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2014 09-04 - ler aprender gn 3 ceb - vencedor - ups - beatriz duarte 7 - 8b - vb

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“Ups...”

Ouvi o meu telemóvel tocar e aproximei-me dele rapidamente, vendo a foto do João no

meu ecrã. Atendi, dizendo um simples “Olá”. João reparou que a minha voz estava um pouco mais

melancólica que o normal e perguntou-me:

- Tess, que se passa?

Adorava quando ele me chamava assim e, por isso, ri um pouco. Respondi-lhe, tentando

esconder a mentira na minha voz:

- Nada, estava só com saudades tuas.

Bem, em parte era verdade. Imaginei-o a sorrir e a formar as covinhas que tanto adoro. A

verdade é que estava atrasada 3 semanas e, realmente, tinha medo, pois, da última vez que

tínhamos feito amor, esquecêramo-nos do preservativo.

- Posso resolver isso num instante- disse-me e eu ri um pouco para não o preocupar.- Não

queres vir cá? Os meus pais saíram e podíamos aproveitar para estarmos juntos!

Eu queria, mas tinha combinado ir à farmácia com a Joana comprar o teste de gravidez,

por isso respondi-lhe:

- Combinei ir ter com a Joana, desculpa.

Ouvi-o bufar do outro lado da linha e ri com a sua reação.

- Está bem, mas amanhã és toda minha.

- Com certeza.

Ambos rimos e, depois de falarmos mais um pouco, desliguei, retribuindo o “Amo-te” que

ele me tinha dito. Deitei-me na cama, pensando no que iria fazer.

Como é que me fui meter nisto? Devia ter-me lembrado de colocar o preservativo. Calma,

Teresa… pode ser apenas um atraso, ainda não tens certeza de nada. Uma reduzida esperança

percorreu o meu corpo, mas o meu subconsciente, tão bom que é, relembrou-me logo que eu não

tinha atrasos na menstruação. Desde os meus 13 anos que fui certa e não era agora, aos 16 anos,

que isso iria mudar. E se ele não quiser o bebé? O João sempre adorara bebés, mas acho que

nenhum de nós estava pronto para ser pai ou mãe. Eu tenho apenas 16 e ele 17 anos! E os meus

pais? O que irão dizer?!

Os meus pensamentos foram interrompidos pela porta a bater. Gritei um “entre” e vi a

Joana furiosa. Olhei para as horas e reparei que estava atrasada. Muito atrasada. Tinha combinado

com ela às 15h da tarde e eram já 15h20.

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- Desculpa. Desculpa. Desculpa. Desculpa. – repeti, tentando acalmá-la – Eu sei que estou

atrasada, mas perdi-me no tempo… estive só a pensar no que pode acontecer se… se… – não

conseguia dizer a palavra e, por isso, escondi a minha cara com as minhas mãos.

A Joana correu, literalmente, para mim, abraçando-me logo de seguida. As lágrimas

ameaçavam mostrar-se, porém fiz um esforço para que elas continuassem no devido lugar.

- Não estás grávida, tem calma. – Joana tentou animar-me, mas era tarde de mais. Já

estava a chorar compulsivamente.

Molhei a camisola toda da Joana, mas ela não pareceu importar-se. Quando finalmente

parei de chorar, corri até à casa de banho para vomitar. Isto era mau, muito mau. Mudanças de

humor repentinas e enjoos... Alguns dos sintomas para determinar se há gravidez. Saí da casa de

banho e dei um sorriso mínimo à Joana.

- Vamos? – perguntei-lhe, querendo despachar este assunto

- Já lá fui e já comprei o teste –disse ela, mostrando-o na sua pequena mão.

Voltei a sorrir-lhe fracamente e agradeci-lhe. Ambas nos dirigimos para a casa de banho e

ela deu-me o teste. Como já tinha urinado para um pequeno frasco, apenas coloquei o teste lá,

como vinha nas instruções. Não queria olhar e por isso virei a cara.

- Tem calma, Tess. Vai correr tudo b… – Joana parou de falar e, num impulso, olhei para o

teste.

Estava grávida! Há 2 semanas.

E o meu mundo caiu.

Uma dor horripilante e medrosa percorreu todo o meu corpo. Olhei para a minha barriga e,

por uma razão desconhecida por mim, coloquei a minha mão sobre a mesma. Subitamente, ganhei

um ódio incondicional pelo bebé que se encontrava dentro de mim. Olhei para Joana, que já tinha

lágrimas nos olhos. Como eu odiava vê-la a chorar!

- Não te preocupes, Joana. Eu vou ficar bem. – disse-lhe, tentado sorrir ao máximo – Eu vou

abortar. Eu tenho de o fazer. Não existe uma outra opção.

- Não! Vais destruir a vida de um bebé que não teve culpa nenhuma! – disse ela, gritando

na minha cara.

- E a minha vida?! Esta coisa vai arruiná-la para sempre! Como achas que vou ficar quando

ouvir os comentários de toda a gente?! E a minha mãe?! Como achas que ela vai reagir?! Eu tenho

que abortar, é a única solução.

- Não. Não vou deixar que o faças. É errado.

- Errado foi o que fiz sem tomar precauções, e agora preciso me livrar desta consequência!

Isto vai arruinar-me. – disse eu chorando.

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Joana saiu do meu quarto a correr, possivelmente devido a já não aguentar mais as

lágrimas nos seus olhos. Queria gritar-lhe para que ficasse comigo, mas não tinha forças para o

fazer. O meu corpo caiu no chão e, nesse momento, senti que estava, lentamente, a cair do

precipício ao qual chamamos vida. As lágrimas caiam-me dos olhos como um rio e eu não sabia o

que fazer para acabar com toda esta dor.

Quando finalmente parei de chorar e clareei as minhas ideias, decidi ir a casa de João. Ele

tinha o direito de saber. Afinal, ele era o pai. Imaginei uma rapariga que estava grávida, mas que

não sabia quem era o pai do bebé. Dei por mim a rir, com este pensamento. “És tão idiota, Tess”,

pensei para mim mesma.

Cheguei a casa de João e bati à porta. Ele abriu-a rapidamente, abraçando-me logo de

seguida. Normalmente, ele beijava-me antes de me abraçar, mas desta vez foi diferente. “O teu

aspeto, Tess” disse-me uma vozinha na minha cabeça. Claro. Devia estar com um aspeto horrível,

os meus olhos estavam inchados e vermelhos de tanto chorar e, logo que ele reparou, fez o que

sempre fazia, abraçou-me e sussurrou-me que me amava.

Não queria romper este abraço, mas tinha de o fazer. Tinha de olhar para os seus olhos

verdes e encará-lo.

- Que se passa, amor? – perguntou.

Ao ouvir a sua voz, sorri. Era impossível olhar para ele e não sorrir, mesmo com esta dor no

meu peito.

Entrámos, sem eu dizer nada, e subimos até ao 2º andar. Quando já nos encontrávamos no

seu quarto, ele olhou-me com preocupação.

Nunca fui boa a exprimir o que sinto, por isso fui direta ao assunto. Sim, eu sei que as

coisas não são assim, mas como é que digo ao rapaz que amo que estou grávida dele?

- Estou grávida. – afirmei sem pensar duas vezes.

A sua boca formou um autêntico ‘o’ e os seus olhos arregalaram-se perante tal surpresa.

Agora que penso bem, talvez tenha sido má ideia! Quer dizer, a dor que eu estava a sentir

deve estar agora a duplicar-se e a apoderar-se dele. Fui surpreendida pelo seu sorriso, assim que

ele percebeu as minhas palavras. Abraçou-me novamente e beijou-me.

- Não estás preocupado? – perguntei com medo da sua resposta.

- Não, de todo! – disse, mostrando um entusiasmo que me surpreendeu ainda mais,

fazendo-me arregalar mais os olhos. - Eu amo-te, Tess, e quero ter uma vida contigo. Quero um

filho teu. Quero ser feliz a teu lado.

Voltou a beijar-me, mas desta vez libertei-me dele, pedindo-lhe para parar.

- Vou abortar. – disse, tentando acabar com o seu entusiasmo.

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- O quê?! Não. Não podes sequer estar a pensar nisso! – o seu tom de voz aumentou

gradualmente o que me fez encolher um pouco.

- Que queres que faça? – perguntei-lhe, abrindo-me um pouco, para não mostrar quão

receosa estava.

- Que venhas viver comigo, que te cases comigo, que tenhas o bebé comigo a segurar-te na

mão. Quero-te a ti. O meu sonho está finalmente a tornar-se realidade e eu não vou desistir dele!

– exclamou, convicto.

- Eu também quero isso, mas não agora. Não vou ter um bebé aos 16 anos. Não me podes

obrigar a tê-lo. – afirmei, contendo as lágrimas que ameaçavam mostrar-se ao mundo. – Não

agora. Desculpa, mas não posso.

- Não podes, como? Tess, por favor. Se não o fazes por ele… – disse, tocando na minha

barriga o que me provocou vários arrepios agradáveis - … fá-lo por mim. Tem esse bebé por mim.

Por favor, Tess. Eu quero ser pai, quero ser o pai desse filho. Por favor.

As suas palavras entraram na minha cabeça, fazendo-me hesitar, mas não mudar a minha

decisão.

- João, eu… - já não sabia o que dizer, estava sem forças – eu… eu… eu amo-te, mas… mas

eu não consigo. Desculpa. – finalizei, mordendo o meu lábio inferior.

- Não consegues, como?

- Não consigo. Simplesmente não consigo. – insisti.

- Mas porquê?

- Porque não! – e dito isto comecei a chorar.

- Calma, Tess. – disse, abraçando-me – Estás de quanto tempo?

- Duas semanas, acho. – informei entre soluços devido ao choro.

- Ainda temos oito semanas para decidir o que vamos fazer. Se quiseres abortar tem de ser

nas primeiras dez semanas.

Como é que ele sabia tanto sobre isto? Não sei, mas também não me interessava.

Questionei-me a mim própria se ele já tinha planeado um bebé comigo e que, por isso, tinha

pesquisado algumas coisas na internet, mas logo voltei à realidade, sabendo que isso era um

completo absurdo.

O abraço, que ele estava a prolongar cada vez mais, acalmou-me e, quando deixei de

chorar, ele largou-me, deixando-me a pedir por mais. Beijamo-nos uma e outra vez, até que o meu

telemóvel tocou. Olhei para o visor e vi que era a minha mãe. Atendi e ela disse-me para vir para

casa, pois era hora de jantar. Menti-lhe, dizendo que iria dormir a casa da Joana e ela não me

impediu, fazendo-me sorrir um pouco.

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- Vou ter companhia esta noite, não vou? – João perguntou, adivinhando já o meu plano.

- Vês como sabes. – disse-lhe com um dos meus maiores sorrisos. O seu sorriso fez com

que toda a dor desaparecesse, fez com que me sentisse viva, fez com que eu me esquecesse de

todos os meus problemas, fez com que eu me sentisse feliz.

Voltei à realidade quando a sua mãe bateu à porta e ele gritou um “entre”. Sorriu quando

nos viu. Eu estava sentada e ele encontrava-se deitado nas minhas pernas.

- Eu e o teu pai vamos a um jantar e voltamos tarde. Tenham juízo.

Dito isto fechou a porta, deixando-nos com a casa só para nós. Um sorriso malicioso

apareceu no rosto de João, o que me fez rir um pouco.

- Tenho fome. – disse, depois de ouvir o meu estômago a roncar.

- Exato, agora tens de comer por dois. – comentou, fazendo-me rir um pouco.

Ele desceu e fez o jantar, enquanto eu fiquei deitada na sua cama, à sua espera.

Para ser sincera, eu estava confusa. Não sabia se havia de abortar ou ter o filho com ele.

Decidi fazer uma lista de prós e contras. Dirigi-me até ao escritório e peguei numa folha e numa

caneta, indo por fim até à cozinha. Assim que o João me viu, um sorriso iluminou a sua cara.

- Vamos fazer uma lista de prós e contras, ok?

- Às vezes, tens boas ideias! – exclamou, pondo a língua ligeiramente de fora

Sentei-me na mesa da cozinha e tracei um risco a meio da folha, escrevendo “prós” e

“contras”, um de cada lado.

- Primeiro os “contras” – disse-lhe.

- Nada. Não vejo nenhuns. – referiu ele depois de fingir estar a pensar

Revirei os olhos perante a sua afirmação e comecei a nomear alguns dos problemas que

iria ter se quisesse continuar com a gravidez:

- Demasiado nova; comentários de toda a gente; o meu corpo vai mudar; não vou poder ir

para a faculdade; não vou poder sair à noite; a reacção dos nossos pais vai ser má; as dores do

parto; o meu organismo não está preparado para que o bebé cresça saudável …

Mas logo parei, farta de ouvir o João a bufar sempre que eu dizia alguma coisa.

Ele chegou-se ao pé de mim e retirou-me a caneta da mão.

- A idade é só um número – disse, riscando o primeiro ‘contra’.– As outras pessoas não

interessam, apenas eu, tu e o bebé. – continuou, riscando agora o segundo ‘contra’ e dando-me

um beijo na testa.

Para todos os ‘contras’, ele arranjava uma solução e riscava o que tinha escrito, o que me

deixou ligeiramente irritada. Ele disse que eu poderia ir para a faculdade, pois iria contratar uma

baby-sitter para o bebé (os pais dele eram ricos); que, para sairmos à noite, poderíamos pedir aos

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meus pais ou, então, aos dele; que a reação dos nossos pais iria ser má, mas que no final iriam

apoiar-nos; que as dores iriam diminuir, pois ele iria estar sempre ao meu lado; que se fizesse uma

alimentação saudável e recomendada pelo médico, tudo correria bem. E, para finalizar, disse que

me ia apoiar em tudo. E, com isto, já não existiam “contras” e o único “prós” que encontrava era o

facto de que o bebé iria fortalecer a nossa relação.

Finalmente a comida estava pronta e, como é óbvio, comi até não conseguir mais. Ele era

um bom cozinheiro e eu gostava bastante dessa qualidade dele, pois, apesar de nunca o admitir,

não sei cozinhar.

Jogámos playstation e, para variar, ganhei. Pulei de alegria e, para minha surpresa, ele

puxou-me para si e beijou-me a barriga. Gostei do seu pequeno, mas perfeito, gesto e, por isso,

sorri. Sorri, como se quisesse aquele bebé, como se eu sentisse necessidade de o proteger, de o

amar. Eu queria ter uma vida com o João, e porque não agora? Sim, somos novos e tudo mais, mas

sempre ouvi dizer que “a vida são dois dias”. Sim, talvez não se aplique a este contexto, mas que

interessa? O João tinha razão. Eu ia ter este bebé, custasse o que custasse. Instantaneamente,

rodeei a minha ainda pequena barriga com os meus braços, gesto que fez com que João sorrisse.

Depois de algumas brincadeiras fomos para o seu quarto e, depois de vestir uma t-shirt

sua, adormeci nos seus braços.

Acordei com os raios de sol a entrarem pela janela. Virei-me para o João e viu-o a olhar

para mim com o sorriso que eu tanto amava.

- Bom dia, princesa. – saudou-me, rindo ainda mais por eu ter beijado as suas covinhas.

- Bom dia, amor. – retribui, dando-lhe um beijo logo de seguida.

Ele levantou-se, mas eu continuei na cama cheia de preguiça. Observei-o a tirar a sua roupa

e dirigir-se à casa de banho para tomar um duche rápido. Quando ele voltou, ainda estava na

cama, o que fez com que ele me puxasse para eu me levantar. Fui tomar um duche rápido, vesti-

me e, quando dei por isso, tinha o pequeno-almoço na cama. Ri um pouco e juntei-me a ele que já

estava a comer panquecas. Anunciei-lhe que queria ter o bebé e ele pulou de alegria, beijando-me

várias vezes seguidas. Decidimos que naquele dia iríamos a um médico verificar se eu me

encontrava mesmo grávida.

E assim aconteceu, durante a tarde fomos ao hospital e, segundo o médico, eu encontrava-

me grávida já de 3 semanas. Decidimos contar imediatamente aos nossos pais. Apesar de estar

cheia de medo, tinha de lhes dizer.

Foi difícil dizê-lo à minha mãe, mas, entre muitas lágrimas e gritos, ela acabou por aceitar o

bebé e até disse que na consulta seguinte queria ir também. Sorri-lhe francamente e depois

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dirigimo-nos para a casa do João. A reação dos seus pais foi bastante parecida com a dos meus,

por isso já sabíamos, à partida, o que haveríamos de dizer ou fazer.

E de repente, a dor tinha desaparecido e dado lugar a uma felicidade inexplicável. Eu

amava o meu filho. Amava-o como se fosse a única pessoa do mundo. E ainda nem sequer o tinha

visto ou sentido.

Senti-me obrigada a ir ter com Joana e, quando lhe contei, ela pulou de felicidade e até

chorou!

E assim se passaram 3 meses. Era a altura de fazer a primeira ecografia, a das doze

semanas, e eu não podia estar mais preparada do que isto. Assim que vi o meu bebé pela primeira

vez, uma sensação magnífica até aí desconhecida por mim percorreu o meu corpo e eu não

conseguia parar de sorrir. O João agarrava-me a mão e eu estava realmente feliz por isso. Já

tínhamos planeado a nossa vida juntos. Iríamos viver para o centro da cidade num pequeno

apartamento e, sempre que precisássemos, deixávamos o bebé em casa dos meus pais ou dos

dele, pois ficávamos relativamente perto. Ele iria trabalhar com o seu pai na empresa da família e

iríamos ganhar o nosso próprio dinheiro. O casamento ficou agendado para dali a dois anos,

quando eu já estivesse na universidade e quando o bebé já andasse. Tudo era perfeito!

Na segunda ecografia, descobrimos que o bebé era um rapaz e decidimos dar-lhe o nome

de Lucas. Todas as outras ecografias correram bem e o Lucas estava bem e saudável. Continuava

tudo perfeito!

O parto correu bem. O João esteve lá para me apoiar e os médicos foram profissionais.

Estava a ser tudo perfeito!

Depois do nascimento, fizemos a mudança e vivíamos felizes na nossa pequena, mas

confortável e acolhedora casa. Passámos pelo período em que os dentes do nosso pequeno Lucas

começavam a nascer, um período de noites em claro, juntos. E a perfeição reinava a minha vida.

O casamento foi tal e qual como eu tinha sonhado. Eu estava agora na universidade, mas,

para dar mais atenção ao Lucas, estava a tirar o Curso de Humanidades pela internet e tinha aulas

durante as horas em que ele dormia. Era um bocado difícil, pois a matéria era cada vez mais e eu

já não tinha tempo para tudo. Ainda assim, continuava tudo perfeito!

O tempo ia passando: o meu filho já andava sozinho; eu continuava com os meus estudos;

o João continuava a trabalhar e a ganhar dinheiro. Tínhamos alguns problemas financeiros, mas

nada de preocupante. Porém, já nem tudo era perfeito, e eu começava a perceber que a perfeição

não existia.

Um dia, estávamos em nossa casa a dormir e o Lucas não parava de chorar. Já me tinha

levantado 3 vezes e já estava farta de ser apenas eu a levantar-me.

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- Vai lá tu, ainda não foste nenhuma vez hoje – disse-lhe, meia ensonada.

- Mas por que raio tem ele de chorar tanto? – perguntou-me com irritação presente na sua

voz.

- Ou são os pesadelos ou está com cólicas. – informei-o.

Ele reclamou baixinho, mas acabou por ir acalmá-lo. Quando voltou, murmurou que já

estava farto disto, o que foi equivalente a ter-me dado uma estalada. A dor alastrou-se quando ele

se virou de costas para mim, em vez de me abraçar, como costumava fazer.

Ele tinha mudado muito, já não era o mesmo rapaz que me costumava amar. Agora, ele

andava distante, como se não quisesse saber de mim, como se não me amasse, como se não

amasse o nosso filho, como se quisesse mudar de vida. E isso estava a matar-me

psicologicamente.

O Lucas chorou mais 2 vezes e, só mesmo para não variar, fui eu que me levantei e o fui

acalmar. Eu amava o meu filho, mas isto já cansava. Quando decidi não abortar, eu pensava que o

João me ia ajudar em tudo, ele próprio o disse. Mas enganei-me! Ultimamente, saía todos os dias

à noite e só regressava bastante tarde, o que me incomodava profundamente. Porém não lhe

dizia nada por uma questão de orgulho e de medo.

Os dias passavam e a rotina tornava-se desgastante: acordava, o João fazia o pequeno-

-almoço para mim e para ele e eu fazia o do Lucas, o João ia trabalhar, eu ficava a tomar conta do

Lucas e chorava quando ele dormia (com o tempo vim a descobrir que ser uma mãe adolescente

não era tão fácil como parecia), dava de comer ao Lucas (o meu jeito para a culinária não

melhorara e, por isso, o João deixava sempre algo que eu pudesse aproveitar), tinha aulas durante

a tarde, o João chegava e fazia o jantar (a única refeição que tenho comido ultimamente), via o

João a sair de casa às vinte e uma horas e a regressar às duas da manhã do dia seguinte com a

desculpa de ir trabalhar mais um pouco, esperava por ele e deitávamo-nos os dois já sem dizer

“amo-te” um ao outro.

Aquele dia não fora exceção. Houve apenas uma diferença: o João não me deu um beijo

antes de sair de casa, nem me disse adeus, nem nada parecido. A nossa relação estava cada vez

pior. Pensava que, ao ter o bebé, nunca mais me iria separar dele. Pensava, pois…

Já passavam das três da manhã e o João ainda não tinha aparecido em casa. Isto não podia

continuar, simplesmente não podia. Liguei à minha mãe, que estava a par da situação, e pedi-lhe

para ela vir buscar o Lucas e ficar com ele no dia seguinte. Passados 10 minutos, a minha mãe

chegou e levou o bebé. Peguei nas chaves do carro e dirigi-me ao escritório onde João trabalhava,

conduzindo o mais rápido que me era permitido. Como eu calculava, ele não estava lá. “É claro

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que ele não está cá.” O meu subconsciente disse-me, fazendo-me perceber o óbvio. Dirigi-me para

o café da zona e entrei. E mais uma vez acertei, ele estava lá. A beijar outra rapariga!

Os meus olhos encheram-se de lágrimas, mas contive-as, já que toda a gente se encontrava

a olhar para mim. O olhar dele dizia-me tudo. Ele não queria saber. E o sorriso dele deu-me a

confirmação de que ele se encontrava bêbado.

Como é que ele foi capaz de fazer aquilo?! Ele prometeu, caramba! Prometeu que iria ficar

comigo, prometeu que iríamos ficar juntos para sempre! Como é que uma pessoa consegue

esquecer uma promessa assim tão facilmente?! Ele disse que me amava! Como é que alguém

pode dizer isso, sem o sentir?! Já passáramos por tanto e à mínima dificuldade ele desistia?! Quer

dizer, eu sei que não é mínima, mas o pior já passara e ele desistia depois de termos conseguido

tudo isto?! Não compreendia. Se ele não me amava agora, nunca me amara…E isso doía, doía

saber que tudo não passara de mentiras…

Queria ir até ele e gritar-lhe na cara tudo o que estava a pensar, mas não conseguia. O meu

corpo parecia colado ao chão e, se eu não conseguisse chegar até ele, iria gritar-lhe tudo ali, sem

me preocupar com as pessoas à nossa volta. Abri a minha boca para poder falar, mas nenhum som

saiu. Sentia-me perdida e não sabia o que fazer, por isso fugi, tentando livrar-me daquele mar de

dor, no qual me estava a afogar cada vez mais.

Assim que cheguei a casa, desabei e deitei fora tudo o que estava a guardar desde que os

tinha visto a beijarem-se. Os olhos ardiam-me e, na minha garganta, formava-se um nó que eu era

incapaz de desfazer. Fui deitar-me, mas antes fechei todas as portas. Esperava que ele tivesse a

decência de não voltar, pelo menos durante uns tempos. Flashbacks passavam pela minha cabeça,

fazendo a dor aumentar. Claro que a noite foi passada em claro.

No dia seguinte, mandei uma mensagem à minha mãe a pedir para ficar com o Lucas

durante um tempo e ela não se importou, claro. Telefonei ao advogado da minha família e pedi-

lhe que viesse até minha casa, pois não estava com disposição para ir ao seu escritório que ficava

do outro lado da cidade. Quando ele chegou, falei-lhe que queria o divórcio e ele disse-me que em

dois dias, no máximo, os papéis estariam prontos e que bastava eu e o João assinarmos. O único

problema era o Lucas! Teríamos de ir a tribunal para decidir quem iria ficar com a sua guarda.

Tinha que ser minha. O Lucas era tudo o que tinha e não estava disposta a perdê-lo.

E os dias foram passando, até já ter passado uma semana desde o acontecimento que eu

preferia não recordar. Já tinha os papéis do divórcio e estava apenas à espera que o João viesse cá

a casa. Visitava o Lucas em casa da minha mãe, mas ainda não estava estável o suficiente para

cuidar dele sozinha.

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Tinha adormecido no sofá e acordei com alguém a bater à porta. O meu aspeto estava

horrível, mas ignorei isso e fui abrir a porta.

Era ele. Ele estava à minha frente com preocupação no seu olhar. “Ai, agora é que estás

preocupado?”

- João…– a minha voz estava um pouco trémula, mas tendo em conta tudo, acho que era

normal.

- Teresa. – chamou, seguro de si próprio.

Ele nunca me chamava assim, era sempre “Tess”. Isso é mau, muito mau.

Ele tentou entrar dentro de casa, mas eu não deixei. Não sabia o que lhe dizer, por isso

limitei-me a olhar para os seus olhos verdes.

- Nós precisamos de falar. – disse, quebrando o silêncio que cada vez se tornava mais

constrangedor.

- Não quero falar sobre o que vi, mas sim do nosso futuro. Entra. – disse-lhe, com o

objectivo de o fazer assinar os papéis.

Ainda se encontrava tudo na mesa da cozinha, por isso apenas me dirigi até lá, ouvindo os

seus passos atrás de mim.

- Quero o divórcio.

- O quê? – ele levantou ligeiramente o tom de voz.

- Ouviste bem. Agora assina aqui. – disse apontando para o espaço que o advogado me

tinha indicado – Vais ficar com metade dos pertences, tal como eu. Se não concordares, telefono

ao meu advogado e podemos negociar.

- Não vou assinar isso, Tess.

- Tu o quê?

- Não vou assinar. (“ Tinhas de ser assim tão teimoso?!”) – Não antes de falarmos sobre

‘nós’.

- Não existe um ‘nós’, existes tu e existo eu, pessoas que já não têm nada a haver uma com

a outra. – o seu olhar encontrava-se na minha mão. – O que foi? Pensavas que te ia perdoar e

simplesmente esquecer o que vi e senti?!

- O teu anel? – perguntou, ignorando a minha pergunta retórica.

- Ahh? – fiz-me de desentendida.

- A tua aliança. Está onde?

- No lixo.

Na verdade, estava apenas na sua almofada, para que eu tivesse algo que me lembrasse

sempre dele, mas não me ia mostrar fraca.

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Olhei para a sua mão e a aliança continuava no seu dedo, o que me surpreendeu. Observei-

o a assinar os papéis e a retirar a sua aliança violentamente, colocando-a em cima da mesa.

- Podes afastar-te de mim, mas o Lucas vai ser meu. – e dito isto dirigiu-se até à saída,

pegando, pelo caminho, o saco que continha toda a sua roupa.

Assim que ouvi a porta bater, perdi todas as forças e as lágrimas que estava a conter

mostraram-se agora desesperadamente. Fui tomar um banho e decidi ir fazer uma visita ao Lucas,

já estava com demasiadas saudades dele. Achei que estava pronta para o trazer para casa, o que

me fez querer acelerar um pouco mais.

Quando o Lucas me viu correu logo para mim, abri os braços e girei-o no ar, fazendo-o rir.

- Olá, meu amor. – disse-lhe docemente.

Pousei-o no chão, deixando-o continuar a brincar, e fui falar com a minha mãe. Contei-lhe

o que era necessário e ela apoiou-me no divórcio e disse-me que o João nunca iria conseguir tirar

o Lucas de mim, pois eu era a mãe. A minha mãe disse que era melhor irmos viver para lá por

causa da comida. Eu sei que não sou boa na cozinha, mas sei desenrascar-me! Acabei por aceitar,

pois assim iria ter ajuda em tudo. Voltei à minha antiga casa e arrumei tudo o que era meu, pondo

todo o tipo de coisas no carro. Depois, mandei uma mensagem ao João a dizer “Fui-me embora da

que era a nossa casa, podes voltar lá, porque eu nunca mais lá volto.” Ele não respondeu, mas

também não me importei com isso.

Era incrível como eu e o João tínhamos namorado 3 anos, mas estivemos apenas casados

um ano. Realmente, a vida dá muitas voltas.

Os meses seguintes foram passados em tribunais para resolvermos a questão da guarda do

Lucas. Já estávamos no tribunal e quem estava a depor era o João. Ele dizia que tinha melhores

condições económicas para tratar do Lucas e a raiva crescia demasiado rápida dentro de mim.

Quando fui eu a depor, falei sobre o amor, sobre o carinho que uma mãe pode dar. Falei o

quanto amava o meu bebé, como eram as nossas brincadeiras, falei de tudo o que me veio à

cabeça. Eu sabia que não era suposto fazer isso, mas se não o fizesse as hipóteses de ficar com a

custódia de Lucas seriam reduzidas e isso não podia, de maneira alguma, acontecer. Falei da

primeira vez que o levei a passear no parque, da maneira como ele ria ao ouvir os pássaros a

cantar, de como ele largava sempre os balões, e da sua primeira palavra: “mamã”. Todos ficaram

bastante comovidos ao ouvir isto, exceto o juiz que parecia querer despachar-se. Bem, não era o

único.

Já nos encontrávamos todos sentados nos devidos lugares, quando o juiz anunciou:

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- A guarda da criança é entregue à mãe. O pai irá ficar com a criança de 15 em 15 dias, aos

fins-de-semana e poderá estar com ela sempre que a mãe o permitir. Caso encerrado. – o martelo

soou.

Eu, Teresa Martins, com apenas 18 anos de vida, tenho um filho com apenas ano e meio e

sou uma mãe feliz.

Beatriz Duarte, nº 7, 8º Ano, Turma B

3ª Ciclo – Género Narrativo

Nota:

Conto produzido na temática da “Saúde”.