66
1

Relatório Definição da classe média no Brasil

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Secretaria de Assuntos Estratégicos. Torna-se, portanto, essencial estabelecer uma definição conceitualmente sólida, prática e de fácil compreensão desse grupo,para que a qualidade de vida da nova classe média possa ser continuamente monitorada e sua presença e aspirações possam ser incorporadas ao desenho, implantação e operacionalização das políticas públicas.

Citation preview

Page 1: Relatório Definição da classe média no Brasil

1

Page 2: Relatório Definição da classe média no Brasil

2

Governo Federal Presidência da República Secretaria de Assuntos Estratégicos Esplanada dos Ministérios, bloco O, 7º, 8º e 9º andares. Brasília – DF / CEP 70052-900 http://www.sae.gov.br Ministro Moreira Franco Grupo de Trabalho para Definição de Nova Classe Média Coordenação Geral da Comissão: Subsecretário Ricardo Paes de Barros Comissão Técnica André Portela (Fundação Getúlio Vargas - SP) Arnaldo Barbosa de Lima Júnior (Ministério da Fazenda - MF) Elisa Caillaux (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE) Fabio Veras (International Center for Inclusive Growth - IPC) Junia Quiroga (Ministério do Desenvolvimento Social - MDS) Miguel Foguel (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA - RJ) Renato Meirelles (Data Popular) Rudi Rocha (Instituto Economia - UFRJ) Comissão de Avaliação Amaury de Souza (MCM Consultores) Eduardo Giannetti (Instituto de Ensino e Pesquisa - Insper) Marcio Holland de Brito ( Ministério da Fazenda - MF) Marilena de Souza Chauí (Universidade de São Paulo - USP) Paulo Januzzi (Ministério do Desenvolvimento Social - MDS) Rômulo Paes (Ministério do Desenvolvimento Social - MDS) Equipe SAE Adriana Mascarenhas Alessandra Bortoni Ninis Carolina Lamy Diana Grosner José Jorge Gabriel Karina Bugarin Produção estatística: Andrezza Rosalém (IETS) Samuel Franco (IETS) Projeto Gráfico: Rafael Willadino Braga

Page 3: Relatório Definição da classe média no Brasil

3

Sumário

Introdução

1.1 . Antecedentes: a mudança na distribuição de renda brasileira ao longo da última década

1.2 . Por que e para que definir classe média

1.3 . Criação das comissões e composição

2. Missão e diretrizes

2.1. Classe versus grupo

2.2. Identificação versus categorização

2.3. Critério multidimensional versus unidimensional

2.4. Renda versus outros indicadores unidimensionais

2.5. Definição relativa versus absoluta

3. Alternativas para a definição de classe média

3.1. Quartis da distribuição

3.2. Entorno da mediana

3.3. Polarização e ponto neutro

3.3.1. Polarização

3.3.2. Ponto neutro e linha de pobreza

3.4. Ambiente socioeconômico

3.4.1. Consumo de caloria e padrão de despesa

3.4.2. Inserção no mercado de trabalho

3.4.3. Vulnerabilidade

3.5. Utilizando o conceito de polarização para estabelecer os limites da classe média

3.5.1. Padrão de despesas familiares

3.5.2. Grau de vulnerabilidade

3.5.3. Grau de vulnerabilidade com linhas de pobreza alternativa

4. Proposta da comissão

5. Simulações utilizando POF x PNAD

6. Subdivisões das classes baixa, média e alta

7. Renda familiar

8. Como medir a expansão

Page 4: Relatório Definição da classe média no Brasil

INTRODUÇÃO

1.1. ANTECEDENTES: A EVOLUÇÃO DA DISTRI

DÉCADA

O Brasil vem, ao longo da última década

sociais e econômicas importantes

redução da extrema pobreza à metade em apenas cinco anos. Embora

precisas dependam da forma como

cerca de 15% da população brasileira

(Gráfico 1). A conjunção de crescimento econômico

contribuiram para que o Brasil alcançasse o 1º Objetivo do Milênio na metade do

tempo proposto pela Organização das Nações Unidas

4

A EVOLUÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO DE RENDA BRASILEIRA AO LONGO DA Ú

ao longo da última década, passando por diversas mudanças

sociais e econômicas importantes. A maior dessas mudanças é, possivelmente,

redução da extrema pobreza à metade em apenas cinco anos. Embora

dependam da forma como a linha de pobreza é definida, há consenso de que

% da população brasileira superou a linha de pobreza entre 2003 e 2009

junção de crescimento econômico com redução da desigualdade,

o Brasil alcançasse o 1º Objetivo do Milênio na metade do

tempo proposto pela Organização das Nações Unidas – ONU.

Gráfico 1

ILEIRA AO LONGO DA ÚLTIMA

passando por diversas mudanças

é, possivelmente, a

redução da extrema pobreza à metade em apenas cinco anos. Embora estimativas

consenso de que

linha de pobreza entre 2003 e 2009

com redução da desigualdade,

o Brasil alcançasse o 1º Objetivo do Milênio na metade do

Page 5: Relatório Definição da classe média no Brasil

5

Aliada a esse fato, a grande diferença nas taxas de crescimento da renda entre

os mais pobres e os mais ricos alterou significativamente a distribuição de renda

brasileira. Enquanto a renda dos 10% mais ricos cresceu apenas a metade da média

brasileira na última década, os 10% mais pobres cresceram quase duas vezes e meia

acima dessa média (Gráfico 2). Pode-se dizer que a renda dos mais ricos cresceu a

taxas europeias, enquanto a renda dos mais pobres cresceu a taxas chinesas.

Com efeito, a taxa de crescimento da renda per capita foi decrescente com o

nível de renda ao longo de todas as classes. Ademais, em função da taxa de

crescimento da renda dos 15% mais ricos ter sido inferior à média do País (2,8%),

indicando que esses perderam participação na renda nacional, houve uma alteração

significativa na distribuição de renda (Gráfico 3).

Page 6: Relatório Definição da classe média no Brasil

6

Como consequência dessa diminuição da pobreza e do crescimento acentuado

da renda nos extratos mais pobres, uma grande parcela da população ascendeu a uma

classe com renda intermediária. Associado ao fato da renda das famílias nas classes

média e alta ter se dado de modo mais lento, houve um alargamento da classe média

brasileira sem precedentes na história.

Tal transformação lança desafios e questionamentos para as políticas públicas:

Quais as principais consequências do surgimento dessa nova classe média para o

desenvolvimento do País? Qual o seu impacto sobre o consumo e a poupança e, por

conseguinte, sobre a taxa de inflação? Qual a visão dessa parcela da população sobre o

papel do Estado? Como expandir as oportunidades para essa nova classe média com

maior segurança social?

Programas eficazes para promover a progressão da classe média podem ser

difíceis de se desenhar levando-se em conta a heterogeneidade desse grupo, em

particular, no que se refere à sua forma de inserção no mercado de trabalho formal.

Page 7: Relatório Definição da classe média no Brasil

7

Pelo fato de estar espalhada por todo o território nacional e estar inserida no

mercado de trabalho das mais variadas formas, o atendimento a esse grupo requer um

leque de oportunidades bastante variado. Caso contrário, apenas uma parcela de seus

membros será efetivamente beneficiada.

Com vistas a enfrentar esses desafios, faz-se necessário mapear as

características, comportamentos, valores e demandas desse grupo, bem como analisar

as políticas já existentes a fim de melhorar sua eficácia e identificar as lacunas que

possam comprometer o dinamismo dessa nova classe média.

1.2. POR QUE E PARA QUE DEFINIR A CLASSE MÉDIA?

Para que se possa descrever plenamente as transformações ocorridas na

distribuição de renda no Brasil nos últimos anos, é necessário ir além das definições

de linhas de pobreza e extrema pobreza, identificando onde começa e termina a classe

média brasileira. Só assim será possível documentar o tamanho da classe média

brasileira, a magnitude da expansão por que passou e sua heterogeneidade.

Embora o termo classe média seja de uso comum, sua definição continua a

desafiar os cientistas sociais. Ao contrário do conceito de pobreza e, em particular, de

extrema pobreza, cujas definições têm sido alvo de intensos debates e, por

conseguinte, há algum consenso, no caso da classe média as definições utilizadas são,

em geral, arbitrárias e com pouca base teórica ou conceitual para sustentá-las.

Torna-se, portanto, essencial estabelecer uma definição conceitualmente

sólida, prática e de fácil compreensão desse grupo,para que a qualidade de vida da

nova classe média possa ser continuamente monitorada e sua presença e aspirações

possam ser incorporadas ao desenho, implantação e operacionalização das políticas

públicas.

Fortalecida pela criação de mais de 15 milhões de novos postos de trabalho

formais, essa nova classe média passa a perceber sua ascensão como duradoura e

Page 8: Relatório Definição da classe média no Brasil

8

passa a trocar estratégias de sobrevivência por atitudes e visões de longo prazo

voltadas à garantia de um contínuo processo de ascensão econômica.

Além disso, os mecanismos utilizados pelas famílias para buscar a ascensão e

prevenir o descenso variam por nível de renda, e pela forma com que desejam

interagir com o estado, o que torna o desafio ainda maior. Um serviço que para uma

parte da população deve ser gratuito e publicamente provido (SUS, por exemplo);

outra pode preferir acessá-lo em um mercado bem regulamentado (planos de saúde,

por exemplo). Enquanto para uns a questão pode ser a simples disponibilidade de um

serviço, para outros pode ser mais relevante a readequação dos serviços disponíveis.

Nesse contexto, para a efetividade das políticas disponíveis, torna-se necessário

modificar, provavelmente ampliar, o leque de políticas e adequar a distribuição de

recursos e de beneficiários entre as políticas já existentes.

A necessidade de ajustar continuamente a política pública a mudanças na

distribuição de renda não implica, porém, na necessidade de uma definição para classe

média, ou qualquer outra divisão da sociedade em classe de renda. Em princípio a

dependência das necessidades e comportamento das famílias à renda é contínua. Na

prática, no entanto, tanto as empresas no atendimento a seus clientes como as

políticas públicas acabam optando por ignorar pequenas diferenças e trabalhar

membros de grupos relativamente homogêneos como se tivessem todos as mesmas

necessidades e comportamentos.

A opção por categorizar o contínuo é evidente no Critério Brasil (que divide a

população nas classes A, B, C, D e E), proposto pela ABEP, e extensamente utilizado por

empresas envolvidas em pesquisas de opinião e padrão de consumo. No caso

governamental, dada a proliferação de faixas de renda utilizadas para determinar os

beneficiários de programas sociais, a opção por categorizar as famílias é evidente. Para

efeito de acessar recursos do PRONAF, as famílias são organizadas em 5 grupos; para o

Programa Minha Casa Minha Vida as famílias são organizadas em 4 grupos.

Page 9: Relatório Definição da classe média no Brasil

9

Mesmo quando as necessidades e o comportamento variam de forma contínua

com a renda, a categorização das famílias em alguns poucos grupos serve a

importantes motivos. Em primeiro lugar, reduz o custo ao simplificar um atendimento

que deveria ser infinitamente diferenciado em apenas um pequeno número de tipos

de atendimento. Além da vantagem operacional, a categorização também permite

acompanhar com mais facilidade o tamanho absoluto e relativo dos diversos grupos, e

como os recursos públicos são distribuídos entre eles. Que porcentagem dos recursos

são alocados a que grupos? Como a distribuição dos recursos se compara à

distribuição da população? Como o gasto público per capita varia entre grupos? Que

parcela do gasto público vai para a classe média? A distribuição dos gastos por classe

social torna-se ainda mais importante quando combinada com informações sobre a

distribuição da carga tributária entre os grupos e a sua opinião sobre a disponibilidade,

qualidade, adequação e satisfação com os serviços públicos a que têm ou deveriam ter

acesso.

Para as políticas públicas brasileiras a categorização não é nem de longe uma

novidade. Focalização nos grupos mais pobres e atendimento diferenciado de acordo

com o nível de renda e outros indicadores socioeconômicos como IDH são práticas

correntes. Faltam, porém, aos sistemas de seleção de beneficiários utilizados duas

características que a construção de uma categorização única das famílias brasileiras

por nível de renda poderia contribuir. Em primeiro lugar, a categorização poderia

unificar os sistemas utilizados, facilitando simultaneamente: (i) a operação dos

programas, (ii) a compreensão pelas famílias das regras em uso, e (iii) a determinação

de qual a distribuição de recursos entre grupos e o gasto per capita em cada grupo.

Em segundo lugar, apesar do avançado processo de desindexação da economia

brasileira, muitos programas sociais continuam indexando seu processo de seleção de

beneficiários ao valor do salário mínimo. Como as necessidades das famílias não

depende do valor real do salário mínimo, e sim do valor real de sua própria renda, os

sistemas de seleção adotados são inadequados e muito se beneficiariam de um

Page 10: Relatório Definição da classe média no Brasil

10

sistema classificatório único que fosse independente do valor do salário mínimo e

categorizasse em poucos grupos todo o espectro da distribuição de renda brasileira.

1.3. CRIAÇÃO DAS COMISSÕES E COMPOSIÇÃO

De modo a desenvolver uma definição para a nova classe média, a Secretaria de

Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR) instituiu, por meio da

Portaria Ministerial nº 61, de 27 de setembro de 2011, um Grupo de Trabalho com

esse objetivo. Esse Grupo, formada por uma comissão de avaliação e uma comissão

técnica, trabalhou, entre novembro de 2011 e abril de 2012, no desenvolvimento de

uma definição prática e conceitualmente sólida, capaz de orientar as políticas públicas

na esfera federal e contribuir para o desenho e a implementação de programas e

ações focadas na consolidação e sustentabilidade da nova classe média brasileira.

Dessa forma, o Grupo de Trabalho teve como objetivos: i) identificar as diversas

definições de nova classe média disponíveis e propor novas alternativas; ii) avaliar a

solidez das bases conceituais de cada uma e iii) aferir a praticidade da proposta

selecionada. Para tanto, cada comissão teve atribuições específicas na construção da

definição da classe média.

Foram atribuídas à comissão de avaliação as seguintes tarefas: i) definir

diretrizes para o trabalho do grupo técnico; ii) avaliar a solidez das bases conceituais

das propostas elaboradas pelo subgrupo técnico; iii) aferir a praticidade dessas

propostas e, por fim, iv) selecionar a melhor proposta para a definição da classe média.

Por sua vez, a comissão técnica teve como atribuições: i) mapear as diversas

definições de classe média disponíveis; ii) considerar novas abordagens; iii) avaliar os

prós e contras de cada uma dessas abordagens e iv) propor definições empiricamente

práticas, de fácil compreensão, conceitualmente sólidas e adequadas às realidades

atuais do País para consideração pelo subgrupo de avaliação.

Page 11: Relatório Definição da classe média no Brasil

11

2. MISSÃO E DIRETRIZES

2.1. CLASSE VERSUS GRUPO

O uso da denominação “classe” é certamente inadequado. Embora o conceito

possa admitir múltiplas interpretações, é pouco provável que o grupo

reconhecidamente heterogêneo que resultou das múltiplas mudanças sociais ocorridas

recentemente no País satisfaça qualquer das definições existentes. Não parece haver

qualquer evidência de que aqueles que cruzaram a linha de pobreza nos últimos anos

tenham similaridades marcantes – seja no campo dos valores, atitudes e expectativas,

seja no campo da forma de inserção no mercado de trabalho, constituição familiar ou

posição no ciclo de vida – uma vez que a multiplicidade de caminhos para sair da

pobreza propiciou a ascensão tanto de agricultores familiares na região amazônica

como de empregados em grandes regiões metropolitanas, tanto de famílias estendidas

(compostas por múltiplas gerações), como de casais jovens (com e sem filhos) e idosos

vivendo sozinhos. Tampouco existe evidência de que os subgrupos mais homogêneos

estejam conscientes de suas similitudes. Além disso, existem diferenças marcantes no

interior do grupo pré-existente a que os emergentes se incorporam, isto é, aqueles

que faziam parte do que se poderia chamar da classe média tradicional. Assim, não há

qualquer dúvida de que a junção dos emergentes com a tradicional classe média forma

um grupo extremamente heterogêneo (seja graças às disparidades entre a nova e a

classe média tradicional, seja no interior de cada um desses grupos), cobrindo um

amplo segmento da sociedade brasileira sem qualquer identidade clara.

O objetivo desse estudo é delimitar o grupo central da pirâmide social brasileira

que se expandiu de forma acentuada ao longo da última década em função dos

progressos sociais alcançados. A rigor, ao menos inicialmente (até que suas

características sejam devidamente identificadas e analisadas), esse grupo mereceria

ser denominado apenas de “grupo do meio”. No entanto, dado o uso já corrente do

termo “Nova Classe Média”, adotaremos a denominação de classe. Fazemos esse uso

sem buscar qualquer justificativa conceitual e empírica e, portanto, apenas como uma

forma de facilitar a comunicação, usando um termo já em uso.

Page 12: Relatório Definição da classe média no Brasil

12

Vale ressaltar que, uma vez delimitadas as fronteiras desse grupo do meio,

existirão duas noções possíveis para a nova classe média. Uma baseada no fluxo, que

considera como nova classe média aqueles que recentemente ascenderam, e outra

baseada no estoque, que trata como nova classe média o conjunto formado tanto

pelos emergentes como por aqueles que já estavam no meio da pirâmide social.

O objetivo dessa Comissão é, finalmente, delimitar a classe média. Com base

nessa delimitação, será possível identificar a sua magnitude e quem pertencia à classe

média no País ao longo do tempo e determinar pelo conceito de estoque quem

pertence à nova classe média. No entanto, identificar quem pertence à nova classe

média pelo conceito de fluxo requereria informação longitudinal que não se encontra

disponível. Segundo essa definição, pertenceria à nova classe média quem não

pertencia à classe média anteriormente, mas passou a pertencer. Vale ressaltar que,

embora na ausência de informação longitudinal não seja possível identificar a nova

classe média, é possível medir a variação no tamanho da classe média. Sob a hipótese

de que não houve retorno à pobreza ou ascensão à classe alta, é igual ao tamanho da

nova classe média. Assim, sob essa hipótese, seria possível medir o tamanho da nova

classe média, utilizando o conceito de fluxo, mesmo sem informações longitudinais.

2.2. IDENTIFICAÇÃO VERSUS CATEGORIZAÇÃO

Nem todos os processos classificatórios são de mesma natureza. Reconhecer o

tipo de classificação em questão pode ser fundamental para se construir um sistema

classificatório adequado. No caso da definição de classe média é importante

reconhecer a diferença entre identificação e categorização.

Em algumas situações, como no caso do tipo de sangue de uma pessoa ou na

identificação de determinadas enfermidades, a definição é clara. A dificuldade de

classificação, nesse caso, deve-se apenas à fidedignidade da informação (teste) usada

para verificar as condições que classificariam a pessoa num grupo ou em outro. Em

Page 13: Relatório Definição da classe média no Brasil

13

princípio existem os grupos e cada pessoa pertence a um deles. Existe, ainda, um

conjunto de informações que, quando disponível, permite perfeita classificação.

Em outras situações, tem-se um grupo heterogêneo com relação a uma

variedade de características. Seja simplesmente para fins de compreensão dessa

heterogeneidade, para fins mais analíticos relacionados à determinação da origem ou

das consequências dessa diversidade, ou para adequar programas sociais a distintas

necessidades, pode ser útil dividir a população em grupos. Ao contrário da situação

anterior, nesse caso os grupos não existem realmente. Eles são um constructo analítico

cuja utilidade pode ser avaliada em termos do quanto facilita a compreensão da

heterogeneidade, quanto permite identificar a origem e as consequências, e quanto

permite adequar os programas sociais. No entanto, não existe informação adicional

que permita avaliar o grau de fidedignidade da classificação adotada, uma vez que os

grupos não existem verdadeiramente a priori, eles são apenas um instrumento

analítico. Exemplos clássicos são as classificações dos postos de trabalho entre formais

e informais ou das famílias entre extremamente pobres, pobres e não pobres.

Claramente a definição de classe que esta Comissão busca pertence a esse

segundo grupo. Não existe uma divisão natural que permita determinar quem

pertence e quem não pertence à classe média. Dessa forma, não existe um conjunto

de informações que, uma vez disponível, permita classificar de forma única e fidedigna

uma família como pertencente ou não à classe média. Na verdade, o conceito de classe

média é apenas um instrumento analítico capaz de organizar e hierarquizar a

heterogeneidade das famílias brasileiras de tal forma a identificar o grupo no meio da

pirâmide social. Sua validade deve ser avaliada não em termos de sua fidedignidade,

mas sim em termos de sua utilidade analítica, seja para a compreensão da dinâmica

social brasileira, seja para a melhoria do desenho e da adequação dos diversos

programas sociais , contribuindo, portanto, para a sua maior eficácia.

Page 14: Relatório Definição da classe média no Brasil

14

2.3. CRITÉRIO MULTIDIMENSIONAL VERSUS UNIDIMENSIONAL

A estratificação social brasileira é certamente multidimensional. Um sistema

classificatório, que explore plenamente as informações disponíveis para identificar

propriamente o grupo do meio (que estamos denominando de classe média),

idealmente deveria utilizar critérios multidimensionais. Nesse caso, dado um conjunto

de indicadores relevantes, seriam considerados membros da classe média aqueles

cujos indicadores pertencessem a um subconjunto do universo de possibilidades. Por

exemplo, seriam classe média aqueles com cada um dos indicadores dentro de

determinados intervalos.

Em princípio, a condição de pertencer a um determinado subconjunto

multidimensional pode ser capturada por um indicador escalar sintético, função do

leque de indicadores básicos. Assim, uma pessoa pertenceria à classe média se esse

indicador sintético se encontrasse dentro de certo intervalo.

Embora essa opção multidimensional seja a ideal, ela apresenta duas limitações

práticas relacionadas à transparência e à simplicidade. Critérios unidimensionais são

sempre mais fáceis de interpretar e mais modestos com relação à informação que

demandam. A utilização de indicadores sintéticos requer a coleta de informações

confiáveis sobre uma pluralidade de indicadores e a escolha de uma forma (em geral

arbitrária) de agregá-los num índice sintético. Essa agregação torna a definição nela

baseada pouco transparente e de difícil interpretação, enquanto que o uso de

múltiplos indicadores torna a sua utilização empiricamente mais demandante (é

necessário acesso a um maior volume de informações).

Mesmo que o ideal seja o uso de uma multiplicidade de indicadores, nunca

todos esses indicadores têm a mesma importância. Ao contrário, em geral, existe um

indicador ou um pequeno grupo dominante, no sentido de que a maior parte dos que

seriam escolhidos para pertencer a um dado grupo pelo indicador sintético também

seriam selecionados caso apenas um indicador fosse utilizado para identificar os

membros do grupo. Dessa forma, embora persistam vantagens em utilizarmos uma

Page 15: Relatório Definição da classe média no Brasil

15

perspectiva multidimensional, elas são limitadas. Uma abordagem unidimensional

perderia pouco em termos substantivos, mas ganharia muito em termos de

transparência e simplicidade.

Dado o interesse por uma definição simples, de fácil aplicação e interpretação,

e que seja pouco exigente em termos da disponibilidade de informações, optamos por

buscar uma definição para classe média baseada em critérios unidimensionais.

Reconhecemos que, idealmente, a definição de classe média deveria decorrer da

análise de informações sobre uma variedade de dimensões. Contudo, avaliamos que

os ganhos da multidimensionalidade não compensam seus custos sobre a

simplicidade, requerimento informacional e, consequentemente, sobre a sua

praticidade. Procedemos, portanto, na busca de um indicador escalar que, para efeito

da definição de classe média, capte a maior parte das condições que levam alguém a

pertencer a esse grupo.

2.4. RENDA VERSUS OUTROS INDICADORES UNIDIMENSIONAIS

A existência, em si, de um indicador sintético não chega a estar em disputa. Na

medida em que as famílias tomam decisões coerentes, elas agem como se estivessem

buscando alcançar o máximo valor de um determinado indicador. A questão que

sempre se coloca é como determinar esse indicador sintético.

Caso houvesse mercados para tudo aquilo que importa, a solução seria simples:

a renda seria a medida sintética procurada. Nesse caso, níveis adicionais de renda

permitiriam alcançar mais daquilo que se deseja. Não só maiores níveis de bem-estar

poderiam ser alcançados, mas, além disso, como tudo poderia ser vendido ou

comprado, níveis mais elevados de bem-estar indicariam necessariamente maiores

níveis de renda, ao menos potencial. Em um mundo com mercados para tudo, bem-

estar e renda estariam monotonicamente relacionados, e a renda seria um indicador

sintético perfeito.

Page 16: Relatório Definição da classe média no Brasil

16

Embora estejamos longe de um mundo com mercados completos, boa parte do

que as pessoas mais valorizam (inclusive saúde e educação) pode ser obtida no

mercado. Nesse ambiente, apesar de a renda não ser o indicador sintético perfeito,

dentre os indicadores unidimensionais disponíveis ela tende a ser o mais próximo do

ideal.

Evidentemente que medidas que complementam a renda, incluindo

indicadores que cobrem outras dimensões como, por exemplo, o Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH) ou o Índice de Desenvolvimento da Família (IDF), têm

inegáveis vantagens sobre o uso exclusivo da renda. No entanto, se um indicador

unidimensional deve ser escolhido, nenhum outro é capaz de competir com a renda.

Mesmo quando a renda é o indicador escolhido, permanecem várias opções.

Três aspectos merecem particular atenção. Em primeiro lugar, como apenas uma

parcela da população, mesmo da população adulta, aufere alguma renda, pessoas de

uma mesma família, famílias num mesmo domicílio, famílias não conviventes ou

mesmos membros de uma mesma comunidade compartilham de forma regular e

altruisticamente sua renda. Por esse motivo, para a maioria da população, a renda

individual não representa uma boa medida de status social ou de bem-estar.

Tipicamente, portanto, utiliza-se a renda familiar ou domiciliar e seus correspondentes

per capita.

Em segundo lugar, mesmo quando a família é a unidade básica em que a renda

é compartilhada, deve-se reconhecer que nem todos os seus membros têm

necessidades de mesma magnitude. As necessidades de transporte, alimentação e

vestuário de um adulto trabalhador podem ser superiores às de um adulto fora da

força de trabalho ou de uma criança na 4ª série do ensino fundamental. Da mesma

forma, as necessidades de uma mulher grávida ou nutriz podem superar as de uma

jovem adolescente. Além disso, numa família existem economias de escala. A

necessidade de bens duráveis de uma família com quatro pessoas é inferior a duas

vezes as necessidades de uma com apenas duas pessoas. Todos esses fatores indicam

que o ideal seria utilizar uma medida de renda intermediária entre a renda familiar

Page 17: Relatório Definição da classe média no Brasil

17

total, que ignora completamente o tamanho e a composição da família, e a renda per

capita, que ignora economias de escala e diferenças na magnitude das necessidades

individuais.

Por fim, existe, ainda, um debate sobre o que incluir na renda. Como uma

medida de status, é discutível se a renda a ser utilizada deve ou não incluir

transferências, ou se deve se restringir a medir a renda do trabalho (rendimentos ao

capital humano) e os retornos aos ativos financeiros e não financeiros de posse da

família. Também é discutível se é preciso subtrair da renda os impostos (renda líquida)

ou se, da mesma forma que as transferências (impostos negativos), os impostos

deveriam ser incluídos (renda bruta). Relacionado a essa questão, tem-se também o

período de referência. Deve-se utilizar a renda efetivamente recebida no último mês

ou no último ano? Deve-se utilizar a renda efetivamente recebida ou a renda

normalmente recebida? Deve-se utilizar a renda corrente ou a renda permanente?

Onde a renda permanente poderia ser inferida a partir, por exemplo, do nível de

consumo.

A despeito de todas as definições existentes no âmbito internacional, a escolha

final ainda varia muito. Na maioria dos países da América Latina, a renda líquida

efetivamente recebida é a opção mais utilizada. No Brasil, especificamente, utilizamos

a renda bruta normalmente recebida (opção adotada pela PNAD). Na Ásia e na África

utiliza-se muito mais o consumo do que a renda. A OCDE utiliza, em vez da renda per

capita tradicionalmente adotada no Brasil, uma forma de renda por adulto

equivalente1. Nossa opção, neste trabalho, foi a de adotar o critério mais tradicional

em uso no País: renda bruta mensal normalmente recebida domiciliar per capita.

1 Medidas de adulto-equivalente levam em conta, explicitamente, as necessidades calóricas das pessoas

no interior das famílias segundo suas características individuais. Segundo Rocha (1998), "indivíduos apresentando características diferentes têm necessidades mínimas diversas, às quais correspondem valores monetários distintos. Escalas de equivalência entre indivíduos, que podem ser estabelecidas com base em pressupostos de toda a ordem, têm como objetivo gerar um coeficiente de necessidade para cada família que resulta das características individuais de seus membros" (ROCHA Sonia. Renda e pobreza — medidas per Capita versus adulto -equivalente. Texto para discussão nº 609. Rio de Janeiro: IPEA, novembro de 1998)

Page 18: Relatório Definição da classe média no Brasil

18

2.5. DEFINIÇÃO RELATIVA VERSUS ABSOLUTA

Como todas as possíveis divisões de uma distribuição de renda, a definição de

classe média (assim como a de pobreza) admite tanto uma noção relativa como uma

absoluta. É verdade que todos os conceitos serão sempre em alguma medida relativos.

Por mais absoluto que se deseje, o conceito de classe média estará sempre sendo

medido em relação ao momento histórico em que vivemos. A questão é saber se o

conceito a ser desenvolvido deve ser relativo ao amplo período histórico em que se

insere ou relativo também às variações anuais que ocorrem dentro desse período.

Tratar a classe média como todos aqueles entre o 1º e o 3º quartil da

distribuição em cada ano representa o extremo do relativismo. Dessa forma,

independentemente do crescimento e da redução na desigualdade, teremos sempre

50% da população fazendo parte da classe média. Como em todas as definições

relativas, o que muda, em geral, não é o tamanho do grupo, e sim o seu nível de bem-

estar. Uma alternativa menos radical seria definir a classe média como sendo aquelas

pessoas com renda entre a metade da mediana e duas vezes a mediana. Nesse caso, o

tamanho da classe média seria insensível ao crescimento, desde que não houvesse, ao

mesmo tempo, qualquer mudança no grau de desigualdade. Reduções na

desigualdade, porém, devem aumentar o tamanho da classe média.

Em resumo, com crescimento balanceado, uma noção relativa de classe média

não altera o tamanho da classe média, influenciando apenas o seu bem-estar. Segundo

uma noção absoluta, a principal consequência do crescimento é a ampliação do

tamanho da classe.

Como processos de crescimento, mesmo sem modificações na desigualdade,

trazem avanços no padrão de consumo e no nível de bem-estar e, por isso, deveriam

levar à ampliação da classe média, julgamos que noções absolutas são mais adequadas

que as relativas quando o objetivo é descrever os importantes avanços alcançados pela

sociedade brasileira ao longo da última década (e também aqueles que se espera que

Page 19: Relatório Definição da classe média no Brasil

19

sejam alcançados no futuro). Por esse motivo, privilegiamos, nesse estudo, noções

absolutas na busca por uma melhor definição de classe média.

3. ALTERNATIVAS PARA A DEFINIÇÃO DE CLASSE MÉDIA

3.1. QUARTIS DA DISTRIBUIÇÃO

Uma alternativa simples para a definição da classe média seria obter os pontos

de corte a partir dos percentis da distribuição, por exemplo, utilizando para cada ano o

25º e o 75º percentis. Essa seria uma definição relativa de classe média em que a

qualquer momento, ela representaria sempre 50% da população total. Daí decorre,

como já mencionado acima, que nem o crescimento nem as reduções no grau de

desigualdade teriam capacidade de ampliar o tamanho da classe média.

O papel do crescimento seria, então, elevar o padrão de consumo da classe

média, e o papel de reduções no grau de desigualdade seria reduzir as desigualdades

dentro da classe média. De fato, caso essa definição relativa fosse adotada, teríamos

que a renda média desse grupo teria aumentado em cerca de 50%, (Tabela 1), uma

consequência do crescimento do País que foi de 30,9% nesse período.

Ao mesmo tempo, a desigualdade interna, medida pela razão entre os limites

que definem o início e o fim desse grupo, teria se reduzido de 4,1 para 3,5, como

consequência da queda na desigualdade no País. Todo o progresso do Brasil estaria,

portanto, refletido internamente à classe média, uma vez que o seu tamanho

(porcentagem da população que pertence à classe média) teria permanecido

inalterada.

Page 20: Relatório Definição da classe média no Brasil

20

Esse critério poderia também ser utilizado para apoiar uma noção absoluta de

classe média. Para isso, bastaria escolhermos um ano e utilizarmos o 25º e 75º

percentil desse ano como limites fixos para a classe média. Se o objetivo é construir

um conceito que permita acompanhar a evolução da classe média ao longo da próxima

década, a escolha pela informação do último ano disponível (2009, no nosso caso) é

natural. Se essa fosse a opção adotada, a classe média seria formada pelas pessoas em

famílias com renda per capita entre R$231 e R$802 por mês. Dessa forma, o tamanho

da classe média teria aumentado em 10 pontos percentuais ao longo da década,

passando de 40%, em 2001, para 50% da população total, em 2009, em virtude do

crescimento econômico e da redução no grau de desigualdade (Gráfico 4).

Page 21: Relatório Definição da classe média no Brasil

21

Como uma medida absoluta, temos que os limites inferior e superior

definidores desse grupo permaneceram constantes e, assim como o grau de

desigualdade, ao menos quando definido pela razão entre esses dois extremos (3,5),

conforme Tabela 2.

Page 22: Relatório Definição da classe média no Brasil

22

3.2. ENTORNO DA MEDIANA

É natural que se deseje incluir sempre a mediana como parte da classe média. A

definição anterior, baseada nos quartis, garante que esse sempre será o caso para

todos os anos na sua versão relativa, e que sempre será o caso ao menos no ano base

na sua versão absoluta. Essa, entretanto, não é a única alternativa que garante essa

propriedade. Uma alternativa muito utilizada pela OCDE é definir a classe média como

o entorno da mediana, por exemplo, como as pessoas em famílias com renda entre a

metade da mediana e 1,5 vezes (ou 2 vezes) a mediana. Como no caso da definição

baseada nos quartis, essa alternativa permite uma versão relativa e uma absoluta.

Na sua versão relativa, os limites inferior e superior da classe média são

definidos utilizando-se a mediana corrente. Como no caso da definição baseada nos

quartis, a renda média segue o crescimento da renda na população como um todo. No

caso do Brasil da primeira década do novo milênio, o crescimento foi de quase 50%.

(Tabelas 3a e 3b).

Nesse caso, a desigualdade interna permanece inalterada na medida em que a

razão entre os limites é invariante: 3, caso se adote 1,5 vezes a mediana como ponto

de corte superior, e 4, caso o limite adotado seja 2 vezes a mediana. A sua vantagem é

a possibilidade de variação no tamanho da classe média. Embora esse seja invariante

em um processo de crescimento equilibrado (sem variação no grau de desigualdade),

reduções no grau de desigualdade podem levar a uma ampliação da classe média. De

fato, se a classe média for definida como as pessoas em famílias com renda per capita

entre metade e duas vezes a mediana, o tamanho desse grupo teria aumentado em 7

pontos percentuais ao longo da década, passando de 48%, em 2001, para 55%, em

2009 (Tabelas 3a e 3b).

Page 23: Relatório Definição da classe média no Brasil

23

A OCDE define os limites da classe média como sendo 0,5 e 1,5 vezes a

mediana. Esse critério, no entanto, não é aplicado na renda familiar per capita, mas na

Page 24: Relatório Definição da classe média no Brasil

24

renda familiar por adulto equivalente. Caso essa fosse a definição utilizada, o tamanho

da classe média teria crescido 6 pontos percentuais (Tabela 4).

Uma versão absoluta desse critério poderia ser adotada fixando-se os limites

para a classe média a partir da mediana de um ano selecionado (2009, no nosso caso).

Assim, o limite inferior seria dado pela metade da mediana de 2009 (R$219), e o limite

superior seria dado ou por 1,5 vezes (R$658) ou 2 vezes essa mediana (R$877). Em um

caso, o limite superior seria 3 vezes o inferior e, no outro, 4 vezes (Tabelas 5a e 5b).

Segundo esses critérios, o tamanho da classe média teria crescido respectivamente 6 e

10 pontos percentuais entre 2001 e 2009. Se o limite superior escolhido fosse 1,5

vezes a mediana, o tamanho da classe média passaria de 39% para 45%; caso a opção

fosse por um limite superior igual a 2 vezes a mediana, o tamanho da classe média

passaria de 45% para 55%. Quando uma noção absoluta é aplicada à metodologia da

OCDE, obtém-se, também, um avanço de 6 pontos percentuais no tamanho da classe

média, com essa passando de 41%, em 2001, para 47%, em 2009 (Tabela 6).

Page 25: Relatório Definição da classe média no Brasil

25

Page 26: Relatório Definição da classe média no Brasil

26

O uso do entorno da mediana como definição de classe média tem a grande

vantagem de ser ao mesmo tempo simples e transparente. O limite superior fica entre

3 a 4 vezes o limite inferior e, quando o valor para um ano é fixado, obtém-se uma

definição absoluta em que o tamanho da classe média aumenta com o crescimento

econômico e com reduções no grau de desigualdade. A grande desvantagem dessa

alternativa, porém, é a arbitrariedade na escolha do intervalo em torno da mediana.

Por que metade e duas vezes a mediana, ou 0,5 e 1,5 vezes a mediana?

3.3. POLARIZAÇÃO E PONTO NEUTRO

3.3.1. POLARIZAÇÃO

O entorno da mediana é certamente um método intuitivo, simples e

transparente para se delimitar a classe média. Sua desvantagem é a arbitrariedade

envolvida em determinar o tamanho do entorno. Existem, entretanto, métodos

estatísticos capazes de repartir a população em segmentos que evitam a

arbitrariedade da escolha da amplitude do entorno da mediana.

Page 27: Relatório Definição da classe média no Brasil

27

Um desses métodos é baseado no conceito de polarização e busca dividir a

população em tantos grupos quantos seriam desejados, de forma a minimizar a

desigualdade interna dos grupos e maximizar a desigualdade entre grupos. No caso da

definição de classe média, o objetivo seria dividir a população em três grupos: classe

baixa, classe média e classe alta.

Esse método tem como sua maior vantagem a solução para a arbitrariedade na

escolha dos limites inferior e superior para a definição da classe média. Dada uma

medida de desigualdade, irá existir apenas um limite inferior e outro superior que

maximiza a desigualdade entre os grupos (ou) minimiza a desigualdade dentro deles.

Existe, portanto, mesmo nesse caso, um grau de arbitrariedade. Trata-se da escolha da

medida de desigualdade, uma vez que os limites escolhidos dependem dessa escolha.

Vale ressaltar, também, que exceto por uma medida de desigualdade, os

limites que maximizam a desigualdade entre grupos não são os mesmos que

minimizam a desigualdade dentro desses grupos. A única exceção ocorre quando se

utiliza um dos índices de Theil, mais precisamente aquele que define a desigualdade

pela razão entre a média geométrica e a média aritmética. Por esse motivo, essa

medida foi a medida selecionada para o uso desse método na definição de classe

média.

Esse método pode tanto ser utilizado para obter uma noção relativa de classe

média, caso em que os limites são obtidos para cada ano, como para obter uma noção

absoluta de classe média, caso em que os limites são obtidos apenas para o ano de

referência (2009). No caso da noção relativa, os limites crescem na mesma taxa que a

renda per capita de tal forma que, dado um processo de crescimento balanceado, o

tamanho da classe média permanece invariante. No caso da noção absoluta, dado que

os limites são invariantes, mesmo com um crescimento balanceado, o tamanho da

classe média é crescente.

Dessa forma, ao se utilizar uma noção relativa, o tamanho da classe média

flutuaria entre 46% e 49% ao longo da primeira década do milênio. Os limites

Page 28: Relatório Definição da classe média no Brasil

28

inferiores e superiores iriam acompanhar o crescimento na renda per capita. O inferior

iria crescer mais de 50% ao longo da década, enquanto o superior cresceria 30%. Ao

final, em 2009, o limite superior seria 3,5 vezes o inferior (Tabela 7).

No caso da adoção de um critério absoluto, esses limites obtidos para 2009

seriam os utilizados para delimitar a classe média em todos os anos. Todas as pessoas

com renda per capita entre R$310 e R$1096 por mês pertenceriam à classe média.

Segundo essa definição, o tamanho da classe média cresceria 11 pontos percentuais,

passando de 38% da população, em 2001, para representar 49%, em 2009. Não

pertenceriam à classe média os 35% mais pobres e os 16% mais ricos. (Tabela 8).

Page 29: Relatório Definição da classe média no Brasil

29

3.3.2. PONTO NEUTRO E LINHA DE POBREZA

Segundo alguns critérios, a classe média deveria começar onde termina a

pobreza. Nesse caso, a escolha do limite inferior é equivalente à definição da linha de

pobreza, para o que existem metodologias bem estabelecidas. O dilema consistiria,

então, em escolher um limite superior para a classe média.

Uma opção menos arbitrária para essa escolha consiste em encontrar na

distribuição de renda o ponto distributivamente neutro. Sabe-se que uma

transferência de renda a uma pessoa suficientemente rica deverá aumentar a

desigualdade da mesma forma que a mesma transferência, direcionada a uma pessoa

suficientemente pobre, deverá reduzir a desigualdade. Entre esses extremos, tem-se

um nível de renda em que uma transferência marginal de renda não iria nem elevar

nem reduzir o grau de desigualdade. Esse seria o ponto distributivamente neutro, o

qual, por justa razão, poderia ser escolhido como o limite entre a classe média e a

classe alta.

Page 30: Relatório Definição da classe média no Brasil

30

Embora para cada medida de desigualdade esse ponto seja único, eliminando

boa dose de arbitrariedade na escolha do limite superior da classe média, o seu valor

depende da escolha da medida de desigualdade. Caso se utilize o Índice de Theil (dado

pela razão entre a média geométrica e a média aritmética), esse ponto neutro seria a

própria média aritmética. Caso se utilize o Índice de Gini, G, o ponto neutro seria dado

pelo percentil �100 + �� 2⁄ . Como o Coeficiente de Gini em 2009 era de 0,544, o

ponto neutro nesse ano seria de 77º percentil, equivalente a R$846 por mês.

Dessa forma, tem-se que, em 2009, transferências a famílias com renda per

capita mensal superior a R$846 iriam elevar a desigualdade, e transferências a famílias

com renda per capita mensal inferior a esse nível iriam reduzi-la, caso o coeficiente de

Gini fosse a medida utilizada para estimar-se a desigualdade. Por esse motivo, pode-se

recomendar a utilização de R$846 como limite inferior para a classe alta e, portanto,

como limite superior para a classe média.

Page 31: Relatório Definição da classe média no Brasil

31

3.4. AMBIENTE SOCIOECONÔMICO

Os métodos analisados na seção anterior têm a grande vantagem de

selecionarem os limites da classe média de forma não arbitrária, exceto pelo fato de

dependerem da medida de desigualdade escolhida. Entretanto, o critério utilizado

para a seleção desses limites é de natureza puramente estatística, resultando, em

última instância, de características da própria distribuição de renda.

Quando essa metodologia é adotada, nenhum outro aspecto econômico ou

social é levado em consideração na escolha dos limites inferior e superior da classe

média. Mesmo quando o pertencimento à classe média é definido apenas com base na

renda, nada impede que os limites utilizados para defini-la não considerem outros

aspectos do ambiente socioeconômico.

Quando esses limites contemplam outras dimensões do ambiente

socioeconômico das famílias, tipicamente três opções têm sido utilizadas: i) o padrão

de consumo das famílias, ii) a forma de inserção no mercado de trabalho, e iii) a

magnitude da chance de vir a ser pobre no futuro próximo (vulnerabilidade). Nesta

seção, analisamos as vantagens e desvantagens de cada opção.

3.4.1. CONSUMO DE CALORIAS E PADRÃO DE DESPESAS

CONSUMO DE CALORIAS

Uma das maneiras mais tradicionais de se definir pobreza ou classe baixa é

utilizar o consumo de calorias. Segundo esse critério, seriam pobres (classe baixa)

todos aqueles cuja despesa com alimentação seja incapaz de atender suas

necessidades calóricas.

O Gráfico 5 apresenta a relação entre o consumo diário de calorias per capita

das famílias brasileiras e sua despesa total per capita, por centésimo da distribuição de

renda, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2008-2009. Conforme

esse gráfico revela, o consumo de calorias cresce com o nível de despesas da família.

Page 32: Relatório Definição da classe média no Brasil

32

Uma vez escolhido um nível aceitável para o consumo de calorias, o limite inferior para

a classe média seria dado pelo valor da despesa per capita das primeiras famílias

capazes de satisfazer esse critério.

Tradicionalmente se utiliza 2,1 mil Kcal, por dia, per capita, como o nível

aceitável para o consumo diário de calorias. Se esse nível fosse utilizado, no entanto, a

classe baixa representaria toda a população brasileira. Conforme o Gráfico 5 revela,

devido ao declínio histórico no consumo diário de calorias, o nível aceitável precisa ser

estabelecido num patamar bem inferior. Embora determinar esse patamar requeira

cuidadosa consideração e se encontre além do escopo deste estudo, optamos por

ilustrar a utilização desse critério, considerando como nível calórico aceitável o valor

de 1,85 mil Kcal, por dia, per capita.

Segundo o Gráfico 5, as famílias com consumo calórico per capita de 1,85 mil

Kcal por dia têm uma despesa total per capita de R$317 por mês. Portanto, apenas as

famílias com despesa total per capita acima desse valor (R$317 por mês) são capazes

de satisfazer o nível de consumo calórico considerado adequado. Por esse motivo,

pode-se considerar esse valor como limite inferior para a renda per capita de um

Page 33: Relatório Definição da classe média no Brasil

33

membro da classe média. Segundo esse critério, 37% da população seriam considerada

classe baixa e a classe média se iniciaria a partir desse percentil.

PADRÃO DE DESPESAS

Ainda que o consumo de calorias seja a regra tradicionalmente utilizada para se

definir pobreza, aspectos mais amplos do padrão de despesas das famílias são

comumente utilizados para a definição de classe média. Tipicamente, a classe baixa

seria formada por famílias que ainda precisam dedicar uma parcela muito elevada de

seu orçamento a bens considerados essenciais; a classe alta seria formada por aquelas

que já podem dedicar uma parcela significativa de seu orçamento à compra de bens

considerados supérfluos. Por esse critério, a classe média seria formada pela parcela

da população com orçamento balanceado. Seria, assim, formada pelo conjunto de

famílias que já não precisam dedicar uma parcela tão elevada de seus recursos à

compra de bens essenciais, mas que tampouco têm recursos suficientes para permitir

que a parcela dedicada a bens supérfluos seja significativa.

Essa abordagem precisa enfrentar duas fontes de arbitrariedade. Em primeiro

lugar, tem-se a arbitrariedade dos critérios que deveriam ser utilizados para classificar

os bens em essenciais e supérfluos. Com vistas a investigar os resultados que seriam

alcançados com base na utilização dessa abordagem, consideramos duas

possibilidades para se classificar os bens como essenciais, intermediários e supérfluos.

Numa linha mais substantiva, classificamos os bens em termos da nossa

percepção sobre quais seriam indispensáveis para uma sobrevivência digna

(essenciais) e quais seriam, em grande medida, inteiramente dispensáveis (supérfluos).

A classificação assim alcançada é apresentada na Tabela 10.

Page 34: Relatório Definição da classe média no Brasil

34

Consideramos também uma segunda opção, de natureza mais estatística. Nessa

opção, todos os grupos de bens foram primeiramente ordenados segundo a diferença

entre sua importância no orçamento dos mais pobres e sua importância para o

orçamento dos mais ricos. Quanto maior essa diferença, mais essencial e menos

supérfluo o bem foi considerado.

Page 35: Relatório Definição da classe média no Brasil

35

Em seguida, estimamos a porcentagem do orçamento do terço central da

distribuição gasto com cada grupo de bens, acumulamos essas porcentagens a partir

dos bens mais essenciais e dividimos o orçamento desse terço central em três partes

iguais. O primeiro grupo, responsável pelo primeiro ⅓ do orçamento desse núcleo

central, passou a formar o grupo dos bens essenciais, enquanto que os bens no

terceiro terço do orçamento desse núcleo central passaram a formar o grupo de

supérfluos. Por esse critério, o grupo central teria um orçamento balanceado,

dedicando ⅓ com bens essenciais, ⅓ com bens intermediários e ⅓ com bens

supérfluos. Por construção, a participação dos bens essenciais no orçamento dos

grupos mais pobres seria maior que ⅓ e o dos bens supérfluos no orçamento dos

grupos mais ricos, maior que ⅓. A lista de bens classificados em cada um dos grupos é

apresentada na Tabela 11, enquanto que a distribuição do orçamento familiar entre os

três grupos por centésimo da distribuição de renda é apresentada no Gráfico 6.

Page 36: Relatório Definição da classe média no Brasil

36

Page 37: Relatório Definição da classe média no Brasil

37

A segunda e mais importante das duas arbitrariedades que precisam ser

adotadas para que se possa operacionalizar essa metodologia consiste, então, em

determinar abaixo de que parcela do orçamento gasto com bens essenciais se inicia a

classe média e acima de que parcela do orçamento gasto com supérfluos ela termina.

Com vistas a ilustrar essa metodologia, adotamos como critério 80% da parcela gasta

com bens essenciais pelos 5% mais pobres e com bens supérfluos pelos 5% mais ricos.

As Tabelas 12a e 12b apresentam a parcela do orçamento dedicado a bens essenciais e

bens supérfluos pelos 5% mais pobres e 5% mais ricos, respectivamente, utilizando-se

as duas classificações desenvolvidas por esta Comissão.

Page 38: Relatório Definição da classe média no Brasil

38

No caso da classificação estatística, 80% da parcela gasta com bens essenciais

pelos 5% mais pobres equivale a 38% da despesa total, enquanto que 80% da parcela

gasta com supérfluos pelos 5% mais ricos equivale a 40% da despesa total. O Gráfico 7

apresenta a relação entre a parcela dedicada a bens essenciais e supérfluos por

percentil da distribuição e mostra que a classe média iniciaria no percentil 33 e

terminaria no percentil 85. Dessa forma, a classe média representaria 52% da

população brasileira em 2009. Em termos de renda per capita, os limites inferior e

superior da classe média, nesse caso, seriam de R$288 e R$1154, respectivamente. De

acordo com esse critério, a classe média teria aumentado de 40% da população em

2001 para 52% em 2009. Teria, portanto, aumentado seu tamanho relativo em 12

pontos percentuais.

Caso a classificação mais substantiva fosse a escolhida, a classe média em 2009

também iniciaria em R$288 per capita por mês (33º percentil), mas seu limite superior

seria bem mais baixo, R$585 per capita por mês (64º percentil). Nesse caso, o tamanho

da classe média seria bem menor (31% da população, em 2009) e teria aumentado

menos ao longo da década (apenas 6 pontos percentuais).

Page 39: Relatório Definição da classe média no Brasil

39

3.4.2. INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO

Uma alternativa à utilização dos métodos de consumo de calorias e de padrão

de despesas para se definir a classe média seria a utilização da inserção no mercado de

trabalho. Nesse caso, em vez de classificarmos as famílias pela forma como alocam sua

renda, as classificaríamos de acordo com a forma como obtêm a sua renda. Por

exemplo, poderiam ser consideradas classe baixa as famílias cuja renda procedesse

predominantemente de transferências governamentais, e classe alta aquelas em que a

participação da remuneração de ativos físicos e financeiros é particularmente

presente. Assim, a classe média seria formada pelas famílias com renda

predominantemente derivada do trabalho.

No Gráfico 8 apresentamos como a participação das transferências, renda do

trabalho e rendimento de ativos varia ao longo dos centésimos da distribuição de

renda brasileira. Desse gráfico, fica evidente que não existe uma relação

monotonicamente decrescente entre a parcela da renda decorrente de transferências

e o nível de renda (percentis da distribuição), nem tampouco uma relação em forma

de U invertido, relacionando a parcela da renda derivada do trabalho e o nível de

renda. A explicação, em ambos os casos, é o sistema brasileiro de proteção à

população idosa, seja relacionada à previdência, seja relativa à assistência social. Como

os benefícios são universais e indexados ao salário mínimo, seus beneficiários passam

a fazer parte da classe média, mesmo quando não têm acesso a nenhuma renda do

trabalho ou decorrente do rendimento de ativos.

Page 40: Relatório Definição da classe média no Brasil

40

Em razão da ausência de uma relação monotônica entre a parcela da renda

decorrente de transferências e renda per capita, optamos por não utilizar a estrutura

da renda como critério para a definição da classe média.

3.4.3. VULNERABILIDADE

Embora tradicionalmente a definição de classe média tenha estado vinculada

aos padrões de consumo das famílias ou à forma de inserção de seus membros

economicamente ativos no mercado de trabalho, uma nova ótica vem recebendo

atenção, mais recentemente. Segundo essa nova ótica, o que as famílias que formam a

classe média teriam em comum não estaria necessariamente relacionado a padrões de

consumo e à inserção no mercado de trabalho, mas relacionado à capacidade de

planejar e desenhar o futuro.

Argumenta-se que não só os pobres, mas também todos aqueles que percebem

que têm elevada probabilidade de se tornarem pobres no futuro próximo, adotam

estratégias defensivas e mais imediatistas voltadas para mitigar os efeitos da pobreza e

Page 41: Relatório Definição da classe média no Brasil

41

reduzir as chances de se tornarem pobres ou de agravar seu grau de pobreza. Esse tipo

de atitude leva a formas de atuação preventivas e que envolvem poucos

investimentos, com baixa propensão a assumir riscos. Por essas razões, aparentam

certa miopia, certa indiferença com relação a eventos um pouco distantes do imediato.

No entanto, na medida em que a possibilidade de vir a ser pobre declina, as

famílias ganham capacidade de imaginar e planejar o futuro, assim como de realizar

investimentos e tomar outras atitudes concretas dirigidas à construção desse futuro.

Essa diferença de atitude com relação ao futuro é o que faz, segundo esta abordagem,

a classe média ser distinta da classe baixa e dos pobres, em particular.

Segundo essa perspectiva, as classes baixa, média e alta são determinadas por

diferenças na probabilidade de virem a ser pobres no futuro imediato, que passamos a

denominar grau de vulnerabilidade. Assim, a classe alta seria aquela formada por

pessoas com baixo grau de vulnerabilidade, isto é, com baixíssima probabilidade de se

tornarem pobres no futuro imediato. De forma similar, a classe baixa seria aquela

formada por pessoas com alto grau de vulnerabilidade, ou seja, com elevada

probabilidade de se tornarem pobres no futuro imediato. A classe média seria, então,

formada por aquelas com nível intermediário de vulnerabilidade, suficientemente

elevado, no entanto, para que passem a ter genuíno interesse pelo longo prazo.

De forma muito similar à busca por uma definição baseada nos padrões de

consumo das famílias, a ótica da vulnerabilidade também enfrenta duas formas de

arbitrariedade. Em primeiro lugar, tem-se que enfrentar a arbitrariedade envolvida na

definição e estimação do grau de vulnerabilidade. Na medida em que o grau de

vulnerabilidade é definido como a probabilidade de vir a ser pobre no futuro próximo,

sua definição necessita da determinação de uma linha de pobreza. Para efeito dos

trabalhos desta Comissão, utilizamos a linha de pobreza de R$140 por mês, utilizada

no contexto do programa Brasil Sem Miséria. Assim, são consideradas pobres as

pessoas que vivem em famílias com renda mensal per capita inferior a R$140. Em

seguida, faz-se necessário operacionalizar o conceito de futuro próximo. Consideramos

Page 42: Relatório Definição da classe média no Brasil

42

três alternativas nesse caso: i) vir a ser pobre no próximo ano; ii) vir a ser pobre em

algum dos próximos cinco anos e iii) ser estruturalmente pobre.

Consideramos que uma pessoa é estruturalmente pobre quando, dadas as

características dos membros economicamente ativos da família, a renda do trabalho

predita, somada às transferências e rendimentos de ativos efetivamente recebidos,

leva a uma renda per capita inferior a R$140 por mês. Assim, uma pessoa não pobre

que hoje vive numa família com renda per capita acima de R$140, será

estruturalmente pobre quando a remuneração do trabalho de seus membros

economicamente ativos estiver acima do que é considerado típico para pessoas com

suas características pessoais (gênero, cor, idade, escolaridade, etc). Como o cálculo do

grau de vulnerabilidade estrutural depende apenas do cálculo dessa renda familiar per

capita predita ou típica, essa é uma medida que pode ser obtida a partir de qualquer

pesquisa domiciliar transversal como, por exemplo, a Pesquisa Nacional por Amostra

de Domicílios (PNAD), que tenha boa informação sobre os diversos componentes da

renda e das características pessoais da população economicamente ativa.

Já o grau de vulnerabilidade baseado na probabilidade de vir a ser pobre no

próximo ano ou em alguns dos próximos cinco anos requer necessariamente

informação longitudinal ou retrospectiva, tipicamente não disponível nas pesquisas

domiciliares brasileiras. Entretanto, a despeito da série de PNADs não se configurar

numa pesquisa longitudinal clássica, em que um painel de domicílios ou famílias é

entrevistado repetidas vezes ao longo dos anos em função do seu desenho amostral,

ela é uma pesquisa longitudinal em nível de setores censitários. Dentro de uma mesma

década, isto é, entre dois Censos Demográficos, os setores censitários investigados

pela PNAD permanecem inalterados. A cada ano mudam apenas os domicílios que

serão entrevistados. Nas áreas urbanas, um setor censitário típico é um conjunto de

200 domicílios (que podem estar tão próximo quanto dois prédios de 10 andares com

10 habitações por andar). A cada ano, cerca de 20 domicílios de cada setor censitário

são entrevistados. Com base nessa informação, consideramos vulnerável toda pessoa

que viva numa localidade (seu setor censitário) cuja renda per capita (do setor) irá ficar

Page 43: Relatório Definição da classe média no Brasil

43

abaixo da linha da pobreza (R$140) no próximo ano ou em algum dos próximos cinco

anos.

Para avaliarmos a chance de pobreza nos próximos cinco anos, consideramos

como base o ano de 2004. Nesse caso, foram vulneráveis as pessoas que viviam, em

2004, em locais (setores censitários) cuja renda per capita era inferior a R$140 em

algum dos anos do quinquênio 2005-09.

Para avaliar a chance de pobreza no próximo ano, tomamos a perspectiva de

cada ano no quinquênio 2004-08. Foram consideradas vulneráveis as pessoas que

viviam num desses anos em locais (setores censitários) cuja renda per capita era

inferior a R$140 no ano subsequente.

Vale ressaltar que, seja qual for a opção, ainda não conseguimos, de fato, medir

o grau de vulnerabilidade. O que os procedimentos propostos permitem identificar é

se uma pessoa vive ou não numa família estruturalmente pobre, ou se vive ou não

num local que será pobre no futuro imediato. O que se deseja, no entanto, é conhecer

a chance da família a que uma pessoa pertence vir ou não a ser pobre, dada a sua

renda per capita atual. Com vistas a obter essa resposta, relacionamos cada um dos

indicadores de pobreza no futuro próximo com a renda familiar per capita utilizando

uma relação logística. As três relações encontradas são apresentadas nos Gráficos 9,

10 e 11. Com base nessa relação, para cada pessoa em função de sua renda per capita

é possível obter a sua chance de vir a ser pobre no futuro próximo. Essa passa, então, a

ser uma medida do seu grau de vulnerabilidade.

Page 44: Relatório Definição da classe média no Brasil

44

Page 45: Relatório Definição da classe média no Brasil

45

Com base em cada uma dessas medidas de vulnerabilidade, a população foi

congregada em três grupos: alta, média e baixa vulnerabilidade. De acordo com o grau

de vulnerabilidade, esses grupos foram, então, denominados de classe baixa, média e

alta. Daí resulta a segunda arbitrariedade envolvida nessa definição: a escolha dos

limites para o grau de vulnerabilidade a serem utilizados para a definição da classe

média.

Para ilustrar a metodologia descrita, definimos um limite superior e um limite

inferior, de acordo com três critérios: i) chance de vir a ser pobre no próximo ano; ii)

chance de vir a ser pobre em algum dos próximos cinco anos e iii) o grau de pobreza

estrutural. O limite superior definiu-se como 3%, para o primeiro caso, 7% para o

segundo, e 10%, para o terceiro caso. O limite inferior, por sua vez, definiu-se como

1,5% para o primeiro caso, 3% para o segundo e 1% para o terceiro caso.

Essas escolhas levaram, no caso do grau de vulnerabilidade estrutural, a um

limite inferior para a renda per capita da classe média de R$285, e a um limite superior

de R$1034. Estabelecidos esses limites, a classe média, em 2009, iniciaria no 33º

percentil e terminaria no 83º percentil, representando, dessa forma, metade da

Page 46: Relatório Definição da classe média no Brasil

46

população brasileira, em 2009. Segundo essa definição, o tamanho relativo da classe

média teria aumentado 11 pontos percentuais, passando de 39%, em 2001, para 50%,

em 2009.

Quando a vulnerabilidade foi medida pela chance de vir a ser pobre em algum

momento ao longo do próximo quinquênio, os limites inferior e superior obtidos para

a classe média foram de R$288 e R$1151. Dados esses limites, a classe média, em

2009, iniciaria no 33º percentil e terminaria no 85º percentil, representando, dessa

forma, 52% da população brasileira nesse ano. Segundo essa definição, o tamanho

relativo da classe média teria aumentado 12 pontos percentuais, passando de 40%, em

2001, para 52%, em 2009. Já quando o grau de vulnerabilidade foi medido pela chance

de vir a ser pobre no próximo ano houve um aumento de 9 pontos percentuais, com

uma classe média menos expressiva, passando de 33% em 2001 para 42 em 2009.

Todas essas estimativas encontram-se nas Tabelas 13, 14 e 15.

Page 47: Relatório Definição da classe média no Brasil

47

Page 48: Relatório Definição da classe média no Brasil

48

3.5. UTILIZANDO A POLARIZAÇÃO NAS VARIÁVEIS SOCIOECONÔMICAS PARA ESTABELECER OS LIMITES DA

CLASSE MÉDIA

Existem poucas dúvidas sobre a adequação dos padrões familiares de consumo

e, em particular, do grau de vulnerabilidade à pobreza das famílias, como instrumentos

para se definir classe média. No entanto, a arbitrariedade da escolha dos limites

inferior e superior – seja no que se refere à parcela dos gastos com bens essenciais e

bens supérfluos, seja com relação ao grau de vulnerabilidade – torna essas

metodologias, em boa medida, tão arbitrárias quanto a escolha direta de um entorno

da mediana da renda per capita. Em última instância, o que essas metodologias

propõem é apenas uma translação do espaço onde uma escolha arbitrária dos limites

para a classe média é imposta. No caso do entorno da mediana, a arbitrariedade é

conduzida diretamente no espaço da renda, enquanto que nas metodologias

propostas na seção anterior, as arbitrariedades são impostas nos espaços de padrão de

consumo e do grau de vulnerabilidade, respectivamente, e posteriormente traduzidas

em limites para a renda per capita com base em relações conhecidas entre renda e

padrão de consumo (Gráfico 6) e renda e grau de vulnerabilidade (Gráfico 12).

Page 49: Relatório Definição da classe média no Brasil

49

É possível eliminar essa arbitrariedade utilizando-se o conceito de polarização

considerado na seção 3.3.1. Nessa seção, empregamos o conceito de polarização para

dividir a distribuição de renda em três grupos, internamente os mais homogêneos

possíveis. Nada impede, no entanto, que esse mesmo critério seja utilizado para dividir

a distribuição da população em três grupos segundo o seu padrão de consumo ou

segundo o seu grau de vulnerabilidade. Essa estratégia nos permite combinar as

vantagens de definir classe média num espaço substantivamente mais rico, seja no

espaço de padrões de consumo ou de vulnerabilidade, com uma escolha não arbitrária

dos limites inferior e superior para a classe média.

3.5.1 PADRÃO DE DESPESAS FAMILIARES

Os resultados obtidos aplicando-se essa metodologia combinada com os

padrões de consumo são apresentados nas Tabelas 16a e 16b. Nesse caso, duas

alternativas podem ser consideradas. Uma baseada na participação dos bens

essenciais no orçamento familiar e outra baseada na participação dos bens supérfluos

no orçamento familiar. Com vistas a utilizar sempre um indicador monotonicamente

crescente com a renda per capita, em vez de utilizarmos participação dos bens

essenciais, utilizamos seu complemento: a participação dos demais bens, exceto os

essenciais. Também, por razões técnicas, em vez de utilizarmos a participação,

empregamos a “razão de chances”, dada pela razão entre a participação de um grupo

de bens e a participação do grupo complementar. O objetivo, nesse caso, foi trabalhar

com a polarização da distribuição de uma variável positiva que, como a renda per

capita, não tem limite superior definido.

Page 50: Relatório Definição da classe média no Brasil

Os resultados não são muito dependentes do uso de bens essenciais ou bens

supérfluos. No caso de bens essenciais

a classe média foram de R$

apresenta esses resultados.

no 33o percentil e termina no

50

Os resultados não são muito dependentes do uso de bens essenciais ou bens

bens essenciais, os limites inferior e superior encontrados para

a classe média foram de R$288 e R$1009, respectivamente. O gráfico

apresenta esses resultados. Daí resulta que a classe média, por este critério, inicia

percentil e termina no 82o percentil. A classe média em 2009 representaria

Os resultados não são muito dependentes do uso de bens essenciais ou bens

os limites inferior e superior encontrados para

O gráfico 13 abaixo

Daí resulta que a classe média, por este critério, inicia-se

percentil. A classe média em 2009 representaria 49%

Page 51: Relatório Definição da classe média no Brasil

51

da população brasileira e teria crescido 11 pontos percentuais ao longo da década,

passando de 38%, em 2001, para 49%, em 2009.

No caso do uso da participação dos bens supérfluos, os limites inferior e

superior encontrados para a classe média foram de R$303 e R$1056, respectivamente.

Daí resulta que a classe média, por este critério, inicia-se no 35o percentil e termina no

83o percentil. A classe média em 2009 representaria 48% da população brasileira e

teria crescido 11 pontos percentuais ao longo da década, passando de 37%, em 2001,

para 48%, em 2009.

3.5.2. GRAU DE VULNERABILIDADE

Também utilizamos a mesma abordagem para obter internamente os limites

inferior e superior para a classe média utilizando os três graus de vulnerabilidade

estimados. Com vistas a utilizar sempre um indicador monotonicamente crescente

com a renda per capita, em vez de utilizarmos o grau de vulnerabilidade, utilizamos

seu complemento: a chance de não vir a ser pobre no futuro imediato. Pelas mesmas

razões técnicas mencionadas no caso da aplicação aos padrões de consumo familiares,

Page 52: Relatório Definição da classe média no Brasil

52

em vez de utilizarmos a chance de não vir a ser pobre, utilizaremos a “razão de

chances”, dada pela razão entre a chance de não vir a ser pobre e a chance de vir a ser

pobre. O objetivo é garantir que a polarização é realizada na distribuição de uma

variável positiva que, como a renda per capita, não tem limite superior definido.

Os resultados obtidos são apresentados nas Tabelas 17, 18 e 19. Conforme

estas tabelas revelam, as definições de classe média obtidas com base nesta

metodologia dependem muito pouco de como o grau de vulnerabilidade é definido.

Tanto o conceito de vulnerabilidade estrutural como o de vulnerabilidade ao longo do

próximo quinquênio levam praticamente ao mesmo limite inferior para a classe média:

respectivamente R$290 e R$ 291 por pessoa por mês. O uso da vulnerabilidade à

pobreza no próximo ano leva a um limite inferior para a classe média ligeiramente

mais elevado: R$303 por pessoa por mês. Os limites superiores obtidos com base nesta

metodologia combinada também são similares, independentemente do conceito de

vulnerabilidade escolhido. Em todos os três casos, o limite superior varia de R$981

(estrutural) a R$1056 (próximo quinquênio).

Dados esses limites, como as Tabelas 17, 18 e 19 revelam, a classe média inicia-

se entre o 33º o 35º percentil e termina entre o 81º e o 83º percentil, dependendo do

conceito de vulnerabilidade adotado. Por conseguinte, obtivemos que, independente

do critério utilizado para medir vulnerabilidade, a classe média abarca sempre 48% da

população brasileira em 2009 e tem crescido de 10 a 11 pontos percentuais, na medida

em que passou de representar de 37% a 38% da população brasileira, em 2001, para

48% em 2009.

Page 53: Relatório Definição da classe média no Brasil

53

Page 54: Relatório Definição da classe média no Brasil

54

Ademais, os valores das três relações de vulnerabilidade encontradas podem

ser representadas graficamente (gráficos 14, 15 e 16 abaixo).

Page 55: Relatório Definição da classe média no Brasil

55

Page 56: Relatório Definição da classe média no Brasil

56

3.5.3. GRAU DE VULNERABILIDADE COM LINHA DE POBREZA ALTERNATIVA

Conforme explicitado, com a polarização eliminamos a arbitrariedade da

escolha dos limites inferior e superior do grau de vulnerabilidade. Contudo, mesmo

quando utilizamos esse procedimento ainda há a arbitrariedade da determinação da

linha de pobreza. Utilizamos, para isso, a linha de pobreza de R$140 por mês, utilizada

no contexto do programa Brasil Sem Miséria.

Portanto, de modo a verificar a sensibilidade dessa definição a mudanças na

linha de pobreza, adotamos o valor alternativo de R$250. Os resultados, apresentados

nas tabelas 20 abaixo, mostram que a estimação da classe média pelo método de

polarização na vulnerabilidade no próximo quinquênio não é muito sensível à linha de

pobreza que arbitramos. De fato, com a mudança dessa linha para R$250 há apenas

um pequeno aumento nos valores dos pontos de cortes absolutos, os quais ocasionam

o crescimento em 1% no tamanho da classe média, passando de 48% para 49%.

Tais resultados corroboram, assim, para a conclusão de que a arbitrariedade

necessária a esta definição não influencia em grande medida os limites da classe média

obtidos.

Page 57: Relatório Definição da classe média no Brasil

57

4. PROPOSTA DA COMISSÃO

Feitas as diferentes simulações, optamos por usar o critério de grau de

vulnerabilidade para definir a classe média. Relembrando, foram definidas 3 formas

para obtenção do grau de vulnerabilidade:

i) a partir da probabilidade de que se esteja em condição de pobreza no próximo

ano, dada a renda domiciliar per capita inicial;

ii) a partir da probabilidade de que se esteja em condição de pobreza em algum

momento dos próximos 5 anos, dada a renda domiciliar per capita inicial;

iii) a partir da probabilidade de ser estruturalmente pobre, dada a renda domiciliar

per capita.

Entendemos ser esse o critério mais adequado pela relação que guarda com a

possibilidade de visão prospectiva e capacidade de planejamento. Conforme a renda

aumenta, o risco de queda à condição de pobreza diminui. Ao perceberem sua ascensão

como duradoura, as famílias trocam estratégias de sobrevivência por atitudes e visões de

longo prazo, voltadas a garantir seu contínuo progresso econômico.

Para evitarmos arbitrariedades desnecessárias, optamos por usar o método de

polarização para definição dos limites inferior e superior. Fizemos as simulações

considerando as três diferentes formas de obtenção do grau de vulnerabilidade. Como

vimos na Seção 3.5.2, todos esses exercícios trazem resultados muito próximos.

Optamos por aquele que define o grau de vulnerabilidade pela probabilidade de queda

(ou permanência) à condição de pobreza em algum momento dos próximos 5 anos,

cujos resultados apresentam-se na Tabela 18 e Gráfico 14: limite inferior de R$291 e

superior, R$1019, representando 48% da população brasileira no ano de 2009.

5. SIMULAÇÕES UTILIZANDO POF X PNAD

Dados os limites inferior e superior da classe média por meio do método de

polarização da vulnerabilidade no próximo quinquênio, observa-se que essa definição

Page 58: Relatório Definição da classe média no Brasil

58

inclui como já pertencendo a classe média famílias com renda considerada muito

baixa. De modo geral, este fato se explica por haver uma tendência da população a

subdeclarar sua renda em entrevistas de pesquisa. Uma forma de exemplificar este tipo de

desajuste entre a renda efetiva e a declarada consiste em verificar a sensibilidade dos limites

definidores da classe média quando se melhora a mensuração de renda.

Em pesquisas com propósitos múltiplos, as quais investigam desde condições

habitacionais à inserção no mercado de trabalho, o esforço dedicado a investigação da

renda tende a ser naturalmente limitada. Este é o caso tanto nas Pesquisas por

Amostra de Domicílios – PNAD, realizadas anualmente pelo IBGE, quanto pelos Censos

Demográficos. Nessas pesquisas, rendas eventuais como seguro desemprego, abono

salarial, 13º salário, horas extras não usuais, ganhos financeiros não recorrentes,

dentre outros componentes não são sequer objeto da investigação. Essas pesquisas

não buscam sequer mensurar este tipo de renda, como também não se preocupam em

avaliar a renda não monetária, tão importante entre os mais pobres. Por este motivo,

mesmo quando muito bem implementadas essas pesquisas levam a subestimativas da

renda familiar.

A magnitude da subestimativa pode ser avaliada contrastando-se a distribuição

de renda brasileira estimada com base na PNAD-2009 e a estimada com base na

Pesquisa de Orçamentos Familiares-2008-09 (ambas realizadas pelo IBGE). Como a

tabela 21 abaixo ilustra, se estamos de acordo com os pontos de corte que definem a

classe média, o 34º e o 82º percentil, existe uma diferença substancial na qualidade da

renda estimada por essas duas pesquisas.

Page 59: Relatório Definição da classe média no Brasil

59

Em função das deficiências na mensuração da renda na PNAD, os limites para a

definição da classe média seriam cerca de 60% maiores quando a POF é utilizada do

que quando se utiliza a PNAD. Para captarem as mesmas famílias como classe média,

segundo a PNAD deveriam ser inclusas todas as famílias com renda acima de R$291

per capita por mês, enquanto que pela POF a renda mínima para inclusão seria a de

R$458 per capita por mês. Por sua vez, a classe média acabaria quando as famílias

possuíssem renda acima de R$1019, segundo a PNAD, e R$1661, quando utilizamos os

dados da POF.

Entretanto, para acompanharmos os movimentos de expansão (ou contração)

da renda de forma anual, precisamos de uma base estatística que seja também anual.

Como a Pesquisa de Orçamentos Familiares é realizada a cada 5 anos, temos que

adotar a PNAD, mesmo a despeito dos valores de renda familiar mais baixos.

Page 60: Relatório Definição da classe média no Brasil

60

6. SUBDIVISÕES DAS CLASSES BAIXA, MÉDIA E ALTA

Podemos fazer novas divisões dentro de cada classe (baixa, média e alta) de

modo que possamos comparar os valores obtidos com aqueles utilizados por critérios

de classificação econômica já estabelecidos, como é o caso do Critério Brasil, bem

conhecido pela imprensa e pela população de modo geral, que se referem com

naturalidade às classes "A", "B", "C", "D" e "E". Ademais, como a divisão da população em

apenas 3 classes gera grupos muito grandes – com uma heterogeneidade interna

muito grande – a subdivisão torna-se ainda mais relevante para o propósito de

formulação de políticas públicas, em função das razões mencionadas na Seção 1.2.

A partir das 3 classes geradas pelo método da polarização na vulnerabilidade,

subdividimos a classe baixa em 3 grupos, a classe média também em 3 grupos e a

classe alta em 2 grupos.

O primeiro grupo, o da classe baixa, foi dividido com base nas linhas dos

programas Brasil Sem Miséria e Bolsa Família, corrigidas pela inflação. Assim, temos: i)

os extremamente pobres, que são aqueles que possuem renda familiar per capita de

até R$81; ii) os pobres (mas não extremamente pobres), aqueles com renda familiar

per capita entre R$81 e R$162 e iii) os vulneráveis, aqueles que estão acima da linha de

pobreza e abaixo da linha da classe média, ou seja, que possuem renda familiar per

capita entre R$162 e R$291.

Por sua vez, para a divisão da classe média realizamos um novo exercício de

polarização, só que desta vez tomando apenas as pessoas que estavam na classe

média, obtendo 3 grupos: i) baixa classe média, ii) média classe média, e iii) alta classe

média. Por fim, para a divisão da classe alta também realizamos um novo exercício de

polarização, tomando apenas as pessoas que estavam na classe alta, obtendo 2

grupos: i) baixa classe alta, e ii) alta classe alta. A Tabela 22 abaixo apresenta os

resultados dos pontos de corte absolutos e relativos de cada faixa de renda ao longo

dos anos.

Page 61: Relatório Definição da classe média no Brasil

61

A classe média apresenta três cortes: a baixa classe média, que compreende

aquelas famílias com renda per capita entre R$291 e R$441; a média classe média, que

se encontra entre as faixas de renda de R$441 e R$641; por fim, a alta classe média,

cuja renda familiar varia entre R$641 e R$1019 per capita. Em termos relativos, a baixa

classe localiza-se entre o 34º e o 50º percentil, a média classe média entre o 50º e o

67º percentil e a alta classe alta está entre o 67º e o 82º percentil.

7. RENDA FAMILIAR

Embora os limites da classe média tenham sido definidos em termos da renda

per capita, a maioria dos indivíduos pertencentes às diferentes classes estão inseridos

em uma família. Dessa forma, tão importante quanto conhecer a renda per capita é

conhecer a renda familiar média dos indivíduos.

Page 62: Relatório Definição da classe média no Brasil

62

Consideremos um domicílio com 4 membros, o que no conjunto recebe

R$1.200 por mês. Agora, consideremos 4 indivíduos solteiros, sem filhos que recebem

R$300 por mês. É muito provável que os indivíduos inseridos na família tenham

melhores condições de vida que os quatro indivíduos que vivem sozinhos, apesar de a

renda per capita em ambos os casos ser igual a R$300.

Portanto, para considerar este aspecto do ganho de bem estar por se estar

morando conjuntamente, optamos por utilizar a renda familiar média dos indivíduos

em nosso diagnóstico situacional da classe média. Abaixo, na tabela 23, temos os

valores para cada subclasse de renda.

Page 63: Relatório Definição da classe média no Brasil

63

8. COMO MEDIR A EXPANSÃO

Segundo a definição proposta pela SAE, a classe média é composta por todas as

pessoas vivendo em domicílios com renda per capita entre R$291 e R$1019 por mês

(em valores de março de 2012). A definição da classe média utilizada é absoluta, o que

torna os valores dos limites invariantes no tempo. Ou seja, são valores chamados reais.

Por conseguinte, os valores nominais destes limites variam de ano para ano,

variação esta proporcional à taxa acumulada de inflação. Por exemplo, como a taxa de

inflação acumulada entre 2001 e 2009 foi de 109%, em 2009 os limites nominais da

classe média eram 76% maiores que os correspondentes limites nominais de 2001.

Note que tanto o limite superior como o inferior são 76% maiores.

Para identificação da classe média, a taxa de inflação considerada para a

deflação de seus limites foi o Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC,

tomando 2012 como ano base para o cálculo dos valores reais dos limites. Assim, para

se calcular o tamanho da classe média anualmente, estimamos seus limites nominais

no ano, deflacionando-os utilizando o INPC. A tabela 24 contém os limites inferior e

superior nominais de cada ano, além do deflator, tomando-se 2012 como ano base.

Page 64: Relatório Definição da classe média no Brasil

64

Desse modo, obtemos o tamanho da classe média em cada ano pela

porcentagem das pessoas que vivem em domicílios com renda per capita nominal

entre estes dois limites no ano em análise. Em 2001, 38% da população brasileira

viviam em domicílios com renda per capita entre R$140 e R$491 (os limites na classe

média neste ano), enquanto que em 2009, 48% da população brasileira vivia em

domicílios com renda per capita entre R$248 e R$867 (os limites na classe média neste

ano). Em ambos os casos o intervalo real da classe média é de R$291 a R$1019, em

termos dos valores de 2012.

Além disso, pode-se com estas informações estimar o tamanho atual da classe

média. Em 2003, 37% da população brasileira pertenciam à classe média, já em 2009

Page 65: Relatório Definição da classe média no Brasil

65

este número subiu para 48%. Sendo assim, ao longo deste período de 6 anos o

tamanho relativo da classe média cresceu 11 pontos percentuais, equivalente a 1,83

pontos percentuais por ano. Como o tamanho da classe média era de 48% em 2009,

segue que mantida a taxa de crescimento ao ano, a classe média em 2012 deve

abarcar 54% da população brasileira (Gráfico 17).

Page 66: Relatório Definição da classe média no Brasil

66