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mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando por
dinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um
novo nvel."
2. Histria Do Pensamento Econmico Uma Perspectiva Crtica 3 EDIO
E.K. Hunt Mark Lautzenheiser TRADUO E REVISO TCNICA Andr Arruda
Villela
3. Sumrio Capa Folha de rosto Caderno zero Copyright Introduo
Terceira Edio Prefcio Critrios De Seleo Traos Distintivos Deste
Livro Nota 3 Edio Agradecimentos Agradecimentos Captulo 1. Introduo
Uma Definio De Capitalismo A Economia Europeia Pr-Capitalista O
Crescimento Do Comrcio De Longa Distncia O Sistema Domstico De
Trabalho E O Nascimento Da Indstria Capitalista O Declnio Do
Sistema Senhorial O Surgimento Da Classe Trabalhadora Outras Foras
Na Transio Para O Capitalismo
4. O Mercantilismo Notas Do Captulo 1 Captulo 2. Ideias
Econmicas Anteriores a Adam Smith Primeiros Escritos Mercantilistas
Sobre Valor E Lucro Escritos Mercantilistas Posteriores E A
Filosofia Do Individualismo O Protestantismo E A tica
Individualista As Polticas Econmicas Do Individualismo Os Primrdios
Da Teoria Clssica De Preos E Lucros Os Fisiocratas Como
Reformadores Sociais As Ideias Econmicas De Quesnay Concluso Notas
Do Captulo 2 Captulo 3. Adam Smith O Contexto Histrico Das Ideias
De Smith As Teorias De Histria E Sociologia, De Smith A Teoria Do
Valor, De Smith A Teoria Do Bem-Estar Econmico, De Smith Conflito
De Classes E Harmonia Social Notas Do Captulo 3 Captulo 4. Thomas
Robert Malthus Conflitos De Classes No Tempo De Malthus A Teoria Da
Populao Economia De Troca E Conflito De Classes A Teoria Da
Superproduo Notas Do Captulo 4 Captulo 5. David Ricardo A Teoria Da
Renda Da Terra E Primeira Abordagem Dos Lucros
5. Base Econmica Do Conflito Entre Capitalistas E Proprietrios
De Terras A Teoria Do Valor-Trabalho Determinao De Preos Com
Diferentes Composies De Capital Um Exemplo Numrico De Determinao De
Preos Distribuio De Renda E A Teoria Do Valor-Trabalho A
Impossibilidade Da Superproduo A Maquinaria Como Causa De
Desemprego Involuntrio A Teoria Das Vantagens Comparativas E
Comrcio Internacional Harmonia Social E Conflito De Classes Notas
Do Captulo 5 Captulo 6. O Subjetivismo Racionalista: A Economia de
Bentham, Say e Senior Origens Sociais Das Premissas Da Teoria Da
Utilidade Jeremy Bentham E A Utilidade Bentham Como Reformador
Social Jean-Baptiste Say E A Utilidade, A Produo E A Distribuio De
Renda A Lei Dos Mercados, De Say A Orientao Social De Nassau Senior
A Metodologia Terica De Senior As Quatro Proposies De Senior
Maximizao Da Utilidade, Preos E Superproduo, Segundo Senior As
Ideias De Senior Sobre Populao E Bem-Estar Dos Trabalhadores
Acumulao De Capital E Abstinncia, Segundo Senior A Renda E A
Distribuio Da Renda Entre As Classes, Segundo Senior Harmonia
Social Versus Economia Poltica Dos Pobres Notas Do Captulo 6
Captulo 7. A Economia Poltica dos Pobres: As Ideias de William
Thompson e Thomas Hodgskin A Resistncia Dos Trabalhadores
Industrializao O Utilitarismo E A Teoria Do Valor-Trabalho, De
Thompson A Argumentao De Thompson Em Defesa De Um Socialismo
Igualitrio De Mercado
6. A Crtica De Thompson Ao Socialismo De Mercado Uma Crtica Ao
Utilitarismo, De Thompson Thomas Hodgskin E A Origem Do Lucro A
Teoria Do Valor, De Hodgskin O Conceito De Capital, De Hodgskin O
Utilitarismo, Segundo Hodgskin Notas Do Captulo 7 Captulo 8.
Utilitarismo Puro Versus Utilitarismo Ecltico: Os Escritos de
Bastiat e Mill A Disseminao Das Ideias Socialistas Fundamentos E
Escopo Da Economia Utilitarista, De Bastiat Utilidade E Troca
Bastiat E A Defesa Da Propriedade Privada, Capital, Lucros E Renda
Da Terra Bastiat E A Troca, A Harmonia Social E O Papel Do Governo
O Utilitarismo, De Mill A Teoria Do Valor, De Mill Mill E Os
Salrios A Tendncia Decrescente Da Taxa De Lucro O Socialismo,
Segundo Mill O Reformismo Intervencionista, De Mill Uma Crtica Ao
Reformismo De Mill Notas Do Captulo 8 Captulo 9. Karl Marx A Crtica
De Marx Economia Clssica Mercadorias, Valor, Valor De Uso E Valor
De Troca Trabalho til E Trabalho Abstrato A Natureza Social Da
Produo De Mercadorias Circulao Simples De Mercadorias E Circulao
Capitalista Mais-Valia, Troca E A Esfera Da Circulao Circulao Do
Capital E A Importncia Da Produo
7. Trabalho, Fora De Trabalho E A Definio De Capitalismo O
Valor Da Fora De Trabalho Trabalho Necessrio, Trabalho Excedente E
Criao E Realizao De Mais-Valia Capital Constante, Capital Varivel E
A Taxa De Mais-Valia Durao Da Jornada De Trabalho A Teoria Do
Valor-Trabalho E O Problema Da Transformao Propriedade Privada,
Capital E Capitalismo Acumulao Primitiva Acumulao De Capital
Concentrao Econmica Tendncia Decrescente Da Taxa De Lucro
Desequilbrios Setoriais E Crises Econmicas Alienao E Misria
Crescente Do Proletariado Notas Do Captulo 9 Captulo 10. O Triunfo
do Utilitarismo: A Economia de Jevons, Menger e Walras A Teoria Da
Utilidade Marginal E Da Troca, De Jevons A Teoria Da Utilidade
Marginal, Dos Preos E Da Distribuio Da Renda, De Menger Os
Argumentos De Menger Sobre Metodologia A Teoria Do Equilbrio
Econmico Geral, De Walras Estabilidade Do Equilbrio Geral A Defesa
Ideolgica Do Capitalismo, Segundo Walras A Perspectiva Intelectual
Do Marginalismo Neoclssico Apndice Notas Do Captulo 10 Captulo 11.
Teorias Neoclssicas da Firma e da Distribuio de Renda: As Obras de
Marshall, Clark e Bhm-Bawerk A Contribuio De Marshall Teoria Da
Utilidade E Teoria Da Demanda Simetria Entre As Teorias Neoclssicas
Da Famlia E Da Firma A Teoria Da Firma, De Marshall As Curvas De
Produo E De Custo Da Firma, No Curto Prazo
8. O Equilbrio No Curto Prazo O Longo Prazo E O Problema Da
Concorrncia Marshall E A Defesa Ideolgica Do Capitalismo Clark E A
Teoria Da Distribuio, Segundo A Produtividade Marginal A Economia
Como Troca E O Papel Do Empresrio Clark E A Defesa Da Propriedade
Privada A Concepo De Capital, Segundo Clark A Medida Do Capital,
Segundo Bhm-Bawerk As Relaes De Classe Capitalistas, Segundo A
Teoria Neoclssica Da Distribuio Notas Do Captulo 11 Captulo 12.
Thorstein Veblen A Filosofia Social Evolucionista Geral, De Veblen
A Crtica De Veblen Economia Neoclssica A Dicotomia Antagnica Do
Capitalismo Propriedade Privada, Sociedade De Classe E A Subjugao
Da Mulher A Estrutura De Classes Do Capitalismo E O Domnio Da
Indstria Pelos Negcios O Governo E A Luta De Classes O Imperialismo
Capitalista Os Costumes Sociais Da Cultura Pecuniria Avaliao Das
Ideias De Veblen Notas Do Captulo 12 Captulo 13. Teorias do
Imperialismo: Os Escritos de Hobson, Luxemburg e Lnin A Teoria Do
Imperialismo Capitalista, De Hobson A Teoria Do Imperialismo
Capitalista, De Luxemburg A Teoria Do Imperialismo Capitalista, De
Lnin Comparao Das Teorias De Hobson, Luxemburg E Lnin Notas Do
Captulo 13 Captulo 14. Consumao, Consagrao e Destruio da Mo
Invisvel: a Economia Neoclssica do Bem-estar
9. Maximizao Da Utilidade E Maximizao Do Lucro A Viso Beatfica
E A Felicidade Eterna Teoria Microeconmica, Economia Neoclssica E
Economia Do Bem-Estar Bases Hedonistas Da Economia Do Bem-Estar
Natureza Essencial Da Norma Do timo, De Pareto Valores Sociais
Subjacentes Economia Do Bem-Estar Premissas Analticas E Empricas Da
Economia Do Bem-Estar A Economia Neoclssica Do Bem-Estar Como Guia
Para A Formulao De Polticas Economia Do Bem-Estar E Externalidades
A Crtica Normativa Da Anlise De Pareto Notas Do Captulo 14 Captulo
15. A Ideologia Neoclssica e o Mito do Mercado Autorregulador: Os
Escritos de John Maynard Keynes O Contexto Terico Da Anlise De
Keynes Keynes E A Defesa Da Teoria Da Distribuio, Segundo A
Produtividade Marginal Keynes E A Anlise Das Depresses Capitalistas
Eficcia Das Polticas Keynesianas A Economia Militar A Economia Da
Dvida Fundamentos Ideolgicos Das Ideias De Keynes Apndice Notas Do
Captulo 15 Captulo 16. A Negao do Mito da Produtividade Mensurvel
do Capital: Os Escritos de Sraffa Estado Atual Da Teoria Neoclssica
Da Distribuio Sraffa E A Crtica Economia Neoclssica Apndice Notas
Do Captulo 16 Captulo 17. Economia Contempornea I: A Bifurcao da
Ortodoxia
10. A Revoluo Bolchevique E A Industrializao Sovitica A Grande
Depresso W. Arthur Lewis E As Origens Da Economia Do
Desenvolvimento Economia Neoclssica Liberal E Conservadora Paul A.
Samuelson Versus Milton Friedman E Os Neoclssicos Conservadores A
Defesa Do Utilitarismo, De Samuelson A Escola Austraca E A Escola
De Chicago A Batalha Continua Notas Do Captulo 17 Captulo 18.
Economia Contempornea II: Institucionalistas e Ps-keynesianos A
Economia Institucionalista De Clarence E. Ayres A Economia
Ps-Keynesiana A Teoria Dos Preos De Sraffa Notas Do Captulo 18
Captulo 19. Economia Contempornea III: O Renascimento da Economia
Poltica Crtica Renascimento E Desenvolvimento Da Teoria Do
Valor-Trabalho Mudanas No Processo De Trabalho Sob O Capitalismo
Desempenho Do Capitalismo No Nvel Agregado Dando Continuidade
Tradio Heterodoxa Comentrios Sobre A Perspectiva Social Implcita
Neste Livro Notas Do Captulo 19 Sugestes para Leitura Complementar
ndice Remissivo
11. Caderno zero Preencha a cha de cadastro no nal deste livro
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12. Copyright Do original: History of Economic Thought
Copyright 2011 by M. E. Sharpe, Inc. 2013, Elsevier Editora Ltda.
Traduo autorizada do idioma ingls da edio publicada por M. E.
Sharpe Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei n. 9.610
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Carla Camargo Editorao Eletrnica: Thomson Digital Elsevier Editora
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andar 04569-011 Brooklin So Paulo SP Servio de Atendimento ao
Cliente 0800-0265340 [email protected] ISBN original:
978-0-7656-2599-1 ISBN (verso eletrnica): 978-85-352-5609-3 Nota
Muito zelo e tcnica foram empregados na edio desta obra. No
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13. conceitual. Em qualquer das hipteses, solicitamos a
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autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou
perdas a pessoas ou bens originados do uso desta publicao.
CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE
LIVROS, RJ H921h Hunt, E. K. Histria do pensamento econmico / E. K.
Hunt, Mark Lautzenheiser ; [traduo de Andr Arruda Villela]. - Rio
de Janeiro: Elsevier, 2013. 504p.: 24 cm Traduo de: History of
economic thought, 3rd ed. Inclui ndice e bibliografia ISBN
978-85-352-5609-3 1. Economia - Histria. I. Lautzenheiser, Mark,
1968-. II. Ttulo. 12-7764. CDD: 330.09 CDU: 330(09) 23.10.12
30.10.12 040148
14. Introduo Terceira Edio uma honra escrever a I ntroduo a
esta nova edio de Histria do Pensamento Econmico: uma Perspectiva
Crtica. Raramente lemos algo que nos pega pelos ombros, nos sacode
e muda a forma como enxergamos o mundo nossa volta. No incio de
minha carreira, como um jovem economista, um artigo de autoria de
algum que eu s viria a conhecer pessoalmente anos mais tarde mudou
para sempre a maneira como eu penso sobre os mercados. Na esperana
de que a passagem que E.K. Hunt escreveu e que mudou minha viso de
mundo venha a afetar outros da mesma forma, eu a citarei
longamente: O calcanhar de Aquiles da economia do bem-estar seu
tratamento das externalidades Em uma economia de mercado qualquer
ato de um indivduo ou firma que provoque prazer ou dor em qualquer
outro indivduo ou firma e super ou subprecificado pelo mercado
constitui uma externalidade. Uma vez que a esmagadora maioria dos
atos de produo ou consumo so sociais, isto , em alguma medida
envolvem mais de uma pessoa, da segue que envolvero externalidades.
Caso suponhamos o homem econmico maximizador da Economia burguesa,
e se supusermos que o governo estabelece direitos de propriedade e
mercados para tais direitos sempre que se descubra uma deseconomia
externa [a soluo preferida da tendncia conservadora e
crescentemente dominante no campo das finanas pblicas], ento cada
homem logo descobrir que, usando-se de sagacidade, poder impor
deseconomias externas a outros homens, sabendo que a negociao
dentro do novo mercado que ser criado, certamente, o beneficiar.
Quanto maior o custo social imposto a seu vizinho, maior ser a sua
recompensa no processo de negociao. Segue da hiptese ortodoxa do
homem maximizador que cada homem criar o mximo de custos sociais
que puder impor aos demais. Ralph dArge e eu batizamos este
processo de o p invisvel do mercado laissez faire. O p invisvel nos
garante que em uma economia de livre-mercado cada indivduo buscando
apenas o seu prprio bem ir, automaticamente, e da forma mais
eficiente, fazer a sua parte para maximizar a misria pblica
geralParafraseando um conhecido precursor desta teoria: Cada
indivduo, necessariamente, trabalha para tornar os custos externos
anuais da sociedade os mais elevados possveis. Na verdade, ele,
geralmente, no pretende promover a misria pblica, ou sabe em que
medida est promovendo-a. Ele busca apenas o seu ganho prprio e,
nisto, como em vrios outros casos, ele levado por um p invisvel a
promover um fim que no fazia parte de sua inteno. Tampouco ser
melhor para a sociedade que no fizesse parte. Ao buscar o seu
prprio interesse ele, frequentemente, promove a misria social de
forma mais eficaz do que caso, de fato,
15. pretendesse promov-la.1 Ao contrrio de muitos alunos
atualmente, minha educao na ps-graduao j havia me ensinado o quanto
foras desequilibradoras podem levar os mercados a gerar resultados
inecientes, e porque os mercados de capital e trabalho no conseguem
distribuir a renda equitativamente. Alm disso, eu j preferia
encontrar formas de fazer as pessoas cooperarem entre elas
equitativamente ao invs de sucumbirem economia da competio e da
ganncia da qual os mercados nos levam a participar. Mas o ponto de
Hunt era que, mesmo que desconsiderssemos questes distributivas,
mesmo que os mercados, miraculosamente, encontrassem seus novos
equilbrios instantaneamente, mesmo que no entrassem questes de
monoplio; em outras palavras, mesmo sob as melhores circunstncias
possveis, se as externalidades so ubquas, no se pode depender dos
mercados para fazer aquela coisa que seus defensores garantem que
eles fazem bem alocar recursos de forma eciente. Se as
externalidades so a regra e no a exceo, os mercados iro,
sistematicamente, alocar de forma errada muitos recursos para a
produo de bens cujo consumo ou produo acarretam externalidades
negativas, e poucos recursos produo de bens cuja produo ou consumo
geram externalidades positivas. Mais ainda, a criao de novos
direitos de propriedade pode at agravar, em vez de mitigar, o
problema. Eu tambm estou feliz em escrever a I ntroduo edio de 2011
de um livro que resenha a histria do pensamento econmico com um
olhar crtico. Nos dias atuais as mentes irrequietas se perguntam
como que a prosso dos economistas pde estar dormindo ao volante
enquanto as polticas para as quais ela sorri h dcadas estavam
ocupadas fermentando a grande crise nanceira de 2008. E as dezenas
de milhes que esto desempregados, perderam suas casas ou saram da
classe mdia esto se perguntando por que, aps trs anos da Grande
Recesso, sem que haja qualquer recuperao vista pelo menos, no para
eles a profisso dos economistas continua a recomendar medidas
inecazes e contraproducentes. Em parte, a resposta to simples
quanto difcil de entender: Os economistas hoje em dia so
tristemente ignorantes a respeito da histria da prpria prosso. I
nfelizmente, a disciplina de Histria do Pensamento Econmico, na
qual os novos economistas possam aprender importantes lies de seus
antecessores, foi retirada da grade dos cursos obrigatrios
dirigidos a alunos de Ph.D. nos mais prestigiosos departamentos de
Economia. Como resultado, muitos da gerao atual de economistas,
ainda que altamente treinados em tcnicas matemticas, portam-se como
idiot savants quando chamados a darem conselhos a nossos
governantes. Espera-se que ningum que leia esta histria do
pensamento econmico e, portanto, venha a aprender algo sobre a vida
e obra do maior economista do sculo XX, John Maynard Keynes, se
torne vtima dos erros dos economistas do sculo XIX e recomende
austeridade scal em meio a uma profunda recesso. Espera-se que
16. ningum que leia esta histria do pensamento econmico e,
portanto, aprenda com o maior economista americano, Thorstein
Veblen, algo sobre como os interesses industriosos e pecunirios
entram em conito deixar de compreender como a desregulamentao do
setor nanceiro cria um acidente prestes a acontecer, e resgates de
bancos sem qualquer contrapartida so uma receita para desastres
futuros. Espera-se que ningum que tenha superado preconceitos da
Guerra Fria h tempo suciente para ler algo sobre Karl Marx nesta
histria do pensamento econmico deixar de constatar que as polticas
econmicas so, frequentemente, escolhidas visando servir aos
interesses de classe, e no aos interesses da sociedade. E,
espera-se que aqueles que lerem esta histria do pensamento econmico
compreendero que as virtudes do fundamentalismo do livre-mercado
nunca passaram sem crticas e que muitos dos que se tornaram nossos
economistas mais famosos o foram porque nos alertaram para algum
novo tipo de falha de mercado, a exigir alguma nova forma de
interveno social. Robin Hahnel 1 A Radical Critique of Welfare
Economics, in Growth, Profits, and Property, ed. Edward J. Nell.
Nova York: Cambridge University Press, 1980, p. 245-246.
17. Prefcio Este livro oferece uma perspectiva nica da histria
do pensamento econmico. Ns enfatizamos as diversas vises e crenas
que os economistas tm quanto ao funcionamento do capitalismo, e,
como resultado, os distintos arcabouos tericos que eles construram.
Em nenhuma outra poca na histria recente pareceria mais premente
compreender a histria do pensamento econmico a partir da
perspectiva das divergncias que tm ocorrido em sua histria. Ao
estudar a histria do pensamento econmico desta forma, cremos ser
possvel obter uma maior compreenso do estado atual da teoria
econmica e das polticas que da decorrem. Uma vez que apresentamos
uma perspectiva crtica da histria, este prefcio se inicia com a
explicitao de trs de nossas crenas que inuenciaram os critrios de
seleo dos economistas e teorias includos nos captulos
seguintes.
18. Critrios de Seleo O escritor de uma histria do pensamento
econmico deve, acima de tudo, ter alguns princpios de seletividade.
Durante os ltimos 200 anos, muitas centenas de pensadores econmicos
escreveram muitos milhares de livros sobre teoria econmica e
capitalismo. O historiador contemporneo, no espao de um livro,
pode, portanto, apresentar somente um limitado nmero das mais
importantes ideias dos mais importantes pensadores. Entretanto,
importncia no uma categoria cientca sobre a qual todos os
historiadores do pensamento devem estar de acordo. Todo historiador
deve ter alguns critrios de seletividade. Quando se examinam todos
os livros publicados sobre a histria do pensamento econmico, tem-se
a impresso de que os costumes e a tradio so os critrios principais.
As ideias includas nas histrias do pensamento de uma gerao parecem
ser repetidas, com poucas mudanas, pela maioria dos historiados da
gerao seguinte. difcil saber at que ponto a semelhana simplesmente
uma questo de os historiadores rearmarem o que encontraram em
fontes secundrias anteriores ou uma consequncia de um conjunto
comum de critrios de seleo. Este livro, entretanto, muito diferente
de qualquer outra histria do pensamento j publicada. Assim,
importante dar ao leitor alguma ideia dos pressupostos intelectuais
fundamentais implcitos em nossos critrios de seleo. Os critrios
aqui utilizados derivam de trs crenas gerais. Primeiro, acreditamos
que as teorias sociais e os processos scio-histricos so
interligados. Teorias so baseadas em eventos e circunstncias
sociais em curso, do mesmo modo que deles surgem, reetem-nos e
procuram explic-los. Assim, em certo sentido, pode-se dizer que as
teorias sociais so produto das circunstncias econmicas e sociais em
que so concebidas. igualmente verdadeiro, entretanto, que os seres
humanos agem, criam, formam e mudam essas circunstncias econmicas e
sociais com base em ideias que tm sobre essas circunstncias.
Consequentemente, pde-se concluir que as circunstncias sociais e
econmicas so produto de ideias e teorias sociais. Desse modo,
embora o livro trate da histria do pensamento econmico, foram
includas vrias descries breves de alguns aspectos de histria
econmica e social que sero teis para melhor compreender as ideias
discutidas. Em segundo lugar, acreditamos que, enquanto as mudanas
sociais e econmicas so contnuas e enquanto o capitalismo de hoje ,
em inmeros aspectos, diferente do capitalismo do nal do sculo XVI I
I , existem importantes caractersticas institucionais bsicas no
capitalismo que, atravs de todas essas mudanas, permaneceram to
bvias e marcantes quanto as prprias mudanas. Portanto, na medida em
que os economistas se preocupam com essas caractersticas
fundamentais do capitalismo, as muitas diferenas entre os pontos de
vista dos economistas do nal do sculo XVI I I e do sculo XI X
repetem-se, hoje, nos escritos
19. dos economistas contemporneos. Consequentemente, ao
escrever este livro, tentamos lanar luz sobre a natureza das
controvrsias contemporneas em torno da teoria econmica, examinando
seus antecedentes histricos. I sso afetou a seleo de teoristas a
examinar. Por exemplo, a maioria das histrias do pensamento
econmico no discute as ideias de Thompson, Hodgskin e Bastiat. Ns
as inclumos, porque acreditamos serem exposies claras e
convincentes de pontos de vista que, de uma forma apenas
ligeiramente modicada, so muito importantes hoje. Da mesma forma,
as ideias de Hobson, Luxemburg e Lnin tm sido, geralmente,
ignoradas na histria do pensamento econmico. Contudo, para ns, suas
ideias representam contribuies signicativas para a compreenso dos
debates contemporneos sobre as implicaes da globalizao. Em terceiro
lugar, acreditamos que todos os economistas estejam e sempre
estiveram essencialmente comprometidos com questes morais,
polticas, sociais e prticas. Consequentemente, seus escritos tm
tanto um elemento cognitivo, cientco, quanto um elemento emotivo,
moral ou ideolgico. Alm do mais, esses dois elementos no so
inteiramente dissociveis. A investigao cognitiva, cientfica, sempre
dirigida para certos problemas e questes, e o leque de solues para
essas questes e problemas que qualquer pensador considerar como
legtimas limitado. Os valores morais e a viso ideolgica do pensador
daro a direo de investigao cientca, cognitiva, e xaro limites
quanto ao que constituir o leque de solues legtimo para esse
pensador. Alm do mais, os valores morais e a viso ideolgica do
pensador baseiam-se em suas teorias cientcas, ou cognitivas, de
como a sociedade funciona de fato, e por meio delas so defendidos.
Da, mesmo que conceitualmente possamos, ao menos em parte, separar
os elementos cientcos e ideolgicos de uma teoria social, essa
separao nunca poder ser completa. J amais poderemos compreender
completamente o elemento cientco, cognitivo, na teoria de um
economista, sem compreender, nem que seja em parte, os elementos
valorativos e ideolgicos da teoria. Neste livro, discutimos ambos
os elementos nas vrias teorias consideradas.
20. Traos Distintivos deste Livro A terceira crena , talvez, a
que mais marcadamente diferencia este livro da maioria dos outros
de sua espcie. Existe, nos meios acadmicos, uma opinio generalizada
de que cincia e juzo de valor so antitticos. Segundo essa viso, na
medida em que juzos de valor se insinuam em um trabalho, ele deixa
de ser cientco. Consequentemente, historiadores com essa postura,
em geral, veem seu prprio trabalho, na histria do pensamento
econmico, como livre de juzos de valor e apresentam os escritos
daqueles tericos que lhes agradam como se fossem tambm isentos de
juzos de valor. Analogamente, tericos de quem no gostam, em
especial Marx, so apresentados como tendo juzos de valor em seus
trabalhos, o que (ao menos implicitamente) diminui o valor cientco
desses trabalhos. Na nossa opinio, todos os tericos, todos os
historiadores e todos os seres humanos (inclusive ns mesmos, claro)
tm valores que permeiam de modo signicativo todos os esforos
cognitivos. Assim, quando discutimos os valores e os aspectos
ideolgicos dos escritos dos vrios tericos, no h qualquer inteno de
induzir noo de que o fato de ter valores, per se, sirva de base
para criticar um pensador. Acredito que a tese de que alguns
tericos so isentos de valor seja uma tentativa de iludir os outros
ou uma autoiluso. Os julgamentos no deveriam se basear no fato de
um pensador ter ou no valores j que todos eles tm mas, sim, na
fundamentao concreta da natureza desses valores. Por essa razo,
discutimos alguns dos valores subjacentes s teorias apresentadas.
Em vez de procurar tratar cada uma das teorias isoladamente,
utilizamos determinados temas que perpassam todo o livro de modo a
prover uma narrativa mais coerente. Um dos temas que frequentemente
reaparece na histria do pensamento econmico e que um tema central
neste livro a discusso sobre ser o capitalismo um sistema que
conduz harmonia ou ao conito. Nos escritos de Smith e Ricardo,
ambos os temas foram desenvolvidos. Depois de Ricardo, a maioria
dos economistas viu o capitalismo ou como fundamentalmente
harmonioso ou conitante. O ponto de vista de cada economista sobre
essa questo extremamente signicativo para determinar o alcance do
mtodo e do contedo de sua anlise. Outro tema persistente o debate
sobre a estabilidade ou a instabilidade inerente ao capitalismo.
Cada um desses e de outros temas amplamente debatido neste livro.
Um dos temas que talvez merea meno especial neste prefcio a questo
da relao entre a formao de preos dos bens de consumo e a formao dos
preos dos fatores de produo ou a distribuio da renda. Os
economistas clssicos e Marx sustentaram que a distribuio da renda
era um importante determinante dos preos das mercadorias, enquanto
os economistas neoclssicos, geralmente, invertiam a relao da
causalidade. A maioria dos autores de livros de histria do
pensamento econmico aceita a verso neoclssica sem questionamento e
trata a verso clssica de Marx como uma antiquada curiosidade
histrica. Os progressos tericos iniciados nos anos 1960 a partir da
publicao de Production of Commodities
21. by Means of Commodities, de Piero Sraa, inverteram as
posies. A viso clssica de Marx aparece agora calcada em uma base
terica mais segura. Desde a publicao do livro de Sraa tem havido
uma revitalizao da viso clssica de Marx entre os economistas
modernos, enquanto que os economistas neoclssicos tm procurado
ignorar as implicaes para a sua prpria teoria. Este livro no apenas
busca descrever a ruptura terica trazida por Sraa, como tambm usa
os insights de Sraffa para reinterpretar pensadores
anteriores.
22. Nota 3 Edio Tnhamos dois objetivos para essa nova edio.
Primeiro, queramos aumentar o acesso ao livro e exibilizar seu uso
na sala de aula. O livro sempre foi direcionado para um vasto
pblico. Por outro lado, ns esperamos que um leitor sem nenhum
conhecimento de teoria econmica possa se beneciar dele. A matemtica
por trs das teorias foi mantida em um nvel mnimo de diculdade ao
mesmo tempo em que as ideias essenciais e a lgica dessas teorias
foram abordadas. Por outro lado, acreditamos que a perspectiva a
partir da qual ns cobrimos as vrias teorias difere to
substancialmente de outros textos sobre histria do pensamento
econmico que estudantes de graduao avanados, ps-graduandos e
professores consideraro o livro tanto informativo quanto
estimulante. Com este pblico diversicado em mente, colocamos os
materiais mais difceis em termos de tcnica nos apndices. Por
exemplo, o detalhe tcnico da teoria do equilbrio geral de Walras
encontra-se agora no apndice do captulo 10. A discusso dentro do
captulo ser suciente para compreender as ideias essenciais da
estrutura da teoria do equilbrio geral necessrias para entender seu
signicado e sua meno nos captulos seguintes. Dois apndices
adicionais nos captulos 15 e 16, que foram acrescentados, contm
problemas tcnicos ligeiramente mais difceis. A colocao dessas
questes tcnicas dentro dos apndices deve permitir maior exibilidade
para o instrutor que adotar esse livro como parte de sua classe
sobre a histria do pensamento econmico. O s captulos 14 e 16
constituem uma crtica do que ns chamamos de os trs princpios das
teorias econmicas neoclssicas. O captulo 14 inicia essa crtica
atravs do questionamento da gura do capitalismo como um ideal de
racionalidade e ecincia que culmina em preos de mercado racionais.
O captulo 15 conta com os escritos de Keynes para questionar a f na
natureza automata e autorregularizadora do mercado. O captulo 16 se
concentra na crtica iniciada por Sraa, atingindo seu pico na
controvrsia do capital, na gura do capitalismo como um ideal de
justia distributiva. Os novos apndices dos captulos 15 e 16
oferecem o pano de fundo para se entender as questes envolvidas na
estabilidade ou instabilidade do capitalismo e na distribuio de
renda. O apndice do captulo 15 apresenta as importantes ideias de
Harrod e Domar sobre a instabilidade potencial do capitalismo. O
apndice do captulo 16 demonstra como essas ideias de instabilidade
foram domadas pelo modelo de crescimento de Solow. Ao tratar da
contribuio de Solow, esperamos esclarecer a vasta extenso das
implicaes dos debates sobre o capital para o prprio conceito de
capital, problemas com a teoria marginal de produtividade e a
teoria neoclssica de crescimento. Nosso segundo objetivo para esta
edio era realizar atualizaes necessrias. Algumas dessas atualizaes
dizem respeito aos dados contidos nesse livro. Leitores das edies
anteriores vo lembrar que, em vrios lugares, menes so feitas a
questes contemporneas. Essa era uma das caractersticas nicas do
livro
23. dentre outros sobre histria do pensamento econmico. Em
vrios lugares, tentamos demonstrar como um entendimento das teorias
da histria do pensamento econmico pode ser usado para cultivar uma
compreenso mais profunda sobre os debates e as questes econmicas
contemporneas. Dado o recente tumulto dentro das economias
capitalistas e os constantes debates sobre poltica econmica, era
especialmente importante atualizar os dados contidos nas sees sobre
militarizao e economias endividadas do captulo 15 sobre Keynes.
Embora ns no providenciemos uma anlise detalhada do atual estado da
economia, esperamos que o que apresentado possa comear a criar uma
ligao conceitual entre passado e presente. Atualizaes tambm foram
feitas nos ltimos trs captulos do livro. A inteno desses captulos
prover uma introduo para as teorias econmicas contemporneas e suas
diversas escolas de pensamentos. O leitor notar um tom desses
captulos diferente dos demais, propositadamente. Em um livro como
este, no podemos apresentar em detalhes o estado corrente da teoria
econmica em nenhuma de suas diversas abordagens. Livros inteiros so
devotados a praticamente cada uma das sees desses trs captulos
nais. O propsito desses captulos demonstrar como a histria do
pensamento econmico oferece uma compreenso das teorias econmicas
contemporneas. Com isso em mente, no foi necessrio tentar prover um
resumo completo dos captulos. Por exemplo, a bifurcao que existe
hoje entre teorias econmicas neoclssicas tem suas razes histricas
na divergncia de opinies entre Mill e Bastiat na metade do sculo XI
X. Os escritos de Samuelson e Friedman no sculo XX carrega essa
bifurcao adiante at o limite do estado corrente da tradio
neoclssica. Os leitores que continuarem seu estudo de teoria
econmica devem se encontrar em uma boa posio para entender a
histria da bifurcao que eles encontram hoje. A seo nal do captulo
17 foi adicionada a m de ajudar nessa compreenso. Os ltimos dois
captulos visam fazer muito do mesmo em termos de escolas
contemporneas de pensamento fora do mainstream. Aqui, mais uma vez,
ns s podemos esperar introduzir o leitor a essas escolas
alternativas de pensamento enquanto demonstramos, ao mesmo tempo,
como elas esto ligadas a teorias passadas. O captulo 18 desta edio
presente contm novo material sobre teorias econmicas
ps-keynesianas, enquanto uma nova seo do captulo 19 destaca alguns
dos desenvolvimentos recentes dentro da tradio radical.
24. Agradecimentos O presente livro , creio eu, o primeiro
livro abrangente de histria do pensamento econmico a descrever a
ruptura terica de Sraa e a reinterpretar pensadores anteriores luz
das ideias de Sraa, embora, de maneira mais restrita, Maurice Dobb
tenha trabalhado brilhantemente sobre esse tema na histria do
pensamento econmico. O livro termina com uma discusso sobre as
diferenas entre as teorias econmicas contemporneas. Espero que o
livro todo contribua para uma maior compreenso da teoria
contempornea. A Matemtica includa no texto no vai alm de uns poucos
grcos e equaes simples. Uma pessoa sem formao anterior em teoria
econmica pode ler e entender o livro. Ao mesmo tempo, creio que
minha perspectiva sobre as diversas teorias discutidas
sucientemente diferente de qualquer outra histria do pensamento
econmico e que muitos professores e estudantes ps-graduados em
Economia iro encontrar no livro muito de original, informativo e
estimulante. Minhas dvidas intelectuais gerais so muitas. O
professor que mais estimulou meu interesse em histria do pensamento
econmico foi Lawrence Nabers. Dentre os autores que tiveram
signicativa inuncia sobre mim incluem-se Karl Marx, J ohn Dewey,
Thorstein Veblen, Leo Rogin e Maurice Dobb. J ohn Gunman e os
professores J ames M. Cypher, Douglas Dowd, Howard Sherman, Norris
C. Clement e Warren Samuels zeram valiosos comentrios sobre os
manuscritos deste livro. E muito obrigado a Mark Price por preparar
o manuscrito para a editora. Mais do que tudo, gostaria de
agradecer a Ginger Alewine: sem sua ajuda, esta edio jamais seria
concluda. Ela uma pessoa especial, pela qual tenho muita gratido e
carinho. Desejo agradecer aos editores de vrios textos que escrevi
para outras publicaes, por terem me permitido utilizar, neste
livro, algumas das ideias ou curtos trechos desses trabalhos.*
Finalmente, gostaramos de expressar nossa profunda gratido s nossas
famlias. E.K. Hunt gostaria de expressar seu amor e agradecimento a
seus dois lhos, J erey e Andrew, a quem dedico este livro, com meu
mais intenso e profundo amor. Mark Lau enheiser gostaria de
expressar seu amor e gratido sua esposa, Tracy, por sua pacincia e
incentivo durante o processo de elaborao desta edio. Ele tambm
deseja registrar seu amor e apreo a seu lho J ohnathan, e que este
livro lhe seja til na compreenso do mundo em que ele vive. A eles
dedicamos esta edio. E.K. Hunt and Mark Lautzenheiser * Incluem-se:
Property and Prophets, the Evolution of Economic Institutions and
Ideologies. 6 ed., Nova York: Harper and Row, 1990; Marxian Labor
Values, Prices, and Profits, Intermountain Economic Review
(Primavera 1978); An Essay on the Criteria Defining Social
Economics, Review of Social Economics (Dez. 1978); Value Theory in
the Writings of the Classical Economists, Thomas Hodfskin and Karl
Marx, History of Political Economy (Outono
25. 1977); Utilitarianism and the Labor Theory of Value,
History of Political Economy (Primavera 1980); permisso para usar
algumas ideias ou trechos curtos dos dois artigos de History of
Political Economy dada pela Duke University Press; A Radical
Critique of Welfare Economics. In: E. J. Nell (ed.) Value,
Distribution and Growth: Essays in the Revival of Political
Economy. Nova York: Cambridge University Press, 1978.
26. Agradecimentos Trechos de Paul A. Baran e Paul M.
Sweezy,Monopoly Capital, foram reproduzidos com permisso da Monthly
Review Press. Trechos de Harry Braverman,Labor and Monopoly
Capital: The Degradation of Work in Twentieth Century, foram
reproduzidos com permisso Monthly Review Press. Trechos de Milton
Friedman,Capitalism and Freedom, 1962, pela University of Chicago,
foram reproduzidos com permisso da University of Chicago Press e
Milton Friedman. Trechos de J .A. Hobson,Imperialism: A Study,
foram reproduzidos com permisso da University of Michigan Press.
Trechos de J ohn Maynard Keynes,The General Theory of Employment,
Interest and Money, foram reproduzidos com permisso da Harcourt
Brace J ovanovich e Right Honorable Lord Kahn. Trechos de Alfred
Marshall,Principles of Economics, 8th ed., foram reproduzidos com
permisso da Mcmillan, London e Basingstoke. Trechos de Ronald L.
Meek,Economics and Ideology and Other Essays, foram reproduzidos
com permisso da Chapman and Hall; trechos de Studies in the Labour
Theory of Value, rev. ed., 1976 por Ronald L. Meek, foram
reproduzidos com permisso da Monthly Review Press. Trechos de D.M.
Nuti, Vulgar Economy in the Theory of I ncome Distribution, i n A
Critique of Economic Theory, ed. E.K. Hunt e J esse G. Schwar ,
foram reproduzidos com permisso da D.M. Nuti. Trechos de Paul A.
Samuelson, A Summing Up,Quarterly Journal of Economics, foram
reproduzidos com permisso da J ohn Wiley; trechos deEconomics,
10th. ed., 1976 McGraw-Hill, foram reproduzidos com permisso da
McGraw-Hill. Trechos de Piero Sraa,Production of Commodities by
Means of Commodities, foram reproduzidos com permisso da Cambridge
University Press. Trechos de Thorstein Veblen,The Place of Science
in ModernCivilisation, and Other Essays, 1919, com um novo prefcio
de J oseph Dorfman, foram reproduzidos com permisso de Russell and
Russell; trechos deEssays in Our Changing Order, Absentee Ownership
and Business Enterprise in Recent Times, The Instinct of
Workmanship, The Engineers and the Price System, The Theory of
Business Enterprise, e The Theory of the Leisure Class foram todos
reproduzidos com permisso de Augustus M. Kelley.
27. CAP T ULO 1 Introduo Costuma-se dizer que a moderna teoria
econmica comeou com Adam Smith (1723-1790). Este livro trata das
ideias principalmente econmicas desde Smith at hoje. O elemento
comum s ideias aqui apresentadas a preocupao em compreender a
natureza do sistema econmico capitalista. Todos os autores que
discutiremos buscavam identicar as caractersticas que seriam mais
importantes para o funcionamento do capitalismo, como o sistema
funcionava, o que determinava o volume de produo, qual era a origem
do crescimento econmico, o que determinava a distribuio da riqueza
e da renda e outras questes pertinentes. Tambm buscavam avaliar o
capitalismo: quo adequado seria o sistema para a satisfao das
necessidades humanas? Como poderia ser mudado para melhor atender a
essas necessidades?
28. Uma Definio de Capitalismo A armao de que as tentativas de
compreender o capitalismo comearam com Adam Smith , naturalmente,
muito simplista. O capitalismo como sistema econmico, poltico e
social dominante surgiu muito lentamente, em um perodo de vrios
sculos, primeiro na Europa Ocidental e, depois, em grande parte do
mundo. medida que surgia, as pessoas buscavam compreend-lo. Para
resumir as tentativas de compreender o capitalismo, necessrio,
primeiro, deni-lo e, ento, rever resumidamente as principais
caractersticas histricas de seu aparecimento. Deve-se armar desde j
que no h consenso geral entre economistas e historiadores econmicos
quanto ao que sejam as caractersticas essenciais do capitalismo. De
fato, alguns economistas sequer acreditam que seja til denir
sistemas econmicos diferentes; eles acreditam em uma continuidade
histrica, na qual os mesmos princpios gerais so sucientes para
compreender todos os ordenamentos econmicos. Entretanto, a maioria
dos economistas concordaria que o capitalismo um sistema econmico
que funciona de modo bem diverso dos sistemas econmicos anteriores
e dos sistemas econmicos no capitalistas. Este livro baseado numa
abordagem metodolgica que dene um sistema econmico segundo o modo
de produo no qual se baseia. O modo de produo, por sua vez, denido
pelas foras produtivas e pelas relaes sociais de produo. As foras
produtivas constituem o que comumente se chamaria tecnologia
produtiva de uma sociedade. Essa tecnologia consiste no estado
atual do conhecimento tcnico ou produtivo, nas especializaes,
tcnicas organizacionais etc., bem como nas ferramentas,
implementos, mquinas e prdios usados na produo. Dentro de qualquer
conjunto de foras produtivas, deve-se incorrer em determinados
custos necessrios manuteno da existncia do sistema. Outros
recursos, as matrias-primas, devem ser continuamente extrados da
natureza. Maquinaria, ferramentas e outros implementos de produo
desgastam-se com o uso e devem ser substitudos. Mais importante
ainda que os seres humanos, que fazem o esforo necessrio para
assegurar a disponibilidade das matrias-primas e para transform-las
em produtos acabados, devem ter uma quantidade mnima de alimentos,
roupas, moradia e outros bens necessrios vida em sociedade. Os
modos de produo que no satiszeram a essas necessidades mnimas de
produo contnua desapareceram. Muitos modos histricos de produo
conseguiram atender a essas necessidades mnimas durante certo
tempo, mas, devido mudana das circunstncias, tornaram-se incapazes
de continuar a faz-lo e, consequentemente, se extinguiram. A
maioria dos modos de produo que continuaram a existir por muito
tempo, de fato, tem produzido no apenas o suciente para atender s
necessidades mnimas, mas tambm um excesso, ou excedente social, alm
dos custos necessrios. O excedente social denido como aquela parte
da produo material da sociedade que sobra, aps serem deduzidos
29. os custos materiais necessrios para a produo. O
desenvolvimento histrico das foras produtivas tem resultado em uma
capacidade sempre crescente de as sociedades produzirem excedentes
sociais cada vez maiores. Dentro dessa evoluo histrica, cada
sociedade tem sido dividida, de modo geral, em dois grupos
separados. A maioria das pessoas, em cada sociedade, trabalha
exaustivamente para produzir o necessrio para sustentar e perpetuar
o modo de produo, bem como o excedente social, enquanto uma pequena
minoria se apropria desse excedente e o controla. Neste livro, as
classes sociais so diferenciadas entre si em funo desse fato; as
relaes sociais de produo so denidas como relaes entre essas duas
classes. Um modo de produo , portanto, o conjunto social da
tecnologia de produo (as foras produtivas) e os arranjos sociais
atravs dos quais uma classe une suas foras produtivas para produzir
todos os bens, inclusive o excedente, e a outra dele se apropria
(as relaes sociais de produo). No contexto desse conjunto geral de
denies, podemos denir capitalismo como o modo particular de produo
com o qual os pensadores estudados neste livro tm se preocupado. O
capitalismo caracterizado por quatro conjuntos de arranjos
institucionais e comportamentais: produo de mercadorias, orientada
para o mercado; propriedade privada dos meios de produo; um grande
segmento da populao que no pode existir, a no ser que venda sua
fora de trabalho no mercado; e comportamento individualista,
aquisitivo, maximizador, da maioria dos indivduos dentro do sistema
econmico. Cada uma dessas caractersticas ser discutida brevemente.
No capitalismo, o valor dos produtos do trabalho humano dado por
duas razes distintas. Primeiro, tais produtos tm caractersticas
fsicas particulares, em virtude das quais se tornam utilizveis e
satisfazem s necessidades humanas. Quando uma mercadoria avaliada
por seu uso na satisfao das nossas necessidades, diz-se que tem
valor de uso. Todo produto do trabalho humano, em todas as
sociedades, tem valor de uso. No capitalismo, os produtos tm valor
porque podem ser vendidos no mercado, em troca de dinheiro. Esse
dinheiro desejado porque pode ser trocado por produtos que tm um
valor de uso desejado. Na medida em que os produtos tm valor,
porque podem ser trocados por moeda, diz-se que eles tm valor de
troca. Os produtos do trabalho humano tm valor de troca somente nos
modos de produo caracterizados pela produo de mercadorias. Para que
a produo de mercadorias exista, preciso que a sociedade tenha um
mercado muito desenvolvido, no qual os produtos possam ser
livremente comprados ou vendidos em troca de moeda. Existe produo
de mercadorias quando os produtos so fabricados pelos produtores
sem qualquer interesse pessoal imediato em seu valor de uso, mas,
sim, em seu valor de troca. A produo de mercadorias no um meio
direto de satisfao de necessidades. um meio de adquirir moeda pela
troca de produtos por moeda, que, por sua vez, pode ser utilizada
na compra dos produtos desejados por seu valor de uso. Sob
tais
30. condies, os produtos do trabalho humano so mercadorias, e a
sociedade caracterizada como voltada para a produo de mercadorias.
Na produo de mercadorias, a atividade produtiva de uma pessoa no
tem qualquer ligao direta com seu consumo; ambos devem ser mediados
pela troca e pelo mercado. Alm disso, uma pessoa no tem qualquer
ligao direta com as pessoas que produzem as mercadorias que
consomem. Tal relao social tambm mediada pelo mercado. A produo de
mercadorias implica um alto grau de especializao produtiva, em que
cada produtor isolado cria somente uma ou poucas mercadorias,
dependendo, assim, de que outros indivduos, com quem ele no tem
qualquer relao pessoal direta, comprem suas mercadorias no mercado.
Uma vez que ele tenha trocado suas mercadorias por dinheiro,
novamente depender de que pessoas com as quais ele no tem relao
pessoal direta ofeream, no mercado, aquelas mercadorias que ele tem
de comprar para satisfazer s suas necessidades pessoais. Nesse tipo
de economia, existem inter-relaes e dependncias econmicas
extremamente complexas e que no envolvem interao e associao pessoal
direta. O indivduo interage somente com a instituio social
impessoal do mercado, no qual o indivduo troca mercadorias por
moeda e moeda por mercadorias. Consequentemente, o que, em
realidade, um conjunto de complexas relaes econmicas e sociais
entre pessoas , para cada indivduo, apenas uma srie de relaes
impessoais entre coisas isto , mercadorias. Cada indivduo depende
das foras impessoais do mercado, de compra e venda, ou demanda e
oferta, para a satisfao de suas necessidades. A segunda
caracterstica denidora do capitalismo a propriedade privada dos
meios de produo. I sso signica que a sociedade d a certas pessoas o
direito de determinar como matrias-primas, ferramentas, maquinaria
e prdios destinados produo podem ser usados. Tal direito
necessariamente implica que outros indivduos sejam excludos do
grupo daqueles que tm algo a dizer sobre como esses meios de produo
podem ser usados. As primeiras defesas da propriedade privada
falavam em termos de cada produtor individual possuir e, portanto,
controlar os meios de sua prpria produo. No entanto, muito cedo na
evoluo do capitalismo, as coisas se desenvolveram de modo
diferente. De fato, a terceira caracterstica denidora do
capitalismo que muitos produtores no so proprietrios dos meios
necessrios para a execuo de sua atividade produtiva. A propriedade
se concentra nas mos de um pequeno segmento da sociedade os
capitalistas. Um capitalista proprietrio no precisava representar
qualquer papel direto no processo produtivo, de modo a control-lo;
a propriedade lhe dava esse controle. E essa propriedade foi o que
permitiu ao capitalista apropriar-se do excedente social. Assim, a
propriedade dos meios de produo a caracterstica do capitalismo que
confere classe capitalista o poder pelo qual controla o excedente
social, estabelecendo-se, a partir da, como classe social
dominante. Essa dominao, claro, implica a terceira caracterstica
denidora de
31. capitalismo a existncia de uma numerosa classe
trabalhadora, que no tem qualquer controle sobre os meios
necessrios para a execuo de suas atividades produtivas. No
capitalismo, a maioria dos trabalhadores no possui as matrias-
primas nem os implementos com os quais produz mercadorias. I sso
quer dizer que as mercadorias que os trabalhadores produzem no lhes
pertencem, mas sim, aos capitalistas proprietrios dos meios de
produo. O trabalhador tpico entra no mercado possuindo ou
controlando somente uma coisa sua capacidade de trabalho, isto , a
sua fora de trabalho. Para se dedicar atividade produtiva, tem de
vender sua fora de trabalho a um capitalista. Em troca, recebe um
salrio e produz mercadorias que pertencem ao capitalista. Desse
modo, ao contrrio de qualquer outro modo de produo anterior, o
capitalismo faz da fora produtiva humana uma mercadoria em si mesma
a fora de trabalho e gera um conjunto de condies pelas quais a
maioria das pessoas no pode viver, a no ser que sejam capazes de
vender a mercadoria de que so proprietrias a fora de trabalho a um
capitalista, em troca de um salrio. Com esse salrio, podem comprar
dos capitalistas somente uma frao das mercadorias que eles mesmos
produziram. O restante das mercadorias que produziram constitui o
excedente social e retido e controlado pelos capitalistas. A quarta
e ltima caracterstica denidora de capitalismo a de que a maioria
das pessoas motivada por um comportamento individualista,
aquisitivo e maximizador. I sso necessrio para o funcionamento
adequado do capitalismo. Primeiro, para assegurar uma oferta
adequada ao trabalho e facilitar o rgido controle dos
trabalhadores, necessrio que produzam mercadorias cujo valor exceda
em muito o valor das mercadorias que consomem. Nos primrdios do
capitalismo, isso foi conseguido de dois modos. Primeiro, os
trabalhadores recebiam salrios to baixos que, com suas famlias,
viviam nos limites da mais extrema insegurana e pobreza materiais.
O nico modo claro de reduzir a insegurana e a pobreza era trabalhar
mais horas e mais intensamente, para obter um salrio mais adequado
e evitar ser forado a juntar-se ao grande exrcito de trabalhadores
desempregados, que tem sido um fenmeno social sempre presente no
sistema capitalista. medida que o capitalismo foi evoluindo, a
produtividade dos trabalhadores foi crescendo. Eles buscavam
organizar-se coletivamente em sindicatos e associaes de
trabalhadores, para lutar por melhores salrios. Por volta do nal do
sculo passado e incio do sculo XX, aps diversos avanos e inmeros
retrocessos, essa luta comeou a surtir algum efeito. Desde ento, o
poder de compra do salrio do trabalhador vem crescendo lenta e
rmemente. Em lugar da privao fsica generalizada, o capitalismo tem
sido obrigado a recorrer cada vez mais a novos tipos de motivao,
para manter a massa dos trabalhadores produzindo o excedente
social. Um novo ethos social, s vezes chamado consumismo, tornou-se
dominante. Caracteriza-se pela crena de que mais renda, por si s,
sempre significa mais felicidade.
32. Os mores sociais do capitalismo tm levado as pessoas a
acreditar que praticamente toda necessidade ou infelicidade
subjetiva pode ser eliminada comprando-se mais mercadorias. O mundo
competitivo e economicamente inseguro no qual se movem os
trabalhadores cria sentimentos subjetivos de ansiedade, solido e
alienao. A maioria dos trabalhadores v como causa desses
sentimentos sua prpria incapacidade de comprar mercadorias
sucientes para faz-los felizes. Contudo, medida que recebem salrios
maiores e compram mais mercadorias, vericam que o sentimento geral
de insatisfao e ansiedade continua. Assim, os trabalhadores tendem
a concluir que o problema que o aumento dos salrios insuciente.
Como no identicam a verdadeira origem de seus problemas, caem em um
crculo vicioso asxiante, no qual quanto mais se tem, mais
necessidade se sente; quanto mais rpido se corre, mais devagar se
parece andar; quanto mais arduamente se trabalha, maior parece ser
a necessidade de trabalhar cada vez mais arduamente. Em segundo
lugar, os capitalistas tambm so induzidos a um comportamento
combativo e aquisitivo. A razo mais imediata disso o fato de que o
capitalismo sempre foi caracterizado pela luta competitiva entre
capitalistas por fatias maiores do excedente social. Nessa luta sem
m, o poder de cada capitalista depende do volume de capital que ele
controla. Se os concorrentes de um capitalista adquirem capital e,
com isso, tamanho e poder econmico mais rapidamente que ele, maior
a probabilidade de ele ter de enfrentar a prpria extino. Assim, sua
existncia como capitalista depende de sua habilidade em acumular
capital pelo menos no mesmo ritmo que os concorrentes. Da o
capitalismo ter sido sempre caracterizado pelo esforo frentico dos
capitalistas em obter mais lucro e converter seus lucros em mais
capital. O consumismo entre capitalistas tem sido importante tambm
para o funcionamento adequado do capitalismo. No processo de
produo, os capitalistas se apropriam do excedente produzido, a
mais-valia, sob a forma de mercadorias. Para que essa mais-valia
seja convertida em lucro monetrio, essas mercadorias devem ser
vendidas no mercado. Pode-se esperar, de modo geral, que os
trabalhadores gastem todo o salrio em mercadorias, mas seus salrios
podem comprar s parte das mercadorias produzidas (caso contrrio, no
haveria qualquer excedente social). Os capitalistas compraro muitas
mercadorias como investimento a acrescentar sua acumulao de
capital. Entretanto, essas duas fontes de demanda jamais foram
sucientes para gerar o gasto necessrio para os capitalistas, como
classe, para venderem todas as suas mercadorias. Portanto, para
haver uma procura monetria suciente para os capitalistas venderem
todas as suas mercadorias, preciso uma terceira fonte de demanda:
os gastos crescentes de consumo dos prprios capitalistas. Quando
tal procura no se concretiza, o capitalismo sofre depresses; quando
as mercadorias no podem ser vendidas, os trabalhadores so
despedidos, os lucros caem, gerando uma crise econmica geral. O
capitalismo, atravs de sua histria,
33. tem sofrido crescentes crises dessa espcie. Uma grande
preocupao da maioria dos pensadores econmicos discutida neste livro
tem sido compreender a natureza e as causas dessas crises e
descobrir remdios para elimin-las ou, ao menos, aliviar seus
efeitos.
34. A Economia Europeia Pr-capitalista Para esboar a evoluo
histrica do capitalismo, primeiro necessrio dizer algumas palavras
sobre o feudalismo o sistema socioeconmico que precedeu o
capitalismo na Europa Ocidental. O declnio da parte ocidental do
velho I mprio Romano deixou a Europa sem as leis e a proteo que o I
mprio oferecia. O vcuo foi preenchido pela criao de uma hierarquia
feudal na qual o servo ou campons era protegido pelos senhores
feudais, que, por sua vez, deviam delidade e eram protegidos por
senhores mais poderosos. Assim se estruturava o sistema, indo at o
rei. Os fortes protegiam os fracos, mas a um alto preo. Em troca de
pagamento em moeda, alimentos, trabalho ou delidade militar, os
senhores concediam o feudo um direito hereditrio ao uso da terra a
seus vassalos. Na base estava o servo, que cultivava a terra. A
grande maioria da populao cultivava, visando alimentao e ao
vesturio, ou criava ovelhas, para obter a l e o vesturio.1 Os
costumes e a tradio so a chave para a compreenso das relaes
medievais. Em lugar de leis, tal qual as conhecemos hoje, o que
governava eram os costumes vigentes no feudo. Na I dade Mdia,no
havia autoridade central forte que pudesse impor o cumprimento de
um sistema de leis. Toda a organizao medieval baseava-se em um
sistema de servios e obrigaes mtuas, envolvendo toda a hierarquia
feudal. A posse ou o uso da terra obrigava a certos servios ou
pagamentos costumeiros, em troca de proteo. O senhor estava to
obrigado a proteger o servo quanto este estava obrigado a pagar, em
troca, uma parte de sua colheita ou trabalhar para o senhor. claro
que os costumes eram quebrados; nenhum sistema opera, de fato, tal
como a teoria determina. No se deve, porm, subestimar a fora dos
costumes e da tradio que determinou a vida e as ideias do povo
medieval. As disputas entre servos eram resolvidas na corte do
senhor, segundo no s as circunstncias especiais de cada caso, como
tambm o costume do feudo para tais casos. claro que, em geral, um
senhor decidia a seu favor, em uma disputa entre ele prprio e seu
servo. Entretanto, mesmo nessas circunstncias, especialmente na I
nglaterra, um senhor mais poderoso impunha sanes ou punies a um
outro que, como seu vassalo, persistentemente violasse os costumes
no tratamento dos servos. As regras segundo os costumes do feudo
aparecem em profundo contraste, comparadas com o sistema legal e
jurdico do capitalismo. O sistema capitalista baseia-se no
cumprimento de leis de carter universalista e contratos,
cumprimento esse que s raramente relaxado por circunstncias
atenuantes ou por costumes que, nos tempos medievais, inuenciavam
com muito mais frequncia o julgamento do senhor feudal. At que
ponto o senhor feudal podia fazer cumprir seus direitos variava
muito, de acordo com a poca e o lugar. Foi o fortalecimento dessas
obrigaes e da capacidade dos nobres de faz-las serem cumpridas por
uma extensa hierarquia de vassalos numa regio muito grande que
acabou levando ao aparecimento dos
35. modernos Estados-nao. Esse processo ocorreu durante o
perodo de transio do feudalismo para o capitalismo. Entretanto, ao
longo da maior parte da I dade Mdia, muitos dos direitos do senhor
feudal eram fracos ou incertos, j que o controle poltico estava
fragmentado. A instituio econmica bsica da vida rural medieval era
o feudo, no qual havia duas classes distintas: os nobres, ou
senhores, e os servos (do latim servens, ou escravo). Os servos no
eram de fato escravos. Ao contrrio do escravo, que era uma simples
propriedade a ser comprada ou vendida vontade, o servo no podia ser
separado de sua famlia nem de sua terra. Se seu senhor transferisse
a posse do feudo a outro nobre, o servo simplesmente teria outro
senhor. Em graus variveis, no entanto, os servos tinham obrigaes
que, s vezes, se tornavam pesadas, e das quais, frequentemente, no
havia como escapar. Normalmente, o servo estava longe de ser livre.
O senhor vivia do trabalho dos servos que cultivavam seus campos e
pagavam impostos em espcie e em moeda, de acordo com o costume do
feudo. De forma anloga, o senhor dava proteo, supervisionava e
administrava a J ustia, de acordo com o costume do feudo. Deve-se
acrescentar que, embora o sistema repousasse na reciprocidade das
obrigaes, a concentrao do poder poltico e econmico nas mos do
senhor conduzia a um sistema no qual, por qualquer critrio, o servo
era explorado ao extremo. Durante a I dade Mdia, a I greja Catlica
era, de longe, o maior proprietrio de terras. Embora bispos e
abades ocupassem posies semelhantes s de condes e duques, na
hierarquia feudal, havia uma importante diferena. Os senhores
feudais seculares podiam mudar a sua lealdade de um chefe supremo
(overlord, no original) para outro, dependendo das circunstncias e
do equilbrio de poder em questo, mas os senhores religiosos deviam
sempre (em princpio, ao menos), em primeiro lugar, uma lealdade I
greja de Roma. Essa foi tambm uma poca em que o ensino religioso
ministrado pela I greja teve uma inuncia forte e profunda em toda a
Europa Ocidental. Esses fatores combinados zeram da I greja a
instituio mais prxima de um governo forte e centralizado durante
todo esse perodo. Assim, o feudo podia ser secular ou religioso
(muitos senhores eram vassalos de senhores religiosos e
vice-versa), mas as relaes bsicas entre senhores e servos no eram
signicativamente afetadas por essa distino. Existe pouca evidncia
de que o servo seria tratado menos severamente por senhores
religiosos do que por senhores seculares. Os senhores religiosos e
a nobreza feudal formavam as classes dominantes; controlavam a
terra e o poder dela decorrente. Em troca de apropriaes muito
pesadas do trabalho, da produo e do dinheiro do servo, a nobreza
dava proteo militar e a Igreja, ajuda espiritual. Alm dos feudos, a
Europa medieval tinha muitas cidades, que eram importantes centros
manufatureiros. Os bens manufaturados eram vendidos aos feudos e,
algumas vezes, comercializados no comrcio de longa distncia.
As
36. instituies econmicas dominantes nas cidades eram as guildas
associaes artesanais, prossionais e de ofcio que existiam desde o I
mprio Romano. Quem quisesse produzir ou vender qualquer bem ou
servio teria de entrar para uma guilda. As guildas se envolviam
tambm em questes sociais e religiosas, tanto quanto nas econmicas.
Controlavam a vida de seus membros em todas as atividades:
pessoais, sociais, religiosas e econmicas. Embora regulassem
cuidadosamente a produo e a venda de mercadorias, as guildas se
mostravam mais voltadas para a salvao espiritual de seus membros do
que para a obteno de lucros. A salvao exigia que o indivduo vivesse
uma vida ordenada, baseada nos costumes e ensinamentos da I greja.
Assim, as guildas exerciam uma poderosa inuncia como sustentadores
do status quo nas cidades medievais. Contudo, a sociedade medieval
era predominantemente agrria. A hierarquia social era baseada nos
laos do indivduo com a terra, e o sistema social por inteiro
repousava sobre uma base agrcola. No entanto, ironicamente, os
aumentos da produtividade agrcola constituram o mpeto original para
uma srie de mudanas profundas, ocorridas ao longo de vrios sculos,
e que resultaram na dissoluo do feudalismo medieval e no incio do
capitalismo. O mais importante avano tecnolgico da Idade Mdia foi a
substituio do sistema de plantio de dois campos para o sistema de
trs campos. Embora haja evidncia de que o sistema de trs campos
tenha sido introduzido na Europa j no sculo VI I I , seu uso no se
generalizou antes do sculo XI. O plantio anual da mesma rea
esgotava a terra e acabava por torn-la intil. Assim, no sistema de
dois campos, metade da terra era sempre deixada ociosa, de modo que
se recuperasse do plantio do ano anterior. Com o sistema de trs
campos, a terra arvel era dividida em trs partes iguais. No outono,
no primeiro campo, cultivava-se centeio ou trigo de inverno.
Plantava-se aveia, feijo ou ervilha, na primavera, no segundo
campo, deixando-se o terceiro campo em repouso. Todo ano, havia uma
rotao dessas posies. Assim, um dado trecho da terra teria uma
cultura de outono em um ano, de primavera no ano seguinte e
descansaria no terceiro ano. Dessa mudana aparentemente simples na
tecnologia agrcola resultou um dramtico aumento do produto agrcola.
Com a mesma quantidade de terra arvel, o sistema de trs campos
aumentou a rea cultivada, em qualquer poca, em at 50%.2 O sistema
de trs campos induziu a outras mudanas importantes. Plantaes de
aveia e forragem, na primavera, permitiam a criao de mais cavalos,
que comearam a substituir o boi como a principal fonte de energia,
na agricultura. Os cavalos eram muito mais rpidos do que os bois e,
assim, a rea cultivvel pde ser estendida. Maiores reas cultivadas
permitiram que o campo alimentasse centros urbanos mais populosos.
Com o cavalo, o transporte de homens, mercadorias e equipamentos
tornou-se muito mais eciente. O prprio ato de arar tornou-se mais
eciente: um arado puxado por uma parelha de bois exigia trs homens
para
37. control-lo, ao passo que um arado puxado por cavalos
poderia ser operado por um homem s. Alm disso, no sculo XI I I , o
custo do transporte de produtos agrcolas foi substancialmente
reduzido, quando a carroa de duas rodas foi substituda pela de
quatro rodas, com eixo dianteiro mvel. Esses melhoramentos na
agricultura e no transporte contriburam para duas mudanas
importantes e de longo alcance. Primeiro, tornaram possvel um rpido
aumento do crescimento da populao. As melhores estimativas mostram
que a populao da Europa dobrou entre 1000 e 1300.3 Segundo, houve
um rpido aumento de concentrao urbana, estreitamente ligado expanso
da populao. Antes do ano 1000, a Europa era essencialmente
constituda de feudos, vilas e algumas poucas cidades pequenas, alm
de alguns poucos centros comerciais, no Mediterrneo. Por volta de
1300, j havia cidades grandes e prsperas. O crescimento das vilas e
cidades conduziu ao crescimento da especializao rural-urbana. A
produo de bens manufaturados cresceu enormemente, com os
trabalhadores urbanos rompendo todos os laos com a terra. J unto
com essa crescente produo manufatureira e crescente especializao
econmica vieram muitos ganhos adicionais de produtividade. Outro
importante resultado da especializao crescente foi o
desenvolvimento do comrcio inter-regional e de longa distncia.
38. O Crescimento do Comrcio de Longa Distncia Muitos
historiadores sustentam que a disseminao do comrcio foi a mais
importante fora para a desintegrao do feudalismo medieval. A
importncia do comrcio no pode ser posta em dvida, mas deve-se
destacar que esse comrcio no surgiu por acaso ou por fatores
completamente externos economia europeia, como, por exemplo, o
aumento dos contatos com os rabes. Ao contrrio, vimos, na seo
anterior, que esse crescimento do comrcio foi sustentado pela
evoluo econmica interna da Europa. O crescimento da produtividade
agrcola signicava que o excedente de alimentos e manufaturados
tornava-se disponvel tanto para os mercados locais quanto para o
mercado internacional. A melhoria na energia e no transporte tornou
possvel e lucrativo concentrar os indivduos nas cidades, produzir
em grande escala e vender os bens produzidos nos mercados mais
amplos, de longa distncia. Assim, esses desenvolvimentos bsicos na
agricultura e na indstria foram pr-requisitos necessrios para a
disseminao do comrcio, o que, por sua vez, estimulou mais ainda a
expanso urbana e incentivou a indstria. Entretanto, o crescimento
do comrcio no pode ser considerado a principal fora na dissoluo do
feudalismo ou na criao do capitalismo. Embora a transio do
feudalismo para o capitalismo tenha coincidido com o aumento do
comrcio na Europa Ocidental, e embora o comrcio tenha sido,
decididamente, importante para a dissoluo do feudalismo e para o
crescimento do capitalismo na Europa Ocidental, a intensicao da
atividade comercial na Europa Oriental tendeu a contribuir para a
consolidao e a perpetuao das relaes econmicas e sociais feudais.
Tais efeitos diferenciados do comrcio foram devidos diferena nos
estgios de desenvolvimento do feudalismo em que se encontravam as
duas regies. Na Europa Oriental, o feudalismo era um sistema
econmico relativamente novo e vigoroso, com considervel potencial
econmico de maior desenvolvimento. Nesse contexto, o comrcio tendia
a ser estritamente mantido subordinado aos interesses da classe
feudal dominante. Na Europa Ocidental, o feudalismo tinha atingido,
e provavelmente ultrapassado, seu pleno potencial econmico. Muito
antes de o comrcio comear a ser uma parte signicativa da vida da
Europa Ocidental, o feudalismo j comeara a se dissolver. O impulso
inicial dessa dissoluo foi o fato de que, a despeito dos aumentos
de produtividade, o excedente social se tornava cada vez menor para
sustentar uma classe dominante que crescia rapidamente. I sso
provocou conitos cada vez mais srios e irreconciliveis dentro da
prpria classe dominante. No contexto desses conitos graves entre
vrios segmentos da nobreza e do clero, o comrcio se tornou uma fora
desestabilizante, corrosiva.4 Em nosso resumo, nos limitaremos a
discutir o feudalismo na Europa Ocidental, onde o comrcio tendeu a
acelerar a dissoluo do feudalismo e a estabelecer muitas das
fundaes institucionais do capitalismo. A expanso do comrcio,
particularmente de longa distncia, levou ao
39. estabelecimento de cidades industriais e comerciais para
servir a esse comrcio. O crescimento dessas cidades, bem como o seu
crescente controle por capitalistas comerciantes, provocou
importantes mudanas, tanto na agricultura quanto na indstria. Cada
uma dessas reas, particularmente a agricultura, teve seus laos
enfraquecidos e, por fim, rompidos com a estrutura socioeconmica
feudal. Desde o incio do perodo medieval, algum comrcio de longa
distncia vinha sendo feito em muitas partes da Europa. Esse comrcio
era muito importante no sul da Europa, nos mares Mediterrneo e
Adritico, e a leste, no Mar do Norte e no Mar Bltico. Entretanto,
entre essas duas reas de comrcio, o sistema feudal senhorial da
maior parte da Europa permaneceu relativamente inalterado pelo
comrcio at a ltima fase da Idade Mdia. A partir do sculo XI , as
Cruzadas deram fora a uma marcante expanso do comrcio. Todavia, as
Cruzadas em si no podem ser vistas como um fator externo ou
acidental no desenvolvimento da Europa. Elas no foram promovidas
por razes religiosas nem foram o resultado de ataques otomanos a
peregrinos, j que os turcos mantiveram a poltica muulmana de
tolerncia. Os acontecimentos no lado turco, de fato, levavam a
ataques cada vez mais fortes a Bizncio, mas o Ocidente,
normalmente, enviava ajuda apenas simblica, j que no havia grande
simpatia por Bizncio. As razes lgicas para as Cruzadas podem ser
vistas no desenvolvimento intenso da Frana, onde tinham seu mais
forte apoio. A Frana tornava-se cada vez mais forte, tinha
crescentes relaes comerciais com o leste e necessitava de uma
vlvula de escape para a inquietao social interna. Uma propaganda
adicional em prol das Cruzadas era feita pela oligarquia de Veneza,
que queria expandir seu comrcio e sua influncia no leste.5 O
desenvolvimento do comrcio com os rabes e com os vikings, no norte,
levou ao crescimento da produo para a exportao e s grandes feiras
comerciais, que oresceram do sculo XI I ao nal do sculo XI V.
Realizadas anualmente nas principais cidades comerciais europeias,
essas feiras geralmente duravam de uma a vrias semanas. Os
mercadores do norte da Europa trocavam cereais, peixes, l, tecidos,
madeira, breu, alcatro, sal e ferro por especiarias, brocados,
vinhos, frutas, ouro e prata, artigos dominantes no comrcio do sul
da Europa. Por volta do sculo XV, as feiras j estavam sendo
substitudas por cidades comerciais, onde orescia um mercado
permanente. O comrcio e o negcio nessas cidades se tornaram
incompatveis com os restritivos costumes e tradies feudais. Em
geral, as cidades conseguiam ganhar independncia de seus senhores
feudais e da I greja. Sistemas complexos de cmbio, compensao e
facilidades creditcias se desenvolveram nesses centros comerciais,
e instrumentos modernos, como letras de cmbio, tornaram-se de uso
corrente. Novos sistemas de leis comerciais foram criados. Ao
contrrio do sistema paternalista de execuo de dvidas, baseado nos
costumes e na tradio vigentes no feudo, a lei comercial era xada
por um cdigo preciso. Assim, essa lei tornou-se a base das modernas
leis capitalistas dos contratos, ttulos negociveis, representao
comercial e leiles.
40. No sistema artesanal senhorial, o produtor (o mestre
arteso) era tambm o vendedor. Entretanto, as indstrias que
apareciam nas novas cidades eram basicamente indstrias de exportao,
nas quais o produtor estava distante do comprador nal. Os artesos
vendiam seus produtos aos comerciantes que, por sua vez, os
transportavam e revendiam. Outra diferena importante era a de que o
arteso feudal era tambm um fazendeiro, de modo geral. O novo arteso
das cidades desistiu da terra para dedicar-se inteiramente ao
trabalho com o qual ele poderia obter uma renda monetria que podia
ser usada para satisfazer as suas outras necessidades.
41. O Sistema Domstico de Trabalho e o Nascimento da Indstria
Capitalista medida que o comrcio prosperava e se expandia, a
necessidade de mais manufaturados e maior conabilidade na oferta
levaram a um crescente controle do processo produtivo pelo
capitalista comerciante. Por volta do sculo XVI , o tipo de
indstria artesanal, no qual o arteso era proprietrio de sua ocina,
de suas ferramentas e matrias-primas e funcionava como um pequeno
produtor independente, tinha sido largamente substitudo, nas
indstrias de exportao, pelo sistema domstico de trabalho. No incio
da utilizao desse sistema, o capitalista comerciante fornecia a
matria-prima ao arteso independente e lhe pagava uma quantia para
transform-la em produtos acabados. Desse modo, o capitalista era
proprietrio do produto ao longo de todo o processo de produo,
embora o trabalho fosse feito em ocinas independentes. J em pocas
mais avanadas de utilizao desse sistema, o capitalista comerciante
era proprietrio das ferramentas e mquinas e, frequentemente, do
prdio onde a produo tinha lugar. Ele contratava os trabalhadores
para usar as ferramentas, fornecia-lhes a matria-prima e recebia o
produto acabado. O trabalhador j no vendia um produto acabado ao
comerciante. Vendia somente seu prprio trabalho. As indstrias
txteis estavam entre as primeiras em que o sistema domstico de
trabalho se desenvolveu. Teceles, andeiros, pisoeiros e tintureiros
se encontravam em uma situao em que sua ocupao, e, portanto, sua
capacidade de sustentar a si mesmo e suas famlias, dependia dos
capitalistas comerciantes, que tinham de vender o que os
trabalhadores produziam a um preo sucientemente alto para pagar
salrios e outras contas e ainda obter lucro. O controle capitalista
foi, ento, estendido ao processo de produo. Ao mesmo tempo, foi
criada uma fora de trabalho que possua pouco ou nenhum capital e
nada tinha a vender, a no ser sua fora de trabalho. Essas duas
caractersticas marcam o surgimento do sistema econmico do
capitalismo. Alguns autores e historiadores tm armado que o
capitalismo j existia, quando o comrcio e o esprito comercial se
expandiram e se tornaram dominantes na Europa. O comrcio,
entretanto, existiu ao longo de toda a era feudal. Contudo,
enquanto a tradio feudal permaneceu como o princpio organizador da
produo, o comrcio foi, na realidade, mantido fora do sistema
econmico e social. O mercado e a busca de lucro monetrio
substituram os costumes e a tradio, na determinao de quem
executaria certa tarefa, como seria executada essa tarefa e se os
trabalhadores poderiam ou no encontrar trabalho para o seu
sustento. Quando isso ocorreu, o sistema capitalista foi criado.6 O
capitalismo s se tornou dominante quando as relaes entre
capitalistas e trabalhadores, existentes nas indstrias de exportao
do sculo XVI , foram estendidas maioria das outras indstrias da
economia. Para que tal sistema se
42. desenvolvesse, a autossucincia econmica do feudo tinha de
ser quebrada e as tradies e os costumes feudais esvaziados ou
destrudos. A agricultura tinha de se tornar um risco capitalista,
no qual os trabalhadores vendessem seu trabalho aos capitalistas, e
os capitalistas s comprassem trabalho se esperassem obter lucro no
processo. Existia uma indstria txtil capitalista em Flandres, no
sculo XI I I . Quando, por vrias razes, sua prosperidade comeou a
declinar, a riqueza e a pobreza que tinha criado provocaram uma
longa srie de violentas guerras de classes, comeando por volta de
1280, que quase destruiu completamente a indstria. No sculo XI V,
uma indstria txtil capitalista prosperou em Florena. Tal como em
Flandres, as condies adversas dos negcios conduziram a tenses entre
uma classe trabalhadora miservel e seus ricos empregadores
capitalistas. Essas tenses resultaram em rebelies violentas, em
1379 e 1382. A incapacidade de resolver tais antagonismos de
classes agravou signicativamente o rpido declnio da indstria txtil
florentina, tal como j tinha ocorrido em Flandres. No sculo XV, a I
nglaterra dominava o mercado txtil mundial. Sua indstria txtil
capitalista tinha resolvido os problemas do conflito de classes,
interiorizando- se. Enquanto as indstrias txteis capitalistas
anteriores, de Flandres e Florena, se localizavam em cidades
densamente povoadas, nas quais os trabalhadores eram mantidos
juntos e a resistncia organizada era fcil de ser iniciada, as
tecelagens inglesas estavam espalhadas pelo interior. I sso
signicava que os trabalhadores estavam isolados em pequenos grupos
e no havia possibilidade de desenvolverem qualquer resistncia
organizada. Entretanto, o novo sistema, em que os ricos
proprietrios do capital empregavam artesos desprovidos de bens,
era, antes, um fenmeno mais urbano do que rural. Desde o comeo,
essas empresas capitalistas buscavam posies monopolistas,
controlando a demanda por seus produtos. O surgimento das guildas
patronais, ou associaes de comerciantes capitalistas empregadores,
criou inmeras barreiras para proteger a posio desses empregadores.
Diferentes tipos de associaes, com privilgios especiais e isenes
para os lhos dos ricos, taxas elevadas pagas pelos seus membros e
outras barreiras impediam os artesos ambiciosos, porm mais pobres,
de competir com a nova classe capitalista ou dela fazer parte. Na
verdade, essas barreiras, de modo geral, resultaram na transformao
dos artesos mais pobres e seus lhos em uma nova classe trabalhadora
urbana, que vivia exclusivamente de sua fora de trabalho.
43. O Declnio do Sistema Senhorial Antes, porm, que um sistema
capitalista completo surgisse, a fora das relaes de mercado
capitalistas deveria invadir a herdade senhorial, o bastio do
feudalismo. I sso aconteceu em decorrncia do enorme incremento de
populao nas novas cidades comerciais. As grandes populaes urbanas
dependiam da agricultura para obter alimentos e grande parte das
matrias-primas para as indstrias de exportao. Essas necessidades
estimulavam especializaes urbanas e rurais e um grande uxo de
comrcio entre o campo e a cidade. Os senhores feudais comearam a
depender das cidades para conseguir bens manufaturados e procuravam
cada vez mais os bens de luxo que os mercadores podiam vender. Os
camponeses do feudo tambm descobriram que poderiam trocar
excedentes por dinheiro, nos mercados locais de cereais; o dinheiro
poderia ser usado para pagar taxas ao senhor feudal, em lugar do
trabalho forado.7 Essa comutao, quase sempre, transformava o
campons em um pequeno negociante independente. Ele poderia arrendar
terras do senhor, vender seus produtos para cobrir o aluguel e
reter a receita excedente. Esse sistema dava ao campons maior
incentivo para produzir e, portanto, aumentar seus excedentes
comercializveis, o que induzia a mais comutao, maiores vendas
subsequentes e assim por diante. O efeito cumulativo foi um
rompimento gradual dos laos feudais, substitudos pelo mercado e
pela busca do lucro como os princpios organizadores da produo. Por
volta de meados do sculo XI V, os aluguis pagos em dinheiro j
excediam o valor dos servios compulsrios em muitas partes da
Europa. Outro fator que levou as foras de mercado ao setor rural,
estreitamente ligado comutao, foi a alienao do domnio dos senhores
feudais. Os senhores feudais que necessitavam de dinheiro para
comprar bens manufaturados e bens de luxo comearam a arrendar suas
prprias terras a camponeses, em lugar de trabalh-las diretamente,
utilizando o servio obrigatrio do servo. Esse processo induziu a
uma situao na qual o senhor feudal simplesmente passava a ser um
proprietrio rural, no moderno sentido do termo. De fato, muito
frequentemente ele se tornava ausente, na medida em que muitos
senhores preferiam mudar para as cidades ou estavam longe, na
guerra. O esfacelamento do sistema feudal, todavia, se originou
mais diretamente de uma srie de catstrofes, no nal do sculo XI V e
no sculo XV. A Guerra dos Cem Anos, entre a Frana e a I nglaterra
(1337-1453), estabeleceu a inquietao e a desordem geral, nesses
dois pases. A Peste Negra foi ainda mais devastadora. s vsperas da
epidemia de 1348-1349, a populao inglesa atingira 4 milhes de
habitantes. No incio do sculo XV, aps os efeitos das guerras e das
epidemias, a populao da I nglaterra mal atingia 2,5 milhes de
habitantes. I sso era bastante representativo do que acontecia em
outros pases europeus. O despovoamento provocou uma enorme falta de
mo de obra, e os salrios de todos os tipos de trabalho se elevaram
abruptamente. O aluguel da terra, agora relativamente
44. abundante, comeou a cair. Tais fatos levaram a nobreza
feudal a uma tentativa de anular as comutaes que tinham concedido e
restabelecer os servios obrigatrios dos servos e camponeses
(camponeses eram antigos servos que tinham atingido certo grau de
independncia e liberdade das restries feudais). Descobriram,
entretanto, que no se podia mais voltar situao anterior desejada. O
mercado tinha se estendido s regies rurais e com ele aumentara a
liberdade, a independncia e a prosperidade dos camponeses. Esses
resistiam muito aos esforos para restabelecer as antigas obrigaes,
e essa resistncia no ficou sem resposta. Como resultado, houve as
famosas revoltas de camponeses, que explodiram em toda a Europa, do
nal do sculo XI V ao princpio do sculo XVI . Essas rebelies se
caracterizavam por sua extrema crueldade e ferocidade. Um escritor
francs dessa poca descreveu um bando de camponeses que mataram um
cavaleiro, atravessaram seu corpo com um espeto e assaram-no vivo,
diante de sua esposa e lhos. Dez ou doze deles violentaram a mulher
e a obrigaram a comer da carne do marido. Ento, mataram-na e s suas
crianas. Por onde essa gente desgraada passava, destrua casas rmes
e slidos castelos.8 Ao nal, os camponeses rebeldes foram dizimados
com igual ou maior crueldade e ferocidade pela nobreza. A I
nglaterra experimentou uma sucesso de tais revoltas, do nal do
sculo XI V ao sculo XV. No entanto, as revoltas ocorridas na
Alemanha, no princpio do sculo XVI , foram provavelmente as mais
sangrentas. A rebelio camponesa de 1524-1525 foi esmagada pelas
tropas imperiais do Sacro I mperador Romano, que dizimou milhares
de camponeses. Provavelmente s na Alemanha foram mortas mais de 100
mil pessoas. Essas revoltas foram aqui mencionadas para ilustrar o
fato de que as mudanas fundamentais na estrutura poltica e
econmica, frequentemente, s so conseguidas aps conitos violentos e
traumatizantes. Qualquer sistema econmico gera uma ou mais classes,
cujos privilgios dependem da continuao desse sistema. Essas classes
fazem de tudo para resistir a mudanas e proteger suas posies, como
natural. A nobreza feudal desencadeou uma reao selvagem contra o
novo sistema capitalista de mercado, mas as foras da mudana
agastaram completamente essa reao. Embora as mudanas importantes
tenham sido introduzidas pelos comerciantes em ascenso e a pequena
nobreza, os camponeses foram as tristes vtimas polticas das
convulses sociais consequentes. E, ironicamente, eles estavam, na
maioria das vezes, lutando para proteger o status quo.
45. O Surgimento da Classe Trabalhadora O incio do sculo XVI um
divisor de guas na Histria da Europa. Marca a tnue linha divisria
entre a ordem feudal decadente e o sistema capitalista que surgia.
Aps 1500, mudanas econmicas e sociais importantes comearam a
ocorrer com maior frequncia, cada uma reforando a anterior, e todas
juntas conduzindo ao capitalismo. Entre as mais importantes estavam
aquelas que criavam uma classe trabalhadora sistematicamente
privada do controle sobre o processo de produo e forada a uma
situao em que a venda de sua fora de trabalho era a nica
possibilidade de sobrevivncia. A populao da Europa Ocidental, que
tinha permanecido relativamente estagnada durante um sculo e meio,
aumentou em quase um tero, no sculo XVI, chegando a 70 milhes em
1600. O aumento na populao foi acompanhado pelos movimentos dos
cercamentos, que comeou na I nglaterra, j no sculo XI I I . A
nobreza feudal, cada vez mais necessitada de dinheiro, cercava ou
fechava terras at ento usadas como pasto comum, utilizando-a, ento,
como pasto de ovelhas, para satisfazer explosiva demanda por l pela
indstria txtil lanfera inglesa. As ovelhas davam bons lucros e
exigiam um mnimo de trabalho nas pastagens. O movimento dos
cercamentos atingiu seu ponto mximo nos sculos XV e XVI , quando,
em algumas reas, de 3/4 a 9/10 dos habitantes foram expulsos do
campo e forados a buscar sustento nas cidades. Ondas subsequentes
de cercamento continuaram at o sculo XI X. Os cercamentos e o
crescimento populacional destruram os laos feudais remanescentes,
criando uma grande e nova fora de trabalho uma fora de trabalho sem
terra, sem quaisquer ferramentas ou instrumentos de produo, apenas
com a fora do trabalho para vender. Essa migrao para as cidades
signicava mais trabalho para as indstrias capitalistas, mais homens
para os exrcitos e marinhas, mais homens para colonizar novas
terras e mais consumidores ou compradores potenciais de produtos.
Mas os cercamentos e o aumento populacional no foram, de modo
algum, a nica origem da nova classe operria. I nmeros camponeses,
pequenos proprietrios de terra e membros da pequena nobreza foram
falncia com os exorbitantes aumentos dos aluguis monetrios. Dvidas
acumuladas que no podiam ser saldadas arruinaram muitos outros. Nas
cidades maiores e menores, as guildas passaram a preocupar-se cada
vez mais com os nveis de renda de seus membros. Era bvio, para os
artces e mercadores das corporaes, que os passos dados para
minimizar o nmero de seus membros serviriam para monopolizar seus
ofcios e para aumentar suas rendas. Um nmero cada vez maior de
produtores urbanos passou a no ter direito a ter qualquer meio de
produo independente, medida que as guildas cavam mais exclusivas.
Assim, uma parcela considervel da nova classe trabalhadora foi
criada nas cidades pequenas e grandes. Muitos agricultores e
artesos, que tinham sido, ento, expulsos da terra e
46. impedidos de ter acesso a seus meios originais de produo,
tornaram-se vadios e mendigos. Um nmero ainda maior procurou
garantir sua subsistncia, apossando-se ilegalmente de terras
marginais e no usadas, onde podiam plantar para seu prprio uso.
Foram aprovadas leis extremamente repressivas contra esse tipo de
lavoura e contra a vadiagem.9 Assim, quando a fora, a fraude e a
morte pela fome foram insucientes para criar a nova classe
trabalhadora, lanou-se mo de estatutos criminais e represso do
governo.
47. Outras Foras na Transio para o Capitalismo Outras foras de
mudana tambm foram instrumentais na transio para o capitalismo.
Entre elas estava o despertar intelectual do sculo XVI , que
promoveu o progresso cientco, que logo foi aproveitado na prtica da
navegao. O telescpio e a bssola permitiram que os homens navegassem
com muito mais preciso, cobrindo distncias muito maiores. I sso
levou s Grandes Descobertas. Em um curto perodo, os europeus tinham
mapeado rotas martimas para as ndias, a frica e as Amricas. Essas
descobertas tiveram uma dupla importncia: primeiro, resultaram num
uxo rpido e intenso de metais preciosos para a Europa; em segundo
lugar, anunciaram uma poca de colonizao. Entre 1300 e 1500, a
produo de ouro e prata, na Europa, tinha estagnado. O comrcio
capitalista, que se expandia rapidamente, e a extenso do sistema de
mercado para a cidade e o campo tinham provocado uma escassez aguda
de moedas. Como eram basicamente de ouro e prata, a necessidade
desses metais era crtica. A partir mais ou menos de 1450, essa
situao foi aliviada um pouco, quando os portugueses comearam a
extrair metais da Costa do Ouro, na frica, mas a escassez geral
continuou at meados do sculo XVI . Da em diante, houve uma entrada
to grande de ouro e prata vindos das Amricas, que a Europa
experimentou a inflao mais rpida e duradoura de sua histria.
Durante o sculo XVI , os preos subiram, na Europa, entre 150% e
400%, dependendo do pas ou da regio. Os preos dos produtos
manufaturados aumentaram muito mais rpido do que os aluguis ou os
salrios. De fato, a disparidade entre preos e salrios persistiu at
fins do sculo XVII. Isso quer dizer que a classe dos proprietrios
de terras (ou a nobreza feudal) e a classe trabalhadora sofreram,
porque suas rendas subiram menos rapidamente do que suas despesas.
A classe capitalista foi a grande beneciria da revoluo dos preos.
Recebeu lucros cada vez maiores e pagou salrios reais cada vez mais
baixos, comprando matrias-primas que se valorizavam muito durante o
tempo em que eram mantidas em estoque. Esses lucros maiores foram
acumulados como capital. O capital inclui os materiais necessrios
produo e ao comrcio e consiste em todas as ferramentas,
equipamentos, fbricas, matrias-primas, produtos em elaborao, meios
de transporte dos produtos e dinheiro. Existem meios fsicos de
produo em todos os tipos de sistema econmico, mas eles s podem
tornar-se capital em um contexto social em que existam as relaes
sociais necessrias produo de mercadorias e propriedade privada.
Assim, o capital refere-se a mais do que simples objetos fsicos;
refere-se a um conjunto complexo de relaes sociais. Em nossa
discusso anterior, vimos que uma das caractersticas que denem o
sistema capit