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1 Eu, o Céu e o Mar! O Sol há muito que dormia. A lua brilhava e o seu tom de fogo era tão intenso que parecia chamar-me para ver as suas amigas estrelas, que, não querendo ficar atrás, emitiam um brilho deveras radioso. Decerto que era dia de festa no céu! O sono tardava em chegar, mas quem queria dormir com o espetáculo que era observar este céu magnífico? Sem saber muito bem o que fazia, vesti o meu fato de banho. Pé ante pé, desci as escadas e, sorrateiramente, saí para a rua. A aragem noturna bafejou-me o rosto com um beijo de boas-vindas que apreciei como se fosse um amuleto de boa sorte. Fui andando sem rumo, até que senti os meus pés enterrarem-se na fina areia da praia. Como adoro o sussurrar doce do mar! Junto das suas águas, deixei-me deslizar na agora escurecida areia branca, deixando que a brandura das pequenas ondas se desfizesse suavemente nos meus pés descalços. E, neste estado lânguido, pude finalmente contemplar o espetáculo oferecido pelo esplêndido céu e escutar o som extraordinário do mar! - Sofia! Sofia! - Sim. - respondo, meia sonolenta. - Sofia, sou eu. Há muito tempo que não falamos. Quem será que me chama? Eu deveria ter sido mais sensata. Quem me mandou sair de casa durante a noite? Quantas vezes os meus pais me avisaram? Não é meu hábito desobedecer aos meus pais, mas… é a primeira vez que o faço e, logo a primeira vez que acontece, faço disparates. Claro, e agora não sei o que fazer. Alguém que sabe o meu nome. Decerto tiraram-me a carteira. O que vou fazer? Bem, vou ter de abrir os olhos. Um de cada vez. - Sofia?! - Siiim! Bem! Talvez se me quisessem fazer mal já me tinham agarrado e não me estavam a chamar. Vou abri-los de uma vez. Mas…, não está aqui ninguém. Será que é um gravador? Estou a sonhar. Só pode ser! - Sofia? - Bem, devo estar a ficar maluca. - Sofia, já não te lembras de mim? Sou o teu amigo Mar. - Mar?! Claro! Lembro-me muito bem. Sabes que, durante algum tempo, não tinha bem a certeza se a nossa aventura de há um ano tinha sido uma realidade ou se tinha sido um sonho - disse eu apenas de um fôlego. - Duvidaste de ti própria?

2014 09-07 - ler e aprender gn sec - mar - sofia pedrosa

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Eu, o Céu e o Mar!

O Sol há muito que dormia. A lua brilhava e o seu tom de fogo era tão intenso que parecia chamar-me

para ver as suas amigas estrelas, que, não querendo ficar atrás, emitiam um brilho deveras radioso. Decerto

que era dia de festa no céu!

O sono tardava em chegar, mas quem queria dormir com o espetáculo que era observar este céu

magnífico? Sem saber muito bem o que fazia, vesti o meu fato de banho. Pé ante pé, desci as escadas e,

sorrateiramente, saí para a rua. A aragem noturna bafejou-me o rosto com um beijo de boas-vindas que

apreciei como se fosse um amuleto de boa sorte.

Fui andando sem rumo, até que senti os meus pés enterrarem-se na fina areia da praia. Como adoro o

sussurrar doce do mar!

Junto das suas águas, deixei-me deslizar na agora escurecida areia branca, deixando que a brandura

das pequenas ondas se desfizesse suavemente nos meus pés descalços. E, neste estado lânguido, pude

finalmente contemplar o espetáculo oferecido pelo esplêndido céu e escutar o som extraordinário do mar!

- Sofia! Sofia!

- Sim. - respondo, meia sonolenta.

- Sofia, sou eu. Há muito tempo que não falamos.

Quem será que me chama? Eu deveria ter sido mais sensata. Quem me mandou sair de casa durante

a noite? Quantas vezes os meus pais me avisaram? Não é meu hábito desobedecer aos meus pais, mas… é

a primeira vez que o faço e, logo a primeira vez que acontece, faço disparates. Claro, e agora não sei o que

fazer. Alguém que sabe o meu nome. Decerto tiraram-me a carteira. O que vou fazer? Bem, vou ter de abrir

os olhos. Um de cada vez.

- Sofia?!

- Siiim!

Bem! Talvez se me quisessem fazer mal já me tinham agarrado e não me estavam a chamar. Vou

abri-los de uma vez. Mas…, não está aqui ninguém. Será que é um gravador? Estou a sonhar. Só pode ser!

- Sofia?

- Bem, devo estar a ficar maluca.

- Sofia, já não te lembras de mim? Sou o teu amigo Mar.

- Mar?! Claro! Lembro-me muito bem. Sabes que, durante algum tempo, não tinha bem a certeza se a

nossa aventura de há um ano tinha sido uma realidade ou se tinha sido um sonho - disse eu apenas de um

fôlego.

- Duvidaste de ti própria?

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- É que acordei na minha cama. Não sei como fui lá parar. Por outro lado, tinha deixado o fato de

mergulho na praia. Houve um interregno de tempo do qual não me lembro.

- Sim, compreendo.

- Por outro lado, havia a esperança de que fosse real, a certeza de que a minha vida tinha mudado

nesse dia e que o meu futuro tinha ficado traçado. Queria estudar muito, tirar boas notas. Contudo, às vezes

penso que tenho sido uma grande desilusão para os meus pais, a minha irmã e mesmo para mim,

- Sabes, Sofia, por muito que os outros queiram que tu obtenhas grandes feitos e sejas feliz, tudo

depende de ti e do teu querer. Se pensares bem, só conseguirás atingir o que tu realmente queres, se fores

persistente e tiveres confiança em ti própria.

- Mas eu quero tanto ser bióloga marinha! Porém, está tudo tão complicado…

- Então, a tua persistência e a tua capacidade de querer ir mais longe devem ser a razão da tua luta. A

tua vitória tem de se focar no teu dia a dia, pois é em cada pequena conquista que alcanças o que anseias.

Tens que o fazer só por ti! Percebeste?

- Completamente!

- O que me dizes a um mergulho noturno?

Bem, eu já estava mesmo a prevaricar. Mas, e se os meus pais acordam? Vão ficar arrasados. Por

outro lado, que mal faria um mergulho noturno? O mar é a minha vida. A minha paixão. Nada de mal me pode

acontecer. Não, não pode. A mana também ia ficar assustadíssima. Todos eles.

- Não te preocupes, Sofia. Nenhum deles vai acordar. Palavra do rei das águas. - disse o Mar, com o

seu tom de voz ao mesmo tempo melodioso e firme.

Eu, que nem sei bem porquê, tinha levado o meu fato de mergulho, vesti-o rapidamente e mergulhei

nas suas tépidas águas de forma majestosa, conforme me tinha ensinado o meu professor. Ele envolveu-me,

então, em seus braços e transportou-me consigo para o seu mundo de sonho e riqueza, como já o fizera da

outra vez.

As cores dispararam como flashes, resplandecendo a beleza do lugar. A fauna e a flora intersetavam-

se numa simbiose perfeita, mostrando a grandiosidade da natureza.

O Mar continuava a sussurrar-me aos ouvidos e, embrulhando-me num manto quente de água, levou-

me para Sul. A cor branca e preta da paisagem era deslumbrante, o deslizar travesso dos seus habitantes

transportou-me para o mundo encantado da natureza, tal imagem cinematográfica de cor e beleza sem igual.

Os pinguins pareciam peluches que brincavam na neve, encantados com os gritos estridentes que todos

emitiam, evidenciando a alegria sentida por estarem reunidos em família.

À hora de partir, pareceu-me escutar um último grito dos pinguins que me trouxe aos olhos uma

pequena lágrima, um misto de tristeza e alegria. A beleza do momento ficará gravada para sempre na minha

memória.

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Nadámos velozmente para Norte junto aos peixes, aos cetáceos, aqueles pequenos camarões tão

transparentes. Interessante a cor alaranjada que ganham depois. Contudo, não gostei nada deste meu

pensamento. Eles ali, a inocência pura da legítima confiança e eu com pensamentos pecaminosos. Até

parece que acabara de os trair. Já viram se aparecesse aqui um tubarão e tivesse o mesmo pensamento em

relação a mim?!

O Mar transportou-me, então, para o meio dos corais. Deambulei por entre estes belos seres vivos,

deleitando-me com o seu magnífico colorido.

Ele quebrou o encantamento e disse-me que era tempo de partir.

- Mar! – interpelei eu, pois havia algo que eu ansiava muito por voltar a fazer.

- Diz, Sofia!

- Sabes, Mar, eu gosto muito de nadar, de ver todos os teus seres vivos. Hoje, tem sido uma viagem

magnífica e eu estou-te muito grata. Há um ano, tu mostraste-me as tuas águas, os teus seres e eu fiquei

verdadeiramente fascinada. Mas, de tudo, o que eu mais gosto é dos teus golfinhos.

- Eu sei disso, Sofia. Ainda não era realmente tempo de tu partires. Só te estava a testar, a ver se eras

capaz de me pedir. É assim que eu quero que sejas. Corajosa! Capaz de lutar por aquilo que desejas.

- Obrigada, Mar!

Entretanto, quando nadava para a sua superfície, senti um ligeiro toque nas minhas costas e depois

algo que me empurrava com mais força para cima. Quando finalmente fitei de novo o belo céu noturno, os

outros golfinhos, que povoavam o mar, nadavam à minha volta, saltitando como cabritas no monte. A minha

felicidade não tinha fim. Esqueci tudo e nadei na fantasia dessa noite mágica, tendo o mar, o céu e os

golfinhos como companheiros. Que melhores amigos eu poderia desejar?

Fui lançada ao ar, mergulhei, dancei, saltei, nadei, vibrei de alegria, ri com paixão, chorei de tanto me

divertir e …

- Sofia, Sofia!

- Sim, Mar!

- Mar?!

- Mãe?!

- Claro. Estavas outra vez a sonhar com o mar, querida.

Mais uma vez, como há um ano, voltei a ficar sem palavras. O que era aquilo? Como era possível?

Tinha sonhado? Outra vez? Ou fora realidade? Enfim, o que valia era que eu tinha adorado o sonho ou a

realidade…

O meu fato de mergulho… Corri para ele e constatei que ainda estava molhado. Como era possível?

Ele devia ter enxugado da tarde de ontem até hoje de manhã, não devia? Pousei-o e, depois de tomar o

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pequeno-almoço e o banho, corri até à praia e, já junto ao Mar, ele fez deslizar uma pequena onda até aos

meus pés e eu só consegui articular:

- Obrigada, Mar!

Pareceu-me escutar o seu sussurro: “Tu comandas a tua vida, sê feliz!”, mas não tenho a certeza.

De seguida, corri para junto da minha mãe, peguei no meu fato de mergulho, com a certeza de que

tinha um longo caminho a percorrer até atingir o meu sonho: um sonho que eu iria tornar numa realidade, pois

só dependerá de mim!

A esperança continua viva!

Sofia Pedrosa, nº 26, 10º Ano, Turma A