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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES AUDREY DANIELLE BESERRA DE BRITO Os contos de fadas contemporâneos na versão fílmica e a construção psicológica de valores : um estudo exploratório na perspectiva dos Modelos Organizadores do Pensamento São Paulo 2011

A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES

AUDREY DANIELLE BESERRA DE BRITO

Os contos de fadas contemporâneos na versão fílmica e a

construção psicológica de valores : um estudo exploratório na perspectiva dos Modelos Organizadores do Pensamento

São Paulo 2011

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AUDREY DANIELLE BESERRA DE BRITO

Os contos de fadas contemporâneos na versão fílmica e a

construção psicológica de valores : um estudo exploratório na perspectiva dos Modelos Organizadores do Pensamento

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de especialista em Ética, Valores e Saúde na Escola. Área de Concentração: Educação e Construção de Valores Orientador(a): Profª Ângela Esteves Modesto

São Paulo 2011

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RESUMO

BRITO, A. D. B. et al (Ed). Os contos de fadas contemporâneos na versão fílmica e a construção psicológica de valores : um estudo exploratório na perspectiva dos Modelos Organizadores do Pensamento. 2011. 116 f. TCC - Escola de Artes, Ciências e Humanidades, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. A sociedade contemporânea passou a priorizar os valores hedonistas, principalmente, por influencia da mídia. Além disso, é fato que os meios de comunicação passaram a utilizar-se da linguagem sincrética para comunicar, seduzir, persuadir, distrair, informar e também para manipular. Mas, será que o sincretismo das versões fílmicas contemporâneas tanto dos contos de fadas tradicionais, como dos contos de fadas atuais, buscam construir nas crianças ensinamentos éticos e morais? Ou será que estas versões, por serem produtos midiáticos, constroem valores hedonistas? Estes questionamentos convergiram em uma grande inquietação, que nos levou a buscar descobrir como ocorre a representação da moralidade nos contos de fadas midiáticos voltados para crianças. Assim, o objetivo desta pesquisa foi investigar, por meio de modelos organizadores do pensamento, o aparecimento ou não dos valores morais generosidade e compaixão e do valor não-moral egoísmo, em crianças de 10 a 12 anos, a partir de conflitos de natureza moral presentes em cenas recortadas dos contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica. Esta pesquisa justifica-se pelo fato de se fazer necessário analisar a essência dos contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica, a fim de descobrir se eles ainda buscam construir valores morais ou se foram “contaminados” pelos valores hedonistas presentes na sociedade contemporânea.

Palavras-chave: Valores morais e não-morais. Generosidade. Compaixão. Egoísmo. Modelos Organizadores do Pensamento.

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Ao propor que se leve em conta a generosidade, para compreender a moralidade, estaremos concebendo o ser

humano como um ‘saco de virtudes’? De modo algum. Uma teoria do ‘saco de virtudes’ pressupões justaposição entre

diversas virtudes. Quanto a nós, propomos uma integração entre elas”

Yves de La Taille (2004)

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho 53

Quadro 2 Deu a louca na Cinderela 62

Quadro 3 Deu a louca na Branca de Neve 71

Quadro 4 Enrolados 79

Quadro 5 Shrek I 88

Quadro 6 Shrek II 89

Quadro 7 Shrek III 90

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Quantidade de recortes por filme 48

Tabela 2 Configuração dos Modelos Organizadores de Pensamento e sub-modelos referente ao filme “Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho”

55

Tabela 3 Disposição afetiva em relação aos valores expressos no filme “Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho”

58

Tabela 4 Configuração dos Modelos Organizadores de Pensamento e sub-modelos referente ao filme “Deu a louca na Cinderela”

63

Tabela 5 Disposição afetiva em relação aos valores expressos no filme “Deu a louca na Cinderela”

66

Tabela 6 Configuração dos modelos organizadores de pensamento e sub-modelos referente ao filme “Deu a louca na Branca de Neve”

72

Tabela 7 Disposição afetiva em relação aos valores expressos no filme “Deu a louca na Branca de Neve”

75

Tabela 8 Configuração dos modelos organizadores de pensamento e sub-modelos referente ao filme “Enrolados”

83

Tabela 9 Disposição afetiva em relação aos valores expressos no filme “Enrolados”

85

Tabela 10 Configuração dos modelos organizadores de pensamento e sub-modelos referente ao filme “Shrek I, II e III”

91

Tabela 11 Disposição afetiva em relação aos valores expressos no filme “Shrek I, II e III”

94

Tabela 12 Exemplos de respostas que ilustram o modelo 2 97

Tabela 13 Exemplos de respostas que ilustram o modelo 1 101

Tabela 14 Sentimentos morais e não-morais expressos a partir da análise dos recortes dos contos de fadas na versão fílmica

105

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Construção de valores, em porcentagem, a partir do filme “Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho”

57

Gráfico 2 Posição dos valores no filme “Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho”

57

Gráfico 3 Presença dos valores nos protocolos de respostas do filme “Deu a louca na Cinderela”

64

Gráfico 4 Posição dos valores no filme “Deu a louca na Cinderela”

66

Gráfico 5 Presença dos valores nos protocolos de respostas do filme “Deu a louca na Branca de Neve”

74

Gráfico 6 Posição dos valores no filme “Deu a louca na Branca de Neve”

75

Gráfico 7 Presença dos valores nos protocolos de respostas do filme “Enrolados”

83

Gráfico 8 Posição dos valores no filme “Enrolados” 84

Gráfico 9 Presença dos valores nos protocolos de respostas do filme “Shrek”

92

Gráfico 10 Posição dos valores no filme “Shrek” 93

Gráfico 11 Agrupamento de sujeitos pelos valores construídos ou não construídos

96

Gráfico 12 Presença do Egoísmo em cada Filme 99

Gráfico 13 Egoísmo como valor central e periférico 100

Gráfico 14 Valor moral e valor não-moral como valor central e periférico.

101

Gráfico 15 Presença da Generosidade em cada Filme 104

Gráfico 16 Generosidade como valor central e periférico 105

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Sujeito Psicológico 21

Figura 2 Comparação entre a Jornada do Escritor e a Jornada do Herói

33

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SUMÁRIO

1 APRESENTAÇÃO ................................................................................ 11 1.1 A pergunta de pesquisa .......................................................... 12 1.2 Hipóteses................................................................................. 12 1.3 Objetivo geral.......................................................................... 12 1.4 Objetivos específicos............................................................... 13 1.5 Justificativa.............................................................................. 13 1.6 Método e metodologia............................................................. 13

2 QUADRO TEÓRICO ............................................................................ 14 2.1 O sujeito contemporâneo: identidade e valores.......................... 14 2.1.1 Valores: conceito e processo de internalização................ 17 2.1.2 O sujeito psicológico e a construção de valores................ 21 2.1.3 A criança e o processo de internalização dos valores....... 27 2.1.4 Valores morais e não-morais............................................. 29 2.2 Os contos de fadas...................................................................... 30 2.2.1 A estrutura das narrativas maravilhosas........................... 31 2.2.2 Os contos e fadas e os valores morais e éticos................ 35 2.2.3 O longa-metragem animado.............................................. 39

3 METODOLOGIA DE PESQUISA......................................................... 43 3.1 Método......................................................................................... 43 3.2 A investigação da moralidade a partir dos modelos

organizadores do pensamento.................................................... 45

3.3 Procedimentos metodológicos.................................................... 47 3.4 Procedimentos para a coleta de informações............................. 49 3.5 Procedimentos para a análise das informações.......................... 50

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS ........................ 51 4.1 Chapeuzinho Vermelho 51 4.1.1 Versão tradicional X versão contemporânea..................... 51 4.1.2 Apresentação dos modelos organizadores de

pensamento relativos ao filme “Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho”

53

4.2 Cinderela 59 4.2.1 Versão tradicional X versão contemporânea..................... 59 4.2.2 Apresentação dos modelos organizadores de

pensamento relativos ao filme “Deu a louca na Cinderela”......... 62

4.3 Branca de Neve........................................................................... 68 4.3.1 Versão tradicional X versão contemporânea..................... 68 4.3.2 Apresentação dos modelos organizadores de

pensamento relativos ao filme “Deu a louca na Branca de Neve”...........................................................................................

70

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10

4.4 Rapunzel..................................................................................... 76 4.4.1 Versão tradicional X versão contemporânea..................... 76 4.4.2 Apresentação dos modelos organizadores de

pensamento relativos ao filme “Enrolados”................................. 79

4.5 Shrek........................................................................................... 86 4.5.1 O filme................................................................................ 86 4.5.2 Apresentação dos modelos organizadores de

pensamento relativos aos filmes “Shrek I, II e III” 88

4.6 Considerações sobre a análise dos resultados........................... 94

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 107 REFERÊNCIAS ........................................................................................ 112

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1. APRESENTAÇÃO

É fato que a sociedade contemporânea passou a priorizar os valores

hedonistas1, principalmente, por influencia da mídia (VALDES, 2009, p. 33) e que os

contos de fadas buscam transmitir valores e ensinamentos éticos e morais (COELHO,

2000, p. 154).

Por outro lado, conforme declara Pierre Lévy (1998, p. 15) “vivemos em uma

civilização da imagem e do audiovisual” e ainda, de acordo com Brito (2011, p. 21) “a

preponderância visual é maciça e determinada pelos meios de comunicação que

utilizam a imagem para comunicar, seduzir, persuadir, distrair, informar e também

manipular”.

As imagens são denominadas de linguagem não-verbal2 e, de acordo com Pais

(2003, p. 1), quando a linguagem verbal se funde com a linguagem não-verbal numa

mesma tecnologia, temos a presença da linguagem sincrética. Pais (2003, p. 12) cita o

cinema, o teatro e a televisão como exemplos marcantes da linguagem sincrética.

Mas, será que o sincretismo das versões fílmicas contemporâneas tanto dos

contos de fadas tradicionais, como dos contos de fadas atuais buscam construir nas

crianças ensinamentos éticos e morais? Ou será que estas versões, por serem

produtos midiáticos, constroem valores hedonistas?

Melo (2010, p. 4) destaca que os contos de fadas contemporâneos, na versão

fílmica, colocam em primeiro plano a animação, o que leva o enredo a tornar-se

secundário, pois, segunda ela, a tela do cinema conquistou rapidamente os jovens pela

entrega da imagem pronta e perfeita, tirando-lhes o trabalho de “imaginar” as cenas.

Segundo esta pesquisadora (2009, p. 4):

[...] a trilha sonora, as cores vibrantes, os efeitos visuais e auditivos, a emoção concentrada na expectativa de uma sala de cinema e o conforto exercem um domínio em todos os sentidos do receptor [...] Entretanto, a sedução sensível do receptor pelo cinema constitui uma arma de manipulação deste suporte, o que sinaliza para o perigo junto aos jovens dessa visão aparentemente desvinculada da sociedade e dos valores expostos em um filme.

1 O hedonismo é uma doutrina que considera como bem possível o prazer imediato e individual, sendo este o princípio e o fim de uma vida moral (VALDES, 2009, p. 35). 2 Para a Lingüística, as imagens são denominadas de linguagem não-verbal.

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Todas essas informações convergiram para uma grande inquietação, que nos

levou a buscar descobrir como ocorre a representação da moralidade nos contos de

fadas midiáticos voltados para crianças.

Assim, apresentamos a seguir o nosso questionamento principal, as hipóteses,

os objetivos e a justificativa desta pesquisa.

1.1 A pergunta de pesquisa

Os contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica, proporcionam a

construção psicológica do valor moral generosidade e/ou do valor não-moral egoísmo

em crianças de 10 a 12 anos?

1.2 Hipóteses

Hipótese 1: Os contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica, influenciam a

construção psicológica do valor moral generosidade e do valor não-moral egoísmo

em crianças de 10 a 12 anos;

Hipótese 2: Os contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica, não influenciam

a construção psicológica do valor moral generosidade e nem na construção

psicológica do valor não-moral egoísmo em crianças de 10 a 12 anos.

1.3 Objetivo geral

Identificar, por meio de modelos organizadores do pensamento, o

aparecimento ou não do valor moral generosidade e do valor não-moral egoísmo, em

crianças de 10 a 12 anos, a partir de conflitos de natureza moral presentes em cenas

recortadas dos contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica.

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1.4 Objetivos específicos

a) Verificar os modelos organizadores do pensamento que as crianças, entre 10 e

12 anos, constroem sobre o valor moral generosidade;

b) Verificar os modelos organizadores do pensamento que as crianças, entre 10 e

12 anos, constroem sobre o seguinte valor não-moral: egoísmo.

1.5 Justificativa

Esta pesquisa justifica-se pelo fato de se fazer necessário analisar a essência

dos contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica, a fim de descobrir se eles

ainda buscam construir valores morais ou se foram “contaminados” pelos valores

hedonistas presentes na sociedade contemporânea.

1.6 Método e metodologia

Será utilizada como método indutivo e a pesquisa bibliográfica. Para análise

dos dados colhidos, utilizaremos o instrumento teórico-metodológico da Teoria dos

Modelos Organizadores do Pensamento.

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2. QUADRO TEÓRICO

2.1 Sujeito contemporâneo: identidade e valores

A busca pelo prazer imediato e individual numa sociedade que, segundo

Lemos (2004, p. 84), é marcada por um imaginário dionisíaco, a exaltação dos

microdesejos que é produto do desenvolvimento de uma cultura descartável, de uma

ciência e de uma técnica voltadas para o consumo e para o fluxo de uma quantidade

gigantesca de informações fragmentadas e o processo de ideologização que, de certa

forma, cerca a reflexividade crítica a partir da distorção, estereotipação, manipulação e

construção da realidade através da influencia cognitiva da mídia (WOLF, 2008, p. 144)

transformaram o homem contemporâneo num indivíduo esquizofrênico que, segundo

Harvey (2007, p. 49), é aquele que acredita numa realidade forjada. Ou seja, é aquele

que consome, através dos veículos midiáticos, fatias de realidade influenciadas pelo

caráter imediato dos eventos e pelo sensacionalismo do espetáculo que procuram forjar

a consciência dos destinatários.

Como um esquizofrênico, o indivíduo utiliza-se de informações desconectadas,

velozes e isoladas, e que não se articulam em seqüências coerentes. Assim, o sujeito

contemporâneo passa a ser composto por uma colagem esquizofrênica de pequenos

fragmentos que significa uma espécie de desmembramento da realidade única em

infinitas realidades simultâneas (HARVEY, 2007, p. 52).

Edgar Morin (1999, p. 17) comenta que a fragmentação do saber tem como

conseqüência um vazio de subjetividade. Nesse sentido, o desaparecimento da

subjetividade, responsável pela construção de nossa identidade, resulta em

esquizofrenia que seria a ausência de identidade.

Esta esquizofrenia, num sentido não clínico, leva o sujeito contemporâneo, a

substituir a sua subjetividade por presentes desconexos, ou seja, por uma cadeia de

significantes sem significado (HARVEY, 2007, p. 52).

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Desse modo, a sociedade contemporânea passa a agir a partir da ética da

estética3, e não a partir de uma moral universalizante. Esta ética da estética vai

impregnar todo o ambiente social e contaminar o político, a comunicação, o consumo,

os negócios, as artes e espetáculos, ou seja, a vida quotidiana no seu conjunto

(LEMOS, 2004, p. 86).

O maior problema que Valdes (2009, p. 33) vê nisso tudo é substituição dos

valores morais pelos valores hedonistas. Dalbosco (2005, p. 165) explica melhor esta

observação de Valdes:

O resultado mais imediato desse processo é a invasão das relações de dinheiro e poder naquele âmbito responsável pela socialização cultural espontânea das pessoas, no qual elas formam seu caráter, constroem os seus valores e, em última instância, atribuem significado à sua existência.

Lombardi e Georgen (2005, p. 6) completam o raciocínio de Dalbosco:

Com o enfraquecimento dos pressupostos da ética do dever e com o aumento das comodidades favorecidas pelo desenvolvimento da ciência e tecnologia bem como o destaque dado ao indivíduo, seus interesses e direitos, acentuou-se o hedonismo como uma das principais tendências da sociedade contemporânea e um dos critérios da orientação moral dos indivíduos.

Diante dessas reflexões sobre o sujeito contemporâneo esquizofrênico, sem

identidade e constituído por valores hedonistas, torna-se necessário e urgente à

educação em valores, conforme prevêem Lombardi e Georgen (2005, p. 84):

Há uma série de acontecimentos indicativos de que se inicia uma resistência contra o mercado tentacular e o frenesi consumista, contra o relativismo axiológico e o individualismo hedonista, contra a violência e a banalização da vida, contra a atomização social e a despolitização, contra a fabricação de falsas necessidades e promessas de felicidade pelo consumo.

Esse movimento em prol da criação de valores éticos e morais pode ser

identificado nos artigos 1º e 3º da Constituição Federal do Brasil de 1988:

3 Para Lemos (2004,p. 86) a ética da estética ocorre quando a sociedade elabora um éthos, uma maneira

de ser, um modo de existência onde aquilo que é compartilhado com outros será primordial

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Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

Um amplo discurso sobre a importância e a necessidade de uma inversão de

valores está inserido também na educação, conforme podemos notar nos Parâmetros

Curriculares Nacionais, na apresentação do tema transversal ética (BRASIL, 1997, p.

26):

[...] a reflexão sobre as diversas faces das condutas humanas deve fazer parte dos objetivos maiores da escola comprometida com a formação para a cidadania. Partindo dessa perspectiva, o tema Ética traz a proposta de que a escola realize um trabalho que possibilite o desenvolvimento da autonomia moral, condição para a reflexão ética. Para isso foram eleitos como eixos do trabalho quatro blocos de conteúdo: Respeito Mútuo, Justiça, Diálogo e Solidariedade, valores referenciados no princípio da dignidade do ser humano, um dos fundamentos da Constituição brasileira.

Conforme já apontamos, a educação em valores passou a ser uma

necessidade devido, principalmente, ao desenvolvimento de valores hedonistas. Desse

modo, podemos dizer que três elementos da sociedade contemporânea se entrelaçam

constantemente quando a temática é valor: mídia, educação e comportamento.

A mídia, considerada um dos aparelhos ideológicos do Estado (ALTHUSSER,

1998) manipula o sujeito. De acordo com Brito (2011, p. 74):

[...] é muito comum à manipulação da significação de uma mensagem, de modo a alcançar determinados efeitos comunicativos, ou seja, o receptor passa a acreditar no sentido de alguma coisa, mas a realidade recebe uma comunicação cuidadosamente elaborada por um emissor.

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Breton (1999, p. 21) ainda completa, afirmando que:

[...] a manipulação consiste em entrar por efração no espírito de alguém para aí depor uma opinião ou provocar um comportamento sem que ninguém saiba que houve efração. Tudo está aí, nesse gesto que se oculta a si mesmo como manipulatório.

Assim, percebemos que a mídia manipula o sujeito e que, por conta disso,

torna-se necessária à educação em valores para que o comportamento do homem

contemporâneo se transforme de hedonista para ético.

2.1.1 Valores: conceito e processo de internalização

Percebemos que a educação em valores é uma exigência da sociedade atual,

mas o que são valores?

Etimologicamente, o termo valor provém do latim valorem que significa que tem

valor, custo (Bueno, 1967).

Bueno (1967) declara que até o século XVI, a palavra valor era utilizada

apenas para quantificar preços e que somente por volta do século XVII é que a palavra

valor passou a ser empregada para significar também a importância das pessoas.

Thomas Hobbes4, no Leviatã, explica:

O valor, ou a importância de um homem, tal como de todas as outras coisas, é o seu preço [...] Portanto, não é absoluto, mas que depende da necessidade e julgamento de outrem [...] Porque mesmo que um homem (como a maioria faz) atribua a si mesmo o mais alto valor possível, o seu verdadeiro valor não será superior ao que for estimado por outros.

Schwartz (2006, p. 56) define valor como:

1) uma crença; 2) que pertence a fins desejáveis ou a formas de comportamento; 3) que transcende as situações específicas;

4 HOBBES, T. (1588-1679) Leviatã,ou matéria, forma e poder de uma república eclesiástica e civil,organizado por Richard Tuck, tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva, tradução de Cláudia Berliner, revisão de Eunice Ostrenky, São Paulo,Martins Fontes, 2003, parte I, do Homem, Capítulo X, Do poder,valor, dignidade, honra e merecimento.

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4) que guia a seleção ou avaliação de comportamentos, pessoas e acontecimentos; 5) que se organiza por sua importância relativa a outros valores para formar um sistema de prioridades de valores.

Cabral e Nick (2007, p. 319) posicionam-se da seguinte maneira quando se

referem ao conceito de valor:

Valor é um conceito abstrato, por vezes meramente implícito que define, em relação a um individuo ou a uma unidade social, quais são as finalidades desejáveis, ou os meios aconselháveis e apropriados para atingir essas finalidades. Esse contexto abstrato de valia não é o resultado de uma avaliação do próprio individuo, mas o produto social que lhe foi imposto e que ele só lentamente internaliza isto é, usa e aceita como seu critério pessoal de valor.

Conforme podemos observar, Cabral e Nick afirmam que os valores são

internalizados lentamente. Aristóteles (1985, p. 40) explica como isso ocorre:

Não é, portanto, nem por natureza nem contrariamente à natureza que as virtudes se geram em nós; antes devemos dizer que a natureza nos dá a capacidade de recebê-las, e tal capacidade se aperfeiçoa como hábito.

Sendo a virtude um hábito que se solidifica na ação, os valores devem então

ser constantemente repetidos e exercitados para adquirir a força moral, logo, eles

podem ser construídos.

Araújo (2003, p. 158) declara que a construção de valores ocorre a partir da

“projeção de sentimentos positivos que o sujeito faz sobre objetos, e/ou pessoas, e/ou

relações, e/ou sobre si mesmo”.

Para exemplificar esta teoria, podemos pensar numa pessoa que não aceita

falsidades, de maneira nenhuma, logo, ela tem como valor moral a sinceridade.

Além dos valores, Araújo também destaca que as pessoas também projetam

sentimentos negativos sobre objetos, e/ou pessoas, e/ou relações, e/ou sobre si

mesmas, construindo assim contravalores: “os contravalores referem-se àquilo de que

não gostamos, de que temos raiva, que odiamos, por exemplo” (ARAÚJO, 2003, 158).

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Para esclarecer melhor esta definição, Araújo (2003, p. 159) faz uma analogia

com a escola:

Se a criança gosta daquele ambiente [...] a instituição escolar pode tornar-se alvo de projeções afetivas positivas e tornar-se um valor para ela. Caso contrário [...] é bem provável que esse espaço seja alvo de projeções afetivas negativas, que não seja valorizado, que não se constitua em um valor para ela, e sim num contravalor.

Há também os valores não-morais que são construídos quando um sentimento

não ético é alvo de projeções afetivas positivas e passam a ser valorado. Araújo (2003,

p. 159) exemplifica, declarando que “o traficante, a violência e o autoritarismo são

valores para algumas pessoas” e ainda comenta:

Ficava impressionado com cenas apresentadas em telejornais, mostrando pessoas que haviam cometido chacinas ou eram acusadas de grandes atos de corrupção e que, ao serem questionadas pelos repórteres sobre suas ações e seus sentimentos, demonstravam muita frieza e indiferença sobre os fatos.

Como vimos, tanto os valores, morais ou não, como também os contravalores

podem ser construídos e é neste ponto que detemos nossa atenção, pois, de acordo

com os PCNs (Brasil, 2008, p. 33), “a aprendizagem de valores e atitudes é pouco

explorada do ponto de vista pedagógico”, mas, por outro lado, a mídia pode transmitir

valores morais, valores não morais e contravalores o tempo todo e numa linguagem

muito mais atraente que a da escola, conforme declara Araújo (2003, p. 159):

Podemos pensar, por exemplo, no papel da mídia que, empregando linguagens altamente atrativas e dinâmicas, normalizam a violência quando elegem como heróis personagens que são assassinos; quando normalizam a prostituição feminina e o culto a determinados padrões estéticos; quando apresentam de forma acrítica casos de corrupção.

O autor (2003, p. 159) ainda completa:

Se tais valores são transmitidos em linguagens interessantes, como a da televisão, da Internet e dos vídeos games [...] podemos pensar que aumentará

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a probabilidade de que se tornem alvo de suas projeções afetivas positivas e sejam por eles valoradas.

O problema é que os valores e os contravalores construídos são incorporados

na identidade das pessoas (ARAÚJO, 2003, p. 160). Assim, o que se deve fazer é

analisar criticamente o material veiculado pela mídia, tanto em jornais, revistas, livros,

fotos, propaganda, música, programas de TV, filmes, para trazer à tona suas

mensagens implícitas ou explícitas sobre valores.

Além de analisar criticamente o material que a mídia veicula a fim de verificar

se se constroem valores morais ou não, ou até mesmo contravalores, é necessário que

a educação em valores passe a ser uma realidade para garantir a transformação do

comportamento hedonista.

De acordo com Martins (2009) há quatro maneiras de se ensinar valores:

1. Abordagem pela doutrinação de valores: dá-se através da disciplina, do bom exemplo, de enfatizar mais as condutas do que os raciocínios, destacando as virtudes do patriotismo, do trabalho, da honestidade, do altruísmo e da coragem; 2. Abordagem pela clarificação dos valores: consiste em ajudar, de maneira não-diretiva e de forma neutra, a clarificar, assumir e por em prática os seus próprios valores;

3. Abordagem pela opinião ou julgamento dos valores: consiste em acentuar os componentes cognitivos da moralidade. Esta abordagem propõe que a educação moral se centre na discussão de dilemas morais sem levar em conta, no entanto, as diferenças de sexo, raça, de classes sociais e de cultura, concentrando-se unicamente na atribuição de significados que pessoas dão à suas experiências ou vivencias morais; 4. Abordagem pela narração: envolve três dimensões da educação em valores – cognição, emoção e motivação. A abordagem pela narração ou narrativa reconhece que, na diversidade cultural, é comum a contação de histórias por parte das pessoas com o objetivo de transmitir valores de gerações mais velhas para as mais novas. A narrativa desempenha um papel na vida e na dimensão moral das pessoas.

Vimos, então, que os valores podem ser construídos, tanto pela educação

como pela mídia. Vimos também que a mídia pode também construir valores não

morais/ hedonistas e contravalores. Além disso, observamos que há técnicas de se

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21

construir valores, conforme as citadas por Martins (2009), mas, como os valores são

construídos pelo psiquismo humano?

2.1.2 O sujeito psicológico e a construção de valores

Sastre e Moreno (2003, p. 129) afirmam que os diversos cenários da vida

cotidiana, com o entrelaçamento de seus múltiplos e diversos componentes, devem

deixar sua marca na construção do psiquismo humano.

Esses componentes que deixam marcas na construção do psiquismo humano

são explicados por Araújo (2003) em seu modelo de Sujeito Psicológico:

Figura 1: Sujeito Psicológico

Físicas

Interpessoais

Socioculturais

BIOLÓGICA

COGNITIVA

SOCIOCULTURAL

AFETIVA

Inconsciente

Consciência

Universo das Relações

Fonte: (ARAUJO, 2003, p.156)

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De acordo com este modelo, o sujeito psicológico é composto por todos esses

sistemas que, em uma interação contínua, relacionam-se com o meio.

Todos eles, segundo o autor (2003, p. 155), estão “inter-relacionados entre si

de maneira sistêmica de tal forma que sua separação só é possível para efeitos de

estudo e para facilitar sua compreensão”.

Em relação a este modelo, Araújo (2003, p. 155) ainda explica que:

a) a visão sistêmica de indissociabilidade entre as diferentes dimensões está representada por meio de setas bidirecionais que as ligam entre si; b) a representação de todos os sistemas constituintes é feita por meio de linhas tracejadas, indicando sua abertura e ausência de fronteiras bem definidas entre as diferentes dimensões;

c) se a imagem fosse tridimensional, perceber-se-ia que a consciência e o inconsciente (ou não-consciência) encontram-se em planos distintos, paralelos, mas ligados entre si, de tal forma que pressupomos um inconsciente cognitivo, um inconsciente afetivo, um inconsciente biológico e um inconsciente sociocultural (grifo nosso).

Se o inconsciente, conforme declara Araújo, liga-se a consciência e se o autor

pressupõe que exista um plano inconsciente para as todas as dimensões do sujeito

psicológico, há a necessidade de esclarecermos que, de acordo com Freud, o

inconsciente é uma região da mente humana na qual ficam recalcadas a emoções, os

sentimentos, os desejos e os conflitos do ser humano (NASIO, 1999).

Nasio (1999, p.25-26) explica que o recalcamento é “uma barreira que impede

a passagem dos conteúdos inconscientes para o pré-consciente”. Já Bergeret (2006, p.

85) define o recalcamento como um processo ativo, destinado a conservar fora da

consciência as representações inaceitáveis, ou seja, que representam possíveis

tentações ou castigos de exigências pulsionais censuráveis, quando não meras alusões

a estas. Percebemos, então, que o recalque serve para impedir que os afetos e os

desejos inconscientes passem para a consciência.

Mas, os afetos que trataremos nesta pesquisa estão no plano consciente do

sujeito psicológico. De acordo com Araújo (2003, p. 156), as emoções e os sentimentos

fazem parte da dimensão afetiva e são influenciados pela dimensão biológica e pela

dimensão sociocultural e pode influenciar a dimensão cognitiva:

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[...] as emoções, pertencentes à dimensão afetiva, são conjuntos complexos de reações químicas e neurais (dimensão biológica); sua indução recebe forte influência da cultura, que molda os conteúdos que podem elicitar as emoções (dimensão sociocultural); e seu aparecimento ou sentimento permeia os processos cognitivos do pensamento (dimensão cognitiva).

Diante dessas explicações, podemos perceber que a dimensão afetiva

desempenha um papel funcional e organizativo no raciocínio humano, principalmente

no que diz respeito à construção de valores e de identidade.

Minha tese, e de autores como La Taille (1998, 2002) e Damon (1995),é de que os valores construídos são incorporados na identidade das pessoas. Quanto maior a carga afetiva vinculada a determinado valor, mais centralmente ele se “posiciona” na identidade (ARAÚJO, 2003, p. 160).

Conforme já foi aqui discutido, o sujeito contemporâneo é desprovido de

identidade e a educação em valores busca formar esta identidade. Todavia, a dimensão

afetiva é que determinará os valores construídos e a identidade formada já que, a partir

da declaração de Araújo, o valor só será construído e internalizado em sua identidade,

se tocar a sensibilidade do sujeito através da afetividade. Assim, antes de

prosseguirmos, torna-se necessário diferenciar emoção, sentimento e afeto.

Sobre emoção, Mahoney e Almeida (2009, p. 17-18) explicam que:

[...] é a exteriorização da afetividade, é sua expressão corporal, motora. Tem um poder plástico, expressivo e contagioso; é o recurso de ligação entre o orgânico e o social: estabelece os primeiros laços com o mundo humano e, através deste, com o mundo físico e cultural. As emoções compõem sistemas de atitudes reveladas pelo tônus (nível de tensão muscular). Combinado com intenções conforme as diferentes situações. Das oscilações viscerais e musculares se diferenciam as emoções e se estabelecem padrões posturais para o medo, alegria, raiva, ciúmes, tristeza, etc.

Já, o sentimento corresponde à expressão representacional da afetividade e

não implica reações instantâneas e diretas como na emoção (MAHONEY; ALMEIDA,

2009, p. 21).

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Saconni (1996, p. 606) define a palavra sentimento como “um estado

psicológico de longa duração”. Rodrigues et al. (1989, p. 15) apontam os sentimentos

como “fenômenos afetivos estáveis que resultam, em regra, da intelectualização das

emoções”.

Damásio (2000, p. 57) também distingue emoção de sentimento: “sentimento

(experiência mental da emoção) e emoção (conjunto de reações orgânicas)”.

Percebemos, a partir destas definições, que a emoção é uma reação corporal

(ativação fisiológica) e o sentimento é quando se atribui um valor aquilo que se sente

(ativação representacional).

Já, o afeto, de acordo com Codo e Gazzotti (1999, p. 48-59), é um conjunto de

fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções e sentimentos,

acompanhados sempre de impressão de dor ou prazer, de satisfação ou insatisfação,

de agrado ou desagrado, de alegria ou de tristeza.

Para Mahoney e Almeida (2009, p. 17), a afetividade “refere-se à capacidade

do ser humano ser afetado pelo mundo externo e interno por meio de sensações

ligadas a tonalidades agradáveis ou desagradáveis”.

Rodrigues et al. (1989, p. 15) definem a afetividade como o “conjunto de

emoção e sentimentos”. Isso significa dizer que a afetividade engloba tanto uma reação

do corpo (emoção), como também uma experiência subjetiva (sentimento).

Damásio (2000, p. 431) afirma que o “afeto é aquilo que você manifesta

(exprime) ou experimenta (sente) em relação a um objeto ou situação, em qualquer dia

de sua vida”.

Bock et al. (1999, p. 193) enfatizam que:

Os afetos ajudam-nos a avaliar as situações, servem de critérios de valoração positiva ou negativa para as situações de nossa vida; eles preparam nossas ações, ou seja, participam ativamente da percepção que temos das situações vividas e do planejamento de nossas ações ao meio.

Se os afetos (emoções e sentimentos) influenciam a percepção e as ações do

ser humano, eles também regulam suas interações sociais. É como se fosse um círculo:

uma pessoa é afetada pela afetividade (Pinto, 2007, p. 12) e sua reação afeta as

emoções e os sentimentos de outra pessoa, ou seja, um afeto (positivo ou negativo)

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afeta um ser humano que afetará também a sua interação com o outro, e este outro

será afetado, sucessivamente.

Voltando a discussão da influência das emoções, dos sentimentos e dos afetos

na construção de valores e na formação da identidade do sujeito, Araújo (2003, p. 160)

declara:

No processo de desenvolvimento psicológico, durante nossa vida, nossos valores se organizam em um sistema em que alguns deles são mais centrais e outros mais periféricos [...] as emoções e os sentimentos que chamamos morais, como a vergonha, a culpa e o remorso, aparecem (ou são sentidos) quando agimos e/ou pensamos contrariando os valores centrais de nossa identidade. Nesse sentido, atuam regulando nosso funcionamento psíquico.

Assim, os valores pertencentes à dimensão afetiva, que são construídos como

centrais na identidade das pessoas, sendo de natureza moral, atuarão regulando

eticamente seus pensamentos e suas ações. Araújo5 (2007 p. 5-6) explica esta teoria:

Tentando sintetizar essa discussão, entendo que no processo de desenvolvimento psicológico, durante toda a nossa vida, à medida que nossos valores vão sendo construídos, eles se organizam em um sistema. Nesse sistema de valores que cada sujeito constrói (que no fundo constituem a base das representações de si), alguns deles se "posicionam" de forma mais central em nossa identidade, e outros, de forma mais periférica. O que determina esse "posicionamento" é a intensidade da carga afetiva vinculada a determinado valor (ou contravalor) construído. Assim, nossos valores centrais são aqueles que, além de terem sido construídos a partir da ação projetiva de sentimentos positivos, a intensidade desses sentimentos é muito grande. Por outro lado, construímos alguns valores cuja intensidade dos sentimentos é pequena e, por isso, se "posicionam" na periferia de nossa identidade.

Vale enfatizar, entretanto, que o posicionamento de valores como centrais ou

periféricos é flexível, logo, um mesmo valor pode ser central ou periférico, dependendo

da situação na qual o sujeito se encontra. Araújo (2003, p. 160) exemplifica esta

declaração:

Exemplificando, existem pessoas que vão à farmácia comprar um remédio que custa 10 reais e descobrem que só em 9 reais e 80 centavos na carteira. O

5 Fragmento de uma versão simplificada de capítulo publicado no livro “Educação e Valores: pontos e contrapontos” (Araújo, U.F.; Puig, J. & Arantes, V., Summus Editorial, 2007).

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balconista lhe entrega o remédio e ele diz que depois paga os 20 centavos restantes. Se a honestidade é um valor central na identidade desse cliente, ele poderá ir até sua casa pegar as moedas e voltar à farmácia para pagar os 20 centavos. Se não fizer isso, poderá sentir-se mal, incomodado. Por outro lado, conhecemos pessoas que primam por não pagarem suas dívidas e não se importam por ficar devendo aos outros. No primeiro caso, a honestidade é um valor central na identidade da pessoa em questão, o que significa que esse conteúdo possui uma forte carga afetiva para ele, enquanto que no segundo caso ela é um valor periférico, localizado na “periferia” de sua identidade, com pouca carga afetiva vinculada.

O papel exercido nesse sistema, pela intensidade dos sentimentos no

posicionamento dos valores, tem um papel importante na construção de valores e da

identidade.

Diante disso, Araújo (2007 p. 7) conclui:

[...] o valor moral depende de uma certa qualidade nas interações, e não é, necessariamente, construído pelas pessoas. Vincula-se à projeção afetiva positiva que o constitui, ligada ou não a conteúdos de natureza moral. Se os valores construídos como centrais na identidade são de natureza ética, estamos falando que existe maior probabilidade de que os pensamentos e os comportamentos dessa pessoa sejam éticos. Pelo contrário, se os valores construídos como centrais na identidade baseiam-se na violência, na discriminação, etc, é provável que seus comportamentos e pensamentos não sejam éticos.

Portanto, as situações que envolvem valores morais e/ou não morais,

contravalores e identidade estão fortemente associadas às emoções positivas e

negativas. Acreditamos que essas experiências emocionais entram em ação quando

estamos considerando uma decisão.

Sobre essas experiências emocionais, Bechara (2003, p. 196) declara que “a

ativação desses estados somáticos oferece sinais automáticos que, de maneira

explícita ou oculta, marcam diversas opções e situações com uma valoração”.

Mas, quais são os valores morais que podem ser construídos como centrais na

identidade do sujeito contemporâneo e que podem atuar em seu funcionamento

psíquico, regulando eticamente seus pensamentos e suas ações?

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2.1.3 A criança e o processo de internalização dos valores

Segundo Araújo (2003, p. 104), Piaget vincula o desenvolvimento infantil ao

desenvolvimento do juízo moral. Desse modo, Piaget divide a relação das crianças com

as regras em 3 fases: anomia, heteronomia e autonomia.

A anomia é a fase da ausência de regras, por exemplo, um recém-nascido

desconhece a existência das regras sociais. A heteronomia é a fase em que a criança

conhece as regras que são determinadas por outras pessoas e a autonomia é a fase

em que a criança internaliza as regras e se submete conscientemente a elas (PIAGET,

1932).

Assim, podemos compreender que, para Piaget, as crianças menores estão no

estágio de heteronomia, isto é, as regras são impostas pelos adultos e as crianças

maiores passam aos poucos para um estágio de autonomia, em que as regras são

vistas como resultado de uma decisão livre e digna de respeito, aceitas pelo grupo.

Lawrence Kohlberg (1984), ex-aluno de Piaget, insatisfeito com sua obra, ainda

que aceitasse a abordagem cognitivo-evolutiva, dedicou-se a redefinição dos estágios

de desenvolvimento moral estabelecendo seu próprio esquema, criticando aspectos

fundamentais da teoria piagetiana.

Segundo Kohlberg, existem seis estágios em ordem invariável, como os de

Piaget, em que se desenvolve a moralidade. Kohlberg cita os estágios para que o

indivíduo tem que passar para evoluir, porém, para ele, muitos adultos não passam do

3º estágio, onde está presente as expectativas interpessoais mútuas, relacionamentos e

conformidades interpessoais. E através de uma série de estudos e pesquisas, a Teoria

do Desenvolvimento Moral, onde estabelece um esquema de desenvolvimento definido

em três níveis e seis estágios.

1º NIVEL PRÉ-CONVENCIONAL: A moralidade da criança é marcada pelas conseqüências de seus atos: punição ou recompensa, elogio ou castigo, e baseia-se no poder físico (de punir ou recompensar) daqueles que estipulam as normas.

Estágio 1 - O que determina a bondade ou maldade de um ato são as conseqüências físicas do ato (punição). Respeita-se a ordem apenas por medo à punição, e não se tem consciência nenhuma do valor e do significado humano das regras.

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Estágio 2 - A ação justa é aquela que satisfaz as minhas

necessidades, a que me gera recompensa e prazer, e, ocasionalmente aos outros. As relações humanas são vistas como trocas comerciais. Mais ou menos assim "Tu me gratificas e eu te gratifico". A pessoa tenta obter recompensas pelas suas ações.

2º NÍVEL CONVENCIONAL: Nesse nível a manutenção das expectativas da família, do grupo, da nação, da sociedade é vista como válida em si mesma e sem muitos questionamentos ou porquês. É uma atitude de conformidade com a ordem social, mas também uma atitude de lealdade e amor á família, ao grupo, ao social.

Estágio 3 - É bom aquele comportamento que agrada aos outros e por eles é aprovado. De certa forma, é bom o que é socialmente aceito, aquilo que segue o padrão. O comportamento é muitas vezes julgado com base na intenção, e a intenção torna-se pela primeira vez importante. É a busca do desejo de aprovação familiar e social.

Estágio 4 - Há o desenvolvimento da noção de dever, de

comportamento correto, de cumprir a própria obrigação. Há o desejo de manter a ordem social especificamente pelo desejo de mantê-la, isto é, por que isso é justo.

3º NÍVEL PÓS-CONVENCIONAL: Há um esforço do indivíduo para definir os valores morais, para definir conscientemente e livremente o que é certo e o que é errado, e porquê... Prescinde-se muitas vezes da autoridade dos grupos e das pessoas que mantém a autoridade sobre os princípios morais.

Estágio 5 - É a tomada da consciência da existência do outro, da maioria, do bem comum, dos direitos humanos... A ação justa é a ação que leva em conta os direitos gerais do indivíduo, isto é, o bem comum. Valores pessoais são claramente considerados relativos, é a lei da maioria e da utilidade social.

Estágio 6 - O justo e correto é definido pela decisão da consciência

de acordo com os princípios éticos escolhidos e baseados na compreensão lógica, universalidade, coerência, solidariedade universal. Guia-se por princípios universais de justiça, de reciprocidade, de igualdade de direitos, de respeito pela dignidade dos seres humanos, por um profundo altruísmo, pela fraternidade. Os padrões próprios de justiça têm mais peso do que as regras e leis existentes na sociedade (RIBEIRO E SILVA. G, 2003, p. 06).

Ribeiro e Silva (2003, p.06) conclui sua pesquisa afirmando que tanto no

modelo de Piaget como no de Kohlberg, a moralidade de um indivíduo depende tanto

de fatores psicológicos e biológicos (quem é a pessoa, quem são seus pais, qual sua

bagagem genética...), como de elementos sociais e culturais (onde nasceu, em que

época, quem são seus vizinhos, amigos, mestres, grau de instrução, condição

financeira...).

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2.1.4 Valores morais e não-morais

Já vimos que Araújo (2003; 2007) destaca que sentimentos éticos, quando

centrais, vão construir, psicologicamente, valores morais na identidade do sujeito, ao

passo que os sentimentos não éticos vão construir valores não morais ou contravalores.

Martins6 (2009) conceitua dez valores que, segundo ele, se construídos podem

melhorar a vida em sociedade: autonomia, capacidade de convivência, diálogo,

dignidade da pessoa humana, igualdade de direitos, justiça, participação social,

respeito mútuo, generosidade e tolerância.

Dentre os valores citados por Martins, analisaremos, nesta pesquisa o valor

moral generosidade.

Em relação à generosidade, Pinheiro (2009, p. 68) declara que ela “caracteriza-

se por uma virtude por excelência altruísta [...] requer dar algo sem ser pelo

cumprimento do dever”.

Comte-Sponville (2009, p. 105-106) ainda comenta que “A generosidade é o

contrário do egoísmo [...] ser generoso é ser livre de si, de suas pequenas covardias, de

suas pequenas posses, de suas pequenas cóleras, de seus pequenos ciúmes”.

Assim, pretendemos verificar se os contos de fadas contemporâneos, na

versão fílmica, constroem o valor generosidade no público infanto-juvenil porque

acreditamos que se trata de um valor moral extremamente necessário ao homem

contemporâneo que, por viver rodeado por valores hedonistas/não-morais, necessita

construí-lo em sua identidade, como valor central, a fim de combater o predomínio do

egoísmo.

Verificaremos também se ocorre à construção psicológica de valores não-

morais, como o egoísmo. Em relação ao egoísmo, Borriello et al. (2003, p. 349), declara

que este valor indica “amor excessivo a si próprio”.

Esses autores ainda declaram que o egoísmo é uma:

6 MARTINS, V. A prática de valores na escola. Disponível em: http://www.abec.ch/Portugues/subsidios-educadores/artigos/categorias/artigos-ed paz/ARTIGO_A_PRATICA_DE_VALORES_NA_ESCOLA%20_Versao25_11_04.pdf. Acesso em 17 Ago 2011.

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Necessidade desproporcional de conservação e de valorização de si mesmo, ainda que com prejuízo dos outros, quase que a cristalização do indivíduo na própria realidade e na própria história; o ponto de referência de tudo é o próprio eu, como se fosse o centro do universo [...] busca exclusivamente a satisfação dos próprios interesses pessoais (BORRIELLO et al., 2003, p. 349).

Por ser esse um valor não-moral expresso, geralmente, pela valorização do

sucesso, da beleza, da popularidade, do status social, da fama, do dinheiro, do poder,

entre outros, consideramos importante verificarmos se ele pode ser construído

psicologicamente pelo público infanto-juvenil, através dos contos de fadas

contemporâneos na versão fílmica.

2.2 Os contos de fadas

Há dois tipos de contos muito semelhantes: os contos maravilhosos e os

contos de fadas. De acordo com Todorov (1971, p. 120) “o conto de fadas é uma das

variedades do conto maravilhoso, do qual se distingue por uma certa escritura e não

pelo estatuto do sobrenatural”.

Contudo, há outros teóricos que afirmam que o conto de fadas e os contos

maravilhosos são diferentes, são dois gêneros distintos, ou seja, embora apresentem

estruturas narrativas idênticas, eles são diferentes em relação a sua problemática

central. Enquanto os contos de fadas apresentam uma problemática existencial: a

busca de realização pelo amor, os contos maravilhosos apresentam uma problemática

social: a busca de realização da personagem pela fortuna (COELHO, 2000, p. 109).

Coelho (2000, p. 172-173) declara que há ainda duas diferenças básicas entre

esses gêneros: a origem e o propósito:

A forma do conto maravilhoso tem raízes em narrativas orientais difundidas pelos árabes [...] O núcleo da aventura é sempre de natureza material/social/sensorial (a busca de riquezas, a satisfação do corpo; a conquista do poder, etc) [...] Desse maravilhoso nasceram personagens que possuem poderes sobrenaturais; deslocam-se; contrariando as leis da gravidade; sofrem metamorfoses contínuas; defrontam-se com as forças do Bem e do Mal, personificadas; sofrem profecias que se cumprem; são beneficiadas com milagres; assistem a fenômenos que desafiam as leis da lógica, etc. O conto de fadas é de natureza espiritual/ética/existencial. Originou-se entre os celtas, com heróis e heroínas, cujas aventuras estavam

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ligadas ao sobrenatural, ao ministério do além-vida e visavam a realização interior do ser humano. Daí a presença da fada, cujo nome vem do termo latino”fatum”, que significa destino

Desse modo, podemos perceber então que os contos de fadas apresentam

uma problemática existencial: o herói ou a heroína que precisa vencer obstáculos ou

provas para alcançar sua auto-realização. Geralmente a aventura da busca parte de

uma metamorfose ou de um encantamento.

Já os contos maravilhosos apresentam um herói ou anti-herói que encontrará

sua auto-realização na conquista de bens e de poder material. A aventura de busca,

nesse caso, parte, geralmente, da necessidade de sobrevivência física ou da miséria

dos protagonistas.

Assim, embora narrativas maravilhosas, o conto de fadas e o conto

maravilhoso expressam atitudes bem diferentes diante da vida: no primeiro, ligadas ao

ideal, aos valores eternos, ao espírito; no segundo, ligadas ao sensorial, ao concreto, à

vida prática.

2.2.1 A estrutura das narrativas maravilhosas

Tanto os contos de fadas como os contos maravilhosos fazem parte dos

gêneros narrativos, por isso, é importante compreendermos o conceito de narrativa.

Para Siqueira (1992, p. 14), "[...] quando o fato se desenvolve a partir da

criação de um conflito, temos uma narrativa", ou seja, o fato do leitor reconhecer o

conflito é a principal característica da narrativa.

A narrativa se inicia com um equilíbrio e este é quebrado, seja pela introdução

de um elemento mágico, seja pelo falecimento ou afastamento de algum personagem.

Essa quebra de equilíbrio gera o conflito, e a narrativa desenvolve-se na busca de uma

solução. Uma vez resolvido o conflito, o equilíbrio que se restabelece não é mais o

mesmo, embora possa ser parecido com o inicial (SIQUEIRA, 1992, p. 17).

Segundo Todorov (1970, p. 40), temos:

[...] dois tipos de episódios numa narrativa: os que descrevem um estado de equilíbrio ou desequilíbrio, e os que descrevem a passagem de um estado a

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outro. O primeiro tipo será relativamente estático e, pode-se dizer, iterativo: o mesmo tipo de ações poderia ser repetido indefinidamente. O segundo, em compensação, será dinâmico e só se produz, em princípio, uma única vez.

Costa (2008, p. 67) explica as principais características do conto:

[...] é breve e curto, com um número reduzido de personagens em cena com ação concentrada. As personagens geralmente são anônimas e culturalmente prototípicas (rei, princesa, dragão, padre, moleiro...) Enunciativamente, as fórmulas introdutórias do tipo “Era uma vez...” de localização temporal indefinida, acabam dando ao conto um caráter de permanência temporal (passado e atual), além de colocá-lo no mundo ficcional.

Em relação à estrutura dos gêneros narrativos, Joseph Campbell criou, em

1949, em sua obra “O herói de mil faces”, uma estrutura textual básica que denominou

de Jornada do herói. A partir desta jornada, Campbell divide a aventura do herói em

três fases, que compreendem basicamente a partida, a iniciação e o retorno

(MARTINEZ, 2008, p. 52).

Segundo Mônica Martinez (2008, p. 56-57), a estrutura da Jornada do Herói de

Campbell foi transposta para o cinema por Christipher Vogler nos anos de 1980:

Até então, o analista de roteiros da Companhia Walt Disney preocupava-se em entender o mecanismo de uma boa história, daquelas que a pessoa tem a sensação de ter vivido uma experiência completa e significativa [...] Ao se deparar com o trabalho de Joseph Campbell, Vogler entende que o padrão que havia instituído estava mapeado no livro Q herói de mil faces, escrito pelo mitólogo norte-americano. Com o tempo, este conhecimento torna-se a base do metido empregado pelo especialista para diagnosticar problemas e prescrever soluções às películas cinematográficas. Em pouco tempo Vogler traça um memorando de sete páginas que intitula “Guia prático d’O herói de mil faces”, no qual exemplifica a idéia de Campbell por meio de filmes clássicos e contemporâneos.

De acordo com Vogler (2006, p. 26) “todas as histórias consistem em alguns

elementos estruturais comuns, encontrados universalmente em mitos, contos de fadas,

sonhos e filmes”.

Christopher Vogler (2006, p. 27) ainda declara:

Ficou logo evidente para mim que a Jornada do Herói era uma tecnologia narrativa útil e empolgante, que podia ajudar diretores e produtores a eliminar grande parte dos riscos de tentar adivinhar e dos gastos de desenvolver as histórias para um filme.

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Diante disso, o autor passou a utilizar esta técnica em produções

cinematográficas, porém, atualizou-a de acordo com sua necessidade, modificando-a

do original de Campbell. A jornada de Vogler é chamada de ‘Jornada do Escritor’.

Figura 2. Comparação entre a Jornada do Escritor e a Jornada do Herói

Fonte: VOGLER, C. A jornada do escritor: estruturas místicas para escritores. Tradução de Ana Maria Machado. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 34-35.

Vogler (2006, p. 37-46) explica cada parte da Jornada:

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1. Mundo Comum: A maioria das histórias desloca o herói para fora de seu mundo ordinário, cotidiano, e o introduz em um Mundo Especial, novo e estranho; 2. Chamado à Aventura: Apresenta-se ao herói um problema, um desafio, uma aventura a empreender; 3. Recusa do Chamado (o Herói Relutante): Agora é a hora do medo. Com freqüência, o herói hesita logo antes de partir em sua aventura, Recusando o Chamado, ou exprimindo relutância; 4. Mentor (a Velha ou o Velho Sábio): A função do Mentor é preparar o herói para enfrentar o desconhecido; 5. Travessia do Primeiro Limiar: Finalmente, o herói se compromete com sua aventura e entra plenamente no Mundo Especial da história pela primeira vez — ao efetuar a Travessia do Primeiro Limiar; 6. Testes, Aliados e Inimigos: Uma vez ultrapassado o Primeiro Limiar, o herói naturalmente encontra novos desafios e Testes, faz Aliados e Inimigos, e começa a aprender as regras do Mundo Especial; 7. Aproximação da Caverna Oculta: Finalmente, o herói chega à fronteira de um lugar perigoso, às vezes subterrâneo e profundo, onde está escondido o objeto de sua busca; 8. A Provação: Aqui se joga a sorte do herói, num confronto direto com seu maior medo. Ele enfrenta a possibilidade da morte e é levado ao extremo numa batalha contra uma força hostil; 9. Recompensa (Apanhando a Espada): Após sobreviver à morte, o herói, então, pode se apossar do tesouro que veio buscar, sua Recompensa; 10. Caminho de Volta: Mas o herói começa a lidar com as conseqüências de ter-se confrontado com as forças obscuras da Provação; 11. Ressurreição: É uma espécie de exame final do herói, que deve ser posto à prova, ainda uma vez, para ver se realmente aprendeu as lições da Provação. O herói se transforma; 12. Retorno com o Elixir: O herói retorna ao Mundo Comum, mas a jornada não tem sentido se ele não trouxer de volta um Elixir, tesouro ou lição do Mundo Especial.

Nelly Novaes Coelho também organizou uma estrutura básica para se analisar

os contos de fadas e os contos maravilhosos. Ela extraiu cinco invariantes definidas por

Wladimir Propp que estão sempre presentes nos contos de fadas e nos contos

maravilhosos – aspiração (ou desígnio), viagem, obstáculos (ou desafios), mediação

auxiliar e conquista do objetivo (final feliz) (COELHO, 2000, p. 109 -110):

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1. Toda efabulação tem, como motivo nuclear, uma aspiração ou um desígnio, que levam o herói (ou a heroína) à ação;

2. A condição primeira para a realização desse desígnio é sair de casa; o herói

empreende uma viagem ou se desloca para um ambiente estranho, não-familiar;

3. Há sempre um desafio à realização pretendida, ou surgem obstáculos

aparentemente insuportáveis que se opõem à ação do herói (ou da heroína);

4. Surge sempre um mediador entre o herói (ou a heroína) e o objetivo que está difícil de ser alcançado; isto é, surge um auxiliar mágico natural ou sobrenatural, que afasta ou neutraliza os perigos e ajuda o herói a vencer;

5. Finalmente o herói conquista o almejado objetivo.

Portanto, as narrativas – sejam elas maravilhosas ou não, seguem uma

determinada estrutura – tanto para a escrita verbal, como para sua forma mais

contemporânea que é a cinematográfica. Contudo, vale enfatizar que, diferentemente

de qualquer outra forma de literatura, elas são capazes de contribuir diretamente para a

construção da identidade e dos valores éticos e morais.

2.2.2 Os contos de fadas e os valores morais e éticos

Dentre as narrativas maravilhosas, o foco desta pesquisa está nos contos de

fadas e, em relação aos valores morais e éticos, esse gênero apresenta uma certa

“complexidade das forças interiores” (positiva e negativa) sobre a dualidade

maniqueísta que sempre caracterizou o comportamento das personagens tradicionais.

Sobre isso, Coelho (2000, p. 154) declara:

A intenção maior é dotar as personagens de ficção da ambigüidade natural dos homens e, através dela, revelar as forças polares ou contraditórias, inerentes à condição humana. Embora em algumas obras a lição de vida desemboque em horizonte “fechado” e enfatize as forças negativas ou o fracasso do viver, a grande maioria delas aponta para a esperança, para o entusiasmo e a importância de se participar dinamicamente da vida.

Assim, podemos perceber que os contos de fadas, além de dar exemplos ou

conselhos, propõem problemas a serem resolvidos, estimulando a capacidade de

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compreensão dos fenômenos e provocando idéias novas ou uma atitude receptiva em

relação às inovações que a vida cotidiana propõe (ou proporá), além de procurar

capacitar as crianças e jovens a optarem, com inteligência, nos momentos de agir.

Segundo o historiador Darnton (1996, p. 61), as primeiras versões dos contos

de fadas, embora não tivesse a intenção de transmitir valores morais, sugeriam cautela:

Sem fazer pregações nem dar lições de moral, os contos demonstram que o mundo é duro e perigoso. Embora, na maioria, não fossem endereçados às crianças, tendem a sugerir cautela. Como se erguessem letreiros de advertência, por exemplo, em torno à busca de fortuna: "Perigo!"; "Estrada interrompida; "Vá devagar!"; "Pare!" É verdade que alguns contêm uma mensagem positiva. Mostram que a generosidade, a honestidade e a coragem são recompensadas. Mas não inspiram muita confiança na eficácia de se amar os inimigos e oferecer a outra face. Em vez disso, demonstram que, por mais louvável quês seja dividir o seu pão com mendigos, não se pode confiar em todos aqueles que se encontra pelo caminho. Alguns estranhos talvez se transformem em príncipes e fadas bondosas; mas outros podem ser lobos e feiticeiras, e não há maneira de distinguir uns dos outros.

Darnton (1996, p. 05) ainda declara que nestas primeiras versões, os

contadores de histórias procuravam retratar um mundo de brutalidade:

As outras histórias da Mamãe Ganso dos camponeses franceses têm as mesmas características de pesadelo. Numa versão primitiva da "Bela Adormecida", por exemplo, o Príncipe Encantado, que já é casado, viola a princesa e ela tem vários filhos com ele, sem acordar. As crianças, finalmente, quebram o encantamento, mordendo a durante a amamentação, e o conto então aborda seu segundo tema: as tentativas da sogra do príncipe, uma ogra, de comer sua prole ilícita. O "Barba Azul" original é a história de uma noiva que não consegue resistir à tentação de abrir uma porta proibida na casa de seu marido, um homem estranho, que já teve seis mulheres. Ela entra num quarto escuro e descobre os cadáveres das esposas anteriores, pendurados na parede. Horrorizada, deixa a chave proibida cair de sua mão numa poça de sangue, no chão. Não consegue limpá la; então, Barba Azul descobre sua desobediência, ao examinar as chaves. Enquanto ele amola sua faca, preparando se para transformá la na sétima vítima, ela se recolhe em seu quarto e veste seu traje de casamento. Mas demora a se vestir, o tempo suficiente para ser salva por seus irmãos, que galopam em seu socorro depois de receberem um aviso de seu pombo de estimação. Num dos primeiros contos do ciclo de Cinderela, a heroína torna se empregada doméstica, a fim de impedir o pai de forçá la a se casar com ele. Em outro, a madrasta ruim tenta empurrá la para dentro de um fogão, mas incinera, por engano, uma das mesquinhas irmãs postiças. Em "João e Maria", na versão dos camponeses franceses, o herói engana um ogre fazendo o cortar as gargantas de seus próprios filhos. Um marido devora uma sucessão de recém casadas, no leito conjugal, em "La Belle et le monstre" ("A bela e a fera"), uma das centenas de contos que jamais chegaram a ser incluídos nas versões publicadas de Mamãe

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Ganso. Num conto mais desagradável, "Les trois chiens" ("Os três cães"), uma irmã mata seu irmão escondendo grandes pregos no colchão de seu leito conjugal. No conto mais maligno de todos, "Ma mère m'a tué, mon père m'a mangé" ("Minha mãe me matou, meu pai me devorou"), uma mãe faz do filho picadinho e o cozinha, preparando uma caçarola à lionesa, que sua filha serve ao pai. E por aí vai, do estupro e da sodomia ao incesto e ao canibalismo.

As versões dos contos de fadas, conhecidas hoje, foram modificadas ao longo

da história para se adequarem ao público infantil. Estas versões passaram a enfatizar

os ensinamentos éticos e morais.

Coelho (2000, p. 179) destaca alguns valores presentes nesse gênero

narrativo:

� Predomínio dos valores humanistas; preocupação fundamental com a sobrevivência ou com as necessidades básicas do indivíduo: fome, sede, agasalho, descanso, estímulo à caridade, solidariedade, boa vontade, tolerância... Valorização da palavra dada quem, em hipótese alguma, poderá ser quebrada;

� Oscilação entre uma ética maniqueísta (nítida separação entre o Bem e o

Mal; Certo e Errado) e uma ética relativista (o que parecia mau acaba se revelando bom; o que parecia errado resulta em algo certo...). Mas quanto às ações, a regra é: prêmio para o Bem e castigo para o Mal;

� A esperteza/astúcia inteligente vencem a prepotência e a força bruta;

inclusive através de atos que julgados rigorosamente são desonestos mas desculpados pela moral prática (é o caso das artimanhas do Gato de Botas para tornar o seu pobre amo um nobre senhor);

� A ambição desmedida ou a insaciabilidade humana causam desequilíbrios

sem conta;

� Há uma ordem natural nos seres e nas coisas que não deve ser contrariada;

� São sempre os mais velhos que detêm nas mãos o poder e a autoridade, de maneira absoluta e inquestionável. Enquanto os mais novos sempre os predestinados (apesar de no início parecer o contrário...) Os primeiros representam o passado, a tradição; os últimos, o futuro;

� O indivíduo que consegue vencer as provas e passar do nível mais baixo da

sociedade para o mais alto, é sempre alguém com dons excepcionais; � A grande mediadora da possível ascensão do homem na escala social é a

mulher. Casando-se com a “filha do rei” ou do “nobre abastado”,o indivíduo pobre ou plebeu automaticamente enobrece e se torna poderoso;

� As qualidades exigidas á mulher são: beleza, modéstia, pureza, obediência,

recato ... e total submissão ao homem (pai,marido, irmão, etc). É dada muito maior ênfase às relações entre pai e filha, do que entre esposo e esposa.

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Muitos e muitos dos núcleos dramáticos dessas histórias expressam problema entre pai e filha;

� É enfatizada a ambigüidade da natureza feminina. Desde as narrativas

primordiais, a mulher pe causa de bem e de mal, tanto pode salvar o homem, com sua bondade e amor, como pode pô-lo a perder com seus ardis e traições. Ela tanto pode ser a amada divinizada pela qual o príncipe luta como pode ser apenas o instrumento da procriação desejada pelo homem. Nota-se, porém, que a exploração dos aspectos negativos da mulher se dá, basicamente, nos contos jocosos; isto é, são aspectos realçados com comicidade: mulheres gulosas, perdulárias, teimosas, mentirosas, ignorantes, fingidas...

Percebemos, portanto, que a essência dos contos de fadas, nas versões

atuais, está na capacidade que esse tipo de texto tem em abstrair conceitos formadores

de caráter, uma vez que estabelece relação entre “bem e mal”, “certo e errado”.

No decorrer da história, os contos de fadas passaram a abordar, conforme

vimos, questões existenciais e relevantes para a vida do homem. Não são histórias

tenebrosas ou esvaziadas de significação, ao contrário, trazem hoje profundas

reflexões acerca da conduta humana (DONÊNCIO, 2011, p. 90).

E, a criança necessita de idéias sobre como colocar ordem sua “casa interior”.

Ela necessita de uma educação moral que, de modo sutil e só implicitamente, a

conduza às vantagens do comportamento moral, não por meio de conceitos éticos

abstratos, mas daquilo que lhe parece tangivelmente correto e, portanto, significativo.

Para Bettelheim (2007, p. 12) “a criança encontra esse tipo de significado nos

contos de fadas”, já que estas histórias lidam com problemas humanos universais.

As personagens e situações dos contos de fadas também personificam e ilustram conflitos íntimos, mas sempre sugerem sutilmente como esses conflitos podem ser solucionados e quais os próximos passos a serem dados rumo a uma humanidade mais elevada. O conto de fadas é apresentado de um modo simples, despretensioso; nenhuma solicitação é feita ao ouvinte [...] Longe de fazer solicitações, os contos de fadas reassegura, dá esperança para o futuro e oferece a promessa de um final feliz (BETTELHEIM, 2007, p. 37).

Bettelheim (2007, p. 16) esclarece também, com detalhes, como os contos de

fadas contribuem para a educação moral da criança:

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É característico dos contos de fadas colocar um dilema existencial de maneira breve e incisiva. Isso permite à criança apreender o problema em sua forma mais essencial, enquanto que uma trama mais complexa confundiria as coisas para ela.O conto de fadas simplifica todas as situações [...] Ao contrário do que acontece em muitas histórias infantis modernas, nos contos de fadas o mal é tão onipresente quanto a virtude. Em praticamente todo conto de fadas, o bem e o mal são corporizados sob a forma de algumas personagens e de suas ações, uma vez que o bem e o mal são onipresentes na vida e as propensões para ambos estão presentes em todo homem. É essa dualidade que coloca o problema moral e requer a luta para resolvê-lo [...] Não é o fato de a virtude vencer no final que promove a moralidade, mas sim o fato de o herói ser extremamente atraente para a criança, que se identifica com ele em todas as suas lutas. Devido a essa identificação, ela imagina que sofre com o herói suas provas e tribulações, e triunfa com ele quando a virtude sai vitoriosa. A criança faz tais identificações inteiramente por conta própria, e as lutas interiores e exteriores do herói lhe imprimem moralidade.

Assim, podemos dizer que os contos de fadas levam a criança a construir sua

identidade e seus valores morais e éticos, além de sugerirem experiências que são

necessárias para desenvolver ainda mais seu caráter.

2.3 O longa-metragem animado

Brito (2011, p. 21) declara que “estamos em um momento da cultura em que as

imagens estão presentes em nosso cotidiano como nunca visto antes”. Lévy (1995, p.

15) também afirma que “vivemos em uma civilização da imagem ou do audiovisual”,

pois a preponderância visual é maciça e determinada pelos meios de comunicação que

utilizam a imagem para comunicar, seduzir, persuadir, destruir, informar e também

manipular.

Como vivenciamos uma forte cultura visual, os longas-metragens animados

têm conquistado um grande público. Mas, o que é animação?

Animação significa dar ânima, dar alma, dar vida. Pode-se dizer que a

animação traz em si a essência do cinema. Manipulando sinteticamente o tempo e o

espaço, a arte de animar expressa a criação de um universo próprio que faz parte do

imaginário de todos que, desde a infância, se encantam com a possibilidade do lúdico.

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É o terreno do absurdo e da fantasia, no qual a realidade é sempre reinventada e,

muitas vezes, criticada7.

Existem outras referências para a palavra animação, Vilaça (2006, p. 35) inicia

com a definição:

A palavra ANIMAÇÃO vem do latim Anima e significa Alma ou Sopro Vital. Animar significa dar vida a objetos inanimados. Em cinema é a arte de dar vida, de conferir movimentos a objetos inanimados através de recursos técnicos, onde cada situação é registrada individualmente em material sensível.

Em 1937, o Walt Disney Studio lança o primeiro longa-metragem animado

baseado em um conto de fadas dos Irmãos Grimm. Branca de Neve e os Sete Anões

que surpreendeu o público. Três anos depois o estúdio lança continuadamente seus

filmes animados que marcaram época, alguns deles são: Pinóquio (1940), Dumbo

(1941), Bambi (1942), Cinderela (1950) e A Bela Adormecida (1959). Em 1991 estréia A

Bela e a Fera, primeiro filme de animação a ser indicado ao Oscar de melhor filme, que

apresentou cenas produzidas com a ajuda de computadores, como a dança de Bela e

Fera no salão de baile. Em 1995, os estúdios Disney, em parceria com a produtora de

animação digital Pixar, apresentam Toy Story, considerado o primeiro longa-metragem

totalmente produzido por computação gráfica. A partir de então, a maioria dos filmes de

animação utiliza as técnicas de três dimensões (VITA, 2009, p. 1-2).

Hoje existem várias técnicas e utilidades para a animação. Podemos dividir

esse gênero em três técnicas principais:

2D ou cell animation ou desenho animado: O que identifica essa técnica é a utilização de células de papel ou acetato onde são feitos os desenhos. Existem papéis especiais para animação e pencil test. Alguns animadores utilizam o papel sulfite 75 gramas, que dá um bom resultado e é mais facilmente encontrado. Depois da animação pronta, as células são fotografadas ou digitalizadas com um scanner. Stop Motion: Não utiliza células de papel como suporte. O animador nessa técnica trabalha geralmente com objetos inanimados: massa de modelar, objetos diversos, grãos, recorte de papel e outros. A imagem é captada utilizando a fotografia quadro a quadro. O pixilation é um stop motion com

7 Definição de animação contida na abertura do site (www.eba.ufmg.br/quadroaquadro), acessado dia 26/06/11 às 14:30h.

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pessoas; elas têm que ter uma postura inanimada, como um boneco, o animador orienta as posições que elas têm que ficar para serem fotografadas. É uma animação com características visuais em três dimensões como um filme em live action e não pode ser confundida com a técnica 3D, toda criada virtualmente. 3D e CG (Computação gráfica): É, basicamente, a formação de objetos, personagens, cenários etc. através de softwares de computador específicos com ferramentas e efeitos avançados. Já existem sistemas de modelagem, animação e tratamento de imagens 3D que possibilitam a criação de imagens hiperealistas, semelhantes aos ambientes naturais. Suas aplicações são diversas: podem ser desenvolvidas narrativas em animação que explorem os recursos da técnica; utilizá-la para criar efeitos especiais em filmes em live action; a tecnologia aplicada à medicina a utiliza para criar ambientes orgânicos tridimensionais; aplicada na tecnologia espacial, em estratégias de guerra e outras (VILAÇA, 2006, p. 24-26).

Vilaça (2006, p. 27) ainda afirma que “uma série de animações está sendo

produzida de forma híbrida”, ou seja, desenha-se no papel, digitaliza-se a animação e

finalizam-se os filmes em computação gráfica, ou capturam-se algumas cenas em stop

motion que depois são finalizadas em 3D.

A animação em 3D permite também a estruturação de um público fiel ao

formato, além de contrabalançar a queda nas vendas e a pirataria crescente, já que o

formato é hábil em resgatar o público ao cinema, por oferecer uma experiência

exclusiva.

Sobre o cinema de animação, D’Elia (1996, p. 163) declara:

[...] o cinema de animação integra elementos de todas as outras formas de expressão. É plástico, musical, narrativo, cinematográfico e coreográfico. Empresta das outras artes seus códigos e elementos. Mas tem também seu repertório particular, onde se destacam: o timing; a dinâmica do movimento e o acting.

O timing se refere ao número de imagens que devem ser fotografadas para

cada segundo de animação. Também é o que determina a velocidade da ação. A

dinâmica do movimento dá-se a partir da qualidade plástica, pois é esta a responsável

pelo ritmo e pela métrica, fazendo com que a imagem possua uma relação direta com a

música. O acting é fazer com que os personagens demonstrem emoções e

personalidade.

De acordo com Brito et al. (2011, p. 18):

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O cinema, enquanto arte, parte do concreto para o visível, do imediato, do próximo, pois explora o ver, o ter diante de nós a situações, as pessoas, os cenários, as cores, as relações espaciais. Os filmes são sensoriais, visuais, onde a linguagem falada, a musical, a escrita interagem superpostas, interligadas, somadas. Daí a sua força. Os filmes atingem os seres humanos por todos os sentidos e de todas as maneiras. Essa combinação de linguagens que começa no sensorial, passa pelo emocional, pelo intuitivo e atinge o racional.

Este hibridismo presente na linguagem cinematográfica, seja numa animação

ou não, influencia na cognição das pessoas. Por isso, torna-se necessário analisar e

interpretar as mensagens explícitas e implícitas e a ideologia ali presente.

Setton (2004, p. 143) declara que “tanto a produção quanto a recepção do filme

são envolvidas por interesses ideológicos”. A pesquisadora ainda afirma que:

[...] a ideologia de um filme não assume a forma de declarações ou reflexos diretos sobre a cultura. Ela se encontra na narrativa e nos discursos usados – imagens, mitos, convenções e estímulos visuais.

Almeida (2004, p. 23) assegura que “o espectador de cinema passeia ingênuo

e desarmado, buscando seu prazer em meio a um mercado que não é ingênuo, nem

desarmado”, já que a trilha sonora, as cores vibrantes, os efeitos visuais e auditivos e a

emoção concentrada exercem um domínio em todos os sentidos do receptor.

Diferentemente do livro, que exige um receptor ativo, o filme precisa de um

receptor passivo e é isso que se constitui a arma de manipulação deste suporte.

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3. METODOLOGIA DE PESQUISA

Assim que definimos a problemática da presente investigação que é investigar

se crianças de 11 a 12 anos constroem valor moral, como a generosidade e/ou se

constroem valores não-morais como o egoísmo a partir dos contos de fadas

contemporâneos, na versão fílmica, propusemo-nos a elaborar a metodologia que

desse suporte para encontrarmos respostas às questões levantadas.

Diante disso, verificamos que método de pesquisa mais apropriado para

realizar o estudo proposto é o método indutivo, já que partimos do particular para o

geral.

Além do método indutivo, elegemos também a pesquisa bibliográfica a Teoria

dos Modelos Organizadores do Pensamento.

Tanto o método como a metodologia eleita para analisarmos os resultados

obtidos nesta pesquisa, possibilitar-nos-ão de verificar os modelos elaborados pelos

sujeitos diante de situações de conflito moral presentes nos contos de fadas

contemporâneos na versão fílmica.

3.1 Método

O método indutivo baseia-se na crença de que é possível confirmar um

enunciado (lei) através de um certo número de observações singulares (CHALMERS,

1993, p. 28).

O ponto de partida para a indução não são os princípios, como na dedução,

mas a observação dos fatos e dos fenômenos, da realidade objetiva. Seu ponto de

chegada é o estabelecimento de leis ou regularidades que regem os fatos ou

fenômenos (OLIVEIRA, 2002).

Oliveira (2002, p. 61) ainda completa, dizendo que “na realidade, a indução não

é um raciocínio único: ela compreende um conjunto de procedimentos empíricos, outros

lógicos e outros intuitivos”.

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A indução ou raciocínio indutivo é, portanto, uma forma de raciocínio em que o

antecedente são dados e fatos particulares e o antecedente, é uma afirmação universal

(SEVERINO, 2002).

Este método de pesquisa deve, contudo, ter uma abordagem qualitativa, já que

esta envolve o uso de dados obtidos em entrevistas, documentos, questionários e

observações dos sujeitos pesquisados para a compreensão e explicação de

fenômenos.

Para Vergara (2010, p. 47):

Uma motivação para se fazer pesquisa qualitativa vem da observação que, se há uma característica que distingue os seres humanos em relação ao mundo natural, é a habilidade de falar. Os métodos de pesquisa qualitativa são projetados para ajudar os pesquisadores a compreender as pessoas e os contextos sociais e culturais em que elas vivem. O objetivo de compreender um fenômeno do ponto de vista dos participantes e de seu contexto sócia e institucional fica prejudicado quando os dados textuais são quatificados.

Seguindo o método de pesquisa indutiva sob uma abordagem qualitativa, é

necessário que façamos uma pesquisa bibliográfica sobre os temas abordados neste

trabalho, pois, este tipo de pesquisa é importante para reunir, revisar e comparar

informações e conhecimentos produzidos em períodos e locais próximos e/ou distantes.

Além disso, a pesquisa bibliográfica possibilita o desenvolvimento de estudos

qualitativos nas áreas de pesquisas das Ciências Humanas, devido ao fato de

permitirem a análise de contextos históricos e socioculturais, proporcionando a

compreensão de valores morais e éticos, que orientam os comportamentos sociais

durante o exercício da cidadania (GOLDENBERG, 1997).

Os objetivos da pesquisa bibliográfica é descrever, explicar e prever a frequência

de ocorrência de um problema a partir de referências teóricas registradas e publicadas

em documentos teóricos (CERVO; BERVIAN, 2003). Como verificaremos se contos de

fadas contemporâneos, na versão fílmica, constroem valores morais e não-morais, a

revisão bibliográfica torna-se de suma importância para que esta pesquisa se

concretize.

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3.2 A investigação da moralidade a partir dos modelos organizadores do

pensamento

A teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento investiga as

representações mentais dos sujeitos, ou seja, procura entender de que forma o sujeito

incorpora os elementos existentes no mundo em que vive e como elabora a sua própria

compreensão sobre esse mundo.

Arantes (2003, p. 109) destaca que esta teoria:

[...] vem sendo elaborada pelas professoras Montserrat Moreno, Genoveva Sastre e Aurora Leal, da Universidade de Barcelona (Moreno et al., 1999). Essa teoria incorpora em seus pressupostos explicativos o papel que os sentimentos, os desejos, as emoções e as fantasias exercem em nossos juízos e nossas ações e, por isso, aponta novos caminhos para a compreensão das relações entre a afetividade e a cognição no funcionamento psíquico do ser humano.

Para isso, esta teoria parte da idéia de que o sujeito constrói modelos de

realidade que lhes permitem conhecer uma parte do mundo que o cerca e, a partir

disso, estuda a forma como ele os constrói.

De acordo com Sastre e Moreno (2003, p. 119):

O conjunto de representações que o sujeito realiza a partir de uma situação determinada, constituído pelos dados que abstrai e retém como significativos entre todos os possíveis, aqueles que imagina ou infere como necessários, os significados e as implicações que lhes atribui, e as relações que estabelece entre todos eles. Os modelos organizadores de pensamento constituem aquilo que é tido por cada sujeito como a realidade, a partir da qual elabora pautas de conduta, explicações e teorias.

Pinheiro (2009, p. 116-117) explica os três aspectos básicos da construção dos

Modelos Organizadores do Pensamento:

a) abstração e seleção de elementos da situação problemática; b) atribuição de significados aos elementos considerados relevantes e rechaço

dos elemento considerados irrelevante;

c) estabelecimento de relações e/ou implicações entre os elementos abstratos e seus significados.

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Pinheiro (2009, p. 117) ainda enfatiza que “os elementos selecionados passam

a formar uma parte do sistema de representação, os modelos organizadores, que

construímos a partir de uma situação”.

É importante apontar também que é a partir dos Modelos Organizadores e dos

elementos presentes nas situações-problema que pode entender as estratégias

utilizadas pela mente humana, na resolução de conflitos, incluindo os de natureza

moral, já que esses elementos desencadeiam desejos, sentimentos, afetos,

representações sociais e valores (PINHEIRO, 2009, p. 119).

Sobre o processo de abstração de dados Arantes (2003, p. 118) afirma que:

O sujeito psicológico, diante de determinada situação, certamente não retém todos os dados da realidade. Faz uma seleção: são retidos aqueles dados que, para ele, são significativos, e rechaçados aqueles que não considera significativos ou pertinentes. Os dados excluídos não intervêm no juízo desenvolvido pelo sujeito uma vez que foram por ele desconsiderados. Portanto, os mesmos dados (não-significativos para o sujeito) não figuram no seu “modelo organizador”. O raciocínio elaborado pelo sujeito será baseado somente nos dados significativos (portanto abstraídos e retidos) por ele.

Vasconcelos et al. (2010, p. 211) sintetizam os componentes de um Modelo

Organizador de Pensamento: “(a) são modelos de realidade e (b) são construídos pelo

sujeito no processo de apropriação do conhecimento”.

Estes mesmos pesquisadores (2010, p. 215) elencaram as vantagens dos

Modelos Organizadores de Pensamento:

a) expressa, no estudo do fenômeno psicológico, a organização entre elementos, significados e suas implicações;

b) possibilita explorar a conjugação entre estrutura e conteúdos, permitindo

assim uma apreensão mais abrangente da complexidade do modo como o sujeito pensa a realidade, já que apenas os recursos operatórios não são suficientes para explicar o funcionamento cognitivo – incluem-se nas operações empregadas valores, sentimentos, princípios e regras envolvidos nos raciocínios;

c) permite observar a diversidade de modelos de realidade; d) permite observar as regularidades entre modelos de realidade;

e) não estabelece, numa investigação, a classificação prévia das respostas dos

sujeitos, desse modo, confere uma melhor fidedignidade aos dados coletados, demonstrando com mais detalhes seu papel no funcionamento psíquico;

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f) no campo da psicologia, representa uma alternativa metodológica

significativa na análise de conteúdos;

g) no campo da moralidade avança, notadamente, na análise de situações

envolvendo conflitos.

Para se aplicar os Modelos Organizadores de Pensamento, é necessário seguir

algumas etapas8:

1. Apresentação de uma situação-problema; 2. Aplicação de um questionário sobre a situação-problema, com base em três questões eixo: a) O que você pensaria se estivesse na situação apresentada? b) O que você sentiria se estivesse na situação apresentada? c) O que você faria se estivesse na situação apresentada? 3. Identificação dos elementos abstraídos e retidos como significativos; 4. Identificação de todos os significados atribuídos a cada um dos elementos; 5. Implicações estabelecidas pelos sujeitos; 6. Elaboração dos Modelos Organizadores do Pensamento; 7. Análise quantitativa, em função dos modelos e da variável “estado emocional”.

Por todos esses pressupostos, vemos na teoria dos Modelos Organizadores do

Pensamento um caminho para se investigar os valores morais e não-morais construídos

psicologicamente, a partir dos contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica.

3.3 Procedimentos metodológicos

Com o intuito de avaliar as hipóteses sobre a relação entre os contos de fadas

contemporâneos e a construção psicológica de valores morais e não-morais nas

8 Adaptação da obra de Vasconcelos et al. (2010, p. 212-214).

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crianças de 11 a 12 anos realizamos, primeiramente, um levantamento de algumas

releituras fílmicas de contos de fadas tradicionais do ano 2000 ao ano 2010.

Neste levantamento, encontramos algumas releituras, mas quatro delas nos

chamou a atenção por propiciarem uma versão contemporânea dos contos de fadas

mais lidos, conhecidos e amados pelas crianças: Deu a louca da Chapeuzinho

Vermelho (2005), Deu a louca na Cinderela (2007), Deu a louca na Branca de Neve

(2009),) e Enrolados (2010) que é uma versão do conto de fadas Rapunzel.

Porém, como esta pesquisa tem a intenção de analisar os contos de fadas

contemporâneos, não poderíamos deixar de analisar a versão fílmica do conto de fadas

Shrek, baseado na obra do escritor William Steig (1990), por conta de tornar-se um

filme de grande sucesso entre o público de todas as idades. Para isso, selecionamos

três filmes Shrek (2001), Shrek II (2004) e Shrek III (2007).

Após realizada a seleção dos longas-metragens animados, decidimos recortar

algumas cenas que nos desse suporte para encontramos respostas as questões

levantadas. Assim, os recortes foram realizados em cenas que apresentavam uma

situação-problema de cunho moral, onde se poderia analisar a construção dos valores

morais e não-morais investigados nesta pesquisa.

Assim, recortamos um total de 18 cenas, conforme demonstra a tabela abaixo:

Tabela 1 – Quantidade de recortes por filme

Deu a louca na Chapeuzinho

Vermelho

Deu a louca na

Cinderela

Deu a louca na Branca de neve

Enrolados Shrek I II III

2 recortes 3 recortes 3 recortes 6 recortes 1 recorte 1 recorte 2

recortes

Estes 18 recortes traziam, ao nosso ver, conflitos que, após questões

dilemáticas, levariam os sujeitos a posicionar-se, utilizando conteúdos existentes nos

contextos ali apresentados.

Page 49: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

49

Em todos os recortes selecionados para a presente pesquisa, foram realizados

três questionamentos, conforme prevê a Teoria dos Modelos Organizadores de

Pensamento.

As primeiras perguntas tinham como objetivo identificar as representações

estabelecidas pelas crianças a respeito do conflito, ou seja, seria o julgamento das

ações dos sujeitos envolvidos nas cenas recortadas.

As segundas questões tinham por objetivo identificar os sentimentos, emoções

e afetos que a cena provocou e, nas terceiras questões, o objetivo era identificar o que

os sujeitos pesquisados abstraíram como mais significativo naquele contexto.

Em todas estas questões, procuramos organizar, através dos sentimentos

expressos em cada cena, o raciocínio do público-alvo da pesquisa em dois pólos: o de

aceitação e o de negação da atitude.

3.4 Procedimentos para a coleta de informações

Depois de realizarmos um estudo piloto com duas crianças de 10 a 12 anos,

iniciamos a nossa coleta de dados na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEB)

Padre Eustáquio II que pertence ao município da Estância Hidromineral de Poá, que

fica na região do Alto Tietê.

É válido destacar que tanto a Direção como a Coordenação Pedagógica desta

Unidade Escolar, após explanarmos os objetivos e a justificativa desta pesquisa,

apoiaram-nos por considerarem o tema importante e pertinente.

Por termos conquistado a confiança da equipe gestora, pudemos escolher as

turmas que participaram da amostra: cinco salas de 6º ano do Ensino Fundamental –

ciclo II – do período da manhã, num total de 133 crianças desta escola municipal. A

coleta foi realizada durante uma semana, por conta da quantidade de salas e de alunos

participantes.

Vale destacar que, para cada sala de 6º ano foi sorteado um filme específico:

6º ano A (Deu a louca da Branca de Neve), 6º ano B (Shrek), 6º ano C (Deu a louca na

Chapeuzinho Vermelho), 6º ano D (Enrolados) e 6º ano E (Deu a louca na Cinderela).

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50

Primeiramente, explicamos as crianças que se tratava de uma pesquisa

científica e agradecemos a colaboração de todas elas. Em seguida, distribuímos os

questionários que elas deveriam responder após a apresentação dos recortes dos

contos de fadas, na versão fílmica, que selecionamos para análise.

Solicitamos que as crianças respondessem as perguntas da forma mais

completa possível e individualmente.

3.5 Procedimentos para a análise das informações

Após colhermos todos os questionários aplicados, dividimo-los, primeiramente

por filme analisado. Em seguida, analisamos os protocolos de respostas e os dividimos

em dois modelos: modelo 1 (predominância da generosidade) e modelo 2

(predominância do egoísmo).

No decorrer das análises, percebemos que havia protocolos onde a

generosidade surgia como central e o egoísmo como periférico e vice-versa. Por conta

disso, criamos dois sub-modelos para o modelo 1 (sub-modelo 1 generosidade como

valor central e sub-modelo 2 generosidade como valor periférico) e outros dois sub-

modelos para o modelo 2 (sub-modelo 1 egoísmo como valor central e sub-modelo 2

egoísmo como valor periférico).

Além disso, verificamos em cada protocolo os sentimentos que as crianças

abstraíram de cada contexto, classificando-os como sentimentos de negação ou de

afirmação da atitude.

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51

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.1 Chapeuzinho Vermelho

4.1.1 Versão tradicional X Versão Contemporânea

A primeira versão francesa em papel do conto de fadas Chapeuzinho Vermelho

data do ano de 1697 (CORSO; CORSO, 2006, p. 51). Nesta narrativa antiga,

Chapeuzinho vai levar, a mando da mãe, pão e leite para sua avó. Enquanto caminhava

alegremente pela floresta, um lobo apareceu e perguntou-lhe onde ia. Ela,

ingenuamente, respondeu que ia à casa da vovó.

O Lobo muito esperto, chegou primeiro a casa, matou-a, colocou seu sangue

numa garrafa, fatiou sua carne num prato, comeu e bebeu satisfatoriamente, guardou

as sobras na despensa, colocou a camisola da vovó e esperou por Chapeuzinho na

cama.

Quando a menina chegou, o lobo ofereceu-lhe carne e vinho. A Menina comeu

o que lhe foi oferecido, e enquanto comia o gato de sua avó a observava aos

murmúrios, dizendo: "Meretriz! Então, comes a carne e bebes o sangue de tua avó com

gosto. Ata teu destino ao dela!".

Em seguida, o lobo pediu que a menina se dispisse e se deitasse com ele na

cama. A menina fez um strip-tease e se deitou ao lado do lobo. Ao sentir o toque do

pêlo roçar em seu corpo, ela disse: “Como a senhora é peluda, vovó” e o lobo

respondeu ”É para te esquentar, minha neta”. E, após o diálogo clássico, ela foi

finalmente devorada.

Décadas depois, Perreault dá um caráter de fábula moral ao conto buscando

ensinar que quem transgride as regras se expõe ao perigo. Em 1857, os irmãos Grimm

escreveram a continuação desta história e lhe deram um caráter de contos de fadas.

[...] após Chapeuzinho ter sido devorada, um lenhador que estava passando em frente à casa da avó da menina escutou o ronco do lobo que dormia de barriga cheia. Ele entrou e cortou-lhe a barriga, retirando a avó e a neta vivas de seu ventre; após, os três preencheram o espaço vazio do estômago do

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52

animal com pedras.O lobo acordou com sede e acabou afundando na água que pretendia beber (CORSO; CORSO, 2006, p. 52).

Apesar das modificações, ao longo dos anos, o diálogo ficou preservado, onde

a vítima ingênua, mas desconfiada, questiona o lobo e é abocanhada por ele. Diante

disso, Diana Lichtenstein Corso e Mário Corso (2006, p. 53) explicam que:

Por mais máscaras que se ponha para suavizar a violência do relato, a menina será engolida, e a tensão da narrativa provém da percepção das crianças ouvintes, que antecipam o perigo, ao passo que amenina se deixa enganar.

Bettelheim (2007, p. 239-240) completa:

Chapeuzinho Vermelho é amada universalmente porque, embora virtuosa, é tentada; e porque sua sorte nos diz que confiar nas boas intenções de todos, que parece ser tão bom, na realidade nos deixa sujeitos a armadilhas. Se não houvesse algo em nós que aprecia o grande lobo mau, ele não teria poder sobre nós. Por conseguinte, é importante entender sua natureza, mas ainda mais importante é saber o que o torna atraente para nós. Por mais atraente que seja a ingenuidade, é perigoso permanecer ingênuo a vida toda.

Tanto a versão original, como a de Perreault e dos irmãos Grimm, fica evidente

que o valor moral nesta história é a obediência e a esperteza.

Em 2005 Cory Edwards escreveu, juntamente com Todd Edward e Tony Leech

e dirigiram o filme Hoodwinked (Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho) que foi

produzido pela Europa Corporation.

Nesta versão, Chapeuzinho vendia doces para a vovó na floresta. De repente,

as receitas dos doces começam a ser roubadas por alguém que a polícia não consegue

identificar. A trama se desenvolve nesta busca pelo bandido. Todos são suspeitos, a

história vai acontecendo com o interrogatório de todos que estavam na cena: o lobo, a

vovó, Chapeuzinho e o lenhador.

Alguns personagens novos são apresentados, o sapo detetive, os ursos

policiais e o coelho (figuram inicialmente doce e singela que acaba como o grande vilão

da história).

Page 53: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

53

Em se tratando da adaptação do gênero textual ao contexto histórico, essa

história reflete características do contexto contemporâneo, como por exemplo, o uso no

cenário de bares, teleféricos, policiais, aparelhos de escuta, os esportes radicais

praticados pela avó, o celular, dentre outras coisas.

O que se percebe nesta versão contemporânea é a inversão de valores, pois o

lobo não é mais malvado. Ao contrário, é responsável e não aceita coisas erradas.

A avó deixa de ter uma imagem frágil e indefesa, e passa a praticar esportes

radicais. Aliás, nesta nova versão, há uma trama policial, há esportes radicais, há o

desejo de tornar-se ator, há atividades jornalísticas e, tudo isso, para corresponder as

novas necessidade do público, devido as mudanças operadas nos costumes e nos

valores sociais e morais.

4.1.2 Apresentação dos Modelos Organizadores de Pensamento relativos ao filme

“Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho”

Os recortes do filme ‘Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho’ foram

apresentados a 22 alunos do 6º ano C do Ensino Fundamental – ciclo II da EMEB

Padre Eustáquio II. A seguir, apresentamos, no quadro abaixo, a transcrição das cenas

recortadas deste filme, além de outras informações, como ano de produção, diretor,

sinopse, pais de origem e os questionamentos feitos aos alunos.

Quadro 1 – Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho

Ano: 2005 Diretor: Cory Edwards País de Origem: Estados Unidos

Sinopse: A tranquilidade da vida na floresta é alterada quando um livro de receitas é roubado. Os suspeitos do crime são Chapeuzinho Vermelho, o Lobo Mau, o Lenhador e a Vovó, mas cada um deles conta uma história diferente sobre o ocorrido. Cabe então ao inspetor Nick Pirueta investigar o caso e descobrir a verdade.

Transcrição dos Recortes

Recorte 1 Sapo: O que esta escondendo, vovó? Vovó: Minha família se preocupa muito, eu não queria que eles descobrissem. Sapo: Descobrissem o quê? Chapeuzinho: É, o quê? Cegonha: Ai chefe,olha isso aqui.

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54

(Nossa) Sapo: Eu observei que tem três G tatuados no seu pescoço. Faz sentido, o símbolo das Gatonas das Gostosuras e Guloseimas. Vovó: É verdade... Não sou igual às outras avós, eu jamais gostei de tricotar, e ficar jogando bingo, ver TV, eu prefiro viver a vida aos extremos! Narrador dos esportes: E vem ai pra você, a vovó radical! Vovó: Uma viagem pela uma montanha é muito perigosa para uma menininha. Chapeuzinho: Não sou mais uma menininha vovó. Vovó: Por favor, fique com as receitas ai e então vai ficar tudo bem. Tenho que desligar, a novela começou, beijos... Hora de botar pra quebrar! Vovó: Eu não tinha tempo livre para receber e visita da Chapeuzinho, eu tinha ido ao campeonato de esportes radicais na neve! Treinei duro três meses para isso...

Questionamentos

1. Você acha que a Vovó se sentiu egoísta, ao revelar a verdade a todos? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

2. Como você se sentiria se estivesse no lugar da Vovó, ou seja, tendo que revelar que ocultava algo de todos? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

3. Se você fosse a vovó, faria o mesmo, ou seja, ocultaria a verdade de sua família? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

Recorte 2

Adolfe: Não estou gostando, tem policia para todo lado. Coelho: Esqueça a policia, temos tudo que precisamos aqui. Adolfe: E aquela velhinha? Se estiver viva, ela volta. Coelho: Você não entende, não é Adolfe? Eu cansei, eu cansei de trabalhar para os outros! O homem do bolinho, a vovó, eu quero acabar com eles, eu não vou ter que obedecer a mais ninguém, nunca mais! (risos) Eu adoro o meu trabalho. Tá vendo como funciona Adolfe, defina a sua personalidade, estabeleça sua meta e realize seu objetivo. Pergunte a você mesmo: Onde eu posso estar daqui a 5 anos? Chapeuzinho: Vai estar atrás das grades! Coelho: Chapeuzinho! Oi! O que? Você? Você estragou a surpresa! Chapeuzinho: Você é o bandido! Coelho: Surpresa! Chapeuzinho: Eu não vou sair daqui sem as receitas. Coelho: Sério? Chapeuzinho: É! Você é um coelho muito mal! Coelho: Ah, alguém me ofendeu finalmente! Você acha mesmo, que eu ficava seguindo você por ai porque gostava de você? (luta) Coelho: Essas orelhas merecem respeito, mocinha. (luta) Coelho: Só sabe isso? Luta como mulherzinha! (luta) Coelho: Vá para casa chorar no colo da Vovozinha! Adolfe, amarre a garota. Isa, roube o livro, Vincent, pegue o caminhão, Ricardo, caramba muda de nome, por favor! Esse nome não assusta ninguém, parece nome de sapo, Bores é melhor. Bores: Ah. Coelho: Caco, já pensou? OOH! Cuidado com o Caco! Chapeuzinho: AAH, você é louco! Coelho: Talvez seja, mas eu, sou o rei do pedaço agora, menina!

Questionamentos 1. Você acha que o Coelho se sentiu egoísta ao revelar que pensou apenas nele e que por

isso planejou o roubo do livro de receitas? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

2. Como você se sentiria se estivesse no lugar do Coelho, ou seja, tendo que revelar que era o

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55

vilão da história? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta: 3. Se você estivesse no lugar do Coelho, ou seja, cansado de trabalhar para os outros, faria o

mesmo que ele fez? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

Os 22 protocolos de respostas obtidos a partir da análise dos recortes acima

transcritos foram classificados em 2 modelos organizadores de pensamento (1 e 2),

conforme explicações dadas no capítulo anterior.

Conforme explicita a tabela abaixo, utilizamos os 2 sub-modelos do modelo 1 e

apenas 1 sub-modelo do modelo 2 para classificar os protocolos obtidos neste filme, já

que não houve protocolos onde o valor não-moral egoísmo surgisse como um valor

periférico no sistema de valores dos sujeitos analisados.

Tabela 2 – Configuração dos modelos organizadores de pensamento e sub-modelos

referente ao filme “Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho”

Modelo 1 Generosidade

Modelo 2 Egoísmo

16 06 Sub-Modelo 1.1

Generosidade como central Sub-Modelo 2.1

Egoísmo como central 14 06

Sub-Modelo 1.2 Generosidade como periférico

02

O modelo 1 tem como base a construção do valor generosidade pelos sujeitos

pesquisados. Podemos notar que, dentre os 22 sujeitos que analisaram este conto de

fadas na versão contemporânea e fílmica, 16 construíram o valor generosidade.

Isso significa que em 72,7% das cenas recortadas do filme ‘Deu a louca na

Chapeuzinho Vermelho”, que continham conflitos de cunho moral, os participantes

demonstraram uma maior carga afetiva vinculada ao valor generosidade.

No sub-modelo 1.1, fica evidente que em 63,3% dos protocolos analisados,

essa carga afetiva foi tão intensa que proporcionou o posicionamento central deste

valor na identidade daquelas crianças.

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56

Estes sujeitos apontaram, nos protocolos, que não seriam egoístas a ponto de

guardarem um segredo para si, mesmo que pudessem se prejudicar por uma possível

rejeição social. Assim, demonstraram que poderiam até enfrentar preconceitos, mas

contariam a verdade. Também declararam que jamais agiriam de má fé para

conquistarem um objetivo.

Já no sub-modelo 1.2, notamos que em 9,2% dos protocolos analisados, a

generosidade foi construída como um valor periférico. Os sujeitos classificados neste

modelo apontaram que poderiam revelar o segredo apenas se se tratassem de

pessoas da família. Para as demais, continuariam ocultando. Declararam também que

dependendo da ocasião e da pessoa, poderiam sim agir de má fé para conquistarem

um objetivo. Logo, a ação projetiva de sentimentos morais surgiu, mas não foi tão

intensa a ponto de posicionar este valor no centro do sistema de valores destes

indivíduos, posicionando-o na periferia.

O modelo 2 apresenta a construção do valor não-moral egoísmo. A partir das

análises dos protocolos de respostas do filme ‘Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho’

podemos concluir que dentre os 22 sujeitos pesquisados, o valor egoísmo surgiu em

27,3%.

Ao analisarmos a posição em que este valor surgiu na identidade das crianças,

percebemos, a partir do sub-modelo 2.1, que o egoísmo apareceu apenas como um

valor central e não surgiu nenhuma vez como valor periférico.

Em 18,1% dos protocolos o egoísmo surgiu como central. Nestes protocolos,

os sujeitos apontaram que seriam egoístas sim e não revelariam o segredo e agiriam

sim de má fé para conquistar seus objetivos. Nos outros 9,2%, o egoísmo surgiu como

central acompanhado da generosidade como valor periférico, conforme já apontado

nesta pesquisa.

Os dados aqui apresentados podem ser melhores visualizados nos gráficos

abaixo:

Page 57: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

57

72,70%

27,30%

Generosidade

Egoísmo

Gráfico 1 – Construção de valores, em porcentagem, a partir do filme “Deu a louca na Chapeuzinho

Vermelho”

27,30%

9%

0

63,60%

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

70,00%

Generosidade Egoísmo

Central

Periférico

Gráfico 2 – Posição dos valores no filme “Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho”

Quanto aos sentimentos expressos no recortes analisados, percebemos que a

vergonha, a culpa e a tristeza apareceram no modelo 1.1, o que acabaram favorecendo

a construção do valor generosidade, já que os sujeitos não se sentiram a vontade a

agirem da forma egoísta como as retratadas nos recortes. Estes sujeitos, se agissem

Page 58: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

58

daquele modo, contrariariam os valores centrais de sua identidade, no caso a

generosidade e assim não se sentiriam bem.

Contudo, no modelo 1.2, o sentimento moral vergonha apareceu nos

protocolos e com uma intensidade pequena. Por isso, no sistema de valores destes

sujeitos analisados, a posição da generosidade foi periférica. O sentimento bem estar,

que surgiu também nestes mesmos protocolos, obteve uma carga afetiva muito maior

que a vergonha, por isso o egoísmo aqui surgiu como um valor central e a

generosidade, como periférico.

Por outro lado, os sentimentos de bem estar, felicidade, normalidade,

presentes no sub-modelo 2.1, acabaram permitido a construção do valor-não moral

egoísmo, pois demonstram que os sujeitos perceberam as atitudes egoístas como

normal e outros demonstraram que até se sentiriam felizes em ter tais atitudes.

Essas informações podem ser melhor visualizadas na tabela abaixo:

Tabela 3 – Disposição afetiva em relação aos valores no filme “Deu a louca na

Chapeuzinho Vermelho”

Modelos Sub-Modelos Sentimentos Negação da Atitude Afirmação da

Atitude 1 1.1 Vergonha, culpa,

tristeza. ---------

1.2 Vergonha Bem estar 2 2.1 ------------

Normalidade, bem estar, felicidade,

Assim, podemos concluir que, enquanto há sentimentos que negam a atitude

egoísta dos protagonistas das situações de conflito presentes neste filme, há também

aqueles que afirmam tais atitudes.

Desse modo, podemos abstrair que a grande maioria das crianças que

aplicaram o sub-modelo 1.1, construiu – a partir do conto de fadas na versão fílmica

‘Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho’ – a generosidade como um valor central,

Page 59: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

59

porque sentiram vergonha, culpa e tristeza em relação as ações de cunho moral

visualizadas nos recortes.

Por outro lado, houve crianças que demonstraram sentir-se normal, bem ou até

mesmo feliz com a situação analisada, assim, o valor não-moral egoísmo foi construído

como central, já que não se importaram e nem se incomodaram com a situação de

conflito pela qual o protagonista passou. Isto é preocupante, pois o valor egoísmo

centralizado no sistema de valores destes sujeitos poderá influenciar negativamente na

construção de sua identidade.

Por fim, resta-nos destacar que em dois protocolos – conforme já explicado

anteriormente – o egoísmo surgiu como central apresentando também a generosidade

como valor periférico. Diante disso, podemos compreender que, embora o egoísmo

tenha surgido como um valor central, ocorreu também a presença da generosidade no

sistema de valores destas duas crianças. Vale destacar que, como a identidade destas

crianças ainda não está formada, o valor generosidade, que ora é periférico, poderá

tornar-se central se trabalhada adequadamente a educação em valores.

4.2 Cinderela

4.2.1 Versão tradicional X Versão Contemporânea

Cinderela é um conto chinês datado do ano de 850 da nossa era. De acordo

com Bettelheim (2007, p. 323) “o incomparável minúsculo tamanho dos pés como um

sinal de virtude, distinção e beleza, assim como o sapatinho feito de material precioso,

são facetas que indicam uma origem oriental”.

Coleman (2006, p. 151) descreve como a madrasta entrega uma faca para uma

filha cortar os dedos e a outra o calcanhar, para que os pés coubessem no sapatinho e

elas pudessem enganar o príncipe, contudo, um pássaro aponta o sapato

ensangüentado e o príncipe descobre percebe que havia sido enganado.

A versão hoje mais difundida se deve basicamente a Perrault (1697), seguida

em popularidade pela versão dos irmãos Grimm (1812). A maior parte dos elementos

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60

do roteiro do desenho animado de Walt Disney (1850) foi retirada da história francesa

(Corso; Corso, 2006, p. 107).

O que se percebe, em todas as versões tradicionais, é que a madrasta parece

não invejar diretamente a beleza, a juventude e o bom caráter de Cinderela, mas deixa

claro que não suporta a falta desses dons em suas filhas legítimas (Corso; Corso, 2006,

p. 110).

Na versão de Perreault, Cinderela morava com a madrasta e suas duas filhas,

após a morte de seu pai. As três mulheres invejavam a beleza e a bondade da moça.

Então a converteram em sua criada. Cinderela lavava, limpava, passava e cozinhava.

Um dia, o rei convidou todas as jovens do reino para um baile no palácio, pois

o príncipe herdeiro queria escolher uma esposa. As filhas da madrasta acreditavam que

uma delas seria a escolhida, e passaram a tarde provando vestidos. A pobre Cinderela

também queria ir ao baile, mas as suas irmãs a proibiram.

De repente, sua fada madrinha apareceu e transformou uma abóbora numa

carruagem, dois ratinhos em cavalos, e o cachorro de Cinderela no seu cocheiro.

Além disso, deu-lhe um belo vestido e lindos sapatos de cristal. Na festa,o

príncipe encantou-se por Cinderela, mas o encanto acabou e ela desceu as escadas do

palácio, com tanta pressa que perdeu um sapatinho de cristal.

O príncipe, que estava apaixonado por Cinderela, saiu correndo atrás da

jovem, mas não conseguiu alcançá-la. Encontrou o seu sapatinho de cristal na escada

e o guardou.

No dia seguinte, o príncipe que não sabia nem ao menos o nome de sua

amada, mandou que seu pajem a procurasse pelo reino, a moça cujo pé coubesse

naquele sapatinho.

O pajem procurou por todo o reino, mas nenhuma moça tinha um pé tão

pequeno que coubesse naquele sapatinho. Quando chegou na casa de Cinderela,

provou o sapatinho nas suas irmãs, mas os pés delas eram grandes demais.

Ele estava indo embora quando viu Cinderela varrendo um cômodo da casa.

Após muito insistir ele conseguiu fazê-la provar o sapatinho.

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61

O sapatinho serviu perfeitamente em seu pequeno pezinho. Ele a levou para o

castelo ao encontro do príncipe e, no dia seguinte, Cinderela casou-se e houve festa

em todo o reino.

James (2010, p. 153-158) afirmam que:

Cinderela agradou a todos, menos a si mesma. Entretanto, ao fazer isso, perdeu o contato com as próprias emoções [...] Os maus- tratos que Cinderela sofreu nas mãos da madrasta e das irmãs de criação podem ter levado a um senso de baixa auto-estima e feito com que questionasse suas ações. É provável que tenha achado difícil entender seus sentimentos e certificar-se do que queria. Basicamente, Cinderela tinha uma percepção fragmentária de si mesma, e desejava a aprovação dos outros [...] Cinderela talvez tenha confundido amor com um desejo de ser salva de uma vida familiar insatisfatória.

Segundo Steyer (2010, p. 1-5), na versão fílmica contemporânea de Paul

Bolger (2007) “Deu a louca na Cinderela”, o narrador é Rick, o criado do príncipe. Ele

vai e volta na história para contar tudo o que acontece, e esse vaivém acaba sendo um

recurso interessante para desmontar a ordem natural da narrativa.

A idéia do filme é basicamente essa: uma personagem secundária ou uma

pessoa comum, como Rick, também pode se tornar principal e ter um final feliz. Diz ele:

“Não sou nem mocinho nem vilão. Trabalho na cozinha” (STEYER, 2010).

O “lúdico” acaba aparecendo a partir de uma série de elementos que

entremeiam a narrativa, mas que no final convergem para o “autoritário”. Entre outros

tantos elementos interessantes do filme, podemos destacar a participação dos 7 anões,

que, com todo um aparato militar, ajudam Cinderela e seus amigos a derrotar os vilões,

que são recrutados por sua madrasta (Frida) para acabar com as forças do bem e com

os finais felizes (STEYER, 2010).

No final, derrotada, Frida suplica: “Só quero um final infeliz. É pedir muito”?

Com as atrapalhadas do príncipe (que cai do cavalo, bate a cabeça num tronco e é

capturado por trolls) Rick acaba ficando com Cinderela, que no final do filme diz que

“não é um final feliz, mas um começo”. Rick complementa com a “moral” da história:

“Até um sujeito comum pode ter um final feliz” (STEYER, 2010).

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4.2.2 Apresentação dos Modelos Organizadores de Pensamento relativos ao filme

“Deu a louca na Cinderela”

Os recortes deste filme foram apresentados a 28 alunos do 6º ano E do Ensino

Fundamental – ciclo II, da escola já citada nesta pesquisa. Abaixo, serão apresentadas

no quadro, informações sobre o filme e a transcrição dos recortes que foram analisados

pelos alunos.

Quadro 2 – Deu a louca na Cinderela

Ano: 2007 Diretor: Paul Bolger e Yvette Kaplan País de Origem: Alemanha e Estados Unidos

Sinopse: Como está tudo programado no mundo dos contos de fada para que haja um final feliz, o Mago, responsável pelo equilíbrio entre as forças do bem e do mal, decide sair em férias. Ele deixa seus assistentes, Mambo e Manco, cuidando de tudo. Porém um erro faz com que Frieda, a madrasta da Cinderela, tenha a posse do cajado mágico. Seu objetivo é tomar o controle do mundo de contos de fada, fazendo com que os vilões vençam e que os finais das histórias jamais sejam felizes novamente. Isto faz com que Cinderela, mais conhecida como Ella entre os amigos, tenha que encontrar um meio de deter Frieda, contando com a ajuda de Rick, Manco, Mambo e um exército composto de fadas e anões.

Transcrição dos Recortes

Recorte 1

Rick: Ótimo, lá vem a mulher dragão. Frieda: Leva horas para deixar vocês bonitas, agora temos que fazer tudo outra vez, e você... Pode entregar! Anda logo, vamos, me dá o outro! Ella: Eu fui convidada, madrasta. Filha 1: Ah, se ela for, vai fazer a gente passar vergonha. Filha 1: Ela não tem o que vestir... Frieda: Menina,s é claro que a Citronela pode ir. Infelizmente ela tem umas coisinhas para fazer antes do baile, uhm... Primeiro, engraxar os meus sapatos, depois fazer carne assada, deixar a banheira bem branquinha, lavar o gato com xampu, colocar telhas novas no telhado, lubrificar a carruagem... Devo continuar? (risos)

Questionamentos

1. Você acha que a Frieda se sentiu egoísta ao impedir que Cinderela fosse ao baile, mesmo sendo convidada? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Frieda, ou seja, impedindo Cinderela de ir ao baile? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

3. Se você soubesse que Cinderela, por sua beleza, poderia impedir que uma de suas filhas conquistasse o príncipe, faria o mesmo que Frieda fez? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

Recorte 2

Ella: Temos que fazer alguma coisa.

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Rick: Tudo bem, a gente... Ella: Eu já sei! Temos que achar o príncipe. Ele saiu para me procurar, nós temos que achá-lo. Rick: Pra quê? Ele é um playboy, ele só faz o que o livrinho dele diz. Ella: Eu garanto que o livro dele diz que ele deve ser um herói. Rick: Se você acha que aquele exibido vai nos salvar, tá sonhando. Ella: Posso até estar sonhando, mas eu sei de uma coisa, eu sei que isso não devia estar acontecendo, foi a Frieda, ela esta fazendo tudo de ruim, como sempre fez comigo, Cinderela, agora faz com todos. Precisamos de um herói para impedi-la, precisamos do príncipe! Rick: Quer dizer, você precisa do príncipe! Ella: O problema não é só meu, ela tá dominando tudo! Rick: O problema é todo seu! Quer virar princesa para se mudar lá pra cima e esquecer que pessoas como eu existe! Ella: Escuta aqui! Você esta sendo ridículo! Rick: Ridículo? Quer saber? Você tem que sair daqui, esta bloqueando a minha luz, eu tenho que lavar a louça. Ella: Ta bom! Eu vou! Eu não preciso de você mesmo!

Questionamentos

1. Você acha que Cinderela se sentiu egoísta ao achar que só um príncipe poderia ser o herói da história e salvar a todos? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

2. Se estivesse no lugar de Cinderela, você se sentiria egoísta ao acreditar que somente um príncipe poderia salvar a todos do mal? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

3. Se você estivesse no lugar de Cinderela, acreditaria que, além do príncipe, ninguém mais poderia salvar o reino do mal? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

Recorte 3

Rick: Qual é, eu acho que ficamos sem combustível, não sei. Ella: Ta bom, você não quer achar o príncipe. Você quer ele fora do caminho, pra que você seja o herói. Rick: Ella, eu conheço o príncipe, ele não vai ajudar, e eu sei que eu posso ajudar. Ella: Não, você não pode, você não pode ser um herói, você não é um príncipe!

Questionamentos

1. Você acha que Cinderela se sentiu egoísta ao achar que Rick não queria a ajuda do príncipe por querer ser um herói? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Cinderela? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

3. Se você estivesse no lugar de Cinderela, falaria o que ela falou ao Rick? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

Em seguida, será apresentada uma tabela que especifica os modelos e os sub-

modelos organizadores de pensamento resultantes dos recortes das cenas deste filme

que continham conflitos morais:

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Tabela 4 – Configuração dos modelos organizadores de pensamento e sub-modelos

referente ao filme “Deu a louca na Cinderela”

Modelo 1 Generosidade

Modelo 2 Egoísmo

28 07 Sub-Modelo 1.1

Generosidade como central Sub-Modelo 2.1

Egoísmo como central 27 01

Sub-Modelo 1.2 Generosidade como periférico

Sub-Modelo 2.2 Egoísmo como periférico

01 06

Percebemos que, de acordo com o modelo 1, o valor generosidade esteve

presente em todos os protocolos analisados, ora como valor central e ora como valor

periférico. Através do modelo 2, podemos notar que o egoísmo surgiu 7 vezes nos

protocolos analisados, também como central e como periférico.

Isso significa que, embora o egoísmo tenha surgido em alguns protocolos, fica

evidente que o filme ‘Deu a louca na Cinderela’ construiu, prioritariamente, o valor

generosidade.

100

25

0 20 40 60 80 100 120

Deu a Loucana Cinderela

Egoísmo

Generosidade

Gráfico 3 – Presença dos valores nos protocolos de respostas obtidos na análise do filme “Deu a louca

na Cinderela”

Page 65: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

65

Vale destacar que o valor generosidade apareceu em 100% dos protocolos de

respostas. Dentre os 28 protocolos analisados, em 27 a generosidade surgiu como um

valor central (sub-modelo 1.1) e em apenas 01 modelo, como valor periférico (sub-

modelo 1.2).

Diante disso, podemos compreender que, no sub-modelo 1.1, as crianças

declararam que não agiriam de maneira egoísta, assim o valor generosidade foi

construído, já que não concordaram com a atitude dos protagonistas dos recortes

analisados.

Isso significa que em 96,4% das cenas recortadas do filme ‘Deu a louca na

Cinderela”, que continham conflitos de cunho moral, os participantes demonstraram

uma maior carga afetiva vinculada ao valor generosidade, centralizando-a em seu

sistema de valores.

No sub-modelo 1.2, fica evidente que em 3,6% dos protocolos analisados, a

carga afetiva destinada ao valor generosidade não foi tão intensa a ponto de centralizá-

la no sistema de valores das crianças.

Todavia, este valor aparece, mas de maneira periférica, já que alguns alunos

demonstraram que, mesmo não concordando com a atitude egoísta de alguns

personagens, admitem que agiriam como a madrasta, impedindo Cinderela de ir ao

baile para não prejudicar suas filhas ao tentarem conquistar o príncipe.

Por outro lado, podemos perceber, no modelo 2, que o valor não-moral

egoísmo surgiu em 25% dos protocolos. No sub-modelo 2.1, ficou evidente que apenas

3,6% dos protocolos, o egoísmo apareceu como um valor central. Contudo, é válido

destacar que, mesmo o valor não-moral egoísmo tendo aparecido como central, a

generosidade esteve presente, nestes protocolos, como um valor periférico.

Estes sujeitos declararam que concordavam com a atitude egoísta dos

protagonistas, mas que não tratariam uma pessoa, como o personagem Rick foi tratado

pela Cinderela, apenas por não ser um príncipe e sim um rapaz que trabalhava na

cozinha.

Por outro lado, dentre os 25% dos protocolos na qual o egoísmo surgiu, em

21,4% ele apareceu como um valor periférico, por isso, foram classificados no sub-

modelo 2.2.

Page 66: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

66

Neste sub-modelo, os sujeitos admitiram que, mesmo não concordando com a

atitude dos personagens, o rapaz que trabalhava na cozinha não podia ser o herói da

história.

Os dados aqui apresentados podem ser melhores visualizados nos gráficos

abaixo:

Generosidade: Surgiu em 100% dos Protocolos Egoísmo: Surgiu em 25% dos Protocolos

3,60%3,60%

21,40%

96,40%

0,00%

20,00%

40,00%

60,00%

80,00%

100,00%

120,00%

Generosidade Egoísmo

Central

Periférico

Gráfico 4 – Posição dos valores no filme “Deu a louca na Cinderela”

Diante da tabela e do gráfico apresentados fica evidente que o valor moral

generosidade predominou durante a análise das situações de conflito apresentadas.

Abaixo, apresentamos uma tabela que especifica os sentimentos resultantes

de cada modelo e sub-modelo que foram organizados a partir do pensamento do

sujeitos analisados:

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67

Tabela 5 – Disposição afetiva em relação aos valores no filme “Deu a louca na

Cinderela”

Modelos Sub-Modelos Sentimentos Negação da Atitude Afirmação da

Atitude 1 1.1 Tristeza, culpa, ------------

1.2 Tristeza, culpa Bem estar, 2 2.1 ----------- Bem estar,

normalidade 2.2 Tristeza Bem estar,

normalidade

Os sentimentos morais e não morais são os mesmos que já surgiu na análise

dos protocolos do filme anterior. Como podemos visualizar, na tabela acima, tanto os

sentimentos morais como os sentimentos não-morais surgiram. Os sentimentos morais

negam a atitude dos protagonistas das situações de conflito e os sentimentos não-

morais afirmam a atitude egoísta destes personagens.

Notamos que no sub-modelo 1.1 e 1.2, os sentimentos morais que surgiram,

com exceção da verrgonha, foram os mesmos: culpa e tristeza. Disso, podemos

abstrair que a grande maioria das crianças que aplicaram estes modelos, construiu – a

partir do conto de fadas na versão fílmica ‘Deu a louca na Cinderela – a generosidade,

contudo, vale destacar que, no sub-modelo 1.2, algumas crianças demonstraram sentir

bem-estar em relação as atitudes dos protagonistas, logo, além da construção do valor

generosidade, houve também a construção do valor egoísmo e, como já enfatizamos,

isso é preocupante, pois o valor egoísmo centralizado no sistema de valores destes

sujeitos poderá influenciar negativamente na construção de sua identidade.

Já no modelo 2, os sentimentos não-morais expressos nos protocolos foram

bem-estar e normalidade. No sub-modelo 2.1, eles foram predominantes nos

protocolos, daí a construção do egoísmo como valor central. Já no modelo 2.2, eles

também receberam uma carga afetiva maior, porém houve a presença – periférica –

do sentimento moral tristeza.

Por isso, o egoísmo foi construído como central no sistema de valores e a

generosidade surgiu também, nestes mesmos protocolos, como valor periférico.

Page 68: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

68

4.3 Branca de Neve

4.3.1 Versão Tradicional X Versão Contemporânea

A versão européia mais antiga de Branca de Neve é do ano de 1634. Na

história original da Branca de Neve, a "madrasta malvada" (que em algumas versões

não é madrasta e sim sua mãe original) não cai de um penhasco como é mostrado no

final do filme da Disney (1937). Ela na verdade é forçada a vestir sapatos de ferro em

brasa e dançar até cair morta.

Na história original, invés de dar um "beijo de amor", o principie carrega o corpo

da Branca de Neve para seu palácio, para que assim ela estivesse sempre com ele.

Depois de algum tempo, um de seus servos, cansado de ter que carregar um caixão de

um lado pro outro, resolve surrar o corpo da menina. Um dos golpes desferidos no

estômago faz com que ela vomite a maçã envenenada e assim volte à vida (COLEMAN,

2006, p. 73-88).

Mas, a Branca de Neve, tal como a conhecemos aparece na compilação

folclórica dos irmãos Grimm que contam que uma linda princesa chamada Branca de

Neve, cuja beleza desabrochava dia a dia, causava inveja em sua madrasta, a rainha.

Todos os dias, a rainha perguntava ao seu Espelho Mágico quem era a mulher mais

bela do reino. Enquanto o espelho respondia que sua beleza reinava suprema, tudo

corria bem.

Até o dia, contudo, que o espelho respondeu à habitual pergunta com uma

revelação: "Branca de Neve é a mais bela do reino". Imediatamente, a rainha trama

para que Branca de Neve seja assassinada por um caçador servil, em pleno coração da

floresta.

Porém, sem coragem para levar a cabo a execução da jovem princesa, o

caçador recomenda que ela fuja e esconda-se nas profundezas da floresta para nunca

mais voltar.

Branca de Neve encontra a cabana dos sete anões, que passam os dias fora

de casa, trabalhando. Presumindo que o local fosse habitado por crianças, uma vez que

tudo em seu interior era tão pequeno, ela limpa e põe toda a casa em ordem, prepara o

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69

jantar e, então, cai no sono. Quando os sete anões retornam do trabalho, encontram

Branca de Neve.

Enquanto isso, no castelo, a malvada rainha não tardou, por meio de seu

espelho mágico, a saber que a linda princesinha permanecia viva e continuava a ser a

mulher mais bela do reino. Disfarçando-se como uma pobre velhinha, envenena uma

maçã suculenta e, no dia seguinte, quando os anões estão longe de casa, visita Branca

de Neve na casinha da floresta e lhe oferece a fruta envenenada. Ao morder a maçã, a

jovem cai ao chão, desfalecida, como se estivesse morta.

Não demorou muito para que um príncipe passasse por ali e ficasse fascinado

por sua beleza inerte. Tanto pediu aos anões para que ela pudesse repousar em seu

palácio que, enfim, eles permitiram. Ao ser transportada, um tropeço dos lacaios

balançou o caixão e, com o solavanco, soltou-se da garganta de Branca de Neve o

pedaço de maçã envenenado que mantinha o sono enfeitiçado. Ao despertar da

amada, o príncipe declara o seu amor e é aceito pela moça. Enquanto que, na versão

da Disney, Branca de Neve é despertada por um beijo de amor.

De acordo com Steyer (2010, p. 1-5), em “Deu a Louca na Branca de Neve”, a

grande diferença é que as meninas e donzelas das histórias infantis são apresentadas

como as adolescentes de hoje: só pensam em festas, roupas, maquiagem e rapazes,

usam celulares e almejam uma vida típica de nossa sociedade de consumo,

extremamente materialista e repleta de modismos e elementos fugidios e passageiros.

Assim, Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho e Cachinhos Dourados, “as

garotas mais populares nas terras dos contos de fadas”, furam a fila nas entradas das

festas, onde têm direito à sala vip e outras regalias, e torcem o nariz para a presença

de camponeses (a “ralé”) nas mesmas (STEYER, 2010).

O problema é que o “príncipe” de Branca de Neve é justamente alguém

originário da tal “ralé”. Sir Peter é um camponês que acaba ajudando Branca de Neve a

acabar com as pretensões de Lady Vaidosa, a mulher horrorosa que desde menina

desejava se tornar rainha (STEYER, 2010).

O pai de Branca de Neve, o rei, cansado das peraltices adolescentes da filha

(“Criar uma filha é mais complicado do que cuidar do reino”, diz ele), vai à agência de

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70

encontros da fada madrinha em busca de uma nova rainha. Com a ajuda de seu

assessor (o Senhor Grimm), ele deve escolher entre várias candidatas.

Entre elas, a Bela Adormecida, que dorme na entrevista com a fada e é

rejeitada. A escolhida acaba sendo Lady Vaidosa, que trama juntamente com o espelho

mágico e o duende Rumpelstiltskin, para ficar parecida com a antiga rainha.

O duende, no famoso episódio da maçã envenenada, fala com Branca de Neve

como se ela fosse o lobo mau (“que olhos grandes você tem, que cabelos enormes,

etc.) para desespero da vilã da história. Depois de comer a maçã, Branca de Neve

passa a falar mal de todas as suas amigas, que ficam furiosas com ela. Mais tarde, com

a ajuda de Peter, ela encontra os 7 anões, que a fazem se tornar uma pessoa boa,

como sua mãe (STEYER, 2010).

Se antes ela só pensava em si e nas suas festas, deixando as obras sociais do

reino de lado, agora ela não só conserta o nariz de Pinóquio e reconstrói as casas dos

três porquinhos como também funda o Centro de Ajuda da Branca de Neve. No final,

Branca de Neve acaba com Rick, um plebeu.

4.3.2 Apresentação dos Modelos Organizadores de Pensamento relativos ao filme

“Deu a louca na Branca de Neve”

Os recortes deste filme foram apresentados para 29 alunos do 6º ano A do

Ensino Fundamental – ciclo II. Abaixo consta um quadro que especifica os modelos e

os sub-modelos organizadores de pensamento resultantes do recorte de cenas deste

filme que continham conflitos morais:

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71

Quadro 3 – Deu a louca na Branca de Neve

Ano: 2009 Diretor: Steven E. Gordon, Boyd Kirkland País de Origem: Estados Unidos

Sinopse: Branca de Neve é uma adolescente que prefere se divertir com os amigos a ajudar os camponeses. Quando seu pai se apaixona por Lady Vain, uma bruxa que deseja controlar o reino, a jovem logo se torna uma ameaça em potencial. Lady Vain passa a espalhar boatos sobre Branca de Neve na cidade, o que a obriga a fugir. No caminho ela recebe a ajuda dos sete anões, com quem auxilia a reconstruir a casa dos três porquinhos. Após se recuperar, ela decide retornar à cidade para, com a ajuda de seus amigos Mambo e Munk, desbancar Lady Vain.

Transcrição dos Recortes Recorte 1

Voz: Aniversário repleto de celebridades, inauguração real, festa real, desfile de celebridades, moda. (celular) Branca de Neve: Alô. Amigas: Oii! Branca de Neve: Oi, meninas! Amigas: Tá pronta? Branca de Neve: Sabem que sim. Pai: Branca de Neve? Branca de Neve: Ah, o meu pai chegou tenho que desligar. Amigas: Até mais. Pai: Branca, querida, está pronta para ir? Branca de Neve: Oi, papai, gostou? É a ultima moda! Pai: Bem, eu... Branca de Neve: Não gostou... Pai: Não! É bonito, eu só não tenho certeza se é isso que uma jovem princesa veste. Agora, sua mãe, ela sempre se vestia como uma rainha. Branca de Neve: Pai os tempos mudaram, e a moda também, e eu tenho que acompanhar.

Questionamentos

1. Você acha que Branca de Neve se sentiu egoísta em não aceitar a opinião do pai em relação a sua vestimenta? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Branca de Neve e recusasse uma sugestão de vestimenta de seu pai? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

3. Se você estivesse no lugar de Branca de Neve, falaria o que ela falou ao seu pai, caso ele te sugerisse uma vestimenta? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

Recorte 2

Pai: Pelo seu vestido, acho que você esqueceu que vamos visitar o orfanato dos dez indiozinhos hoje. Branca de Neve: Hoje é a inauguração da casa da mamãe Ganso, estão me esperando lá. Pai: Bem, não seria legal se você deixasse o orfanato de lado. Branca de Neve: É... eu sei. Pai: Branca, você participou de inaugurações todas as noites, nesta estação. Branca de Neve: E dai? Pai: E daí, Branca, que ser uma princesa é mais do que tapetes vermelhos e fotos, minha querida. Branca de Neve: Uhm... Pai: Querida, as crianças sempre adoravam quando sua mãe ia visitá-las. Branca de Neve: Mas elas cutucam o nariz e isso é nojento. Pai: Sua mãe nunca se importou. Branca de Neve: Você não entende nada! Amigas: Branca de Neve! Oi!

Page 72: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

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Branca de Neve: Oi! Amiga: E ai, fofinha, ta pronta pra ver o combate, amiga? Pai: Ahm... Pode ir, podemos visitar as crianças outra hora. Branca de Neve: AAAH! Obrigada papai!

Questionamentos

1. Você acha que Branca de Neve se sentiu egoísta em deixar de ir visitar o orfanato para ir na inauguração de uma casa de “show”, mesmo diante dos argumentos de seu pai? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Branca de Neve e deixasse de ir a inauguração de um orfanato para ir na inauguração de uma casa de “show”? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

3. Se você estivesse no lugar de Branca de Neve, deixaria de ir na inauguração de um orfanato para ir a inauguração de uma casa de “show”? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

Recorte 3 Pai: Branca de Neve! Você voltou! Lady Vain: Agora não é a melhor hora para reencontros, querido! Branca de Neve: Pai, se realmente ama a Lady Vaidosa, então case com ela, não tentarei impedir, mas se estiver fazendo isso por minha causa, eu, eu, eu... mudei, achei meu caminho. Lady Vain: Por que vai estragar meu casamento? Ela não mudou nada, quer dizer, o que ela já fez por alguém? Pinócchio: Ela arrumou meu nariz. Ovo: E ela consertou minha casca depois que eu cai do muro. Três porquinhos: Ela reconstruiu nossa casa. Mulher: Me ajudou a ficar mais bonita do que jamais fui. Menina: E ela cantou pra mim quando eu estava triste. Menino: E colocou a gente na cama. Chapeuzinho Vermelho: Ual! A garota realmente mudou! Duende: Ela fez todas as coisas que uma rainha deveria fazer. Branca de Neve: Só faltou uma coisa... Eu quero me desculpar com cada um que eu magoei, especialmente o senhor papai, tudo que eu amava na mamãe, eu espero que possa amar em mim. Pai: Eu só quero a minha filha de volta.

Questionamentos

1. Você acha que Branca de Neve se sentiu generosa ao ajudar as pessoas? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Branca de Neve? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

3. Se você estivesse no lugar de Branca de Neve, ajudaria as pessoas que necessitam? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

Após a aplicação destes questionamentos a partir das situações de conflito

moral descritas no quadro acima, organizamos os pensamentos das crianças em 2

modelos e 4 sub-modelos:

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73

Tabela 6 – Configuração dos modelos organizadores de pensamento e sub-modelos

referente ao filme “Deu a louca na Branca de Neve”

Modelo 1 Generosidade

Modelo 2 Egoísmo

28 13 Sub-Modelo 1.1

Generosidade como central Sub-Modelo 2.1

Egoísmo como central 24 05

Sub-Modelo 1.2 Generosidade como periférico

Sub-Modelo 2.2 Egoísmo como periférico

04 08

Percebemos que, assim como no filme “Deu a louca na Cinderela”, este

também construiu, prioritariamente, o valor generosidade, conforme podemos observar

na tabela acima, porém, podemos notar que o valor não-moral egoísmo compareceu

muitas vezes nos protocolos de respostas.

Desse modo, no filme “Deu a louca na Branca de Neve” o valor generosidade é

mais freqüente nos protocolos de respostas do que o egoísmo. Isto nos leva a crer que

o filme em questão também constrói mais o valor moral que o valor não-moral

analisados nesta pesquisa.

Dos 29 protocolos, a generosidade esteve presente em 28, ora como valor

central e ora como valor periférico, o que equivale a 96,5%. Dentre este percentual, o

valor generosidade apareceu 85,7% como central e 14,3% como periférico.

Em relação a centralidade da generosidade no sistema de valores das crianças

pesquisadas, podemos concluir que a grande maioria das crianças priorizaria a ajuda

ao próximo.

Em relação aos 14,3% da presença da generosidade como valor periférico,

podemos declarar que o que ocorreu foi que, algumas crianças afirmaram que não

escutariam a opinião dos pais em relação ao uso da vestimenta e que seguiriam a

moda e as suas próprias vontades, porém, declararam que, dependendo da ocasião,

se preocupariam sim com o próximo e procurariam ajudar no que pudessem.

Page 74: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

74

Já o valor egoísmo surgiu 13 vezes nos protocolos, o que equivale a 44,8%.

Destas 13 vezes, o egoísmo surgiu 38,5% como valor central e 61,5% como valor

periférico.

Os sujeitos desta pesquisa, que tiveram o egoísmo como um valor central,

declararam que jamais obedeceriam seus pais e seguiriam sim as suas próprias

vontades. Afirmaram também que não deixariam de ir a uma festa para ir a

inauguração de um orfanato e que não se preocupariam muito em ajudar o próximo.

Já, os 61,5% que tiveram o egoísmo na periferia de seu sistema de valores,

afirmaram que ajudariam o próximo, que seriam generosos, mas que não deixariam de

ir a uma festa para ir a inauguração de um orfanato.

Esses dados podem ser mais bem visualizados nos gráficos abaixo:

Deu a louca na Branca de Neve

96,5

44,8

0 20 40 60 80 100 120

Egoísmo

Generosidade

Gráfico 5 – Presença dos valores nos protocolos de respostas do filme “Deu a louca na Branca de Neve”

Page 75: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

75

Generosidade: Surgiu em 96,5% dos Protocolos Egoísmo: Surgiu em 44,8% dos Protocolos

38,50%

14,30%

61,50%

85,70%

0,00%

20,00%

40,00%

60,00%

80,00%

100,00%

Generosidade Egoísmo

Central

Periférico

Gráfico 6 – Posição dos valores no filme “Deu a louca na Branca de Neve”

Isso significa que, embora a construção do valor egoísmo, no caso deste filme

especificamente, é algo preocupante, visto que, embora a construção do valor

generosidade tenha predominado, o valor não-moral surgiu em muitos protocolos.

Abaixo, apresentamos uma tabela que especifica os sentimentos resultantes

de cada modelo e sub-modelo que foram organizados a partir do pensamento do

sujeitos analisados:

Tabela 7– Disposição afetiva em relação aos valores expressos no filme “Deu a louca

na Branca de Neve”

Modelos Sub-Modelos Sentimentos Negação da Atitude Afirmação da

Atitude 1 1.1 Remorso, culpa,

tristeza ---------

1.2 Remorso, tristeza, Bem estar, normalidade, orgulho,

alegria, 2 2.1 ------------ Orgulho, felicidade.

2.2 Mágoa Normalidade

Page 76: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

76

Quanto ao modelo 1, percebemos que os sujeitos que usaram este modelo

demonstraram os sentimentos de remorso, culpa, tristeza, em relação as atitudes dos

protagonistas frente aos conflitos analisados. A partir destes sentimentos, eles

construíram o valor generosidade, já que não se sentiram negam a atitude dos

protagonistas nas situações de conflito moral apresentadas.

Até mesmo os sujeitos que utilizaram o sub-modelo 1.2, mesmo sentindo bem

estar, orgulho, alegria ou normais deixaram transparecer a tristeza e o remorso em

seus protocolos de respostas.

Quanto ao modelo 2 e seus sub-modelos, verificamos que os sentimentos

expressos pelos sujeitos são, em sua maioria, sentimentos de orgulho, de felicidade e

de normalidade frente as atitudes egoístas dos protagonistas das situações de conflito

moral e que a mágoa surge também em alguns protocolos o que deixa a generosidade

na periferia do sistema de valores destes protocolos de respostas analisados.

4.4 Rapunzel

4.4.1 Versão Tradicional X Versão Contemporânea

Segundo Coleman (2006, p. 95-106) Rapunzel é um conto de fadas Alemão

dos Irmãos Grimm publicado pela primeira vez em 1812 e compliado no livro Contos

para a infância e para o lar. A história dos Irmãos Grimm é uma adaptação do conto de

fadas Persinette escrito por Charlotte-Rose de Caumont de La Force e foi publicado

originalmente em 1698.

Rapunzel é criada numa imensa torre, prisioneira do mundo, por uma bruxa

malvada. O cabelo da menina nunca é cortado e é conservado como uma gigantesca

trança. Um dia, um príncipe passando pelo local, ouve Rapunzel cantando, e decide

salvá-la das garras da bruxa. Ao enfrentar a vilã, é castigado com uma cegueira total.

Mas, no final da história, sua visão é recuperada pelas lágrimas da amada, e o casal se

casa e conseguem o esperado final feliz (COLEMAN, 2006).

Page 77: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

77

Na versão dos irmãos Grimm, a mãe de Rapunzel, quando grávida, sentiu o

desejo de comer raponços e convence seu marido a entrar num jardim de uma perigosa

feiticeira e roubá-los. A feiticeira apanha-o roubando. O marido explica a situação e, em

vez de punição, oferece a feiticeira o bebê Rapunzel logo que nascer para o pagamento

da transgressão. Assim que nasceu, a menina foi recolhida por essa estranha

madrasta, que a batizou de Rapunzel. Tão grande era o apego da bruxa a Rapunzel

que, quando esta atingiu a idade de 12 anos, se tornando uma bela jovem, foi colocada

numa torre sem portas, para que ninguém a visse. O único acesso aos aposentos de

Rapunzel era por meio de suas próprias tranças. Um dia, um príncipe errante ouve

Rapunzel cantando dentro de sua torre. Ele se esgueira para cima e vê a feiticeira

chamando para subir a torre. Após a feiticeira sair, ele aproxima-se da torre, diz a fala

da feiticeira e sobe pelos cabelos de Rapunzel (COLEMAN, 2006).

Assim começa um romance e, em uma das visitas da bruxa, Rapunzel

pergunta porque o vestido está ficando apertado na cintura. No momento de raiva, a

feiticeira corta o cabelo de Rapunzel e expulsa-a para um deserto nas proximidades. A

feiticeira aguarda na torre o príncipe retornar. Quando o príncipe vem e sobe pelo

cabelo, fica frente a frente com a feiticeira que o empurra e ele cai nos espinhos que o

cegaram. Dessa maneira, condenou-o a nunca mais ver a amada. Ele vagou por anos

pela floresta, enquanto no deserto Rapunzel deu à luz a um casal de gêmeos. Um dia o

príncipe ouve Rapunzel cantando, assim como quando ele encontrou sua torre. Eles se

reúnem, e as lágrimas de Rapunzel de alegria molham os olhos do príncipe, curando

sua cegueira. O príncipe leva Rapunzel de volta ao seu reino (COLEMAN, 2006).

Enrolados, versão contemporânea de Rapunzel, dirigido por Byron Howard e

Nathan Greno e roteiro de Dan Fogelman, foi lançado em 2010 pela Walt Disney

Studios Motion Pictures.

Há algumas diferenças em relação a nova versão da Disney e o conto dos

irmãos Grimm. No original, como vimos, Rapunzel é filha de um casal humilde e é

entregue pelo pai a uma bruxa má, que a cria presa numa torre. Certo dia, um príncipe

a escuta cantando e decide salvá-la.

Na adaptação da Disney, segundo Silveira (2011) Rapunzel é uma princesa

que foi sequestrada pela bruxa má quando bebê. O crime acontece porque a bruxa

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78

descobre que seus cabelos têm o poder de curar as pessoas e por isso eles nunca são

cortados. Flynn Rider, o bandido mais procurado do reino vive fugindo

desesperadamente dos guardas, em especial de Maximus, cavalo do capitão da guarda

e responsável por segui-lo onde os outros não conseguem chegar. Um dia o bandido

decide esconder-se em uma misteriosa torre, no meio da floresta. Lá ele acaba refém

de Rapunzel, uma bela e mal-humorada adolescente com mais de 21 metros de

cabelos dourados mágicos. Ela foi levada à torre quando ainda era um bebê, pelas

mãos da ardilosa Mamãe Gothel (que a raptou). Rapunzel, que está buscando um meio

de sair da torre onde sempre viveu trancada, faz um acordo com o belo ladrão e a dupla

improvável parte em uma fuga repleta de ação.

Além da ajuda de Maximus, eles podem contar com Pascal, um camaleão

protetor que costumava ser o único amigo de Rapunzel e um bando de criminosos

beberrões. Flynn Rider é, então, um ladrão em busca da última e grande jogada que

permitirá que ele finalmente viva como sempre sonhou. Ele confia muito em sua

perspicácia, em seu charme e em sua boa aparência para se livrar das situações mais

complicadas. Já Rapunzel - apesar de ter passado a vida toda trancada dentro de uma

torre – não é uma donzela em apuros. A garota anda farta de sua vida superprotegida e

está pronta para viver aventuras. Ela é extremamente passional, criativa e às vezes

mal-humorada. Mamãe Gothel pode ser controladora, manipuladora e superprotetora,

mas é a única mãe que Rapunzel conheceu. Gothel mantém a garota trancada para

que só ela possa ter acesso aos seus cabelos mágicos (SILVEIRA, 2011).

Silveira (2011, p. 1-6) aponta que a Rapunzel de “Tangled” é uma garota que

primeiro é dominada por sua figura materna, e depois só consegue deixar a torre com

uma proteção masculina. É claro que ela mostra habilidade em usar a frigideira como

arma – mas, diriam, é uma arma roubada da cozinha, e utilizada com fins cômicos.

Rapunzel também consegue resolver uma situação complicada na Taverna Patinho

Fofo, mas só consegue isso… sendo delicada. Na maior parte do filme, Rapunzel é tão

ingênua quanto Gothel a descreve.

Silveira (2011, 1-6) ainda declara:

A emancipação de Rapunzel, no final, é ilustrada de forma sugestiva: somente quando troca os longos cabelos louros por curtos cabelos castanhos, ela se liberta de Gothel e pode finalmente crescer. Os cabelos curtos no início do

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século 20 simbolizavam a mulher mais independente, urbana. Mesmo hoje, cabelos curtos são usados para representar crescimento ou transformação – até mesmo rebeldia, dependendo do grau de conservadorismo –, enquanto os fios longos e soltos são favoritos em penteados românticos. É inevitável que a percepção de Rapunzel com o novo estilo carregue esse mesmo sentimento.

Como Gothel descobriu em seu primeiro contato com Rapunzel (ainda bebê), e

como contou Rapunzel a Flynn, seus cabelos perdem os poderes quando são cortados.

Cabelos curtos e escurecidos, como já foi mencionado, representam o amadurecimento

da mulher – eliminando sua função rejuvenescedora (SILVEIRA, 2011).

Se o corte de cabelo tem essa função emancipadora na história de “Tangled”,

como interpretar o fato de que o corte foi feito por Flynn, e não pela própria Rapunzel?

Resumindo a cena ao corte, poderíamos encontrar mais uma princesa indefesa

e dependente. Mas a cena é mais longa que isso. Rapunzel descobriu a verdade sobre

sua origem, se rebelou contra Gothel e foi acorrentada pela madrasta. Mas ela promete

ser obediente se puder salvar a vida de Flynn, ferido gravemente por Gothel, usando

seus cabelos mágicos e a canção. Gothel aceita a oferta, mas Flynn recusa a ajuda de

Rapunzel – pois ela custará a liberdade da garota. Para evitar que a mágica aconteça,

ele corta os cabelos de Rapunzel, quebrando o encanto e desfazendo o

rejuvenescimento de Gothel, que vira pó. Assim, temos Rapunzel sacrificando-se por

Flynn e Flynn sacrificando-se por Rapunzel. A cena marca o amadurecimento dos dois

personagens, mesmo antes que Rapunzel refletisse esse crescimento em seus cabelos

(SILVEIRA, 2011).

4.4.2 Apresentação dos Modelos Organizadores de Pensamento relativos ao filme

“Enrolados”

Os recortes deste filme foram apresentados a 28 alunos do 6º ano D do Ensino

Fundamental – ciclo II da escola já mencionada nesta pesquisa e será apresentada

abaixo um quadro expõe detalhes sobre o filme, sobre as cenas recortadas e sobre os

questionamentos realizados as crianças:

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Quadro 4 – Enrolados

Ano: 2010 Diretor: Nathan Greno e Byron Howard

País de Origem: Estados Unidos

Sinopse: Flynn Ryder é o bandido mais procurado e sedutor do reino. Um dia, em plena fuga, ele se esconde em uma torre. Lá conhece Rapunzel, uma jovem prestes a completar 18 anos que tem um enorme cabelo dourado, de 21 metros de comprimento. Rapunzel deseja deixar seu confinamento na torre para ver as luzes que sempre surgem no dia de seu aniversário. Para tanto, faz um acordo com Flynn. Ele a ajuda a fugir e ela lhe devolve a valiosa tiara que tinha roubado. Só que a mamãe Gothel, que manteve Rapunzel na torre durante toda a sua vida, não quer que ela deixe o local de jeito nenhum.

Transcrição dos Recortes

Recorte 1

Flynn: A rainha estava esperando um bebê. Mas ela ficou doente, muito doente, ela corria risco de vida, e é ai que as pessoas esperam um milagre, bom, nesse caso, uma flor dourada mágica. Ah, eu falei que ela era importante. Em vez de dividir o presente dado pelo sol, esta mulher, a mamãe Gotan, escondeu o poder de cura da flor, e usou para mantê-la jovem por centenas de anos! E ela só precisava, cantar uma canção especial... Gothel: ♫ Brilha linda flor, teu poder venceu, traz de volta já, o que uma vez, foi meu, uma vez, foi meu... ♪

Questionamentos

1. Você acha que Gothel se sentiu egoísta ao esconder a flor somente para si, sabendo que ela poderia ajudar a muitas outras pessoas? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Gothel, escondendo uma flor mágica para seu próprio uso? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

3. Se você estivesse no lugar de Gothel e encontrasse uma flor mágica e soubesse que ela poderia te dar a imortalidade, faria o mesmo que ela? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

Recorte 2

Rapunzel: Hoje, o dia vai ser ótimo, Pascal! Eu finalmente vou falar, falar com ela! Gothel: Rapunzel! Rapunzel: Ah! Gothel:Joga os seus cabelos. Rapunzel: É agora! Tem razão, tem razão, vai, não deixa ela te ver. Gothel: Rapunzel? Eu já estou velha te tanto esperar. Rapunzel: Tô indo, mamãe! [...] Oi, bem vinda ao lar, mamãe. Gothel: Ah! Rapunzel, como é que você consegue fazer isso todo o dia sem falta? Parece absolutamente exaustiva querida. Rapunzel: Ah, não é nada. Gothel: Então não sei porque demora tanto. (risos) Ou, querida, brincadeirinha. Rapunzel: Ta bem, então, mamãe, como a senhora sabe, amanha é um dia muito especial... Gothel:Rapunzel, olha no espelho, sabe que eu vejo ai? Vejo uma jovem forte, segura e de uma beleza extraordinária! Olhe, você esta comigo! (risos) Brincadeirinha, não leve tudo com tanta seriedade. Rapunzel: Ta bem, então, mamãe, como eu dizia, amanha é... Gothel:Rapunzel, a mamãe esta sentindo um grande cansaço, você canta pra mim, querida?

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Falamos depois. Rapunzel: Claro! É pra já, mamãe.[...] ♫ Brilha linda flor, teu poder venceu, traz de volta já, o que uma vez, foi meu, cura o que se feriu, salve o que perdeu, traz de volta já, o que já mais foi meu... ♪ Gothel: Espera! Espera! Espera! Rapunzel! Rapunzel: Mamãe, eu tava dizendo que amanha é um dia especial, e você não disse nada, por isso eu vou te falar, é meu aniversário! TARAN! Gothel:Não, não, não, não pode ser, eu me lembro muito bem, foi ano passado, querida. Rapunzel: Essa é a graça dos aniversários, né? São um evento anual... Mamãe, eu vou fazer dezoito agora, e eu queria perguntar... Nesse aniversario, o que eu queria, alias, o que eu queria há vários anos... Gothel:Por favor, Rapunzel, pare, pare de tagarelar, você sabe que eu não gosto quando tagarela, blablablabla, é muito irritante, brincadeirinha, você é maravilhosa, eu te amo tanto querida, ai...

Questionamentos

1. Você acha que Gothel se sentiu egoísta ao não se importar com o aniversário de Rapunzel? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Gothel, ou seja, sendo indiferente ao pedido de Rapunzel? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

3. Como você agiria se estivesse no lugar de Gothel? Continuaria escondendo Rapunzel e negaria um presente de aniversário para esconder o poder que te dá imortalidade? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

Recorte 3

Rapunzel: Eu não acredito no que eu fiz! Eu não acredito no que eu fiz... Eu não acredito no que eu fiz! Mamãe vai ficar furiosa... Mas o que os olhos não vêem, o coração, não sente, né? Puxa, e agora, ela vai sentir sim... Isso é tão legal! Eu sou uma péssima filha, eu vou voltar... Eu não vou voltar nunca mais! Eu sou um ser humano horrível... UHUL! O melhor, dia, da minha vida!

Questionamentos

1. Você acha que Rapunzel se sentiu egoísta ao mentir e enganar a mãe para satisfazer suas vontades próprias? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Rapuzel, enganando e mentindo para sua mãe para satisfazer um desejo pessoal? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

3. Se você estivesse no lugar de Rapunzel e tivesse um sonho e sua mãe não aceitasse, mentiria e enganaria sua mãe para satisfazer suas vontades? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

Recorte 4

Flynn: Olha só, não dá pra deixar de notar, que você esta vivendo um conflito interno. Rapunzel: O que? Flynn: Eu só tô pegando uns pedaços da historia, claro, mãe super protetora que te proíbe de viajar, pois é, isso é coisa séria! Mas, deixa eu aliviar a sua consciência, crescer tem essa etapa, um pouco de rebeldia, um pouco de aventura, isso é bom, é até saudável! Rapunzel: Você acha? Flynn: É isso, se ta pensando demais, vai por mim, a sua mãe merece? Não, vai magoar e arrasar o coração dela? É claro!

Questionamentos

1. Você acha que Flynn se sentiu egoísta ao aconselhar Rapunzel a mentir e enganar a mãe para satisfazer suas vontades próprias? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

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2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Flynn, aconselhando Rapunzel a enganar e mentir para sua mãe? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

3. Se você estivesse no lugar de Flynn, aconselharia Rapunzel a mentir e enganar sua mãe para realizar um sonho? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

Recorte 5 Gotan: Agora já chega! Pare de lutar assim! Rapunzel: Não! Não vou parar! A cada minuto do resto da minha vida, eu vou lutar! Eu nunca vou desistir de tentar fugir de você. Mas, eu vou com você sem reclamar, se me deixar salvá-lo. Flynn: Não! Não, Rapunzel! Rapunzel: Eu nunca vou fugir, nunca vou tentar escapar, só me deixe curá-lo de uma vez, e vamos ficar juntas, pra sempre! Como você quer, tudo vai voltar a ser como antes. É uma promessa. Como você quiser... É só você deixar curar.

Questionamentos

1. Você acha que Rapunzel foi generosa ao preferir se prejudicar e salvar Flynn? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Rapunzel, ou se prejudicando para ajudar alguém?Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

3. Você faria o que Rapunzel fez, ou seja, se prejudicaria para ajudar alguém? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

Recorte 6 Gotan: Caso você tenha a idéia de ir atrás da gente. Rapunzel: José! Oh me desculpe, tudo vai ficar bem agora. Flynn: Não, Rapunzel! Rapunzel: Eu prometo, você tem que confiar em mim, vamos, é só respirar. Flynn: Não posso aceitar. Rapunzel: E eu não posso deixar você morrer. Flynn: Mas, se fizer isso, você vai morrer... Rapunzel: Escuta, vai ficar tudo bem... Flynn: Rapunzel espera... Rapunzel: José, o que! Gotan: Não! Não, não! O que é que você fez!? O que você fez!

Questionamentos

1. Você acha que Flynn foi generoso ao preferir morrer para salvar Rapunzel? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Flynn, ou seja, preferindo morrer para salvar Rapunzel? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

3. Você morreria para salvar alguém? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

Antes de apresentarmos os modelos organizados a partir do pensamento

destas crianças sobre as cenas que continham conflitos de cunho moral,

especificaremos, na tabela abaixo, os modelos e os sub-modelos organizados a partir

dos pensamentos resultantes da análise dos recortes de cenas do filme em questão

que continham conflitos morais:

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Tabela 8 – Configuração dos modelos organizadores de pensamento e sub-modelos

referente ao filme “Enrolados”

Modelo 1 Generosidade

Modelo 2 Egoísmo

25 25 Sub-Modelo 1.1

Generosidade como central Sub-Modelo 2.1

Egoísmo como central 15 10

Sub-Modelo 1.2 Generosidade como periférico

Sub-Modelo 2.2 Egoísmo como periférico

10 15

O filme “Enrolados”, ao contrário dos outros aqui analisados, equilibra a

construção de valores morais e não-morais. Percebemos que a mesma quantidade de

vezes em que o valor moral generosidade apareceu nos protocolos de respostas é a

mesma quantidade do valor não-moral egoísmo.

Isso pode ser melhor visualizado nos gráficos abaixo:

Enrolados

89,20%

89,20%

0,00% 20,00% 40,00% 60,00% 80,00% 100,00%

Egoísmo

Generosidade

Gráfico 7 – Presença dos valores nos protocolos de respostas do filme “Enrolados”

Page 84: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

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Generosidade: Surgiu em 89,2% dos Protocolos Egoísmo: Surgiu em 89,2% dos Protocolos

40,00%40,00%

60,00%60,00%

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

70,00%

Generosidade Egoísmo

Central

Periférico

Gráfico 8 – Posição dos valores no filme “Enrolados”

Conforme indicado na tabela 8, dos 28 protocolos, a generosidade surgiu em

25 (modelo 1.0) e o egoísmo também em 25 (modelo 2.0), o que equivale a 89,2%,

tanto de um como do outro.

Em relação ao sub-modelo 1.1, percebemos que o valor generosidade

apareceu em 60% dos protocolos como um valor central e quanto ao sub-modelo 1.2, o

mesmo valor surgiu em 40% deles como um valor periférico.

O mesmo ocorreu como o valor egoísmo, contudo, na ordem inversa: surgiu

em 40% dos protocolos como um valor central (sub-modelo 2.1) e em 60% deles como

um valor periférico (sub-modelo 2.2).

Desse modo, podemos concluir no sub-modelo 1.1, as crianças pesquisadas

priorizaram o saber dividir, o não mentir a mãe para realizar um desejo, o não

aconselhar ninguém a fazer coisas erradas para se favorecer e o se prejudicar para

ajudar alguém que ama muito. Já no sub-modelo 1.2, os sujeitos desta pesquisa

demonstraram serem pessoas generosas, mas não o bastante para se prejudicar para

ajudar alguém.

Em relação ao egoísmo, percebemos a partir dos modelos organizados que a

crianças que apresentaram este valor como central (sub-modelo 2.1), declararam que

não dividiria algo que iria lhe favorecer, que mentiria sim para a mãe para realizar um

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desejo, que aconselharia alguém a fazer algo que na verdade fosse lhe favorecer e que

jamais se prejudicaria para ajudar alguém.

Quanto ao modelo 2.2, as crianças afirmaram que aceitaria dividir algo, que

não mentiria para a mãe para realizar um desejo, que não aconselharia alguém a fazer

algo que na verdade fosse lhe favorecer, mas que jamais se prejudicaria para ajudar

alguém. Desse modo, percebemos que embora a generosidade esteja centralizada no

sistema de valores, o egoísmo surge em sua periferia.

Os sentimentos resultantes de cada modelo e sub-modelo organizador de

pensamento podem ser verificados na tabela abaixo:

Tabela 9– Disposição afetiva em relação aos valores expressos no filme “Enrolados”

Modelos Sub-Modelos Sentimentos Negação da Atitude Afirmação da

Atitude 1 1.1 Mágoa, angústia,

sentir-se péssimo --------------

1.2 Sentir-se mal, tristeza Felicidade, bem estar,

2 2.1 ------------ Bem estar 2.2 Medo, culpa. Bem estar,

normalidade, felicidade.

Como os valores morais e não-morais são os mesmos analisados em todos os

filmes, os sentimentos expressos pelos sujeitos são também redundantes. Ou seja, não

há grande variação de sentimentos expressos em cada categoria ou sub-categoria.

Assim, os sujeitos que utilizaram o modelo 1 e seus sub-modelos

apresentaram, como nos outros analisados, os mesmos sentimentos em relação as

atitudes dos protagonistas, mesmo sendo contextos diferentes.

Os sentimentos morais presentes nos protocolos analisados são: angústia,

mágoa, tristeza, sentir-se mal e sentir-se péssimo. Ao passo que os sentimentos não-

morais são felicidade e bem estar.

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Quanto ao modelo 2 e seus sub-modelos, os sentimentos não-morais

expressos são felicidade, bem estar e normalidade e os sentimentos morais são medo

e culpa.

Percebemos, então, que houve um equilíbrio entre os sentimentos morais que

levaram a construção do valor moral generosidade e entre os sentimentos não-morais

que levaram a construção do valor não-moral egoísmo.

4.5 Shrek

4.5.1 O filme

O filme Shrek – baseado no livro Shrek, do escritor William Steig – foi

produzido em 2001 pelo Estúdio DreamWorks e dirigido por Andrew Adamson e Vicky

Jenson.

A narrativa do filme gira em torno de um ogro que tem sua vida invadida por

uma série de personagens de contos de fadas, que acabam com a tranqüilidade do seu

lar. Para resolver o problema, ele faz um acordo com um príncipe, nada convencional,

para resgatar a princesa Fiona. Durante o resgate, o ogro e a princesa se apaixonam.

Ela se transforma definitivamente numa ogra e terminam o filme se casando

(AMERENO; CHACON, 2005, p. 78).

Neste filme, percebe-se uma inversão de valores nos personagens, pois os

marginalizados passam a buscar um espaço na sociedade, conforme destaca Melo

(2010, p. 4-5):

No filme Shrek, a sátira aos contos de fadas tradicionais incorpora personagens alegóricos como o ogro (príncipe), o burro (conselheiro do príncipe), o gato-de-botas (vilão), o dragão (monstro) e o anão (Lord), desempenhando papéis aparentemente sem compromisso com a realidade imediata, mas com funções trocadas, ou seja, esses tipos marginalizados encontram-se agora bem-posicionados na sociedade. Envoltos em ambiguidade, esses personagens saem das “margens” para serem inseridos em um grupo, o dos “excluídos” que têm voz, passagem que ocorre de maneira cômica, escondendo o que há de seriedade nessa luta por um espaço no “centro”. Também de modo risível descobre-se que o monstro mais temido dos contos de fada, representante da força de quem enclausura a princesa no castelo, tem o sexo invertido, embora em toda a tradição dos contos de fada

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tenha sido um macho, no Shrek trata-se de uma fêmea. E mais, que se apaixona pelo burro, entrando para o grupo do anti-herói. É preciso salientar que atreladas à sátira empreendida pelo Shrek encontram-se as ideias de alienação e de absurdo, associadas a diversão, no que diz respeito à nossa realidade social.

Shrek 2, lançado em 2004, pela mesma produtora e pelos mesmos diretores, é

uma continuação da história de amor entre os personagens principais. Nele, Shrek e

Fiona, ao voltarem da lua-de-mel, recebem um convite para jantar na casa dos pais da

noiva que, quando descobrem que a princesa se casou com um ogro, iniciam uma luta

para separá-los.

Já Shrek 3 foi lançado em 2007, pela mesma produtora, mas com Raman Hui e

Chris Miller na direção da animação. Neste filme, o rei Harrold morre e Shrek deve

assumir o trono do reino de Tão, Tão Distante. Contudo, como não quer abandonar seu

adorado pântano, decide encontrar um herdeiro apropriado. Para isso, recruta o Burro e

o Gato de Botas para encontrar o rebelde primo de Fiona, Artie. A grande novidade é

que o Burro é pai de três filhos (mistura de dragão com burro) e Fiona descobre que

também está grávida. Shrek, então, entra em crise por não se sentir preparado para ser

pai.

Segundo Amereno e Chacon (2005, p. 79):

O filme Shrek trata os contos de fadas com irreverência. No desenrolar de uma inocente e tradicional história de amor é que se estabelece o tratamento dos novos paradigmas pela utilização de personagens de histórias infantis que, por sua natureza, são carregados de signos que são contestados pelos filmes: o herói já não é mais o mesmo herói, a princesa já não é mais apenas um objeto de decoração, o fiel escudeiro do mocinho é um burro falante extremamente atrapalhado e o herói da história é feio, desengonçado e socialmente inadequado.

Shrek é um herói não-convencional que retrata a vida real. Segundo Amereno

e Chacon (2005, p. 88) “suas conquistas são por mérito próprio, não há nada de

fantástico na vida dele”, ou seja, ele não consegue nada por meio de encantamento. A

partir disso, podemos notar que a mensagem embutida é de que para se chegar aonde

se quer, nada lhe será dado.

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88

Um exemplo disso é o amor entre ele e Fiona que surge de uma relação real,

onde há a presença do companheirismo, afinidades, onde o amor floresce da

convivência e não por um feitiço ou por amor à primeira vista. Shrek e Fiona retratam,

portanto, os casais contemporâneos e transmitem a idéia de que a beleza não é

fundamental para se obter a completa felicidade.

Outras quebras de paradigmas que merecem destaques neste filme é o caráter

da fada madrinha – vaidosa, ambiciosa, fútil e má – e a transformação moral pelo que

passa o gato de botas, já que troca uma vida de crime pela lealdade ao seu amigo

Shrek.

4.5.2 Apresentação dos Modelos Organizadores de Pensamento relativos ao filme

“Shrek I, II e III”.

Os recortes deste filme foram apresentados a 26 alunos do 6º ano B do Ensino

Fundamental – ciclo II da escola já mencionada nesta pesquisa e será apresentado no

quadro abaixo:

Quadro 5 – Shrek I

Ano: 2001 Diretor: Andrew Adamson e Vicky Jenson País de Origem: Estados Unidos

Sinopse: Shrek é um ogro que vivia feliz e sozinho num pântano, em meio à floresta, em uma terra chamada Duloc. Repentinamente, ele vê sua solidão ameaçada quando o governante de Duloc, Lord Farquaad, decide expulsar todas as criaturas mágicas para floresta. Shrek fica muito irritado e oferece um acordo com Lord Farquaad: ele iria buscar a mulher dos sonhos de Lord Farquaad, a princesa Fiona, que vivia adormecida, aprisionada num castelo guardada por um dragão, e Farquaad tiraria todas as criaturas mágicas da floresta, devolvendo o sossego de seu pântano. Shrek parte em sua missão, acompanhado por um burro falante, que se une a ele por gratidão, pois Shrek teria salvo a sua vida. Os dois conseguem libertar a princesa mas, no caminho de volta a Duloc, quando os dois começam a se conhecer melhor, acabam por se apaixonarem um pelo outro, e Shrek tenta impedi-la de se casar com Lord Farquaad,e então ele é morto pelo Dragão. No final da disputa entre os dois, Shrek vence, se casa com a princesa.

Transcrição dos Recortes Shrek: Porque você esta me seguindo? Burro: Te digo porquê... Mas que solidão, ninguém aqui ao lado, achei a solução, não sou mais maltratado, mais quem tem um amigo... Shrek: Pare de cantar! Não me admira que não tenha amigo! Burro: Uau! Só um amigo de verdade seria tão honesto.

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Shrek: Escuta, ô burrinho, olha pra mim, o que que eu sou? Burro: Hum, bem alto. Shrek: Não! Sou um ogro, sabe, peguem suas tochas e rifles! Não te incomoda isso? Burro: Não mesmo. Shrek: Mesmo? Burro: Mesmo, mesmo. Cara, eu gosto de você, qual é o seu nome? Shrek: Shrek. Burro: Shrek? Sabe o que eu gosto de você, Shrek? Você tem aquele ar de, não tô nem ai pro que os outros pensam de mim, eu gosto disso, eu respeito isso, Shrek, você é legal! Ah, olha só, quem ia querer morar num lugar assim? Shrek: Essa é a minha casa! Burro: Ou, é uma graça, linda mesmo, sabe você é um decorador e tanto, é incrível o que você fez com um orçamento tão modesto, gostei da pedra, pedra muito bonita. Afaste-se, perigo, ogro, não gosta muito de diversão não é? Shrek: Eu gosto de ficar sozinho. Burro: Sabe eu também, mais uma coisa que temos em comum, tipo, odeio quando tem alguém no meu pé, a gente tenta dar uma dica pro cara mas ele não se manda, eai fica aquele silencio chato e... Posso ficar com você? Shrek: Ah, o quê? Burro: Posso ficar com você, por favor? Shrek: Ah, claro. Burro: Mesmo? Shrek: Não! Burro: Por favor, eu não quero voltar pra lá, é muito chato ser considerado anormal, bom, talvez saiba, mas é por isso que temos que ficar juntos, precisa me deixar ficar, por favor, por favor? Shrek: Ok! Mas, só por uma noite.

Questionamentos

1. Você acha que o Burro foi egoísta por querer ficar com o Shrek para se proteger, já que ele é forte e valente? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

2. Como você se sentiria se estivesse no lugar do Burro, ou seja, tentando se aproximar de Shrek para ficar protegido? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

3. Você se aproximaria de alguém só para tirar vantagens? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

Quadro 6 – Shrek II

Ano: 2004 Diretor: Andrew Adamson, Kelly Asbury e Conrad Vernon

País de Origem: Estados Unidos

Sinopse: Depois de enfrentar um dragão que cospe fogo e o terrível Lorde Farquaad para obter a mão da Princesa Fiona, Shrek agora enfrenta o seu maior desafio: os pais da noiva. Conhecer os pais dela era, provavelmente, a última coisa na mente de Shrek ao se casar com Fiona. Mas os trompetes reais sinalizam o fim da lua-de-mel quando os sogros de Shrek — o Rei e a Rainha — enviam um convite formal à Princesa Fiona para o baile real em comemoração do casamento com o seu “Príncipe Encantado”. Todos os cidadãos do Reino de Tão Tão Distante se reúnem para saudar o retorno da Princesa e seu novo Príncipe, sempre acompanhados do Burro; mas ninguém — muito menos os pais da noiva — estava preparado para a figura do novo príncipe e para a mudança de sua querida princesinha. Shrek e Fiona nem imaginam como seu casamento frustrou os planos que seu pai tinha para ela… e para si mesmo. Agora o rei tem que contar com a ajuda da poderosa e inescrupulosa Fada-Madrinha, do belo porém mau-caráter Príncipe Encantado e do famoso matador de ogros, o Gato de Botas, para realizar a sua versão de “felizes para sempre”.

Transcrição dos Recortes Harold: Ah, Fada Madrinha, Encantado...

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90

Fada Madrinha: Ah, é bom ter um bom motivo para nos trazer aqui, Harold. Harold: Bem, eu receio que Fiona não está muito empolgada com príncipe Encantado. Encantado: Para a sua informação, a culpa não é minha! Fada Madrinha: Não, não, é claro que não, amado. Encantado: Como é que eu posso ser encantado, quando tenho que fingir que sou um ogro horroroso?! Harold: Não, não, a culpa não é de ninguém. Talvez seja melhor nós desistirmos de tudo isso, certo? Fada Madrinha e Encantado: O quê?! Harold: Não se pode forçar ninguém a se apaixonar! Fada Madrinha: Ou, discordo totalmente, eu faço isso sempre, faça com que Fiona beba isto, e ela irá se apaixonar pelo primeiro homem que a beijar ... que será o Encantado. Harold: Ah, não. Fada Madrinha: O que foi que disse? Harold: É, eu não posso, eu não vou fazer isso. Fada Madrinha: Ah você vai sim, deve se lembrar que fui eu que te ajudei com o seu feliz para sempre, e com a mesma facilidade eu posso tirar isso de você. É isso que você quer? É? Harold: Não... Fada Madrinha: Bom menino, agora temos que ir, preciso fazer o cabelo do Encantado antes do baile, não tem jeito, ele fica alto na frente e rebelde atrás, alguém sempre precisa ajeitar a parte de trás. Encantado: Pois é, obrigado, mamãe. Burro: Mamãe?

Questionamentos

1. Você acha que a Fada Madrinha foi egoísta em ameaçar o pai de Fiona para fazer com que ela se apaixonasse por seu filho e se casasse com ele? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

2. Como você se sentiria se estivesse no lugar da Fada Madrinha, ou seja, tentando ameaçando alguém para satisfazer os seus desejos? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

3. Você ameaçaria alguém para ter um sonho realizado? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

Quadro 7 – Shrek III

Ano: 2007 Diretor: Chris Miller País de Origem: Estados Unidos

Sinopse: Shrek, embora casado com Fiona, não tinha planos de tornar-se o novo rei de Tão Tão Distante. Assim, quando seu sogro, o Rei Harold, cai doente, cabe a Shrek achar um sucessor à altura, ou ele mesmo terá que desistir de seu amado pântano para assumir o trono. Ele então recruta o Burro e o Gato de Botas para uma nova jornada: trazer o verdadeiro herdeiro da coroa, o primo rebelde de Fiona, Artie. Enquanto isso, em Tão Tão Distante, o rejeitado Príncipe Encantado ataca o reino com um exército de vilões de contos de fada para tomar o trono. Mas ele terá uma surpresa porque Fiona e sua mãe, a Rainha Lilian, formam uma resistência de heroínas para defender o felizes para sempre. Enquanto Shrek, Burro e o Gato tentam transformar o jovem Artur de problema a futuro rei, Fiona e seu bando de princesas tentam assegurar que haverá um treino para ser governado.

Transcrição dos Recortes

Recorte 1

Page 91: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

91

Encantado: Uhm, deixa eu adivinhar, Arthur? Arthur: É, Arth, na verdade. Encantado: Esse garoto que vai ser o novo rei de Tão Tão Distante? (risos) Tão patético, agora fica quieto pra eu não fazer sujeira. Shrek: Encantado pára! Eu to aqui agora, já tem quem você quer, ele não tem nada a ver! Arthur: Então tenho a ver com quem, eu é que vou ser rei, não é? Shrek: Na verdade você não é o primeiro na linha de sucessão, tá bom? Sou eu. Arthur: Mas, você disse que o próprio rei chamou por mim Shrek: Não foi bem assim... Arthur: O que esta querendo dizer? Shrek: Olha, eu disse o que tinha que dizer, tá legal? Eu não servia bem para esse lance, só precisava de um otário pra me substituir e você caiu como uma luva, então vai embora! Arthur: Me enrolou o tempo todo... Shrek: Você aprende rápido, hein, garoto, talvez não seja tão mané quanto eu pensava. Arthur: Olha, por um instante, eu achei que você... Encantado: O que? Que ele gostasse de você? Ele é um ogro, você esperava o quê? É você leva o maior jeito com crianças...

Questionamentos

1. Você acha que Shrek foi egoísta ao enganar Arthur para não ter que assumir o trono do reino de Tão, Tão Distante? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Shrek enganando Arthur para não ter que assumir o reino? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

3. Você enganaria alguém para fazer algo que na verdade é seu dever e obrigação? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

Recorte 2 Burro: Arth! Gato: Perai, perai, perai, perai, epa, vai ter mais calma, senhor. Arthur: Para com isso, deixa de bancar o inocente, vocês dois sabiam o que tava acontecendo o tempo todo e não falaram nada! Burro: Arth, não é o que parece! Arthur: Ah, não é? Pra mim tá tudo bem claro, ele estava me usando, nada mais do que isso. Burro: Te usando? Cara você não entendeu nada! Gato: O Shrek só disse aquilo pra proteger você. Burro: O Encantado ia te matar Arth, Shrek, salvou sua vida.

Questionamentos

1. Você acha que Shrek foi generoso ao mentir para Arthur na intenção de salvá-lo? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Shrek, ou seja, mentindo para Arthur para salvá-lo? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

3. Você mentiria para ajudar alguém? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:

Page 92: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

92

Tabela 10 – Configuração dos modelos organizadores de pensamento e sub-modelos

referente ao filme “Shrek I, II e III”

Modelo 1 Generosidade

Modelo 2 Egoísmo

13 13 Sub-Modelo 1.1

Generosidade como central Sub-Modelo 2.1

Egoísmo como central 13 08

Sub-Modelo 1.2 Generosidade como periférico

Sub-Modelo 2.2 Egoísmo como periférico

---- 05

Assim como no filme “Enrolados”, o filme “Shrek” apresentou um equilíbrio na

construção do valor moral generosidade e do valor não-moral egoísmo. Isso pode ser

melhor visualizado nos gráficos abaixo:

Shrek

50,00%

50,00%

0,00% 20,00% 40,00% 60,00%

Egoísmo

Generosidade

Gráfico 9 – Presença dos valores nos protocolos de respostas do filme “Shrek”

Podemos notar que dos 26 protocolos analisados, a generosidade apareceu

em 13 protocolos e o egoísmo também surgiu em 13. O percentual é, portanto, de 50%

para a generosidade e 50% para o egoísmo.

Todavia, dentre os 13 protocolos em que surgiu o valor generosidade, surgiu

em todos eles (100%) centralizado no sistema de valores dos sujeitos desta pesquisa.

Page 93: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

93

Ao passo que dentre os 13 protocolos em que apareceu o egoísmo, em 61,6%

ele surgiu centralizado e em 38,4% apareceu na periferia do sistema de valores.

61,60%

0,00%

38,40%

100,00%

0,00%

20,00%

40,00%

60,00%

80,00%

100,00%

120,00%

Generosidade Egoísmo

Central

Periférico

Gráfico 10 – Posição dos valores no filme “Shrek”

Isso significa que nos 13 protocolos em que a generosidade surgiu como

central (sub-modelo 1.1), os sujeitos declaram que não se aproximariam de ninguém

para tirar vantagens, que jamais ameaçariam uma pessoa para ter um desejo

realizado, que nunca enganariam alguém para fazer algo no seu lugar e que não

mentiriam, mesmo que fosse para ajudar alguém.

Nos outros 13 protocolos, o pensamento de 8 crianças foram organizados no

sub-modelo 2.1 porque apontaram, em suas respostas, que se aproximariam sim de

alguém para tirar vantagens, que ameaçariam uma pessoa para ter um sonho

realizado, que enganariam alguém para que fizesse suas obrigações e que mentiria.

Já o pensamento das outras 5 crianças foram organizados no modelo 2.2

porque, embora declarassem que se aproximariam sim de alguém para tirar vantagens,

que ameaçariam uma pessoa para ter um sonho realizado, afirmaram que não

enganariam alguém para que fizesse suas obrigações e nem mentiriam.

Os sentimentos resultantes de cada modelo e sub-modelo organizador de

pensamento estão expostos na tabela abaixo:

Page 94: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

94

Tabela 11 – Disposição afetiva em relação aos valores expressos no filme “Shrek I, II e

III”

Modelos Sub-Modelos Sentimentos Negação da Atitude Afirmação da

Atitude 1 1.1 Incomodo, tristeza,

constrangimento --------------

1.2 -------------- ---------------- 2 2.1 ------------ Bem estar, felicidade.

2.2 Tristeza Normalidade, bem estar, tranqüilidade,

felicidade

Sobre os sentimentos expressos nos protocolos de respostas do filme Shrek,

podemos notar que eles não se diferenciam dos outros já analisados. Logo os

sentimentos morais incômodo, tristeza e constrangimento constroem o valor

generosidade, ao passo que os sentimentos não-morais bem estar, felicidade,

normalidade afirmadas pelos sujeitos em seus protocolos, frente às atitudes incorretas

dos protagonistas das situações de conflito, acabaram construindo o valor não-moral

egoísmo.

4.6 Considerações sobre a análise dos resultados

Como já vimos, as versões dos contos de fadas conhecidas hoje, sem serem

os das versões fílmicas, enfatizam ensinamentos éticos e morais e trazem reflexões à

cerca da conduta humana.

Mas, será que as versões fílmicas contemporâneas destes contos também

trazem ensinamentos éticos e morais? Será que estas versões fílmicas, por possuírem

uma linguagem sincrética, provocam também sentimentos morais nos expectadores e

os levam a construir valores morais como centrais em sua identidade, como no caso a

generosidade?

Ou, será que estes contos de fadas constroem valores não-morais, como o

egoísmo, ao levarem os telespectadores, principalmente o público infanto-juvenil, a se

identificarem com situações de conflitos ou com personagens que, nos contos

Page 95: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

95

tradicionais, tinham características psicológicas de caráter moral e nas versões fílmicas

contemporâneas foram transformados em vilões, como a fada madrinha que antes era

bondosa e ajudava as princesas que sofriam e, no filme Shrek, por exemplo, é má e

egoísta?

Por conta do problema inicial desta pesquisa – os contos de fadas

contemporâneos, na versão fílmica, proporcionam a construção psicológica do valor

moral generosidade e/ou do valor não-moral egoísmo em crianças de 10 a 12 anos? – e

dos questionamentos posteriores, o conjunto de representações que as crianças de 10

a 12 anos realizaram a partir de situações de conflitos, coletados nesta pesquisa, foram

analisados a partir do instrumento teórico-metodológico da Teoria dos Modelos

Organizadores do Pensamento, o que nos possibilitou perceber os dados que este

público abstraiu como significativos e que serão relatados a seguir.

Vale destacar que todas as situações de conflitos de natureza moral que

utilizamos para verificar se houve ou não a construção de valores moral e/ou não-moral

foram visualizadas pelas crianças a partir de recortes de contos de fadas

contemporâneos na versão fílmica.

O que analisamos nos protocolos de respostas e nos modelos de pensamento

organizados pelos sujeitos desta pesquisa foi à carga afetiva vinculada, ora ao valor

moral generosidade, ora ao valor não-moral egoísmo, para assim analisarmos se estes

valores foram realmente construídos e qual a sua posição no sistema de valores que

define a identidade dos sujeitos envolvidos.

Após a apresentação dos resultados individuais de cada filme, apresentaremos

a seguir o resultado geral, através da análise de gráficos e tabelas:

Page 96: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

96

18

31

82

52

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90Aparece aGenerosidade

Não aparece aGenerosidade

Aparece oEgoísmo

Não aparece oEgoísmo

Gráfico 11 – Agrupamento de sujeitos pelos valores construídos ou não construídos

Neste gráfico, fica evidente que o valor moral generosidade, bem como o valor

não-moral egoísmo, surgiram nos protocolos de respostas analisados. Contudo,

podemos perceber que de 133 protocolos, em 18 a generosidade não apareceu.

Portanto, 13,5% dos sujeitos participantes não demonstraram em suas respostas a

presença deste valor.

Por outro lado, podemos notar que 23,3% das crianças não construíram o valor

egoísmo, nem como central e nem como periférico no sistema de valores, já que em 31

protocolos este valor não-moral não apareceu.

É válido o fato de haverem protocolos onde o valor egoísmo não foi construído.

Isso demonstra que os filmes analisados constroem valores morais. Mas, e quanto ao

valor generosidade? Como pode 13,5% das crianças pesquisadas não construírem, em

nenhum momento, este valor ao observarem conflitos morais recortados dos contos de

fadas contemporâneos, na versão fílmica?

Podemos verificar que no caso das crianças que não construíram o valor moral

generosidade, alguns vilões e/ou alguns atos não-morais dos protagonistas dos

recortes tornaram-se atraentes para elas, ou seja, as atitudes incorretas do ponto de

vista moral, tornaram-se engraçadas, divertidas.

Isso realmente é uma descoberta alarmante, porque estes dados indicam

também que, embora estas crianças conheçam as regras de juízo moral, ainda não as

Page 97: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

97

interiorizaram, logo, podem ser classificados, conforme Piaget, na fase da heteronomia

e conforme Kohlberg, no nível pré-convencional.

É válido salientar também que o fato dos contos de fadas contemporâneos, na

versão fílmica, tornarem vilões ou atitudes não-morais atrativas a partir da linguagem

sincrética – que acaba emprestando, conforme D’Elia (1996), de outras artes seus

códigos e elementos – atingem, de acordo com Brito (2011), as crianças por todos os

sentidos e de todas as maneiras, já que a combinação de linguagens que começa no

sensorial, passa pelo emocional, pelo intuitivo e termina no racional.

Certamente, isso acaba influenciando tanto na dificuldade destas crianças de

interiorizar as regras de juízo moral, como na construção de valores não-morais em sua

identidade.

Este fato pode ser identificado também no número de vezes que o egoísmo

apareceu nos protocolos. 39% dos protocolos demonstraram que as crianças

construíram este valor não-moral. Logo, estes sujeitos também podem ser classificados

na fase da heteronomia e no nível pré-convencional.

Podemos notar que este dado é bastante significativo e preocupante, já que

este valor não-moral pode influenciar na identidade destas crianças. Na tabela abaixo,

podemos observar algumas respostas presentes nos protocolos analisados, que

demonstram a presença do valor não-moral egoísmo e deixa claro que as crianças

estão na fase da heteronomia, pois conhecem as regras que são determinadas por

outras pessoas, mas ainda não conquistaram a autonomia.

Tabela 12 – Exemplos de respostas que ilustram o modelo 2

Modelos 2 Deu a louca na Chapeuzinho

Vermelho

Deu a louca na Cinderela

Deu a louca na Branca de Neve

Enrolados Shrek

Sub-Modelo

2.1 (Egoísmo

como valor

central)

“Eu ia deixar como estava, senão ia me

ferrar” F.E.A, 11 anos

-----------------

“Eu deixaria de ir ao

orfanato para ir ao show” N.B.M, 11

anos

“Eu faria o mesmo que Gothel para viver para sempre e

porque ficaria jovem a hora que quisesse”

E.S.B, 10 anos

“Se eu estivesse tentando

me aproximar do Shrek para me

sentir protegido,

ficaria

Page 98: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

98

tranquilo, porque

nada podia me atingir”

C.N, 11 anos

“Sim, eu induziria alguém a fazer algo

que na verdade era

minha obrigação, porque as vezes é preciso” V.S, 11 anos.

Sub-modelo

2.2 (Egoísmo

como valor

periférico)

----------------------

“Se estivesse no lugar de

Cinderela, me sentiria bem porque só o

príncipe tinha as coisas

certas para nos salvar” R.S.F, 11

anos

“Eu ajudaria as pessoas porque elas

também poderiam me

ajudar” J.L.R, 10

anos.

“Eu me sentiria mal, mas feliz por

satisfazer minhas

vontades” L.R.T, 10 anos

“Se eu tivesse no lugar do

burro, faria a mesma

coisa, porque

estaria me protegendo, mas seria

muito errado”

G.V.S, 11 anos

Ao analisarmos estes registros verbais, podemos verificar que as crianças que

construíram o valor não-moral egoísmo pertencem também ao nível pré-convencional,

já que elas sabem que a moralidade é marcada pelas conseqüências de seus atos:

punição ou recompensa, elogio ou castigo, e baseia-se no poder físico (de punir ou

recompensar) daqueles que estipulam as normas.

Ao detalharmos ainda mais estes registros, podemos então encontrar neles a

presença do estágio 1 e do estágio 2, deste nível. Quando a criança diz “Eu ia deixar

como estava, senão ia me ferrar” ou “Se eu estivesse tentando me aproximar do Shrek

para me sentir protegido, ficaria tranqüilo, porque nada podia me atingir”, podemos

verificar a presença do estágio 1, já que o que determina a maldade destes atos são as

Page 99: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

99

conseqüências físicas dele. Podemos notar que elas atuariam de forma imoral por

medo à punição.

Já, nas declarações “Eu ajudaria as pessoas porque elas também poderiam me

ajudar”, “Eu me sentiria mal, mas feliz por satisfazer minhas vontades”, “Se eu estivesse

tentando me aproximar do Shrek para me sentir protegido, ficaria tranquilo, porque

nada podia me atingir”, “Eu deixaria de ir ao orfanato para ir ao show” ou “Eu faria o

mesmo que Gothel para viver para sempre e porque ficaria jovem a hora que quisesse”,

podemos perceber claramente a presença do estágio 2 do nível pré-convencional, pois

a ação justa é aquela que satisfaz as suas necessidades, a que gera recompensa e

prazer.

Ainda analisando a construção do valor egoísmo, podemos notar, no gráfico

abaixo, que os filmes ‘Enrolados”, “Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho” e “Shrek”,

respectivamente, foram os que mais construíram este valor.

50%

89,28%

44,82%

25%

72,72%

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

70,00%

80,00%

90,00%

100,00%

ChapeuzinhoVermelho

Cinderela Branca de Neve Enrolados Shrek

Egoísmo

Gráfico 12 – Presença do Egoísmo em cada Filme

Em relação à posição deste valor não-moral no sistema de valores das

crianças investigadas, podemos notar, conforme o gráfico abaixo, que o filme

“Enrolados”, “Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho” e “Shrek” construíram o egoísmo

Page 100: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

100

tanto no centro como na periferia do sistema de valores, ao passo que os filmes “Deu a

louca na Cinderela” e “Deu a louca na Branca de Neve” construíram o egoísmo apenas

na periferia.

Quanto a construção periférica deste valor não-moral, devemos lembrar que

este dado pode ser revertido, se trabalhada a educação em valores nestas crianças, ou

seja, o egoísmo pode vir a desaparecer do sistema de valores destas crianças. Caso

contrário, poderá migrar para o centro do sistema de valores e se instaurar como um

valor marcante na identidade destas crianças.

6

1

5

13

8

0

6

8

12

5

0

2

4

6

8

10

12

14

Ch

ap

eu

zin

ho

Ve

rme

lho

Cin

de

rela

Bra

nca

de

Ne

ve

En

rola

do

s

Sh

rek

Central

Periférico

Gráfico 13 – Egoísmo como valor central e periférico

Por outro lado, voltando ao gráfico 11, percebemos que a generosidade surge

em 61,65% dos protocolos. Podemos verificar também e com mais detalhes, a posição

deste valor na identidade dos sujeitos que participaram desta pesquisa.

Page 101: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

101

82

66

16

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

Generosidade

Total de vezes queapareceu

Total de vezes queapareceu como valorcentral

Total de vezes queapareceu como valorperiférico

Gráfico 14 – Valor moral e valor não-moral como valor central e periférico.

Diante deste gráfico, notamos que o valor generosidade predomina nos

protocolos de respostas, aparecendo 66 vezes como valor central e 16 vezes como

periférico. Desse modo, podemos perceber que os contos de fadas na versão fílmica

proporcionam mais a construção do valor generosidade que do valor egoísmo.

Além disso, podemos também considerar que a grande maioria destas

crianças pode ser considerada autônoma, segundo Piaget, pois percebem que as

regras são vistas como resultado de uma decisão livre e digna de respeito, aceitas pelo

grupo. Esta autonomia pode ser verificada nos registros verbais de algumas crianças:

Tabela 13 – Exemplos de respostas que ilustram o modelo 1

Deu a louca na Chapeuzinho

Vermelho

Deu a louca na Cinderela

Deu a louca na Branca de Neve

Enrolados Shrek

1.1 “Sentia vergonha porque se eu não contasse a verdade, me sentiria muito mal” L.C.S, 11 anos

“Se eu estivesse no lugar de Frieda, eu me sentiria mal por não deixar ela ir ao baile. Não me

“Eu me sentiria mal porque meu pai ficaria triste”

G.G.Y, 11 anos

“Eu me sentiria muito mal porque é o aniversário de uma pessoa que eu estou cuidando”

“Eu me sentiria mal por estar ameaçando alguém” G.F.B, 10

anos

Page 102: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

102

sentiria bem” B.C.C.B, 11

anos

“Ruim, porque eu poderia ajudar outras pessoas”

P.R.S, 10 anos

“Eu não me tornaria amigo de alguém para tirar vantagens porque não se pode brincar com os sentimentos dos outros” E.S.M, 11

anos 1.2 “Eu me sentiria

envergonhado porque é uma coisa que só eu e a minha família deveria saber” G.L.N, 11 anos

“Se eu estivesse no lugar de Frieda, no momento eu não me sentiria mal, mas depois sim” L.R, 11 anos

“Se eu deixasse de ir ao orfanato para ir a casa de show me sentiria bem, no começo, mas depois sentiria remorso” Y.F, 11 anos

“Não, Gothel não se sentiu egoísta. Ela só queria ficar mais bela, mas Rapunzel era uma boa filha”

L.B.S, 10 anos

----------------

Quanto à classificação de Kohlberg, podemos dizer que algumas destas

crianças, que construíram o valor generosidade, estão no nível convencional e no pós-

convencional.

As que foram classificadas no nível convencional demonstraram atitude de

conformidade com a ordem social e de lealdade e amor á família e ao grupo social.

Dentro deste nível, há crianças que se enquadraram no estágio 3 e no estágio 4.

No estágio 3, os sujeitos desta pesquisa se preocuparam com o julgamento de

seu comportamento e, por conta disso, buscou-se a aprovação familiar e social: “Eu me

sentiria mal porque meu pai ficaria triste” ou “Ruim, porque eu poderia ajudar outras

pessoas”.

Quanto ao estágio 4, as crianças demonstraram se preocupar com o dever,

com o cumprimento da obrigação, com o desejo de fazer o certo porque isso é justo:

“Eu não me tornaria amigo de alguém para tirar vantagens porque não se pode brincar

com os sentimentos dos outros” e “Se eu estivesse no lugar de Frieda, eu me sentiria

mal por não deixar ela ir ao baile. Não me sentiria bem”.

Page 103: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

103

As crianças classificadas no 3º nível, que é o pós-convencional, demonstraram

conscientemente e livremente o que é certo e o que é errado e porquê. Neste nível,

encontramos crianças que se enquadram no estágio 5. Neste estágio, elas

demonstraram pensar no outro, na maioria, no bem comum, nos direitos humanos: “Eu

me sentiria mal por estar ameaçando alguém”.

Podemos, então, perceber que as crianças que construíram o valor

generosidade a partir da análise de situações de conflitos morais presentes em recortes

de contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica, desenvolveram a autonomia

moral em sua identidade.

Contudo, como a posição do valor é flexível em nossa identidade, temos que

nos atentarmos para os valores periféricos, pois se não trabalhada a educação em

valores, os valores morais periféricos podem desaparecer do sistema de valores.

Retornando ao gráfico 14, podemos notar também que em 12% dos protocolos

a generosidade surgiu na periferia do sistema de valores das crianças pesquisadas. E,

conforme já citamos, o valor periférico pode tanto migrar para o centro, como

desaparecer do sistema de valores senão trabalhado a educação em valores.

Em relação aos contos de fadas fílmicos que mais construíram o valor

generosidade, podemos citar “Deu a louca na Cinderela”, “Deu a louca na Branca de

Neve” e “Enrolados”. Estes dados estão representados no gráfico abaixo:

Page 104: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

104

72,72%

100%96,55%

89,28%

50%

0,00%

20,00%

40,00%

60,00%

80,00%

100,00%

120,00%

ChapeuzinhoVermelho

Cinderela Branca de Neve Enrolados Shrek

Generosidade

Gráfico 15 – Presença da Generosidade em cada Filme

Notamos também, a partir dos dados demonstrados no gráfico 16, que a

grande maioria dos filmes analisados construíram o valor generosidade como central.

O caso mais crítico continua sendo o filme “Enrolados” que, conforme já salientamos,

apresentou um equilíbrio entre a construção do valor generosidade e do valor egoísmo.

Assim, temos que mais uma vez destacar que o valor periférico pode desaparecer do

sistema de valores ou migrar para o centro dele. Para isso, é necessário que haja uma

educação em valores.

Page 105: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

105

14

2724

1513

2 14

10

0

0

5

10

15

20

25

30

Ch

ap

eu

zin

ho

Ve

rme

lho

Cin

de

rela

Bra

nca

de

Ne

ve

En

rola

do

s

Sh

rek

Central

Periférico

Gráfico 16 – Generosidade como valor central e periférico

Vale destacarmos também que procuramos, nesta pesquisa, perceber nestes

protocolos de respostas os sentimentos morais e não morais sentidos pelos sujeitos ao

analisarem os recortes.

Os sentimentos não morais aparecem quando agimos e/ou pensamos

contrariando os valores centrais da nossa identidade. Esses sentimentos atuam

regulando nosso funcionamento psíquico. Sobre estes sentimentos, observamos nos

protocolos analisados, a presença tanto de sentimentos morais como de sentimentos

não-morais:

Tabela 14 – Sentimentos morais e não-morais expressos a partir da análise dos

recortes dos contos de fadas na versão fílmica

Sentimentos Morais Não-morais

Vergonha, egoísmo, culpa, tristeza,

remorso, angústia, constrangimento,

medo

Bem estar, orgulho, normalidade,

felicidade, certeza, tranquilidade

Page 106: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

106

Notamos que, de uma maneira geral, apareceram nos protocolos sentimentos

morais que construíram a generosidade ora como um valor central e ora como um valor

periférico na identidade de algumas crianças, como também podemos notar que os

sentimentos não-morais que apareceram indicam a construção do egoísmo como um

valor central e/ou periférico na identidade de outras crianças.

Page 107: A construção psicológica de valores nos contos de fadas contemporânreos na versão fílmica

107

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa justificou-se pelo fato de se fazer necessário analisar a essência

dos contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica, a fim de descobrir se eles

ainda buscam construir valores morais ou se foram “contaminados” pelos valores

hedonistas presentes na sociedade contemporânea.

Na trajetória desta pesquisa, guiamo-nos pelos pressupostos de que os contos

de fadas contemporâneos, na versão fílmica, influenciam na construção psicológica do

valor moral generosidade e do valor não-moral egoísmo em crianças de 10 a 12 anos

ou de que não influenciam na construção psicológica destes valores.

Nesta busca, encontramos algumas respostas e alguns questionamentos,

talvez mais complexos que a problematização que lançamos: Os contos de fadas

contemporâneos, na versão fílmica, proporcionam a construção psicológica do valor

moral generosidade e/ou do valor não-moral egoísmo em crianças de 10 a 12 anos?

Para tentar responder a este questionamento e a outros que surgiram no

decorrer desta pesquisa, procuramos nos embasar em teóricos como Piaget e Kohlberg

e na teoria dos Modelos Organizadores de Pensamento, como instrumento teórico-

metodológico.

Quanto às hipóteses, podemos declarar que a segunda – Os contos de fadas

contemporâneos, na versão fílmica, não influenciam a construção psicológica do valor

moral generosidade e nem na construção psicológica do valor não-moral egoísmo em

crianças de 10 a 12 anos – foi refutada, pois verificamos, a partir deste estudo e das

análises que aqui desenvolvemos, que os contos de fadas contemporâneos, na versão

fílmica, constroem sim tanto o valor moral generosidade, como o valor não-moral

egoísmo em crianças de 10 a 11 anos de idade.

O que temos que destacar é que as versões fílmicas dos contos de fadas

possuem a mesma estrutura que os contos tradicionais, pois apresentam uma

problemática existencial: o herói ou a heroína que precisa vencer obstáculos ou provas

para alcançar sua auto-realização. Geralmente a aventura da busca parte de uma

metamorfose ou de um encantamento (COELHO, 2000).

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Desse modo, tanto nas versões tradicionais como nas contemporâneas, a

narrativa desenrola-se em três fases: a partida, a iniciação e o retorno (CAMPBELL,

1992; VOGLER, 2006; COELHO, 2000).

As narrativas dos contos de fadas, sejam elas fílmicas ou não, seguem uma

determinada estrutura, contudo, difere-se de qualquer outra forma de literatura, porque

são capazes de contribuir diretamente para a construção da identidade e dos valores

éticos e morais, pois além de dar exemplos ou conselhos, propõem problemas a serem

resolvidos, estimulando a capacidade de compreensão dos fenômenos e provocando

idéias novas ou uma atitude receptiva em relação às inovações que a vida cotidiana

propõe (ou proporá), além de procurar capacitar as crianças e jovens a optarem, com

inteligência, nos momentos de agir.

Entretanto, conforme destaca Bettelheim (2007), em praticamente todo conto

de fadas, o bem e o mal são corporizados sob a forma de algumas personagens e de

suas ações. É essa dualidade que coloca o problema moral e requer a luta para

resolvê-lo.

Assim, os valores são construídos, não no fato de a virtude vencer no final,

mas sim no fato de o herói ser extremamente atraente para a criança, que se identifica

com ele em todas as suas lutas.

Dessa maneira, constatamos que, a grande maioria dos contos de fadas

contemporâneos, na versão fílmica, seguem não só a mesma estrutura dos contos

tradicionais, como pregam os mesmos valores, tanto é que a generosidade surgiu em

mais protocolos que o egoísmo.

Quanto à animação “Deu a louca na Cinderela”, constatamos que o valor

generosidade esteve presente em todos os protocolos analisados, ora como valor

central e ora como valor periférico. Vale destacar que o valor generosidade apareceu

em 100% dos protocolos de respostas. Dentre os 28 protocolos analisados, em 27 a

generosidade surgiu como um valor central e em apenas 01 modelo, como valor

periférico.

Isso significa que em 96,4% das cenas recortadas do filme ‘Deu a louca na

Cinderela”, que continham conflitos de cunho moral, os participantes demonstraram

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uma maior carga afetiva vinculada ao valor generosidade, centralizando-a em seu

sistema de valores.

Por outro lado, o valor não-moral egoísmo surgiu em 25% dos protocolos, mas

somente em 3,6% dos protocolos, este valor apareceu como central. Contudo, é válido

destacar que, mesmo o valor não-moral egoísmo tendo aparecido como central, a

generosidade esteve presente, nestes protocolos, como um valor periférico.

Em “Deu a louca na Branca de Neve” verificamos também que o valor

generosidade foi construído prioritariamente. Dos 29 protocolos, a generosidade esteve

presente em 28, ora como valor central e ora como valor periférico, o que equivale a

96,5%. Dentre este percentual, o valor generosidade apareceu 85,7% como central e

14,3% como periférico.

Já o valor egoísmo surgiu 13 vezes nos protocolos, o que equivale a 44,8%.

Destas 13 vezes, o egoísmo surgiu 38,5% como valor central e 61,5% como valor

periférico. Isso significa que, embora a construção do valor egoísmo, no caso deste

filme especificamente, é algo preocupante, visto que, embora a construção do valor

generosidade tenha predominado, o valor não-moral surgiu em muitos protocolos.

Todavia, detectamos, em alguns protocolos, que certas crianças passaram a se

identificar com personagens e com ações imorais, já que estas lhes foram apresentadas

a partir de uma combinação de linguagens que começou no sensorial, passou pelo

emocional, pelo intuitivo e terminou no racional.

Assim, alguns contos de fadas analisados, como “Enrolados”, “Shrek” e “Deu a

louca na Chapeuzinho Vermelho” colocam em primeiro plano a animação, o que levou o

enredo a tornar-se secundário.

Isso foi constatado nesta pesquisa, pois percebemos, a partir das análises dos

protocolos, que estes filmes focaram mais na animação e trouxeram como divertimento

o egoísmo e a individualidade moderna, o que acabou por banalizar a consciência

moral.

Em Shrek, dos 26 protocolos analisados, a generosidade apareceu em 13

protocolos e o egoísmo também surgiu em 13. O percentual é, portanto, de 50% para a

generosidade e 50% para o egoísmo. Todavia, dentre os 13 protocolos em que surgiu o

valor generosidade, surgiu em todos eles centralizado no sistema de valores dos

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sujeitos desta pesquisa. Ao passo que dentre os 13 protocolos em que apareceu o

egoísmo, em 61,6% ele surgiu centralizado e em 38,4% apareceu na periferia do

sistema de valores.

Em relação à animação “Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho”, constatamos

que em 72,7% das cenas recortadas que continham conflitos de cunho moral, os

participantes demonstraram uma maior carga afetiva vinculada ao valor generosidade e

que em 63,3% dos protocolos analisados, essa carga afetiva foi tão intensa que

proporcionou o posicionamento central deste valor na identidade daquelas crianças.

Quanto ao valor egoísmo no centro do sistema de valores destes indivíduos,

posicionando-o na periferia, constatamos que ele surgiu em 27,3% dos protocolos

deste filme.

É válido destacarmos que este valor surgiu apenas como central na identidade

das crianças e não surgiu nenhuma vez como valor periférico. Este dado é

preocupante, pois notamos que a carga afetiva vinculada ao egoísmo foi muito forte.

Estes sujeitos perceberam as atitudes egoístas dos protagonistas como normais,

demonstrando que até se sentiriam felizes em ter tais atitudes, assim, o valor egoísmo

centralizado no sistema de valores destes sujeitos poderá influenciar negativamente na

construção de sua identidade.

O filme “Enrolados”, ao contrário dos outros aqui analisados, equilibra a

construção de valores morais e não-morais. Percebemos que a mesma quantidade de

vezes em que o valor moral generosidade apareceu nos protocolos de respostas é a

mesma quantidade do valor não-moral egoísmo.

A generosidade e o egoísmo surgiram em 25 protocolos, o que equivale a

89,2%, de presença tanto de um como do outro valor. O valor generosidade apareceu

em 60% dos protocolos como um valor central e em 40% deles como um valor

periférico. O mesmo ocorreu como o valor egoísmo, contudo, na ordem inversa: surgiu

em 40% dos protocolos como um valor central e em 60% deles como um valor

periférico.

Assim, podemos compreender que alguns contos de fadas contemporâneos,

na versão fílmica, não constroem valores que são características deste gênero

narrativo, como priorizar os valores humanistas, deixar claro a oscilação entre uma ética

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maniqueísta e uma ética relativista, premiar o bem e castigar o mal, demonstrar que a

ambição desmedida ou a insaciabilidade humana causam desequilíbrios sem conta,

entre outros.

Esta informação responde, em partes, nossos questionamentos posteriores,

pois verificamos que o sincretismo das versões fílmicas contemporâneas tanto dos

contos de fadas tradicionais, como dos contos de fadas atuais buscam construir, na

maioria das vezes, ensinamentos éticos e morais, mas há algumas animações que,

caracterizam-se por serem produtos midiáticos e assim constroem valores hedonistas.

Isso tudo causa a esquizofrenia social destas crianças que acaba substituindo a

subjetividade por presentes desconexos, ou seja, por uma cadeia de significantes sem

significado (HARVEY, 2007), deixando-nas sem uma identidade moral e ética.

Vale destacar que esses sujeitos que tiveram o egoísmo construído a partir das

situações de conflito moral retirados de recortes destas animações podem passar a

agirem a partir da ética da estética, e não a partir de uma moral universalizante, ou seja,

podem vir a substituírem dos valores morais pelos valores hedonistas.

Para concluir, efatizamos que os contos de fadas fílmicos devem ser produtos

de análise constante da sociedade, principalmente das instituições sociais, como a

família e a escola. Estas devem analisar criticamente o material a fim de verificar se se

constroem valores morais ou não, ou até mesmo contravalores, para orientar as

crianças, a partir de uma educação em valores que pode ser abordado através da

doutrinação, da clarificação, da opinião e julgamento de valores ou da abordagem pela

narração.

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