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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS NÚCLEO DE PÓS GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO DIANNA SANTIAGO VILLELA A SUSTENTABILIDADE NA FORMAÇÃO ATUAL DO ARQUITETO E URBANISTA Belo Horizonte Escola de Arquitetura da UFMG 2007

A SUSTENTABILIDADE NA FORMAÇÃO ATUAL DO ARQUITETO E URBANISTA

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS NCLEO DE PS GRADUAO EM ARQUITETURA E URBANISMO

    DIANNA SANTIAGO VILLELA

    A SUSTENTABILIDADE NA FORMAO ATUAL DO ARQUITETO E URBANISTA

    Belo Horizonte Escola de Arquitetura da UFMG

    2007

  • Dianna Santiago Villela

    A SUSTENTABILIDADE NA FORMAO ATUAL DO ARQUITETO E URBANISTA

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado do Ncleo de Ps-Graduao da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. rea de concentrao: Teoria, Produo e Experincia do Espao. Orientador: Roberto Lus de Melo Monte-Mr

    Belo Horizonte

    Escola de Arquitetura da UFMG 2007

  • FICHA CATALOGRFICA Villela, Dianna Santiago

    V735s A sustentabilidade na formao atual do arquiteto e urbanista / Dianna Santiago Villela - 2007. 179f. : il. Orientador: Roberto Lus de Melo Monte - Mr Dissertao (mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura.

    1. Arquitetura Estudo e ensino 2. Desenvolvimento sustentvel 3. Educao ambiental 4. Ambientalismo 5. Arquitetura Aspectos ambientais I. Monte-Mor, Roberto Lus de Melo II. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Arquitetura III. Ttulo

    CDD : 720.47

  • Dianna Santiago Villela

    A SUSTENTABILIDADE NA FORMAO ATUAL DO ARQUITETO E URBANISTA

  • Dedico este trabalho a todos que, de alguma maneira, tentam ajudar o nosso planeta e seus habitantes. Mesmo quando o ato pequeno, para um objetivo grande demais.

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus, por Sua presena constante em todos os momentos da minha vida.. A meu marido, Cesar Duro, companheiro, amigo, e meu amor eterno. A meus pais, Alvaro e Marcia, a quem devo minha educao e muito da minha formao, espero que este trabalho retribua um pouco. s minhas irms, Alessandra e Sabrina, e meu irmozinho, Pedro Murillo, que sempre me fizeram ser mais feliz. toda minha famlia, meus avs, tios, primos, sogros e cunhadas, pelo apoio mesmo distncia. Aos meus grandes amigos, os de anos, e aqueles que fiz ao longo do desenvolvimento do meu trabalho. Em especial aos amigos do mestrado, ao grupo Doisirmos, e s amigas Maria Fernanda Oppermann Bento e Vera Ferreira Crespo, que, cada uma sua maneira contribuiu muito com o trmino deste trabalho. Ao meu orientador Roberto Monte-Mr, pelo acompanhamento equilibrado, dosando direcionamento seguro e consistente e liberdade para a elaborao do trabalho. organizao do Opera prima, que me forneceu todos os dados necessrios. A todos aqueles que responderam aos questionrios ou me ajudaram a distribuir os mesmos. Em especial aos ganhadores do Opera prima. A todos que fizeram parte do meu trabalho, ou que apenas fazem parte da minha vida.

  • A Arquitetura no pode salvar o mundo, mas pode agir como um bom exemplo.

    Alvar Aalto

  • RESUMO Este trabalho tem por objetivo central analisar se a sustentabilidade tem sido

    suficientemente abordada e discutida na formao do arquiteto e urbanista. O conceito de

    sustentabilidade, apesar de bastante utilizado, amplo e falta-lhe, alm de preciso, contedo.

    Portanto, tenta-se explic-lo com base em suas mltiplas definies e seu surgimento, bem como

    tendncias anteriores ao conceito. Para averiguar o discurso atual da insero da sustentabilidade

    na formao do arquiteto, so pesquisadas e discutidas as diretrizes curriculares gerais, assim

    como os programas de alguns cursos de graduao, em arquitetura e urbanismo no pas. Em

    seguida, so apresentados os conceitos de educao ambiental e educao para a

    sustentabilidade, tomados como necessrios para dar suporte e embasamento formao do

    arquiteto. Posteriormente, so apresentados os resultados de uma pesquisa realizada, atravs de

    questionrios com estudantes de arquitetura, arquitetos e, em seguida, com os premiados do

    Concurso Opera Prima de 2001 a 2006, para verificar, atravs da opinio dos jovens arquitetos,

    como tem sido percebida a abordagem e discusso da sustentabilidade nos cursos de arquitetura

    e urbanismo. Os resultados mostram que a sustentabilidade no tem sido suficientemente

    abordada na graduao, e isto pode, e deve estar afetando a formao atual do arquiteto e

    urbanista, que termina a graduao sem uma viso global. Aqueles que se interessam

    particularmente pelo tema procuram cursos de ps-graduao nessa rea especfica sem que,

    todavia, a sustentabilidade arquitetnica e urbanstica como um todo faa parte da bagagem

    terica e tcnica do arquiteto. Entretanto, h um consenso entre os arquitetos e estudantes

    entrevistados que a formao do arquiteto deve incluir questes de sustentabilidade, referentes

    melhoria e qualidade de vida humana em plena integrao com a natureza. Assim, esta questo

    deve ser prioridade para o ensino profissional bsico e no restrita a disciplinas optativas ou ps-

    graduaes.

  • ABSTRACT

    The objective of this work is to analyze if sustainability has been sufficiently

    discussed through the architect and urban designers formation. Although largely used, the vast

    concept of sustainability lacks precision and content. The effort to explain it is based on

    definitions, as well as on the previous trends to the concept. The architecture undergraduate

    program of some Brazilian universities is searched in order to investigate the current influence of

    sustainability in the architect's education. Also, environmental education is discussed to

    emphasize the importance of learning sustainability for the architect's and city planner's

    intellectual growth. Lastly, the results of an interview with architecture students, architects, and

    Opera Prima awarded students (between 2001 and 2006) are presented showing through the

    young architects opinions how the discussion about sustainability has been perceived in

    architecture and urban design programs. The results show that sustainability has not been enough

    discussed in the undergraduate courses. It can and probably is affecting the architect and urban

    designers formation since they graduate without a global vision about the subject. The ones

    especially interested in this topic look for graduate courses in this area. Architects and students

    interviewed have the common belief that the architects formation should include issues about

    sustainability since these are important issues for improvement of human life quality and its full

    integration with nature. This topic should be a priority in the basic professional education and

    not restricted to elective classes and graduate programs.

  • LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 Logo marca da WWF 45

    FIGURA 2 WWF-Brasil no Rio de Janeiro 45

    FIGURA 3 Chega de caa s baleias! 46

    FIGURA 4 Campanha Energia Renovvel J! 46

    FIGURA 5 Logo e Lema Green Cross 47

    FIGURA 6 Certificao Blue Angel 47

    FIGURA 7 Selo verde CNDA (Conselho Nacional de Defesa Ambiental) 48

    FIGURA 8 Selo verde Programa de rotulagem ambiental ISO-14020 50

    FIGURA 9 Selo Procel 50

    FIGURA 10 Sidwell Friends Middle School certificao LEED Platina 52

    FIGURA 11 Casa da Cascata, Pensilvnia, EUA, arquiteto Frank Lloyd Wright, 1936 62

    FIGURA 12 Arcosanti, deserto do Arizona, EUA, arquiteto Paolo Soleri 63

    FIGURA 13 Fukuoka Prefectural Internacuional Hall Edifcio em Fukuoka, Japo,

    projetado por Emilio Ambasz e associados. 65

    FIGURA 14 Pergola Building, Costa Rica, arquiteto Bruno Stagno, 2003 65

    FIGURA 15 Construo circular da comunidade de Y Felin Uchaf 66

    FIGURA 16 Centro Cultural Jean-Marir Tjibau, Noumea, arquiteto Renzo Piano, 1998 67

    FIGURA 17 Crianas separando resduos em um aterro sanitrio 75

    FIGURA 18 Moradias irregulares na cidade 76

    FIGURA 19 Parque Rota das Cachoeiras: Implantao/ Cobertura 124

    FIGURA 20 Parque Rota das Cachoeiras: Vista Frontal - Centro de Educao Ambiental 124

    FIGURA 21 Arquitetura x Meio Ambiente: Perspectiva do edifcio 127

    FIGURA 22 Torre Bioclimtica: Perspectiva area 129

    FIGURA 23 Cantina e Casa Noturna: Foto da maquete do projeto 131

    FIGURA 24 Cantina e Casa Noturna: Vista do interior 132

    FIGURA 25 Usina de Tratamento de Resduos Slidos: Perspectiva 133

    FIGURA 26 Centro De Referncia Ambiental Lobo-Guar: Foto da maquete 136

    FIGURA 27 Escola Nutica: Foto da maquete 138

    FIGURA 28 Casa De Caranguejo Caminho Butant: Centro de estudos do mangue 141

    FIGURA 29 Casa De Caranguejo Caminho Butant: Elevao grelha estrutural em

    pr-fabricados de concreto preenchida por containers expropriados 141

    FIGURA 30 Ncleo De Difuso Cultural: Perspectiva geral 142

    FIGURA 31 Ncleo de Educao Ambiental e Desenvolvimento Sustentvel 147

    FIGURA 32 Habitao Social em Madeira Industrializada 148

  • LISTA DE QUADROS QUADRO 1 Comparao entre matrias do currculo mnimo de 1969 e de 1994 85

    LISTA DE TABELAS TABELA 1 Questo sobre a definio de desenvolvimento sustentvel: Avaliao das

    respostas por profisso 109

    TABELA 2 Conhecimento e interesse 110

    TABELA 3 Impacto das edificaes 110

  • LISTA DE GRFICOS GRFICO 1 Classificao dos 115 entrevistados, por perodo na graduao ou ano

    de formado. 112 GRFICO 2 Conhecimento sobre o conceito de sustentabilidade na arquitetura e urbanismo,

    por grupamentos de perodo na graduao e ano de formatura. (Total de 115 entrevistados) 113

    GRFICO 3 Conhecimento sobre o conceito de sustentabilidade na arquitetura e urbanismo,

    por % de respondentes em cada item. 114

    GRFICO 4 Abordagem do assunto na graduao, por % de respondentes em cada item. 114

    GRFICO 5 Abordagem do assunto na graduao, por grupamentos de perodo na graduao e ano de formatura. 115 GRFICO 6 Como melhorar a discusso sobre sustentabilidade e arquitetura/urbanismo na

    graduao, por grupamentos de perodo na graduao e ano de formatura. 116 GRFICO 7 Como melhorar a discusso sobre sustentabilidade e arquitetura/urbanismo na

    graduao, por % de respondentes em cada item. 116

    GRFICO 8 Classificao dos 50 entrevistados quanto ao ano do concurso. 149

    GRFICO 9 Abordagem do assunto na graduao, por % de respondentes em cada item. 149

    GRFICO 10 Abordagem do assunto na graduao, por concurso. 150 GRFICO 11 Abordagem do assunto no trabalho final, por concurso. 151 GRFICO 12 Abordagem do assunto no trabalho final, por % de respondentes em cada item. 152 GRFICO 13 Opinio sobre abordagem da sustentabilidade na formao atual do arquiteto,

    por % de respondentes em cada item. 152

    GRFICO 14 Abordagem do assunto na graduao, por concurso. 153 GRFICO 15 Como melhorar a discusso sobre sustentabilidade na graduao de arquitetura/

    urbanismo, por % de respondentes em cada item. 153 GRFICO 16 Opinio sobre abordagem da sustentabilidade na formao atual do arquiteto,

    por % de respondentes em cada item (Total de 165 questionrios). 154

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABEA - Associao Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

    ABNT - Associao Brasileira de Normas Tcnicas

    AGCB - Associao Green Cross Brasil

    BREEAM - Building Research Establishment Environmental Assessment Method

    CANTOAR - Canteiro Oficina de Arquitetura

    CDS-UNB - Centro de Desenvolvimento Sustentvel da Universidade de Braslia

    CEAU - Comisso de Especialistas de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

    CIMA - Comisso Interministerial para a Preparao da Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio

    Ambiente e Desenvolvimento

    CNDA - Conselho Nacional de Defesa Ambiental

    CMMAD - Comisso Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

    CO2 - Gs carbnico

    CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente

    DNOCS - Departamento Nacional de Obras contra a Seca

    DS - Desenvolvimento Sustentvel

    EA - Educao Ambiental

    EDS - Educao para Desenvolvimento Sustentvel

    EIA - Estudos de Impacto Ambiental

    EUA - Estados Unidos da Amrica

    FAAP - Fundao Armando Alvares Penteado

    FAU - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

    FSC - Forest Stewardship Council (Conselho de Manejo Florestal)

    IBAMA - Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis

    IBGE - Fundao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IED - Istituto Europeo di Design

    IFOCS - Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas

    IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change

    IOCS - Inspetoria de Obras Contra as Secas

    ISO - International Organization for Standardization

    IUCN - Unio Internacional pela Conservao da Natureza

    LDB - Lei de Diretrizes e Bases

    MCT - Ministrio da Cincia e Tecnologia

    MEC - Ministrio da Educao

    MMA - Ministrio do Meio Ambiente do Brasil

    NABERS - National Australian Building Environmental Rating System

    NPGAU - Ncleo de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo

  • NR - Norma Regulamentadora

    ONGs - Organizaes No-Governamentais

    ONU - Organizao das Naes Unidas

    OSCIP - Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico

    PIB - Produto Interno Bruto

    PIEA - Programa Internacional de Educao Ambiental

    PNUD - Programa das Naes Unidas de Desenvolvimento

    PNUMA - Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente

    POPs - Poluentes orgnicos persistentes

    PROARQ-UFRJ - Programa de Ps-Graduao em Arquitetura da FAU UFRJ

    PROCEL - Programa Nacional de Conservao de Energia Eltrica

    PRODEMA - Programa Regional de Ps-Graduao em Desenvolvimento e Meio Ambiente

    PROURB-UFRJ - Programa de Ps-Graduao em Urbanismo da FAU UFRJ

    PUC MINAS - Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais

    PUC RS - Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul

    PVC -Policloreto de vinila

    SEMA - Secretaria Especial do Meio Ambiente

    SEMAM - Secretaria do Meio Ambiente da Presidncia da Repblica

    SESP - Servio Especial de Sade Pblica

    SINIMA - Sistema Nacional de Informaes sobre o Meio Ambiente

    SISNAMA - Sistema Nacional do Meio Ambiente

    UEL - Universidade Estadual de Londrina

    UFBA - Universidade Federal da Bahia

    UFF - Universidade Federal Fluminense

    UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora

    UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais

    UFMS - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

    UFPA - Universidade Federal do Par

    UFPE -Universidade Federal de Pernambuco

    UFPR - Universidade Federal do Paran

    UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro

    UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina

    UMA - Universidade Livre da Mata Atlntica UnB - Universidade de Braslia

    UNCTAD - Confederao das Naes Unidas Sobre o Comrcio-Desenvolvimento

    UNE - Unio Nacional dos Estudantes

    UNESCO - United Nations Education, Scientific and Cultural Organization

  • UNEP - United Nations Environment Programme

    UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas

    UNIFOR - Universidade de Fortaleza

    UNILIVRE - Universidade Livre do Meio Ambiente

    UNIRITTER - Centro Universitrio Ritter dos Reis

    UNISINOS Universidade do Vale do Rio dos Sinos

    UNOPAR - Universidade do Norte do Paran

    USC - University of Southern Califrnia

    USGBC - United States Green Building Council

    USP - Universidade de So Paulo

    WBCSD - World Business Coucil for Sustainable Development (Conselho Empresarial Mundial para o

    desenvolvimento Sustentvel)

    WSSD - World Summit on Sustainable Development

    WWF - World Wide Fund For Nature (Fundo Mundial para a Natureza)

  • SUMRIO 1 INTRODUO 17

    1.1 Contextualizao 23 1.2 Justificativa 27 1.3 Objetivos 29

    1.3.1 Objetivo geral 29 1.3.2 Objetivos especficos 29

    1.4 Delimitaes do trabalho 29 1.5 Procedimentos metodolgicos 30

    1.5.1 Etapas da pesquisa 30

    1.6 Organizao do trabalho 31 2 FUNDAMENTAO TERICA 33

    2.1 A origem do termo 33 2.1.1 Os eventos internacionais do ambientalismo 33

    2.1.1.1 As dimenses da sustentabilidade 36 2.1.2 O ambientalismo no Brasil 41 2.1.3 Organizaes no-governamentais (ONGs) 44 2.1.4 Normas e selos de qualidade 47

    2.1.4.1 Norma Regulamentadora (NR) 48 2.1.4.2 International Organization for Standardization (ISO) 49 2.1.4.3 Selo Procel 50 2.1.4.4 Leadership in Energy and Environmental Design (LEED) 51

    2.1.5 Movimento ambientalista: as reas do pensamento ecolgico 52 2.2 A problemtica da sustentabilidade 55 2.3 A sustentabilidade: uso na arquitetura e urbanismo 57

    2.3.1 Organicismo 60 2.3.2 Arquitetura Orgnica 62 2.3.3 Arquitetura bioclimtica 64

    2.3.4 Arquitetura ecolgica 66 2.4 Consideraes sobre a sustentabilidade na arquitetura e no urbanismo 67

    3 EDUCAO AMBIENTAL E SUSTENTBILIDADE NO ENSINO DE ARQUITETURA E URBANISMO 69

    3.1 Conscincia ambiental 70 3.1.1 As linhas de pensamento: capitalistas selvagens x ambientalistas fanticos 71 3.1.2 Defensores ambientais: conscincia ambiental x mudana de atitude 72 3.1.3 A segunda linha de pensamento 73

    3.1.3.1 Pobreza x Meio ambiente 75

  • 3.2 Educao ambiental 77

    3.3 Educao para o desenvolvimento sustentvel (EDS) ou Educao para a Sustentabilidade 79

    3.4 Ensino de arquitetura 81

    3.4.1 Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso graduao em Arquitetura e Urbanismo 83

    3.4.2 Graduao, cursos de capacitao, projetos de extenso e pesquisas 88 3.4.3 Ps-graduao em arquitetura e urbanismo 95 3.4.4 Consideraes sobre a sustentabilidade no ensino de arquitetura 102

    4 A PESQUISA E O OPERA PRIMA 106 4.1 Pesquisa quantitativa 111 4.2 Pesquisa qualitativa: Opera prima 118

    4.2.1 Concurso Opera Prima - Concurso Nacional de Trabalhos Finais de

    Graduao em Arquitetura e Urbanismo 119

    4.2.2 Opera Prima 2001 121 4.2.2.1 Ecoturismo: Parque Rota das Cachoeiras - Thais Ins

    Krambeck, UFSC 122

    4.2.3 Opera Prima 2002 124 4.2.3.1 Arquitetura x Meio Ambiente - Fabio Toffano, UFF 125

    4.2.3.2 Torre Bioclimtica: Conservao de Energia e Fontes Alternativas Juliana Iwashita, USP 128

    4.2.4 Opera Prima 2003 129 4.2.4.1 Cantina e Casa Noturna: Il Vecchio Mulino - Luciano Lerner Basso, PUC-RS 130

    4.2.4.2 Usina de Tratamento de Resduos Slidos - Kim Ribeiro Ruschel, Centro Universitrio Belas Artes de So Paulo 132

    4.2.5 Opera Prima 2004 133 4.2.5.1 Centro De Referncia Ambiental Lobo-Guar - Mara Oliveira Eskinazi, UFRGS 135

    4.2.5.2 Escola Nutica: Interveno Na Orla Do Lago Parano Izabel Torres Cordeiro, UnB 137

    4.2.6 Opera Prima 2005 138

    4.2.6.1 Casa De Caranguejo Caminho Butant / Zona Noroeste / Santos -Pablo Iglesias, USP 139

    4.2.6.2 Ncleo De Difuso Cultural - Ricardo Alexandre Packer, Universidade Regional de Blumenau 141

    4.2.7 Opera Prima 2006 143

  • 4.2.7.1 Ncleo de Educao Ambiental e Desenvolvimento Sustentvel Clariane Menegusso Nogueira, UFMS 146

    4.2.7.2 Habitao Social em Madeira Industrializada - Estela Cristina Somensi, UFSC 147

    4.2.8 Anlise e interpretao dos dados / apresentao dos resultados 148 4.3 Anlise das duas pesquisas 154 4.4 Consideraes finais da pesquisa 154

    5 CONCLUSO 157 REFERNCIAS 161

    APNDICES 168

    APNDICE A Questionrio estudante 168

    APNDICE B Questionrio arquiteto 170

    APNDICE C Questionrio premiados Concurso Opera Prima 172

    ANEXO Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduao em Arquitetura e Urbanismo

    de 2006 174

  • 17

    Atingir o objetivo de uma cidade sustentvel no uma meta utpica, ela depende de uma srie de aes perfeitamente alcanveis,

    conquanto algumas difceis por fortes injunes culturais, polticas e econmicas. [...] A mdio e longo prazos,

    a sada est no que se conseguir fazer hoje no sistema educacional. [...]

    As tarefas podem ser gigantescas, mas pelo menos esto evidentes.

    Alfredo Sirkis

    1 INTRODUO

    Durante muito tempo julgou-se que a Terra era um lugar de recursos infinitos, que estes nunca seriam preocupao para a humanidade e que o homem no poderia afet-la de forma incisiva ou irreparvel. Porm a partir da Revoluo Industrial, que se espalhou pelo mundo com processos produtivos geradores de riquezas, mas altamente poluentes, a degradao ambiental inicia um percurso, que s pode ser freado com a participao efetiva e conscientizao de toda a sociedade (PINHEIRO, 2002, p. 11).

    A Revoluo Industrial foi um fenmeno que ocorreu de forma gradativa a partir de

    meados do sculo XVIII. Tendo incio na Inglaterra, a Revoluo provocou mudanas nos meios

    de produo, afetando a economia e a sociedade. Enquanto o perodo medieval era praticamente

    agrrio e artesanal, o perodo industrial iniciou-se com a mecanizao dos meios de produo.

    Alm disso, proporcionou o comrcio em escala mundial. Os grandes latifundirios, os senhores

    feudais, bem como a estrutura agrria feudal, entraram em franco declnio, dando lugar para a

    burguesia, que, vida por maiores lucros, menores custos e produo acelerada, buscava

    alternativas para melhorar e aumentar a produo de mercadorias. V-se a o capitalismo da

    burguesia industrial emergente.

    Nessa poca, observa-se um grande salto tecnolgico, tanto no maquinrio para a

    produo, quanto nos transportes. Um dos grandes exemplos a inveno da mquina a vapor.

    Na rea dos transportes, destacavam-se as locomotivas e trens a vapor, a melhoria generalizada

    dos transportes, tanto ferrovirios quanto martimos, mas tambm nas redes de estradas.

    Com o enorme aumento da produtividade, em funo da utilizao dos equipamentos

    mecnicos, da energia a vapor e, posteriormente, da eletricidade, passaram a substituir e

    dispensar parte da fora humana. Juntando-se a isso, as verdadeiras exploses demogrficas,

    seguidas pelo xodo rural, e assim por um grande excesso de mo-de-obra nas grandes cidades,

    observa-se uma enorme quantidade de desempregados e tambm de diminuio dos salrios dos

    trabalhadores.

    Alm dos salrios recebidos pelos empregados serem extremamente baixos, as

    condies de trabalho nas fbricas eram deplorveis. Os empregados trabalhavam 12, 14 e at 18

    horas por dia, e ainda estavam sujeitos a castigos fsicos. As mquinas eram desprotegidas e

    ocasionavam freqentes acidentes de trabalho, muitas vezes at mutilando os trabalhadores. Os

  • 18

    ambientes eram sujos, abafados e com pssima iluminao. Em relao s habitaes da grande

    maioria, a situao era igualmente precria. Pode-se dizer que: tomando-se como ponto de partida as denncias dos higienistas e dos reformadores sociais na primeira metade do sculo XIX, considera-se confirmado o fato de que a qualidade das moradias piorou, em conseqncia da pressa e das exigncias especulativas (BENEVOLO, 1976, p. 56).

    Os trabalhadores mais pobres moravam em horrveis ambientes, muitas vezes quartos

    de poro, destitudos de luz, gua e esgoto. As casas, desde que ficassem de p (ao menos temporariamente), e desde que as pessoas que no tinham outra escolha pudessem ser induzidas a ocup-las, ningum se importava se eram higinicas ou seguras, se tinham luz ou ar ou se eram abominavelmente abafadas (CROOME; HAMMOND1, citado por BENEVOLO, 1976, p. 71).

    Algumas conseqncias nocivas da revoluo foram, alm do xodo rural aliado ao

    crescimento desordenado urbano, o grande aumento da poluio sonora e atmosfrica, o

    desemprego, o grande nmero de mendigos, e tambm a fome, misria, a precariedade dos

    ambientes de trabalho e moradia, que tambm levava epidemia de vrias doenas.

    interessante ressaltar que o aumento da populao acompanhado e acompanha o grande

    desenvolvimento na produo. Benvolo (1976, p.22) comenta que O incremento demogrfico

    e o industrial influenciam-se mutuamente de modo complicado. Assim, com o aumento da

    populao, conseqentemente das cidades, das distncias e dos transportes, so necessrias e

    passam a ser construdas, estradas mais amplas, canais mais largos e profundos, novas moradias,

    e edifcios pblicos maiores. Alm disso, cresce rapidamente o desenvolvimento das vias de

    transporte, tanto por terra quanto por gua, e a multiplicao e diversidade de tarefas e o impulso

    dado pelas especializaes requerem tipos novos de construes. A revoluo Industrial

    modifica a tcnica das construes, embora possa faz-lo de maneira menos visvel do que em

    outros setores(BENEVOLO, 1976, p. 35). A mquina, a qual na primeira metade do sculo XIX

    est invadindo a indstria, em certa medida, tambm comea a invadir os canteiros de obra,

    difundindo-se o uso das mquinas de construir.

    Os progressos cientficos permitiam que os materiais fossem utilizados mais

    conveniente e racionalmente. Eram inventados mecanismos capazes de medir a resistncia dos

    materiais, e aos materiais tradicionais uniam-se novos materiais como o ferro gusa, o vidro e

    mais tarde o concreto. O ferro e o vidro j eram anteriormente empregados na construo (o ferro

    era utilizado para tarefas acessrias como correntes e tirantes), mas foi nesse perodo que os

    progressos da indstria permitiram que seus usos fossem ampliados e que novas tcnicas fossem

    introduzidas. Alguns exemplos so a difuso do uso do vidro para janelas em lugar do papel, o

    1 CROOME, H.M.; HAMMOND, R.J. Storia economica dell `Inghilterra. Milo: [s.n.], 1951.

  • 19

    uso da ardsia ou de telha para coberturas, ao invs da palha, o ferro e a gusa para cercas,

    balaustradas e utenslios de fechar e clarabias em ferro e vidro.

    Na geometria, os progressos permitiam que se representassem por desenhos, de modo

    rigoroso, todos os aspectos da construo. As duas principais invenes tiveram origem na

    Frana: a inveno da geometria descritiva e a introduo do sistema mtrico decimal.

    Assim, na medida que evoluam as tcnicas e materiais na construo civil, bem

    como as representaes projetuais em funo dos progressos na geometria, surgiam propostas de

    ordenamento urbano, imagens da cidade futura ideal e crticas s cidades industriais. Iniciava-se

    assim uma conscientizao de parte da sociedade que se preocupava e estudava formas de

    melhorar a cidade e suas edificaes.

    O estudo da cidade no sculo XIX denunciava, de forma crtica, a precria higiene

    fsica e moral das grandes cidades industriais, tais como os ambientes insalubres do trabalhador,

    as enormes distncias entre a habitao e o trabalho, os lixes deplorveis e amontoados, a falta

    de jardins pblicos nos bairros populares, o grande contraste entre os bairros habitados pelas

    diferentes classes sociais, entre outros.

    Choay (1979) classificou os modelos ideais urbansticos como progressista,

    culturalista e naturalista. Os urbanistas progressistas, tais como Le Corbusier e seus discpulos,

    defendiam a geometria, a simetria e a ortogonalidade, sendo representantes do estilo

    internacional, onde as formas puras, retas e simples poderiam ser locadas em qualquer local.

    Para Le Corbusier2 (citado por CHOAY, 1979, p. 184, 188, 194) A grande cidade hoje uma catstrofe ameaadora, por no ter sido mais animada por um esprito de geometria.[...] A cidade atual morre por no ser geomtrica.[...] Ora, uma cidade moderna vive praticamente de linhas retas. [...] A circulao exige a linha reta. A reta sadia tambm para a alma das cidades. A curva prejudicial, difcil e perigosa; ela paralisa. [...] A rua curva o caminho dos asnos; a rua reta, o caminho dos homens.

    O modelo progressista e o modelo culturalista eram praticamente um a anttese do

    outro. Do lado oposto, o culturalista, Camillo Sitte3 (citado por CHOAY, 1979, p. 207),

    defendia: Por que suprimir a qualquer preo as desigualdades do terreno, destruir os caminhos existentes e at desviar cursos dgua para obter uma banal simetria? Melhor seria, pelo contrrio, conserva-los com alegria, para motivar quebras nas artrias e outras regularidades. [...] alm disso, essas irregularidades permitem que nos orientemos facilmente atravs do labirinto das ruas e, at certo ponto de vista da higiene, no deixam de ter suas vantagens. graas s curvas e aos cortes de suas artrias que a violncia do vento menos sensvel nas cidades antigas. Ele somente sopra com fora sobre os tetos, ao passo que, nos bairros modernos, ele se engolfa pelas ruas retas de modo bem desagradvel, at mesmo prejudicial sade.

    2 LE CORBUSIER [Charles Edouard Jeanneret-Gris]. Urbanisme. Paris: Crs, 1923. 3 SITTE, Camillo. L`art de btir ds villes. Genebra: Atar; Paris: H. Laurens, 1918.

  • 20

    O modelo naturalista, liderado pelo arquiteto Frank Lloyd Wright, teve seu

    correspondente no pr-urbanismo chamado de antiurbanismo americano, que ainda no

    apresentava qualquer modelo. A tradio antiurbana comeou com Thomas Jefferson, e depois

    com Emerson, Thoreau, Henry Adams, Henry James e Louis Sullivan, e no obteve o alcance

    das correntes progressistas e culturalistas, mas teve grande influncia sobre o urbanismo

    americano do sculo XX. O modelo naturalista apresentou algumas caractersticas progressistas

    e outras culturalistas, e foi elaborado com o nome de Broadacre-City. O progresso tcnico teve

    grande importncia em seu modelo, mas o ponto focal a natureza. Frank Lloyd Wright4 (citado

    por CHOAY, 1979, p. 237) dizia que: Se a livre disposio do solo se baseasse em condies realmente democrticas, a arquitetura resultaria autenticamente da topografia; dito de outra forma, os edifcios assemelhar-se-iam, em uma infinita variedade de formas, natureza e ao carter do solo sobre o qual estivessem construdos; seriam parte integrante dele. [...] Broadacre seria edificada em tal clima de simpatia para com a natureza que a sensibilidade peculiar ao lugar e a sua prpria beleza constituiriam um requisito fundamental exigido pelos novos construtores de cidades. A beleza da paisagem seria procurada no como um suporte, mas como um elemento da arquitetura.

    Alm dos modelos urbansticos e pr-urbansticos, algumas crticas sem modelo

    como as de Engels e Marx tiveram grande importncia. Eles criticaram as grandes cidades

    industriais contemporneas sem propor algum modelo de cidade ideal, pois achavam impossvel

    prever um futuro planejamento. Para eles a perspectiva de uma ao transformadora substitua os

    irreais modelos.

    No sculo seguinte surge, em funo dos modelos e de algumas realizaes, uma

    nova crtica, uma crtica de segundo grau. A primeira crtica foi classificada por Choay (1979)

    como Tecnotopia, tendo como alguns de seus representantes Henard, Xenakis, P. Maymont,

    Fitzgibbon, Friedman, Kikutake, Schultze-Fielitz, e O. Hansen. Baseava-se principalmente nas

    novas possibilidades tecnolgicas, tornando as cidades futuristas, como por exemplo, a cidade

    sobre estacas, a cidade csmica vertical, o urbanismo subterrneo. Uma caracterstica de bastante

    destaque era a preocupao com o aumento da populao mundial, assim todas propem

    concentraes humanas, liberando a superfcie terrestre pelo avano no subsolo, no mar, na

    atmosfera.

    Outra crtica de segundo grau foi classificada por Choay (1979) como Antrpolis. Ela

    pode ser qualificada de humanista, e foi desenvolvida por socilogos, psiclogos, historiadores e

    economistas. Dividiu-se em trs tendncias: a primeira relaciona-se com o contexto espao-

    temporal da localizao humana e se destaca Patrick Geddes, seu discpulo Lewis Munford, e

    4 WRIGHT, Frank Lloyd. The living city. New York: Horizon Press, 1958.

  • 21

    Marcel Poete; a segunda aborda a higiene mental com Jane Jacobs e Leonard Duhl entre seus

    representantes; e a terceira sobre a percepo urbana com grande destaque a Kevin Lynch.

    Os modelos urbansticos e as crticas, apesar de no terem adotado o discurso da

    sustentabilidade, traziam consigo preocupaes com as questes ambientais, culturais,

    econmicas e sociais, referentes poca em questo, porm pertinentes e atuais. Como exemplo,

    pode-se citar a participao popular no processo decisrio, que perseguida atualmente por ns,

    foi representada em cara, modelo de cidade ideal de Etienne Cabet. Cabet defendia a

    representao popular em cada discusso para descobrir e aplicar melhoramentos e

    aperfeioamentos. Leonard Duhl5 (citado por CHOAY, 1979, p.46) tambm afirmava que

    preciso encontrar meios que permitam a todos participar mais plenamente de decises que lhes

    digam respeito assim to vitalmente. Assim, quem melhor que os prprios usurios para

    analisarem e discutirem o melhor para cada regio, visto que para situar corretamente o meio

    ambiente, no devemos considerar a cidade simplesmente como uma coisa em si, mas tal como

    seus cidados a percebem (LYNCH 6, citado por CHOAY, 1979, p.309).

    Uma das caractersticas dos modelos urbansticos dos sculos XIX e XX que faz parte

    atualmente do cotidiano de todas as cidades diz respeito normalizao e legislao. Cada

    modelo definia vrias leis de planejamento e tambm da construo, tais como altura dos

    prdios, afastamentos das casas e edifcios, largura das ruas, obrigatoriedade de ventilao e

    iluminao natural em todos os cmodos, ngulos arredondados nas paredes, teto e piso, entre

    outros. Muitas das limitaes no correspondiam e nem correspondem realidade, mas vrias

    outras ainda so aplicadas nas legislaes das cidades, at porque, limitaes de gabarito,

    densidade, superfcie, so absolutamente necessrias para as relaes sociais reais (GEDDES7,

    citado por CHOAY, 1979, p. 43). Outra normalizao da poca se referia formao das

    primeiras leis sanitrias, como a lei de 1834, que foi formulada por Edwin Chadwick logo depois

    que a clera se propaga da Frana para a Inglaterra (BENEVOLO, 1976).

    Outro importante exemplo refere-se habitao. Era enorme a importncia dada a

    esse setor pelos progressistas. A soluo progressista para o problema da habitao era o

    alojamento-padro e os edifcios altos, que, conforme Gropius, diminuiriam custos e

    aumentariam qualidade, alm de diminuir deslocamentos. No modelo naturalista preconizava-se

    o alojamento individual, e ento, as residncias unifamiliares teriam uma rea mnima de terreno

    onde os ocupantes destinariam s hortas e aos lazeres diversos (CHOAY, 1979).

    5 DUHL, Leonard. The urban condition. New York; London: Basic Books, 1963. 6 LYNCH, Kevin. The image of the city. Cambridge; Massachucetts: The Technology Press & Harvard University Press, 1960. 7 GEDDES, Patrick. Cities in evolution. London: Williams and Norgate Press, 1915.

  • 22

    Em relao aos espaos verdes livres e os urbanizados, uma das idias de Mumford,

    com inspirao nas cidades medievais, era a concepo de integrar a natureza ao meio urbano,

    ligando s construes e ao habitat. Os espaos livres deveriam ter papel social e no s

    higinico, ser ativos e no mortos. Dessa forma ele conclua que a cidade deveria ser, ao mesmo

    tempo, mais urbana e mais rural que os modelos progressistas. Leonard Duhl defendia que o

    vazio gratuito era angustiante, e que o verde precisava tomar forma e se localizar em pontos

    estratgicos (CHOAY, 1979).

    As preocupaes urbansticas no sculo XIX e incio do XX eram, principalmente,

    com a melhoria da qualidade de vida do homem no meio ambiente construdo, atravs de

    propostas referentes a espaos urbanos e ambientes bem arejados e com luz natural; preocupao

    com o lixo, com a limpeza dos espaos, e assim com a higiene e saneamento; com espaos

    verdes livres; com a sociabilidade do homem no espao urbano; com o patrimnio cultural

    histrico; com a circulao (transporte e trnsito); com a habitao, etc.

    No que se trata do incentivo conservao, reutilizao e reciclagem de recursos,

    especialmente energia e gua, e matrias primas, poluio do ar e sonora, e demais preocupaes

    com o meio ambiente, so poucos os registros nessa poca. Alguns, como Considerant, pensaram

    em aproveitar o calor perdido das cozinhas para aquecer estufas e banhos, assim como o

    aproveitamento das guas das chuvas para regar jardins, lavar fachadas ou ser utilizada em

    chafarizes e fontes. Tambm ocorreram tentativas ingnuas de filtros para purificao da

    fumaa, onde ela desprovida das partculas de carbono e torna-se incolor, proveniente de

    lareiras residenciais como na cidade de Richardson, a Hygeia, e na Franceville de Julio Verne

    (CHOAY, 1979).

    Essa situao pode ser explicada devido , at ento no to conhecida e difundida

    situao ambiental e energtica nas grandes cidades. A preocupao com os problemas de

    deteriorao ambiental comeou a partir de meados da dcada de 1950, quando surgia o

    chamado ambientalismo dos cientistas. Na dcada de 60 proliferam vrios processos que vo

    constituir o movimento ambientalista global, como organizaes e grupos que lutam pela

    proteo ambiental e agncias governamentais encarregadas desta proteo.

    Nesta poca, as transformaes progressivas no meio ambiente comeam a ser mais

    percebidas, pois at ento a natureza era entendida como infinita, e simplesmente matria-prima

    do homem. Os recursos naturais que parecem esgotar-se no so apenas os mesmos do passado recente. Se antes eram os minrios, carvo, o petrleo, hoje se trata, tambm, da gua, da atmosfera, que considerados recursos renovveis, parecem atingir um limite para sua recomposio, pois o tempo geolgico contrasta cada vez mais com a velocidade de utilizao. Velocidade intensificada no sculo XX. O buraco na camada de oznio um exemplo, a poluio das guas outro. [...] os imensos depsitos de resduos txicos,

  • 23

    demonstram a incapacidade, pelo menos atual, de destruir os produtos/ resduos desta populao (RODRIGUES8, citado por MARTINS, 2001, p. 104.).

    1.1 Contextualizao

    Pela primeira vez na histria metade da populao mundial vive em um ambiente

    urbano. Aproximadamente 70% da populao urbana do mundo vive na frica, na sia ou na

    Amrica Latina. Estima-se que a populao urbana cresa 2% ao ano, entre 2000 e 2015, e que

    chegue a um total de 65% em 2050. Atualmente com mais de seis bilhes de habitantes, a

    populao do mundo duplicou nos ltimos sessenta anos, a do Brasil quadruplicou, e nas reas

    urbanas brasileiras foi multiplicada por onze (PNUMA, 2004). As cidades brasileiras abrigavam, h menos de um sculo, 10% da populao nacional. Atualmente so 82%. Incharam, num processo perverso de excluso e de desigualdade. Como resultado, 6,6 milhes de famlias no possuem moradia, 11% dos domiclios urbanos no tm acesso ao sistema de abastecimento de gua potvel e quase 50% no esto ligados s redes coletoras de esgotamento sanitrio. Em municpios de todos os portes, multiplicam-se favelas. A evidente prioridade conferida ao transporte individual em detrimento do coletivo tem resultado em cidades congestionadas de trfego e em prejuzos estimados em centenas de milhes de reais (MINISTRIO DAS CIDADES, [200-]).

    Esse acentuado e desordenado crescimento urbano gera maior quantidade de

    consumo, com a conseqente necessidade de aumento da infra-estrutura, da produo e dos

    deslocamentos, reduzindo recursos, energia, e aumentando resduos. Esse quadro se complica

    ainda mais com o capitalismo, cujo maior interesse na produo a valorizao do capital,

    objetivando maiores lucros. Do ponto de vista ambiental, a natureza est vinculada a esses

    interesses econmicos, pois utilizada simplesmente como recurso para produo de bens e

    eliminao de resduos. Assim, a produo desenfreada aumenta a poluio do ar, das guas, o

    desmatamento das florestas e vegetaes nativas, a extino de animais e esgota as matrias

    primas e recursos finitos. So intensos os impactos sobre o meio ambiente.

    As implicaes de um crescimento urbano acelerado incluem, alm de degradao

    ambiental, desemprego crescente, servios urbanos inadequados, sobrecarga da infra-estrutura

    existente, falta de acesso terra, a financiamentos e moradia adequada. Nas cidades dos pases

    em desenvolvimento, uma em cada quatro famlias vive em estado de pobreza, sendo que 40%

    das famlias urbanas da frica e 25% das famlias urbanas da Amrica Latina vivem abaixo da

    linha de pobreza definida em cada pas. Nas grandes cidades a situao piora, 40% da populao

    da Cidade do Mxico, e um tero da populao de So Paulo vivem na linha da pobreza ou

    abaixo desta. No Brasil, em 100% dos municpios com mais de 500 mil habitantes existem

    grandes contingentes de moradias irregulares e grande concentrao de favelas. Estas

    8 RODRIGUES, Arlete M. (Org.). Meio ambiente: ecos da Eco. Campinas: Unicamp/IFCH, 1993.

  • 24

    irregularidades ocorrem tambm em quase 90% dos municpios com populao entre 100 e 500

    mil habitantes e em cerca de 60% dos que possuem de 20 a 100 mil habitantes. Este fenmeno

    acontece mesmo nas cidades pequenas, com at 20 mil habitantes, onde 36% possuem moradias

    irregulares (PNUMA, 2004; ROSETTO, 2003).

    Os problemas urbanos vo alm das irregularidades, como colocado pela Secretaria

    Nacional de Saneamento Ambiental, cerca de 60 milhes de brasileiros, moradores em 9,6

    milhes de domiclios urbanos, no dispem de coleta de esgoto. Destes, aproximadamente 15

    milhes (3,4 milhes de domiclios) no tm acesso gua encanada, e parte dos que a possuem

    no tem gua potvel diariamente e nem de qualidade. Tambm grande a deficincia de

    tratamento de esgoto coletado. Quase 75% de todo o esgoto sanitrio coletado nas cidades

    despejado in natura, o que contribui decisivamente para a poluio dos cursos d'gua urbanos e

    das praias (ROSETTO, 2003).

    Dessa forma, a gua doce, que j foi considerada infinita, passou a despertar

    discusses quanto ao seu uso e destinao. Ela representa de 2,5% a 3% do total da gua

    existente no mundo, sendo que 99,7% dela encontram-se nas geleiras e sob o solo, nos lenis

    freticos profundos. Grande parte contaminada por esgotos industriais e urbanos, tambm so

    freqentes as contaminaes nos lenis freticos e crregos devido aos depsitos de lixo e

    produtos qumicos. Aproximadamente um tero da populao mundial vive em pases que

    sofrem de estresse hdrico entre moderado e alto, onde o consumo de gua superior a 10% dos

    recursos renovveis de gua doce. Falta gua para cerca de 1,1 bilho de pessoas em todo o

    mundo, e 2,4 bilhes carecem de saneamento adequado. A maior parte dessas pessoas vive na

    frica e na sia. A falta de acesso gua potvel e a servios de saneamento causa centenas de

    milhes de casos de doenas associadas gua e mais de cinco milhes de mortes a cada ano. O

    Brasil, com uma das maiores reservas do planeta um dos pases que mais desperdia esse

    recurso. O uso domstico consome cerca de 10% do total, e economizar gua faz muita diferena

    j que uma pessoa chega a consumir mais de 300 litros por dia na realizao das suas atividades

    cotidianas (GREENPEACE, [200-]; PNUMA, 2004).

    Alm da questo da gua e do esgoto, 16 milhes de brasileiros no so atendidos

    pelo servio de coleta de lixo. Nos municpios de grande e mdio porte, onde o sistema

    convencional de coleta poderia atingir toda a produo diria de resduos slidos, esse servio

    no atende adequadamente s moradias irregulares, favelas, e bairros populares, devido

    precariedade da infra-estrutura viria naquelas localidades. Em 64% dos municpios o lixo

    coletado depositado em lixes ao ar livre, e em muitos municpios pequenos sequer h servio

    de limpeza pblica minimamente organizado. A isso se soma a falta de drenagem, percebida

  • 25

    especialmente a cada chuva mais intensa, quando provoca alagamentos e enchentes nas reas de

    estrangulamento dos cursos d'gua (ROSETTO, 2003).

    A poluio do ar uma das principais causas de doenas e da queda da qualidade de

    vida em geral. um problema comum, principalmente nas reas urbanas, devido ao crescente

    nmero de veculos automotivos e o tempo de percurso, em virtude do congestionamento virio.

    Os veculos produzem entre 80% e 90% do chumbo existente no meio ambiente, embora a

    gasolina sem chumbo j esteja disponvel em muitos pases h algum tempo (PNUMA, 2004).

    Desde a revoluo industrial, a concentrao de CO2, um dos principais gases de

    efeito estufa, na atmosfera aumentou de forma significativa, contribuindo para o efeito estufa,

    conhecido como aquecimento global. Esse aumento deve-se principalmente s emisses de CO2

    pelo homem, provenientes da queima de combustveis fsseis e, em um grau menor, a mudanas

    no uso da terra, produo de cimento e combusto de biomassa. As emisses desses gases

    destroem a camada de oznio da Terra, que chegou a nveis recorde atualmente, principalmente

    na Antrtida e, mais recentemente, tambm no rtico. A proteo da camada de oznio da Terra

    tem sido um dos maiores desafios nos ltimos trinta anos, abrangendo as reas de meio

    ambiente, comrcio, cooperao internacional e desenvolvimento sustentvel. Em setembro de

    2000, o buraco da camada de oznio sobre a Antrtida cobria mais de 28 milhes de quilmetros

    quadrados. Os esforos contnuos da comunidade internacional resultaram em uma diminuio

    notvel do consumo de substncias que destroem a camada de oznio. Prev-se que a camada de

    oznio comear a se recuperar em algumas dcadas, mas somente se todos os pases aderirem

    s medidas de controle dos protocolos Conveno de Viena (PNUMA, 2004).

    Diversas regies do planeta sofreram e sofrem enormes ondas de calor, inundaes,

    secas e outros eventos climticos extremos. Muitos especialistas associam essas tendncias

    atuais com um aumento da temperatura mdia global. As temperaturas mundiais tm aumentado

    em quase 0,75C desde a virada do sculo e continuam aumentando. Os eventos climticos

    extremos geram cada vez mais desastres. O nmero de pessoas afetadas por desastres aumentou

    de uma mdia de 147 milhes ao ano na dcada de 1980 para 211 milhes de pessoas ao ano na

    dcada de 1990. Embora o nmero de desastres geofsicos tenha permanecido bem constante, o

    nmero de desastres hidrometeorolgicos, como secas, tempestades de vento e inundaes,

    aumentou. Na dcada de 1990, mais de 90% das vtimas de desastres naturais morreram em

    eventos hidrometeorolgicos (PNUMA, 2004).

    Em termos globais, cerca de 7% de todas as mortes e doenas se devem gua, ao

    saneamento e higiene inadequados, e aproximadamente 5% so atribudas poluio do ar. A

    cada ano, os acidentes ambientais matam trs milhes de crianas com at cinco anos de idade.

  • 26

    Estimativas sugerem que entre 40% e 60% dessas mortes se devem s infeces respiratrias

    agudas resultantes de fatores ambientais, particularmente emisses de partculas de combustvel

    slido (PNUMA, 2004).

    As diferentes concepes urbansticas da atualidade tambm influenciam o meio

    ambiente, como por exemplo, a temperatura e o manejo da gua. Ao passo que o subrbio

    tradicional norte-americano alcana altos graus de permeabilidade devido aos seus gramados e

    jardins, mas sendo invivel do ponto de vista do transporte pblico e muito prejudicial ao

    ambiente natural por ocupar vastas reas com densidades muito baixas, na maioria das cidades

    brasileiras acontece o oposto. Altas densidades so necessrias para cobrir o custo da infra-

    estrutura e viabilizam a concentrao de servios, tornando possvel melhores solues de

    transporte pblico e conseqentemente menor consumo de energia em geral. Porm, a taxa de

    ocupao to alta que so muito poucas as reas permeveis, para infiltrao de gua no solo.

    Isso causa sobre-aquecimento, devido falta de evaporao, alm de enchentes e inundaes nas

    pocas de chuvas fortes. Na maior parte do sudeste do Brasil as chuvas giram em torno de

    1500mm e esto concentradas nos meses de vero, dessa forma o excesso de chuva nessa poca

    causa srios problemas, alm da falta de chuvas no inverno (informao verbal)9.

    Para exemplificar, um lote de 12 x 30m em uma regio onde chove 1600mm recebe

    aproximadamente 500.000 litros de guas pluviais por ano. Dado o consumo mdio brasileiro de

    150 litros por pessoa por dia, a quantidade de gua pluvial em um nico lote o dobro do

    consumo mdio de uma famlia de quatro pessoas. Essa gua poderia ser usada pelo menos para

    usos no-potveis, como descarga de sanitrios, irrigao de jardins, lavagem de automveis ou

    de pavimentos. Nesta mesma casa mdia de 100m2, a gua coletada apenas pelo telhado

    (160.000 litros) seria bastante para o consumo de um ano inteiro em usos no-potveis. Solues

    de tratamento simples das guas pluviais, para evitar bactrias e fungos, custam bem menos que

    o valor da gua tratada. A fim de reduzir ainda mais o volume das guas de chuva descarregado

    na rede pluvial, e aumentar a infiltrao no solo, um nico jardim, de 36m2 rebaixado 10cm do

    solo, pode coletar o volume inteiro de 10mm de chuva em poucas horas (80% dos dias de chuva

    anuais). Dado que a maioria dos solos no Brasil tem uma taxa de infiltrao varivel entre 10 a

    25 mm por hora, um sistema simples de jardins ligeiramente rebaixados para receber as guas

    9 Palestra ministrada pelo arquiteto e professor Fernando Lara no auditrio da UNA, Campus Aimors, dia 20 de agosto de 2007 sobre Diversidade e sustentabilidade: dois desafios para a arquitetura do sculo XXI. Fernando Lara PhD e professor de Teoria e Prtica de Projetos Arquitetnicos na graduao, mestrado e doutorado do Taubman College of Architecture, Universidade de Michigan, EUA. Dentre suas pesquisas recentes esto a anlise da disseminao do movimento moderno e da homogeneidade das solues habitacionais a nvel global.

  • 27

    pluviais pode reduzir violentamente o volume de gua que percorre as ruas e a rede publica,

    causando destruio e prejuzos nas reas mais baixas (informao verbal)10.

    No setor da construo civil os exemplos tambm so muitos, cerca de 80% da

    madeira amaznica extrada ilegalmente, e a maior parte consumida no Brasil na forma de

    mveis, forros, esquadrias, casas pr-fabricadas, entre outros. A construo civil no Brasil

    descarta 80% da madeira que usa, alm de contribuir para emisso de substncias altamente

    txicas vida na Terra. A fabricao de PVC e materiais resistentes ao fogo, emite poluentes

    orgnicos persistentes (POPs) que contaminam o meio ambiente a longas distncias. J os

    materiais isolantes como, uria-formaldedo, poliuretano, amianto, celulose, vermiculita e fibra

    de vidro sobre papel craft com adesivo asfltico, emitem gases txicos que prejudicam o meio

    ambiente e seus habitantes, podendo inclusive causar cncer (GREENPEACE, [200-]).

    Muitos desses problemas, degradaes e desastres continuaro ocorrendo por um bom

    tempo. Alguns tendem a aumentar, outros podem diminuir, porm grande parte do que

    acontecer num futuro breve, j foi desencadeado por decises e aes de polticas j adotadas.

    Foras descontroladas, tanto humanas como naturais, influiro no rumo dos acontecimentos, mas

    a tomada de decises informada tambm tem um papel fundamental a ser desempenhado no

    processo de moldar o futuro (PNUMA, 2004). As opinies diferem quanto ao rumo que o mundo est tomando. Dependendo de em quais indicadores o observador escolhe se basear, pode-se argumentar a favor de qualquer lado. Muitos argumentam que os casos de degradao j vistos em alguns sistemas sociais, ambientais e ecolgicos anunciam colapsos futuros ainda mais fundamentais e generalizados. Esses mesmos grupos expressam uma preocupao particular com o fato de que no houve esforos para a criao de instituies que sero necessrias para lidar com essas situaes desagradveis. Outros enfatizam que pudemos lidar com a maior parte das crises que enfrentamos e que no h motivo para supor que no faremos o mesmo no futuro. A maior parte das pessoas permanece em suas rotinas dirias, deixando as questes de grande importncia para os outros. Plus a change, plus cest la mme chose; quanto mais as coisas mudam, mais continuam as mesmas (PNUMA, 2004, p. 357-358).

    1.2 Justificativa

    [...] o meio ambiente ainda se encontra na periferia do desenvolvimento socioeconmico. A pobreza e o consumo excessivo, os dois males da humanidade que foram destacados nos dois relatrios anteriores do GEO, continuam a exercer uma presso enorme sobre o meio ambiente. O resultado desastroso que o desenvolvimento sustentvel continua a se colocar como uma questo em grande parte terica para a maioria da populao mundial de mais de seis bilhes de pessoas. O nvel de conscientizao e ao no foi proporcional ao estado do meio ambiente global de hoje; ele continua a se deteriorar (PNUMA, 2004, p. XX).

    Nos ltimos cem anos, o meio ambiente natural tem sofrido as presses impostas pela

    quadruplicao da populao humana, e por uma produo econmica mundial dezoito vezes 10 Para mais informaes, ver site do arquiteto disponvel em: .

  • 28

    maior (PNUMA, 2004). A humanidade, mesmo com a enorme variedade de tecnologias,

    recursos humanos, opes de polticas e informaes tcnicas e cientficas disposio, ainda

    no conseguiu romper de forma definitiva polticas e prticas insustentveis e ambientalmente

    prejudiciais.

    A mobilizao de diversos organismos, atores e instituies pela busca da

    conscientizao da humanidade sobre as aes que os homens e seus padres de produo e

    consumo causam no meio ambiente em que vivem, vem aumentando. As discusses, nas esferas

    polticas, sociais e econmicas, relativas problemtica do meio ambiente, vm ganhando mais

    fora. Porm, apesar de atualmente j existir um consenso sobre a necessidade da insero, em

    todos os processos e reas, do conceito de sustentabilidade, so poucas as atitudes e aes que

    correspondem ao discurso.

    As mudanas efetivas se desenrolam gradualmente, e na maioria das vezes de forma

    mais discreta. Muitas pessoas de vrios lugares comeam a abraar a idia de um novo

    paradigma de sustentabilidade. A informao essencial, pessoas mal ou no informadas no se

    conscientizam e assim no agem, por isso fundamental garantir o acesso adequado e eficiente

    s informaes. Algumas iniciativas so altamente coordenadas e envolvem grande nmero de

    pessoas, outras esto em mos de pequenos grupos, e podem ser formais ou no, e muitas

    iniciativas possuem abordagem voluntria. O importante que quanto mais pessoas e grupos se

    dedicam a iniciativas prticas, mais cresce a esperana de que possvel fazer mudanas

    significativas (PNUMA, 2004, p. 12).

    Entende-se que, para alcanar as diversas metas que esto sendo estabelecidas, sero

    necessrias mudanas significativas nos sistemas social e econmico e que tais mudanas

    levaro muito tempo. Alm disso, so necessrias aes em muitos mbitos diferentes. Ficou

    claro que um nmero cada vez maior de atores teria de lidar com as dimenses ambientais de

    atividades que anteriormente no eram vistas como tendo implicaes ambientais [...]

    (PNUMA, 2004, p. 12).

    O campo de arquitetura e urbanismo so dois desses mbitos, envolvendo vises e

    abordagens, que acabam tambm interferindo em outras esferas, como por exemplo, a construo

    civil. Essas reas sempre tiveram um papel importante nas questes fsico-ambientais,

    econmicas, sociais e culturais do pas e do mundo, porm nos ltimos anos essas preocupaes

    tm sido muito mais cobradas.

    O arquiteto no , e nunca ser, o nico responsvel pela sustentabilidade de uma

    edificao e seu entorno, mas possui papel fundamental na concepo dos princpios de

    sustentabilidade dos mesmos. Ele deve pensar, planejar, projetar, e influenciar sustentavelmente.

  • 29

    Deve ser educado desde o incio a esse objetivo, ajudando a modificar toda a cadeia produtiva do

    ambiente construdo, desde o projeto de arquitetura e a construo civil at o planejamento

    urbano.

    A formao do arquiteto-urbanista precisa ser sempre atual e eficaz, em todos os

    sentidos. Todas as questes referentes melhoria e qualidade de vida do homem em integrao

    com a natureza devem ser prioridade. No campo especfico da arquitetura imprescindvel a discusso sobre a qualidade de vida das nossas cidades e sobre quais os paradigmas para o desenvolvimento de uma arquitetura adequada ao nosso clima, nossos recursos e tradies culturais. (BENETTI, 2003, p. 193)

    1.3 Objetivos

    1.3.1 Objetivo geral

    Verificar a atual situao e aplicao da sustentabilidade na formao do arquiteto e

    urbanista brasileiro.

    1.3.2 Objetivos especficos

    Identificar origem e significados para aplicao na arquitetura dos conceitos

    relacionados a sustentabilidade, alm de verificar o interesse e o grau de conhecimento dos

    estudantes de arquitetura e arquitetos da temtica. Pretende-se, assim, identificar se e como este

    tema vem sendo abordado na formao do arquiteto-urbanista e avaliar o grau deste aprendizado,

    para discutir se seria necessrio um maior embasamento terico e tcnico desse assunto.

    1.4 Delimitaes do trabalho

    Devido abrangncia e complexidade do tema em questo, foi necessrio delimitar

    os aspectos a serem tratados e as variveis trabalhadas. Assim, embora o conceito de

    sustentabilidade permeie questes ambientais, sociais, econmicas, culturais, fsicas, polticas,

    religiosas, espirituais, entre outras, sua abrangncia foi reduzida s cinco dimenses da

    sustentabilidade propostas por Sachs (1993): ecolgica, social, econmica, cultural e espacial. A

    partir da, pode-se dizer que foram focadas as questes ambientais, econmicas, sociais e

    culturais, alm dos aspectos espaciais referenciados principalmente ao ambiente construdo e

    arquitetura. Alm disso, o significado do conceito continua em desenvolvimento, portanto

    alguns autores sero citados para exemplificar a sustentabilidade no campo da arquitetura e

    urbanismo. Apesar da difcil conceituao e definio do termo, o interessante da amplitude do

    assunto tambm sua discusso.

  • 30

    1.5 Procedimentos metodolgicos

    Inicialmente, a metodologia adotada neste trabalho contou com uma reviso

    bibliogrfica sobre o tema - a sustentabilidade - para se construir um referencial terico. Em

    seguida, foi feito um levantamento de dados primrios e secundrios para uma posterior

    avaliao com base nos dados colhidos.

    1.5.1 Etapas da pesquisa Parte I: Fundamentao terica

    - Reviso bibliogrfica e construo da base terica sobre os conceitos de desenvolvimento

    sustentvel e sustentabilidade; sua problemtica e sua aplicao na arquitetura;

    - Construo de referencial terico sobre tipos de educao, com um vis ambiental, e sobre a

    conscincia ambiental;

    - Breve histrico sobre o ensino de arquitetura e urbanismo, para posterior anlise das

    Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduao em arquitetura e urbanismo.

    Parte II: Coleta de dados

    - Levantamento de dados de alguns cursos de arquitetura e urbanismo, tanto na graduao,

    quanto na ps-graduao, extenso e pesquisa;

    - Pesquisa exploratria de opinio, qualitativa e quantitativa, constando de aplicao de

    questionrio a 115 entrevistados, incluindo tanto estudantes de arquitetura quanto arquitetos, que

    serviu de base para a pesquisa especfica posterior;

    - Pesquisa especfica de opinio, qualitativa, com aplicao daquele questionrio, agora

    revisado, a 50 jovens arquitetos, ganhadores do Opera Prima de 2001 a 2006.

    Parte III: Anlise dos dados

    - Interpretao dos dados colhidos de alguns cursos de arquitetura e urbanismo;

    - Anlise dos questionrios das duas pesquisas separadamente;

    - Reunio das duas pesquisas totalizando 165 entrevistados.

    Parte IV: Apresentao dos resultados e concluso da pesquisa

  • 31

    1.6 Organizao do trabalho

    Esta dissertao de mestrado est organizada em cinco captulos nos quais o

    desenvolvimento dos contedos objetivou possibilitar uma compreenso abrangente do tema e

    do trabalho desenvolvido.

    Aps este captulo introdutrio, o segundo captulo apresenta uma fundamentao

    terica do conceito de sustentabilidade, com a reviso de literatura, como forma de dar

    sustentao ao que se pretende propor no trabalho. Os aspectos abordados no captulo

    compreendem: a origem dos termos sustentabilidade, desenvolvimento sustentvel e

    ecodesenvolvimento; os eventos internacionais do ambientalismo e sua importncia na

    consolidao dos conceitos e aes ambientalistas; o ambientalismo no Brasil; as organizaes

    no-governamentais; as normas e selos de qualidade; as reas do pensamento ecolgico; alm da

    discusso sobre a problemtica da sustentabilidade e o uso do conceito na arquitetura e

    urbanismo. Tambm sero mencionados alguns termos usados no mbito da arquitetura e do

    urbanismo anteriormente existncia do conceito de sustentabilidade, tais como: organicismo,

    arquitetura orgnica, arquitetura bioclimtica, arquitetura ecolgica, entre outros.

    O terceiro captulo intitulado Educao Ambiental e Sustentabilidade no Ensino de

    Arquitetura e Urbanismo analisa formas de educao com um vis ambiental, como a Educao

    Ambiental, e a Educao para a Sustentabilidade ou para o Desenvolvimento Sustentvel (EDS),

    alm de abordar a Alfabetizao Ecolgica e, por fim, a Conscincia Ambiental, ingrediente

    essencial para o aprendizado nessa rea. Em seguida, descrito um breve histrico sobre o

    ensino de arquitetura, para que ento sejam explicadas as Diretrizes Curriculares Nacionais do

    Curso de graduao em Arquitetura e Urbanismo. Logo depois, exposta uma breve pesquisa

    em algumas universidades dentro dos cursos de arquitetura e urbanismo, tanto na graduao,

    quanto na ps-graduao, extenso e pesquisa, para que seja possvel ilustrar como anda a

    contribuio para um desempenho mais sustentvel da arquitetura na formao dos estudantes

    brasileiros, buscando identificar se as exigncias das novas Diretrizes Curriculares tm sido

    colocadas em prtica.

    No captulo quatro so analisados os questionrios que foram primeiramente

    aplicados a 115 estudantes de arquitetura e arquitetos e, aps sua reviso e adaptao, aplicados a

    50 jovens arquitetos premiados pelo Concurso Opera Prima, no perodo de 2001 a 2006.

    Posteriormente, as duas pesquisas foram reunidas em uma terceira abordagem analtica. Buscou-

    se, assim, verificar se os cursos de arquitetura vm incorporando os novos contedos, prticas e

    tcnicas identificadas nos captulos 2 e 3, para finalmente concluir a anlise crtica sobre a

    questo da sustentabilidade na formao atual do arquiteto e urbanista.

  • 32

    O captulo cinco finaliza o trabalho apresentando as concluses e recomendaes

    finais. Referncias e anexos so apresentados na seqncia.

  • 33

    O nosso maior desafio neste novo sculo tornar uma idia que parece abstrata

    o Desenvolvimento Sustentvel numa realidade para todas as pessoas do mundo.

    Kofi Annan, Secretrio Geral das Naes Unidas

    2 FUNDAMENTAO TERICA 2.1 A origem do termo de fundamental importncia discutir-se aqui o conceito de sustentabilidade, antes

    de qualquer proposta de mtodo ou anlise do seu desenvolvimento na arquitetura e urbanismo.

    Embora os germes do discurso da sustentabilidade possam ser identificados em diversas falas e

    contextos histricos remotos, suas expresses mais recentes talvez possam ser observadas nos

    princpios da dcada de 70 do sculo passado(LIMA, 2002, p. 2). Assim, partirmos da origem e

    evoluo do termo nos eventos internacionais, onde os conceitos de ecodesenvolvimento,

    desenvolvimento sustentvel e sustentabilidade nasceram. Como Sustentvel um adjetivo que qualifica o substantivo Desenvolvimento, segundo Bellia11 (1996), no quantificvel, pode-se admitir que cada um tem direito de emitir seu conceito prprio ou adapt-lo conforme suas necessidades ou interesses. O conceito proposto pela ONU, pelos seus fruns especficos, e mais tarde pela Conferncia do Rio de Janeiro (Rio-92), considerado um dos conceitos, mas no o nico (SANTOS, 2005, p. 39).

    O caminho frente no se encontra no desespero pelo fim dos tempos

    nem em um otimismo fcil resultante de sucessivas solues tecnolgicas. Ele se encontra na avaliao cuidadosa e imparcial dos limites externos,

    na busca conjunta por meios de alcanar os limites internos dos direitos humanos fundamentais,

    na construo de estruturas sociais que expressem esses direitos e no trabalho paciente de elaborar tcnicas

    e estilos de desenvolvimento que aprimorem e preservem o nosso patrimnio terrestre.

    Declarao de Cocoyok, 1974.

    2.1.1 Os eventos internacionais do ambientalismo De acordo com Paula e Monte-Mr (2000, p.75) a descoberta, ou talvez

    redescoberta, da questo ambiental na dcada de setenta acontece juntamente com o fim da longa

    expanso, que seria o perodo ps-guerra at final da dcada de sessenta e incio dos anos

    setenta, quando o capitalismo experimentou uma notria fase de crescimento, a Idade de Ouro.

    Este fim marcado por diversas crises, como a crise monetria e financeira devido

    11 BELLIA, Vitor. Introduo economia do meio ambiente. Braslia: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis, 1996.

  • 34

    desvalorizao do dlar em 1971 e a crise das matrias-primas e energia devido elevao dos

    preos do petrleo em 1973.

    Nesse nterim surge, em 1968, o Clube de Roma, por iniciativa do empresrio italiano

    Aurlio Peccei e pelo qumico ingls Alexander King. Eles reuniram cientistas de vrios pases

    para discutir a problemtica mundial, principalmente questes econmicas e ambientais

    (MOUSINHO, 2003).

    O Clube de Roma uma organizao no governamental internacional formada por

    um grupo de ilustres pessoas. Rene cientistas, economistas, chefes de estado e lderes mundiais

    dos cinco continentes, como por exemplo, o atual presidente do Clube, Prncipe Hasan da

    Jordnia; Rigoberta Mench'u Tum, Prmio Nobel da Paz; Sua Majestade Beatriz, Rainha da

    Holanda; Mikhail Gorbachov, premier sovitico; Mario Soares, presidente de Portugal; Sua

    Majestade Juan Carlos I, Rei da Espanha; Enrique Iglesias, presidente do BID; Jay W. Forrester,

    professor do MIT; alm de Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil. Alm do grupo

    de lderes mundiais, o Clube de Roma possui o Think Thank Thirty, um seleto grupo de 30

    pessoas, todos na faixa de 30 anos, que participam de reunies anuais e geram um documento

    prprio com sua anlise das questes mundiais (CLUB OF ROME, [200-]).

    A misso do Clube agir como um catalisador de mudanas globais, livre de

    quaisquer interesses polticos, econmicos, ou ideolgicos. O grupo produziu uma srie de

    relatrios de grande impacto social. Um deles, chamado Limits to growth - Limites do

    crescimento publicado por Dennis Meadows com a ajuda de um grupo de tcnicos do

    Massachussets Institute of Technology e pesquisadores do Clube de Roma, em 1972, tornou o

    Clube de Roma conhecido mundialmente. O relatrio, que analisava cinco variveis: tecnologia,

    populao, nutrio, recursos naturais e meio ambiente, mostrou que a degradao ambiental

    decorre em grande parte do crescimento populacional descontrolado12 aliado super explorao

    dos recursos naturais, e lanou subsdios para a idia do desenvolvimento aliado preservao

    ambiental. Introduziu um modelo indito para a anlise do que poderia acontecer caso a

    humanidade no mudasse seus mtodos econmicos e polticos e relatava que mantidos os nveis

    de poluio, produo de alimentos e explorao dos recursos naturais, o limite de crescimento

    do planeta seria atingido em aproximadamente cem anos, provocando uma repentina diminuio

    da populao mundial e da capacidade industrial. Este relatrio provocou grande controvrsia e

    foi muito criticado, mas foi fundamental, pois tornou pblica pela primeira vez a noo de

    12 Desde ento, o vis neo-malthusiano implcito nas concluses do Clube de Roma foram rediscutidos e revistos no sentido de questionar a relao causal e hegemnica entre crescimento populacional e degradao ambiental. Questes como padres de consumo, emisso de poluentes, formas de organizao e produo do espao e de proteo do ambiente, entre outras, ganharam proeminncia no debate.

  • 35

    limites externos ao desenvolvimento, que deveria ser limitado pelo tamanho finito dos recursos

    terrestres (LAGO; PDUA, 1984; MOUSINHO, 2003; PNUMA, 2004; ROSETTO, 2003).

    Com base nos dados do Limites do crescimento, a revista The Ecologist publicou no

    mesmo ano o Blueprint for survival, Plano para sobrevivncia, outro documento de grande

    destaque, que no apenas denunciava as conseqncias negativas, como tambm apresentava

    propostas para a soluo dos problemas, uma nova tendncia que marcou o movimento

    ecolgico (LAGO; PDUA, 1984).

    A repercusso desses relatrios e as presses exercidas pelos movimentos

    ambientalistas levaram a ONU a realizar em 1972, em Estocolmo, Sucia, a Conferncia das

    Naes Unidas sobre o Ambiente Humano, com a participao de 113 pases, inclusive o Brasil,

    signatrios da Declarao sobre o Ambiente Humano. Dessas naes, 90% pertenciam ao grupo

    dos pases em desenvolvimento, e nessa poca apenas 16 deles possuam entidades de proteo

    ambiental.

    Alm da Declarao sobre o Ambiente Humano, que introduziu na agenda poltica

    internacional a dimenso ambiental e reconheceu a importncia da Educao Ambiental como o

    elemento crtico para o combate crise ambiental no mundo, outros acontecimentos importantes

    marcaram esta Conferncia. Foi criado o Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente

    PNUMA, com sede em Nairobi, capital do Qunia, e houve a recomendao para que fosse

    criado o Programa Internacional de Educao Ambiental PIEA. Esses fatos levaram, anos

    depois, a UNESCO-PNUMA a promover a Conferncia Intergovernamental sobre Educao

    Ambiental, que influenciou a adoo dessa disciplina nas universidades brasileiras.

    interessante mostrar que a Organizao das Naes Unidas quando foi criada em

    1945, destacava como prioridades a paz, os direitos humanos e o desenvolvimento eqitativo,

    no sendo prioridade a questo ambiental. Somente a partir da Conferncia de Estocolmo a

    preocupao ecolgica passou a ser a quarta prioridade das Naes Unidas (SANTOS, 2005, p.

    70).

    Um ano depois da Conferncia de Estocolmo, em 1973, surgiu o conceito

    ecodesenvolvimento, empregado pelo canadense Maurice Strong, secretrio-geral da

    Conferncia. (ROSETTO, 2003, p. 31) Seus princpios foram formulados por Sachs13 (citado por

    MONTIBELLER-FILHO, 2001, p. 45), consultor das Naes Unidas para temas de meio

    ambiente e desenvolvimento, e significava o desenvolvimento de um pas ou regio, baseado em

    suas prprias potencialidades, sem criar dependncia externa, com a finalidade de responder

    problemtica da harmonizao dos objetivos sociais e econmicos do desenvolvimento com uma 13 SACHS, Ignacy. Estratgias de transio para o sculo XXI: desenvolvimento e meio ambiente. So Paulo: Studio Nobel/ Fundap, 1993.

  • 36

    gesto ecologicamente prudente dos recursos e do meio. Dessa forma, Montibeller-Filho (2001,

    p. 45) ressalta a posio fundamental inerente definio que diz respeito melhoria da

    qualidade de vida de toda a populao com o cuidado de preservar o meio ambiente e as

    possibilidades de reproduo da vida com qualidade para as geraes que sucedero.

    2.1.1.1 As Dimenses da Sustentabilidade Sachs (1993) elaborou as cinco dimenses de sustentabilidade do

    ecodesenvolvimento: a sustentabilidade social, a econmica, a ecolgica, a espacial/ geogrfica e

    a sustentabilidade cultural. Outro ponto importante foi um dos objetivos do ecodesenvolvimento

    de Sachs, um programa de educao que contemple a questo ambiental (PAULA; MONTE-

    MR, 2000).

    Alm dessas cinco sustentabilidades, Lerpio14 (citado por SANTOS, 2005) menciona

    a sustentabilidade temporal, ou seja, ao longo do tempo devem prevalecer todas as faces da

    sustentabilidade, pois qualquer uma delas sendo transgredida em sua essncia, haveria o

    desequilbrio, j que devem sempre estar em interdependncia.

    O termo ecodesenvolvimento comeou a ser utilizado em crculos internacionais

    relacionados ao assunto, e foi adotado oficialmente na Declarao de Cocoyok. Esta declarao

    resultou de um simpsio de especialistas, ocorrido em 1974 no Mxico, presidido por Brbara

    Ward, com a participao de Sachs, organizado pela Confederao das Naes Unidas Sobre o

    Comrcio-Desenvolvimento (UNCTAD) e PNUMA. O simpsio identificou os fatores sociais e

    econmicos que levam deteriorao ambiental, e afirmava que uma das causas da exploso

    demogrfica era a pobreza, que tambm gerava a destruio ambiental e que os pases ricos

    contribuam para esse quadro devido ao exagerado nvel de consumo (PAULA; MONTE-MR,

    2000; PNUMA, 2004; ROSETTO, 2003).

    De acordo com Sachs (1994), o termo ecodesenvolvimento no agradou o ento chefe

    da diplomacia do governo norte-americano, Henry Kissinger, que enviou uma carta, alguns dias

    depois, ao presidente do PNUMA. Assim o termo foi vetado nos foros seguintes, mas esses

    debates abriram espao ao conceito de desenvolvimento sustentvel.

    O termo desenvolvimento sustentvel foi utilizado primeiramente em 80 pela Unio

    Internacional pela Conservao da Natureza (IUCN) numa publicao em Gland, na Sua

    sustainable development cuja traduo oficial francesa seria dveloppement durable e foi

    traduzido para o portugus como desenvolvimento sustentvel, apesar do equivalente ao francs 14 LERPIO, Alexandre A. GAIA: um mtodo de gerenciamento de aspectos e impactos ambientais. 2001. Tese (Doutorado em Engenharia de Produo) Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis 2001.

  • 37

    ser desenvolvimento durvel. Em 1986, na Conferncia Mundial sobre a Conservao e o

    Desenvolvimento da IUCN no Canad, o termo foi colocado como um novo paradigma cujos

    princpios seriam (MONTIBELLER-FILHO, 2001; OLIVEIRA, 2006):

    - Integrar conservao da natureza com desenvolvimento;

    - Satisfazer as necessidades humanas fundamentais;

    - Perseguir equidade e justia social;

    - Respeitar a diversidade cultural e buscar a autodeterminao social;

    - Preservar a integridade ecolgica.

    Em 1983, a ONU criou a Comisso Mundial sobre Meio Ambiente e

    Desenvolvimento (CMMAD), presidida por Gro Harlem Brundtland com o objetivo de formular

    propostas realistas para tratar das questes crticas ambientais e tambm propor formas de

    cooperao internacional nessa rea para incentivar governos, institutos, empresas, organizaes

    voluntrias e indivduos a uma atuao maior. O resultado foi a criao de uma nova declarao

    universal, publicada em 1987, com o ttulo Nosso Futuro Comum. O documento, tambm

    chamado de Relatrio Brundtland, retomava o conceito e definia desenvolvimento sustentvel

    como o desenvolvimento que corresponde s necessidades do presente sem comprometer as

    possibilidades das geraes futuras de satisfazer as prprias necessidades(MONTIBELLER-

    FILHO, 2001, p. 48).

    Se pensarmos na traduo francesa, dveloppement durable, que seria

    desenvolvimento durvel ou durabilidade, pode-se vincular o desenvolvimento em si no s ao

    agora ou ao prximo, mas que dure por muito tempo, dessa forma, na dimenso ambiental,

    realmente seria preciso conservar a natureza e o meio ambiente suficientemente no s para o

    presente, mas tambm para o futuro, ou seja, para as geraes futuras. E a o desenvolvimento

    seria durvel, ou ento, haveria durabilidade. Como diz Montibeller-Filho (2001, p.48),

    sustentvel porque deve responder equidade intrageracional e a intergeracional.

    Aps a publicao do Relatrio de Brundtland, cresceram os eventos destinados a

    discutir os problemas ambientais. Entre eles a Toronto Conference on the Changing Atmosphere,

    no Canad em 1988, primeira reunio entre governantes e cientistas sobre as mudanas

    climticas, que descreveu seu impacto potencial inferior apenas ao de uma guerra nuclear. Em

    seguida o IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), em Sundvall, Sucia 1990,

    primeiro informe com base na colaborao cientfica de nvel internacional, onde os cientistas

    advertem que para estabilizar os crescentes nveis de dixido de carbono na atmosfera, seria

    necessrio reduzir as emisses de 1990 em 60% (GREENPEACE, [200-]). Nesse mesmo ano, o

    BID, Cepal e PNUD publicaram o documento Nuestra propia agenda sobre desarollo y medio

  • 38

    ambiente, uma boa sntese de uma agenda para a questo ambiental contempornea do ponto de

    vista brasileiro. Seus pontos principais eram: a erradicao da pobreza, o aproveitamento

    sustentvel dos recursos naturais, ordenamento do territrio, desenvolvimento tecnolgico

    compatvel com a realidade social e natural, nova estratgia econmico-social, organizao e

    mobilizao social, e reforma do estado (PAULA; MONTE-MR, 2000).

    Todas essas reunies e documentos culminaram na famosa Conferncia das Naes

    Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, conhecida como Eco-92 ou Rio-92 em

    junho de 1992 no Rio de Janeiro. O principal plano deste encontro, que reuniu 170 pases, era

    introduzir e fortalecer a idia do desenvolvimento sustentvel, buscando meios de conciliar o

    desenvolvimento scio-econmico e industrial com a preservao do meio ambiente. A Rio-92

    teve como principais objetivos examinar a situao ambiental do mundo e as mudanas ocorridas

    depois da Conferncia de Estocolmo; examinar estratgias de promoo de desenvolvimento

    sustentvel e de eliminao da pobreza nos pases em desenvolvimento; e identificar estratgias

    regionais e globais para aes referentes s principais questes ambientais.

    A Carta da Terra, documento oficial da Eco-92, elaborou convenes, declaraes, e

    um dos principais resultados da conferncia: a Agenda 21. um documento que estabeleceu a

    importncia de cada pas em se comprometer localmente e globalmente, na chegada do sculo

    XXI. A Agenda 21 rene o conjunto mais amplo de premissas e recomendaes sobre como as naes devem agir para alterar seu vetor de desenvolvimento em favor de modelos sustentveis e a iniciarem seus programas de sustentabilidade.

    Marina Silva, Ministra do Meio Ambiente.

    A Agenda 21 vem se constituindo em um instrumento de fundamental importncia na construo dessa nova ecocidadania, num processo social no qual os atores vo pactuando paulatinamente novos consensos e montando uma Agenda possvel rumo ao futuro que se deseja sustentvel

    Gilney Viana, Secretrio de Polticas para o Desenvolvimento Sustentvel. 15

    Tambm no incio da dcada de 90 surgiu no Conselho Empresarial Mundial para o

    desenvolvimento Sustentvel WBCSD (World Business Coucil for Sustainable Development)

    o termo eco-eficincia, derivado de desenvolvimento sustentvel. Esta palavra a combinao

    de economia, ecologia e eficincia, e seu conceito pode ser entendido como a satisfao das

    necessidades humanas, buscando qualidade de vida, mas tambm reduzindo impactos ecolgicos

    e a intensidade de recursos durante o ciclo de vida, para um equilbrio da capacidade estimada da

    Terra (PINHEIRO, 2002).

    Posteriormente, em 1995, ocorreu a Reunio de Cpula de Copenhague para o

    Desenvolvimento Social, reafirmando-se o conceito de desenvolvimento sustentvel,

    15 MINISTRIO DO MEIO AMBIENTE, [200-].

  • 39

    contemplando numa estratgia integrada, o desenvolvimento econmico, social, ambiental e

    cultural (MOISS, 1999). Nesse mesmo ano aconteceu o segundo informe do IPCC, que

    forneceu informaes chave para a adoo do Protocolo de Kyoto em 1997.

    Discutido e negociado em 1997, em Kyoto no Japo, o protocolo foi aberto para

    assinaturas em 1998 e ratificado em 1999, entrando em vigor oficialmente somente em fevereiro

    de 2005. O protocolo estimula os pases signatrios a cooperarem entre si para reduzirem a

    emisso de gases poluentes atravs de algumas aes como: reforma nos setores de energia e

    transportes; utilizao de fontes energticas renovveis; proteo de florestas e outros

    sumidouros de carbono; etc. Exige que vrias naes industrializadas reduzam suas emisses em

    5,2%, em relao aos nveis de 1990, para o perodo de 2008- 2012 (GREENPEACE, [200-]).

    Ainda em 1997 ocorreu a sesso especial da Assemblia Geral das Naes Unidas em

    Nova Iorque, cinco anos aps a Rio-92, chamada Rio +5. Reuniram-se 53 chefes de Estado para

    avaliar e discutir o avano dos pases e organizaes internacionais em relao aos desafios da

    Conferncia no Rio (MOUSINHO, 2003).

    A Declarao do Milnio das Naes Unidas, um resultado da chamada Cpula ou

    Assemblia do Milnio das Naes Unidas, realizada em setembro de 2000 em Nova Iorque, que

    recebeu lderes mundiais de mais de 150 pases, definiu uma lista dos principais componentes da

    agenda global do Sculo XXI (UNITED NATIONS EDUCATION, SCIENTIFIC AND

    CULTURAL ORGANIZATION - UNESCO, [200-]).

    Os Objetivos do Milnio das Naes Unidas so:

    1. Erradicar a extrema pobreza e a fome;

    2. Atingir o ensino bsico universal;

    3. Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres;

    4. Reduzir a mortalidade infantil;

    5. Melhorar a sade materna;

    6. Combater o HIV/AIDS, a malria e outras doenas;

    7. Garantir a sustentabilidade ambiental;

    8. Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.

    Em 2002, dez anos depois do Rio 92, aconteceu o maior encontro internacional da

    histria a tratar do futuro do planeta, com 21.000 participantes, a Cpula Mundial sobre o

    Desenvolvimento Sustentvel (WSSD) em Johanesburgo, tambm chamada de Rio+10. Nessa

    ocasio verificou-se que poucas mudanas prticas haviam ocorrido e, conforme foi estipulado

    na Agenda 21, poucas medidas foram implementadas. Assim, foram reafirmadas a urgncia desta

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    necessidade, bem como os compromissos assumidos para este fim (MOUSINHO, 2003;

    UNITED NATIONS DEPARTMENT OF ECONOMIC AND SOCIAL AFFAIRS, 200[-]).

    O terceiro informe do Painel Intergovernamental sobre Mudana Climtica da ONU

    IPCC foi completado em 2001. Nele os cientistas consideravam apenas provvel que a causa

    do aquecimento global era resultado das atividades humanas. No quarto informe, em fevereiro de

    2007, em Paris, o primeiro de quatro volumes a serem liberados este ano pelo IPCC, foi

    confirmado que o grande aumento de concentraes atmosfricas dos gases do efeito estufa, o

    dixido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o xido de nitrognio (N2O), desde 1750 so

    resultado de atividades humanas. Ou seja, os principais especialistas mundiais em clima

    afirmaram que a humanidade responsvel pelo aquecimento global, alertando os governos

    sobre a necessidade de agir urgentemente para evitarem danos graves e irreversveis

    (INTERGOVERNAMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE - IPCC, 2007).

    O sumrio16 das concluses do Painel destacou fatos assustadores, como o de que at

    2100 no haver mais gelo durante os veres no rtico, e de que o aquecimento provavelmente

    j est tornando os ciclones tropicais mais intensos. O texto projeta um aumento de 18 a 59

    centmetros no nvel dos oceanos neste sculo, mas afirma que o valor pode ser ainda maior

    dependendo do derretimento do gelo sobre as terras da Antrtida e Groenlndia. A subida dos

    mares pode representar o fim de vrias cidades litorneas. A melhor estimativa da comisso um

    aumento da temperatura entre 1,8C e 4,0C ao longo deste sculo, sendo que ao longo do sculo

    XX as temperaturas subiram 0,74C, e os dez anos mais quentes desde o incio dos registros, em

    meados do sculo XIX, aconteceram todos a partir de 1994 (IPCC, 2007).

    Muitos grupos ambientais, agncias da ONU e governos propuseram uma ampliao

    do Protocolo de Kyoto, que obriga 35 pases industrializados a reduzirem suas emisses de

    carbono, mas ainda exclui os dois maiores poluidores do mundo, Estados Unidos e China. O

    governo dos Estados Unidos, pas que mais emite carbono na atmosfera, abandonou o Protocolo

    de Kyoto porque defende uma poltica menos rgida de controle das emisses.

    Assim, diversos eventos, relacionados questo ambiental, vm ocorrido desde

    ento. Dentre eles, por exemplo, o Frum Urbano Mundial. Em junho de 2006 foi realizado em

    Vancouver, Canad, o Terceiro Frum Urbano Mundial. Dentre os principais temas estavam: o

    direito moradia e o crescimento sustentvel das cidades.

    Vrios princpios foram, e continuam sendo firmados em fruns e eventos

    internacionais, os quais formam a base do direito internacional ambiental e da legislao

    ambiental em vrios pases, inclusive o Brasil (MONTIBELLER-FILHO, 2001, p. 283.). Todas 16 O sumrio encontra-se em ingls disponvel em: . O relatrio completo Climate Change 2007: The Physical Science Basis ser publicado pelo Cambridge University Press.

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    essas conferncias e convenes, debates, relatrios e documentos, podem at no gerar todos os

    resultados esperados, mas servem para impulsionar estas preocupaes e procurar melhores

    solues para a problem