereira de Castro desde o rosto da ediccedilatildeo de 1636 que a
Ulyssea ou Lisboa Edificada eacute poema heroico pois circunscreve-se a obra a este gecircnero
de poemas
eacute das de 1745 1826 e 1827 Aleacutem da editio princeps consultaram-se as seguintes ediccedilotildees (2ordf ed) Ulyssea
ov Lisboa Edificada Poema heroico de Gabriel Pereira de Castro do Conselho de El Rey noszligo senhor
[Sl sn 1642] (3ordf ed) Ulyssea ou Lisboa Edificada Poema heroico composto pelo insigne doutor
Gabriel Pereira de Castro corregedor que foy do Crime da Corte e nomeado por Sua Magestade para
Chanceller moacuter do Reyno de Portugal Offerecido a El Rey D Joam V Nosso Senhor Lisboa Na Officina
de Miguel Rodrigues Impressor do Senh Card Patriarc M DCC XLV [1745] Com as licenccedilas
necessarias (4ordf ed) Ulysseacutea ou Lisboa Edificada Poema heroico de Gabriel Pereira de Castro Quarta
ediccedilatildeo Lisboa na Typographia Rollandiana 1826 Com Licenccedila da Mesa do Desembargo do Paccedilo (5ordf ed)
Ulysseacutea ou Lisboa Edificada Poema heroico de Gabriel Pereira de Castro Quarta ediccedilatildeo Lisboa na
Typographia Rollandiana 1827 Com Licenccedila Vende-se em casa de Rolland Rua Nova dos Martyres N
10 abaixo do Theatro de S Carlos 22 CASTRO G P DE Ulisseia ou Lisboa edificada Texto estabelecido e comentado por J A
Segurado e Campos Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 2000 23 Cf DELEUZE G PARNET C Diaacutelogos Traduccedilatildeo de Joseacute Gabriel Cunha Lisboa Reloacutegio DrsquoAacutegua
Editores 2004 p 34 24 Leia-se ldquoCriticism as it was first instituted by Aristotle was meant a standard of judging well the
chiefest part of which is to observe those excellencies which should delight a reasonable readerrdquo cf
DRYDEN J Drydenrsquos Essays Introduction by W H Hudson London New York J M DENT amp SONS
LTD 1954 p 108 Raphael Bluteau assim define o substantivo ldquocriacuteticardquo ldquoCRITICA Critica A arte de
julgar dos escritos dos Antigos ampc De scriptis veterum judicandi ars tis Fem Alguns escritores modernos
dizem Critice es Quintiliano no cap 14 do livro 5 acha que he melhor usar a palavra Grega Namque illi
homines (diz este Author fallando nos Criticos) docti amp inter doctos verum quaerentes minutius amp scrupulosius scrutantur omnia amp ad liquidum confessumque perducunt ut qui sibi inveniendi amp judicandi
partes quarum alteram alteram vocantrdquo cf BLUTEAU R Vocabulario portuguez amp
latino aulico anatomico architectonico Coimbra Collegio das Artes da Companhia de Jesu 1728
volume II p 615
18
Figura 1 Frontispiacutecio de Ulyssea ou Lisboa Edificada (1636)25
Trata-se isso parece claro natildeo apenas de afirmar que a Ulyssea ou Lisboa
Edificada eacute poema e de inscrever-lhe no regime aristoteacutelico da mimēsis como obra de
artiacutefice da palavra que natildeo se confunde com as obras de filoacutesofos historiadores ou
oradores porque poeacutetica senatildeo tambeacutem mais particularmente de definir-lhe o traccedilo
especiacutefico e indicar que este poema de Gabriel Pereira de Castro natildeo eacute trageacutedia natildeo eacute
comeacutedia natildeo eacute soneto natildeo eacute saacutetira natildeo eacute elegia natildeo eacute epigrama natildeo eacute silva natildeo eacute
25 Trata-se de frontispiacutecio de exemplar do acervo da Biblioteca Nacional de Portugal Este exemplar
pertenceu agrave Ordem dos Eremitas Descalccedilos de Santo Agostinho ao Convento de Nossa Senhora da
Conceiccedilatildeo do Monte Olivete em Lisboa Disponiacutevel em lthttppurlpt12170gt Acesso em 3 de dezembro
2014
19
epitalacircmio e natildeo eacute no mais tudo o que natildeo seja heroico
Para Manuel de Galhegos auctoritas cujo nome daacute anuecircncia de erudiccedilatildeo e de
discriccedilatildeo agrave Ulyssea ou Lisboa Edificada e para o destinataacuterio nela inscrito tipo
semelhantemente discreto nas palavras de Joatildeo Adolfo Hansen capaz de ldquoajuizar a
teacutecnica da forma poeacuteticardquo porque conhecedor e reconhecedor das regras da arte que a
instituem eacute evidente que a distinccedilatildeo geneacuterica e a diferenciaccedilatildeo especiacutefica efetivadas pelo
aposto ao tiacutetulo ndash ldquopoema heroicordquo ndash operam-se na constituiccedilatildeo dos protocolos de
recepccedilatildeo da obra de maneira a indiciar o ato empiacuterico de leitura visto que implicam os
coacutedigos discursivos manejados pelo poeta e partilhados com o tipo discreto a que ela se
destina26 Essa distinccedilatildeo aristotelicamente implica que a Ulyssea ou Lisboa Edificada
entenda-se como poema tecnicamente composto no domiacutenio do gecircnero heroico segundo
preceitos artiacutesticos que agenciam conveniecircncias e verossimilhanccedilas de invenccedilatildeo de
disposiccedilatildeo e de elocuccedilatildeo sempre particulares em concordacircncia com os usos
estabelecidos e com as autoridades consideradas exemplares no gecircnero do poema Essas
autoridades satildeo Homero Virgiacutelio Luiacutes de Camotildees e Torquato Tasso de acordo com
costume repetidiacutessimo no discurso letrado do tempo de Gabriel Pereira de Castro e de
Manuel de Galhegos
O Proacutelogo drsquoEl Macabeo poema heroico do portuguecircs Miguel de Silveira (ca
1576) impresso em Naacutepoles em 1638 em tom epidiacutetico o explicita
Tuuierotilde los Griegos a Homero honor de su patria por cuya naturaleza
litigarotilde tatildetas Ciudades Los Latinos despues a Virgilio que solo cotilde su
imitaccedilotilde ha conseguido inmortal renombre fauorecio a los modernos
nuestra edad con el Tasso gloria de Italia y emulacion de los antiguos
y con Camoins lustre de Lusitania que excedio a muchos en el spiritu
y siendo estos Varones tan insignes apenas hatilde alcanzado la perfecion
dela Epopeia como se ve en las objeciones que les ponen los que han
escrito poeticas27
26 Alexander Pope (1688-1744) escreve em seu An essay on criticism (1711) ldquoA perfect Judge will read
each work of Wit With the same Spirit that its author Writrdquo (ldquoUm perfeito Juiz leraacute cada obra de Engenho
Com o mesmo espiacuterito com que seu autor escreveurdquo) cf POPE Alexander Poemas Satildeo Paulo Nova
Alexandria 1994 p 40 Traduccedilatildeo nossa 27El Macabeo Poema heroico de Migvel de Silveira En Napoles por Egidio Longo Stampador Real Antildeo
1638 sp Ademais tambeacutem elogioso e natildeo poderia evidentemente deixar de secirc-lo eacute o soneto de Francisco
Lopez a Camotildees que se lecirc nas Rhythmas de Lvis de Camoes divididas em cinco partes Dirigidas ao muito
illustre senhor D Gonccedilalo Coutinho Impressas com licenccedila do supremo Conselho da geral Inquisiccedilatildeo amp
Ordinario Em Lisboa por Manvel de Lyra Anno de M D LXXXXV [1595] A custa de Esteuatildeo Lopez
20
Tiveram os Gregos a Homero honra de sua paacutetria por cuja natureza
litigaram tantas Cidades Os Latinos depois a Virgiacutelio que somente
com sua imitaccedilatildeo conseguiu imortal renome favoreceu aos modernos
nossa idade com o Tasso gloacuteria da Itaacutelia e emulaccedilatildeo dos antigos e com
Camotildees lustre da Lusitacircnia que excedeu a muitos no espiacuterito e sendo
estes Varotildees tatildeo insignes apenas alcanccedilaram a perfeiccedilatildeo da Epopeia
como se vecirc nas objeccedilotildees que lhes potildeem os que escreveram poeacuteticas 28
Esses preceitos as liccedilotildees poeacuteticas retoacutericas e gramaticais regulam nesse tempo
os usos discursivos da poesia e ademais instituem e referendam por convenccedilatildeo os usos
considerados exemplares Para Manuel de Galhegos fornecem motivaccedilotildees e argumentos
pois que a afirmaccedilatildeo das excelecircncias de Gabriel Pereira de Castro fundamenta-se na
defesa da adequaccedilatildeo do poema a esses preceitos agraves liccedilotildees relativas ao gecircnero em que o
poeta compotildee O gecircnero o ldquoDiscurso Poeacuteticordquo assim o define
O poema heroico he hũa poesia leuantada q tem por fim celebrar das
acccediloẽs do heroe valeroso a q foi mais digna de memoria29
Breves os termos da definiccedilatildeo supotildeem coacutedigos partilhados e pode-se considerar
usos endoxais O adjetivo ldquoheroicordquo eacute helenismo do grego hēroikos ( e registra-
se no Dictionarium Latino hispanicum et vice versa Hispanico latinum de Antocircnio de
Nebrija (1441-1522) em duas acepccedilotildees latinas concordes segundo as ediccedilotildees de
Antueacuterpia de Jan Steels de 1560 e de 157030 Quais sejam ldquoHeroicus a um id est res
mercador de libros sp ldquoEstagrave o pintor famoso attento amp mudo Pintando amp recebendo mil louuores Pelo
que retratou de varias cores Com engenho sutil viuo amp agudo Quem he este que fala amp pinta tudo
O ceo a terra o mar o catildepo as flores Aues amp animais Nymphas amp pastores Co diuino pincel do grande
estudo O Principe seragrave do gran Parnaso Ou o Grego excellente amp soberano Ou Torcato tambem q
em verso canta Ese natildeo he Virgilio Homero ou Tasso E he como parece Lusitano He Luis de Camotildees
q o mundo espatildetardquo 28 Traduccedilatildeo nossa 29 Cf Ulyssea ov Lisboa Edificada Poema heroico Composto pelo insigne Doutor Gabriel Pereira de
Castro Corregedor que foy do crime da Corte amp nomeado por S Magestade pera Chanceler mograver do
Reyno de Portugal A El Rey Nosso Senhor Com licenccedila em Lisboa por Lourenccedilo Crasbeeck impressor
del Rey 1636 Acusta de Paulo Crasbeeck mercador de liuro sp 30 Cf Dictionarium Latino hispanicum et vice versa Hispanico latinum Aelio Antonio Nebrissensi
interprete nunc denuo ingenti vocum accessione locupletatum pristinoque nitori sublata mendarum
colluuie restitutum Ad haec Dictionarium propriorum nominum ex probatiszligimis Graecaelig amp Latinaelig linguaelig
autoribus addita ad calcem neoterica locorum appellatione concinnatum Antuerpiae In AEligdib Ioannis
Steelij M D LX [1560] Cum Priuilegio Regis E tambeacutem cf Dictionarium Latino hispanicum et vice
versa Hispanico latinum Aelio Antonio Nebrissensi interprete nunc denuo ingenti vocum accessione
locupletatum pristinoq nitori sublata mendarum colluuie restitutum Ad haec Dictionarium propriorum
21
ad heroas pertinensrdquo e ldquoHeroicum carmem appellatur quod est Hexametrumrdquo31 donde
ldquoheroicordquo seja o que eacute atinente ao heroacutei (no latim ldquoherosrdquo) ldquoaquele que de homem mortal
fez-se deusrdquo (ldquoqui ex homine mortali factus est deusrdquo) e ldquocanto heroicordquo seja canto
composto em verso hexacircmetro32 Carmen inis precisa Antocircnio de Nebrija emprega-se
ou ldquopor el cantar o cancion o cantordquo ou ldquopor la obra compuesta en versordquo ou ldquopor vn
solo verso y a vezes por dosrdquo donde ldquocarmen rerum heroicarumrdquo (ldquocanto de casos
heroicosrdquo) designe-se por ldquoEposrdquo donde ldquoEpicusrdquo na ediccedilatildeo madrilenha do dicionaacuterio
estampada em 1638 defina-se como ldquoHeroicusrdquo e ldquoEpicus Poetardquo por desdobramento
defina-se como ldquoPoeta de verso heroicordquo Nesta ediccedilatildeo de Madri o verbete latino
ldquoHerosrdquo ganha complemento e ldquoheroacuteirdquo eacute tambeacutem ldquoSentildeor que tiene excelente virtud
Varon noble cauallero ilustrerdquo33
Essas duas acepccedilotildees do adjetivo ldquoheroicordquo recolhidas em latim e em espanhol nas
ediccedilotildees do Dictionarium Latino hispanicum et vice versa Hispanico latinum de Antocircnio
de Nebrija registram-se semelhantemente no tratado dialoacutegico Philosophia antigua
poetica (1596) de Alonso Loacutepez Pinciano (ca 1547-1627) Na epiacutestola undeacutecima que
integra a obra dedicada agrave poesia heroica o autor afirma a Fradique e a Ugo seus
interlocutores saber natildeo soacute que ldquose dixo epica y epopeya del metro heroyco con q se haze
la imitacionrdquo ou seja que ldquose disse eacutepica e epopeia do metro heroico com que se faz a
imitaccedilatildeordquo no gecircnero mas tambeacutem que ldquoheroyca [] se dize porq es imitacion de Heroes
y personas grauissimasrdquo ou seja que ldquoheroica [] se diz [a poesia] porque eacute imitaccedilatildeo
de Heroacuteis e pessoas graviacutessimasrdquo34
Nota-se as acepccedilotildees do adjetivo satildeo retoacuterica gramaacutetica e poeticamente legiacuteveis
Viu-se conforme Antocircnio de Nebrija heroico pode ser o caso ldquores ad heroas pertinensrdquo
nominum ex probatiszligimis Graecaelig amp Latinaelig linguaelig autoribus addita ad calcem neoterica locorum
appellatione concinnatum Antuerpiae In AEligdibus viduaelig amp haeligredum Ioannis Steelij M D LXX [1570]
Cum Priuilegio Regis 31 Segundo as ediccedilotildees citadas do Dictionarium Latino hispanicum et vice versa Hispanico latinum haacute
sinocircnimo ldquoHeroum siue heroicum carmen ab heroibus dictumrdquo 32 Segundo as ediccedilotildees citadas do Dictionarium Latino hispanicum et vice versa Hispanico latinum o hexacircmetro assim eacute definido ldquoHexametrum carmem quod sex pedibus constatrdquo isto eacute ldquocanto hexacircmetro
o que consta de seis peacutesrdquo 33 Dictionarium Aelii Antonii Nebrissensis grammatici chronographi regii imo recens accessio facta ad
quadruplex eiusdem antiqui dictionarij supplementum [hellip] Antildeo 1638 Cvm Priuilegio Regis Matriti Ex
Typographia Regia Expensis Gabrielis agrave Leon Bibliopolaelig 34 Cf Philosophia antigua poetica del doctor Alonso Lopez Pinciano Medico Cesareo Dirigida al Conde
Ihoanes Keuehiler de Aichelberg hellip En Madrid Por Thomas Junti M D XCVI [1596] p 453 O passo de
Alonso Loacutepez Pinciano eacute o seguinte ldquo[hellip] se que se dixo epica y epopeya del metro heroico con q se haze
la imitacion y q heroyca tambien se dize porq es imitacion de Heroes y personas grauissimasrdquo Em traduccedilatildeo
nossa ldquo[hellip] sei que se disse eacutepica e epopeia do metro heroico com que se faz a imitaccedilatildeo e que heroica
tambeacutem se diz porque eacute imitaccedilatildeo de Heroacuteis e pessoas graviacutessimasrdquo
22
heroica pode ser a mateacuteria de invenccedilatildeo de poema como a Ulyssea ou Lisboa Edificada
que tematiza os feitos notaacuteveis e a fama do heroacutei Tal como nas referidas ediccedilotildees de
Antueacuterpia do Dictionarium Latino hispanicum et vice versa Hispanico latinum na editio
princeps de 1611 do Tesoro de la Lengua Castellana o Espantildeola do licenciado D
Sebastiaacuten de Covarrubias Orozco (1539-1613) o adjetivo ldquoheroicordquo conforma-se ao
homem mortal como que divinizado Para o licenciado
EROICO como hecho heroico vale ilustre grande dixose de la
palabra heros heroi que cerca de los antiguos significaua tanto como
hombres que no embargante fuessen mortales eran sus hazantildeas tan
grandiosas que parecia tener en si alguna diuindad35
HEROICO como feito heroico equivale a ilustre grande diz-se da
palavra ldquoherosrdquo heroacutei que entre os antigos significava o mesmo que
homens que embora fossem mortais eram suas faccedilanhas tatildeo
grandiosas que pareciam ter em si alguma divindade 36
Trata-se de doutrina condizente com a liccedilatildeo exposta no princiacutepio do livro VII da
Eacutetica a Nicocircmaco De acordo com Aristoacuteteles esse ldquohomem divinordquo (σεῖος ἀνήρ em que
o adjetivo ldquoσεῖοςrdquo eacute variante de ldquoθεῖοςrdquo) os homens que se ldquotornam deusesrdquo
(ldquoγίνονται θεοὶrdquo) assim se fazem pelo excesso de virtude (ldquoδι᾽ἀρετῆς ὑπερβολήνrdquo) e
agrave maneira de Heitor personagem da Iliacuteada homeacuterica satildeo dotados de virtude ldquoheroica e
divinardquo que estaacute ldquoaleacutem de noacutesrdquo (ldquoὑπὲρ ἡμᾶςrdquo) e cujo avesso eacute a brutalidade a
bestialidade (ldquoθηριότηςrdquo)37 Trata-se de doutrina condizente tambeacutem com a Poeacutetica Eacute
sabido que para Aristoacuteteles a epopeia e a trageacutedia assemelham-se pela mateacuteria de
imitaccedilatildeo 38 de modo que segundo o decoro em que se inscrevem esses gecircneros de
poemas sejam imitados ldquoagentesrdquo (ldquoπράττονταςrdquo)39 ldquohomens em accedilatildeordquo na traduccedilatildeo
35 Tesoro de la Lengva Castellana o Espantildeola Compvesto por el licenciado D Sebastian de Cobarruuias
Orozco Capelan de su Magestade Mastrescuela y Canonigo de santa Iglesia de Cuenca y consultor del
santo Oficio de la Inquisicion Dirigido a la Magestad Catolica del Rey Don Felipe III nestro sentildeor Con
Privilegio En Madrid por Luis Sanchez impressor del Rey N S Antildeo del Sentildeor M DC XI [1611] p 360r-
v 36 Traduccedilatildeo nossa 37 Cf ARIST Nic Eth 1145 18-20 23-4 29 38 Cf ARIST Poet 1447 a 14-18 39 Cf ARIST Poet 1448 a 1
23
de Eudoro de Souza ldquomelhores do que noacutesrdquo 40 cujos caracteres se distingam pela
virtude 41 Aristotelicamente na arte da poesia assim faz Homero que imita ldquoos
melhoresrdquo (ldquoβελτίουςrdquo)42 assim tambeacutem faz na arte da pintura Polignoto ldquopintor de
caracteresrdquo (ldquoἠθογράφοςrdquo) de ldquohomens superioresrdquo 43
De acordo com Sebastiaacuten de Covarrubias Orozco a excelecircncia do heroacutei
virtuosiacutessimo decorre da grandiosidade de suas faccedilanhas (ldquoeran sus hazantildeas tan
grandiosas que parecia tener en si alguna diuindadrdquo) as quais fazem dele figura
ldquogranderdquo ldquoilustrerdquo e tambeacutem ldquoSentildeor que tiene excelente virtud Varon noble cauallero
ilustrerdquo segundo a periacutefrase que se apresenta no Dictionarium Aelii Antonii Nebrissensis
de 1638 Note-se que para Antocircnio de Nebrija o termo ldquoillustrisrdquo em latim designa
ldquocosa esclarecida o famosa en bienrdquo 44 e para Sebastiaacuten de Covarrubias Orozco
ldquoillustrerdquo alude ademais a ldquoel hombre noble de alto linaje y de gratilde renombre y famardquo45
digno de memoacuteria cujas accedilotildees gloriosas cantam versos heroicos tais quais os de Gabriel
Pereira de Castro Nos termos da Poeacutetica pode-se supor decorrer a excelecircncia do heroacutei
da gravidade de seus feitos eacute de primazia das accedilotildees ante os caracteres visto penderem
estes daquelas46 visto fazer-se das faccedilanhas o heroacutei segundo a preceituaccedilatildeo aristoteacutelica
do gecircnero O poeta assim agrave maneira do etoacutegrafo Polignoto forja neste gecircnero de poemas
elevado feiccedilatildeo bastante bem definida o ēthos de tipo ilustre47 Nos termos da liccedilatildeo que
Torquato Tasso apresenta em seu Discorsi dellrsquoarte poetica ed in particolare sopra il
poema eroico estampado em 1587 trata-se do tipo que se notabiliza exemplarmente pela
suma virtude Eneias notabiliza-se pela piedade Aquiles pela fortaleza em combate
40 Cf ARIST Poet 1448 a 4 Deve chamar a atenccedilatildeo que na Eacutetica a Nicocircmaco a afirmaccedilatildeo da virtude desse homem mortal como que divinizado estaacute amparada em sua condiccedilatildeo de superioridade eacutetica em relaccedilatildeo aos
demais ou melhor condiccedilatildeo de quem estaacute ldquoaleacutem de noacutesrdquo (ὑπὲρ ἡμᾶς) ao passo que na Poeacutetica a
caracterizaccedilatildeo decorosa desses agentes dignos de imitaccedilatildeo na epopeia prescreve que sejam ldquomelhores do
que noacutesrdquo (καθ᾽ἡμᾶς) 41 Apontam os helenistas trata-se de interpolaccedilatildeo ao texto cf ARIST Poet 1448 a 4 42 Cf ARIST Poet 1448 a 11-12 43 Cf ARIST Poet 1450 a 27 44 Equivalem as trecircs ediccedilotildees consultadas cf Dictionarium Aelii Antonii Nebrissensis grammatici
chronographi regii imo recens accessio facta ad quadruplex eiusdem antiqui dictionarij supplementum
[hellip] Antildeo 1638 Cvm Priuilegio Regis Matriti Ex Typographia Regia Expensis Gabrielis agrave Leon
Bibliopolaelig p 100v 45 Tesoro de la Lengva Castellana o Espantildeola Compvesto por el licenciado D Sebastian de Cobarruuias
Orozco Capelan de su Magestade Mastrescuela y Canonigo de santa Iglesia de Cuenca y consultor del
santo Oficio de la Inquisicion Dirigido a la Magestad Catolica del Rey Don Felipe III nestro sentildeor Con
Privilegio En Madrid por Luis Sanchez impressor del Rey N S Antildeo del Sentildeor M DC XI [1611] p 500v 46 Cf MUHANA A A Epopeacuteia em Prosa Seiscentista uma definiccedilatildeo de gecircnero Satildeo Paulo Editora da Unesp
1997 p111 47 Cf MARTINS P ldquoVt Pictura Rhetoricardquo Revista USP Satildeo Paulo n91 setnov 2011 p 106
24
Ulisses pela prudecircncia Amadis de Gaula 48 pela lealdade e Bradamante 49 pela
constacircncia50
Conforme Antocircnio de Nebrija viu-se tambeacutem heroico natildeo eacute soacute o caso de invenccedilatildeo
poeacutetica pode tambeacutem ser o carmen Assim especifica-se pela natureza da mateacuteria que
se canta o canto a obra em verso hexacircmetro ou o verso nessa medida donde se usem
segundo os passos autorizados pelo nome de Antocircnio de Nebrija os termos ldquocanto
heroicordquo e ldquoeposrdquo para o canto adequado a esse caso A liccedilatildeo no mais concordante com
a descriccedilatildeo que Sebastiaacuten de Covarrubias Orozco no Tesoro de la Lengua Castellana o
Espantildeola faz dos usos do adjetivo espanhol ldquoepicordquo51 eacute condizente com a doutrina do
gramaacutetico latino Diomedes (seacutec IV dC) cuja Arte gramatical define o epos como
ldquoinclusatildeo das accedilotildees divinas heroicas e humanas no canto hexacircmetrordquo (ldquoEpos dicitur
Graeligce carmine hexametro divinarum rerum et heroicarum humanarumque
comprehensiordquo) e assimila o termo grego ldquoeposrdquo natildeo soacute ao latim ldquocarmenrdquo (ldquoLatine paulo
communis Carmen auditurrdquo isto eacute ldquoEm latim ouve-se dizer pouco mais comumente
lsquocantorsquordquo) mas tambeacutem ao metro hexacircmetro (ldquoPraeligcipue uero hexameter uersus Epos
diciturrdquo isto eacute ldquoNa verdade o verso hexacircmetro se diz precipuamente eposrdquo) de modo a
assimilar a espeacutecie de poema composto agrave espeacutecie meacutetrica empregada52
Ressalte-se as prescriccedilotildees de Antocircnio de Nebrija e de Sebastiaacuten de Covarrubias
Orozco de Alonso Loacutepez Pinciano e de Manuel Pires de Almeida satildeo tambeacutem
48 Lido no seacuteculo XVI em Garci Rodriacuteguez de Montalvo (1440-1504) 49 Heroiacutena de Orlando Innamorato de Matteo Maria Boiardo (1441-1494) e de Orlando Furioso de
Ludovico Ariosto (1474-1533) 50 Discorsi del Signor Torquato Tasso DellrsquoArte Poetica et in particolare del Poema Heroico Et insieme
il Primo Libro delle Lettere scritte agrave diuersi suoi amici lequali oltra la famigliaritagrave sono ripiene di molti
concetti amp auertimenti poetici agrave dichiaratione drsquoalcuni luoghi della sua Gierusalemme liberata Gli uni e
lrsquoaltre scritte nel tempo chrsquoegli compose detto suo Poema Non piu stampati Con Privilegi In Venetia
MDLXXXVII [1587] Ad instanza di Giulio Vassalini Libraro agrave Ferrara p 7r 51 Cf Tesoro de la Lengva Castellana o Espantildeola Compvesto por el licenciado D Sebastian de Cobarruuias Orozco Capelan de su Magestade Mastrescuela y Canonigo de santa Iglesia de Cuenca y
consultor del santo Oficio de la Inquisicion Dirigido a la Magestad Catolica del Rey Don Felipe III nestro
sentildeor Con Privilegio En Madrid por Luis Sanchez impressor del Rey N S Antildeo del Sentildeor M DC XI
[1611] p 358r ldquoEPICO Poeta el que escriue versos Heroicos contando hazantildeas de varones ilustres
verdaderas o fabulosas nombre Griego ἐπικός adiectiuũ agrave Graeco nomine ἔπς quod carmẽ significat amp
propriegrave hexametrumrdquo (ldquoEacutePICO Poeta o que escreve versos Heroicos contando faccedilanhas de varotildees ilustres
verdadeiras ou fabulosas nome Grego ἐπικός adjetivo pelo nome Greco ἔπς que significa canto amp
propriamente hexacircmetrordquo) 52 As traduccedilotildees citadas satildeo de Izabella Lombardi Garbellini GARBELLINI I L ldquoDos poemas (Diomedes Arte gramatical 3)rdquo Letras Claacutessicas Satildeo Paulo 2005 v 9 p 233 Ademais eacute espeacutecie de poema do gecircnero
comum ou misto (ldquoaut commune aut mixtum quod Graeligci aut appellantrdquo) como a Iliacuteada e
a Odisseia gecircnero caracterizado pelas interlocuccedilotildees do poeta e dos personagens (ldquopoeta ipse loquitur et
personae loquentes introducunturrdquo)
25
condizentes com os coacutedigos da Poeacutetica aristoteacutelica Aristoacuteteles afirma ser adequado agrave
epopeia o metro heroico (cf ARISTOT Poet 24 1459 b 32 ldquoμέτρον τὸ ἡρωικὸνrdquo) isto
eacute o hexacircmetro considerado pelo tratadista o mais imponente e o mais elevado dos metros
(cf ARISTOT Poet 24 1459 b 34-35 ldquoἡρωικὸν στασιμώτατον καὶ ὀγκωδέστατον
τῶν μέτρων ἐστίνrdquo) na medida em que se afasta da conversa (cf ARISTOT Poet 4 1449
a 28 ldquoδιάλεκτοςrdquo) habitualmente iacircmbica Na vulgarizaccedilatildeo que propotildee Ludovico
Castelvetro (ca 1501-1571) desse passo da Poeacutetica o verso proacuteprio da epopeia diz-se
ldquoverso misurato cio elrsquo heroicordquo (ldquoverso mesurado53 isto eacute o heroicordquo)54
Deve-se natildeo esquecer todavia liccedilatildeo que distancia da Poeacutetica de Aristoacuteteles a
codificaccedilatildeo quinhentista e seiscentista do gecircnero heroico empreendida por preceptistas
como Francesco Patrizi Alonso Loacutepez Pinciano ou Manuel Pires de Almeida a saber a
possibilidade de que se fizessem poemas em prosa de que natildeo se compusessem em verso
hexacircmetro ou hendecassiacutelabo as epopeias55 O verso e a prosa ensina o Livro V do tratado
Della Poetica de Francesco Patrizi (1529-1597) cujo tiacutetulo eacute ldquoSE POESIA SI POSSA fare in
prosardquo satildeo duas ldquomaniere generali del fauellare e di esprimere con parole i suoi
concettirdquo (maneiras gerais de fabular e de exprimir com palavras os seus conceitos)56 isto
eacute meios distintos de imitaccedilatildeo como costumeiramente referidas as categorias da mimēsis
A eleiccedilatildeo do verso ou da prosa nesse caso segundo Manuel Pires de Almeida trata-se de
diferenccedila apenas acidental e natildeo essencial da espeacutecie heroica de poemas donde no
ldquoDiscurso sobre o poema heroicordquo o preceptista portuguecircs defina o gecircnero como
ldquoimitaccedilatildeo comum de accedilotildees graves feita em linguagem ou metrordquoEvidentemente o
interesse do ldquoDiscurso Poeacuteticordquo de Manuel de Galhegos no acircmbito do poema heroico eacute
outro no entanto vislumbra-se aqui o gecircnero misto Disse alhures Leon Kossovitch em
vista dos estudos de Adma Muhana sobre a epopeia em prosa ldquoo mais misto dos gecircnerosrdquo
Preceitua Manuel Pires de Almeida que como acidental o emprego do verso ou
da prosa da ldquolinguagemrdquo o poema heroico especifica-se natildeo porque seja imitaccedilatildeo visto
53 Isto eacute grave 54 Poetica drsquoAristotele uulgarizzata et sposta per Ludovico Castelvetro Stampata in Vienna dAustria per
Gaspar Stainhofer lanno del Signore MD LXX [1570] p 293v 55 O emprego da prosa ou do verso na construccedilatildeo do poema heroico discutiu-o pormenorizadamente Adma
Muhana no estudo A Epopeia em Prosa Seiscentista uma Definiccedilatildeo de Gecircnero Eacute extenso o debate e de
longa duraccedilatildeo 56 Cf Della Poetica di Francesco Patrici La Deca Disputata Nella quale e per istoria e per ragioni e
per autoritagrave dersquo grandi antichi si mostra la falsita et vi egrave aggiunto il trimerone del medesimo in riposta
alle oppositioni fatte dal signor Torquato Tasso al parer suo scritto in diffesa dellrsquoAriosto In Ferrara
Per Vittorio Baldini Stampator Ducale 1586 Con licenza de i Superiori p 94
26
artiacutesticos e mimeacuteticos os poemas todos no regime poeacutetico de costume aristoteacutelico senatildeo
porque seja comum isto eacute conforme o gramaacutetico latino Diomedes nem dramaacutetico
(drammatikon) como a trageacutedia ou a comeacutedia nem narrativo (exēgētikon) como a poesia
didaacutetica as Geoacutergicas de Virgiacutelio a Arte de amar de Oviacutedio e o Da natureza das coisas
de Lucreacutecio por exemplo mas misto (mikton) feito da construccedilatildeo combinada da locuccedilatildeo
imediata de personagens ao modo do drama e da intervenccedilatildeo mediata do poeta ao modo
da narraccedilatildeo (DIOM Art Gramm III 482 14-25) 57 senatildeo tambeacutem porque seja grave isto eacute
composto como figuraccedilatildeo de mateacuteria memoraacutevel por sua gravidade jaacute se sabe de
faccedilanhas grandiosas de heroacutei ilustre e virtuoso58
Nestes termos vale recordar que o poema heroico eacute de acordo com Manuel de
Galhegos ldquopoesia leuantada q tem por fim celebrar das acccediloẽs do heroe valeroso a q foi
mais digna de memoriardquo59 O particiacutepio ldquoleuantadordquo embora nesta acepccedilatildeo soe arcaizante
aos gostos e aos manuais de hoje natildeo deveria causar espeacutecie ao destinataacuterio inscrito na
obra Registra-se em liacutengua portuguesa no volume V do Vocabulario Portuguez amp
Latino de Raphael Bluteau (1638-1734) impresso em 1728 em emprego corrente nas
artes retoacutericas e poeacuteticas do tempo conforme as preceptivas dos genera dicendi
Levantado Sublime Altiloco Estilo levantado Grandis oratio ou
elatio amp altitudo orationis Cic Grande amp magnificum ou sublime
dicendi genus Discurso levantado Alta amp exaggerata oratio oratio
grandis splendida illustris Cic Esta cadencia que os Dactylos daotilde
aos versos hexametros he mais propria para o estilo leuantado Ille
Dactylicus numerus hexametrorum magniloquentiae est accommoda-
tior Cic Em outro lugar diz Homeri magni loquentia O levantado o
sublime estilo de Homero Fallar em estilo mais levantado Excelsius
57 Cf HASEGAWA A P Os limites do gecircnero bucoacutelico em Vergiacutelio um estudo das eacuteclogas dramaacuteticas Satildeo
Paulo Humanitas 2012 pp 56-7 58 Manuel Pires de Almeida faz anaacutelise da definiccedilatildeo Leia-se ldquoImitaccedilatildeo se potildee em lugar de gecircnero porque todos os poemas satildeo imitaccedilotildees comum por diferenccedila porque por tal se distingue do traacutegico cocircmico e
ditiracircmbico que satildeo poemas ativos e este narrativo e por grave das mais espeacutecies da poeacutetica menores
Feita em linguagem ou metro porque natildeo eacute da essecircncia da poeacutetica fazer-se em verso ou prosa o Filoacutesofo
falou aqui disjuntivo assim o tecircm todos seus comentadores e Scaliacutegero e Pinciano Muitos poemas temos
em prosa perfeitiacutessimos quais satildeo Heliodoro Leucipe e Clitofonte e outrosrdquo cf MUHANA A ldquoDiscurso
sobre o poema heroico Comentaacuteriordquo REEL Revista Eletrocircnica de Estudos Literaacuterios Vitoacuteria a 2 v 2
2006 p 2 59 Apud Ulyssea ov Lisboa Edificada Poema heroico Composto pelo insigne Doutor Gabriel Pereira de
Castro Corregedor que foy do crime da Corte amp nomeado por S Magestade pera Chanceler mograver do
Reyno de Portugal A El Rey Nosso Senhor Com licenccedila em Lisboa por Lourenccedilo Crasbeeck impressor
del Rey 1636 Acusta de Paulo Crasbeeck mercador de liuro sp
27
dicere60
Isto eacute sabe-se desde a Rhetorica ad Herennium (ca seacutec I aC) satildeo trecircs os genera
aos quais os discursos se reduzem ldquoet grave et mediocre et attenuatumrdquo a saber grave
mediacuteocre e atenuado (Rhet Her IV 11 16) No jargatildeo latino empregado por Ciacutecero apoacutes
as liccedilotildees do anocircnimo aponta Marcos Martinho dos Santos lendo o De oratore o Orator
o Brutus e o De optimo genere oratorum dos trecircs gecircneros um eacute ldquograve ou pleno ou
sublime ou amplo ou grandiacuteloquo ou veemente ou copiosordquo outro eacute ldquosutil ou tecircnue ou
atenuado ou compresso ou remisso ou humilderdquo outro enfim eacute ldquomeacutedio ou mediacuteocre ou
temperado ou moacutedico ou intermediaacuteriordquo61 Ora Manuel de Galhegos conhecedor das
doutrinas retoacutericas e poeacuteticas ao definir como ldquopoesia leuantadardquo o gecircnero de poema
heroico e por consequecircncia a Ulyssea ou Lisboa Edificada inscreve-os na codificaccedilatildeo
dos genera dicendi segundo o decoro que faz obedecer a elocuccedilatildeo poeacutetica agrave invenccedilatildeo No
trato da mateacuteria heroica a imitaccedilatildeo congruente ensinam os letrados quinhentistas e
seiscentistas do gecircnero agrave luz de preceptistas gregos e latinos supotildee elocuccedilatildeo ldquoentre a
gravidade simples do gecircnero traacutegico e a beleza florida do liacutericordquo ensina Joatildeo Adolfo
Hansen62
Em uso semelhante agrave guisa de exemplo tendo-se em vista autores ibeacutericos
anteriores a Raphael Bluteau e contemporacircneos de Gabriel Pereira de Castro o particiacutepio
ldquoleuantadordquo eacute lido em Francisco de Quevedo (1580-1645) No soneto amoroso agrave musa
Euterpe escreve ldquoPetrarca celebrograve su Laura bella Con ingenio y estilo leuantadordquo63
Eacute lido tambeacutem em Diego de Saavedra Fajardo (1584-1648) Na epiacutestola ao leitor que abre
a versatildeo valenciana de 1675 do tratado de educaccedilatildeo de priacutencipes Idea de un Principe
politico Christiano representada en cien Empresas cuja primeira ediccedilatildeo foi estampada
em Mocircnaco em 1640 afirma-se assim
60 BLUTEAU Raphael Vocabulario portuguez amp latino aulico anatomico architectonico Coimbra
Collegio das Artes da Companhia de Jesu 1728 volume V p 93 61 Cf SANTOS M M ldquoO monstrum da Arte poeacutetica de Horaacutecio Letras Claacutessicas Satildeo Paulo 2002 v 4 p
235 62 Cf HANSEN J A ldquoNotas sobre o gecircnero eacutepicordquo in Teixeira I (Org) Eacutepicos Satildeo Paulo Edusp
Imprensa Oficial do Estado de Satildeo Paulo 2008 p 78 63 Leia-se ldquoPetrarca celebroacute su Laura bella Con ingenio y estilo levantado E hizo al mundo eterno su
cuidado Y la rara belleza que vioacute en ella Viven hoy envidiosas muchas de ella Porque es digno de ser
muy envidiado Un ien tan alto y tandichoso estado Que nunca pueda el tiempo contra ella Yo solo aacute
tiacute gallarda Silvia hermosa A quien diacute el corazon en sacrificio Querria dejarte dela misma suerte Que
esta alma en adorarte venturosa Solo puede hacer este servicio Que no te ofenda el tiempo ni la muerterdquo
cf Las tres musas ultimas castellanas de Don Francisco de Quevedo Villegas Cavallero de la Orden de
Santiago Sentildeor de la Villa de la Torre de Juan-Abad M DC LXXI [1671] p 13
28
Con estudio particular he procurado que el estilo sea levantado sin
afectacioacuten y breve sin escuridad empressa que a Oracio pareciograve
dificultosa y que no la he visto intentada en nuestra lengua
Castellana64
Com estudo particular procurei que o estilo fosse levantado sem
afetaccedilatildeo e breve sem obscuridade empresa que a Horaacutecio pareceu
dificultosa e que natildeo vi tentada em nossa liacutengua Castelhana 65
Explicita-se Diego de Saavedra Fajardo aduz preceitos conhecidos da Epistula ad
Pisones de Horaacutecio (seacutec I aC) ao mirar estilo que seja ldquolevantado sin afectacioacutenrdquo e
tambeacutem ldquobreve sin escuridadrdquo Codifica a epiacutestola arrisca-se incongruentemente agrave
afetaccedilatildeo mala affectatio (cf QUINT VIII 3 56-58) 66 quem busca efetuar na elocuccedilatildeo
o estilo levantado sublime altiacuteloquo e arrisca-se agrave obscuridade quem busca a concisatildeo67
64 Cf Idea de un Principe politico Christiano representada en cien Empresas Dedicada al Principe de Las
Espantildeas nuestro Sentildeor por Don Diego Saavedra Fajardo En Monaco en la emprenta de Nicolao Eurico
1640 sp 65 Traduccedilatildeo nossa 66 Cf HANSEN J A A saacutetira e o engenho Gregoacuterio de Matos e Guerra e a Bahia do seacuteculo XVII 2ordf ed
rev Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial Campinas Editora da Unicamp 2004 pp 312 372 67 O passo da Epistula ad Pisones que interessa abarca os vv 14-31 Na ediccedilatildeo portuguesa de Joatildeo da Costa
das Obras de Horacio principe dos poetas latinos lyricos com o entendimento litteral amp construiccedilam
Portuguesa ornadas de hum index copioso das historias amp fabulas contiudas nelas Emendadas nesta
vltima Impressam Lisboa Na Officina de Ioam da Costa M DC LVVIII [1668] Com as licenccedilas
neceszligarias pp 426-7 lecirc-se ldquoPlerumque muitas vezes Inceptis nas empresas gravibus de importacircncia amp professis amp que promettem magna cousas grandes Assuitur se coze unus amp alter pannus hum amp outro
panno Purpureus encarnado se soem entrefachar digressotildees de fabulas que parece adornatildeo amp antes afeatildeo
a obra cugravem como quatildedo trattando de outra mateacuteria describitur se descreve lucus o bosque amp Ara amp o
Altar Dianaelig da Deosa Diana Et ambitus E o rodeio aquaelig properantis da agua que corre com furia agros
amœnos pelos campos verdes amp floridos Aut flumen Rhenum ou o rio Rheno n I aut arcus pluvius ou arco
da chuva ou o arco da velha tudo isto algũas vezes he muito bom Sed nunc mas agora nesta conjunccedilatildeo
non erat locus natildeo havia lugar his para estas cousas amp fortasse amp por vẽtura Scis simulare natildeo sabeis mais
que pintar cupressum hũ cipreste como o outro pintou amp quereis dar a entender que sabeis muito Quid
hoc para que pintais isto si qui pingitur se aquele que haacute de ser pintado aeligre dato tendovos dado o dinheiro
de antematildeo fractis Navibus quebradas as embarcaccedilotildees enanat nada exspes sem esperanccedila de se salvar quer
dizer que havia de pintar hũ naufragio amp ele pintalhe hum cipreste foacutera de proposito Cœpit comeccedilou institui a lavrarse pelo oleiro amphora hũa grande quarta cur porque razatildeo currente rota correndo a roda
donde se faz exit sae urceus hũ piqueno pucaro Hũns promettem muito amp saem com pouco Denique
finalmente quod vis o que quereis trattar dumtaxat sit seja sogravemente simplex sem mistura amp unum amp hũa soacute
cousa Pater ograve pay Pisaotilde amp juvenes amp vosotros mancebos digni dignos de ter filhos patre de tal pay
Maxima pars mayor parte uatum dos poetas Decipimur somos enganados specie com a apparencia recti de
ser hũa cousa boa laboro se procuro eszlige brevis ser breve fio me faccedilo Obscurus escuro sectantem ao que
segue leuia cousas faceis nerui as forccedilas animique amp os animos Deficiunt lhe faltatildeo professus o que
prende cotildepor grandes cousas grandia se incha turget amp esvaece tutus nimium amp o q procura ir mui seguro
timidusque amp estagrave temeroso procellae da adversidade amp inveja Serpit vai de gatinhas humi pelo chatildeo Qui
cuput aquelle que deseja uariare variar rem unam algũa cousa prodigialiter foacutera do costume amp feacute humana
appingit pinta Delphinum hum golfinho syluis nos bosques aprum hum javali fluctibus nas ondas Fuga
29
Em Diego de Saavedra Fajardo como conveacutem aos discursos exordiais na composiccedilatildeo
eacutetica do sujeito de enunciaccedilatildeo referir o passo de Horaacutecio eacute liccedilatildeo decorosa de humildade
de tipo discreto que em vista da captatio beneuolentiae do destinataacuterio afirma flertar
com os viacutecios do gecircnero de discurso grave
Mais poeta Manuel de Galhegos publicou em Lisboa em 1626 uma deacutecada
antes da estampa da Ulyssea ou Lisboa Edificada de Gabriel Pereira de Castro pelas
matildeos do editor flamenco Pedro Crasbeeck o poema heroico Gigantomachia Na epiacutestola
ldquoAo Letorrdquo que lhe serve de prefaacutecio lecirc-se o seguinte
Lloraua Alexandro porque le parecian que eran tantos los hechos con
que su padre se hazia celebre enel mundo y tan grande el numero de
los pueblos que vencia que no dexaua al animo de su pecho hazantildeas
con que merecieszlige honroso notildebre ni prouincias que vitorioso
sujetasse al jugo de su imperio Assi mi musa (o erudito Letor) llora
porque conoce que es tan leuantado el estilo tanta la erudicion tan
nueuos tan gallardos los pensamientos y tan de Virgilio la energia con
que don Luis de Gongora canta de su Polifemo que no puede auer
pluma que tan felice describa la persona de vn gigante ni el magraves sutil
entendimiento del mundo podragrave dezir magraves agudezas68
Chorava Alexandre [o Grande] porque lhe parecia que eram tantos os
feitos com que seu pai [sc Filipe rei da Macedocircnia] se fizera ceacutelebre
no mundo e tatildeo grande o nuacutemero de povos que vencia que natildeo deixava
ao acircnimo de seu peito faccedilanhas com que merecesse honroso nome nem
proviacutencias que vitorioso sujeitasse ao jugo de seu impeacuterio Assim
minha musa (oacute erudito Leitor) chora porque conhece que eacute tatildeo
levantado o estilo tanta a erudiccedilatildeo tatildeo novos tatildeo galhardos os
pensamentos e tatildeo de Virgiacutelio a energia com que D Luiacutes de Goacutengora
canta de seu Polifemo que natildeo pode haver pluma que tatildeo feliz descreva
a pessoa de um gigante nem o mais sutil entendimento do mundo
poderaacute dizer mais agudezas69
culpaelig o fugir de hum erro inducit faz cair In uitium em outro mayor si caret arte se o que isto procura
carece de arterdquo 68 Cf Gigantomachia de Manuel de Gallegos a don Antonio de Meneses en Lisboa por Pedro Crasbeck
an 1626 sp 69 Traduccedilatildeo nossa
30
Infere-se assim como Diego de Saavedra Fajardo afirma buscar o estilo
levantado no espelho de priacutencipe assim tambeacutem Manuel de Galhegos na poesia assim
como Francesco Petrarca eacute autoridade no uso congruente do estilo elevado no gecircnero de
poema amoroso conforme Francisco de Quevedo assim tambeacutem o eacute D Luiacutes de Goacutengora
(1561-1627) na faacutebula gecircnero de poema liacuterico em registro grave conforme Manuel de
Galhegos Os estudos das obras de Gregoacuterio de Matos e Guerra e de Antocircnio Vieira desde
os fins dos anos 1980 jaacute o mostraram70 nomes como esses natildeo atribuem unidade
psicoloacutegica aos fazeres poeacuteticos e letrados sabe-se ldquoo estilo natildeo eacute o homemrdquo71 senatildeo
classificam procedimentos retoacutericos de elocuccedilatildeo cuja composiccedilatildeo codificada eacute
referendada pela autoridade dos usos validados pelo costume usos artificiais nunca
naturais nunca expressivos cujos efeitos satildeo produzidos em adequaccedilatildeo agraves conveniecircncias
de gecircnero de modo que natildeo seja grave o soneto petrarquista como a fabula gongoacuterica
nem seja grave o espelho de priacutencipe de Diego de Saavedra Fajardo como o poema
heroico de Manuel de Galhegos ou de Gabriel Pereira de Castro Isso significa ainda que
esses diferentes gecircneros de poemas visitem o mesmo gecircnero de discurso e compartilhem
do estilo levantado ainda assim modulam-se diferentemente por serem muacuteltiplas as
formas poeacuteticas da gravidade muacuteltiplas as gravidades ao cabo72
Ora de acordo com Manuel de Galhegos Gabriel Pereira de Castro eacute primaz no
gecircnero de poema heroico na composiccedilatildeo de ldquopoesia leuantadardquo Esta afirmaccedilatildeo de
primazia da Ulyssea ou Lisboa Edificada eacute da ordem do discurso preambular73 eacute lugar-
70 Cf HANSEN J A A saacutetira e o engenho Gregoacuterio de Matos e Guerra e a Bahia do seacuteculo XVII 2ordf ed
rev Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial Campinas Editora da Unicamp 2004 (1ordf ed 1989) MENDES M V A
oratoacuteria barroca de Vieira Lisboa Editorial Caminho 1989 MUHANA A Os Recursos retoacutericos na obra
especulativa do padre Antocircnio Vieira e outros escritos Dissertaccedilatildeo de Mestrado em Literatura Brasileira
USP-Serviccedilo de Apoio Didaacutetico 1989 PEacuteCORA A Teatro do sacramento A unidade teoloacutegico-retoacuterico-
poliacutetica dos sermotildees de Antocircnio Vieira Satildeo Paulo Edusp Campinas Editora da Unicamp 1994 71 Diria Jacques Lacan em seus Escritos (1966) mirando Georges-Louis Leclerc Conde de Buffon (1707-
1788) ldquoLe style crsquoest lrsquohomme en rallierons-nous la formule agrave seulement la rallonger lrsquohomme agrave qui lon
sadresserdquo [O estilo eacute o homem acrescentariacuteamos agrave foacutermula somente para alongaacute-la o homem a quem
nos dirigimos] Lacan J Eacutecrits Paris Eacuteditions du Seuil 1966 p 9 Fazendo uso do passo pode-se supor
Joatildeo Adolfo Hansen escreveu ldquoO estilo natildeo eacute o homem mas o destinataacuterio ou seja o ouvido do autorrdquo HANSEN J A ldquoRepresentaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo na literatura de Machado de Assisrdquo Ciecircncia Hoje nordm 253 out
2008 p 37 Umberto Eco acrescenta ou matiza a leitura algo psicologizante do Conde de Buffon ldquoateacute
mesmo o dito de Buffon lsquoo estilo eacute o homemrsquo ainda natildeo eacute entendido no sentido individual mas especiacutefico
o estilo eacute virtude humanardquo Entenda-se assim ldquoo estilo eacute um modo de agir segundo regras em geral bastante
prescritivas e fazia-se acompanhar da ideia de preceito de imitaccedilatildeo de aderecircncia aos modelosrdquo cf ECO
U ldquoSobre o estilordquo in Sobre a literatura Traduccedilatildeo de Elena Aguiar 2ordf ed Rio de Janeiro Record 2003
p 151 72 Cf SANTOS M M ldquoO monstrum da Arte poeacutetica de Horaacutecio Letras Claacutessicas Satildeo Paulo 2002 v 4 p
227 73 A que os estudos de Maria do Socorro Fernandes de Carvalho sobre os livros seiscentistas circulantes no
Brasil e em Portugal tecircm se dedicado
31
comum exordial cujo agenciamento porque seja da ordem do epidiacutetico eacute de conveniecircncia
na instituiccedilatildeo tanto dos protocolos de leitura do poema como da jurisprudecircncia de seu
ajuizamento A primazia da Ulyssea ou Lisboa Edificada depreende-se do ldquoDiscurso
Poeacuteticordquo afirma-se como decorrecircncia da engenhosidade do poeta no trato com os
preceitos de construccedilatildeo da epopeia em vista das dificuldades do gecircnero Nos termos de
Manuel de Galhegos entende-se que como difiacutecil o poema heroico eacute de rara
conformaccedilatildeo e como difiacutecil e raro caso seja composto exemplarmente em consonacircncia
com as convenccedilotildees do gecircnero como obra de emulaccedilatildeo eacute produto loacutegico de engenho
excelente Na defesa e no louvor que se enuncia esse eacute o caso do poeta Gabriel Pereira
de Castro cujas excelecircncias elocutivas o ldquoDiscurso Poeacuteticordquo busca assim explicitar
Sobre todas as excellencias a de mayor asombro amp q mais reputaccedilaotilde
adquiriragrave a esta peregrina obra he o poetico resplandor que nos versos
reuerbera A claridade ou a enargia (q he a euidencia no dizer) obserua
tudo quanto Hermogenes admoesta na palavra Saphinia A grandeza do
estilo (a q Quintiliano chama Adron) estagrave aqui tanto In suo eszlige Que
natildeo poacutede auer no fallar humano locuccedilatildeo mais sublime A fermosura ou
a galhardia das vozes Em qual dos escritos q a Fama soleniza se
acharaacute cotilde tanta superioridade A bella Aurora Que quatildedo ri nos ceos
nos catildepos chora Versos foraotilde estes de q Fr Lope Felix74 de V C se
pagou tatildeto q todas as vezes q na Corte nos viamos os repetia
recreatildedose na graccedila amp artificio delles A breuidade no explicar a
sentẽccedila he soberana tarda muito pouco em dar forma ao conceito q he
o que encomenda Hermogenes na palavra Gorgotis Que val o mesmo
que Preccedila As matildeos fẽdidas acha a testa armada O q este verso insinugravea
natildeo se podia dizer com menor ambito Na imitaccedilaotilde dos costumes ha
maravilhoso caracter No sentencioso tem hũa verdade continua
fundada natildeo somente sobre a razaotilde mas sobre tudo o q dixeraotilde os
Doutos do mundo No graue no triste no alegre no feroz no severo
no florido amp em todas as mais foacutermas de oraccedilaotilde mostrou grande fineza
74 Isto eacute Lope Feacutelix de Vega Carpio (1562-1635) o poeta Lope de Vega de quem se lecirc na referida ediccedilatildeo
o soneto apologeacutetico a seguir tambeacutem impresso postumamente em louvor a Gabriel Pereira de Castro
ldquoLisboa por el Griego edificada Ya de ser Fenix inmortal presuma Pues deue magraves a tu divina pluma
(Docto Gabriel) que a su famosa espada Voraz el tiempo con la diestra ayrada No hay Imperio mortal
que no consuma Peroacute la vida de tu heroyca suma Es alma ilustremente reseruada Mas ay que cuando
magraves enriqueciste Tu Patria que su Artiacutefice te llama Por la segunda vida que le diste Cipreacutes funesto tu
Laurel enrrama Si bien ganaste en lo q maacutes perdiste Pues cuando mueres tu nacio tu famardquo
32
amp grande juizo em escolher o tempo amp o lugar Nas metaforas tem
moderaccedilaotilde amp propriedade porq saotilde poucas vsadas em seu lugar amp
todas fundadas na circunstancia mais vista amp mais notoria dos sujeitos
O q he taotilde deficultoso q obseruando Arist o inaccessiuel da poesia diz
q somente os homens de engenho preclaro sabem vsar da metafora com
perfeiccedilaotilde75
O longo passo entre os passos finais de Manuel de Galhegos compotildee figuraccedilatildeo
encomiaacutestica de Gabriel Pereira de Castro pensada como subgecircnero do discurso epidiacutetico
(ἐπιδεικτικόν) conveniente para ostentar ao destinataacuterio as virtudes da obra do poeta
Assim Aristoacuteteles o ensina O ldquoDiscurso Poeacuteticordquo como tal segue o costume observado
em Hermoacutegenes para quem Homero eacute artiacutefice exemplar o melhor dos poetas o melhor
dos oradores e tambeacutem o melhor dos logoacutegrafos (cf HERM 389 21-26) e a poesia eacute
discurso de mateacuteria panegiacuterica e o mais panegiacuterico dos discursos (cf HERM 389 7-9)
Ou ldquoPANEGIRICA IN METROrdquo conforme o letrado italiano Giulio Camillo Delminio
(1480-1544) no breve ldquoDiscorso di Giulio Camillo sopra Hermogenerdquo76 impresso em
Veneza em 156077
Assim em mateacuteria de elocuccedilatildeo Manuel de Galhegos faz da Ulyssea ou Lisboa
Edificada poema heroico cujo elogio esteja assentado de modo particular na autoridade
da Institutio oratoria do retor latino Quintiliano (seacutec I dC) e na do corpo de doutrina
que o nome do grego Hermoacutegenes (seacutec II dC) autoriza composto do que ensinam dois
tratados a ele atribuiacutedos expliacutecita e implicitamente citados o Peri heureseōs (referido
como ldquoPerieureseonrdquo) e o Peri ideōn Sobretudo consoante as liccedilotildees do Peri ideōn e da
Institutio oratoria fazendo uso de leacutexico no vernaacuteculo e no grego transliterado Manuel
de Galhegos agencia a doutrina que propotildee corroborar os usos elocutivos do poeta no
gecircnero No ldquoDiscurso Poeacuteticordquo a exemplaridade da Ulyssea ou Lisboa Edificada afirma-
se em razatildeo das excelecircncias de Gabriel Pereira de Castro no emprego congruente de
variadas ldquofoacutermas de oraccedilaotilderdquo cujos efeitos itere-se comprendem a ldquoclaridaderdquo a
75 Apud Ulyssea ov Lisboa Edificada Poema heroico Composto pelo insigne Doutor Gabriel Pereira de
Castro Corregedor que foy do crime da Corte amp nomeado por S Magestade pera Chanceler mograver do
Reyno de Portugal A El Rey Nosso Senhor Com licenccedila em Lisboa por Lourenccedilo Crasbeeck impressor
del Rey 1636 Acusta de Paulo Crasbeeck mercador de liuro sp 76 Tambeacutem referido como ldquoDiscorso sopra lrsquoIdee di Hermogenerdquo 77 Cf Il secondo tomo dellrsquoopere di M di Giulio Camillo Delminio cioegrave La Topica ouero dellrsquoElocutione
Discorso sopra lrsquoIdee di Hermogene La Grammatica Espositione sopra il primo amp secondo Sonetto del
Petrarca Nvovamente dato in lvce Con privilegio In Venegia apresso Gabriel Giolito dersquo Ferrari MDLX
[1560] p 82
33
ldquoenargiardquo a ldquoeuidencia no dizerrdquo a ldquoSaphiniardquo a ldquograndeza do estilordquo o ldquoAdronrdquo o
ldquosublimerdquo a ldquofermosurardquo a ldquogalhardiardquo a ldquobreuidaderdquo a ldquoGorgotisrdquo a ldquoPreccedilardquo o
ldquomaravilhoso caracterrdquo a ldquoverdade continuardquo E mais o ldquograuerdquo o ldquotristerdquo o ldquoalegrerdquo o
ldquoferozrdquo o ldquoseverordquo e o ldquofloridordquo A variedade de uso dessas ldquofoacutermas de oraccedilaotilderdquo julga-se
e elogia-se como excelecircncia compositiva do poeta Gabriel Pereira de Castro em
adequaccedilatildeo aos coacutedigos que definem como ldquopoesia leuantadardquo o gecircnero de poema heroico
Repare-se que Manuel de Galhegos pouco recorre agraves provas Basta o apelo algo
sentencioso e amplificado que diz a conformaccedilatildeo da Ulyssea ou Lisboa Edificada agrave voz
das convenccedilotildees ldquoA claridade ou a enargia [] obserua tudo quanto Hermogenes
admoesta na palavra Saphiniardquo ou ldquoA grandeza do estilo [] estagrave aqui tanto [] Que natildeo
poacutede auer no fallar humano locuccedilatildeo mais sublimerdquo ou ldquoA fermosura ou a galhardia das
vozes Em qual dos escritos [] se acharaacute cotilde tanta superioridaderdquo ou ldquoA breuidade no
explicar a sentẽccedila he soberanardquo ou ldquoNa imitaccedilaotilde dos costumes ha maravilhoso caracterrdquo
ou ldquoNo sentencioso tem hũa verdade continuardquo etc Assim composto o passo referido do
ldquoDiscurso Poeacuteticordquo parece valer menos pelo que mostra do poema e mais pelo que diz
dos criteacuterios de razatildeo da boa poesia agenciados pelo apologista
Hermoacutegenes eacute nome privilegiado neste agenciamento pois que eacute precisamente em
suas liccedilotildees de retoacuterica que Manuel de Galhegos vai buscar os substantivos ldquoclaridaderdquo
(ou ldquoSaphiniardquo) ldquograndezardquo ldquofermosurardquo (ou ldquogalhardiardquo) ldquoPreccedilardquo (ou ldquoGorgotisrdquo)
ldquocostumerdquo (ou ldquocaracterrdquo) e ldquoverdaderdquo os quais respectivamente traduzem para a liacutengua
portuguesa os termos gregos (i) saphēneia (ή) (ii) megethos () (iii)
kallos () (iv) gorgotēs () (v) ēthos () e (vi) alētheia ()
que consistem em seis das sete ideai tou logou () prescritas pelo retor
por assim dizer as ldquofoacutermas de oraccedilaotilderdquo preceituadas nos dois livros que integram o Peri
ideōn Como se veraacute a idea que encerra o preceito nominada (vii) deinotēs ()
no tratado de Hermoacutegenes pode abarcaacute-la semanticamente o ldquoDiscurso Poeacuteticordquo por meio
dos termos ldquograuerdquo e ldquoferozrdquo ainda que essa a idea pareccedila apartada da liccedilatildeo de Manuel
de Galhegos
Deve-se considerar que seja possiacutevel que o Peri ideōn tenha sido fonte direta das
liccedilotildees de retoacuterica referidas no passo citado do ldquoDiscurso Poeacuteticordquo Pode depender
diretamente da ciecircncia do texto grego de Hermoacutegenes a eleiccedilatildeo em liacutengua portuguesa de
ldquofoacutermas de oraccedilaotilderdquo para verter o sintagma grego ideai tou logou e dos substantivos
ldquoclaridaderdquo ldquograndezardquo ldquoformosurardquo (ou ldquogalhardiardquo) ldquoPreccedilardquo ldquocostumerdquo (ou
34
ldquocaracterrdquo) e ldquoverdaderdquo para designar as referidas ldquofoacutermas de oraccedilaotilderdquo Afinal no iniacutecio
do seacuteculo XVI agrave exceccedilatildeo do Peri hypsous atribuiacutedo a Longino os tratados de retores
gregos como Aftocircnio Hermoacutegenes Aristoacuteteles Dioniacutesio de Halicarnasso Demeacutetrio
Menandro Eacutelio Teatildeo Aristides ou Apsines circulavam impressos desde Veneza depois
de estampados em conjunto in-foacutelio por Aldo Manuzio em dois volumes intitulados
Rhetores graeci cujas datas de publicaccedilatildeo satildeo 1508 e 150978 A preparaccedilatildeo dessa ediccedilatildeo
coube ao emigrado cretense Demeacutetrio Ducas reconhecido como o primeiro catedraacutetico
de grego da Universidade de Alcalaacute de Henares na Espanha79
Sabe-se poreacutem que a despeito do trabalho do prelo de Aldo Manuzio o Peri
ideōn eacute obra de fortuna prodigiosa em manuscritura O filoacutelogo alematildeo Hugo Rabe
compulsa e elenca mais de uma centena de manuscritos do corpo retoacuterico de
Hermoacutegenes80 cujas dataccedilotildees vatildeo do seacuteculo X ao seacuteculo XVI E natildeo se furta o helenista
George Alexander Kennedy a afirmar que existam outros81 Diga-se a quase totalidade
dos manuscritos coligidos na recensio empreendida por Hugo Rabe traz liccedilotildees do Peri
78 O volume primeiro em que se leem as preceptivas de Hermoacutegenes (pp 19-160) eacute o seguinte Rhetores
in hoc volvmine habentvr hi Aphthonii Sophistaelig Progymnasmata Hermogenis ars Rhetorica Aristotelis
Rhetoricorum ad Theodecten libri tres Eiusdem Rhetorice ad Alexandrum Eiusdem ars Poetica Sopatri
Rhetoris quaeligstiones de compone[n]dis declamationibus in causis praecipuaelig iudicialibus Cyri Sophistaelig
differentiaelig statuum Dionysii Alicarnasĕi ars Rhetorica Demetrii Phalerĕi de interpretatione Alexandri
Sophistaelig de figuris sensus amp dictionis Adnotationes innominati de figuris Rhetoricis Menandri Rhetoris
diuisio causarum in genere demonstratiuo Aristeidis de ciuili oratione Eiusdem de simplici oratione
Apsini de arte Rhetorica praeligcepta Venetiis 1508 Eacute possiacutevel ter acesso ao exemplar digitalizado da
Thuumlringer Universitaumlts und Landesbibliothek Jena Disponiacutevel em lthttparchivethulbuni-
jenadehisbestreceiveHisBest_cbu_00004269gt Acesso em 15 julho 2014 Cf PATTERSON A M Hermogenes and the Renaissance Seven Ideas of Style Princeton New Jersey Princeton University Press
1970 p 219 RENOUARD A A Annales de limprimerie des Alde ou Histoire des trois Manuce et de leurs
eacuteditions Paris 1803 pp 127-9 GEANAKOPLOS D J Constantinople and the West Essays on the Late
Byzantine (Palaeologan) and Italian Renaissances and the Byzantine and Roman Churches Madison
Wisconsin University of Wisconsin Press 1989 p 45 GEANAKOPLOS D J Greek scholars in Venice
studies in the dissemination of Greek learning from Byzantium to Western Europe Cambridge
Massachusetts Harvard University Press p 227 79 Cf RENOUARD A A Annales de limprimerie des Alde ou Histoire des trois Manuce et de leurs eacuteditions
pp 127-9 LOacutePEZ GRIGERA L La retoacuterica en la Espantildea del siglo de oro Salamanca Universidad de
Salamanca 1994 p 56 75-7 Destaca Geanakoplos Demeacutetrio Ducas redigiu agrave guisa de prefaacutecio no
volume primeiro dos Rhetores graeci uma epiacutestola destinada a Marco Musuro entatildeo professor da Universidade de Paacutedua Nela vai o seguinte conselho que Musuro incluiacutesse em suas leituras ao lado da
tratadiacutestica de Hermoacutegenes a Retoacuterica de Aristoacuteteles a quem o elogio soaria desnecessaacuterio cf
GEANAKOPLOS D J Constantinople and the West Essays on the Late Byzantine (Palaeologan) and Italian
Renaissances and the Byzantine and Roman Churches Madison Wisconsin University of Wisconsin Press
1989 p 45 80 Cf RABE H Hermogenis Opera Leipzig Teubner 1913 pp xiii-xxviii Pode-se ter acesso ao exemplar
digitalizado da Bibliothegraveque nationale de France Disponiacutevel em
lthttpgallicabnffrark12148bpt6k25183cf2imager=Hugo20RabelangPTgt Acesso em 12 maio
2010 81 Cf KENNEDY G A Greek Rhetoric under Christian Emperors Eugene Oregon Wipf and Stock
Publishers 2008 p 74
35
ideōn82 Trata-se portanto eacute possiacutevel aventar de obra exitosa bastantemente copiada e
por certo lida Isso natildeo se avalia apenas pelo nuacutemero avantajado de coacutepias manuscritas
mas tambeacutem pela variedade de impressos que lhe fizeram circular a tratadiacutestica em grego
em latim e em italiano
Deve-se recordar portanto que aos Rhetores graeci considerados a editio
princeps de Hermoacutegenes seguiram outras ediccedilotildees do Peri ideōn nos seacuteculos XVI e XVII
Satildeo elas Aphthonii sophistae praeligludia Hermogenis Rhetorica ediccedilatildeo florentina de
Filippo Giunta de 1515 em grego83 Hermogenis De formis orationum tomi duo ediccedilatildeo
parisiense em grego estampada na oficina do impressor Christian Wechel (ca 1485-
1554) em 153184 Hermogenis ars oratoria absolutissima ediccedilatildeo em grego de Jacob
82 Cf RABE H Hermogenis Opera pp xv-xix Alguns desses manuscritos podem ser conhecidos por meios
digitais e estatildeo virtualmente disponiacuteveis aos helenistas A Bibliothegraveque nationale de France daacute a conhecer os manuscritos Parisinus gr 2929 Parisinus gr 2971 Parisinus gr 2983 e Parisinus gr 3032 O primeiro
datado do seacuteculo XVI reuacutene obras gregas diversas de mateacuteria gramatical entre as quais estatildeo os
Progymnasmata de Hermoacutegenes e a epiacutetome de Mateus Camariota agrave retoacuterica de Hermoacutegenes Disponiacutevel
em lthttpgallicabnffrark12148btv1b520004673r=hermogenelangPTgt Acesso em 15 julho 2014
O segundo tambeacutem datado do seacuteculo XVI tambeacutem traz os Progymnasmata Disponiacutevel em
lthttpgallicabnffrark12148btv1b520009547r=hermogenelangPTgt Acesso em 15 julho 2014 O
terceiro datado do seacuteculo XI reuacutene em meio a obras gregas de mateacuteria retoacuterica e gramatical quatro dos
tratados atribuiacutedos a Hermoacutegenes a saber o Peri heureseōs o Peri methodou deinotētos o Peri staseōn e
o Peri ideōn par a par com os Progymnasmata de Aftocircnio Disponiacutevel em
lthttpgallicabnffrark12148btv1b8470444jr=hermogenelangPTgt Acesso em 15 julho 2014 O
quarto manuscrito tambeacutem datado do seacuteculo XI traz aleacutem de scholia a Hermoacutegenes os Progymnasmata o Peri staseōn e o Peri methodou deinotētos
A British Library daacute a conhecer os manuscritos Arundel MS 541 Add MS 10060 e Royal MS 16 D XII O
primeiro datado do seacuteculo XV traz os Progymnasmata de Aftocircnio o Peri heureseōs o Peri methodou
deinotētos o Peri staseōn e o Peri ideōn atribuiacutedos a Hermoacutegenes aleacutem de sinopse das figuras
mencionadas no Peri staseōn de prefaacutecio ao Peri staseōn de prefaacutecio versificado do gramaacutetico Joatildeo
Tzetzes ao Peri heureseōs de sinopse dos temas Peri heureseōs e de prefaacutecio ao Peri ideōn Disponiacutevel
em lthttpwwwblukmanuscriptsFullDisplayaspxref=Arundel_MS_541gt Acesso em 15 julho 2014
O segundo datado do seacuteculo XVI traz entre obras de gramaacutetica e retoacuterica os Progymnasmata de Aftocircnio
e a epiacutetome de Mateus Camariota agrave retoacuterica de Hermoacutegenes Disponiacutevel em
lthttpwwwblukmanuscriptsFullDisplayaspxref=Add_MS_10060gt Acesso em 15 julho 2014 O
terceiro tambeacutem datado do seacuteculo XVI traz comentaacuterios ao Peri methodou deinotētos Disponiacutevel em lthttpwwwblukmanuscriptsFullDisplayaspxindex=7ampref=Royal_MS_16_D_XIIgt Acesso em 15
julho 2014 83 Ωάῥά In hoc volumine haec continentur Ausonii [ie Aphtonii] sophistaelig praeligludia
Hermogenis Rhetorica In aeligdibus Philippi Iuntaelig 1515 Pode-se ter acesso digital ao exemplar da
Bayerische Staatsbibliothek (Biblioteca Estadual da Baviera) Disponiacutevel em lthttpreaderdigitale-
sammlungenderesolvedisplaybsb10169596htmlgt Acesso em 16 julho 2014 Cf MACDONALD K M
ldquoSelling Lives the Publisher Bernardo di Giunta (fl 1518-1550) Imitation and the Utility of Intellectual
Biographyrdquo Renaissance and Reformation 25 (2001) pp 5-24 cf LAURENS P ldquoPrefacerdquo in
HERMOGEgraveNE LrsquoArt rheacutetorique Traduction franccedilaise inteacutegrale introduction et notes de Michel Patillon
Paris LrsquoAcircge drsquoHomme 1997 p 10 O Cataacutelogo Geral da Biblioteca Nacional de Espantildea registra um exemplar desta ediccedilatildeo no acervo da BN de Madrid cf BIBLIOTECA NACIONAL DE ESPANtildeA Cataacutelogo
General de la BNE Disponiacutevel em lthttpcatalogobneesgt Acesso em 16 julho 2014 84 Ω Hermogenis De formis orationum tomi duo Parisiis
Excudebat Christianus Wechelus sub scuto Basilensi in via Iacobea anno 1531 Pode-se ter acesso digital
36
Bogardus de 1544 tambeacutem parisiense85 Hermogenis De formis orationum tomi duo
ediccedilatildeo em grego de Johannes Sturm (1507-1589) estampada em 1555 em Estrasburgo86
Aphtonius Hermogenes amp Dionisius Longinus praestatissimi artis Rhetorices magistri
ediccedilatildeo em grego do cretense Francisco Porto (1511-1581) impressa em Genebra em
1569 e reimpressa em 157087 De dicendi generibus sive formis orationum ediccedilatildeo de
ao exemplar da Bayerische Staatsbibliothek Disponiacutevel em lthttpreaderdigitale-
sammlungenderesolvedisplaybsb10150668htmlgt Acesso em 15 julho 2014 Ver PATTERSON A M
Idem ibidem A Biblioteca Nacional de Portugal registra um exemplar desta ediccedilatildeo em seu acervo Entre
os antigos possuidores do volume indicam-se Diogo Mendes de Vasconcelos (1523-1599) e o Convento de
Santa Maria de Scala Coeli da Ordem da Cartuxa em Eacutevora Sabe-se Diogo Mendes de Vasconcelos foi
fidalgo cocircnego da Seacute de Eacutevora e editor em 1593 do De antiquitatibus lusitanae (As antiguidades da
Lusitacircnia) de Andreacute de Resende (1500-1573) cf RESENDE Andreacute de As antiguidades da Lusitacircnia Introduccedilatildeo traduccedilatildeo e comentaacuterio de Rauacutel Miguel Rosado Fernandes Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste
Gulbenkian 1996 BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL Cataacutelogo Geral Disponiacutevel em
lthttpcatalogobnportugalptgt Acesso em 15 julho 2014
A Biblioteca Nacional de Portugal registra dois exemplares de outros dois tratados atribuiacutedos ao reacutetor grego
Satildeo eles (i) Hermogenis Ars Rhetorica
Absolutissima Parisiis Excudebat Christianus Wechelus sub scuto Basilensi in via Iacobea anno 1530
ediccedilatildeo do Perigrave staseos de Hermoacutegenes em que se preceituam os estados de causa e (ii)
Ω Hermogenis De inuentione tomo
qvatuor Parisiis Christianus Wechel sub scuto Basilensi in via Iacobea anno 1530 Entre os antigos
possuidores dos exemplares existentes na BNP tambeacutem estatildeo Diogo Mendes de Vasconcelos e o Convento
de Santa Maria de Scala Coeli Pode-se conhecer o exemplar da Hermogenis Ars Rhetorica Absolutissima
pertencente agrave Bayerische Staatsbibliothek Disponiacutevel em lthttpreaderdigitale-
sammlungendedefs1objectdisplaybsb10150777_00001htmlgt Acesso em 15 julho 2014 Esta ediccedilatildeo
de Hermoacutegenes foi reimpressa por Christian Wechel em Paris oitos anos depois
Hermogenis Ars Rhetorica Absolutissima
Parisiis In officina Christiani Wecheli sub scuto Basilensi in vico Iacobeo Anno MDXXXVIII [1538] A
Biblioteca Nacional de Espantildea registra um exemplar desta ediccedilatildeo em seu acervo cf BIBLIOTECA
NACIONAL DE ESPANtildeA Cataacutelogo General de la BNE Disponiacutevel em lthttpcatalogobneesgt Acesso
em 16 julho 2014 Pode-se conhecer a versatildeo digital do exemplar de 1538 pertencente ao acervo da
Oumlsterreichische Nationalbibliothek (Biblioteca Nacional da Aacuteustria) Disponiacutevel em
lthttpdigitalonbacatOnbViewerviewerfacesdoc=ABO_2BZ167077000gt Acesso em 16 julho
2014 Quanto ao tratado Hermogenis De inuentione tomo qvatuor Pode-se ter acesso ao exemplar
digitalizado da Bayerische Staatsbibliothek Disponiacutevel em lthttpreaderdigitale-
sammlungenderesolvedisplaybsb10314557htmlgt Acesso em 16 julho 2014 85 Hermogenis Ars Rhetorica Abolutissima
Parisiis Apud Iacobum Bogardum sub insigne D Christophori egrave regione gymnasij Cameracensium 1544
Pode-se ter acesso ao volume da Bayerische Staatsbibliothek lthttpreaderdigitale-
sammlungenderesolvedisplaybsb10150714htmlgt Acesso em 15 julho 2014 Vide PATTERSON A M
Idem ibidem O exemplar digital consultado todavia natildeo consta de liccedilatildeo do 86 Ω Hermogenis De formis orationum tomi duo
Argentorati apud haeredes Vuendelini Rihelij Anno 1555 Pode-se ter acesso ao exemplar da Bayerische
Staatsbibliothek em versatildeo digitalizada Disponiacutevel em lthttpdatendigitale-
sammlungende~db0003bsb00034945imagesindexhtmlid=00034945ampfip=1931749830ampno=ampseit
e=2gt Acesso em 15 julho 2014 Ver PATTERSON A M Idem ibidem 87Aph-
tonius Hermogenes Dionysius Longinus praeligstatissimi artis Rhetorices magistri Francisci Porti Cretensis
opera industriaacuteque illustrati atque expoliti Genevaelig apvd I Crispinvm MDLXIX [1569] Pode-se ter
acesso ao exemplar da Oumlsterreichische Nationalbibliothek Disponiacutevel em
lthttpdigitalonbacatOnbViewerviewerfacesdoc=ABO_2BZ178244507gt Acesso em 15 julho
2014 Vide PATTERSON A M Hermogenes and the Renaissance Seven Ideas of Style Princeton New
Jersey Princeton University Press 1970 p 219
37
Johannes Sturm biliacutengue em grego e em latim impressa em Estrasburgo em 157188 e
por fim Hermogenis Ars Oratoria Absolutissima ediccedilatildeo biliacutengue de Garpar Laurent
(1556-1636) com comentaacuterios em latim estampada em Genebra em 161489
Eacute oportuno natildeo ignorar todavia que mesmo sendo admissiacutevel a consulta de
ediccedilotildees em grego as escolhas lexicais de Manuel de Galhegos e de letrados como ele
ibeacutericos nos seacuteculos XVI e XVII talvez natildeo possam prescindir das glosas paraacutefrases
comentaacuterios ou interpretaccedilotildees nas liacutenguas neolatinas do Peri ideōnou das traduccedilotildees
latinas que ganhou o tratado desde o seacuteculo XV Deve-se considerar portanto o
Rhetoricorum libri V de Jorge de Trebizonda a quem se atribui o primado da difusatildeo
latina no Ocidente desde a Peniacutensula Itaacutelica das doutrinas do Peri ideōne mais
amplamente do corpo retoacuterico que carrega o nome de Hermoacutegenes90 publicado entre
1433 e 1434 em Veneza e republicado inuacutemeras vezes Sabe-se que reeditado em Milatildeo
em 1493 por Leonard Pachel91 em Alcalaacute de Henares na Espanha por Arnao Guilleacuten de
88Hermogenis Tarsensis rhetoris Acvtissimi De Dicendi generibvs siue formis orationum Libri II Latinitate
donati amp scholis explicati atque illustrati A Ioan Stvrmio Cum Gratia amp Priuilegio Caeligsareo ad anno
octo Excudebat Iosias Rihelius MDLXXI [1571] Pode-se ter acesso digital ao exemplar da Bibliothegraveque
nationale de France lthttpgallicabnffrark12148bpt6k6257060hr=langESgt Acesso em 15 julho
2014 Cf PATTERSON A M Idem ibidem A Biblioteca Nacional de Espantildea registra um exemplar desta
ediccedilatildeo em acervo cf BIBLIOTECA NACIONAL DE ESPANtildeA Cataacutelogo General de la BNE Disponiacutevel
em lthttpcatalogobneesgt Acesso em 16 julho 2014 89 Hermogenis Ars Oratoria Absolutissima
Et Libri omnes Cum noua Versione Latina egrave regione contextu Graeci amp Commentariis Gasparis Lavrentii
Coloniae Allobrogvm Apud Petrvm Avbertvm Anno MDCXIV [1614] Pode-se ter acesso ao exemplar
digitalizado no acervo da Oumlsterreichische Nationalbibliothek Disponiacutevel em
lthttpdigitalonbacatOnbViewerviewerfacesdoc=ABO_2BZ180877503gt Acesso em 15 julho 2014 Vide PATTERSON A M Idem ibidem O Cataacutelogo Geral da Biblioteca Nacional de Espantildea registra
cinco exemplares desta ediccedilatildeo em acervo cf BIBLIOTECA NACIONAL DE ESPANtildeA Cataacutelogo General
de la BNE Disponiacutevel em lthttpcatalogobneesgt Acesso em 16 julho 2014 90 Mostram os estudos de John Monfasani Trebizonda emigrou para Veneza em 1416 a fim de trabalhar
na biblioteca de Francesco Barbaro (1398ndash1454) Em Veneza por volta de 1420 compocircs uma sinopse das
intitulada De generibus dicendi dedicada a Vittorino da Feltre professor de retoacuterica latina Em fins
de 1426 escreveu a Girolamo Bragadino seu aluno filho da nobreza local a epiacutestola conhecida como De
suauitate dicendi em que abordou a construccedilatildeo discursiva da Por fim vieram a puacuteblico os
Rhetoricorum libri V os quais efetivamente se fizeram um dos mais significativos veiacuteculos de circulaccedilatildeo da retoacuterica atribuiacuteda a Hermoacutegenes ao longo do seacuteculo XV Dos mais significativos deve-se ressaltar visto
que a publicaccedilatildeo que viria a ser considerada a editio princeps do corpo hermogeniano e que ademais fez
circular a obra do reacutetor em liacutengua grega os Rhetores graeci de Aldo Manuzio como se sabe soacute foram
estampados em 1508 cf MONFASANI J George of Trebizond A Biography and a Study of his Rhetoric
and Logic Leiden Brill 1976 pp 13 17-8 21 255-61 262-89 cf LAURENS P ldquoPrefacerdquo in
HERMOGENE LArt rheacutetorique Traduction franccedilaise inteacutegrale introduction et notes de Michel Patillon
Paris LrsquoAcircge drsquoHomme 1997 p 8 91 Georgii Trapesuntii viri doctissimi atque eloquentissimi Rhetoricorum liber primus In libraria Leonardi
Pachel officina 1493 Pode-se ter acesso ao exemplar da Bayerische Staatsbibliothek Disponiacutevel em
lthttpdfg-viewerdeshowset5Bmets5D=http3A2F2Fdatendigitale-
ammlungende2F~db2Fmets2Fbsb00067294_metsxmlgt Acesso em 19 julho 2014
38
Brocar em 1511 com aditamentos de Hernando Alonso de Herrera92 em Paris por volta
de 1520 por Gilles de Gourmont93 na Basileia em 152294 em Veneza em 152395 em
Paris outra vez em 1532 por Christian Wechel96 em 1538 novamente por Wechel97 e
tambeacutem por Jean de Roigny98 e enfim em Estrasburgo em 1547 por Sebastiatildeo Grifo99
O Rhetoricorum libri V de Jorge de Trebizonda natildeo deixa de iterar Pierre Laurens
no prefaacutecio agrave ediccedilatildeo ldquoLrsquoAcircge drsquoHommerdquo de Hermoacutegenes fez-se dos mais significativos
veiacuteculos de difusatildeo da tratadiacutestica atribuiacuteda ao grego na Itaacutelia ao longo do seacuteculo XV100
92 Opus absolutissimum Rhetoricorum Georgii Trapezuntii cum additionibus Herrariensis [Compluti]
Impressum est in cocircplutensi academi in officina Arnaldi Guillelmi de Brocario 1511 A Biblioteca da
Universidade de Salamanca daacute a conhecer exemplar digital da obra O texto do tratado todavia impresso
em letras goacuteticas tal como digitalizado eacute quase que ilegiacutevel A despeito disso vale observaacute-lo Disponiacutevel
em lthttpgredosusalesjspuihandle1036619519gt Acesso em 14 agosto 2014 93 Giorgii trapezuntii qui suis temporibus sopitam amp tantum non mortua Eloquentiam suscitauit Ars
Rhetorica nunc in gallia impressa Et oratoribus nostri maacutexime accommotada Parisiis apud Aegidium
gourmontium qui in utraque liacutengua libros fidelissime imprimendos curat Natildeo haacute data na folha de rosto da
ediccedilatildeo Entende-se que tenha sido impressa por Gilles (ou Egidius) de Gourmont (1499-1540) entre 1519
e 1520 Pode-se ter acesso ao exemplar digital da Bayerische Staatsbibliothek Disponiacutevel em
lthttpreaderdigitale-sammlungenderesolvedisplaybsb10869453htmlgt Acesso em 19 julho 2014 94 Georgii Trapezuntii Rhetoricorum libri in quibus quid recens praestitum proxima facie indicabit
liminaris epistola In Inclyta Basilea 1522 Pode-se ter acesso ao exemplar digital da Bayerische
Staatsbibliothek Disponiacutevel lthttpreaderdigitale-sammlungenderesolvedisplaybsb10163827htmlgt
Acesso em 19 julho 2014 95 Trata-se de volume como o tiacutetulo jaacute o indica em que Trebizonda imprime-se conjuntamente com
Fortunaciano Aacutequila Romano Rutiacutelio Lupo Aristoacuteteles Prisciano Aftocircnio e Hermoacutegenes parafraseado
por Hilaacuterio de Veneza cf Continentur hoc volumine Georgii Trapezuntii Rhetoricorum libri V Consulti
Chirii Fortunatiani libri III Aquilae Romani de figuris sententiarum amp elocutionis liber P Rutilii Lupi
earundem figurarum e Gorgia liber Artistotelis rhetoricorum ad Theodecten Georgio Trapezuntio
interprete libri III Eiusdem rhetorices ad Alexandrum a Francisco Philelpho in Latinum uersae liber
Paraphrasis rhetoricae Hermogenis ex Hilarionis monachi Veronensis traductione Priscianus de
rhetoricae praeexercitamentis ex Hermogene Aphthonii declamatoris rhetorica progymnasmata Io Maria Catanaeo tralatore Venetiis in aedibus Aldi et Andreae Asulani soceri 1523 Pode-se ter acesso digital
ao exemplar da Bibliothegraveque nationale de France Disponiacutevel em
lthttpgallicabnffrark12148bpt6k990533qr=trapezuntiolangPTgt Acesso em 18 agosto 2014 96 Georgii Trapezuntii Rhetoricorum libri quinque ad manu scriptum exemplar diligentissimegrave repurgati
Parisiis excudebat Christianus Wechelus sub scuto Basiliensi in uico Iacobeo Anno M D XXXII [1532]
Pode-se ter acesso ao exemplar da Oumlsterreichische Nationalbibliothek Disponiacutevel em
lthttpbooksgooglecombrbooksid=05JXAAAAcAAJampprintsec=frontcoveramphl=pt-
BRv=onepageampqampf=false gt Acesso em 19 julho 2014 97 Rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis In Officina Christiani Wecheli
M D XXXVIII [1538] Pode-se ter acesso ao exemplar da Bayerische Staatsbibliothek Disponiacutevel em
lthttpreaderdigitale-sammlungenderesolvedisplaybsb10313963htmlgt Acesso em 19 julho 2014 98 Rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis Apud Ioannem Roigny uia ad D
Iacobum sub Basilico amp quatuor Elementis M D XXXVIII [1538] Pode-se ter acesso ao exemplar
digitalizado que integra o acervo da Bibliothegraveque nationale de France Disponiacutevel em
lthttpgallicabnffrark12148bpt6k64796zr=Georges+de+TrC3A9bizondelangPTgt Acesso em
19 julho 2014 99 Georgii Trapezuntii Rhetoricorum libri quinque Indicem capitum ac rerum in hoc opere contentatum
in calcem operis reiecimus Lvgdvni apvd Seb[astianum] Gryphivm 1547 Pode-se ter acesso ao exemplar
digital da Bayerische Staatsbibliothek Disponiacutevel em lthttpreaderdigitale-
sammlungenderesolvedisplaybsb10184351htmlgt Acesso em 19 julho 2014 100 Cf LAURENS P ldquoPrefacerdquo in HERMOGEgraveNE LArt rheacutetorique Traduction franccedilaise inteacutegrale
introduction et notes de Michel Patillon Paris LrsquoAcircge drsquoHomme 1997 p 8
39
E desde entatildeo Considere-se o nuacutemero de estampas posteriores do tratado de Jorge de
Trebizonda saiacutedas de prelos os mais vaacuterios de diversas cidades europeias ateacute meados
do seacuteculo XVI Dessa obra aleacutem dos impressos elencados conhecem-se hoje 21
manuscritos incunaacutebulos de Veneza de 1472 e de Milatildeo de 1493101 Na Espanha sabe-
se conservar um desses manuscritos na Biblioteca da Academia de Histoacuteria102 e destaca-
se em territoacuterio espanhol ademais a atividade letrada de disciacutepulos de Jorge de
Trebizonda Eacute conhecida a atuaccedilatildeo mostra-o Luisa Loacutepez Grigera de Alfonso de
Palencia (1423-1492) de quem foi conservada parte da correspondecircncia trocada com o
mestre e de Hernando Alonso de Herrera (ca 1460-1527) amigo de Palencia e
catedraacutetico da Universidade de Alcalaacute de Henares responsaacutevel por mandar imprimir em
1511 o jaacute mencionado Opus absolutissimum Rhetoricorum Georgii Trapezuntii anotado
para uso escolar Supotildee-se que o prestiacutegio em Alcalaacute de Henares do Rhetoricorum libri
V soacute tenha sido abalado com a chegada agrave Universidade em 1513 de Antocircnio de Nebrija
(1441-1522) e a publicaccedilatildeo em 1515 de sua Artis rhetoricae compendiosa coaptatio ex
Aristotele Cicerone et Quintiliano103 Defende Luisa Loacutepez Grigera que Antocircnio de
Nebrija de quem Andreacute de Resende (1498-1573) foi disciacutepulo 104 tenha intentado
sobrepujar a autoridade de Jorge de Trebizonda105
De Portugal da recepccedilatildeo do Rhetoricorum libri V daacute indiacutecios Belmiro Fernandes
Pereira em artigo sobre a Rhetorica de Joachim Ringelberg
Em Portugal a julgar pelo nuacutemero de espeacutecies remanescentes nas
nossas bibliotecas natildeo teraacute sido despicienda a fortuna do mestre
bizantino No rol da livraria de Aquiles Estaccedilo figuram tanto os
Rhetoricorum libri V como os comentaacuterios de Trebizonda agraves oraccedilotildees de
Ciacutecero texto que tambeacutem se regista no inventaacuterio da biblioteca de D
Fernando Martins Mascarenhas saqueada no final do seacutec XVI pelos
101 Cf MONFASANI J George of Trebizond A Biography and a Study of his Rhetoric and Logic Leiden
Brill 1976 pp 13 17-8 21 255-61 262-89 LAURENS P ldquoPrefacerdquo in HERMOGENE LrsquoArt rheacutetorique
Traduction franccedilaise inteacutegrale introduction et notes de Michel Patillon Paris LrsquoAcircge drsquoHomme 1997 p
8 102 Cf LOacutePEZ GRIGERA L La retoacuterica en la Espantildea del siglo de oro Salamanca Universidad de
Salamanca 1994 p 77 103 Idem pp 56 75-7 104 Cf CASTRO A P de Retoacuterica e teorizaccedilatildeo literaacuteria em Portugal Do Humanismo ao Neoclassicismo
Coimbra Centro de Estudos Romacircnicos 1973 p 18 105 Cf LOacutePEZ GRIGERA L La retoacuterica en la Espantildea del siglo de oro Salamanca Universidad de
Salamanca 1994 p 77
40
ingleses Mas a melhor prova da aceitaccedilatildeo que teve entre noacutes a obra de
Trebizonda reside no facto de ter sido ele o autor escolhido quando foi
necessaacuterio dotar os alunos do Coleacutegio das Artes de um compecircndio para
o estudo da dialeacutectica Natildeo foi por acaso portanto que saiu em 1551
dos prelos conimbricenses de Joatildeo de Barreira a Georgii Trapezontii
Dialectica acompanhada das anotaccedilotildees de Diogo de Contreiras um
antigo escolar do coleacutegio de Santa Baacuterbara 106
Esses indiacutecios ao que parece natildeo se limitam agrave biblioteca de Aquiles Estaccedilo
Anibal Pinto de Castro entende natildeo haver duacutevida de que as liccedilotildees de Jorge de Trebizonda
tenham sido determinantes na composiccedilatildeo das doutrinas que expotildeem a Collectanea
Rhetorices de Joatildeo Vaseu (ca 1550) professor de retoacuterica no Coleacutegio Satildeo Paulo em
Braga107 A coletacircnea foi estampada em Salamanca em 1538108 Nominalmente fazendo
apelo agrave autoridade Joatildeo Vaseu cita mesmo sem referir a doutrina das ideai tou logou
natildeo apenas Jorge de Trebizonda mas tambeacutem Hermoacutegenes Siriano Filoxeno (seacutec V) e
Soacutepatro (seacutec IV) dito ldquoZopaterrdquo na Collectanea Rhetorices ambos comentadores de
Hermoacutegenes109
Par a par o Rhetoricorum libri V pode-se natildeo esquecer ademais de obras quais o
Hermogenis Tarsensis Philosophi ac Rhetoris acutissimi de Arte Rhetorica precepta
106 PEREIRA B F ldquoA ediccedilatildeo conimbricense da Rhetorica de Joachim Ringelbergrdquo Peniacutensula Revista de
Estudos Ibeacutericos n 1 (2004) pp 211-2 O exemplar da Georgii Trapezontii Dialectica citado por Belmiro
Fernandes Pereira integra hoje o acervo da Biblioteca Nacional de Portugal e antes pertenceu segundo os
registros da instituiccedilatildeo agrave Ordem de Satildeo Jerocircnimo ao Convento de Santa Maria de Beleacutem em Lisboa
Trata-se de Georgij Trapezontij Dialectica octo tractatus continens Et hos omnes cum scholijs Iacobi agrave
Contreiras Eborensis Conimbricae Apud Ioannem Barrerium amp Ioanne[m] Aluarum M D LI [1551]
Pode-se ter acesso ao exemplar Disponiacutevel em lthttppurlpt23345gt Acesso em 03 janeiro de 2015 107 Sobre Vaseu escreve Belmiro Pereira ldquoO flamengo Was (Vasaeus na forma latina) depois de estudar
as liacutenguas sacras na Universidade de Lovaina vem em 1531 por indicaccedilatildeo de Andreacute de Resende para a
Peniacutensula Ibeacuterica a pretexto de organizar a biblioteca de Fernando Colombo a futura Colombina de Sevilha
Em outubro de 1534 visita Clenardo em Eacutevora e este o convence a estabelecer-se em Salamanca Aqui continuando os seus estudos de Direito ensina Latim Grego e Retoacuterica sempre com extraordinaacuterio
sucesso Depois do magisteacuterio bracarense de 1538 a 1541 vai dirigir em Eacutevora a escola de humanidades
criada pelo cardeal-infante D Afonso Em 1550 regressa agrave universidade de Salamanca onde dois anos
volvidos eacute nomeado titular da cadeira de Prima de Gramaacuteticardquo PEREIRA B F ldquoA ediccedilatildeo conimbricense
da Rhetorica de Joachim Ringelbergrdquo pp 205-6 108 CASTRO A P DE Retoacuterica e teorizaccedilatildeo literaacuteria em Portugal Do Humanismo ao Neoclassicismo
Coimbra Centro de Estudos Romacircnicos 1973 p 18 109 Cf Ioannis Vasaei Brugensis Collectanea Rhetorices In gratiam eorum qui grauioribus occupati
disciplinis prolixiores ueterum cotildementarios euoluere non possunt [Salmanticae Gonzalo de Castantildeeda]
Anno M D XXXVIII [1538] Jorge de Trebizonda eacute nominalmente referido como autoridade na p 3v
Hermoacutegenes nas pp 12v 13r-v Soacutepatro na p 12v e Siriano nas pp 13v 14v
41
versatildeo latina de Antocircnio Bonfine impressa em Lion em 1538110 e em Veneza em
1539111 e o Hermogenis Tarsensis philosophi ac rhetoris acutissimi De Arte Rhetorica
praecepta traduccedilatildeo para o latim de Natale Conti (ca 1520-1582) impresso na Basileia
em 1550 112 E por fim de versotildees quais Le Idee ouero Forme della oratione da
Hermogene de Giulio Camillo Delminio estampado em Uacutedine em 1594113 e LrsquoIdee
ouero Forme dellarsquoeloquentia de Filiberto Campanile estampado em Naacutepoles em
1606114
O texto grego de Hermoacutegenes divide as ideai tou logou e subdivide-as em gecircneros
e espeacutecies de modo a construir um corpo de doutrina que abarque no ofiacutecio da elocuccedilatildeo
os discursos oratoacuterios e poeacuteticos segundo os seus efeitos Satildeo sete os gecircneros referidos
Em traduccedilotildees recentes e talvez as mais acessiacuteveis 115 da iacutentegra do tratado de
Hermoacutegenes satildeo assim vertidos esses gecircneros (i) clarity (ii) grandeur (iii) beauty (iv)
rapidity (v) character (vi) sincerity e (vii) force na versatildeo inglesa de Cecil W Wooten
110 Cf Hermogenis Tarsensis Philosophi ac Rhetoris acutissimi de Arte Rhetorica precepta Aphthonii
item Sophistaelig Praeligexercitamenta Antonio Bonfine asculano interprete Apud Seb Gryphivm Lvgdvni
1538 Pode-se ter acesso ao exemplar da Oumlsterreichische Nationalbibliothek Disponiacutevel em
lthttpdigitalonbacatOnbViewerviewerfacesdoc=ABO_2BZ178223309gt Acesso em 15 julho
2014 cf PATTERSON A M Idem ibidem O Cataacutelogo Geral da Biblioteca Nacional de Espantildea registra um
exemplar desta ediccedilatildeo em acervo cf BIBLIOTECA NACIONAL DE ESPANtildeA Cataacutelogo General de la
BNE Disponiacutevel em lthttpcatalogobneesgt Acesso em 16 julho 2014 111 Hermogenis Tarsensis Philosophi ac Rhetoris acutissimi de Arte Rhetorica precepta De inuentione
libri quatuor De formis orationis tomi duo De methodo grauitatis siue virtutis commode dicendi
Aphtonii clarissimi Rhetoris praeexercitamenta Antonio Bonfine Asculano interprete Venetiis per Ioan
Anto de Nicolinis de Sabio sumptu vero amp requisitione D Melchioris sessae 1539 Pode-se ter acesso
parcial ao exemplar digitalizado da Biblioteca Nazionale Centrale di Firenze Disponiacutevel em lthttpiccu01ecaspuritmsinternetCulturalephpid=oai3Abncffirenzesbnit3A213AFI00983A
Magliabechi3ABVEE004124gt Acesso em 15 julho 2014 112 Hermogenis Tarsensis philosophi ac rhetoris acutissimi De Arte Rhetorica praecepta Aphtonii item
sophistaelig praxercitamenta nuper in Latinum sermonem versa a Natale de Comitibus Veneto Basileaelig apud
Petrum Pernam [1550] Pode-se ter acesso ao exemplar da Bayerische Staatsbibliothek Disponiacutevel em
lthttpreaderdigitale-sammlungenderesolvedisplaybsb10170282htmlgt Acesso em 15 julho 2014 113 Cf Le Idee ouero Forme della oratione da Hermogene considerate amp ridotte in questa lingua per M
Giulio Camillo Delminio Friulano A queste saggiunge lArtificio della Bucolica di Virgilio spiegato dal
detto M Giulio Camillo Opere novamente mandate in lvce da Gio Domenico Salomoni Al Sigr Andrea
Sasso svo compare Co i Priuilegij dell sommo Pontefice amp del Regrave Catholico amp con pena di scommunica
Con Licenza dersquo Svperiori In Vdine M C XCIIII [1594] Apresso Gio Battista Natolini Pode-se ter acesso ao exemplar da Biblioteca Nazionale Centrale di Roma Disponiacutevel em
lthttpsarchiveorgdetailsbub_gb_VIaRx0R0sOoCgt Acesso em 15 julho 2014 114 LrsquoIdee overo Forme dellarsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la Dotrina drsquoHermogene
e drsquoaltri Retori antichi In Napoli Apresso Gio Battista Sottile M DCVI [1606] Con Licenza dersquo
Superiori 115 Sabe-se por via indireta que em 2012 foi publicada a obra completa de Hermoacutegenes em polonecircs
traduzida do grego por Henryk Podbielski do Instituto de Estudos Claacutessicos da Universidade Catoacutelica de
Lublin (KUL) cf LICHAŃSKI J Z ldquoThe Polish Translation of Hermogenes of Tarsusrdquo Forum Artis
Rhetoricae 2 33 (abr-jun 2013) p 82-84 Sobre a circulaccedilatildeo de Hermoacutegenes na Polocircnia ver CONLEY T
ldquoSome Renaissance Polish Commentaries on Aristotlersquos Rhetoric and Hermogenesrsquo On Ideasrdquo
Rhetorica A Journal of the History of Rhetoric Vol 12 No 3 (Summer 1994) pp 265-292
42
(1987) 116 (i) claridad (ii) grandeza (iii) belleza (iv) rapidez (v) caraacutecter (vi)
sinceridad e (vii) fuerza na versatildeo espanhola de Antonio Sancho Royo (1991)117 (i)
claridad (ii) grandeza (iii) belleza (iv) viveza (v) caraacutecter (vi) sinceridad e (vii)
habilidad na versatildeo espanhola de Consuelo Ruiz Montero (1993)118 e (i) clarteacute (ii)
grandeur (iii) beauteacute (iv) vivaciteacute (v) eacutethos (vi) sinceacuteriteacute e (vii) habiliteacute na versatildeo
francesa de Michel Patillon (1997)119
De alguns desses gecircneros de quatro deles pendem treze espeacutecies de modo que o
retor grego assim preveja entre gecircneros e espeacutecies vinte diferentes ideai assim
discriminadas (i) saphēneia(construiacuteda mediante katharotēs e eukrineia 120 ) (ii)
megethos(construiacuteda mediante semnotēs trakhytēs sphodrotēs lamprotēs akmēe
peribolē 121) (iii) kallos (iv) gorgotēs (v) ēthos(construiacuteda mediante apheleia glykytēs
drimytēse epieikeia122 )(vi) alētheia(construiacuteda mediante barytēs123 ) e (vii) deinotēs
Em forma esquemaacutetica as ideai podem ser assim representadas
116 Cf HERMOGENES Hermogenesrsquo on types of style Translated by Cecil W Wooten Chapel Hill University of North Carolina Press 1987 117 Cf SANCHO ROYO A Hermoacutegenes Sobre los tipos de estilo y Sobre el meacutetodo del tipo Fueza
Introduccioacuten traduccioacuten y notas Sevilla Secretariado de Publicaciones de la Universidad 1991 Trata-se
de ediccedilatildeo que natildeo foi consultada para a elaboraccedilatildeo deste trabalho Baseio-me em artigo do tradutor
SANCHO ROYO A ldquoLa teoriacutea de los estilos de Hermoacutegenes y el discurso Sobre la corona de Demoacutestenesrdquo
Habis 33 (2002) p 273-299 118 Cf HERMOacuteGENES Sobre las formas de estilo Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Consuelo Ruiz
Montero Madrid Editorial Gredos 1993 119 Cf HERMOGENE LrsquoArt rheacutetorique Traduction franccedilaise inteacutegrale introduction et notes de Michel
Patillon Paris LrsquoAcircge drsquoHomme 1997 120 purity pureza pureza pureteacute) e distinctness distincioacuten nitidez netteteacute) 121 (solemnity solemnidad solemnidad noblesse) (asperity aspereza aspereza
rudesse) (vehemence vehemencia vehemencia veacuteheacutemence) (brilliance
brillantez brillantez eacuteclat) (florecence florecimiento vigor vigueur) e (abundance
abundancia abundancia complication) 122 (simplicity sencillez simplicidade naiumlviteacute) (sweetness dulzura dulzura saveur)
(subtlety sutileza ingenio piquant) e (modesty modestia equidad moderation) 123 (indignation indignacioacuten severidade seacuteveacuteriteacute)
43
Figura 2 ldquoHermogenesrsquo Types and Subtypes of stylerdquo124
O esquema eacute parte integrante da introduccedilatildeo do helenista Cecil W Wooten ao
volume Hermogenesrsquo on types of style Traz o vocabulaacuterio grego de Hermoacutegenes
transliterado e o leacutexico inglecircs escolhido para traduzi-lo Representaccedilatildeo muito semelhante
haacute no artigo ldquoCiceronian and Hermogenean Influences on George of Trebizondrsquos
Rhetoricorum Libri Vrdquo com os termos gregos empregados no Peri ideōn e os
correspondentes latinos emprestados ao Rhetoricorum libri V de Jorge de Trebizonda125
124 Cf HERMOGENES Hermogenesrsquo on types of style Translated by Cecil W Wooten Chapel Hill
University of North Carolina Press 1987 p xii 125 Cf MONTEFUSCO L C ldquoCiceronian and Hermogenean Influences on George of Trebizondrsquos
Rhetoricorum Libri Vrdquo Rhetorica A Journal of the History of Rhetoric Vol 26 No 2 (Spring 2008) p
147
44
Figura 3 ldquoCiceronian and Hermogenean Influences on George of Trebizondrsquos
Rhetoricorum Libri Vrdquo
Satildeo muito semelhantes os esquemas pois Cecil W Wooten e Lucia Calboli
Montefusco a despeito das diferenccedilas no leacutexico de ambos organizam graficamente a
doutrina das ideai natildeo soacute dando visualidade aos viacutenculos de gecircnero e espeacutecie construiacutedos
no Peri ideōn senatildeo tambeacutem subsumindo-as as ideai agrave deinotēs definida por
Hermoacutegenes como a idea que regula ldquoo emprego correto de todas as espeacutecies discursivasrdquo
(cf HERM 368 25-369 2 no passo em uso como comumente ocorre o sintagma
ldquordquo em vez de ldquordquo) Peca apenas por deslize talvez o
esquema da pesquisadora italiana pelo apagamento da idea de sphodrotēs ()
acrimonia segundo traduz Jorge de Trebizonda a terceira entre as seis espeacutecies que
constituem em termos de discurso o megethos a magnitudo126
Guardadas as diferenccedilas serve-se Filiberto Campanile no tratado LrsquoIdee overo
Forme dellarsquoeloquentia (1606) de pressuposto equivalente de organizaccedilatildeo ao pensar a
primazia da deinotēs na praacutetica discursiva destrinccedilada no corpo de doutrina a que se
dedica
126 Cf Rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis Apud Ioannem Roigny uia
ad D Iacobum sub Basilico amp quatuor Elementis M D XXXVIII [1538] pp 546-9
45
Figura 4 LrsquoIdee overo Forme dellarsquoeloquentia (1606)127
Filiberto Campanile condensa os preceitos e ornamenta a obra por meio de
dispositivo que metaforiza o aspecto de uma aacutervore Eacute para ser evidente o tronco avanccedila
verticalmente como eixo de idee drsquoeloquentia (ou forme dellrsquoEloquentia del parlare ou
genere del parlare128) as ideai as mais geneacutericas ordenadas da base agrave copa e numeradas
de 1 a 7 em consonacircncia com a disposiccedilatildeo das liccedilotildees de Hermoacutegenes do princiacutepio ao
fim do Peri ideōn Na base a chiarezza na copa a grauitagrave Entre elas as demais idee
drsquoeloquentia as mais especiacuteficas subdivididas como ramos desde o tronco sempre
subsidiaacuterias arranjadas e numeradas tambeacutem conforme as liccedilotildees do Peri ideōn Note-se
que o leacutexico aiacute empregado para verter ao italiano a preceptiva grega e dar legibilidade no
127 Cf Lrsquoidee ouero forme dellrsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la dottrina drsquoHermogene
e drsquoaltri retori antichi In Napoli apresso Gio Battista Sottile MDCVI Con licenza dersquo superiori p 116 128 Idem pp 5-6
46
vernaacuteculo agraves ideai tem antecedente em obra quase que homocircnima o Le Idee ouero
Forme della oratione da Hermogene e no esforccedilo de Giulio Camillo Delminio tradutor
do Peri ideōn em fins do seacuteculo XVI esforccedilo de especializaccedilatildeo dos termos para que
doutrinariamente natildeo se confundam A interpretaccedilatildeo de Giulio Camillo Delminio em
destaque discrimina sete idee ou forme della oratione e segue de perto o texto grego
Figura 5 Le Idee ouero Forme della oratione da Hermogene (1594)129
O exame comparativo de ambas as obras uma estampada em 1606 outra em 1594
uma de Filiberto Campanile outra de Giulio Camillo Delminio explicita filiaccedilatildeo de
leacutexico chiarezza grandezza belleza prestezza veritagrave (ou veritate) e grauitagrave (ou
gravitate) satildeo termos comuns Satildeo semelhantes as interpretaccedilotildees do mesmo Giulio
Camillo Delminio no ldquoDiscorso di M Giulio Camillo sopra Hermogenerdquo que integra Il
secondo tomo dellrsquoopere di M Giulio Camillo Delminio volume impresso postumamente
em Veneza em 1560 Neste caso poreacutem diferem os usos e as escolhas lexicais Giulio
Camillo Delminio e de Filiberto Campanile
129 Le Idee ouero Forme della oratione da Hermogene considerate amp ridotte in questa lingua per M
Giulio Camillo Delminio Friulano A queste saggiunge lArtificio della Bucolica di Virgilio spiegato dal
detto M Giulio Camillo Opere novamente mandate in lvce da Gio Domenico Salomoni Al Sigr Andrea
Sasso svo compare Co i Priuilegij dell sommo Pontefice amp del Regrave Catholico amp con pena di scommunica
Con Licenza dersquo Svperiori In Vdine M C XCIIII [1594] Apresso Gio Battista Natolini
47
Figura 6 ldquoDiscoro di M Giulio Camillo sopra Hermogenerdquo (1560)130
Note-se tal como o ldquoDiscurso Poeacuteticordquo de Manuel de Galhegos o ldquoDiscorso di
M Giulio Camillo sopra Hermogenerdquo agrave diferenccedila das obras supracitadas tabula as
ldquoforme di Hermogenerdquo sem mencionar a deinotēs (ou grauitagrave ou grauitate) Mais no
cotejo com o tratado seiscentista LrsquoIdee overo Forme dellarsquoeloquentia prefere seueritagrave
a dignitagrave ao verter semnotēs prefere o grego (peribolē) a qualquer traduccedilatildeo a
de Filiberto Campanile eacute circuitione prefere acrimonia a acutezza ao verter drimytēsEm
Manuel de Galhegos como se viu essas ideai parecem proliferar e a afirmaccedilatildeo das
excelecircncias da Ulyssea ou Lisboa Edificada compreende categorias que natildeo se
reconhecem nos esquemas de Cecil W Wooten de Lucia Calboli de Filiberto Campanile
ou de Giulio Camillo Delminio que natildeo se reconhecem como pendentes dos usos
linguiacutesticos e retoacutericos do Peri ideōn Assim ainda que se entendam operatoacuterias as ideai
no ldquoDiscurso Poeacuteticordquo pois que sejam referidas como ldquofoacutermas de oraccedilaotilderdquo (i) ldquoclaridaderdquo
(ou ldquoSaphiniardquo) (ii) ldquograndezardquo (iii) ldquofermosurardquo (ou ldquogalhardiardquo) (iv) ldquoPreccedilardquo (ou
ldquoGorgotisrdquo) (v) ldquocostumerdquo (ou ldquocaracterrdquo) e (vi) ldquoverdaderdquo em referecircncia a Hermoacutegenes
ainda que se possa assumir que ldquograuerdquo e ldquoferozrdquo sejam traduccedilotildees possiacuteveis para o
adjetivo grego deinos de modo a envolver a ideia de (vii) deinotēs em referecircncia
130 Cf Il secondo tomo dellrsquoopere di M di Giulio Camillo Delminio cioegrave La Topica ouero dellrsquoElocutione
Discorso sopra lrsquoIdee di Hermogene La Grammatica Espositione sopra il primo amp secondo Sonetto del
Petrarca Nvovamente dato in lvce Con privilegio In Venegia apresso Gabriel Giolito dersquo Ferrari MDLX
[1560] p 116
48
plausiacutevel a Hermoacutegenes o que apartaria Manuel de Galhegos de Giulio Camillo
Delminio ainda assim escapam ao Peri ideōn o que eacute da ordem do ldquotristerdquo do ldquoalegrerdquo e
do ldquofloridordquo Eacute evidente Manuel de Galhegos natildeo redige um tratado natildeo deve conforme
o decoro o leitor esperar dele a acribia do tratadista todavia eacute oportuno discutir que
intercessotildees haacute aqui Para fazecirc-lo eacute proveitoso atentar que no ldquoDiscurso Poeacuteticordquo
coadunam-se agraves de Hermoacutegenes as liccedilotildees de Quintiliano Satildeo conhecidos os passos da
Institutio oratoria de que pendem a afirmaccedilatildeo de Manuel de Galhegos ldquoA grandeza do
estilo (a q Quintiliano chama Adron) estagrave aqui tantordquo
Altera est divisio quae in tris partis et ipsa discedit qua discerni posse
etiam recta dicendi genera inter se videntur Namque unum subtile
quod ischnon vocant alterum grande atque robustum quod hadron
dicunt constituunt tertium alii medium ex duobus alii floridum
(namque id antheron appellant) addiderunt (QUINT XII 10 58)
Existe uma outra divisatildeo que tambeacutem se divide ela mesma em trecircs
partes na qual ainda parecem poder distinguir-se um dos outros os
corretos gecircneros do discurso Com efeito um eacute o sutil que chamam
iskhnoacutes outro o grandioso e robusto que dizem hadroacutes o terceiro uns
o estabelecem no meio dos dois outros o deram como florido (pois o
nomeiam antheroacutes)131
Diga-se ldquoAltera est divisiordquo haacute outra divisatildeo porque antes Quintiliano discrimina
trecircs genera dicendi a saber os gecircneros aacutetico (Atticus) roacutedio (Rhodius) e asiano (Asianus)
O primeiro compresso e iacutentegro nada supeacuterfluo o derradeiro inflado e inane carente de
131 A traduccedilatildeo eacute de Thaiacutes Morgado Martin cf MARTIN T M ldquoDos gecircneros de discurso (QUINT XII 1058-
80)rdquo Letras claacutessicas Satildeo Paulo 2005 v 9 p 225-226 Na traduccedilatildeo de Jerocircnimo Soares Barbosa (ca 1737-1816) ldquoHa outra divisatildeo dos Estilos repartidos tambem em tres especies pelas quais se podem
outrosim distinguir entre si os diferentes caracteres de Eloquencia Hum he о Subtil chamado em Grego
Ischnos o segundo o Grande e Robusto chamado pelos Gregos Adros Acrescentaraotilde alguns hum terceiro
a que huns chamaotilde Mediocre por ser composto dos dois e outros Florido traduzindo deste modo o termo
Grego Antherosrdquo cf Instituiccediloens oratorias de M Fabio Quintiliano escolhidas dos seus XII livros
traduzidas em linguagem e illustradas com notas criticas histoacutericas e Rhetoricas para uso dos que
aprendem Ajuntaotilde-se no fim as Peccedilas originaes de Eloquencia citadas por Quintiliano no corpo destas
Instituiccediloens por Jeronymo Soares Barboza Jubilado na Cadeira de Eloquencia e Poezia da Universidade
de Coimbra Tomo Segundo Em Coimbra Na Imprensa da Universidade M DCC LXXXX Com licenccedila
da Real Meza da Commissatildeo Geral sobre о Ехате e Censura dos Livros Foi taxado este Livro a
novecentos e sessenta reis em papel p 415-6
49
juiacutezo e tambeacutem de moderaccedilatildeo132 o intermeacutedio misto nem compresso como o aacutetico nem
abundante como o asiano133 Ressalte-se na liccedilatildeo de Quintiliano natildeo se questiona que o
aacutetico seja o melhor dos gecircneros134 Jaacute a triparticcedilatildeo dos genera dicendi em subtile ou
iskhnon (ἰσχνόν)135 em grande e robustum ou hadron (ἁδρόν) em medium ou floridum
ou antheron (ἀνθηρόν) prevecirc que o primeiro tenha como ofiacutecio ensinar o segundo
comover e o terceiro deleitar ou conciliar de modo que se pareccedilam exigir a agudeza
(acumen) para o ensinamento a brandura (lenitas) para a conciliaccedilatildeo e o vigor (vis) para
a comoccedilatildeo Empregue-se assim mirando-se o ensinamento de acordo com Quintiliano
o gecircnero sutil nas narraccedilotildees e nas provas (cf QUINT XII 10 59)136 o gecircnero meacutedio
distintamente para deleitar haacute de ser mais frequente nas traslaccedilotildees mais apraziacutevel nas
figuras mais ameno nas digressotildees adequado na composiccedilatildeo doce nas sentenccedilas (cf
QUINT XII 10 60)137 e por fim o gecircnero grande e robusto cujo efeito deva ser a
comoccedilatildeo e o arrebatamento se elevaraacute por meio de amplificaccedilotildees e de superlaccedilotildees (cf
QUINT XII 10 62)138
Quintiliano assim como Secircneca nas Epiacutestolas morais a Luciacutelio jaacute o mostrou
Marcos Martinho dos Santos opera doutrina de gecircneros tripartite ao modo da Rhetorica
ad Herennium e de Ciacutecero Logo satildeo esses os genera dicendi para Quintiliano como satildeo
as figurae para o Anocircnimo ldquograuerdquo ldquomediocrerdquo e ldquoattenuatumrdquo como o satildeo os genera
para Ciacutecero ldquograve ou pleno ou sublime ou amplo ou grandiacuteloquo ou veemente ou
copiosordquo ldquosutil ou tecircnue ou atenuado ou compresso ou remisso ou humilderdquo e ao cabo
ldquomeacutedio ou mediacuteocre ou temperado ou moacutedico ou intermediaacuteriordquo no elenco de
Martinho139 Recorde-se grave pleno sublime amplo grandiacuteloquo veemente copioso
132 QUINT XII 10 16 ldquocum Attici pressi et integri contra Asiani inflati et inanes haberentur in his nihil
superflueret illis iudicium maxime ac modus deessetrdquo Cf SANTOS M M ldquoO monstrum da Arte poeacutetica
de Horaacuteciordquo Letras Claacutessicas Satildeo Paulo 2000 v 4 p 237 133 QUINT XII 10 18 ldquotertium mox qui haec dividebant adiecerunt genus Rhodium quod velut medium
esse atque ex utroque mixtum volunt neque enim Attice pressi neque Asiane sunt abundantesrdquo 134 QUINT XII 10 18 ldquoNemo igitur dubitaverit longe esse optimum genus Atticorumrdquo 135 Aponta-se aqui o adjetivo neutro grego (ἰσχνόν) em concordacircncia com o substantivo ldquogenusrdquo A
traduccedilatildeo de Thaiacutes Morgato Martiacuten translitera a forma masculina do adjetivo (ischnoacutes ἰσχνό) 136 QUINT XII 10 59 ldquoquorum tamen ea fere ratio est ut primum docendi secundum movendi tertium
illud utrocumque est nomine delectandi sire ut alii dicunt conciliandi praestare videatur officium in
docendo autem acumen in conciliando lenitas in movendo vis exigi videatur itaque illo subtili praecipue
ratio narrandi probandique consistet sed saepe id etiam detractis ceteris virtutibus suo genere plenumrdquo 137 QUINT XII 10 60 ldquomedius hic modus et translationibus crebrior et figuris erit iucundior
egressionibus amoenus compositione aptus sententiis dulcis lenior tamen ut amnis lucidus quidem sed
uirentibus utrinque ripis inumbratusrdquo 138 QUINT XII 10 62 ldquoHic et amplificationibus extollet orationem et in superlationem quoque erigeturrdquo 139 Cf SANTOS M M ldquoArte dialoacutegica e epistolar segundo as Epiacutestolas morais a Luciacuteliordquo Letras Claacutessicas
Satildeo Paulo 1999 v 3 p 51
50
grande ou robusto eacute o gecircnero ldquoAdronrdquo (ou hadron ou ἁδρόν) cujos meios e cujos fins
Manuel de Galhegos particularmente refere a partir das liccedilotildees da Institutio oratoria ao
elencar a variedade de ldquofoacutermas de oraccedilaotilderdquo em uso na Ulyssea ou Lisboa Edificada de
Gabriel Pereira de Castro Note-se o termo latino ldquoformardquo eacute empregado na liccedilatildeo de
Quintiliano
[66] Sed neque his tribus quasi formis inclusa eloquentia est Nam ut
inter gracile validumque tertium aliquid constitutum est ita horum
inter se intervalla sunt atque inter haec ipsa mixture quiddam ex
duobus medium est eorum [67] nam et subtili plenius aliquid atque
subtilius et vehementi remissius atque vehementius invenitur ut illud
lene aut ascendit ad fortiora aut ad tenuiora summittitur Ac sic prope
innumerabiles species reperiuntur quae utique aliquo momento inter se
differant sicut quattuor ventos generaliter a totidem mundi cardinibus
accepimus flare cum interim plurimi medii et eorum varia nomina et
quidam etiam regionum ac fluminum proprii deprehenduntur
[68] Eademque musicis ratio est qui cum in cithara quinque
constituerunt sonos plurima deinde varietate complent spatia illa
nervorum atque his quos interposuerunt inserunt alios ut pauci illi
transitus multos gradus habeant
[69] Plures igitur etiam eloquentiae faces sed stultissimum quaerere
ad quam se recturus sit orator cum omnis species quae modo recta est
habeat usum atque id ipsum non sit oratoris quod vulgo genus dicendi
vocant Utetur enim ut res exiget omnibus nec pro causa modo sed
pro partibus causae
[70] Nam ut non eodem modo pro reo capitis et in certamine hereditatis
et de interdictis ac sponsionibus et de certa credita dicet sententiarum
quoque in senatu et contionum et privatorum consiliorum servabit
discrimina multa ex differentia personarum locorum temporumque
mutabit ita in eadem oratione aliter concitabit aliter conciliabit non
ex iisdem haustibus iram et misericordiam petet alias ad docendum
alias ad movendum adhibebit artes
[71] Non unus color prooemii narrationis argumentorum egressionis
perorationis servabitur Dicet idem graviter severe acriter vehementer
51
concitate copiose amare comiter remisse subtiliter blande leniter
dulciter breviter urbane non ubique similis sed ubique par sibi
[72] sic fiet cum id propter quod maxime repertus est usus orationis ut
dicat utiliter et ad efficiendum quod intendit potenter tum laudem
quoque nec doctorum modo sed etiam vulgi consequatur (QUINT XII
10 66-72)
[66] Mas a eloquecircncia natildeo estaacute encerrada nessas trecircs ndash digamos ndash
formas Pois assim como entre o gracioso e o vigoroso se estabeleceu
um terceiro assim tambeacutem existem intervalos desses e entre esses
mesmos [intervalos] existe certo intermediaacuterio misturado dos dois [67]
jaacute que tanto se encontra algo mais pleno e mais sutil que o sutil quanto
[algo] mais remisso e mais veemente que o veemente assim como o
brando ou ascende ateacute o mais forte ou se submete ao mais tecircnue E assim
se descobrem espeacutecies quase inumeraacuteveis que de qualquer modo
diferem entre si por alguma circunstacircncia assim como aceitamos que
de modo geral quatro ventos sopram de outros tantos pontos cardeais
do mundo quando todavia se compreendem muito mais intermediaacuterios
e variados nomes deles e alguns ainda proacuteprios de regiotildees e tambeacutem de
rios
[68] E o mesmo raciociacutenio haacute para os muacutesicos que apoacutes ter instituiacutedo
na ciacutetara cinco sons logo completam aqueles espaccedilos das cordas com
muito mais numerosa variedade [de sons] e ainda entre aqueles [sons]
que inserem interpotildeem outros de modo que aquelas poucas transiccedilotildees
tenham muitos graus
[69] Ainda mais faces da eloquecircncia portanto existem mas seria a
coisa mais tola indagar para qual o orador haacute de dirigir-se uma vez que
toda espeacutecie que de algum modo eacute correta tem utilidade e aquilo
mesmo que vulgarmente chamam gecircnero de discurso natildeo eacute proacuteprio do
orador pois ele utilizaraacute conforme exija o caso de todas e natildeo soacute de
acordo com a causa mas de acordo com as partes da causa
[70] Com efeito assim como natildeo com um mesmo modo discursaraacute a
favor do reacuteu de uma [causa] capital e em uma contestaccedilatildeo de heranccedila e
a respeito de interdiccedilotildees e tambeacutem fianccedilas e empreacutestimo certificado
preservaraacute as distinccedilotildees das sentenccedilas no senado e assembleacuteias e dos
conselhos privados mudaraacute muitas coisas de acordo com a diferenccedila de
52
pessoas locais e tempos assim tambeacutem em um mesmo discurso de
um modo incitaraacute de outro conciliaraacute natildeo de um mesmo hausto
alcanccedilaraacute a ira e a misericoacuterdia admitiraacute umas artes para ensinar outras
para mover
[71] Natildeo seraacute preservada a mesma a cor do proecircmio da narraccedilatildeo das
argumentaccedilotildees da digressatildeo e da peroraccedilatildeo Discursaraacute acerca da
mesma coisa de forma grave severa acerba veemente raacutepida copiosa
amarga acerca da mesma coisa de forma afaacutevel remissa sutil
agradaacutevel branda doce breve elegante natildeo em toda parte semelhante
mas em toda parte agrave altura de si mesmo
[72] Assim se faraacute quando aquilo por que o uso do discurso foi
inventado sobretudo ndash [isto eacute] ndash que discurse com utilidade e poder para
perfazer o que pretende ndash entatildeo consiga tambeacutem o elogio natildeo soacute dos
doutos mas ainda do vulgo 140
Ora deixa evidente o longo passo os genera dicendi satildeo ldquoquasi formaerdquo como
que formas (QUINT XII 10 66l) A eloquecircncia todavia de poetas e de oradores as liccedilotildees
de Quintiliano satildeo bastantemente expliacutecitas natildeo se prescreve encerrada aos trecircs gecircneros
como se fossem pensados agrave maneira de uma teacutecnica elocutiva de hiperuniformizaccedilatildeo dos
usos mas compotildee-se na distacircncia entre eles treslendo-se Roland Barthes nas malhas
intervalares da elocuccedilatildeo141 de fatura mista sempre mista Entre os gecircneros os trecircs o
repertoacuterio de leacutexico e de sintaxe eacute de ldquoespeacutecies quase inumeraacuteveisrdquo (cf QUINT XII 10
67 prope innumerabiles species) segundo gradaccedilotildees sucessivas previstas numa relaccedilatildeo
de diferenccedila do mais sutil ao mais veemente em que se abarquem observando-se bem de
perto o preceito da Institutio oratoria categorias como o grave o severo o acerbo o
veemente o raacutepido o copioso o amargo E mais o afaacutevel o remisso o sutil o agradaacutevel
o brando o doce o breve o elegante Ou se talvez quisermos pensar com Manuel de
Galhegos E mais o ldquograuerdquo o ldquotristerdquo o ldquoalegrerdquo o ldquoferozrdquo o ldquoseverordquo e o ldquofloridordquo
Todas satildeo formae que fazem proliferar a variaccedilatildeo especiacutefica entre os genera dicendi
cujos usos conveacutem isso reter do preceito devam ser balizados pelo aptum de cada
140 Cf MARTIN T M ldquoDos gecircneros de discurso (QUINT XII 1058-80)rdquo Letras claacutessicas Satildeo Paulo 2005
v 9 pp 226-227 141 Por ldquomalhardquo entende-se o francecircs ldquoreacuteseaurdquo cf BARTHES R ldquoLancienne rheacutetorique [Aide-meacutemoire]rdquo
In Communications 16 1970 Recherches rheacutetoriques p 218
53
enunciado em cada situaccedilatildeo de discurso (situation de discours) 142 Disso resulta a
eloquecircncia a elocuccedilatildeo eacute sempre o outro ldquoaquilo mesmo que vulgarmente chamam
gecircnero de discurso natildeo eacute proacuteprio do oradorrdquo (cf QUINT XII 10 69 id ipsum non sit
oratoris quod vulgo genus dicendi vocant) 143 E sempre outra
A assimiliccedilatildeo das formae dos genera dicendi de Quintiliano agraves ideai de
Hermoacutegenes pensada por Manuel de Galhegos e operada no juiacutezo encomiaacutestico agrave
Ulyssea ou Lisboa Edificada conhece-se ademais da traduccedilatildeo setecentista que
Jerocircnimo Soares Barbosa elaborou da parte final do mesmo excerto (QUINT XII 10 71-
72) exposta nas Instituiccedilotildees oratorias de M Fabio Quintiliano (1788 e 1790) Essa liccedilatildeo
repotildee a muacutesica nos planos da retoacuterica juntas se sabem ainda que sejam cientes da
especificidade de seus artifiacutecios e supotildee que entre as trecircs formae de Quintiliano ou quasi
formae interpretadas como ldquotres foacutermas geraes de estylordquo existam ldquoDifferentes tons e
Gradaccedilotildees dos tres Estilosrdquo assim pensados
A estas gradaccedilotildees e degradaccedilotildees do mesmo estilo chamavaotilde os Latinos
Colores e os Francezes com hum termo muito proprio Nuances du
Stile e noacutes lhe podemos chamar Matizes tirada a metaphora da
augmentacaotilde e diminuiccedilaotilde insensivel de huma mesma cor com que
por graos passa ou do escuro ao claro ou do claro ao escuro Os
mesmos Latinos Ihes chamavaoacute tambem Voces e noacutes lhe podemos dar
o nome de Tons do estilo aacute maneira dos da Musica que sendo sete
principaes em cada outava estes mesmos admittem tantas gradaccedilotildees e
degradaccedilotildees que hum ouvido exercitado pode distinguir em cada
outava 43 differentes e ainda entre cada hum destes ha muitos outros
intermeacutedios que o ouvido do homem poacutede sentir mas naotilde distinguir
Assim cada hum dos tres estilos principaes pode sem sahir do seu
genero subir gradualmente ateacute o maacuteximo e descer do mesmo modo ateacute
o minimo O Sublime pode ser mais ou menos sublime o Simples mais
ou menos simples O Medio da mesma sorte pode participar mais ou
menos do sublime aacute proporccedilaotilde que sobe e mais ou menos do simples aacute
medida que desce No mais ou menos haacute infinitas gradaccedilotildees cujos
142 Cf DUCROT O TODOROV T Dicionaacuterio Enciclopeacutedico das Ciecircncias da Linguagem 3ordf ediccedilatildeo Satildeo
Paulo Perspectiva 2007 pp 297-300 143 Cf HANSEN J A ldquoRepresentaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo na literatura de Machado de Assisrdquo Ciecircncia Hoje nordm 253
out 2008 p 37
54
limites nam se podem assignar poreacutem que nem por isso deixaotilde de ser
menos reaes e que hum escriptor exacto e de hum gosto fino e delicado
sabe guardar amoldando o seu estilo a cada genero a cada causa a cada
parte da oraccedilaotilde e a cada pensamento sob pena de naotilde merecer o nome
de Orador ou de Poeta que tem144
O rodapeacute muito explicitamente atualiza o que parece consabido na longuiacutessima
vigecircncia da retoacuterica como instituiccedilatildeo de codificaccedilatildeo das praacuteticas discursivas preceito que
antes neste trabalho se fez pender de Diego de Saavedra Fajardo de Manuel de Galhegos
de Francesco Petrarca de D Luiacutes de Goacutengora segundo o qual haacute sublimidades haacute
medianidades haacute simplicidades No plural Prescreve o letrado luso nos termos desses
preceitos serem quatro os tons operados como gradaccedilotildees dos genera discursivos a
saber (i) ldquoTom do Generordquo devem ser diferentes por conveniecircncia os estilos do
deliberativo do judicial e do demonstrativo da epopeia da trageacutedia e da comeacutedia (ii)
ldquoTom da Causardquo devem ser mais ornadas certas causas que outras no mesmo gecircnero
tratadas num tom as causas capitais noutro as particulares num estilo as suasoacuterias diante
do Senado noutro as diante do povo noutro ainda as diante de um uacutenico homem
semelhantemente podem ser mais ou menos traacutegicas e mais ou menos cocircmicas a Trageacutedia
e a Comeacutedia (iii) ldquoTom das partesrdquo deve ser distinto em estilo o discurso ou o poema em
suas partes em conformidade com o fim de instruir de deleitar ou de mover de modo
que variem exoacuterdio narraccedilatildeo prova ou peroraccedilatildeo assim tambeacutem na trageacutedia haacute cenas
mais ou menos vigorosas e na epopeia episoacutedios mais ou menos sublimes na trageacutedia
o estilo elevado abate-se na expressatildeo da dor e na excitaccedilatildeo da compaixatildeo e na comeacutedia
o estilo simples irmana-se do tom elevado na indignaccedilatildeo e por fim (iv) ldquoTom de cada
pensamento e de cada idegraveiardquo eacute imperioso que se mantenham os caracteres das partes do
discurso (ou poema) por mais breves que sejam como faz Ciacutecero no discurso Pro
Balbo145
144 Cf Instituiccediloens oratorias de M Fabio Quintiliano escolhidas dos seus XII livros traduzidas em
linguagem e illustradas com notas criticas histoacutericas e Rhetoricas para uso dos que aprendem Ajuntaotilde-
se no fim as Peccedilas originaes de Eloquencia citadas por Quintiliano no corpo destas Instituiccediloens por
Jeronymo Soares Barboza Jubilado na Cadeira de Eloquencia e Poezia da Universidade de Coimbra
Tomo Segundo Em Coimbra Na Imprensa da Universidade M DCC LXXXX Com licenccedila da Real Meza
da Commissatildeo Geral sobre о Ехате e Censura dos Livros Foi taxado este Livro a novecentos e sessenta
reis em papel pp 426-427 145 Idem p 427
55
Eacute evidente as Instituiccedilotildees oratorias de M Fabio Quintiliano natildeo satildeo a Institutio
oratoria Jerocircnimo Soares Barbosa lecirc Quintiliano e desfia a noccedilatildeo de tom e os modos de
regulaacute-lo com decoro conforme o verbete homocircnimo apresentado no tomo 16 de 1765
o derradeiro da Encyclopeacutedie ou dictionnaire raisonneacute des sciences des arts et des
meacutetiers editada por Denis Diderot (1713-1784) e Jean le Rond drsquoAlembert (1717-1783)
TON (Prose amp Poeacutesie) couleurs nuances du style langage qui
appartient agrave chaque ouvrage
Il y a 1deg le ton du genre crsquoest par exemple du comique ou du tragique
2deg le ton du sujet dans le genre le sujet peut ecirctre comique plus ou
moins 3deg le ton des parties chaque partie du sujet a outre le ton
geacuteneacuteral son ton particulier une scegravene est plus fiere amp plus vigoureuse
qursquoune autre celle-ci est plus molle plus douce 4deg le ton de chaque
penseacutee de chaque ideacutee toutes les parties quelque petites qursquoelles
soient ont un caractere de proprieacuteteacute qursquoil faut leur donner amp crsquoest ce
qui fait le poeumlte sans cela cur ego poeumlta salutor On bat souvent des
mains quand dans une comeacutedie on voit un vers tragique ou un lyrique
dans une trageacutedie Crsquoest un beau vers mais il nrsquoest point ougrave il devroit
ecirctre
Il est vrai que la comeacutedie eacuteleve quelquefois le ton amp que la trageacutedie
lrsquoabaisse mais il faut observer que quelque essor que prenne la
comeacutedie elle ne devient jamais heacuteroiumlque On nrsquoen verra point
drsquoexemple dans Moliere Il y a toujours quelque nuance du genre qui
lrsquompecircche drsquoecirctre tragique De mecircme quand la trageacutedie srsquoabaisse elle ne
descend pas jusqursquoau comique Qursquoon lise la belle scegravene ougrave Phedre
paroicirct deacutesoleacutee le style est rompu abattu si jrsquoose mrsquoexprimer ainsi
crsquoest toujours une reine qui geacutemit
Ce que nous venons de dire du ton en poeacutesie srsquoapplique eacutegalement agrave la
prose Il y a chez elle le ton simple ou familier le ton meacutediocre amp
le ton soutenu selon le genre de lrsquoouvrage le sujet dans le genre amp les
parties du sujet Enfin le ton ou le langage drsquoun conte drsquoune lettre
drsquoune histoire drsquoune oraison funebre doivent ecirctre bien
diffeacuterens Voy STYLE (D J) 146
146 Cf Encyclopeacutedie ou dictionnaire raisonneacute des sciences des arts et des meacutetiers par une socieacuteteacute de gens
de lettres Mis en ordre et publieacute par M Tome seizieme TEA-VENERIE A Neufchastel chez Samuel
56
TOM (Prosa amp Poesia) cores nuanccedilas do estilo linguagem que eacute
proacutepria a cada obra
Haacute 1deg o tom do gecircnero eacute por exemplo do cocircmico ou do traacutegico 2deg
o tom da mateacuteria no gecircnero a mateacuteria pode ser mais ou menos cocircmica
3deg o tom das partes cada parte da mateacuteria tem aleacutem do tom geral seu
tom particular uma cena eacute mais altiva amp mais vigorosa que outra esta
eacute mais deacutebil mais doce 4deg o tom de cada pensamento de cada ideia
todas as partes por menores que elas sejam constam de um caraacuteter de
propriedade que lhe seja preciso conferir e eacute o que faz o poeta sem isso
cur ego poeumlta salutor147 Aplaude-se amiuacutede quando em uma comeacutedia
vecirc-se um verso traacutegico ou um liacuterico em uma trageacutedia Eacute um belo verso
mas natildeo estaacute onde deveria estar
Eacute verdade que a comeacutedia eleva por vezes o tom amp que a trageacutedia o
abaixa mas eacute preciso observar que nenhum voo que tome a comeacutedia
deve jamais tornaacute-la heroica Natildeo se veraacute exemplo disso em Moliegravere
Haacute sempre uma nuanccedila do gecircnero que o impede de ser traacutegico Assim
tambeacutem quando a trageacutedia se abaixa ela natildeo desce ateacute o cocircmico
Quando se lecirc a bela cena em que Fedra parece desolada rompe-se
abate-se o estilo se ouso assim exprimir-me eacute sempre uma rainha que
se lamenta
O que acabamos de dizer do tom na poesia aplica-se igualmente agrave prosa
Haacute nela o tom simples ou familiar o tom mediacuteocre amp o tom
sustentado148 segundo o gecircnero da obra a mateacuteria no gecircnero e as partes
da mateacuteria Enfim o tom ou a linguagem de um conto de uma carta de
uma histoacuteria de uma oraccedilatildeo fuacutenebre devem ser bastante diferentes
Ver ESTILO (D J)149
Faulche amp Compagnie Libraires amp Imprimeurs [1765] p 403 A liccedilatildeo se repete em francecircs quase que
literalmente no Dictionnaire de Litteacuterature do Abade Antoine Sabatier de Castres estampado em 1770
Variam apenas os exemplos selecionados pelo autor cf Dictionnaire de Litteacuterature Dans lequel on traite
de tout ce qui a rapport agrave lEloquence agrave la Poeumlsie amp aux Belles-Lettres amp dans lequel on enseigne la
Marche amp les Reacutegles quon doit observer dans tous les Ouvrages desprit Par M LrsquoAbbeacute Antoine Sabatier
de Castres Tome Troiseme A Paris chez Vincent Imprimeur- Libraire rue Saint Severin MDCCLXX
[1770] Avec Approbation amp Privileacutege du Roi p 18 147 Trata-se de passo de verso de Horaacutecio da Epistula ad Pisones ldquocur ego si nequeo ignoroque poeumlta
salutorrdquo [por que eu se natildeo posso e ignoro sou aclamado poeta] (HOR AP 87) 148 Isso seja um estilo mantido nas alturas 149 Traduccedilatildeo nossa
57
Jerocircnimo Soares Barbosa manteacutem agrave vista o enciclopedista Louis de Jaucourt
(1704-1779) o redator do verbete mas a Encyclopeacutedie natildeo ilustra novidades organiza o
conhecido150 a bem dizer como se veraacute a metaforizaccedilatildeo das gradaccedilotildees das formae
estiliacutesticas como tons de intensidades variadas eacute longeva e tem antecedentes vernaculares
e latinos satildeo ldquotuonirdquo eacute liccedilatildeo do poeta Giovanni Battista Guarini (1538-1612) no discurso
Il Verrato ovvero difesa di quanto ha scritto M Giason Denores contra le tragicomedie
e le pastorali in un suo discorso di poesia datado de 1588151 satildeo ldquosonirdquo eacute liccedilatildeo de Jorge
de Trebizonda no Rhetoricorum libri V 152 segundo Ciacutecero no De optimo genere
oratorum (cf CIC Opt I1)153 Por exemplo154
150 O ldquoMr drsquoAlembertrdquo e a ldquoEncyclopediardquo satildeo citados por Jerocircnimo Soares Barbosa cf Instituiccediloens
oratorias de M Fabio Quintiliano escolhidas dos seus XII livros traduzidas em linguagem e illustradas
com notas criticas histoacutericas e Rhetoricas para uso dos que aprendem Ajuntaotilde-se no fim as Peccedilas
originaes de Eloquencia citadas por Quintiliano no corpo destas Instituiccediloens por Jeronymo Soares
Barboza Jubilado na Cadeira de Eloquencia e Poezia da Universidade de Coimbra Tomo Primeiro Em
Coimbra Na Imprensa da Universidade M DCC LXXXX Com licenccedila da Real Meza da Commissatildeo
Geral sobre о Ехате e Censura dos Livros Foi taxado este Livro a novecentos e sessenta reis em papel
p 10 Cf TEIXEIRA I ldquoArtifiacutecio persuasatildeo e sociedade em Olavo Bilacrdquo Revista USP nordm 54 ago 2002 p 103 151 Il Verrato ovvero difesa di quanto ha scritto M Giason Denores contra le tragicomedie e le pastorali
in un suo discorso di poesia Con privilegio In Ferrara Ad Instanza di Alfonso Caraffa 1588 Con licenza
de Superiori pp 37r-37v 152 Rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis Apud Ioannem Roigny uia ad
D Iacobum sub Basilico amp quatuor Elementis M D XXXVIII [1538] pp 494-495 153 CIC Opt I 1 ldquoOratorum genera esse dicuntur tamquam poetarum id secus est nam alterum est
multiplex Poematis enim tragici comici epici melici etiam ac dithyrambici quo magis est tractatum a
Latinis suum cuiusque est diversum a reliquis Itaque et in tragoedia comicum vitiosum est et in comoedia
turpe tragicum et in ceteris suus est cuique certus sonus et quaedam intellegentibus nota voxrdquo [Dizem
existir gecircneros tanto de oradores como de poetas natildeo eacute assim pois num caso se trata de unicidade noutro
se tem multiplicidade Do poema traacutegico do cocircmico do eacutepico do liacuterico e ateacute do ditiracircmbico como foi praticado pelos gregos realmente existe de cada um o gecircnero proacuteprio diverso dos demais assim tanto o
cocircmico eacute vicioso na trageacutedia como o traacutegico eacute torpe na comeacutedia e nos outros gecircneros existe para cada um
determinado tom proacuteprio e um acento noto para conhecedores] cf ALONSO JUacuteNIOR C O melhor gecircnero de
oradores I-IV V 15-16 VI 16-17 Letras claacutessicas Satildeo Paulo 2000 v 4 p 343 154 Diga-se trata-se de liccedilatildeo que se itera enquanto vige a retoacuterica como instituiccedilatildeo que regula as praacuteticas
discursivas Depreende-se assim do Compedio de rhetorica e poetica de Manoel da Costa Honorato cuja
quarta ediccedilatildeo foi dada agrave impressatildeo no Rio de Janeiro em 1879 adaptada ao programa curricular da cadeira
de Retoacuterica Poeacutetica e Literatura Nacional disciplina ministrada no Imperial Coleacutegio Pedro II ldquoConveacutem
advertir que cada uma destas especies de estylos eacute susceptivel de gradaccedilotildees porque o tenue ora seraacute mais
ora menos subtil o sublime mais ou menos robusto e temperado subiraacute ao sublime ou desceraacute ao singelo
Ha portanto em um mesmo genero ou especie uma infinidade de variaccedilotildees que mostrando sempre alguma differenccedila ainda que diminuta comtudo eacute difficil de classificar deve pois o orador prestar attenccedilatildeo agrave
conveniencia afim de accomodar linguagem ao assumpto de que se occupa ndash A conversaccedilatildeo familiar e as
cartas requerem estylo tenue e singelo os commentarios as memorias os dialogos e o discurso didactico
em prosa tambeacutem exigem estylo simples e natural A historia demanda estylo temperado e quando nella
entratildeo descripccedilotildees de paizes e logares a linguagem deve ser mais amena e florida poreacutem sempre natural
No discurso oratorio o estylo varia segundo o genero de eloquencia assumpto e partes do mesmo discurso
na eloquencia judicial o estylo deve ser ora temperado ora subtil os discursos da tribuna e do pulpito
devem ser expostos com o estylo sublime e robusto Ao exordio estaacute bem o tenue o estylo da narraccedilatildeo deve
ser facil e rapido e o da confirmaccedilatildeo nobre e sublime [] Resumindo [] cada um dos generos de
composiccedilatildeo e cada pensamento exige um tom e um estylo particular no mesmo assumpto poacutedem se
misturar ou suceder as diferentes especies de estylo sem comtudo confundir-se o estylo deve sempre estar
58
Ora na doutrina das Instituiccedilotildees oratorias de M Fabio Quintiliano as
ldquoDifferentes Ideasrdquo satildeo portanto ldquomodificaccedilotildees dos tres Estylosrdquo Disso pode-se
aventar reteacutem o leitor oitocentista no horizonte lusoacutefono de destinaccedilatildeo histoacuterica do
tratado a conformaccedilatildeo dos preceitos de Quintiliano aos de Hermoacutegenes Eacute este que
permite a visada daquele pois que neste passo para esquadrinhar o retor latino Jerocircnimo
Soares Barbosa lecirc a Institutio oratoria agrave luz do que ensina o Peri ideōn lecirc as ideai e tece
liames de doutrina
Hermogenes entre outros tratados concernentes aacute Eloquencia compoz
dois livros Das Idegraveas ou differentes formas e qualidades
dos estilos que todos assentatildeo naotilde serem outra couza senaotilde as varias
modificaccedilotildees e virtudes de que saotilde susceptiveis os tres estilos
principaes e que he preciso observar para saber variar о estilo conforme
a materia o pedir 155
Isto seja de acordo com as Instituiccedilotildees oratorias de M Fabio Quintiliano as
formas satildeo Idegraveas Jerocircnimo Soares Barbosa tomando-as como ldquoqualidades dos estilosrdquo
as aretai aristoteacutelicas como ldquoas varias modificaccedilotildees e virtudes de que saotilde susceptiveis
os tres estilos principaesrdquo ndash o ldquoSublimerdquo o ldquoSimplesrdquo o ldquoMediordquo ndash inscreve-as enquanto
gradaccedilotildees nos intervalos da elocuccedilatildeo mista Essas gradaccedilotildees nos Discorsi del poema
heroico de Torquato Tasso (1544-1595) entendem-se subsumidas agrave triparticcedilatildeo dos
genera dicendi tal como conhecida de Ciacutecero de Quintiliano ou do Anocircnimo ad
Herennium
[] il sublime e lrsquoalto genere hauragrave come sue spetie la grande la
bella la splendida la graue forma che egrave quella chrsquoegrave piena di dignitagrave
e lrsquoaspra lrsquoaffettuosa e la vehemente il mediocre la gratiosa la
em harmonia com o pensamento ou senrimento que exprimirrdquo cf Compendio de rhetorica e poetica (4ordf
ediccedilatildeo consideravelmente augmentada) Adaptado ao programma do Imperial Collegio Pedro II pelo
Conego Manuel da Costa Honorato Rio de Janeiro Typ Cosmopolita rua do Regente 31 1879 pp
107-108 155 Cf Instituiccediloens oratorias de M Fabio Quintiliano escolhidas dos seus XII livros traduzidas em
linguagem e illustradas com notas criticas histoacutericas e Rhetoricas para uso dos que aprendem Ajuntaotilde-
se no fim as Peccedilas originaes de Eloquencia citadas por Quintiliano no corpo destas Instituiccediloens por
Jeronymo Soares Barboza Jubilado na Cadeira de Eloquencia e Poezia da Universidade de Coimbra
Tomo Segundo Em Coimbra Na Imprensa da Universidade M DCC LXXXX Com licenccedila da Real Meza
da Commissatildeo Geral sobre о Ехате e Censura dos Livros Foi taxado este Livro a novecentos e sessenta
reis em papel p 430
59
soaue la dolce la piaceuole lrsquoornata e la fiorita lrsquohumile la chiara
ograve ver la facile la semplice lrsquoacuta la sottile la motteggeuole o ver
quella che muove agrave riso amp altre simiglianti []156
[] o sublime e o alto gecircnero teraacute como suas espeacutecies a grande a bela
a esplecircndida a grave forma que eacute aquela que eacute cheia de dignidade e a
aacutespera a afetuosa e a veemente o mediacuteocre a graciosa a suave a doce
a apraziacutevel a ornada e a florida a humilde a clara ou a faacutecil a simples
a aguda a sutil a ou aquela que move ao riso amp outras semelhantes
[]157
Em termos gregos compotildeem o gecircnero sublime o megethos (ldquola granderdquo) o kallos
(ldquola belardquo) a lamprotēs (ldquola splendidardquo) a semnotēs (ldquola graue formardquo ldquopiena di
dignitagraverdquo) a trakhytēs (ldquolrsquoasprardquo) e a sphodrotēs (ldquola vehementerdquo) Compotildeem o gecircnero
mediocre o glaphyros (ldquola gratiosardquo ldquola piaceuolerdquo ldquolrsquoornatardquo) (cf DEMETR 186-7)158
a glykytēs (ldquola soaue la dolcerdquo) e o antheros (la fiorita) (QUINT XII 10 58) Por fim
compotildeem o humile a saphēneia(ldquo la chiarardquo) a eukrineia (ldquola facilerdquo) a apheleia (ldquola
semplicerdquo) e a deinotēs (ldquolrsquoacuta la sottile la motteggeuole o ver quella che muove agrave
risordquo) A articulaccedilatildeo das liccedilotildees de Hermoacutegenes de Demeacutetrio e de Quintiliano isso eacute claro
expotildee procedimento de leitura que se observaraacute recorrente e bastante produtivo o da
acomodaccedilatildeo da doutrina normatizada pelo Peri ideōn ao leacutexico e agraves categorias
consabidas no mais das vezes pelas liccedilotildees de retoacuterica latina159 Indica-o Pierre Laurens
desde Jorge de Trebizonda costuma-se analisar as ideai de Hermoacutegenes como um
refinamento os tuoni que nuanccedila os trecircs genera dicendi e que torna possiacutevel a
composiccedilatildeo de ldquomodulaccedilotildees extremamente complexasrdquo desses genera160 Isso parece
estar no caacutelculo de Manuel de Galhegos
Ora mesmo que simpaacuteticas as idee de Torquato Tasso natildeo satildeo as Idegraveas de
Jerocircnimo Soares Barbosa eacute o que explicitam os passos arrolados O autor setecentista
156 Cf Discorsi del poema heroico del S Torquato Tasso Allrsquoillustrissmo e reverendissmo Signor Cardinale
Aldo Brandino Nella Stamparia dello Stigliola In Napoli Ad instantia di Paolo Venturino [1594] p 120 157 Traduccedilatildeo nossa 158 Escreve Torquato Tasso posteriormente que o grego eacute equivalente a ldquovenustordquo e a ldquoparlar
ornato e gratiosordquo cf Idem p 146 159 Cf LAURENS P ldquoPrefacerdquo in HERMOGEgraveNE LArt rheacutetorique Traduction franccedilaise inteacutegrale
introduction et notes de Michel Patillon Paris LrsquoAcircge drsquoHomme 1997 pp 15-16 160 Idem p 12
60
define-as as discrimina todavia se lecirc Hermoacutegenes em fonte grega relecirc-o de maneira a
reorganizar-lhe as categorias prescritivas
As Idegraveas de Hermogenes sam 6 a saber o estilo Claro Grande Bello
Morato Arrebatado e a [] que he o bom uzo de todas estas
formas Em cada huma destas idegraveas afim de as caracterizar bem
considera Hermogenes 8 couzas a faber os Pensamentos as suas
Figuras as Palabras as suas Figuras o Talho das phrases a Junctura
as Clausulas e o Rhythmo as quaes todas se podem reduzir a quatro
Pensamentos Palabras Figura e Composiccedilaotilde Subdivide depoes o
ou Grande em sinco ideas particulares das quaes aacute proporccedilaotilde
que o Grande participa mais ou menos tanto he maior ou menor Ellas
sam a Gravidade a Aspereza a
Vehemencia o Splendor e a Amplificaccedilatildeo Da
oraccedilatildeo Morata () faz tambem seis partes a saber
Simplicidade Suavidade Acrimonia
Moderaccedilaotilde Verdade ampc Muitas destas idegraveas de Hermogenes
sam as mesmas de Quintiliano []161
Jerocircnimo Soares Barbosa refere as Idegraveas as mais gerais tambeacutem as ancilares e ao
fazecirc-lo abarca quase que integralmente a nomenclatura preceptiva de Hermoacutegenes No
passo deixam de ser referidas as duas espeacutecies por meio das quais se faz claro o discurso
katharotēs ()e eukrineia () 162 exclui-se uma das formas
subsidiaacuterias de megethos akmē ()163 pois Hermoacutegenes afirma serem seis essas
espeacutecies e natildeo cinco como se observa e talvez seja entendida com o etceacutetera a idea que
o grego denomina barythēs ()164 mediante a qual a alētheia eacute efetuada O cotejo
161 Cf Instituiccediloens oratorias de M Fabio Quintiliano escolhidas dos seus XII livros traduzidas em
linguagem e illustradas com notas criticas histoacutericas e Rhetoricas para uso dos que aprendem Ajuntaotilde-
se no fim as Peccedilas originaes de Eloquencia citadas por Quintiliano no corpo destas Instituiccediloens por
Jeronymo Soares Barboza Jubilado na Cadeira de Eloquencia e Poezia da Universidade de Coimbra
Tomo Segundo Em Coimbra Na Imprensa da Universidade M DCC LXXXX Com licenccedila da Real Meza
da Commissatildeo Geral sobre о Ехате e Censura dos Livros Foi taxado este Livro a novecentos e sessenta
reis em papel p 430 162 Leia-se purity pureza pureteacute) e distinctness nitidez netteteacute) 163 Leia-se (florecence florecimiento vigor vigueur) 164 Leia-se (indignation severidade seacuteveacuteriteacute)
61
das liccedilotildees das Instituiccedilotildees oratorias de M Fabio Quintiliano e do Peri ideōn ademais
aponta ao cabo algo discordante na medida em que como Manuel de Galhegos parece
fazer Jerocircnimo Soares Barbosa reduz a seis as sete ideai prevalecentes de Hermoacutegenes
as Idegraveas satildeo os estilos (i) ldquoClarordquo (ii) ldquoGranderdquo (iii) ldquoBellordquo (iv) ldquoMoratordquo (v)
ldquoArrebatadordquo e (vi) ldquoa rdquo sabe-se bem em equivalecircncia a (i) saphēneia (ii)
megethos (iii) kallos (iv) gorgotēs (v) ēthos e (vi) deinotēs Nota-se logo a reduccedilatildeo de
Jerocircnimo Soares Barbosa altera o lugar da ldquoVerdaderdquo a qual em vez de gecircnero eacute feita
espeacutecie da ldquooraccedilatildeo Moratardquo do ēthos dito latinamente ldquooratio moratardquo ou ldquoaffectiordquo
desde Jorge de Trebizonda165 Essa reduccedilatildeo entenda-se embora natildeo seja equivalente agrave
que Manuel de Galhegos opera tampouco eacute estranha aos inteacuterpretes de Hermoacutegenes O
valenciano Pedro Juan Nuntildeez (1522-1602) nas Tabulae institutionum rhetoricarum
impressas em Barcelona em 1578 e reimpressas em 1588 propotildee166
Figura 7 Tabulae institutionum rhetoricarum Petri Johannis Nunnesii Valentini
(1588)167
165 De acordo com Jorge de Trebizonda affectio traduzindo assim se define ldquoAffectio est qua sic
componitur oratio ut qualitatem animi ostendere amp insitos ei mores aperire uidetur Hanc moratam etiam
orationem appellare licetrdquo cf Rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis Apud
Ioannem Roigny uia ad D Iacobum sub Basilico amp quatuor Elementis M D XXXVIII [1538] p 497 166 Sobre o autor La retoacuterica en la Espantildea del siglo de oro Salamanca Universidad de Salamanca 1994
pp 81-2 167 Cf Tabulae institutionum rhetoricarum Petri Johannis Nunnesii Valentini Altera editio multo
accuratior priori Galenus in arte parua Methodus diuidendi quanto inferior est ea quae sit per
resolutionem dignitate amp methodo tanto superiorem inferior est ea quae sit per resolutionem dignitate amp
methodo tanto superiorem illam comperiemus ad compendium totius amp memoriam singulorum
62
O mesmo tratadista na obra cujas liccedilotildees a tabula esquematiza o Institutionum
rhetoricarum libri quinque de 1578 em ediccedilatildeo de 1593 assim justifica a exclusatildeo
operada na liccedilatildeo de Hermoacutegenes
sunt autem sex genera idearum ab Hermogene inuenta magnitudo
scilicet orationis perspicuitas venutas velocitas morata oratio atque
grauitas nam veritas quae hoc loco ab eodem additur subiecta est
orationi moratae vt idem postea testabitur 168
Ora satildeo seis os gecircneros de ideias inventados por Hermoacutegenes a saber
a grandeza do discurso a clareza a beleza a ligeireza o discurso
morato e a gravidade pois a verdade que o proacuteprio [Hermoacutegenes]
acrescenta a este passo foi subordinada ao discurso morato como se
testemunharaacute adiante169
A despeito das diferenccedilas vocabulares entre as Instituiccedilotildees oratorias de M Fabio
Quintiliano e os Institutionum rhetoricarum libri quinque uma obra setecentista outra
obra quinhentista os preceitos algo discordantes satildeo apropriaccedilotildees possiacuteveis do mesmo
corpo tratadiacutestico pois que ldquo[estilo] Arrebatadordquo e ldquovelocitasrdquo vertem ambos gorgotēs
ao passo que ldquogravidaderdquo eacute semnotēs em Jerocircnimo Soares Barbosa e ldquograuitasrdquo eacute
deinotēs em Pedro Juan Nuntildeez termo que o letrado portuguecircs prefere manter em grego
Haacute de se notar que natildeo satildeo as uacutenicas quando se julga a recepccedilatildeo do Peri ideōn Agrave guisa
de exemplo tomem-se as tabulae das ideai tou logou apensas ao volume Aphtonius
Hermogenes amp Dionisius Longinus praestatissimi artis Rhetorices preparado para
publicaccedilatildeo por Francisco Porto em estampa de Genebra de 1569 e ao Hermogenis Ars
Oratoria Absolutissima de Gaspar Laurent (1556-1636) impresso na mesma cidade em
1614
Barcinone excudebat Iacobus Cendrat Anno Domini 1588 sp Deve ficar evidente que Pedro Juan Nuntildeez
reduz os oito stoikheia (partes) a sete Eacute questatildeo a discutir posteriormente 168 Cf Pet Iohan Nunnesii valentini Institutionum rhetoricarum libri quinque Editio tertia ceteris multo
correctior et locupletior exemplis Barcinone ex typographia Sebastiani agrave Cormellas An 1593 pp 299
Menciona-se no tiacutetulo da primeira ediccedilatildeo do tratado o nome de Hermoacutegenes Institutiones rhetoricae ex
progymnasmatis potissimum Aphtonii atque ex Hermogenis arte dictatae agrave Petro Ioanne Nunnesio
Valentino Barcinone ex officina Petri Mali 1578 169 Traduccedilatildeo nossa
63
Figura 8 Aphtonius Hermogenes Dionysius Longinus praeligstatissimi artis Rhetorices
(1569)170
Observe-se que embora o volume preparado por Francisco Porto natildeo apresente
traduccedilotildees traz o latim ldquoformae orationisrdquo como Manuel de Galhegos trazia ldquofoacutermas de
oraccedilaotilderdquo em equivalecircncia ao grego ldquoideai tou logourdquo171 Essas ideai ou formae como em
170Cf Aphtonius Hermogenes Dionysius Longinus praeligstatissimi artis Rhetorices magistri Francisci
Porti Cretensis opera industriaacuteque illustrati atque expoliti Genevaelig apvd I Crispinvm MDLXIX [1569]
p 442 171 Como o tiacutetulo da obra torna evidente Francisco Porto publica os textos gregos do Progymnasmata (pp
1-45) de Aftocircnio do Peri staseōn (pp 49-99) do Peri heureseōs (pp 100-209) do Peri ideōn (pp 208-
404) do Peri methodou deinotētos (pp 405-441) todos atribuiacutedos a Hermoacutegenes e por fim do Peri
Hypsous (pp 1-69) de Dioniacutesio Longino cuja autenticidade aqui natildeo estaacute em questatildeo Pospostos ao Peri
methodou deinotecirctos estatildeo o esquema referido (p 442) uma epiacutestola ao leitor (p 443) e um iacutendice temaacutetico
e onomaacutestico em latim (sem paginaccedilatildeo) cf Aphtonius Hermogenes Dionysius Longinus praeligstatissimi
64
discriminaccedilotildees mencionadas antes satildeo vinte (lecirc-se na epiacutestola ao leitor ldquosunt enim XX ut
ex earum descriptione planum sitrdquo ou seja ldquosatildeo pois XX como eacute claro a partir da
descriccedilatildeo delasrdquo) organizadas em sete gecircneros e treze espeacutecies 172 Natildeo obstante a
repeticcedilatildeo do consabido acerca da doutrina do Peri ideōn manifesta-se que Francisco
Porto propotildee interpretaccedilatildeo discordante daquela que se conhece por Cecil W Wooten e
por Lucia Calboli Montefusco ao coordenar as sete ideai primaacuterias natildeo pensando a
deinotēs em posiccedilatildeo radial e ao tornar a alētheia idea sem espeacutecie isto eacute o ldquoendiathetos
kai alēthēs kai hoion empsykhos logosrdquo o discurso espontacircneo verdadeiro e como que
animado como que saiacutedo da alma (cf HERM 352 16)173 Manifesta-se tambeacutem que
propotildee interpretaccedilatildeo discordante daquela de Jerocircnimo Soares Barbosa e de Pedro Juan
Nuntildeez em vez de submeter a alētheia ao ēthos como ambos ao ēthos submete-lhe a
uacutenica espeacutecie
Ora a barytēs a obiurgatio (isto seja repreensatildeo exprobraccedilatildeo)174 na versatildeo de
Jorge de Trebizonda a espeacutecie mediante a qual a alētheia se compotildee segundo a liccedilatildeo de
Hermoacutegenes eacute deslocada no esquema e feita parte submetida ao ēthos No Peri ideōn
trata-se de especificaccedilatildeo da alētheia que tem em vista a reprovaccedilatildeo do que se considera
indigno em outrem e que para isso pressupotildee o locutor injuriado severo e exprobatoacuterio
Como espeacutecie de alētheia evidentemente trata-se de fazer parecer verdadeiramente
sentido o que eacute ficto e estrategicamente efetuado Eacute sinceridade afetada 175 O
deslocamento promovido por Francisco Porto na ediccedilatildeo genebrina de 1569 na condiccedilatildeo
de aceitas as anaacutelises de Michel Patillon a respeito das ideai entende-se porque ēthos e
alētheia satildeo rubricas que recobrem categorias discursivas afins176 Semelhante a essa
esquematizaccedilatildeo talvez dela dependente eacute a que Gaspar Laurent traz no princiacutepio do
seacuteculo XVII A primeira delas eacute intitulada ldquoἀνακεφαλαίωσις Formarum orationisrdquo ou
artis Rhetorices magistri Francisci Porti Cretensis opera industriaacuteque illustrati atque expoliti Genevaelig
apvd I Crispinvm MDLXIX [1569] 172Idem p 443 173 Cf HERMOacuteGENES Sobre las formas de estilo Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Consuelo Ruiz
Montero Madrid Editorial Gredos 1993 p 253 174 Destaca o Lewis amp Short que obiurgatio eacute termo que Quintiliano (cf QUINT XI 3 49) emprega em
oposiccedilatildeo a laudatio 175 Entende-se eacute proceder discursivo apropriado agrave saacutetira e agrave poesia que o nome de Gregoacuterio de Matos e
Guerra faz circular em que o enunciador a persona satiacuterica natildeo raro agrave maneira do costume latino de
Juvenal eacute indignada e repreende o vicio produzindo aristotelicamente sabe-se muito bem do riso
horrorizado cf HANSEN J A A saacutetira e o engenho Gregoacuterio de Matos e Guerra e a Bahia do seacuteculo
XVII 2ordf ed rev Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial Campinas Editora da Unicamp 2004 pp 228-9 pp 460-3 176 Cf HERMOGENE LrsquoArt rheacutetorique Traduction franccedilaise inteacutegrale introduction et notes de Michel
Patillon Paris LrsquoAcircge drsquoHomme 1997 p 113
65
seja eacute sumaacuterio (anakephalaiōsis) das formas do discurso que repete os termos gregos
sabidos organizados de sorte a fazer pender do ēthos a barytēs e ganha acabamento com
a traduccedilatildeo latina de cada uma das vinte ideai ou formae orationis
Figura 9 Hermogenis Ars Oratoria Absolutissima (1614)177
A segunda tabula na mesma ediccedilatildeo ldquoSynopsis posita ad finem Lib de Formis
orationis huc refertur cuius vocabula Graeligca ibi amp in textordquo (Sinopse posta ao fim
Refere-se aqui ao livro De formis orationis cujos vocaacutebulos Gregos estatildeo neste passo amp
no texto) abdica dos termos gregos e traz sinocircnimos de termos latinos jaacute referidos
177 Hermogenis Ars Oratoria Absolutissima Et Libri omnes Cum noua Versione Latina egrave regione contextu
Graeci amp Commentariis Gasparis Lavrentii Coloniae Allobrogvm Apud Petrvm Avbertvm Anno
MDCXIV [1614] p 568
66
Figura 10 Hermogenis Ars Oratoria Absolutissima (1614)178
Salta aos olhos que o elenco tradutoacuterio arrolado em liacutengua latina por Gaspar
Laurent natildeo se confunda com a terminologia abonada desde os iniacutecios do seacuteculo XV por
Jorge de Trebizonda Veja-se
i) saphēneia claritas (Trebizonda) perspicuitas (Laurent)
a) katharotēs purus sermo ou puritas (Trebizonda) puritas (Laurent)
b) eukrineia elegantia (Trebizonda) dilucidus sermo ou dilucidum
(Laurent)
ii) megethos magnitudo (Trebizonda) granditas ou magnitudo ou
sublimitas ou gratildediloquẽtia (Laurent)
178 Hermogenis Ars Oratoria Absolutissima Et Libri omnes Cum noua Versione Latina egrave regione contextu
Graeci amp Commentariis Gasparis Lavrentii Coloniae Allobrogvm Apud Petrvm Avbertvm Anno
MDCXIV [1614] p 189
67
a) semnotēs dignitas (Trebizonda) graue decorum ou grauitas (De
Laurentis)
b) trakhytēs asperitas (Trebizonda) asperitas (Laurent)
c) sphodrotēs acrimonia (Trebizonda) vehementia (Laurent)
d) lamprotēs ilustris oratio ac splendida (Trebizonda) splendor
(Laurent)
e) akmē vehementia (Trebizonda) vigor (Laurent)
f) peribolē circunductio (Trebizonda) circunductio ou amplitudo
(Laurent)
iii) kallos venustas ou pulchritudo (Trebizonda) elegantia ou
pulchritudo ou venustas (Laurent)
iv) gorgotēs celeritas (Trebizonda) concitatus sermo (Laurent)
v) ēthos affectio ou morata oratio (Trebizonda) morata oratio
(Laurent)
a) apheleia tenuitas ou infinitas (Trebizonda) simplicitas (Laurent)
b) glykytēs iucunda oratio (Trebizonda) suauitas (Laurent)
c) drimytēs acutus sermo (Trebizonda) acumen amp acrimonia ou
acrimonia (Laurent)
d) epieikeia modestus sermo (Trebizonda) moderata oratio ou
moderatio (Laurent)
e) barytēs obiurgatio (Trebizonda) Grauis onerosa ou onerosum
genus (Laurent)179
vi) alētheia ueritas (Trebizonda) natiua sincera oratio ou sinceritas
(Laurent)
vii) deinotēs grauitas (Trebizonda) solers amp apta eloquentia ou
appositum genus (Laurent)180
A movecircncia do vocabulaacuterio latino entre gecircneros e espeacutecies o emprego distinto
dos termos por distintos tradutores Gaspar Laurent e Jorge de Trebizonda evidencia
superposiccedilotildees descompassos interseccedilotildees dos usos que entrecortam as ideai tou logou
as formae orationis Isso se vecirc no leacutexico isso se vecirc na tabulaccedilatildeo e no arranjo ou no
rearranjo dos preceitos a despeito das variantes em todos os tratados referidos
179 Sigo o esquema de Gaspar Laurent sabendo que diferentemente Jorge Trebizonda preceitua
como forma especiacutefica de 180 Isto eacute gecircnero apropriado gecircnero conveniente
68
autorizados pelo nome de Hermoacutegenes Derradeiro exemplo fundado na leitura do Peri
ideōn que subsume a barytēs ao ēthos figura no tratado DellrsquoArte di Predicar Bene do
eclesiaacutestico Paolo Aresi (1574-1644) em impressatildeo milanesa de 1627
Figura 11 Dellrsquo Arte di predicar bene (1627)181
A tabula de Paolo Aresi por suas escolhas lexicais dista tanto das de Filiberto
Campanile como das de Giulio Camillo Delminio Dista sobretudo sabe-se por deslocar
181 Cf DellrsquoArte di predicar bene diuisa in due parti Nella quale oltre agraversquo precetti dersquo retori agrave questo
proposito applicati di danno nuoue regole per tesserordinatamente vna predica con vn trattato della
memoria amp vnrsquoaltro della imitatione e con alcune osseruationi retoriche sopra vna predica in lode di S
Tomaso dAquino DI MONSIG PAOLO ARESI PARTE SECONDAhellip In MIL Per Gio Batt Bidelli
1627 p 196
69
a barytēs traduzida como atrocitagrave e assim definida ldquoegrave lrsquoAtrocitagrave chiamata da alcuni
Aggrauamento amp egrave vna forma di lamentarasi сotilde isdegno e rimproueramento dersquo
beneficij fattirdquo (eacute a Atrocidade chamada por alguns Agravamento e eacute uma forma de
lamentar-se com desdeacutem e reprovaccedilatildeo dos benefiacutecios feitos)182 Ora Paolo Aresi faz ver
como em meio agrave tratadiacutestica italiana quinhentista e seiscentista natildeo mais soacute em latim
mas tambeacutem em toscano nos vernaacuteculos haacute variantes no uso retoacuterico das liccedilotildees de
Hermoacutegenes Nisso os letrados lusos Manuel de Galhegos no seacuteculo XVII e Jerocircnimo
Soares Barbosa no seacuteculo XVIII natildeo satildeo exceccedilatildeo
Parece claro que ambos coadunam Hermoacutegenes com Quintiliano De fato
Jerocircnimo Soares Barbosa acorre ao Peri ideōn para minuciar a Institutio oratoria Do que
propotildee o letrado luso conveacutem natildeo perder que as ldquoIdegraveasrdquo enquanto colores enquanto tons
que trazem modificaccedilotildees agrave triparticcedilatildeo estiliacutestica satildeo pensadas nas Instituiccedilotildees oratorias
de M Fabio Quintiliano como variantes subsumidas aos gecircneros parte ao ldquoestilo
Granderdquo parte ao ldquoestilo Mediocre e Subtilrdquo183 Assim tomando de perto a afirmaccedilatildeo
segundo a qual o orador (e o poeta) pode fazer enunciaccedilotildees distintamente isto eacute ora ldquode
forma grave severa acerba veemente raacutepida copiosa amargardquo (graviter severe acriter
vehementer concitate copiose amare) ora ldquode forma afaacutevel remissa sutil agradaacutevel
branda doce breve eleganterdquo (comiter remisse subtiliter blande leniter dulciter
breviter urbane) (cf QUINT XII 10 71) Jerocircnimo Soares Barbosa supotildee o
pertencimento dessas formas ora ao ldquoestilo Granderdquo ao ldquoestilo Mediocre e Subtilrdquo
Essa interpenetraccedilatildeo de categorias retoacutericas e poeacuteticas que faz das formas das
Idegraveas variaccedilatildeo dos ldquotres Estylosrdquo dos genera dicendi tem antecedentes em Jorge de
Trebizonda Leitor de Hermoacutegenes afirma no Rhetoricorum libri V que a elocutio
compotildee-se de duas partes uma a das figurae orationis outra a das dicendi formae Tal
como preceituadas as dicendi formae latinizam as ideai tou logou ao passo que as figurae
orationis satildeo detalhadas na seguinte triparticcedilatildeo (i) sublimis ou grauis ou grandis (ii)
182 Idem p 199 183 Cf Instituiccediloens oratorias de M Fabio Quintiliano escolhidas dos seus XII livros traduzidas em
linguagem e illustradas com notas criticas histoacutericas e Rhetoricas para uso dos que aprendem Ajuntaotilde-
se no fim as Peccedilas originaes de Eloquencia citadas por Quintiliano no corpo destas Instituiccediloens por
Jeronymo Soares Barboza Jubilado na Cadeira de Eloquencia e Poezia da Universidade de Coimbra
Tomo Segundo Em Coimbra Na Imprensa da Universidade M DCC LXXXX Com licenccedila da Real Meza
da Commissatildeo Geral sobre о Ехате e Censura dos Livros Foi taxado este Livro a novecentos e sessenta
reis em papel p 430
70
attenuata ou infima (iii) mediocris184 Ora talvez natildeo seja preciso iterar a triparticcedilatildeo
que se conhece de Quintiliano de Ciacutecero e da anocircnima Rhetorica ad Herennium que
reconhece Jerocircnimo Soares Barbosa eacute alheia agrave preceituaccedilatildeo de Hermoacutegenes Eacute Ciacutecero
sobretudo o tratadista a quem recorre Jorge de Trebizonda ao regular as trecircs figurae
orationis
Sabe-se no livro terceiro do De oratore Crasso alude agrave doutrina dos orationis
genera e emprega como sinocircnimos os substantivos ldquogenusrdquo e ldquofigurardquo (cf CIC De or
III 199 212)185 Os oradores conforme Crasso ora satildeo graues ora subtiles ora mantecircm
a moderaccedilatildeo que os afasta de um e outro gecircnero (cf CIC De or III 177) Poreacutem na voz
da personagem Ciacutecero natildeo define quais sejam esses genera nem busca compendiaacute-los ao
modo das artes sobretudo potildee em operaccedilatildeo essa doutrina porque em termos de decoro
ao diaacutelogo assim talvez convenha186 Trata-se do mesmo procedimento que se pocircde ler no
ldquoDiscurso Poeacuteticordquo de Manuel de Galhegos Ora doutrina exaustiva e definiccedilatildeo metoacutedica
do jargatildeo retoacuterico Jorge de Trebizonda entatildeo imita de outra obra que eacute para ele eacute bom
que se diga ciceroniana187 a Rhetorica ad Herennium No quarto livro ad Herennium
satildeo prescritos os gecircneros da elocuccedilatildeo oratoacuteria os quais se distinguem da seguinte
maneira
Sunt igitur tria genera quae genera nos figuras appellamus in quibus
omnis oratio non uitiosa consumitur unam grauem alteram
mediocrem tertiam extenuatam uocamus Grauis est quae constat ex
uerborum gravium leui et ornata constructione Mediocris est quae
constat ex humiliore neque tamen ex infima et peruulgatissima
uerborum dignitate Attenuata est quae demissa est usque ad
usitatissimam puri consuetudinem sermonis (Rhet Her IV 11)
Haacute trecircs gecircneros que denominamos figuras aos quais todo discurso natildeo
vicioso se reduz um chamado grave outro meacutedio e o terceiro tecircnue O
184 Cf Rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis Apud Ioannem Roigny uia
ad D Iacobum sub Basilico amp quatuor Elementis M D XXXVIII [1538] p 457 185 MONTEFUSCO L C ldquoCiceronian and Hermogenean influences on George of Trebizonds Rhetoricorum
Libri Vrdquo Rhetorica A Journal of the History of Rhetoric vol 26 No 2 Spring 2008 p 143 186 LEEMAN A D Orationis ratio The stylistic theory and practices os the Roman orators and
philosophers Vol 1 Amsterdam Adolf Hakkert 1963 p 121 FANTHAM E ldquoOn the Use of Genus-
Terminology in Cicerorsquos Rhetorical Worksrdquo Hermes Band Heft 4 1979 p 444 187 MONFASANI J George of Trebizond A Biography and a Study of his Rhetoric and Logic Leiden Brill
1976 p 300
71
grave eacute composto de palavras graves em construccedilatildeo leve e ornada O
meacutedio constitui-se de uma categoria de palavras mais humilde todavia
natildeo absolutamente baixa e comum O atenuado desce ao costume mais
usual da simples conversa
Jorge de Trebizonda lecirc a Rhetorica ad Herennium e reteacutem do Anocircnimo e de Ciacutecero
a identidade entre figura e genus de modo a conformar a primeira parte da elocutio A
segunda parte que abarca as dicendi formae entende filiaccedilatildeo comum agraves leituras de
Jerocircnimo Soares Barbosa a saber que formas sejam ideai que o latim forma bem traduza
o grego idea Ora jaacute o mostrou Lucia Calboli Montefusco Ciacutecero eacute autoridade
indispensaacutevel para que se entendam as escolhas de Jorge de Trebizonda na latinizaccedilatildeo
que o Rhetoricorum libri V empreende da doutrina de Hermoacutegenes 188 Ciacutecero eacute a
autoridade a mais antiga que fia o substantivo ldquoformardquo como traduccedilatildeo de idea e cuja
mediaccedilatildeo na acomodaccedilatildeo latina do termo grego empregue-se ou natildeo o jargatildeo filosoacutefico
de Platatildeo soa incontornaacutevel Recorde-se que no princiacutepio do Orator tatildeo logo indagado
por Bruto sobre o ldquogecircnero de eloquecircnciardquo (genus eloquentiae) mais excelente e perfeito
(cf CIC Or I 3) Ciacutecero figura ao responder orador nunca havido o summo orator
como perfeito como nunca visto nunca ouvido nunca percebido por qualquer sentido
tatildeo-somente compreendido pelo pensamento e pela mente 189 (cf CIC Or II 8) e
arremata
Vt igitur in formis et figuris est aliquid perfectum et excellens cuius ad
cogitatam speciem imitando referuntur eaque sub oculos ipsa [non]
cadit sic perfectae eloquentiae speciem animo videmus effigiem
auribus quaerimus Has rerum formas appellat ideas ille non
intellegendi solum sed etiam dicendi gravissimus auctor et magister
Plato (CIC Or II 9-10)
188MONTEFUSCO L C ldquoCiceronian and Hermogenean Influences on George of Trebizondrsquos Rhetoricorum
Libri Vrdquo Rhetorica A Journal of the History of Rhetoric Vol 26 No 2 (Spring 2008) p 142 189 Cic Or II 7-8 ldquoAtque ego in summo oratore fingendo talem informabo qualis fortasse nemo fuit Non
enim quaero quis fuerit sed quid sit illud quo nihil esse possit praestantius quod in perpetuitate dicendi
non saepe atque haud scio an numquam in aliqua autem parte eluceat aliquando idem apud alios densius
apud alios fortasse rarius Sed ego sic statuo nihil esse in ullo genere tam pulchrum quo non pulchrius
id sit unde illud ut ex ore aliquo quasi imago exprimatur quod neque oculis neque auribus neque ullo
sensu percipi potest cogitatione tantum et mente complectimurrdquo
72
Portanto assim como nas formas e figuras existe algo de perfeito e
excelente e de acordo com a imagem que dele concebemos
reproduzem-se por imitaccedilatildeo as coisas que natildeo estatildeo sob os nossos
olhos em espiacuterito vemos a imagem da eloquecircncia perfeita buscamos
com os ouvidos a sua efiacutegie A essas formas dos seres chama ldquoideiasrdquo o
ceacutelebre Platatildeo a fonte primeira e o mestre mais abalizado natildeo soacute da
reflexatildeo como tambeacutem do estilo190
Trata-se da defesa programaacutetica a do Orator amparada em Platatildeo da imitaccedilatildeo
de autores exemplares como praacutetica da arte oratoacuteria Trata-se ademais do
estabelecimento de um vocabulaacuterio platocircnico em latim cujo emprego seja legitimado por
Ciacutecero Conhecedor dos passos do romano Jorge de Trebizonda escreve serem as formaes
dicendi denominadas ideai em gregocf ldquode dicendi formis quae Graeligcegrave
uocamusrdquo escreve tambeacutem definirem-se da seguinte maneira ldquoForma eacute o gecircnero de
discurso adequado ao pensamento ao meacutetodo agraves palavras agrave composiccedilatildeo agraves mateacuterias
expostas e agraves pessoasrdquo cf ldquoForma est genus orationis sententia methodo uerbis
compositione rebus subiectis amp personis idoneumrdquo191
Na eleiccedilatildeo do termo a reduzir ldquoideardquo pouco dista dos Rhetoricorum libri V a liccedilatildeo
latina do De Dicendi generibvs siue formis orationum Libri II recorde-se ediccedilatildeo biliacutengue
de Hermoacutegenes conforme Johannes Sturm estampada em 1571 trata-se de ldquoformardquo As
ideai tou logou entendem-se como ldquoformae dicendirdquo (formas de dizer) ou ldquoformae
orationumrdquo (formas dos discursos) 192 em que os genitivos latinos ldquodicendirdquo e
ldquoorationumrdquo o primeiro geruacutendio que serve de flexatildeo ao infinitivo ldquodicererdquo e verte-se
ao portuguecircs ldquode dizerrdquo e o segundo substantivo plural que flexiona o nominativo
ldquooratiordquo e verte-se ao portuguecircs ldquodos discursosrdquo satildeo formas distintas e possiacuteveis de
traduzir o grego ldquotou logourdquo (ldquordquo no plural ldquordquo)
Ora ldquoforma orationisrdquo eacute escolha de traduccedilatildeo lida nas estampas latinas de
190 A traduccedilatildeo eacute Paulo Seacutergio de Vasconcelos apud LICHTENSTEIN J (Org) A pintura vol 4 o belo
Coordenaccedilatildeo de traduccedilatildeo Magnoacutelia Costa Satildeo Paulo Editora 34 2004 p 25 191 G Trapezuntii rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis apud Ioannem
Roigny uia D Iacobum sub Basilico amp quatuor Elementi MDXXXVIII [1538] pp 493 496 192 Cf Praeligfatio Ad Lectoremrdquo in Hermogenis Tarsensis rhetoris Acvtissimi De Dicendi generibvs siue
formis orationum Libri II Latinitate donati amp scholis explicati atque illustrati A Ioan Stvrmio Cum
Gratia amp Priuilegio Caeligsareo ad anno octo Excudebat Iosias Rihelius MDLXXI [1571] A partir de
agora De Dicendi generibvs siue formis orationum Libri II (1571) [p 5]
73
Hermoacutegenes compostas por Antocircnio Bonfine (1538) 193 e tambeacutem por Natale Conti
(1550)194 tradutor milanecircs da ediccedilatildeo da Basileia de Hermoacutegenes impressa sob o tiacutetulo
Hermogenis Tarsensis philosophi ac rhetoris acutissimi De Arte Rhetorica praecepta195
No ldquoPrefaacutecio ao leitorrdquo pertencente ao De Dicendi generibvs siue formis orationum Libri
II Johannes Sturm tradutor e comentador agrave luz de Juacutelio Cesar Escaliacutegero (1484-1558)
acentua tratar-se ldquoideardquo de termo platocircnico que eacute na doutrina de Hermoacutegenes equivalente
ao que Aristoacuteteles chama de ldquoespeacutecierdquo e ldquovirtuderdquo e outros ateacute de ldquolugarrdquo e ldquofigurardquo (cf
ldquoAb Aristotele ἀρετα ab alijs verograve apellanturrdquo)196
Pouco dista tambeacutem nesse aspecto prefaacutecio anterior de Johannes Sturm a epiacutestola ao
impressor Josias Richel (1525-1597) que abre o volume Hermogenis De formis
orationum tomi duo editado em 1555 em que o letrado afirma ser forma dicendi
equivalente aos vocaacutebulos ldquoideardquo empregado por Platatildeo e ldquoeidērdquo por Aristoacuteteles197 E
equivalente demais aos vocaacutebulos latinos modus genus e habitus dicendi empregados
por Ciacutecero e aos gregos kharaktēr () skhēma () e tropos ()198
Conforme Johannes Sturm a conclusatildeo eacute esta posto modificadas as palavras mantidas
as mesmas razotildees (cf ldquouerbis mutatis ratione eadem retentardquo) 199
Viu-se concordes ao traduzir o substantivo ldquoideardquopelo latim ldquoformardquo Antocircnio
Bonfine Natale Conti Johannes Sturm e Gaspar Laurent tecircm como antecedente no
seacuteculo XV Jorge de Trebizonda Semelhantemente da traduccedilatildeo e dos comentaacuterios de
Garpar Laurent pospostos ao texto que integra a ediccedilatildeo genebrina de Hermoacutegenes datada
de 1614 depreende-se que ldquoformardquo natildeo soacute traduz o grego idea como tambeacutem agrave maneira
193 Cf Hermogenis Tarsensis Philosophi ac Rhetoris acutissimi de Arte Rhetorica precepta Aphthonii
item Sophistaelig Praeligexercitamenta Antonio Bonfine asculano interprete Apud Seb Gryphivm Lvgdvni 1538 pp 149ss 194 Cf Hermogenis Tarsensis philosophi ac rhetoris acutissimi De Arte Rhetorica praecepta Aphtonii item
sophistaelig praxercitamenta nuper in Latinum sermonem versa a Natale de Comitibus Veneto Basileaelig apud
Petrum Pernam [1550] pp 155ss 195 No ldquoDiscurso sobre o poema heroicordquo Manuel Pires de Almeida menciona-o agrave maneira latina como
Natali Comiti em alusatildeo a outro tiacutetulo de sua autoria o Mythologiae siue Explicationis Fabularum (1581)
cf MUHANA A ldquoDiscurso sobre o poema heroico Comentaacuteriordquo REEL Revista Eletrocircnica de Estudos
Literaacuterios Vitoacuteria a 2 v 2 2006 pp 7 22 Mythologiae sive Explicationis Fabularum editou-se em
Frankfurt por Andreas Wechel filho de Christian Wechel editor de Hermoacutegenes cf KILLY W et alii
Dictionary of German Biography Volume 10 Thibaut - Zycha Muumlnchen De Gruyter 2006 p 381 196 De Dicendi generibvs siue formis orationum Libri II (1571) [p 5] 197 Cf Ω Hermogenis De formis orationum tomi duo
Argentorati apud haeredes Vuendelini Rihelij Anno 1555 [pp 3-4] 198 Idem ibidem 199 Idem [p 4]
74
de Jerocircnimo Soares Barbosa eacute tomado como sinocircnimo do helenismo ldquoideardquo200 no sentido
de ldquokharaktērrdquo de modo tal que sejam nessa liccedilatildeo traduccedilotildees possiacuteveis para ldquoidea tou
logourdquo os sintagmas latinos forma orationis (forma do discurso) Eloquentiae forma
(forma da eloquecircncia) ldea Eloquentiae (ideia da eloquecircncia) Idea sermonis (ideia do
discurso) ou genus dicendi (gecircnero do dizer)201 Gaspar Laurent o explicita
Constituitur autẽ Elocutio per 7 formas quas ipse vocat Ideas []
Vocatildetur autem Ideae sermonis notilde Platonicae sed sunt dicendi genera
characteres vel formae siue exẽplaria qualitatis orationis quae
vocatildetur ab Aristotele ἀρεταῖ virtutes ornamẽta Lumina
orationis []202
Ora constitui-se a Elocuccedilatildeo de 7 formas as quais ele [sc Hermoacutegenes]
denomina Ideias [] Ora satildeo denominadas Ideias do discurso [sc
sermo logos] natildeo satildeo platocircnicas mas gecircneros do dizer caracteres ou
formas ou exemplares da qualidade do discurso [sc oratio] os quais
satildeo denominados por Aristoacuteteles aretai tōn logōn [sc virtudes dos
discursos] virtudes ornamentos Lumes do discurso [sc oratio] []
Note-se que a liccedilatildeo propotildee o latim formae orationis como Manuel de Galhegos
propunha ldquofoacutermas de oraccedilaotilderdquo em equivalecircncia ao grego ideai tou logou Os comentaacuterios
do tradutor circunscrevendo o ensino latinizado das ideai ao acircmbito da elocuccedilatildeo
indiciam a movecircncia do leacutexico que traduz a preceptiva grega e ademais afirmam a grade
de equivalecircncias que sopesa o ensinamento as Ideae sermonis dizem-se natildeo soacute dicendi
genera characteres ou formae como jaacute referido mas tambeacutem aretai tōn logōn (ldquoἀρεταῖ
rdquo amiuacutede ditas ἀρεταῖ isto eacute virtudes da elocuccedilatildeo203) donde
200 Cf ldquoFuerunt nimirum haelig formaelig vel Idea propositaelig Perspicuitas Magnitudo Pulchritudo Celeritas
Moratum genus Verax Aptitudordquo ldquoIn Hermogenis tractatvm de ideis sive de formis eloqventiaelig Gasparis
Laurentij commentariusrdquo in Hermogenis
Ars Oratoria Absolutissima Et Libri omnes Cum noua Versione Latina egrave regione contextu Graeci amp
Commentariis Gasparis Lavrentii Coloniae Allobrogvm Apud Petrvm Avbertvm Anno MDCXIV [1614] 201 Cf ldquoIn Hermogenis tractatvm de ideis sive de formis eloqventiaelig Gasparis Laurentij commentariusrdquo in
Hermogenis Ars Oratoria Absolutissima Et Libri omnes Cum noua Versione Latina egrave regione contextu
Graeci amp Commentariis Gasparis Lavrentii Coloniae Allobrogvm Apud Petrvm Avbertvm Anno
MDCXIV [1614] p 120 202 Idem p 122 203 Cf LAUSBERG H Elementos de Retoacuterica Literaria Traduccedilatildeo prefaacutecio e aditamentos de R M Rosado
Fernandes 5ordf ediccedilatildeo Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 2004 p 119
75
as assimilaccedilotildees doutrinaacuterias filiem Hermoacutegenes a Aristoacuteteles e natildeo a Platatildeo Isto Gaspar
Laurent supotildee mesmo que o vocaacutebulo grego ldquoideardquo seja reconhecidamente caro a Platatildeo
e a seus seguidores natildeo eacute platocircnico o uso que dele faz Hermoacutegenes Itere-se o sermo
empregado para acomodar no latim e nos vernaacuteculos os preceitos retoacutericos do Peri ideōn
natildeo pendem de Platatildeo embora seja liacutecito supor que Platatildeo lido latinamente por Ciacutecero e
por Secircneca ou latinamente loquaz desde Ciacutecero no acircmbito da doutrina das ideias natildeo se
cala Natildeo se cala tanto porque eacute autoridade prestigiada e vigente como porque num certo
sentido falar de ideai eacute falar de Platatildeo mesmo que nem sempre seja falar com Platatildeo
Brevemente noutro sentido as aretai as liccedilotildees de poeacutetica e de retoacuterica gregas e
latinas o ensinam prescrevem-se como virtudes (virtutes forma plural de virtus) que
regulam o emprego artiacutestico dos efeitos elocutivos Conforme o capiacutetulo XXII da Poeacutetica
eacute virtude da lexis que seja clara (σαφ) sem que seja chatilde que seja peregrina sem que
seja enigmaacutetica ou mesmo baacuterbara Satildeo pois aristotelicamente normatizadas as variaccedilotildees
vocabulares que compensem com o emprego dos termos correntes os expedientes de lexis
rara A clareza portanto como liccedilatildeo de moderaccedilatildeo produz-se por meio de variaccedilotildees
controladas dos recursos lexicais e sintaacuteticos de composiccedilatildeo da elocuccedilatildeo poeacutetica Na
Poetica drsquoAristotele uulgarizzata de Ludovico Castelvetro impressa em Viena em 1570
pelo editor Gaspar Stainhofer mais precisamente na exposiccedilatildeo adjunta agrave referida liccedilatildeo
lembra bem o tradutor e comentador que a clareza pensa-se com Aristoacuteteles como
virtude proporcionada ao gecircnero de poema composto204 Ademais eacute virtude da lexis ser
adequada (τὸ ) A liccedilatildeo da Poeacutetica prevecirc que empregar adequadamente
(πρεπόντως) os vocaacutebulos peregrinos sobretudo as metaacuteforas eacute sinal de pendor do
poeta (cf ARISTOT Poet 22 1459 a 6) Empregaacute-los inadequadamente (ἀπρεπῶς) em
contrapartida de acordo com Aristoacuteteles se constitui como deformaccedilatildeo ridiacutecula (cf
ARISTOT Poet 22 1458 b 11 14 ldquoγελοῖονrdquo ldquoγελοῖαrdquo) cujo efeito pode-se depreender
das liccedilotildees da Retoacuterica eacute a lexisfriacutegida (ψυχρά) contrafaccedilatildeo viciosa da nobreza e da
ornamentaccedilatildeo do discurso (cf ARISTOT Rhet III 3 1)
Ora a filiaccedilatildeo que se estabelece entre formas e ideias comum ao ldquoDiscurso
Poeacuteticordquo de Manuel de Galhegos natildeo eacute estranha aos usos do portuguecircs letrado entre os
seacuteculos XVI e XVIII embora os registros de ambos os termos em fontes lexicograacuteficas
204 Cf Poetica dAristotele uulgarizzata et sposta per Ludovico Castelvetro Stampata in Vienna dAustria
per Gaspar Stainhofer lanno del Signore MD LXX [1570] p 260r
76
do tempo nem sempre a apontem no acircmbito das praacuteticas do discurso Jerocircnimo Cardoso
(1508-1569) no Dictionarium ex lusitanico in latinum sermonem de 1562 natildeo registra
o termo ldquoideardquo ou equivalentes em liacutengua portuguesa e avaliza o latinismo ldquoForma
Forma aeligrdquo205 O mesmo autor no Dictionarium latino lusitanicum amp vice versa lusitanico
latinu[m] ediccedilatildeo biliacutengue de Coimbra de 1570 elenca duas entradas para o latim forma
(i) ldquoForma aelig A figura ou forma de ccedilapateyrordquo e (ii) ldquoForma aelig A fermosurardquo206 e uma
para o correspondente vernaacutecular ldquoForma Forma aeligrdquo 207 tal como na estampa anterior
A ediccedilatildeo abona o latim ldquoIdea aelig A figura original da cousardquo 208 em registro platocircnico e
natildeo entende o helenismo ldquoideardquo ou equivalentes em liacutengua portuguesa A ediccedilatildeo lisboeta
de 1592 do Dictionarium latino lusitanicum et vice versa lusitanico latinum no que aqui
interessa reitera a de 1570209 As ediccedilotildees de 1601 de 1613 de 1619 de 1630 de 1643
de 1677 e de 1694 tambeacutem o fazem210
205 Hieronymi Cardosi Lamacensis Dictionarium ex Lusitanico in latinum sermonem Ulissypone ex
officina Ioannis Aluari 1562 p 61 206 Dictionarium latino lusitanicum amp vice versa lusitanico latinu[m] cum adagiorum fereacute omnium iuxta
seriem alphabeticam perutili expositione ecclesiasticorum etiam vocabulorum interpretatione noueacute
omnia per Hieronymu[m] Cardosum Lusitanum congesta recognita vero omnia per Sebast Stockhamerum
Germanum Qui libellum etiam de propriis nominibus regionu[m] populorum illustrium virorum adiecit
Conimbricae excussit Joan Barrerius 1570 p 74 207 Idem p 59 [sic] [p 49] Note-se que apoacutes a p 172 do Dictionarium latino lusitanicum amp vice versa
lusitanico latinu[m] a numeraccedilatildeo de paacutegina eacute reiniciada A indicaccedilatildeo aqui portanto considera o que se
pode compreender como segunda parte da obra em que o vocabulaacuterio eacute portuguecircs-latim 208 Idem p 85 209 Dictionarium latino lusitanicum et vice versa lusitanico latinum cum adagiorum fereacute omnium iuxta
seriem alphabeticam perutili expositione per Hieronymum Cardosum Lusitanum congesta recognita
vero omnia per Sebast Stokhamerum Germanum Qui libellum etiam de propriis nominibus regionum populorum illustrium virorum adiecit Adhuc noui huic ultimae impressioni adjuncti sunt varij loquendi
modi ex praecipuis auctoribus decerpti praesertim ex Marco Tullio Cicerone Olyssipone excussit
Alexander de Syqueira expensis Simonis Lopezij bybliopolae 1592 pp 72 82 49 210 Cf Dictionarium latino lusitanicum et vice versa lusitanico latinum cum adagiorum fere omnium iuxta
seriem alphabeticam perutili expositione Ecclesiasticarum vocabulorum interpretatione item de monetis
ponderibus et mensuris ad presentem usum accommodatis per Hieronymum Cardosum lusitanum
congesta recognita vero per Sebastianum Stokhamerum germanum Qui libellum etiam de propijs
nominibus regionum populorum illustrium virorum fluviorum montium ac aliorum complurium
nominum et rerum scitu dignarum historijs et fabulis poeticis refertum in usum et gratiam lusitanicae
pubis concinnavit et ex integro adiecit Adhuc noui huic ultimae impressioni adiuncti sunt varij loquendi
modi ex praecipuis authoribus decerpti praesertim ex Marco Tullio Cicerone Olyssipone excussit Antonius Alvares typographus 1601 pp 72 82 49 Repete-se a ediccedilatildeo anterior Cf Dictionarium latino
lusitanicum et vice versa lusitanico latinum cum adagiorum feregrave omnium juxta seriem alphabeticam
perutili expositione Ecclesiasticarum [sic] vocabulorum interpretatione item de monetis ponderibus et
mensuris ad presentem usum accommodatis per Hieronymum Cardosum lusitanum congesta recognita
vero omnia per Sebastianum Stokhamerum germanum Qui libellum etiam de proprijs nominibus regionum
populorum illustrium virorum fluviorum historijs amp fabulis poeticis refertum in usum amp gratiam
lusitanicae pubis concinnavit amp ex integro adiecit Adhuc novi huic ultimae impressioni adjuncti sunt varij
loquendi modi ex praecipuis auctoribus decerpti praesertim ex Marco Tullio Cicerone nunc denuo
amendarum colluvie qua scatebat diligenti lucubratione defaecatum Ulyssipone ex officina Petri
Crasbeeck 1613 pp 72 82 Cf Dictionarium latino lusitanicum et vice versa lusitanico latinum cum
adagiorum feregrave omnium iuxta seriem alphabeticam perutili expositione amp Ecclesiasticorum vocabulorum
77
Agostinho Barbosa (ca 1590-1649) no Dictionarium Lusitanico Latinum
estampado em Braga em 1611 itera Jerocircnimo Cardoso semelhantemente natildeo registra
ldquoideardquo ou equivalentes no vernaacuteculo e admite ldquoformardquo na seguinte acepccedilatildeo ldquoForma
Forma aelig Vt [sc como] formaelig sutorum formas de ccedilapateyro Horat 1 Serm Saty
3rdquo211 Bem se observa repete-se o exemplo o do sapateiro das ediccedilotildees biliacutengues de
interpretatione item de monetis ponderibus amp mensuris ad praesentem usum accomodatis per
Hieronymum Cardosum lusitanum congesta recognita vero omnia per Sebastianum Stokhamerum
germanum Qui libellum etiam de proprijs nominibus regionum populorum illustrium virorum fluviorum montium ac aliorum complurium nominum amp rerum scitu dignarum historijs amp fabulis poeticis refertum
in usum amp gratiam lusitanicae pubis concinnavit amp ex integro adiecit Cui hac ultima editione praeter
caetera hactenus alijs contenta in singulis nominibus et verbis suae inflexiones appositae sunt in
Dictionario lusitanico in latinum sermonem converso multa singulari studio et diligentia addita cum varijs
loquendi modis ex praecipuis auctoribus collectis aliaque ab innumeris pene erroribus non sine labore et
studio vindicata Ulyssipone Ex officina Petri Crasbeeck 1619 pp 72 82 301 Cf Dictionarium latino
lusitanicum et vice versa lusitanico latinum cum adagiorum fereacute omnium iuxta seriem alphabeticam
perutili expositione amp Ecclesiasticarum vocabulorum interpretatione item de monetis ponderibus amp
mensuris ad praesentem usum accomodatis Hieronymum Cardosum lusitanum congesta recognita vero
omnia per Sebastianum Stokhamerum germanum Qui libellum etiam de proprijs nominibus regionum
populorum illustrium virorum fluviorum montium ac aliorum complurium nominum amp rerum scitu dignatum historijs amp fabulis poeticis refertum in usum amp gratiam lusitanicae pubis concinnavit amp ex
integro adiecit Cui hac ultima editione praeter caetera hactenus alijs contenta in singulis nominibus amp
verbis suae inflexiones appositae sunt ac in Dictionario lusitanico in latinum sermonem converso multa
singulari studio amp diligentia addita cum varijs loquendi modis ex praecipuis auctoribus collectis aliaque
ab innumeris pene erroribus non sine labore amp studio vindicata Ulyssipone ex officina Petri Craesbeeck
1630 pp 72 82 301 Cf Dictionarium latino lusitanicum et lusitanico latinum cum aliquorum
adagiorum et humaniorum historiarum et fabularun perutile expositione item de Vocibus Ecclesiasticis
de ponderibus et mensuris et aliquibus loquendi modis pueris accommodatis per Hieronymum Cardozum
lusitanum Quod in hac ultima editione multis nominibus auctum et aacute pluribus erroribus ijsque turpissimis
quibus vel typographum incuriacirc vel correctorum maximacirc negligentiacirc abundabat expurgatum in lucem
damus Ulyssipone ex officina Laurentij de Anveres a custa de Domingos Carneiro mercador de livros
1643 pp 72 82 305 Cf Dictionarium latino lusitanicum et lusitanico latinum cum aliquorum Adagiorum et humaniorum historiarum et fabularum perutili exposition item de Vocibus Ecclesiasticis
de Ponderibus et mensuris et aliquibus loquendi modis pueris accomodatis per Hieronimum Cardozum
lusitanum Quod in hac ultima editione multis nominibus auctum et agrave pluribus erroribus ijsque turpissimis
quibus vel typographum incuriacirc vel correctorum maximaacute negligentiagrave abundabat expurgatum in lucem
damus Ulyssipone ex officina amp sumptibus Antonij Craesbeeck agrave Mello serenissimi principi typographi
1677 pp 142 163 608 Cf Hieronymi Cardosi Dictionarium latino-lusitanicum et lusitanico-latinum
quanta maxima fide ac diligentiagrave accuratissimegrave expurgatum adjectis Dictionariolis de vocibus
ecclesiasticis de ponderibus numismatis amp mensuris cunctis accesserunt etiam concinni loquendi modi
phrases amp adagia ex optimis authoribus decerpta item magna sylva nominum propriorum amp
appellativorum humaniorum historiarum populorum marium fluviorum montium urbium ventorum
syderum deorum etc Editio novissima in quagrave est itidem appositus Catalogus dictionariorum authorumque plurimorum qui tam de linguacirc latina quagravem de studiosis notitijs pertractarunt omnibus
grammatices professoribus perutilissimus Reverendissimo Domino D Georgio Cornelio archiepiscopo
Rhodiensi Ulyssipone typis amp sumptibus Dominici Carneiro trium Ordinum Militarium typographi
1694 p 90 103 88 Observe-se as ediccedilotildees de Jerocircnimo Cardoso estampadas na oficina de Pedro
Craesbeeck (ca 1552-1632) pai de Lourenccedilo impressor da Ulyssea ou Lisboa Edificada a saber as
ediccedilotildees do dicionaacuterio de 1613 1619 e 1630 contecircm nas paacuteginas de rosto gravura com trigrama da
Companhia de Jesus (IHS) 211 O verso de Horaacutecio eacute HOR S II 3 106 ldquosi scalpra et formas non sutor nautica velardquo
Dictionarium Lusitanico Latinum juxta seriem alphabeticam optimis probatisq doctissimorum auctorum
testimonijs perutili quadam expositione locupletatum cum Latini sermonis indice nec non libello uno
aliquarum regionum civitatum oppidorum fluviorum montium amp locorum quibus veteres uti solebant
78
Cardoso e explicita-se tratar-se de uso do poeta latino Horaacutecio Jaacute no Thesouro da lingoa
portuguesa do padre inaciano Bento Pereira (1606-1681) publicado em Lisboa em
1647 indica-se ldquoforma forma ae Modus i Habitus usrdquo ldquoforma de ccedilapateiro
Mustricola ae Forma aerdquo e tambeacutem ldquoIdea Forma ae Idea aerdquo212 Note-se o que
ressalta mais do que as semelhanccedilas com os verbetes referidos e o desdobramento
semacircntico do substantivo ldquoformardquo eacute o registro do helenismo ldquoideardquo ausente do
acolhimento de Jerocircnimo Cardoso Mais Bento Pereira fornece definiccedilotildees destes
vocaacutebulos em outra obra o Prosodia in vocabularium trilingue Latinum Lusitanicum
amp Hispanicum digesta213 Em estampa de 1653 o latim ldquoforma aerdquo define-se como ldquoA
figura ou formosurardquo e ldquoidea aerdquo platonicamente como ldquoA figura original da cousardquo o
que repotildee muito de perto Jerocircnimo Cardoso conforme as ediccedilotildees elencadas acima214 Em
estampa biliacutengue de 1723 muito distinta da anterior intitulada Prosodia in vocabularium
bilingue Latinum et Lusitanum digesta os verbetes em portuguecircs nada distam do que se
leu no Thesouro da lingoa portuguesa ldquoForma Forma ae Modus i Habitus ucircsrdquo
ldquoForma de ccedilapateiro Mustricola ae Forma aerdquo e mais ldquoIdecirca Forma ae Idea aerdquo Os
verbetes em latim mais detalhados nas definiccedilotildees que trazem satildeo estes ldquoForma ae f g
A forma figura fermosura forma ou cincho do queijo ou forma de ccedilapateiro regra
modo delineaccedilam cano de agua publica item papas de milho com mel Virg AElign 8rdquo e
ldquoIdea ae f g A idea primeira face forma das cousas forma do edificio figura original
ou mental exemplar ampc 1 l Cicrdquo215
O padre Carlos Folqman (ca 1704) contemporacircneo de Jerocircnimo Soares Barbosa
no Diccionario portuguez e latino impresso em Lisboa em 1755 propotildee natildeo soacute
ldquoFOacuteRMA f (figura) Forma ae Species eirdquo donde o substantivo ganha especificaccedilatildeo
omnia in studiosae inventutis gratiam amp usum collecta per Augustinum Barbosam Lusitanum Bracharae
typis amp expensis Fructuosi Laurentij de Basto 1611 p 553 212 Thesouro da lingoa portuguesa composto pelo Padre D Bento Pereyra da Companhia de Iesu
Portugues Borbano Lente que foy da primeira classe de Rhetorica em a Vniversidade de Euora amp hoje o
he da sagrada Theologia em a mesma Vniversidade Em Lisboa Com licenccedila da S Inquisiccedilam Ordinario amp del Rey Na officina de Paulo Craesbeeck amp agrave sua custa Anno de 1647 pp 54f 58v 213 Trata-se de obra impressa pela primeira vez em 1634 e seguidamente reimpressa A Biblioteca Nacional
de Portugal guarda exemplares de ediccedilotildees de 1653 1661 1674 1683 1697 1711 1723 1741 e 1750 A
ediccedilatildeo priacutencipe Prosodia in vocabularium trilingue Latinum Lusitanicum amp Hispanicum digesta
authore Benedicto Pereyra fecit sumptus Dominicus Pereyra da Sylva Eborae apud Emmanuelem
Carvalho 1634 214 Prosodia in vocabularium trilingue Latinum Lusitanicum amp Castellanicum digesta authore Doctore
P Benedicto Pereyra Societatis Iesu Cum facultate Inquisitorum Ordinarij amp Regis Vlissipone Ex
officina amp sumptibus Pauli Craesbeeck Anno Domini MDCLIII [1653] pp 105 112 215 Prosodia in vocabularium bilingue Latinum et Lusitanum digesta nona editio Eborae cum facultacircte
Superiocircrum ex Typographiacutea Acadeacutemiae Anno Doacutemini M DCC XXIII [1723] pp 82 89 359 422
79
de sentido no caso de ldquoFOacuteRMA (modo) A foacuterma do governo Administrandaelig Reipublicaelig
ratio oacutenis frdquo senatildeo tambeacutem ldquoFORMA f Focircrma (de sapateiro) Forma aelig f de
impressor Forma typographicardquo216 Ademais Carlos Folqman registra no vernaacuteculo
ldquoIDEA f Idea ae f Graec Cicrdquo 217 o que abona o verbete de Bento Pereira e eacute por ele
legitimado Essas definiccedilotildees a paacutegina de rosto do Diccionario portuguez e latino o
explicita dependem do trabalho de Raphael Bluteau (1638-1734) que fornece entre os
verbetes pesquisados os mais extensos No Vocabulario Portuguez amp Latino impresso
em Coimbra em 1728 o termo ldquoformardquo assim eacute definido
FORMA (Termo Philosophico) A forma essencial he o segundo
principio que unido com a materia compoem todos os corpos naturaes
Forma ae Fem
Foacuterma Figura Forma ae Fem Species ei Fem Figura ae Fem Cic
Tomar a forma ou figura de alguem Capere formam alicujus Plaut
Ter forma de homem Humana specie amp figura esse
Foacuterma (Termo Logico) Como quando se diz Pocircr hum argumento em
foacuterma Syllogismum ex dialecticae regulis ou praeceptis conficere
Argumentar em foacuterma Ex dialectices regulis argumentari
Foacuterma Modo de obrar em materias de engenho moraes amp politicas A
foacuterma do governo Administrandae Reipublicae ratio onis Fem ou
genus eris Neut Cicero diz Forma rerum publicarum Mudouse na
cidade a forma do governo Immutata est urbis facies Caesar Quando
Deos deu Forma ao governo do mundo Vieira Tom 1 477 Reduzir
Hespanha em Forma de Provincia Marinho Apologet discurs 23
Forma Disposiccedilaotilde amp compostura de partes a figura que se daacute a huma
cousa Forma ae Fem Formamentum i Neut Lucret Formatura ae
Fem He do Poeta Lucilio que diz Formaturaque abrorum parte
figurat Se chegar a receber alguma Forma o livro que tenho ideado
Vieira Tom 1 Epist ao Leytor pag 2
216 Note-se Carlos Folqman como Jerocircnimo Cardoso e Bento Pereira refere a ldquofocircrma de sapateirordquo Eacute
interessante o emprego dos acentos agudo e circunflexo que marcam graficamente a heterofonia entre
ldquofoacutermardquo x ldquofocircrmardquo 217 Diccionario portuguez e latino no qual as dicccedilotildees e frazes da lingua portugueza e as suas variantes
significaccedilotildees genuinas e metaforicas se achatildeo clara e distinctamente vertidas na latina e authorizadas
com exemplos dos authores classicos compilado do vocabulario do reverendo padre D Rafael Bluteau e
dos melhores diccionarios de varias linguas Por Carlos Folqman Lisboa na Officina de Miguel
Manescal da Costa Impressor do Santo Officio 1755 p 225
80
Forma Idea Imagem ampc Vid nos seus lugares A Forma da
Temperanccedila em El-Rey D Manoel o unico Varella Num Vocal pag
443
Foacuterma ou formalidade Certas regras estabelecidas pelas leys ou pelo
costume Faltar agraves formas Naotilde guardar as formas Formulacirc cadere ou
excidere Senec Epist 48 amp lib 2 de Clement cap 3 Testamento feito
com as divicircdas formas Justum testamentum Ulpian Vid Formula
Foacuterma (como quando se diz) sem mais outra forma de processo id est
com violencia amp sem proceder com os termos da justiccedila Ser cotildedenado
sem mais outra forma de processo Causacirc indictacirc damnari Sem outra
Forma de processo que a confissaotilde publica amp c Duart Rib na vida da
Princ Theodora Nullacirc aliacirc de causacirc quagravem propter publicam
confessionem ampc
Forma Modo de obrar de viver Guardar sempre a mesma forma de
vida Eandem semper vivendi rationem obtinere ou tenere Cic
Forma pela qual o sapateiro corta amp coze os sapatos Forma ae Fem
Assi lhe chama Horacio na 3 Satira do livro 2 vers 106 Si scalpra amp
formas non sutor ampc Tambem a forma de hum chapeo se pode chamar
Forma ae Fem
Forma como quando se diz Fazer alguma cousa pro forma ou propter
formam id est por ceremonia por comprimento Pozse de joelhos pro
forma amp pediolhe perdaotilde Ad speciem usurpatae formulae posuit
genua veniamque rogavit supplex
Forma (Termo de Impressor) He huma taboa em que se compoem a
letra conforma a ordem que se quer amp se impoem em huma rama de
ferro com suas guarniccediloens de paacuteo ao redor amp cunhos para apertar amp
sobre ella carrega o quadro Forma typographica ae Fem
Letra de forma Os moldes de que usa o impressor para exprimir no
papel as letras Litterarum typi orum Masc Plur Forma litterarum
que he de Quintiliano naotilde quer dizer isto (que no tempo deste Orador
ainda naotilde havia impressaotilde) mas quer dizer Forma amp figura das letras
81
Forma (Termo de engenho de assucar) Vaso de barro furado por baxo
no qual o assucar se purifica Vas argilaceum inferiori parte
perforatum in quo Saccharum expurgatur 218
Ora Raphael Bluteau maneja concordantemente o leacutexico o verbete repotildee e
esmiuacuteccedila definiccedilotildees referidas No campo das artes penetra-se a ldquoFormardquo segundo as
acepccedilotildees do Vocabulario Portuguez amp Latino em mediaccedilotildees aristoteacutelicas e platocircnicas
Em outras palavras ldquoformardquo eacute eidos como ldquoTermo Philosophicordquo que se emprega em
referecircncia a uma das quatro causas () do que haacute na doutrina de Aristoacuteteles a causa
formal (cf ARIST Phys 194b 16-195a 26 Met I 3 983a 25-32) Lendo o estagirita
ensina Secircneca a Luciacutelio nas epiacutestolas morais que ldquoidosrdquoeacute forma que se impotildee agrave
obra (cf SEN Ep 65 4 quae unicuique operi imponitur) tal qual na arte da escultura a
forma eacute imposta ao bronze fazendo da mateacuteria bruta prima estaacutetua donde escreva o
estoico ldquouma estaacutetua natildeo poderia ser rotulada de lsquodoryphorosrsquo ou de lsquodiadumenosrsquo se
natildeo apresentasse expressamente as respectivas caracteriacutesticasrdquo Ou seja se a primeira
estaacutetua natildeo figurasse ldquohomem segurando lanccedilardquo e a segunda ldquocabeccedila cingida por uma
fita ou diademardquo219
218 Vocabulario portuguez e latino aulico anatomico architectonico bellico botanico brasilico comico
critico chimico dogmatico dialectico dendrologico ecclesiastico etymologico economico florifero
forense fructifero autorizado com exemplos dos melhores escritores portugueses e latinos pelo padre
D Raphael Bluteau Coimbra no Real Collegio das Artes da Companhia de Jesu Com todas as Licenccedilas
necessaacuterias Anno Domini MDCCXIII [1713] pp 172-3 219 Cf SEacuteNECA L A Cartas a Luciacutelio Traduccedilatildeo prefaacutecio e notas de Joseacute Antoacutenio Segurado e Campos
Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 2004 pp 229-30 SEN Ep 65 3-6 ldquoToda a arte eacute imitaccedilatildeo da
natureza pelo que se pode aplicar o que eu disse em sentido geneacuterico agraves actividades proacuteprias do homem
Uma estaacutetua implica que haja uma mateacuteria agrave disposiccedilatildeo do artista mas exige tambeacutem um artista que decirc
forma a essa mateacuteria Numa estaacutetua portanto a mateacuteria eacute o bronze a causa eacute o escultor Todas as outras
coisas satildeo regidas pela mesma condiccedilatildeo todas exigem algo capaz de tomar uma forma e algueacutem capaz de
produzir essa forma Os estoicos satildeo de opiniatildeo que a causa eacute apenas uma o agente Aristoacuteteles entende que a causa se pode considerar de trecircs pontos de vista Diz ele lsquoA primeira causa eacute a proacutepria mateacuteria sem
a qual nada pode ser produzido a segunda eacute o artiacutefice a terceira eacute a forma imposta a cada objeto por
exemplo a uma estaacutetuarsquo A esta uacuteltima chama Aristoacuteteles ndash lsquoMas a estasrsquo ndash continua ele ndash lsquohaacute que
acrescentar uma quarta que eacute a finalidade da obra acabadarsquo Jaacute te vou explicar o que isto significa O bronze eacute a primeira causa da estaacutetua pois esta nunca poderia ter sido produzida se natildeo existisse algo capaz
de ser fundido e moldado A segunda causa eacute o artista [artifex] porquanto o bronze nunca tomaria a forma
de estaacutetua sem ser trabalhado por matildeos haacutebeis A terceira causa eacute a forma jaacute que uma estaacutetua natildeo poderia
ser rotulada de lsquodoryphorosrsquo ou de lsquodiadumenosrsquo se natildeo apresentasse expressamente as respectivas
caracteriacutesticas A quarta causa eacute a finalidade com que a estaacutetua foi feita se natildeo houvesse uma finalidade
natildeo haveria estaacutetua E o que se entende por finalidade Eacute o propoacutesito que moveu o artista o fim que ele
procurou atingir pode ser o dinheiro se fez a estaacutetua para a vender a gloacuteria se trabalhou para obter fama
o sentimento religioso se a fez para a doar a um templo Entre as causas de uma obra deve portanto figurar
aquilo que a motivou a menos que se entenda que natildeo eacute causa da obra aquele elemento sem o qual ela
nunca teria sido feitardquo [Omnis ars naturae imitatio est itaque quod de universo dicebam ad haec transfer
quae ab homine facienda sunt Statua et materiam habuit quae pateretur artificem et artificem qui materiae
82
Aristotelicamente a arte (τέχνη) eacute irredutiacutevel agrave mateacuteria (ὕλη) Afinal conforme
a Metafiacutesica o bronze natildeo faz a estaacutetua (ἀνδριάς) (cf ARIST Met I 3 984a 24) eacute uma
de suas causas a causa material a estaacutetua natildeo eacute a pedra (λίθος) eacute senatildeo de pedra
(λίθινος) (cf ARIST Met VII 7 1033a 7) A arte ndash as artes melhor seria ndash eacute irredutiacutevel
pois que eacute assim pensada teacutecnica de conformaccedilatildeo da mateacuteria a partir da qual se gera o
que haacute na alma como eidos Nesse caso no acircnimo o eidos eacute essecircncia eacute quididade220 (ldquoτὸ
τί ἦν εἶναιrdquo) das coisas todas e substacircncia primeira (ldquoπρώτην οὐσίανrdquo) (cf ARIST Met
VII 7 1032b 1-2)221 as quais se digam poiēsis pois que sejam artiacutesticas artificiais (cf
ARIST Met VII 7 1032b 17) O escultor andriantopoios como causa eficiente e motor
da transformaccedilatildeo ao conformar a mateacuteria (cf ARIST Met V 2 1013b 36) transfere a ela
o que guarda na alma222 Eacute nesses termos que se entende com Raphael Bluteau ldquoformardquo
como ldquoforma essencialrdquo
O escultor o artiacutefice enfim bem se veraacute ao informar a mateacuteria mira a adequada
ldquoDisposiccedilaotilde amp compostura de partesrdquo segundo os usos abonados por Raphael Bluteau
Comentador de Luiacutes de Camotildees decerto leitor de liccedilotildees concordes Manuel de Faria e
Souza (1590-1649) anos antes na ediccedilatildeo lisbonense poacutestuma das suas Rimas varias de
Luis de Camoens de 1685 articula os termos ldquoformardquo e ldquoformosurardquo conformemente
aos preceitos aduzidos semelhantemente ao verbete do Vocabulario Portuguez amp Latino
ao verbete do Dictionarium latino lusitanicum amp vice versa lusitanico latinu[m] de
Jerocircnimo Cardoso (1570)
daret faciem ergo in statua materia aes fuit causa opifex Eadem condicio rerum omnium est ex eo constant quod fit et ex eo quod facit Stoicis placet unam causam esse id quod facit Aristoteles putat
causam tribus modis dici lsquoprimarsquo inquit lsquocausa est ipsa materia sine qua nihil potest effici secunda opifex
tertia est forma quae unicuique operi imponitur tamquam statuaersquo Nam hanc Aristoteles idos vocat
lsquoQuarta quoquersquo inquit lsquohis accedit propositum totius operisrsquo Quid sit hoc aperiam Aes prima statuae
causa est numquam enim facta esset nisi fuisset id ex quo funderetur ducereturve Secunda causa artifex
est non potuisset enim aes illud in habitum statuae figurari nisi accessissent peritae manus Tertia causa
est forma neque enim statua ista lsquodoryphorosrsquo aut lsquodiadumenosrsquo vocaretur nisi haec illi esset impressa
facies Quarta causa est faciendi propositum nam nisi hoc fuisset facta non esset Quid est propositum
quod invitavit artificem quod ille secutus fecit vel pecunia est haec si venditurus fabricavit vel gloria si
laboravit in nomen vel religio si donum templo paravit Ergo et haec causa est propter quam fit an non
putas inter causas facti operis esse numerandum quo remoto factum non esset] 219 Cf ARIST Phys 194b 30-35 220 Considera-se que Santo Tomaacutes de Aquino verteu ao latim na Suma Teoloacutegica o grego ldquoτὸ τί ἦν εἶναιrdquo
por quidditas ou seja ldquonatura in materia corporali existensrdquo [natureza existente na mateacuteria corporal] (cf
Summa Theologiae i quaest 84 art 7) 221 Cf ARIST Met VII 7 1032 b 1-2 ldquoεἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίανrdquo 222 Cf PANOFSKY E Idea a evoluccedilatildeo do conceito de belo 2ordf ediccedilatildeo 2ordf tiragem Traduccedilatildeo de Paulo Neves
Satildeo Paulo Martins Fontes 2013 p 23
83
La proporcion de la forma es el fundamento de toda hermosura puede
una muger tener buen rostro y ser tan mal formada que no se pueda
llamar hermosa y al contrario hermosa se podraacute llamar siendo de
forma agradable aunque de rostro no lo sea tanto Esto sucede en todas
las fabricas no basta que una joya sea de oro y diamantes para ser
hermosa el modo con que esta labrada la haze estimable no basta que
un edificio sea de maacutermol alabastro diaspro oacute poacuterfido para ser
vistoso el ayre con que fue trazado es quien le ha de hazer mirar con
admiracioacuten y faltando este es todo nada223
A proporccedilatildeo da forma eacute o fundamento de toda formosura pode uma
mulher ter bom rosto e ser tatildeo mal formada que natildeo se possa chamar
formosa e ao contraacuterio formosa se poderaacute chamar sendo de forma
agradaacutevel ainda que de rosto natildeo o seja tanto224 Isto sucede em todas
as faacutebricas225 natildeo basta que uma joia seja de ouro e diamantes para ser
formosa o modo com que estaacute lavrada a faz estimaacutevel natildeo basta que
um edifiacutecio seja de maacutermore alabastro diaspro ou poacuterfido para ser
vistoso o ar com que foi traccedilado eacute o que lhe haacute de fazer mirar com
admiraccedilatildeo e faltando este [ar] eacute completo nada 226
A mateacuteria daacute valor agrave obra mas eacute o lavor da forma que a configura compotildee
formosuras e angaria estimas227 A bem dizer de acordo com Secircneca imposto o ldquoidos in
223 Rimas varias de Luis de Camoens priacutencipe de los poetas heroycos y liricos de Espantildea Ofrecidas al
muy ilustre sentildeor D Ivan da Sylva Marquez de Gouvea presidente del Dezembargo do Paccedilo y mayordomo
mayor de la Casa Real ampc Comentadas por Manuel de Faria Y Sousa Cavallero de la Orden de Christo
Tomo I y II Que contienen la primera segunda y la terceira Centuria de los Sonetos Lisboa Con
Privilegio Real En la Imprenta de Theotonio Damaso de Mello Impressor de la Casa Real Con todas las
licencias necessarias Antildeo de 1685 p 198 224 O exemplo faz pensar nos versos iniciais da Epistula ad Pisones discutidos no seguimento deste trabalho
ldquoHumano capiti ceruicem pictor equinam Jungere si uelit amp uarias inducere plumas Undique collatis
membris ut turpiter atrum Desinat in piscem mulier formosa superne Spectatum admissi risum teneatis
amicirdquo (HOR AP 1-4) 225 Isto eacute arte artifiacutecio lavor feitio 226 Traduccedilatildeo nossa 227 Leonardo (1452-1519) no paragone que contrapesa os meacuteritos e os demeacuteritos da escultura frente agrave
pintura ao afirmar ser a escultura de menor engenho que a pintura opera no vitupeacuterio argumento
amparado nestes mesmos termos que supotildeem a irredutibilidade da arte agrave mateacuteria ldquoRispondesi allo scultore
che dice che la sua scienza egrave piuacute permanente che la pittura che tal permanenza egrave virtuacute della materia sculta
e non dello scultore e in questa parte lo scultore non se lo deve attribuire a sua gloria ma lasciarla alla
natura creatrice di tale materiardquo [Se tu respondesses ao escultor que disse que a sua ciecircncia eacute mais
permanente que a pintura que tal permanecircncia eacute virtude da mateacuteria esculpida e natildeo do escultor e nesta
parte o escultor natildeo deve isso atribuir agrave sua gloria mas deixa-la agrave natureza criadora de tal mateacuteria] cf
Trattato della pittura di Lionardo da Vinci Tratto da un codice della Biblioteca Vaticana e dedicato alla
84
opere estrdquo isto eacute o idos ()estaacute na obra dela natildeo se arranca senatildeo que por abstraccedilatildeo
donde talvez possa em concordacircncia com Aristoacuteteles haver no acircnimo do artiacutefice (cf
ARIST Met VII 7 1032b 1-2) ao passo que por diferenccedila exterior agrave obra e anterior a
ela eacute a idea ldquoidea extra opus nec tantum extra opus sed ante opusrdquo (cf SEN Ep 58 21)
Essa distinccedilatildeo Secircneca assim desbasta imaginando compor retrato (imago) de Luciacutelio
afirma que o destinataacuterio ausente de suas liccedilotildees seja exemplar (exemplar) da pintura
(pictura) de quem extraia por observaccedilatildeo feiccedilatildeo (habitus) que se imponha agrave obra A
feiccedilatildeo eacute faacutecie (facies) eacute ideia (idea) que ensina e provecirc a imitaccedilatildeo (imitatio) do pintor
do artiacutefice (cf SEN Ep 58 19) Faz agrave mesma maneira eacute doutrina de Secircneca o pintor que
figure o poeta Virgiacutelio a feiccedilatildeo (facies) de Virgiacutelio eacute ideia (idea) eacute exemplar (exemplar)
de que o artiacutefice extrai o idos imposto agrave obra daiacute advinda (cf SEN Ep 58 20) Dessarte
para Secircneca como o idos a forma eacute causa do que haacute a idea tambeacutem o eacute228 Nesses
termos assentado em pressupostos semelhantes Raphael Bluteau define ldquoIdeardquo como
ldquoExemplar ou modello que alguem haacute de imitarrdquo
Deste modo pensada como incorpoacuterea e preexistente tambeacutem como imortal
imutaacutevel e inviolaacutevel (cf SEN Ep 58 19) a ideia penetra a forma no verbete ldquoForma
Idea Imagemrdquo Esta acepccedilatildeo pode-se pormenorizar e alastrar agrave luz do que traz o
Vocabulario Portuguez amp Latino em ldquoIDEA
maestagrave di Luigi XVIII Re di Francia e di Navarra Roma MDCCCXVIII [1817] Nella Stamperia de
Romanis Con licenza dersquo Superiori p 40 cf LICHTENSTEIN J The Blind Spot An Essay on the Relations
between Painting and Sculpture in the Modern Translation by Chris Miller Los Angeles Getty Research
Institute 2008 p 5 228 A iacutentegra do passo de Secircneca traz o seguinte (SEN Ep 58 19-20) ldquoQuid sit hoc idos attendas oportet
et Platoni imputes non mihi hanc rerum difficultatem nulla est autem sine difficultate subtilitas Paulo
ante pictoris imagine utebar Ille cum reddere Vergilium coloribus vellet ipsum intuebatur Idea erat
Vergilii facies futuri operis exemplar ex hac quod artifex trahit et operi suo imposuit idos est Quid intersit
quaeris Alterum exemplar est alterum forma ab exemplari sumpta et operi imposita alteram artifex
imitatur alteram facit Habet aliquam faciem statua haec est idos Habet aliquam faciem exemplar ipsum
quod intuens opifex statuam figuravit haec idea est Etiam nunc si aliam desideras distinctionem idos in opere est idea extra opus nec tantum extra opus est sed ante opusrdquo [Atenta com cuidado o que seja o
eidos e se a coisa te parecer difiacutecil de entender zanga-te com Platatildeo e natildeo comigo De resto qualquer
pensamento abstrato tem sempre a sua dificuldade Utilizei haacute pouco o exemplo do pintor Se este quisesse
representar Vergiacutelio numa pintura olharia para o proacuteprio Vergiacutelio A ldquoideiardquo era o rosto de Vergiacutelio o
modelo do futuro quadro a forma que dela o artista extrai e impotildee ao seu trabalho seraacute o eidos Natildeo
entendes qual eacute a diferenccedila A ideia eacute o modelo o eidos eacute a forma deduzida do modelo e imposta ao quadro
a ideia eacute aquilo que o artista imita o eidos aquilo que ele faz O proacuteprio modelo que o artista olhando-o
imprime agrave estaacutetua tem tambeacutem uma determinada forma eacute a sua ideia Se preferes uma outra explanaccedilatildeo
dir-te-ei que o eidos estaacute na proacutepria obra enquanto a ideia eacute exterior agrave obra e natildeo apenas exterior mas
ainda preacute-existente agrave obra] cf SEacuteNECA L A Cartas a Luciacutelio Traduccedilatildeo prefaacutecio e notas de Joseacute Antoacutenio
Segurado e Campos Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 2004 p 204
85
IDEA Ideacutea Derivase do Grego Eidos quer dizer Figura imagem
exemplar Idea Divina He a foacuterma amp o original (que os Theologos
admittem em Deos) ao qual o mundo na sua criaccedilaotilde foy como treslado
amp copia Mais clara amp diretamente Alguns dizem que as Ideas Diuinas
saotilde as creaturas que Deos fez em tempo em quanto desde a Eternidade
precedem na mente Divina naotilde formal mas objectivamente Outros
que saotilde a mesma Essencia Divina conhecida como participavel da
criatura Outros que segue o P Suares dizem que he o mesmo Verbo
Divino ou formal conceito essencial que Deos tem das criaturas como
possiveis porque (diz elle) Ideacutea naotilde he outra cousa senaotilde o exemplar
do artifice ao qual faz sua obra cotildeforme V G [sc ldquoverbi gratiardquo ldquopor
exemplordquo] quer hum Architecto formar hum edificio primeiro na sua
mente foacuterma hum conceito delle amp segundo este conceito ou imagem
vai architectando a obra exterior amp agrave quelle cotildeceito que dentro de si
formou chamamos Ideacutea este conceito em noacutes he distincto de noacutes mas
em Deos he indestincto de Deos porque Deos naotilde veacute foacutera de si cousa
alguma a cuja imitaccedilaotilde ou exemplarisaccedilaotilde haja de obrar mas em si tem
toda a razaotilde de obrar exemplar ou productiva
Suprema Idea Deos
O que vendo Garcia com feacute ardente
Assi fallou com a Suprema Idea
Piedoso Pay senhor omnipotente
Malaca conquist Livro 2 oit 87
Ideas de Plataotilde Segundo Alcino lib De doctrina Platonis he a
imagem exẽplar amp Prototypo eterno de todas as cousas criadas ampobras
da natureza ou a eterna amp perfeitissima intellecccedilaotilde divina He verdade
que Tertulliano chama agraves Ideacuteas de Plataotilde Misterios hereticos haeretica
idearum sacramenta amp conclue dizendo que as ditas ideas foraotilde a
sementeira dos erros dos Gnosticos In ideis Platonicis Gnosticorum
haeretica semina relucere Porem he certo que os primeiros Padres da
Igreja foraotilde Platonicos tanto assi que no livro settimo das suas
confissoens affirma S Agustinho que com os dogmas da Philosophia
Platonica se facilitara muyto a intelligencia das verdades Evangelicas
amp jaacute antes disso S Justino Martyr amp Clemente Alexandrino tinhaotilde
ditto que Plataotilde tivera alguma luz do mysterio da Santissima Trindade
Finalmente com mais clareza que todos os Philosophos que o
86
precederaotilde assentou amp provou Plataotilde que Deos naotilde obra acaso mas
conforme a idea que se propoem amp a Platonica especulaccedilaotilde desta idea
deu nome ao que propriamente chamamos ideas de Plataotilde Platonis
ideae
Idea Imagem de qualquer objecto exterior que por meyo de algum dos
cinco sentidos se representa no entendimento humano Idea ae Fem
Insita in animo rerum informatio onis Fem Species amp forma rerum
impressa amp quasi signata in animo Cic
Formar idea de alguma cousa Animo effingere aliquid Cic
Nem por conjectura pode o homem formar idea da divindade Deum ne
conjecturacirc quidem informare possumus Cic Neste lugar Cicero como
Gentio diz Deos em lugar de Deum
De todas as cousas formaotilde os homens no principio huma grosseira idea
Principio homines rerum quasi ad umbratas intelligentias animo ac
mente concipiunt Primacirc inchoatacirc amp rudi quandam intelligentiacirc res
quasque initio homines comprehendunt
Idea tambem se diz da imagem que o artifice foacuterma no entendimento
para a pocircr em obra Imago inis Fem Species ei Fem Em primeiro
lugar foacuterma o Architecto na sua imaginaccedilaotilde idea de hũ bizarro edificio
amp com ella dirige as operaccediloens da sua arte Architecti in mente primugravem
insidet species extruendi praeclari aedificij quaedam quam deinde
intuens in eaque defixus ad illius similitudinem artem manumque
dirigit Ou Exstruendi aedificij speciem universam primugravem architectus
in animo designat amp ex eacirc deinde specie totum opus exstruit Foacuterma o
Pintor Idea Vieira Tom I pag 390229
Idea Exemplar ou modello que alguem haacute de imitar Exemplar ou
exemplum alicui propositum ad imitandum
Formar dentro de si idea de hũ perfeito orador Perfecti oratoris
speciem amp formam adumbrare figurare animo effingere effigiem in
229 Raphael Bluteau neste passo refere o Orator de Ciacutecero em que o pintor Fiacutedias eacute exemplo da doutrina
e natildeo o arquiteto ldquoNec vero ille artifex cum faceret Iovis formam aut Minervae contemplabatur aliquem e
quo similitudinem duceret sed ipsius in mente insidebat species pulchritudinis eximia quaedam quam
intuens in eaque defixus ad illius similitudinem artem et manum dirigebatrdquo [E na verdade o ceacutelebre artista
ao dar forma a Juacutepiter ou Minerva natildeo contemplava ningueacutem que lhe servisse de modelo mas em sua
mente estava gravada uma espeacutecie de imagem de beleza ideal contemplando-a e nela fixado dirigia sua
arte e sua matildeo de acordo com aquele modelo] (CIC Or II 8-9) A traduccedilatildeo eacute Paulo Seacutergio de Vasconcelos
apud LICHTENSTEIN J (Org) A pintura vol 4 o belo Coordenaccedilatildeo de traduccedilatildeo Magnoacutelia Costa Satildeo
Paulo Editora 34 2004 p 25
87
animo designare informare imaginem ideam describere exprimere
simulachrum
Quereis formar idea de hum homem honrado olhai para vosso irmaotilde
Ornatissimi hominis designandi formam cupis fratris tui exemplo petas
oportet S Paulo Pregador das gentes deve ser a Idea dos pregadores
O Bispo do Porto Carta Pastoral do Porto230
Note-se o verbete abarca acepccedilotildees fundantes bastantemente entrelaccediladas Datildeo
lastro na cristandade ao Vocabulario de Raphael Bluteau as autoridades tanto de Santo
Agostinho (seacutec IV-V dC) leitor de Ciacutecero e de Platatildeo ciceroneamente interpretado
quanto de Satildeo Tomaacutes de Aquino (ca 1225-1274) comentador do bispo de Hipona Com
Santo Agostinho na Questatildeo 46 do De diversis quaestionibus octoginta tribos conhecida
como ldquoDe ideisrdquo aprende-se que as ideas nomeadas por Platatildeo (cf De ideis 1 ldquoIdeas
Plato primus appellasse perhibeturrdquo) e latinamente ditas formas ou species (cf De ideis
2 ldquoIdeas igitur latine possumus vel formas vel species dicererdquo) conforme o Orator (cf
CIC Or II 8-III 10) 231 sejam ldquocertas formas ou razotildees principais das coisas estaacuteveis e
imutaacuteveis que natildeo satildeo formadas e por isso satildeo eternas e se mantecircm sempre do mesmo
modo contidas na inteligecircncia divinardquo (cf De ideis 2 ldquoSunt namque ideae principales
quaedam formae vel rationes rerum stabiles atque incommutabiles quae ipsae formatae
non sunt ac per hoc aeternae ac semper eodem modo sese habentes quae divina
intellegentia continenturrdquo) 232 Satildeo Tomaacutes de Aquino na Questatildeo 15 da Primeira Parte da
Summa Theologica indaga (i) se haacute ideias (ii) se satildeo vaacuterias ou apenas uma e (iii) se haacute
230 Vocabulario portuguez e latino aulico anatomico architectonico bellico botanico brasilico comico
critico chimico dogmatico dialectico dendrologico ecclesiastico etymologico economico florifero forense fructifero autorizado com exemplos dos melhores escritores portugueses e latinos pelo padre
D Raphael Bluteau Coimbra no Real Collegio das Artes da Companhia de Jesu Com todas as Licenccedilas
necessaacuterias Anno Domini MDCCXIII [1713] pp 28-9 231 Cf Vocabulaire Europeacuteen des Philosophies Dictionnaire des Intraduisibles Sous la direction de
Barbara Cassin Paris Eacuteditions du Seuil Dictionnaires Le Robert 2004 p 1200 ldquoCrsquoest dans le texte de
lrsquoOrator (II 8-III-10) qursquoon trouve le premier teacutemoignage de lrsquousage de species pour eacutevoquer les formes
intelligibles Species (de mecircme famille que le gr skeptomai [σκέπτομαι] lsquoregarderrsquo) est employeacute avec la
signification preacutecise de lsquomodegravelersquo de lsquovisionrsquo perceptible seulement par la penseacutee cogitata species que
nous voyons par lrsquoesprit specimen animo uidemus Crsquoest le contexte qui lui donne son sens species est la
Forme du beau qui habite Phidias Avec species reacutepeacuteteacute troi fois Cicero preacutepare sans doute au moyen drsquoun
terme latin plus parlant la traduction technique de lrsquoidea platonicienne par forma Associeacute agrave forma le mot
species deacutesigne pour finir ce qui permet de garantir la proceacutedure dialectique le reacutefeacuterent intelligiblerdquo 232 Cf AGOSTINHO DE HIPONA ldquoAs ideias (de ideis)rdquo Discurso n 40 (2010) pp 379-380 A traduccedilatildeo eacute de
Moacyr Neves a partir da seguinte liccedilatildeo do texto latino AUGUSTINUS De diversis quaestionibus octoginta
tribus (q XLVI) A Mutzenbecher (ed) Corpus Christianorum Series Latina (CCSL) 44A
88
ideias de tudo o que eacute conhecido por Deus233 Agrave primeira questatildeo agrave luz de passo de
Agostinho234 responde que ideias haacute inscritas no intelecto divino apartando-se da liccedilatildeo
platocircnica segundo a qual as ideias existem por si 235 e afirma que idea em grego
equivalha agrave forma em latim de modo que seja forma de algo para aleacutem da proacutepria coisa
existente (ldquoforma autem alicuius rei praeter ipsam existensrdquo) seja como exemplar o
termo eacute caro agrave Epiacutestola 58 de Secircneca desconforme com os usos do Orator seja como
princiacutepio de cogniccedilatildeo das proacuteprias formas (ldquoprincipium cognitionis ipsiusrdquo)236 Entenda-
se que eacute exemplo privilegiado de Satildeo Tomaacutes de Aquino o construtor (aedificator) como
anaacutelogo de Deus que confere evidecircncia agrave ortodoxia da liccedilatildeo Deve o artiacutefice da casa
(artifex) concebecirc-la o todo e a parte como forma mentada (in mente aedificatoris) como
ideia preexistente agrave construccedilatildeo de maneira que tencione na mateacuteria (materia) a
semelhanccedila com a ideia (idea domus)237 Eacute exemplo que se lecirc em Raphael Bluteau muito
proximamente da Summa Theologica238
Nota-se ademais as liccedilotildees platocircnicas ou autorizadas como platocircnicas em
Raphael Bluteau tecircm mediaccedilatildeo do tratado De doctrina Platonis versatildeo latina
quatrocentista de Marsiacutelio Ficino (1433-1499) do Didaskalikos de Alcino (ca seacutec II
dC) inteacuterprete de Platatildeo Na traduccedilatildeo que fez o florentino do capiacutetulo IX da obra (Caput
IX De ideis amp de causa efficiente) conforme a ediccedilatildeo aldina de 1516 impressa em
Veneza Alcino precisa a idea relativamente a deus (ldquoad deumrdquo) como intelecto de deus
(ldquointellectio deirdquo) relativamente ao mundo sensiacutevel (ldquoad mundum uero sensibilẽrdquo) como
exemplar (ldquoexemplarrdquo) e relativamente a si mesma (ldquoad se ipsamrdquo) como essecircncia
(ldquoessentiardquo) de modo que daiacute defina a Idea como exemplar eterno das coisas feitas
233 Cf TOMAacuteS DE AQUINO ldquoSuma Teoloacutegica Primeira Parte Questatildeo 15 Sobre as Ideiasrdquo Discurso n 40
(2010) p 311 234 Passo em que Agostinho afirma (cf De ideis a) ldquotanta in eis vis constituitur ut nisi his intellectis sapiens
esse nemo possitrdquo isto eacute ldquosatildeo tatildeo importantes que ningueacutem pode ser saacutebio sem delas ter inteligecircnciardquo cf
AGOSTINHO DE HIPONA ldquoAs ideias (de ideis)rdquo Discurso n 40 (2010) p 379 235 Cf TOMAacuteS DE AQUINO ldquoSuma Teoloacutegica Primeira Parte Questatildeo 15 Sobre as Ideiasrdquo Discurso n 40
(2010) pp 312-313 cf OLIVEIRA C E deldquo ldquoIdeias formas rationes e species A Quaestio de ideis de Tomaacutes de Aquinordquo Discurso n 40 (2010) p 97 cf Cf Vocabulaire Europeacuteen des Philosophies
Dictionnaire des Intraduisibles Sous la direction de Barbara Cassin Paris Eacuteditions du Seuil Dictionnaires
Le Robert 2004 p 1202 236 Cf TOMAacuteS DE AQUINO ldquoSuma Teoloacutegica Primeira Parte Questatildeo 15 Sobre as Ideiasrdquo Discurso n 40
(2010) p 321 237 Idem pp 312 314 315 316 318 238 Cf Vocabulario portuguez e latino aulico anatomico architectonico bellico botanico brasilico
comico critico chimico dogmatico dialectico dendrologico ecclesiastico etymologico economico
florifero forense fructifero autorizado com exemplos dos melhores escritores portugueses e latinos
pelo padre D Raphael Bluteau Coimbra no Real Collegio das Artes da Companhia de Jesu Com todas
as Licenccedilas necessaacuterias Anno Domini MDCCXIII [1713] pp 28-29
89
segundo a natureza (ldquoDifiniũt autẽ Ideam exemplar aeternũ eorum quae secũdum
naturam fiuntrdquo) 239 Essa definiccedilatildeo observe-se verte ao latim o texto grego do
Didaskalikos ldquoHorizontai de tēn idean paradeigma tōn kata physin aiōnionrdquo
()240 A versatildeo de
Marsiacutelio Ficino eacute calcada na letra de Alcino A bem dizer todavia trata-se de Platatildeo lido
por Secircneca ldquoIdea est eorum quae natura fiunt exemplar aeternumrdquo isto eacute ldquoIdeia eacute
exemplar eterno das coisas feitas pela naturezardquo (cf SEN Ep 58 19)
A autoridade de Alcino e a definiccedilatildeo de idea trazida na versatildeo de Marsiacutelio Ficino
natildeo satildeo estranhas aos leitores de Francisco de Holanda (1517-1584) Referem-se no Da
pintura antiga obra que se sabe acabada na Quaresma de 1548 conhecida de manuscrito
de 1790 e publicada pela primeira vez tatildeo-somente em 1849 em francecircs241 Vale reter-lhe
a liccedilatildeo porque entrelaccedila semanticamente o termo ldquoideiardquo na exemplaridade da intelecccedilatildeo
divina eacute Ideia de Deus o que ideia o artiacutefice o pintor
A ideia na pintura eacute uma imagem que haacute-de ver o entendimento do
pintor com olhos interiores em grandiacutessimo silecircncio e segredo qual haacute-
de imaginar e escolher a mais rara e excelente que sua imaginaccedilatildeo e
prudecircncia puder alcanccedilar como um exemplo sonhado ou visto em o
ceacuteu ou outra parte o qual haacute-se de seguir e querer depois arremedar e
mostrar fora com a obra de suas matildeos propriamente como o concebeu
e viu dentro em seu entendimento
Esta ideia eacute maravilhosa nos grandes entendimentos e engenhos e agraves
vezes eacute tal que natildeo haacute matildeo nem saber que possa imitar nem igualar-se
com ela Dizem os filoacutesofos que o sumo inventor e imortal Deus
quando fez as suas obras tais como ele soacute entende e conhece que
239 O passo eacute o seguinte ldquoEst autem idea ad deum quidẽ intellectio dei Ad mundum uero sensibilẽ exemplar
ad se ipsam essentia Quicquid enim intelligẽtia fit ad aliquid referri necesse est quod quidem operis
exemplar erit quemadmodũ si aliquid ad aliquo fiat ut agrave me mei ipsius imago Etsi exemplar haud omnino sit ab agente seorsum ut quisq artifex in se ipso artificiorũ exẽpla concipiens horum deinde formas in
materiam explicat Difiniũt autẽ Ideam exemplar aeternũ eorum quae secũdum naturam fiuntrdquo cf De
Mysteriis Aegyptiorum Chaldaeorum Afsyriorum Proclus in Platonicum Alcibiadem de anima atque
daemone Proclus de sacrificio et magia Porphyrius de divinis adque daemonibus Synesius Platonicus
de somniis Psellus de daemonibus Expositio Prisciani et Marsilii in Theophrastum de sensu phantasia
et intellecta Alcinoi Platonici philosophi liber de doctrina Platonis Venetiis Aldi 1516 p 78 240 Cf SUMMERELL O F (Ed) et al Alkinoos Didaskalikos Lehrbuch der Grundsaumltze Platons Einleitung
Text Uumlbersetzung und Anmerkungen Sammlung wissentschaftlicher Kommentaumlre Berlin and New
York Walter de Gruyter 2007 pp 24-25 241 Cf NASCIMENTO C ldquoDa pintura antiga de Francisco de Holanda o encocircmio como gecircnero da prescriccedilatildeo
e da arterdquo Floema Caderno de Teoria e Histoacuteria Literaacuteria Nordm 1 (2005) pp 37-8
90
primeiro no seu altiacutessimo entendimento fez e teve os exemplos e ideias
das obras que depois fez e as viu antes de serem tatildeo perfeitos como
depois vieram a ser A este altiacutessimo pintor e capitatildeo nos preceitos
conveacutem seguir os pintores mais que alguns outros estudiosos e fazer o
mesmo exemplo e ideias no entendimento daquilo que desejamos que
venha a ser
Assim que a ideia eacute a mais altiacutessima coisa na pintura que se pode
imaginar dos entendimentos porque como eacute obra do entendimento e
do espiacuterito conveacutem-lhe que seja muito conforme a si mesma e como
isto se tiver ir-se-aacute alevantando cada vez mais e fazenso-se espiacuterito e
ir-se-aacute miszclar com a fonte e exemplar das primeiras ideias que eacute
Deus
E das ideias diz Alcinous filoacutesofo da doutrina de Platatildeo lsquoest autem
idea ad Deum quidem intelectio Dei ad Mundum vero sensibilem
exemplar ad se ipsam essentia quid enim intelligentia fit ad aliquid
referre necesse est quod quidem operis exemplar erit quem admodum
si aliquid ad aliquo fiat ut a me mei ipsius imago Et si exemplar haud
omnino sit ab agente seorsum ut quisque artifex in se ipso artificiorum
exempla concipiens horum deinde formas in materiam explicat
Difiniunt autem ideam exemplar aeternum eorum quae secundum
naturam fiunt 242
Firmada a autoridade platocircnica o que o corpo lexicograacutefico vernacular
brevemente compilado talvez indicie desde o seacuteculo XVI eacute o processo de incorporaccedilatildeo
ao sermo culto e letrado portuguecircs do helenismo ldquoideardquo O Grande Dicionaacuterio Houaiss
registra o termo em liacutengua portuguesa em 1543 Jaacute o etimoacutelogo Antocircnio Geraldo da
242 HOLANDA F de Da pintura antiga Introduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Joseacute da Felicidade Alves
Lisboa Livros Horizonte 1984 pp 43-4 Nesta ediccedilatildeo agrave pagina 102 sugere-se traduccedilatildeo ao passo em latim
ldquoA ideia eacute em relaccedilatildeo a Deus intelecccedilatildeo de Deus em relaccedilatildeo ao mundo sensiacutevel eacute modelo em relaccedilatildeo a si-mesma eacute a sua proacutepria essecircncia Efetivamente qualquer que seja a operaccedilatildeo intelectual forccediloso eacute que
tenha relaccedilatildeo com algo eacute esse o modelo da obra paradigma de como alguma coisa eacute feita por algueacutem tal
como a imagem de mim-proacuteprio eacute feita por mim E se eacute modelo natildeo seraacute totalmente distinto do sujeito que
o faz tal como sucede com qualquer artiacutefice ao conceber em si-mesmo os modelos das obras a realizar
para logo projectar na mateacuteria as formas das tais obras Define-se pois a ideia eacute o modelo eterno das coisas
que satildeo feitas de harmonia com a naturezardquo
Ora propocircs Cristiane Nascimento na medida em que o Da pintura antiga eacute obra de prescriccedilatildeo visto assim
ser a tratadiacutestica em que se regula a arte da pintura deve-se supor que natildeo soacute o trato de mateacuteria metafiacutesica
mas tambeacutem as referecircncias desta ordem de ldquofiloacutesofo da doutrina de Platatildeordquo operam-se como lugar de
autoridade que datildeo lastro ao que se prescreve cf ldquoDa pintura antiga de Francisco de Holanda o encocircmio
como gecircnero da prescriccedilatildeo e da arterdquo Floema Caderno de Teoria e Histoacuteria Literaacuteria Nordm 1 (2005) p 39
91
Cunha registra-o em 1572243 NrsquoOs Lusiacuteadas pode-se supor Evidentemente interessa
menos a primazia do que o uso No poema eacutepico de Luiacutes de Camotildees o Diccionario da
lingua portugueza de Antocircnio de Moraes Silva (1755-1823) impresso em 1789 jaacute o
aponta lecirc-se (Os Lusiacuteadas X 7)244
Com doce voz estaacute subindo ao ceo
Altos varotildees que estao por vir ao mundo
Cujas claras Ideas vio Protheo
Num globo vatildeo diaacutefano rotundo245
Ora as ideias que viu Proteu claras satildeo platocircnicas Ao menos de acordo com os
comentaacuterios de Manuel de Faria e Sousa (1590-1649) a esses versos ldquoEs Idea lo mismo
que la primera imagẽ o modelo de qualquier obra i Protheo esso quiere dezir
mateacuteriardquo246 Ou se generalizadas as consideraccedilotildees da Micrologia de Joatildeo Franco Barreto
(ca 1600-1674) de 1672 acerca do mesmo termo ainda que empregado em outro passo
do poema de Luiacutes de Camotildees 247
Mas para bem se entender que cousa seja Idea se deve saber que
Platam potildee tres principios de todas as cousas universaes a saber um
Deus a materia e as Ideas [] As Ideas sam formas e exemplares das
cousas essenciaes em a divina mente nela existentes ainda antes que
as cousas fossem criadas as quaes destas ideas trazem o seu ser e
243 Cf CUNHA A G da Dicionaacuterio Etimoloacutegico da Liacutengua Portuguesa 4ordf ediccedilatildeo revista e ampliada Rio
de Janeiro Lexikon 2010 p 347 244 Cf Diccionario da lingua portugueza composto pelo padre D Rafael Bluteau reformado e
acrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro Tomo primeiro A-K Lisboa Na
Officina de Simatildeo Thadeo Ferreira Anno M DCC LXXXIX [1789] Com licenccedila da Real Meza da
Comissatildeo Geral sobre o Exame e Censura dos Livros Vende-se na loja de Borel Borel e Companhia
quase defronte da Igreja nova da Nossa Senhora dos Martyres na esquina p 690 245 Cf Os Lusiadas de Luis de Camotildees Com Privilegio Real Impressos em Lisboa com licenccedila da Sancta Inquisiccedilatildeo e do Ordinario em casa de Antonio Gotildeccedilaluez Impressor 1572 p 162 246 Lusiadas de Luis de Camoens principe de los poetas de Espantildea Al Rey N S Felipe IV El grande
Comentadas por Manuel de Faria i Sousa Cavallero de la Orden de Christo i de la Casa Real Tomos
terceiro i quarto Antildeo 1639 Com privilegio En Madrid Por Iuan Sanchez Impressor A costa de Pedro
Coello mercador de libros p 309 247 BARRETO J F Micrologia camoniana Prefaacutecio de Aniacutebal Pinto de Castro leitura e integraccedilatildeo do texto
de Luiacutes Fernando de Carvalho Dias e Fernando F Portugal Lisboa Imprensa Nacional-Casa da Moeda
1982 pp 428-9 Joatildeo Franco Barreto comenta os versos seguintes (II 35) ldquoE por mais namorar o soberano
Padre de quem foy sempre amada amp cara Se lha presenta aszligi como ao Troyano Na selva Idea jaacute se
apresentagraverardquo cf Os Lusiadas de Luis de Camotildees Com Privilegio Real Impressos em Lisboa com licenccedila
da Sancta Inquisiccedilatildeo e do Ordinario em casa de Antonio Gotildeccedilaluez Impressor 1572 p 25
92
particular impressatildeo como a cera do seu sinete248
Os usos platocircnicos de modo concordante com os passos Manuel de Faria e Sousa
e de Joatildeo Franco Barreto desdobram-se no Vocabulario Portuguez amp Latino pois que
Raphael Bluteau ao propor que ldquoIdeacutea naotilde he outra cousa senaotilde o exemplar do artifice
ao qual faz sua obra cotildeformerdquo busca o Architecto como exemplo249 e faz agrave maneira de
Marsiacutelio Ficino como pode explicitar epiacutestola de data incerta do tradutor de Alcino
enderaccedilada ao poeta Giovanni Cavalcanti (1444-1509) cuja mateacuteria assim se resume
ldquoChe lrsquoIdee (secondo Platone) siano nella mente diuinardquo ou seja ldquoQue as Ideias
(segundo Platatildeo) estatildeo na mente divinardquo Lecirc-se o passo da epiacutestola tal como impressa em
1563 em traduccedilatildeo toscana de Felice Figliucci (1525-1590)
Il nostro Platone nel suo Timeo immitando Timeo Pithagorico e
approvando la sua opinione afferma il mondo esser generato da Iddio
e di questa generatione tre cagione adduce cioegrave la causa efficiente il
fine e lrsquoesemplare Peroche egli uuole che il mondo sia stato fatto dalla
Potenza di Iddio per cagione della sua bontagrave secondo lrsquoesemplare della
diuina sapiẽza Et cosi come in uno Architettore sono glrsquoesemplari
cosi di tutto lrsquoedificio come de le sue parti similmente in una diuina
intelligenza che egrave sopra al mondo uuole che siano gli esemplari di
tutto questo mondo amp delle sue parti e quella chiama intelligibile e
eterno e questo temporale e sensibile Gli esemplari di questo che in
quello sono le chiama Idee e le simiglianze di quello che in questo si
truouano le domanda imagini e ombre250
O nosso Platatildeo em seu Timeu imitando o Timeu pitagoacuterico e
248 Idem ibidem 249 Eacute exemplo que se lecirc tambeacutem na ediccedilatildeo oitocentista do Dictionarium Hispanum Latinegrave Versum de
Antocircnio de Nebrija ldquoUn arquitecto primero forma en su imaginacioacuten la idea de un excelente edificio por la qual despues gobierna su arte y operacioacuten Architecti in mente primugravem insidet species extruendi
praeclari aedificii quaedam quam deinde intuens in eaque defixus ad illius similitudinem artem
manumque dirigit Exstruendi aedificii speciem universam primugravem architectus in animo designat amp ex eacirc
deinde specie totum opus exstruitrdquo cf Antonii Nebrissensis VCL grammatici et regii chronograaphi
Dictionarium redivivum novissimegrave emendatum ac novis subinde accessionibus auctum locupletatum hellip
Opera et studio R P Fatr Ildephonsi Lopez de Rubinotildes Regii ac Militaris Ordinis Beatae Mariae de
Mercede Redemptionis Captiuorum Superiorum permissu Matriri apud Michaelem Escribano
Typographum Anno MDCCLXXVIII [1778] Sumptibus Regiae Societatis p 194 250 Cf Tomo I Delle diuine lettere del Gran Marsilio Ficino tradotte per M Felice Figliucci Senese
Nuovamente ristampate con due tauole la prima de i nome amp materie delle lettere amp lrsquoaltra delle cose piu
notabili Con privilegio In Venegia appresso Gabriel Giolito dersquo Ferrari MDLXIII [1563] p 36r-37v
93
aprovando a sua opiniatildeo afirma ser o mundo gerado por Deus e desta
geraccedilatildeo aduz trecircs razotildees a saber a causa eficiente a final e a exemplar
Porque ele quer que o mundo tenha sido feito da Potecircncia de Deus em
razatildeo da sua bondade segundo o exemplar da divina sabedoria E assim
como em um Arquiteto estatildeo os exemplares natildeo soacute de todo o edifiacutecio
mas tambeacutem de suas partes semelhantemente em uma divina
inteligecircncia que haacute sobre o mundo quer que estejam os exemplares de
todo este mundo e de suas partes e aquela se chama inteligiacutevel e eterna
e este temporal e sensiacutevel Os exemplares deste que naquela estatildeo
denomina-os Ideias e as semelhanccedilas daquele que neste se encontram
as denomina imagens e sombras 251
Os usos o explicitam o exemplo ilustra a noccedilatildeo de idea como teorizada em Platatildeo
ainda que cristatildemente interpretada no passo de Marsiacutelio Ficino Por analogia de proporccedilatildeo
sabe-se bem na mente divina haacute exemplares do mundo criado assim como na mente do
arquiteto haacute exemplares do edifiacutecio do todo e de suas partes inteligiacuteveis e eternas as
ideai as Idee como entes incorpoacutereos e inexistentes na natureza sensiacuteveis e temporais
as coisas mundanas geradas de Deus252 Eacute liccedilatildeo que se conhece em termos semelhantes
da Summa Theologica de Satildeo Tomaacutes de Aquino
O exemplo do arquiteto do artiacutefice de arte mecacircnica recurso de evidentia uacutetil a
filoacutesofos e a teoacutelogos da cristandade penetra a preceptiva de Hermoacutegenes na versatildeo
toscana de Filiberto Campanile e faz-se semelhantemente uacutetil ao retor alheio agrave doutrina
platocircnica poreacutem
Se nellrsquoa arti mechaniche non potragrave qualsiuoglia gran maestro dar
principio ad opera alcuna se prima notilde hauragrave cotilde pẽsieri fabbricatosi
nella mente lrsquoIdea o forma di quella perche nelle liberali non diremo
il medesimo auuenire a colui chrsquooratione o poema oacute altro che che sia
formar voglia senza reger lo stile secondo alcuna forma collocatasi
nella mente che srsquoa caso volesse andar ponendo insieme parole amp
ornamenti oratorij senza dubbio ignorante e stolto si dimostrerebbe
Fia dunque per tal cagion necessario lrsquohauere a conoscere quali e
251 Traduccedilatildeo nossa 252 Cf SANTOS M M ldquoArte dialoacutegica e epistolar segundo as Epiacutestolas morais a Luciacuteliordquo Letras Claacutessicas
Satildeo Paulo 1999 v 3 p 59
94
quante siano le forme dellrsquoEloquentia al che volendo noi dar principio
diremo lrsquoIdea ouer forma del parlare non esser altro chersquol genere di
quello atto e conueniente di sentenza di metodo di parole e di
compositione alle cose sottoposte amp alle persone cioegrave che la forma o
genere del parlare sia corrispondente e si conuenga per tutte le parte
predette alle cose sottoposte e alle persone delle quali si dee
ragione253
Se nas artes mecacircnicas natildeo poderaacute qualquer grande mestre dar iniacutecio a
obra alguma se natildeo tiver primeiro com pensamentos fabricado na
mente a Ideia ou forma desta [obra] por que nas liberais natildeo diremos
ocorrer o mesmo com aquele que discurso ou poema ou outro queira
formar sem reger o estilo segundo alguma [Ideia ou forma] colocada na
mente Porque se acaso quisesse andar pondo mesmas palavras amp
ornamentos oratoacuterios sem duacutevida ignorante e tolo se demonstraria
Donde seja por tal razatildeo necessaacuterio ter de conhecer quais e quantas
satildeo as formas da Eloquecircncia ao que querendo dar iniacutecio diremos ser
a Ideia ou forma do dizer senatildeo que o gecircnero deste apto e conveniente
de pensamento de meacutetodo de palavras e de composiccedilatildeo das coisas
referidas e das pessoas isto eacute que a forma ou gecircnero do dizer seja
correspondente e convenha por todas as partes preditas agraves coisas
referidas e agraves pessoas sobre as quais se deva abordar254
Filiberto Campanile manifesta no tratado LrsquoIdee overo Forme dellarsquoeloquentia
a interseccedilatildeo semacircntica que expande no Hermoacutegenes toscano o sentido de ldquoIdeardquo de
ldquoformardquo empregam-se os substantivos como sinocircnimos ora respeitantes ao que se
configura mentalmente ora respeitantes ao que se forja no estilo como ldquoIdea ouer forma
del parlarerdquo ou no plural como ldquoforme dellrsquoEloquentiardquo entrelaccedilados ambos os termos
o helenismo e o latinismo na praacutetica compositiva e nos fazeres de oradores e poetas que
fazem pender a forma discursiva da forma mentada Sem a mediaccedilatildeo sem a regecircncia da
conformaccedilatildeo mental o uso da palavra na escritura beira a ignoracircncia e a parvoiacutece de quem
desconhece as conveniecircncias do preceito
253 LrsquoIdee overo Forme dellarsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la Dotrina drsquoHermogene
e drsquoaltri Retori antichi In Napoli Apresso Gio Battista Sottile M DCVI [1606] Con Licenza dersquo
Superiori pp 5-6 254 Traduccedilatildeo nossa
95
Recorde-se tradutora da ediccedilatildeo do Peri ideōn que integra a Biblioteca Claacutesica
Gredos cujo tiacutetulo eacute o jaacute citado Sobre las formas de estilo Consuelo Ruiz Montero busca
discriminar as acepccedilotildees do substantivo grego ideano leacutexico de Hermoacutegenes Das
acepccedilotildees acolhidas a mais habitual na obra a estudiosa verte como ldquoforma de estilordquo e
observam os estudos introdutoacuterios agrave ediccedilatildeo supotildee semanticamente equivalente a
kharaktēr tal como preceituado por Dioniacutesio de Halicarnasso255 Eacute ademais acepccedilatildeo que
o A Greek-English Lexicon de Lidell-Scott registra como ldquoquality of style
(eg σαφήνεια γοργότης etc)rdquo256 Nesse sentido aponta Consuelo Ruiz Montero
vale-se tambeacutem Hermoacutegenes dos substantivos eidos ()e typos (ος) tomados os
trecircs termos idea eidos e typos de modo intercambiaacutevel como sinocircnimos257 Noutra
acepccedilatildeo Consuelo Ruiz Montero define natildeo sem imprimir acentuado personalismo agrave
preceptiva retoacuterica idea como ldquolsquoestilorsquo individual de un autorrdquo agrave maneira de ldquoestilo de
Platoacutenrdquo de ldquoestilo de Demoacutestenesrdquo Eacute acepccedilatildeo que se registra no A Greek-English
Lexicon como ldquostylerdquo O exemplo dos lexicoacutegrafos britacircnicos recolhido dos comentaacuterios
de Siriano Filoxeno agrave obra de Hermoacutegenes natildeo difere daquele que apresenta a estudiosa
eacute ldquoΠλατωνική Δημοσθενικὴ ἰrdquo (cf SYRIAN In Hermog 1112 R) isto eacute ldquoestilo
platocircnico demostecircnicordquo se aceitos os termos do verbete ldquordquo de Lidell-Scott No Peri
ideōn haacute exemplos como este ldquooti nyn estin ēmin peri tēs Platōnos ē Dēmosthenous ē
tou deinos ideas o logosrdquo (
) (cf HERM 214 24-215-1) as traduccedilotildees as mais recentes
natildeo distam na eleiccedilatildeo do vocaacutebulo a reduzir o genitivo plural ldquotēs ideasrdquo ()
Cecil W Wooten opta por ldquoour discussion will not be concerned with the style peculiar
to Plato or Demosthenes or any other writerrdquo Consuelo Ruiz Montero por ldquonuestra
exposicioacuten no va a tratar ahora del estilo de Platoacuten Demoacutestenes o cualquier outro autorrdquo
e ao cabo Michel Patillon por ldquonous ne parlons pas pour lrsquoinstant du style de Platon ou
de Deacutemosthegravene ou de tel autrerdquo Ou seja idea eacute para esses tradutores nesses casos ou
255 Aplica-se o substantivo idea nesta acepccedilatildeo ora com o genitivo grego ldquotou logourdquo ora com o dativo
ldquologoirdquo cf HERMOacuteGENES Sobre las formas de estilo Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Consuelo Ruiz
Monterto Madrid Editorial Gredos 1993 p 37 256 Isto eacute ldquoqualidade de estilordquo (por ex saphecircneia gorgotecircs etc) 257 Consuelo Ruiz Montero a partir do trabalho Studies in Hermogenes and Eustathios The Theory of Ideas
and Its Application in the Commentaries of Eustathios on the Epics of Homer (1977) de Gertrud Lindberg
contabiliza emprega-se no Peri ideōn na acepccedilatildeo a mais corriqueira idea 96 vezes eidos 63 vezes e typos
7 vezes cf Idem ibidem p 37 A obra de Gertrud Lindberg natildeo foi consultada para a elaboraccedilatildeo deste
trabalho
96
style ou estilo ou style Diga-se nessa acepccedilatildeo como na primeira Hermoacutegenes emprega
os substantivos eidosetypos como sinocircnimos Consuelo Ruiz Montero entende tambeacutem
idea e eidos como ldquotipo de estilordquo nos casos em que esses substantivos sejam
determinados por um genitivo ldquologourdquo antecedido ou natildeo de artigo ldquotourdquo A tradutora
abre-se agrave leitura de que logos compreenda-se como discurso embora afirme preferir o
termo ldquoestilordquo por assumir logos em casos assim como equivalente a lexis hermēneia
e kharaktēr Por fim Consuelo Ruiz Montero lecirc idea como espeacutecie ou gecircnero Eacute o que
observa em ldquoperi tēs ideas ekeinēs logourdquo () isto eacute
ldquosobre estes gecircneros de discursordquo (cf HERM 409 8) Destaca a tradutora ao castelhano
emprego semelhante lecirc-se ademais com o substantivo eidos assim como em ldquoto toiouton
tōn panēgyrikōn eidos logōnrdquo ()(cf
HERM 407 19-20) isto eacute ldquoen tal especie de discurso panegiacutericordquo ldquoin a certain kind of
panegyric speechrdquo ou ldquodans ce genre de discours paneacutegyriquesrdquo conforme Consuelo
Ruiz Montero Cecil W Wooten e Michel Patillon respectivamente Isto seja acatem-se
ou natildeo as diversas escolhas tradutoacuterias do Sobre las formas de estilo parece expliacutecito que
natildeo haacute no texto de Hermoacutegenes nem idea como exemplar suprassensiacutevel nem idea como
forma mental258
Esta derradeira acepccedilatildeo poreacutem ganha legibilidade nos usos que se fazem do Peri
ideōn desde o Quinhentos e o Seiscentos mostra-o bem Filiberto Campanile Mas natildeo
apenas Na medida em que se afirma que artiacutefices de artes mecacircnicas e liberais operam
por homologia exemplo bastante interessante encontra-se nos comentaacuterios a Vitruacutevio de
Daniele Barbaro (1513-1570) assim como propostos no tratado I Dieci libri
dellrsquoArchitettura di M Vitruvio estampado em segunda ediccedilatildeo em Veneza no ano de
1567 Nos comentaacuterios a normatizaccedilatildeo retoacuterica de Hermoacutegenes incide na regulaccedilatildeo
arquitetocircnica de Vitruacutevio259
Come le maniere del parlare che si chiamano idee sono qualitagrave
dellrsquooratione conueniente alle cose amp alle persone cosi le maniere
degli edificij sono qualitagrave dellrsquoarte conueniente alle cose amp alle
258 Cf HERMOacuteGENES Sobre las formas de estilo Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Consuelo Ruiz
Montero Madrid Editorial Gredos 1993 pp 35-39 259 A primeira ediccedilatildeo da obra data de 1556 Segundo Manfredo Tafuri eacute por volta de 1547 que Daniele
Barbaro inicia os estudos do tratado de Vitruacutevio cf TAFURI M Venice and the Renaissance Translated
by Jessica Levine Cambridge Massachusetts MIT Press 1995 p 96
97
persone260
Como as maneiras do dizer que se chamam ideas satildeo qualidades do
discurso convenientes agraves coisas amp agraves pessoas tambeacutem as maneiras dos
edifiacutecios satildeo qualidades da arte convenientes agraves coisas amp agraves pessoas261
Filiberto Campanile e Daniele Barbaro operam definiccedilotildees de idea semelhantes A
saber as idee para aquele satildeo maniere ldquogenere di quello atto e conveniente di sentenza
di metodo di parole e di compositione alle cose sottoposte amp alle personerdquo 262 para este
satildeo ldquoqualitagrave dellrsquooratione conueniente alle cose amp alle personerdquo 263 Itere-se maniera
natildeo eacute categoria estranha a Filiberto Campanile referindo-se agrave lucidezza (eukrineia)
emprega ldquomaniera di direrdquo agrave aspprezza (trakhytēs) ldquomanierardquo ao splendore (lamprotēs)
ldquomaniera di parlarrdquo agrave circuitione (peribolē) ldquomaniera di parlarerdquo por exemplo264 As
cose para um e para outro traduzem os oito stoikheia como prescritos no Peri ideōn (cf
HERM 218 18-26) Esses stoikheia genericamente ditos em italiano esquematizam-se
no tratado de Filiberto Campanile
260 Cf I Dieci libri dellrsquoArchitettura di M Vitruvio Tradotti amp commentati da Mons Daniel Barbaro eletto
Patriarca drsquoAquileia da lui riueduti amp ampliati amp hora in piu commoda forma ridutta In Venetia Appresso Francesco dersquoFranceschi Senese amp Giouanni Chrieger Alemano Compagni MDLXVII [1567]
p 36 261 Traduccedilatildeo nossa 262 Idem p 5 263 Cf I Dieci libri dellrsquoArchitettura di M Vitruvio Tradotti amp commentati da Mons Daniel Barbaro eletto
Patriarca drsquoAquileia da lui riueduti amp ampliati amp hora in piu commoda forma ridutta In Venetia
Appresso Francesco dersquo Franceschi Senese amp Giouanni Chrieger Alemano Compagni MDLXVII [1567]
p 36 264 Cf LrsquoIdee overo Forme dellarsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la Dotrina
drsquoHermogene e drsquoaltri Retori antichi In Napoli Apresso Gio Battista Sottile M DCVI [1606] Con
Licenza dersquo Superiori pp 22 46 52
98
Figura 4 LrsquoIdee ouero Forme dellarsquoeloquentia (1606) 265
Vale lembrar poreacutem que natildeo pende do Peri ideōn a definiccedilatildeo de idea O tratado
codifica as ideai tou logou mas natildeo as define266 Leitor privilegiado de Hermoacutegenes
Jorge de Trebizonda no Rhetoricorum libri V escreve serem as ideai em grego o que
latinamente se diz formae dicendicf ldquode dicendi formis quae Graeligcegrave uocamusrdquo
267 e as define ldquoForma est genus orationis sententia methodo uerbis compositione
rebus subiectis amp personis idoneumrdquo268 isto eacute ldquoForma eacute gecircnero do discurso adequado
ao pensamento ao meacutetodo agraves palavras agrave composiccedilatildeo agraves mateacuterias expostas e agraves
pessoasrdquo 269 Mostra-o Lucia Calboli Montefusco Siriano Filoxeno comentador de
Hermoacutegenes eacute autoridade de quem parece pender a definiccedilatildeo de idea ou de forma
265 Idem p 13 266 Cf MONTEFUSCO L C ldquoCiceronian and Hermogenean Influences on George of Trebizondrsquos
Rhetoricorum Libri Vrdquo Rhetorica A Journal of the History of Rhetoric Vol 26 No 2 (Spring 2008) p
146 267 Cf Rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis Apud Ioannem Roigny uia
ad D Iacobum sub Basilico amp quatuor Elementis M D XXXVIII [1538] p 493 268 Idem p 496 269 Traduccedilatildeo nossa
99
apresentada na liccedilatildeo de Jorge de Trebizonda e partir daiacute na de Daniele Barbaro no seacuteculo
XVI ou na de Filiberto Campanile no seacuteculo XVII Nas palavras de Siriano Filoxeno
idea eacute poiotēs logou eacute qualidade do discurso concordante () com o personagem
() e com a mateacuteria (πρᾶγμα) relativamente ao pensamento () agrave
dicccedilatildeo () a todo entrelaccedilamento (διαπλοκή) da harmonia () (cf Syrian I
2 16-19 Rabe) 270
Assim definidas as ideai saphēneia a primeira delas chiarezza na versatildeo italiana
de Filiberto Campanile eacute fundante no preceito porque afirma o retor grego natildeo haacute
discurso que natildeo precise ser claro (cf HERM 226 8-11) Deve-se ressaltar que o tratado
LrsquoIdee overo Forme dellarsquoeloquentia neste passo conduz agrave letra o preceito Leitores
seiscentistas de Hermoacutegenes poreacutem nem sempre acatam a disposiccedilatildeo da doutrina tal
como preceituada mesmo que natildeo a desabonem O valenciano Pedro Juan Nuntildeez (1522-
1602) leitor minucioso de Hermoacutegenes no tratado Institutionum rhetoricarum libri
quinque impresso e reimpresso em Barcelona em 1578 1585 e 1593 defende que seja
conveniente prescrever antes das demais ideai a magnitudo (sabe-se megethos) para que
se torne mais faacutecil o aprendizado da doutrina acrescenta apesar de o grego abordar
primeiro a perspicuitas termo que interpreta saphēneia por entendecirc-la necessaacuteria a todo
discurso (em latim ldquoquia ea in omni oratione est necessariardquo)271
Por um lado afirmar-se necessaacuteria a saphēneia significa supor que a
inteligibilidade do discurso eacute condiccedilatildeo de sua realizaccedilatildeo eficiente Entende-se que ldquosoacute o
que eacute compreendido pode ser criacutevelrdquo272 Por outro lado isso natildeo significa fazer da falta
de saphēneia a asapheia (ldquordquo oscuritagrave em Filiberto Campanile) um viacutecio uma
vez que por insuficiecircncia natildeo se peca quando se miram pretericcedilotildees subentendidos
ambiguidades imprecisotildees ou silecircncios convenientemente efetuados por meios artiacutesticos
Sabem bem oradores e poetas como satildeo por vezes bem-vindos nos discursos os usos de
formas alusivas (as ldquoἐμφάσειςrdquo enfasi em Giulio Camillo Delminio) e de questotildees
270 Apud MONTEFUSCO L C ldquoCiceronian and Hermogenean Influences on George of Trebizondrsquos
Rhetoricorum Libri Vrdquo Rhetorica A Journal of the History of Rhetoric Vol 26 No 2 (Spring 2008) p
149 ldquordquo 271 Cf Pet Iohan Nunnesii valentini Institutionum rhetoricarum libri quinque Editio tertia ceteris multo
correctior et locupletior exemplis Barcinone Cum licentia Ex typographia Sebastiani agrave Cormellas An
1593 p 303 272 Cf MARTINS P ldquoO paacuterodo de Fedra e a retoacutericardquo Letras Claacutessicas Satildeo Paulo 1999 v 3 p 201
100
figuradas (ldquordquo questione figurate em italiano273) (cf
HERM 240 24-241 5)274 As afirmaccedilotildees do Peri hermēneias atribuiacutedo a Demeacutetrio de
Falero satildeo taxativas nesse sentido e avalizam o preceito ldquoE ndash pelos deuses ndash ateacute mesmo
a falta de clareza em muitas ocasiotildees eacute veementerdquo (cf DEMETR 254
ldquoΚαὶ νὴ τοὺς θεοὺς σχεδὸν ἂν καὶ ἡ Πολλαχοῦ δεινότης ἐστίrdquo na traduccedilatildeo
seiscentista de Pietro Vettori ldquoEt per deos ferme vtique amp obscuritas multis locis grauitas
estrdquo275 )276 Enfim conforme os coacutedigos da obra retoacuterica de Hermoacutegenes eacute possiacutevel
presumir que a saphēneia eacute sim necessaacuteria como condiccedilatildeo para a recepccedilatildeo do discurso
trate-se de poesia ou natildeo277 no entanto concede-se que a asapheia seja efeito muitas
vezes decoroso e assim parecem sempre esclarecedoras as liccedilotildees do Peri hermēneias
frente ao tirano eunuco nunca eacute prudente enunciar clara e diretamente a palavra
ldquomutilaccedilatildeordquo (cf DEMETR 293) Essa concessatildeo Manuel Pires de Almeida no ldquoDiscurso
sobre o poema heroicordquo explicita distinguindo quatro sortes de obscuridade
ldquoobscuridade boardquo ldquoobscuridade louvadardquo ldquoobscuridade viciosardquo e ldquoobscuridade
alegoacuterica e prezadardquo
Acabo este discurso com advertir que haacute quatro obscuridades trecircs que
satildeo mui artificiosas e virtuosas e dignas de que se pratiquem sem as
quais natildeo pode haver boa poesia a 3ordf que eacute indigna desta arte
273 Cf Lrsquoidee ouero forme dellrsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la dottrina drsquoHermogene
e drsquoaltri retori antichi In Napoli apresso Gio Battista Sottile MDCVI Con licenza dersquo superiori p 8 274 Cf PATILLON M La theacuteorie du discours chez Hermogegravene le rheacuteteur essai sur les structures
linguistiques de la rheacutetorique ancienne Paris Les Belles Lettres 1988 pp 215-219 A oposiccedilatildeo entre
ήe lecirc-se assim traduzidas por Giulio Camillo Delminio ldquoDiremo adunque prima della
Chiarezza laquale prima habbiamo posta percioche tutto il parlare di questo trattato hagrave trattato bisogno
di chiarezza agrave cui egrave contraria la oscuritate amp alla quale sotto entrano queste due cioegrave cioegrave
puritate amp cioegrave cioegrave lucidezzardquo (cf HERM 226 8-12) Le Idee ouero Forme della oratione da
Hermogene considerate amp ridotte in questa lingua per M Giulio Camillo Delminio Friulano A queste
saggiunge lArtificio della Bucolica di Virgilio spiegato dal detto M Giulio Camillo Opere novamente
mandate in lvce da Gio Domenico Salomoni Al Sigr Andrea Sasso svo compare Co i Priuilegij dell sommo
Pontefice amp del Regrave Catholico amp con pena di scommunica Con Licenza dersquo Svperiori In Vdine M C XCIIII [1594] Apresso Gio Battista Natolini pp 4-5 275 Cf Petri Victorii commentarii in librum Demetrii Phalerei de elocutione Positis ante singulas
declarationes Graecis vocibus Auctoris ijsdemque ad verbum Latine expressis Additus est rerum et
verborum memorabilium index copiosus Cum P II IIII Pont Max Cosmi Medicis Florentianorum
Senensiumq Ducis ampAlphonsi Ferrariensium Ducis privilegijs ampliszlig per decennium Florentiae In
officina Iuntarum Bernardi F MDLXII p 221 276 Cf FREITAS G A DE Sobre o Estilo de Demeacutetrio Um olhar criacutetico sobre a Literatura Grega
(Traduccedilatildeo e estudo introdutoacuterio do tratado) Belo Horizonte [FL-UFMG] 2011 [dissertaccedilatildeo de mestrado]
p LV 277 Cf HANSEN J A A saacutetira e o engenho Gregoacuterio de Matos e Guerra e a Bahia do seacuteculo XVII 2ordf ed
rev Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial Campinas Editora da Unicamp 2004 p 321
101
vituperada dos saacutebios e seguida soacute dos ignorantes A primeira artificiosa
eacute a que nasce ou da alteza do conceito ou da induacutestria do poeta por
algum particular que repreende desta usaram muitos latinos e quase
todos os satiacutericos e em esta obscuridade e agudeza tiveram [] a
galantaria e sal Horaacutecio Marcial Juvenal Peacutersio e outros A segunda
obscuridade se origina da muita liccedilatildeo na qual natildeo tem culpa antes
merece grandes louvores e fl 635v excelecircncias e mui poucos o leitor
que por falto dela deixa de entender os poemas de Homero Virgiacutelio
Estaacutecio Lucano Claudiano e enfim os mais latinos e gregos usaram
desta obscuridade e satildeo claros aos homens doutos e lidos A terceira eacute a
viciosa e condenada que se produz da falta de invenccedilatildeo de confusatildeo
de engenho de ruim colocaccedilatildeo de conceitos intricados e dificultosos
da disposiccedilatildeo das palavras dos tropos das figuras da eleiccedilatildeo das coisas
et sic de coeteris Outra obscuridade haacute bem artificiosa e eacute a que se
inclui na alegoria mui frequentada na eacutepica e de grande louvor e
excelecircncia e primor nela e comum aos livros sagrados por donde
consegue o primeiro lugar Dixi 278
Como se observa ao modo das liccedilotildees do Peri ideōn e do Peri hermēneias o
ldquoDiscurso sobre o poema heroicordquo discrimina maneiras reguladas como conformes e
desconformes de efetuaccedilatildeo discursiva da obscuridade as ldquomui artificiosas e virtuosas e
dignas de que se pratiquemrdquo de um lado a ldquoque eacute indigna desta arte vituperada dos
saacutebios e seguida soacute dos ignorantesrdquo de outro Ora para falar com Leon Kossovitch natildeo
se trata de desfazer ldquoo primado da clareza sobre a obscuridaderdquo279 senatildeo de assentir no
gecircnero de poema heroico o bem fazer da obscuridade decorrente do conceito elevado e
do domiacutenio haacutebil e engenhoso da arte da poesia uacutetil ao vitupeacuterio que natildeo diz e natildeo pode
dizer agraves claras uacutetil aos satiristas como Horaacutecio Marcial Juvenal ou Peacutersio280 senatildeo
278 Cf MUHANA A ldquoDiscurso sobre o poema heroico Comentaacuteriordquo REEL Revista Eletrocircnica de
Estudos Literaacuterios Vitoacuteria a 2 v 2 2006 pp 11-12 279 KOSSOVITCH L Condillac luacutecido e transluacutecido Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial 2011 p 197 280 Evidentemente o vitupeacuterio natildeo eacute do ofiacutecio do poema heroico Citem-se as palavras de Francisco de
Cascales ldquoAl fin el Heroico que si bien en la grauedad y en la copia de los cotildeceptos tiene el primer lugar
y mayor excelẽcia con todo eso esparze pocas veces en su Poema cosas de moralidad porque no siẽdo su
oficio reprehender ni vituperar y no induziendo tampoco recitantes con porfiacuteas y contiendas antes siendo
su obligaciotilde nafrar hechos ilustres dignos de memoriardquo cf Tablas poeticas del licenciado Francisco
Cascales Dirigidas al Excelentiacutessimo Sentildeor D Francisco de Castro Conde de Castro Duque de
Taurisano Virrey y Capitaacuten general del Reyno de Sicilia Con privilegio En Murcia por Luis Beroacutes Antildeo
de 1617 p 142
102
tambeacutem de assentir o fazer bem da obscuridade estudiosa de poetas como Homero
Virgiacutelio Estaacutecio Lucano ou Claudiano que prescreve a discriccedilatildeo de ldquohomens doutos e
lidosrdquo como atributo de recepccedilatildeo conveniente e que proscreve como proacutepria de homens
vulgares e neacutescios incultos a falta do letramento que constroacutei a inteligibilidade desses
poetas e de seus poemas senatildeo ainda de assentir a obscuridade como efeito do uso da
alegoria procedimento conhecido dos livros eacutepicos e dos sagrados Por conseguinte
trata-se de natildeo tolerar a obscuridade que se afirma pendente da falta de domiacutenio artiacutestico
na composiccedilatildeo poeacutetica Itere-se ldquoque se produz da falta de invenccedilatildeo de confusatildeo de
engenho de ruim colocaccedilatildeo de conceitos intricados e dificultosos da disposiccedilatildeo das
palavras dos tropos das figuras da eleiccedilatildeo das coisas et sic de coeterisrdquo 281 donde resulte
que no dizer de Manuel Pires de Almeida a ldquoobscuridade viciosardquo seja intoleraacutevel por
sua ininteligibilidade e reconheccedila-se no ldquoestilo dificultoso o dos Cultos drsquooje condenado
por viciosordquo282
haacute alguns poetas que afetam tanto a obscuridade que querem qualificaacute-
la por verdadeira poesia e soacute usam do estilo dificultoso oraccedilotildees
desatadas palavras esquisitas translaccedilotildees nunca vistas locuccedilotildees
peregrinas tropos duplicados figuras e metaacuteforas mui continuadas e
sobretudo a colocaccedilatildeo das coisas e disposiccedilatildeo do argumento intricado
sem ordem nem arte nem claridade confesso que natildeo achei ateacute agora
autor saacutebio em esta arte que aprovasse doutrina tatildeo falsa e mal-fundada
antes muitos que condenam dos antigos e dos modernos infinitos
sisudos e mui doutos que se queixam e maldizem os primeiros
inventores desta seita a que vulgarmente chamam Cultos por ironia e
sendo assim que este modo de poetar dificultoso eacute o mais faacutecil de todos
porque soacute se anda agrave caccedila de palavras e figuras sem outras disposiccedilotildees e
advertecircncia283
Agrave guisa de exemplo entre os antecedentes da controveacutersia encerrada no ldquoDiscurso
sobre o poema heroicordquo vale rememorar que em missiva de 1613 da qual a Biblioteca
281 Cf MUHANA A ldquoDiscurso sobre o poema heroico Comentaacuteriordquo REEL Revista Eletrocircnica de Estudos
Literaacuterios Vitoacuteria a 2 v 2 2006 p 12 282 Indica-o Adma Muhana o presente de enunciaccedilatildeo do ldquoDiscurso sobre o poema heroicordquo situa-se entre
os anos de 1630 e 1640 cf Idem p 13 283 Idem p 11
103
Nacional de Espantildea guarda duas variantes autoacutegrafas uma delas datada de 30 de junho
expedida de Madri a D Luis de Goacutengora o letrado Pedro de Valencia (1555-1620)
escreve-lhe em censura da Faacutebula de Polifemo y Galatea e das Soledades em resposta agrave
carta de 11 de maio de 1613 hoje perdida na qual o poeta cordovecircs demandava o juiacutezo
criacutetico destas obras remetidas apensas ao letrado na correspondecircncia 284 Pedro de
Valencia repreende-lhe os poemas fundamentando-se em obras de retoacuterica como o Peri
hypsous do Pseudo-Longino o Peri hermēneias do Pseudo-Demeacutetrio de Falero e o Peri
syntheseōs onomaton de Dioniacutesio de Halicarnasso 285 pela demasiada confianccedila no
ingenio em detrimento da arte286 e pela ldquoafectacioacuten contraria a su [ingenio] naturalrdquo de
sorte que287
por huir y alejarse mucho del antiguo estilo claro liso y gracioso de
que vuesa merced soliacutea usar con excelencia en las materias menores
huye tambieacuten de las virtudes y gracias que le son proprias y no menos
284 Em 1989 Blanca Perintildeaacuten hispanista da Universitagrave di Pisa editou as duas liccedilotildees manuscritas da missiva
Natildeo satildeo poucas as variaccedilotildees Por conveniecircncia atenho-me apenas agrave versatildeo sem data a que informa a
estudiosa encontra-se na Biblioteca Nacional de Madri no ms 5585 (fls 165r-168v) Trata-se Texto A por
convenccedilatildeo O Texto B datado lecirc-se no ms 3906 (fls 64r-67r) Eacute como que uma minuta afirma Perintildeaacuten
cf PERINtildeAacuteN B ldquoUna vez maacutes la carta de Pedro de Valenciardquo in PERINtildeAacuteN B GUAZZELLI F (Org)
Symbolae pisanae Studi in onore di Guido Mancini Pisa Giardini 1989 vol II pp 447-467 285 Cf ACCORSI F ldquoPedro de Valencia y el Pseudo Longino sobre la recepcioacuten espantildeola del Peri hupsousrdquo
CRITICOacuteN 113 2011 p 66 286 Em Pedro de Valecircncia lecirc-se ldquoCon este recato religioso y con el amor y respeto que tengo a vuesa
merced digo que de tres cosas que deciacutean los estoicos que han de concurrir en un artiacutefice para que las
obras salgan perfetas que son 1 ingenio 2 arte 3 haacutebito o uso y experiencia la primera que es la naturaleza es la fundamental y principal y en la poesiacutea es casi el todo [hellip] A vuesa merced le pertenece
principalmente el loor del ingenio sobre todos los modernos y muchos de los antiguos y tambieacuten tiene en
grado muy aventajado la facilidad del uso y no niego a vuesa merced el arte ayudada de discrecioacuten y
prudencia natural que suple mucho por el arte y hace buena eleccioacuten Pero aconteacutecele a vuesa merced lo
que de ordinario a los que hallan en siacute muchas fuerzas naturales que confiados en ellas y llevados de su
iacutempetu con soltura descuidada no se dejan atar con preceptos ni encerrar con definiciones o aforismos
del arte ni aun con advertencias de los amigosrdquo [Com este recato religioso e com este amor e respeito que
tenho por Vossa Mercecirc digo que de trecircs coisas que diziam os estoicos que tecircm de concorrer em um artiacutefice
para que as obras saiam perfeitas que satildeo 1 engenho 2 arte 3 haacutebito ou uso e experiecircncia a primeira
que eacute a natureza eacute fundamental e principal e em poesia eacute quase o todo Agrave Vossa Mercecirc cabe o louvor do
engenho sobre todos os modernos e muitos dos antigos tambeacutem tem em grau muito avantajado a facilidade do uso e natildeo nego a Vossa Mercecirc a arte ajudada pela discriccedilatildeo e pelo engenho natural que supre muito da
arte e faz boa eleiccedilatildeo Poreacutem acontece a Vossa Mercecirc o que de ordinaacuterio aos que acham em si muitas forccedilas
naturais que confiados nelas e elevados por seu iacutempeto com soltura descuidada natildeo se deixam atar com
preceitos nem encerrar com definiccedilotildees ou aforismos da arte ou ainda com advertecircncias dos amigos]
Traduccedilatildeo nossa 287 A apologia da arte eacute lugar-comum Francisco de Cascales escreve no ldquoProacutelogordquo de suas Tablas poeticas
ldquosegũ Aristoteles el arte es aquella que da preceptos y ensentildea los caminos para no errar en aquello que
professamos Si esto es assi q les mueue a pensar q sin arte caminaragraven mejor que con ellardquo cf Tablas
poeticas del licenciado Francisco Cascales Dirigidas al Excelentiacutessimo Sentildeor D Francisco de Castro
Conde de Castro Duque de Taurisano Virrey y Capitaacuten general del Reyno de Sicilia Con privilegio En
Murcia por Luis Beroacutes Antildeo de 1617 sp
104
convenientes para las poesiacuteas maacutes graves Huye la claridad y
escureacutecese tanto que espanta de su leccioacuten no solamente al vulgo
profano sino a los que maacutes presumen de sabidos en su aldea 288
por fugir e afastar-se do antigo estilo claro liso e gracioso o qual Vossa
Mercecirc soiacutea usar com excelecircncia nas mateacuterias menores foge tambeacutem
das virtudes e graccedilas que lhe satildeo proacuteprias e natildeo menos convenientes
para as poesias mais graves Foge a clareza e escurece-se tanto que
espanta com sua eleiccedilatildeo natildeo soacute o vulgo profano senatildeo os que mais se
gabam de saacutebios em sua aldeia289
Os criteacuterios de Manuel Pires de Almeida no ldquoDiscurso sobre o poema heroicordquo e
de Pedro de Valencia na epiacutestola ao poeta satildeo afins Compreende-se a Faacutebula de
Polifemo y Galatea e as Soledades leem-se para o segundo nos termos do primeiro como
obras de poesia de ldquoobscuridade viciosardquo A resposta de D Luis de Goacutengora a este passo
de Pedro de Valencia datada de 30 de setembro de 1613 eacute conhecida e bastante citada
en dos maneras considero me ha sido honrosa esta poesiacutea si entendida
para los doctos causarme ha autoridad siendo lance forzoso venerar
que nuestra lengua a costa de mi trabajo haya llegado a la perfeccioacuten
y alteza de la latina a quien no he quitado los artiacuteculos como parece
a vuesa merced y esos sentildeores sino excusaacutedolos donde no eran
necesarios Y asiacute gustar[iacute]a me dijese en doacutende faltan o queacute razoacuten
dellas no estaacute corriente en lenguaje heroico (que ha de ser diferente del
de la prosa y digno de personas capaces de entenderlo) que holgareacute
de construiacuterselo aunque niego no poder ligar el romance a esas
declinaciones y no doy aquiacute la razoacuten coacutemo porque espero convencer
la pregunta que en esto vuesa merced me hiciere Demaacutes que honra me
ha causado hacerme obscuro a los ignorantes que esa es la distincioacuten
de los hombres doctos hablar de manera que a ellos les parezca griego
pues no se han de dar las perlas preciosas a animales de cerda290
288 Cf GOacuteNGORA Y ARGOTE L DE Obras completas edicioacuten de Juan Milleacute y Gimeacutenez Isabel Milleacute y
Gimeacutenez Madrid Aguillar 1967 p 1085 289 Traduccedilatildeo nossa 290 Cf ARANCOacuteN A M La Batalla en torno a Goacutengora seleccioacuten de textos Barcelona Antoniacute Bosch
1978 p 43
105
de duas maneiras considero me foi honrosa esta poesia [as Soledades]
se entendida pelos doutos ser-me-aacute motivo de autoridade sendo lance
forccediloso venerar que nossa liacutengua agrave custa de meu trabalho tenha
chegado agrave perfeiccedilatildeo e alteza da latina da qual natildeo retirei os artigos
como parece a Vossa Mercecirc e a esses senhores senatildeo dispensei-lhes
donde natildeo eram necessaacuterios E assim gostaria me dissesse onde faltam
ou que arrozoado delas natildeo estaacute corrente em linguagem heroica (que haacute
de ser diferente da da prosa e digna de pessoas capazes de entendecirc-la)
que folgarei em construiacute-la embora negue natildeo poder ligar o romance a
estas declinaccedilotildees e natildeo dou aqui a razatildeo como porque espero refutar a
pergunta que disso Vossa Mercecirc me fizer Demais que honra me causou
fazer-me obscuro aos ignorantes que esta eacute a distinccedilatildeo dos homens
doutos falar de maneira que a eles lhes pareccedila grego pois natildeo se haacute de
dar as peroacutelas preciosas a animais de pecirclo 291
No passo em questatildeo conforme a defesa de D Luis de Goacutengora o latinismo de
sintaxe da elipse de artigo sujeito discutido na epiacutestola e o da elipse de conjunccedilatildeo
integrante292 procedimento aiacute operado (ldquoconsidero me ha sidordquo ldquogustar[iacute]a me dijeserdquo)
pode-se aventar colaboram como recursos de uso linguiacutestico do lavor do poeta para
fazer a liacutengua de Castela rivalizar com o latim em ldquoperfeccioacuten y altezardquo293 e ademais
atravessam a conformaccedilatildeo da elocuccedilatildeo poeacutetica de lenguaje heroico feita de laconismos
e de obscuridades no gecircnero liacuterico das Soledades compostas sabe-se bem em registro
misto Recordem-se ainda os versos iniciais da Faacutebula de Polifemo y Galatea que
preceituam o estilo culto em poema de mateacuteria pastoril ldquoEstas que me dictoacute rimas
sonoras culta siacute aunque bucoacutelica Taliacutea []rdquo294 No mais mostra-o Joatildeo Adolfo
291 Traduccedilatildeo nossa 292 D Luis de Goacutengora afirma tendo as elipses em conta ldquoY no seacute en queacute fuerzas fiado me escribe una
carta maacutes que ingeniosa atrevida pues queriendo cumular mil fragmentos de disparates (como de diferentes duentildeos de donde infiero los tiene el papel) no supo organizarlos pues estaacuten maacutes faltos de
artiacuteculos y conjunciones copulativas que carta de vizcaiacutenordquo 293 A questatildeo da alteza e da perfeiccedilatildeo do castelhano volta agrave discussatildeo em outra missiva endereccedilada a D
Luis de Goacutengora Respuesta a las cartas de Luis de Goacutengora y Antonio de las Infantas y Mendoza de 16
de janeiro de 1614 294 Cf GOacuteNGORA Y ARGOTE L DE Faacutebula de Polifemo y Galatea 10ordf ed de Alexander A Parker Madrid
Catedra 2007 p 133 Joseacute Pellicer de Ossau Salas y Tovar comentador de D Luis de Goacutengora assim
define o adjetivo ldquoCultardquo ldquolimata perfeta de modo que aunque manege acciones rusticas las frases estegraven
colocadas com aseordquo Ao que acrescenta ldquoaunque Hesiodo Teocrito y Virgilio trataron de materias rudas
y del campo el estilo fue limado y culto que es lo mismo que cultiuado con decoro y propiedad Oy el
idiotismo de Espantildea toma esta voz culto para notar al que habla con metaforas desviaacutendose delo vulgar y
106
Hansen na apresentaccedilatildeo que abre Poesia Seiscentista volume que colhe da Fecircnix
renascida e do Postilhatildeo de Apolo parte da poesia de agudeza que essas coletacircneas
recolhem D Luis de Goacutengora emulando elocutivamente poetas latinos neoteacutericos como
Catulo na chave dos poetas alexandrinos por eles emulados opera ldquouma linguagem de
signos indiretos substituindo pela formulaccedilatildeo metafoacuterica periacutefrases e antiacuteteses
hermeacuteticas sublimes as formas diretas e claras do estilo humilderdquo em que as ldquoimagens
tendem para a siacutentese do epigrama pois satildeo simultaneamente sensoriais com efeitos
visualizantes e sentenciosas com o sentido equivocado em significaccedilotildees opostasrdquo 295
Do que resulta a obscuridad nesses termos seleciona doctos e ignorantes agrave recepccedilatildeo
adequada da obra poeacutetica Ora eacute conhecidiacutessima a sentenccedila de D Luis de Goacutengora
ldquoDeseo hacer algo no para los muchosrdquo296
Vale rememorar em outro estudo Joatildeo Adolfo Hansen diz dedicando-se agrave
compreensatildeo dos criteacuterios por meios dos quais a Epistula ad Pisones de Horaacutecio (seacutec I
aC) 297 regula o decoro de estilo que o par clarezaobscuridade revisto nos passos de
Hermoacutegenes mediante os termos gregos saphēneiaasapheia deva ser pensado como
paracircmetro diferencial e relativo de composiccedilatildeo e de recepccedilatildeo Disso reteacutem-se que clareza
e obscuridade se inscrevem entre as diferenccedilas elocutivas de gecircneros os mais variados e
satildeo relativas ao horizonte de destinaccedilatildeo das obras realizadas e aos modos de sua
circulaccedilatildeo se oralizado ou escrito se privado ou puacuteblico de modo que arbitrem modos
variaacuteveis de avaliaccedilatildeo das composiccedilotildees oratoacuterias e poeacuteticas298
Na fortuna de Hermoacutegenes variam os termos mormente latinos empregados por
para escarnecelle le llama cultordquo cf Lecciones solemnes a las obras de Don Luis de Gongora y Argote
Pindaro Andaluz Principe de los poeta liricos de Espantildea Escrivialas Don Ioseph Pellicer de Salas y
Tovar Sentildeor de la Casa de Pellicer y Chronista de los Reinos de Castilla Dedicadas al Serenissimo Sentildeor
Cardenal Infante Don Fernando de Austria MDCXXX [1630] Con Priuilegio en Madrid En la Imprenta
del Reino A costa de Pedro Coello Mercader de Libros p 9 295 Cf HANSEN J A ldquoFecircnix renascida amp Postilhatildeo de Apolo uma introduccedilatildeordquo in PEacuteCORA A (org) Poesia
seiscentista Fecircnix renascida amp Postilhatildeo de Apolo Satildeo Paulo Hedra 2002 p 40 296 Cf GOacuteNGORA Y ARGOTE L DE Obras completas edicioacuten de Juan Milleacute y Gimeacutenez Isabel Milleacute y Gimeacutenez Madrid Aguillar 1967 p 1224 297 Sabe-se a doutrina horaciana do ut pictura poesis expotildee-se entre os versos 361 e 365 da Epistula ad
Pisones Cito-os acompanhados de traduccedilatildeo de Marcos Marinho dos Santos ldquout pictura poesis erit quae
si propius stes te capiat magis et quaedam si longius abstes haec amat obscurum uolet haec sub luce
uideri iudicis argutum quae non formidat acumen haec placuit semel haec deciens repetita placebitrdquo
[ldquoComo a pintura a poesia Existiraacute a que se mais perto de ateacutens mais te cative e alguma se mais longe
te manteacutens esta ama o escuro sob a luz quer ser vista aquela que a agudeza arguta do juiz natildeo intimida
uma aprouve uma vez outra dez vezes repetida aprazeraacuterdquo] SANTOS M M ldquoO monstrum da Arte poeacutetica
de Horaacutecio Letras Claacutessicas Satildeo Paulo 2002 v 4 p 208 298 Cf HANSEN J A A saacutetira e o engenho Gregoacuterio de Matos e Guerra e a Bahia do seacuteculo XVII 2ordf ed
rev Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial Campinas Editora da Unicamp 2004 pp 321 323
107
tradutores e comentadores para interpretar saphēneia A soluccedilatildeo tradutoacuteria de Pedro Juan
Nuntildeez que faz uso do substantivo perspicuitas eacute uma entre tantas No Rhetoricorum libri
V de Jorge de Trebizonda eacute claritas definida como forma que faz puro e perspiacutecuo o
discurso (cf ldquoClaritas est quae facit puram amp perspicua orationemrdquo) 299 Puritas e
perspicuitas categorias anunciadas pelos adjetivos ldquopurusrdquo e ldquoperspicuusrdquo referem-se a
katharotēs e a eukrineia300 Na versatildeo latina de Antocircnio Bonfine (1538) os termos
escolhidos satildeo estes saphēneia interpreta-se como diluciditas ao passo que katharotēs
agrave maneira do que se lecirc no Rhetoricorum libri V verte-se como puritas e eukrineia como
elegantia 301 Eacute interessante notar o dicionaacuterio latino Le Grand Gaffiot na ediccedilatildeo
aumentada do ano 2000 registra uma uacutenica entrada do substantivo ldquodiluciditasrdquo em
sentido de ldquoclarteacuterdquo ldquoeacutevidencerdquo colhido em Boeacutecio (seacutec VI dC) (cf BOET Top Arist
8 2) Aventa-se portanto natildeo eacute vocaacutebulo que Antocircnio Bonfine tenha ido buscar na
autoridade do latim antigo A escolha pode constituir-se todavia por via da Rhetorica ad
Herennium no Anocircnimo o adjetivo ldquodilucidusrdquo emprega-se para referir um dos trecircs
atributos da narraccedilatildeo (Cf Rhet Her I 14 ldquoTres res conuenit habere narrationem ut
breuis ut dilucida ut ueri similis sitrdquo) A narraccedilatildeo natildeo eacute mateacuteria exclusiva do Peri ideōn
mas este passo indica ao inteacuterprete um equivalente latino possiacutevel de saphēs Na mesma
obra aprende-se que a elocuccedilatildeo deva conter elegantia e a ldquoElegantia est quae facit ut
locus unus quisque pure et aperte dici videaturrdquo (ldquoElegacircncia eacute o que faz com que certa
passagem pareccedila ser dita de forma pura e clarardquo)302 O Anocircnimo entende a elegantia no
domiacutenio da ornamentaccedilatildeo e do deleite como efeito elocutivo que se realiza mediante o
acordo entre a Latinitas pensada como propriedade de conformaccedilatildeo com os usos
abonados da liacutengua latina (o sermo) que a manteacutem pura livre de solecismos e
barbarismos303 e a explanatio pensada como figura de construccedilatildeo de oratio aperta e
299 Cf Rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis In Officina Christiani
Wecheli M D XXXVIII [1538] p 497 300 Isto eacute purity pureza pureteacute) e distinctness nitidez netteteacute) 301 Cf Hermogenis Tarsensis Philosophi ac Rhetoris acutissimi de Arte Rhetorica precepta Aphthonii item Sophistaelig Praeligexercitamenta Antonio Bonfine asculano interprete Apud Seb Gryphivm Lvgdvni
1538 p 158 302 Traduccedilatildeo de Faria amp Seabra 303 A Grammatica da lingua Portuguesa de Joatildeo de Barros assim define barbarismo e solecismo ldquoNam
soacutemẽte temos ẽ acotildestruiccedilatilde das partes da noacuteszliga grammaacutetica as ręgras que atraacutes uimos mas ainda algũas
figuras e uiccedilios que assy na faacutela como na escritura cometemos Figura (segũdo definiccedilatilde de Quintiliano) ę
hũa foacuterma de dizer per algũa arte noacuteua Estas figuras se diuidẽ ẽ dous gecircneros de que depẽdẽ muitas
especcedilias Ao primeiro uiccedilo chamamos Baacuterbarismo e o segũdo Solaeligccedilismo Baacuterbarismo ę uicio que se
comęte na escritura de cada hũa das partes ou na ᵱnũciaccedilatilde E ẽ nenhuatilde paacuterte da tęrra se comęte mais esta
figura da ᵱnũciaccedilam q nestes reinos por causa das muitas naccedilotildees q trouxęmos a iugo de noacutesso seruiccedilo
Por q bem como os gregos e Roma auiatilde por baacuterbaras todalas outras naccedilotildees estranhas aelles por natildem
108
dilucida discurso inteligiacutevel e liacutempido na traduccedilatildeo de Faria amp Seabra resultante do
emprego de vocabulaacuterio corrente e proacuteprio (cf Rhet Her IV 12 17)
Ora dadas as concordacircncias eacute possiacutevel que desses passos da Rhetorica ad
Herennium provenham as escolhas de vocabulaacuterio de Antocircnio Bonfine que fazem divergir
do Rhetoricorum libri V de Jorge de Trebizonda as liccedilotildees do Hermogenis Tarsensis
Philosophi ac Rhetoris acutissimi de Arte Rhetorica precepta Aphthonii item Sophistaelig
Praeligexercitamenta As divergecircncias natildeo se limitam a essas ediccedilotildees todavia Vale arrolaacute-
las Na ediccedilatildeo de Natale Conti (1550) saphēneia eacute perspicuitas katharotēs eacute puritas e
eukrineia eacute distinctio Na ediccedilatildeo de Estrasburgo de Hermoacutegenes (1555) em grego a
epiacutestola de Johannes Sturm ao impressor Josias Rihel articula o adjetivo ldquoapertumrdquo ao
substantivo saphēneia304 Na estampa biliacutengue de 1571 do mesmo impressor Johannes
Sturm adota soluccedilotildees equivalentes agraves de Jorge de Trebizonda e emprega claritas ou oratio
aperta no sentido de saphēneia puritas no de katharotēs e perspicuitas no de
eukrineia 305 Por fim Garpar Laurent em 1614 como se viu proacuteximo de Antocircnio
Bonfine sem acatar-lhe as escolhas verte saphēneia como perspicuitas katharotēs como
puritas ou sermo purus e eukrineia como dilucidus sermo ou dilucidum genus306
Ora o exame comparativo destas versotildees mostra que saphēneia pode interpretar-
se como claritas ou diluciditas ou perspicuitas ou oratio aperta ou dilucidus sermo ou
dilucidum genus ao passo que por consenso katharotēs interpreta-se como puritas e
eukrineia como perspicuitas ou elegantia ou distinctio Neste conjunto de ediccedilotildees de
tradutores diversos redigidas e impressas entre princiacutepio do seacuteculo XV e princiacutepio do
seacuteculo XVII nem sempre Hermoacutegenes fala o mesmo latim Natildeo se espera que falasse
nem a movecircncia do leacutexico tradutoacuterio deve obliterar a koinē retoacuterica compartilhada pelos
inteacuterpretes do Peri ideōn O que se opera eacute a latinizaccedilatildeo do corpo teoacuterico de Hermoacutegenes
poderẽ formaacuter uma linguaacutegẽ assy noacutes podemos dizer que as naccedilotildees de Africa Guine Asia Brasil
baacuterbarizam quando quęrẽ imitaacuter a noacutessa E leixatildedo as figuras e uiccedilios poeticos trataremos soacutemẽte
daqueles per que mais comũmente falaacutemos ẽ oacuteraccedilatilde soluta por que como iaacute disse quando tratey do accedilẽto
as cousas q cotildepętem aos poetas ficaratilde pera quando for restituido a este reino o uso das troacuteuas Ao presente ueiamos as especcedilias do noacutesso barbarismo os uocaacutebulos das quaacutees ainda ainda que seiam gregos
tomaacuteremos como tomaacuteram os latinos leuatildedo a sua oacuterdemrdquo cf Grammatica da lingua Portuguesa
Olyssippone Apud Lodiuicum Rotorigiũ Typographum M D XL [1540] pp 34-35 304 Cf Hermogenis De formis orationum tomi duo Argentorati apud haeredes Vuendelini Rihelij Anno
1555 sp 305 Cf Hermogenis Tarsensis rhetoris Acvtissimi De Dicendi generibvs siue formis orationum Libri II
Latinitate donati amp scholis explicati atque illustrati A Ioan Stvrmio Cum Gratia amp Priuilegio Caeligsareo
ad anno octo Excudebat Iosias Rihelius MDLXXI [1571] p 27 306 Hermogenis Ars Oratoria Absolutissima Et Libri omnes Cum noua Versione Latina egrave regione contextu
Graeci amp Commentariis Gasparis Lavrentii Coloniae Allobrogvm Apud Petrvm Avbertvm Anno
MDCXIV [1614] p 255
109
mediante o emprego de vocabulaacuterio abonado pelo uso de autoridades latinas como
Quintiliano ou Ciacutecero Deve-se considerar ateacute a Rhetorica ad Herennium ainda que hoje
se enfatize que o letrado Raffaele Regio (1440-1520) tenha lhe questionado a autoria em
1492 no opuacutesculo Quaestio utrum ars rhetorica ad Herennium falso Ciceroni inscribatur
ainda assim eacute largamente tomada como tratado de Ciacutecero e circula como tal307 O
vocabulaacuterio dos inteacuterpretes daacute lastro agraves versotildees de Hermoacutegenes ao circunscrever os
preceitos do Peri ideōn ao jargatildeo de retores latino Nesse sentido natildeo haacute Hermoacutegenes em
latim a despeito da retoacuterica latina conhecida e reconhecida por letrados quinhentistas
seiscentistas e setecentistas
Ora Manuel de Galhegos funda-se em pormenor em liccedilotildees consabidas ao
afirmar ldquoA claridade ou a enargia (q he a euidencia no dizer) obserua tudo quanto
Hermogenes admoesta na palavra Saphiniardquo Os termos ldquoclaridaderdquo e ldquoSaphiniardquo tecircm o
assentimento dos usos arrolados a conjunccedilatildeo de ldquoclaridaderdquo e ldquoenargiardquo de que pende
este passo poreacutem lecirc-se natildeo nos tratados Peri heureseōs e Peri ideōn nominalmente
mencionados no ldquoDiscurso Poeacuteticordquo mas nos Progymnasmata atribuiacutedos ao retor Ensina
a obra satildeo virtudes () da ekphrasis a saphēneia e a enargeia ()308 ou
seja a clareza e a enargia ou enargueia como escreveraacute em liacutengua portuguesa Jerocircnimo
Soares Barbosa em fins do seacuteculo XVIII referindo-se ao efeito plasmado na hermēneia
() o estilo segundo a traduccedilatildeo a mais comum do termo de presentaccedilatildeo oacuteptica
e viacutevida das coisas como que mostradas agrave vista (cf HERM 23 9-14)309 Pouco distam
nesse aspecto os exerciacutecios preparatoacuterios de Eacutelio Teatildeo segundo os quais deve ser a
hermēneia e natildeo particularmente a ekphrasis como em Hermoacutegenes clara (ή) e
viacutevida (ή) Na ediccedilatildeo de Eacutelio Teatildeo (ca I dC) estampada na Basileia em 1541
vertida ao latim por Joachim Camerarius (1500-1574) lecirc-se ldquoPraeligterea elocutio amp plana
307 Cf Raphaelis Regii ducenta problemata in totidem institutionis oratoriae Quintiliani deprauationes
Eiusdem quaestio utrum ars rhetorica ad Herennium falso Ciceroni inscribatur Eiusdem de laudibus
eloquentiae panegyricus [Venecia Bonetus Locatellus] impens Octaviani Scoti 1492 MURPHY J J WINTERBOTTOM M ldquoRaffaele Regiorsquos 1492 Quaestio doubting Cicerorsquos authorship of the Rhetorica ad
Herennium Introduction and Textrdquo Rhetorica A Journal of the History of Rhetoric Vol 17 No 1 (Winter
1999) pp 77-87 SKINNER Q Razatildeo e retoacuterica na filosofia de Hobbes Satildeo Paulo Editora Unesp 1999
p 54-55 308 O passo de Hermoacutegenes eacute conhecido de Pedro Joseacute da Fonseca na segunda metade do seacuteculo XVIII
ldquoHe a Poesia na opiniatildeo de Simonides huma pintura com fala a qual consiste na viva reprefentaccedilatildeo de
quaesquer objetos em que se poacutede empregar a imitaccedilatildeo poeacutetica A isto he que se daacute o nome de energia ou
evidencia que segundo Hermogenes he o mais distincto dote de que a Poezia se poacutede jactarrdquo Cf
Elementos de Poetica tirados de Aristoteles de Horacio e dos mais celebres modernos Lisboa na Offic
de Miguel Manescal da Costa Anno 1765 Com as licenccedilas necessaacuterias p 22 309 Vol II 1790 p 105
110
erit amp euidensrdquo (Ademais a elocuccedilatildeo seraacute natildeo soacute clara como evidente)310 O mesmo
passo de Eacutelio Teatildeo na traduccedilatildeo de Estrasburgo de Daniel Hensius (1580-1655) de 1626
traz versatildeo que pouco varia em termos de escolha lexical ldquoSed amp plana esse amp evidens
debet elocutiordquo (Ora a elocuccedilatildeo deve ser natildeo soacute clara como evidente)311 No mais sabem
os leitores das Academica de Ciacutecero que nada eacute mais claro que a enargeia nominada
perspicuitas ou enargeia pelos latinos (cf CIC Ac 2 6 17 ldquoquod nihil esset clarius
enargeia ut Graeci perspicuitatem aut euidentiam nos si placet nominemos
fabriquemurquerdquo)
O sevilhano Fernando de Herrera (ca 1534-1597) autor das anotaccedilotildees agrave poesia
de Garcilaso de la Vega (1501-1536) ao comentar o soneto XIII do poeta ldquoA Dafne
ya los braccedilos le crecianrdquo itera a conjunccedilatildeo de perspicuitas e euidentia proposta por
Manuel de Galhegos embora natildeo o faccedila no acircmbito do ajuizamento do gecircnero de poema
heroico e mal-avalia a preferecircncia de Jorge de Trebizonda por claritas ao verter o grego
saphēneia
Trapezuncio llamograve pero no bien claridad la que Quintiliano
perspicuidad i M Tulio evidencia esta perspicuidad es facilidad de la
oracion para entendimiento de las cosas que se tratan en ella [hellip]312
Trebizonda denominou mas natildeo bem clareza a que Quintiliano
perspicuidade e M Tuacutelio [Ciacutecero] evidecircncia Esta perspicuidade eacute
facilidade do discurso para entendimento das coisas que se tratam nele
[hellip]313
310 ΩTheonis sophistae primae apud rhetorem
exercitationes innumeris quibus scatebant antea mendis Joachimi Camerarii Pabergensis opera purgatae
amp in sermonem latinum conversae Adiectus est quoq rerum amp uerborum in ijsdem memorabilium
locupletiszlig Index Cum Gratia amp Priuilegio Caesareo amp Regis Galliae ad serptenium annos octo Basileae
[1541] pp 20 251 311 ΩTheonis Sophistae Progymnasmata accurate
emendata ac recensita In usum Scholarum HolandiaeWest-Frisiaeque Ex decreto Ilustriss DD Ordinum
eiusdem Provinciae Accedit interpretatio Latina ita hac editione emendata ut sit Nova Lvgdvni
Batavorvm Ex Officina Bonaventurae amp Abrahanmi Elzevir Academ Typograph MDCXXVI [1626] p
26 312 Cf Obras de Garcilasso de la Vega con anotaciones de Fernand o de Herrera Al ilutrissimo i
ecelentissimo Sentildeor Don Antonio de Guzman Marques de Ayamonte Governador del Estado de Milan i
Capitan General de Italia Com licencia de los SS del Consejo Real En Sevilla por Alonso de la Barrera
Antildeo de 1580 p 138 313 Traduccedilatildeo nossa
111
O passo daacute noccedilatildeo mesmo que rarefeita da presenccedila empiacuterica das liccedilotildees do
Rhetoricorum libri V de Jorge de Trebizonda no seacuteculo XVI espanhol da circulaccedilatildeo em
latim do conjunto doutrinaacuterio atribuiacutedo a Hermoacutegenes e da operaccedilatildeo de latinizaccedilatildeo da
preceituaccedilatildeo retoacuterica grega medida em conformidade com os usos linguiacutesticos de
avalistas como Quintiliano ou Ciacutecero No mais Fernando de Herrera na ediccedilatildeo das
Anotaciones de 1580 aponta termo ldquoperspicuidadrdquo que revela simpatia pela seleccedilatildeo
lexical de Pedro Juan Nuntildeez (tratadista de impressotildees sucessivas em 1578 1585 e 1593)
e de Natale Conti (1550) ao passo que por assim dizer revela antipatia pela de Jorge de
Trebizonda (1433-1434) de Antocircnio Bonfine (1538) e de Johannes Sturm (1555 e 1571)
Bem recorda Luisa Loacutepez Grigera Fernando de Herrera foi acusado de plagiaacuterio de Juacutelio
Cesar Escaliacutegero (1484-1558) Muitiacutessimo em decorrecircncia dos estudos da pesquisadora
reunidos na coletacircnea La Retoacuterica en la Espantildea del Siglo de Oro de 1994 acusaccedilotildees
dessa ordem tornaram-se gastas pela desistorizaccedilatildeo e pela desvalia dos criteacuterios de
anaacutelise314 De fato Fernando de Herrera lecirc proximamente Juacutelio Cesar Escaliacutegero e o verte
ao espanhol ensina o tratado Poetices libri septem postumamente impresso em Lyon em
1561 que
ή Trapezuntius Claritatem vocat non maleacute Perspicuitatem
Quintilianus sicut amp Cicero atque Euidẽtia315
A saphēneia Trebizonda denominou natildeo mal Clareza Quintiliano
perspicuidade assim como Ciacutecero natildeo soacute enargeia senatildeo tambeacutem
evidecircncia 316
Eacute expliacutecito os comentaacuterios de Fernando de Herrera pendem de Juacutelio Cesar
Escaliacutegero Dista poreacutem o sevilhano da autoridade italiana tanto por excluir de suas
afirmaccedilotildees os acusativos gregos ldquosaphēneianrdquo (ή) e ldquoenargeianrdquo ()
quanto por modificar a apreciaccedilatildeo da escolha lexical feita por Jorge de Trebizonda
ldquollamograve pero no bienrdquo natildeo diz o mesmo que ldquovocat non maleacuterdquo As implicaccedilotildees dessa
314 Cf LOacutePEZ GRIGERA L La retoacuterica en la Espantildea del siglo de oro Salamanca Universidad de
Salamanca 1994 p 83 315 Cf Iuli Caesaris Scaligeri uiri Poetices libri septem Ad Syluium Filium [Lyon] Apud Antonium
Vincentium 1561 p 176 316 Traduccedilatildeo nossa
112
diferenccedila e suas razotildees interessam aos estudos da recepccedilatildeo do tratado Poetices libri
septem e aos das fontes preceptivas dos comentaacuterios a Garcilaso de la Vega No mesmo
tratado na mesma paacutegina aprende-se que ldquoPerspicuitas est facilitas orationis ad rem
intelligendamrdquo317 Ou seja a definiccedilatildeo de perspicuidad fornecida em castelhano nos
comentaacuterios autoriza-se tambeacutem pelos preceitos do Poetices libri septem Ademais
aprende-se que ldquoClaritas est quae facit puram amp perspicua orationemrdquo318 Ora trata-se
de definiccedilatildeo referida lida em Jorge de Trebizonda Natildeo eacute improvaacutevel que Fernando de
Herrera conheccedila Jorge de Trebizonda pela pena de Juacutelio Cesar Escaliacutegero
No Peri ideōn conforme os preceitos aduzidos para que sejam compostas com
correccedilatildeo as ideai a saphēneia entre tantas devem ser orquestrados com semelhante
retidatildeo e conveniecircncia os seguintes stoikheia () elementos que as constituem
ennoia () methodos () lexis () skhēmata () kōla
() synthēkē () ou synthesis () anapausis () e
rhythmos () (cf HERM 222 19-223-4) Recorde-se que o retor apresenta esses
elementos ora assim listados ora arrolados numa triparticcedilatildeo que se ramifica
contemplando os oito stoikheia ennoiamethodos e lexis a qual por sua vez se
subdivide em skhēmatakōla synthēkē ou synthesis anapausis e rhythmos (cf HERM
218 18-26)319
A composiccedilatildeo de cada idea ao fim pensa-se como efeito da praacutetica do discurso e
da mestria no trato da escrita com arte conforme as conveniecircncias A saphēneia efetua-
se por meio de duas formas que lhe satildeo subordinadas katharotēs e eukrineia A primeira
dessas espeacutecies jaacute se sabe latiniza-se consensualmente como puritas ou puritagrave em
preceptistas italianos leitores de Hermoacutegenes como Gabriele Zinano (ca 1557-1634)
em cujo Sommarii di varie retoriche greche latine et volgari (1590) se conhece o
seguinte ldquodella puritagraverdquo
317 Cf Iuli Caesaris Scaligeri uiri Poetices libri septem Ad Syluium Filium [Lyon] Apud Antonium
Vincentium 1561 p 176 HERRERA F de Anotaciones a la poesia de Garcilaso Edicioacuten de Inoria Pepe y
Joseacute Mariacutea Reyes Madrid Caacutetedra 2001 p 58 318 Cf Iuli Caesaris Scaligeri uiri Poetices libri septem Ad Syluium Filium [Lyon] Apud Antonium
Vincentium 1561 p 176 cf Rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis In
Officina Christiani Wecheli M D XXXVIII [1538] p 497 319 Lucia Calboli Montefusco sintetiza bem as diferenccedilas cf MONTEFUSCO L C ldquoCiceronian and
Hermogenean Influences on George of Trebizondrsquos Rhetoricorum Libri Vrdquo Rhetorica A Journal of the
History of Rhetoric Vol 26 No 2 (Spring 2008) p 157
113
Il concetto puro deue esser comune amp aperto amp che niente niente habbi
de non inteso amp sia senza profonditagrave
Le parole comuni vsate amp proprie ne sieno aspere ne trasportate
La cotildepositione sia semplice amp notilde esquisita
I membri denno esser breui amp che per se stessi terminato il concetto
senza interpositione di periodo
Il modo puro egrave il dir le cose schiette nude senza pigliar cosa alcuna di
fuori
La figura sia retta
Il finimento sia di parole non longhe amp mediocremente risuonino
Il numero chrsquoalla puritagrave si conuiene saragrave il giambo amp il suono
basso320
O conceito puro deve ser comum amp claro amp que nada nada tenha de
natildeo compreendido amp seja sem profundidade
As palavras comuns usuais amp proacuteprias nem sendo aacutesperas nem
translatas
A composiccedilatildeo seja simples amp natildeo refinada
Os membros devem ser breves amp que seja por si mesmo terminado o
conceito sem interposiccedilatildeo de periacuteodo
O modo puro eacute o dizer as coisas simples nuas sem tomar coisa alguma
de fora
A figura seja reta
O acabamento seja de palavras natildeo longas amp que mediocremente
ressoem
O ritmo que agrave pureza conveacutem seraacute o iambo e o som baixo [grave]321
Nas palavras de Hermoacutegenes a katharotēs compotildee-se mediante pensamentos (no
singular )comuns a todos que ocorrem ou parecem ocorrer a todos porque claros
e compreensiacuteveis nada profundos nada meditados (cf HERM 227 3-5) Conveacutem
recordar que no Peri ideōn a ennoia natildeo se define Menciona poreacutem o retor que no
discurso possa haver um ou vaacuterios pensamentos (cf HERM 218 18) Latinamente eacute
320 Cf Sommarii di varie retoriche greche latine et volgari Distintamente ordinati in uno da Gabriele
Zinano In Reggio Apresso Hercoliano Bartholi 1590 p 198 321 Traduccedilatildeo nossa
114
sententia de acordo com Jorge de Trebizonda e como tal trata-se de ldquores inuenta uerbis
expolienda sine qua uerba in numerum ornategrave construere furiosum uerbis explicaturrdquo
(mateacuteria fornecida pela invenccedilatildeo que se deve polir por meio de palavras sem a qual eacute
insensato cadenciaacute-las ordenadamente) 322 Consoante Filiberto Campanile eacute ademais
ldquosensordquo ldquosentenzardquo ldquoconcettordquo ou ldquoimagine della cosa intesa e pensata nellrsquoanimo
nostrordquo (imagem da coisa entendida e pensada em nossa mente) 323 As ennoiai
consideradas katharai puras por Hermoacutegenes conforme a versatildeo seiscentista de Giulio
Camillo Delminio satildeo assim exemplificadas ldquoSannio egrave vno cotale ammaestrante li chori
tragicirdquo (Sacircnio eacute um certo instrutor dos coros traacutegicos) ou ldquotrenta Tiranni presero ad
imprestanza danari da Lacedemoni contra quelli che erano nel Pireordquo (Os Trinta Tiranos
tomaram de empreacutestimo dinheiro dos Lacedemocircnios contra aqueles que estavam no
Pireu) (cf HERM 227 6-8)324 Filiberto Campanile para ilustrar o mesmo preceito entre
os exemplos citados busca no soneto LXV de Francesco Petrarca (1304-1374) os
seguintes versos
Io haurograve sempre in odio la fenestra
Onde Amor mrsquoauentograve giagrave mille strali
Perchrsquoalchanti di lor non fur mortali 325
Eu sempre terei oacutedio da janela
Donde Amor jaacute me lanccedilou mil setas
Porque algumas delas natildeo foram mortais326
322 Cf Rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis In Officina Christiani
Wecheli M D XXXVIII [1538] p 497 323 Cf Le Idee ouero Forme della oratione da Hermogene considerate amp ridotte in questa lingua per M
Giulio Camillo Delminio Friulano A queste srsquoaggiunge lrsquoArtificio della Bucolica di Virgilio spiegato dal
detto M Giulio Camillo Opere novamente mandate in lvce da Gio Domenico Salomoni Al Sigr Andrea
Sasso svo compare Co i Priuilegij dell sommo Pontefice amp del Regrave Catholico amp con pena di scommunica
Con Licenza dersquo Svperiori In Vdine M C XCIIII [1594] Apresso Gio Battista Natolini p 13 324 Cf Le Idee ouero Forme della oratione da Hermogene considerate amp ridotte in questa lingua per M
Giulio Camillo Delminio Friulano A queste srsquoaggiunge lrsquoArtificio della Bucolica di Virgilio spiegato dal
detto M Giulio Camillo Opere novamente mandate in lvce da Gio Domenico Salomoni Al Sigr Andrea
Sasso svo compare Co i Priuilegij dell sommo Pontefice amp del Regrave Catholico amp con pena di scommunica
Con Licenza dersquo Svperiori In Vdine M C XCIIII [1594] Apresso Gio Battista Natolini p 8 325 Apud LrsquoIdee overo Forme dellarsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la Dotrina
drsquoHermogene e drsquoaltri Retori antichi In Napoli Apresso Gio Battista Sottile M DCVI [1606] p 15 326 Traduccedilatildeo nossa Poeticamente mais interessante eacute a recente versatildeo de Joseacute Clemente Pozenato que
assim traduz os mesmos versos ldquoTeraacute meu oacutedio sempre essa janela de onde Amor disparou setas fatais
por natildeo terem sido todas mortaisrdquo cf PETRARCA F Cancioneiro Traduccedilatildeo de Joseacute Clemente Pozenato
Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial Campinas Editora da Unicamp 2014 p 169
115
E os comenta
Oue conosciuto il soggetto essere chersquol Petrarca si muoua a sdegno
contra quella finestra nella quale la prima volta vidde la sua donna
per cui Amore gli auentograve gli strali al cuore desiando che alquanti di
quelli fossero stati mortali perche lrsquohauesser tolto di tanto affanno
conosceragrave la sentenza esser pura Ma se per finestra hauragrave voluto
intendere (come altri volse) gli occhi della sua donna e per gli strali
gli sguardi chrsquoindi vsciti li ferirono il cuore il senso non si potragrave
chiamar puro 327
Se eacute sabido ser a mateacuteria [dos versos] que Petrarca se indigna contra
aquela janela na qual pela primeira vez viu a sua dama por cujo Amor
lhe lanccedilou as setas no coraccedilatildeo desejando que algumas delas fossem
mortais porque as tivessem livrado de tanta afliccedilatildeo conheceraacute ser puro
o pensamento Mas se por janela ele tenha querido entender (como
outros quiseram) os olhos de sua dama e pelas setas os olhares daiacute
vindos que lhe feriram o coraccedilatildeo o sentido natildeo poderaacute ser chamado
puro 328
Ora dizer puri os trecircs versos do soneto de modo a pensaacute-los na efetuaccedilatildeo da
chiarezza no vocabulaacuterio italiano ou negar que sejam puri e por hipoacutetese enquadraacute-
los agrave luz de seus efeitos em outra categoria retoacuterica igualmente pendente da leitura de
Hermoacutegenes eacute regular os criteacuterios de interpretaccedilatildeo de Francesco Petrarca Filiberto
Campanile o faz conforme a abertura ou o fechamento semacircntico do enunciado para
recordar termos de Joatildeo Adolfo Hansen referidos em relaccedilatildeo a Sor Juana Ineacutes de la
Cruz329 e prevecirc que a metaforizaccedilatildeo dos termos ldquofenestrardquo (ou ldquofinestrardquo) e ldquostralirdquo pois
que pressuponha a discriccedilatildeo da destinaccedilatildeo tenha implicaccedilotildees de pensamento ou de
concetto que natildeo convecircm agrave puritagrave na composiccedilatildeo de um poema que se diga claro embora
possa ao que parece convir ao soneto
327 Cf LrsquoIdee overo Forme dellarsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la Dotrina
drsquoHermogene e drsquoaltri Retori antichi In Napoli Apresso Gio Battista Sottile M DCVI [1606] Con
Licenza dersquo Superiori pp 15-16 328 Traduccedilatildeo nossa 329 Cf HANSEN J A MOREIRA M (Org) Para que todos entendais Poesia atribuiacuteda a Gregoacuterio de Matos
e Guerra Letrados manuscritura retoacuterica autoria obra e puacuteblico na Bahia dos seacuteculos XVII e XVIII
Volume 5 1ordf ed Belo Horizonte Autecircntica Editora 2013 p 373
116
O Peri ideōn prevecirc ademais para a efetuaccedilatildeo da katharotēs a regulaccedilatildeo do
methodos Designa-se por este termo a figura de pensamento (cf HERM 222 20) Para
Jorge de Trebizonda eacute methodus ou artificium e define-se como ldquouia amp modus quo
sententia uerbis explicaturrdquo (meio amp modo pelo qual o pensamento expotildee-se em
palavras)330 ao qual os ornamentos devem se subordinar Filiberto Campanile verte a
liccedilatildeo em latim ao italiano e pouco altera ldquoegrave la via ersquol modo drsquohauere ad esplicar le
sentẽze mediatildeti le parolerdquo (eacute o meio e o modo de expocircr os pensamentos mediante as
palavras) 331 Conveacutem assim esta eacute a prescriccedilatildeo do Peri ideōn que a katharotēs
componha-se por meio da narraccedilatildeo Para formular o procedimento o retor utiliza o
substantivo grego aphēgēsis (cf HERM 228 24 229 2 4 ldquordquo narraccedilatildeo) e mais
vocaacutebulos de mesma raiz tais quais a forma verbal aphēgētai (cf HERM 227 20-21
ldquordquo narra) e o adveacuterbio aphēgēmatikōs (cf HERM 228 24 ldquordquo
de modo narrativo) Como aponta Ruth Webb o adjetivo aphēgēmatikos
() Nicolau o Sofista emprega-o em vez do costumeiro periēgēmatikos
() em seus exerciacutecios preparatoacuterios de retoacuterica ao definir a praacutetica da
ekphrasis e com ele reteacutem do sentido primeiro do verbo aphēgeomai () a
acepccedilatildeo de ldquoconduzirrdquo332
Assim pode-se aventar o methodos que daacute forma pura ao discurso ao construir-
se a aphēgēsis como que narra e conduz Deve o artiacutefice portanto expor a accedilatildeo
() que relata de modo nu () ou principiar pelas coisas relatadas sem nada
acrescer-lhes de exterior Isso significa natildeo apensar o gecircnero agrave espeacutecie o todo agrave parte o
indefinido ao definido e ademais natildeo adicionar julgamentos qualidades e diferenccedilas ou
acumular circunstancialmente o lugar () o tempo ) a personagem
() o modo () e a causa () agrave accedilatildeo pura e simples (cf HERM
227 19-228 3)333 Eacute pertinente pois consoante Hermoacutegenes fugir aos enredamentos que
330 Cf Rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis In Officina Christiani
Wecheli M D XXXVIII [1538] p 497 331 Cf LrsquoIdee overo Forme dellarsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la Dotrina
drsquoHermogene e drsquoaltri Retori antichi In Napoli Apresso Gio Battista Sottile M DCVI [1606] Con
Licenza dersquo Superiori p 13 332 Cf WEBB R Ekphrasis Imagination and Persuasion in Ancient Rhetorical Theory and Practice
London Ashgate 2009 pp 55 58 333 Sobre as circunstacircncias KENNEDY G A Invention and Method Two Rhetorical Treatises from the
Hermogenic Corpus Translated with introductions and notes by George A Kennedy Atlanta SBL 2005
pp 86-7
117
discursivamente enformem a peribolē de modo que se configure o que Filiberto
Campanile classifica como meacutetodo ldquodi puritagrave verardquo334
Pensa-se no mais a katharotēs no acircmbito da lexis Como compositio Jorge de
Trebizonda define a lexis ldquoest quaelig elementorum syllabarum dictionum dictioniacutesque
consequentium inter se positione conficiturrdquo (eacute o que resulta da disposiccedilatildeo das letras
siacutelabas palavras e sequecircncia de palavras)335 Para Filiberto Campanile como parole no
plural ldquosono le voci e vocabuli accomodati alla cosa ritrouatardquo (satildeo as vozes e os
vocaacutebulos acomodados agrave coisa achada)336 Assim prescreve-se ser conveniente com
vistas agrave katharotēs a lexis de uso corrente (koinē) nem translata que demande
esclarecimento e eleve o discurso nem foneticamente dura (σκληρός) que apresente
como esmiuacuteccedila Michel Patillon a aspereza do encontro consonantal perceptiacutevel por
exemplo em ldquordquo (atarpos) ldquordquo (emarpten) ldquordquo (egnapse)
ldquordquo (perikoptōn) e ldquordquo (ekneneurismenoi) (cf HERM 229
10-16 258 14-15) Perceptiacutevel tambeacutem nos infinitivos italianos ldquoSbranarerdquo (dilacerar)
ldquostirparerdquo (extirpar) e ldquoschiantarerdquo (romper destroccedilar) elenca Filiberto Campanile337
No acircmbito das figuras os skhēmata satildeo para o retor grego como se sabe
constituintes proacuteprios agrave lexis preceitua-se o uso da construccedilatildeo direta (ldquoorationis rectitudordquo
338 ldquoRettitudine del parlarerdquo 339) (cf HERM 229 19) Jorge de Trebizonda contempla-as
sob a rubrica dos ornamentos as exornationes que satildeo ldquouerborum quaeligdam expolitiones
amp modius tanquagravem colorato amictu rem amp uestimus amp decoramusrdquo (polimentos e mesuras
das palavras com os quais como que com um manto colorido vestimos e enfeitamos a
mateacuteria)340 A metaacutefora Filiberto Campanile manteacutem-na ldquoLe figure sono le vesti e gli
ornamenti con cui vestiamo amp orniamo la cosardquo (As figuras satildeo as vestes e os
334 Cf LrsquoIdee overo Forme dellarsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la Dotrina
drsquoHermogene e drsquoaltri Retori antichi In Napoli Apresso Gio Battista Sottile M DCVI [1606] Con
Licenza dersquo Superiori p 17 335 Cf Rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis In Officina Christiani
Wecheli M D XXXVIII [1538] p 497 336 Cf LrsquoIdee overo Forme dellarsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la Dotrina
drsquoHermogene e drsquoaltri Retori antichi In Napoli Apresso Gio Battista Sottile M DCVI [1606] Con
Licenza dersquo Superiori p 13 337 Idem p 46 338 Cf Rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis In Officina Christiani
Wecheli M D XXXVIII [1538] p 498 339 Cf LrsquoIdee overo Forme dellarsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la Dotrina
drsquoHermogene e drsquoaltri Retori antichi In Napoli Apresso Gio Battista Sottile M DCVI [1606] Con
Licenza dersquo Superiori p 13 340 Cf Rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis In Officina Christiani
Wecheli M D XXXVIII [1538] p 498
118
ornamentos com os quais vestimos e ornamos a coisa)341 Como regra ensina o Peri ideōn
que deve o artiacutefice evitar a obliquidade pois que a construccedilatildeo obliacutequa encadeia
pensamentos e eacute proacutepria agrave peribolē idea oposta agrave katharotēs Para ilustrar o procedimento
Filiberto Campanile propotildee o seguinte contraste a partir de passo do Decameratildeo de
Giovanni Boccaccio (1313-1375) ldquoIschia egrave una Isola assai vicina di Napolirdquo (Ischia eacute
uma ilha bastante proacutexima de Naacutepoles) e ldquoTancredi Principe di Salerno fu Signore assai
humano e di benigno aspettordquo (Tancredo Priacutencipe de Salerno foi senhor bastante
humano e de benigno aspecto) satildeo construccedilotildees diretas agrave proporccedilatildeo que ldquoEssendo Ischia
unrsquoIsola assai vicina di Napolirdquo (Sendo Ischia uma ilha bastante proacutexima de Naacutepoles) e
ldquoEssendo Tancredi Principe di Salerno Signore assai humano e di benigno aspettordquo
(Sendo Tancredo Priacutencipe de Salerno senhor bastante humano e de benigno aspecto) satildeo
construccedilotildees obliacutequas Supotildee o preceito italiano em conformidade com as liccedilotildees
gramaticais antigas que as oraccedilotildees reduzidas obliacutequas porque compostas em grego e em
latim sem o emprego do caso nominativo deixam em suspenso o sentido do enunciado e
demandam associaccedilatildeo de pensamento ao pensamento que enunciam
Do uso da obliquidade em particular na composiccedilatildeo da propositio do poema eacutepico
haacute notiacutecia pendente de Hermoacutegenes e de Demeacutetrio no tratado Elementos de Poetica
tirados de Aristoteles de Horacio e dos mais celebres modernos de Pedro Joseacute da
Fonseca (1737-1816) impresso em Lisboa em 1765 e posteriormente reeditado em 1781
e em 1804 Trata-se de acordo com Ivan Teixeira de letrado partiacutecipe da reforma de
ensino promovida por Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho e Melo o Marquecircs de Pombal342 Sobre
a proposiccedilatildeo eacutepica Pedro Joseacute da Fonseca assevera que deva ser feita de simplicidade e
acrescenta
Poreacutem esta simplicidade deve ser de algum modo magestosa e esta he
a razatildeo como observa Demetrio e Hermogenes por que os melhores
Poemas para comeccedilarem mais magestosamente formaacuteratildeo os principios
de seus poemas de hum caso obliquo isto he de hum acusativo pois
341 Cf LrsquoIdee overo Forme dellarsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la Dotrina
drsquoHermogene e drsquoaltri Retori antichi In Napoli Apresso Gio Battista Sottile M DCVI [1606] Con
Licenza dersquo Superiori p 13 342 Cf TEIXEIRA I Mecenato Pombalino e Poesia Neoclaacutessica Basiacutelio da Gama e a Poeacutetica do Encocircmio
Satildeo Paulo Edusp 1999 p 293
119
como a obliquidade se aparta da ordem reta e natural causa por este
motivo gravidade ao discurso343
Sabe-se dos retores e dos tratados mencionados por Pedro Joseacute da Fonseca do
Peri hermēneias de Demeacutetrio indicam-se agrave margem ldquoI Cap 29 et 117rdquo e do Peri ideōn
de Hermoacutegenes ldquoDe form l 3 c Irdquo Do primeiro haacute indicaccedilotildees que coincidem com a
ldquoparticella vigesina nonardquo e a ldquocentessima decima sestardquo e natildeo centeacutesima deacutecima seacutetima
do texto segundo a traduccedilatildeo latina jaacute referida de Pietro Vettori tal como parafraseada e
comentada pelo padre franciscano Francesco Panigarola (1548-1594) em Il predicatore
ouero parafrase commento e discorsi intorno al libro dell Elocutione di Demetrio
Falereo obra poacutestuma de 1609 No capiacutetulo 29 afirma-se ser magniacutefico
(μεγαλοπρεπής) o torneio sintaacutetico do periacuteodo (cf DEMETR 45 ldquoΜεγαλοπρεπὲς δὲ
καὶ τὸ ἐκ περιαγωγῆς τῇ συνθέσει λέγεινrdquo) 344 do que propotildee Francesco Panigarola agrave
luz de exemplo colhido em Tuciacutedides que ldquoil parlare periodico maggiore magnificenza
dia allrsquoorationerdquo (o falar perioacutedico maior magnificecircncia decirc ao discurso) No capiacutetulo 116
Demeacutetrio retoma o exemplo de Tuciacutedides (cf DEMETR 206) natildeo sem antes prescrever
que na composiccedilatildeo do discurso tecircnue iskhnos principiando-se o relato ou pelo caso
nominativo ou pelo acusativo evita-se certa obscuridade (cf DEMETR 201)345 Do
343 Cf Elementos de Poetica tirados de Aristoteles de Horacio e dos mais celebres modernos Lisboa na
Offic de Miguel Manescal da Costa Anno 1765 Com as licenccedilas necessaacuterias pp 281-282 344 DEMETR 45 ldquoEacute ainda grandioso empregar ao dizer um rodeio na composiccedilatildeo como o faz Tuciacutedides
Pois o rio Aqueloo correndo do monte Pindo atraveacutes da Dolopia terra dos agriatildees e dos anfiloacutequios do
alto junto da cidade de Estrato ao desembocar no mar junto de Eniacuteadas no inverno e fazer da cidade
deles um pacircntano torna impraticaacutevel com suas aacuteguas qualquer accedilatildeo militar Toda essa grandeza proveacutem
com efeito do movimento circular e da dificuldade de tanto ele quanto seu ouvinte fazerem uma pausardquo
cf FREITAS G A DE Sobre o Estilo de Demeacutetrio Um olhar criacutetico sobre a Literatura Grega (Traduccedilatildeo
e estudo introdutoacuterio do tratado) Satildeo Paulo [UFMG] 2011 [dissertaccedilatildeo de mestrado] p XII 345 Cf DEMETR 201 ldquoἘν δὲ τοῖς διηγήμασιν ἤτοι ἀπὸ τῆς ὀρθῆς ἀρκτέον ῾Ἐπίδαμνός ἐστι πόλις᾿ ἢ ἀπὸ τῆς αἰτιατικῆς ὡς τὸ ῾λέγεται Ἐπίδαμνον τὴν πόλιν᾿ αἱ δὲ ἄλλαι πτώσεις ἀσάφειάν τινα παρέξουσι καὶ βάσανον τῷ τε λέγοντι αὐτῷ καὶ τῷ ἀκούοντιrdquo [ldquoNas narrativas deve-se comeccedilar ou
pelo caso reto Ἐπίδαμνός ἐστι πόλις (Epidamno eacute uma cidade) ou pelo acusativo ltltλέγεται Ἐπίδαμνον τὴν πόλιν (Fala-se que a cidade de Epidamno)gtgt Os outros casos iratildeo trazer certa obscuridade e pocircr agrave
prova tanto o orador quanto o ouvinterdquo] cf FREITAS G A DE Sobre o Estilo de Demeacutetrio Um olhar
criacutetico sobre a Literatura Grega (Traduccedilatildeo e estudo introdutoacuterio do tratado) Satildeo Paulo [UFMG] 2011
[dissertaccedilatildeo de mestrado] p XLV Observe-se Il Predicatore di F Francesco Panigarola ouero Parafrase
commento e discorsi intorno al libro dellelocutione di Demetrio Falereo oue vengono i precetti e gli
essempi del dire che giagrave furono dati a Greci ridotti chiaramente alla prattica del ben parlare in prose
italiane e la vana elocutione de gli autori profani accommodata alla sacra eloquenza de nostri dicitori e
scrittori ecclesiastici Con due tauole vna delle questioni e laltra delle cose piugrave notabili Venetia
Bernardo Giunti Gio Battista Ciotti amp Compagni 1609 pp 53 673-675 685-687 cf Petri Victorii
commentarii in librum Demetrii Phalerei de elocutione Positis ante singulas declarationes Graecis vocibus
Auctoris ijsdemque ad verbum Latine expressis Additus est rerum et verborum memorabilium index
copiosus Cum P II IIII Pont Max Cosmi Medicis Florentianorum Senensiumq Ducis ampAlphonsi
120
segundo retor grego citado no passo do tratado Elementos de Poetica tirados de
Aristoteles de Horacio e dos mais celebres modernos Hermoacutegenes a indicaccedilatildeo eacute algo
imprecisa pela incerteza da ediccedilatildeo referida Como visto preceitos concordes com os do
Peri hermēneias abarcam no Peri ideōn os skhēmata atinentes agrave katharotēs e agrave peribolē
como ideai opostas que enformam aquela a clareza esta a abundacircncia Como se veraacute
o arrevesamento da sintaxe produz natildeo apenas abundacircncia senatildeo tambeacutem resplendor
(lamprotēs) (cf HERM 267 17-268 20)
Ademais contemporacircneo de Pedro Joseacute da Fonseca Francisco Joseacute Freire ensina
que a proposiccedilatildeo define-se como parte necessaacuteria do poema eacutepico par a par o tiacutetulo a
invocaccedilatildeo e a narraccedilatildeo especificada pela exposiccedilatildeo breve da accedilatildeo a ser narrada346 Agrave
vista do tratadista a preceituaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo do acusativo nos versos de abertura
assenta-se em razotildees semelhantes
os casos obliacutequos como se apartaotilde da retidaotilde natural e da pureza do
dizer causaotilde mais gravidade e escuridade e entre os obliacutequos me
parece que o accusativo he o mais aspero e por consequencia o mais
grandioso347
Deve-se rememorar propotildee Marcos Martinho dos Santos que a eleiccedilatildeo do
acusativo do objeto direto em termos sintaacuteticos para abrir a proposiccedilatildeo do poema
reporta-se a Homero Ajuda a compreender a liccedilatildeo a primeira oitava da Ulyssea ou
Lisboa Edificada de Gabriel Pereira de Castro em que o objeto direto ldquoAs Armas amp o
Varatildeordquo antepotildee-se por hipeacuterbato ao verbo cujo significado complementa ldquocantordquo Eacute
Ferrariensium Ducis privilegijs ampliszlig per decennium Florentiae In officina Iuntarum Bernardi F
MDLXII [1562] pp 46 181-183 346 Manuel Pires de Almeida assim define a proposiccedilatildeo ldquoProposiccedilatildeo eacute o lugar primeiro da obra em que
propotildee o poeta o que intenta cantar nela esta seja breve e clara possiacutevel e em a qual natildeo se ponha o nome
proacuteprio do priacutencipe ou heroacutei senatildeo usando-se de periacutefrase em tudo o mais dela natildeo haja circuncisatildeo nem rodeio algum senatildeo que o poeta em breviacutessimas razotildees diga o que pretende cantar compreendendo na
proposiccedilatildeo toda a accedilatildeo da faacutebula e captando atenccedilatildeo com prometer coisas dignas de serem escutadas isto
com estilo natildeo tuacutemido nem inchado de maneira que vaacute decrescendordquo cf MUHANA A ldquoDiscurso sobre o
poema heroico Comentaacuteriordquo REEL Revista Eletrocircnica de Estudos Literaacuterios Vitoacuteria a 2 v 2 2006 p
8 347 Cf Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes
tratadas com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda ediccedilatildeo hellip
Fungar vice cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium nil scribens
ipse decebo Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo virtus quo
ferat error Horat in Poetic Tomo II Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno MDCCLIX
Com as licenccedilas necessarias p 198
121
procedimento de sintaxe que busca a alteza do enunciado
As Armas amp o Varatildeo que os malseguros348
Campos cortou do Egeo amp do Oceano
Que por perigos amp trabalhos duros
Eternizou seu nome soberano
A graotilde Lisboa amp seus primeiros muros
(De Europa amp largo Impeacuterio Lusitano
Alta cabeccedila) se eu pudesse tanto
A Paacutetria ao mundo agrave Eternidade canto349
Sabe-se Gabriel Pereira de Castro imita a proposiccedilatildeo de Luiacutes de Camotildees
As armas amp os barotildees aszliginalados350
Que da Occidental praya Lusitana
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda aleacutem da Taprobana
Em perigos amp guerras esforccedilados
Mais do que prometia a forccedila humana
E entre gente remota edificaratildeo
Nouo Reino que tanto sublimaratildeo
348 Quando natildeo se eacute Miguel do Couto Guerreiro ou Antocircnio Feliciano de Castilho sabe-se que o primeiro
verso da Ulyssea ou Lisboa Edificada eacute hendecassiacutelado como se viu tambeacutem chamado verso heroico ou
verso italiano no tempo em que escreve Gabriel Pereira de Castro As Ar mas amp o Va raotilde || que os
mal se gu ros Nota-se a contagem de onze siacutelabas implica a ditongaccedilatildeo em dois momentos (ldquoamp ordquo
ldquoque osrdquo) sublinhados Nota-se tambeacutem satildeo fortes por natureza as siacutelabas 2ordf 6ordf 8ordf e 10ordf todas em negrito
acima Trata-se de verso grave paroxiacutetono Como ensina Manuel Said Ali para compor-se o primeiro
hemistiacutequio deve-se antepor o anfiacutebraco (siacutelaba aacutetona + tocircnica + aacutetona) ao anapesto (siacutelaba aacutetona + aacutetona
+ tocircnica) Supotildee-se breve pausa apoacutes o anfiacutebraco a fim de se evitar a colisatildeo da siacutelaba aacutetona que o encerra
(ldquomasrdquo) com as sequentes aacutetonas (ldquoamp o Vardquo) Feita a cesura apoacutes a sexta siacutelaba meacutetrica compotildee-se o segundo hemistiacutequio de cinco siacutelabas em alternacircncia binaacuteria (siacutelaba aacutetona + tocircnica) o movimento aiacute eacute dito
iacircmbico porque iniciado pela siacutelaba fraca e seguido pela forte 349 Cf Ulyssea ov Lisboa Edificada Poema heroico Composto pelo insigne Doutor Gabriel Pereira de
Castro Corregedor que foy do crime da Corte amp nomeado por S Magestade pera Chanceler mograver do
Reyno de Portugal A El Rey Nosso Senhor Com licenccedila em Lisboa por Lourenccedilo Crasbeeck impressor
del Rey 1636 Acusta de Paulo Crasbeeck mercador de liuro fol 1 350 Vale ressaltar o primeiro verso da Ulyssea ou Lisboa Edificada emula em termos de metro o primeiro
verso drsquoOs Lusiacuteadas composto segundo o mesmo esquema riacutetmico As Ar mas amp os ba roẽs|| A
szligi na la dos Nota-se trata-se de um hendecassiacutelabo heroico grave Satildeo fortes por natureza as siacutelabas
2ordf 6ordf e 10ordf e por posiccedilatildeo a 8ordf (ldquoszligirdquo) como que acentuada porque entre duas aacutetonas Feita a ressalva
prevista natildeo se distinguem ritmicamente os versos de Gabriel Pereira de Castro e de Luiacutes de Camotildees
122
E tambem as memorias gloriosas
Daquelles Reis que foram dilatando
A Fee o Imperio amp as terras viciosas
De Affrica amp de Asia andaratildeo deuastando
E aquelles que por obras valerosas
Se vatildeo da ley da Morte libertando
Cantando espalharey por toda parte
Se a tanto me ajudar o engenho amp arte 351
Conveacutem notar que conforme o juiacutezo de Francisco Joseacute Freire tanto Luiacutes de
Camotildees quanto Gabriel Pereira de Castro embora principiem pelo caso obliacutequo devam
ser advertidos do defeito de dilatar em demasia verbo e complemento diferentemente do
ocorre em Virgiacutelio e Homero No primeiro poeta mais precisamente no primeiro
hemistiacutequio do primeiro verso da propositio da Eneida lecirc-se ldquoArma uirumque canordquo (As
armas e o varatildeo canto)352 No segundo poeta na proposiccedilatildeo da Odisseia lecirc-se ldquoO varatildeo
reconta-me Musa multiversaacutetil que muito errou depois que depredou o capitoacutelio
sagrado de Troiardquo353 (cf HOM Od I 1-2 ἄνδρα μοι ἔννεπε μοῦσα πολύτροπον ὃς
μάλα πολλὰ πλάγχθη ἐπεὶ Τροίης ἱερὸν πτολίεθρον ἔπερσενrdquo) Diga-se poreacutem
que enunciado como forccediloso por Francisco Joseacute Freire e partiacutecipe do jogo de imitaccedilatildeo e
emulaccedilatildeo no gecircnero de poema heroico consoante a autoridade homeacuterica a anteposiccedilatildeo
do acusativo natildeo se aplica em Torquato Tasso cuja Gerusalemme liberata em grafia
quinhentista assim se propotildee
351 Cf Os Lusiadas de Luis de Camotildees Com Privilegio Real Impressos em Lisboa com licenccedila da Sancta
Inquisiccedilatildeo e do Ordinario em casa de Antonio Gotildeccedilaluez Impressor 1572 p 1 352 O primeiro verso de Camotildees talvez seja demasiado repetitivo recordar emula Virgiacutelio em termos de
metro Lecirc-se assim na Eneida Ār mă uĭ rūm quĕ că nō || Trōi āe qūi prī mŭs ăb ō rīs (As armas
e o varatildeo canto De Troia quem primeiro) Nota-se o verso eacute hexacircmetro heroico hexacircmetro dactiacutelico pois consta de seis peacutes seis unidades meacutetricas o daacutetilo (siacutelaba longa + breve + breve) Ensina Quintiliano que
por convenccedilatildeo a siacutelaba longa equivale a duas breves dura dois tempos ao passo que a siacutelaba breve dura
um uacutenico tempo (ldquoLongam esse duorum temporum brevem unius etiam pueri sciuntrdquo ldquoA [siacutelaba] longa
valer dois tempos e a breve um uacutenico ateacute as crianccedilas o sabemrdquo cf Inst orat 9 4 47) logo o daacutectilo pode
ser substituiacutedo pelo espondeu (siacutelaba longa + longa) como mostram terceiro e o quarto peacute do verso Via de
regra eacute indiferente se os primeiros quatro peacutes fazem-se de daacutectilos ou de espondeus O quinto peacute deve ser
daacutectilo o sexto pode ser espondeu (siacutelaba longa + longa) ou troqueu (siacutelaba longa + breve) pois a siacutelaba
final do verso eacute anciacutepite ou seja tanto pode ser longa como breve 353 A traduccedilatildeo citada eacute de Marcos Martinho dos Santos cf Cf SANTOS M M ldquoDa disposiccedilatildeo da Eneida
ou Do gecircnero da Eneida segundo as espeacutecies da Iliacuteada e Odisseiardquo Letras Claacutessicas Satildeo Paulo 2001 v
5 p 169
123
CANTO lrsquoArme pietose ersquol Capitano
Chersquol gran Sepolcro liberograve di CHRISTO
Molto egli oprograve col senno e con la mano
Molto soffrigrave nel glorioso acquisto
E in van lrsquoInferno vi srsquooppose e in vano
Srsquoarmograve drsquoAsia e di Libia il popol misto
Irsquol Ciel gli diegrave favore e sotto agrave i santi
Segni ridusse i suoi compagni erranti 354
CANTO as Armas piedosas e o Capitatildeo
Que o gratildeo Sepulcro libertou de CRISTO
Muito ele obrou com senso e com a matildeo
Muito sofreu na gloriosa conquista
E em vatildeo o Inferno se lhe opocircs e em vatildeo
Se armou de Aacutesia e de Liacutebia o povo misto
E o Ceacuteu lhe deu favores e sob os santos
Sinais agrupou os seus soacutecios errantes355
Interessa que Torquato Tasso confira pureza (katharotēs) ao primeiro verso da
proposiccedilatildeo da Gerusalemme liberata apartando-se dos exempla de Homero de Virgiacutelio
e de Luiacutes de Camotildees no gecircnero de poema heroico Supondo-se com Demeacutetrio que a
narraccedilatildeo em vista da tenuidade de kharaktēr possa ser iniciada ou pelo nominativo ou
pelo acusativo a fim de se evitarem usos obscuros (cf DEMETR 201) supondo-se
ademais que o gecircnero de poema visite variegadas formas de dizer na enformaccedilatildeo
estiliacutestica do misto de feiccedilatildeo elevada nada deve estranhar no que a oitava citada daacute a ler
354 Cf Gierusalemme liberata poema heroico del Sig Torquato Tasso Al Sereniss Signore il Signor
Donno Alfonso H DrsquoEste Duc adi Ferrara ampc Tratta del vero Originale Con aggiunta di quanto manca
nellrsquoaltre Edittioni amp con lrsquoAllegoria dello stesso Autore Con Priuilegio di S Santitagrave delle Maestagrave
Christianissima amp Catholica della Sereniss Signoria di Venetia del Sereniss Sig DVCA di Ferrara amp drsquoaltri Principi In Ferrara 1581 p 1 Em epiacutestola datada do ano de 1575 endereccedilada a Scipione Gonzaga
Torquato Tasso apresenta variante dos versos iniciais da Gerusalemme liberata em que o acusativo abre o
poema ldquoLrsquoarme pietose e i Cavalieri i canto Che de la croce si segnar di Cristo Quantrsquooperar sotto
Goffredo e quanto Seco soffrir nel glorioso acquistordquo cf Discorsi del Signor Torquato Tasso DellrsquoArte
Poetica et in particolare del Poema Heroico Et insieme il Primo Libro delle Lettere scritte agrave diuersi suoi
amici lequali oltra la famigliaritagrave sono ripiene di molti concetti amp auertimenti poetici agrave dichiaratione
drsquoalcuni luoghi della sua Gierusalemme liberata Gli uni e lrsquoaltre scritte nel tempo chrsquoegli compose detto
suo Poema Non piu stampati Con Privilegi In Venetia MDLXXXVII [1587] Ad instanza di Giulio
Vassalini Libraro agrave Ferrara pp 34r-34v 355 Traduccedilatildeo nossa Verto a oitava de Torquato Tasso mirando apenas a sintaxe e o iniacutecio direto que abdica
do acusativo
124
Eacute sabido que nos Discorsi del poema heroico Torquato Tasso afirma da propositio da
Eneida que ldquoVirgilio accoppiograve lrsquoalto stile e lrsquoillustre nella propositionerdquo (Virgiacutelio
conjugou o estilo alto e o ilustre na proposiccedilatildeo) e mais que ldquosimili sono i seguenti versi
e sempre haurebbe continuato nella medesima altezza e nel medesimo splendore
srsquoalcuna volta non hauesse voluto variar le forme del parlarerdquo (semelhantes satildeo os
seguintes versos e continuaria sempre na mesma alteza e no mesmo esplendor se natildeo
quisesse por vezes variar as formas do dizer)356 Assim conforme o Peri ideōn Virgiacutelio
mira com ldquoArma uirumque canordquo a altezza (megethos) e o splendore (lamprotēs) 357 a
altezza da lexis respeitante agrave mateacuteria beacutelica e heroica e o splendore da construccedilatildeo obliacutequa
como que avesso tal como a peribolē agrave pureza (cf HERM 267 17-268 20) Todavia
deve-se natildeo renunciar agrave variaccedilatildeo como Virgiacutelio natildeo segue sem ldquovariar le forme del
parlarerdquo tambeacutem Torquato Tasso
Lo stile Heroico egrave in mezo quasi fragrave la semplice grauitagrave del Tragico e
la fiorita uaghezza del Lirico amp auanza lrsquouna e lrsquoaltra nello splendore
drsquouna merauigliosa maestagrave ma la maestagrave sua di questa egrave meno ornata
[] 358
O estilo Heroico estaacute como que no meio entre a simples gravidade do
Traacutegico e a florida vagueza do Liacuterico amp avanccedila uma e outra no
resplendor de uma maravilhosa majestade mas a sua majestade eacute
menos ornada do que daquela []359
Por fim a liccedilatildeo de Torquato Tasso eacute manifesta depois de pormenorizadas as
distinccedilotildees estiliacutesticas entre o heroico o eacutepico o liacuterico e apontadas as vizinhanccedilas da
ordem da forma e da ideia entre esses gecircneros de poema ldquoQuesta uarietagrave di stili deue
essere usata ma non si che si muti lo stile non mutandosi le materie che saria
356 Cf Discorsi del poema heroico del S Torquato Tasso Allrsquoillustrissmo e reverendissmo Signor Cardinale
Aldo Brandino Nella Stamparia dello Stigliola In Napoli Ad instantia di Paolo Venturino [1594] p 107 357 Note-se ldquoaltezzardquo eacute termo que se pode aplicar como equivalente ao latim sublimis ao grego ὕψος (hypsos) cf Dionigi Longino Retore DellrsquoAltezza del dire tradotto dal greco da D Niccolo Pinelli In
Padoua per Giulio Criuellari 1639 Con Licenza dersquo Superiori 358 Cf Discorsi del Signor Torquato Tasso DellrsquoArte Poetica et in particolare del Poema Heroico Et
insieme il Primo Libro delle Lettere scritte agrave diuersi suoi amici lequali oltra la famigliaritagrave sono ripiene
di molti concetti amp auertimenti poetici agrave dichiaratione drsquoalcuni luoghi della sua Gierusalemme liberata
Gli uni e lrsquoaltre scritte nel tempo chrsquoegli compose detto suo Poema Non piu stampati Con Privilegi In
Venetia MDLXXXVII [1587] Ad instanza di Giulio Vassalini Libraro agrave Ferrara p 25 359 Traduccedilatildeo nossa
125
imperfetione gratildedissimardquo isto eacute ldquoEsta variedade de estilos deve ser usada mas natildeo tanto
que se mude o estilo sem que se mudem as mateacuterias o que seria imperfeiccedilatildeo
grandiacutessimardquo360
No mais Hermoacutegenes prescreve a fim de efetuar a katharotēs o emprego de kōla
breves agrave maneira de kommata (cf HERM 232 4-6) Itere-se dos kōla natildeo haacute definiccedilatildeo
no Peri ideōn Satildeo poreacutem bem determinados em outro tratado atribuiacutedo a Hermoacutegenes
o Peri heureseōs Nele o retor aborda o pneuma o ldquosoprordquo que nos kōlaou nos kommata
abarca a completude de um pensamento ( Por komma no singular entende a
porccedilatildeo de texto cuja medida varia de quatro a seis siacutelabas tal qual o epodo Por kōlon
tambeacutem no singular a porccedilatildeo que varia de sete a doze siacutelabas como o triacutemetro iacircmbico
ateacute mesmo prolongadamente agraves dezessete siacutelabas do hexacircmetro (cf HERM 183 10)361
360 Idem p 26 361 De acordo com Heinrich Lausberg eacute noccedilatildeo de vaacuterias liccedilotildees Lecirc-se em Aristoacuteteles (cf ARIST
Rhet III 9 5) colon em Caio Juacutelio Victor (cf VICT 22 p 439 20) e membrum no Anocircnimo (cf Rhet Her
4 19) em Ciacutecero (cf CIC Or 62 211) e em Quintiliano (cf QUINT 9 4 22) Eacute termo por que Aristoacuteteles
designa parte do periacuteodo () (cf ARIST Rhet III 9 5) embora tambeacutem seja empregado para referir
oraccedilotildees completas seja uacutenicas e independentes seja concatenadas numa seacuterie de oraccedilotildees de mesma
natureza como mostra o adveacuterbio latino membratim [ldquode membro em membrordquo ldquoem frases curtasrdquo]
derivado do substantivo membrum (cf QUINT 9 4 126 127 CIC Or 66 222 67 224) Acentua Lausberg
que como parte do periacuteodo o pode abarcar toda uma oraccedilatildeo ou apenas um grupo de palavras e
obviamente como parte natildeo enuncia pensamento sintaticamente de todo independente
Segundo o Peri hermēneias em termos semacircnticos o deve encerrar ldquoum pensamento
inteira e completamente seja ele todo seja toda uma parte delerdquo (DEMETR 1-3) cf Cf FREITAS G A DE
Sobre o Estilo de Demeacutetrio Um olhar criacutetico sobre a Literatura Grega (Traduccedilatildeo e estudo introdutoacuterio do
tratado) Satildeo Paulo [UFMG] 2011 [dissertaccedilatildeo de mestrado] p I Esse tratado traz um exemplo da
Anabase de Xenofonte Cito-o jaacute na traduccedilatildeo de Gustavo de Freitas ldquoDario e Parisaacutetide tiveram dois filhos
o mais velho Artaxerxes o mais novo Cirordquo (XEN Anab 11) O trecho eacute assim compreendido 1ordm membro
[Dario e Parisaacutetide tiveram dois filhos] 2ordm membro [o mais velho Artaxerxes o mais novo Ciro] Como assevera Freitas citando George M A Grube natildeo se trata de trecircs membros como se poderia em princiacutepio
supor porque ldquoo mais velho Artaxerxesrdquo e ldquoo mais novo Cirordquo satildeo passos enredados numa relaccedilatildeo os
quais isolados natildeo teriam autonomia de sentido (cf FREITAS G A DE Op Cit p LXVII cf sect 930)
Ademais segundo Lausberg consoante o que se lecirc em Hermoacutegenes informa que os podem
ser longos ou breves Quando breves dizem-se cf sectsect 928-934) Em analogia com a versificaccedilatildeo
poeacutetica o estudioso recorda Ciacutecero (CIC Or 66 222) e indica que o membro estaacute para o verso assim como
o inciso estaacute para a fraccedilatildeo de verso separada por cesura e o periacuteodo para a estrofe LAUSBERG H Manual
de Retoacuterica Literaria Fundamentos de una Ciencia de la Literatura Versioacuten espantildeola de Joseacute Peacuterez Riesco
Madrid Editorial Gredos 1967 3 tomos tomo II pp 310-6 Em liacutengua portuguesa komma e kōlon satildeo categorias gramaticais definidas na Grammatica da
lingua Portuguesa de Joatildeo de Barros (1496-1570) impressa em Lisboa em 1540 e na Orthographia da
lingoa portuguesa de Duarte Nunes de Leatildeo (ca 1530-1608) impressa em 1576 Joatildeo de Barros escreve
ldquoCotildema ę uocaacutebulo grego aque podemos chamaacuter cortadura por que aly se coacuterta a clausula ẽ duas partes
Estas duas partes se coacutertam em uirgulas que sam hũas distinccedilotildees das paacutertes da clausula Coacutelo ę o termo
ou maacuterco em que se acaacuteba a claacuteusula As figuras de cada ponto destes sam as seguintes Dous a este modo
se chamam cotildema Este soacute se chama coacutelo As uergas sam estas zeburas ao modo dos gregos Na cotildema parece
que descansa a voacutez mas nam fica o intendimẽto satisfeito por que se deseia a outra paacuterte com a oacuteraccedilaacutem
fica perfeita e remataacuteda com este ponto coacutelo Estam entre as cortaduras que sam estes dous pontos hũas
zeburas assy aque chamaacutemos distinccedilotildees das paacutertes da clausula Este soacute potildeto (como iaacute disse) se chama coacutelo
As palaacuteuras que iaacutezęm entre dous coacutelos se chamam clausula ao noacutesso modo e segundo os gregos periodo
126
Dessa liccedilatildeo ao que se pode supor decorre sistematizaccedilatildeo em latim que ensina
Jorge de Trebizonda no seacuteculo XV Para ele o kōlondiz-se ldquomẽbrumrdquo e assim eacute definido
est uno spiritu prolata oratio quaelig tamen sententiam uel partem eius
breuiter absque interuallo absoluit Membrorum uerograve quaelig breuiora
sunt ut puta quaelig duodecim syllabarũ numerum non excedũt
id est incisiones Graeligco uocabulo nominentur quaelig longiora sunt
membra nuncupentur 362
eacute discurso proferido num soacute sopro que brevemente encerra todo o
pensamento ou parte dele sem pausa Na verdade a respeito dos
membros aqueles que satildeo mais breves por exemplo que natildeo excedem
o nuacutemero de doze siacutelabas satildeo chamados em liacutengua grega kommata
isto eacute incisos os que satildeo mais longos satildeo designados membros 363
Filiberto Campanile como amiuacutede faz segue Jorge de Trebizonda de perto
Membro egrave quel parlare fatto quasi ad vn fiato il quale dichiara o tutta
la sentenza ouero vna parte di quella e quando sia piu breue si
chiameragrave inciso ouer tronco quando piu lungo ritiene il suo nome di
membro 364
Membro eacute aquele discurso feito num sopro que declara ou todo o
pensamento ou parte dele e quando eacute mais breve se chama inciso ou
tronco quando mais longo conserva o nome de membro 365
aque os latinos chamam termo Os dous aacutercos que fazem estas palauras (como ia diszlige) usam os latinos
quando comętem hũa figura aque chamam Entreposiccedilam e os gregos parẽtesis daqual tratamos na
construiacuteccedilamrdquo cf Grammatica da lingua Portuguesa Olyssippone Apud Lodiuicum Rotorigiũ Typographum M D XL [1540] p 50 cf Orthographia da lingoa portuguesa obra vtil amp necessaria assi
pera bem screuer a lingoa Hespanhol como a Latina amp quaesquer outras que da Latina teem origem Item
hum tractado dos pontos das clausulas pelo licenciado Duarte Nunez do Liatildeo Em Lisboa per Ioatildeo de
Barreira M D LXXVI [1576] p 74r-76v 362 Cf Rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis In Officina Christiani
Wecheli M D XXXVIII [1538] p 498 363 Traduccedilatildeo nossa 364 Cf LrsquoIdee overo Forme dellarsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la Dotrina
drsquoHermogene e drsquoaltri Retori antichi In Napoli Apresso Gio Battista Sottile M DCVI [1606] Con
Licenza dersquo Superiori p 13 365 Traduccedilatildeo nossa
127
Hermoacutegenes acrescenta tornam puras as ideai os arranjos sintaacuteticos soltos e os
ritmos de mesma espeacutecie que deles decorrem (cf HERM 229 11-13) Na liccedilatildeo grega tal
como jaacute referido ora diz-se synthesis(cf HERM 218 23)ora diz-se synthēkē(cf HERM
219 14) Consoante a latinizaccedilatildeo proposta por Jorge de Trebizonda eacute collocatio e dessa
maneira trata-se de ldquodictionũ numerosa compositiordquo (composiccedilatildeo riacutetmica de palavras)
Na versatildeo de Filiberto Campanile eacute compositione e assim eacute constituinte por meio do
qual pode o orador ou o poeta ldquocollocare amp ordinare delle parole col suo numerordquo
(colocar amp ordenar as palavras com seu ritmo)366 De acordo com o tratadista a pureza
de sintaxe eacute simples e consente o hiato intervocaacutelico porque o preceito de evitaacute-lo
manifesta diligecircncia mais afeita agrave ornamentaccedilatildeo que agrave katharotēs e recomenda o texto
prosaico em que sobressaia a prosoacutedia iacircmbica ou trocaica em mescla com diferentes peacutes
como o daacutectilo e o espondeu de modo que natildeo se estabeleccedila a regularidade do verso mas
a meacutetrica de feiccedilatildeo corrente que dissimule o artifiacutecio O ritmo que o arranjo puro e a pausa
(anapausis) produzem conveacutem que esteja entre o metro ausente e o metro por natureza
da liacutengua grega (cf HERM 232 8-233-2) Note-se trata-se do iambo de acordo com
Aristoacuteteles e Demeacutetrio (cf ARIST Poet 4 1449 a DEMETR 42) Satildeo semelhantes as
colocaccedilotildees de Ciacutecero em relaccedilatildeo ao latim (cf CIC Or 56 189 57 191) Gabriele Zinano
o itera como referido no Sommarii di varie retoriche greche latine et volgari 367
Acrescente-se Hermoacutegenes pondera que embora synthesis (ou synthēkē)
anapausis e rhythmos concorram agrave efetuaccedilatildeo da pureza satildeo de contribuiccedilatildeo restrita Natildeo
haacute exemplos em Filiberto Campanile que avancem a interpretaccedilatildeo da liccedilatildeo grega Vale
rememorar que o grego anapausis verte-o Jorge de Trebizonda por clausula e assim
define ldquoClausula est uniuscuiusq orationis aut etiatilde membri numerosa dispositiordquo
(Claacuteusula eacute disposiccedilatildeo riacutetmica de cada discurso ou ateacute mesmo dos membros)368 Filiberto
Campanile propotildee ldquoIl Posamento saragrave la chiusa o termine numeroso di ciascun parlarerdquo
(A pausa seraacute o remate ou o termo riacutetmico de cada discurso)369 Jaacute rhythmos eacute o derradeiro
366 Cf LrsquoIdee overo Forme dellarsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la Dotrina
drsquoHermogene e drsquoaltri Retori antichi In Napoli Apresso Gio Battista Sottile M DCVI [1606] Con
Licenza dersquo Superiori p 13 367 Cf Sommarii di varie retoriche greche latine et volgari Distintamente ordinati in uno da Gabriele
Zinano In Reggio Apresso Hercoliano Bartholi 1590 p 198 368 Cf Rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis In Officina Christiani
Wecheli M D XXXVIII [1538] p 498 369 Cf LrsquoIdee overo Forme dellarsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la Dotrina
drsquoHermogene e drsquoaltri Retori antichi In Napoli Apresso Gio Battista Sottile M DCVI [1606] Con
Licenza dersquo Superiori p 13
128
elemento de que se faz a lexisEacute constituinte que o latim numerus designa e assim Jorge
de Trebizonda define ldquoNumerus est quaelig ex obseruatione collocationis atque clausulaelig
pedum conficitur orationis sonoritas atque modulatiordquo (Ritmo eacute sonoridade e modulaccedilatildeo
do discurso que se elabora a partir da observaccedilatildeo da colocaccedilatildeo e dos peacutes da claacuteusula)370
Em italiano decalca-se o latim e define Filiberto Campanile numero como ldquoquel suono
che nasce dalla compositione amp ordine tanto delle parole sillabe amp elementi quanto
dersquo membri conueniente perograve alla sentenza di ciascuna cosardquo (aquele som que nasce da
composiccedilatildeo e da ordenaccedilatildeo tanto das palavras siacutelabas e letras quanto dos membros
conveniente poreacutem ao pensamento de cada coisa)371
Sabe-se bem efetua-se a saphēneia mediante duas ideai que lhe satildeo subordinadas
katharotēs e eukrineia No que concerne agrave eukrineia espeacutecie restante espeacutecie auxiliar o
Peri ideōn o aponta haacute sobretudo operaccedilatildeo de methodos (cf HERM 226 17-18 235 8-
9) constituiacutedo nas liccedilotildees de Hermoacutegenes como ldquomodo de apresentaccedilatildeo dos
pensamentosrdquo 372 o que significa na anaacutelise de Michel Patillon ldquoorganizar os
pensamentos segundo um plano claro e dar a ver claramente o plano segundo o qual se
sucedem os elementos do discursordquo373 Concede Hermoacutegenes a bem dizer agrave luz de
exemplos recolhidos em Demoacutestenes que seja possiacutevel engenhosamente desrespeitar o
plano anunciado sem comprometer a clareza do methodos (cf HERM 235 14-17)
Recorde-se trata-se tambeacutem da constituiccedilatildeo de enunciado artificial e convencionalmente
kata physin ou seja ldquoconforme a naturezardquo (cf HERM 237 20) o que pressupotildee na
praacutetica do relato a ordenaccedilatildeo cronoloacutegica das accedilotildees narradas e no seio das provas antes
as objeccedilotildees que as refutaccedilotildees (cf HERM 238 11) Ademais as ennoiai proacuteprias da
eukrineia satildeo ditas metaloacutegicas por Michel Patillon374 visto que preceitua Hermoacutegenes
devam operar pelo anuacutencio dos propoacutesitos da enunciaccedilatildeo pela conduccedilatildeo do discurso a
um ponto de partida (cf HERM 236 16-17) 375 pela apresentaccedilatildeo do que se enunciaraacute e
dos modos como isso se faraacute (cf HERM 236 21-22) pelas recapituaccedilotildees (cf HERM 237
370 Cf Rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis In Officina Christiani
Wecheli M D XXXVIII [1538] p 498 371 Cf LrsquoIdee overo Forme dellarsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la Dotrina
drsquoHermogene e drsquoaltri Retori antichi In Napoli Apresso Gio Battista Sottile M DCVI [1606] Con
Licenza dersquo Superiori pp 13-4 372 Cf HERMOGENE LrsquoArt rheacutetorique Traduction franccedilaise inteacutegrale introduction et notes de Michel
Patillon Paris LrsquoAcircge drsquoHomme 1997 p 340 373 Idem ibidem 374 Cf HERMOGENE LrsquoArt rheacutetorique Traduction franccedilaise inteacutegrale introduction et notes de Michel
Patillon Paris LrsquoAcircge drsquoHomme 1997 p 343 375 Idem ibidem Segue-se de perto Michel Patillon aqui
129
8) No que se refere agrave lexis nada haacute no Peri ideōn para a enformaccedilatildeo da saphēneia aleacutem
dos preceitos de composiccedilatildeo da katharotēs O mesmo vale para os kōla a synthesis (ou
synthēkē) a anapausis e o rhythmos O uso de figuras (skhēmata) distintamente ganha
aditamentos normativos Isso significa convecircm para os devidos efeitos a definiccedilatildeo por
agrupamento (cf HERM 238 17-18 ldquoto katrsquoatroisin hōrismenonrdquo ldquodeacutefini par
regroupementrdquo 376 ldquodefinicioacuten por agrupamientordquo377) a distribuiccedilatildeo (cf HERM 238 22
ldquomerismosrdquo ldquodistributionrdquo 378 ldquodistribucioacutenrdquo379 ) a enumeraccedilatildeo (cf HERM 238 22
ldquoaparithmēsisrdquo ldquoeacutenumeacuterationrdquo380 ldquoeacutenumeacuteracioacutenrdquo381) a assim chamada pergunta retoacuterica
(cf HERM 239 7-14) e a repeticcedilatildeo (cf HERM 239 14 ldquoepanalēpsisrdquo ldquoreprisesrdquo382
ldquorepeticionesrdquo383)384
376 Idem ibidem 377 Cf HERMOacuteGENES Sobre las formas de estilo Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Consuelo Ruiz
Montero Madrid Editorial Gredos 1993 p 121 378 Cf HERMOGENE Lrsquoart rheacutetorique p 344 379 Cf HERMOacuteGENES Sobre las formas de estilo p 121 380 Cf HERMOGENE Lrsquoart rheacutetorique p 344 381 Cf HERMOacuteGENES Sobre las formas de estilo 1993 p 121 382 Cf HERMOGENE Lrsquoart rheacutetorique p 344 383 Cf HERMOacuteGENES Sobre las formas de estilo p 122 384 Dando versatildeo italiana ao preceito Gabriele Zinano no jaacute referido Sommarii di varie retoriche greche
latine et volgari emprega o substantivo ldquofacilitagraverdquo para traduzir eukrineia Note-se eacute eleiccedilatildeo que dista da
escolha de seus contemporacircneos Giulio Camillo Delminio e Filiberto Campanile para quem eukrineia eacute
lucidezza Resume-se assim a facilitagrave
ldquoIn questa forma le parole i membri la compositione il finimento amp il numero sono simili agrave quelli della
puritagrave
I concetti non si contentano drsquoesser agrave i puri perche hanno un non sograve che di piugrave come il ridurre al principio
Demostene Ma egrave necessario ograve Ateniensi chrsquoio ui riduca memoria amp altri si fatti
I modi sono quelli corsquo quali srsquovsa la cosa secondo la sua natura amp pongono le cose prime in prima amp le seconde secondariamente amp prima le oppositioni fanno amp poi le solutioni
La figura deue hauer vna certa repetitione che con questo essempio di Demostene si manifestaragrave
Certamente il mostrar le forze di Filippo amp con tale ragionamento esortar uoi agrave far quello che ui si
conuiene non mi par che stia bene Per qual cagione perche tutto quello che si dicesse di questa materia
crederei che fosse per portare honore agrave lui agrave noi piugrave tosto qualche biasmo perche quanto piugrave hagrave fatto cose
sopra il grado suo tanto piugrave egrave merauglioso agrave gli huomini uoi quanto peggio che non doueuate uisete
gouernati tanto maggior uergogna hauete riceuuto Queste cose adunque permetterograve io Cosi dicendo
Demostene ci manifesta figuratamente il suo pensiero amp tanto piu soggiongendo Perograve che se seueramente
si uorragrave considerare ograve Ateniesi si uedragrave che costui notilde egrave diuenuto gratildede da se stesso ma fatto da uoi ampc Si
conuiene ancora agrave questa figura la interrogatione amp la risposta Lrsquoordinatione del parlare che hagrave di
necessitagrave quelche cosa come Costui notilde solo le discordie ciuili acquetograve ma le guerre esterne felicemente estinse La diuisione amp distribuitione come Si lrsquoingegno de gli eloquenti se i fauore de gli amici se
lrsquoautoritagrave de i giudici valessero Cornelio hauria vinta la causa Ma non piugrave di questa figurardquo cf Sommarii
di varie retoriche greche latine et volgari Distintamente ordinati in uno da Gabriele Zinano In Reggio
Apresso Hercoliano Bartholi 1590 pp 198-201 cf Lrsquoidee ouero forme dellrsquoeloquentia scritte da Filiberto
Campanile secondo la dottrina drsquoHermogene e drsquoaltri retori antichi In Napoli apresso Gio Battista Sottile
MDCVI Con licenza dersquo superiori p 22 cf Il secondo tomo dellrsquoopere di M di Giulio Camillo Delminio
cioegrave La Topica ouero dellrsquoElocutione Discorso sopra lrsquoIdee di Hermogene La Grammatica Espositione
sopra il primo amp secondo Sonetto del Petrarca Nvovamente dato in lvce Con privilegio In Venegia
apresso Gabriel Giolito dersquo Ferrari MDLX [1560] p 116 cf Le Idee ouero Forme della oratione da
Hermogene considerate amp ridotte in questa lingua per M Giulio Camillo Delminio Friulano A queste
srsquoaggiunge lrsquoArtificio della Bucolica di Virgilio spiegato dal detto M Giulio Camillo Opere novamente
130
Itere-se a saphēneia eacute retoricamente necessaacuteria mas natildeo basta Isso significa a
elaboraccedilatildeo decorosa dos discursos mistos supotildee a visita agraves demais ideai Nisso o Peri
ideōn eacute repetitivo Essa visita tomem-se como exemplo outras ideai primaacuterias a saber
megethos kallos gorgotēs ēthos e alētheia eacute da ordem da necessidade da utilidade da
adequaccedilatildeo Sabe-se bem no ldquoDiscurso Poeacuteticordquo de Manuel de Galhegos atualiza-se o
preceito pela afirmaccedilatildeo de que a Ulyssea ou Lisboa Edificada aleacutem da ldquoclaridaderdquo da
ldquoenargiardquo da ldquoeuidencia no dizerrdquo da ldquoSaphiniardquo compotildee-se como obra mista da
ldquograndeza do estilordquo da ldquofermosurardquo da ldquobreuidaderdquo e das demais formas discursivas
referidas pelo apologista de Gabriel Pereira de Castro agrave luz de Hermoacutegenes Essa visita
agraves demais ideai o tratado grego assim a codifica na medida em que pode o discurso
vergar-se ao vulgar ldquoto eutelēsrdquo (ldquo εὐτελήςrdquo) e ao rasteiro ldquotapeinonrdquo (ldquoταπεινόνrdquo)
quando demasiadamente claro conveacutem acrescentar agrave saphēneia algo que lhe decirc grandeza
(megethos) majestade (axiōma) amplitude (onkos) Precisamente Hermoacutegenes entende
haver relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo entre eutelēs e megethos (cf HERM 241 11-15) 385 A
interpretaccedilatildeo de Filiberto Campanille mostra-o explicitamente
[] perche la troppa chiarezza potrebbe rendere humile e vile il parlare
hauragrave tal volta bisogno drsquovn certo peso chrsquoegrave propriamente la
grandezza []386
[] porque a excessiva clareza poderia tornar humilde e vil o discurso
haveraacute desta vez necessidade de um certo peso que eacute propriamente a
mandate in lvce da Gio Domenico Salomoni Al Sigr Andrea Sasso svo compare Co i Priuilegij dell sommo Pontefice amp del Regrave Catholico amp con pena di scommunica Con Licenza dersquo Svperiori In Vdine M C
XCIIII [1594] Apresso Gio Battista Natolini p 4 385 Giulio Camillo Delminio assim escreve ldquoDopporsquol trattato della Chiarezza [ή]
conseguentemente parlaremo della Grandezza [] della oratione perche eacute forza [ἀναγκαῖόν ἐστι]
che al parlare di chiarezza sia senza dubbio Grandezza amp per cosigrave dire vno cotal tumore [ὄγκος] amp
dignitate [ἀξίωμα] percioche ad vn parlare fuor di modo chiaro farebbe aggiunta imperfetionne che egrave
contraria alla Grandezzardquo Diga-se a ldquoimperfetionne che egrave contraria alla Grandezzardquo na liccedilatildeo grega do
texto faz referecircncia a ldquo εὐτελήςrdquo cf Le Idee ouero Forme della oratione da Hermogene considerate
amp ridotte in questa lingua per M Giulio Camillo Delminio Friulano A queste saggiunge lArtificio della
Bucolica di Virgilio spiegato dal detto M Giulio Camillo Opere novamente mandate in lvce da Gio
Domenico Salomoni Al Sigr Andrea Sasso svo compare Co i Priuilegij dell sommo Pontefice amp del Regrave
Catholico amp con pena di scommunica Con Licenza dersquo Svperiori In Vdine M C XCIIII [1594] Apresso
Gio Battista Natolini p 8 386 Cf Lrsquoidee ouero forme dellrsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la dottrina drsquoHermogene
e drsquoaltri retori antichi In Napoli apresso Gio Battista Sottile MDCVI Con licenza dersquo superiori pp 5r-
v
131
grandeza [] 387
Itere-se a ideia de megethos no Peri ideōn compotildee-se de formas discursivas
ancilares a saber semnotēs trakhytēs sphodrotēs lamprotēs akmē e peribolē (cf HERM
242 4-5) Operaacute-las no corpo do preceito eacute esquivar-se ao vulgar e ao rasteiro natildeo
apenas em termos elocutivos Acentua o entendimento do preceito Francisco Porto na
epiacutestola biliacutengue destinada ao editor protestante Jean Crespin (1520-1572) que abre a
ediccedilatildeo Aphtonius Hermogenes Dionysius Longinus praeligstatissimi artis Rhetorices
magistri Francisci Porti Cretensis opera industriaque illustrati atque expoliti (1569)
pois que se afirma em nota agrave margem ldquodebet autem oratio esse perspicua amp non humilisrdquo
ou seja ldquoora deve o discurso ser claro amp natildeo humilderdquo 388 O comentaacuterio recorda
textualmente em grego passo do livro terceiro da Retoacuterica de Aristoacuteteles ldquodei saphē kai
mē tapeinēn einairdquo (ARIST Rhet 3 12 1414 a 20 ldquoδεῖ σαφῆ καὶ μὴ ταπεινὴν εἶναιrdquo)
em traduccedilatildeo lusa de Manuel Alexandre Juacutenior Paulo Farmhouse Alberto e Abel do
Nascimento Pena ldquoeacute forccediloso ser claro e natildeo rasteirordquo de modo que se faccedila penetrar na
leitura do Peri ideōn a saphēneia tal como pensada por Aristoacuteteles
Eacute preciso lembrar que com a Poeacutetica e a Retoacuterica aristoteacutelicas letrados como
Francisco Porto que operam a permeabilidade dos preceitos de Hermoacutegenes e de
Aristoacuteteles aprenderam que peregrino (γλῶττα) eacute o vocaacutebulo estrangeiro (ξενικν) o
metafoacuterico (μεταφορά) e o alongado (ἐπεκτεταμένον) (cf ARISTOT Poet 22 1458 a
20-23) ou seja que peregrino eacute todo vocaacutebulo que se desvia do uso corrente (κύριον) e
cujo emprego afasta a poesia do vulgar do banal do comum da elocuccedilatildeo (τ ἰδιτικν)
como que do grau zero da lexis e a faz nobre (σεμν) e a ornamenta (cf ARISTOT Poet
22 1458 a 21 ARISTOT Rhet 3 2 1404 b 9-10) Recorde-se que o adjetivo ldquosemnosrdquo
empregado por Aristoacuteteles emprega-o Hermoacutegenes no campo semacircntico da semnotēs em
referecircncia a uma categoria estiliacutestica de circunscriccedilatildeo precisa cujo efeito seja a elevaccedilatildeo
retoacuterica do discurso
Reitere-se que conforme o Aristoacuteteles recuperado por Francisco Porto eacute virtude
da lexis ser clara (σαφ) sem ser chatilde rasteira (ταπειν) ser peregrina sem ser
387 Traduccedilatildeo nossa 388Cf Aphtonius Hermogenes Dionysius Longinus praeligstatissimi artis Rhetorices magistri Francisci
Porti Cretensis opera industriaacuteque illustrati atque expoliti Genevaelig apvd I Crispinvm MDLXIX [1569]
sp
132
enigmaacutetica nem baacuterbara pois que no enigma (αἴνιγμα) predominam as metaacuteforas e no
barbarismo (βαρβαρισμός) os vocaacutebulos estrangeiros (cf ARISTOT Poet 22 1458 a 17-
33) de modo que para Aristoacuteteles convecircm as misturas vocabulares que equilibrem os
termos correntes com os peregrinos 389 A liccedilatildeo da Poeacutetica prevecirc que empregar
adequadamente (πρεπόντως) os vocaacutebulos peregrinos sobretudo as metaacuteforas eacute sinal
de pendor do poeta (εὐφα) (cf ARISTOT Poet 22 1459 a 6) Empregaacute-los
inadequadamente (ἀπρεπῶς) em contrapartida de acordo com Aristoacuteteles se constitui
como deformaccedilatildeo ridiacutecula (cf ARISTOT Poet 22 1458 b 11 14 ldquoγελοῖονrdquo ldquoγελοῖαrdquo)
cujo efeito pode-se depreender das liccedilotildees da Retoacuterica eacute a lexisfriacutegida (ψυχρά)
contrafaccedilatildeo viciosa da nobreza e da ornamentaccedilatildeo do discurso (cf ARISTOT Rhet 3 3
1)
Esses passos da Poeacutetica que regulam as virtudes da lexis refere-os Francisco de
Quevedo (1580-1645) na epiacutestola a Gaspar de Guzmaacuten o Conde-Duque de Olivares
epiacutestola ldquoAl Excelentiacutessimo sentildeor Conde Duque Gran Canciller mi sentildeorrdquo390 que
introduz as Obras propias y traducciones latinas griegas y Italianas de Fray Luis de
Leoacuten (ca 1527-1591) estampadas em Madri em 1631 A liccedilatildeo apresenta-se em latim
em concordacircncia com a ediccedilatildeo biliacutengue de Aristoacuteteles greco-latina elaborada por
Alessandro Pazzi em ediccedilatildeo primeira de 1536391
Dictionis autem virtus amp perspicua sit non tamen humilis quaelig igitur
ex proprijs nominibus constabit maximegrave perspicua erit humilis tamen
exemplum sit Cleophontis Stheneli quaelig poesis illa veneranda amp omne
389 Cf ARIST Poet 22 1458 a 30-4 ldquoεῖ ἄρα κεκρᾶσθαί πως τούτοις τὸ μὲν γὰρ τὸ μὴ ἰδιωτικὸν
ποιήσει μηδὲ ταπεινόν οἷον ἡ γλῶττα καὶ ἡ μεταφορὰ καὶ ὁ κόσμος καὶτἆλλα τὰ εἰρημένα εἴδη τὸ δὲ κύριον τὴν σαφήνειανrdquo [Necessaacuteria seraacute portanto como que a mistura de toda espeacutecie de vocaacutebulos
Palavras estrangeiras metaacuteforas ornatos e todos os outros nomes de que falamos elevam a linguagem acima
do vulgar e do uso comum enquanto os termos correntes lhe conferem a clareza] cf ARISTOacuteTELES Poeacutetica
Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 2ordf ediccedilatildeo Satildeo Paulo Ars Poetica 1993 p 115 390 Cf ELLIOTT J H ldquoQuevedo and the Count-Duke of Olivaresrdquo in IFFLAND J (Org) Quevedo in Perspective Newark Delaware Juan de la Cuesta 1982 pp 227-50 391 Em Alessandro Pazzi lecirc-se ldquoDictionis aũt uirtus ut perspicua sit non tamen humilis quaelig igitur ex
proprijs nominibus constabit maxime perspicua erit humilis tamen exemplum sit Cleophontis Stheneliq
quaelig poesis illa ueneranda amp omne prorsus plebeium excludens quaelig peregrinis utetur uocabulis
Peregrinum uoco uarietatem linguarum translationem extensionem tam quodcumque agrave proprio alienum
estrdquo A despeito da pontuaccedilatildeo haacute uma uacutenica variante entre a liccedilatildeo de Alessandro Pazzi e a de Francisco de
Quevedo o adveacuterbio ldquoprorsusrdquo (inteiramente) que modifica o sentido de ldquoexcludensrdquo fazendo-lhe intenso
vigoroso ldquoProrsusrdquo eacute presente no primeiro ausente no segundo em Pazzi lecirc-se ldquoque exclui inteiramente
tudo o que eacute plebeurdquo (omne plebeium excludens) ao passo que em Quevedo lecirc-se ldquoque exclui tudo o que
eacute plebeurdquo (omne prorsus plebeium excludens) cf Aristotelis poetica per Alexandrum Paccium patritium
Florẽtinum in Latinum conversa Basileaelig M D XXXVII [1537] p 48
133
plebeium excludens quaelig peregrinis utetur vocabulis peregrinum voco
varietatem linguarum translationem extensionem tam quodcumque aacute
proprio alienum est392
E tambeacutem em espanhol
La virtud de la diccion ha de ser perspicua no humilde la que constare
de nombres propios seraacute perspicua sea exemplo de la humilde la
Poesia de Cleofonte y de Stenelo aquella es venerable y excluye todo
lo que es plebeyo que usa de vocablos peregrinos peregrino llamo la
variedad de lenguas translacion extension y todo lo que es ageno de
lo propio393
A virtude da dicccedilatildeo haacute de ser perspiacutecua natildeo humilde A que constar de
nomes proacuteprios seraacute perspiacutecua seja exemplo da humilde a poesia de
Cleofonte e de Esteacutenelo aquela eacute veneraacutevel e exclui tudo o que eacute plebeu
que usa de vocaacutebulos peregrinos peregrino chamo a variedade de
linguas a translaccedilatildeo a extensatildeo e tudo o que eacute alheio ao proacuteprio394
Ora para Francisco de Quevedo assim como para Francisco Porto trata-se de
asseverar a clareza a perspicuitas a perspicuidade como lexeōs de aretē (ldquoέξεως δέ
αρετήrdquo) ou seja como ldquovirtud de la diccionrdquo395 O preceito inscrito na dedicatoacuteria agraves
392 Alessandro Pazzi traduz o seguinte passo da Poeacutetica (cf ARISTOT Poet 22 1458 a 18-23) ldquoλέξεως δὲ ἀρετὴ σαφῆ καὶ μὴ ταπεινὴν εἶναι σαφεστάτη μὲν οὖν ἐστιν ἡ ἐκ τῶν κυρίων ὀνομάτων ἀλλὰ ταπεινή παράδειγμα δὲ ἡ Κλεοφῶντος ποίησις καὶ ἡ Σθενέλου σεμνὴ δὲ καὶ ἐξαλλάττουσα τὸ ἰδιωτικὸν ἡ τοῖς ξενικοῖς κεχρημένη ξενικὸν δὲ λέγω γλῶτταν καὶ μεταφορὰν καὶ ἐπέκτασιν καὶ πᾶν τὸ παρὰ τὸ κύριονrdquo Assim Eudoro de Souza o traduz ldquoQualidade essencial da elocuccedilatildeo eacute a clareza sem
baixeza Clariacutessima mas baixa eacute a linguagem constituiacuteda por vocaacutebulos correntes como as composiccedilotildees
de Cleofonte e Estecircnelo Pelo contraacuterio eacute elevada a poesia que usa de vocaacutebulos peregrinos e se afasta da
linguagem vulgar Por vocaacutebulos lsquoperegrinosrsquo entendo as palavras estrangeiras metafoacutericas alongadas e
em geral todas as que natildeo sejam de uso correnterdquo 393 Cf Obras propias y traducciones latinas griegas y Italianas Con la parafrasi de algunos Psalmos y
Capitulos de lob Sacadas de la libreriacutea de don Manuel Sarmiento de Mendoccedila Canonigo de la Magistral
de la santa Iglesia de Sevilla Dalas a la Impression don Francisco de Quebedo (sic) Villegas Imp del
Reyno (Viuda de Luis Saacutenchez) A costa de Domingo Gonccedilalez Madrid 1631 p 2 394 Traduccedilatildeo nossa 395 Liccedilatildeo assemelhada lecirc-se em Joseacute Antonio Gonzaacutelez de Salas (1588-1654) ldquo[Aristoacuteteles] Dice en el
principio de el Cap 22 Es pues la Virtud (por Excelencia como la maior sentildeala esta) de la Locucion que
sea perspicua i clara pero no por esso ha de ser humilde Mostrando assi que ha de ser valiente i alta Lo
mismo observa aun para su Orador dilatadamente el doctissimo Hermogenes en el Libro primero de sus
Ideas Dice pues en uno de muchos lugares Que es sin duda mui necessario que a la Perspicuidad
acompantildee la grande i elevada Alteccedila de la Oracion Pero nueva entiendo que ha de ser esta doctrina para
134
Obras propias y traducciones latinas griegas y Italianas de Fray Luis de Leoacuten prepara-
lhe a recepccedilatildeo e faz delas das obras que o volume recolhe elogiosamente exemplo de
virtude O procedimento natildeo dista do que faz Manuel de Galhegos ao ler Gabriel Pereira
de Castro ou do que faz Fernando de Herrera ao ler Garcilaso de la Vega Na epiacutestola
desde logo se afirma
la diccion es grande propia y hermosa con facilidad de tal casta que
ni se desautoriccedila con lo vulgar ni se haze peregrina con lo impropio
todo su estilo cotilde magestad estudiada es decente a lo magniacutefico de la
sentencia q ni ambiciosa se descubre fuera del cuerpo de la oraciotilde ni
tenebrosa se esconde mejor direacute q se pierde en la cotildefusioacuten afectada de
figuras y en la inũdacioacuten de palabras forasteras 396
a dicccedilatildeo eacute grande propria e bela com facilidade de tal espeacutecie que nem
se desautoriza com o vulgar nem se faz peregrina com o improprio
Todo seu estilo com majestade estudada eacute decente ao magniacutefico da
sentenccedila que nem ambiciosa se descobre fora do corpo da oraccedilatildeo nem
tenebrosa se esconde melhor direi que se perde na confusatildeo afetada de
figuras e na inundaccedilatildeo de palavras estrangeiras397
Isto seja eacute asserccedilatildeo do comedimento como propriedade da lexis como virtude
preciacutepua da dicccedilatildeo de poeta agrave maneira de Fray Luis de Leoacuten no juiacutezo de Francisco de
Quevedo apto a permanecer na exata medida que afasta o vulgar e o peregrino da
construccedilatildeo do ldquoestilo cotilde magestad estudiadardquo Inepto em contrapartida porque
considerado afetado nos termos da epiacutestola aduzida eacute o artiacutefice que se enleva no
desmedido da vulgaridade e da rareza em razatildeo do emprego enigmaacutetico de metaacuteforas ou
baacuterbaro de estrangeirismos Satildeo exemplos de ineacutepcia no passo de Aristoacuteteles relido por
aquellos miseros que torpemente profanos enturbian i obscurecen las fuentes puras i limpias de las Musas
por no ver en ellas representada su ignoratildecia Dos extremos oppuestos juzgaraacuten que aqui Aristoteles junta
Que fea Alto el character de el Stilo i juntamente Claro porque (como tambieacuten en el mismo lugar ensentildea
Hermogenes) Peligra mucho en ser debil la oracion que Clara es i Perspicuardquo cf Nueva ideia de la
tragedia antigua o Ilustracion ultima al libro singular De poetica de Aristoteles Estagirita por Don Iusepe
Antonio Gonccedilalez de Salas En Madrid Lo imprimio Franc Martinez Antildeo MDCXXXIII [1633] pp 83-84 396 Cf Obras propias y traducciones latinas griegas y Italianas Con la parafrasi de algunos Psalmos y
Capitulos de lob Sacadas de la libreriacutea de don Manuel Sarmiento de Mendoccedila Canonigo de la Magistral
de la santa Iglesia de Sevilla Dalas a la Impression don Francisco de Quebedo (sic) Villegas Imp del
Reyno (Viuda de Luis Saacutenchez) A costa de Domingo Gonccedilalez Madrid 1631 pp 2-3 397 Traduccedilatildeo nossa
135
Francisco de Quevedo Cleofonte e Esteacutenelo poetas traacutegicos gregos tidos por ineptos pelo
desmedido da lexis chatilde em gecircnero de poema a trageacutedia elevado Cleofonte refere-o
ademais Aristoacuteteles na Retoacuterica como exemplo de desproporccedilatildeo no emprego da lexis em
decorrecircncia da falta de conformidade (πρέπον) com a mateacuteria (πρᾶγμα) inventada visto
o poeta em vez da altiloquecircncia produzir o registro cocircmico por enunciar algo como
ldquopotnia sykērdquo (πότνια συκῆ) ou melhor ldquoveneraacutevel figueirardquo (cf ARISTOT Rhet 3 7
1408 a 12-16)
Pode-se supor o exemplo eacute paroacutedico como paroacutedicos satildeo os exemplos lidos no
opuacutesculo La cvlta latiniparla de Francisco de Quevedo Sabe-se o autor sob o
pseudocircnimo chistoso de ldquoAldrobando Anathema Cantacuceno graduado em trevas douto
em obscuras natural das soledades de baixordquo398 publicou em Valecircncia depois em
Zaragoza e entatildeo em Madri nos anos de 1629 1630 e 1631 posteriormente ao
falecimento de D Luiacutes de Goacutengora versotildees distintas do opuacutesculo que se consagraria
como La cvlta latiniparla cathecismo de vocablos para instruir agrave las mugeres Cultas y
Hembrilatinas399 saacutetira veemente e feroz ao emprego de palavras peregrinas na poesia de
imitaccedilatildeo gongoacuterica de damas cultas da corte espanhola pejorativamente referidas no
opuacutesculo como ldquoDamas gerigonccedilas que parlan el Alcoran Macarronicordquo
Ora conforme o Tesoro de la Lengua Castellana o Espantildeola de Sebastiaacuten de
Covarrubias Orozco por ldquogerigonzardquo ou ldquogerigonccedilardquo entende-se
vn cierto lenguaje particular de que vsan los ciegos cotilde que se entienden
entre si Lo mesmo tienen los Gitanos y tambien forman lengua los
rufianes y los ladrones que llaman Germania Dixose gerigonccedila quasi
gregigonccedila porque en tiempos passados era tan peregrina la lengua
Griega que aun pocos de los que professauan facultades la entendian
y assi deziatilde hablar Griego el que no se dexaua entender [hellip]400
398 Sobre as diferentes versotildees impressas do texto JAURALDE POU Pablo ldquoTexto fecha y circunstancias
de La Culta Latiniparla de Quevedordquo In Bulletin Hispanique Tome 83 ndeg 1-2 1981 pp 131-143 399 Hembralatino eacute adjetivo formado por composiccedilatildeo hembra (substantivo ldquofecircmeardquo) + latino (adjetivo)
Em portuguecircs trata-se de algo como ldquofemilatinordquo 400 Cf Tesoro de la Lengva Castellana o Espantildeola Compvesto por el licenciado D Sebastian de
Cobarruuias Orozco Capelan de su Magestade Mastrescuela y Canonigo de santa Iglesia de Cuenca y
consultor del santo Oficio de la Inquisicion Dirigido a la Magestad Catolica del Rey Don Felipe III nestro
sentildeor Con Privilegio En Madrid por Luis Sanchez impressor del Rey N S Antildeo del Sentildeor M DC XI
[1611] p 434v
136
uma certa linguagem particular que usam os cegos com que se
entendem entre si Isso tecircm os Ciganos e tambeacutem formam liacutengua os
rufiotildees e os ladrotildees que a chamam germania401 Disse-se gerinccedilonccedila
quase greguingonga porque em tempos passados era tatildeo peregrina a
liacutengua Grega que mesmo os poucos que professavam faculdades a
entendiam e assim diziam falar Grego aquele que natildeo se deixava
entender [hellip]402
Diga-se como equivalente semacircntico de ldquogermaniardquo ldquogerigonccedilardquo eacute acolhe
Sebastiaacuten de Covarrubias Orozco ldquoel lenguage de la rufianesca dicho assi o por q no
los entẽdemos o por la hermatildedad q entre si tienẽrdquo 403 (a linguagem da rufianesca dito
assim ou porque natildeo os entendemos ou pela irmandade que entre si tecircm) Entende-se
ldquogerigonccedilardquo eacute o falar difiacutecil de compreender eacute o jargatildeo eacute o calatildeo nas acepccedilotildees do Tesoro
de la Lengua Castellana o Espantildeola cujo emprego irmana no vitupeacuterio as vozes de
ciganos rufiotildees e ladrotildees plebeus em sociedade de corte de linguajar considerado
incompreensiacutevel por este noacutes majestaacutetico e normativo que desautoriza como viciosas e
vulgares as formas linguiacutesticas pensadas nos termos da Institutio oratoria de Quintiliano
(seacutec I dC) como desvios do costume isto eacute do consenso dos eruditos (QUINT Inst or
I 6 45 ldquoErgo consuetudinem sermonis uocabo consensum eruditorumrdquo) Para Francisco
de Quevedo entre estas vozes desviantes na inteligibilidade e na impropriedade da
convenccedilatildeo como viacutecio vulgar estaacute a das damas cultas de praacutetica de poesia gongoacuterica
cujas letras enunciam-se no opuacutesculo La cvlta latiniparla como ldquoAlcoran Macarronicordquo
Identificadas ao Alcoratildeo consoante a ortodoxia catoacutelica contrarreformista atualizada no
preceito em terras ibeacutericas no seacuteculo XVII essas letras supotildeem-se ldquomaldito librordquo assim
eacute definido o coacutedigo sagrado dos muccedilulmanos em Sebastiaacuten de Covarrubias Orozco404
supotildeem-se ldquoheresia poeacuteticardquo405 construiacuteda em ldquocerto lenguage compuesto de varias
lenguasrdquo (certa linguagem composta de vaacuterias liacutenguas) 406 como babeacutelica como
401 Entenda-se por ldquogermaniardquo em liacutengua portuguesa o calatildeo 402 Traduccedilatildeo nossa 403 Cf Tesoro de la Lengva Castellana o Espantildeola Compvesto por el licenciado D Sebastian de
Cobarruuias Orozco Capelan de su Magestade Mastrescuela y Canonigo de santa Iglesia de Cuenca y
consultor del santo Oficio de la Inquisicion Dirigido a la Magestad Catolica del Rey Don Felipe III nestro
sentildeor Con Privilegio En Madrid por Luis Sanchez impressor del Rey N S Antildeo del Sentildeor M DC XI
[1611] p 42v 404 Idem p 39r 405 Cf HANSEN J A A saacutetira e o engenho Gregoacuterio de Matos e Guerra e a Bahia do seacuteculo XVII p 335 406 Idem p 530r
137
monstruosa porque qualificado o alcoratildeo como macarrocircnico Recorde-se para Francisco
Cascales (1563-1642) D Luis de Goacutengora eacute ldquoMahoma de la poesiacutea espantildeolardquo (Maomeacute
da poesia espanhola)407
De modo que sejam vituperadas as damas de letras discretas e cultas como
vulgares obscuras ineptas e hereacuteticas Francisco de Quevedo sempre em chave de
desqualificaccedilatildeo emprega sintagmas como ldquomugeres Cultas y Hembrilatinasrdquo ou ldquobuena
culteranardquo Aiacute como em ldquocvlta latiniparlardquo trata-se de neologismo408 Ainda que se leiam
registrados os termos ldquoculteranismordquo ldquoculteranordquo ldquoculteriardquo ldquoculterordquo ldquocultiparlarrdquo e
ldquocultiparlistardquo no tomo II do Diccionario de autoridades editado em 1739 pela Real
Academia Espantildeola como eacute possiacutevel notar por dois desses exemplos
CULTERANO NA adj Lo que pertenece al hablar culto afectadamente
Es voz inventada y jocoacutesa Lat Affectati sermonis putidum studium
QUEV Cult Latinip Considerando con el pujo que los enamorados de
romance deletrean lo culterano de las damas que ahora hablan nublado
Ninguna culteraacutena de todos quatro vocablos ha de llamar al coche соche
CULTERANO NA Adj O que pertence ao falar culto afetadamente Eacute
voz inventada e jocosa Lat Affectati sermonis putidum studium QUEV
Cult Latinip Considerando com o desejo que os apaixonados do
romance soletram o culterano das damas que agora falam nublado
Nenhuma culterana de todos os quatro vocaacutebulos haacute de chamar agrave
carruagem carruagem 409
E tambeacutem
407 Cf MEDRANO J de E Apologeacutetico en favor de Don Luis de Goacutengora Edicioacuten anotada de Luis Jaime Cisneros Lima Universidad de San Martiacuten de Porres 2005 p 67 408 Diga-se os juiacutezos de letrados como Francisco de Quevedo tecircm usos que avanccedilam muito o tempo em
que se enunciam Almeida Garrett (1799-1854) no tratado Da educaccedilatildeo publicado em Londres em 1829
interessado na eleiccedilatildeo das leituras de jovens estudantes portugueses escreve que natildeo se deviam dar a eles
textos na liacutengua portuguesa de Gil Vicente nem ldquonrsquoestoutra algaravia de tarelos que natildeo eacute mais Portuguez
tampouco gafa de barbarismos e solecismos gallici-parla de cartazes de theatro de columnas de gazeta
ou de sermatildeo de preacutegador de fama na qual pelo comum eacute hoje escripto o mais do que em Portuguez se
escreverdquo (grifo meu) Nas notas de rodapeacute da ediccedilatildeo afirma-se que gallici-parla eacute termo cunhado por ldquoF
Man do Nascimentordquo por imitaccedilatildeo de Francisco de Quevedo Cf GARRETT A Da educaccedilatildeo Londres
Sustenance e Stretch 1829 pp 132-133 409 Traduccedilatildeo nossa
138
CULTIPARLAR v n Lo mismo que Hablar culto con afectacioacuten Es
voz festiva e inventada410
CULTIPARLAR v n O mesmo que Falar culto com afetaccedilatildeo Eacute voz
festiva e inventada 411
Ainda assim em princiacutepio do seacuteculo XVII esses termos em conformidade com
as categorias rememoradas por Joatildeo Adolfo Hansen ao expor doutrinariamente a poesia
de agudeza satildeo ldquoParole Finterdquo palavras fictas fingidas das quais Francisco de Quevedo
avesso agrave autoridade de D Luiacutes de Goacutengora da Faacutebula de Polifemo y Galatea (1612) das
Soledades (1613) faz uso para satirizar-lhe a obra poeacutetica culta e atacaacute-lo como poeta
obscuro e incongruente indigno de imitaccedilatildeo e emulaccedilatildeo412 Essas ldquoParole Finterdquo Il
Cannocchiale Aristotelico do conde Emanuele Tesauro (1592-1675) prescreve como
ldquointeramente fabricate dal nostro ingegno amp perciograve piugrave pellegrine che le Composite
benche piugrave barbarerdquo (inteiramente fabricadas por nosso engenho amp por isso mais
peregrinas que as Compostas ainda que mais baacuterbaras)413 No caso de Francisco de
Quevedo pois ldquohembrilatinordquo eacute adjetivo composto pela aglutinaccedilatildeo de hembra
(substantivo ldquofecircmeardquo) e latino (adjetivo) e culterano embora seja sabido que como
ldquoculteranismordquo se trate de termo que remonta aos usos de Lope de Vega (1562-1635)
semelhantemente eacute adjetivo composto pela aglutinaccedilatildeo de culto (adjetivo) e luterano
(adjetivo) No opuacutesculo satiacuterico este processo de aglutinaccedilatildeo mira jocosa e
pejorativamente condensar as criacuteticas ao uso poeacutetico de termos peregrinos estrangeiros
jaacute que o que dele decorre de acordo com Francisco de Quevedo eacute essa cvlta latiniparla
o ldquolenguage hermafroditordquo misto descomposto monstruoso afetado e ridiacuteculo em
410 Cf Diccionario de la lengua castellana en que se explica el verdadero sentido de las voces su
naturaleza y calidad con las phrases o modos de hablar los proverbios o refranes y otras cosas
convenientes al uso de la lengua [] Compuesto por la Real Academia Espantildeola Tomo primero Que contiene las letras AB Madrid Imprenta de Francisco del Hierro 1729 411 Traduccedilatildeo nossa 412 Cf HANSEN J A A saacutetira e o engenho Gregoacuterio de Matos e Guerra e a Bahia do seacuteculo XVII 2ordf ed
rev Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial Campinas Editora da Unicamp 2004 pp 328 334 413 Il cannocchiale aristotelico orsquo sia Idea dellrsquoarguta et ingeniosa elocutione che serue agrave tutta lrsquoarte
oratoria lapidaria et simbolica esaminata corsquo principii del diuino Aristotele dal conte D Emanuele
Tesauro Cavalier Gran Croce dersquo Santi Mauritio et Lazaro Quarta impressione Accresciuta dallrsquo Autore
Trattati cioegrave Dersquo Concetti Predicabili et Degli Emblemi con un nuouo Indice Alfabetico oltre agrave quello
delle materie Dedicato al Reuerendiss Padre Gio Paolo Oliva Vicario Generale della Compagnia di
Giesu In Roma agrave Spese di Guglielmo Halleacute Libraro nella Piazza di Pasquino M DC LXIV [1664] Con
licenza dersquo Superiori E Priuilegio p 312
139
decorrecircncia dos pressupostos excessos em castelhano do emprego de leacutexico raro
emprestado ao latim
Sabe-se o vitupeacuterio satiricamente construiacutedo mira a agudeza e o estilo gongoacuterico
dito culterano para aludir luterano poesia que ldquosoacute eacute clara quando queimadardquo propotildee
Francisco de Quevedo e assim hereacutetica numa analogia agraves praacuteticas inquisitoacuterias414 O
vitupeacuterio intenta mostrar na poesia gongoacuterica e em suas imitaccedilotildees o viacutecio porque a
considera aristotelicamente excessiva e por isso adoxal e afetada termo jaacute conhecido e
particularmente empregado na Arte poeacutetica de Francisco Joseacute Freire num capiacutetulo assim
denominado ldquoExtremos viciosos dos estilos contrapostos equiacutevocos paranomaacutesias
alusotildees e outras pestes condenadasrdquo415 A analogia agraves praacuteticas do Santo Ofiacutecio talvez
sem semelhanccedila para os leitores de hoje parece lugar-comum nesses tempos jaacute distantes
visto operar em termos afins num comentaacuterio de Manuel de Faria e Sousa ao soneto de
Camotildees ldquoAlma minha gentil que te partisterdquo O comentador mirando um passo do soneto
e referindo Garcilaso escreve
Y otros dizen que no saben que ay que comentar en Garcilasso porque
no se hallan clausulas endemoniadas quales las de Gongora y sus
imitadores como si en el hablar claro no se escondiesse misterio
ciencia y erudicion [hellip]416
E outros dizem que natildeo sabem que haacute o que comentar em Garcilaso
porque natildeo se acham claacuteusulas endemoniadas tais quais as de Goacutengora
414 Cf HANSEN J A A saacutetira e o engenho Gregoacuterio de Matos e Guerra e a Bahia do seacuteculo XVII 2ordf ed
rev Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial Campinas Editora da Unicamp 2004 p 335 HANSEN J A ldquoFecircnix
renascida amp Postilhatildeo de Apolo uma introduccedilatildeordquo pp 22-4 40 415 Recorde-se breve passagem da Arte poeacutetica de Francisco Joseacute Freire ldquoJusto o seraacute que depois de termos
tratado dos dous estilos poeacuteticos passemos a notar os extremos e viacutecios em que estaacute colocada a beleza
deles Pode pecar o estilo florido por parte do muito e o maduro por parte do pouco Ao primeiro viacutecio
chamamos afetaccedilatildeo de que jaacute tratamos ao segundo damos o nome de secura Um eacute excesso outro eacute falta
daquela maravilha e novidade da Mateacuteria ou do Artifiacutecio em que consiste a beleza poeacutetica Facilmente cai no primeiro defeito quem quer dizer tudo com substancial brevidade e agudeza espalhando em tudo
flores e aromas ou se empenha a discorrer com engenhosa escuridade para que os seus conceitos natildeo
sejam logo entendidos ou tambeacutem para que quem lecirc imagine neles o que natildeo haacute ou muito mais do que
haacuterdquo FREIRE F J Arte poeacutetica ou Regras da verdadeira poesia em geral e de todas as suas espeacutecies
principais tratadas com juizo critico Lisboa Na Officina de Francisco Luiz Ameno 1758 pp 162-3 416 Rimas varias de Luis de Camoens priacutencipe de los poetas heroycos y liricos de Espantildea Ofrecidas al
muy ilustre sentildeor D Ivan da Sylva Marquez de Gouvea presidente del Dezembargo do Paccedilo y mayordomo
mayor de la Casa Real ampc Comentadas por Manuel de Faria Y Sousa Cavallero de la Orden de Christo
Tomo I y II Que contienen la primera segunda y la terceira Centuria de los Sonetos Lisboa Con
Privilegio Real En la Imprenta de Theotonio Damaso de Mello Impressor de la Casa Real Con todas las
licencias necessarias Antildeo de 1685 p 55
140
e seus imitadores como se no falar claro natildeo se escondesse misteacuterio
ciecircncia e erudiccedilotildea [hellip]417
As gongoacutericas ldquoclausulas endemoniadasrdquo do comentarista satildeo causa do que soacute o
fogo contra o hereacuteticos aclara e expurga eacute o que o cruzamento das censuras propotildee
Sabe-se natildeo param aiacute as controveacutersias em torno da poesia de D Luis de Goacutengora418
Poreacutem naquilo que cabe ora mencionar pode ser relevante recuperar um breve trecho do
De ratione dicendi de Juan Luis Vives que Luiza Loacutepez Grigera recorda ao pensar a
recepccedilatildeo espanhola do corpo retoacuterico de Hermoacutegenes
Vetustissimae sunt periodi quae fiunt uel ex antithesis de quibus mox
loquemur uel acutegrave concluso argumento atque adeograve sunt quidam qui
acutegrave concinnata argumenta amp breviter conclusa amp contorte vibrata
eas demum veras periodos esse censeant ut Hermogenes419
Beliacutessimos satildeo os periacuteodos que se fazem ou de antiacuteteses dos quais logo
falaremos ou de argumentos agudamente arrematados E ademais haacute
alguns como Hermoacutegenes que julgam ser propriamente verdadeiros
periacuteodos os argumentos arranjados com agudeza e arrematados com
brevidade e tortuosamente movimentados420
Ora nem tudo eacute vitupeacuterio no ajuizamento de D Luis de Goacutengora Pode-se assim
dizer a ldquocvlta latiniparlardquo o ldquolenguage hermafroditordquo satildeo antes termos de figuraccedilatildeo do
eacutethos discursivo de Francisco de Quevedo que o estilo de D Luis de Goacutengora e seus
imitadores eacute antes a asserccedilatildeo do viacutecio de elocuccedilatildeo pela autoridade do nome Francisco de
Quevedo conforme o consensus eruditorum instituinte dos bons usos retoacutericos e poeacuteticos
eacute antes ficccedilatildeo de uma liacutengua como fictas as palavras satiacuterica proacutepria agraves censuras no
opuacutesculo La cvlta latiniparla de monstruosidade que se faz evidente sempre em chave
417 Traduccedilatildeo nossa 418 HANSEN J A A saacutetira e o engenho Gregoacuterio de Matos e Guerra e a Bahia do seacuteculo XVII p 336 419 VIVES J L Ioannis Ludouici Vivis Rhetoricae siue de recte dicendi ratione libri tres Eiusdem De
Consultatione liber I Basilea Balthasarem Lasiu[m] amp Thomam Platteru[m] 1536 p 48 LOacutePEZ
GRIGERA L La retoacuterica en la Espantildea del siglo de oro p 77 VIVES J L El arte retoacuterica (De ratione
dicendi) Estudio introductorio de Emilio Hidalgo-Serna Edicioacuten traduccioacuten y notas de Ana Isabel
Camacho Barcelona Anthropos Editorial 1988 pp 58-9 420 Traduccedilatildeo nossa
141
de vitupeacuterio mediante exemplos tais quais os que seguem endereccedilados agraves damas cultas
aos poetas agrave maneira gongoacuterica por este tambeacutem fictiacutecio Aldrobando Anathema
Cantacuceno
A su marido por el hastio que causa el tal nombre le llamaragrave
mi Quotidie mi siempre y agrave egravel se le dexa su sempiterna agrave salvo para
quando nombre su muger
Si se ofreciere dezir que despavilen las velas diragrave suena catarro
luciente excita esplendores pantildeiccediluela de corte
Quando llamare agrave las criadas no diga ola Gomez ola Sanchez
sino unda Gomez unda Sanchez que unda y ola son lo propio y ellas
aunque no lo entienden en Latin lo obedecen en Romance pues lo
unden todo
Si huviere de mandar que la compren un capon ograve que se le asen ograve que
se le embien que es lo mas possible no le nombre por escusar la
compassion de lo que le acuerda llamele desgallo ograve tiple de pluma
Para dezir caldo substancial diragrave Licor quiditativo
A las revanadas de pan llamaragrave planicies
Y porque la palabra gota es muy facinorosa y para los oyentes abunda
de cosquillas si se ofreciere dezir deme una gota de agua ograve deme dos
gotas de vino diga Denme una podagra de agua oacute denme dos
podagras de vino
Al ntildeudo ciego llamaragrave ntildeudo rezante
Al queso ceciza de leche
Al escudero llamaragrave manipulo421
A seu marido pelo fastio que causa tal nome o chamaraacute
ldquomeu quotidierdquo422 ldquomeu semprerdquo e a ele deixa-lhe sua sempiterna a
salvo para quando nomear sua mulher
Se se dispuser a dizer que ldquoapaguem as velasrdquo diraacute ldquoassoe o catarro
luzenterdquo ldquoexcite esplendoresrdquo ldquolencinho de corterdquo
421 Cf Obras de D Francisco de Quevedo Villegas Cavallero de la Orden de Santiago Sentildeor de la Villa
de la Torre de Juan Abad Dedicadas a la muy ilustre Academia de los Deconfiados da la Excelentissima
Ciudad de Barcelona Parte Primera Barcelona Por Jaime Suriagrave 1702 pp 206-207 422 Eacute adverbio latino de tempo ldquotodos os diasrdquo ldquocada diardquo ldquoquotidianamenterdquo
142
Quando chamar as criadas natildeo diga ldquoOla Gomezrdquo ldquoOla Sanchezrdquo
mas ldquoUnda Gomezrdquo ldquoUnda Sanchezrdquo porque ldquoundardquo e ldquoolardquo satildeo o
proacuteprio e elas ainda que natildeo tenham conhecimento de latim obedecem
em Romance pois ondeam todos
Se tiver de mandar que comprem um capatildeo423 ou que o assem ou que
lhe enviem um que eacute o mais possiacutevel natildeo o nomeie por escusar a
compaixatildeo do que lhe acorda chame-o ldquodesgalordquo 424 ou ldquotiple de
plumardquo425
Para dizer caldo substancial diraacute ldquoLicor quiditativordquo
Agraves fatias de patildeo chamaraacute ldquoplaniacuteciesrdquo
E porque a palavra ldquogotardquo eacute muito facinorosa e para os ouvintes
abunda em coacutecegas se se dispuser a dizer ldquoDecirc-me uma gota de aacuteguardquo
ou Decirc-me duas gotas de vinhordquo diga ldquoDecirc-me uma podagra de aacuteguardquo ou
ldquoDecirc-me duas podagras de vinhordquo426
Ao noacute cego chamaraacute ldquonoacute rezanterdquo
Ao queijo ldquocharque de leiterdquo
Ao escudeiro chamaraacute ldquomaniacutepulordquo427
Francisco de Quevedo faz troccedila de procedimentos que tratados de retoacuterica de
poeacutetica e de gramaacutetica classificam como viciosos pelo julgamento da inadequaccedilatildeo da
afetaccedilatildeo e do disparate no uso do estrangeirismo (ldquomeu quotidierdquo ldquoUnda Gomezrdquo
ldquoUnda Sanchezrdquo ldquomaniacutepulordquo ou ldquopodragardquo) do neologismo (ldquodesgalordquo) e da metaacutefora
(ldquomeu semprerdquo ldquoassoe o catarro luzenterdquo ldquoexcite esplendoresrdquo ldquopantildeiccediluela de corterdquo
ldquotiple de plumardquo ldquoLicor quiditativordquo ldquoplaniacuteciesrdquo ldquonoacute rezanterdquo ou ldquocharque de leiterdquo)
Reitere-se a citada epiacutestola do poeta a Gaspar de Guzmaacuten que abre as Obras propias y
traducciones latinas griegas y Italianas de Fray Luis de Leoacuten configura-se como
discurso de autoridade428 Francisco de Quevedo para configuraacute-la apela par a par a
423 Isto eacute um frango capado e abatido para alimentaccedilatildeo 424 Francisco de Quevedo constroacutei um neologismo e para isso apotildee o prefixo des- em sentido de negaccedilatildeo
ou de falta ao substantivo ldquogallordquo donde ldquodesgallordquo e em portuguecircs ldquodesgalordquo como construccedilatildeo
motivada do signo linguiacutestico em referecircncia ao frango capado 425 ldquoTiplerdquo eacute a voz mais aguda a voz soprano Escolho ldquoplumardquo e natildeo ldquopenardquo por manter a repeticcedilatildeo do
grupo consonantal pl e por optar pelo mais raro dos termos 426 ldquoPodagrardquo eacute gota que ataca os peacutes em latim podagra em grego ά 427 Traduccedilatildeo nossa 428 Cf Obras propias y traducciones latinas griegas y Italianas Con la parafrasi de algunos Psalmos y
Capitulos de lob Sacadas de la libreriacutea de don Manuel Sarmiento de Mendoccedila Canonigo de la Magistral
de la santa Iglesia de Sevilla Dalas a la Impression don Francisco de Quebedo (sic) Villegas Imp del
Reyno (Viuda de Luis Saacutenchez) A costa de Domingo Gonccedilalez Madrid 1631 p 2
143
Aristoacuteteles ao Pseudo-Demeacutetrio de Falero referido em versatildeo latina de Stanislaus Ilovius
estampada em 1557429 a Horaacutecio acrescido da traduccedilatildeo espanhola de Vicente Espinel 430
429 O passo do Peri hermēneias eacute citado por Francisco de Quevedo em latim e depois em castelhano Leia-
se ldquoDictionem autem in hac figura orationis exquisitam et immutatam nec nimis vulgarem oportet esse
sic enim amplitudinem et dignitatem habebit Propria autem et usitata dictio dilucida quidem semper est
verum hoc ipso facile contemnitur Primum igitur translationibus est utendum (hae enim vel maxime et
voluptatem et amplitudinem conferunt orationibus) non tamen crebris et frequentibus alioquin
dithirambos loco orationis scribemus neque longe petitis sed ex ipsa re et ex simile sumptis lsquoConviene
que sea la diccioacuten en esta figura de oracioacuten exquisita inmutable y no demasiadamente vulgar asiacute tendraacute
amplitud y dignidad Pero la diccioacuten propia y usada siempre es diluacutecida pero por eso se desprecia
faacutecilmente Lo primero se ha de usar de translaciones porque estas dan autoridad y ser a la oracioacuten mas no han de ser frecuentes de otra suerte en lugar de oracioacuten haremos ditirambos Y no se han de buscar de
cosas remotas sino de las propincuas y semejantesrsquordquo
Eacute interesante notar que a traduccedilatildeo latina do texto natildeo eacute a de Pietro Vettori Francisco de Quevedo segundo
Antonio Azaustre Galiana lecirc a versatildeo para o latim da Basileia de 1557 de Stanislaus Ilovius Demetrii
Phalerei De elocvtione liber a Francisco Maslovio Polono in latinum conuersus amp ab eodem obscuriorum
locorum explicationibus illustratus cf GALIANA A A ldquoCuestiones de poeacutetica y retoacuterica en los
preliminares de Quevedo a las poesiacuteas de fray Luis de Leoacutenrdquo La Perinola 7 (2003) p 73 Natildeo pude
consultar esta ediccedilatildeo A liccedilatildeo de Pietro Vettori do mesmo passo eacute a seguinte ldquoLocutionem autem in nota
hac eximiam esse oportet amp immutatam amp extra consuetudinem magis sic enim habebit tumorem propria
autem amp ex consuetudine locutio plana quidem semper erit amp hac de causa abiecta Primum igitur
translationibus vtendum est hae nanque maxime et voluptatem adportant orationi amp magnitudinem non tamen crebris quia dithyrambum pro oratione scribimus neque tamen translatis sed ex se amp ex similisrdquo
cf Petri Victorii commentarii in librum Demetrii Phalerei de elocutione Positis ante singulas declarationes
Graecis vocibus Auctoris ijsdemque ad verbum Latine expressis Additus est rerum et verborum
memorabilium index copiosus Cum P II IIII Pont Max Cosmi Medicis Florentianorum Senensiumq Ducis
ampAlphonsi Ferrariensium Ducis privilegijs ampliszlig per decennium Florentiae In officina Iuntarum
Bernardi F MDLXII [1562] pp 75-5
Em grego lecirc-se o seguinte ldquoΤὴν δὲ λέξιν ἐν τῷ χαρακτῆρι τούτῳ περιττὴν εἶναι δεῖ καὶ ἐξηλλαγμένην καὶ ἀσυνήθη μᾶλλον οὕτω γὰρ ἕξει τὸν ὄγκον ἡ δὲ κυρία καὶ συνήθης σαφὴς μέν λειτὴ δὲ καὶ εὐκαταφρόνητος Πρῶτα μὲν οὖν μεταφοραῖς χρηστέον αὗται γὰρ μάλιστα καὶ ἡδονὴν συμβάλλονται τοῖς λόγοις καὶ μέγεθος μὴ μέντοι πυκναῖς ἐπεί τοι διθύραμβον ἀντὶ λόγου γράφομεν μήτε μὴν πόρρωθεν μετενηνεγμέναις ἀλλ αὐτόθεν καὶ ἐκ τοῦ ὁμοίου []rdquo (cf DEMETR 2
77-8) Observe-se a traduccedilatildeo do passo em versatildeo em liacutengua portuguesa ldquoPor fim o vocabulaacuterio para esse
tipo de estilo deve ser raro com termos que fogem ao sentido habitual e ao costume pois desse modo
teraacute volume Se o vocabulaacuterio proacuteprio com o qual se estaacute acostumado eacute sempre claro em compensaccedilatildeo eacute
tambeacutem modesto Primeiramente entatildeo deve-se fazer uso das metaacuteforas pois as mesmas contribuem
sobretudo para dar prazer e a grandeza ao discurso No entanto natildeo se deve usaacute-las com frequumlecircncia uma vez que ao inveacutes de um discurso estaremos escrevendo um ditirambo Nem se deve forccedilaacute-las partindo de
uma relaccedilatildeo muito distante pelo contraacuterio elas devem ser espontacircneas e partir de uma semelhanccedilardquo cf
FREITAS G A DE Sobre o Estilo de Demeacutetrio Um olhar criacutetico sobre a Literatura Grega (Traduccedilatildeo e
estudo introdutoacuterio do tratado) Satildeo Paulo [UFMG] 2011 [dissertaccedilatildeo de mestrado] p XIX-XX 430 ldquoVir bonus et prudens uersus reprehendet inertis culpabit duros incomptis adlinet atrum transuorso
calamo signum ambitiosa recidet ornamenta parum claris lucem dare cogetrdquo (HOR AP 445-8)
Francisco de Quevedo acrescenta ao texto latino a seguinte versatildeo ldquoEl varon bueno y de prudente pecho
Los versos duros libremente culpa Los que carecen de arte reprehende A los mal adornados con a
pluma Vna negra sentildeal los pone encima La demasia de ornamento corta Los poco claros manda que
se aclarenrdquo cf Diuersas rimas de Vicente Espinel con el Arte Poetica y algunas Odas de Oracio
traduzidas en verso Castellano Madrid Por Luis Sanchez 1591 p 165-6
144
a Quintiliano431 e a Antocircnio Lulio432 leitor de Hermoacutegenes de modo a referendar o juiacutezo
criacutetico que natildeo apenas elogia e defende o saber-fazer poeacutetico de Fray Luis de Leoacuten mas
tambeacutem vitupera e condena a poesia culta agrave maneira gongoacuterica
Conforme Hermoacutegenes metaacuteforas desse feitio compotildeem-se para aleacutem dos limites
da moderaccedilatildeo Entenda-se o Peri ideōn inscreve o emprego das tropikai lexeis (cf HERM
248 9-10 ldquordquo) isto eacute das palavras metafoacutericas ldquole parole riuolterdquo na
traduccedilatildeo de Giulio Camillo Delminio433 entre os expedientes que perfazem a semnotēs
que concorrem para a composiccedilatildeo do megethos no discurso Alerta Hermoacutegenes no
entanto que o artiacutefice mirando matizar a saphēneia por intermeacutedio da lexis pode incorrer
em desmesuras que fazem aacutespero o logos (cf HERM 248 16-17) Note-se por ldquofazer
aacutesperordquo compreende-se o verbo trakhynō (τραχύνω) eacute membro de famiacutelia lexical que
abarca o substantivo ldquotrakhytēsrdquo (aspereza) e o adjetivo ldquotrakhysrdquo (aacutespero)
Propotildee o retor grego como exemplo de metaacutefora bem-medida um passo de
Demoacutestenes ldquotēn agathēn proballomenous elpidardquo (DEM Cor 18 97
431 Francisco de Quevedo menciona Quintiliano em dois passos (i) ldquoDe todo esto se asegura quien ama la
propiedad y la luz y la escribe y las razona Severo censor es Quintiliano y en el libro 8 de sus Instituciones
capiacutetulo 3 alaba en Virgilio lo que un mal culto usurpador deste buen renombre arrojara por bajo y
asqueroso Virgilio en la Geoacutergica libro 4 Saepe exiguus mus lsquoMuchas veces el pequentildeo ratoacutenrsquo Pondera
el severo Fabio Nam epitheton exiguus aptum proprium efficit ne plus expectaremus et casus singularis
magis decuit et clausula ipsa unius sylabae non usitata addit gratiam Imitatus est utrumque Horatius
Nascetur ridiculus mus lsquoPorque el epiacuteteto pequentildeo acomodado y propio previene para que no esperemos
maacutes y el caso singular fue maacutes conveniente y la claacuteusula de una siacutelaba antildeadioacute gracia Las dos cosas imitoacute Horacio Naceraacute el ridiacuteculo ratoacutenrsquordquo [cf QUINT 8 3 20] (ii) ldquoHoy sentildeor por no decir lo que sin asco ni
escruacutepulo es liacutecito hay algunos que dicen lo que es torpe y abominable Quintiliano lo ensentildea Obscena
vitabimus et sordida et humilia [cf QUINT 8 2 2] Y en el propio libro 8 capiacutetulo 2 acusa a estos que ni
saben dejar ni escoger Nec video quare clarus orator duratos muria pisces nitidius esse crediderit quam
ipsum id quod vitabat lsquoNi veo por queacute el claro creyoacute era mejor decir los peces con la muria que lo mismo
que queriacutea decirrsquordquo [cf QUINT 8 2 3] 432 De Antonio Lulio dito Lullio Francisco de Quevedo cita o seguinte passo seguido de versatildeo castelhana
ldquoAc de claritate quidem principio dicendum videtur quae prima semper et maxima virtus existimata est
orationis Hanc alii puritate et castimonia quadam dictionis assequntur alii explanatione seu distinctione
et elegantia alii demun evidentia et subjectione eorum ab oculos quae dicuntur lsquoLo primero diremos de
la claridad que siempre es la primera y la mayor virtud de la oracioacuten Eacutesta unos la alcanzan con cierta pureza y castidad de las dicciones otros con la explicacioacuten distincioacuten y elegancia otros finalmente con
la evidencia y poniendo delante de los ojos lo que dicenrsquordquo Lecirc-se o capiacutetulo 2 do libro VI dos Antonii Lulli
Balearis de Oratione Libri Septem Quibus non modograve Hermogenes ipse totus uerumetiam quicquid feregrave agrave
reliquis Graecis ac Latinis de Arte dicendi tratactũ est suis locis aptissimagrave explicatur Accessit etiam
locupletiss Rerum amp uerborum toto hoc Opere memorabilium Index Basileae [ex officina Ioannis
Oporini impensis Henrici Petri] [Anno Salutis humanae 1558] p 426 433 Cf Le Idee ouero Forme della oratione da Hermogene considerate amp ridotte in questa lingua per M
Giulio Camillo Delminio Friulano A queste saggiunge lArtificio della Bucolica di Virgilio spiegato dal
detto M Giulio Camillo Opere novamente mandate in lvce da Gio Domenico Salomoni Al Sigr Andrea
Sasso svo compare Co i Priuilegij dell sommo Pontefice amp del Regrave Catholico amp con pena di scommunica
Con Licenza dersquo Svperiori In Vdine M C XCIIII [1594] Apresso Gio Battista Natolini p 10v
145
ldquoτὴν ἀγαθὴν προβαλλομένους ἐλπίδαrdquo434) ldquoproponendosi vna buona speranzardquo para
Giulio Camillo Delminio 435 ldquoprojecting good hopesrdquo para Cecil W Wooten 436
ldquoArrojando buenas esperanzasrdquo para Consuelo Ruiz Montero437 ldquogardant devant les yeux
espeacuterance du succegravesrdquo para Michel Patillon 438 Na avaliaccedilatildeo de Hermoacutegenes eacute tatildeo
mesurada a metaacutefora que pouco se nota a translaccedilatildeo no sentido do particiacutepio
ldquoproballomenousrdquo (cf HERM 248 14-15) Prevecirc o preceito que seja trakhys o discurso
em vez de semnos se desmedido O exemplo tambeacutem proveacutem de Demoacutestenes ldquohai de
poleis enosounrdquo (DEM Cor 18 45 ldquoαἱ δὲ πόλεις ἐνόσουνrdquo) ldquole cittagrave erano infermerdquo
para Giulio Camillo Delminio439 ldquothe cities were sickrdquo para Cecil W Wooten 440 ldquoLas
ciudades estaban enfermasrdquo para Consuelo Ruiz Montero441 ldquomais les Etats eacutetaient
maladesrdquo para Michel Patillon442 Segundo Hermoacutegenes trata-se de metaacutefora que carece
de explicaccedilatildeo e a explicaccedilatildeo lecirc-se no seguimento do discurso de Demoacutestenes
Evidentemente o retor natildeo rechaccedila a aspereza da metaacutefora ou as metaacuteforas
convencionadas como aacutesperas mas na regulaccedilatildeo da efetuaccedilatildeo da semnotēs marca limites
na construccedilatildeo da dicccedilatildeo metafoacuterica para aleacutem dos quais os efeitos satildeo outros
Eacute pressuposto de Hermoacutegenes que tanto mais desmedidas as metaacuteforas mais
cerradas tanto mais duro () o logos (cf HERM 248 21-22) Haacute riscos de
434 Na traduccedilatildeo portuguesa novecentista de Joseacute Maria Latino Coelho ldquoanimados pela esperanccedilardquo cf
DEMOSTHENES A oraccedilatildeo da coroa Versatildeo no original grego precedida de um estudo sobre a civilisaccedilatildeo
da Grecia por J M Latino Coelho Segunda ediccedilatildeo da Academia Real das Sciencias de Lisboa Lisboa
Typographia da Academia 1880 p 32 435 Cf Le Idee ouero Forme della oratione da Hermogene considerate amp ridotte in questa lingua per M
Giulio Camillo Delminio Friulano A queste saggiunge lArtificio della Bucolica di Virgilio spiegato dal
detto M Giulio Camillo Opere novamente mandate in lvce da Gio Domenico Salomoni Al Sigr Andrea
Sasso svo compare Co i Priuilegij dell sommo Pontefice amp del Regrave Catholico amp con pena di scommunica
Con Licenza dersquo Svperiori In Vdine M C XCIIII [1594] Apresso Gio Battista Natolini p 10v 436 Cf HERMOGENES Hermogenesrsquo on types of style Translated by Cecil W Wooten Chapel Hill
University of North Carolina Press 1987 p 22 437 Cf HERMOacuteGENES Sobre las formas de estilo Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Consuelo Ruiz
Montero Madrid Editorial Gredos 1993 p 134 438 Cf HERMOGENE LrsquoArt rheacutetorique Traduction franccedilaise inteacutegrale introduction et notes de Michel
Patillon Paris LrsquoAcircge drsquoHomme 1997 p 352 439 Cf Le Idee ouero Forme della oratione da Hermogene considerate amp ridotte in questa lingua per M
Giulio Camillo Delminio Friulano A queste saggiunge lArtificio della Bucolica di Virgilio spiegato dal
detto M Giulio Camillo Opere novamente mandate in lvce da Gio Domenico Salomoni Al Sigr Andrea
Sasso svo compare Co i Priuilegij dell sommo Pontefice amp del Regrave Catholico amp con pena di scommunica
Con Licenza dersquo Svperiori In Vdine M C XCIIII [1594] Apresso Gio Battista Natolini p 10v 440 Cf HERMOGENES Hermogenesrsquo on types of style Translated by Cecil W Wooten Chapel Hill
University of North Carolina Press 1987 p 22 441 Cf HERMOacuteGENES Sobre las formas de estilo Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Consuelo Ruiz
Montero Madrid Editorial Gredos 1993 p 134 442 Cf HERMOGENE LrsquoArt rheacutetorique Traduction franccedilaise inteacutegrale introduction et notes de Michel
Patillon Paris LrsquoAcircge drsquoHomme 1997 p 352
146
que se torne mais espesso mais pesado (cf HERM 248 24 ldquoπαχύτερονrdquo) e mais vulgar
(cf HERM 248 25 ldquoεὐτελrdquo) Conforme o Peri ideōn assim acontece com os
sofistas a quem se atribui afirmar que os ldquoabutresrdquo (ldquoVoltoirdquo em Giulio Camillo
Delminio) sejam ldquosepulcros animadosrdquo (ldquosepolchri animatirdquo 443) (cf HERM 249 2)444 O
mesmo exemplo sabe-se eacute lido no Peri hypsous do Pseudo-Longino atribuiacutedo a Goacutergias
de Leontinos (cf LONGIN 3 2 ldquoγῦπες ἔμψυχοι τάφοιrdquo) Na avaliaccedilatildeo de Hermoacutegenes
a metaacutefora eacute fria445 e compreende-se como desvio na composiccedilatildeo elocutiva da grandeza
No Peri heureseōs a liccedilatildeo que se julga de Hermoacutegenes preceitua a semnotēs como
atributo de pensamento e de estilo (aqui e natildeo ) necessaacuterio ao discurso
que se estenda sobre mateacuteria de natureza divina e assemelhada tal como ilustra o exemplo
proveniente de Platatildeo ldquoZeus o guia supremo abre marcha no ceacuteu com seu carro aladordquo
(cf PLAT Phaedr 246 e)446 Tambeacutem eacute atributo do discurso cuja torpeza de pensamento
(cf HERM 201 1-2 ldquoτὸ νοούμενον αἰσχρῶrdquo) seja enobrecida pela elocuccedilatildeo isto eacute
mediante ldquoreferecircncias difusasrdquo os termos satildeo de Michel Patillon447 decorrentes do uso
de vocaacutebulos semnoi em vez de vulgares de alusotildees ou de omissotildees por meio das quais
o artiacutefice possa fazer natildeo parecer torpe a mateacuteria torpe (cf HERM 201 14-202 2)
Ademais semnos eacute o verso heroico de acordo com o Peri hermēneias Ensina o
corpo doutrinaacuterio atribuiacutedo a Demeacutetrio de Falero que a mateacuteria grandiosa ()
oferece ocasiatildeo (καιρός) para a composiccedilatildeo do colo () longo sabe-se bem para o
alongamento dos membros que compotildeem os periacuteodos pois que explica-se elevam-se os
discursos com a amplitude dos colos Em razatildeo disso explicita o tratadista em traduccedilatildeo
recente ldquotambeacutem o hexacircmetro por sua extensatildeo eacute denominado heroico e conveacutem aos
heroacuteisrdquo (διὰ τοῦτο καὶ ἑξάμετρον ἡρῷόν τε ὀνομάζεται ὑπὸ τοῦ μήκους καὶ πρέπον
ἥρωσιν) donde ldquoconvenientementerdquo (πρεπόντως) Homero natildeo tenha escrito a Iliacuteada
443 Cf HERM 249 2 Cf Le Idee ouero Forme della oratione da Hermogene considerate amp ridotte in
questa lingua per M Giulio Camillo Delminio Friulano A queste saggiunge lArtificio della Bucolica di
Virgilio spiegato dal detto M Giulio Camillo Opere novamente mandate in lvce da Gio Domenico
Salomoni Al Sigr Andrea Sasso svo compare Co i Priuilegij dell sommo Pontefice amp del Regrave Catholico
amp con pena di scommunica Con Licenza dersquo Svperiori In Vdine M C XCIIII [1594] Apresso Gio
Battista Natolini p 11r 444 Cf HERM 249 2 ldquoτάφουἐμψχου το γῦπς rdquo 445 O verbo grego eacute ψυχρεύομαι (cf HERM 249 3-4) 446 Cf A liccedilatildeo do Fedro eacute a seguinte ldquoὁ μὲν δὴ μέγας ἡγεμὼν ἐν οὐρανῷ Ζεύς ἐλαύνων πτηνὸν ἅρμαrdquo
A traduccedilatildeo do grego eacute de Carlos Alberto Nunes PLATAtildeO Fedro Φαῖδρος 3ordf ed revisada e biliacutengue
Beleacutem edufpa 2011 p 211 447 Cf HERMOGENE LrsquoArt rheacutetorique Traduction franccedilaise inteacutegrale introduction et notes de Michel
Patillon Paris LrsquoAcircge drsquoHomme 1997 p 309
147
com os versos breves de um Arquiacuteloco ou de um Anacreonte (cf DEMETR 5) Entenda-
se o ritmo heroacuteico eacute ldquonobre e natildeo prosaico mas sonorordquo
(ldquoσεμνὸς καὶ οὐ λογικός ἀλλrsquo ἠχώδηςrdquo cf DEMETR 42 cf tambeacutem ARISTOT Rhet III
8 4 1408b 35) e mais o hexacircmetro deve-se evitaacute-lo quando se mira a composiccedilatildeo do
kharaktēr discursivo dito iskhnos isto eacute tenuis consoante a glosa em latim do
comentador florentino Pietro Vettori (1499-1585) 448 porque acrescenta o Pseudo-
Demeacutetrio toda extensatildeo eacute ldquograndiosardquo (μεγαλοπρεπής) (cf DEMETR 204) Em vulgar
sabe-se preceitua-se como equivalente do hexacircmetro o chamado verso italiano o
hendecassiacutelabo449 Eacute o metro da Ulyssea ou Lisboa Edificada de Gabriel Pereira de
448 Petri Victorii commentarii in librum Demetrii Phalerei de elocutione Positis ante singulas
declarationes Graecis vocibus Auctoris ijsdemque ad verbum Latine expressis Additus est rerum et
verborum memorabilium index copiosus Cum P II IIII Pont Max Cosmi Medicis Florentianorum
Senensiumq Ducis ampAlphonsi Ferrariensium Ducis privilegijs ampliszlig per decennium Florentiae In
officina Iuntarum Bernardi F MDLXII p 181 449 A questatildeo eacute interessantiacutessima por isso insiste-se na nota digressiva natildeo haacute duacutevida de que nos seacuteculos
XVI e XVII o verso heroico eacute hendecassiacutelabo Sabe-se bem data dos seacuteculos XVIII e XIX a preceituaccedilatildeo
em liacutengua portuguesa da praacutetica de versificaccedilatildeo hoje ensinada nas escolas que desconsidera as siacutelabas aacutetonas pospostas agrave uacuteltima siacutelaba tocircnica do verso Para recordar essa preceituaccedilatildeo haacute dois tratados a
observar
(i) Em Lisboa em 1784 publicou-se o Tratado da versificaccedilaotilde portugueza de Miguel do Couto Guerreiro
(1720-1793) Este tratado metrificado em muitos de seus passos no que aqui se considera ensina na regra
IX de metrificaccedilatildeo ldquoContando ateacute o acento dominante (Que basta para o Verso ser constante) Dez
syllabas o Heroico inteiro tem A sexta muito aguda lhe convemrdquo (p 6) Ou seja Miguel do Couto
Guerreiro ensina a contagem de siacutelabas poeacuteticas ateacute a uacuteltima siacutelaba tocircnica do verso e natildeo ateacute a uacuteltima siacutelaba
do verso donde se faccedila a afirmaccedilatildeo de que ldquoDez syllabas o Heroico inteiro temrdquo Agrave guisa de exemplo
Miguel do Couto Guerreiro cita Camotildees ldquoAs Armas e os Varoẽs assinaladosrdquo e conclui tratar-se de um
heroico inteiro grave isto eacute de um verso que termina em palavra paroxiacutetona e que se conta apenas ateacute a
paroxiacutetona por isso decassiacutelabo cf Tratado da versificaccedilaotilde portugueza dividido em tres partes A
primeira conteacutem hum brevissimo Compendio das regras mais praticaveis da Metrificaccedilaotilde a segunda hum amplissimo Diccionario de consoantes e a terceira Instrucccedilotildees para a perfeita Poetica Offerecido ao
Exmo Ermo Senhor D Domingos Joseph de Assis Mascarenhas Principal da Santa Igreja Patriarcal de
Lisboa do Conselho de sua Magestade ampc ampc ampc Por seu author Miguel do Couto Guerreiro Lisboa
Na Of Patr de Francisco Luiz Ameno MDCCLXXXIV [1784] Com licenccedila da Real Mesa Censoria
(ii) Anos depois em 1851 Antocircnio Feliciano de Castilho (1800-1875) publicou o Tratado de metrificaccedilatildeo
portugueza em que referenda a praacutetica de Miguel do Couto Guerreiro e afirma ldquo[] advertimos que noacutes
contamos por syllabas de um metro as que nelle se proferem ateacute aacute ultima aguda ou pausa e nenhum caso
fazemos da uma ou das duas que ainda se possam seguir pois chegado accento predominante jacirc se acha
preenchida obrigaccedilatildeo nisto nos desviamos da pratica geral que eacute designar o metro contando lhe mais uma
syllaba para aleacutem da pausa donde veio chamarem endecassyllabo ou de onze syllabas ao heroico a que noacutes
chamamos decassyllabo ou de dez syllabasrdquo Antocircnio Feliciano de Castilho cita o verso de Camotildees citado por Miguel do Couto Guerreiro e faz anaacutelise semelhante cf Tratado de metrificaccedilatildeo portugueza para em
pouco tempo e ate sem mestre se aprenderem a fazer versos de todas as medidas e composiccedilotildees obra
aprovada pelo Conselho de Instrucccedilatildeo Publica do Reino para uso das escolas Auctor A F de Castilho
Presidente Honoraacuterio da Sociedade dos Amigos das Lettras e Artes em S Miguel Fundador das escolas de
Leitura repentina na mesma ilha etc etc etc Lisboa 1851 p 18-9 36-7
O cocircnego Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro (1825-1876) professor de retoacuterica poeacutetica e literatura
nacional no Imperial Coleacutegio Pedro II no Rio de Janeiro no ano em que publicou o opuacutesculo ldquoFormaccedilatildeo
da Literatura Brasileirardquo (1862) publicou tambeacutem o Curso Elementar de Literatura Nacional Nesta obra
a despeito das liccedilotildees de Miguel do Couto Guerreiro ou de Antocircnio Feliciano de Castilho versos de Manuel
Inaacutecio da Silva Alvarenga (1749-1814) como ldquoDriacuteade tu que habitas amorosardquo satildeo ditos hendecassiacutelabos
como o satildeo segundo o cocircnego os versos de Joseacute Basiacutelio da Gama (1740-1795) nrsquoO Uraguai (1769) cf
148
Castro drsquoOs Lusiacuteadas de Luiacutes de Camotildees e da Gerusalemme liberata de Torquato
Tasso
Relativamente agrave eleiccedilatildeo do termo a verter ldquosemnotēsrdquo haacute divergecircncias entre as
traduccedilotildees quinhentistas e seiscentistas de Hermoacutegenes Paolo Aresi no DellrsquoArte di
Predicar Bene o explicita
La terza [idea del dire] in greco egrave chiamata amp egrave variamente
tradotta Antonio Buonfine tradusse Venustagrave Giulio Camillo Grauitaacute
e Seueritagrave il proprio egrave Grauitagrave e Maestagrave degna di Veneratione onde
non male altri tradussero dignitagrave amp egrave lrsquoistessa che la Nota Magnifica
appresso Demetrio amp egrave la prima specie della grandezza 450
A terceira [ideia] em grego eacute chamada semnotēs amp eacute variamente
traduzida Antocircnio Bonfine traduziu por Venustagrave Giulio Camillo por
Gravitaacute e Severitagrave Ela propria eacute Gravitagrave e Maestagrave digna de veneraccedilatildeo
donde natildeo mal outros traduziram por dignitagrave amp eacute a mesma que a Nota
Magniacutefica em Demeacutetrio amp eacute a primeira espeacutecie de Grandeza451
Ora eacute maestagrave ou dignitagrave em Filiberto Campanile452 O substantivo ldquograuitasrdquo e
o adjetivo ldquograuisrdquo interpretam em latim os vocaacutebulos ldquosemnotēsrdquo e ldquosemnosrdquo no De
PINHEIRO Joaquim Caetano Fernandes Historiografia da Literatura Brasileira textos inaugurais Organizaccedilatildeo apresentaccedilatildeo e notas por Roberto Aciacutezelo de Souza Rio de Janeiro EdUERJ 2007 p 115
128
Nesse sentido vale ressaltar na praacutetica de metrificaccedilatildeo natildeo distam os usos de Domingos
Joseacute Gonccedilalves de Magalhatildees (1811-1882) conforme a ldquoAdvertecircnciardquo agrave ediccedilatildeo de 1864 drsquoA Confederaccedilatildeo
dos Tamoyos (1856) Aiacute se lecirc ldquoO poema epico encerrando em siacute todos os generos de poesia e sendo a
composiccedilatildeo mais longa e difficil do espirito humano exaltado pela inspiraccedilatildeo devera talvez adoptar todas
as foacutermas poeticas para melhor exprimir a parte heroica a lyrica a tragica a didactica a discriptiva e a
dialogica mas prevalecendo em quasi todas as Naccedilotildees de origem latina o emprego exclusivo do
hendecasyllabo na epopeacutea como o mais energico e o mais susceptivel de variar de cadencia sem ser preciso
alterar a simplicidade da foacuterma para que submettel-o ao compasso uniforme de periodos iguaes e ligal-o
com essa barbara toada das ultimas syllabas consoantes [] Aacute majestade da epopeacutea como aacute seriedade da tragedia soacute convecircm o hendecasyllabo livre da facecia da rima e do compasso monoacutetono de periodos iguaes
[]rdquo MAGALHAtildeES Domingos Joseacute Gonccedilalves de drsquoA Confederaccedilatildeo dos Tamoyos Rio de Janeiro
Livraria de B L Garnier 1864 p xiv xv 450 Cf DellrsquoArte di predicar bene diuisa in due parti Nella quale oltre agraversquo precetti dersquo retori agrave questo
proposito applicati di danno nuoue regole per tesserordinatamente vna predica con vn trattato della
memoria amp vnrsquoaltro della imitatione e con alcune osseruationi retoriche sopra vna predica in lode di S
Tomaso dAquino DI MONSIG PAOLO ARESI PARTE SECONDAhellip In MIL Per Gio Batt Bidelli
1627 p 197 451 Traduccedilatildeo nossa 452 Cf Lrsquoidee ouero forme dellrsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la dottrina drsquoHermogene
e drsquoaltri retori antichi In Napoli apresso Gio Battista Sottile MDCVI Con licenza dersquo superiori p 31
149
dicendi generibus sive formis orationum de Johannes Sturm (1571) 453 Eleiccedilatildeo vocabular
semelhante embora controversa em italiano faz Giulio Camillo Delminio no tratado de
Le Idee ouero Forme della oratione da Hermogene (1594) trata-se de grauitate ou de
seueritate 454 Eleiccedilatildeo controversa porque na mesma obra grauitate verte tambeacutem
deinotēs455 Em fins do seacuteculo XVIII Jerocircnimo Soares Barbosa (1737-1816) professor
de Eloquecircncia e Poesia da Universidade de Coimbra nas Instituiccedilotildees oratorias de M
Fabio Quintiliano (1788 e 1790) ao referir a preceituaccedilatildeo de Hermoacutegenes define a
em caracteres gregos como ldquoGravidaderdquo456 Como se veraacute o latim ldquograuitasrdquo
e as formas vernaculares posteriores que lhe sejam etimologicamente familiares como
ldquogravidaderdquo desde Jorge de Trebizonda soem traduzir natildeo semnotēs mas deinotēs
Avizinha-se disso o leacutexico das traduccedilotildees de Gaspar Laurent e de Natale Conti O
primeiro tradutor na Hermogenis Ars Oratoria Absolutissima (1614) aponta como
equivalente a ldquosemnos logosrdquo a alternativa ldquooratio decorardquo ou ldquograuisrdquo 457 Deve-se
considerar que o adjetivo latino ldquodecorus a umrdquo pode abarcar os semas decoroso
digno nobre elegante ou belo O segundo tradutor no Hermogenis Tarsensis
philosophi ac rhetoris acutissimi De Arte Rhetorica praecepta (1550) emprega o latim
uenustas para verter o grego semnotēs Afirma-o Joatildeo Angelo Oliva Neto ldquouenustas tem
em si Vecircnus e por Vecircnus entenda-se mais que o verbete lsquodeusa do amorrsquo a totalidade da
experiecircncia amorosa em qualquer domiacutenio eacute o que encanta em pessoas e objetosrdquo458
donde signifique assim o registram os dicionaacuterios Le Grand Gaffiot o Lewis amp Short e
453 Cf Hermogenis Tarsensis rhetoris acutissimi De dicendi generibus siue formis orationum libri II
Latinitate donati amp scholis explicati atque illustrati a Ioan Sturmio Cum Gratia amp Priuilegio Caesareo
ad annos octo Excudebat Iosias Rihelis MDLXXI pp 56-57 454 Cf Le Idee ouero Forme della oratione da Hermogene considerate amp ridotte in questa lingua per M Giulio Camillo Delminio Friulano A queste saggiunge lArtificio della Bucolica di Virgilio spiegato dal
detto M Giulio Camillo Opere novamente mandate in lvce da Gio Domenico Salomoni Al Sigr Andrea
Sasso svo compare Co i Priuilegij dell sommo Pontefice amp del Regrave Catholico amp con pena di scommunica
Con Licenza dersquo Svperiori In Vdine M C XCIIII [1594] Apresso Gio Battista Natolini p 8v 455 Idem p 44v 456 Jerocircnimo Soares Barbosa escreve ldquo1ordm A Gravidade (oratio grauis) he a primeira qualidade
do estilo Grande que consiste nos pensamentos graves quaes sam os que tem por objecto as couzas
Divinas Naturaes Politicas e Morais nas palavras e figuras simplices e na collocaccedilaotilde magestosa sim
mas naotilde estudada V Cicero discurrendo da Providencia na Miloniana Cap 3 e do Universo no Sonho de
Scipiaotilde Taacutecito nos seus Annaes he modelo neste generordquo 457 Hermogenis Ars Oratoria Absolutissima Et Libri omnes Cum noua Versione Latina egrave regione contextu
Graeci amp Commentariis Gasparis Lavrentii Coloniae Allobrogvm Apud Petrvm Avbertvm Anno
MDCXIV [1614] p 322 458 Cf CATULO O livro de Catulo Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e notas de Joatildeo Angelo Oliva Neto Satildeo Paulo
Edusp 1996 p 46
150
o escolar de Ernesto Faria ldquobelezardquo ldquoformosurardquo ldquoencantordquo ldquoelegacircnciardquo ldquograccedilardquo
ldquocharmerdquo ou mesmo ldquoamabilidaderdquo
Ora ao traduzir o substantivo ldquosemnotēsrdquo Natale Conti faz uso do latim uenustas
e propotildee agrave margem da paacutegina do tratado De formis orationis em nota ldquoPlus
significat quam uenustas quasi enim grauem venustatem dixerimrdquo 459 isto eacute ldquoSemnotēs
significa mais que uenustas como se dissesse sim lsquograve uenustasrsquordquo460 Do comentaacuterio
que precisa a escolha tradutoacuteria depreende-se certa grave elegacircncia certa grave
formosura cujo avesso eacute o que se veraacute na chave do desalinho da deselegacircncia da
desgraciosidade e da vulgaridade Manuel Pires de Almeida prevecirc como viacutecio do qual se
deva apartar o poeta na composiccedilatildeo do gecircnero misto461 Vale a digressatildeo
Contemporacircneo de Manuel de Galhegos Manuel Pires de Almeida brevemente
afirma no tratado Poesia e Pintura ou Pintura e Poesia datado de 1633
Sete quer Hermoacutegenes que sejam as espeacutecies ou formas ou ideias de
dizer a saber clara grande formosa ligeira afetuosa grave e
verdadeira []462
Notaacutevel sim eacute que embora o nome de Hermoacutegenes seja autoridade comum aos
usos de Manuel de Galhegos e de Manuel Pires de Almeida empregam um e outro leacutexico
nem sempre coincidente ainda que nunca propriamente discordante em liacutengua
portuguesa ao traduzir as liccedilotildees de retoacuterica que prescrevem quais sejam as diferentes
ideai tou logou No ldquoDiscurso Poeacuteticordquo satildeo ldquofoacutermas de oraccedilaotilderdquo no tratado Poesia e
Pintura ou Pintura e Poesia satildeo ldquoespeacutecies ou formas ou ideias de dizerrdquo Assim se a
eleiccedilatildeo do substantivo ldquoformardquo os aproxima porque esta eacute a escolha de Manuel de
459 Cf Hermogenis Tarsensis philosophi ac rhetoris acutissimi De Arte Rhetorica praecepta Aphtonii item
sophistaelig praxercitamenta nuper in Latinum sermonem versa a Natale de Comitibus Veneto Basileaelig apud
Petrum Pernam [1550] p 181 460 Trata-se de variedade da pulchritudo [beleza] afirma Ciacutecero no De officiis ldquoCum autem pulchritudinis
duo genera sint quorum in altero venustas sit in altero dignitas venustatem muliebrem ducere debemus
dignitatem virilemrdquo (CIC Off I 130) Pode-se ler o passo em traduccedilatildeo portuguesa quatrocentista do Infante
D Pedro ldquoE como assi seja na fremosura haacute hi duas maneiras hũa sta em aquello que se chama
lsquovenust[a]srsquo e outra em dignidade Venustas devemos de dizer a aquella fremosura que perteece aas
molheres y dignydade aos homẽesrdquo cf Livro dos oficios de Marco Tullio Ciceram o qual tornou em
linguagem o Infante D Pedro duque de Coimbra Ediccedilatildeo critica segundo o MS de Madrid prefaciada
anotada e acompanhada de glossaacuterio por Joseph M Piel Coimbra 1948 p 76 461 Cf MUHANA A Poesia e Pintura ou Pintura e Poesia Tratado Seiscentista de Manuel Pires de
Almeida Satildeo Paulo Edusp pp 109-10 462 Idem p 108
151
Galhegos e uma das escolhas de Manuel Pires de Almeida para transpor o grego ldquoideardquo
() a traduccedilatildeo direta ou indireta do genitivo singular ldquotou logourdquo () por
ldquode dizerrdquo num caso e por ldquode oraccedilaotilderdquo noutro caso os afasta Afasta-os tambeacutem a
enumeraccedilatildeo em Pires de Almeida dos vocaacutebulos que tecircm relaccedilatildeo de sinoniacutemia com
ldquoformardquo a saber ldquoespeacutecierdquo e ldquoideiardquo pendentes eacute de se supor do tratamento instrutivo
do Poesia e Pintura ou Pintura e Poesia Observa Adma Muhana haacute quatro apariccedilotildees
do termo ldquoideardquo neste tratado Em todas elas o sentido eacute de ldquoformardquo463
Na discriminaccedilatildeo dessas ideai assim como operam ambos os letrados haacute
coincidecircncias haacute aproximaccedilotildees haacute tambeacutem sutis afastamentos como se sabe Manuel de
Galhegos faz uso dos substantivos ldquoclaridaderdquo ldquograndezardquo ldquofermosurardquo ldquoPreccedilardquo
ldquocaracterrdquo e ldquoverdaderdquo ao passo que Manuel Pires de Almeida como se sabe tambeacutem se
vale dos adjetivos ldquoclarordquo ldquogranderdquo ldquoformosordquo ldquoligeirordquo ldquoafetuosordquo ldquograverdquo e
ldquoverdadeirordquo464 de modo que sejam idecircnticas as escolhas dos dois autores nos pares
ldquoclaridaderdquo e ldquoclarordquo ldquograndezardquo e ldquogranderdquo ldquofermosurardquo e rdquoformosordquo e ldquoverdaderdquo e
ldquoverdadeirordquo sejam semelhantes em ldquoPreccedilardquo e ldquoligeirordquo e natildeo coincidam em ldquocaracterrdquo e
ldquoafetuosordquo como designaccedilatildeo das categorias significadas pelo substantivos gregos
ldquogorgotēsrdquo e ldquoēthosrdquo Interessaraacute adiante o termo ldquograverdquo no tratado de Manuel Pires de
Almeida vertendo natildeo o substantivo ldquodeinotēsrdquo senatildeo que o adjetivo ldquodeinosrdquo vale por
ldquograuerdquo e ldquoferozrdquo no ldquoDiscurso Poeacuteticordquo Itere-se a eleiccedilatildeo de diferentes vocaacutebulos da
liacutengua portuguesa para traduzir os termos gregos eacute evidecircncia da construccedilatildeo de um corpo
lexical movente relativo agrave preceptiva retoacuterica atribuiacuteda a Hermoacutegenes e pode ser
indicaccedilatildeo de vertentes distintas de circulaccedilatildeo dessa preceptiva Manuel Pires de Almeida
isso eacute certo lecirc o volume Hermogenis Tarsensis philosophi ac rhetoris acutissimi De Arte
Rhetorica praecepta impresso na Basileia em 1550 e compartilha as categorias que
apresenta com os Discorsi del poema heroico de Torquato Tasso em que as idee satildeo ldquola
chiara la grande la bella la veloce lrsquoaffettuosa la grave e la verardquo465
Manuel Pires de Almeida pensa a analogia dos fazeres do pintor e do poeta estatildeo
o rascunho (ou contorno ou desenho) a composiccedilatildeo e a cor para a pintura como a
invenccedilatildeo a disposiccedilatildeo e a locuccedilatildeo para a poesia ou melhor a inuentio a dispositio e a
463 MUHANA A Poesia e Pintura ou Pintura e Poesia Tratado Seiscentista de Manuel Pires de Almeida
Satildeo Paulo Edusp pp 14-15 464 Idem p 108 465 Cf Discorsi del poema heroico del S Torquato Tasso Allrsquoillustrissmo e reverendissmo Signor Cardinale
Aldo Brandino Nella Stamparia dello Stigliola In Napoli Ad instantia di Paolo Venturino [1594] p 119
152
elocutio tal como consumados os termos nas artes retoacutericas latinas Invenccedilatildeo disposiccedilatildeo
e locuccedilatildeo trecircs partes da poesia definem-se respectivamente para o tratadista como
concepccedilatildeo de ldquoideias e formas de todas as coisas que se podem imaginarrdquo 466 como
ldquoelegante colocaccedilatildeo e perfeita ordem das coisas inventadasrdquo 467 e como ldquopropriedade e
resplandor das palavras bem escolhidas e ornadas de algumas graves e breves sentenccedilas
e luzidas com pensamentos e conceitos nobresrdquo 468 Eacute preceito do tratado que natildeo baste
rascunho sem cor invenccedilatildeo de faacutebula poeacutetica sem locuccedilatildeo mesmo que possiacuteveis Isto
seja natildeo haacute boa poesia que prescinda do regrado trabalho elocutivo Mais precisamente
na fundamentaccedilatildeo doutrinaacuteria de Manuel Pires de Almeida natildeo haacute boa poesia que
prescinda da variedade locutiva pois que avessa agrave monotonia tal como a pintura a
poesia faz-se da variedade de efabulaccedilatildeo Ora supotildee o tratadista que natildeo haja coisa das
mateacuterias ldquovis e humildesrdquo agraves ldquograndes e excelentesrdquo que natildeo se possa imaginar e
representar poeticamente de sorte que seja conveniente variar os estilos porque variam
as mateacuterias ou variar os estilos agrave proporccedilatildeo que variam as mateacuterias469 Eacute liccedilatildeo de decoro
Eacute liccedilatildeo de elegacircncia Essa liccedilatildeo metaforiza-se como vestimenta que deve se ajustar aos
usuaacuterios
As palavras e o que delas se forma natildeo satildeo mais que um vestido dos
conceitos do nosso acircnimo e por isso assim como os vestidos devem
sempre apropriar-se agrave condiccedilatildeo de quem os traja assim a locuccedilatildeo e as
palavras devem ter proporccedilatildeo e correspondecircncia com as coisas que
tratam Donde erraria quem vestisse uma senhora com fatos de moccedila ou
uma menina com trajo grave e quem a um sujeito levantado aplicasse
palavras demasiadas e frouxas ou a um sujeito humilde locuccedilotildees altivas
e compendiosas Conforme a qualidade que o poeta quer dar ao estilo
scilicet de gravidade ou de humildade de doccedilura ou de aspereza assim
lhe deve dar as palavras conformes pela semelhanccedila das letras
mudando ou alterando as que lhe pareccedilam desconvir ou justamente
misturas outras como faz o pintor que querendo imitar a semelhanccedila
de alguma imagem lhe ajunta ora uma ora outra cor ora as muda e
altera e talvez juntas mistura a muitas segundo a imagem se haacute de
466 Idem p 93 467 Idem ibidem 468 Idem p 94 469 Cf Idem pp 93 105 106 108 109
153
representar melhor Conte fls 147149 470
Eacute lugar-comum que se conhece de Ciacutecero e de Quintiliano o da elocuccedilatildeo que
veste e orna os pensamentos retoricamente inventados (cf CIC de Or I 142 Brut 247
QUINT VIII pr 20) que se conhece de Filiberto Campanile para quem as figuras satildeo as
vestes e os ornamentos com os quais satildeo vestidas e ornadas as coisas471 Manuel Pires de
Almeida natildeo supotildee decente a nudez Supotildee muito menos tatildeo-soacute no registro cocircmico
pode-se aventar adequada a ldquosenhora com fatos de moccedilardquo ou a ldquomenina com trajo graverdquo
ou o ldquosujeito levantadordquo ndash note-se o particiacutepio empregado por Manuel de Galhegos no
ldquoDiscurso Poeacuteticordquo para definir o poema heroico ndash de ldquopalavras demasiadas e frouxasrdquo
ou o ldquosujeito humilderdquo de ldquolocuccedilotildees altivas e compendiosasrdquo considerados exemplos da
desproporccedilatildeo entre o que se enuncia (res) e as formas lexicais empregadas para fazecirc-lo
(uerba) Supotildee senatildeo que os usos linguiacutesticos devam acomodar-se agraves qualidades de estilo
cujas espeacutecies dado o scilicet (gravidade humildade doccedilura ou aspereza) datildeo a entender
que o tratadista as toma essas qualidades como ldquoespeacutecies ou formas ou ideias de dizerrdquo
dignas de variaccedilatildeo ou de combinaccedilatildeo ou de mistura conforme a mateacuteria poeacutetica 472
Acrescente-se que no juiacutezo de Manuel de Galhegos a Ulyssea ou Lisboa Edificada de
Gabriel Pereira de Castro estima-se obra exemplar no trato variado da elocuccedilatildeo que
compotildee o gecircnero de poema heroico
No passo de Manuel Pires de Almeida confere autoridade a este preceito o nome
do tradutor milanecircs da versatildeo latina da Basileia da obra retoacuterica atribuiacuteda a Hermoacutegenes
Natale Conti ou Conte como citado473 O volume Hermogenis Tarsensis philosophi ac
rhetoris acutissimi De Arte Rhetorica praecepta na jaacute referida estampa de 1550 traz o
seguinte474 (i) Hermogenis Tarsensis rhetoris acutissimmi liber de statibus (pp 1-53)
470 Idem pp 109-10 471 Cf LrsquoIdee overo Forme dellarsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la Dotrina
drsquoHermogene e drsquoaltri Retori antichi In Napoli Apresso Gio Battista Sottile M DCVI [1606] Con
Licenza dersquo Superiori p 13 472 Como se veraacute adiante essa derradeira suposiccedilatildeo que superpotildee categorias como qualidade espeacutecie
forma ou ideia de dizer pende de leituras mais antigas da doutrina retoacuterica de Hermoacutegenes 473 No ldquoDiscurso sobre o poema heroicordquo Manuel Pires de Almeida menciona-o agrave maneira latina como
Natali Comiti em alusatildeo a outro tiacutetulo de sua autoria o Mythologiae siue Explicationis Fabularum (1581)
cf MUHANA A ldquoDiscurso sobre o poema heroico Comentaacuteriordquo REEL Revista Eletrocircnica de Estudos
Literaacuterios Vitoacuteria a 2 v 2 2006 pp 7 22 Mythologiae sive Explicationis Fabularum editou-se em
Frankfurt por Andreas Wechel filho de Christian Wechel editor de Hermoacutegenes cf KILLY W et alii
Dictionary of German Biography Volume 10 Thibaut - Zycha Muumlnchen De Gruyter 2006 p 381 474 Cf Hermogenis Tarsensis philosophi ac rhetoris acutissimi De Arte Rhetorica praecepta Aphtonii item
sophistaelig praxercitamenta nuper in Latinum sermonem versa a Natale de Comitibus Veneto Basileaelig apud
Petrum Pernam [1550] Diga-se de (i) a (viii) repete-se o genitivo ldquoHermogenis Tarsensis philosophi ac
154
(ii) De inuentione liber primus (pp 54-67) (iii) De inuentione liber secundus (pp 68-
83) (iv) De inuentione liber tertius (pp 84-121) (v) De inuentione liber quartus (pp
121-154) (vi) De formis orationis liber primus (pp 155-242) (vii) De formis orationis
liber secundusrdquo (pp 243-334) (viii) De methodo gravitatem (pp 337-366) (ix) Aphtonii
sophistae praeligxercitamenta (pp 372-414)475
Manuel Pires de Almeida escreve ldquoConte fls 147 149rdquo Como o sumaacuterio da
ediccedilatildeo o indica natildeo satildeo paacuteginas do tratado De formis orationis as que se referem mas do
De inuentione como latinamente conhecido o Peri heureseōs de capiacutetulo intitulado ldquoDe
mala imitationerdquo na versatildeo de Natale Conti Vale consideraacute-lo O termo grego
correspondente agrave mala imitatio em Hermoacutegenes no Pseudo-Hermoacutegenes como prefere
Michel Patillon por entender espuacuteria a obra eacute kakozēlon () A liccedilatildeo do Peri
heureseōs par a par a traduccedilatildeo de Natale Conti aponta o kakozēlon como viacutecio de
invenccedilatildeo que se produz mediante o impossiacutevel ( ldquoid quod esse nequitrdquo ou
ldquoo que natildeo pode serrdquo) o inconsequente ( ldquonon consequiturrdquo ou ldquoo que
natildeo eacute consequenterdquo ldquoo que natildeo tem sequecircnciardquo) o torpe ( ldquoturperdquo) o iacutempio
( ldquoimpiumrdquo) o injusto ( ldquoiniustumrdquo) ou o hostil agrave natureza
(ldquordquo ldquonaturaelig repugnansrdquo) os quais fazem o narrado (
ldquonarrativordquo) nos termos da doutrina avesso ao verossiacutemil (ldquordquo) A liccedilatildeo aponta
ademais o kakozēlon como viacutecio de elocuccedilatildeo que se produz mediante o uso inepto de
vocaacutebulos metafoacutericos a tropikecirc lexis ( ldquodictio conversardquo) e mediante a
vulgarizaccedilatildeo o inconveniente aviltamento ( ldquosimplicitasrdquo) da semnotēs
(ldquovenustasrdquo) (cf HERM 202 4-204 15) 476 Recorde-se que muito proximamente o Peri
ideōn itera o emprego das tropikai lexeis na conformaccedilatildeo da semnotēs (cf HERM 248 9-
10)
Sabe-se a eleiccedilatildeo do substantivo latino ldquouenustasrdquo no mais comum a Antocircnio
Bonfine como daacute a ler o volume em latim Hermogenis Tarsensis Philosophi ac Rhetoris
rhetoris acutissimirdquo Para evitar repeticcedilatildeo natildeo o refiro Apenas em (ii) lecirc-se ldquoacutissimmirdquo em vez de
ldquoacutissimirdquo Mantenho o genitivo em (ix) porque se altera o autor 475 Note-se na ediccedilatildeo de Natale Conti os Progymnaacutesmata (em latim Praexercitamenta) os exerciacutecios
preparatoacuterios atribuiacutedos a Hermoacutegenes substituem-se pelos de Aftocircnio 476 Cf Hermogenis Tarsensis philosophi ac rhetoris acutissimi De Arte Rhetorica praecepta Aphtonii item
sophistaelig praxercitamenta nuper in Latinum sermonem versa a Natale de Comitibus Veneto Basileaelig apud
Petrum Pernam [1550] pp 147-9
155
acutissimi de Arte Rhetorica precepta estampado em 1538477 guarda antes a elegacircncia
a formosura mesmo que grave de acordo com Natale Conti do que a nobreza a
solenidade e tem viacutenculos os mais interessantes na tratadiacutestica com a normatizaccedilatildeo da
mala affectatio na poesia Eacute oportuno lembrar que conforme o Peri hermēneias o
kakozēlonentende-se como contrafaccedilatildeo da polidez da elegacircncia do que se diz glaphyros
(cf DEMETR 186-7 ) composto mediante pensamentos palavras ou
conceitos desproporcionalmente operados Pietro Vettori nos seus Commentarii in librum
Demetrii Phalerei de elocutione mais de uma deacutecada depois de Natali Conte verte
ldquoglaphyrosrdquo por ldquoelegansrdquo (cf DEMETR 128 ldquoὉ γλαφυρὸς λόγοςrdquo entende-se como
ldquoElegans oratiordquo) e natildeo traduz o neutro grego kakozēlon translitera-o ao modo do neutro
latino ldquocacozelumrdquo478 Em Pietro Vettori venustas traduz kharis (cf DEMETR 29 156
χάρις) e venustum o neutro ldquoto eukharirdquo (cf DEMETR 156 τὸ εὔχαρι)479 Francesco
Panigarola fazendo glosa da versatildeo do tradutor em Il predicatore ouero parafrase
commento e discorsi intorno al libro dell Elocutione di Demetrio Falereo acrescenta que
ldquoElegans oratiordquo seja equivalente a ldquoVenusta amp elegante nota di direrdquo 480 e opta no
italiano pela forma ldquocacozelordquo explicando-a
Di maniera che si come opposto alla magnificenza egrave il vitio col quale
siamo virtuosamente e souerchiamente magnifici che frigido si
chiamaua Cosigrave opposto alla nota venusta egrave quel vitioso modo di dire
477 Hermogenis Tarsensis Philosophi ac Rhetoris acutissimi de Arte Rhetorica precepta Aphthonii item
Sophistaelig Praeligexercitamenta Antonio Bonfine asculano interprete Apud Seb Gryphivm Lvgdvni 1538 pp
137-138 172-180 478 Cf Petri Victorii commentarii in librum Demetrii Phalerei de elocutione Positis ante singulas
declarationes Graecis vocibus Auctoris ijsdemque ad verbum Latine expressis Additus est rerum et
verborum memorabilium index copiosus Cum P II IIII Pont Max Cosmi Medicis Florentianorum
Senensiumq Ducis ampAlphonsi Ferrariensium Ducis privilegijs ampliszlig per decennium Florentiae In officina Iuntarum Bernardi F MDLXII [1562] pp 118 165-6 479 Idem pp 29 140 145 Gustavo Arauacutejo de Freitas tradutor de Demeacutetrio em recente dissertaccedilatildeo de
mestrado afirma com base nos Elementos de retoacuterica literaacuteria de Heinrich Lausberg ldquoNo que concerne
aos estudos de retoacuterica a χάρις eacute em geral tratada como uma das qualidades do ornatus que pode
considerar-se como variante dos genera dicendi Como um ltltornato suavegtgt visaria a oferecer um
resultado sem esforccedilo do belo e corresponde a uma variante do genus medium designando-se como gratia
ou suavitas (iuncunditas dulcitudo dulcedo )rdquo cf Cf FREITAS G A DE Sobre o Estilo de
Demeacutetrio Um olhar criacutetico sobre a Literatura Grega (Traduccedilatildeo e estudo introdutoacuterio do tratado) Satildeo
Paulo [UFMG] 2011 [dissertaccedilatildeo de mestrado] p 66 480 Il Predicatore di F Francesco Panigarola ouero Parafrase commento e discorsi intorno al libro
dellelocutione di Demetrio Falereo oue vengono i precetti e gli essempi del dire che giagrave furono dati a
Greci ridotti chiaramente alla prattica del ben parlare in prose italiane e la vana elocutione de gli autori
profani accommodata alla sacra eloquenza de nostri dicitori e scrittori ecclesiastici Con due tauole vna
delle questioni e laltra delle cose piugrave notabili Venetia Bernardo Giunti Gio Battista Ciotti amp Compagni
1609 p 413
156
col quale troppo venusti riusciamo amp affettati e questo lo domandano
i Retori Cacozelo Si bene inuero tirando il nome del genere alla
specie percioche significando Сacozelo inepta imitatione cosigrave imita
male chi per essere magnifico egrave troppo magnifico chi per essere tenue
egrave troppo tenue e chi per eszligere aspro egrave troppo aspro come chi per
volere esser venusto egrave troppo venusto e pero dice Quintiliano nel libro
ottauo al capitolo 3 che idest mala affectatio per omne
dicendi genus peccet amp 481 vocatur quidquid est vltra
virtutem quotie[n]s ingenium iudicio caret amp specie boni fallitur
omnium in eloquentia vitiorum pessimum
Tuttauia cosigrave hanno vsato i Retori drsquoappropriare queso generico поте
di Cacozelo agrave questa vitiosa nota che alla venustagrave si oppone e cosigrave
seguiremo ancor noi Auuertendo che si come due sorti di venustagrave
dicemmo di sopra che si trouauano le piugrave nobili e le meno nobili cosigrave
in ciasciuna di queste venustagrave puograve nascere Cacozelo Nelle prime
quando altri volendo eszliger gratioso dagrave nellrsquoafettato e nelle seconde
quando altri per voler far vdire dagrave nel buffone magro e dissipito482
De maneira que assim como oposto agrave magnificecircncia eacute o viacutecio com que
somos virtuosa e excessivamente magniacuteficos que frio se chamava
assim tambeacutem oposto agrave marca elegante eacute aquele vicioso modo de dizer
com que demasiado elegantes nos mostramos e afetados amp este
denominam os retores Cacozelo Se bem assevero tirando o nome do
gecircnero agrave espeacutecie porque significando Сacozelo inepta imitaccedilatildeo assim
imita mal quem para ser magniacutefico eacute demasiado magniacutefico quem para
ser tecircnue eacute demasiado tecircnue e quem para ser aacutespero eacute demasiado
aacutespero tal como quem por querer ser elegante eacute demasiado elegante
Ora disse Quintiliano no livro oitavo capiacutetulo 3 [da Institutio
oratoria] que ldquokakozēlon isto eacute maacute afetaccedilatildeo peque em todo gecircnero
481 Em Francesco Panigarola nesta segunda ocorrecircncia na ediccedilatildeo indicada lecirc-se ldquordquo em vez de
ldquordquo Tendo em vista a intelecccedilatildeo do termo e as liccedilotildees modernas de Quintiliano (cf QUINT VIII
3 56) entendo tratar-se de gralha 482 Il Predicatore di F Francesco Panigarola ouero Parafrase commento e discorsi intorno al libro
dellelocutione di Demetrio Falereo oue vengono i precetti e gli essempi del dire che giagrave furono dati a
Greci ridotti chiaramente alla prattica del ben parlare in prose italiane e la vana elocutione de gli autori
profani accommodata alla sacra eloquenza de nostri dicitori e scrittori ecclesiastici Con due tauole vna
delle questioni e laltra delle cose piugrave notabili Venetia Bernardo Giunti Gio Battista Ciotti amp
Compagni 1609 p 596
157
de discursordquo amp ldquokakozēlondenomina-se tudo o que estaacute para aleacutem da
virtude todas as vezes que o engenho carece de juiacutezo amp eacute enganado
pela boa aparecircncia o pior de todos os viacutecios na eloquecircnciardquo
Todavia muito se acostumaram os retores a acomodarem este geneacuterico
nome de Cacozelo a esta viciosa marca que se opotildee agrave elegante e desse
modo tambeacutem seguiremos noacutes advertindo que assim como enunciamos
acima duas maneiras de elegacircncia que se encontravam a mais nobre e
a menos nobre assim tambeacutem em cada uma dessas elegacircncias pode
nascer o Cacozelo Na primeira quando algueacutem querendo ser gracioso
daacute no afetado e na segunda quando algueacutem por querer se fazer ouvir
daacute no bufatildeo magro e insiacutepido483
Longos os comentaacuterios de Francesco Panigarola agrave versatildeo de Pietro Vettori para o
Peri hermēneias expotildeem usos distintos do termo ldquokakozēlonrdquo De um lado o Pseudo-
Demeacutetrio de outro Quintiliano Resumidamente para o primeiro trata-se de falta que se
avizinha do kharaktēr que o grego denomina glaphyros (cf DEMETR 186) no italiano
como ldquocacozelordquo eacute ldquovitioso modo di direrdquo oposto agrave ldquonota venustardquo agrave ldquovenustagraverdquo Para o
segundo trata-se de mala adfectatio a que pode incorrer poeta ou orador em qualquer
dicendi genus
Κακόζηλον id est mala adfectatio per omne dicendi genus peccat
Nam et tumida et pusilla et praedulcia et abundantia et arcessita et
exultantia sub idem nomen cadunt Denique κακόζηλον vocatur
quidquid est ultra virtutem quotiens ingenium iudicio caret et specie
boni fallitur omnium in eloquentia vitiorum pessimum (QUINT 8 3
56-58)484
Kakozēlon isto eacute maacute afetaccedilatildeo peca em todo gecircnero de discurso pois
com o mesmo termo compreendem-se as coisas tuacutemidas as deacutebeis as
muito doces as abundantes as rebuscadas e as difusas Numa palavra
denomina-se kakozēlontudo o que estaacute para aleacutem da virtude todas as
vezes que o engenho carece de juiacutezo e eacute enganado pela aparecircncia das
483 Traduccedilatildeo nossa 484 Para o texto latino QUINTILIAN With An English Translation Harold Edgeworth Butler Cambridge
Mass Harvard University Press London William Heinemann Ltd 1922 vol iii
158
coisas boas o pior de todos os viacutecios na eloquecircncia485
Eacute evidente como geneacuterica a definiccedilatildeo da Institutio oratoria abraccedila a do Peri
hermēneias De acordo com Quintiliano os adjetivos ldquotumidardquo ldquopusillardquo ldquopraedulciardquo
ldquoabundantiardquo ldquoarcessitardquo e ldquoexultantiardquo especificam maneiras diversas de os discursos
elocutivamente incorrerem no falso do kakozēlon 486 O primeiro deles ldquotumidusrdquo
emprega-se em referecircncia ao viacutecio que contrafaz o gecircnero grave agrave maneira de Horaacutecio
na Epistula ad Pisones que contrapotildee ldquograndisrdquo e ldquoturgeordquo ou seja ldquograndiosordquo e
ldquointumescerrdquo (HOR AP 24-28)487 Jerocircnimo Soares Barbosa no segundo volume das
Instituiccedilotildees oratorias de M Fabio Quintiliano (1790) propotildee em nota de rodapeacute
definiccedilatildeo que esclarece nos termos da regulaccedilatildeo retoacuterica da elocuccedilatildeo o uso lexical latino
relativamente ao viacutecio assim encerrado (cf Rhet Her IV 15)488
he o Inchado assim chamado porque he huma grandeza falsa e
aparente como a dos hydropicos Elle consiste nos pensamentos e
cousas que por si nada tem de grande e sublime e que hum espirito
falso e pequeno se esforccedila por fazer parecer grandes ou pelas palavras
empoladas ou pelas expressotildees exageradas e hyperbolicas ou pelas
figuras e collocaccedilaotilde magnifica489
485 Traduccedilatildeo nossa Na versatildeo quinhentista de Oratio Toscanella o passo traduz-se assim ldquoΚακόζηλον
cioegrave MALA AFFETATIONE pecca per ogni maniera di dir Percio che sotto questo nome cadono le parole
GONFIE amp DEBOLI amp STRADOLCI amp ABONDATI amp MENDICATI amp BORIOSE Vltimamente Cacozelon si chiamma tutto quello che eccedi i termini della uirtugrave amp questo interuiene ogni uolta che lrsquoingegno manca
di giudicio et che dallrsquoapparenza di cosa buona ingannar si lascia Questo uitio nella eloquenza egrave il peszligimo
di tutti i uitijrdquo Em nota acrescenta-se ldquoCACOZELON srsquointerpreta mala affetatione onde diciamo huommo
affettato amp stilo affettatordquo cf Lrsquoinstitutioni oratorie di Marco Fabio Quintiliano retore famosissimo
tradotte da Oratio Toscanella della famiglia di maestro Luca Fiorentino et arricchite dal medesimo della
dichiaratione de i luochi piugrave difficili in margine Di quattro Tauole che seruono a tutta lrsquoopera della vita
dello autore et drsquoannotationi in lettere grandicelle delle cose piugrave importanti Con privilegio In Venetia
appresso Gabriel Giolito dersquo Ferrari MDLXVI [1566] p 410 486 Observe-se QUINT 8 3 58 487 Cf SANTOS M M ldquoO monstrum da Arte poeacutetica de Horaacutecio Letras Claacutessicas Satildeo Paulo 2002 v 4
pp 227-228 488 A definiccedilatildeo de Jerocircnimo Soares Barbosa eacute conforme a da Retoacuterica a Herecircnio ldquoEst autem cauendum ne
dum haec genera consectemur in finituma et propinqua uitia ueniamus Nam graui figurae quae laudanda
est propinqua est ea quae fugienda quae recte uidebitur appellari si sufflata nominabitur Nam ita ut
corporis bonam habitudinem tumor imitatur saepe item grauis oratio saepe inperitis uidetur ea quae turget
et inflata estrdquo ou seja em versatildeo de Marcos Martinho dos Santos ldquoEacute poreacutem para acautelar-se de enquanto
perseguimos esses gecircneros virmos aos viacutecios confinantes e proacuteximos [destes] Pois agrave figura grave que eacute
para louvar estaacute proacutexima aquela de que eacute para fugir a qual pareceraacute corretamente nomeada se a chamarmos
de inchada Pois assim como a boa constituiccedilatildeo do corpo eacute amiuacutede imitada pelo tumor assim a oraccedilatildeo
grave amiuacutede parece aos imperitos aquela que eacute tuacutergida e inchadardquo (Rhet Her IV 15) Cf SANTOS M M
ldquoO monstrum da Arte poeacutetica de Horaacutecio Letras Claacutessicas Satildeo Paulo 2002 v 4 pp 255-256 489 Cf Instituiccediloens oratorias de M Fabio Quintiliano escolhidas dos seus XII livros traduzidas em
159
Jaacute ldquopusillusrdquo eacute habitual na acepccedilatildeo de ldquopequenordquo ldquomuito pequenordquo
ldquoinsignificanterdquo ou ldquodeacutebilrdquo o que pode apontar para a vulgaridade e a chaneza do discurso
que buscando evitar a obscuridade apela agrave clareza em demasia Estampas quinhentistas
de Quintiliano todavia soem oferecer liccedilatildeo distinta do mesmo passo em vez de
ldquopusillardquo conforme a ediccedilatildeo de Harold Edgeworth Butler para a coleccedilatildeo Loeb Classical
Library ldquoexiliardquo 490 O adjetivo ldquoexilisrdquo ndash a forma ldquoexiliardquo eacute neutro plural no caso
nominativo ndash eacute comumente empregado na acepccedilatildeo de ldquomagrordquo ldquodelgadordquo ldquofracordquo e
ldquodeacutebilrdquo donde se leia referecircncia agraves coisas deacutebeis ldquoDEBOLIrdquo como mostra a versatildeo em
italiano da Institutio oratoria elaborada por Orazio Toscanella impressa em Veneza em
1566 De fato eacute uso em sentido muito proacuteximo de ldquopusillardquo491 Jerocircnimo Soares Barbosa
em fins do seacuteculo XVIII lendo Quintiliano afirma que o orador ldquotemendo os precipicios
do sublime apega-se a hum estilo simples e chatildeo e vem a recahir no ldquoBaixo e Seco
linguagem e illustradas com notas criticas histoacutericas e Rhetoricas para uso dos que aprendem Ajuntaotilde-
se no fim as Peccedilas originaes de Eloquencia citadas por Quintiliano no corpo destas Instituiccediloens por
Jeronymo Soares Barboza Jubilado na Cadeira de Eloquencia e Poezia da Universidade de Coimbra
Tomo Segundo Em Coimbra Na Imprensa da Universidade M DCC LXXXX Com licenccedila da Real Meza
da Commissatildeo Geral sobre о Ехате e Censura dos Livros Foi taxado este Livro a novecentos e sessenta
reis em papel p 435 490 Cf Quintilianus cum commento [Raphael Regius] Venetiis per Bonetum Locatellum 1506 sp cf
Marci Fabii Quintiliani Orationum Institutionum Libri Duodecim diligenter emendati 1518 p 193r cf
M Fabii Quintiliani Rhetoris clarissimi de Institutione Oratoria ad Marcellum Victorium libri XII Pariis
Ex Officina Michaeumllis Vascosani in uia quae est ad D Iacobum sub fontis insigni M D XXII [1527] pp
183v-184r cf M Fabii Quintiliani oratoriarum institutionum libri duodecim Summa diligentia tum
iudicio ad uenustiszligimorum quorũq exemplariorum fidem recogniti additis simul eiusdem declamationib amp eruditiszligimis amp stylo sui periculum facturis utiliszligimis Eucharius Ceruicornus excudebat ANNO M D
XXII [1527] mense avg p 154 cf M Fabii Quintiliani oratoris eloquentissimi Instituonum oratoriarum
Libri XII incredibili cum studio tum iudicio ad fibem uenustissimi exemplaris recens iam recogniti
Eiusdem Declamationum Liber Basileae ex aedibus Ioannis Bebelii Mense Augusto M D XXIX [1529] p
121v cf Marci Fabii Quintiliani Instituonum oratoriarum Libri XII Declamationum Liber eiusdem
Lvgdvni Apud Seb Gryphivm 1536 p 369 cf Marci Fabii Quintiliani Instituonum oratoriarum Libri XII
Declamationum Liber eiusdem Lvgdvni Apud Seb Gryphivm 1540 p 369 cf M Fabii Quintiliani
Instituonum oratoriarum libri duodecim Declamationum Liber eiusdem Summa diligentia ad finem
uenustiszligimorum codicum recogniti ac restituti Cum rerum uerborumq Indice locupletiszligimum Lvgdvni
Apud Seb Gryphivm 1555 p 468 491 Eacute o caso da versatildeo quinhentista em italiano da Institutio oratoria elaborada por Orazio Toscanella e estampada em Veneza em 1566 ldquoΚακόζηλον cioegrave MALA AFFETATIONE pecca per ogni maniera di dir
Percio che sotto questo nome cadono le parole GONFIE amp DEBOLI amp STRADOLCI amp ABONDATI amp
MENDICATI amp BORIOSE Vltimamente Cacozelon si chiamma tutto quello che eccedi i termini della uirtugrave
amp questo interuiene ogni uolta che lrsquoingegno manca di giudicio et che dallrsquoapparenza di cosa buona
ingannar si lascia Questo uitio nella eloquenza egrave il peszligimo di tutti i uitijrdquo Em nota acrescenta-se
ldquoCACOZELON srsquointerpreta mala affetatione onde diciamo huommo affettato amp stilo affettatordquo cf
Lrsquoinstitutioni oratorie di Marco Fabio Quintiliano retore famosissimo tradotte da Oratio Toscanella della
famiglia di maestro Luca Fiorentino et arricchite dal medesimo della dichiaratione de i luochi piugrave difficili
in margine Di quattro Tauole che seruono a tutta lrsquoopera della vita dello autore et drsquoannotationi in lettere
grandicelle delle cose piugrave importanti Con privilegio In Venetia appresso Gabriel Giolito dersquo Ferrari
MDLXVI [1566] p 410
160
(exilia)rdquo 492
Emprega-se ademais na Institutio oratoria em referecircncia agraves espeacutecies de
kakozēlon ldquopraedulcisrdquo a saber o que seja doce aleacutem da conta Consoante os
comentaacuterios de Jerocircnimo Soares Barbosa (cf QUINT 2 5 22)
Quint chama a este estilo praedulce dicendi genus porque he a mesma
doccedilura do estilo dos Sophistas (de que fallamos assima pag 434 n 7)
quando he demasiada ou intempestiva Elle consiste na affectaccedilaotilde
pueril das flores e enfeites miudos e mais brilhantes da Rhetorica493
Note-se com ldquoestilo dos Sophistas (de que fallamos assima pag 434 n 7)rdquo
Jerocircnimo Soares Barbosa alude aos preceitos do Peri ideōn de modo a asseverar que as
praedulcia de Quintiliano o tal praedulce dicendi genus gecircnero de discurso muito doce
seja o avesso faltoso e contrafeito da glykytēs a ldquoDoccedilurardquo apresentada como ldquosegunda
espeacutecie de oraccedilaotilde Morata de Hermoacutegenesrdquo nos comentaacuterios do letrado setecentista
portuguecircs494 Por ldquooraccedilaotilde Moratardquo entenda-se o ēthos como idea Leitor de Ciacutecero
492 Cf Instituiccediloens oratorias de M Fabio Quintiliano escolhidas dos seus XII livros traduzidas em
linguagem e illustradas com notas criticas histoacutericas e Rhetoricas para uso dos que aprendem Ajuntaotilde-
se no fim as Peccedilas originaes de Eloquencia citadas por Quintiliano no corpo destas Instituiccediloens por
Jeronymo Soares Barboza Jubilado na Cadeira de Eloquencia e Poezia da Universidade de Coimbra
Tomo Segundo Em Coimbra Na Imprensa da Universidade M DCC LXXXX Com licenccedila da Real Meza
da Commissatildeo Geral sobre о Ехате e Censura dos Livros Foi taxado este Livro a novecentos e sessenta
reis em papel pp 434-435 440 Pendendo por certo da leitura de Jerocircnimo Soares Barbosa dramatiza-se em Camilo Castelo Branco (1825-1890) no romance A queda drsquoum anjo (1866) o passo em questatildeo
ldquoO presidente Lembro ao nobre deputado que a camara natildeo eacute aula de rhetorica
O orador Assim devo presumil-o vendo que todos a professam com dignidade exceptuado eu
que me natildeo desdoiro em confessar que sou o discipulo uacutenico e maacuteo de tantos mestres Eu direi a v exa
qual eloquencia considero necessaria nrsquoesta casa da naccedilatildeo eacute a eloquecircncia que a naccedilatildeo entenda A arte de
bem fallar ars beacutene dicendi eacute o estudo da clareza no exprimir a ideacutea Os affectos as galas da linguagem
que lhe tolhem o mostrar-se e dar-se a conhecer dos rudos natildeo eacute arte eacute tramoya natildeo eacute luz eacute escuridade
Os meus constituintes mandaram-me aqui fallar das necessidades drsquoelles em termos taes que por elles v
exa e a camara lhas conheccedilam ponderem e remedeiem
Sou da velha clientela de Quintiliano sr presidente Com elle entendo que por demais se enganam aquelles
que alcunham de popular o estylo vicioso e corrupto qual eacute o saltitante o agudo o inchado e o pueril que o mestre denomina praeligdulce dicendi genus todo affectaccedilatildeo menineira de florinhas broslados de
pechisbeque recamos de fitas como em bandeirolas de arraialrdquo cf CASTELO BRANCO CAMILO A queda
drsquoum anjo romance Lisboa Livraria de Campos Junior 1866 pp 131-132 493 Cf Instituiccediloens oratorias de M Fabio Quintiliano escolhidas dos seus XII livros traduzidas em
linguagem e illustradas com notas criticas histoacutericas e Rhetoricas para uso dos que aprendem Ajuntaotilde-
se no fim as Peccedilas originaes de Eloquencia citadas por Quintiliano no corpo destas Instituiccediloens por
Jeronymo Soares Barboza Jubilado na Cadeira de Eloquencia e Poezia da Universidade de Coimbra
Tomo Segundo Em Coimbra Na Imprensa da Universidade M DCC LXXXX Com licenccedila da Real Meza
da Commissatildeo Geral sobre о Ехате e Censura dos Livros Foi taxado este Livro a novecentos e sessenta
reis em papel p 436 494 Idem p 434
161
Jerocircnimo Soares Barbosa articula as categorias artiacutesticas do Peri ideōn com as do Orator
e assume que o sofista vituperado pela dicccedilatildeo dita praedulcis discursa com o propoacutesito
natildeo de abalar os acircnimos (ldquoperturbare acircnimosrdquo) mas de ser apraziacutevel (ldquoplacarerdquo) natildeo
tanto de persuadir (ldquopersuadererdquo) quanto de deleitar (ldquodelectarerdquo) mediante pensamentos
antes agradaacuteveis que provaacuteveis (ldquoconcinnas magis sententias exquirunt quam
probabilisrdquo) afastamentos digressivos do caso (ldquoa re saepe disceduntrsquo) entrelaccedilamentos
fabulares (ldquointexunt fabulasrdquo) e no ofiacutecio elocutivo mediante metaacuteforas manifestas
dispostas como cores variadas do pintor (ldquoverba apertius transferunt eaque ita disponunt
ut pictores varietatem colorumrdquo) paralelismos (ldquoparia paribus referuntrdquo) antiacuteteses
(ldquoadversa contrariisrdquo) e homeoteleutos (ldquosaepissimeque similiter extrema definiuntrdquo) (cf
CIC Or XIX 65) 495
O que Jerocircnimo Soares Barbosa considera ser demasiado intempestivo na
figuraccedilatildeo da glykytēs pensa-se como viacutecio cujo exemplo estaacute no sofista Para
Hermoacutegenes o discurso que tenha clareza majestade e amplitude em grego saphēneia
axiōma e onkos caso lhe falte beleza e harmonia isto eacute kallos e eurythmia seraacute algo
acerbo ldquoagleukēsrdquo (ldquoἀγλευκήςrdquo) carente de doccedilura de suavidade (cf HERM 296 5-14)
Vale rememorar ainda que de maneira breve agrave luz dos stoikheia definidos no Peri ideōn
glykytēs eacute categoria ancilar de conformaccedilatildeo eacutetica cujas ennoiai sejam efetuadas mediante
os relatos miacuteticos tal os de Fedro os relatos vizinhos dos miacuteticos tal os da Guerra de
Troia os passos fabulares de relatos de credibilidade tal os de Heroacutedoto os enunciados
agradaacuteveis aos sentidos os encocircmios e enfim as personificaccedilotildees (cf HERM 330 1-335
23) Os methodoi proacuteprios agrave glykytēs satildeo equivalentes aos que compotildeem a katharotēs e a
apheleia os que narrem accedilotildees de modo nu sem enredamentos (cf HERM 227 19-228
3 327 24-328 15 335 24-25) A lexis que compete a essa idea compartilha
procedimentos elocutivos com as duas espeacutecies supracitadas ou seja o vocabulaacuterio
corrente nem metafoacuterico nem duro vale-se ademais do registro poeacutetico ndash do dialeto
jocircnico itere-se uma vez tido por mais apraziacutevel ndash e aplica-se por adjetivos e por dicccedilatildeo
engenhosa a saber atinente agrave idea de drimytēs (cf HERM 328 16-329 4) Entre os
495 Idem ibidem Cf CIC Or 19 65 ldquoSophistarum de quibus supra dixi magis distinguenda similitudo
videtur qui omnes eosdem volunt flores quos adhibet orator in causis persequi Sed hoc differunt quod
cum sit his propositum non perturbare animos sed placare potius nec tam persuadere quam delectare et
apertius id faciunt quam nos et crebrius concinnas magis sententias exquirunt quam probabilis a re saepe
discedunt intexunt fabulas verba apertius transferunt eaque ita disponunt ut pictores varietatem colorum
paria paribus referunt adversa contrariis saepissimeque similiter extrema definiuntrdquo Observe-se M T
Ciceronis ad Marcum Brutum Orator cum Victoris Pisani Patritij Veneti commentario Lvgdvni Apud Seb
Gryphivm 1536 p 21
162
skhēmata a glykytēs opera-se pela construccedilatildeo direta pelo desuso do hipeacuterbato e pelo uso
do ornato que confere ao discurso beleza o kallos (cf HERM 229 19-232 7 299 8-306
22 329 5-6 339 3-5)496 A synthēkē deve ser agradaacutevel e aproximar do verso a prosa de
modo a fazer-se predominante no discurso dotado de doccedilura de suavidade o peacute solene
(semnos) pouco atento ao hiato no mais dactiacutelico anapeacutestico ou peocircnico por vezes
iacircmbico frequentemente espondaico (cf HERM 251 21-253 11) As anapauseis
conveacutem que sejam tambeacutem solenes e o rhythmos estaacutevel (cf HERM 339 11-13)
Acrescente-se consoante os comentaacuterios aduzidos nas Instituiccedilotildees oratorias de
M Fabio Quintiliano os demais termos empregados para referir o kakozēlon em suas
espeacutecies satildeo ldquoabundantiardquo ldquoarcessitardquo e ldquoexultantiardquo articulados como viacutecios elocutivos
decorrentes do uso desmedido da copiosidade que evita o baixo o vulgar o chatildeo
Affecta riqueza de ornatos e abundancia de expressaotilde Cahe no estilo
verboso e Asiatico (abundantia) Se quer affectar hum estilo novo e
extraordinaacuterio cahe nas expressotildees exquisitas arrastadas e foacutera do
natural (arcessita) Em fim querendo dar ao seo discurso huma
collocaccedilaotilde suave e harmoniosa passa os limites e daacute-lha molle e
effeminada similhante aacute marcha e compasso das danccedilas lascivas
(exultantia)497
Vale referir agrave guisa de exemplo pensando as faltas decorrentes do uso concebido
como descurado dos genera dicendi pelo excesso ldquodaquella maravilha e novidade da
Materia ou do Artificio em que consiste a belleza poeticardquo 498 em conformidade com a
Institutio oratoria ou mais precisamente pensando os ldquoExtremos viciosos dos estylos
496 Hermoacutegenes elenca conjunto de figuras que faccedilam belo o discurso parisose epanaacutefora antiacutestrofe
epanaacutestrofe paralelismo hipeacuterbato afirmaccedilotildees mediante negaccedilotildees e poliacuteptoton kallos (cf HERM 299 8-
306) 497 Cf Instituiccediloens oratorias de M Fabio Quintiliano escolhidas dos seus XII livros traduzidas em
linguagem e illustradas com notas criticas histoacutericas e Rhetoricas para uso dos que aprendem Ajuntaotilde-se no fim as Peccedilas originaes de Eloquencia citadas por Quintiliano no corpo destas Instituiccediloens por
Jeronymo Soares Barboza Jubilado na Cadeira de Eloquencia e Poezia da Universidade de Coimbra
Tomo Segundo Em Coimbra Na Imprensa da Universidade M DCC LXXXX Com licenccedila da Real Meza
da Commissatildeo Geral sobre о Ехате e Censura dos Livros Foi taxado este Livro a novecentos e sessenta
reis em papel p 101 498 Cf Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes
tratadas com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda ediccedilatildeo hellip
Fungar vice cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium nil scribens
ipse decebo Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo virtus quo
ferat error Horat in Poetic Tomo II Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno MDCCLIX
Com as licenccedilas necessarias p 199
163
contrapostos equivocos alusotildees e outras pestes condemnadasrdquo 499 Francisco Joseacute Freire
(1719-1773) na Arte poetica ou regras da verdadeira poesia em geral e de todas as
suas especies principaes tratadas com juizo critico escreve jaacute bastante distante da
visada apologeacutetica de Manuel de Galhegos
Quem ler o Virginidos de Barbuda o Ulyssipo de Macedo o Macabeo
de Sylveira o Condestable de Lobo e a Ulyssea de Gabriel Pereira ha
de achar muitas destas argucias conceitos falsos antithesis
paranomasias equivocos de vozes ampc Seria materia infinita se para
exemplos allegassemos versos destes Poetas e baste que os eruditos
saibaotilde que fallamos verdade no que dizemos500
Isso posto buscam esmiuacuteccedilar os comentaacuterios de Jerocircnimo Soares Barbosa
horacianamente que os viacutecios reunidos sob a rubrica ldquokakozēlonrdquo pendem da falta de arte
(cf HOR AP 25-31)501 isto seja da falta de mestria no trabalho elocutivo com todos os
gecircneros do discurso (cf QUINT 8 3 56) Nisso jaacute se sabe dista a leitura do letrado luso
em fins do seacuteculo XVIII daquela seiscentista de Francesco Panigarola comentador
minucioso do Peri hermēneias na versatildeo do florentino Pietro Vettori (1562) O que
interessa niacutetidos os usos vocabulares diferenccedilados em Il predicatore ouero parafrase
499 Idem ibidem 500 Idem p 204 Aleacutem da Ulyssea ou Lisboa Edificada de Gabriel Pereira de Castro os poetas e os poemas citados por Francisco Joseacute Freire satildeo (i) Manuel Mendes de Barbuda (1607-1670) Virginidos ou Vida da
Virgem Senhora Nossa Poema Heroico dedicado a Magestade da Rainha Dona Luiza Nossa Senhora por
Manuel Mendes de Barbuda amp Vasconcellos Lisboa Na Officina de Diogo Soares de Bulhoens 1667
Com todas as licenccedilas necessarias (ii) Antocircnio de Sousa de Macedo (1606-1682) Vlyssipo Poema
heroico De Antonio de Sousa de Macedo Com as licenccedilas necessarias Em Lisboa Por Antonio Aluarez
Anno de 1640 (iii) Miguel da Silveira (ca 1576-1636) El Macabeo Poema heroico de Migvel de Silveira
En Napoles por Egidio Longo Stampador Real Antildeo 1638 (iv) Francisco Rodrigues Lobo (ca 1580-1622)
O Condestabre de Portugal D Nuno Alvres Pereira de Francisco Rodrigues Lobo oferecido ao Duque
dom Theodosio segundo deste nome Em Lisboa Com todas as licenccedilas necessarias por Pedro
Crasbeeck 16010 [ie 1610] 501 Itero os vv 25-31 da Epistula ad Pisones citados na nota 56 na traduccedilatildeo seiscentista impressa por Joatildeo da Costa ldquolaboro se procuro eszlige brevis ser breve fio me faccedilo Obscurus escuro sectantem ao que segue
leuia cousas faceis nerui as forccedilas animique amp os animos Deficiunt lhe faltatildeo professus o que prende
cotildepor grandes cousas grandia se incha turget amp esvaece tutus nimium amp o q procura ir mui seguro
timidusque amp estagrave temeroso procellae da adversidade amp inveja Serpit vai de gatinhas humi pelo chatildeo Qui
cuput aquelle que deseja uariare variar rem unam algũa cousa prodigialiter foacutera do costume amp feacute humana
appingit pinta Delphinum hum golfinho syluis nos bosques aprum hum javali fluctibus nas ondas Fuga
culpaelig o fugir de hum erro inducit faz cair In uitium em outro mayor si caret arte se o que isto procura
carece de arterdquo cf Obras de Horacio principe dos poetas latinos lyricos com o entendimento litteral amp
construiccedilam Portuguesa ornadas de hum index copioso das historias amp fabulas contiudas nelas
Emendadas nesta vltima Impressam Lisboa Na Officina de Ioam da Costa m dc lvviii [1668] Com as
licenccedilas neceszligarias p 427
164
commento e discorsi intorno al libro dell Elocutione di Demetrio Falereo e assim
afastada autoridade de Quintiliano eacute que se note que Francesco Panigarola opera os
avessos a virtude da venustagrave e o viacutecio do Cacozelo traduzindo jaacute se sabe glaphyros e
kakozēlon (cf DEMETR 128-189)
Ora essa oposiccedilatildeo embora natildeo mais confrontadas mas acomodadas agraves
autoridades do Peri hermēneias e da Institutio oratoria eacute conhecida da tratadiacutestica do
poeta Torquato Tasso natildeo soacute ensinam os Discorsi del poema heroico que ldquovenustordquo
traduza ao latim o grego ldquoγλαφυρόςrdquo ou seja o que se denomina ldquoparlar ornato e
gratiosordquo502 senatildeo tambeacutem que
Demetrio crsquoinsegna chersquol parlar freddo egrave vicino al magnifico il
cacozelo che noi seguendo Quintiliano possiam dire male affettato al
venusto o gratioso lrsquoasciutto al tenue lrsquoinuenusto orsquol disgraziato al
graue503
Demeacutetrio nos ensina que o falar frio se avizinha ao magnifiacuteco o
cacozelo que noacutes seguindo Quintiliano possamos dizer mal afetado
ao elegante ou gracioso o enxuto ao tecircnue o deselegante ou o sem
graccedila ao grave504
No mais sabe-se tambeacutem emprega-se a oposiccedilatildeo entre uenustas e mala imitatio
no De inuentione recolhido no volume Hermogenis Tarsensis philosophi ac rhetoris
acutissimi De Arte Rhetorica praecepta em versatildeo quinhentista de Natale Conti A
destacar-se no entanto que o vocabulaacuterio da liccedilatildeo grega do tratado atribuiacutedo a
Hermoacutegenes traz semnotēs e kakozēlon natildeo glaphyros e kakozēlon Disso eacute possiacutevel
aventar resulta da versatildeo de Natale Conti e isso vale para a ediccedilatildeo vecircneta de Antocircnio
Bonfine (1538) a conciliaccedilatildeo mediante a afinaccedilatildeo do vocabulaacuterio em uso em latim das
categorias discursivas que no De inuentione e no Peri hermēneias normatizam o que
seja ou natildeo kakozēlon ou mala adfectatio Por assim dizer Natale Conti e Antocircnio
Bonfine fazem com que as obras gregas estabeleccedilam preceitos afins legitimados segundo
502 Cf Discorsi del poema heroico del S Torquato Tasso Allrsquoillustrissmo e reverendissmo Signor Cardinale
Aldo Brandino Nella Stamparia dello Stigliola In Napoli Ad instantia di Paolo Venturino [1594] p 146 503 Idem pp 169-170 504 Traduccedilatildeo nossa
165
o costume bem definido do Pseudo-Demeacutetrio Recorde-se a liccedilatildeo latina de Natale Conti
eacute a liccedilatildeo do texto de Hermoacutegenes citada por Manuel Pires de Almeida no Poesia e Pintura
ou Pintura e Poesia505
Ora Filiberto Campanile na leitura que faz da semnotēs em princiacutepio do seacuteculo
XVII itera os preceitos conhecidos do Peri ideōn e adverte ser necessaacuterio no uso dos
ldquovoci traslate di Grandeza e maestagraverdquo 506 isto eacute dos vocaacutebulos translatos que operam o
megethos e a semnotēs natildeo apenas afastar-se de toda ldquoDisagguaglianzardquo (disparidade)
ou ldquoDissimilitudinerdquo (dissimilitude) senatildeo tambeacutem em contrapartida observar-se a ldquola
proportione e conuenienza che deuranno hauer fra loro la cosa onde se piglia il traslato
e quella oue si recardquo (a proporccedilatildeo e a conveniecircncia que deveraacute haver entre a coisa donde
se toma a translaccedilatildeo e aquela aonde se conduz) 507 Exemplo de ldquoproportionerdquo e
ldquoconuenienzardquo lecirc-se em verso de Francesco Petrarca (Soneto CCCXXXV v 12) ldquoO
belle amp alte e lucide fenestrerdquo (Oacute belas amp altas amp luacutecidas janelas) 508 As razotildees de
Filiberto Campanile retecircm a afirmaccedilatildeo da proporccedilatildeo dos termos que fazem a metaacutefora de
Francesco Petrarca na voz do preceptista trata-se de boa metaacutefora por ser bem-
proporcionada
come lrsquohabitator drsquovna casa per mezzo dele finestre puograve veder le cose
che sono di fuori cosigrave lrsquoanima nostra per mezzo de gli occhi de corpo
vede gli oggeti che di fuori si le presentano 509
como o habitante de uma casa por meio das janelas pode ver as coisas
que estatildeo fora assim tambeacutem a nossa alma por meios dos olhos do
corpo vecirc os objetos que de fora se apresentam a eles 510
Natildeo eacute demais rememorar que Filiberto Campanile ao prescrever os pensamentos
os concetti puri traz exemplo do uso do substantivo ldquofenestrardquoldquofinestrardquo em versos do
505 Cf MUHANA A Poesia e Pintura ou Pintura e Poesia Tratado Seiscentista de Manuel Pires de
Almeida Satildeo Paulo Edusp pp 109-110 506 Cf Lrsquoidee ouero forme dellrsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la dottrina drsquoHermogene
e drsquoaltri retori antichi In Napoli apresso Gio Battista Sottile MDCVI Con licenza dersquo superiori p 36 507 Idem ibidem 508 Idem ibidem Traduccedilatildeo nossa Na versatildeo de Joseacute Clemente Pozenato ldquoOh belas altas luacutecidas janelasrdquo
cf PETRARCA F Cancioneiro Traduccedilatildeo de Joseacute Clemente Pozenato Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial
Campinas Editora da Unicamp 2014 p 485 509 Idem pp 36-37 510 Idem ibidem
166
soneto LXV de Francesco Petrarca a fenestra donde Amor lanccedilou mil setas contra o
indignado sujeito de enunciaccedilatildeo e postula que o deslocamento semacircntico produzido pela
metaforizaccedilatildeo do substantivo eleve o discurso para aleacutem dos efeitos da puritagrave511 Nos
termos do mesmo preceito elevaccedilatildeo eacute o que as ldquobelle amp alte e lucide fenestrerdquo compotildeem
O Hermoacutegenes lido por Filiberto Campanile ensina que a semnotēs (no italiano maestagrave
ou dignitagrave) efetua-se discursivamente por meio de pensamentos ennoiai que digam
respeito (i) aos deuses como ilustra o Timeu de Platatildeo (ii) agraves coisas divinas tal a
natureza e suas causas como ilustram Heroacutedoto e o Timeu (iii) agraves coisas divinas atinentes
aos homens que pesem a imortalidade da alma a justiccedila a temperanccedila as leis e questotildees
afins como ilustra Demoacutestenes e enfim (iv) agraves coisas humanas preeminentes e
endoxais quais as batalhas de Salamina e Maratona como ilustra Heroacutedoto (cf HERM
242 22-3 244 20-246 9)512 Ora se as ldquofenestrerdquoldquofinestrerdquo satildeo conceitualmente alma
agrave luz do Peri ideōn o que os versos de Francesco Petrarca enunciam satildeo ldquocoisas divinas
atinentes aos homensrdquo
Adverte ademais Filiberto Campanile ldquoOltre a ciograve si deuragrave mirar bene nel
formar dersquo traslati che non si piglino molto di lontanordquo (Aleacutem disso se deveraacute atentar
bem para o formar dos translatos que natildeo se tomem de muito distante) 513 Desatento ao
cuidado aponta o tratado Lrsquoidee ouero forme dellrsquoeloquentia eacute Dante Alighieri (1265-
1321) na Commedia ao metaforizar ldquoaacuteguardquo como ldquospecchio di Narcissordquo (espelho de
Narciso) Nos comentaacuterios quatrocentistas de Cristoforo Landino (1424-1498) ao passo
do ldquoInfernordquo tal como impressos em Veneza em 1578 o ldquospecchio di Narcissordquo explica-
se como ldquoun limpido e chiaro fonte che Sinon per lrsquoardente febre non hauria uoluto
molte ad inuitar a leccarlordquo (uma liacutempida e clara fonte que Sinon pela ardente febre
natildeo quisera convidar muitos a lamber) 514 Filiberto Campanile pondera que melhor seria
511 Apud LrsquoIdee overo Forme dellarsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la Dotrina
drsquoHermogene e drsquoaltri Retori antichi In Napoli Apresso Gio Battista Sottile M DCVI [1606] p 15 512 Pontua Hermoacutegenes que o trato das coisas divinas se alegoriza as humanas agrave maneira poeacutetica faz mais
para o prazer e o deleite (hēdonē ἡδονή) e para a doccedilura e a suavidade (glykytēs ) do que para
a semnotēs do enunciado (cf HERM 242 22-243 5)512 e tambeacutem que o trato das coisas da natureza se
lhes indaga as causas como quando se buscam as razotildees dos movimentos da terra e do mar por exemplo
faz semnos o discurso mas natildeo poliacutetico (cf HERM 243 22-244 3) A indagaccedilatildeo causal da physis
depreende-se do preceito do Peri ideōn parece instaurar limiares aleacutem dos quais o discurso poliacutetico ainda
que partiacutecipe da semnotēs porque circunstancial natildeo avanccedila 513 Idem p 37 Traduccedilatildeo nossa 514 Cf Dante con le espositioni di Christoforo Landino et Alessandro Vellutello Sopra le sua Comedia
dellrsquoInferno del Purgatorio amp del Paradiso Con Tauole Argomenti Allegorie amp riformato riueduto amp
ridotto alla sua uera Lettura con Francesco Sansovino Fiorentino In Venetia Apresso Giambattista
Marchio Sessa amp Fratelli 1578 p 147v Os versos provecircm da Commedia Inferno XXX 128
167
se Dante tivesse eleito ao compor a translaccedilatildeo ldquoaltro nome di cosa piu conosciutardquo (outro
nome de coisa mais conhecida) como em sua avaliaccedilatildeo fez Francesco Petrarca no
soneto ldquoIl cantar novo ersquol pianger delli augellirdquo ao fazer uso da metaacutefora ldquoliquidi
cristallirdquo (cristais liacutequidos) uma vez que nas palavras do preceptista ldquogli occhi di nostra
mente con piu faciltagrave corrono a considerar le cose chrsquoaltre volte habbiamo veduto che
non quelle che solamente sentimmo raccontarerdquo (os olhos de nossa mente com mais
facilidade correm a considerar as coisas que outras vezes vimos que natildeo aquelas que
apenas ouvimos contar) 515
O pecado de Dante Alighieri pensa-se em termos aristoteacutelicos Conforme a
Poeacutetica sabe-se bem a metaacutefora por analogia de proporccedilatildeo (cf ARISTOT Poet 21 1457
b 9 ldquoκατὰ τὸ ἀνάλογονrdquo) concebe-se como transferecircncia de sentido entre quatro termos
postos em relaccedilatildeo de sorte que nas palavras de Aristoacuteteles em traduccedilatildeo de Eudoro de
Souza ldquoo segundo termo estaacute para o primeiro na igual relaccedilatildeo em que estaacute o quarto para
o terceiro porque nesse caso o quarto poderaacute substituir o segundo e o segundo o quartordquo
(cf ARISTOT Poet 21 1457 b 16-19 ldquoτὸ δὲ ἀνάλογον λέγω ὅταν ὁμοίως ἔχῃ τὸ
δεύτερον πρὸς τὸ πρῶτον καὶ τὸ τέταρτον πρὸς τὸ τρίτον ἐρεῖ γὰρ ἀντὶ τοῦ
δευτέρου τὸ τέταρτον ἢ ἀντὶ τοῦ τετάρτου τὸ δεύτερονrdquo) Assim de acordo com o
exemplo conhecidiacutessimo fornecido por Aristoacuteteles estaacute a taccedila (φιάλη) para Dioniso (ou
Baco) como o escudo (ἀσπίς) para Ares (ou Marte) de maneira que por relaccedilatildeo de
semelhanccedila a taccedila seja ldquoo escudo de Dionisordquo e o escudo seja ldquoa taccedila de Aresrdquo (cf
ARISTOT Poet 21 1457 b 20-22 ldquoλέγω δὲ οἷον ὁμοίως ἔχει φιάλη πρὸς Διόνυσον καὶ
ἀσπὶς πρὸς Ἄρη ἐρεῖ τοίνυν τὴν φιάλην ἀσπίδα Διονύσου καὶ τὴν ἀσπίδα φιάλην
Ἄρεωςrdquo) Concede a Poeacutetica que ainda que falte um dos quatro termos da relaccedilatildeo de
proporccedilatildeo ainda assim a metaacutefora pode se construir (cf ARISTOT Poet 21 1457 b 25-
26) Entende-se esse eacute o caso do exemplo colhido por Filiberto Campanile na Commedia
aacutegua Narciso espelho Oslash donde se enuncie que a aacutegua eacute o ldquospecchio di Narcissordquo
Sabe-se o preceptista condena Dante Alighieri senatildeo que pela distacircncia semacircntica dos
termos operados516
Mais a preceituaccedilatildeo aristoteacutelica prevecirc a construccedilatildeo da metaacutefora por analogia de
proporccedilatildeo por via da negaccedilatildeo de qualidades proacuteprias do termo metafoacuterico Por exemplo
o escudo em vez de ser dito ldquoa taccedila de Aresrdquo pode ser dito ldquoa taccedila sem vinhordquo (cf ARIST
515 Idem ibidem 516 Cf CARVALHO M DO S F DE Poesia de agudeza Satildeo Paulo Humanitas Edusp Fapesp 2007 p 86
168
Poet 21 1457 b 30-33) e a taccedila (ldquoTazzardquo) na leitura do conde Emanuele Tesauro pode
ser ldquoSCUDO NON DI MARTErdquo 517 Ensina Il Cannocchiale Aristotelico metaacuteforas dessa
derradeira espeacutecie ldquoformino vn composito monstruoso che per la nouitagrave generi
marauiglia amp questa il dilettordquo (formam um composto monstruoso que pela novidade
gere meravilha amp esta o deleite)518 ou pela conjugaccedilatildeo de um positivo (ldquoSCUDOrdquo) com
um negativo (ldquoNON DI MARTErdquo) ou pela conjugaccedilatildeo de positivos incompatiacuteveis De um
procedimento e de outro resultam ldquoEnimmi argutissimi amp marauigliosirdquo (Enigmas
argutiacutessimos amp maravilhosos)519
O exemplo referido por Emanuele Tesauro para elucidar a construccedilatildeo da metaacutefora
por analogia de proporccedilatildeo mediante a conjugaccedilatildeo de positivos incompatiacuteveis eacute relevante
ldquoCosigrave le limpide acque si chiaman LIQVIDI CRISTALLI amp per contrario il Poeta chiamograve il
Cristallo ACQUE CONGELATErdquo (Assim como as aacuteguas liacutempidas satildeo chamadas CRISTAIS
LIQUIDOS tambeacutem contrariamente o poeta chamou o Cristal AacuteGUAS CONGELADAS)520
Ora a fim de ilustrar a composiccedilatildeo da elocuccedilatildeo metafoacuterica Emanuele Tesauro como
Filiberto Campanile recorre a uso autorizado por Francesco Petrarca Nos termos de
Aristoacuteteles supotildee-se que os conceitos aacutegua e cristal embora dessemelhantes pois que
relativos a coisas dessemelhantes em substacircncia possam ser assemelhados por um
atributo comum a limpidez de modo que se diga por comparaccedilatildeo que ldquoa aacutegua eacute
liacutempida como o cristalrdquo e por condensaccedilatildeo da comparaccedilatildeo que ldquoa aacutegua eacute cristalrdquo521 Natildeo
eacute essa a metaacutefora todavia Francesco Petrarca modifica o sentido do substantivo ldquocristalrdquo
por meio do adjetivo ldquoliacutequidordquo e alcanccedila o efeito de estranhamento pela
incompatibilidade na doxa da conjugaccedilatildeo dos conceitos liquidez e cristal Ora se a
afirmaccedilatildeo ldquoa aacutegua eacute liacutequidardquo eacute definiccedilatildeo do elemento por uma qualidade como o eacute ldquoa
aacutegua eacute liacutempidardquo e ldquoa aacutegua eacute cristalrdquo eacute definiccedilatildeo da substacircncia mediante a metaacutefora por
analogia de atribuiccedilatildeo ldquoa aacutegua eacute cristal liacutequidordquo eacute metaacutefora engenhosa construiacuteda na
mesma regulaccedilatildeo de atribuiccedilatildeo sob conceitos paradoxais mas avizinhados Ora pode-se
517 Il cannocchiale aristotelico orsquo sia Idea dellarguta et ingeniosa elocutione che serue agrave tutta lrsquoarte
oratoria lapidaria et simbolica esaminata co principii del diuino Aristotele dal conte D Emanuele
Tesauro Cavalier Gran Croce dersquo Santi Mauritio et Lazaro Quarta impressione Accresciuta dallrsquo Autore
Trattati cioegrave Dersquo Concetti Predicabili et Degli Emblemi con un nuouo Indice Alfabetico oltre agrave quello
delle materie Dedicato al Reuerendiss Padre Gio Paolo Oliva Vicario Generale della Compagnia di
Giesu In Roma agrave Spese di Guglielmo Halleacute Libraro nella Piazza di Pasquino M DC LXIV [1664] Con
licenza dersquo Superiori E Priuilegio p 346 518 Idem ibidem 519 Idem ibidem 520 Idem ibidem 521 Cf HANSEN J A ldquoRetoacuterica da agudezardquo Letras Claacutessicas Satildeo Paulo 2002 v 4 pp 319-321
169
aventar trata-se de procedimento exemplar conforme Filiberto Campanile na
constituiccedilatildeo da maestagravesemnotēs
Isso posto para conceber ldquoEnimmi argutissimi amp marauigliosirdquo ou seja para
operar conceitos distantes522 Emanuele Tesauro reaplica o procedimento teacutecnico aos
termos colhidos de Francesco Petrarca ldquoLIQVIDI CRISTALLIrdquo e figura o que se pode
entender como metaacutefora da metaacutefora Assim na medida em que se aceite como verossiacutemil
a analogia de atribuiccedilatildeo entre esses termos eacute conveniente a seguinte relaccedilatildeo de
proporccedilatildeo liquidez aacutegua solidez cristal donde se possa afirmar natildeo soacute que ldquoa aacutegua
eacute cristal liquefeitordquo senatildeo tambeacutem por oposiccedilatildeo que ldquoo cristal eacute aacutegua solidificadardquo ou
por desdobramento semacircntico que ldquoo cristal eacute aacutegua congeladardquo Mediante a aplicaccedilatildeo do
mesmo procedimento entendem-se os ldquojaspes liacutequidosrdquo para conceituar mar referidos
no verso 210 da Soledad I de D Luis de Goacutengora523 Agrave letra dos preceitos de Filiberto
Campanile a metaforizaccedilatildeo enigmaacutetica ensinada por Emanuele Tesauro parece arriscar-
se agrave desmedida Conforme Manuel de Galhegos dessa desmedida afasta-se a Ulyssea ou
Lisboa Edificada de Gabriel Pereira de Castro Recorde-se
Nas metaforas tem moderaccedilaotilde amp propriedade porq saotilde poucas vsadas
em seu lugar amp todas fundadas na circunstancia mais vista amp mais
notoria dos sujeitos O q he taotilde deficultoso q obseruando Arist o
inaccessiuel da poesia diz q somente os homens de engenho preclaro
sabem vsar da metafora com perfeiccedilaotilde524
No ldquoDiscurso sobre o poema heroicordquo de Manuel Pires de Almeida a moderaccedilatildeo
e a propriedade natildeo apenas no uso das metaacuteforas operam-se como praacutetica distintiva dos
poetas que sejam dignos de elogio em contraste com os chamados poetas cultos
considerados dificultosos e viciosos pela aplicaccedilatildeo teacutecnica da elocuccedilatildeo rara feita
enumera o tratadista de ldquooraccedilotildees desatadas palavras esquisitas translaccedilotildees nunca vistas
522 Idem p 330 523 Cf Lecciones solemnes a las obras de Don Luis de Gongora y Argote Pindaro Andaluz Principe de
los poeta liricos de Espantildea Escrivialas Don Ioseph Pellicer de Salas y Tovar Sentildeor de la Casa de Pellicer
y Chronista de los Reinos de Castilla Dedicadas al Serenissimo Sentildeor Cardenal Infante Don Fernando de
Austria MDCXXX [1630] Con Priuilegio en Madrid En la Imprenta del Reino A costa de Pedro Coello
Mercader de Libros p 406 524 Apud Ulyssea ov Lisboa Edificada Poema heroico Composto pelo insigne Doutor Gabriel Pereira de
Castro Corregedor que foy do crime da Corte amp nomeado por S Magestade pera Chanceler mograver do
Reyno de Portugal A El Rey Nosso Senhor Com licenccedila em Lisboa por Lourenccedilo Crasbeeck impressor
del Rey 1636 Acusta de Paulo Crasbeeck mercador de liuro sp
170
locuccedilotildees peregrinas tropos duplicados figuras e metaacuteforas mui continuadas e sobretudo
a colocaccedilatildeo das coisas e disposiccedilatildeo do argumento intricado sem ordem nem arte nem
claridaderdquo525 Eacute liccedilatildeo que se conhece de Francisco de Quevedo e de passos anteriores
Leitor privilegiado de Gabriel Pereira de Castro ndash indica-o Adma Muhana o tratado
Poesia e Pintura ou Pintura e Poesia datado de 1633 cita versos da Ulyssea ou Lisboa
Edificada estampado em 1636 526 ndash Manuel Pires de Almeida batendo-se contra o
ldquoIuizio del poemardquo de Manuel de Faria e Souza (1590-1649) acerca drsquoOs Lusiacuteadas527
permite que se desdobre em termos de facilidade ou de dificuldade a regulaccedilatildeo
normativa da elocuccedilatildeo agrave doutrina das formas ou ideias discursivas na ldquoResposta ao Juiacutezo
do Poema dos Lusiacuteadas de Luiacutes de Camotildees em que se mostra natildeo ter as perfeiccedilotildees que
lhe atribui e ter outras conformes a sua invenccedilatildeo e sua mateacuteriardquo peccedila de controveacutersia em
que sob a rubrica ldquoDa sexta perfeiccedilatildeo do poema heroicordquo se assevera
Eacute decreto que o estilo heroacuteico seja elegante e sublime e que com a alteza
se natildeo aparte da facilidade e doccedilura E assi o tem o nosso adversaacuterio
bem por extenso mas natildeo o provou com exemplos de Camotildees tendo
ele muitos para cada figura E teria eu por mais acerto governar-se por
Hermoacutegenes e Demeacutetrio Faleacuterio que tratam das ideias ou formas da
eloquecircncia como fez Escaliacutegero lib 4 Torquato Tasso Disc Her lib
5 e Felisberto Campanile que se aproveitaram das Retoacutericas de
Aristoacuteteles e Ciacutecero e das flores dos mais excelentes poetas heroacuteicos
que seguir o modo confuso com que se cansa muito e ensina pouco Se
se guiara pelos escritores referidos vira que a grandeza consta de
dignidade aspereza veemecircncia resplandor vigor e circuiccedilatildeo e que
daqui nasce o estilo sublime e ficara escusado de incorrer na culpa que
Apoio lanccedilou em rosto a Alexandre Vellutelo (como tem Bocalino cent
1 dos seus Ragguagli Rag 35) dizendo-lhe que o seu comentaacuterio sobre
o Cancioneiro de Petrarca tinha necessidade de mostrar as cores os [sic]
figuras e as mais formosuras poeacuteticas que havia no poeta florentino e
525 Cf MUHANA A ldquoDiscurso sobre o poema heroico Comentaacuteriordquo REEL Revista Eletrocircnica de
Estudos Literaacuterios Vitoacuteria a 2 v 2 2006 p 11 526 Cf MUHANA A Poesia e Pintura ou Pintura e Poesia Tratado Seiscentista de Manuel Pires de
Almeida Satildeo Paulo Edusp p 71 527 Cf Lusiadas de Luis de Camoens priacutencipe de los poetas de Espantildea Al Rey N Sentildeor Felipe Quarto El
Grande comentadas por Manuel de Faria i Sousa Cavallero de la Orden de Christo i de la Casa Real hellip
Primero i Segundo Tomo Antildeo 1639 En Madrid Por Iuan Sanchez A costa de Pedro Coello Mercador de
libros pp 59-100
171
que o mais natildeo necessitava de notaccedilotildees e neste particular se unira ao
divino Fernando Herrera sobre Garcilaso que efeitua o que Apoio deseja
no Vellutelo [] Com estas consideraccedilotildees manifestara a elegacircncia e
alteza do estilo que haacute nos Lusiacuteadas com prova e com as mesmas
ensinara sua muita suavidade e clareza pois nele haacute tudo com mais
ventage do que pode encarecer a pena528
Ora Manuel Pires de Almeida avalia os juiacutezos de Manuel de Faria e Souza
considerado inepto para mostrar e demonstrar a operaccedilatildeo do misto de ldquoideias ou formas
da eloquecircnciardquo no estilo heroico Diga-se inepto conforme os pressupostos assumidos
pelo agenciamento equivocado dos discursos de autoridade em vez de ldquogovernar-serdquo por
Alessandro Vellutello comentador quinhentista de Francesco Petrarca 529 a fim de
evidenciar que no gecircnero de poema em debate o heroico ldquoalteza se natildeo aparte da
facilidade e doccedilurardquo melhor seria que Manuel de Faria e Souza recorresse a Hermoacutegenes
e a Demeacutetrio (ou Pseudo-Demeacutetrio de Falero) como fizeram Juacutelio Cesar Escaliacutegero
Torquato Tasso e Filiberto Campanile (dito Felisberto) Esses satildeo nomes de letrados que
tanto afianccedilam a resposta ao ldquoIuizio del poemardquo pela legitimidade e pela exemplaridade
do que escreveram quanto servem de fonte indireta dos preceitos retoacutericos de
Hermoacutegenes e de Demeacutetrio Defesa do misto da doutrina do misto que os referidos
retores normatizam e da autoridade desses gregos na composiccedilatildeo e no ajuizamento das
obras de poesia o passo de Manuel Pires de Almeida eacute tambeacutem mostra breve mas
relevante dos usos vernaculares de Hermoacutegenes pois que deixam observar que o lusitano
lecirc o Peri ideōn natildeo apenas segundo a latinizaccedilatildeo empreendida por Natale Conti como eacute
sabido pelo tratado Poesia e Pintura ou Pintura e Poesia (1633) senatildeo tambeacutem segundo
glosas paraacutefrases e versotildees de Juacutelio Cesar Escaliacutegero de Torquato Tasso e de Filiberto
Campanile
Note-se os termos ldquodignidaderdquo ldquoasperezardquo ldquoveemecircnciardquo ldquoresplandorrdquo ldquovigorrdquo
e ldquocircuiccedilatildeordquo vertem respectivamente semnotēs trakhytēs sphodrotēs lamprotēs
akmēe peribolē espeacutecies de composiccedilatildeo do megethos referido como ldquoestilo sublimerdquo
O que natildeo se aparta e natildeo se deve apartar da alteza do sublime diz-se ldquofacilidaderdquo e
528 Apud PIRES M L G A criacutetica camoniana no seacuteculo XVII Lisboa Instituto de Cultura e Liacutengua
Portuguesa 1982 p 81-2 529 Cf Le volgari opere del Petrarcha con la espositione di Alessandro Vellutello da Luca [Vinegia]
MDXXV [1525]
172
ldquodoccedilurardquo Sabe-se ldquofacilidaderdquo verte eukrineia ao passo que ldquodoccedilurardquo glykytēs A
eleiccedilatildeo dos termos aiacute empregados em liacutengua portuguesa tem viacutenculos bastantemente
precisos com Filiberto Campanile no italiano isso eacute sabido lecirc-se dignitagrave asprezza
vehemẽza esplendore vigore e circuitione E tambeacutem dolcezza Jaacute o substantivo latino
facilitas e o italiano facilitagrave leem-se nas interpretaccedilotildees de perspicuitas (saphēneia)
trazidas entre os tratadistas de retoacuterica e de poeacutetica jaacute assinalados por Juacutelio Cesar
Escaliacutegero e por Gabriele Zinano respectivamente530 donde se possa compreender o
denominado ldquoestilo dificultosordquo ou as afirmadas dificuldades elocutivas para o
destinataacuterio da poesia culta pelo avesso da facilidade pela carecircncia da nitidez e da
clareza na chave da eukrineia de Hermoacutegenes como qualidades discursivas no
estabelecimento e na mistura apropriada das ideias que fazem o poema
Eacute oportuno trazer agrave lembranccedila que Manuel Pires de Almeida responde a Manuel
de Faria e Souza e ao fazecirc-lo centra-se na pressuposiccedilatildeo da ineacutepcia desse comentador
de Luiacutes de Camotildees para a invenccedilatildeo de provas que manifestem a conveniente variedade
de conformaccedilatildeo estiliacutestica drsquoOs Lusiacuteadas Lembraacute-lo eacute observar que o vocabulaacuterio de
contestaccedilatildeo empregado por Manuel Pires de Almeida pende de Manuel de Faria e Souza
natildeo somente lhe responde No ldquoIuizio del poemardquo prescreve-se
que o estilo sea elegatildete i sublime i que con la sublimidad no se aparte
de lo faacutecil i dulce cosa en que halla oy nadie igualoacute a Virgilio si a caso
nuestro Poeta no lo hizo necessario es discurrir un poco porq de alguacuten
modo se atreve a deslucir esta perfeciacuteotilde en egravel la senda que muchos de
los modernos han con notable engantildeo si ya no es con gran necesidad
haciendo della virtud [hellip] Porque aviendo hallado que el mezclar lo
suave i lo dulce i lo facil con lo grave i lo alto i lo sublime es muy
difiacutecil i lo cansa mucho i es menester tiẽpo para poco escrito de que
resultoacute detenerse Tucidides 27 antildeos en su historia i Virgilio casi la
mitad en su Poema sin dexarle acabado i Sanazaro 21 en el suyo i
Guarino otros tantos en su Pastor Fido hizieronse el embeacutes de los
grandes hombres que fue hazerse dificiles por locuciones i palabras
por no cansarse sin darseles de lo que cansan a quien los lee para no
530 Cf Iuli Caesaris Scaligeri uiri Poetices libri septem Ad Syluium Filium [Lyon] Apud Antonium
Vincentium 1561 p 176 Sommarii di varie retoriche greche latine et volgari Distintamente ordinati in
uno da Gabriele Zinano In Reggio Apresso Hercoliano Bartholi 1590 pp 198-201
173
volverlos a leer maacutes con que se quedan parecidos a tapizes del embegraves
que con el enredo de la hilaccedila apenas dexa ver forma alguna i
essotros al propio tapiz del derecho que cotilde agradable desassombro
alegra la vista con los colores i el entendimiento con las acciones de
figuras distintas que son los conceptos de la pintura Agora empieccedilo
yo No se persuada que puede agradar ni ser durable ni hazerse traer
en manos de todos ni aun ser leiacutedo una vez entera el Autor que en
qualquier genero de estudio escriviere con perpetua dificultad 531
que o estilo seja elegante e sublime e que com a sublimidade natildeo se
aparte do faacutecil e doce coisa em que observa-se hoje ningueacutem igualou
a Virgiacutelio se acaso nosso Poeta [sc Luiacutes de Camotildees] natildeo o fez
Necessaacuterio eacute discorrer um pouco porque de algum modo se atreve a
desluzir esta perfeiccedilatildeo nele a senda que muitos dos modernos seguem
com notaacutevel engano se jaacute natildeo eacute com grande necessidade fazendo dela
virtude [hellip] Porque observando-se que misturar o suave o doce e o
faacutecil com o grave o alto e o sublime eacute muito difiacutecil e cansa bastante e
[que] eacute mister tempo para pouco escrito do que resultou deter-se
Tuciacutedides 27 anos em sua Histoacuteria [da Guerra do Peloponeso] Virgiacutelio
quase a metade em seu Poema [sc a Eneida] sem deixaacute-lo acabado
Sannazzaro 21 no seu532 e Guarini outros tantos em seu Pastor Fido
[muitos dos modernos] fizeram-se o avesso dos grandes homens que
foi fazerem-se difiacuteceis por locuccedilotildees e palavras por natildeo se cansarem
sem que considerassem que cansam a quem os lecirc para natildeo voltar a lecirc-
los mais com o que se tornam parecidos com tapetes do avesso que
com o enredamento dos fios apenas deixa ver forma alguma e esses
outros [se tornam parecidos] com o proacuteprio tapete do direito que com
agradaacutevel desassombro alegra a vista com as cores e o entendimento
com as accedilotildees de figuras distintas que satildeo os conceitos da pintura Agora
principio eu Natildeo se persuada de que possa agradar nem ser duraacutevel
nem fazer-se trazer nas matildeos de todos nem ainda ser lido uma vez o
531 Cf Lusiadas de Luis de Camoens priacutencipe de los poetas de Espantildea Al Rey N Sentildeor Felipe Quarto El
Grande comentadas por Manuel de Faria i Sousa Cavallero de la Orden de Christo i de la Casa Real hellip
Primero i Segundo Tomo Antildeo 1639 En Madrid Por Iuan Sanchez A costa de Pedro Coello Mercador de
libros p 64 532 Isto eacute Jacopo Sannazzaro (1458-1530) Eacute verossiacutemil que Manuel de Faria e Souza faccedila referecircncia ao
poema bucoacutelico Arcadia
174
Autor que em qualquer gecircnero de estudo escreve com perpeacutetua
dificuldade 533
Ora para Manuel de Faria e Souza Homero Virgiacutelio Oviacutedio Lucano Dante
Petrarca Sannazzaro Ariosto Ronsard Garcilaso Camotildees e Tasso cujos nomes satildeo
arrolados adiante no ldquoIuizio del poemardquo estatildeo ldquoen las manos de todosrdquo534 Evidentemente
todos natildeo vislumbra nem mesmo virtualmente a totalidade do corpo social e poliacutetico
ibeacuterico no seacuteculo XVII senatildeo faz referecircncia a letrados da espeacutecie de Manuel de Faria e
Souza E pode ser lido como determinante que subentende o destinataacuterio impliacutecito dos
comentaacuterios e dos poemas de que se fala de sorte a definir o reverso insultuoso no
vitupeacuterio na invectiva em chave semelhantemente determinada Assim por exemplo
mesmo distante do poema heroico o padre Antocircnio Vieira censura o estilo culto de
pregaccedilatildeo no ldquoSermatildeo da Sexageacutesimardquo asseverando-o improacuteprio e desmedido ldquoO estylo
culto naotilde he escuro he negro amp negro boccedilal amp muyto cerradordquo535 Assim tambeacutem o faz
bem eacute sabido Francisco de Quevedo ao desaprovar a poesia culta de lenguaje heroico agrave
maneira de D Luis de Goacutengora dizendo-a hembrilatina de lenguaje hermafrodito
culterana ou Alcoran Macarronicordquo 536
Logo regrando-se a arte da poesia enfeixam-se os lugares que coroam a virtude
ou que condenam o viacutecio Pender de um passo a outro eacute risco a que se sujeita agrave luz do
ldquoIuizio del poemardquo o autor que se lance sobre a efetuaccedilatildeo da variaccedilatildeo de estilo no poema
heroico sem considerar as dificuldades de conjugaccedilatildeo do elegante e do sublime do faacutecil
e do doce e das mais ideias ou formas do dizer nas partes de maneira que o corpo do
poema como todo se faccedila condizente com o decoro de gecircnero pronto a estar ldquoen las
manos de todosrdquo e natildeo a fazer-se ldquono para los muchosrdquo 537 conforme D Luis de Goacutengora
Em Manuel de Faria e Souza eacute de se notar como o poema o tapete no avesso informes
no direito conformes e tambeacutem formosos Os poemas ldquodificiles por locuciones i
533 Traduccedilatildeo nossa 534 Cf Lusiadas de Luis de Camoens priacutencipe de los poetas de Espantildea Al Rey N Sentildeor Felipe Quarto El
Grande comentadas por Manuel de Faria i Sousa Cavallero de la Orden de Christo i de la Casa Real hellip
Primero i Segundo Tomo Antildeo 1639 En Madrid Por Iuan Sanchez A costa de Pedro Coello Mercador de
libros p 64 535 Cf Sermoens do P Antonio Vieira da Companhia de Iesu Preacutegador de Sua Alteza Primeyra Parte
Dedicada ao Principe N S Em Lisboa Na Officina de Ioam da Costa M DC LXXIX Com todas as
licenccedilas amp Privilegio Real pp 42-43 536 Cf HANSEN J A A saacutetira e o engenho Gregoacuterio de Matos e Guerra e a Bahia do seacuteculo XVII 2ordf ed
rev Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial Campinas Editora da Unicamp 2004 p 225 537 Cf GOacuteNGORA Y ARGOTE L DE Obras completas edicioacuten de Juan Milleacute y Gimeacutenez Isabel Milleacute y
Gimeacutenez Madrid Aguillar 1967 p 1224
175
palabrasrdquo afirmam-se disformes agrave semelhanccedila do avesso da tapeccedilaria donde se entenda
que sejam pensados pelo comentador de Luiacutes de Camotildees como obras de apreensatildeo
inadequada pois que o reverso do tapete embora decirc a ver os tramados da tessitura natildeo
mostra as formas nele bordadas lavradas e vecirc-las na face contraacuteria eacute natildeo vecirc-las como
conveacutem Nesses termos de doutrina os poema cansativos que enfadam os leitores e natildeo
se abrem pois a novas leituras porque dificultosos na obscuridade de seus efeitos
ajuiacutezam-se por comparaccedilatildeo natildeo se deixam admirar a contento
Recorde-se agrave luz de Horaacutecio podem ser lidas as consideraccedilotildees de Manuel de Faria
e Souza se penetradas pela prescriccedilatildeo do ut pictura poesis como destrinccedilada nos vv 361-
365 da Epistula ad Pisones conforme a liccedilatildeo latina do texto e a traduccedilatildeo de Marcos
Martinho dos Santos
ut pictura poesis erit quae si propius stes
te capiat magis et quaedam si longius abstes
haec amat obscurum uolet haec sub luce uideri
iudicis argutum quae non formidat acumen
haec placuit semel haec deciens repetita placebit
Como a pintura a poesia Existiraacute a que se mais perto te ateacutens
mais te cative e alguma se mais longe te manteacutens
esta ama o escuro sob a luz quer ser vista aquela
que a agudeza arguta do juiz natildeo intimida
uma aprouve uma vez outra dez vezes repetida aprazeraacute538
Ou conforme a versatildeo anocircnima portuguesa estampada em 1639 ano de publicaccedilatildeo
do ldquoIuizio del poemardquo de Manuel de Faria e Souza e reestampada em 1657 em 1668 e
em 1681 Eacute versatildeo feita letra a letra
Poeumlsis A Poesia erit seragrave Vt pictura como hũa imagem pintada quaelig a
538 Cf SANTOS M M ldquoO monstrum da Arte poeacutetica de Horaacutecio Letras Claacutessicas Satildeo Paulo 2002 v 4
p 208 Em traduccedilatildeo em versos de D Rita Clara Freyre de Andrade impressa em 1781 lecirc-se ldquoAacute Poesia e
Pintura tem por certo Huns pedaccedilos que agradaotilde mais deperto E outros que de longes saotilde melhores
Naotilde receia dos olhos julgadores A aguda perspicacia quem conhece Que esta ser vista aacutes claras apetece
E que pequena lux aacute aquella assista Huma agrada huma vez somente vista Mas outra agradaraacute vista
dez vezesrdquo cf Arte poetica de Q Horacio Flaco traduzida em verso rimado e dedicada a memoria do
Grande Augusto por D Ritta Clara Freyre de Andrade hellip Coimbra Na Regia Officina da Universidade
M DCCLXXXI [1781] Com licenccedila da Real Meza Censoria p 36
176
qual Te capiat magis vos agradaragrave mais si stes se estiuerdes propiugraves
mais perto amp quaeligdam amp outra vos pareceragrave bem si longiugraves abstes se
estiuerdes de longe afastado Haec esta amat quer obscurum que se
veja com pouca luz haec aquella uolet quereragrave uideri ser vista sub luce
agraves claras quaelig a qual non formidat naotilde recea nem tem medo acumen da
agudeza da vista argutum delicada Iudicis do que a ve Haec esta placuit
semel contentou quando muito hũa vez haec aquella placebit
contentaragrave deciens repetita quatildetas vezes for vista 539
Isto seja fundado no paralelismo entre a poesia e a pintura Horaacutecio regula o estilo
das obras ou poeacuteticas ou pictoacutericas agrave luz de sua destinaccedilatildeo adequada Mais precisamente
atento tanto aos preceitos de produccedilatildeo da poesia e da pintura quantos aos protocolos de
justa recepccedilatildeo das obras dessas artes regula a destinaccedilatildeo adequada conforme o estilo
ideado e enformado pelos artiacutefices540 Esmiuacuteccedila-o Marcos Martinho dos Santos no artigo
ldquoO monstrum da Arte poeacutetica de Horaacuteciordquo um eacute o poema breve visto sob a luz ldquocuja
elocuccedilatildeo o poeta burila para que seja luzidiardquo outro o longo visto com pouca luz ldquocuja
disposiccedilatildeo o poeta planeja para que seja coerenterdquo um porque breve ldquoexige do poeta
que lapide uma a uma as palavras isto eacute que labore na elocuccedilatildeo mas porque carece de
partes dispensa-o da disposiccedilatildeordquo outro porque longo ldquoexige do poeta que encadeie tiras
inteiras de palavras isto eacute que labore na disposiccedilatildeo mas porque transcende a
singularidade das palavras permite-lhe que cochile na elocuccedilatildeordquo enfim um porque
breve ldquoeacute composiccedilatildeo mais minuciosa cujas palavras se devem inspecionarrdquo outro
539 Cito a ediccedilatildeo de 1668 Obras de Horacio principe dos poetas latinos lyricos com o entendimento litteral
amp construiccedilam Portuguesa ornadas de hum index copioso das historias amp fabulas contiudas nelas
Emendadas nesta vltima Impressam Lisboa Na Officina de Ioam da Costa M DC LXVIII [1668] Com
as licenccedilas neceszligarias p 448 Cf Obras de Horacio principe dos poetas latinos lyricos com o
entendimento litteral amp construiccedilatildeo Portuguesa ornadas de hum index copioso das historias amp fabulas
conteudas nellas Emendadas nesta ultima Impressatildeo Lisboa Na Officina de Miguel Manescal amp agrave sua custa M DC LXXXI [1681] Com as licenccedilas neceszligarias p 448 540 No comentaacuterio de D Gastatildeo Fausto da Cacircmara Coutinho (1772-1852) aos vv 361-365 de Horaacutecio lecirc-
se apreciaccedilatildeo distinta com base no Abade Charles Batteux (1713-1780) ldquo(361) Ut pictura poeumlsis erit etc
= Aqui natildeo se-trata das Artes comparadas entre si mas sim das obras como diz o Abbade Batteux Bem
como na ha Pintura ha o claro que eacute a parte do painel aonde fere a claridade Picturaelig Lumen assim tambem
na Poesia ha o escuro umbra que eacute a parte do painel da luz e eacute por isto que se-deve olhar para a toda em
harmonia e natildeo desmembradamente por parte pois que tanto na Pintura como na e Escultura se-potildee em
uso a oacutepticardquo cf Paraphrase da Epistola aos Pisotildees commumente denominada Arte Poetica de Quinto
Horacio Flacco com annotaccedilotildees sobre muitos lugares por D Gastatildeo Fausto da Camara Coutinho
Bibliothecario da Bibliotheca da Marinha Lisboa Na Typographia de Joseacute Baptista Morando rua do
Moinho de Vento nordm 59 1853 p 150
177
porque longo ldquoeacute composiccedilatildeo mais difusa cujo todo se deve contemplarrdquo 541 Esses
pressupostos vincam os comentaacuterios de Manuel de Faria e Souza a Os Lusiacuteadas e lhe
fundamentam os juiacutezos no passo supracitado
Assim visto que programaticamente seja efetuada a poesia como a pintura ou a
pintura como a poesia o tradutor e comentador castelhano da epiacutestola Juan Villen de
Biedma autor do volume Q Horacio Flacco poeta lyrico latino Sus obras con la
declaracion magistral en lengua castellana impresso em Granada em 1599 faz de
Ticiano exemplo de pintor cuja obra se deva admirar agrave maneira do poema longo ldquoEn
nuestros tiempos la pintura de Ticiano tuuo esto q quiso por mirada de lexos y ay otras
q tienẽ toda su perfeccion de cerca porq la distincion de sus partes sufre mayor examenrdquo
ou seja ldquoEm nossos tempos a pintura de Ticiano teve isto que quis por mirada de longe
e haacute outras que tecircm toda sua perfeiccedilatildeo de perto porque a distinccedilatildeo de suas partes sofre
541 Cf SANTOS M M ldquoO monstrum da Arte poeacutetica de Horaacuteciordquo Letras Claacutessicas Satildeo Paulo 2000 v 4 p 208 Ora leitor da Epistula ad Pisones Emanuele Tesauro no panegiacuterico Il giudicio discorso academico
sopra il talento di due predicatori lrsquoAlbrici amp lrsquoOrimbelli lido em ediccedilatildeo de Milatildeo de 1660 fundamentado
nos vv 361-365 de Horaacutecio que doutrinam o ut pictura poesis discrimina semelhantemente eloquentes
duas maniere de compor ldquoHor come nellrsquoArte della Pittura srsquoinsegnano due maniere ambe dignissime di
gloria vguale benche diuersissime di talento lrsquovna di imaginar Corpi con tratti gagliardi e grosso colorito
che vicini paiono vnrsquoimbratto di tele ma lontani han forza e vita lrsquoaltra di finir con delizadezza ogni
coserella agrave punta di penello come le miniature che chiamam lrsquoocchio vicino cosigrave due sono i Generi
principali del fauelare lrsquovno si proportiona aglirsquontelleti di acuta veduta lrsquoaltro agrave quersquo del Popolo chi
veggiono debilmente amp come di lontano Quanto maior populus sit dice il mio Maestro tanto longius
spectat Il primo Genere si chiamograve dal medesimo ESQVISITO il secondo CONCERTATIVO quello arsquo
libri questo alla viua voce si adatta quello allrsquoEpica questo alla Scenica si paragona quello egrave come le
saette sottile e pungente questo come le bombarde strepitoso amp infiammato questo fugrave propio di Vlisse questo di Neacutestore quello in Tucidide e Quintiliano questo in Demostene e Cicerone risplende quello egrave
Attico e salso questo Asiatico e dolce quello nelle Academiche declamationi questo nelle Forensi
ringhieri marauigliosamente trionfa Quinci vn di queste due Generi portato nell Teatro dellrsquoatro Genere
non hagrave piu gratiardquo [Ora como na arte da pintura se ensinam duas maneiras ambas digniacutessimas de gloacuteria
igual ainda que diversiacutessimas de talento uma de imaginar corpos com traccedilos galhardos e grosso colorido
que vizinhos parecem um emaranhado de teias mas distantes tecircm forccedila e vida outra de arrematar com
delicadeza toda coisinha agrave ponta de pincel como as miniaturas que chamam olho para perto assim satildeo os
dois gecircneros principais do pregar um eacute proporcionado aos intelectos de aguda vista outro ao intelecto do
povo que vecirc debilmente e como que de longe ldquoQuanto maior populus sitrdquo diz meu mestre ldquotanto longius
spectatrdquo O primeiro gecircnero foi chamado pelo mesmo de peregrino o segundo de concertativo aquele aos
livros este agrave viva voz se adapta aquele agrave eacutepica este ao teatro se compara aquele eacute como as setas sutil e pungente este como as bombardas estrepitoso e inflamado aquele foi proacuteprio de Ulisses este de Nestor
aquele de Tuciacutedides e Quintiliano este em Demoacutestenes e Ciacutecero resplandece aquele aacutetico e salgado este
asiaacutetico e doce Aquele nas acadecircmicas declamaccedilotildees este nas causas forenses maravilhosamente triunfa
Daiacute que um desses dois gecircneros levado ao teatro do outro natildeo mais tem graccedila] cf Panegirici et
ragionamenti del Conte D Emanuele Tesauro Caualier Gran Croce dersquo SS Mauritio e Lazaro Dedicati
alla Regale Altezza di Madama Christiana di Franchia Duchessa di Savoia Reina di Cipri Gloria del
Nostro Secolo Volume Terzo In Torino MDCLX [1660] Appresso Bartolomeo Zauatta Con licenza dersquo
Superiori Et Priuilegio pp 82-83 TESAURO E ldquoO Juiacutezo (Panegiacuterico Acadecircmico)rdquo Traduccedilatildeo de Joatildeo
Adolfo Hansen in CANIATO B MINEacute E (Org) Abrindo Caminhos Homenagem a Maria Aparecida
Santilli Satildeo Paulo Aacuterea de Poacutes-Graduaccedilatildeo de Estudos Comparados de Literaturas de Liacutengua Portuguesa-
FFLCH 2002 pp 167-8
178
maior examerdquo542 Horacianamente poreacutem para Manuel de Faria e Souza nada disso haacute
na ldquosenda que muchos de los modernos han con notable engantildeordquo o ldquoAutor que em
qualquer gecircnero de estudo escreve com perpeacutetua dificuldade543rdquo ao mirar imiscuir com
ineacutepcia kharaktēres ou ideai estiliacutesticos consoante os preceitos retoacutericos de Demeacutetrio e
de Hermoacutegenes natildeo se leraacute dez vezes como o poeta de poema breve sequer uma como
o poeta de poema longo seraacute inadvertidamente lido como artiacutefice de obra disforme tal o
avesso do tapete pouco admiraacutevel porque nele nada haacute do que haacute nas pinturas de Ticiano
a levar-se a semelhanccedila adiante
Para Manuel Pires de Almeida interessam menos os conselhos e as deliberaccedilotildees
do comentador de Luiacutes de Camotildees mais a defesa do desgoverno do comentaacuterio tomado
por cego agraves ldquoideias ou formas da eloquecircnciardquo na enformaccedilatildeo do estilo misto nrsquoOs
Lusiacuteadas por carecer o ldquoIuizio del poemardquo do agenciamento das liccedilotildees ou do Peri
hermēneias ou do Peri ideōn Na preceptiva de Hermoacutegenes afirma-se de fato ser difiacutecil
(δυσχερής) a mistura () das ideai a katharotēs com a peribolē jaacute postas em
542 O passo de Juan Villen de Biedma na iacutentegra eacute o seguinte ldquoPoesis erit vt pictura la poesia sera como
la pintura quae te capiat magis que te quadrara mas si stes propius si estes mas cerca amp quaedatilde y
ay otra q te parecera bien si longius abstes si estas de lexos En nuestros tiempos la pintura de Ticiano
tuuo esto q quiso por mirada de lexos y ay otras q tienẽ toda su perfeccion de cerca porq la distincion de
sus partes sufre mayor examen haec amat obscurum la vna requiere los lexos para sus sotildebras porque
assi parece mejor y no es porq tenga faltas que encubrir sino porque esta hecha con tal artificio que
resplandece de lexos volet haec sub luce videri y esta otra que es para de cerca quiere ser vista a la
luz quaelig non formidat que no tiene miedo ni rihuye iudicis argutum acumen al ingenio agudo de juez
que la mira porque quatildeto mas a lo claro se vee tatildeto mejor parece y lo obscuro su hermosura amortigua
haec placuit semel esta segunda basto mirarla vna vez haec deciens repetita placebit esta otra a lo clato muchas vezes vista agradara Assi de la misma manera ay poesias que son para de lexo miradas de
relaacutempago como no se pueda reparar en ellas no porque tengan el artificio que a pintura de lexos sino
porque son para ser oydas y no consideradasrdquo [Poesis erit vt pictura a poesia seraacute como a pintura
quae te capiat magis que te satisfaraacute mais si stes propius si estiverdes mais perto amp quaedatilde e haacute
outra que te parecera bem si longius abstes si estiverdes de longe Em nossos tempos a pintura de
Ticiano teve isto que quis por mirada de longe e haacute outras que tecircm toda sua perfeiccedilatildeo de perto porque a
distinccedilatildeo de suas partes sofre maior exame haec amat obscurum uma requer los lexos para suas sombras
porque assim parece melhor e natildeo eacute porque tenha faltas que encobrir senatildeo porque estaacute feita com tal
artifiacutecio que resplandece de longe volet haec sub luce videri e esta outra que eacute para de perto quer ser
vista agrave luz quaelig non formidat que natildeo tem medo nem rihuye iudicis argutum acumen o ingenho agudo
do juiz que a mira porque quanto mais ao claro se vecirc tanto melhor parece e o obscuro sua formosura amortigua haec placuit semel esta segunda bastou vecirc-la uma vez haec deciens repetita placebit esta
otra a lo clato muitas vezes vista agradaraacute Assim da mesma maneira haacute poesias que satildeo para de longe
miradas de relacircmpago como no se pueda reparar en ellas natildeo porque tenham o artifiacutecio que a pintura de
longe senatildeo porque satildeo para serem ouvidas e natildeo consideradas] cf Cf Q Horacio Flacco poeta lyrico
latino Sus obras con la declaracion magistral en lengua castellana por el Doctor Villen de Biedma Con
Privilegio En Granada Por Sebastian de Mena Antildeo de 1599 A costa de Iuan Diez mercader de libros p
320 543 Cf Lusiadas de Luis de Camoens priacutencipe de los poetas de Espantildea Al Rey N Sentildeor Felipe Quarto El
Grande comentadas por Manuel de Faria i Sousa Cavallero de la Orden de Christo i de la Casa Real hellip
Primero i Segundo Tomo Antildeo 1639 En Madrid Por Iuan Sanchez A costa de Pedro Coello Mercador de
libros p 64
179
confronto uma que confere primazia agrave nitidez da disposiccedilatildeo outra que apela agrave
abundacircncia do discurso a saphēneia com o peritton (o exuberante o incomum o
redundante) e o meston (o saturado o cheio) ambos pensados como graus amplificados
da peribolē que faceam os meios de clareza e evitam a vulgaridade 544 a semnotēs com
o lepton (o pequeno o deacutebil o leve) espeacutecies cujos atributos efetuam matizes em termos
de res et verba entre a solenidade e a sutileza a kharis (graccedila) com o diērmenos (elevado)
o megethos aquela recobrendo este de seduccedilatildeo545 a apheleia com a sphodrotēs uma de
constituintes que se avizinham do vulgar outra de forma veemente por vezes violenta
nada doce nada moderada a hēdonē (prazer) com a trakhytēs fazendo concorrer deleite
e aspereza donde entenda Hermoacutegenes que seja preciso audaacutecia aquela de Homero
aquela de Demoacutestenes (cf HERM 279 24-26) para fazer as mesclas (cf HERM 279 24-
280 12) Todavia destaca o tratadista natildeo se devem compreender as espeacutecies discursivas
(ldquo εἴδη rdquo) ldquole forme della orationerdquo segundo Giulio Camillo Delminio
como contraacuterias como o satildeo o quente e o frio a morte e a vida ou a noite e o dia pois
que elas podem coexistir e mais admiraacutevel se faraacute o discurso em que coexistam em
decorrecircncia da mistura adequada (cf HERM 279 17-23) Pode-se aventar o Peri ideōn
itera um modo regrado de variedade no emprego discursivo das ideai O regramento
opera-o como se veraacute depois de vislumbrado o monstrum a derradeira idea preceituada
no tratado a deinotēs
Nessa pragmaacutetica a consecuccedilatildeo da mistura eacute lugar de audaacutecia e de excelecircncia
poeacutetica Este eacute o lugar de Gabriel Pereira de Castro segundo Manuel de Galhegos
solidaacuterio com os princiacutepios artiacutesticos de Manuel Pires de Almeida Da dificuldade do
poema heroico da rareza de sua composiccedilatildeo da engenhosidade do poeta sabe-se haacute
muito porque lhe encarece o aparato epidiacutetico porque o enuncia o ldquoDiscurso Poeacuteticordquo
explicitamente Eacute conveniente aos discursos prologais Itere-se deve-se portanto
entender como amplificaccedilatildeo de efeito demonstrativo porque evidecircncia de aptidatildeo de
juiacutezo de soleacutercia e de eloquecircncia a afirmaccedilatildeo apologeacutetica de que a Ulyssea ou Lisboa
Edificada conjuga traccedilos de elocuccedilatildeo tatildeo variados como a clareza a enargia a grandeza
a formosura a brevidade a maravilha a verdade a gravidade a tristeza a alegria a
ferocidade a severidade e a elegacircncia
544 Cf HERMOacuteGENES Sobre las formas de estilo Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Consuelo Ruiz
Montero Madrid Editorial Gredos 1993 p 47 545 CHIRON P ldquoAs ambiguidades da lsquograccedilarsquo (kharis) no tratado Do estilo de Demeacutetrio (Ps-Demeacutetrio de
Falero) Letras Claacutessicas Satildeo Paulo 2003 v 7 p 202
180
Natildeo parece preciso reiterar dados os lugares de censura agenciados no ldquoIuizio del
poemardquo de Manuel de Faria e Souza dados os preceitos contrapostos na ldquoResposta ao
Juiacutezo do Poema dos Lusiacuteadas de Luiacutes de Camotildees em que se mostra natildeo ter as perfeiccedilotildees
que lhe atribui e ter outras conformes a sua invenccedilatildeo e sua mateacuteriardquo de Manuel Pires de
Almeida que essa minuciosa classificaccedilatildeo das ideai e essa hiperdeterminaccedilatildeo de seus
efeitos providas pelo Peri ideōn pressupotildeem que para a mestria do poeta componha na
fatura heroica ou natildeo consoante a pragmaacutetica do misto aiacute teorizada e normatizada natildeo
basta a saphēneia e tampouco basta o contrapeso dos matizes decorrentes do uso
discursivo das formas de grandiosidade o megethos e suas espeacutecies Conveacutem ademais
visitar a epimeleia (ἐπιμέλεια) e o kallos () Parafraseando Ciacutecero para quem
entre os officia do orador ldquoProbare necessitatis est delectare suavitatis flectere
victoriaerdquo ldquoProvar eacute da necessidade deleitar eacute da suavidade mover eacute da vitoacuteriardquo (CIC
Or XI 69) Johannes Sturm afirma que o emprego da forma aperta (saphēneia) eacute da
necessidade (ldquonecessitatis estrdquo) da forma magna (megethos) eacute da dignidade (ldquodignitatisrdquo)
e da forma pulchram (kallos) eacute do contentamento (ldquoiucunditatisrdquo)546 A versatildeo seiscentista
de Giulio Camillo Delminio o ensina
Doppo il parlare della Chiarezza amp della Dignitate secondo la
Grandezza conseguente cosa egrave hauer ragionamento della Diligenza amp
Bellezza che alla oratione si richiede Perche fagrave bisogno alla oratione
chiara amp gonfia amp di dignitate ripiena del tutto alcuna belleza amp
melodiacutea se non vogliamo che ella si mostri come acerba amp egrave
manifestoacute che agrave cosigrave fatta oratione egrave contraria la negletta amp priua di
numero amp simplice di construttione547
Apoacutes falar da Clareza amp da Dignidade segundo a Grandeza
consequente coisa eacute discorrer sobre a Diligecircncia amp Beleza que ao
546 Cf ldquoIoannis Sturmii Scholae in Librum II De formis orationum seu dicendi generibusrdquo in Hermogenis
Tarsensis rhetoris acutissimi De dicendi generibus siue formis orationum libri II Latinitate donati amp
scholis explicati atque illustrati a Ioan Sturmio Cum Gratia amp Priuilegio Caesareo ad annos octo
Excudebat Iosias Rihelis MDLXXI p 266 Eacute lugar que se itera em Gerard Joannes Vossius cf Gerardo
Ioannis Vossi Commentariorum rhetoricorum sive oratoriarum institutionum Pars altera Lugduni
Batavorum Ex officina Ioannis Maire MDCXLIII [1643] p 504 547 Le Idee ouero Forme della oratione da Hermogene considerate amp ridotte in questa lingua per M
Giulio Camillo Delminio Friulano A queste saggiunge lArtificio della Bucolica di Virgilio spiegato dal
detto M Giulio Camillo Gerard Joannes Vossius (1577-1649)Domenico Salomoni Al Sigr Andrea Sasso
svo compare Co i Priuilegij dell sommo Pontefice amp del Regrave Catholico amp con pena di scommunica Con
Licenza dersquo Svperiori In Vdine M C XCIIII [1594] Apresso Gio Battista Natolini pp 24r-v
181
discurso se reivindica porque se faz necessaacuteria ao discurso claro amp
cheio amp de todo repleto de dignidade alguma beleza amp melodia se natildeo
queremos que ele se mostre algo acerbo E eacute manifesto que ao discurso
assim feito eacute contraacuterio o negligente amp privado de ritmo amp vulgar de
construccedilatildeo548
Os termos empregados por Giulio Camillo Delminio Chiarezza Dignitate
Grandezza Diligenza e Bellezza vertem respectivamente os substantivos gregos
saphēneia semnotēs megethos epimeleia e kallos (cf HERM 296 5-14) Os derradeiros
recobrem categoria uacutenica e satildeo no ldquoDiscurso Poeacuteticordquo de Manuel de Galhegos
interpretados pelas ideias de fermosura de galhardia549 Em Jorge de Trebizonda kallos
eacute ou venustas ou pulchritudo 550 Em Antocircnio Bonfine diferentemente epimeleia eacute
diligentia e kallos eacute decora551 Recorde-se o adjetivo ldquodecorusrdquo eacute lido no Hermogenis
Tarsensis philosophi ac rhetoris acutissimi De Arte Rhetorica praecepta traduzido por
Gaspar Laurent para verter semnotēs e pode significar ldquodecorosordquo ldquodignordquo ldquonobrerdquo
ldquoeleganterdquo ou ldquobelordquo Em Natale Conti lecirc-se diligentia e pulchritudo552 Em Francisco
Porto natildeo haacute traduccedilatildeo da prescriccedilatildeo de Hermoacutegenes mas o iacutendice do volume em latim
traz pulchritudo orationis em referecircncia a kallos553 Em Johannes Sturm epimeleia eacute
accurata dicendi forma e kallos eacute pulchra forma554 Em Pedro Juan Nuntildeez kallos eacute
venustas555 Em Filiberto Campanile os termos toscanos agrave maneira de Giulio Camillo
548 Traduccedilatildeo nossa 549 Apud Ulyssea ov Lisboa Edificada Poema heroico Composto pelo insigne Doutor Gabriel Pereira de
Castro Corregedor que foy do crime da Corte amp nomeado por S Magestade pera Chanceler mograver do
Reyno de Portugal A El Rey Nosso Senhor Com licenccedila em Lisboa por Lourenccedilo Crasbeeck impressor
del Rey 1636 Acusta de Paulo Crasbeeck mercador de liuro sp 550 Rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis Apud Ioannem Roigny uia ad
D Iacobum sub Basilico amp quatuor Elementis M D XXXVIII [1538] p 496 551 Hermogenis Tarsensis Philosophi ac Rhetoris acutissimi de Arte Rhetorica precepta Aphthonii item
Sophistaelig Praeligexercitamenta Antonio Bonfine asculano interprete Apud Seb Gryphivm Lvgdvni 1538 p 216 552 Hermogenis Tarsensis philosophi ac rhetoris acutissimi De Arte Rhetorica praecepta Aphtonii item
sophistaelig praxercitamenta nuper in Latinum sermonem versa a Natale de Comitibus Veneto Basileaelig apud
Petrum Pernam [1550] p 228 553 Aphtonius Hermogenes Dionysius Longinus praeligstatissimi artis Rhetorices magistri Francisci Porti
Cretensis opera industriaacuteque illustrati atque expoliti Genevaelig apvd I Crispinvm MDLXIX [1569] sp 554 Cf Hermogenis Tarsensis rhetoris Acvtissimi De Dicendi generibvs siue formis orationum Libri II
Latinitate donati amp scholis explicati atque illustrati A Ioan Stvrmio Cum Gratia amp Priuilegio Caeligsareo
ad anno octo Excudebat Iosias Rihelius MDLXXI [1571] p 163 555 Cf Pet Iohan Nunnesii valentini Institutionum rhetoricarum libri quinque Editio tertia ceteris multo
correctior et locupletior exemplis Barcinone ex typographia Sebastiani agrave Cormellas An 1593 p 337
182
Delminio satildeo diligenza e bellezza556 Em Gabriele Zinano kallos eacute belleza557 Em Gaspar
Laurent iteram-se as eleiccedilotildees de Johannes Sturm558 Em Manuel Pires de Almeida kallos
eacute ou espeacutecie ou forma ou ideia de dizer formosa559 Em Jerocircnimo Soares Barbosa eacute estilo
Bello560 Assim epimeleia eacute ou diligentia ou accurata dicendi forma ou diligenza e kallos
eacute ou venustas ou pulchritudo ou decora ou pulchra forma ou bellezza ou fermosura ou
galhardia ou ideia de dizer formosa ou estilo Bello o que conjuga numa mesma e uacutenica
categoria de conformaccedilatildeo discursiva entre as liccedilotildees latinas e vernaacuteculas que traduzem ou
glosam o Peri ideōn ou dele pendem distintos usos Gaspar Laurent nos comentaacuterios ao
passo da doutrina assim fixa os termos
Adhibenda est in toto genere orationis ἐπιμέλεια amp accurata
ratio vt oratio sit grata elegans concinna amp studium ostendat
aduersus incuriam neglectum amp aduersus rusticitatem amp agreste
genus dicendi amp dissolutum561
Deve-se empregar em todo gecircnero de discurso epimeleia amp kallos
arrazoado acurado para que o discurso seja agradaacutevel elegante
harmonioso amp ostente o estudo contra a falta de cuidado a negligecircncia
amp contra a rusticidade amp o gecircnero de dizer agreste amp dissoluto562
Entende-se pois a eleiccedilatildeo de diligentia accurata dicendi forma ou diligenza
556 Cf Lrsquoidee ouero forme dellrsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la dottrina drsquoHermogene
e drsquoaltri retori antichi In Napoli apresso Gio Battista Sottile MDCVI Con licenza dersquo superiori p 75 557 Cf Sommarii di varie retoriche greche latine et volgari Distintamente ordinati in uno da Gabriele
Zinano In Reggio Apresso Hercoliano Bartholi 1590 pp 207-208 558 Cf Hermogenis Ars Oratoria Absolutissima Et Libri omnes Cum noua Versione Latina egrave regione
contextu Graeci amp Commentariis Gasparis Lavrentii Coloniae Allobrogvm Apud Petrvm Avbertvm Anno
MDCXIV [1614] p 350 559 Cf MUHANA A A Epopeacuteia em Prosa Seiscentista uma definiccedilatildeo de gecircnero Satildeo Paulo Editora da
Unesp 1997 p111 560 Cf Instituiccediloens oratorias de M Fabio Quintiliano escolhidas dos seus XII livros traduzidas em linguagem e illustradas com notas criticas histoacutericas e Rhetoricas para uso dos que aprendem Ajuntaotilde-
se no fim as Peccedilas originaes de Eloquencia citadas por Quintiliano no corpo destas Instituiccediloens por
Jeronymo Soares Barboza Jubilado na Cadeira de Eloquencia e Poezia da Universidade de Coimbra
Tomo Segundo Em Coimbra Na Imprensa da Universidade M DCC LXXXX Com licenccedila da Real Meza
da Commissatildeo Geral sobre о Ехате e Censura dos Livros Foi taxado este Livro a novecentos e sessenta
reis em papel p 430 561 Cf ldquoIn Hermogenis tractatvm de ideis sive de formis eloqventiaelig Gasparis Laurentij commentariusrdquo
in Hermogenis Ars Oratoria Absolutissima Et Libri omnes Cum noua Versione Latina egrave regione contextu
Graeci amp Commentariis Gasparis Lavrentii Coloniae Allobrogvm Apud Petrvm Avbertvm Anno
MDCXIV [1614] p 153 562 Traduccedilatildeo nossa
183
pelos inteacuterpretes referidos Acentua Michel Patillon em nota agrave ediccedilatildeo francesa do texto
que epimeleia termo por ele vertido como ldquoeacuteleacutegancerdquo eacute categoria que tal como
compreendida por Hermoacutegenes encerra a noccedilatildeo de estudo563 de modo que se oponha
como se lecirc na traduccedilatildeo de Giulio Camillo Delminio agrave forma ldquoneglettardquo (ἀμελής) ldquopriua
di numerordquo (ἄρρυθμος) e ldquosimplice di construttionerdquo (εὐτελής) ou seja negligente
privada de ritmo e vulgar de construccedilatildeo Recorde-se que em Hermoacutegenes eutelēs pensa-
se em contraposiccedilatildeo a megethos (cf HERM 241 11-15) Nas Scholae de Johannes Sturm
sobre o Peri ideōn pelas quais Gaspar Laurent tem simpatia desdobra-se semanticamente
o preceito de que o retor grego faz uso564
Hanc formam Graeci nominant quia pulchritudo ista debet
esse coniuncta cum honestate non debet esse cerussa aut fuco
meretricio accersita sed agrave natura accepta studio amp diligentia
conservata virtutibus autem ornata amp hinc propter diligentiam in
conservando ἐπιμέλεια vocatur Tametsi enim pulchritudinem nobis
natura largiatur tamen cura atque diligentia conservatur 565
Esta forma os gregos denominam kallos porque tal beleza deve estar
conjugada com a honestidade natildeo deve ser afetada pela cerusa ou pela
puacuterpura da meretriz mas aceita pela natureza conservada pelo estudo
amp diligecircncia ornada poreacutem pelas virtudes daiacute que a epimeleia seja
chamada a conservar proximamente a diligecircncia Ainda que de fato a
natureza nos conceda a beleza ainda assim eacute conservada pelo cuidado
e pela diligecircncia 566
O leacutexico de Johannes Sturm pode ser observado agrave distacircncia mais curta Sem
diligentia sem cura orna-se viciosamente o discurso A meretriz o letrado potildee agrave vista
como figura que metaforiza a pulchritudo sem honestas a beleza feita dos descuidos da
563 Patillon uso o termo ldquorechercherdquo cf HERMOGEgraveNE LrsquoArt rheacutetorique Traduction franccedilaise inteacutegrale
introduction et notes de Michel Patillon Paris LrsquoAcircge drsquoHomme 1997 p 397 564 Cf PATTERSON A M Hermogenes and the Renaissance Seven Ideas of Style Princeton New Jersey
Princeton University Press 1970 pp 53-54 565 ldquoIoannis Sturmii Scholae in Librum I De formis orationum seu dicendi generibusrdquo in Hermogenis
Tarsensis rhetoris acutissimi De dicendi generibus siue formis orationum libri II Latinitate donati amp
scholis explicati atque illustrati a Ioan Sturmio Cum Gratia amp Priuilegio Caesareo ad annos octo
Excudebat Iosias Rihelis MDLXXI p 244 566 Traduccedilatildeo nossa
184
natureza que as cores tornam desmedida a que o orador e o poeta devem evitar Para
evitaacute-lo o imperativo eacute breve o kallos natildeo deve buscar nem a cerussa nem o fucus Satildeo
termos sabidos da Naturalis historia de Pliacutenio o Velho (sec I dC) ambos referem cores
o primeiro cor austera de pigmento branco extraiacutedo da escoacuteria do chumbo (cf PLIN NH
XXXIV 70 XXXV 12) 567 o segundo planta marinha o fuco de que se extrai tintura
vermelha e por metoniacutemia a proacutepria cor (cf PLIN NH XXVI 103 QUINT XII 10 75)
O branco da cerusa e o puacuterpura do fuco datildeo cor agrave face da meretriz no exemplum por
semelhanccedila dizem o ornamento que ostenta a ineacutepcia o descuido a desonestidade e a
vulgaridade da obra e do artiacutefice Conforme o De oratore Antocircnio o ensina trata-se ao
cabo de facear os preceitos da arte e regulaacute-los com moderaccedilatildeo mediante a virtude das
virtudes a diligecircncia (CIC De or II 147-150)
Na versatildeo de Jorge de Trebizonda a mais antiga em latim venustas ou
pulchritudo define-se como ldquoomniũ quibus oratio cotildeficitur cotildeueniẽtia quaeligdam amp
modus qua cum succus quidam amp qualitas tanquam color orationis elucetrdquo ou seja
ldquoproporccedilatildeo de todas as coisas por meio das quais se constroacutei um discurso amp justa medida
com as quais certa vitalidade e a qualidade do discurso como uma cor resplandecerdquo 568
Consoante os preceitos de Hermoacutegenes note-se bem esta idea compreende-se tanto
como symmetria (συμμετρία) dos stoikheia constituintes das ideai operadas num
discurso donde convenientia na liccedilatildeo latina proporccedilatildeo quanto como poiotēs ēthous
(ἤθους) do todo e da parte qualidade de caraacuteter donde qualitas orationis
qualidade do discurso e por comparaccedilatildeo khrōma (χρῶμα) donde color cor do corpo
de belas cores de bela compleiccedilatildeo (εὔχροια) (cf HERM 296 24-297-9)
Reluz ensinam os Rhetoricorum libri V natildeo apenas a beleza da cor ou a cor da
beleza senatildeo tambeacutem a ldquovitalidaderdquo do discurso Isto seja certo ldquosuccusrdquo que lhe
conforma Variante de ldquosucusrdquo registra o Lewis amp Short eacute termo que na acepccedilatildeo de
ldquovigor of a discourserdquo emprega-se por Quintiliano na Institutio oratoria em ldquoHistoria
quoque alere orationem quodam uberi jucundoque suco potestrdquo (QUINT X 1 31) ou
seja ldquoA histoacuteria pode igualmente nutrir o orador de uma vitalidade fedunda e agradaacutevelrdquo
567 Recorde-se Pliacutenio o Velho distingue as cores em austeras e floridas (ldquoSunt autem colores austeri aut
floridirdquo) em nascidas e feitas (ldquoalii nascuntur alii fiuntrdquo) (cf PLIN NH XXXV 6 12) cf PLINE LrsquoANCIEN
Histoire naturelle Livre XXXV La Peinture Traduit par J-M Croisille Introduction et notes de P-E
Dauzat Paris Les Belles Lettres 2002 p 182 568 Rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis Apud Ioannem Roigny uia ad
D Iacobum sub Basilico amp quatuor Elementis M D XXXVIII [1538] pp 496-497
185
e por Ciacutecero no De oratore na voz de Antocircnio que afirma ldquoomnes [] retinebant illum
Pericli sucumrdquo (CIC De or II 93) ou seja ldquo[Criacutetias Teramenes e Liacutesias] todos retinham
aquela vitalidade de Peacutericlesrdquo e tambeacutem na de Crasso cuja orientaccedilatildeo Jorge de
Trebizonda atualiza para que Hermoacutegenes latinamente fale Diz a personagem
Ornatur igitur oratio genere primum et quasi colore quodam et suco
suo nam ut gravis ut suavis ut erudita sit ut liberalis ut admirabilis
ut polita ut sensus ut doloris habeat quantum opus sit non est
singulorum articulorum in toto spectantur haec corpore Vt porro
conspersa sit quasi verborum sententiarumque floribus id non debet
esse fusum aequabiliter per omnem orationem sed ita distinctum ut
sint quasi in ornatu disposita quaedam insignia et lumina Genus igitur
dicendi est eligendum quod maxime teneat eos qui audiant et quod
non solum delectet sed etiam sine satietate delectet (CIC De or III
96-97)
O discurso eacute adornado entatildeo em primeiro lugar por seu caraacuteter geral
bem como por sua cor por assim dizer e vitalidade De fato ser grave
encantador culto nobre admiraacutevel refinado apresentar tanto
sentimento e dor quanto eacute necessaacuterio natildeo dizem respeito a membros
isolados essas qualidades se observam no corpo inteiro Para que
continuando ele seja salpicado pelas flores por assim dizer das
palavras e dos pensamentos isso natildeo deve estar espalhado
uniformemente por todo o discurso mas distinguido de tal maneira que
haja certos sinais e luzes dispostos por assim dizer no ornato569
Ora porque difusas desigualmente pelo todo as cores satildeo ornamentos que
promovem a variedade do discurso O avesso investe-lhe de monotonia Eacute doutrina que
se conhece de Quintiliano doutrina da qual se apropriam Manuel de Galhegos no
ldquoDiscurso Poeacuteticordquo e Jerocircnimo Soares Barbosa nas Instituiccedilotildees oratorias de M Fabio
Quintiliano para ler o Peri ideōn no discurso do orador natildeo deve ser uma e a mesma a
cor do proecircmio da narraccedilatildeo das argumentaccedilotildees da digressatildeo e da peroraccedilatildeo (QUINT
XII 10 71) Jorge de Trebizonda como se veraacute costumeiro lecirc Hermoacutegenes ciente de
569 Apud SCATOLIN A A invenccedilatildeo no Do orador de Ciacutecero um estudo agrave luz de Ad Familiares 1 19 23
Satildeo Paulo [FFLCH-USP] 2009 [tese de doutorado] p 281
186
Ciacutecero de modo a acomodar-lhes as liccedilotildees e a fazer concordarem-lhes os ensinamentos
O De oratore eacute autoridade entre as primazes nessa praacutetica
Hermoacutegenes o esmiuacuteccedila a beleza da compleiccedilatildeo a noccedilatildeo de kallos como definida
eacute pendente de Platatildeo do Fedro Afirma o retor Soacutecrates no diaacutelogo diz ser conveniente
que todo discurso todo arrazoado (λόγος) tenha cabeccedila (κεφαλή) extremos (ἄκρα) e
meio (μέσα) decorosos adequados um relativamente a outro e relativamente ao corpo
(σῶμα) como um todo visto que natildeo se possa formar belo discurso de partes mal-
dispostas mesmo que belas (cf HERM 297 9-14)570 Sabe-se o alvo das palavras de
Soacutecrates eacute Liacutesias De fato mostra-o Marcos Martinho dos Santos desse passo do Fedro
platocircnico dependem os versos do proacutelogo (HOR AP 1-13) da Epistula ad Pisones de
Horaacutecio nos quais se pinta o monstrum de cabeccedila humana cerviz equina tronco plumado
membros vaacuterios e cauda piacutescea pois que escreve o latinista ldquotanto Horaacutecio como
Soacutecrates tratam a ordenaccedilatildeo das partes do arrazoado comparando-as ademais a cabeccedila
e peacute de ser viventerdquo571 Hermoacutegenes pois mira a formosura infensa agrave deformidade dos
monstros572
570 O passo de Platatildeo lido por Hermoacutegenes muito proximamente eacute este ldquoΣωκράτης ἀλλὰ τόδε γε οἶμαί σε φάναι ἄν δεῖν πάντα λόγον ὥσπερ ζῷον συνεστάναι σῶμά τι ἔχοντα αὐτὸν αὑτοῦ ὥστε μήτε ἀκέφαλον εἶναι μήτε ἄπουν ἀλλὰ μέσα τε ἔχειν καὶ ἄκρα πρέποντα ἀλλήλοις καὶ τῷ ὅλῳ γεγραμμέναrdquo (PLAT Phaedr 264 c) [SOacuteCRATES Mas penso que isto ao menos tu declararias que todo
arrazoado deve constituir-se como vivente tendo algum corpo que seja o dele de modo que nem sem cabeccedila seja nem sem peacutes mas tenha meio e cume estando escritos com decoro para um e outro e para o todo]
Apud SANTOS M M ldquoO monstrum da Arte poeacutetica de Horaacutecio Letras Claacutessicas Satildeo Paulo 2002 v 4 p
198 Carlos Alberto Nunes assim traduz o mesmo passo ldquoSOacuteCRATES Poreacutem uma coisa quero crer teraacutes
de admitir que todo discurso precisa ser precisa ser construiacutedo como um organismo vivo com um corpo
que lhe seja proacuteprio de forma que natildeo se apresente sem cabeccedila nem peacutes poreacutem com uma parte mediana e
extremidades bem relacionadas entre si e com o todordquo cf PLATAtildeO Fedro Φαῖδρος 3ordf ed revisada e
biliacutengue Beleacutem edufpa 2011 p 155 571 SANTOS M M ldquoO monstrum da Arte poeacutetica de Horaacutecio Letras Claacutessicas Satildeo Paulo 2002 v 4 p
199 572 Leia-se o que registra o verbete de Raphael Bluteau ldquoFERMOSURA ou Formosuacutera Belleza He huma
excellencia que resulta da Symmetria ou bem ordenada proporccedilaotilde das partes as quaes realmente saotilde ou
mentalmente se suppoem ser o cotildestitutivo de huma cousa na esphera da sua propria natureza Vamos
explicando por partes esta definiccedilaotilde para que todos claramente entendaotilde I A fermosura he excellencia
como tal he chamada Dom de Deos esplendor celeste privilegio da natureza attractivo dos olhos prisaotilde
dos sentidos idolo das vontades preccedilo amp estimaccedilaotilde de tudo porque todas as cousas soacute em quanto fermosas saotilde prezadas 2 A fermosura he excellencia que resulta da Symmetria amp proporccedilatildeo das partes
Naotilde porque tambem as partes naotilde tenhaotilde sua fermosura particular mas porque fallamos da fermosura de
hum todo perfeytto no qual termo naotilde soacute se comprehendem as cousas corporeas mas tambem as
incorporeas amp espirituaes porque ateacute a virtude que he toda espintual tambem tem sua proporccedilaotilde
comparaccedilatildeo amp commensuraccedilaotilde com as cousas que o entendimento reconhece proprias da sua natureza
amp o mesmo Deos que he puro espirito tem com todas as mais perfeiccediloens a da fermosura porque ainda
que Ente simplicissimo amp livre de toda a materia naotilde exclue a composiccedilaotilde Symmetrica de razaotilde mas
admite varios conceitos ou imagens intellectuaes que postas em boa ordem representaotilde objetivamente a
sua summa fermosura a qual he a da proacutepria virtude porque na essencia Divina tem a virtude a sua
primeyra amp verdadeira origem Finalmente consiste a excellencia da fermosura na proporccedilaotilde das partes
que realmente ou mentalmente cotildestituem huma cousa na esphera da sua propria natureza porque o que
187
Ora eacute preceito que normatiza o Peri ideōn basta tampouco bem acomodar-se o
discurso ao misto de saphēneia megethos epimeleia e kallos ou seja fazer-se claro
grande diligente e belo uma vez que eacute de bom tom fazecirc-lo tambeacutem notaacutevel pela gorgotēs
(cf HERM 312 3-8)
IN CHE maniera si faccia la oratione bella insieme con Tumore e
Dignitate amp ancho come chiara egrave detto sopra ma perche alla oratione
fa bisogno anchora la Celeritate accioche essa non habbia solamente
Grandezza tarda amp chiara ouero sola Bellezza ma ancho habbia
Velocitate allaquale egrave contraria la rimessa amp bassa oratione
parleremo ora di essa573
DE QUE maneira se faccedila o discurso belo conjugado com a Amplitude e
a Dignidade amp tambeacutem claro diz-se antes mas porque ao discurso eacute
necessaacuterio ainda a Celeridade a fim de que natildeo tenha somente
Grandeza tarda amp clara ou soacute Belleza mas tambeacutem tenha Velocidade
agrave qual eacute contraacuterio o discurso recolhido amp baixo falaremos desta
agora574
num objecto he deformidade em outro objecto he fermosura amp pelo contrario amp assi a tromba do
Elephante que no rosto humano seria monstruosidade no focinho do Elephante he formosura porque he
parte conveniente propria amp constitutiva do corpo do dito animal amp daqui nace que as feiccediloens de
algumas naccediloens que agrave primeyra vista nos parecem feas bem confideradas saotilde fermosas porque saotilde
proprias dos rostos com que o Author das armonias da natureza os quiz distinguir dos nossos Neste mundo sublunar naotilde haacute fermosura perfeita tanto assi que aquelle que quiz representar hum corpo perfeitemente
fermoso foy obrigado a tomar cem corpos differentes por modello De sorte que he providencia de Deos
que naotilde haja fermofa sem senaotilde porque as faltas que os olhos descobrem suspendem adoraccediloens que se
haviaotilde de tributar amp se com a fermosura de huma boa cara ser hum bem taotilde caduco amp hum mal taotilde certo
se vẽdo os homens que o tempo que a perfeiccediloa a estraga que attrahindo a si os olhos os cega amp que
senhoreando as vontades as tyranniza finalmente se no meyo das suas inevitaveis crueldades amp perfidias
tem tantos adoradores que idolatrias naotilde causaria no mundo huma fermosura igualmente benefica que
perfeita Pulchritudo inis FemSpeciesei Fem Forma ae Cic Bellezardquo cf Vocabulario portuguez e
latino aulico anatomico architectonico bellico botanico brasilico comico critico chimico dogmatico
dialectico dendrologico ecclesiastico etymologico economico florifero forense fructifero autorizado
com exemplos dos melhores escritores portugueses e latinos pelo padre D Raphael Bluteau Coimbra no Real Collegio das Artes da Companhia de Jesu Com todas as Licenccedilas necessaacuterias Anno Domini
MDCCXIII [1713] pp 82-3 Natildeo se pode deixar de notar que a formosura e a deformidade assim
reguladas compotildeem-se personificadas no conte ldquoLa belle et la becircterdquo (A bela e a fera) de Gabrielle Suzanne
Barbot (1695-1755) a Madame de Villeneuve impresso em 1740 Evidentemente logo que americanizada
a faacutebula outros satildeo os valores de uso e de troca 573 Le Idee ouero Forme della oratione da Hermogene considerate amp ridotte in questa lingua per M
Giulio Camillo Delminio Friulano A queste saggiunge lArtificio della Bucolica di Virgilio spiegato dal
detto M Giulio Camillo Opere novamente mandate in lvce da Gio Domenico Salomoni Al Sigr Andrea
Sasso svo compare Co i Priuilegij dell sommo Pontefice amp del Regrave Catholico amp con pena di scommunica
Con Licenza dersquo Svperiori In Vdine M C XCIIII [1594] Apresso Gio Battista Natolini p 28v 574 Traduccedilatildeo nossa
188
Vale rememorar que a gorgotēs eacute mencionada no ldquoDiscurso poeacuteticordquo de Manuel
de Galhegos nos seguintes termos ldquoA breuidade no explicar a sentẽccedila he soberana tarda
muito pouco em dar forma ao conceito q he o que encomenda Hermogenes na palavra
Gorgotis Que val o mesmo que Preccedilardquo575
Eacute proposta dos tradutores Cecil W Wooten e Antonio Sancho Royo que gorgotēs
eacute idea que confere rapity e rapidez ao discurso Trata-se diferentemente conforme
Consuelo Ruiz Montero e Michel Patillon de modo de conformaccedilatildeo de viveza e de
vivaciteacute Ou rapity ou rapidez ou viveza ou vivaciteacute eacute categoria pensada no avesso do
relaxado e do lacircnguido (cf HERM 312 7-8 ldquoτὸ ἀνειμένον καὶ ὕπτιονrdquo) como forma de
composiccedilatildeo discursiva mediante methodoi que se faccedilam de respostas raacutepidas de reacuteplicas
breves de apoacutestrofes os apelativos assim exemplificados pelo retor ldquoAlojavam-se em
tua casa oacute Eacutesquines e tu eras seu protetor oficialrdquo (cf DEM Cor 18 82 ldquoπαρὰ σοὶ
κατέλυον Αἰσχίνη καὶ σὺ προὐξένεις αὐτῶνrdquo) Ao cabo para a construccedilatildeo da gorgotēs
propotildee-se o uso de methodos que seja produzido por meio do que o retor grego denomina
como tipo segmentado (cf HERM 312 16 τμητικός) o que se compreende aponta-o
Consuelo Ruiz Montero segundo os comentaacuterios de Siriano Filoxeno a este passo como
tipo de estilo que parece promover a seccedilatildeo do arrazoado pela brevidade de seus membros
e tambeacutem pela rapidez de seus pensamentos576 Mais opera-se sobretudo mediante
skhēmata cujos efeitos sejam ou a segmentaccedilatildeo a que o comentador faz referecircncia ou a
revogaccedilatildeo da languidez do discurso (cf HERM 314 6-10) Mediante kōla breves (cf
HERM 319 14-15) synthēkē que evite o hiato intervocaacutelico (cf HERM 319 16-17) e
rhythmos feito do predomiacutenio do troqueu (τροχαῖος) pois com peacutes troqueus compostos
de uma siacutelaba longa seguida de uma breve ensina o Peri ideōn por analogia que motiva
o signo linguiacutestico ldquoo ritmo correrdquo (ldquoτρέχειrdquo) (HERM 319 19-320 1) Note-se para
Hermoacutegenes tanto a lexis pouco faz na enformaccedilatildeo da gorgotēs como natildeo haacute ennoiai
que lhe sejam proacuteprios embora concede o tratadista seja possiacutevel que assim sejam ditas
as finezas de pensamento (ldquoτὰ ὀξέα τῶν νοημάτωνrdquo) (cf HERM 312 9-11) ldquoli sensi
575 Apud Ulyssea ov Lisboa Edificada Poema heroico Composto pelo insigne Doutor Gabriel Pereira de
Castro Corregedor que foy do crime da Corte amp nomeado por S Magestade pera Chanceler mograver do
Reyno de Portugal A El Rey Nosso Senhor Com licenccedila em Lisboa por Lourenccedilo Crasbeeck impressor
del Rey 1636 Acusta de Paulo Crasbeeck mercador de liuro sp 576 Cf HERMOacuteGENES Sobre las formas de estilo Introduccioacuten traduccioacuten y notas de Consuelo Ruiz
Montero Madrid Editorial Gredos 1993 p 210
189
della Acutezzardquo diria Giulio Camillo Delminio577
Agrave luz das anaacutelises de Michel Patillon deve-se entender a gorgotēs como
procedimento retoacuterico que se produz por transiccedilatildeo (μετάβασις578) raacutepida de elementos
contrastados breves sobretudo de sorte a dar mobilidade (κινεῖν) ao discurso e fazer dele
algo vivo (γοργόν) (cf HERM 314 1-3) Um dos exemplos de Metodo com esta feiccedilatildeo
colhidos por Filiberto Campanile jaacute acomodada a doutrina ao vernaacuteculo proveacutem de
Francesco Petrarca e ilustra a conjugaccedilatildeo de raacutepida transiccedilatildeo com a brevidade dos
enunciados interrogativos
Srsquoamor non egrave chrsquoegrave dunque quel chrsquoio sento
Ma srsquoegli egrave amor per Dio che cosa e quale
Se buona ondrsquoegrave lrsquoeffecto aspro e mortale
Se ria ondrsquoegrave si dolce ogni tormento579
577 Cf Le Idee ouero Forme della oratione da Hermogene considerate amp ridotte in questa lingua per M
Giulio Camillo Delminio Friulano A queste saggiunge lArtificio della Bucolica di Virgilio spiegato dal
detto M Giulio Camillo Opere novamente mandate in lvce da Gio Domenico Salomoni Al Sigr Andrea
Sasso svo compare Co i Priuilegij dell sommo Pontefice amp del Regrave Catholico amp con pena di scommunica
Con Licenza dersquo Svperiori In Vdine M C XCIIII [1594] Apresso Gio Battista Natolini p 29 578 Cf QUINT IX 3 25 579 Apud Lrsquoidee ouero forme dellrsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la dottrina
drsquoHermogene e drsquo altri retori antichi In Napoli apresso Gio Battista Sottile MDCVI Con licenza dersquo
superiori p 88 Integralmente o soneto eacute o seguinte com a grafia atualizada e liccedilatildeo variante ldquoSrsquoamor non
egrave che dunque egrave quel chrsquoio sento Ma srsquoegli egrave amor per Dio che cosa e quale Se bona onde lrsquoeffecto
aspro mortale Se ria ondrsquoegrave siacute dolce ogni tormento Srsquoa mia voglia ardo onde lsquol pianto e lamento
Srsquoa mal mio grado il lamentar che vale O viva morte o dilettoso male come puoi tanto in me srsquoio no lsquol consento Et srsquoio lsquol consento a gran torto mi doglio Fra siacute contrari vegraventi in frale barca mi trovo in
alto mar senza governo siacute lieve di saver drsquoerror siacute carca chrsquoirsquo medesmo non so quel chrsquoio mi voglio e
tremo a mezza state ardendo il vernordquo [ldquoSe amor natildeo eacute qual eacute o meu sentimento Mas se ele eacute amor por
Deus que coisa eacute e qual Se boa de onde lhe vem a accedilatildeo mortal Se maacute por que eacute tatildeo doce o meu
tormento Se eu ardo por querer por que lamento Se a meu mau grado lamentar que val Oacute viva
morte oacute deleitoso mal tanto em mim podes sem consentimento E se eu consinto sem razatildeo pranteio
Em tatildeo contraacuterio vento em fraacutegil barca me encontro em alto mar e sem governo vazia de saber de
erro ela se arca tanto que natildeo sei bem o que anseio e tremo no veratildeo e ardo no inversordquo] cf PETRARCA
F Cancioneiro Traduccedilatildeo de Joseacute Clemente Pozenato Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial Campinas Editora da
Unicamp 2014 pp 238-239 Note-se agrave guisa de exemplo trata-se de procedimento elocutivo de
interpelaccedilatildeo interrogativa tambeacutem empregado por Luiacutes de Camotildees neste soneto ldquoAh minha Dinamene assi deixaste Quem nunca deixar pode de quererte Que ja Ninfa gentil natildeo posso ver-te Que tatildeo
veloz a vida desprezaste Como por tempo eterno te apartaste De quem taotilde longe andava de perderte
Puderaotilde essas agoas defenderte Que naotilde visses quem tanto magoaste Nem soacutemente falarte a dura Morte
Me deixou que apressada o negro manto Lanccedilar sobre os teus olhos consentiste Oh mar oacute ceacuteu oacute
minha escura sorte Qual vida perderey que valha tanto Se inda tenho por pouco o viver tristerdquo cf
Rimas varias de Luis de Camoens priacutencipe de los poetas heroycos y liricos de Espantildea Ofrecidas al muy
ilustre sentildeor D Ivan da Sylva Marquez de Gouvea presidente del Dezembargo do Paccedilo y mayordomo
mayor de la Casa Real ampc Comentadas por Manuel de Faria Y Sousa Cavallero de la Orden de Christo
Tomo I y II Que contienen la primera segunda y la terceira Centuria de los Sonetos Lisboa Con
Privilegio Real En la Imprenta de Theotonio Damaso de Mello Impressor de la Casa Real Con todas las
licencias necessarias Antildeo de 1685 p 278
190
Se amor natildeo eacute que eacute entatildeo o que eu sinto
Mas se eacute amor por Deus que coisa eacute e qual
Se boa donde eacute o efeito aacutespero e mortal
Se maacute por que eacute tatildeo doce cada tormento580
O ldquoSermatildeo pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holandardquo do
Padre Antocircnio Vieira eacute proacutedigo nesse procedimento de interpelaccedilatildeo interrogativa
Parece-vos bem Senhor parece-vos bem isto Que a mim que sou
vosso servo me opprimais amp aflijais E aos impios aos inimigos
vossos os favoreccedilais amp ajudeis Parece-vos bem que sejaotilde eles os
prosperados amp assistidos de vossa Providecircncia amp noacutes os deixados de
vossa matildeo noacutes os esquecidos de vossa memoacuteria noacutes o exemplo de
vossos rigores noacutes o despojo de vossa ira Taotilde pouco he desterrarnos
por voacutes amp deixar tudo Taotilde pouco he padecer trabalhos pobrezas amp
os desprezos que ellas trazem comsigo por vosso amor Jaacute a Feacute naotilde
tem merecimento Jaacute a Piedade natildeo tem valor Jaacute a perseveranccedila natildeo
vos agrada Pois se ha tanta differenccedila entre noacutes ainda que maacuteos amp
aquelles perfidos por que os ajudais a eles amp nos desfavoreceis a noacutes
Nunquid bonum tibi videtur a voacutes que sois a mesma bondade parece-
vos bem isto581
Na interpretaccedilatildeo de Hermoacutegenes proposta por Jorge de Trebizonda gorgotēs diz-
se latinamente ldquovelocitasrdquo ou ldquoceleritasrdquo e define-se tanto como ldquocompositionis
acceleratio qua uiua amp mobilis oratio videtur ou seja ldquoaceleraccedilatildeo da composiccedilatildeo por
meio da qual o discurso parece vivo e moacutevelrdquo 582 o que guarda efeitos esmiuccedilados pelas
anaacutelises de Michel Patillon quanto como ldquodicendi vis quaelig mobilem orationem redditrdquo
ou seja ldquovigor do dizer que torna moacutevel o discursordquo583 o que faz recordar Horaacutecio e
Ciacutecero Sabe-se conforme as liccedilotildees de ambos eacute distintiva dos gecircneros de discurso a vis
580 Traduccedilatildeo nossa 581 Cf Sermoens do Padre Antonio Vieira da Companhia de Iesu Preacutegador de Sua Magestade Em Lisboa
Na officina de Miguel Deslandes A custa de Antonio Leyte Pereyra Mercador de Livros M DC LXXXIII
[1683] Com todas as licenccedilas amp Privilegio Real p 478 582 Rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis Apud Ioannem Roigny uia ad
D Iacobum sub Basilico amp quatuor Elementis M D XXXVIII [1538] p 497 583 Idem p 576
191
diga-se o vigor de oradores e de poetas de artiacutefices da palavras de sorte que seja suma
no grave e deacutebil no tecircnue584
A eleiccedilatildeo do substantivo ldquovelocitasrdquo eacute controversa consoante o uacutenico estudo
extensamente consagrado a Jorge de Trebizonda sabe-se George of Trebizond A
Biography and a Study of his Rhetoric and Logic de John Monfasani pois que eacute
considerada equivocada ldquoTrebizond made an egregious error (probably misled by the
meaning of the word in medieval Greek)rdquo 585 Eacute opiniatildeo compartilhada por Luiza Loacutepez
Grigera586 todavia ressalta que as razotildees do estudioso obliquamente reafirmem um
renascimento positivado ao crer o erro no grego medieval e estejam evidentemente
assentadas na positividade desses pressupostos Haacute algo aleacutem de erro nas liccedilotildees latinas e
vernaculares do Peri ideōn
Ao verter gorgotēs por ldquovelocitasrdquo Jorge de Trebizonda elege substantivo latino
conhecido dos leitores de Quintiliano como traccedilo elocutivo da prosa do historiador
romano Saluacutestio (seacutec I aC) (cf QUINT X 1 102) e fazem escolhas afins tradutores e
comentadores quinhentistas e seiscentistas de Hermoacutegenes Antocircnio Bonfine emprega
584 Cf Hermogenis De formis orationum tomi duo Argentorati apud haeredes Vuendelini Rihelij Anno
1555 sp cf SANTOS M M ldquoO monstrum da Arte poeacutetica de Horaacutecio Letras Claacutessicas Satildeo Paulo 2002
v 4 p 228 585 Cf MONFASANI J George of Trebizond A Biography and a Study of his Rhetoric and Logic Leiden
Brill 1976 pp 323-324 ldquoThe difficulty is that Hermogenes did not teach a stylistic form of lsquospeedrsquo
that Trebizond made an egregious error (probably misled by the meaning of the word in medieval Greek)
and that this error is readily apparent to anyone who reads the pertinent section unprejudiced by
Trebizondrsquos interpretation Hermogenes meant vitality liveliness vigor [hellip] Rapidity is far from being an
always desirable quality in expression but vigor certainly is This is why at the start of his explanation of the form Hermogenes called for the regular presence of gorgoacutetes next to brightness clarity grandeur and
beauty and contrasted it to listlessness and flatness His recommendation for sharp remarks choppiness
and curtness short antitheses quick exchanges and apostrophes do not make a speech move quickly
indeed the contrary is true but they certainly give it vigor and life A humorous result of this
misunderstanding is that when later students of Hermogenes tried to apply his doctrine of lsquospeedrsquo they felt
it necessary to correct the master In the teeth of his injunction to use short sharp words they had to defend
their use of polysyllabic words as equally if not more effective in creating a sensation of speedrdquo Entenda-
se ldquoA dificuldade eacute que Hermoacutegenes natildeo ensina uma forma estiliacutestica da lsquovelocidadersquo que Trebizonda
cometeu um erro notaacutevel (provavelmente enganado pelo sentido da palavra no grego medieval) e que esse
erro eacute prontamente manifesto a quem leia o passo pertinente sem os preconceitos da interpretaccedilatildeo de
Trebizonda Hermoacutegenes significou lsquovitalidadersquo lsquovivacidadersquo lsquovigorrsquo [hellip] Rapidez estaacute longe de ser uma qualidade sempre desejaacutevel na expressatildeo mas vigor certamente eacute Por isso eacute que no iniacutecio da explanaccedilatildeo
da forma Hermoacutegenes demandou a presenccedila regular da gorgoacutetes proacutexima ao brilho agrave clareza agrave grandeza
e agrave beleza e contrastou-a agrave lacircnguidez e agrave chaneza Sua recomendaccedilatildeo por observaccedilotildees agudas
movimentaccedilatildeo e concisatildeo breves antiacuteteses mudanccedilas raacutepidas e apoacutestrofes natildeo faz um discurso mover-se
rapidamente decerto o contraacuterio eacute verdadeiro mas eles certamente conferem-lhe vigor e vida Um resultado
cocircmico desse engano eacute que quando posteriores estudantes de Hermoacutegenes tentaram aplicar sua doutrina
da lsquovelocidadersquo eles sentiram a necessidade de corrigir o mestre Em oposiccedilatildeo a esta injunccedilatildeo ao uso de
palavras breves agudas eles tiveram de defender de maneira semelhante o uso de palavras polissilaacutebicas
talvez mais efetivas na criaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de velocidaderdquo 586 Cf LOacutePEZ GRIGERA L La retoacuterica en la Espantildea del siglo de oro Salamanca Universidad de
Salamanca 1994 p 80
192
ldquoceleritasrdquo ldquovelocitasrdquo e os adjetivos ldquocelerrdquo e ldquoveloxrdquo relativamente agrave forma e seus
constituintes (1538)587 Natale Conti emprega ldquoceleritasrdquo ldquocelerrdquo e ldquoveloxrdquo (1550)588
Johannes Sturm emprega natildeo apenas ldquoveloxrdquo (1551) 589 senatildeo tambeacutem ldquoceleritasrdquo
ldquovelocitasrdquo e ldquoforma veloxrdquo (1571)590 Pedro Juan Nuntildeez ldquovelocitasrdquo (1578)591 Giulio
Camillo Delminio em toscano emprega ldquoprestezzardquo (1560) 592 e ldquoCeleritaterdquo e
ldquoVelocitaterdquo (1590) 593 Gabriele Zinano ldquoVelocitagraverdquo (1590)594 e Filiberto Campanile
ldquoPrestezzardquo e ldquoCeleritagraverdquo (1606)595 Dessa liccedilatildeo pendem natildeo soacute o uso de Manuel Pires de
Almeida o adjetivo ldquoligeirordquo (1633) 596 como o de Manuel de Galhegos ldquoPreccedilardquo
(1636)597
Ademais conveacutem destacar que Johannes Sturm na epiacutestola exordial ao volume
Hermogenis De formis orationum tomi duo toma ldquoveloxrdquo como genus dicendi que torna
587 Cf Hermogenis Tarsensis Philosophi ac Rhetoris acutissimi de Arte Rhetorica precepta Aphthonii
item Sophistaelig Praeligexercitamenta Antonio Bonfine asculano interprete Apud Seb Gryphivm Lvgdvni
1538 pp 229 230 232 235 588 Cf Hermogenis Tarsensis philosophi ac rhetoris acutissimi De Arte Rhetorica praecepta Aphtonii item
sophistaelig praxercitamenta nuper in Latinum sermonem versa a Natale de Comitibus Veneto Basileaelig apud
Petrum Pernam [1550] pp 188 236 243 249 250 311 589Cf Hermogenis De formis orationum tomi duo Argentorati apud haeredes Vuendelini Rihelij Anno
1555 sp 590 ldquoIoannis Sturmii Scholae in Librum II De formis orationum seu dicendi generibusrdquo in Hermogenis
Tarsensis rhetoris acutissimi De dicendi generibus siue formis orationum libri II Latinitate donati amp
scholis explicati atque illustrati a Ioan Sturmio Cum Gratia amp Priuilegio Caesareo ad annos octo
Excudebat Iosias Rihelis MDLXXI p 268 591 Cf Pet Iohan Nunnesii valentini Institutionum rhetoricarum libri quinque Editio tertia ceteris multo
correctior et locupletior exemplis Barcinone ex typographia Sebastiani agrave Cormellas An 1593 pp 299
Menciona-se no tiacutetulo da primeira ediccedilatildeo do tratado o nome de Hermoacutegenes Institutiones rhetoricae ex progymnasmatis potissimum Aphtonii atque ex Hermogenis arte dictatae agrave Petro Ioanne Nunnesio
Valentino Barcinone ex officina Petri Mali 1578 592 Cf Il secondo tomo dellrsquoopere di M di Giulio Camillo Delminio cioegrave La Topica ouero dellrsquoElocutione
Discorso sopra lrsquoIdee di Hermogene La Grammatica Espositione sopra il primo amp secondo Sonetto del
Petrarca Nvovamente dato in lvce Con privilegio In Venegia apresso Gabriel Giolito dersquo Ferrari MDLX
[1560] p 80 593 Cf Le Idee ouero Forme della oratione da Hermogene considerate amp ridotte in questa lingua per M
Giulio Camillo Delminio Friulano A queste srsquoaggiunge lrsquoArtificio della Bucolica di Virgilio spiegato dal
detto M Giulio Camillo Opere novamente mandate in lvce da Gio Domenico Salomoni Al Sigr Andrea
Sasso svo compare Co i Priuilegij dell sommo Pontefice amp del Regrave Catholico amp con pena di scommunica
Con Licenza dersquo Svperiori In Vdine M C XCIIII [1594] Apresso Gio Battista Natolini p 28v 29r 594 Cf Sommarii di varie retoriche greche latine et volgari Distintamente ordinati in uno da Gabriele
Zinano In Reggio Apresso Hercoliano Bartholi 1590 p 198 595 Cf LrsquoIdee overo Forme dellarsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la Dotrina
drsquoHermogene e drsquoaltri Retori antichi In Napoli Apresso Gio Battista Sottile M DCVI [1606] Con
Licenza dersquo Superiori p 88 596 Cf MUHANA A Poesia e Pintura ou Pintura e Poesia Tratado Seiscentista de Manuel Pires de
Almeida Satildeo Paulo Edusp p 108 597 Apud Ulyssea ov Lisboa Edificada Poema heroico Composto pelo insigne Doutor Gabriel Pereira de
Castro Corregedor que foy do crime da Corte amp nomeado por S Magestade pera Chanceler mograver do
Reyno de Portugal A El Rey Nosso Senhor Com licenccedila em Lisboa por Lourenccedilo Crasbeeck impressor
del Rey 1636 Acusta de Paulo Crasbeeck mercador de liuro sp
193
o discurso (oratio) cadenciado (tracta) impetuoso (contorta) e fluente (fluens)598 Os
termos satildeo parafraseados de Ciacutecero para quem este eacute ensinamento do Orator a historia
em sua feiccedilatildeo elocutiva deva ser limiacutetrofe dos discursos dos sofistas e estar afastada dos
dos oradores judiciaacuterios o historiador enquanto narra ou descreve regiatildeo ou combate
que o faccedila ldquoornaterdquo com adornos e caso interponha arengas e exortaccedilotildees que o faccedila por
meio da oratio ldquotractardquo e ldquofluensrdquo a de aparato dos sofistas e natildeo por meio da ldquocontortardquo
e ldquoacrisrdquo (pungente) a dos foacuteros (CIC Or XX 66)599 Conforme o De oratore em
preceitos semelhantes conveacutem que a ratio verborum da historia se faccedila do ldquogecircnero de
discurso profuso cadenciado e uniformemente fluente com certa suavidade sem a
aspereza judicial e sem os aguilhotildees forenses de pensamentordquo (cf CIC De or II 64
ldquogenus orationis fusum atque tractum et cum lenitate quadam aequabiliter profluens sine
hac iudiciali asperitate et sine sententiarum forensibus aculeisrdquo) Ora Johannes Sturm se
apropria dos usos de Ciacutecero e conjuga a cadecircncia e a fluecircncia do sofista com a
impetuosidade do orador forense natildeo mais para pensar a regulaccedilatildeo do estilo da historia
senatildeo que para fazer significar a categoria da gorgotēs sob os auspiacutecios da auctoritas do
do Orator (e do De oratore) na preceptiva retoacuterica
Destoa Gaspar Laurent todavia que emprega no corpo da traduccedilatildeo do Peri ideōn
ldquoconcitatum genus dicendirdquo e daacute ciecircncia nos comentaacuterios do texto dos usos de ldquoceleritasrdquo
e de ldquovelocitasrdquo (1614)600 O adjetivo latino ldquoconcitatus a umrdquo no Dictionarium Latino
hispanicum et vice versa Hispanico latinum de Antocircnio de Nebrija registra-se como
ldquoCosa mouidardquo 601 Semelhantemente no Dictionarium latino lusitanicum et vice versa
lusitanico latinum de Jerocircnimo Cardoso em ediccedilatildeo de 1613 como ldquocousa mouidardquo602
598Cf Hermogenis De formis orationum tomi duo Argentorati apud haeredes Vuendelini Rihelij Anno
1555 sp 599 Cf AMBROSIO R De rationibus exordiendi os princiacutepios da histoacuteria em Roma Satildeo Paulo Humanitas
Fapesp 2005 pp 34-35 O passo integral de Ciacutecero eacute ldquoHuic generi historia finitima est In qua et narratur
ornate et regio saepe aut pugna describitur interponuntur etiam contiones et hortationes Sed in his tracta
quaedam et fluens expetitur non haec contorta et acris oratiordquo (cf CIC Or XX 66) 600 Cf ldquoIn Hermogenis tractatvm de ideis sive de formis eloqventiaelig Gasparis Laurentij commentariusrdquo in Hermogenis Ars Oratoria Absolutissima Et Libri omnes Cum noua Versione Latina egrave regione contextu
Graeci amp Commentariis Gasparis Lavrentii Coloniae Allobrogvm Apud Petrvm Avbertvm Anno
MDCXIV [1614] 168 601 Cf Dictionarium Latino hispanicum et vice versa Hispanico latinum Aelio Antonio Nebrissensi
interprete nunc denuo ingenti vocum accessione locupletatum pristinoq nitori sublata mendarum colluuie
restitutum Ad haec Dictionarium propriorum nominum ex probatiszligimis Graecaelig amp Latinaelig linguaelig
autoribus addita ad calcem neoterica locorum appellatione concinnatum Antuerpiae In AEligdibus viduaelig amp
haeligredum Ioannis Steelij M D LXX [1570] Cum Priuilegio Regis 602 Dictionarium latino lusitanicum et vice versa lusitanico latinum cum adagiorum feregrave omnium juxta
seriem alphabeticam perutili expositione Ecclesiasticarum [sic] vocabulorum interpretatione item de
monetis ponderibus et mensuris ad presentem usum accommodatis per Hieronymum Cardosum lusitanum
194
De acordo com o Lewis amp Short trata-se de termo utilizado no sentido de ldquoViolently
moved i e rapid swift quickrdquo (ldquoViolentamente movido i e raacutepido vivo velozrdquo) e
frequentemente em Quintiliano no de ldquoRoused up excited vehement ardentrdquo
(ldquoAcometido excitado veemente ardenterdquo) Ora eacute por meio dessa vertente de
interpretaccedilatildeo do Peri ideōn de Hermoacutegenes que se deve compreender o estilo
ldquoArrebatadordquo de Jerocircnimo Soares (1790) tambeacutem dito ldquoardenterdquo ldquoconcitatumrdquo
ldquopatheticordquo e ldquoinflammadordquo arrebatado ldquopelos incisos e membros e pelas figuras
fortesrdquo603 Conveacutem notar que por vezes distanciados os adjetivos latinos ldquocelerrdquo e
ldquoconcitatusrdquo ldquovelozrdquo e ldquoarrebatadordquo na traduccedilatildeo de Adriano Scatolin combinam-se no
De oratore de Ciacutecero na voz de Antocircnio como qualificativos do discurso abundante do
jovem orador Sulpiacutecio (cf CIC De or II 88)604
A eleiccedilatildeo vocabular de Gaspar Laurent embora se perceba divergente de todas as
demais arroladas quinhentistas sobretudo tem antecedentes nos Commentariorum
rhetoricorum sive oratoriarum institutionum libri VI de Gerard Joannes Vossius (1577-
1649) estampados em 1606 e citados adiante pela quarta ediccedilatildeo de Lion de 1643 que
instam contra o que se entende como a imprecisatildeo de ldquovelocitasrdquo e de ldquoceleritasrdquo
quam rectiugraves incitatum sive concitatum aut praeligceps
dicendi genus appellabimus quagravem celeritatem cugravem non ἅπλῶς
velocitatem notet sed quandam quasi fulmineam celeritatem605
GORGOTĒS a qual chamaremos incitado ou concitado ou gecircnero de
congesta recognita vero omnia per Sebastianum Stokhamerum germanum Qui libellum etiam de proprijs
nominibus regionum populorum illustrium virorum fluviorum historijs amp fabulis poeticis refertum in
usum amp gratiam lusitanicae pubis concinnavit amp ex integro adiecit Adhuc novi huic ultimae impressioni
adjuncti sunt varij loquendi modi ex praecipuis auctoribus decerpti praesertim ex Marco Tullio Cicerone
nunc denuo amendarum colluvie qua scatebat diligenti lucubratione defaecatum Ulyssipone ex officina
Petri Crasbeeck 1613 p 40 603 Cf Instituiccediloens oratorias de M Fabio Quintiliano escolhidas dos seus XII livros traduzidas em
linguagem e illustradas com notas criticas histoacutericas e Rhetoricas para uso dos que aprendem Ajuntaotilde-se no fim as Peccedilas originaes de Eloquencia citadas por Quintiliano no corpo destas Instituiccediloens por
Jeronymo Soares Barboza Jubilado na Cadeira de Eloquencia e Poezia da Universidade de Coimbra
Tomo Segundo Em Coimbra Na Imprensa da Universidade M DCC LXXXX Com licenccedila da Real Meza
da Commissatildeo Geral sobre о Ехате e Censura dos Livros Foi taxado este Livro a novecentos e sessenta
reis em papel pp 88 430 604 Cf SCATOLIN A A invenccedilatildeo no Do orador de Ciacutecero um estudo agrave luz de Ad Familiares 1 19 23 Satildeo
Paulo [FFLCH-USP] 2009 [tese de doutorado] p 211 605 Cf Gerardi Ioannis Vossi Commentariorum rhetoricorum sive oratoriarum institutionum Pars altera
Lugduni Batavorum Ex officina Ioannis Maire MDCXLIII [1643] p 504 Cf HERMOGENE LrsquoArt
rheacutetorique Traduction franccedilaise inteacutegrale introduction et notes de Michel Patillon Paris LrsquoAcircge drsquoHomme
1997 p 15
195
dizer preciacutepite mais corretamente do que celeridade porque designa
natildeo haplōs [simplesmente] velocidade mas como que certa celeridade
fulminante606
O tradutor e o tratadista dependem agrave mesma maneira de autoridade comum a
saber das leituras dos Poetices libri septem (1561) de Juacutelio Ceacutesar Escaliacutegero em que se
propotildee a muacutetua adequaccedilatildeo dos adjetivos latinos ldquoincitatumrdquo ldquoconcitatumrdquo e ldquopraeligcepsrdquo
em substituiccedilatildeo aos usos linguiacutesticos que vertem de Jorge de Trebizonda nestes termos
ldquoNos genus hoc dicendi vel incitatũ vel concitatũ atq etiatilde iterdũ praeligceps appellabimusrdquo
(ldquoNoacutes chamaremos este gecircnero de dizer ou incitado ou concitado e ateacute mesmo por vezes
preciacutepiterdquo) 607
Avizinha-se obra contemporacircnea o De poeta de Antocircnio Sebastiano Minturno
(1500-1574) estampado em Veneza em 1559 em cujas paacuteginas se interpreta idea como
genus dicendi gorgotēs se traduz pelos neutros latinos ldquoIncitatũrdquo e ldquouolubilerdquo incitado e
voluacutevel e eacute ilustrada a operaccedilatildeo elocutiva de constituiccedilatildeo desses efeitos por passos da
Eneida de Virgiacutelio Mas natildeo apenas afirma-se a celeritas como modo de fazer fluir o
ritmo de versos que resultem convenientes a esse genus dicendi608 Estes preceitos tecircm
versatildeo toscana um tanto mais extensa na explicitaccedilatildeo do meios de composiccedilatildeo de 1564
elaborados pelo proacuteprio autor no tratado LrsquoArte poetica del Sig Antonio Minturno donde
vem que genus dicendi seja lido como ldquoforma del direrdquo que essa forma seja ldquoVolubile e
prestardquo e que possam ser aplicados entre mais procedimentos discursivos como os
exemplos colhidos de Francesco Petrarca em vez de Virgiacutelio o mostram ldquole uoci correnti
amp i uersi di pochi accenti ograve pure di numeri presti e uelocirdquo (ldquoas palavras correntes e os
versos de poucos acentos ou puros de ritmos ligeiros e velozesrdquo)609
606 Traduccedilatildeo nossa 607 Cf Iuli Caesaris Scaligeri uiri Poetices libri septem Ad Syluium Filium [Lyon] Apud Antonium
Vincentium 1561 p 182 608 Antonii Sebastianii Minturni De poeta ad Hectorem Pignatellum Vibonensium Ducem Libri Sex Cum
Priuilegijs Venetiis Ann MDLIX [1559] pp 554-555 609 LrsquoArte poetica del Sig Antonio Minturno nella quale si contengono i precetti Heroici Tragici Comici
Satyrici e drsquoogni altra Poesia Con la dottrina dersquo Sonetti canzoni et ogni sorte de Rime Thoscane dove
srsquoinsegna il modo che tenne il Petrarca nelle sue opere Et si dichiara arsquo suoi luoghi tutto quel che da
Aristotele Horatio et altri autori Greci e Latini egrave stato scritto per ammaestramento di Poeti Con le
postille del dottor Valvassori non meno chiare che breui et due tavole lrsquouna dersquo capi principali lrsquoaltra
di tutte le cose memorabile Con Privilegio Per Gio Andrea Valvassori del MDLXIII [1563] p 437
Vide MESTRES B M ldquoProblemas de Garcilaso la epiacutestola a Boscaacuten (versos 5 y 6)rdquo In GUIRAO D N
POU P J REYES A (Coord) La edicioacuten de textos Actas del I Congreso Internacional de Hispanistas del
Siglo de Oro London Tamesis 1990 pp 353-360
196
Antocircnio Sebastiano Minturno com o adjetivo latino ldquoincitatumrdquo parece
privilegiar vocabulaacuterio que se observa compartilhado em fins de seacuteculo XVI e iniacutecios de
seacuteculo XVII com as versotildees que lhe satildeo posteriores de Gaspar Laurent de Gerard
Joannes Vossius e de Juacutelio Ceacutesar Escaliacutegero embora com o substantivo ldquoceleritasrdquo e com
os adjetivos ldquovolubilerdquo e ldquoprestordquo tambeacutem incorpore de modo complementar ao De
poeta e ao LrsquoArte poetica del Sig Antonio Minturno escolhas direta ou indiretamente
procedentes dos Rhetoricorum Libri V de Jorge de Trebizonda Natildeo haacute dicotomias
todavia natildeo haacute influecircncias610 haacute autoridades dos costumes retoacutericos haacute usos linguiacutesticos
em intersecccedilatildeo os quais datildeo a saber a liccedilatildeo grega de Hermoacutegenes por variantes de
distintos matizes semacircnticos na leitura de gorgotēs e de gorgos como ldquovelocitasrdquo
ldquoceleritasrdquo ldquocelerrdquo ldquoprestezzardquo ldquoCeleritaterdquo ldquoVelocitaterdquo ldquoVelocitagraverdquo ldquoCeleritagraverdquo
ldquoligeirordquo ldquoPreccedilardquo ldquoveloxrdquo ldquoconcitatumrdquo ldquoArrebatadordquo ldquoincitatumrdquo ldquopraeligcepsrdquo
ldquouolubilerdquo ldquoprestordquo e ldquouelocerdquo Evidentemente essas variantes natildeo se anulam na
indistinccedilatildeo do inventaacuterio porque mesmo que sejam pensadas quando aplicadas num
mesmo ponto de doutrina supotildeem no trato preceptivo da instituiccedilatildeo retoacuterica horizontes
enunciativos muacuteltiplos linhas de forccedila cuja pluralidade o nome proacuteprio do retor grego
natildeo invalida611 As variantes como escolhas lexicais umas por outras como comutaccedilotildees
possiacuteveis de sentido na tratadiacutestica nem sempre dizem o mesmo corpo doutrinaacuterio nem
sempre fazem falar no latim ou no vernaacuteculo o mesmo Hermoacutegenes e assim sujeitas agrave
controveacutersia Gerard Joannes Vossius daacute um exemplo indiciam vertentes plurais de
circulaccedilatildeo das doutrinas recolhidas no Peri ideōn Mapeaacute-las eacute mapear em autores
quinhentistas seiscentintas e setecentistas a normatizaccedilatildeo das praacuteticas de escrita e os
valores de usos das artes do discurso gregas entre latinos gregas latinamente lidas e
legiacuteveis ainda que sejam redigidas nos idiomas vernaacuteculos
Deve-se entender poreacutem que na regulaccedilatildeo estiliacutestica preceituada por
Hermoacutegenes isso natildeo basta visto que a variedade do misto eacute criteacuterio de virtude
DA NOI si egrave dimostro giagrave come si faccia la oratione chiara di dignitate
bella amp presta segue agrave quelle necessariamente il trattato della forma
610 Como mostra Peter Burke eacute ldquotermo originalmente astroloacutegico que com frequecircncia tem sido empregado
de forma bastante acriacutetica pelos historiadores intelectuaisrdquo cf BURKE P As fortunas drsquoO Cortesatildeo Satildeo
Paulo Editora da Unesp 1995 p 13 611 Cf KOSSOVITCH L ldquoPrefaacuteciordquo in HANSEN J A A saacutetira e o engenho Gregoacuterio de Matos e Guerra e
a Bahia do seacuteculo XVII 2ordf ed rev Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial Campinas Editora da Unicamp 2004 p
19
197
che di Costume tiene il nome perche egrave vtilissima cosa sopra tutte le
altre anche conoscere in che maniera si faccia la specie morale della
oratione []612
POR NOacuteS jaacute se manifestou como se faz o discurso claro de dignidade
belo amp ligeiro Segue agravequele necessariamente o tratamento da forma
que tem o nome de Costume porque eacute utiliacutessima coisa sobre todas
tambeacutem conhecer de que maneira se faccedila a espeacutecie moral do discurso
[]613
Por ldquoCostumerdquo sabe-se Giulio Camillo Delminio lecirc o grego ldquoēthosrdquo Eacute termo que
se define com Hermoacutegenes como espeacutecie que natildeo soacute conforma o discurso em sua iacutentegra
agrave maneira da compleiccedilatildeo da cor do corpo khrōma (χρῶμα) produzida pela adequaccedilatildeo
das palavras agraves personagens que as enunciam e aos ēthikoi (ἠθικοί) os caracteres (glutotildees
covardes avarentos) senatildeo tambeacutem que se mescla no discurso agraves demais ideai como
as liccedilotildees do retor iteram na enformaccedilatildeo do misto retoacuterico (cf HERM 320 20-321 18) O
ēthos como preceituado por Hermoacutegenes discrimina-se em quatro diferentes espeacutecies a
saber apheleia glykytēs drimytēs ou natildeo raro no Peri ideon ldquodrimytēs kai oxysrdquo cujos
sentidos se poderatildeo visitar e epieikeia Dessas espeacutecies a primeira delas estaacute vinculada
agrave composiccedilatildeo de personagens cocircmicas e interessa ao misto tragicocircmico os exemplos
colhidos do retor o evidenciam glutotildees covardes avarentos
Talvez soe repetitivo iterar que entre os leitores de Hermoacutegenes Jorge de
Trebizonda ao dizer ēthos diz em latim ou ldquooratio moratardquo ou ldquoaffectiordquo cujas espeacutecies
respectivamente para ele satildeo tenuitas iucunda oratio (ou iucunditas) acutum genus (ou
acuitas) e modestum genus dicendi 614 Da variaccedilatildeo dessas espeacutecies em diferentes
tratadistas desde os Rhetoricorum libri V e da revisatildeo dos modos de classificaccedilatildeo dos
efeitos da alētheiae da barytēs feitas espeacutecies eacuteticas jaacute se disse algo O ēthos e suas
quatro formas em Antocircnio Bonfine no Hermogenis Tarsensis Philosophi ac Rhetoris
612 Le Idee ouero Forme della oratione da Hermogene considerate amp ridotte in questa lingua per M
Giulio Camillo Delminio Friulano A queste saggiunge lArtificio della Bucolica di Virgilio spiegato dal
detto M Giulio Camillo Opere novamente mandate in lvce da Gio Domenico Salomoni Al Sigr Andrea
Sasso svo compare Co i Priuilegij dell sommo Pontefice amp del Regrave Catholico amp con pena di scommunica
Con Licenza dersquo Svperiori In Vdine M C XCIIII [1594] Apresso Gio Battista Natolini p 31r 613 Traduccedilatildeo nossa 614 Cf Rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis Apud Ioannem Roigny uia
ad D Iacobum sub Basilico amp quatuor Elementis M D XXXVIII [1538] pp 579-594
198
acutissimi de Arte Rhetorica precepta satildeo mos simplicitas suauitas subtilitas e argutia
(ou acuitas) de modo a abarcar a conjugaccedilatildeo dos termos drimytēs e oxys e por fim
aequalitas (ou humilitas ou moderata oratio)615 Na ediccedilatildeo de Natale Conti empregam-
se os termos ldquomosrdquo ldquosimplicitasrdquo ldquodulcedordquo ldquoacrimoniardquo e ldquoacumenrdquo ldquomansuetudordquo616
No Hermogenis Tarsensis rhetoris Acvtissimi De Dicendi generibvs siue formis
orationum Libri II de Johannes Sturm ēthos eacute oratio morata apheleia eacute simplicitas
glykytēs eacute suauitas drimytēs e oxys satildeo acrimonia (ou oratio acris) e oratio acuta (ou
acutum genus dicendi) epieikeia eacute ou modesta ou aequa ou morata oratio Em Gaspar
Laurent lecirc-se para o gecircnero oratio morata (no sentido de ldquoorationis characterrdquo ldquooratio
Morata vel affectardquo617 ) e para as espeacutecies simplicitas (ou simplex genus dicendi)
acrimonia (ou oratio acris) e oratio acuta (ou acutum genus dicendi) oratio moderata
ou morata ou aequa618 Na traduccedilatildeo de Giulio Camillo Delminio os termos satildeo Costume
Semplicitate Dolcezza Acrimonia e Acuitate Mansuetidine619 Em Filiberto Campanile
empregam-se ldquoCostumerdquo ldquoSemplicitaterdquo (ou ldquoBassezardquo) Dolcezza (ou ldquoDilettordquo)
ldquoAcutezzardquo (ou ldquoSottigliezzardquo) no sentido de drimytēs ldquoMansuetudinerdquo (ou
ldquoModestiardquo)620
Eacute evidente devem ser eticamente entendidas essas categorias o par drimytēs oxys
entre elas diga-se acutum genus dicendi acuitas subtilitas argutia acrimonia acumen
oratio acris e oratio acuta em latim ou Acrimonia Acuitate Acutezza e Sottigliezza em
italiano como os letrados arrolados deixam ler Ou mesmo fineza como Manuel de
615 Hermogenis Tarsensis Philosophi ac Rhetoris acutissimi de Arte Rhetorica precepta Aphthonii item
Sophistaelig Praeligexercitamenta Antonio Bonfine asculano interprete Apud Seb Gryphivm Lvgdvni 1538 pp
236- 616 Hermogenis Tarsensis philosophi ac rhetoris acutissimi De Arte Rhetorica praecepta Aphtonii item
sophistaelig praxercitamenta nuper in Latinum sermonem versa a Natale de Comitibus Veneto Basileaelig apud
Petrum Pernam [1550] pp 250-278 617 Cf ldquoIn Hermogenis tractatvm de ideis sive de formis eloqventiaelig Gasparis Laurentij commentariusrdquo in
Hermogenis Ars Oratoria Absolutissima Et Libri omnes Cum noua Versione Latina egrave regione contextu
Graeci amp Commentariis Gasparis Lavrentii Coloniae Allobrogvm Apud Petrvm Avbertvm Anno
MDCXIV [1614] p 163 618 Cf Hermogenis Ars Oratoria Absolutissima Et Libri omnes Cum noua Versione Latina egrave regione
contextu Graeci amp Commentariis Gasparis Lavrentii Coloniae Allobrogvm Apud Petrvm Avbertvm Anno
MDCXIV [1614] pp 385-427 619 Le Idee ouero Forme della oratione da Hermogene considerate amp ridotte in questa lingua per M
Giulio Camillo Delminio Friulano A queste saggiunge lArtificio della Bucolica di Virgilio spiegato dal
detto M Giulio Camillo Opere novamente mandate in lvce da Gio Domenico Salomoni Al Sigr Andrea
Sasso svo compare Co i Priuilegij dell sommo Pontefice amp del Regrave Catholico amp con pena di scommunica
Con Licenza dersquo Svperiori In Vdine M C XCIIII [1594] Apresso Gio Battista Natolini pp 31r-39v 620 Cf Lrsquoidee ouero forme dellrsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la dottrina drsquoHermogene
e drsquoaltri retori antichi In Napoli apresso Gio Battista Sottile MDCVI Con licenza dersquo superiori pp 97-
125
199
Galhegos referindo-se ao uso de todas as ldquofoacutermas de oraccedilaotilderdquo na Ulyssea ou Lisboa
Edificada de Gabriel Pereira de Castro621 lsquoNa enformaccedilatildeo do ēthos do enunciador a
drimytēs e a oxys mostra-o Michel Patillon opera-se em consonacircncia com os preceitos
aduzidos mediante pensamentos superficialmente profundos isto seja a enunciaccedilatildeo de
pensamentos sutis por meio de enunciados simples e laxos de modo que natildeo pareccedila
meditado o que eacute demasiado meditado (cf HERM 339 16-25) Eacute questatildeo de methodos
de haacutebil e engenhosa instituiccedilatildeo pela dissimulaccedilatildeo do artifiacutecio do que Hermoacutegenes
entende como profundidade superficial (cf HERM 339 19-20 328 9 epipolaios
bathytēs) Opera-se ademais mediante lexis cujo sentido natildeo corresponda propriamente
agrave ennoia que se enuncia (cf HERM 339 25-341 24) Na leitura que faz Jorge de
Trebizonda do preceito e na vulgarizaccedilatildeo proposta por Filiberto Campanile
conseguintemente potildee-se em destaque tratar-se de efeito decorrente do emprego de
leacutexico em desconformidade com o uso com o costume (cf HERM 341 15)622 Acresce o
retor ser procedimento que demanda cuidados pois que tambeacutem uacutetil agraves composiccedilotildees
cocircmicas ridiacuteculas (to geloion) e que se arrisca agrave frieza (cf HERM 339 16-25) Mediante
a lexis ainda as semelhanccedilas de vocabulaacuterio a paronomaacutesia e as metaacuteforas miram efeitos
de mesma ordem (cf HERM 341 24-344-12) Note-se Hermoacutegenes entende que drimytēs
e a oxys partilham recursos linguiacutesticos e efeitos com categorias discursivas de prazer e
deleite (hēdonē) de doccedilura e suavidade (glykytēs) (cf HERM 344 13-345 2) Eacute
pressuposto natildeo eacute possiacutevel segui-lo que parece compartilhado por Matteo Peregrini (ca
1595-1652) no tratado Delle acutezze (1639)623
Na oacuteptica dos preceitos retoacutericos que baseiam o ldquoDiscurso Poeacuteticordquo de Manuel de
Galhegos para a formaccedilatildeo de poema digno de louvor no signo da variedade do misto
autorizado por Hermoacutegenes o agenciamento desses procedimentos desses e dos demais
vinculados agraves ideai tou logou agraves formae dicendi quaisquer que sejam quantas sejam elas
621 Cf Ulyssea ov Lisboa Edificada Poema heroico Composto pelo insigne Doutor Gabriel Pereira de Castro Corregedor que foy do crime da Corte amp nomeado por S Magestade pera Chanceler mograver do
Reyno de Portugal A El Rey Nosso Senhor Com licenccedila em Lisboa por Lourenccedilo Crasbeeck impressor
del Rey 1636 Acusta de Paulo Crasbeeck mercador de liuro sp 622 Cf Rhetoricorum libri quinque nunc denuo diligenti cura excusi Parisiis Apud Ioannem Roigny uia
ad D Iacobum sub Basilico amp quatuor Elementis M D XXXVIII [1538] p 590 cf LrsquoIdee overo Forme
dellarsquoeloquentia scritte da Filiberto Campanile secondo la Dotrina drsquoHermogene e drsquoaltri Retori antichi
In Napoli Apresso Gio Battista Sottile M DCVI [1606] Con Licenza dersquo Superiori p 117 623 Delle Acutezze che altrimenti spiriti vivezze e concetti volgarmente si appellano trattato del Sig
Matteo Peregrini Bolognese di Teologia Filosofia e dellrsquouna e lrsquoaltra Legge Dottore In questa seconda
Impressione dallrsquoAutore riuiste e migliorate Allrsquo Illlustrissim Sig Galleazzo Polti In Genoua amp in
Bologna Presso Clemente Ferroni M DC XXXIX [1639] Con Licenza dersquo Superiori
200
regula-se por idea derradeira no Peri ideōn a deinotēs Mais natildeo haacute das liccedilotildees minuciosas
do tratadista grego embora por certo natildeo bastem para dizer o que diz Manuel de
Galhegos Vale vislumbrar o avesso o assombro monstruoso
201
ANATOMIA DO MONSTRO
Pois eu garanto que Os Sertotildees satildeo um livro falso A desgraccedila climaacutetica do
Nordeste natildeo se descreve Carece ver o que ela eacute Eacute medonha O livro de
Euclides da Cunha eacute uma boniteza genial poreacutem uma falsificaccedilatildeo hedionda
Repugnante [hellip] Euclides da Cunha transformou em brilho de frase sonora e
imagens chiques o que eacute cegueira insuportaacutevel deste solatildeo transformou em
heroiacutesmo o que eacute miseacuteria pura em epopeia
MAacuteRIO DE ANDRADE
O Turista Aprendiz
Monstrosum poema est cuius partes in unam certam formam non congruunt
uti naturalia monstra sunt quorum corpora ex aliis diversisque ab eorum
natura partibus coaluere
GIAMBATTISTA VICO
Note allrsquoArte poetica di Orazio
O juiacutezo pretende-se certeiro arrazoado de justeza e de justiccedila segundo o qual a
tragicomeacutedia porque gecircnero misto eacute gecircnero de obra que resulta da falta de arte da
ineacutepcia teacutecnica do poeta cujo poema tragicocircmico figura-se mal composto como rival de
Centauros e Quimeras Isso quer dizer que a tragicomeacutedia sempre desconforme com a
arte pois gecircnero de insciecircncia produz-se como perversatildeo dos preceitos poeacuteticos que
deveriam instituiacute-la como monstruosidade agrave qual a condena o artiacutefice incapaz de fazer o
que pode a arte aperfeiccediloar a natureza visto que na desrazatildeo estaacute ele sujeito apenas a
imperfeiccediloaacute-la e a compor monstro sem igual cuja anomalia eacute tamanha que faz parecerem
bem formados Centauros e Quimeras
O certo he que a Tragicomedia he hum monstro na Poesia taotilde enorme
e contrafeito que poacutedem os Centauros e as Chimeras parecer huns
partos perfeitos da natureza He hum composto poetico que formaacuteraotilde
alguns Atuthores para desprezo da Poesia ordenado todo de cousas
entre si discordes inimigas e incompativeis624
624 Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes tratadas
202
Nota-se o juiacutezo eacute demonstrativo opera-se amparado na vividez da metaacutefora
monstruosa e condensa o vitupeacuterio de Francisco Joseacute Freire agrave tragicomeacutedia tal como
doutrinado no tomo segundo de sua Arte poetica ou regras da verdadeira poesia em geral
e de todas as suas especies principaes tratadas com juizo critico Assim como a
Bibliotheca Lusitana do Abade Diogo Barbosa Machado noticia Freire publicou esse
tratado em 1748 em dois tomos625 Passados onze anos uma segunda ediccedilatildeo seguiu-se
a esta dedicada a Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho e Melo futuro Marquecircs de Pombal de
quem Francisco Joseacute Freire buscara proteccedilatildeo sob o nome de Cacircndido Lusitano em 1758
na dedicatoacuteria da Arte poetica de Q Horacio Flacco jaacute referida versatildeo portuguesa da
epiacutestola latina626
Na Arte poetica ou regras da verdadeira poesia em geral referida conforme a
ediccedilatildeo de 1759 arrola-se conjunto de preceitos que intentam abarcar os mais variados
gecircneros poeacuteticos a saber a trageacutedia a comeacutedia a miacutemica a tragicomeacutedia o poema eacutepico
a eacutecloga a saacutetira a liacuterica e suas vaacuterias espeacutecies a elegia o epigrama a silva o epitaacutefio
o emblema e por fim a empresa Os capiacutetulos XXVIII e XXIX do tratado vistos de perto
satildeo assim denominados ldquoDa Tragicomedia mostrase como he Poesia monstruosardquo e
ldquoJuizo sobre a Tragicomedia de Guarini intitulada Il Pastor Fidordquo Nesses capiacutetulos
afirmando-se contraacuterio aos apologistas que defendem que ldquonaotilde repugna agrave Poetica a Poesia
Tragicomicardquo627 Francisco Joseacute Freire mira o gecircnero e Il Pastor Fido tragicomeacutedia
pastoral de Giovanni Battista Guarini que foi impressa em Veneza em 1590628 embora
com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda ediccedilatildeo hellipFungar vice
cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium nil scribens ipse decebo
Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo virtus quo ferat error Horat
in Poetic Tomo II Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno MDCCLIX Com as licenccedilas
necessarias p 150 625 Cf Bibliotheca Lusitana Historica Critica e Chronologica na qual se comprehende a noticia dos
authores Portuguezes e das Obras que compozeraotilde desde o tempo da promulgaccedilaotilde da Ley da Graccedila ateacute
o tempo prezente offerecida agrave Augusta Magestade de D Joaotilde V Nosso Senhor por Diogo Barbosa Machado
Ulyssiponense Abbade da Parochial Igreja de Santo Adriatildeo de Sever e Academico do Numero da
Academia Real Tomo I Lisboa Occidental Na Officina de Antonio Isidoro da Fonseca Anno de M DCC
XXXXI Com todas as licenccedilas necessarias 626 A esse respeito TEIXEIRA I Mecenato Pombalino e Poesia Neoclaacutessica Basiacutelio da Gama e a Poeacutetica
do Encocircmio Satildeo Paulo Edusp 1999 pp 77 ss 627 Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes tratadas
com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda ediccedilatildeo hellipFungar vice
cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium nil scribens ipse decebo
Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo virtus quo ferat error Horat
in Poetic Tomo II Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno MDCCLIX Com as licenccedilas
necessarias p 149 628 Cf Il Pastor Fido Tragicomedia Pastorale di Battista Gvarini Dedicata al SerMO D Carlo Emanvele
Dvca di Savoia ampc Nelle Reali Nozze di SA con la serma Infante D Caterina dAvstria Con privilegi In
Venetia Presso Gio Battista Bonfadino [1590]
203
seja sabido que jaacute circulasse em coacutepias manuscritas em anos anteriores Em liacutengua
portuguesa sabe-se da traduccedilatildeo setecentista de Tomeacute Joaquim Gonzaga Neves intitulada
O Pastor Fiel Tragi-comedia Pastoril do Cavalheiro Guarini e impressa em Lisboa em
1789 anos apoacutes morte de Francisco Joseacute Freire Marginalmente talvez interesse acrescer
que haacute notiacutecia segundo o volume sexto do Ensaio biographico-critico sobre os melhores
poetas portuguezes de Joseacute Mariacutea da Costa e Silva de 1853 de que Tomeacute Joaquim
Gonzaga Neves seja natural do Rio de Janeiro nascido em 1728 e primo de Tomaacutes
Antocircnio Gonzaga629 Sabe-se tambeacutem da versatildeo castelhana preparada pela portuguesa D
Isabel Correcirca e impressa em Amberes nos Paiacuteses Baixos em 1694 cujo tiacutetulo eacute El Pastor
Fido Poeumlma de Baptista Guarino630
Ao tratadista Francisco Joseacute Freire interessa pocircr em causa a legitimidade da
tragicomeacutedia e vituperar a obra de Giovanni Battista Guarini de modo tanto a reafirmar
a ortodoxia de um costume poeacutetico que desterra esse gecircnero quanto a destituir Il Pastor
Fido do papel de exemplum privilegiado Diga-se bem Il Pastor Fido assim eacute considerado
porque para Francisco Joseacute Freire ldquoda Tragicomedia naotilde ha Escritor algum Grego ou
Latino e soacute em Itaacutelia se fez taotilde celebre com similhante composiccedilaotilde Joaotilde Bautista
Guarinirdquo631 Evidentemente o letrado lusitano natildeo o afirma sem antes ponderar a respeito
do Anfitriatildeo de Plauto (seacutec III-II aC) Concede que no proacutelogo desta obra Mercuacuterio
o deus defina-a como tragicomoedia
Nunc quam rem oratum huc ueni primum proloquar
post argumentum huius eloquar tragoediae
Quid Contraxistis frontem Quia tragoediam
dixi futuram hanc Deus sum commutauero
eandem hanc si voltis faciam ex tragoedia
629 Cf O Pastor Fiel Tragi-comedia Pastoril do Cavalheiro Guarini Traduzida do italiano por Thome
Joaquim Gonzaga Lisboa Na Regia Officina Typografica Anno M DCC LXXXIX Com a licenccedila da Real Meza da Comissatildeo Geral sobre o Exame e Censura dos Livros 630 Cf El Pastor Fido Poeumlma de Baptista Guarino Traducido de Italiano en Metro Espantildeol y Ilustrado
con Reflexiones por Dontildea Isabel Correa Dedicado agrave Don Manuel de Belmonte Baron de Belmonte Conde
Palatino y regente de Sua Magestad Catholica En Amberez Por Henrico y Cornelio Verdussen
Mercadores de Libros Antildeo M DC XCIV 631 Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes tratadas
com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda ediccedilatildeo hellipFungar vice
cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium nil scribens ipse decebo
Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo virtus quo ferat error Horat
in Poetic Tomo II Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno MDCCLIX Com as licenccedilas
necessarias p 155
204
comoedia ut sit omnibus isdem uorsibus
utrum sit an non voltis Sed ego stultior
quasi nesciam uos uelle qui diuus siem
Teneo quid animi uostri super hac re siet
faciam ut commixta sit ltsitgt tragicomoedia
nam me perpetuo facere ut sit comoedia
reges quo veniant et di non par arbitror
Quid igitur quoniam hic seruos quoque partes habet
faciam sit proinde ut dixi tragico[co]moedia (PL Amp 50-63)
Agora eu vou dizer primeiro para que vim falar aqui
depois vou falar sobre o assunto desta trageacutedia
O que eacute isso Vocecircs franziram a testa Porque eu disse
que ia ser uma trageacutedia Sou um deus e posso mudaacute-la
se vocecircs quiserem farei da trageacutedia uma comeacutedia
com os mesmos versos todos eles
Querem que seja assim ou natildeo Mas que bobo que eu sou
Como se eu natildeo soubesse o que vocecircs querem eu que sou um deus
Sei o que existe na cabeccedila de vocecircs a respeito disso
Vou fazer com que seja uma peccedila mista com que seja uma tragicomeacutedia
porque natildeo acho certo que seja uma comeacutedia
uma peccedila em que aparecem reis e deuses
O que vou fazer entatildeo Como tambeacutem um escravo toma parte nela
farei que seja como jaacute disse uma traacutegico-comeacutedia632
A Arte poetica ou regras da verdadeira poesia em geral defende ser jocoso este
uso e efetivamente cocircmico e natildeo tragicocircmico o Anfitriatildeo633 Assim Francisco Joseacute
Freire entende que como exemplum no gecircnero tragicocircmico Il Pastor Fido fornece razatildeo
632 A traduccedilatildeo eacute de Zelia de Almeida Cardoso Apud Cardoso Z de A ldquoO Anfitriatildeo de Plauto uma
tragicomeacutediardquo Itineraacuterios Araraquara n 26 2008 p 18 COSTA L N DA Mesclas geneacutericas da
tragicomeacutedia Anfitriatildeo de Plauto Campinas [IEL-Unicamp] 2010 [dissertaccedilatildeo de mestrado] p 66 633 Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes tratadas
com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda ediccedilatildeo hellipFungar vice
cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium nil scribens ipse decebo
Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo virtus quo ferat error Horat
in Poetic Tomo II Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno MDCCLIX Com as licenccedilas
necessarias p 150
205
segundo a qual deva operar o poeta propenso a imitar o poema e ambicioso de emulaacute-lo
Sabe demais que se trata de razatildeo de semelhanccedila na exata medida em que satildeo
pressupostos da praacutetica da imitatio o exame prudente e a eleiccedilatildeo ajuizada da parte a qual
porque excelente se deva compor num todo poeacutetico harmocircnico A demonstraccedilatildeo da
monstruosidade do gecircnero nesses termos eacute explicitaccedilatildeo de desarmonia do todo e de
incongruecircncia da parte afinal a tragicomeacutedia de acordo com Francisco Joseacute Freire
contraveacutem com os protocolos da boa poesia porque eacute descomposiccedilatildeo artiacutestica porque eacute
composiccedilatildeo que se faz de trageacutedia e de comeacutedia porque eacute gecircnero de feiccedilatildeo mista e eacute
repugnante porque misto
Jaacute examinaacutemos as qualidades da Tragedia e da Comedia e differindo
estas entre si em cinco cousas como he a materia as pessoas a dicccedilatildeo
os affectos e o fim [] Veja-se como estas differenccedilas entre si
contrarias e incompativeis se poderaotilde unir para formar hum sujeito
poetico Na Tragedia quasi tudo saotilde choros e lamentos na Comedia
tudo alegrias e graciosidades e eu naotilde sey como se possaotilde unir estas
contrariedades
Em razatildeo disso assevera o tratadista portuguecircs
Naotilde posso penetrar como de dous contrarios e de dous extremos venha
a compocircrse hum mixto perfeito nem darse hum meyo perfeito sendo
participante de contrariedade e extremidade de cousas v g da audacia
e do temor naotilde poacutede resultar a fortaleza porque naotilde he possiacutevel que
de dous vicios nasccedila a virtude e ainda que se aponte algum exemplo v
g que de dous animaes diversos nasce hum terceiro de outra especie
responde-se que este exemplo naotilde serve para o caso porque entre a
Tragedia e a Comedia naotilde ha simpathia nem analogia alguma para
que a arte possa unir comsigo hum terceiro parto poetico e quando se
conceda este absurdo ficaraacute a Tragicomedia sendo hum monstro da arte
porque he foacuterma contra as regras que nella se prescreveraotilde do mesmo
modo que os monstros da natureza saotilde aquelles que se affastaotilde da
geraccedilaotilde natural e da ordem que ella mesma lhe deu
206
Consoante a liccedilatildeo de Francisco Joseacute Freire a desproporccedilatildeo do gecircnero tragicocircmico
eacute verossimilmente enunciada porque a prescreve analogia de proporccedilatildeo que vincula
natureza e arte Esse viacutenculo por ordem de semelhanccedila estabelece equivalecircncias que
permitem o tracircnsito de categorias de um membro a outro da proporccedilatildeo de maneira que o
vitupeacuterio de Freire penda da natureza ou talvez mais precisamente dos discursos que a
enformam e que por conseguinte instauram leis que o monstro como anomalia prodiacutegio
ou raridade por natureza ou contra naturam transgride Trata-se evidentemente do que
se considera natural e do que se considera antinatural do que se enuncia como natureza
e como natureza dos seres
Deve-se aventar ademais que natildeo haacute monstruosidade se natildeo haacute sistema que a
preveja que institua paracircmetros de conformaccedilatildeo dos desvios de observaccedilatildeo das
analogias para deduccedilatildeo das anomalias Nesta linha a monstruosidade bastante
precisamente entende-se e itera-se como mistura de formas Eacute o que ensina o curso sobre
os anormais pronunciado por Michel Foucault no Collegravege de France entre janeiro e
marccedilo de 1975 Assim mostra Foucault o monstrum eacute misto segundo ldquouma histoacuteria
natural essencialmente centrada na distinccedilatildeo absoluta e insuperaacutevel das espeacutecies gecircneros
reinos etcrdquo Nessa matriz que se sabe aristoteacutelica portanto o monstrum eacute misto de reinos
o animal e o humano como o Centauro de cabeccedila torso e braccedilos de homem garupa e
pernas de cavalo misto de espeacutecies como a Quimera de cabeccedila de leatildeo corpo de cabra
e cauda de dragatildeo634 misto de indiviacuteduos como o Ceacuterbero de latido triacuteplice635 ou a
tricecircfala Trindade636 misto de sexos como o Hermafrodita que em si reuacutene o masculino
634 Cf SANTOS M M ldquoO monstrum da Arte poeacutetica de Horaacuteciordquo Letras Claacutessicas Satildeo Paulo 2000 v 4
p 194 635 Cf OVID Met 4 450 636 Sabe-se trata-se de efiacutegie em que a Trindade compotildee-se como uma personagem de trecircs rostos feita
como que da triplicaccedilatildeo da face do Cristo canocircnico num uacutenico corpo Segundo Marta Fajardo de Rueda
essa efiacutegie foi chamada em ciacuterculos protestantes ldquoCancerbero catoacutelicordquo o que aproxima no vitupeacuterio os
exemplos referidos A histoacuteria da figuraccedilatildeo da Trindade nesses moldes tricecircfala eacute interessantiacutessima Duas
das vertentes da controversa recepccedilatildeo da figura podem ser conhecidas a seguir Primeiro leia-se passo da
ldquoInformacion en favor de Manuel Faria y Souzardquo apenso aos Lusiacuteadas em ediccedilatildeo de 1639 pp 11-12 ldquoDe la Santissima Trinidad se vegrave frequentemente la pintura de una Cabeccedila con tres rostros la tiene la devocion
Catolica por buena imagẽ dela SS Trinidad Esto si se ha de tomar por lo que solo se dexa ver
exteriormente magraves es Motildestro que imagen de Dios pero tomado interior i espiritualmente maacutes es Imagen
de Dios que Monstro Porque esto Porque la humana devocion i Feacute quiere explicarse i no tiene facultad
para hazerlo de otra manera i hazelo como puede i con esso anda segura Los dias atras vimos en la
Iglesia de la SS Trinidad de Madrid una Imagen de tres Hombres cuyos cuerpos se unian en uno con tres
cabeccedilas divididas i todas de un parecer i todo esto se via incluso en un Triangulo No ay duda que en los
terminos mortales es muy buena imagen aquella de la SS Trinidad i que Dios la aprueva en la Fegrave de los
Catolicos por magraves que quanto a la vista corporea parece Monstro porque a la del Alma es imagen de
Dios verdadero expressado assi como se puede ya que no se pueda assi como realmente es Luego
virtuosa liacutecita i catolica es essa Monstrosidad Claro estagraverdquo Em seguida leia-se passo de El Museo
207
e o feminino637
A fauna eacute muitiacutessimo vasta inclui Esfinges Harpias Goacutergones Sereias
Minotauros Tritotildees Hidras Cilas Saacutetiros e tantos outros espeacutecimes hiacutebridos cuja
hibridez em concordacircncia com a anaacutelise de Michel Foucault eacute transgressiva Como eacute
transgressiva a tragicomeacutedia para Francisco Joseacute Freire porque inscrita na arte da poesia
arte entre artes como bizarria que infringe traccedilos distintivos que satildeo para ele por assim
dizer incontornaacuteveis e transgressiva na avaliaccedilatildeo de Francisco de Quevedo a poesia
culta de imitaccedilatildeo de D Luis de Goacutengora dita ldquoculteranardquo ldquohembrilatinardquo de ldquolenguaje
hermafroditordquo Diga-se nas artes como na natureza eacute representaccedilatildeo de virtude a unidade
do corpo638 nas artes natildeo haacute gecircnero alheio ao sistema que o prescreve639
Instituem-se assim pode-se aventar os contornos da doxa em que estaacute assentado
o juiacutezo de vitupeacuterio de Francisco Joseacute Freire Nesse esforccedilo de deslegitimaccedilatildeo da
tragicomeacutedia como gecircnero de poema e de menoscabo da obra de Giovanni Battista
Guarini como exemplar no gecircnero Freire trabalha com operaccedilotildees regradas isto eacute opera
topos de censura pendente da Epistula ad Pisones de Horaacutecio (seacutec I aC) A
tragicomeacutedia portanto para Francisco Joseacute Freire enforma-se como gecircnero misto ao
modo do monstrum enunciado nos versos horacianos em adequaccedilatildeo ao aparato
demonstrativo do proacutelogo da epiacutestola
Humano capiti ceruicem pictor equinam
Jungere si uelit amp uarias inducere plumas
Pictoacuterico y Escala Oacuteptica de Antonio Palomino de Castro y Velasco impresso em 1715 ldquoTambieacuten he visto
yo varias veces otra efigie no menos monstruosa de la Trinidad sacrosanta de que hace mencion el autor
citado y es una sola cabeza con tres narices y bocas en el rostro y los ojos correspondientes para figurar
tres semblantes en uno la qual tiene los mismos absurdos que pe la antecedente y como tales deben ser
borradas prohibidas y refutadas por el Tribunal santiacutesimo de la fe como disonantes hereacuteticas y
monstruosasrdquo apud RUEDA M F de ldquoEl siacutembolo de la Trinidadrdquo in TONIQUA C (Org) El ofiacutecio del
pintor nuevas miradas a la obra de Gregorio Vaacutesquez Bogotaacute Ministeacuterio de Cultura 2008 pp 86-7
Maria Cecilia Alvarez White tambeacutem estudiosa do assunto em outro artigo da publicaccedilatildeo indica que
disposiccedilatildeo do Conciacutelio Provincial de Santafeacute atual Bogotaacute de 27 de maio de 1774 assim sancionou a mateacuteria ldquo[] prohibimos expressamente la pintura o pinturas de las trecircs personas de Santiacutesima Trinidad
Padre Hijo y Espiacuteritu Santo estando esta tercera en figura corporal de hombre y no de paloma y del mismo
modo las imaacutegenes de escultura e impresas en la forma referidardquo apud WHITE M C A ldquoUn repinte con
historia la Trinidad de Gregorio Vaacutesquezrdquo p 91 637 FOUCAULT M Os anormais Curso no Collegravege de France (1974-1975) Ediccedilatildeo estabelecida sob a
direccedilatildeo de Franccedilos Ewald e Alessandro Fontana por Valerio Marchetti e Antonella Salomoni Traduccedilatildeo de
Eduardo Brandatildeo Satildeo Paulo Martins Fones 2011 p 54 638 Cf HANSEN J A ldquoEu nos faltaraacute semprerdquo in BECKETT S o inominaacutevel Traduccedilatildeo Ana Helena Souza
Satildeo Paulo Globo 2009 p 13 639 Cf ADAM J-M HEIDMANN U O texto literaacuterio por uma abordagem interdisciplinar Satildeo Paulo Cortez
2011 p 25
208
Undique collatis membris ut turpiter atrum
Desinat in piscem mulier formosa supernegrave
Spectatum admissi risum teneatis amici
Credite Pisones isti tabulaelig fore librum
Persimilem cujus uelut aeliggri somnia uanaelig
Fingentur species ut nec pes nec caput uni
Reddatur formaelig Pictoribus atque Poeumltis
Quidlibet audendi semper fuit aeligqua potestas
Scimus amp hanc ueniam petimusque damusque uicissim
Sed non ut placidis coeumlant immitia non ut
Serpentes auibus geminentur tigribus agni (HOR AP 1-13)640
Se hum Pintor a cabeccedila humana unisse
Pescoccedilo de cavallo e de diversas
Penas vestisse o corpo organizado
De membros de animaes de toda a especie
De sorte que mulher de bello aspecto
Em torpe e negro peixe rematasse
Voacutes chamados a ver esta pintura
O riso soffrerieis Pois comvosco
Assentay ograve Pisotildees que a hum quadro destes
Seraacute muy semelhante aquelle livro
No qual ideacuteas vatildes se representem
(Quaes os sonhos do enfermo) de tal modo
Que nem peacutes nem cabeccedila a huma soacute foacuterma
Convenha De fingir ampla licenccedila
Ao Poeta e Pintor sempre foy dada
Assim he e entre noacutes tal liberdade
Pedimos mutuamente e concedemos
Mas naotilde haacute de ser tanta que se ajunte
640 Cito a liccedilatildeo que se pode ler em Arte Poetica de Q Horacio Flacco Traduzida e Illustrada em Portuguez
por Candido Lusitano Lisboa Na Officina de Francisco Luiz Ameno M DCC LVIII [1758] Com as
licenccedilas necessaacuterias Vendese na logea de Manoel da Conceiccedilaotilde Livreiro ao Paccedilo dos Negros onde
tambeacutem se acharaacute a Vida do Infante D Henrique pelo mesmo Author pp 2-9 Essa eacute a liccedilatildeo que Francisco
Joseacute Freire traduz
209
Agreste com suave e queira unirse
Ave a serpente cordeirinho a tigre641
Esses versos vertidos os hexacircmetros latinos em hendecassiacutelabos soltos e graves
segundo a praxe do tempo abrem a Arte Poetica de Q Horacio Flacco na traduccedilatildeo ao
portuguecircs feita pelo proacuteprio Francisco Joseacute Freire sob o pseudocircnimo de Cacircndido
Lusitano Evidencia o passo citado Horaacutecio diz conceder-se ao poeta e ao pintor
semelhantemente ldquolicenccedilardquo (ldquoueniamrdquo) para fingir ldquopara forjar alguma parte
extravaganterdquo propotildee Marcos Martinho dos Santos642 todavia adverte aos Pisotildees o
preceptista que natildeo se forjem ldquoideacuteas vatildesrdquo (ldquouanae fingentur speciesrdquo) tais quais ldquoeste
quadrordquo (ldquoisti tabulaerdquo) monstruoso tais quais ldquosonhos do enfermordquo (ldquoaegri somniardquo)
em que a extravagante parte se justapotildee ldquode modo incoerente agraves mais partes da obrardquo643
Nas glosas que marginalmente acompanham a traduccedilatildeo portuguesa Francisco
Joseacute Freire afirma depreender do caso agrave luz da autoridade de Vitruacutevio (seacutec I aC)
censura aos pintores ldquode grutesco em que a fantasia depravada pinta figuras humanas
rematando em folhagens serpentes em troncos e outras semelhantes extravaganciasrdquo (cf
VITR VII 5)644 pintores que em assim fazendo ldquofogem de pintar aquellas verdades
regulares e ideacuteas verosimeis para seguirem fantasias monstruosasrdquo (ou assim tambeacutem
porque ldquopessimamente aconselhados pela sua estragada imaginativardquo) 645 No mais
expotildee-se nas glosas de Francisco Joseacute Freire reprimenda aos poetas de mesma monta
visto que para o tratadista artiacutefices de artes imitativas poetas e pintores deveriam imitar
a natureza em suas razotildees ldquopara utilidade e para deleite dos homensrdquo646 Isso significa
nesses termos a imitaccedilatildeo feita a propoacutesito natildeo viola as premissas da natureza que bem
define e circunscreve os seres nem aleacutem disso desarranja a taxonomia que
convencionalmente os designa e classifica Todavia para Francisco Joseacute Freire pintores
e poetas dignos de censura em vez disso ldquoem lugar de pintarem o que herdquo ao modo do
historiador aristoteacutelico ldquoou verosimilmente poacutede serrdquo ao modo do aristoteacutelico poeta
641 Idem ibidem 642 SANTOS M M ldquoO monstrum da Arte poeacutetica de Horaacutecio Letras Claacutessicas Satildeo Paulo 2002 v 4 p
195 643 Idem ibidem 644 Idem ibidem 645 Arte Poetica de Q Horacio Flacco Traduzida e Illustrada em Portuguez por Candido Lusitano Lisboa
Na Officina de Francisco Luiz Ameno M DCC LVIII [1758] Com as licenccedilas necessaacuterias Vendese na
logea de Manoel da Conceiccedilaotilde Livreiro ao Paccedilo dos Negros onde tambeacutem se acharaacute a Vida do Infante D
Henrique pelo mesmo Author p 8 646 Idem p 25
210
ldquopassaotilde a abusar da sua arte occupando-se em pinturas incompatiacuteveis que destroem ou
a verdade ou a verosemelhanccedilardquo647
De acordo com as liccedilotildees de Horaacutecio glosadas por Francisco Joseacute Freire em
qualquer que seja a composiccedilatildeo pictoacuterica ou poeacutetica por mais extravagantes que se
mostrem suas partes e ao fim satildeo liacutecitas as extravagacircncias se operadas de modo artiacutestico
e racional648 natildeo conveacutem obra cujo todo por motivo dessas partes seja incongruente e
inverossiacutemil obra ldquoque naotilde constar de partes entre si proacuteprias accommodadas e
convenientes isto he que naotilde observar simplicidade e unidade no assumpto na
disposiccedilaotilde no ornato e no estylordquo649 A metaacutefora do monstrum nesse sentido eacute evidentia
persuasiva de ldquoquanto he desprezo a falta desta simplicidade e unidaderdquo650 ldquodesprezo da
Poesiardquo nos termos da Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral 651
Ora compartilham essa monstruosidade segundo os preceitos poeacuteticos aduzidos
obras que o leitor deve entender como ldquofieacuteis coacutepiasrdquo do quadro que figura o monstrum
obras que surgem como exemplos apensos agrave traduccedilatildeo de Horaacutecio exemplos a natildeo imitar
diga-se bem652 Satildeo elas Filis e Demofonte de Antocircnio da Fonseca Soares (1631-1682)
conhecido como Frei Antocircnio das Chagas 653 Viriato Traacutegico de Braacutes Garcia
Mascarenhas (1596-1656) estampado postumamente em 1699654 Fecircnix da Lusitacircnia
647 Idem p 8 648 SANTOS M M ldquoO monstrum da Arte poeacutetica de Horaacutecio Letras Claacutessicas Satildeo Paulo 2002 v 4 p
197 649 Arte Poetica de Q Horacio Flacco Traduzida e Illustrada em Portuguez por Candido Lusitano Lisboa
Na Officina de Francisco Luiz Ameno M DCC LVIII [1758] Com as licenccedilas necessaacuterias Vendese na logea de Manoel da Conceiccedilaotilde Livreiro ao Paccedilo dos Negros onde tambeacutem se acharaacute a Vida do Infante D
Henrique pelo mesmo Author p 2 650 Idem ibidem 651 Manuel Pires de Almeida comenta os versos 9 e 10 da Epistula ad Pisones [ldquopictoribus atque
poetisquidlibet audendi semper fuit aequa potestasrdquo] ldquoEsta licenccedila eacute terminada na verissimilhanccedila natildeo
se haacute de fingir quanto a imaginaccedilatildeo pede Assim como o alvo do orador eacute persuadir imitar inventar e
representar as coisas que satildeo que podem ser ou que os antigos tiveram por verdadeiras fugindo-se sempre
de invenccedilotildees fantaacutesticas e malecircnconicas que carecem de correspondecircncia e semelham aos sonhos dos
freneacuteticos que cada um (como laacute dizem) vai para seu cabo Com ordem e medo se permite poetar e pintar
aborrecendo monstruosidades odiando impossiacuteveis como ajuntar aves e serpes tigres a cordeiros como
nota Entende-se a liberdade que correspondam sempre os membros a um corpo que com as perfeiccedilotildees da natureza fique bem composto guardando em tudo uma justa simetriardquo MUHANA A Poesia e Pintura ou
Pintura e Poesia Tratado Seiscentista de Manuel Pires de Almeida Satildeo Paulo Edusp p 98 652 Cf MUHANA A A Epopeacuteia em Prosa Seiscentista uma definiccedilatildeo de gecircnero Satildeo Paulo Editora da
Unesp 1997 pp 46-9 653 Cf Bibliotheca Lusitana Historica Critica e Chronologica na qual se comprehende a noticia dos
authores Portuguezes e das Obras que compozeraotilde desde o tempo da promulgaccedilaotilde da Ley da Graccedila ateacute
o tempo prezente offerecida agrave Augusta Magestade de D Joaotilde V Nosso Senhor por Diogo Barbosa Machado
Ulyssiponense Abbade da Parochial Igreja de Santo Adriatildeo de Sever e Academico do Numero da Academia
Real Tomo I Lisboa Occidental Na Officina de Antonio Isidoro da Fonseca Anno de M DCC XXXXI Com
todas as licenccedilas necessarias p 240 654 Cf Viriato tragico poema heroico em 20 cantos de Braz Garcia Mascarenhas em dois volumes vol I
211
publicado em 1649 e Insulana em 1635 ambos de Manuel Tomaacutes (1585-1665)655 Satildeo
todos poemas portugueses aos quais Francisco Joseacute Freire apotildee um et cetera (ldquoamprdquo) de
valor demonstrativo que parece agrave guisa de censura superlativar o alcance de praacutetica de
escrita que a doutrina entende desmedida No mais satildeo obras compostas no seacuteculo XVII
cujos tiacutetulos hoje ainda que soe insciente a generalizaccedilatildeo nada significam E talvez nada
signifiquem porque tenham sido naturalizadas as categorias de anaacutelise de eruditos como
Francisco Joseacute Freire e assim sejam condenados esses poemas agrave ilegibilidade como
exemplos de imperiacutecia poeacutetica e de maacute poesia ou classificados como poemas barrocos
depois de Heinrich Woumllfflin
Soma-se ademais a essas obras poema mais antigo e afamado composto por
Ludovico Ariosto (1474-1533) Orlando Furioso cuja primeira versatildeo data de 1516 O
tradutor Francisco Joseacute Freire negativamente o ajuiacuteza natildeo sem afirmar que na Itaacutelia
Horaacutecio se o pudesse ldquoacharia iguaes ou mayores monstruosidadesrdquo do que aquelas
encontradas em terras ibeacutericas O poema de Ariosto eacute vilipendiado em termos
bastantemente semelhantes por um contemporacircneo de Freire Francisco de Pina de Saacute e
de Mello (1695-1773) Ariosto eacute para Francisco de Pina e Mello como amiuacutede referido
poeta de ldquomuita extravaganciardquo Assim eacute qualificado o autor do Orlando Furioso pois
no ldquoProlegomeno para a boa intelligencia conhecimento do poema Primeira parterdquo que
prefacia o seu Triumpho da Religiaotilde Poema Epico-Polemico Francisco de Pina e Mello
bane o ldquoincrivelrdquo do gecircnero eacutepico e afirma que produz o ldquoridiculordquo e natildeo o ldquoadmiravelrdquo
o poeta que busca o ldquoextraordinariordquo mas natildeo se ateacutem aos ldquolimites da probabilidaderdquo 656
Francisco de Pina e Mello consoante esses pressupostos toma o Orlando Furioso
como exemplo de poema que excede o controle da verossimilhanccedila e faz-se monstruoso
O Poema de Ariosto estaacute fundado nestes delirios poeticos O
Hippogripho ou Cavallo de Rugero os gigantes e os monstros O anel
de Angelica que a fazia invisivel os combates de Marfisa Bradamante
Lisboa na Phenix beco de Santa Martha nordm 123 1846 pp vii-xiii 655 Cf Bibliotheca Lusitana Historica Critica e Chronologica na qual se comprehende a noticia dos
Authores Portuguezes e das Obras que compozeraotilde desde o tempo da promulgaccedilaotilde da Ley da Graccedila ateacute
o tempo presente por Diogo Barbosa Machado Ulyssiponense Abbade Reservatorio da Parochial Igreja
de Santo Adriatildeo de Sever e Academico do Numero da Academia Real Tomo III Lisboa Na Officina de
Ignacio Rodrigues Anno de MDCCLII Com todas as licenccedilas necessarias p 396 656 Triumpho da Religiaotilde Poema Epico-Polemico que a Santidade do Papa Benedicto XIV Dedica
Francisco de e de Mello Moccedilo Fidalgo da Casa de Sua Majestade Fidelissmo e Academico da Academia
Real da Historia Portuguesa Coimbra Na Officina de Antonio Simoens Ferreira impressor da
Universidade Anno de 1756 Com todas as licenccedilas necessarias p XVIII
212
e Oly[m]pia as visoens os encantamentos e outros successos deste
caracter saotilde como os sonhos de hum enfermo aonde naotilde ha
reprezentaccedilaotilde que naotilde seja monstruosidade657
Isso significa assim como os ldquoaegri somniardquo (ldquoos sonhos de hum enfermordquo) os
ldquodelirios poeticosrdquo como o pintor de bizarrias Ariosto como a pintura do monstro o
poema Orlando Furioso No discurso de vitupeacuterio a razatildeo de semelhanccedila Francisco de
Pina e Mello assenta isso eacute evidente na autoridade de Horaacutecio de quem pendem os
criteacuterios de julgamento de boa ou maacute invenccedilatildeo poeacutetica
Itere-se mesmo que Quintiliano (seacutec I dC) ao preceituar a ornamentaccedilatildeo do
discurso refira os versos iniciais da Epistula ad Pisones como ilustraccedilatildeo de viacutecio
elocutivo proacuteprio de quem mistura palavras sublimes e humildes (ldquosublimia humilibusrdquo)
arcaicas e novas (ldquouetera nouisrdquo) poeacuteticas e vulgares (ldquopoetica uulgaribusrdquo) (cf QUINT
VIII 3 61) eacute opiniatildeo corrente entre os comentadores de Horaacutecio discute Marcos
Martinho dos Santos que esses versos da epiacutestola ao construir-se por metaacutefora a
monstruosidade miram sobretudo a unidade da mateacuteria poeacutetica Eacute essa unidade como
se observou de acordo com o preceptista latino que se vecirc em risco se a variaccedilatildeo na obra
eacute prodigiosa658 pois que embora a variaccedilatildeo seja prescrita para evitar o teacutedio da invariaccedilatildeo
a unidade da obra pode-se solapar por incongruecircncia em casos tomados por excessivos659
657 Idem Ibidem 658 SANTOS M M ldquoO monstrum da Arte poeacutetica de Horaacutecio Letras Claacutessicas Satildeo Paulo 2002 v 4 p 202 659 Para Montesquieu (1689-1755) coetacircneo de Francisco Joseacute Freire a variedade eacute motivo de prazer sem
ela ldquoa alma se abate as coisas que se parecem lhe surgem como se fossem uma soacute e se a parte de uma tela
que noacutes eacute mostrada fosse igual agrave outra que jaacute vimos esse objeto seria novo sem parececirc-lo e natildeo
proporcionaria prazer algum E como a beleza das obras de arte analogamente agrave das obras da natureza estaacute
nos prazeres que proporcionam eacute preciso capacitaacute-las tanto quanto possiacutevel a variar esses prazeres eacute
preciso mostrar agrave alma coisas que ela ainda natildeo viu eacute preciso que o sentimento que lhe eacute oferecido seja
diferente daquele que ela acabou de experimentarrdquo [ldquosans cela lrsquoacircme languit car les choses semblables lui
paraissent les mecircmes et si une partie drsquoun tableau quon nous deacutecouvre ressemblait agrave une autre que nous
aurions vue cet objet serait nouveau sans le paraicirctre et ne ferait aucun plaisir Et comme les beauteacutes des
ouvrages de lrsquoart semblables agrave celles de la nature ne consistent que dans les plaisirs qursquoelles nous font il faut les rendre propres le plus que lrsquoon peut agrave varier ces plaisirs il faut faire voir agrave lrsquoacircme des choses qursquoelle
nrsquoa pas vues il faut que le sentiment qursquoon lui donne soit diffeacuterent de celui quelle vient davoirrdquo] Nesses
termos a variedade torna-se maacutequina produtora de prazer e o prazer ansiosiacutessimo de novidade inventiva
e ainda elocutiva ldquoAs histoacuterias nos agradam pela variedade do que contam os romances pela variedade
dos prodiacutegios narrados as peccedilas de teatro pela variedade das paixotildees do mesmo modo aqueles que sabem
instruir modificam tanto quanto possiacutevel o tom uniforme da instruccedilatildeordquo [ldquoCrsquoest ainsi que les histoires nous
plaisent par la varieacuteteacute des reacutecits les romans par la varieacuteteacute des prodiges les piegraveces de theacuteacirctre par la varieacuteteacute
des passions et que ceux qui savent instruire modifient le plus qursquoils peuvent le ton uniforme de
lrsquoinstructionrdquo] Afinal ldquouma uniformidade prolongada torna tudo insuportaacutevel a ordem repetida dos
periacuteodos prolongada em excesso torna-se uma arenga acabrunhante a mesma meacutetrica e as mesma tocircnicas
causam teacutedio num poema longordquo [ldquoUne longue uniformiteacute rend tout insupportable le mecircme ordre des
213
Consoante essa siacutentese do estudioso que depende dos comentaacuterios de Porfiacuterio e Pseudo-
Acratildeo de Jerocircnimo o Santo e Sidocircnio Apolinar de Mateus de Vendocircme e Godofredo de
Vinsauf ainda que nem sempre concordantes pode-se ler a glosa de Francisco Joseacute Freire
que leitor setecentista de Porfiratildeo contesta aqueles que veem nesses versos liccedilatildeo sobre
a dispositio Escreve Francisco Joseacute Freire
Se o Poeta [Horaacutecio] tratasse aqui da disposiccedilaotilde monstruosa faria
consistir a monstruosidade em ter a figura v g a cabeccedila no lugar dos
peacutes e estes no lugar superior para deste modo mostrar huma disposiccedilaotilde
contraria agrave natureza Poreacutem o que Horacio daacute a entender claramente he
que soacute falla da invenccedilaotilde monstruosa em que os peacutes e a cabeccedila naotilde se
proporcionaotilde agrave foacuterma do corpo todo660
Nesse sentido para o tratadista portuguecircs em conformidade com a figura que
pinta Horaacutecio assim como o Orlando Furioso em particular a tragicomeacutedia afirma-se
gecircnero de poema trabalhado por poeta de ldquofantasia depravadardquo que prefere nos termos
de Vitruacutevio segundo a siacutentese teoacuterica construiacuteda por Marcos Martinho dos Santos a
ldquorazatildeo falsardquo e pretere a ldquorazatildeo da verdaderdquo661 ou como supotildeem Francisco Joseacute Freire e
Francisco de Pina de Saacute e de Mello seguindo a epiacutestola poeta que compotildee livro
assemelhado a ldquosonhos de enfermordquo Sabe-se desses ldquoaegri somniardquo Freire escreve
serem os sonhos ldquodepravados varios extravagantesrdquo e mais disparatados ainda os do
ldquoenfermordquo porque assim os fazem os ldquohumores perturbadosrdquo662 segundo os usos da
medicina de costume hipocraacutetico no diagnoacutestico da melancolia
A depravaccedilatildeo a prodigiosa variedade e a extravagacircncia desses ldquoaegri somniardquo jaacute
se viu tecircm como equivalente a vanidade das ideias do livro do mau poeta ou das
peacuteriodes long-temps continueacute accable dans une harangue les mecircmes nombres et les mecircmes chutes mettent
de lennui dans un long poeumlmerdquo] MONTESQUIEU Charles de Secondat Conde de O gosto Traduccedilatildeo e posfaacutecio de Teixeira Coelho Satildeo Paulo Iluminuras 2005 pp 27-28 660 Arte Poetica de Q Horacio Flacco Traduzida e Illustrada em Portuguez por Candido Lusitano Lisboa
Na Officina de Francisco Luiz Ameno M DCC LVIII [1758] Com as licenccedilas necessaacuterias Vendese na
logea de Manoel da Conceiccedilaotilde Livreiro ao Paccedilo dos Negros onde tambeacutem se acharaacute a Vida do Infante D
Henrique pelo mesmo Author p 6 661 SANTOS M M ldquoO monstrum da Arte poeacutetica de Horaacutecio Letras Claacutessicas Satildeo Paulo 2002 v 4 p
196 662 Arte Poetica de Q Horacio Flacco Traduzida e Illustrada em Portuguez por Candido Lusitano Lisboa
Na Officina de Francisco Luiz Ameno M DCC LVIII [1758] Com as licenccedilas necessaacuterias Vendese na
logea de Manoel da Conceiccedilaotilde Livreiro ao Paccedilo dos Negros onde tambeacutem se acharaacute a Vida do Infante D
Henrique pelo mesmo Author p 6
214
ldquospeciesrdquo conforme se lecirc na liccedilatildeo em latim Como ensina Marcos Martinho dos Santos
esse substantivo Horaacutecio emprega em referecircncia agrave ldquovisatildeo espetacularrdquo tal o deliacuterio do
enfermo ldquoque natildeo eacute produzida por nenhum ser verdadeirordquo Assim por exemplo na
horaciana ldquoSaacutetira II 3rdquo eacute figurado o maniacuteaco ldquofuriosusrdquo como Orlando que ldquoconcebe
espectros alheios agrave verdaderdquo (ldquospecies alias uerisrdquo) ou como glosa o tradutor Francisco
Joseacute Freire ldquocousas que naotilde se achaotilde na natureza e soacute se daotilde na cabeccedila dos enfermos
dos loucos e dos maacuteos Poetasrdquo663
Faz reverberar as ldquoideacuteas vatildesrdquo as ldquouanae speciesrdquo o Diccionario poetico de
Francisco Joseacute Freire Nele o termo ldquofantasiardquo eacute tomado ora em chave de elogio passiacutevel
de ser qualificado por adjetivos tais quais ldquopoeticardquo ldquosubtilrdquo ldquoagudardquo ldquoengenhosardquo
ldquodiscursivardquo ldquodiscretardquo ldquodelicadardquo ldquofelizrdquo ldquofertilrdquo ora em chave de vitupeacuterio passiacutevel
de ser qualificado por ldquodepravadardquo ldquoenfermardquo ldquoestragadardquo ldquoviciosardquo ldquoloucardquo ldquoinsanardquo
ldquofatuardquo ldquonesciardquo ldquodementerdquo ldquovaga ldquovagabundardquo ldquoconfusardquo como evidenciam os
exemplos que recolhe o Diccionario poetico ldquoDrsquoalma doces delirios gratos sonhosrdquo
ldquoPotencia forte drsquoalma sensitivardquo ldquoEngenhosas ficccedilotildees subtis ideacuteasrdquo ldquoVatildes imaginaccedilotildees
doces quimerasrdquo ldquoQue dos Vates inventa a mente insanardquo664 Trata-se nesses exemplos
e na Arte Poetica de Q Horacio Flacco de aplicaccedilatildeo do substantivo ldquoideardquo em acepccedilatildeo
lastreada pelo Vocabulario Portuguez amp Latino de Raphael Bluteau isto seja trata-se de
ldquoideardquo como ldquoimagem que o artifice foacuterma no entendimento para a pocircr em obra Imago
inis Fem Species ei Femrdquo (cf CIC Or II 8-9)665 Registre-se nesta acepccedilatildeo o termo
emprega-se na Nova Arte de Conceitos de Francisco Leitatildeo Ferreira (1667-1735)
impressa em dois tomos em Lisboa em 1718 e 1721666
663 Idem ibidem 664 Cf Diccionario poetico para o uso dos que principiaotilde a exercitarse na Poesia Portugueza Obra
igualmente util ao orador principiante Seu author Candido Lusitano floriferis ut apes in saltibus omnia
libant Omnia nos itidem depascimur aurea dicta Aurea perpetua semper dignissima vita Lucret 3 Tomo
I Lisboa Offic Patriarcal de Francisco Luiz Ameno MDCCLXV Com as licenccedilas necessarias Vende-se na
portaria da Casa de N Senhora das Necessidades e na logea de Francisco Tavares livreiro ao Senhor da
Boa Morte pp 268-9 665 Vocabulario portuguez e latino aulico anatomico architectonico bellico botanico brasilico comico
critico chimico dogmatico dialectico dendrologico ecclesiastico etymologico economico florifero
forense fructifero autorizado com exemplos dos melhores escritores portugueses e latinos pelo padre
D Raphael Bluteau Coimbra no Real Collegio das Artes da Companhia de Jesu Com todas as Licenccedilas
necessaacuterias Anno Domini MDCCXIII [1713] pp 28-9 666 Precisamente o nome de Hermoacutegenes elenca-se entre as autoridade referidas no tratado por Francisco
Leitatildeo Ferreira ldquoSeguirey as doutrinas do Conde Graotilde Cruz Manoel Tesauro estabelecidas sobre os
preceytos amp textos de Aristoteles natildeo desprezarey as ponderaccedilotildees de Gracian de Juglaris amp Masenio
consultarey as Crises Francezas de Bouhours Boileau amp Rapino verey as sabias Observaccedilotildees de Muratori
Pallavicino amp Garofalo sem me esquecer dos dictames de Longino das elegancias de Demetrio das ideas
de Hermogenes dos preceytos de Cicero amp das Instituiccedilotildees de Quintilianordquo cf Nova Arte de Conceitos
215
Faz reverberar as ldquoideacuteas vatildesrdquo tambeacutem a Arte Poetica ou Regras da Verdadeira
Poesia em geral Nele a explicaccedilatildeo do que seja a fantasia segue os seguintes passos
Todo o objeto que se representa aos olhos aos ouvidos e aos outros
sentidos lanccedila hum compendio huma imagem huma similhanccedila de si
mesmo a qual sendo recebida pelos sentidos passa pelos nervos e
orgatildeos corpoacutereos ateacute que chega a imprimirse em o nosso ceacuterebro A
potencia ou faculdade da alma que aprehende e conhece estes
objectos sensiveis ou para melhor dizer as suas imagens he a fantasia
ou imaginativa a qual porque estaacute (segundo o nosso modo de entender)
na parte inferior da alma lhe poderemos chamar aprehensiva inferior
Tem a nossa alma outra aprehensiva das cousas a que podemos dar o
nome de superior porque estaacute collocada na parte superior e racional
da alma e commummente lhe chamamos entendimento667
Sabe-se eacute definiccedilatildeo que se fundamenta em Aristoacuteteles Enuncia-a Francisco Joseacute
Freire agrave luz do tratado Della perfetta poesia italiana de Ludovico Antocircnio Muratori
(1672-1750) cuja primeira impressatildeo ocorreu em Modena na Itaacutelia em 1706 Freire de
fato verteu-o do italiano ao portuguecircs
Che qualunque oggetto si rappresenti a gli occhi a gli orecchi e agli
altri sensi trasmette un compendio unrsquoImmagine una simiglianza di
se stesso che ricevuta da i sensi passa per gli nervi ed organi corporei
infinchegrave giunge ad imprimersi nel nostro cervello La Potenza o Facoltagrave
dellrsquoanima che apprende e conosce questi oggetti sensibili o per
meglio dire le loro Immagini egrave la Fantasia o Immaginativa la quale
perchegrave egrave posta per nostro modo drsquointendere nella parte inferiore
que com o titulo de Licccedilotildees Academicas Na Publica Academia dos Anonymos de Lisboa dictava e explicava o Beneficiado Francisco Leytam Ferreyra Academico Anonymo Primeyra Parte dedicada ao
Senhor D Carlos de Noronha Primogenito do Excellentissimo Senhor Dom Miguel De Noronha Conde
de Valladares ampc Lisboa Occidental na Officina de Antoacutenio Pedrozo Galram Com todas as licenccedilas
necessaacuterias Anno de 1718 A custa de Miguel Rodriguez Mercador de Livros aacutes portas de Santa
Catharina pp 8-9 667 Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes tratadas
com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda ediccedilatildeo hellipFungar vice
cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium nil scribens ipse decebo
Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo virtus quo ferat error Horat
in Poetic Tomo I Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno MDCCLIX Com as licenccedilas
necessarias pp 85-86
216
dellrsquoanima perciograve da noi convenevolmente puograve chiamarsi Apprensiva
inferiore Unrsquoaltra Apprensiva delle cose ha lrsquoAnima nostra che
superiore da noi srsquoappella perchegrave egrave situata nella parte superiore
ragionevole e divina dellrsquoanima e comunemente si chiama
Intelletto668
Que todo objeto [que] se represente aos olhos aos ouvidos e aos outros
sentidos transmite um compecircndio uma Imagem uma semelhanccedila de
si mesmo que recebida pelos sentidos passe pelos nervos e oacutergatildeos
corpoacutereos ateacute que chega a imprimir-se no nosso ceacuterebro A Potecircncia ou
Faculdade da alma que apreende e conhece estes objetos ou para
melhor dizer as suas Imagens eacute a Fantasia ou Imaginativa a qual
porque eacute colocada em nosso modo de entender na parte inferior da
alma para noacutes pode adequadamente chamar-se Apreensiva inferior
Outra Apreensiva das coisas tem nossa Alma que eacute por noacutes chamada
superior porque eacute situada na parte superior racional e divina669 da alma
e comumente se chama Intelecto670
E semelhantemente jaacute o havia feito Ignaacutecio de Luzaacuten (1702-1754) em versatildeo
castelhana em seu La Poetica o reglas de la poesia en general y de sus principales
especies de 1737
Todos los objetos sensibles por el conducto de los sentidos exteriores
introducen en nuestra alma una imagen ograve copia de si mismos la qual
imagen (como quiera que los Physicos expliquen esto que no es de
nuestro intẽto) se imprime y dibuxa en el celebro ugrave en otra parte donde
el alma vegrave y comprehende essas imaacutegenes Pero dividiendo para
mayor inteligencia la misma alma como en dos partes y
considerandola por dos diversos lados yagrave ocupada en essas imaacutegenes
sensibles yagrave en las cosas puramente intelectuales llamaremosla con
668 Cf Della perfetta poesia italiana spiegata e dimostrata con varie osservazioni da Lodovico Antonio
Muratori Tomo primo In Modena M DCCVI [1706] Nella Stampa di Bartolomeo Soliani Con Lic dersquo
Superiori p 153 669 Note-se o adjetivo ldquodivinordquo natildeo integra a versatildeo que Francisco Joseacute Freire elaborou da liccedilatildeo de Ludovico
Antocircnio Muratori 670 Traduccedilatildeo nossa
217
diversos nombres yagrave Phantasia ograve Aprehensiva inferior yagrave
entendimiento ugrave Aprehensiva superior671
Todos os objetos sensiacuteveis pela conduccedilatildeo dos sentidos exteriores
introduzem em nossa alma uma imagem ou coacutepia de si mesmos
imagem que (como quer que os Fiacutesicos expliquem isto o que natildeo eacute de
nosso intento) se imprime e desenha no ceacuterebro ou em outra parte donde
a alma vecirc e compreende essas imagens Poreacutem dividindo para maior
inteligencia a mesma alma como que em duas partes e considerando-a
por dois lados diversos ora ocupada nessas imagens sensiacuteveis ora nas
coisas puramente intelectuais a chamaremos com diversos nombres
ora Fantasia ou Apreensiva inferior ora entendimento ou Apreensiva
superior672
A doutrinaccedilatildeo da fantasia tal como proposta por Ludovico Antocircnio Muratori da
qual dependem por sua vez as liccedilotildees de Ignaacutecio de Luzaacuten e de Francisco Joseacute Freire
pressupotildee a teorizaccedilatildeo de Aristoacuteteles no terceiro capiacutetulo do De anima (cf ARIST III 3
427 a 17-428 b 30) Trata-se de iniacutecio de capiacutetulo das negativas que como bem entende
Maria Ceciacutelia Gomes dos Reis na versatildeo da obra em liacutengua portuguesa integra estrateacutegia
aristoteacutelica de comprovaccedilatildeo natildeo soacute de que noēsis (intelecccedilatildeo) e phronēsis (entendimento)
natildeo se circunscrevem agrave a aisthēsis (percepccedilatildeo) mas tambeacutem de que a phantasia vincula-
se agrave aisthēsise natildeo agrave construccedilatildeo da doxa (opiniatildeo)673
Mirando essa tese Aristoacuteteles afirma phantasia natildeo eacute aisthēsis a despeito do que
sustente Platatildeo (cf PLAT Thaet 152 c 1-3674 ) nem eacute dianoia (raciociacutenio) embora
aristotelicamente natildeo haja phantasia sem aisthēsis( cf ARIST An III 3 427 a 17 ss)
Natildeo eacute hypolēpsis (suposiccedilatildeo) nem noēsis porque eacute pathos (afecccedilatildeo) submisso agrave vontade
671 Cf La Poetica o reglas de la poesia en general y de sus principales especies Por Don Ignacio de
Luzan Claramunt de Suelves y Gurrea Entre los Academicos Ereinos de Palermo llamado Eligio
Mepalino Con Licencia En Zaragoza Por Francisco Revilla vive en la Calle de S Lorenzo Antildeo 1737
p 162 672 Traduccedilatildeo nossa 673 Cf ARISTOacuteTELES De anima Livros I II e III 2ordf ediccedilatildeo Apresentaccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maria Ceciacutelia
Gomes dos Reis Satildeo Paulo Editora 34 2012 p 285 674 Cf VERNANT J-P ldquoNascimento de imagensrdquo in LIMA L C (Org) Miacutemesis e a reflexatildeo contemporacircnea
EdUERJ 2010 p 68 Propotildee Jacques Follon deve-se natildeo esquecer que Platatildeo identifica a
mas supotildee como substantivo deverbal de como ldquoapparitionrdquo natildeo como
designaccedilatildeo da faculdade da alma que interessa a Aristoacuteteles cf FOLLON J ldquoLa notion de phantasia chez
Platonrdquo in LORIES D RIZZERIO L (Org) De la phantasia agrave limagination Louvain Peeters 2003 p 5
218
humana distinta da hypolēpsis insubmissa da qual pendem emoccedilotildees que ela a phantasia
como fantasiada natildeo suscita (cf ARIST An III 3 427 b 16 ss) Eacute aquilo mediante o que
se faz o phantasma (apariccedilatildeo Natildeo eacute poreacutem dynamis (potecircncia) ou hexis (disposiccedilatildeo)
tais quais aisthēsis doxa noēsis e epistēmē (ciecircncia) (cf An III 3 427 b 27 ss) Natildeo eacute
aisthēsis (i) porque subsiste nos sonhos durante o sono enquanto natildeo atuam os sentidos
(ii) porque natildeo subsiste em todos os animais embora um dos sentidos em potecircncia ou
em atividade neles sempre se encontre (iii) porque pode ser falsa ao passo que os
sentidos jamais o satildeo se discernem com acuidade (iv) porque podem subsistir as imagens
mentais mesmo quando os olhos estatildeo fechados (cf ARIST An III 3 428 a 5 ss)
Tampouco eacute noēsis ou epistēmē porque pode ser falsa ao passo que estas disposiccedilotildees satildeo
sempre verdadeiras Mesmo admitindo o falso tambeacutem natildeo eacute doxa porque conforme
Aristoacuteteles opinar supotildee convicccedilatildeo e persuasatildeo pendentes da razatildeo que falta agraves feras
capazes de fantasiar E sequer decorre da combinaccedilatildeo de doxa e aisthēsis como afirma
Platatildeo (cf PL Soph 264 a 4-6 ss)675 porque eacute possiacutevel que sejam feitas suposiccedilotildees
verdadeiras concomitantes com imagens falsas afinal consoante o exemplo aristoteacutelico
eacute possiacutevel verdadeiramente crer que o sol seja maior que a terra habitada ainda que o
sentido da visatildeo mostre diminuto o astro (cf ARIST An III 3 427 b 16)
A phantasiano entanto afirma Aristoacuteteles apoacutes acumular essas negativas todas
ldquoaparenta serrdquo certa kinēsis ou seja certa moccedilatildeo aniacutemica decorrente da energeia
(atividade) da aisthēsis agrave qual a kinēsis eacute necessariamente semelhante e a partir da qual
para os seres humanos e para a maioria das feras aparecem as jaacute referidas imagens
mentais Essas imagens sabe-se na liccedilatildeo aristoteacutelica satildeo phantasmataapariccedilotildees plural
de phantasma)(cf ARIST An III 3 428 b 10-17) e podem ser como se pocircde notar falsas
ou verdadeiras676
Seguindo bastantemente de perto os passos de Ludovico Muratori de fato
vertendo-o agrave liacutengua portuguesa Francisco Joseacute Freire esmiuacuteccedila a doutrina agrave fantasia tal
como definida cabe a apreensatildeo das imagens das coisas sensiacuteveis natildeo a averiguaccedilatildeo de
sua verdade ou falsidade ofiacutecio da potecircncia que lhe eacute superior a porccedilatildeo racional da alma
o entendimento Diga-se entendimento em Freire traduz o que Ludovico Antocircnio
675 Cf VERNANT J-P ldquoNascimento de imagensrdquo in LIMA L C (Org) Miacutemesis e a reflexatildeo contemporacircnea
EdUERJ 2010 p 68 676 Cf Na paraacutefrase seguem-se de perto as notas de Maria Ceciacutelia Gomes dos Reis cf ARISTOacuteTELES De
anima Livros I II e III 2ordf ediccedilatildeo Apresentaccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maria Ceciacutelia Gomes dos Reis Satildeo
Paulo Editora 34 2012 pp 289 ss
219
Muratori nomeia como intelletto ou giudizio677 o que Aristoacuteteles define como phronēsis
Consoante esse conjunto de preceitos natildeo se confundem demais fantasia e entendimento
e eacute do comeacutercio entre essas potecircncias aniacutemicas que de trecircs maneiras as imagens se
formam na alma Ora forma-as (i) o entendimento por si soacute ao abstrair imagem universal
de imagens particulares apreendidas pela fantasia Satildeo essas imagens consideradas
intelectuais ou engenhosas 678 Ora formam-nas (ii) a fantasia e o entendimento
conjuntamente este regula as operaccedilotildees daquela de modo que do ldquoimperio do
entendimentordquo679 decorram ou imagens de objetos percebidos pelos sentidos ou novas
imagens que delas pendam Satildeo essas imagens proacuteprias do poeta Ora forma-as por fim
(iii) tatildeo soacute a fantasia quando a alma por ela eacute dominada alheia aos juiacutezos do entendimento
Satildeo essas imagens comuns aos sonhos agraves febres agrave melancolia680 Entende Aristoacuteteles que
os homens que tecircm o intelecto obscurecido pela doenccedila ou pelo sono e as bestas que natildeo
677 Della perfetta poesia italiana spiegata e dimostrata con varie osservazioni da Lodovico Antonio
Muratori Tomo primo In Modena M DCCVI [1706] Nella Stampa di Bartolomeo Soliani Con Lic dersquo
Superiori p 153 Ludivico Muratori em outra obra dedicada exclusivamente agrave mateacuteria Della forza della
fantasia umana assim define o Intelletto ldquoNoi con questo nome intendiamo la Facoltagrave o Potenza che ha lAnima nostra di pensare cioegrave di apprendere le Idee delle cose di combinarle di dividerle di astraere di
giudicare di formar assiomi universali di raziocinare di far altre simili azioni delle quali egrave solamente
capace unrsquoEnte ed Agente reale spirituale ed egrave incapace la Materia per quanto si voglia organizzata e
sottilizzatardquo cf Della forza della fantasia umana Tratado di Ludovico Muratori Bibliotecario del
Serenissimo Signor Duca di Modena In Venezia MDCCXLV [1745] Presso Giambatista Pasquali Com
Licenza Dersquo Superiori pp 6-7 678 Por exemplo ldquoVecirc vg o nosso entendimento que a fantasia aprehendera e formara em si muitas imagens
de homens que faz Ajunta-as e de tantas imagens particulares que recolhera a aprehensiva inferior tira
elle e foacuterma huma imagem que antes naotilde havia concebendo Que todo o homem tem a potencia de rir
que os viciosos naotilde devem ser louvados que aquelle homem que presume que soacute elle he saacutebio deve ser
reputado por louco ampcrdquo cf Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes tratadas com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense
Segunda ediccedilatildeo hellipFungar vice cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp
Officium nil scribens ipse decebo Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid
non quo virtus quo ferat error Horat in Poetic Tomo I Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz
Ameno MDCCLIX Com as licenccedilas necessarias pp 86-87 679 Cf Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes
tratadas com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda
ediccedilatildeo hellipFungar vice cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium nil
scribens ipse decebo Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo virtus
quo ferat error Horat in Poetic Tomo I Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno
MDCCLIX Com as licenccedilas necessarias p 87 Recordem-se as primeiras palavras do ldquoProacutelogordquo do Don
Quijote de la Mancha de Miguel de Cervantes ldquoDesocupado lector sin juramento me podraacutes creer que quisiera que este libro como hijo del entendimiento fuera el maacutes hermoso el maacutes gallardo y maacutes discreto
que pudiera imaginarserdquo p 7 Nota-se O Quijote fantasia-se como ldquofilho do entendimentordquo poreacutem 680 Sobre os sonhos Aristoacuteteles afirma o seguinte ldquoQue a imaginaccedilatildeo natildeo eacute percepccedilatildeo sensiacutevel eacute evidente
a partir disto pois a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute ou uma potecircncia () como a visatildeo ou uma atividade
() como o ato de ver mas algo pode aparecer para noacutes mesmo quando nenhuma delas subsiste ndash
como por exemplo as coisas em sonhosrdquo (cf ARIST An III 3 428 a 5 ss) cf ARISTOacuteTELES De anima
Livros I II e III 2ordf ediccedilatildeo Apresentaccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maria Ceciacutelia Gomes dos Reis Satildeo Paulo
Editora 34 2012 p 111
220
o tecircm muito embora sejam todos dotados dos sentidos agem de acordo com a fantasia e
por ela satildeo conduzidos (cf ARIST An III 3 428 a 5 428 b 30) Essa accedilatildeo sem guias da
fantasia para um leitor aristoteacutelico como Ludovico Antocircnio Muratori eacute sobretudo um
indefensaacutevel desgoverno da razatildeo cujas razotildees residem na ineficaacutecia de ofiacutecio da fantasia
para a distinccedilatildeo de coisas ldquoVieri o Falsi Probabili o Improbabili moralmente Buoni o
Cattivirdquo681
Francisco Joseacute Freire pois sempre de acordo com Ludovico Antocircnio Muratori
preceitua que a fantasia poeacutetica nem engenhosa nem delirante mediante o senhorio do
entendimento produz imagens de trecircs espeacutecies de trecircs estatutos diferentes quais sejam
elas (i) imagens verdadeiras ou para a fantasia ou para o entendimento representaccedilotildees
de verdade apreendida pelos sentidos e assim reconhecidas682 (ii) imagens verossiacutemeis
para a fantasia e para o entendimento 683 (iii) imagens diretamente verdadeiras ou
verossiacutemeis para a fantasia mas apenas indiretamente para o entendimento visto seja
falso o sentido direto ou reto da imagem684 Nessa triparticcedilatildeo as duas primeiras espeacutecies
percebidas ou pendentes da apreensatildeo sensiacutevel satildeo entendidas pelo tratadista como
ldquosiacutemplicesrdquo e ldquonaturaisrdquo a terceira espeacutecie eacute a que se diz ldquoartificial fantaacutesticardquo685
Natildeo eacute demasiado forccediloso recordar que eacute fantaacutestica nos termos da doutrina
platocircnica uma das duas espeacutecies de mimēsis segundo o Estrangeiro dramatizado no
681 Cf Della forza della fantasia umana Tratado di Ludovico Muratori Bibliotecario del Serenissimo
Signor Duca di Modena In Venezia MDCCXLV [1745] Presso Giambatista Pasquali Com Licenza Dersquo
Superiori p 221 682 Por exemplo ldquoComo vg quem descreve vivamente e com palavras proprias o Arco Iris a batalha de
dous guerreiros hum generoso cavalo hum tigre feroz o movimento que faz na agoa de hum lago pequeno
huma pedrinha e outras cousas similhantesrdquo cf Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral
e de todas as suas especies principaes tratadas com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire
Ulyssiponense Segunda ediccedilatildeo hellip Fungar vice cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa
fecandi Munus amp Officium nil scribens ipse decebo Unde parentur opes quid alat formetque poetam
Quid deceat quid non quo virtus quo ferat error Horat in Poetic Tomo I Lisboa Na Offic Patriarcal de
Francisc[o] Luiz Ameno MDCCLIX Com as licenccedilas necessarias p 88 683 Por exemplo ldquo[] como vg o imaginar a Scena funesta da ruina de Troya a chegada de Orestes a
Tauro a morte de Niaso e Eurialo e outras infinitas cousas imaginadas pela fantasia e as quaes parecem
possiveis e verosimeis tanto a ella como ao entendimentordquo cf Idem pp 88-9 684 O exemplo eacute elucidativo ldquoO voar vg he qualidade proacutepria e natural soacute do que he animado e tem azas
poreacutem a fantasia agitando as suas imagens e unindo a do voar com a da fama imagina que a fama voa
falla e opeacutera como se tivesse alma Igualmente o saudar he soacute proprio do homem com tudo a fantasia une
esta imagem com a de huma ave e imagina que os passarinhos saudaotilde com o seu canto o nascimento da
Aurora Disto se comprehende que esta casta de imagens saotilde propriamente produzidas pela fantasia que
vay imaginando cousas maravilhosas e novas que aliaacutes saotilde falsas a quem soacute vay buscar o sentido directo
Mas porque indirectamente fazem estas perceber alguma cousa que he verdadeira ou verosimil ao
entendimento por isso a elle lhe agradaotilde e na formaccedilaotilde dellas se une com a fantasia permittindo-lhe hum
taotilde bello deliacuterio e entregando-lhe aacutes vezes imagens intellectuaes para que ella as vista e orne com as suas
bellas e admiraveis cores se bem que mentirosasrdquo cf Idem p 90 685 Cf Idem pp 85-90 91-92
221
Sofista (cf PLAT Soph 266 a ss) Por um lado nesse diaacutelogo eacute eikastikē(icaacutestica) a
mimese que opera em conformidade com as grandezas do exemplo reproduzindo-lhe a
simetria visto respeitadas as proporccedilotildees (cf PLAT Soph 235 b-236 c 266 d)686 Para
Francisco Joseacute Freire subordinado agrave autoridade de Gian Vicenzo Gravina687 trata-se de
ldquoimitaccedilaotilde do particularrdquo que ldquotem por objecto todas as acccedilotildees e cousas que procedem
da natureza ou da Arte e naotilde menos da Historia que da invenccedilaotilde de alguemrdquo688 Por
outro lado eacute phantastikē(fantaacutestica)a mimese que distorce as grandezas do exemplo
para que distorcendo-as pareccedila o artiacutefice manter-lhe as proporccedilotildees tendo em vista a
distacircncia de apreensatildeo pressuposta e adequada entre as obras assim produzidas e a
recepccedilatildeo a que se destinam Ademais para Francisco Joseacute Freire trata-se de ldquoimitaccedilaotilde
do universalrdquo que ldquotem por objecto tudo o que naotilde existindo per si tem novo ser e vida
nascendo da fantasia do Poeta quando entra a inventar novas cousas ou acccedilotildees
similhantes aacutes historias que se bem nao succederaotilde podiaotilde succederrdquo689
Nesses mesmos termos para Francisco Joseacute Freire por um lado a particularidade
da mimese icaacutestica faz pender a poesia para a histoacuteria cujo lugar privilegiado nas
doutrinas poeacuteticas setecentistas jaacute se referiu Entre os autores portugueses de gecircnero eacutepico
no seacuteculo XVIII esse pendor de acordo com os estudos de Ivan Teixeira opera-se
pragmaticamente como glosa em verso de cronistas da histoacuteria lusa e pode-se
exemplificaacute-lo com poemas como Conquista de Goa (1759) de Francisco de Pina de Saacute
e de Mello Lisboa Reedificada (1780) de Miguel Mauriacutecio Ramalho Uraguay (1769)
de Basiacutelio da Gama ou Caramuru (1781) de Santa Rita Duratildeo690 Por outro lado a
universalidade da mimese fantaacutestica supotildee a imitaccedilatildeo de mateacuteria inexistente na natureza
mas inventada pela fantasia poeacutetica do artiacutefice Essa compreensatildeo do Sofista eacute de traccedilos
duradouros pois que discute Erwin Panofsky jaacute eacute lida em Gregorio Comanini no diaacutelogo
Il Figino overo del fine della pittura de 1591 em que a personagem Stefano Guazzo potildee
686 Cf Idem pp 195 252 SANTOS M M ldquoO monstrum da Arte poeacutetica de Horaacutecio Letras Claacutessicas Satildeo
Paulo 2002 v 4 pp 208-9 687 Cf Di Vicenzo Gravina giurisconsulto della ragion poetica libri due In Roma presso Francesco
Gonzaga MDCVIII Con Licenza dersquo Superiori 688 Cf Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes
tratadas com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda ediccedilatildeo hellip
Fungar vice cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium nil scribens
ipse decebo Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo virtus quo
ferat error Horat in Poetic Tomo I Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno MDCCLIX
Com as licenccedilas necessarias pp 35-9 689 Idem pp 35-9 690 TEIXEIRA I Mecenato Pombalino e Poesia Neoclaacutessica Basiacutelio da Gama e a Poeacutetica do Encocircmio Satildeo
Paulo Edusp 1999 p 249
222
a distinccedilatildeo nos seguintes termos a imitatione icastica ldquoegrave quella che imita le cose le quali
sonordquo (ldquoeacute aquela que imita as coisas que satildeordquo) ao passo que a imitatione fantastica ldquoegrave
quella che finge cose non essistentirdquo (ldquoeacute aquela que finge as coisas natildeo existentesrdquo) agrave
maneira da pintura de Giuseppe Arcimboldo691
Demais bem se nota satildeo manejados na anaacutelise dessas espeacutecies de imagem icaacutestica
e fantaacutestica como traccedilos distintivos o verdadeiro e o verossiacutemil Satildeo categorias que a
doutrina poeacutetica de Ludovico Antocircnio Muratori e de Francisco Joseacute Freire por
conseguinte reacomoda ao especificar o verdadeiro isso significa ldquoil vero della naturardquo
o ldquoverdadeiro da naturezardquo consoante distinccedilatildeo que supotildee por um lado ldquoquel vero che
in fatti egrave o pure egrave statordquo (ldquoaquelle verdadeiro que com effeito he ou foyrdquo) e por outro
lado ldquoquel vero che verisimilmente egrave stato o pur poteva o doveva essere secondo le force
della naturardquo (ldquoo outro he o que verosimilmente foy e tambem podia ou devia ser
segundo as forccedilas da naturezardquo) A doutrina o esmiuacuteccedila compete a primeira espeacutecie agrave
teologia agrave matemaacutetica agrave histoacuteria e agraves demais ciecircncias e decorre a ciecircncia da cogniccedilatildeo
do ldquovero necessario o evidente o moralmente certordquo (ldquoverdadeiro necessario ou
evidente ou moralmente certordquo) a segunda sobretudo compete agrave poesia e decorre a
opiniatildeo da cogniccedilatildeo do ldquovero possibile probabile e credibile che Verisimile poi
comunemente vien dettordquo (ldquoverdadeiro possivel provavel e crivel que vulgarmente se
diz verosimilrdquo)692
A exposiccedilatildeo que pende de Ludovico Antocircnio Muratori natildeo eacute insignificante No
que se pode avanccedilar eacute liccedilatildeo aristoteacutelica que entrelaccedila e relecirc mesmo ao reveacutes as liccedilotildees
da Poeacutetica de Aristoacuteteles relativas ao necessaacuterio () ao possiacutevel
() ao provaacutevel () ao sucedido () e ao criacutevel
() (cf ARIST Poet 9 25) de modo que de tal leitura decorra a asserccedilatildeo
da primazia da verdade e por que natildeo tendo em vista o que interessa a Aristoacuteteles nesse
691 Cf Il Figino overo del fine della pittura Dialogo del Rever Padre D Gregorio Comanini Canonico Regolare Lateranense Ove quistionandosi sersquol fine della pittura sia lrsquoutile overo il diletto si tratta
dellrsquouso di quella nel Christianesimo Et si mostra qual sia imitator piugrave perfetto amp che piugrave diletti il Pittore
ouero il Poeta In Mantova Per Francesco Osanna Stampator Ducale MDLXXXXI [1591] pp 28-30 692 Cf Della perfetta poesia italiana spiegata e dimostrata con varie osservazioni da Lodovico Antonio
Muratori Tomo primo In Modena M DCCVI [1706] Nella Stampa di Bartolomeo Soliani Con Lic dersquo
Superiori p 60 cf Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies
principaes tratadas com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda
ediccedilatildeo hellip Fungar vice cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium
nil scribens ipse decebo Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo
virtus quo ferat error Horat in Poetic Tomo I Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno
MDCCLIX Com as licenccedilas necessarias p 72
223
nono capiacutetulo do tratado e a despeito do que nele defende o filoacutesofo a primazia da
histoacuteria O que diga-se natildeo estranham os leitores da Poetica drsquoAristotele uulgarizzata
de Ludovico Castelvetro (ca 1505-1571) sabedores de que ldquoprima di natura fu la veritagrave
che la verisimilitudine amp prima di natura fu la cosa rappresentata [a histoacuteria] che la cosa
rappresentante [a poesia]rdquo693
Isso posto talvez crentes como Ludovico Castelvetro nas luzes da histoacuteria e da
verdade sem a qual ldquola poesia camina in oscurissimerdquo694 Ludovico Antocircnio Muratori e
Francisco Joseacute Freire ensinem quase que ipsis litteris
che sempre un qualche vero serve di fondamento alle invenzioni e alle
dicerie poetiche e che queste non possono esser belle quando non ci
fanno apprendere qualche veritagrave o evidente e certa o pur possibile e
verisimile [hellip] Mille pezzi di Storia di Geografia di Filosofigravea daltre
Scienze e Arti mille descrizioni di luoghi fiumi animali e altre cose
verissime ci fa tutto giorno veder la Poesia e la maggior parte de
sentimenti chella usa contiene la veritagrave evidente e reale Il resto delle
altre invenzioni e descrizioni de gli altri avvenimenti e sentimenti
chella ci fa vedere e udire e chella industriosamente finge contiene
o dee contenere il vero possibile credibili e probabile Ove o il primo
vero o il secondo non si ravvisa dallrsquointelletto nella nobile e seria
Poesia anzi in ciascuna parte della Poesia egli puograve tenersi per certo
che non ne sentiremo diletto e che non ci appariragrave bella tuttocheacute il
nuovo e il maraviglioso in lei si ravvisi troppo dispiacendoci il falso
lrsquoimpossibile lrsquoincredibile o sia linverisimile Il Poeta adunque nobile
e serio sempre ci rappresenta cose veramente avvenute certe ed
esistenti o pur ne finge colla sua fantasia di quelle che veramente
possono o potevano debbono o dovevano essere e accadere
generando nella mente nostra o scienza ovvero opinione
que sempre algum verdadeiro serve de fundamento aacutes invenccedilotildees
poeticas e que estas naotilde podem ser bellas quando naotilde nos fazem
aprehender alguma verdade ou certa ou tambeacutem possivel e verosimil
693 Poetica drsquoAristotele uulgarizzata et sposta per Ludovico Castelvetro Stampata in Vienna drsquoAustria
per Gaspar Stainhofer lrsquoanno del Signore MD LXX [1570] p 3r 694 Idem p 4
224
[hellip] Todos os dias nos mostra a Poesia mil pedaccedilos de Historia de
Geografia de Filosofia e outras Sciencias e Artes mil descripccedilotildees de
lugares de rios de animaes e de outras cousas saotilde verdadeiras antes
pela mayor parte os conceitos de que ella usa conteacutem a verdade
evidente e real695 O resto das outras invenccedilotildees e descripccedilotildees dos
outros successos e conceitos que ella nos faz ver e ouvir e que
industriosamente finge conteacutem ou deve conter o verdadeiro possivel
crivel e provavel Onde o entendimento naotilde descobrir na seria e nobre
Poesia e em qualquer de suas partes ou o primeiro verdadeiro ou o
segundo he certo que a tal composiccedilatildeo naotilde causaraacute deleite nem
pareceraacute bella ainda que se encontre o novo e o maravilhoso porque
nos ha de causar o falso hum grande desagrado como cousa impossivel
incrivel ou inverossimil Por isso o Poeta que he nobre e serio sempre
nos representa as cousas verdadeiramente succedidas certas e
existentes ou tambem finge com a sua fantasia as que verdadeiramente
poacutedem ou podiaotilde devem ou deviaotilde ter e succeder causando deste
modo ou sciencia ou opiniaotilde em o nosso entendimento696
Ora assentado nessas liccedilotildees cujos pressupostos em torno do verdadeiro e do
verossiacutemil seratildeo pormenorizados pode Francisco Joseacute Freire afirmar as ldquofantasias
monstruosasrdquo a ldquofantasia depravadardquo a ldquoestragada imaginativardquo das quais
intelectualmente natildeo decorrem nem ldquoscienciardquo nem ldquoopiniaotilderdquo a fim de por consequecircncia
assegurar no discurso de censura essa afecccedilatildeo viciosa que diz ser proacutepria de poetas
tragicocircmicos Agrave maneira dos furiosos dos melancoacutelicos consoante a Arte poetica ou
regras da verdadeira poesia em geral satildeo eles impotentes ou obscurecidos de
entendimento governados por fantasia desmedida que nada apreende de verdadeiro de
quem resulta senatildeo que espectros equivalentes nos termos do vitupeacuterio agrave tragicomeacutedia
695 Cf Raphael Bluteau ldquoCoisa realrdquo eacute a ldquoque existe e tem fer natildeo imaginariardquo Vocabulario portuguez e latino aulico anatomico architectonico bellico botanico brasilico comico critico chimico dogmatico
dialectico dendrologico ecclesiastico etymologico economico florifero forense fructifero autorizado
com exemplos dos melhores escritores portugueses e latinos pelo padre D Raphael Bluteau Coimbra
no Real Collegio das Artes da Companhia de Jesu Com todas as Licenccedilas necessaacuterias Anno Domini
MDCCXIII [1713] p 289 696 Cf Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes
tratadas com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda ediccedilatildeo hellip
Fungar vice cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium nil scribens
ipse decebo Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo virtus quo
ferat error Horat in Poetic Tomo I Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno MDCCLIX
Com as licenccedilas necessarias p 72
225
a qual o tratado figura desarrazoada como contrafaccedilatildeo de viciosa invenccedilatildeo gecircnero sem
proporccedilatildeo sem ordem e sem unidade resultante da conjunccedilatildeo de ldquocousas entre si
discordes inimigas e incompativeisrdquo ambicionando contra artem a virtude da unidade
e a unidade da virtude a despeito das diferenccedilas que segundo o preceito fazem da
trageacutedia e da comeacutedia gecircneros de poema forjados conforme coacutedigos poeticamente
antipaacuteticos e opostos
Ora trageacutedia e comeacutedia ensina Francisco Joseacute Freire satildeo espeacutecies de ldquoPoesia
Dramatica ou representativardquo Concordam pois ambas consoante pressupostos
aristoteacutelicos no modo como se constroacutei a imitaccedilatildeo pois o poeta ldquoimita occultando-se a
si e introduzindo pessoas a fallarrdquo Ademais devem ambos os gecircneros ldquoter justa grandeza
verosimilhanccedila accidentes maravilhosos enredo unidade tanto na acccedilaotilde como no
tempo e lugar e a soluccedilaotilde que for necessaria ou verosimilrdquo697 Todavia prescritas como
opostas e antipaacuteticas como ldquoaves e serpentesrdquo como ldquocordeirinhos e tigresrdquo fazem-se
incompatiacuteveis trageacutedia e comeacutedia Entrecruzadas pois as categorias distintivas elencadas
pelo preceptista ou seja ldquomateriardquo ldquopessoasrdquo ldquodicccedilaotilderdquo ldquoaffectosrdquo e ldquofimrdquo essas
incompatibilidades de gecircnero podem-se sintetizar da seguinte maneira a trageacutedia fabula
ldquomateriardquo amiuacutede deduzida da histoacuteria tratando ldquode acccedilotildees horrorosas e lastimosasrdquo
sucedidas a ldquopessoasrdquo ilustres afamadas tais quais ldquoReys Principes e Personagens de
grande qualidade e dignidade cujas decadencias mortes desgraccedilas e perigosrdquo movam
ldquoaffectosrdquo ou seja ldquoexcitem terror e compaixaotilde nos animos do auditorio e os curem e
purguem destas e outras paixotildees servindo de exemplo a todos mas especialmente aos
Reys e pessoas da mayor authoridade e poderrdquo segundo o ldquofimrdquo proacuteprio ao gecircnero ao
passo que a comeacutedia plasma ldquomateriardquo alheia agrave verdade ldquofingida ao arbitriordquo do poeta
ou seja eacute ldquoimitaccedilaotilde de hum facto particular e de pouca importanciardquo sucedido a ldquopessoasrdquo
cujos nomes natildeo satildeo verdadeiros de maneira que em termos de ldquoaffectosrdquo ldquomova o risordquo
ldquoacabe com fim alegre e se encaminhe a ser util divertindo ao auditorio e inspirando o
amor aacute virtude e aversaotilde ao viciordquo segundo o ldquofimrdquo proacuteprio ao gecircnero698
697 Cf Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes
tratadas com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda ediccedilatildeo hellip
Fungar vice cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium nil scribens
ipse decebo Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo virtus quo
ferat error Horat in Poetic Tomo II Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno MDCCLIX
Com as licenccedilas necessarias pp 2 122 698 Proveacutem o itaacutelico da ediccedilatildeo transcrita Idem pp 13 21 114 120 e ss
226
Enfim na trageacutedia nada de ldquogloacuterias interinasrdquo poderia afirmar outro melancoacutelico
o narrador Bento Santiago Na comeacutedia nada de reis priacutencipes imperadores ou ldquooutras
pessoas desta esfeacuterardquo afirma o preceptista Francisco Joseacute Freire embora natildeo deixe de
apontar que contra ldquoesta regra peccaraotilde quasi sempre os Hespanhoesrdquo699 Enfim nada
de tragicomeacutedia figurada pelo tratadista portuguecircs jaacute se sabe como misto imperfeito e
vicioso porque em suas palavras dos opostos preceituados meio-termo natildeo eacute possiacutevel
Essa impossibilidade por ora sintetiza-se na afirmada carecircncia de verossimilhanccedila e de
decoro subjacentes agrave encenaccedilatildeo de gecircnero tambeacutem dramaacutetico em que ldquopessoas Reaes e
plebeas tenhaotilde hum mesmo caracter e lugarrdquo em que ldquocaiba o estylo grave e o humilde
e que a graciosidade de ditos e factos se una com a veneraccedilaotilde das pessoas e com a
severidade dos costumesrdquo700 Nada enfim de ldquovestir hum Rey com os vestidos de algum
homem da plebe para elle deste modo se aliviar do pezo da severidade Realrdquo jaacute que
segundo a Arte poetica ou regras da verdadeira poesia em geral assim fazer seria como
ldquoformar hum Poema da Bucolica e da Eneida e intitulallo Buccoleroicordquo701
Condizentes com as distinccedilotildees de invenccedilatildeo visto que delas dependentes operam-
se entre os gecircneros confrontados trageacutedia e comeacutedia distinccedilotildees de elocuccedilatildeo de ldquodicccedilaotilderdquo
como quer Francisco Joseacute Freire Assim ldquoo estylo da Tragedia como conteacutem grandes
personagens e affectos violentos deve ser sublime e ornado de figuras rhetoricas que
saotilde as que melhor explicaotilde as paixotildeesrdquo ao passo que o estilo da comeacutedia a ele ldquosoacute
pertence huma locuccedilaotilde commũa natural facil e pura porque as pessoas que devem
representar nella haotilde de ser ordinarias ou de mediana condiccedilaotilde aacutes quaes soacute conveacutem
similhante estylo pois seria inverosimil que em acccedilotildees e sujeitos humildes houvesse
conceitos e vozes improprias da sua esfeacuterardquo702
699 Idem p 117 A afirmaccedilatildeo de Francisco Joseacute Freire parece ecoar Ignacio de Luzaacuten ldquoNo faltan Poetas
que han dado agrave sus dramas el titulo de Tragicomedias y algunos creen que se deben llamar assi todos
aquellos dramas que participan de Tragedia y Comedia yaacute por la mezcla de sucessos serios y alegres yagrave
por la diversa condicion de las personas ilustres y plebeyas Y en este sentido la mayor parte de nuestras
Comedias serian Tragicomediasrdquo [italico meu] La Poetica o reglas de la poesia en general y de sus principales especies Por Don Ignacio de Luzan Claramunt de Suelves y Gurrea Entre los Academicos
Ereinos de Palermo llamado Eligio Mepalino Con Licencia En Zaragoza Por Francisco Revilla vive en
la Calle de S Lorenzo Antildeo 1737 p 424 700 Cf Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes
tratadas com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda ediccedilatildeo hellip
Fungar vice cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium nil scribens
ipse decebo Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo virtus quo
ferat error Horat in Poetic Tomo II Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno MDCCLIX
Com as licenccedilas necessarias p 152 701 Idem p 154 702 Idem p 13 21 114 121
227
Nos capiacutetulos XXVIII e XXIX da Arte poetica ou regras da verdadeira poesia
em geral insistentemente isso se nota a asserccedilatildeo da oposiccedilatildeo entre trageacutedia e comeacutedia
delimita preceitos antiteacuteticos e estabelece desvios Jaacute se conhece esses desvios afirmam-
se da ordem do discurso tragicocircmico e tecircm como exemplum privilegiado Il Pastor Fido
que deve evidenciar a particularidade dos viacutecios do gecircnero Satildeo desvios que enformam o
monstrum
[] naotilde he muito verosimil a diccaotilde taotilde culta e as sentenccedilas profundas
porque os que fallaotilde sempre saotilde pessoas do campo ainda que naquella
Corte rustica sejaotilde principaes algumas dellas703
Para Francisco Joseacute Freire muito embora essa ldquoCorte rusticardquo seja alvo de
concessatildeo ao fim ela natildeo autoriza a elocuccedilatildeo culta Eacute sobretudo evidecircncia de
inadequaccedilatildeo Satildeo conhecidas as objeccedilotildees de mesmo teor aos poemas em registro grave
de D Luiacutes de Goacutengora A censura tal como posta opera argumentos conformes agraves criacuteticas
do italiano Gian Vicenzo Gravina (1664-1718) De acordo com o tratado Della ragion
poetica estampado em Roma em 1708 seria toleraacutevel a ldquonovitagrave drsquoinvenzionerdquo que
enreda ldquonelle arti cittadine anche i genj pastoralirdquo para que se teccedila a trama em cena se
nos poemas assim retoricamente inventados ainda que se figurassem pastores e ninfas
bastante esplecircndidos e argutos houvesse sobretudo ldquosemplicitagraverdquo704 Para Gian Vicenzo
Gravina poreacutem como para Francisco Joseacute Freire natildeo eacute isso o que Il Pastor Fido encena
[Giovanni Battista Guarini] trasportograve nelle capanne anche le corti
applicando nel suo Pastor-fido a quei personaggi le passioni e costumi
703 Idem p 161 O passo encerra-se com asserccedilatildeo seguinte ldquoMenos defeituosa he nesta parte a Aminta de
Tasso e a Filli di Sciro do Conde Bonarelli segundo a opiniaoacute dos melhores criticos Italianosrdquo Essa
consideraccedilatildeo eacute conforme o que se pode ler em Di Vicenzo Gravina giurisconsulto della ragion poetica
libri due In Roma presso Francesco Gonzaga MDCVIII Con Licenza de Superiori pp 200-1 O discurso da inverossimilhanccedila tem face semelhante em outro passo do mesmo tratado naquele em que Francisco
Joseacute Freire censura as chamadas ldquocomeacutedias modernasrdquo de comedioacutegrafos espanhoacuteis ldquoNo que respeita aacutes
inverosimilhanccedilas seria preciso hum distincto volume soacute para tratar dos costumes mal conservados ou
pessimamente introduzidos pois a cada passo as Damas saotilde taotilde eruditamente discretas elegantes e
conceituosas que poderiaotilde orar no Senado Romano deixando pelo artificioso o que he natural Os Lacayos
e Lacayas poacutedem tambem dictar em huma Cadeira de Rhetorica naotilde sendo verosimil que similhantes
pessoas fallem com clausulas taotilde limadas e conceitos taotilde estudados muito mais sendo de repente e
familiarmente fallo das Damas e Galans porque nos Criados de qualquer modo que seja sempre he contra
todo o verosimilrdquo Idem pp 130-1 704 Cf Di Vicenzo Gravina giurisconsulto della ragion poetica libri due In Roma presso Francesco
Gonzaga MDCVIII Con Licenza de Superiori p 200
228
delle anticamere e le piugrave artifiziose trame de i gabinetti con ponere in
bocca de i pastori precetti da regolare il mondo politico e delle
amorose ninfe pensieri sigrave ricercati che pajono uscite dalle scuole de i
presenti declamatori ed epigrammisti [] Non niego perograve chel
Guarini avendo introdotta prole di semidei ed imitato il costume di
quelle etagrave nelle quali i pastori al governo pubblico ed al sacerdozio
ascendeano non avea da conservar la semplicitagrave e meno la rozzezza
de i pastori ignobili705
[Giovanni Battista Guarini] transportou para as cabanas tambeacutem as
cortes aplicando em seu Pastor Fiel a esses personagens [pastores e
ninfas] as paixotildees e costumes das antecacircmaras e as mais artificiosas
tramas dos gabinetes ao pocircr na boca dos pastores preceitos para regular
o mundo poliacutetico e das amorosas ninfas pensamentos tatildeo estudados
que parecem elas saiacutedas das escolas dos atuais declamadores e
epigramistas [] Natildeo nego todavia que Guarini havendo introduzido
prole de semideuses e imitado o costume daquele tempo no qual os
pastores ao governo puacuteblico e ao sacerdoacutecio ascenderam natildeo tinha de
conservar a simplicidade e muito menos a rustiquez dos pastores
ignoacutebeis706
Gian Vicenzo Gravina eacute verdade natildeo recusa abrandar a avaliaccedilatildeo e como se pode
ler sucede-lhe mesmo afirmar que o poeta natildeo havia de conservar a simplicidade ou a
rusticidade dos pastores no entanto a praacutetica compositiva essa ldquonovitagrave drsquoinvenzionerdquo
segundo afirma soa-lhe ldquoaffettata e puerilerdquo As censuras de Francisco Joseacute Freire vez
ou outra aparentam ser mais incisivas que as de Gian Vicenzo Gravina embora como se
pocircde e pode-se notar sejam-lhes semelhantes as estrateacutegias de argumentaccedilatildeo Ambos os
preceptistas o italiano e o portuguecircs intentam estabelecer protocolos de leitura de Il
Pastor Fido poreacutem ainda no seacuteculo XVIII a despeito da contenda eacute esta obra afamada
705 Idem pp 200-201 706 A esse respeito propotildee Joatildeo Adolfo Hansen ldquoGuarini inventou pastores dotados de caracteres de
cortesatildeos ndash agudeza elegacircncia dissimulaccedilatildeo prudecircncia ndash por isso capazes de discutir conceitos poliacuteticos
proacuteprios da ldquorazatildeo de Estadordquo e outros assuntos graves e galantes como o amor imitadiacutessimos Da mesma
maneira os discursos e accedilotildees de suas ninfas agudas e elegantes seriam tambeacutem referecircncia obrigatoacuteria para
a construccedilatildeo poeacutetica das Anardas Tisbes Siacutelvias Cloacuteris Clorindas Dorindas Marfidas Glauras Amariacutelis
e Mariacutelias de muita poesia conceituosa e preciosa no seacuteculo XVII e da poesia aacutercade no XVIIIrdquo HANSEN
J A ldquoAs liras de Gonzaga entre retoacuterica e valor de trocardquo Via Atlacircntica Satildeo Paulo 1997 v 1 p 42
229
e as criacuteticas a ela satildeo feitas como se fosse de bom tom natildeo esquececirc-lo nem desconsideraacute-
lo para que agravequeles que as fazem natildeo se imputasse a pecha da necedade707
Naotilde duvido que por muitas circunstancias [a tragicomeacutedia Il Pastor
Fido] se fizesse merecedora deste applauso708 poreacutem igualmente tem
outras que devem ser censuradas no tribunal de huma critica seveacutera O
que geralmente tem arrebatado os animos he o estylo desta Obra e a
mim me parece que he a primeira cousa que naotilde deve ser louvada
porque a frase deste Poeta nem he tragica nem comica nem
tragicomica mas toda lyrica porque he toda cheya de brincos e
perfumes amorosos tudo he mel e assucar tudo cores e luzes e tudo
naotilde artificios mas huns esforccedilos artificiaes buscados de proposito e
collocados em lugares que nao saotilde devicircdos e por isso contrarios ou ao
decoro da Obra ou ao costume das pessoas ou ao verosimil da imitaccedilaotilde
Pareceraacute em noacutes talvez demasiado este juizo poreacutem lea esta Fabula o
Leitor sabio e desapaixonado que certamente encontraraacute nella ser
quasi tudo huma enfiada de Madrigaes amorosos unidos
successivamente huns aos outros709
707 Idem p 201 Contraponto a opiniatildeo como essa ainda que natildeo mire a tragicomeacutedia pastoral
especificamente lecirc-se nas Reflexoens sobre a Ecloga (1764) de Luiacutes Jozeacute Correa de Franccedila e Amaral sob
o nome aacutercade de Melizeu Cylenio ldquoAinda que a vida Pastoral vulgarmente se chama rustica com tudo nam se deve tomar este epiteto no sentido comum a palavra rustica significa couza do campo e vale o
mesmo que dizer vida rustica vida campestre A mayor parte das gentes faltas de critica julgam as couzas
pasadas pelas prezentes como nam conhecem a inocencia daqueles felices tempos tem diante dos olhos as
grosarias dos Pastores do noso seculo natildeo admitem nas obras Bucolicas senam um discurso rasteiro cheyo
de rusticidades e soacutemente privativo para as cousas que se pasam no campo assim negando aacute Poesia Pastoral
os poeticos ornatos roubatildeo-lhe ao mesmo tempo a sua mesma esenciardquo apud VALLE R M ldquoA ordem dos
afetos A bucoacutelica de Claacuteudio Manuel da Costardquo Floema Caderno de Teoria e Histoacuteria Literaacuteria Vitoacuteria
da Conquista Ano I n 1 2005 p 73 708 Eacute referecircncia ao passo anterior do tratado em que Freire afirma que Il Pastor Fido ldquotem ouvido no mundo
literario os mayores elogios e entendo que a mayor parte das naccedilotildees cultas a tem traduzida nos seus
idiomasrdquo Cf Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes tratadas com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda
ediccedilatildeo hellip Fungar vice cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium
nil scribens ipse decebo Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo
virtus quo ferat error Horat in Poetic Tomo II Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno
MDCCLIX Com as licenccedilas necessarias p 155 709 Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes tratadas
com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda ediccedilatildeo hellip Fungar
vice cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium nil scribens ipse
decebo Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo virtus quo ferat
error Horat in Poetic Tomo II Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno MDCCLIX Com
as licenccedilas necessarias p 155-6
230
O juiacutezo de Francisco Joseacute Freire soacute corrobora o que jaacute se leu visto que amplifica
a monstruosidade do poema agrave luz de bases doutrinaacuterias antes desenredadas O acuacutemulo
desproporcionado que delineia as incongruecircncias de Il Pastor Fido e torna o gecircnero
tragicocircmica caricatura poeacutetica ganha mateacuteria liacuterica como que plumas coloridas em corpo
de cabeccedila humana e pescoccedilo equino se conveacutem fazer ecoar o proacutelogo da Epistula ad
Pisones de Horaacutecio Nos termos de Francisco Joseacute Freire tudo satildeo brincos perfumes
cores luzes tudo satildeo artifiacutecios elocutivos de matiz liacuterica por isso deslocados que natildeo
somente concorrem para a monstruosidade imputada ao gecircnero pois pendentes de
invenccedilatildeo que opera temas amorosos lidos na chave da extravagacircncia e da variedade
proacutediga710 senatildeo tambeacutem que a dissimulam ou assim intentam em vista dos efeitos que
o tratadista diz o ldquoestylo desta Obrardquo suscitar ao arrebatar os acircnimos da recepccedilatildeo
O corpo tragicocircmico assemelhado a ldquohuma enfiada de Madrigaes amorososrdquo711
cuja sucessividade parece alheia a qualquer razatildeo de disposiccedilatildeo faz-se assim de acordo
com esse juiacutezo de censura deleitaacutevel em sua doccedilura amorosa e para que o engano natildeo
perpetue praacutetica que iteradamente se diz viciosa exige ldquoLeitor sabio e desapaixonadordquo
o qual numa sapiente apatia ao poema de Giovanni Battista Guarini atribua a
inadequaccedilatildeo e natildeo ao juiacutezo de vitupeacuterio que a Arte poetica ou regras da verdadeira
poesia em geral enuncia Esse juiacutezo embora dito severo manteacutem o tom de ponderaccedilatildeo
que insiste na impropriedade do estilo de Il Pastor Fido mas natildeo contesta o pendor do
poeta
Consoante Francisco Joseacute Freire esse deleite amoroso eacute de moral duvidosa pois
censuraacuteveis os costumes de personagens impudicas escandalosas entregues aos apetites
de amor e agraves loucas paixotildees os quais no juiacutezo do tratadista Giovanni Battista Guarini
dramatiza712 Todavia no passo que se lecirc o discurso da vulgaridade do desregramento
710 Cf SANTOS M M ldquoO monstrum da Arte poeacutetica de Horaacutecio Letras Claacutessicas Satildeo Paulo 2002 v 4 p
195 711 O madrigal eacute para o tratadista de acordo com Antonio Sebastiano Minturno correspondente possiacutevel
dos epigramas antigos Nesse ponto entrecruzam-se as liccedilotildees que vituperam o poema de Guarini Escreve Francisco Joseacute Freire em outro passo da Arte Poetica ldquoQuanto a mim mais se parecem os Epigrammas
Latinos principalmente os Gregos com os Madrigaes Redondilhas e ainda Decimas do que com o Soneto
e para que se naotilde diga que este juizo he unicamente meu lea-se a Poetica Vulgar de Antonio Minturno
tratando do Soneto em que prova que naotilde este mas o Madrigal he o que poacutede corresponder aos antigos
Epigrammas Com effeito assim o praticaraotilde os Poetas de melhor nota entre os Italianos como se poacutede vecircr
na excellente Collecccedilaotilde que delles fez o eruditissimordquo Idem p 282 712 Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes tratadas
com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda ediccedilatildeo hellip Fungar
vice cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium nil scribens ipse
decebo Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo virtus quo ferat
error Horat in Poetic Tomo II Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno MDCCLIX Com
231
da seduccedilatildeo da depravaccedilatildeo natildeo desliza para a elocuccedilatildeo natildeo a metaforiza agrave maneira como
amiuacutede se afirmam as censuras de ornamentos estiliacutesticos considerados excessivos e
entatildeo viciosos asianistas gorgianos figuradas essas censuras como afirma Jacqueline
Lichtenstein por meio de ldquoleacutexico do corpo prostituiacutedo do enfeite indecente ou da
sexualidade corrompida das mulheresrdquo713 na medida em que para Francisco Joseacute Freire
a elocuccedilatildeo de Il Pastor Fido eacute improacutepria porque deslocada natildeo porque seja desmedido o
emprego do ornamento
[] este Poeta [Giovanni Battista Guarini] tem huma locuccedilaotilde
perfeitamente culta e pura que tem admiraveis sentenccedilas aacutes quaes naoacute
repugna a natureza e excellentes imagens poeticas sobre huma
metrificaccedilaotilde que facilmente naotilde teraacute igual pela sua natural doccedilura e
igualdade assim todos estes excellentes requisitos se empregassem em
outra Fabula que naotilde fosse pastoril [] 714
O preceito proscreve o misto tragicocircmico Nestes termos de fato bom seria natildeo
fosse Il Pastor Fido tragicomeacutedia pastoral seria bom natildeo fosse o que eacute De acordo com
o discurso de censura da Arte poetica ou regras da verdadeira poesia em geral em se
tratando do gecircnero pode-se presumir natildeo haacute adequaccedilatildeo possiacutevel natildeo haacute definiccedilatildeo que o
abarque carente de ser na condiccedilatildeo de fantasiosa contrafaccedilatildeo nem haacute em razatildeo disso
preceitos que o regrem feito desvio traacutegico porque partiacutecipe do cocircmico feito desvio
cocircmico porque partiacutecipe do traacutegico feito desvio traacutegico e cocircmico porque partiacutecipe do
liacuterico etc Assim em conformidade com o monstrum os desvios se acumulam e podem
eruditos como Francisco Joseacute Freire amparados em interpretaccedilatildeo da letra de autores
como Aristoacuteteles e Horaacutecio fazer desse gecircnero figura da inadequaccedilatildeo a dar forma a obras
cujas partes embora natildeo repugnem compotildeem-se repugnantemente
No mais jaacute se viu para Francisco Joseacute Freire fantasiar imagens fantaacutesticas
ajuizadamente segundo a orientaccedilatildeo do entendimento eacute princiacutepio incontornaacutevel para o
as licenccedilas necessarias pp 156-8 713 Cf LICHTENSTEIN J A cor eloquente Traduccedilatildeo de Maria Elisabeth de Mello e Maria Helena de Mello
Rouanet Satildeo Paulo Siciliano 1994 p 108 714 Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes tratadas
com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda ediccedilatildeo hellip Fungar
vice cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium nil scribens ipse
decebo Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo virtus quo ferat
error Horat in Poetic Tomo II Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno MDCCLIX Com
as licenccedilas necessarias p 161
232
artiacutefice que mire construir de obra de poesia bem formada Essas imagens interpretam-se
consoante Horaacutecio como vecircnia poeacutetica como extravagante parte que porque arrazoada
se integra a poema proporcionado e que embora possa ser falsa agrave primeira vista assim
deva ser considerada apenas agrave primeira vista pois que convenha ser lida como figura
moralizada715 Caso seja compreendida todavia a extravagacircncia por assim dizer como
licenciosa vecircnia supotildee o princiacutepio artiacutestico em discussatildeo que entendida como
ldquomonstruosardquo ldquodepravadardquo ldquoestragadardquo a fantasia na medida em que submetido o
entendimento aos seus caprichos e dela seja resultante constructo poeacutetico tal os
ldquoespectros alheios agrave verdaderdquo do furioso que a saacutetira de Horaacutecio forja como jaacute se sabe Il
Pastor Fido segundo a Arte poetica ou regras da verdadeira poesia em geral fornece
exemplo vicioso dessa natureza
Muito pudeacuteramos dizer a respeito de algumas scenas que introduz
demasiadamente affectadas como v g de eccos respondendo este aacute
voz como se fossem animados ou de versos feitos com tal artificio
que huns naotilde tem mais palavras do que outros e parece que para se
dizerem era preciso que os representantes tivessem antes fallado entre
si e concordado no que haviaotilde de dizer poreacutem jaacute destes defeitos
fallamos largamente no principio desta Arte tratando do verosimil e
das imagens fantasticas e intellectuaes ampc716
Parece desnecessaacuterio iterar que Francisco Joseacute Freire natildeo autonomiza as praacuteticas
e as recrimina porque artificiais pois sabe que natildeo haacute poesia aqueacutem ou aleacutem do artifiacutecio
Francisco Joseacute Freire avaliza na mesma Arte poetica ou regras da verdadeira poesia em
geral ldquoimagens fantasticas artificiaesrdquo717 como excelentes de Virgiacutelio e de Francesco
715 Cf HANSEN J A A saacutetira e o engenho Gregoacuterio de Matos e Guerra e a Bahia do seacuteculo XVII 2ordf ed
rev Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial Campinas Editora da Unicamp 2004 p 295 716 Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes tratadas com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda ediccedilatildeo hellip Fungar
vice cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium nil scribens ipse
decebo Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo virtus quo ferat
error Horat in Poetic Tomo II Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno MDCCLIX Com
as licenccedilas necessarias p 160 717 Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes tratadas
com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda ediccedilatildeo hellip Fungar
vice cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium nil scribens ipse
decebo Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo virtus quo ferat
error Horat in Poetic Tomo I Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno MDCCLIX Com
as licenccedilas necessarias pp 107 ss
233
Petrarca De Virgiacutelio das Bucoacutelicas refere trecircs passos No primeiro da Eacutecloga I Melibeu
e Tiacutetiro ambos poetas e pastores dialogam Diz Melibeu que quando ausente Tiacutetiro
porque ausente uma vez ido a Roma invocavam-no tristes pinheiros (ldquopinusrdquo) fontes
(ldquofontesrdquo) e arbustos (ldquoarbustardquo)
Mel Mirabar quid maesta deos Amarylli vocares
cui pendere sua patereris in arbore poma
Tityrus hinc aberat ipsae te Tityre pinus
ipsi te fontes ipsa haec arbusta vocabant (Ecl 1 38-39)
Mel Os ceacuteos pasmava-me invocares triste
Nrsquoarvore as frutas Amaryllis teres
Guardadas para Tityro pendiam
Estes pinheiros Tityro estas fontes
Estes soutos umbrosos te chamavam (vv 40-44)718
Nos demais passos das Eacuteclogas V e X de Virgiacutelio (cf Ecl 10 13-15 Ecl 5 27-
28) leem-se e manejam-se recursos poeacuteticos equivalentes Referindo-os avaliza pois
Francisco Joseacute Freire a prosopopeia isto eacute as fictiones personarum719 bem apropriadas
agrave poesia pastoral as quais efetuam a suauitas a glykytēs segundo leitores de Hermoacutegenes
como Antocircnio Lulio720 descompotildee no entanto usos sempre particulares que entende
serem um risco agrave verossimilhanccedila do poema exatamente como no caso da versificaccedilatildeo
dita artificiosa 721 assim considerada pois que vista como resultante de fantasia
718 Cf VIRGIacuteLIO Bucoacutelicas Traduccedilatildeo e notas de Odorico Mendes Ediccedilatildeo anotada e comentada pelo Grupo
de Trabalho Odorico Mendes Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial Campinas Editora da Unicamp 2008 pp 30-1 719 Antonii Lulli Balearis de Oratione Libri Septem Quibus non modograve Hermogenes ipse totus uerumetiam
quicquid feregrave agrave reliquis Graecis ac Latinis de Arte dicendi tratactũ est suis locis aptissimagrave explicatur
Accessit etiam locupletiss Rerum amp uerborum toto hoc Opere memorabilium Index Basileae [ex officina
Ioannis Oporini impensis Henrici Petri] [Anno Salutis humanae 1558] p 477 720 Cf PATTERSON A M Hermogenes and the Renaissance Seven Ideas of Style Princeton New Jersey Princeton University Press 1970 p 61 721 A versificaccedilatildeo de Il Pastor Fido eacute tambeacutem alvo de Francisco de Pina de Saacute e de Mello embora num
certo sentido em chave oposta Observe-se ldquoPudera trazer hum innumeravel esquadraotilde de Poetas Italianos
[dignos de imitaccedilatildeo] poreacutem bastaraacute que ponha na fronte o Pastor Fido do Cavalheiro Guarini e de melhor
vontade o puzera se em lugar dos versos soltos se mettessem os rimados neste docissimo e engenhoso
Poemardquo Theatro da eloquencia ou Arte de rhetorica fundada nos preceitos dos melhores Oradores Gregos
e Latinos por Francisco de Pina de Saacute e de Mello Moccedilo Fidalgo da Casa de Sua Magestade Fidelissima
e Academico da Academia Real da Historia Portuguesa offerecida ao Reverendissimo Senhor
Desembargador Joachim Salter de Mendoccedila Prior da Collegiada de S Christovaotilde de Lisboa Juiz dos
Cazamentos e Chanceller do Patriarcado ampc ampc Por Antonio da Silva e Costa Lisboa Na officina de
Francisco Borges de Sousa Anno de MDCCLXVI p 219
234
desgovernada que o entendimento natildeo controla Semelhantemente o mesmo argumento
relativo aos versos repete-se entre os preceitos do capiacutetulo XIII do tratado Da Eacutecloga
sua origem definiccedilatildeo estylo virtudes e vicios Francisco Joseacute Freire aparenta tomar a
dissimulatio artis como pressuposto da boa imitaccedilatildeo poeacutetica e avalia afetada a
versificaccedilatildeo que exibe o artifiacutecio e assim arrisca a naturalidade forjada e o decoro do
gecircnero
Naotilde lhe he menos conveniente o Amabecirco722 principalmente se hum
Pastor responder a outro em versos e numeros iguaes e aacutes vezes com
vozes e sentenccedilas similhantes ou tambeacutem contrarias poreacutem nisso deve
haver grande cuidado em ordem a que a Eacutecloga naotilde saya taotilde artificiosa
que se perca a pintura do verosimil representando-se o que naotilde se poacutede
naturalmente esperar de homens camponezes naotilde menos a respeito de
conceitos refinados que de palavras graves e imagens sublimes por
alheyas da mateacuteria de que se trata e da fantasia e entendimento de
quem a trata723
Satildeo os discursos com estatuto de verdade que controlam as desproporccedilotildees e a
defesa do verossiacutemil natildeo soacute repreende as vozes pastoris consideradas artificiosas em
ambos os exemplos mesmo que proacuteprias ao gecircnero bucoacutelico724 senatildeo tambeacutem bane a
tragicomeacutedia do elenco das praacuteticas poeacuteticas dignas de execuccedilatildeo725 Para Francisco Joseacute
Freire conforme as liccedilotildees de Ludovico Antocircnio Muratori o verossiacutemil como espeacutecie de
verdade possiacutevel provaacutevel e criacutevel institui-se mais detalhadamente nos seguintes termos
Jaacute temos dito que a principal base em que se funda a belleza das
imagens intellectuaes he ou a verdade ou a verosimilhanccedila interna
722 Ou ldquocanto amebeurdquo Como sintetiza Joatildeo Angelo Oliva Neto trata-se de canto ldquoentoado em turnos alternados por dois cantores ou corosrdquo Nesse papel observam-se os pastores referidos Cf CATULO O livro
de Catulo Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e notas de Joatildeo Angelo Oliva Neto Satildeo Paulo Edusp 1996 p 213 723 Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes tratadas
com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda ediccedilatildeo hellip Fungar
vice cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium nil scribens ipse
decebo Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo virtus quo ferat
error Horat in Poetic Tomo II Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno MDCCLIX Com
as licenccedilas necessarias p 242 724 Cf HASEGAWA A P Os limites do gecircnero bucoacutelico em Vergiacutelio um estudo das eacuteclogas dramaacuteticas Satildeo
Paulo Humanitas 2012 p 220 725 Idem ibidem
235
poreacutem naotilde basta soacute isto para que as reflexotildees e conceitos sejaotilde
completamente belos He tambem necessario que estes contenhaotilde outra
especie de verosimil a que chamaremos relativo porque diz relaccedilaotilde a
quem falla Este pode-se considerar de dous modos ou como verosimil
que conveacutem aacute qualidade condiccedilatildeo e graacuteo da pessoa que falla ou como
verosimil que conveacutem ao affecto e paixotildees que haacute ou se suppoem em
quem falla726
Vale rememorar que o termo ldquoverossiacutemilrdquo em liacutengua portuguesa onipresente nas
censuras recolhidas eacute latinismo e como escreve Angeacutelica Chiappetta guarda liccedilatildeo da
Rhetorica ad Herennium que verteu ao latim ueri simile o aristoteacutelico eikos cf Rhet
Her I 13)727 Na Rhetorica ad Herennium ueri simile eacute qualificativo de virtude da
narratio a qual se entenderaacute assim se respeitados os postulados do costume (mos) da
opiniatildeo (opinio) e da natureza (natura) e conservadas as duraccedilotildees do tempo (spatia
temporum) as dignidades das personagens (personarum dignitates) as razotildees das
deliberaccedilotildees (consiliorum rationes) e as oportunidades dos lugares (locorum
oportunitates) (cf Rhet Her I 16)
Em Aristoacuteteles na Retoacuterica eikos designa o que no mais das vezes sucede no
acircmbito do que eacute de um modo e poderia ser de outro (cf ARIST Rhet I 215-17 1357 a
34 ) Nos Analiacuteticos Anteriores eikos semelhantementeeacute proposiccedilatildeo endoxal ou
seja eacute enunciado do que no mais das vezes sucede conforme a doxa partilhada de todos
da maioria ou dos mais saacutebios Assim por exemplo eacute eikos que se detestem os invejosos
ou que se tenha afeto pelos amados (cf ARIST Rhet II 27 70 a 2-5) Na Poeacutetica de
modo similar eikos eacute espeacutecie do possiacutevel () consentacircneo ao poeta eacute o que
como tal no poema pode suceder e no mais das vezes sucede sem que o sucesso por
isso decorra ou da necessidade ( do inevitaacutevel porque senatildeo seria de outra
726 Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes tratadas
com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda ediccedilatildeo hellip Fungar
vice cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium nil scribens ipse
decebo Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo virtus quo ferat
error Horat in Poetic Tomo I Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno MDCCLIX Com
as licenccedilas necessarias p 175 Como em casos anteriores Francisco Joseacute Freire verte agrave liacutengua portuguesa
o tratado de Ludovico Antocircnio Muratori 727 Cf CHIAPPETTA A Ad animos faciendos comoccedilatildeo feacute e ficccedilatildeo nas Partitiones oratoriae e no De officiis
de Ciacutecero Satildeo Paulo [FFLCH-USP] 1997 [tese de doutorado] pp 91 146-148
236
espeacutecie ou do acaso () porque assim seria inerte a obra improacutepria agraves razotildees da arte
(cf ARIST Poet 9 1451 a 36 ss)
Isto eacute para Aristoacuteteles o poeta diferencia-se do historiador pelo trato natildeo com o
sucedido (ldquordquo) mas com o possiacutevel e o necessaacuterio (ldquo
rdquo) (cf ARIST Poet 9 1451 a 38) ou seja ldquosecondo il verisimile o la
necessitardquo de acordo com a Poetica drsquoAristotele uulgarizzata de Ludovico Castelvetro
(1570) Essa interpretaccedilatildeo em vulgar de Castelvetro filia-se a leituras latinas de
Aristoacuteteles que a precederam a saber os comentaacuterios de Francesco Robortello (1548) e
a traduccedilatildeo de Alessandro Pazzi (1536) Consoante as glosas de Robortello ao passo tal
como traduzido por Pazzi o poeta ldquodebet confingere secundum possibile (sic enim libet
appellare ) aut necessarium aut probabile amp verosimilerdquo ou seja ldquodeve
fingir segundo o possiacutevel (pois acha-se por bem assim designar to dynaton) ou necessaacuterio
ou provaacutevel e verossiacutemilrdquo728 Esses derradeiros termos latinos os neutros ldquoprobabilerdquo e
ldquoverosimilerdquo vecirc-se bem traduzem o neutro grego ldquoto eikosrdquo segundo equivalecircncia que
remonta a Ciacutecero para quem provaacutevel e verossiacutemil superpotildeem-se ldquoprobabilia uel ueri
similiardquo (cf CIC Acad fr 19)
Haacute muito mereceu a atenccedilatildeo de Geacuterard Genette a noccedilatildeo de dever nos processos
de verossimilhanccedila construiacutedos tanto na tragicomeacutedia Le Cid de Pierre Corneille (1606-
1694) publicada em 1637 quanto na nouvelle La Princesse de Clegraveves de Madame de La
Fayette (1634-1693) datada de 1678729 Geacuterard Genette no artigo ldquoVraisemblance et
motivationrdquo recorda as Reacuteflexions sur la poeacutetique drsquoAristote et sur les ouvrages des
poegravetes anciens et modernes (1674) do jesuiacuteta Reneacute Rapin (1621-1687) e atenta para a
distinccedilatildeo proposta nesta obra entre verdade e verossimilhanccedila qual seja ldquola veacuteriteacute ne
fait les choses que comme elles sont amp la vray-semblance les fait comme elles doivent
estrerdquo (a verdade faz as coisas apenas como satildeo amp a verossimilhanccedila as faz como devem
ser) de forma que ldquoquase sempre defeituosardquo a verdade visto afastadas as coisas do
728 Alessandro Pazzi assim traduz o texto gregoldquoSanegrave constat ex supradictis non poeumltae esse facta ipsa
propria narrare sed quemadmodũ vel geri quiuerint vel verisimile vel omnino necessarium fueritrdquo cf
Aristotelis poetica per Alexandrum Paccium patritium Florẽtinum in Latinum conversa Basileaelig M D
XXXVII [1537] p 13v Na versatildeo anocircnima portuguesa de 1779 lecirc-se a seguinte paraacutefrase ldquoHe manifesto
pelo que jaacute fica dito que o Officio do Poeta natildeo he referir as cousas que realmente acontececircratildeo mas sim
as que poderiatildeo ou deveriatildeo acontecerrdquo visto que o ldquoPoeta deve seguir ou a verosemelhanccedila ou a
possibilidade das cousasrdquo cf A Poetica de Aristoteles traduzida do Grego em Portuguez Lisboa Na Regia
Officina Typografica Anno de MDCCLXXIX [1779] Com licenccedila da Real Meza Censoria p 39 729 GENETTE G ldquoVraisemblance et motivationrdquo In Communications 11 1968 Recherches
seacutemiologiques le vraisemblable pp 5-21
237
mundo das ideias de que pendem ao passo que fonte de originais e de modelos a
verossimilhanccedila 730 Refere-o Geacuterard Genette eacute liccedilatildeo do padre Reneacute Rapin que o
verossiacutemil exemplar em oposiccedilatildeo ao maravilhoso definido como ldquotout ce qui est contre
le cours ordinaire de la naturerdquo (tudo o que eacute contra o curso ordinaacuterio da natureza) seja
ldquotout ce qui est conforme agrave lrsquoopinion du publicrdquo (tudo o que eacute conforme agrave opiniatildeo do
puacuteblico) 731 de modo que se constitua como criteacuterio de conformidade com o dever ser da
opiniatildeo
Nesses termos que natildeo se afastam das liccedilotildees da Rhetorica ad Herennium compor
obra de poesia cuja invenccedilatildeo esteja em concordacircncia com a doxa a opiniatildeo eacute operar natildeo
soacute em conformidade com a verossimilhanccedila (ldquovraisemblancerdquo) senatildeo tambeacutem com a
conveniecircncia (ldquobienseacuteancerdquo) 732 enlaccediladas ambas verossimilhanccedila e conveniecircncia
segundo a leitura de Geacuterard Genette no dever ser da mateacuteria poeacutetica pela duplicidade de
sentido do verbo ldquodeverrdquo eacute dever como obrigaccedilatildeo (ldquoobligationrdquo) eacute dever como
probabilidade (ldquoprobabiliteacuterdquo) 733 Isso significa fingir segundo a verossimilhanccedila e por
conseguinte estar em concordacircncia com a opiniatildeo do puacuteblico supotildee natildeo o acordo
democraacutetico das opiniotildees e das vontades mas o uso o costume (consuetudo) o que no
acircmbito linguiacutestico Quintiliano entende como ldquoconsenso dos instruiacutedosrdquo (consensus
eruditorum) como fundamento letrado comum constituiacutedo segundo a auctoritas734
730 Escreve o padre Reneacute Rapin ldquoLa veriteacute est presque toucircjours deacutefectueuse par le meacutelange des conditions
singulieres qui la composent Il ne naist rien au monde qui ne srsquoeacuteloigne de la perfection de son ideacutee en y
naissant Il faut chercher des originaux amp des modeles dans la vray-semblance amp dans les principes
universels des choses ougrave il nrsquoentre rien de materiel amp de singulier qui les corromperdquo [A verdade eacute quase sempre defeituosa pela mistura das condiccedilotildees singulares que a compotildeem Nada nasce no mundo que natildeo
se distancie da perfeiccedilatildeo de sua ideia ao nascer Eacute preciso buscar os originais amp os modelos no verossiacutemil
amp nos princiacutepios universais das coisas em que natildeo concorre nada de material amp de singular que as
corrompa] cf Reacuteflexions sur la poeacutetique drsquoAristote et sur les ouvrages des poegravetes anciens et modernes A
Paris chez Franccedilois Muguet Imprimeur du Roy amp de M lrsquoArchevesque rueuml de la Harpe agrave lrsquoAdotation de
trois Rois MDCLXXIV [1674] Avec Priuilege du Roy pp 56-7 731 Idem p 53 732 Na traduccedilatildeo em liacutengua portuguesa do artigo de Ceacutelia Neves Dourado bienseacuteance traduz-se por
ldquodececircnciardquo Optei por manter no passo referido o campo semacircntico da retoacuterica com o substantivo
ldquoconveniecircnciardquo sem que o pressuposto de conformidade com coacutedigos de moralidade ou de eacutetica se
perdesse cf GENETTE G ldquoVerossiacutemil e motivaccedilatildeordquo In BARTHES R et alli Literatura e semiologia Petroacutepolis Vozes 1972 pp 8-9 733 GENETTE G ldquoVraisemblance et motivationrdquo In Communications 11 1968 Recherches
seacutemiologiques le vraisemblable pp 5-6 734 Quintiliano escreve ldquoResta pois o uso Com efeito seria quase ridiacuteculo preferir a linguagem com a
qual os homens falaram agravequela com a qual falam E seguramente que outra coisa eacute uma linguagem antiga
senatildeo uma velha forma de falar Mas eacute necessaacuterio que se observe com criteacuterio e se defina em primeiro
lugar aquilo que tratamos e chamamos de ldquousordquo Se se tomar o nome tendo em vista o que fazem muitos
oferecer-se-aacute um preceito por demais perigoso natildeo apenas para o discurso mas tambeacutem o que eacute mais grave
para a vida Ora onde residiraacute a vantagem de tomar por bom aquilo que agrada agrave maioria Portanto da
mesma forma que depilar-se cortar os cabelos em camadas e beber em excesso nos banhos por mais que
tais coisas tenham invadido a cidade natildeo constituem uso porque nenhuma delas estaacute livre de censura ndash ao
238
Ora defensor do verdadeiro como fundamento das invenccedilotildees poeacuteticas Francisco
Joseacute Freire sempre nos passos de Ludovico Antocircnio Muratori faz da verossimilhanccedila
da probabilidade criteacuterio de adequaccedilatildeo que evidentemente estaacute embasado nesses
pressupostos de autoridade Todavia o faz em consonacircncia com distinccedilotildees especiacuteficas
que Aristoacuteteles Ciacutecero ou o Anocircnimo desconhecem jaacute que a liccedilatildeo de Francisco Joseacute
Freire potildee-se em termos segundo os quais emparelhada com a verdade a verossimilhanccedila
seja ldquointernardquo ou ldquorelativardquo Da primeira espeacutecie pouco diz o tratadista Da segunda
espeacutecie concernente ao respeito agraves personarum dignitates (cf Rhet Her I 16) diz mais
Pelo que respeita aos conceitos verosimeis aacute condiccedilaotilde de quem falla
quem naotilde sabe que as reflexoacutees e imagens que viraacuteotilde ao entendimento
de hum Pastor sempre creado nos bosques e apartado das Cidades haotilde
de ser differentes das que conceberaacute ou poderaacute conceber hum Cidadaotilde
hum Guerreiro hum Heroe e hum Principe
E arremata
Saotilde neste particular bem solidos os versos de Horacio735 ensinando-nos
que diversamente ha de fallar o servo do senhor e o moccedilo do velho
contraacuterio noacutes nos lavamos cortamos os cabelos e fazemos juntos as refeiccedilotildees segundo um determinado
costume ndash assim tambeacutem no falar natildeo se tomaraacute por regra de linguagem algo de vicioso que muitos adotaram Com efeito para natildeo falar do modo como os incultos habitualmente se expressam sabemos que
muitas vezes os teatros inteiros e toda a multidatildeo do circo se expressam rudemente Logo chamarei de
ldquouso da linguagemrdquo o consenso dos instruiacutedos do mesmo modo que o consenso dos bons se chama ldquomodo
de viverrdquo Traduccedilatildeo de Marco Aureacutelio Pereira cf PEREIRA M A Quintiliano Gramaacutetico o papel do mestre
de gramaacutetica na Institutio oratoria 2ordf ed Satildeo Paulo Humanitas 2006 pp 159-160 Em Latim lecirc-se
(QUINT Inst or I 6 43-45) ldquoSuperest igitur consuetudo nam fuerit paene ridiculum malle sermonem quo
locuti sint homines quam quo loquantur Et sane quid est aliud uetus sermo quam uetus loquendi consuetudo
Sed huic ipsi necessarium est iudicium constituendumque in primis id ipsum quid sit quod consuetudinem
uocemus Quae si ex eo quod plures faciunt nomen accipiat periculosissimum dabit praeceptum non
orationi modo sed quod maius est uitae unde enim tantum boni ut pluribus quae recta sunt placeant
Igitur ut uelli et comam in gradus frangere et in balneis perpotare quamlibet haec inuaserint ciuitatem non erit consuetudo quia nihil horum caret reprensione (at lauamur et tondemur et conuiuimus ex
consuetudine) sic in loquendo non si quid uitiose multis insederit pro regula sermonis accipiendum erit
Nam ut transeam quem ad modum uulgo imperiti loquantur tota saepe theatra et omnem circi turbam
exclamasse barbare scimus Ergo consuetudinem sermonis uocabo consensum eruditorum sicut uiuendi
consensum bonorumrdquo 735 Em traduccedilatildeo de Francisco Joseacute Freire a liccedilatildeo de Horaacutecio pode-se assim sintetizar ldquoDemos a cada idade
o que lhe toca Ou como verdadeiro ou verosimil Senaotilde de velho e moccedilo home e menino Veremos
confundidos os costumesrdquo (cf HOR AP 176-78) cf Arte Poetica de Q Horacio Flacco Traduzida e
Illustrada em Portuguez por Candido Lusitano Lisboa Na Officina de Francisco Luiz Ameno M DCC
LVIII [1758] Com as licenccedilas necessaacuterias Vendese na logea de Manoel da Conceiccedilaotilde Livreiro ao Paccedilo
dos Negros onde tambeacutem se acharaacute a Vida do Infante D Henrique pelo mesmo Author p 115
239
Pelo que pertence ao verosimil que conveacutem aacutes paixotildees da pessoa que
falla todos igualmente sabem que as imagens que saotilde proprias a quem
falla sem paixaotilde alguma ficaraacuteotilde improprias a quem discorre movido de
algum affecto violento Humas devem ser as imagens para aquelle que
se introduz a fallar com pensamentos meditados e outras as que
conveacutem aacutequelle que se finge discorrer de repente e com discurso
continuado como succede na conversaccedilaotilde civil736
Esses postulados tal como propotildee Joatildeo Adolfo Hansen fornecem explicaccedilotildees ou
causas agrave mateacuteria narrada (ou dramatizada) e operam como princiacutepios de adequaccedilatildeo do
que ldquose considera natural habitual e normal que aconteccedila na realidade e como realidaderdquo
Nesses termos agrave luz dos passos tratadiacutesticos todos referidos nas palavras de Hansen em
concordacircncia com a reflexotildees citadas de Geacuterard Genette ldquoa verossimilhanccedila eacute uma
relaccedilatildeo de semelhanccedila entre discursosrdquo 737 e assim estabelecida estabelecidos os
pressupostos de semelhanccedila depreende-se que a ldquoficccedilatildeo eacute verossiacutemil quando o leitor
reconhece os coacutedigos que julga verdadeiros e que satildeo aplicados pelo autor para motivar
as accedilotildees da histoacuteriardquo738 Ou em chave inversa a ficccedilatildeo eacute inverossiacutemil caso esses coacutedigos
convencionalmente natildeo se reconheccedilam e desse modo eacute dita inacreditaacutevel Angeacutelica
Chiappetta lembra de maneira muito precisa que natildeo se contrapotildee o verossiacutemil ao
verdadeiro mas ao inacreditaacutevel ao incriacutevel (ldquordquo) incapaz como tal de
efetuar-se persuasivamente739
Ora as desrazotildees do monstrum satildeo particulares como particulares as razotildees que
o enunciam Agrave luz do conjunto de argumentos referidos desde o iniacutecio deste capiacutetulo
aparenta esforccedilar-se Francisco Joseacute Freire para declarar a impossibilidade de que a
tragicomeacutedia seja passiacutevel de significaccedilatildeo porque afirmando-a desarrazoada subtrai-lhe
as razotildees No mais as razotildees de Francisco Joseacute Freire mostram avanccedilar no seacuteculo XVIII
736 Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes tratadas com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda ediccedilatildeo hellip Fungar
vice cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium nil scribens ipse
decebo Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo virtus quo ferat
error Horat in Poetic Tomo I Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno MDCCLIX Com
as licenccedilas necessarias pp 175-6 737 Ver TODOROV T ldquoIntroduccedilatildeo ao verossiacutemilrdquo In Poeacutetica da prosa Traduccedilatildeo de Claudia Berliner Satildeo
Paulo Martins Fontes 2003 p 116 738 HANSEN J A ldquolsquoO imortalrsquo e a inverossimilhanccedilardquo Teresa revista de Literatura Brasileira 67 Satildeo
Paulo 2006 pp 71-72 739 Cf CHIAPPETTA A Ad animos faciendos comoccedilatildeo feacute e ficccedilatildeo nas Partitiones oratoriae e no De officiis
de Ciacutecero Satildeo Paulo [FFLCH-USP] 1997 [tese de doutorado] p 149
240
em terras ibeacutericas debate de longa vigecircncia acerca da legitimidade da tragicomeacutedia
reverberando liccedilotildees que remontam aos fins do seacuteculo XVI anteriores mesmo agrave estampa
de Il Pastor Fido As censuras que Francisco Joseacute Freire propotildee asseveram-se em larga
medida amparadas na voz do cipriota Giason Denores (ca 1530-1590) ou Jason de Noris
como grafa o letrado portuguecircs professor da Universidade de Paacutedua e tambeacutem
comentador da Epistula ad Pisones740
Foi impresso em 1587 em Paacutedua o Discorso di Iason Denores intorno a quersquo
Principii Causae et Accrescimenti che la Commedia la Tragedia et il Poema Heroico
Ricevono dalla Filosofia Morale amp Ciuile amp darsquo Gouernatori delle Republiche Dele
depreendem-se doutrina da qual Freire eacute conhecedor e censura de que sua Arte Poetica
se mostra dependente Os argumentos satildeo conhecidos Supondo que o corpo da Poeacutetica
aristoteacutelica constitua-se da trageacutedia da comeacutedia e do poema heroico porque se proponha
o estagirita a tratar dessa sorte de gecircnero de poemas mesmo que outros refira 741 e
supondo que nem Aristoacuteteles nem outro ldquohonoratordquo tratadista antigo que lhe seja
conhecido trataram da tragicomeacutedia742 Giason Denores assevera a tragicomeacutedia como
ldquodisproportionato componimento misto di due contrarie attion amp qualitagrave di personerdquo
cuja faacutebula porque resultante de mistura de accedilotildees e de personagens traacutegicas e cocircmicas eacute
necessariamente dupla e oposta carente de unidade jaacute que a trageacutedia sabe-se bem fabula
ldquopersone illustrirdquo cujas accedilotildees arrematem ldquonellrsquoauuersa fortunardquo ao passo que a comeacutedia
fabula ldquopersone priuaterdquo particulares cujas accedilotildees arrematem ldquoin allegrezzardquo743
Assevera tambeacutem Giason Denores que no acircmbito do estilo a trageacutedia opera ldquoidea
del dir magnifica amp grauerdquo ao passo que a comeacutedia opera ldquoidea del dir tenue amp humilerdquo
740 Cf In Epistolam Q Horatii Flacci De Arte Poeumltica Iasonis de Nores Ciprij ex quotidianis Tryphonis
Cabrielij sermonibus interpretatio Parisiis Apud uiduam Mauricij agrave Porta in clauso Brunello sub signo
D Claudij 1554 741 ldquo[] Aristoteles quantunque nella sua poetica nominasse diuerse sorti di poesie non perograve propone di
trattar si non della comedia della tragedia amp del poema heroico amp con queste tre sole constituisce il
corpo dellarte poeticardquo [ldquoAristoacuteteles embora em sua Poeacutetica nomeasse diversos tipos de poesia natildeo se
propotildee a tratar poreacutem senatildeo que da comeacutedia da trageacutedia amp do poema heroico amp com estes trecircs somente constitui-se o corpo da arte poeacuteticardquo] Discorso di Iason Denores intorno a quersquo Principii Causae et
Accrescimenti che la Commedia la Tragedia et il Poema Heroico Ricevono dalla Filosofia Morale amp
Ciuile amp darsquo Gouernatori delle RepublicheAllrsquoIlustrissimo et Molto Reverendo Signor Abbate Galeazzo
Riario Con Priuilegio In Padova Apresso Paulo Meieto 1587 p 37v 742 Idem p 38v 743 Idem pp 38f 38v 39f 41v 42f Em siacutentese ldquoLa Tragedia egrave rappresentation di una atroce amp
misegraverabile attione di persone illuftri fra buone amp cattiue che per qualche errore humano cominciando da
allegrezza finisce in infelicitagrave nello spacio di un giro di Sole composta ograve con uerfi sciolti endecasillabi ograve
con uersi di sette syllabe ograve con ambidue mescolatamente con parole altiere amp graui per purgar gli
spettatori per mezzo del diletto dal terrore amp dalla misericordia amp per fargli abhorrir la uita de tiranni
amp de piu potentirdquo Idem p 36v
241
que lhes satildeo proacuteprias A mistura como se sabe diz-se proscrita ldquoper loro natura per
ragione per giudici di Demetrio fallereo non possono essere congiotildete in vno istesso
corpo ne in vna istessa compositionerdquo744 Desse modo para Giason Denores porque
indecorosa e inverossiacutemil como ldquocomposition mostruosardquo a tragicomeacutedia consoante
criteacuterios que o tiacutetulo do discurso enuncia ldquocontraria arsquo principi dersquo philosophi morali amp
civili amp dersquo gouernatori delle republiche tanto ben fondate a beneficio publicordquo745 Eacute
pressuposto que atravessa a argumentaccedilatildeo a sujeiccedilatildeo da poeacutetica e da retoacuterica agrave filosofia
moral norteadora do ofiacutecio do perfeito poeta que mira sempre interessado tornar
virtuosos os cidadatildeos e feliz a repuacuteblica746
O Discorso di Iason Denores assume a insujeiccedilatildeo filosoacutefica a contrariedade moral
da tragicomeacutedia declarando-a gecircnero que natildeo traz benefiacutecio algum a quem vive na cidade
nem tem fim que seja uacutetil a res publica pois que misto Afinal no entendimento de Giason
Denores se constituiacuteda a faacutebula pastoral em moldes traacutegicos da ventura agrave desventura
haveria um ldquotaacutecito conviterdquo a que os homens deixassem a cidade enamorados da vida no
campo Demais natildeo supotildee pastores ou camponeses entre ldquobuone amp cattiuerdquo entre ldquobons
e mausrdquo nem bem acomodados agraves accedilotildees traacutegicas nem bem acomodados agraves accedilotildees cocircmicas
constituintes como supotildee o tratadista do misto 747 Na trageacutedia deformam-se essas
personagens se tornadas capazes do terriacutevel e do miseraacutevel na comeacutedia se tornadas
capazes do ridiacuteculo e a elas natildeo conveacutem a faceacutecia mas a ldquoRusticitagraverdquo porque natildeo lhes
cabe a ldquoVrnabitagraverdquo isto eacute ldquoun tal abito di motteggiar e di star in giuocordquo (um certo haacutebito
de motejar e de dar ao jogo) afirma na Apologia Giason Denores 748
Todavia o Discorso di Iason Denores natildeo demorou a receber refutaccedilatildeo O
contendor Giovanni Battista Guarini anonimamente publicou no ano seguinte em 1588
em Ferrara Il Verrato ovvero difesa di quanto ha scritto M Giason Denores contra le
tragicomedie e le pastorali in un suo discorso di poesia749 Trata-se de peccedila no gecircnero
744 Idem p 39v [ldquopela sua natureza pela razatildeo pelo juiacutezo de Demeacutetrio de Falero natildeo podem estar conjuntas
em um mesmo corpo nem em uma mesma composiccedilatildeordquo] 745 Idem pp 41v-42f [ldquocontraria aos princiacutepios dos filoacutesofos morais amp civis amp dos governadores das
repuacuteblicas tanto bem fundadas em benefiacutecio puacuteblicordquo] 746 Idem pp 2f 42f Teresa Chevrolet articula a contenda que opocircs Giason Denores a Giovanni Battista
Guarini ao que define como ldquocette massive marque morale [qui] restera longtemps imprimeacutee dans la
reacuteflexion poeacutetiquerdquo Os comentaacuterios averroiacutestas agrave Poeacutetica aristoteacutelica satildeo por assim dizer o ponto de partida
da reflexatildeo da estudiosa Cf Lideacutee de fable Theacuteories de la fiction poeacutetique agrave la Renaissance Genegraveve
Droz 2007 pp 337 e ss 747 Idem p 40f 748 Idem p 41f Apologia p 321 749 Il Verrato ovvero difesa di quanto ha scritto M Giason Denores contra le tragicomedie e le pastorali
in un suo discorso di poesia Con privilegio In Ferrara Ad Instanza di Alfonso Caraffa 1588 Con licenza
242
dialoacutegico que dramatiza a controveacutersia e a integra por meio da qual sob a persona de
Verrato750 Giovanni Battista Guarini responde a Giason Denores e defende a fatura
tragicocircmica Houve resposta escrita ao poeta estampada em Paacutedua em 1590 sob o tiacutetulo
de Apologia contra lrsquoauttore del Verrato di Iason Denores di quanto ha egli detto in un
suo Discurso delle Tragicommedie e delle Pastorali O passo seguinte da dissensatildeo foi
dado por Giovanni Battista Guarini em 1593 quando impressa outra contestaccedilatildeo agraves
invectivas Il Verrato secondo ovvero replica dellAttizzato Accademico Ferrarese in
defesa del Pastor Fido contra la seconda scrittura di Messer Iason de Neres intitolata
Apologia Dessa vez natildeo houve resposta de Giason Denores falecido em 1590 ano em
que impresso Il Pastor Fido todavia a controveacutersia ainda motivou natildeo soacute mais ataques
os Discorsi poetici ne quali si discorreno le piu principali questioni de poesia amp si
dichiarano molt luoghi dubi amp difficili intorno allarte del poetare Secondo la mente de
Aristotile di Plantone e di altri buoni auttori (1600) de Faustino Summo e as
Considerationi di Giovanni Pietro Malacreta sopra Il Pastor Fido tragicomedia
pastorale del molto ilustre Sig Cavalier Battista Guarini (1600) de Giovanni Pietro
Malacreta como tambeacutem mais defesas a Risposta alle Considerationi o dubbi
dellEccmo Sig Dottor Malacreta sopra Il pastor fido con altre varie dvbitationi tanto
contra detti dubbi e considerationi quanto contra listesso Pastor fido (1600) de Paolo
Beni e a Difesa del Pastor Fido tragicommedia pastorale di Battista Guarini da quanto
gli egrave stato scritto contro da gli Ecc SS Faustin Summo e Gio Pietro Malacreta (1601)
de Orlando Pescetti751
Ora interessa a refutaccedilatildeo agrave tese de Giason Denores aos argumentos que Francisco
Joseacute Freire opera na medida em que no diaacutelogo Giovanni Battista Guarini defende a
legitimidade da tragicomeacutedia como gecircnero misto amparado natildeo apenas mas tambeacutem
nas prescriccedilotildees retoacutericas que ensinam o Peri hermēneias e o Peri ideōn752 Recorde-se Il
Verrato estrutura-se como diaacutelogo ou mais precisamente como exposiccedilatildeo intercalada de
de Superiori 750 Marvin Carlson afirma tratar-se de nome de um ator contemporacircneo de Guarini Cf CARLSON M
Teorias do teatro estudo histoacuterico-criacutetico dos gregos agrave atualidade Traduccedilatildeo de Gilson Ceacutesar Cardoso de
Souza Satildeo Paulo Editora da Unesp 1997 p 49 751 Cf CARLSON M Teorias do teatro estudo histoacuterico-criacutetico dos gregos agrave atualidade Traduccedilatildeo de
Gilson Ceacutesar Cardoso de Souza Satildeo Paulo Editora da Unesp 1997 p 49 ss Depois de finalizada a redaccedilatildeo
desta versatildeo do texto tive acesso a The critical fortune of Battista Guarinirsquos ldquoIl Pastor Fidordquo de Nicolas
J Perella obra de 1973 que esmiuacuteccedila a recepccedilatildeo histoacuterica da tragicomeacutedia Nesse sentido o passo da tese
poderaacute ser revisto e pormenorizado 752 Quanto a Hermoacutegenes PATTERSON A M Hermogenes and the Renaissance Seven Ideas of Style
Princeton New Jersey Princeton University Press 1970 pp 20 34-5
243
afirmaccedilotildees e contestaccedilotildees de perguntas e respostas atinentes ao caso em questatildeo ora na
voz da personagem Giason Denores cujos enunciados se compotildeem da transcriccedilatildeo do
Discorso di Iason Denores ora na voz de Verrato que procura natildeo soacute rebater o
aristotelismo estrito do contendor ou o que toma por equivocada interpretaccedilatildeo de
Aristoacuteteles senatildeo tambeacutem evidenciar passo a passo o despropoacutesito das censuras
arroladas
Ora o nome de Demeacutetrio leu-se jaacute no vitupeacuterio agrave tragicomeacutedia Para contestar a
interpretaccedilatildeo que dele o Discorso di Iason Denores faz Giovanni Battista Guarini
transcreve no diaacutelogo o passo que o apresenta
Den Oltreciograve inquanto ancho allelocutione la Comedia deue esser
scritta cotilde la idea del dir tenue amp humile conueniente alla qualitagrave delle
persone che in essa sono introdotte amp la Tragedia con la Idea del dir
magnifica amp grave Hor come eacute possibile adattar bene una
composition con idee di dir in tutto opposite amp contrarie che per loro
natura per ragione per giudicio di Demetrio Fallereo non possono
esser congionte in un istesso corpo ne in una istessa compositione753
Denores Ademais ainda quanto agrave elocuccedilatildeo a Comeacutedia deve ser escrita
com a ideia do dizer tecircnue amp humilde conveniente agrave qualidade das
pessoas que nela satildeo introduzidas amp a Trageacutedia com a ideia do dizer
magniacutefica amp grave Ora como eacute possiacutevel adaptar bem uma composiccedilatildeo
com ideias de dizer em tudo opostas amp contraacuterias que por sua natureza
por razatildeo por juiacutezo de Demeacutetrio de Falero natildeo podem ser reunidas em
um mesmo corpo nem em uma mesma composiccedilatildeo
Poderiam ser lidas no Discorso di Iason Denores as mesmas palavras Ali a
interrogaccedilatildeo que arremata a liccedilatildeo eacute recurso de progressatildeo argumentativa que soacute faz
enredar as censuras agrave tragicomeacutedia Aqui deslocada por Giovanni Battista Guarini a voz
de Denores a interrogaccedilatildeo ressignifica-se assume papel inquisitivo visto construir-se
interlocuccedilatildeo proacutepria do diaacutelogo e fica a deixa para a contraposiccedilatildeo de Verrato Essa
753 Idem p 35v Discorso di Iason Denores 1587 p 39v Manteacutem-se o itaacutelico do original que distingue
graficamente as vozes das personagens do diaacutelogo
244
contraposiccedilatildeo pesa a assertiva concernente agrave elocuccedilatildeo cocircmica segundo a qual ldquola
Comedia deue esser scritta cotilde la idea del dir tenue amp humilerdquo Adverte Verrato haver
entre a ldquoComedia vecchiardquo de Aristoacutefanes e a ldquoComedia nuouardquo de Menandro e Terecircncio
matizes de estilo que diversificam as ldquoidee del dir tenue amp humilerdquo haacute tenuidades haacute
humildades sempre em relaccedilatildeo pode-se presumir Como tambeacutem haacute magnificecircncias haacute
gravidades Dessa maneira plena de maledicecircncia e de riso eacute a ldquoComedia vecchiardquo mais
grave que ela e menos vulgar eacute a ldquoComedia nuouardquo todavia ainda assim eacute modesta
ante a gravidade do ldquostile piugrave nobilerdquo754
Embasando-se em Demeacutetrio Giovanni Battista Guarini maneja as armas do
adversaacuterio755 Como se lecirc e o diaacutelogo deixa ler eacute embate incessante entre interpretaccedilotildees
de autoridades retoacutericas e poeacuteticas que se encena Supotildee ademais o apologista comeacutedias
bem temperadas e ao fazecirc-lo desloca a iterada diferenccedila entre trageacutedia e comeacutedia que
atravessa as censuras de Giason Denores Desloca-a porque natildeo as subsume a ldquoComedia
vecchiardquo e a ldquoComedia nuouardquo agrave dicotomia estiliacutestica e subentende que a identidade de
gecircnero a qual faz concordes os poemas de Aristoacutefanes Menandro e Terecircncio natildeo anula
as diferenccedilas de estilo que lhes satildeo caracteriacutesticas ou em outra chave entende que as
diferenccedilas de estilo as quais tornam mais ou menos graves as comeacutedias natildeo se sujeitam
agraves diferenccedilas de gecircnero
A argumentaccedilatildeo de Giovanni Battista Guarini obviamente tem alvo preciso
Matizada a antinomia entre os gecircneros traacutegico e cocircmico desloca-se a tragicomeacutedia do
lugar imperfeito que o arrazoado de vitupeacuterio lhe impocircs Daiacute a afirmaccedilatildeo da virtude da
unidade como argumento de desfiguraccedilatildeo do monstrum tragicocircmico
Certamente haureste ragione se la Tragicomedia essendo comrsquoegrave nel
vero vna hauesse due stili tra loro oppositi amp repugnanti amp sella
fosse composta di Tragedia amp Comedia amp vsasse stili diuersi lerror
sarebbe nella fauola mal tessuta amp non ne gli stili variati Houui detto
amp vel replico che la Tragicomedia egrave vna amp ha vna forma sola da per
754 Il Verrato ovvero difesa di quanto ha scritto M Giason Denores contra le tragicomedie e le pastorali
in un suo discorso di poesia Con privilegio In Ferrara Ad Instanza di Alfonso Caraffa 1588 Con licenza
de Superiori p 35v 755 Cf PATTERSON A M Hermogenes and the Renaissance Seven Ideas of Style Princeton New Jersey
Princeton University Press 1970 p 35
245
se la quale per esser mista come di sopra vi segrave mostrato riceue
ancora vna Idea di dir mista756
Certamente teriacuteeis razatildeo se a Tragicomeacutedia sendo una como na
verdade o eacute tivesse dois estilos entre si opostos amp repugnantes amp se
ela fosse composta de Trageacutedia amp Comeacutedia amp usasse estilos diversos
o erro estaria na faacutebula mal tecida amp natildeo nos estilos variados Eu disse
amp repito que a Tragicomeacutedia eacute una amp tem por si mesma uma forma
apenas a qual por ser mista como acima vos foi mostrado recebe
entatildeo uma Ideia de dizer mista
Giovanni Battista Guarini natildeo desdiz a unidade como pressuposto de virtude
poeacutetica reafirma-a e concede que seria monstruosa e repugnante a fatura tragicocircmica e
mau poeta o artiacutefice que compotildee no gecircnero se resultasse a tragicomeacutedia de trabalho
artiacutestico tal qual supotildee Giason Denores tal qual supotildee Francisco Joseacute Freire a saber se
fosse ela ldquocomposta di Tragedia amp Comediardquo feito poema de ldquofauola mal tessutardquo de
faacutebula duacuteplice traacutegica e cocircmica repugnante em sua inadequaccedilatildeo Natildeo desdiz Giovanni
Battista Guarini a virtude da unidade assevera-a poreacutem em conformidade com
Hermoacutegenes ou Demeacutetrio de modo a tomar como alvo as razotildees fundamentais das
censuras agrave tragicomeacutedia
Pode-se aceitar nesses termos a afirmaccedilatildeo da unidade como pressuposto de
legitimaccedilatildeo da tragicomeacutedia Ricardo de Turia757 por exemplo no Apologeacutetico de las
comedias espantildeolas que serve de proacutelogo agrave recolha Norte de la Poesia Espantildeola de
Aurelio Mey impressa em Valecircncia de 1616 mais de duas deacutecadas apoacutes a contenda que
opocircs Giason Denores e Giovanni Battista Guarini afirma que o poema misto tragicocircmico
inclui
la mezcla de cosas tan distinctas y varias y la vnion dellas no en
forma de composicion (como algunos han pensado) sino de mixtura
756 Il Verrato ovvero difesa di quanto ha scritto M Giason Denores contra le tragicomedie e le pastorali
in un suo discorso di poesia Con privilegio In Ferrara Ad Instanza di Alfonso Caraffa 1588 Con licenza
de Superiori p 36r 757 Finalizada a redaccedilatildeo deste capiacutetulo pude ler Il Compendio della poesia tragicomica de Giovanni
Battista Guarini impresso em 1601 Nele pude saber que os argumentos de Ricardo de Turia todos
retomam este resumo do poeta italiano posterior a Il Verrato
246
porque va mucho del vn termino al outro doctrina es del Philosopho
[Aristoacuteteles] en el primero de Generatione muy vulgar donde muestra
la diferencia que hay entre lo mixto y lo compuesto758
a mescla de coisas tatildeo distintas e varias e a uniatildeo delas natildeo em forma
de composiccedilatildeo (como alguns pensaram) senatildeo de mistura porque haacute
muito de um termo a outro doutrina eacute do Filoacutesofo [Aristoacuteteles] no
primeiro De Generatione muito conhecido onde mostra a diferenccedila
que haacute entre o misto e o composto759
Essa diferenccedila assim se argumenta
Porque en lo mixto las partes pierden su forma y hazen vna tercer
materia muy diferente y en lo compuesto cada parte se conserua ella
misma como antes era sin alterarse ni mudarse antes bien se
compone y junta y lo que nace desta composicion no es vn tercero
alterado debaxo de diferente forma pero son dos cuerpos que
trocaacutendose no se compadecen entre si y se quedan los mesmos que
eran antes assi en acto como en potencia Lo mixto podemos
comparar (porque exemplificando declararemos mejor nuestro
concepto) al fabuloso Hermofrodito este de hombre y muger formaua
vn tercero participante de la vna y otra naturaleza de tal manera mixto
que no se podia separar la vna de la outra Lo cotildepuesto es semejante
a vn hombre que se abraccedila con vna muger y desasidos cada vno buelue
en su ser porque sabida cosa es que el abraccedilarse no los confunde de
manera que assi el hombre como la muger dexen de ser el mismo
hombre y la muger misma que eran antes y qualquiera dellos no
guarde y reconosca entera su naturaleza su ser y su forma760
758 Apud Norte de la Poesia Espantildeola Illustrado del sol de doze Comedias (que formam segunda parte) de
Laureados Poetas Valencianos y de doze escogidas Loas y otras Rimas a varios sugetos Sacado a luz
aiustado con sus originales por Aurelio Mey Dirigido a Dontildea Blanca Ladron y Cardona hija primogenita
de Don Iayme Zeferino Ladron de Pallas Conde de Sinarcas Vizconde de Chelua Sentildeor de Beniarbech y
Beniomer y Sentildeor de Payporta Antildeo 1616 Con privilegio Impreso en Valencia En la Impresion de Felipe
Mey junto a S Iuan del Hospital A costa de Iusepe Ferrer Mercader de libros delante la Diputacion sp 759 Traduccedilatildeo nossa 760 Idem ibidem
247
Porque no misto as partes perdem sua forma e fazem uma terceira
mateacuteria muito diferente e no composto cada parte se conserva ela
mesma como antes era sem alterar-se nem mudar-se antes bem se
compotildee e junta e o que nasce desta composiccedilatildeo natildeo eacute um terceiro
alterado sob diferente forma mas satildeo dois corpos que trocando-se natildeo
se compadecem entre si e se manteacutem os mesmos que eram antes tanto
em ato como em potecircncia O misto podemos comparar (porque
exemplificando declararemos melhor nosso conceito) ao fabuloso
Hermafrodita este de homem e de mulher formava um terceiro
participante de uma e outra natureza de tal maneira misto que natildeo se
podia separar uma da outra O composto eacute semelhante a um homem que
se abraccedila com uma mulher e desasidos cada um volta ao seu ser
porque sabida coisa eacute que o abraccedilar-se natildeo os confunde de maneira que
tanto o homem como a mulher deixem de ser o mesmo homem e a
mulher mesma que eram antes e qualquer um deles natildeo guarde e
reconheccedila iacutentegra sua naturaleza seu ser e sua forma761
A autoridade aristoteacutelica consoante a liccedilatildeo do De Generatione et Corruptione
confere legitimidade agrave mistura762 Ricardo de Turia cita Giovanni Battista Guarini ou
Guarino como refere e propotildee no mesmo Apologeacutetico o Saacutetiro dramatizado em Il
Pastor Fido ldquoMezrsquohuomo e mezo capra e tutto bestiardquo (Past Fid 2 6)763 como
metaacutefora do discurso misto figura bestial personagem de qualidade humilde que em vez
do que assim lhe compete trata mateacuteria elevada e especulativa 764 No mais a
761 Traduccedilatildeo nossa 762 ARISTOacuteTELES Sobre a geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo Traduccedilatildeo e notas de Francisco Choratildeo Revisatildeo cientiacutefica
de Alberto Bernabeacute Pajares Lisboa IN-CM 2009 p 47 763 Em italiano lecirc-se na voz da personagem Corisca (ato segundo cena VI) ldquoCo[risca] O uillano indiscreto
ed importuno Mezhuomo e mezo capra e tutto bestia Carogna fracidiszligima e difetto Di natura
nefando se tu credi Che Corisca non tami il uero credi Che uuoi tu chami in te quel tuo bel ceffo Quella succida barba quellorecchie Caprigne e quella putrida e bauosa Isdentata cavernardquo
[Corisca Oacute vilatildeo indiscreto e importuno Meio homem e meio cabra e todo besta Carniccedila corruptiacutessima
e defeito De natureza nefando se tu crecircs Que Corisca natildeo te ama a verdade crecircs Que queres tu que
ame em ti Essa tua bela fuccedila Essa barba suja Essa orelha Caprina E essa puacutetrida e babosa
Desdentada caverna] Traduccedilatildeo nossa Cf Il Pastor Fido Tragicomedia Pastorale di Battista Gvarini
Dedicata al SerMO D Carlo Emanvele Dvca di Savoia ampc Nelle Reali Nozze di SA con la serma Infante
D Caterina dAvstria Con privilegi In Venetia Presso Gio Battista Bonfadino [1590] sp 764 Cf HANSEN J A A saacutetira e o engenho Gregoacuterio de Matos e Guerra e a Bahia do seacuteculo XVII 2ordf ed
rev Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial Campinas Editora da Unicamp 2004 pp 291-2 HASEGAWA A P Os
limites do gecircnero bucoacutelico em Vergiacutelio um estudo das eacuteclogas dramaacuteticas Satildeo Paulo Humanitas 2012
pp 72-3
248
metaforizaccedilatildeo da tragicomeacutedia eacute conhecida lecirc-se referecircncia ao Hermafrodita em chave
oposta entre as reprimendas de Francisco Joseacute Freire765 Ricardo de Turia natildeo descompotildee
a natureza do ser nem refuta a monstruosa metaacutefora avalia-lhe as grandezas como
desproporccedilotildees proporcionadas proacuteprias ao riso porque efetuam o ridiculum Arrazoada
pois a tragicomeacutedia porque resultante de ldquomixturardquo natildeo de ldquocomposicionrdquo A distinccedilatildeo
mais do que minudecircncia lexical eacute presunccedilatildeo de unidade que o ldquocotildepuestordquo segundo a
taxonomia em operaccedilatildeo como acidental natildeo pode aspirar Eacute possiacutevel entatildeo depreender
do trecho lido segundo os criteacuterios do apologista asseverar com Giason Denores ou
Francisco Joseacute Freire que a tragicomeacutedia eacute ldquocomposto poeticordquo766 que busca conjugar as
antipatias dos gecircneros traacutegico e cocircmico nem eacute significar-lhe a natureza nem na justeza
dos termos eacute abarcar o ldquomixtordquo Essa distinccedilatildeo incide nos fundamentos de criacuteticas tais
quais as de ambos os preceptistas mira desautorizaacute-los e levar nos passos da
argumentaccedilatildeo o artiacutefice tragicocircmico do vitupeacuterio ao elogio
Nesses termos que vislumbram a virtude da unidade pode-se aventar para
Ricardo de Turia o ldquofabuloso Hermofroditordquo natildeo destoa do belo animal que Aristoacuteteles
figura na Poeacutetica de corpo bem ordenado e bem dimensionado antiacutepoda do monstrum
horaciano Natildeo destoa porque eacute de outra espeacutecie e metaforiza cada um convenientemente
um gecircnero de poemas diferente Recorde-se que para Aristoacuteteles deve ser bem ordenada
e bem dimensionada a trageacutedia cuja fabula eacute feita da mimese de accedilatildeo una e inteira cuja
unidade e cuja inteireza alheias ao acaso porque arrazoada a concatenaccedilatildeo dos episoacutedios
dramatizados sejam criteacuterios de distinccedilatildeo do poema verossiacutemil (cf ARIST Poet 7 1450b
21 ss)
Ora como ldquofabulosordquo como ser de faacutebula nem verdadeiro nem verossiacutemil
construiacutedo em discurso de vieacutes elogioso o Hermafrodita de Ricardo Turia afilia-se ao
Hipocentauro que Luciano de Samoacutesata (ca seacutec II dC) metaforiza num opuacutesculo
apologeacutetico cujo tiacutetulo eacute Contra quem disse tu eacutes um Prometeu em teus discursos (Pros
ton eiponta Promētheus ei em logois em latim segundo a versatildeo do inteacuterprete Jacob
Micyllus Contra eum qui dixerat Prometheus es in uerbis) Nele Luciano bate-se contra
765 Cf Arte Poetica ou Regras da Verdadeira Poesia em geral e de todas as suas especies principaes
tratadas com juizo critico Composta por Franscisco Joseph Freire Ulyssiponense Segunda ediccedilatildeo hellip
Fungar vice cotis acutum Reddere qui ferrum valet exfors ipsa fecandi Munus amp Officium nil scribens
ipse decebo Unde parentur opes quid alat formetque poetam Quid deceat quid non quo virtus quo
ferat error Horat in Poetic Tomo II Lisboa Na Offic Patriarcal de Francisc[o] Luiz Ameno MDCCLIX
Com as licenccedilas necessarias p 160 766 Idem p 150