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VARIÁVEIS FUNDAMENTAIS NO PROJETO ARQUITETÔNICO
A Arquitetura como Lugar
1Camila C. P. de Andrade*
Guilherme Llantada**
Juliano Darós Amboni***
Karine Lise Schäfer****
Leticia La Porta de Castro*****
Lisete Assen de Oliveira******
Luciano Pereira Alves*******
RESUMO
A arquitetura como lugar aborda os fundamentos do projeto arquitetônico, os quais em conjunto e em suas inter-relações protagonizam características e qualidades espaciais para o sistema edificado em si, e, sobretudo, para seu contexto de realização, a cultura urbana da cidade contemporânea. Focaliza as variáveis fundamentais no projeto arquitetônico para diferentes contextos e escalas, que revelam tanto as soluções e qualificações funcionais, como as relações com a composição e a apropriação do espaço público urbano.
Palavras-chave: Projeto Arquitetônico, Metodologia Projetual, Ensino.
INTRODUÇÃO
Este artigo expõe reflexões de sete professores na disciplina de Projeto Integrado
que, no segundo semestre de 2012, ao contar com três turmas, exigiu reuniões para
garantir a constante atenção ao equilíbrio e à coerência entre os professores e a
abertura e disponibilidade para as diferenças individuais (alunos) e entre coletivos
(turmas). O conteúdo das reuniões, o interesse e a vitalidade do grupo levaram a
nossa participação na formação continuada de julho de 2013, com o objetivo de - ao
compartilhar experiências e reflexões sobre questões contemporâneas da
arquitetura urbana - identificar pautas coletivas, estratégias e instrumentos visando o
aperfeiçoamento do processo de ensino-aprendizagem de Projeto Arquitetônico.
1 *Professora de Tecnologia. **Professor de Projeto Arquitetônico. ***Professor de Projeto Arquitetônico. ****Professora
de Projeto Urbanístico.*****Professora de Projeto Arquitetônico. ******Professora de Projeto Urbanístico.
*******Professor de Projeto Urbanístico e Infraestrutura Urbana, todos do Projeto Integrado do 7º período no Curso de
Arquitetura e Urbanismo.
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Delimitamos alguns tópicos como capazes de nos permitir um percurso sobre a
arquitetura como lugar, suas variáveis e sua produção criativa, sobretudo para um
processo de fazer arquitetura contemporânea como uma produção sociocultural: (1)
Arquitetura, sociedade; (2) Complexidades atuais do processo criativo e dos avanços
tecnológicos; (3) Arquitetura segundo o desejo consciente da formação do lugar; (4)
Qualificação do repertório urbano-arquitetônico, a partir da contribuição da
“linguagem de padrões de Alexander” e (5) A composição arquitetônica de espaços
coletivos da contemporaneidade.
Cada um dos tópicos citados e tratados a seguir traz, em nosso entender, questões
complexas e não lineares, as quais em inter-relação entre si e com o contexto de
realização apresentam contradições, geram tensões e se atritam, exigindo uma
resposta na síntese projetual.
O texto aqui apresentado sintetiza o conjunto da apresentação e das questões que
foram debatidas, que, mais que uma discussão fechada, representou, para o grupo
ampliado no Curso, a confirmação da importância da continuidade desta discussão
neste nosso espaço acadêmico.
1 ARQUITETURA, SOCIEDADE E FORMAÇÃO PROFISSIONAL - ALGUMAS
DELIMITAÇÕES
A reflexão sobre a formação profissional do arquiteto-urbanista deve, tal qual a
arquitetura, estar histórica, social e fisicamente contextualizada. Nesta perspectiva
cabe reafirmá-la como um ofício, uma profissão, cujo perfil é dinâmico; social,
coletiva e individualmente construído. A sociedade organizada, as demandas
sociais, a categoria profissional, o conhecimento produzido e socializado e a própria
atuação profissional individual comprometida e criativa vão ao longo do tempo
revelando-se capazes de imprimir, identificar e transformar o papel profissional do
arquiteto. Cabe-nos retomar criticamente nosso contexto social e nosso
conhecimento, indagando sobre suas novas demandas e possibilidades para nossa
atividade-tronco, o projeto.
Analisando a sociedade e os modos de vida contemporâneos, Ascher (2005, p.22)
identifica três dinâmicas sócio-antropológicas, advindas do processo de
modernização: a individualização, a racionalização e a diferenciação social. Para
Ascher, a individualização é a representação do mundo não mais a partir do grupo,
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mas a partir do eu. A racionalização substitui a tradição do fazer repetido, pela razão
e pelo conhecimento científico e técnico; e a diferenciação social dá-se pela
diversificação das funções e principalmente pela divisão técnica e social do trabalho.
Neste processo, da modernidade, surge a utopia, o projeto e o planejamento. Para
Ascher, a sociedade contemporânea estaria na terceira modernidade com maior
racionalidade, mais diferenciação social e aprofundamento da individualidade.
Na arquitetura e nas cidades identificamos a intensificação da fragmentação e
segregação socioespacial com a supervalorização do individual e do individualismo.
No caso do Brasil, temos assim paisagens relativamente características e comuns,
com qualidades espaciais opostas que refletem por um lado diferentes níveis de
acessos para a população e, por outro, uma diversidade, no mercado, de valores
culturais e de significados para a arquitetura contemporânea.
Figura 1 - Foto apresentada pelo arquiteto Carlos Leite, que tem sido largamente utilizada como demonstração das contradições da cidade e da arquitetura contemporâneas
Fonte: http://www.stuchileite.com/index.html. Acesso em 02 de julho de 2013
No caso brasileiro, esse processo inicia-se em meados do século XX, quando
passamos a ser uma população eminentemente urbana.
Essa passagem de país rural para país urbano foi vislumbrada e retratada na Arte
Moderna por autores reconhecidos, em especial por Tarsila do Amaral (Figura 2a e
2b) com destaque para o progresso, tendo a arquitetura e o espaço urbano como
decisivos protagonistas. A terceira modernidade, assinalada por Ascher como
iniciada na década de 70 do século XX, nos apresenta outro contexto, onde o
consumo predomina sobre a produção, brilhantemente revelado nas obras do artista
contemporâneo Vik Muniz (Figura 2c).
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Figura 2 - Arte Moderna de Tarsila do Amaral e Arte Contemporânea de Vik Muniz
(a) (b) (c)
(a)São Paulo, Tarsila do Amaral, 1924, (b) Operários, Tarsila do Amaral, 1933, (c) A paisagem da Baía da Guanabara com material reciclado de 1,3 toneladas de lixo, Vik Muniz Rio+20, 2012.
Vale indagar-se sobre como a arquitetura considerada historicamente como um bem
da cultura material, se comportará em nossa sociedade que paulatinamente passa
de uma sociedade da produção em massa para a sociedade de consumo de massa.
Com quais instrumentos de crítica e de método podem, os arquitetos e a academia,
desenvolver a profissão no seu sentido mais profundo e amplo? Por outro lado,
devemos também reconhecer que no Brasil, nos últimos 10 anos, ocorre o
delineamento de uma nova dinâmica social e econômica que sugere um novo
contexto (Figura 3). Este caracterizado pela ampliação da população com
capacidade de consumo e de reivindicação de serviços públicos e coletivos, pelo
aumento da perspectiva de vida, pela maior diversidade de modelos de vida e novas
expectativas que geram novos desafios e demandas profissionais.
Figura 3 - Gráfico da Pirâmide Social. Evolução das classes sociais em milhões
Fonte CPS/FGV. In: http://observatoriodesinais.com.br/ Acesso em 13 de julho de 2013
Como nossos processos de formação profissional compreendem e respondem ao
futuro profissional, cada vez mais aberto e em troca com os contextos globais? Que
processos podem fortalecer a consciência, o comprometimento, a liberdade e
capacidade criativa do estudante e do profissional? Quais métodos e instrumentos
de crítica e quais conceitos temos para projetar e especialmente para potencializar o
processo de ensino?
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2 COMPLEXIDADES ATUAIS DO PROCESSO CRIATIVO E DOS AVANÇOS
TECNOLÓGICOS
O processo de expansão das cidades pouco tem considerado a fragilidade do
ecossistema, evidenciando seu caráter predominantemente quantitativo, em
detrimento do aspecto qualitativo. As cidades atuais, e também durante as mais
diversas fases históricas, só podem refletir os valores, compromissos e as
resoluções da sociedade que abrigam. Portanto, o sucesso de uma cidade depende
de seus habitantes e do poder público, da prioridade que ambos dão à criação e
manutenção de um ambiente urbano e humano. (ROGERS, 2001. p.16)
A arquitetura, também responsável por esse processo de expansão, e
criação/recriação das cidades, impõe hoje a reflexão e a busca por um produto final
voltado para a sustentabilidade contemporânea, a qual nos leva necessariamente a
considerar, incluir, integrar e inter-relacionar nos conceitos arquitetônicos, os
fundamentos de conforto ambiental e as técnicas construtivas.
A arquitetura surgiu a partir das necessidades do ser humano por abrigo. Logo
tornou-se uma expressão fundamental da habitabilidade tecnológica e dos objetivos
sociais e espirituais. Atualmente, a rica complexidade da motivação humana que
gerou a arquitetura está sendo desmantelada, quase todas as construções são feitas
em busca do lucro, como fator determinante de sua forma, qualidade e desempenho.
Questionamo-nos: os edifícios então são simples mercadorias? Não! Eles
formam o pano de fundo de nossas vidas na cidade. Eles compõem as nossas
cidades. Eles conformam a silhueta da massa edificada, marcam a cidade,
conduzem à exploração do olhar, valorizam o cruzamento das ruas. O detalhe tem
efeito crucial na totalidade. O processo de projeto e o produto final devem conter a
síntese entre funcionalidade, espacialidade, conforto ambiental e tecnologia nas
diferentes escalas envolvidas e dentro de um determinado contexto ambiental,
cultural e socioeconômico.
Mas como alcançar a sustentabilidade de um projeto arquitetônico? Iniciando
na leitura e no entendimento do contexto no qual o edifício se insere e nas decisões
iniciais de projeto. Seguindo a análise na escala urbana, é necessário abordar
questões como: estruturas morfológicas compactas, adensamento populacional,
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transporte público, resíduos e reciclagem, energia, água, diversidade e pluralidade
socioeconômica, cultural e ambiental.
O edifício sustentável representa uma parcela do ambiente construído, devendo as
suas qualidades urbanas e ambientais também seguir em direção à sustentabilidade.
Assim, se o objetivo maior for reduzir o impacto ambiental das cidades e alcançar
melhor qualidade ambiental urbana, em um cenário ideal, a busca pela arquitetura
sustentável deve se dar em três escalas: a do edifício, a do desenho urbano e a do
planejamento urbano e regional.
O desenvolvimento da arquitetura e do ambiente construído em direção à
sustentabilidade ambiental, considerando benefícios socioeconômicos, implica uma
revisão do processo projetual convencional, em que métodos de pesquisa pré-
projeto remetem a uma interação maior entre pesquisa e proposição.
Neste contexto, é preciso “explorar” a tecnologia com o objetivo de tornar as cidades
sustentáveis. Não “explorar” a tecnologia em busca apenas do lucro (no comércio,
na arquitetura ou no planejamento urbano.). A tecnologia deve ser utilizada pelo
cidadão para beneficiar o próprio cidadão, deve buscar assegurar direitos humanos
universais e garantir abrigo, água, comida, saúde, educação, esperança e liberdade
para todos. (Rogers, 2001)
Para que possam contribuir de fato para o resultado arquitetônico e o melhor
desempenho do conjunto, tais adventos da tecnologia, quando apropriados, devem
fazer parte do desenvolvimento do projeto do edifício desde as suas primeiras
etapas de concepção, e não ser inseridos como “acessórios”.
Enfim, o processo de projeto da prática profissional para a arquitetura em prol da
sustentabilidade implica um trabalho de equipe no qual os arquitetos responsáveis
estejam familiarizados com as questões ambientais, ao mesmo tempo que os outros
especialistas possuam um vocabulário arquitetônico e um entendimento dos demais
aspectos do projeto, a fim de que a interação seja positiva e a síntese projetual se
realize com sucesso. A procura incessante pela cidade do futuro responde ao desejo
de progresso, de inovação e de uma melhoria na qualidade de vida.
1. Arquitetura segundo o desejo consciente da formação do lugar
No momento de banalização das reflexões intelectuais, principalmente, entre os
mais jovens, pensa-se na necessidade de resgate e provocação frente ao desejo
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(sonho): ponto de partida de qualquer pensamento. Todo arquiteto parte de um
desejo inicial para compor o lugar; dar forma ao espaço. Portanto, necessita ter a
consciência do ato de projetar, uma vez que esta ação é uma previsão de futuro.
Deve-se trilhar, brevemente, o "caminho" não retilíneo do ato de projetar e seus
objetivos, visando propor ao acadêmico um exercício ativo de projeto - sua formação
– bem como, reavivar a paixão tão necessária à profissão, baseada no prazer de
realização de um sonho: a satisfação do desejo inicial. A ideia é mesmo o tratamento
poético da arquitetura como fomentador do entusiasmo tão necessário ao ato de
projetar.
O arquiteto finlandês Pallasmaaa (2013) expõe: O dom exclusivamente humano da
imaginação está ameaçado pelo excesso de imagens atuais? Os mundos crescentes
da vida de fantasia e das imagens de devaneios substituem a imaginação genuína,
individual e autônoma, assim como a afeição humana?
Essas são reflexões necessárias para o entendimento da arquitetura e do lugar que
se deseja “criar”. Entende-se que a formação do objeto arquitetônico passa pela
leitura do que se deseja. Esse desejo, visto como fruto de uma reflexão consciente
para, então, ser expresso no desenho. Dessa forma, o desenho, como expressão do
desejo de projeto, irá legitimar o projeto e proporcionar a execução concreta da
ideia.
Figura 4 - Croqui (desenho) representando a ideia de lugar
Importantes métodos de projeto são: por "estrutura-guia" e pelo "desejo", método
aqui defendido. O primeiro método - estrutura-guia - é mais seguro e confortável.
Porém, mais suscetível ao fracasso e fadado a não permitir a real criação de um
“Lugar” que proporcione apropriações intensas. Isso porque, por estrutura-guia, um
projeto pode ser apenas o resultado de uma combinação de fatores ou uma junção
despretensiosa de características. Ou, ainda, a soma de uso e função para se ter,
Fonte: Acervo Juliano Darós
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como resultado, alguma arquitetura. Esse método pode levar a banalizações de
projeto, por reproduções mal refletidas ou até mesmo por espelhamentos sem
justificativas. É a alienação do lugar e a possível criação de "não-lugares".
No segundo método - pelo desejo - primeiro cria-se a arquitetura, dessa forma, tem-
se um lugar. Pensa-se na apropriação desse lugar, para então, em um segundo
momento, configurar os fatores necessários para a realização do desejo inicial.
Para a formação do lugar, a arquitetura tem que causar sensações e dar identidade.
Formar lugares que ficam na memória e que registram sons, aromas, imagens, etc.,
para sempre no imaginário do usuário. Os lugares devem ser criados
conscientemente. As sensações devem estar previstas em projeto e surgem por
meio do desejo inicial, esse é o trabalho do arquiteto.
A identificação rápida dos lugares também deve ser uma estratégia de projeto.
Entender a cidade - Ouro Preto - MG, facilmente reconhecida em imagens, e Bilbao,
na Espanha, reconhecida pela leitura do ícone de arquitetura do Museu Guggenheim
- são estratégias projetuais. É importante a reflexão das vontades e consequências
envolvidas no projeto, principalmente em relação às possíveis apropriações dos
usuários. Cabe a discussão sobre o destaque e a imposição, manifestando a relação
de poder entre arquitetura e usuário, ou sobre a subordinação da arquitetura em
relação ao usuário na conformação do lugar.
Na formação do lugar devem-se considerar dois aspectos fundamentais: a
configuração física e as respostas ao entorno. A configuração física é a manipulação
de aspectos construtivos no espaço, propondo a modelação para novas relações já
citadas. Porém, ainda muito importante, é a necessidade que a arquitetura tem de
"conversar" com o entorno. Seja de modo a se abstrair na paisagem, ou a se
destacar, como no mesmo Museu Guggenheim, de Bilbao. Do mesmo modo, essa
intervenção se dá de maneira consciente. O desejo de abstração ou de destaque é
algo que surge no primeiro momento de manifestação do projeto.
Cabe ao arquiteto fazer as devidas requalificações espaciais. Ele pode gerar uma
nova caracterização e criar o novo lugar. O arquiteto é o manipulador do espaço.
Faz o manuseio e a organização do espaço. Daí a responsabilidade perante a
atividade. Daí a necessidade de consciência, reflexão e entendimento do desejo
como fomentador do projeto.
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Diante da realidade, para a manipulação espacial desejada, têm-se as diversas
regulamentações e normas que regem a atividade de projeto, como atividade
profissional. Essas servem para balizar o trabalho, porém, não podem limitar o ato
da criação. Faz-se necessário o exercício constante de reflexão para aprimoramento
do desenho, como linguagem e expressão, perante as ponderações normativas.
Em suma, como atividade projetual, pode-se elencar uma tríade: (1) Desejo:
expresso no desenho leve e livre; (2) Projeto Formal: como representação
necessária para a execução da ideia do desejo; (3) Lugar: sendo o resultado
concreto, executado, com a possibilidade de ser apropriado.
2. Qualificação do repertório urbano-arquitetônico, a partir da contribuição da
“linguagem de padrões de Alexander”
Em contrapartida às exigências que as questões contemporâneas fazem sobre os
espaços urbanos e arquitetônicos, traz-se para o debate a atemporalidade das
construções humanas e seu papel fundamental na qualificação espacial dos
territórios antropizados. Adotam-se como referência os padrões de Alexander (1977)
- “Uma Linguagem de Padrões” 2-, apresentando-se seu pensamento como uma
possível metodologia de referenciais indicativos na abordagem de um tema ou
“problema” urbano-arquitetônico a ser investigado.
Os arranjos ambientais abrangem da maior à menor escala, sem tratar de obras
específicas, mas sim de sensações espaciais. A qualidade do espaço construído, na
visão de Alexander, relaciona-se intimamente com padrões reconhecidos
inconscientemente, sem que se saiba determinar especificamente nem onde e nem
como ela está presente, o que o autor chama de “qualidade sem nome”. O assunto
da qualidade serve como um aporte filosófico à teoria dos padrões, descrito em uma
publicação anterior intitulada: “Modo Intemporal de Construir”.
Transportando-se o tema para o Atelier de Projeto, percebe-se que durante o
processo de desenvolvimento dos trabalhos, alguns alunos sentem-se desorientados
no lançamento do partido arquitetônico e nas fundamentações conceituais,
buscando nas referências tipológicas os subsídios que possam ser transportados
para seu projeto, num processo claro de atopia arquitetônica. Geralmente a evolução
2 Uma Linguagem de Padrões - A Pattern Language / Autor: Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; Max Jacobson; Ingrid Fiksdahl King; Shlomo Angel Editora: Bookman (2013). Porto Alegre RS. Original (1977 – USA);
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do trabalho sofre entraves determinantes pela falta de consistência na argumentação
conceitual.
Que colaboração poderia exercer a teoria de Alexander neste processo construtivo
da solução do problema urbano-arquitetônico? Didaticamente, os padrões espaciais
tratados como arquétipos não apresentam soluções prontas e estanques, mas sim,
desenham fragmentos de intervenções em formato de rede, onde cada pequena
solução se liga à outra, formando uma “teia”, que a princípio não é um todo, mas um
caminho, um indicativo dos passos que devem ser tomados a partir de um universo
infinito de possibilidades.
Cabe ressaltar a importância que Alexander dedica às relações humanas como
processo interativo com o ambiente construído, contrapondo-o a uma visão
determinista ou unidirecional. “Padrões”, traduzido do inglês Pattern, pode ser
entendido também como Parâmetros de Projeto ou ainda, Princípios de Projeto.
Neste caso cabe salientar que se trata de uma formação de linguagem arquitetônica
e não de uma única via de acesso ao acerto projetual. A aplicação da metodologia
por diferentes grupos não se traduz necessariamente em soluções semelhantes,
pois a relação não é linear. Pode acontecer uma riqueza enorme de conexões com
infinitas variáveis, resultando em projetos que têm a mesma essência e qualidade,
porém com formas distintas.
Outra questão chave é o cunho “local” do projeto. Clima e cultura como elementos
definidores de características peculiares de determinado ambiente e construtores
físicos de sua identidade. É premissa neste método que o projetista seja nutrido por
circunstâncias locais específicas e estas interfiram fortemente nos resultados
espaciais alcançados. De uma forma pioneira, “Uma Linguagem de Padrões”
organiza os diferentes dados relacionados ao ser humano e ao ambiente, a fim de
proporcionar soluções projetuais que procuram conectar de maneira sistêmica o
comportamento humano a elementos arquitetônicos.
No processo de atelier, os alunos buscam constantemente apoiar-se em “verdades
arquitetônicas dialéticas”, onde há sempre o certo e o errado, o bom projeto e o ruim,
o gosto ou não do professor. Porém, a visão de Alexander apresenta-se como uma
ferramenta de grande valor na construção de repertório urbano-arquitetônico. Define
ambiências, relaciona privacidades, determina territorialidade, não como limites
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espaciais definidos pelos objetos arquitetônicos, mas como sensações de vivências
que estes objetos transmitem.
Na busca de uma pedagogia para a autonomia do aluno, cabe ao professor oferecer
caminhos e direções, onde este atua como mediador entre o conteúdo “arquitetura”
e o processo “aluno” nas suas descobertas, conduzindo a investigação em bases
teóricas e filosóficas que auxiliam o aluno a pensar o problema antes de procurar
uma solução pronta e acertada. Desta forma, acredita-se que o uso da metodologia
da rede de “Padrões” pode oferecer uma qualificação no repertório urbano-
arquitetônico dos alunos de graduação em Arquitetura e Urbanismo, auxiliando-os a
compreender as íntimas relações existentes entre homem e ambiente construído
através dos diferentes tempos e culturas.
3. A composição arquitetônica de espaços coletivos da contemporaneidade.
A pretensão de que a globalização uniformiza o mundo e a produção cultural é um
mito, segundo Canclini (2003). Não há evidência empírica de que a globalização
achate a diversidade ou decomponha a ordem social, sendo que a vida urbana
consiste ainda em movimentos cotidianos, socialização e produção de espaços
coletivos. Contudo, é inegável que a revolução tecnológica digital possibilitou um
sistema de comunicações transnacionais, como a “cidade-rede”. Da mesma forma se
modificou a concepção e produção da arquitetura, que vem absorvendo o impacto
destas inovações digitais. Ainda segundo Canclini, filmes, jogos, música e
arquitetura são produtos simbólicos globais que determinam a dimensão icônica,
fluida e migrante que marca a forma globalizada de produzir o tempo e o espaço.
Qual o papel e quais as características, limites e possibilidades que a arquitetura
contemporânea desempenha nestes “novos” lugares?
Primeiramente, para refletirmos sobre quais seriam estes “novos” lugares, cabe
pensarmos sobre os movimentos cotidianos, a socialização e produção de espaços
coletivos. Neste contexto percebemos que sistemas complexos de circulação, redes
e fluxos coexistem com os espaços cotidianos, estabelecendo a simultaneidade e a
heterogeneidade da experiência urbana contemporânea. Assim como na escala do
objeto arquitetônico, onde segundo Giedion (1958) há necessidade de a arquitetura
recuperar o sentido espacial comunitário, o sentido coletivo que as edificações
possuíam anteriormente. Quais os lugares da cidade e da arquitetura
contemporânea que possibilitam interconexões e trocas? Cabe à arquitetura dar
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forma a estes lugares, dotando-os de uma flexibilidade até então pouco empregada,
uma fluidez ou natureza capaz de moldar-se às exigências de um espaço dinâmico e
mutante. Os lugares da arquitetura contemporânea que promovem as condições de
interconectividade e troca apresentam características de espaços multifuncionais e
midiáticos, em que a mobilidade, a conectividade física e virtual, a justaposição, a
segurança e a simultaneidade e convivência da heterogeneidade em suas
propriedades intrínsecas está totalmente voltada e aberta à cidade. Propõem-se
também a refletir como são estruturados arquitetonicamente estes espaços em
termos de tipologia e morfologia. Arquitetura e cidade passam a estabelecer a
relação entre objeto arquitetônico e lugar; a relação estreita entre o entorno e a
arquitetura e a consequente reconstrução da paisagem urbana, com limites sutis
entre forma, espaço e contexto, que admite maior flexibilidade e espaços urbanos
cuja harmonia está na coexistência de diversidades e antagonismos.
Em resposta a estas questões percebe-se uma transformação das ordens
tipológicas. O conceito de tipo adquire características de pluralismo, relativismo e
multiculturalismo, em que a forma estabelece predomínio sobre a função, e as
mudanças de uso, a renovação, a reutilização, a reformulação e a recuperação
passam a ser conceitos base. Estes novos tipos marcam este momento de
desenvolvimento da arquitetura onde ocorrem mudanças estruturais e técnicas, de
escala e de uso, onde diferentes tipos se confundem para produzir novos. Alguns
exemplos são as tipologias da “Era LED”, tipologias dinâmicas, orgânicas e que
funcionam como organismos, assim como as soluções morfologia de caráter
universal.
Paradoxalmente, diante desta linguagem arquitetônica de interatividade, cabe
questionar como fica o conceito de lugar. Não seriam estes modelos de não lugares?
Retomando o conceito inicial, de que a vida urbana consiste ainda em movimentos
cotidianos, socialização e produção de espaços coletivos, percebe-se que o que
define os lugares permanece sendo a percepção e a experiência do mundo pelo
corpo humano; a qualidade do espaço que se materializa pela forma, textura, cor, luz
natural, objetos e valores simbólicos; a relação destes com a história e a memória; e
a adequação ao ambiente, à paisagem e ao entorno (Montaner, 2012). Segundo
Moneo (1978), se a arquitetura deseja recuperar sua relação com o público, deve
trabalhar sobre as convenções que fundamentam a memória coletiva. Esta postura
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de projeto na criação dos espaços busca espacializar e materializar os atributos que
contribuem para a apropriação dos espaços, afinal “os espaços onde se desenvolve
a vida são antes de tudo lugares” (Heidegger, 1951). São objetos arquitetônicos
relacionados entre si e contextualizados com a cidade. Projetos em que a arquitetura
vem em resposta às novas demandas da cidade contemporânea e da situação
socioeconômica da população. A arquitetura que, depois de estabelecida, gera
novas apropriações por parte de seus usuários, demonstrando o quanto é importante
na dinâmica das ações urbanas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os debates acerca do “projeto” reforçam o comprometimento que o profissional deve
ter com a relação entre arquitetura e urbano, visto como o contexto de inserção do
objeto arquitetônico, de modo que um vem a qualificar e valorizar o outro, por meio
de uma relação intrínseca que é ponderada no lançamento da ideia de projeto e no
estudo e entendimento de suas interferências, nas mais variadas escalas, que vão
da cidade ao edifício.
A complexidade do ato projetual na contemporaneidade demanda a interpretação de
novos programas, novas relações entre objeto arquitetônico e lugar e,
necessariamente, novas soluções. Nesse contexto, o desejo consciente de formação
do lugar desempenha papel fundamental e o estudo e aprofundamento dos
repertórios urbano-arquitetônicos apresenta realidades distintas, paradoxais e
contraditórias, reforçando a complexidade e o engajamento com o “Lugar” que o
objeto arquitetônico deve ter.
A metodologia de ensino do projeto pode partir da expressão do “Desejo” e da
“Vontade” do aluno, guiado pela condição da realidade apresentada pelos
professores - como intermediadores do conhecimento - mas que, sobretudo, deve
necessariamente mostrar a concretude do desejo como “Lugar” capaz de incorporar
e induzir a rica apropriação, a diversidade de usos, atividades, pessoas,
principalmente nos espaços de uso coletivo.
Mostra-se de grande valia o contínuo debate das práticas pedagógicas dos temas
que envolvem o ensino do projeto urbano-arquitetônico, na possibilidade de
fomentar, reinventar e aprimorar técnicas, metodologias, tecnologias e repertórios
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projetuais a fim de procurar-se a otimização da relação entre objeto arquitetônico e
contexto de inserção.
REFERÊNCIAS
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GIEDION, Sigfried. Arquitetura e Comunidade, 1958. In: Modernidade superada – Arquitetura, arte e pensamento no século XX. 2 ed. São Paulo: Gustavo Gili, 2012.
MONTANER, Josep Maria. Tipo e estrutura. Eclosão e crise do conceito de tipologia arquitetônica. In: ______ Modernidade superada – Arquitetura, arte e pensamento no século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2001.
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ROGERS, Richard e GUMUCHDJIAN, Philip. Arquitectura Sostenible. In: _______ Ciudades Para un Pequeño Planeta. Barcelona: Gustavo Gili, 2001.