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LUIZ GUILHERME MARINONI ANTECIPAÇÃO DA TUTELA 12.* edicào EOCTOftAltir REVISTA DOS TftlOUNAlS

Antecipacao da tutela marinoni

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LIVRO CPC ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

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LUIZ GUILHERME MARINONI

ANTECIPAÇÃO DA TUTELA12.* edicào

EOCTOftAltir REVISTA DOS TftlOUNAlS

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Marinoni, Luiz Guilherm eAntecipação da tutela / Luiz Guilherm e M arinoni. - 12. ed. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

Bibliografia.ISBN 976-85-203-4I09-4

I . Medidas cautelares 2. Medidas cauteíares - Brasil I. Título.

11-08409 C D U -347 .919.6(81)

índice para catálogo sistemático: ! . Brasil : Tutela antecipatória : julgamento antecipado : Execução imediata Processo civ il 347.919.6(81)

LUIZ GUILHERME MARIIMONI

ANTECIPAÇÃO DA TUTELA12.a edição

EDITORA I \ l r REVISTA DOS TRIBUNAIS

A n t e c ip a ç ã o d a T u tela

12.'1 ediçãoL u iz G u ilh erm e M arin on i

Malheiros: / .“ edição: 1995 - 2 .“edição: 1996 - 3 a edição: 1997 - 4.'' ed ição: 1998 - 5 / edição: 1999 - 6.'1 edição: 2000 - 7 / edição: 2002 - 8 / edição: 2004: - RT: 9 / edição: 2006 - 10/ edição: 2008 -

1 1 /edição: 2009.

1239© desta edição [20111

E d it o r a R evista d o s T r ib u n a is Lt d a .

A n to n io B e u n e l o Diretor responsável

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Impresso no Brasil [08-2011]

Profissional

Fechamento desta edição 109.08.2011]

ED ITORA AFILIADAISBN 978-85-203-4109-4

Prefácio à 1.a Edição

Naquelas férias de janeiro, parte do dia era dedicado a leituras previamente selecionadas. Dentre elas, dois livros de um autor ainda pouco conhecido, que me despertara a atenção pela temática inovadora, pela postura de vanguarda e pela firmeza dos argumentos, alicerçados em autorizadas lições nacionais e es­trangeiras e desenvolvidos com erudição e convincente fundamentação. Foram momentos de raro prazer intelectual.

Hoje, pouco tempo depois, esse jovem e talentos o jurista se tornou um autor de leitura obrigatória.

Se ninguém como ele vinha no Brasil escrevendo tanto e tão bem em tema de antecipação de tutela, uma outra circunstância contribuiu para projetar ainda mais a sua presença no cenário processual brasileiro: a edição da Lei 8.950, de 13.12.94, que introduziu em nosso Código de Processo Civil, nos arts. 273 e 461, o referido instituto. Sua antevisão doutrinária passou, assim, a encontrar suporte no texto codificado.

Ao entrar em vigor em 1974, o atual Código, não obstante sua aprimorada técnica e seu belo perfil arquitetônico, vinha com dois graves vícios de origem: não ter sido submetido, quando de sua elaboração, ao crivo de um debate de­mocrático e não ter se preocupado também com os escopos políticos e sociais, deixando ao relento as linhas inspiradoras da chamada efetividade do processo, calcada nos princípios da celeridade e do acesso à ordem jurídica justa. Daí as múltiplas reivindicações, desde então, pela sua parcial reforma, dado o seu no­tório divórcio com a realidade.

Um dos pontos mais sensíveis desse quadro deficitário localizava-se na utilização anômala do processo cautelar, notadamente da cautelar inominada, como técnica de sumarização para suprir a ineficiência do procedimento ordi­nário e obter a almejada tutela de urgência.

Nesse contexto de justificada insatisfação com a prestação jurisdicional, despida de instrumental adequado a uma boa e rápida solução de litígios, surgiu o movimento reformista em curso, buscando, tanto no cível como no penal, através de projetos setoriais e uma ótica pragmática, sem prejuízo do rigor cien­tífico, o aprimoramento da lei processual, reconhecidamente uma das causas mais presentes na má qualidade da nossa morosa tutela jurisdicional.

já aprovada, em sua primeira etapa, a maioria dos projetos cíveis, como os demais já em fase adiantada, tem-se como certo que, mais do que em rela­ção às novas sistemáticas do procedimento sumário e do agravo, à adoção do

6 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

procedimento monitório e da consignação extrajudicial, à ampliação do elenco dos títulos executivos extrajudiciais e do prestígio dado à conciliação, o relevo maior da reforma estará a cargo das inovações introduzidas nos dois menciona­dos dispositivos legais, quer pelo avanço científico que representam, quer pelos reflexos que deles advirão na composição das situações litigiosas.

E é exatamente sobre o instituto da antecipação da tutela, em seus múlti­plos e complexos aspectos, admiravelmente elencados na síntese conclusiva do último capítulo (n. 5), que trata este livro, fruto de vitoriosa tese acadêmica e escrito com mão-de-mestre pelo professor paranaense Luiz Guilherme Marino- ni, uma das mais gratas e ascendentes expressões da nova opulenta geração de processualistas brasileiros.

Nele encontraremos todo, pesquisadores ou operadores do direito, em linguagem técnica e argumentação sólida, enriquecida sempre pelo estilo ele­gante e pelas soluções do direito comparado, o enfrentamento dos mais varia­dos e complexos aspectos do novo instituto, que, além de instigar a sagacidade dos doutrinadores e inquietar os aplicadores da lei, teve a virtude de situar a legislação brasileira, definitivamente, na linha de frente do processo civil con­temporâneo.

Cuida-se de obra indispensável, especialmente no momento que ora vive a ciência processual civil brasileira, dorso da “onda da efetividade”, um dos pila­res da fase instrumentalista do processo. Indispensável pela atualidade do tema versado, pelo seu denso conteúdo e pelo talento singular do seu autor.

Brasília, junho de 1995.S á l v io d e F i g u e ir e d o T e ix e i r a

Apresentação à 9.a Edição

É um grande prazer apresentar a 9 .a edição deste livro. Trata-se da obra que desbravou o instituto da “Antecipação da Tutela”, apresentando aos estudiosos e operadores do direito o desenvolvimento teórico necessário para a sua compreensão e adequada utilização na prática.

Basta lembrar que nela, pela primeira vez no direito brasileiro, cogi­tou-se sobre a antecipação de soma em dinheiro e, particularmente, sobre o seu modo de execução, concluindo-se, já na sua l . a edição, que a tutela antecipada de soma em dinheiro poderia gerar efeitos irreversíveis.

Este livro parte da premissa teórica de que o princípio da nula esecutio sine titulo reconhecido como o fundamento da separação entre conhecimen­to e execução e, assim, como uma das bases do antigo processo de execução de sentença condenatória não tem qualquer sustentação diante da tutela antecipatória. A tese da antecipação da tutela, aqui desenvolvida, afirma a existência de execução no curso do processo de conhecimento ou, em ou­tros termos, a execução com base em convicção de verossimilhança.

A inserção da execução no local em que os processualistas construí­ram para o juiz exercer apenas atividade intelectiva foi vista, por largo pe­ríodo de tempo, como heresia. Anos se passaram para que essa tese pudesse ser aceita na doutrina e nos tribunais.

Porém, a sua admissão é um exemplo genuíno de como as ideias se rendem à força da “realidade das coisas”. Por isto, exatamente no ano em que se altera o CPC para se eliminar a autonomia do processo de execução de sentença (art. 475-J e ss.), surge maior estímulo para tratar da antecipa­ção da tutela, pois a cada dia é mais evidente que processo é tutela e, desta forma, que ele se tomou muito mais dependente da execução do que da cognição.

Curitiba, agosto de 2006.Luiz G u i l h e r m e M a r i n o n i

Apresentação à 7.a Edição

Como a morosidade do antigo procedimento comum de conhecimen­to não era mais suportável diante das novas necessidades de tutela, a “ação cautelar inominada” passou a ser utilizada como técnica de sumarização deste procedimento, obrigando a prática forense a assistir à distorção da sua natureza.

Objetivando corrigir tal distorção e conferir maior efetividade ao pro­cedimento comum de conhecimento, o legislador instituiu no Código de Processo Civil um novo art. 273, que passou a regular a denominada “tutela antecipatória”.

Ela vem sendo utilizada cotidianamente na prática forense como for­ma de conferir maior prontidão à realização dos direitos e, ao mesmo tempo, desestimular o “abuso do direito de defesa”. Não há como se negar, assim, a sua importância para a efetividade da tutela jurisdicional; trata-se, sem dú­vida alguma, do instituto processual que mais tem colaborado para o aper­feiçoamento da “justiça”.

Contudo, verificou-se que o instituto da antecipação da tutela havia sido instituído de forma tímida na reforma ocorrida em 1994, e que assim continha alguns problemas em relação à sua “execução”, especialmente no que dizia respeito à aplicação do inciso II do art. 588. Este inciso foi altera­do pela Lei 10.444, de 7.5.2002, a qual tornou possível a alienação do bem penhorado, desde que prestada caução. Do mesmo modo, acrescentou-se ao referido artigo um parágrafo que dispensa a prestação de caução “nos casos de crédito de natureza alimentar, até o limite de 60 (sessenta) salários mí­nimos, quando o exequente se encontrar em estado de necessidade”. Ainda em relação à execução da tutela antecipada, alterou-se o § 3.° do art. 273, que agora passa a falar em “efetivação” da tutela, e não mais de sua execução, com o objetivo de deixar evidenciado que a atuação da tutela antecipada não pode ser pensada à luz das normas referentes ao processo de execução. Se­gundo este parágrafo, “a efetivação da tutela observará as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4.° e 5.° e 461-A”.

Também percebeu-se que é abusivo o processo que não viabiliza a tu­tela do direito que se torna incontroverso no seu curso, acrescentando-se ao art. 273 a possibilidade da tutela ser concedida “quando um ou mais dos

10 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso” (art. 273, § 6.°, CPC).

Após a instituição do art. 273 no Código de Processo Civil, verificou- se na prática forense uma certa dificuldade em se precisar a natureza da tu­tela de cognição sumária contra o perículum in mora, especialmente daquela que pode ser concedida nas ações declaratória e (des) constitutiva. Isto pela razão de que não é tão simples reconhecer a tutela antecipatória nestas ações. Nestes casos, há realmente uma zona de penumbra que pode embaralhar os operadores do direito menos familiarizados com discussões de maior profundidade teórica.

Em vista do reconhecimento de que tais dificuldades podem ocorrer, e como não se deseja impedir o adequado aproveitamento do instrumental pro­cessual, ressalva-se, em novo parágrafo acrescentado ao art. 273, a possibilidade de se conceder tutela urgente no processo de conhecimento, nos casos em que houver dúvida fundada e razoável quanto à sua natureza cautelar ou antecipa­tória (art. 273, § 7.°, CPC).

Estas alterações nos arts. 273 e 588 representam as mais importantes mo­dificações do Código de Processo Civil postas na chamada “2.a etapa da reforma processual”. As alterações na “execução provisória” e na “execução da tutela antecipatória”, bem como o novo parágrafo que. passa a viabilizar a cisão da con­sideração do mérito, configuram uma verdadeira reorganização da estrutura do processo civil. A ela não podíamos deixar de dar atenção. É por esta razão que oferecemos ao público a 7.a edição deste livro, agradecendo, com sinceridade, o entusiasmo e a compreensão que mereceram as edições anteriores.

Curitiba, maio de 2002.Luiz G u i l h e r m e M a m n o n i

Apresentação à 1.a Edição

É sempre difícil escrever sobre um tema ainda não versado. Quando publicamos em 1992 Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória, objetivamos de­monstrar a necessidade de uma melhor sistematização da tutela de urgência.

A reforma do Código de Processo Civil acolheu a tese da tutela anteci­patória, que possui méritos ainda não suspeitados. O presente trabalho pre­tende ser uma contribuição para o estudo da tutela antecipatória, lançando à discussão questões que precisam ser debatidas para que esta tutela possa, de fato, ser útil para o aperfeiçoamento da “Justiça”.

Agradecemos a Carlos Gustavo Andrioli, Cristina Leitão, Sérgio Cruz Are- nhart e Laércio Becker a colaboração prestada durante a elaboração deste livro.

Curitiba, junho de 1995.Luiz G u i l h e r m e M a r i n o n í

Sumário

P r e f a c i o a 1 , a E d iç ã o - S á lv io d e F i g u e i r e d o T e i x e i r a ......................................................................................................5

A p r e s e n t a ç ã o à 9* E d iç A o ...........................................................................................................................................................................7

A p r e se n t a ç ã o a 7 . * E d i ç ã o .......................................................................................................................................................................... 9

A p r e s e n t a ç ã o a 1 .* E d i ç A o ........................................................................................................................................................................ 1 1

1 . I n t r o d u ç ã o .................................................................................................................................................................................................... 2 1

2 . E f e t iv id a d e d o P r o c e s s o e T é c n ic a P r o c e s s u a l ........................................................................................................... 2 5

2.1 A proibição da autotutela e a necessidade de efetividade do p ro cesso ..........................25

2 .2 A tutela ju risd icion al dos d ireitos.................................................................................................... 29

2.3 Técnica processual e tutela dos direitos ......................................................................................30

2 .4 A técnica da cogniçáo e a construção de procedim entos diferenciados ......................31

2 .4 .1 A técnica da cognição p a rc ia l...........................................................................................31

2 .4 .2 A técnica da cognição su m á ria ........................................................................................34

2 .4 .3 A técnica da cognição exauriente secundum eventum p r o b a t io n ís .................. 36

2 .4 .4 A técnica da cognição exauriente enquanto não definitiva ............................. 39

2 .4 .5 A técnica da cognição exauriente por ficção legal conjugada

com a técnica da cognição exauriente secundum eventum defensionis ..............40

2 .4 .6 A técnica dos títulos executivos extrajudiciais .................................................. 40

2 .5 A técnica das sentenças diferenciadas. A antecipação em face das

várias espécies de sentenças ...............................................................................................................42

2.6 A técnica da a n te c ip a çã o ......................................................................................................................43

2 .6 .1 Considerações prévias .......................................................................................................... 43

2 .6 .2 A ntecipação e sentença condenatória ...........................................................................4 4

2 .6 .3 A ntecipação e sentenças declaratória e constitutiva ..............................................46

2 .6 .3 .1 C onsiderações in iciais ....................................................................................46

2 .6 .3 .2 A questão da “execução im ediata” das sentenças declaratória

e constitutiva no direito italiano ................................................................47

14 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

2 .6 .3 .3 A tutela antecipatória, m ediante os provvedim cnti ‘urgcnza,

na Itália ................................................................................................................... 49

2 .6 .3 .4 Considerações criticas a respeito da tutela antecipatória

nas ações declaratória e co n stitu tiv a .........................................................51

2 .6 .3 .5 O problem a da natureza da tutela urgente de cognição sumária

nas ações declaratória e co n stitu tiv a .........................................................56

2 .6 .4 A ntecipação e sentenças executiva e m an d am en ta l............................................... 60

2 .6 .5 A antecipação da tutela e a questão da fungibilidade entre as

providências jurisd icionais finais ..................................................................................62

2 .7 A antecipação da tutela e a técnica de atuação dos direitos ................................................... 63

3. T utha Cautelar e Tutela Antecipatória.....................................................................................................67

3.1 Tutela inibitória, tutela cautelar e tutela antecipatória .............................................................68

3 .1 .1 Os novos direitos, o uso distorcido da ação cautelar e a açáo inibitória

a partir dos artigos 4 67 do Código de Processo Civil e 8 4 do Código de

Defesa do Consum idor ....................................................................................................... 68

3 .1 .2 A tutela inibitória e a questão do i l íc i to ....................................................................... 71

3 .1 .3 Finalidade e classificação da tutela inibitória ........................................................... 73

3 .1 .4 Pressupostos da ação in ib itó ria .........................................................................................75

3 .1 .5 A ação inibitória que tem por objetivo prevenir tout court o ilícito e

a tutela inibitória que visa a im pedir a sua continuação ou repetição.

A questão p ro b a tó ria ............................................................................................................ 77

3 .1 .6 A inefetividade da sentença condenatória para a prestação da tutela

inibitória .................................................................................................................................... 78

3 .1 .7 A im portância da tutela inibitória para a efetividade da tutela dos

direitos ........................................................................................................................................ 79

3 .1 .8 Fundam ento da tutela in ib itó r ia ......................................................................................82

3 .1.9 O artigo 467 do Código de Processo Civil como fonte da ação in ib itó ria ......... 86

3 .1 .1 0 Ação inibitória, açáo cautelar e tutela antecipatória ..............................................88

3 .1 .11 A tutela in ib itória antecipada ...........................................................................................90

3 .2 As demais tutelas que podem ser prestadas a partir dos artigos 461 do Código de

Processo Civil e 8 4 do Código de Defesa do Consum idor e as tutelas cautelar e

antecipatóiia ............................................................................................................................................... 91

3 .2 .1 Tutela reintegratória (de rem oção do ilíc ito ) ............................................................. 91

3 .2 .2 Tutela ressarcitória na forma específica ....................................................................... 93

3 .2 .3 Tutela do adirnpiemento da obrigação na forma específica ................................95

3 .2 .4 Tutela inibitória e obrigação contratual ....................................................................... 97

3 .2 .5 Tutelas inibitória, reintegratória, ressarcitória na forma específica, do

adirnpiemento na forma específica e tutelas cautelar e a n tecip ató ria ......... 98

SUMARIO 15

3 .2 .6 A falta de percepção de que o ato contrário ao direito pode ser objeto de

uma ação única e sua repercussão na ausência de distração entre ação

contra o ato contrário ao direito e ação cautelar ................................................ 101

3.3 Tutela antecipatória e. tutela c a u te la r ...........................................................................................102

3 .3 .1 A evolução da tutela sumária satisfativa no D ireito b ra s ile iro ...................... 102

3 .3 .2 A consagração da tutela sum ária satisfativa na reform a do Código de

Processo Civil .......................................................................................................................105

3 .3 .3 Tutela sum ária satisfativa e tutela cautelar (diferença básica) .......................106

3 .3 .4 A tutela cautelar não tem conteúdo sa tis fa tiv o ......................................................106

3 .3 .5 A referibilidade ao direito acautelado com o pressuposto necessário

da tutela cautelar ................................................................................................................ 109

3 .3 .6 A influência carneluttiana no sentido de que ê a sentença

que com põe a Lide ...............................................................................................................112

3 .3 .7 O m ito da nulla execu tio sine t i t u lo ............................................................................... 113

3 .3 .8 O mito da “busca da verdade” ....................................................................................... 116

3 .3 .9 A cegueira para a perda da in stru m en talid ad e.......................................................117

3 .3 .1 0 A não percepção da superação da relação entre “tutela do direito”

e coisa ju lgada m a te ria l....................................................................................................125

3 .3 .1 1 Tutela antecipatória em face do periculum in m ora e tutela antecipatória

interinal em face do periculum in m ora. A questão da natureza da tutela

que pode ser concedida no b o jo do processo de conhecim ento em que

se pede sentença declaratória ou sentença (des)constitutiva ...................... 126

3 .3 .1 2 O problem a da natureza da tutela que pode ser concedida no bojo do

processo de conhecim ento em que o ju iz não está vinculado ao princípio

da congruência entre o pedido e a sentença, v.g., artigo 4 6 1 do Código de

Processo Civil ...................................................................................................................... 129

3 .3 .1 3 O significado de fungibilidade presente no § 7 ." do artigo 273 do

Código de Processo Civil ............................................................................................... 130

3 .4 O direito à tutela antecipatória ...................................................................................................... 131

3 .4 .1 A tutela antecipatória com o corolário do direito à adequada tutela

ju risd icion al .......................................................................................................................... 131

3 .4 .2 A tutela antecipatória é garantida pelo princípio da inafastab ilid ad e........133

4 . A T i t e l a A n t e c ip a t ó r ia C o n t r a o P e r i g o ...............................................................................................141

4.1 O artigo 273 corrigiu o problem a da duplicação dos procedim entos para o

ju lgam ento de um a única lide ........................................................................................................142

4 .2 A tutela sum ária satisfativa não pode m ais ser obtida através de ação fundada

no artigo 7 9 8 do Código de Processo Civil. A tutela sum ária satisíativa ainda

pode ser obtida através de ação sum ária especial ................................................................. 143

16 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

4 .3 Legitim ados a requerer a tutela a n tec ip a tó ria ..........................................................................145

4 .3 .1 A tutela antecipatória solicitada pelo réu ................................................................. 145

4 .3 .2 Tutela antecipatória e. denunciação da lide ...............................................................147

4 .3 .3 Tutela antecipatória e oposição .......................................................................................147

4 .3 .4 Tutela antecipatória e cham am ento ao p ro c e sso ....................................................148

4 .4 Procedim entos com patíveis com a tutela antecipatória .................................................... 148

4.5 A tutela antecipatória no procedim ento m onitório .............................................................. 151

4.6 A questão do receio de dano irreparável ou de dífícil reparação ................................... 153

4 .6 .1 O receio de dano, o receio de ato contrário ao direito e a probabilidadeda ocorrência de ato contrário ao direito com efeitos co n tin u a d o s............ 153

4 .6 .2 Dano irreparável e dano de difícil reparação ........................................................ 155

4 .6 .3 Dano irreparável em caso de direito patrim onial com função nãopatrim onial ............................................................................................................................. 156

4 .7 M om ento da concessão da tutela baseada em fundado receio de dano irreparávelou de difícil reparação ......................................................................................................................... 157

4 .7 .1 A concessão da tutela antes da ouvida do réu ..................................................... 157

4 .7 .2 O utros m om entos oportunos para a antecipação ...............................................159

4 .8 O agravo de instrum ento e a possibilidade de concessão, revogação oum odificação da tutela a n te c ip a tó r ia ...............................................................................................162

4 .9 Eficácia tem poral da tutela antecipatória .................................................................................. 164

4 .1 0 Prova, convicção e ju stificativa diante da tutela antecipatória ....................................... 166

4.10.1 Prova e co n v en cim en to .................................................................................................... 166

4 .1 0 .2 Convicção e v erossim ilh an ça .........................................................................................167

4 .1 0 .3 A chamada convicção de “verossim ilhança preponderante” ........................ 168

4 .1 0 .4 A convicção de verossim ilhança diante da postecipação docontraditório ...........................................................................................................................170

4 .1 0 .5 Convicção de verossim ilhança e prova inequívoca ........................................... 170

4 .1 0 .6 A racionalidade da decisão fundada em convicção deverossim ilhança ....................................................................................................................176

4 .1 0 .7 A ju stificativa da convicção de v ero ssim ilh an ça ..................................................176

4 .1 0 .8 Critérios para o controle da racionalidade do discurso baseado naconvicção de v ero ssim ilh an ça ........................................................................................178

4 .1 0 .9 Convicção de verossim ilhança e caso concreto ................................................... 180

4 .1 0 .1 0 O A im portância da identificação da tutela do direito a ser antecipadapara a racionalização da convicção de verossim ilhança .................................. 180

4 .1 0 .1 1 A convicção de verossim ilhança diante das varias espécies de tutelaantecipatória ...........................................................................................................................181

4 .1 0 .1 2 Dificuldade da prova, credibilidade das alegações e convicção deverossim ilhança ....................................................................................................................185

SUMÁRIO 17

4 .1 0 .1 3 Convicção de verossim ilhança e consideração das posiçõesem disputa ............................................................................................................................... 186

4 .1 0 .1 4 Convicção de verossim ilhança e caução ...................................................................189

4 .11 A irreversibilidade do provim ento e a irreversibilidade dos efeitos fáticos doprovim ento .................................................................................................... ........................................... 191

4 .1 2 A irreversibilidade dos efeitos fáticos do provim ento não pode constituirobstáculo para a tutela antecipatória .............................................................................................195

4.13 A decisão sobre a concessão da tutela antecipatória no caso de colisão de direitosfundam entais ............................................................................................................................................ 200

4 .1 4 A efetivação da tutela a n te c ip a tó r ia ...............................................................................................204

4 .1 4 .1 Execução provisória: execução incom pleta ou execução fundada emcognição não definitiva? .................................................................................................. 2 0 4

4 .1 4 .2 Execução ou efetivação da tutela antecipatória? ..................................................206

4 .1 4 .3 A efetivação da tutela antecipatória nos casos em que se deseja obterum fazer, um não fazer, a entrega de coisa ou som a em d in h e iro ................ 209

4 .1 4 .4 A prisão com o m eio de coerção indireta .................................................................. 212

4 .1 4 .5 Um inaior aprofundamento da questão da antecipação do pagamentode som a em d in h e iro .......................................................................................................... 218

4 .1 4 .5 .1 O s diferentes escopos da antecipação do pagam ento de som a em dinheiro, da execução provisória da sentençae do arresto .........................................................................................................218

4 .14 .5 .2 O emprego da multa para dar efetividade à tutela antecipatória

de som a em dinheiro ..................................................................................... 221

4 .1 4 .5 .3 A penhora on line e a efetividade da execução da antecipaçãode soma ................................................................................................................. 2 2 4

4 .1 4 .5 .4 A tutela antecipatória na ação de indenização fundada emato ilícito .............................................................................................................. 225

4 .1 5 Controle do poder executivo do j u i z ............................................................................................234

4 .1 5 .1 A racionalidade da tutela antecipatória p a rc ia l ...................................................... 234

4 .1 5 .2 O princípio da tipicidade dos m eios executivos ...................................................235

4 .1 5 .3 O princípio da tipicidade com o previsão de m eios de execuçãopor sub-rogação .......................i .........................................................................................236

4 .1 5 .4 As novas necessidades do direito m aterial e a insuficiência dos meiosexecutivos tipificados em l e i .......................................................................................... 238

4 .1 5 .5 Do princípio da tipicidade ao princípio da concentração dos poderesde e x e c u ç ã o .............................................................................................................................2 3 8

4 .1 5 .6 A in flu ên cia do d ireito fundam ental à tutela ju risd ic io n a l efetivasobre o princípio da concentração ..............................................................................2 39

4 .1 5 .7 As cláusulas geTais executivas com o respostas ao direito ao meio

executivo adequado ............................................................................................................241

18 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

4 .1 5 .8 Princípio da concentração, ruptura da regra da congruência epossibilidade de alteração do meio e x e c u tiv o .......................................................243

4 .1 5 .9 A om issão iegal e o dever de o ju iz determ inar o meio executivoadequado com o decorrência do direito fundam ental à tutela ju risd icion al efetiva............................................................................................................. 2 4 4

4 .1 5 .1 0 O controle do poder executivo diante das cláusulas gerais ............................2 4 8

4 .15 .11 O controle do poder executivo após o trânsito em ju lg a d o ............................251

4 .1 5 .1 2 O controle da alteração da m odalidade executiva na tutelaanlecipatória ......................................................................................................................... 2 5 2

4 .1 5 .1 3 O controle da determ inação da modalidade executiva adequada naantecipação de som a ......................................................................................................... 252

4 .1 5 .1 4 A ju stificativa com o form a de racionalizar o uso do poder deexecução e de viabilizar a participação das partes no processo ...................255

4 .1 6 A tutela anlecipatória contra a Fazenda Pública ................................................................... 256

4 .1 7 Análise das posições do Suprem o Tribunal Federal sobre a proibição deconcessão de lim inar .......................................................................................................................... 2 6 4

4 .1 8 A restituição das coisas no estado anterior e a indenização pelos danos .....................267

5 . A b u s o d e D ir e it o d e D e f e s a , D ir e it o E v id e n t e e T e m p o d o R e c u r s o .....................................................2 7 1

5.1 O tempo do processo visío com o ô n u s ......................................................................................271

5.2 Do inciso 11 ao § 6 ." do art. 273 .................................................................................................... 2 74

5.3 A tutela antecipatória fundada em abuso de direito de defesa - art. 273 , II,CPC .............................................................................................................................................................275

5.3 .1 Prim eiras o b serv açõ es ........................................................................................................275

5 .3 .2 A antecipação no caso de apresentação de defesa de mérito indiretainfundada................................................................................................................................. 2 76

5 .3 .3 A antecipação m ediante a técnica m onitoria .........................................................279

5 .3 .4 A revogação da tutela antecipatória ........................................................................... 2 82

5 .4 A tutela antecipatória fundada em direito evidente - art. 2 73 , § 6.°, C P C ............... 282

5 .4 .f G ênese da questão .............................................................................................................. 282

5 .4 .2 A tutela antecipatória através das técnicas da não contestação e doreconhecim ento ju ríd ico (parcial) do p e d id o ...................................................... 283

5 .4 .3 O significado de incontroverso .....................................................................................285

5 .4 .4 A tutela antecipatória mediante o ju lgam ento antecipado de um(ou mais de um) dos pedidos cu m u la d o s.............................................................. 286

5 .4 .5 A tutela antecipatória mediante o julgam ento antecipado deparcela do p e d id o ............................................................................................................... 288

5 .4 .6 O problema da coisa julgada e da possibilidade de revogação e dem odificação da tu te la ....................................................................................................... 2 90

5.5 A execução da tutela antecipatória ..............................................................................................2 92

SUMÁRIO 19

5.6 A questão do tempo do recurso .....................................................................................................296

5 .6 .1 O abuso do direito de r e c o rre r ..................................................................................... 296

5 .6 .2 A possibilidade de o relator dar provim ento a recurso .....................................298

B ib l io g r a f ia ..................................................................................................................................................................................................... 2 9 9

O u t r a s O b r a s d o A u t o r 317

1

Introdução

Em um determinado momento o processualista acordou e observou que a justiça Civil era elitista porque estava afastada da grande maioria da população, que por várias razões evitava de recorrer ao Poder Judiciário1 e inefetiva, já que não cumpria aquilo que prometia, principalmente em virtude da sua len­tidão. Tal constatação foi possível porque o estudioso passou a encarar o pro­cesso civil através de um ângulo externo e eminentemente crítico. Essa mudan­ça de perspectiva fez surgir estudos voltados para a questão do acesso à Justiça, que tocaram, fundamentalmente, nas problemáticas da assistência judiciária e jurídica,2 dos juizados de pequenas causas, das vias alternativas de pacificação social (conciliação e arbitragem), da tutela dos interesses supraindividuais e da efetividade do processo.3 Grande progresso foi obtido no plano legislativo com o surgimento das Leis das “Pequenas Causas” e da “Ação Civil Pública”, do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código de Defesa do Consumidor.4 Importantes conquistas também foram obtidas com a Constituição da República de 1988, como, por exemplo, o mandado de segurança coletivo e a abertura da legitimação à ação direta de inconstitucionalidade.5

1. Com o disse Roberto de Aguiar, “a ju s tiça não é para os pobres, nem os pobres são para os advogados. Essa é um a crise evidente e de alta periculosidade para a própria inteireza social, que pode ser atingida por uma pulverização libanizada de interesses, ou por um “apartheid” social, conform e os analistas políticos. Nessa voragem os advogados desapa­recem , m elhor dizendo, a função social do advogado perde sua significação” (A crise da a d v ocac ia no B rasil, p. 20).

2. V Cândido Rangel D inam arco, A ín stm m en ta lid ad e d o p rocesso ; A ntônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini G rinover e Cândido Rangel D inam arco, Teoria g era l do p rocesso , p. 42 e ss.

3 . V. Jo sé Carlos Barbosa M oreira, “Os novos rum os do processo civ il brasileiro", A juris 62/173 e ss.

4 . V. H orãcioW anderlei Rodrigues, A cesso à ju s t iç a no d ireito p rocessu al bras ile iro , p. 53 ess.

5. Com o escreve Arruda Alvim, “a grande m eta contem porânea é a de que as regras de índole processual, m esmo que encartadas em C onstituições, ainda que lógica e sistem aticam ente com pletas, e, bem assim , as que dessas decorrem , hajam de ser por outro lado efetiva e realm ente utilizadas pelos jurisd icionados. A palavra “efetividade”, neste passo, nâo tem urna conotação ju ríd ico-form al, senão que predom inantem ente sociológica” (T ratado de d ireito processual civil, v. 1/33).

22 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

O principal problema da justiça civil, entretanto, era e ainda é o da mo­rosidade dos processos.6 Todos sabem que os mais fracos ou pobres aceitam transacionar sobre os seus direitos em virtude da lentidão da justiça, abrindo mão de parcela da pretensão que provavelmente seria realizada, mas depois de muito tempo. A demora do processo, na verdade, sempre, lesou o princípio da igualdade.7

Curiosamente, porém, o procedimento ordinário clássico (sem liminar ou tutela antecipatória) j mais constituiu óbice às aspirações da classe dominante, à medida que esta, patrocinando o íobby, sempre conseguiu procedimentos dife­renciados para a tutela dos seus interesses.8 Basta lembrar o ainda considerado constitucional (apesar da sua gritante inconstitucionalidade) Decreto-lei 70/66, que permite a execução privada, em verdadeira justiça de mão própria, à medida que autoriza o leilão do bem dado em garantia à instituição financeira, pelo pró­prio agente fiduciário, sem a prévia autorização do Poder judiciário.9

O nosso sistema de tutela dos direitos, portanto, não só preservava a de­sigualdade no procedimento, como deixava à vista a desigualdade de procedi­mentos. A reforma do Código de Processo Civil de 1994, liderada pelos ilustres Professores Sálvio de Figueiredo Teixeira e Athos Gusmão Carneiro, foi sensível à problemática da inefetividade do antigo procedimento ordinário.

A tutela antecipatória10 constitui o grande sinal de esperança em meio à crise que afeta a Justiça Civil. Trata-se de instrumento que, se corretamente usado, certamente contribuirá para a restauração da igualdade no procedimen­to. Embora Chiovenda houvesse anunciado, com absoluta clareza e invulgar elegância, que o processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e exata­

6. Conform e escreve jo s é Rogério Cruz e Tucci, “o fator tem po, que perm eia a noção de processo, constitu i, desde há m uito , o principal m otivo da crise da ju stiça , uma vez que a excessiva dilação tem poral das controvérsias vulnera ex rad ice o direito à tutela ju risd i- cionai, acabando por ocasionar uma série de gravíssim os inconvenientes para as partes e para os m em bros da com unhão social” ( “G arantia da prestação ju risd icional sem dilações indevidas com o corolário do devido processo legal”, RePro 66/73).

7. “La duración excesiva es fuente de in justicia social, porque el grado de resistência dei pobre es m enor que el grado de resistência dei rico ; este últim o, y no el prim ero, puede norm alm ente esperar sin dano grave una ju sticia len ta’’ (M auro Cappelletti, “El proceso com o fenôm eno social de m asa”, Proceso, id eo log ias , sociedad , p. 133-1 3 4 ).

8. V. Laércio Becker, C on tra tos ban cário s . E xecu ções esp ec ia is ; Carlos A lberto Álvaro de O liveira, “P rocedim ento e ideologia no d ireito brasileiro atual”, A juris 43/81; Kazuo W atanabe, “A ssistência ju diciária com o instrum ento de acesso à ordem ju ríd ica ju s ta ”, R evista da P rocu rad oria-G era l d o E stado d e S ão P au lo 22/87-88; Ovidio Baptista da Silva, C urso e le p rocesso civil, v. 1/101 e ss.

9. V. Luiz G uilherm e M arinoni, Efetividade do processo e tutela de urgência, p. 8 7 e ss.10. Na perspectiva dos instrum entos processuais, é lógico.

INTRODUÇÃO 23

mente aquilo que ele tem o direito de obter, e, ainda, que o processo não deve prejudicar o autor que tem razão, a doutrina jamais compreendeu, porque não quis enxergar o que se passava na realidade da vida, que o tempo do processo não é um ônus do autor.

A técnica antecipatória, é bom que se diga, é uma técnica de distribuição do ônus do tempo do processo. A antecipação certamente eliminará uma das vantagens adicionais do réu contra o autor que não pode suportar, sem grave prejuízo, a lentidão da Justiça. Jã se disse que "a justiça realizada morosamente é sobretudo um grave mal social; provoca danos econômicos (imobilizando bens e capitais), favorece a especulação e a insolvência, acentua a discriminação entre os que têm a possibilidade de esperar e aqueles que, esperando, tudo têm a per­der. Um processo que perdura por longo tempo transforma-se também em um cômodo instrumento de ameaça e pressão, em uma arma formidável nas mãos dos mais fortes para ditar ao adversário as condições da rendição”.u

É preciso, portanto, que os operadores do Direito compreendam a impor­tância do novo instituto e o usem de forma adequada. Não há razão para timidez no uso da técnica antecipatória, pois o remédio surgiu para eliminar um mal que já está instalado. É necessário que o magistrado compreenda que não pode ha­ver efetividade, em muitas hipóteses, sem riscos. A tutela antecipatória permite perceber que não é só a ação (o agir, a antecipação) que pode causar prejuízo, mas também a omissão. O juiz que se omite é tão nocivo quanto o juiz que julga mal. Prudência e equilíbrio não se confundem com medo, e a lentidão da justiça exige que o juiz deixe de lado o comodismo do velho procedimento ordinário no qual alguns imaginam que ele não erra para assumir as responsabilidades de um novo juiz, de um juiz que trata dos “novos direitos” e que também tem que entender para cumprir sua função sem deixar de lado a sua responsabilidade ética e social que. as novas situações carentes de tutela não podem, em casos não raros, suportar o mesmo tempo que era gasto para a realização dos direitos de sessenta anos atrás, época em que foi publicada a célebre obra de Calamandrei, sistematizando as providências cautelares.12

A tutela antecipatória deve ser interpretada de acordo com o espírito que presidiu a reforma do Código. Como sustentaram os professores Athos Gus­mão Carneiro e Sãlvio de Figueiredo Teixeira, a principal preocupação foi a de "tornar o nosso processo apto a realizar os seus objetivos e melhor servir à sociedade, recordada a advertência de Fritz Baur, o admirável refonnulador do processo civil alemão, segundo a qual só procedimentos céleres preenchem a

11. Cf. N icoloT rocker, P rocesso c iv ile e costituzione, p. 2 7 6 -2 7 7 .12. Piero Calam andrei, In ím d u z ion e a lio studio s istem ático dei provvedim enti cautelarí.

24 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

finalidade do processo, dando-lhe efetividade”.13 O ideal de efetividade, enten­dido como o ideal de uma tutela que dê, o mais rápido possível, àquele que tem um direito exatamente aquilo que ele tem o direito de obter, é que deve iluminar as novas definições dos doutrinadores do processo.

É claro que por detrás da ideia de “efetividade” existe outro valor muito mais relevante, que é o da “igualdade real”. O processo não pode ser pensado a distância da premissa de que o poder tem por fim remover os obstáculos que impedem o pleno desenvolvimento da pessoa humana. O processualista, por­tanto, quando formula os seus conceitos, não está autorizado a desconsiderar as diferenças sociais daqueles que buscam a Justiça.

H importante lembrar, ainda, que é fundamental para o encontro da real efetividade do processo a tomada de consciência de que são de natureza vária os bens envolvidos nos litígios. O novo processo não é mais um “processo neutro”, mas um processo que sabe que, da mesma forma que todos não são iguais, os bens que constituem os litígios não têm igual valor jurídico.14

13. “Exposição de m otivos (reform a do processo c iv il)”, Estatuto da M agistratura e reform a d o p rocesso civil, p. 11 7 -1 1 8 .

14. “D iz-se, com o conseqüência, que a figura do ju iz é atualm ente orientada para que as suas decisões sejam “funcionais”, ou, m ais precisam ente, não poderá descartar desses aspec­tos existentes, “quase que subjugadores” do seu agir; ou então, em outros term os, que há de ter em vista as condições sociais e econôm icas. Em realidade, isto, ainda por outros termos, quer dizer que há m em bros pobres, m uito pobres, na sociedade, que dem andam um “tratam ento do legislador” e do ju iz diferente precisam ente porque a situação real e substancial de tais m em bros é diferente da de outros ( ...) . Isto conduz à necessidade de criar-se um a “jurisprudência política”, diferente da de outras épocas, mais estáveis, e agora com o fito de se discrim inar, d iferentem ente de outros tem pos, em que a aplicação dos textos resolvia os conflitos, praticam ente todos eles hom ogêneos” (Arruda Alvim, 7ra tad o d e d ireito p rocessu al c iv il, v. 1/112).

2

Efetividade do Processo e Técnica Processual

S u m á r io : 2.1 A proibição da autotutela e a necessidade de efetividade do pro­cesso - 2 .2 A tutela ju risd icion al dos direitos - 2 .3 T écn ica processual e tutela dos direitos - 2 .4 A técnica da cognição e a construção de procedim entos dife­renciados: 2 .4 .1 A técn ica da cognição parcial; 2 .4 .2 A técn ica da cognição su­mária; 2 .4 .3 A técnica da cognição exauriente secundum eventum proh ation ís ;2 .4 .4 A técnica da cognição exauriente enquanto não definitiva; 2 .4 .5 A téc­nica da cognição exauriente por ficção legal conjugada com a técnica da cog­nição exauriente secundum eventum defen sion is; 2 .4 .6 A técnica dos títulos executivos extrajudiciais - 2 .5 A técnica das sentenças diferenciadas. A ante­cipação em face das várias espécies de sentenças - 2 .6 A técnica cia antecipa­ção: 2 .6 .1 Considerações prévias; 2 .6 .2 A ntecipação e sentença condenatória;2 .6 .3 A ntecipação e sen tenças declaratória e constitutiva; 2 .6 .4 A ntecipação e sen tenças executiva e m andam ental; 2 .6 .5 A antecipação da tutela e a questão da fungibilidade entre as providências ju rtsd icionais finais - 2 .7 A antecipa­ção da tutela e a técnica de atuação dos direitos.

2.1 A proibição da autotutela e a necessidade de efetividade do processo

O Estado, ao proibir a autotutela privada, assumiu o compromisso de tutelar adequada e efetivamente os diversos casos conflitivos. O processo, pois, como instrumento de prestação da tutela jurisdicional, deve fazer surgir o mes­mo resultado que se verificaria se o agir privado não estivesse proibido.

Para o desenvolvimento da perspectiva de direito material importa a no­ção de direito à tutela do direito material. Ninguém, ainda que falando em ação de direito material, nega a existência de um direito de ação autônomo em re­lação ao direito material.1 A ideia de ação de direito material é interessante e

1. Com o esclarece D aniel Francisco M itidiero, “de modo nenhum se pode aceitar que se afirme categoricam ente que a 'ação’ processual depende, para sua existência, da verificação da ação de direito m aterial, porque é um d ad o incontestável entre os defen sores d a teo ria dualista d a a ç á o [refere-se a Pontes de M iranda e Ovídio Baptista da Silva] a a b stra çã o da 'ação 'p rocessu a l” (D aniel Francisco M itidiero, “Polêm ica sobre a teoria dualista da ação ”, Revista de D ireito P rocessual Civil (G en esis), v. 3 4 , p. 6 9 2 ).

26 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

generosa quando utilizada para evidenciar a necessidade da ação processual se moldar a partir do direito material.2

Embora já tenhamos afirmado a lógica da ação de direito material para demonstrar a necessidade da ação processual se estruturar a partir das diferentes situações de direito material, entendemos que o benefício teórico que pode ser outorgado a partir desta forma de pensar a relação entre o processo e o direito material pode ser mais bem obtido mediante a compreensão da categoria das formas de tutela do direito material, a qual é mais adequada ao direito con­temporâneo, e, inclusive, comprometida com o Estado constitucional e com os direitos fundamentais.

Tanto as formas de tutela do direito material, quanto as ações de direito material, estão no plano do direito material. Mas, a preocupação com as formas de tutela dos direitos se funda na ideia de que a atribuição de titularidade de um direito fica na dependência de que lhe seja garantida a disponibilidade de uma forma de tutela que seja adequada à necessidade da sua proteção. Ou melhor, o sujeito só é. titulaT de um direito quando tem uma posição juridicamente prote­gida, isto é, quando o direito proclamado pela norma atributíva dispõe de uma forma de tutela que seja adequada à sua proteção.3

Essa forma de tutela como, p. ex., a ressarcitória é inegavelmente garan­tida pelo direito material, pouco importando o fato de a ação de direito mate­rial ter sido proibida. A ação de direito material foi proibida, mas as formas de tutela dos direitos constituem um atributo indispensável à própria existência do direito material.

Não é preciso sustentar, para evidenciar que a ação deve se adequar ao plano do direito material, que a ação de direito material é exercida ou afirmada através da ação processual, pois através dessa se exerce a pretensão à tutela ju ­risdicional do direito. Se a titularidade de um direito decorre da existência de uma posição juridicamente protegida, essa proteção certamente se dá através de formas de tutela do direito. Todos têm pretensão à tutela jurisdicional do direito material como, p. ex., pretensão à tutela inibitória.

O autor, ao propor a ação, exerce a pretensão à tutela jurisdicional do direito. Ninguém pode exigir e obter ressarcimento (por exemplo), contra a vontade do obrigado, a não ser mediante a ação processual. Isso não é exercício de ação de direito material, mas sim. exercício de pretensão à tutela jurisdicional do direito material mediante o exercício da ação processual.

2. A respeito, conferir a extensa e im portante obra de Ovídio Baptista da Siiva, especialm ente, para uma com preensão mais didática, o v. 1 do seu C urso de processo civil.

3. Adolfo di M ajo, L a tutela cív ile dei diritti, p. 43 e ss.

EFETIVIDADE DO PROCESSO E TEC.NICA PROCESSUAL 27

Deixe-se claro, porém, que não se está negando a existência da categoria da pretensão de direito material e a possibilidade teórica de se sustentar que, ainda que a autotutela privada tenha sido proibida, a ação de direito material é afirmada ao se propor a ação processual. O que se está dizendo é que a categoria do direito à tutela dos direitos permite a elaboração de uma dogmática capaz de responder mais adequadamente às relações entre o direito material e o direito de ação. Essa nova construção teórica, além de preocupada com a proteção do direito material, evidencia que a ação, embora abstrata, deve estar adequada às formas de tute­la prometidas pelo direito material. Trata-se, assim, de uma concepção de ação fundada na teoria dos direitos fundamentais, fixando-se nas ideias de dever de proteção (ou de tutela) estatal e de direito fundamental de ação.

De qualquer forma, é preciso chegar no que interessa, ou melhor, no que levou a doutrina a pensar em ação de direito material ainda que consciente da autonomia da ação processual. Isto ocorreu em razão da excessiva abstração que se tentou conferir à ação processual, negando-lhe qualquer tipo de relação com as situações concretas. De modo que a teorização da ação de direito material teve o propósito de permitir que a ação processual pudesse realmente servir à proteção das diversas situações de direito substancial.

Ora, se é inquestionável que o autor tem o direito de exercer a pretensão à tutela jurisdicional do direito através da ação, é evidente o seu direito de exercer a ação processual que lhe permita obter a tutela jurisdicional do direito. Quer dizer que o autor tem, ao lado do direito à tutela jurisdicional do direito decor­rente do próprio direito material o direito à ação adequada à tutela do direito (ou o direito à tutela jurisdicional efetiva) garantido pelo art. 5.°, XXXV da CF Portanto, tem os direitos de influir sobre o convencimento do juiz e de utilizar as técnicas processuais capazes de permitir a efetiva tutela do direito material.

Isto certamente está longe de significar que a ação adequada seja depen­dente da existência do direito material, pois todos têm direito à ação adequada à tutela do direito, sejam ou não titulares do direito material postulado. A ação é o meio através do qual se pede a tutela jurisdicional do direito. A sentença, qualquer que seja ela, responde ao direito de ação, apesar de a tutela jurisdi­cional do direito, como é natural, apenas poder ser prestada pela sentença de procedência.4

4. Fáb io Cardoso M achado, em artigo versando o problem a da tutela dos d ireitos, faz im portante ponderação: “Se a tutela ju risd icion al socorre o réu, quando o F.stado a ele reconhece razão e perm anece inerte, socorre tam bém o autor, e para tanto deve agir no sentido de tutelar o seu direito. Pode-se, contudo, inverter a perspectiva e sim plesm ente dizer que o Estado perm anece inerte ao reconhecer razão ao réu porque no caso o direito m aterial não exige a tuteia do autor, ou não exige tutela porque não há direito. Ou seja, não se trata apenas de tutelar o réu com razão, mas de negar tutela ao autor porque não havia direito digno de tutela. Este é o escopo ju ríd ico fundam ental: tutelar os direitos.

28 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Porém, não há como duvidar que a ação deve ser conformada a partir da tutela jurisdicional do direito. Ao propor a ação, o autor afirma o direito e a existência de uma situação de ameaça ou de lesão para, com base nelas, pedir a tutela jurisdicional do direito e o provimento (a espécie de sentença) que reputa adequado à sua prestação. Além disso, os limites da extensão da cognição do juiz - que dão dimensão ao procedimento assim como a necessidade de técni­ca antecipatória, a espécie de sentença e de meio executivo também dependem da tutela do direito reclamada.

Não hã exercício de ação de direito material, mas exercício de pretensão à tutela jurisdicional do direito. Mas também não há apenas direito de ir ajuízo, mas sim direito à ação adequada à tutela do direito material a qual pode ser construída conforme as necessidades do caso concreto.

A pouca sensibilidade para a necessidade de adequação cio processo ao direito material e o fascínio que o procedimento comum sempre despertou nos processualistas permitiram o surgimento de lacunas no sistema processual de tutela dos direitos. É oportuno lembrar que, em determinada época, a instru- mentalidade do processo foi confundida com a sua neutralidade em relação ao direito material;5 seria necessária apenas uma espécie de procedimento, e esse, acreditou-se, teria aptidão para propiciar tutela adequada às diversas situações de direito material.1'

O que não se dará quando direito não houver, e isto não deve mudar a perspectiva para considerar que houve então tutela ao réu. O processo não visa tutelar quem tenha razão, e sim o autor que tenha razão. Isso não im plica esquecer as garantias do réu, mas coloca a função jurisd icional num lugar mais adequado às exigência atuais” (Fábio Cardoso M a­chado, “Sobre o escopo jurídico do processo: o problem a da tutela dos d ireitos”, Revista de D ireito P rocessual C ivil (G enesis), v. 32 , p. 2 60).

5. Sobre a influência do direito m aterial sobre o processo, v. o im portante trabalho de Jo sé Roberto dos Santos Bedaque, Direito e p rocesso (in fluência d o d ireito m ateria l sobre o p ro ­cesso ), 1. ed., 1995 ; 2. ed., 1997.

Sobrem aneira insatisfatório m ostra-se ao propósito o m ecanism o - todavia em geral m i­mado pelos legisladores e pela doutrina - que se pode representar por meio do esquema “processo de condenação (norm alm ente de rito ordinário) + execução forçada", m áxim e quando se reserva, conform e sucede as mais das vezes, para o tratam ento exclusivo de situações que se caracterizam pela existência de lesão já consum ada” (José Carlos Barbosa M oreira, “Tutela sancionatória e tutela preventiva”, Temas de d ireito p rocessu al, p. 22).

6. Com o afirma Proto Pisani, “non esiste un unico processo che offra una unica forma di tutela per tutte le situazioni di vantaggio, ma esistono invece una pluralità di processi ed una pluralità di form e di tutela giurisdizionale; Ia diversità di questi processi e di queste form e di tutela, e delle loro variegate com binazioni, rifiettono la diversità dei bisogni di tutela delle situazioni di vantaggio” ("Breve prem essa a un corso sulla giustizia civile", Appunti su llag iastiz ia civ ile, p. 11-12).

EFETIVIDADE DO PROCESSO E TÉCNICA PROCESSUAL 29

É certo que a universalização do procedimento ordinário não prejudicou a todos, não só porque alguns (os privilegiados) sempre se serviram de proce­dimentos especiais, mas também porque tal procedimento pode apresentar-se como efetivo para a tutela de algumas espécies de direitos patrimoniais. Porém, a insensibilidade ínsita à neutralidade do procedimento ordinário não só acar­retou a ausência de tutela adequada aos “novos direitos”,7 como o abandono do manejo da técnica dos procedimentos diferenciados, o que de certa forma conduziu a uma verdadeira falta de inspiração para a criação de procedimentos aptos à adequada tutela jurisdicional.

A tutela antecipatória, expressamente prevista no Código de Processo Ci­vil (art. 273), é fruto da visão da doutrina processual moderníssima, que foi capaz de enxergar o equívoco de um procedimento destituído de uma técnica de distribuição do ônus do tempo do processo. A tutela antecipatória constitui instrumento da mais alta importância para a efetividade do processo, não só porque abre oportunidade para a realização urgente dos direitos em casos de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 273, I), mas também porque permite a antecipação da realização dos direitos nos casos de abuso de direito d.e defesa (art. 273, II) e de parcela incontroversa da demanda (art. 273, § 6.°). Desta forma concretiza-se o princípio de que a demora do pro­cesso não pode prejudicar o autor que tem razão e, mais do que isso, restaura-se a ídeia que foi apagada pelo cientificismo de uma teoria distante do direito ma­terial de que o tempo do processo não pode ser um ônus suportado unicamente pelo autor.

2.2 A tutela jurisdicional dos direitos

A expressão “tutela jurisdicional dos direitos”, como se sabe, foi afastada do cogito científico do Direito Processual quando se concluiu que “a tutela dos direitos” não deveria ser vista como o escopo da jurisdição. A partir deste mo­mento até bem pouco tempo, falar era tutela jurisdicional dos direitos poderia constituir um pecado quase que mortal para o processualista; tal fala poderia significar um compromisso com o imanentismo.

É óbvio que a tutela jurisdicional também é prestada quando o juiz de­clara não existir o direito afirmado pelo autor, e mesmo quando é constatada a ausência de condição da ação, valendo lembrar que, neste último caso, a tu tela jurisdicional é dada em razão do direito incondicionado de ação.8 O que a

7. “Não é preciso grande esforço para dem onstrar que as modalidades de tutela ju risd icional mais prestigiadas pela tradição se revelam , com m uita frequência, incapazes de desem pe­nhar a contento m issão de tam anha delicadeza.

8. V F láv io Luiz Yarshell, Tutela ju r isd ic io n a l e s p e c if ic a nas o b r ig a ç õ e s d e d e c la r a ç ã o d e v on tade, p. 20.

30 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

questão da tutela jurisdicional dos direitos quer evidenciar é a necessidade de a prestação jurisdicional passar a ser pensada na perspectiva do consumidor dos serviços jurisdicionais;9 ou seja, a reabilitação do tema da tutela jurisdicional dos direitos revela uma preocupação com o resultado jurídico-substancial do processo, conduzindo a uma relativização do fenômeno direito-processo.10

O slogan que vem caracterizando esta moderna forma de pensar o pro­cesso é tomado de Chiovenda, pois, na perspectiva de quem afirma ter um direi­to a ser tutelado, nada melhor do que a lembrança de que o processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter.11 Nessa perspectiva, a técnica processual assume grande relevo, uma vez que, para a efetiva tutela jurisdicional dos direitos, é imprescindível o correto manejo das técnicas da cognição, da antecipação, das sentenças e da atuação dos direitos.

2.3 Técnica processual e tutela dos direitos

Em uma perspectiva mais rente ao direito material, é possível equiparar a “tutela” a um “bem da vida”, uma vez que o jurisdicionado procura o Poder Judiciário para obter um “bem jurídico” ou a “tutela” do direito que afirma possuir.

Como o cidadão pode obter o bem da vida que objetiva no curso ou ao final do procedimento, pode-se dizer que a tutela pode ser prestada antecipa­damente ou apenas ao final. Assim, o contrário de tutela antecipada é, na rea­lidade, tutela final, não sendo adequado colocar era um mesmo plano a tutela antecipatória e a sentença, como é costume.

A sentença e a decisão interlocutória são apenas técnicas para a adequada prestação das tutelas. Por exemplo: a sentença mandamental, e não a sentença condenatória, constitui a técnica capaz de permitir a correta concessão da tutela inibitória. Em outras palavras, e ainda exemplificando, a sentença mandamental não pode ser confundida com a tutela inibitória, já que a primeira é uma técnica insculpida pelo legislador para viabilizar a prestação da tutela inibitória.

9. V. Mauro Cappelletti, “A ccesso alia giustizia com e programm a di riform a e com e método d ip en siero”, Rivista di D iritto P ro cessu a k , 1982 , p. 2 4 3 -2 4 5 .

10. V. Luiz G uilherm e M arinoni, T écn ica processu al e tutela dos d ireitos, 2. ed.; Luiz G uilherm e M arinoni, Tutela in ibitória .

11. Com o diz Dinamarco, “aqiu está a sintese de tudo. É preciso romper preconceitos e encararo processo com o algo que seja realm ente capaz de ‘alterar o m undo’, ou seja, de conduzir as pessoas à ‘ordem ju ríd ica ju sta ’ . A m aior aproxim ação do processo ao direito, que é um a vigorosa tendência m etodológica hoje, exige que o processo seja posto a serviço do hom em , com o instrum ental e as potencialidades de que dispõe, e não o hom em a serviço da sua técn ica” (A in strum en talidade do p ro ces so , p. 2 97).

EFETIVIDADE DO PROCESSO E TÉCNICA PROCESSUAL 31

Note-se que os procedimentos, as sentenças, os meios de execução e a possibilidade de antecipação são técnicas para a prestação da adequada tutela dos direitos. É nesta linha que é oportuna a distinção entre tutela e técnica para a sua concessão.

2.4 A técnica da cognição e a construção de procedimentosdiferenciados

A técnica da cognição permite a construção de procedimentos ajustados às reais necessidades de tutela.12 A cognição pode ser analisada em duas dire­ções: no sentido horizontal, quando a cognição pode ser plena ou parcial; e no sentido vertical, em que a cognição pode ser exauriente, sumária e superficial.

2.4.1 A técnica da cognição parcial

O legislador, através da técnica da cognição parcial, pode desenhar pro­cedimentos reservando determinadas exceções, que pertencem à situação liti- giosa, para outros procedimentos; nos procedimentos de cognição parcial, o juiz fica impedido de conhecer as questões reservadas, ou seja, as questões excluídas pelo legislador para dar conteúdo a outra demanda. É o caso das ações posses- sórias e das ações cambiárias.!3

A técnica da cognição parcial pode operar de dois modos: fixando o objeto litigioso ou estabelecendo os lindes da defesa (quando podemos lembrar a busca e apreensão do Decreto-lei 911/69).14

Tal técnica não pode ser compreendida a não ser a partir do plano do di­reito material; através desta perspectiva, aliás, é possível a investigação do con­teúdo ideológico dos procedimentos. Para que se possa compreender a relação entre a cognição parcial e a ideologia dos procedimentos, cabe observar que o procedimento de cognição parcial privilegia os valores certeza e celeridade ao

12. Cf., a respeito, Kazuo W atanabe, D a cog n ição no p rocesso civil; O vídio Baptista da Silva, P rocedim entos esp ecia is (exegese do C ódigo d e P rocesso C iv il) , p. 37 -54 ; Andrea Pro to Pisam , “Sulla tutela giurisdizsonale differenziata”, R ivista di D iritto P ro cessu a k , 1979 , p. 5 7 5 e ss., e “Appunti sulla tutela sornrnaria”, í p rocessi sp ecia li Studi ojjerti a Virgílio A ndrioli dai suoi a lliev i, p. 3 0 9 -3 6 0 .

13. V. O víd io B ap tista da S ilva, P ro ced im en to s e s p e c ia is ( ex e g e s e d o C ó d ig o d e P ro c e s s o C iv il) , p. 46 .

14. De acordo com W atanabe, “em Lermos estritam ente processuais, só se pode falar em lim itação ã cognição quando instituída em função de um objeto litigioso já estabelecido, de sorte que nos em bargos do executado não haveria, verdadeiram ente, uma cognição parcial. Mas, exam inada a partir do plano do direito m aterial, é inegável que a perquirição do juiz não atinge toda a realidade fática” (D a cognição n o processo civ il, p. 8 7 ).

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permitir o surgimento de uma sentença com força de coisa julgada material em um tempo inferior àquele que seria necessário ao exame de toda a extensão da situação litigiosa mas deixa de lado o valor “justiça material”.15 O que se deve verificar, portanto, em cada hipótese especifica, é a quem interessa a limitação da cognição no sentido horizontal, ou, em outros termos, a tutela jurisdicional célere e imunizada pela coisa julgada material em detrimento da cognição das exceções reservadas.16

Veja-se, por exemplo, o caso da busca e apreensão do Decreto-lei 91.1/69.

O Decreto-lei 911, de 10 de outubro de 1969 (que “estabelece normas de processo sobre alienação fiduciária”), antes de sua recente alteração pela Lei 10.931/2004, afirmava que o réu, na contestação, só poderia “alegar o paga­mento do débito vencido ou o cumprimento das obrigações contratuais” (art. 3.°, § 2.°). Essa norma, ao limitar a defesa para imprimir maior celeridade ao procedimento, outorgava um benefício ao autor proibindo o réu de discutir as cláusulas do contrato ou eliminando o seu direito de convencer o juiz de que não era inadimplente. Tratava-se de restrição à defesa que não tinha qualquer justificativa, pois para conferir uma justiça mais rápida ao credor admitia que o devedor fosse privado do seu bem sem sequer ter a possibilidade de discutir as cláusulas contratuais.

Todos os parágrafos do art. 3 ° , inclusive o mencionado § 2°, foram supri­midos pela Lei 10.931/2004, que acrescentou, entre outros, o seguinte parágrafo ao art. 3.°: “O devedor fiduciante apresentará resposta no prazo de quinze dias da execução da liminar”. Esse parágrafo não faz qualquer restrição ao direito de defesa. Assim, a ilegítima restrição que antes era feita ao direito do devedor dis­cutir as cláusulas contratuais, não mais existe.

Não obstante, permanece a ideia conservada no caput do art. 3.° do Deere - to-lei 911/69 (não alterado pela Lei 10.931/2004) de que basta a comprovação da mora ou do inadimplemento do devedor para a concessão liminar da busca e apreensão. O Decreto-lei 911/69, além de permanecer admitindo que a mora ou o inadimplemento são suficientes para a tomada forçada do bem do devedor, agora tem o seguinte requinte introduzido pela Lei 10.931/2004 no § 1.° do art. 3.°: “Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se- ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor

15. V. O vídio B ap tista da S ilva, P ro ced im en to s e s p e c ia is ( ex e g e s e d o C ó d ig o d e P ro cesso C iv il) , p. 51 .

16. “Cabe deixar anotado, aqui, que as lim itações ao direito do contraditório e, por via de conseqüência, da cognição do ju iz , sejam estabelecidas em lei processual ou em lei m a­terial, se im possibilitam a efetiva tutela ju risd icion al do direito contra qualquer forma de denegação da ju stiça , ierem o princípio da inafastabilidade do con tro le ju risd icional e por isso são incon stitu cion ais” (Kazuo W atanabe, D a cog n ição no processo civil, p. 8 8 ).

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fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária".

Permitir, em razão de simples mora ou inadimplemento, a retirada for­çada do bem do devedor e a consolidação da propriedade e da “posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário" é viabilizar, ainda que através da.força estatal, uma agressão ilegítima à esfera jurídica do devedor. Isso porque o mero inadimplemento não pode servir de justificativa para tudo isso, pois o não pagamento, como é óbvio, pode ter fundamento. Aliás, a busca e apreensão liminar, mesmo que compreendida apenas como pronta retirada d.o bem da posse do devedor, requer, como qualquer outra tutela antecipada, a “ve­rossimilhança da alegação”, pena de se legitimar a imediata apreensão do bem, e a postecipação do direito de defesa, de todo e qualquer devedor que deixar de adimplir sua prestação, pouco importando a sua razão.

Alguém poderá dizer que, nesses casos, não há violação ao direito de defe­sa, uma vez que o réu, após a alienação ou a apreensão do bem, poderá discutir a questão que foi afastada pela limitação do direito de deíesa, bastando para tanto propor ação contra o credor (no caso do leilão) ou prosseguir se defendendo (na hipótese da liminar de busca e apreensão).

Porém, nesses dois exemplos não importa saber se o réu terá a possibili­dade de discutir a questão suprimida ou postecipada. O que interessa perguntar é se é justificável dar tempestividade à tutela (privada, no caso do Decreto-lei 70/66) do credor à custa da protelação da defesa do devedor. Ou ainda mais especificamente: se há racionalidade em retirar o bem do devedor, dando-lhe, somente após, o direito de apresentar as suas alegações. Não é difícil perceber que se trata de inversão que não encontra justificativa, pois a postergação d.a defesa não é imprescindível para a efetividade da tutela do direito, não havendo qualquer legitimidade em subordinar o direito do devedor apresentar defesa à entrega do bem objeto do contrato.

Note-se que o estudo da legitimidade da restrição das alegações de defesa, através das regras instituidoras do procedimento, não se resolve à luz de uma concepção ligada exclusivamente à possibilidade de o réu contradizer as ale­gações do autor, exigindo uma visualização compreensiva da racionalidade da inversão da oportunidade da alegação mediante ação autônoma.

De outra parte, o Decreto-lei 3.365, de 21.6.41, afirma que a contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço; e que qualquer outra questão somente poderá ser ventilada em ação própria (art. 20). Consoante corretamente julgou o extinto TFR, a lei não impede “a discus­são judicial em torno do fundamento da desapropriação, no caso de eventual abuso por parte do Poder Público; também não impede que qualquer alegação seja examinada pelo Poder Judiciário. Só que tais discussões deverão ocorrer

34 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

em ação própria”.17 A restrição da cognição, nesta hipótese, se dá em atenção ao interesse público, ou seja, para propiciar a efetividade do direito de desapropriar do Poder Público, motivo pelo qual não há como pensar em violação ao direito de defesa.

Frise-se, no entanto, que a técnica da cognição parcial permite apenas a visualização da ideologia dos procedimentos; não o controle da legitimidade dos procedimentos no sentido substantivo, tarefa que pode ser realizada, corno já dito em outra ocasião,18 pela cláusula do substantive due process ou através do controle da constitucionalidade a partir dos direitos fundamentais.

2.4 .2 A técnica da cognição sumária

A restrição da cognição no plano vertical19 conduz ao chamado juízo de verossimilhança ou às decisões derivadas de uma convicção de verossimilhança.

É correto dizer, resumidamente, que as tutelas de cognição sumarizadas no sentido vertical objetivam: (a) assegurar a viabilidade da realização de um direito (tutela cautelar); (b) realizar, em vista de uma situação de perigo, anteci­padamente um direito (tutela antecipatória fundada no art. 273, i, do CPC); (c) realizar, em razão das peculiaridades de um determinado direito e em vista da demora do procedimento ordinário, antecipadamente um direito (liminares de determinados procedimentos especiais); (d) realizar, quando o direito do autor surge como evidente e a defesa é exercida de modo abusivo, antecipadamente um direito (tutela antecipatória fundada no art. 273, II, do CPC).

A sumarização da cognição pode ter graus diferenciados, não dependendo da cronologia do provimento jurisdicional no íter do procedimento, mas sim da relação entre a afirmação fática e as provas produzidas. Perceba-se, por exemplo,

17. RTFR 102/94.18. V. Luiz G uilherm e M arinoni, N ovas linhas do p rocesso civil, p. 1 71-172 .19. É im portante lem brar o que disse a professora Ada Pellegrini Grino ver em intervenção em

congresso realizado em Bari: “A m io avviso ia cognizione som m aria - ed intendo qui per cognizione som m aria quella che lo e nel senso delia verticalità, com e cognizione m eno approfondita, non esauriente, che si lim ita ad un giudizio d iprobabilità e verosim iglianza - l a cognizione som m aria, dunque, e a mio a w iso una técn ica che deve necessariam ente portare a concepire processi difíerenziati. E ciò perche da un lato mi sem bra che si possa parlare di un diritto ad una cognizione che sia adatta alia natura delia controvérsia, nel quadro delle garanzie delia effettività delia giustizia, delia strum entalità dei processo e quindi dei processo ‘giusto’. D'altro canto, m i pare che sia attraverso un procedim ento idoneo che si debbano attuare le esigenze delle pretese m ateriali, guardando alia loro n a­tura, alTurgenza de lia tutela, alia definitività o m eno delia loro soiuzione” ( “Intervento”, L a tu te la d ’urgenza, A ttidel X V C o n v egn o N azio n ale ,B ari,4 -5 0 tto b re 1985 , p. 1 6 2 -1 6 3 ).

EFETIVIDADE DO PROCESSO E TÉCNICA PROCESSUAL 35

que a liminar do procedimento do mandado de segurança20 e a liminar do pro­cedimento cautelar diferem nitidamente quanto ao grau de cognição. No man­dado de segurança a liminar é deferida com base no juízo de verossimilhança de que a afirmação provada não será demonstrada em contrário pelo réu, enquanto a liminar cautelar é concedida com base no juízo de verossimilhança de que a afirmação será demonstrada, ainda que sumariamente, através das provas admi­tidas no procedimento sumário.

A tutela de cognição exauriente garante a realização plena do princípio do contraditório, ou seja, não permite a postecipação da busca da “verdade e da certeza”. Por isso mesmo, a tutela de cognição exauriente, ao contrário da tutela sumária, é caracterizada por produzir coisa julgada material.21

O juiz, quando concede a tutela sumária, nada declara, limitando-se a afirmar a probabilidade da existência do direito, de modo que, aprofundada a cognição, nada impede que assevere que o direito que supôs existir na verdade não existe.

O que faltava em nosso Direito era a expressa possibilidade da conces­são da tutela antecipatória no processo de cognição exauriente.22 Note-se que a “ação cautelar” que substituía o mandado de segurança que não mais podia ser impetrado em razão da decadência nada mais era do que uma ação de cognição exauriente onde se postulava uma tutela sumária. Tal ação, embora na prática rotulada de “cautelar”, afastava-se da cautelaridade na mesma proporção em que o “direito líquido e certo” se afasta da “fumaça do bom direito”. Nestes ca­sos, o desconhecimento da técnica da cognição fez pensar que a ação era “caute­lar satisfativa”, dispensando a propositura de uma “ação principal”, ou mesmo, que era necessária uma absolutamente inócua “ação principal”. Ora, a ação não era cautelar porque o juiz não se limitava a um juízo de verossimilhança, assim como “dispensava a ação principal” porque nada mais precisava ser conhecido.

A antecipação (arts. 273,1, e 461, § 3.°, do CPC) pode ser concedida antes de produzidas todas as provas tendentes à demonstração dos fatos constitutivos do direito, o que não acontece no caso do mandado de segurança. A antecipação é fundada na probabilidade de que o direito afirmado, mas ainda não provado, será demonstrado e declarado.

20. Sobre a liminar no mandado de segurança, v. Teresa de Arruda Alvim, M andado de segurança contra ato ju d ic ia l , p. 1 8 -3 1 ;J. M. de Arruda Alvím , “A notações sobre a medida lim inar em mandado de segurança”, RePro 39/16-26. O texto continua atual m esm o após o advento da nova lei do M andado de Segurança (lei 12 .016/2009).

21. V A . Proto Pisani, "Appunti sulla tutela som m aria”, I p rocessi specicdi, - Studi o fferti a Virgílio A ndrioli dai suoi a lliev i, p. 3 1 2 -3 1 3 .

22 . Sobre a tutela antecipatória no Código de D efesa do Consum idor, v. Rodolfo de Camargo M ancuso, M anual do consu m idor em ju ízo .

36 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Quando o direito do autor está evidenciado (prova dos fatos constituti­vos, por exemplo) e há uma defesa provavelmente infundada, a tutela antecipa­tória pode se basear no art. 273, II. Atua, como é óbvio, a técnica da cognição sumária.

No caso de tutela antecipatória através do julgamento antecipado de par­cela do pedido ou de um dos pedidos cumulados (fundada no art. 273, § 6.°), a cognição não é sumária, porém exauriente.

2.4.3 A técnica da cognição exauriente secundum eventum probationis

O mandado de segurança, como é curial, exige o chamado “direito líqui­do e certo”, isto é, prova documental anexa à petição inicial e suficiente para demonstrar a afirmação da existência do direito.

Quando o direito afirmado no mandado de segurança exige outra prova além da documental, fica ao juiz impossível o exame do mérito. No caso opos­to, ou seja, quando apresentada prova documental da alegação, o juiz julgará o mérito e, a sentença, obviamente, produzirá coisa julgada material. Como está claro, o mandado de segurança é processo que tem o exame do mérito condicio­nado à existência de prova capaz de fazer surgir cognição exauriente.

F: comum a afirmação de que direito líquido e certo é o que resul ta de fato certo, bem como a de que fato certo é aquele capaz de ser comprovado de plano. Trata-se de equívoco, pois o que se prova são as afirmações de fato. O fato não pode ser qualificado de “certo”, “induvidoso” ou “verdadeiro”; o fato apenas existe ou não existe. Como o direito existe independentemente do processo, este serve apenas para declarar que o direito afirmado existe; isto é, prova-se a afir­mação de fato, para que se declare que o direito afirmado existe. Acentue-se que a sentença de cognição exauriente limita-se a declarar a verdade de um enunciado, isto é, que a afirmação de que o direito existe é, de acordo com as provas produ­zidas e o juízo de compreensão do juiz, verdadeira; em outras palavras, o direito que o processo afirma existir pode, no plano substancial, não existir, e vice- versa. Não se prova que o direito existe, mas sim que a afirmação de que o direito existe é verdadeira, declarando-se a existência do direito (coisa julgada material).

No mandado de segurança, a afirmação de existência do direito deve ser provada desde logo, ou melhor, mediante prova documental anexa ã petição inicial. Destarte, não se pode aceitar a conclusão de Buzaid15 no sentido de que o direito líquido e certo pertence à categoria do direito material; trata-se, isto sim, de conceito nitidamente processual,24 que serve, inclusive, para a melhor

23. Do m an dado de seguran ça, p. 86 -87 .

24 . “O conceito de direito líquido e certo é tipicam ente processual, pois atende ao modo de ser de um direito sub jetivo no processo: a circunstância de um determ inado direito subjetivo

EFETIVIDADE DO PROCESSO E TÉCNICA PROCESSUAL 37

compreensão do processo modelado através da técnica da cognição exauriente secundum eventum pmbationis.

A prática apresenta o caso em que o impetrante do mandado de segurança procura demonstrar a existência do “direito líquido e certo” através de prova testemunha] ou pericial realizada antecipadamente. Entretanto, o direito líqui­do e certo não pode ser demonstrado através dessas provas, não só porque tais provas não constituem prova documental (porém apenas prova documentada), mas também porque se a prova testemunhai for admitida como suficiente para a demonstração de “direito líquido e certo” ocorrerá lesão ao direito de defesa, à medida que o réu não tem oportunidade de produzir prova para contrapor à prova antecipadamente realizada pelo autor, uma vez que somente pode valer-se de prova documental. Note-se que garantir participação na formação da pro­va (pericial ou testemunhai) nada tem a ver com o direito de produzir prova. Assim, são completamente destoantes dos princípios as decisões que admitem mandado de segurança com base em “produção antecipada de prova”. Talvez o equívoco na admissão de prova antecipada em mandado de segurança seja derivado da falta de definição dos conceitos de “prova documentada” e “prova documental”, o que é reflexo do esquecimento da lição de Bobbio, 110 sentido de que dar a cada coisa o seu nome não é mera preocupação formalista, porém necessidade para a construção de uma ciência.M

Por outro lado, como adverte Carlos Mário Velloso, “não se pode admitir que o impetrante ingresse em juízo para fazer, no curso sumaríssimo do manda­do de segurança, em que não há dilação, a prova das suas alegações; esta deve ser, aqui, sempre, prova preconstituída e sempre documental. A prova há de ser documental e os documentos comprobatórios do fato não podem padecer de dúvida. Se fossem impugnados de falsos, não seria possível a instauração do incidente de falsidade. Nesse caso não se poderia falar mais em direito líquido e certo”.26

Na realidade, no caso de o documento ser apontado como falso, é possí­vel pensar: (a) na impossibilidade de 0 juiz apreciar o mérito, por ausência de direito líquido e certo; (b) na possibilidade de o juiz desconsiderar a alegação

realm ente existir não lhe dá a caracterização de liquidez e certeza; esta só lhe é atribuída se os fatos em que se funda puderem ser provados de form a incontestável, cen a, no pro­cesso. E isso norm alm ente se dá quando a prova for docum ental, pois esta é adequada a uma dem onstração im ediata e segura dos fatos” (C elso Agrícola Barbi, Do m an d ad o de seguran ça, p. 55).

25 . Teoria delia scienza g iu r id ica , p. 217 .26. “Direito líquido e certo. D ecadência”, M andado d e seg u ran ça , p. 57.

38 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

da autoridade coatora e julgar o mérito; e (c) na admissão da produção de prova tendente à demonstração da existência da falsidade.27

A primeira alternativa nâo merece consideração por ser a menos adequa­da ao espírito do mandado de segurança. Ora, se bastasse a autoridade coatora afirmar a falsidade do documento para o juiz estar impedido de julgar o mérito, estaria aberto o caminho para a inefetividade do mandado de segurança. Seria licito, no entanto, admitir a possibilidade de uma eventual “injustiça”, para a preservação da efetividade da via do mandado de segurança, já que a sentença fundada em prova falsa pode ser objeto de ação rescisória? Alguém poderia su­por, de fato, que o caso seria de reserva de exceção, ou seja, que a arguição da falsidade somente poderia ser feita em ação inversa subsequente, precisamente a ação rescisória. Perceba-se, contudo, que impedir a produção da prova sobre o documento apontado como falso significa restrição à cognição no sentido ver­tical (ou ao aprofundamento da cognição), quando estaria sendo admitida uma sentença de cognição sumária com força de coisa julgada material.28

De modo que a opção correta é admitir a investigação da falsidade. A ob­jeção seria de que o procedimento estaria sendo desnaturado e alargado. Porém, o procedimento não estará sendo desnaturado, já que a prova, por óbvio, não terá por objeto o fato que o documento pretende representar, mas sim a pró­pria idoneidade do documento. Vale dizer: o procedimento continuará com a sua natureza que é documental intocada. Por outro lado, a questão do prejuízo com o alargamento do procedimento implica a consideração da eterna problemática posta pelo binômio “celeridade-segurança”. Neste caso, seria dada prioridade ao valor segurança em detrimento do valor celeridade apenas em razão da viabilida­de da concessão de liminar no procedimento do mandado de segurança. Demais, as provas requeridas por abuso poderiam ter resposta na imposição de pena por litigãncia de má-fé.

27. O TJSP, ao apreciar essa questão.jã concluiu : “Não pode ser deferido incidente de falsi­dade em mandado de segurança, onde o direito deve vir com provãvel de plano. Em se tratando de mandam us, im possível a produção de prova que não venha com a in icia l” (Jurispru dência B ra s ile ira 103/190).

28. D em ais, com o ensina o professor Egas M oniz de Aragão, é irrecusável que a prova “tende a proporcionar ao ju iz a form ação de seu convencim ento, razão pela qual tem ele, com o destinatário dela, o poder-dever de elim inar de entre as provas a serem consideradas o docum ento que lhe deform aria o ju lgam ento. Podem ser recordadas a esse respeito pa­lavras de C arnelutíi a propósito do assunto, ao dizer que 'a luta contra a falsidade é uma espécie de desinfecção social’, dado que ‘um a das condições para que a ju stiça seja bem adm inistrada é que a fé do ju iz não seja traída’ (causa certa surpresa, por isso, a afirm ação de Rosenberg, de o assunto não ter im portância prática)” (E xegese do C ódigo d e Processo C ivil, v, 4, t. 1/297).

El-ETIVIDADE DO PROCESSO E TÉCNICA PROCESSUAL 39

Observe-se, ainda, que a técnica da cognição exauriente secundum eventum probationis, além de permitir a construção de um processo célere e ao mesmo tempo de cognição exauriente, não elimina a possibilidade de o jurisdicionado, que lançou mão do mandado de segurança, mas necessitava de outras provas além da documental, recorrer ao procedimento ordinário. De acordo com a Sú­mula 304 do STF, a “decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria”.29 Este enunciado quer dizer que fica aberta a via ordinária àquele que teve denegado o mandado de segurança por ausência de direito líquido e certo; isto porque a sen­tença que afirma a ausência de direito líquido e certo não declara que o direito subjetivo material não existe.

2.4.4 A técnica da cognição exauriente enquanto não definitiva

Há casos em que, porque presente fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, é possível a antecipação da tutela após o encerramento da fase instrutória. Há também casos em que poderá ser necessária a antecipação da tutela após a sentença, antes ou depois da subida dos autos ao tribunal.

Nestes casos, aos quais se soma, entre outros, o da antecipação em razão do abuso de direito de recorrer, há sempre cognição exauriente mas não defini­tiva. Aliás, como demonstra Domenico Borghesi em recente ensaio publicado na Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, esta também é a técnica que funda a execução provisória da sentença.30

29. Com o diz W atanabe, “no processo de m andado de segurança, é entendim ento assente, in­clusive cristalizado em Súmula do ST F que ‘decisão denegatória dem andado de segurança, não fazendo coisa ju lgada contra o im petrante, não im pede o uso de ação própria’ (Súm ula 3 0 4 ) (art. 15 da Lei 1.533/51). O exam e exauriente do m érito da causa é dependente da existência de elem entos probatórios necessários para tanto. Informa Theotonio Negrão, com citação de inúm eros precedentes, que ‘a ju rispru d ência do STF, dando entendim ento a esta Súm ula, vem afirm ando que a decisão que denega a segurança, se aprecia o m érito do pedido e entende que o im petrante não tem direito algum (e não que apenas lhe falta direito iíquido e certo), faz coisajulgada m aterial, im pedindo a reapreciação da controvér­sia em ação ordinária” (D a cog n ição no p rocesso civil, p. 8 9 ). A Lei 1.533/51 foi revogada p elaN ovaL ei do M andado de Segurança, lei 12.016/2009. O art. 15 referido corresponde ao art. 19 da lei atual.

30. “ Un ultim o telegráfico accenno vorrei dedicare alia prow isoria esecutorietà delia sentenzadi prim o grado che rappresenta un caso in cui T esecutività consegue a una cognizione n on d efinitiva’ che si differenzia in m odo n etto da quelli precedentem ente esam inati perche la cognizione, pur non essendo definitiva, nel senso che la sentenza puô essere riform ata nei successivi gradi di giudizio, e tuttavia piena ed esauriente" (D om enico Bor ghesi, “Lanticipazione dell’esecuzione forzata nella riforrna dei processo civile”, Rivista Trim estrale di D iritto e P rocedura C ivile, 19 9 1 , p. 197).

40 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

2.4 .5 A técnica da cognição exauriente por ficção legal conjugada com a técnica da cognição exauriente secundum eventum defensionis

A ação monitoria compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel.

No procedimento monitório, estando a petição inicial devidamente ins­truída, o juiz deve deferir, sem a ouvida do réu, a expedição do mandado de pagamento ou de entrega de coisa, que se tornará definitivo em caso de não oposição ou de rejeição dos embargos.

O procedimento monitório é resultado da combinação da técnica da cog­nição exauriente por ficção legal com a técnica da cognição exauriente secundum eventum defensionis. Objetiva a formação do título executivo sem as delongas do procedimento de cognição plena e exauriente, deixando ao devedor ou ao obrigado o juízo de oportunidade sobre a instauração de embargos. A não apre­sentação de embargos faz surgir o título executivo, ficando o juiz impedido de determinar a produção de prova tendente à averiguação da existência do direito afirmado, que, na verdade, é considerado existente por ficção legal. Trata-se da adoção de um critério racional, que responde à exigência de se evitar um des­necessário procedimento de cognição plena e exauriente quando a prova escrita demonstra, em alto grau de probabilidade, a existência do direito.

2.4.6 A técnica dos títulos executivos extrajudiciais

A técnica dos títulos executivos extrajudiciais também é uma técnica de sumarização, à medida que elimina a necessidade de o juiz averiguar a existên­cia do direito, que o próprio título faz presumir presente.

A limitação ao direito de defesa decorre igualmente de um critério racional, justificado pelo alto grau de probabilidade conferido pelo título. Como o título indi­ca apenas um alto grau de probabilidade, abre-se mão da “certeza”, assumindo-se o risco de eventual erro, em virtude daquilo que comumente ocorre. O risco de erro é deliberadamente aceito em razão de uma maior efetividade da tutela dos direitos.31

3 1 . Com o diz D inam arco, “ao instituir títulos além da sentença condenatória civil ordinária, age o legislador por critério de probabilidade, sabendo que sempre algum risco haverá, mas entendendo tam bém que vale a pena corrê-lo ; vale a pena, porque as vantagens ob­tidas na grande m aioria dos casos têm muito mais significado social que eventuais males sofridos em casos proporcionalm ente reduzidos quanto aos quais, de resto , fica aberta a via defensiva consistente nos embargos à execução. Tem-se, então, na técnica consistente em tipificar os títulos executivos, o culto ao escopo social de pacificação m ediante elim inação dos conflitos. O legislador acha preferível enfreniar o risco de perm itir a instauração de algum processo executivo sem o correspondente direito subjetivo m aterial, concedendo

EFETIVIDADE DO PROCESSO E TÉCNICA PROCESSUAL 41

Os títulos executivos extrajudiciais, segundo denúncia de Proto Pisani,32 sempre privilegiaram determinados sujeitos e seus respectivos direitos, razão pela qual, em atenção ao princípio da isonomia, o Professor de Florença propõe o alargamento da técnica dos títulos extrajudiciais a todas as hipóteses em que um documento idôneo seja capaz de fornecer um grau de probabilidade consi­derado suficiente, independente do peso político dos sujeitos que poderão deles usufruir.33

A técnica dos títulos executivos extrajudiciais, como é óbvio, não pode privilegiar posições sociais,34 devendo estar atenta apenas a uma maior efeti­vidade do processo. Deve ser valorado o grau de benefício social que o título trará, na exata medida em que o risco de erro justifica o emprego da técnica de sumarização para o encontro da pacificação social.

De acordo com o art. 585, II, do Código de Processo Civil, são títulos exe­cutivos extrajudiciais “a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas teste­munhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores”. Isso significa dizer, em outras palavras, que constituem títulos executivos extrajudiciais: (a) a escritura pública; (b) outro documento público assinado pelo devedor; (c) o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; e (d) a transação de­vidamente referendada.

A redação antiga do art. 585, H, aludia ao documento público e ao parti­cular, “assinado pelo devedor e subscrito por duas testemunhas, do qual conste a obrigação de pagar quantia determinada, ou de entregar coisa fungível". A supres­são da parte final do antigo inciso II do art. 585 representa importante alteração, pois em razão dela os documentos pertinentes a dar coisa certa, ou às obrigações

ao exequ ente a realização de m edidas constritivas (esp ecialm ente, penhora) e talvez causando algum dano ao executado” (A im tn u n en ta lid ad e d o processo , p. 2 56).

32 . “Di falto storicamente il ricorso a questa técnica e stato (n e, a mio avviso, poteva essere diversam ente) influenzato anched atlaop p ortu n itàd i privilegiare i soggeti reali portatori dei titolo ed i relatividiritti (e sin tom ático, a tale riguardo, che la stragrande maggioranza dei titoli esecutivi di form azione stragiudiziale e a disposizione di imprenditori com merciali edi P ubbíicheA m m inistrazioni)” (Andrea Proto Pisam, “Appunti sulla tutela som m aria”,I processi speciali. Studi offerti a Vírgílío A ndríoli dai suoi a lliev i, p. 3 1 8 ).

33. Idern, ibidem.34. “M esm o assim, e apesar de tal atitude doutrinária, de duvidosa legitim idade, os m esm os

escritores que condenavam os ‘processos sum ários’, ou, com o diz Segni, os juízos espe­ciais’, nunca repudiaram, por exem plo, a longa e laboriosa teoria dos títulos de crédito, por meio dos quais os ‘em presários’ podiam livrar-se do tão elogiado procedim ento ordinário, servindo-se do mais puro e bem leito processo sum ário que a doutrina moderna jam ais con ceb eu !” (Ovídio Baptista da Silva, C urso de p rocesso c iv il, v. 1/105).

42 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

de fazer e de não fazer, passaram a constituir título executivo extrajudicial. Com isto foi aberto importante espaço para a tutela executiva, já que agora qualquer obrigação, desde que atestada nos documentos referidos no inciso II, poderá ser exigida através de ação de execução.

2.5 A técnica das sentenças diferenciadas. A antecipação em face dasvárias espécies de sentenças

Como já foi dito, a sentença é a técnica processual, estruturada pelo le­gislador, para prestar a devida tutela dos direitos. Resumindo: a sentença é o instrumento técnico que presta a tutela.

Como são diversas as necessidades decorrentes do direito substancial, são variadas as tutelas que precisam ser prestadas para que os direitos possam ser efetivamente protegidos. Assim, por exemplo: o direito que está na iminência de ser lesado exige tutela inibitória; aquele que sofreu dano tem direito à tutela ressarcitória.

Acontece que para que a tutela possa ser concedida é necessária a adequa­da estruturação da técnica processual, aí compreendida a sentença. A sentença não deve ser vista apenas como o ato que encerra o processo ou, no caso da sentença condenatória (art. 475-J, CPC) a fase do processo destinada ao julga­mento do mérito, mas como o ato do juiz que deve tutelar o direito.

As sentenças são várias, isto é, são classificadas em diversas espécies, exatamente pela razão de que para a tutela dos direitos não basta apenas uma es­pécie de sentença. As sentenças são classificadas em declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental e executiva por permitirem tutelas diferenciadas. Exemplificando: a tutela inibitória não pode ser prestada por meio da sentença condenatória. Aquele que deseja a constituição ou a desconstituição de uma si­tuação jurídica não deve postular sentença mandamental ou sentença executiva.

No que diz respeito à técnica antecipatória, é preciso pensar da seguinte forma: quando o autor deseja um fazer ou não fazer, pode ser solicitada sentença executiva ou mandamental (arts. 461 do CPC e 84 do CDC). Quando se preten­de a entrega de coisa, também pode ser solicitada sentença executiva ou manda mental (art. 461-A). Nestes dois casos a tutela antecipatória deve ser postulada com base nos artigos referidos.

Quando a pretensão diz respeito a uma soma em dinheiro, que pode ser devida em razão de dever legal (inclusive o de indenizar) ou de obriga­ção contratual, e se pretende, para a eventualidade de a sentença não vir a ser cumprida voluntariamente, execução por expropriação, deve ser solicitada sentença condenatória. Quem deseja soma em dinheiro, contudo, muito embo­ra tenha solicitado sentença condenatória, pode solicitar tutela antecipatória de soma, aplicando-se o art. 273.

EFETIVIDADE DO PROCESSO E TÉCNICA PROCESSUAL 43

Nos casos em se pede sentença declaratória ou sentença (des)constituti- va, e se deseja tutela antecipatória, não cabe olhar diretamente para os artigos que tratam das situações em que se pretende um fazer, um não fazer ou a entrega de uma coisa, mas sim para o art. 273, muito embora os arts. 461 e 461-A possam, nestes casos, também ser invocados.

Contudo, é necessário frisar que a previsão de tutela antecipatória em caso de abuso de direito de defesa e as demais regras constantes do caput e dos pará­grafos do art. 273 incidem quando se está diante de qualquer espécie de sentença, seja ela declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental ou executiva.

2.6 A técnica da antecipação

2.6.1 Considerações prévias

A técnica antecipatória permite que se dê tratamento diferenciado aos direitos evidentes e aos direitos que correm risco de lesão. O direito que pode ser evidenciado de plano exige uma tutela imediata e o legislador responde a tal necessidade tomando viável a antecipação quando, evidenciado o direito, a de­fesa é exercida de modo abusivo. No caso de risco de lesão, a tutela antecipatória funda-se na probabilidade da existência do direito e no fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

O art. 273 fala em antecipação parcial ou total dos efeitos da tutela preten­dida no pedido inicial. Importa saber, portanto, do que está falando o legislador. Não é o caso de se pensar que a antecipação tem conteúdo apenas fático, e não jurídico, como gostaria a doutrina que enxergava na tutela cautelar uma simples sistematização de fato da controvérsia, ou a doutrina perfilhada por Baur,35 que vê na satisfação do interesse do requerente da ordem judicial de prestação (me­dida provisória) uma mera satisfação fática. Na verdade, a ideia que foi vulgari­zada na ciência processual, no sentido de que a tutela de cognição sumária não poderia dar outra satisfação que não uma satisfação fática, possui profundas ra­ízes na tese chiovendiana de ação cautelar como “mera ação". Para a atribuição da qualidade “jurídica” aos efeitos produzidos pela tutela antecipatória pouco importa o fato de que a tutela antecipatória supõe a existência de um direito que pode ser negado na sentença de cognição exauriente.

Aliás, é interessante lembrar a insistência, que possui fundamento chio- vendiano e mesmo pós-chiovendiano, no sentido de que só há jurisdição onde há provimento capaz de produzir coisa julgada material. A ideia de ligar juris­

35 . Studien zum e in stw eilig en R ech tssch u tz , P- 52 e ss. Em sentid o con trário , porém , na doutrina a lem â:Jau em ig , “D er zulãssige In h alt einstw eiliger V erfügungen”, ZZP, 1 9 6 6 , p. 3 3 3 e ss.

44 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

dição a coisa julgada material, que deu origem ao “mito da coisa julgada”, está destinada a desaparecer em vista das novas exigências do mundo contemporâ­neo, que não mais podem esperar a “coisa julgada material” (isto é, a declaração relevante, que somente pode ser produzida pela cognição exauriente) para a realização dos direitos.36 Não é apenas a qualidade da coisa julgada material que dá conteúdo jurídico a um provimento, nem é apenas a tutela marcada pela coi­sa julgada material que incide sobre as relações substanciais. A tutela satisfativa (de cognição) sumária realiza o direito material afirmado pelo autor, ou, em outras palavras, dá satisfação ao direito material afirmado, obviamente incidin­do (ainda que, na angulação processual, de forma provisória) sobre o plano das relações substanciais. A realização de um direito através da tutela antecipatória é realização de um direito que preexiste à sentença de cognição exauriente.

A tutela antecipatória produz o efeito que somente poderia ser produzido ao final. Um efeito que, por óbvio, não descende de uma eficácia que tem a mes­ma qualidade da eficácia da sentença. A tutela antecipatória permite que sejam realizadas antecipadamente as conseqüências concretas da sentença de mérito. Essas conseqüências concretas podem ser identifica das com os efeitos externos da sentença, ou seja, com aqueles efeitos que operam fora do processo e no âm­bito das relações de direito material.37

Note-se, além disso, que no caso de tutela antecipatória mediante o ju l­gamento antecipado de parcela do pedido ou de um dos pedidos cumulados (v. a seguir), não há produção imediata de um efeito que somente poderia ser produzido pela sentença de mérito, mas apenas a antecipação do momento em que deveria ser proferido o julgamento do pedido, compreendido este momento como o final do processo, ou seja, aquele em que todos os pedidos cumulados (ou a integralidade do pedido) estão maduros para julgamento.

2.6.2 Antecipação e sentença condenatória

A “antecipação total dos efeitos” da sentença condenatória nada mais é do que a antecipação do efeito executivo (ou melhor, a produção antecipada do efeito executivo) da sentença de condenação, que torna viável a antecipação da realização do direito afirmado pelo autor. A “antecipação total dos efeitos” da sentença condenatória consiste na antecipação da realização do direito que o autor pretende ver realizado. A antecipação “parcial” dos efeitos da sentença nada mais é do que a antecipação do efeito executivo para a antecipação da rea­

36. Nesse sentido é significativa a afirm ação de Vittorio Denti: “ La stelia dei giudicato scm bra cosi destinata ad im pallidire nel sistema com plessivo delia tutela” ( “Intervento”, L a tutela d ’urgenza7 Atti dei XV Convegno Nazionale, Bari, 4 -5 O ttobre 1985, p. 167).

37 . V Ferruccio Tornrnaseo, I provvedim enti d ’u rgen za , p. 2 4 7 e ss.

EFETIVIDADE DO PROCESSO E TÉCNICA PROCESSUAL 45

lização de parcela do direito afirmado, assim como ocorre com a antecipação “do pagamento” de soma não contestada, prevista no art. 186-”bis”38 da refor­ma do Código de Processo Civil italiano.39 Desta maneira, por exemplo, se o autor pede 100 e o réu afirma que deve 50, não há razão para não se admitir a antecipação parcial com base no inciso II do art. 273, como será visto adiante. Do mesmo modo, não há razão para não se admitir (entre outros casos), com base nos incisos I ou I I do art. 273, a antecipação “da execução” de parcela da soma pretendida pelo autor de uma ação de indenização fundada em ato ilícito. Lembre-se que na Itália a Lei 990, de 24.12.69, autoriza a antecipação de até 4/5 do provável valor a ser pago no final, em favor daquele que demonstra necessi­tar da soma para suprir necessidades primárias (art. 24).40

É possível, por outro lado, a antecipação do efeito executivo no caso de pedido condenatório cumulado.41 Nestas hipóteses, como é óbvio, não é correto pensar em antecipação “parcial”, mas sim em antecipação do efeito executivo para a realização do direito afirmado na demanda cumulada. Como se vê, há an­tecipação parcial, no caso de sentença de condenação, apenas quando há anteci­pação do efeito executivo para a antecipação da realização de parcela do direito.

Na realidade, como já foi dito no início deste item, não há propriamente antecipação dos efeitos da sentença, ou mesmo antecipação do efeito executivo, mas sim produção antecipada do efeito executivo para a realização imediata do direito. Esta realização antecipada pode ser total ou parcial, e nesta hipótese fica ainda mais evidente que não é correto pensar em antecipação do efeito executivo, uma vez que não pode haver antecipação de parte de um efeito, mas apenas produção antecipada de um efeito para uma finalidade parcial. Nesta li­nha, se o que é antecipado é um bem da vida, antecipa-se a tutela, e não a sentença; como já fo i explicado, a sentença é somente uma técnica para a prestação da tutela.

38. V Sergio La China, D iritto p rocessu ale civ ile: la n ovella d ei 1990, p. 4 6 e ss.; Edoardo E R icci, “1 prow ed im enti interinali e cau ielari", La r ifo rm a dei p rocesso civile, p. 51 e ss.; Federico Carpi, “E sem pre tem po di riform e urgenti dei processo civ ile", Rivista Trim es­tra le di D iritto e P rocedura C ivile, 19 8 9 , p. 481 e ss.; D om enico Borghesi, “Uanticipazione d elfesecuzione forzata nella riform a dei processo civile”, Rivistú T rim estrale di D iritto e P rocedura C ivile, 1991 , p. 191 e ss .

39. Sobre a reforma do Código de Processo Civil italiano, é im portante consuiLar o trabalho de Jo sé Rogério Cruz e Tucci, “Diretrizes do novo processo civil italiano", RePro 69/113 e ss.

40. V. Sergio C hiarlom , Ituroduzione a lio studio d ei diritto p rocessu ale civ ile, p. 71 -72 ; Federico Carpi, “La tuteladurgenza fra cautela, ‘sentenza anticípata’ e giudizio di m erito”, L a tutela d ’urgenza, p. 59. D oinesm oautor, “E sem pre tempo di riform e urgenti dei processo civ ile”, R ivista Trim estrale di D iritto e P rocedura C iv ile , 1989 , p. 4 7 1 -4 9 1 .

41 . V G iuseppe Tarzia, “C onnessione di cause e processo sim ultâneo”, Rivista T rim estrale di D iritto e Procedura C iv ile, 1988, p. 128 e ss.

46 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Perceba-se que, se a antecipação fosse dos efeitos da sentença condena­tória, somente seria possível a execução da tutela antecipatória de soma em dinheiro por meio da modalidade executiva que deve seguir a sentença que con­dena a tal pagamento. Contudo, pensando-se na antecipação “da tutela” - e não apenas na antecipação dos efeitos da sentença que a presta e admitindo-se que o instituto da tutela antecipatória existe para permitir a obtenção antecipada de um “bem da vida”, não há como conceber a impossibilidade do hso dos meios executivos que sejam realmente capazes de conferir a “tutela” na form a antecipada. Melhor explicando: se a tutela que implica a antecipação de soma não pode ser entregue através da forma executiva que segue a sentença condenatória, cabe ao juiz, de acordo com a situação concreta que lhe é apresentada, determinar a modalidade executiva mais adequada para a efeãva entrega da tutela (aplicando os princípios do meio idôneo e da menor restrição possível).

2.6.3 Antecipação e sentenças declaratória e constitutiva

2.6.3.1 Considerações iniciais

A técnica antecipatória é imprestável para a tentativa de sistema tização dos provimentos sumários. É inviável a classificação dos provimentos sumá­rios pretendendo-se como gênero a tutela antecipatória. Pasquale Frisina, aliás, investigando tal possibilidade concluiu, acertadamente, que o fenômeno da an­tecipação não constitui um fato constante no âmbito da tutela de urgência, ao ponto de constituir um elemento técnico inerente a sua estrutura.42

Por igual razão, não é correto pensar que a urgência é a nota caracteri- zadora da tutela antecipatória, ou melhor, que a tutela de urgência é o gênero do qual constituem espécies a tutela antecipatória e a tutela cautelar. É que aí faltaria lugar para a tutela antecipatória fundada em abuso de direito de defesa. Ora, o que importa, considerando-se o art. 273, que possui um caput que se refere à tutela antecipatória fulcrada em fundado receio de dano e à tutela antecipatória fundada em abuso de direito de defesa, é pensar em um gênero que seja capaz de cobrir estas duas espécies de tutelas; a urgência, como é óbvio, nada tem a ver com a tutela antecipatória fundada no inciso II do art. 273, e, desta maneira, tem ligação direta apenas com um dos incisos do seu caput.

42. Pasquale Frisina, “La tutela anticipaloria: profili íunzionali e strutturali”, R ivista di D iritlo P rocessuale , 1986 , p. 3 6 4 e 55. Tommaseo tem a mesma opinião: “Bisogna innanzilutto sgom brare il terreno dal convincim ento, tanto diffuso quanto erroneo e sviante, che il fenom eno deH’antícipazione si presenti com e un fatto costante nelTàmbíto delia tutela cautelare, ai punto da risolversi in un elem ento técnico inerente alia struttura delia me- desim a” (Ferru ccio Tom m aseo, í provved im enü d ’urgenza: struttura e lim ití d e lia tutela an tic ip a lor ia , p. 7).

EFETIVIDADE DO PROCESSO E TÉCNICA PROCESSUAL 47

A tutela antecipatória, em um sentido restrito, significa a tutela que ante­cipa as tutelas que podem ser prestadas pelas sentenças condenatória, executiva e mandamental. Nesse sentido, nem toda tutela sumária satisfativa, ou tutela que realiza um direito com base em cognição sumária, constituiria tutela anteci­patória, pois nada impede, por exemplo, um provimento sumário mandamental no curso de uma ação declaratória.

A questão da tutela anlecipatória em face das ações declaratória e consti­tutiva, certamente o problema mais difícil posto pela recente reforma do Código de Processo Civil de 1994, obriga-nos a partir da análise do direito italiano, onde não só se discute acerca da tutela antecipatória nas ações declaratória e constitutiva, mas também se põe em virtude da nova redação do art. 282 do Código de Processo Civil a intrigante problemática da “execução imediata” das sentenças constitutiva e declaratória.

2 .6 .3 .2 A questão da "execução imediata" das sentenças declaratória e constitutiva no direito italiano

Assim dispunha o art. 282 do Código de Processo Civil italiano:“282. Execução provisória [1] Mediante requerimento da parte, a senten­

ça apelável pode ser declarada provisoriamente executiva entre as partes, com ou sem caução, se a demanda se fundar em documento público, escrito parti­cular reconhecido ou sentença transitada em julgado, ou mesmo em caso de perigo no retardo.

“[2] A execução provisória deve ser concedida, sempre mediante reque­rimento da parte, no caso de sentenças que condenam ao pagamento de provi- sionais ou a prestações alimentares, salvo quando existem particulares motivos para refutá-la”.

Embora a primeira parte deste artigo não se referisse expressamente à sentença de condenação, nâo era grande o interesse suscitado pela possibilidade da produção imediata dos efeitos das sentenças declaratória e constitutiva no direito italiano anterior à reforma de 1992.43

O novo art. 282 afirma, simplesmente, que a sentença de primeiro grau é provisoriamente executiva entre as partes.44 O fato de o art. 282 admitir, em princípio, a produção imediata dos efeitos da sentenças constitutiva e declarató-

43. Não pode ser esquecida, é certo, a obra de Carpi (L a p ro w iso r ia esecu torietà d e lia senten- zu). M erece destaque, tam bém , o trabalho de Gianpaolo Impagnaliello, “La prow isoria esecutorietà delle sentenze costitutive”, R ivista Trim estrale di D iritto e Procedura C ivile, 1992 , p. 47 e ss.

44. “282 . Esecuzione prow isoria [ 1 ] La sentenza di primo grado e provvisortamente esecutiva tra le parti".

48 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

ria, toma o direito italiano uma fonle muita rica, em termos de direito compa­rado, para a solução do problema da tutela antecipatória nas ações declaratória e constitutiva.

Durante os trabalhos preparatórios à reforma processual italiana, ticou clara a intenção do legislador em não limitar o art. 282 à execução imediata da sentença condenatória.*5 A questão foi debatida no Senado italiano e a proposta do senador Acone, que restringia o art. 282 às sentenças de condenação, foi rejeitada sob o argumento apresentado pelo senador Lipari de que numerosas sentenças declaratórias ou constitutivas podem ser beneficiadas pela norma.40

A recente doutrina italiana, ao comentar o novo art. 282, mostra-se di­vidida. Proto Pisani, por exemplo, propõe que seja repensada, a partir de pres­supostos novos, a problemática da eficácia da sentença.47 Luigi Montesano e Giovanni Arieta, em obra conjunta, dizem o seguinte:

“A eficácia de que falamos deve certamente atribuir-se às sentenças con- denatórias, que abrem ensejo à execução forçada prevista no terceiro livro do Código de Processo Civil e, pensamos, também àquelas que produzem efeitos constitutivos, já que a sanção executiva também implica em modificações subs­tanciais; não, ao invés, às sentenças meramente declaratórias, dada a radical diferença entre esta eficácia e a modificação substancial descrita no arí. 2.908 do Código Civil”.48

Tarzia, ao tratar do assunto, assim coloca a questão:“São executivas, antes de tudo e certamente, as sentenças condenató-

rias. Duvidoso é, ao invés, se a executoriedade provisória possa ser atribuída às sentenças meramente declaratórias; e é uma dúvida que parece que deve ser resolvida em sentido negativo, quando à declaração não se liguem diretamente outros efeitos. A autoridade das sentenças declaratórias, quando é invocada em um outro processo e diz respeito a causas prejudiciais, independe da executo­riedade e pode determinar a suspensão do processo prejudicado, se a sentença é impugnada (art. 337, 2 comma, CPC).

“Controvertido mesmo é se a executoriedade provisória diz respeito às sentenças constitutivas. É preferível em regra e na falta de regras específicas em contrário a solução positiva, considerando-se o fato de que a sentença constitu­tiva cria situações novas que a executividade pode antecipar em relação à coisa julgada, e é frequentemente a base de uma sentença conseqüente de condenação (cf., por exemplo, a resolução de contrato por inadimplemento e a condena­

4 5 . Cf. Bruno Lasagno, L e rijorm e dei p rocesso civ ile (a cu ra di Sergio C h iar lon i), p. 342.46. ldem , ibidem.4 7 . Andrea Proto Pisani, La (movei discip lin a dei p rocesso civ ile, p. 195.48. Luigi fvíontesano-Giovanni Arieta, D irin o p rocessu ale civ ile, v. 2 , p. 185-186 .

EFETIVIDADE DO PROCESSO E TÉCNICA PROCESSUAL 49

ção ao ressarcimento dos danos). A solução oposta poderia também colocar em perigo a executoriedade provisória da própria sentença condenatória. Esta conclusão se sustenta a partir da premissa de que a executoriedade não eqüivale à idoneidade da sentença para constituir título executivo: idoneidade que deve ser reconhecida apenas às sentenças condenatórias que abrem margem à exe­cução forçada”.49

A doutrina italiana parece admitir a possibilidade de a sentença constitu­tiva ainda não transitada em julgado produzir efeitos imediatamente em alguns casos, bem como, e aí de forma praticamente pacífica, a execução imediata da sentença condenatória derivada de pedido condenatório cumulado com pedido constitutivo.

Na verdade, já antes da reforma processual italiana, Federico Carpi, em uma das melhores obras já escritas sobre a “execução provisória da sentença" na Itália, admitia a possibilidade da antecipação i) das conseqüências condena­tórias de sentenças constitutivas; ii) dos próprios eleitos constitutivos (consti­tuição de servidão de passagem); iii) de conseqüências concretas de sentenças declaratórias; e mesmo de iv) efeitos de sentenças constitutivas que abrem opor­tunidade a formas de execução não forçada.50

2 .6 3 .3 A tutela antecipatória, mediante os provvedimenti 'urgenza, na Itália

Outro ponto de grande importância para a comparação está no art. 700 do Código de Processo Civil italiano, que abre ensejo aos chamados provvedimenti d’urgcnza.

A norma do art. 700, como se sabe, é semelhante à norma do nosso art. 798; tal norma, portanto, diria respeito em princípio apenas à tutela cautelar. Contudo, na Itália, à semelhança do que aconteceu no Brasil antes da reforma de 1994, também ocorreu uma expansão da tutela de urgência a partir da tutela cautelar. Assim, a norma (do art. 700) que, em princípio, apenas admitiria a tutela cautelar, passou a albergar também a tutela antecipatória, permitindo à doutrina discutir a viabilidade da antecipação da tutela nas ações declaratória e constitutiva.

Tommaseo, na grande obra italiana a respeito da técnica antecipatória nos provvedimenti d’urgenza, admite que sejam extraídas conseqüências concretas de um provimento que supõe a probabilidade da procedência de uma demanda declaratória ou de uma demanda constitutiva. Porém, ao tratar de questão mais difícil, exatamente a que diz respeito à possibilidade da antecipação do efeito

49. Giuseppe Tarzta, Líneam enti dei nu ovo p rocesso di cogn izione, p. 1 86-18 /.50. Federico Carpi, La p ro w iso r ia esecu tor ietà d e lia sen ten za , p. 59 e ss.

50 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

declaratório para atribuir ao autor o bem jurídico da certeza, chega a uma con­clusão negativa. Diz o eminente professor italiano:

“Não há dúvida que se a questão é colocada de modo assim tão drástico a resposta somente pode ser negativa: isto, perceba-se, não por uma pretensa incompatibilidade lógica entre certeza e provisoríedade, mas em razão da intrín­seca inidoneidade da cognição cautelar para permitir ao juiz antecipar aquela certeza a respeito das relações jurídicas em que se reduz o bem atribuído pela sentença declaratória”.51

Admite. Tommaseo, entretanto, que uma “declaração sumária” evidente­mente possível na perspectiva da técnica processual pode ser útil ao autor da demanda declaratória. De acordo com Tommaseo, a tutela sumária declaratória pode ser útil para o autor determinar o seu comportamento em face de deter­minadas situações de direito substancial. Exemplifica o autor italiano com a hipótese de tutela requerida pelo empregador que declara antecipada e suma­riamente a legitimidade da despedida de um empregado. Eis a argumentação desenvolvida pelo processualista:

“Se é, então, verdadeira aquela doutrina segundo a qual não pode ser antecipada em sede cautelar o efeito declaratório da senLença de mérito, não obstante nos podem perguntar se não é suficiente, para o fim de satisfazer pro­visoriamente o interesse do requerente, a obtenção daquela certeza de grau mais modesto que resulta na valoração em termos de probabilidade do bom direito afirmado pela parte.

“Sem dúvida, a concessão da tutela urgente é subordinada, aqui como nos outros casos, à irreparabilidade do prejuízo e à idoneidade da medida para reme­diar o perigo de dano. Foi visto que a situação de incerteza pode ser indicadora de prejuízo irreparável, mas se pode duvidar se a valoração em termos de mera verossimilhança do direito do requerente seja por si só idônea para remediar o prejuízo e para justificar um apreciável interesse do requerente em obter em sede urgente a antecipação da mera declaração.

“Os exemplos retirados da jurisprudência mostram que tal interesse pode surgir em concreto quando a parte esteja em condições de valer-se do dictum judicial para determinar o seu próprio comportamento em vista de particulares situações de direito substancial. Assim, a tutela urgente de mera declaração se apresenta no seu conteúdo mais restrito e, ao mesmo tempo, mais significativo lá onde o requerente pede ao juiz a valoração em sede cautelar da legitimidade de um próprio ato. Assim, a tutela de urgência pode conter a valoração ante­cipada da nulidade da cláusula de um contrato ou de um estatuto societário. Nestes casos, sempre que subsista em concreto um prejuízo irreparável para

51. Ferruccio Tom m aseo, I provvedim enti d ’urgenzã, p. 257.

EFETIVIDADE DO PROCESSO E TÉCNICA PROCESSUAL 51

ser eliminado, o interesse da parte parece encontrar satisfação também em uma forma atenuada de certeza, fundada sobre um juízo de mera verossimilhança que se forma em sede cautelar. A ação de conhecimento que a parte terá o ônus de propor servirá para transformar a probabilidade em certeza e para produzir aquele efeito declaratório que apenas impropriamente, como foi visto, pode ser dito antecipado em sede cautelar”.52

Gianpiero Samori, em ensaio intitulado “La tutela cautelare dichiarativa”, publicado na Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, entendeu que não seria possível nem mesmo uma declaração sumária, nos moldes preconizados por Tommaseo.53 Segundo Samori, tal tipo de tutela não teria utilidade práti­ca alguma. Para esse autor, a tutela sumária declaratória não é justificada na perspectiva funcional em vista da inidoneidade da decisão para garantir uma concreta utilidade ao autor, que não pode pretender utilizá-la como fonte de legitimação de um comportamento.54

2.6.3 .4 Considerações críticas a respeito da tutela antecipatória nas ações declaratória e constitutiva (v. item 3.3.11)

a) É preciso dizer, antes de mais nada, que depois de muita meditação chegamos à conclusão, contrária à doutrina dominante, de que não há motivo que possa impedir, na perspectiva técnico-processual, uma constituição ou uma declaração fundada em cognição sumária.

O problema não é o de admitir uma constituição ou uma declaração fun­dada em cognição sumária, mas sim o de se indagar sobre a viabilidade e a utilida­de destas tutelas em face das diversas situações concretas. Assim, por exemplo, se é completamente inviável uma constituição provisória nas ações de estado, não parece ser impossível a constituição provisória de um aluguel.

Por outro lado, a utilidade da declaração sumária e da constituição su­mária depende da sua observância pela parte a que se destina e dos meios que o direito processual estabelece para que tal tutela tenha efetividade no caso de não ser observada.

b) É impossível a antecipação da eficácia meramente declaratória, ou mesmo conferir antecipadamente ao autor o bem da “certeza jurídica”, o qual somente é capaz de ser a ele atribuído pela sentença declaratória. A cognição

52. Ferruccio Tom m aseo, I provvedim enti d ’urgen za, p. 2 5 7 -2 5 9 .53. G ianpiero Sam ori, “La tutela cauíelare dichiarativa”, Ri vista Trim estrale di D iritto e P ro­

ced u ra C ivile, 1995 , p. 9 4 9 e ss.

54. Idem, p. 969.

52 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

inerente ao juízo antecipatório é por sua natureza completamente inidônea para atribuir ao autor a “declaração” ou a “certeza jurídica” por ele objetivada.35

Porém, como foi lembrado (v, item 2.6.3.3), Tommaseo entende que uma declaração sumária (e não a eficácia declaratória, que exige cognição exaurien- te) pode ser útil ao autor que necessita praticar urgentemente um ato e teme que a sua atuação possa ser considerada ilegítima.

Contudo, não conseguimos ver utilidade alguma no exemplo fornecido pelo ilustre processualista italiano, que permitiria ao juiz “declarar sumaria­mente” a legitimidade da despedida de um empregado. A declaração sumária da legitimidade de um ato parece valer muito pouco - ou talvez nada quando se percebe que o juiz pode julgar improcedente o pedido dedaratório ainda que já tenha, no juízo antecipatório, “declarado sumariamente” algo no sentido inverso.

Se o juiz julga improcedente o pedido dedaratório, fica definida a ilegiti­midade do ato que na “decisão sumária” foi suposto legítimo, devendo o autor responder como se a declaração sumária não houvesse sido pronunciada.

Se é assim, e se o autor não precisa de autorização judicial para, por exem­plo, despedir um empregado, não há como se vislumbrar alguma utilidade na “declaração sumária”.

c) No caso de tutela antecipatória em ação constitutiva, alguém poderia argumentar que é impossível a antecipação da “aquisição” de um direito ou mesmo a antecipação do exercício de um direito que depende de uma senten­ça constitutiva, ou seja, que ainda deve ser constituído. Estaria sendo adotada a doutrina já difundida por Calvosa, que não admite o uso do provvedimento d’urgenza para garantir o exercício de um direito que poderá ser constituído na dependência do acolhimento de uma ação constitutiva ou da realização de determinadas circunstâncias de fato que, no momento em que se pede a con­cessão da tutela, não foram ainda realizadas e nem é absolutamente certo que se realizarão.56

Deixando-se de lado a questão da tutela antecipatória do direito que ainda deve ser constituído e pensando-se na tutela urgente do direito potestativo à mudança jurídica, surgiria o óbice lembrado por Satta37 e reafirmado por Ovídio Baptista da Silva38 no sentido de que a constituição provisória de um direito é inconcebível e contraditória. Registre-se, nesse sentido, a seguinte passagem da doutrina de Ovídio:

55. Ferruccio Tom m aseo, í provvedím enti d'urgenza, p. 257.56. Cario Calvosa, “Iprow ed im en ti cfurgenza", Novíssimodigesto italiano, v. XIV, p. 4 4 8 e ss.57. Salvalore Satta, C om m en tario a l C od íce di P roced am C iviie, v. 4 , p. 2 7 0 e ss.58 . Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, v. 3, p. 57 e ss.

EFETIVIDADE DO PROCESSO E TÉCNICA PROCESSUAL 53

“Temos dito, mas é bom insistir: somente as eficácias declaratórias e cons­titutivas não podem ser antecipadas sob forma de liminares; e a eficácia conde- natória embora não passe de uma declaração em virtude de sua potenciali­dade para gerar o título executivo, poderá permitir a antecipação, não do efeito condenatório, e sim do efeito executivo, como se dá nos alimentos provisionais e nas liminares do processo monitório (sobre a impossibilidade de que exista uma “constituição provisória” de direito, além de Calvosa já citado, conferir Fritz Baur (ob. cit., p. 76; e quanto à impossibilidade de excluir-se ‘temporaria­mente’ um sócio da sociedade a que ele pertença, ou liquidar ‘temporariamente’ um estoque de mercadorias, p. 78)”.59

Pensamos, porém, que embora não seja possível antecipar a eficácia cons­titutiva da sentença (da mesma forma que não se pode conceber a antecipação da eficácia declaratória), nada pode impedir uma constituição fundada em cognição sumária, nem mesmo a alegação de que a sentença constitutiva produz efeitos ex nunc.

Pense-se apenas na tutela antecipatória de fixação provisória de aluguel, expressamente admitida na ação revisional do valor da locação.

Note-se que a decisão que fixa provisoriamente o aluguel não antecipa qualquer efeito executivo tendente a possibilitar a obtenção do novo aluguel.

Com a fixação provisória do novo aluguel não se objetiva abrir ao autor o caminho da execução para a obtenção de soma em dinheiro, até porque sequer se supõe inadimplemento de obrigação de pagar aluguel na ação revisional; nes­se caso há somente a modificação provisória do valor da locação. É certo que tal mutação provisória poderia não ter utilidade se, por exemplo, o Iocador não pudesse propor ação de despejo com base em falta de pagamento do aluguel fixado provisoriamente.

Observe-se, contudo, que o fato de ser possível a utilização da ação de despejo nada tem a ver com a (im)possibilidade técnico-processual da provisoríe- dade da constituição, mas apenas com a sua efetividade. Quando é possível extrair da constituição provisória alguma pretensão condenatória, mandamental ou executiva, dá-se vida, em caso de inobservância da tutela antecipatória, à pro- visoriedade, que, em outro caso, poderia se transformar em algo sem utilidade.

De qualquer forma, a hipótese da constituição provisória do aluguel di­fere em muito do exemplo da declaração sumária da legitimidade da despedida do empregado, já que a fixação provisória do aluguel modifica, ainda que provi­soriamente, uma relação jurídica, enquanto que a mera declaração sumária não tem qualquer utilidade ao autor.

59. Idem, p. 66.

54 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

d) De acordo com a doutrina, a sentença constitutiva produz um duplo efeito. Um primeiro, de natureza declaratória, sobre a existência do direito po- testativo à modificação jurídica e, um segundo, que seria propriamente consti­tutivo, de operar tal modificação na esfera jurídico-patrimonial das partes.130 Se o direito potestativo requer, para produzir efeitos, uma sentença constitutiva, e assim uma atuação jxmsdicional que se protrai no tempo;61 não há dúvida que o tempo necessário para que seja proferida a sentença constitutiva pode causar prejuízo e., assim, abrir ensejo não só à tutela antecipatória constitutiva (ou à constituição provisória), mas também à tutela antecipatória de natureza manda­mental ou executiva na pendência da ação constitutiva.

Note-se que ninguém pode pensar em termos de efetividade e não admitir a antecipação dos efeitos concretos da constituição. Quem percebe que a utili­dade buscada pelo autor da ação constitutiva está no plano dos efeitos, obriga­toriamente conclui que é viável a antecipação dos efeitos concretos da sentença constitutiva.

e) A temática da tutela antecipatória em face das ações declaratória e constitutiva deve considerar, além dos pontos da antecipação das eficácias de­claratória e constitutiva e da declaração e constituição sumárias, as questões da cumulação de pedidos e da necessidade de se tutelar, em face de fundado receio de dano, um direito que dependa de uma sentença declaratória ou de uma sen­tença constitutiva.

No caso de cumulação sucessiva de pedidos hipótese em que o segundo pedido somente será apreciado se procedente o primeiro é possível, por exem­plo, que o primeiro pedido seja de natureza constitutiva (ou declaratória) e o se­gundo de natureza condenatória (ou executiva ou mandamental). Seria viável, no caso de uma ação de resolução de contrato cumulada com reintegração de posse, a antecipação do eleito executivo que abre oportunidade para a reintegra­ção imediata? Para a execução imediata da reintegração basta a probabilidade do êxito da demanda constitutiva, já que o fim visado pelo autor, neste caso, é o de obter um resultado que pressupõe a desconstituição. A valoração, em termos de probabilidade, do êxito da demanda constitutiva, sempre admite a antecipação do efeito executivo ou do efeito mandamental próprio da demanda cumulada.

J) Alguém poderia dizer que não é possível a tutela antecipatória de um direito que supõe a procedência do pedido declaratório ou do pedido constitu­tivo, quando foi pedida apenas sentença declaratória ou sentença constitutiva.

Melhor explicando: pode-se afirmar que para admitir a antecipação com efeito mandamental (por exemplo) o autor deve ter cumulado ao pedido de-

60. Ferruccio Tom m aseo, I provvedim enti d ’u rg m za , p. 262 ,61. Iclem, ibidem.

EFETIVIDADE DO PROCESSO E TÉCNICA PROCESSUAL 55

claratório ou ao pedido constitutivo um pedido de sentença mandamental (por exemplo).

Tal argumento, entretanto, não resiste a uma análise mais aprofunda­da. Como é evidente, para se realizar um pedido é necessário interesse de agir. Aquele que pede declaração supõe a necessidade da eliminação da incerteza que paira sobre determinada situação, mas pode ainda não necessitar de uma tutela que, por exemplo, possa impedir, mediante atos materiais, a prática de determinado ato. Em outras palavras, neste caso não seria possível acumula­ção do pedido declaratório com o pedido mandamental, pois no momento da propositura da ação somente existiria interesse de agir no pedido declaratório; ele seria suficiente.

Porém, se o interesse de agir surge no curso do processo, ou seja, se no curso do processo aparece a situação que indica a necessidade de, por exemplo, tutela ini­bitória, o que jazer? Terá que ser proposta nova ação, e somente então é que poderá ser solicitada a tutela antecipatória? Ora, raciocinar desta form a é contrariar o ideal de efetividade do processo, uma vez que nova ação incrementaria as despesas processuais e a demora da “justiça”.

É por tais razões, e nesta perspectiva, que admitimos a tutela antecipatória com efeito mandamental ou com efeito executivo no curso da ação declaratória.

g) Surge maior problema quando se coloca a questão de se saber se é possível requerer tutela antecipatória de conteúdo manda mental ou executivo na petição inicial em que foi pedida uma sentença meramente declaratória ou constitutiva.

Pois bem, como a mera declaração não tem a capacidade de produzir efeitos concretos, cabe ao autor postular de imediato sentença mandamental ou executiva quando sente a necessidade de tutela antecipatória com um destes efeitos. Não há sentido em pedir sentença declaratória e, ao mesmo tempo, tu­tela antecipatória de conteúdo manda mental.

Perceba-se que a sentença declaratória não objetiva obrigar o réu a fazer ou a não fazer, mas apenas declarar algo sobre uma determinada situação. Quem deseja que o juiz pressione o réu a fazer ou a não fazer, ou mesmo que determine uma “medida necessária" capaz de conferir resultado semelhante àquele que seria obtido caso o adirnpiemento fosse espontâneo, deve valer-se dos arts. 461 do Código de Processo Civil ou 84 do Código de Defesa do Consumidor, pos­tulando sentença com efeito mandamental ou sentença com efeito executivo.

A sentença constitutiva, entretanto, gera uma situação substancial nova, ao contrário da sentença meramente declaratória. Ora, os efeitos mandamental ou executivo podem antecipar a alteração do plano substancial, conferindo anteci­padamente o efeito concreto que se pretende obter mediante a sentença consti­

56 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

tutiva. Além disto, a consti tuição, gerando uma situação substancial nova, torna ilegais quaisquer atos praticados em contrariedade à nova situação material.

A sentença declaratória apenas declara algo sobre uma situação, mas não a modifica, de modo que se j á existe controvérsia sobre os termos de determinada situação, e se já estão sendo praticados atos que devem ser inibidos, só resta pedir sentença com efeito mandamental ou com efeito executivo. Ao contrário, se estão sendo praticados atos com base em uma situação que se pretende ver modificada pela sentença, ainda é necessária uma sentença que constitua a situação desejada pelo autor. Contudo, como o tempo do processo, também na ação constitutiva, pode causar dano irreparável, pode ser necessária uma tutela que confira ao autor os efei­tos concretos da constituição pretendida ou que impeça a prática de atos que serão ilegais caso a sentença seja de procedência.

Resumindo: é possível postular tutela antecipatóría no curso de ação decla- ratôria ou de ação constitutiva. No caso de ação constitutiva, é viável requerer tu­tela antecipatóría na petição inicial (em que é realizado apenas pedido de natureza constitutiva). Contudo, o pedido declaratória não permite que seja postulada, na petição inicial, tutela antecipatóría de natureza mandamental ou executiva, uma vez que existindo, no momento em que é distribuída a petição inicial, interesse de agir em decisão que possa gerar tais efeitos, deve ser realizado pedido de sentença capaz de gerá-los.

2 .6 3 .5 O problema cia natureza da tutela urgente de cogniçãosumária nas ações declaratória e constitutiva (v. item 3.3.11)

Quando se está diante de um pedido declaratório ou de um pedido cons­titutivo, a noção de tutela antecipatóría não é tão clara como quando a hipótese envolve pedidos condenatório, executivo ou mandamental.

Considere-se, em primeiro lugar, a tutela antecipatória que pode ser pos­tulada no curso da ação declaratória.

Tratando-se de ação declaratória que objetiva demonstrar a ilegitimidade de um ato, o autor pode requerer, mediante tutela antecipatória, que o juiz or­dene ao réu não fazer o que a procedência da demanda declaratória demonstrará ser ilegítimo fazer. Assim, por exemplo, o autor de uma ação declaratória de que um contrato social impede a prática de um ato pela maioria simples da vontade dos sócios poderá requerer que o juiz ordene que não seja praticado o ato que, ao final e em virtude da sentença declaratória, poderá ser considerado ilegítimo. A tutela que impede a prática do ato que a demanda objetiva declarar ilegítimo previne com base em cognição sumária da ilegitimidade do ato. A tutela é ge­nuinamente preventiva, não se confundindo com a cautelar. A tutela, além de preventiva, tem caráter antecipatório, já que ordena ao réu não fazer aquilo que somente a sentença final poderá demonstrar ser ilegítimo fazer.

EFETIVIDADE DO PROCESSO E TÉCNICA PROCESSUAL 57

Note-se que tal tutela não objetiva garantir a possibilidade de exercício do direito, porém impedir a violação do direito que ainda deverá ser declarado.

É possível, ainda, que o autor da demanda que objetiva declarar a legiti­midade de um ato tenha a necessidade de pedir que o réu se abstenha de impe­dir a prática do ato que não poderia ser contestado se já houvesse sido proferida a sentença declaratória.

No caso em que o autor obtém tutela para poder exercer um direito que ainda será declarado, fica fácil perceber o seu caráter antecipatório. A tutela, neste caso, não está assegurando a possibilidade de o autor realizar o direito no futuro, porém viabilizando o seu imediato exercício.

Nestas hipóteses o caso não é de mera declaração sumária. Se da decla­ração sumária extrai-se algum efeito mandamental ou executivo, não se está, à evidência, diante de uma “declaração sumária". A declaração sumária, por si só, ainda que seja da ilegitimidade de um ato, nada vale, já que a sua efetividade fica na dependência da vontade do réu.

Admitir a efetividade da “declaração sumária” da ilegitimidade de um ato é o mesmo que supor que a ação declaratória é suficiente para, por exemplo, impedir alguém de continuar praticando atos de concorrência desleal. Da mes­ma forma que a ação que visa a obrigar alguém a não fazer prevista no art. 461 do Código de Processo Civil não pode ser transformada em ação declaratória, a tutela antecipatória mandamental (de caráter inibitório) não pode ser confundi­da com uma declaração sumária. Recorde-se, apesar de óbvio, que a declaração sumária não atua sobre a vontade do réu, visando ao seu adimplemento. Apenas a ordem, imposta sob pena de multa, pode pressionar o réu a não fazer e, por­tanto, ter alguma efetividade.

No caso de demanda constitutiva, o autor pode requerer, mediante tute­la antecipatória, que o réu se abstenha de praticar atos que possam impedir o exercício das faculdades que estão contidas no direito a ser constituído. É o que pode ocorrer, v.g., na ação constitutiva de servidão.

Também é inegavelmente antecipatória a tutela que suspende a eficácia de um ato que se pretende ver anulado. Neste caso impede-se, antecipadamente, que o ato produza efeitos contrários ao autor. Há uma correlação nítida entre a suspensão da eficácia e a sentença; o autor, através da suspensão da eficácia, desde logo se vê livre dos efeitos do ato impugnado.

Em uma ação desconstitutiva, pode ser requerida, via tutela antecipatória, a suspensão da eficácia da deliberação social em face da demanda que visa à sua anulação. Perceba-se, entretanto, que não basta a mera suspensão da elicácia; é preciso que eia seja observada ou cumprida para que tenha alguma relevância jurídica. A tutela antecipatória, na maioria dos casos de suspensão de delibera­

58 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

ção social, implica um nonfacere, viabilizando-se, assim, na imposição de uma ordem (manda mental) sob pena de multa.

Objetiva-se, com a suspensão da eficácia da deliberação social, afastar os efeitos do ato que se pretende anular. Se com a sentença há a desconstituição do ato, impedindo-se a produção de efeitos a partir da sua pronúncia, com a tutela antecipatória há a suspensão da eficácia, impedindo-se antecipadamente que o ato produza efeitos concretos contrários ao autor.

Se é aceita a premissa de que é possível a suspensão dos efeitos da senten­ça rescindenda62 - e essa premissa é absolutamente correta, já que uma sentença facilmente enquadrável em um dos incisos do art. 485 não pode produzir efei­tos prejudiciais enquanto pende a demanda rescisória que provavelmente será de procedência - , o autor obviamente pode requerer, via tutela antecipatória, a suspensão dos efeitos da sentença.63

A tutela de sustação de protesto, no caso de demanda desconstitutiva, também é antecipatória, já que impede um ato que não poderia ser praticado se já houvesse sido pronunciada a desconstituição.

Se um ato não pode produzir efeitos e, por isso, deve ser desconstituído, a tutela que obsta à prática de um ato que não poderia ser praticado se já houvesse sido proferida a sentença desconstitutiva deve ser definida como antecipatória.

Recorde-se que Calamandrei, em sua obra clássica sobre “processo cau­telar”, classificou as “providências cautelares” em: i) providências instrutórias antecipadas; ii) providências dirigidas a assegurar a execução forçada; üi) ante­cipação de providências decísórias; e iv) cauções processuais.64

Ao tratar das tutelas que estaríam incluídas no terceiro grupo, o grande mes­tre de Florença afirmou que estas tutelas consistiriam, precisamente, em uma de­cisão antecipada e provisória do mérito, “destinada a durar hasta el momento en que a esta regulación provisoria de la relación controvertida se sobreponga la re~ gulaciôn de caracter estable que se puede conseguir a través de! más lento proceso ordinário”.05

A doutrina clássica, ao classificar as sentenças, não leva em considera­ção o efeito que é produzido pela sentença no plano do direito material. Como adverte Cristina Rapisarda, a classificação das sentenças, elaborada pela dou­trina italiana clássica, constitui um corolário da teoria da ação como direito

62. V G aleno Lacerda, “Ação rescisória e suspensão cautelar da execução do julgado rescin- clendo”, R ePro 29/38-40.

63. No m esmo sentido N elson Nery Jún ior, A tualidades sobre o p rocesso civil, p. 56.6 4 . P iero C alam an d rei, In tr o d u c d ó n a l es tú d io s is te m á t ic o d e Ia s p ro v id en c ia s ca u te la r e s ,

p. 51 ess .65. Idem, p. 59.

EFETIVIDADE DO PROCESSO E TÉCNICA PROCESSUAL 59

autônomo do direito substancial, transmitido pelo ensinamento chiovendiano. Colocando no centro do sistema um direito de ação totalmente desvinculado do direito material ameaçado ou violado, os processualistas da escola chiovendiana fixaram as premissas para uma teoria geral das tutelas voltada a destacar apenas os seus aspectos formais ou processuais.66 Contudo, é propriamente o nexo de separação-abstração da tutela processual do direito material, transmitido pelo pensamento chiovendiano, que pode ser hoje considerado historicamente su­perado. Este modo de entender as relações entre direito material e processo perdeu, antes de tudo, as suas próprias motivações culturais que têm origem na época da formação da escola sistemática baseadas na necessidade de depurar as formas processuais da sua excessiva contaminação com o direito material, a elas imposta pela tradição jurídica do século XIX.67

Lembre-se que na Itália não há outra forma de execução da sentença que nâo a “execução forçada”. Ou melhor, de lado casos raros devidamente tipifica­dos, não se admite que o juiz italiano profira a sua sentença ordenando sob pena de multa. É justamente por essa razão que a ação inibitória atípica, na Itália, aca­ba redundando em uma inefetiva demanda meramente declaratória. Isto porque o juiz, para inibir, precisa ter à sua disposição meios que possam convencer o obrigado a adimplir. De nada adianta o juiz ordenar, ou condenar (para aqueles que não levam a sério a necessária correlação que a doutrina clássica estabelece entre condenação e execução forçada), se não existem meios que possam fazer valer a ordem que impõe uma obrigação de não fazer ou uma obrigação de fazer de caráter infungível.

Uma sentença somente pode efetivamente prestar a tutela inibitória quan­do pode inibir. Na perspectiva de direito material, o que importa saber é se a sentença realiza a ação privada que foi proibida ao particular no momento em que foi vedada a autotutela ou se a sentença cumpre com o prometido pela norma de direito substancial. As tutelas, assim, devem ser classificadas de acordo com os resultados que proporcionam aos consumidores dos serviços jurisdicionais.

É óbvio que a doutrina de Calamandrei está totalmente contaminada pelo vício da abstração da tutela processual do direito material. Esta contaminação fica visível quando Calamandrei afirma que toda decisão que antecipa o julgamento do mérito, por dar regulação provisória à relação jurídica controvertida, (em natu­reza cautelar. Na doutrina de Calamandrei, o que define a natureza da tutela é a provisoriedade, pouco importando o resultado que é proporcionado ao autor. É por isso que Calamandrei, ao escrever a sua obra a partir da premissa de que o que define a cautelaridade é a provisoriedade, acabou falando, ainda que sem se dar conta, mais de tutela antecipatória do que de tutela cautelar.

66. Cristina Rapisarda, P ro fá í d elia tu tela c iv ile in ib itó r ia , p. 217 .67. Idem, ibidem.

60 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Há tutelas que dão ao autor, desde logo, aquilo que ele somente pode­ria obter após a pronúncia da sentença. Tais tutelas não são cautelares, porém antecipatórias. A tutela cautelar apenas assegura a possibilidade da realização efetiva do direito. Difere, portanto, também da tutela preventiva (ou inibüória), que objetiva impedir a prática de um ilícito (ou de um dano), sem qualquer preocupação em assegurar a viabilidade da realização do direito. Na tutela inibitória o direito está sendo exercido (não foi ainda lesado), mas precisa ser prevenido; a tutela cautela r confere segurança para que o direito possa ser efetivamente realizado pelo processo que foi instaurado após a sua violação.

De qualquer forma, em vista do novo § 7 o do art. 273, é de admitir a aplicação do princípio dafungibilidade, e assim o deferimento de tutela cautelar no bojo do processo de conhecimento em que houver sido pedida sentença de natureza declaratória ou de natureza (des) constitutiva, nos casos em que for “razoável a dificuldade em tomo da natureza da tutela solicitada”, e houver sido postulada “providência de natureza cautelar a título de antecipação da tutela”.

Aliás, partindo-se da premissa de que a tutela cautelar pode ser solicitada no processo de conhecimento (ver item 3.3.13), e. caso o julgador entenda, tra­tando das hipóteses acima referidas, que foi requerida tutela de natureza ante­cipatória a título de providência cautelar (ou seja, o inverso), não havendo “erro grosseiro" em relação à identificação da natureza da tutela buscada, nada impede a concessão da ‘‘tutela de natureza antecipatória a título de tutela cautelar”.

2.6.4 Antecipação e sentenças executiva e mandamental

O novo art. 461 do Código de Processo Civil, semelhante ao art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, afirma que, “na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela es­pecífica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”.

Para a adequada e efetiva tutela dos direitos, o art. 461, seguindo ainda o art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, estabeleceu, em seu § 3.°, que, “sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é licito ao juiz conceder a tutela liminarmenLe ou mediante justificação prévia, citado o réu".

Tais artigos permitem (arts. 461, §§ 4.° e 5.°, do CPC e 84, §§ 4.° e 5.°, do CDC) que o juiz ordene sob pena de multa ou determine qualquer medida executiva adequada ao caso concreto no curso ou no final do procedimento que se mostre suficiente para permitir a tutela do direito como se houvesse ocorrido o adimplemento da ordem de fazer ou de não fazer.

Perceba-se, contudo, que referidos artigos, ao possibilitarem ao juiz or­denar sob pena de multa ou mesmo viabilizarem a imposição de uma medida

EFETIVIDADE DO PROCESSO E TÉCNICA PROCESSUAL 61

executiva para que seja obtida a tutela que seria prestada caso houvesse sido adimplida a ordem de fazer ou de não fazer, não servem apenas para que seja prestada a tutela da obrigação de fazer ou de não jazer, mas permitem, por exemplo, a concessão cie tutela inibitória. Ou melhor, mencionados artigos conferem ao juiz poderes instrumentais (possibilidade de ordem sob pena de multa ou de determina­ção de uma “medida executiva necessária”) para a prestação de várias tutelas (bens da vida), no final ou no curso d.o procedimento, entre elas a tutela das obrigações contratuais de fazer ou de não fazer.

Michele Taruffo, tratando do problema da atuação dos direitos, lembra que o Direito anglo-americano, através da equity, tem criado instrumentos ade­quados às reais necessidades de tutela. A injunction, por exemplo, ao impor a specific performance da obrigação de fazer ou de não fazer, bloqueia a eventuali­dade substitutiva do ressarcimento do dano derivado do inadimplemento. Neste caso, ou se recorre a formas de execução específica por sub-rogação, quando for possível, e quando a Corte o julga oportuno, ou a execução é deixada ao obriga­do, que, em caso de inadimplemento, é punível a título de contempt o f Court.68

A sentença que ordena sob pena de multa é mandamental, uma vez que atua sobre a vontade do demandado visando ao seu adimplemento. J á a sentença que realiza o direito afirmado independentemente da vontade do réu é executiva, dife­renciando-se da condenatória por realizar o direito independentemente da via ex- propriatória,

A sentença mandamental, é preciso que se perceba, guarda relação com o Direito anglo-americano, onde o contempt power não pode ser compreendido através de um ângulo apenas técnico-jurídico, já que foi nitidamente influen­ciado pela ética protestante, com seu inegável acento sobre a responsabilidade pessoal.69 Além disto, convém explicitar que o juiz do Direito continental euro­peu não dá ordens não simplesmente pela razão de que o legislador deu prefe­rência ao sistema fundado na sentença condenatória e no processo de execução, mas, fundamentalmente, porque a sua figura não tem a mesma relevância que a do seu colega do Direito anglo-americano.70 Assim, se determinadas situações,

68. “Lattuazione esecutiva dei d iritti: profili com paratistici”, RivisLa Trimestrale di Diritto eP rocedura C ivile, 19 8 8 , p. 151.

69. V Sergio Chiarloni, M isure coercitiv e e tutela dei diritti, p. 239 .70. “El resultado es que aunque existe u nasim ililud superficial de funciones entre el ju ez dei

D erecho Civil y e lju e z dei D erecho Com ún anglosajón, hay disparidades de itnporlancia en sus papeles. En parte el ju ez en el sistem a de D erecho C ivil contem porâneo hereda una posicion y realiza una serie de funciones determ inadas por la tradición que se rem onta hasta el iudex rom ano. Esta tradición en que e lju e z nunca ha sido considerado com o parte de una actividad creadora se vio influída por la ideologia de la revolución europea y por las consecuencias lógicas de la doctrina nacionalista de una estricta separación de Poderes. El ju ez en el sistem a de D erecho Civil desem pena así un papel m ucho m ás

62 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

particularmente a dos direitos não patrimoniais,71 revelam a inefetividade da velha sentença condenatória, não é possível que a desfiguremos, mantendo o seu velho nome, sem discutir tudo o que está por detrás da verdadeira sentença condenatória e da injunction (sentença mandamental).

A partir do momento em que se entende a distinção entre técnica para a pres­tação da tutela (por exemplo, sentença mandamental) e a tutela propriamente dita (tutela inibitória, por exemplo), fica bastante fácil perceber que o juiz tem poderes para conceder a tutela ao final ou antecipadamente. A tutela é prestada, em regra, ao final do procedimento, mas em alguns casos pode ser concedida antecipadamente. A tutela concedida antecipadamente confere um bem da vida ao postulante, não se limitando a assegurar a prestação do bem da vida perseguido.

A ação de reintegração de posse, notadamente uma ação executiva, e a ação de manutenção de posse, considerada uma ação mandamental, configuram exemplos que deixam clara a possibilidade de antecipação da reintegração ou da manutenção de posse mediante a produção dos efeitos executivo e mandamental, respectivamente.

2.6.5 A antecipação da tutela e a questão da fungibílidade entre as providências jurisdicionais finais (v. item 3.3.12)

Os arts. 461 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor (caput e §§ 4 o e 5.°) estabelecem que o juiz pode, de ofício, na de­cisão concessiva de tutela antecipatória ou na sentença, ordenar sob pena de multa ou determinar a “medida necessária” para que seja obtida a “tutela específica” ou o denominado “resultado prático equivalente'’. Tais normas, além de viabi­lizarem ao juiz tutelar o direito por meio da providência que reputar mais ade­quada, permitem ainda que o magistrado deixe de atender ao pedido, seja porque a providência solicitada não é capaz de atender de form a efetiva ao direito (“meio idôneo"), seja porque tal providência não configura a “menor restrição possível” à esfera jurídica do demandado.

O juiz, em casos expressamente previstos na lei, não fica vinculado à pro­vidência solicitada, podendo dela fugir, seja na sentença, seja na decisão conces­siva da tutela antecipatória, que ora nos interessa.

Assim, por exemplo, se o autor requer, como tutela final, que o juiz or­dene sob pena de multa a cessação das atividades da empresa-ré que estariam causando danos ao meio ambiente é possível que o juiz ordene que seja ins­

m odesío que ei desu colega en el D erecho C om únan glosajón y e! sistem a de seleccióny de inamovilidad dei ju ez civilista es coherente con este rriuy diferente estado de la profesión ju d ic ia l” (John H enry M errym an, Ta tra â íc ión ju r íd ica rom an o-canàn íca , p. 7 1 -7 2 ).

71. V Federico Carpi, “Note in tema di tecniche di attuazione dei d iritti”, Rivista T rim estrale di D iritto e P rocedura C ivile, 1988 , p. 110 e ss.

EFETIVIDADE DO PROCESSO E TÉCNICA PROCESSUAL 63

talado equipamento capaz de neutralizar a poluição (por ser este o “meio mais idôneo”, já que, além de permitir a tutela efetiva do direito, causa a “menor restrição possível”). Se assim é possível em face da tutela final, é evidente que, neste caso, o juiz poderia, tratando de eventual postulação de tutela antecipatória, deixar de atender a requerimen to de cessação das atividades da ré para determi­nar a instalação de determinado equipamento.

Além disto, o autor pode requerer, como tutela antecipatória, providência diversa da solicitada como tutela final, mas que também seja capaz de garantir a sa­tisfação do seu direito, ou, em outros termos, que também seja idônea para permitir a antecipação do bem. da vida almejado.

Neste último caso, embora a providência solicitada como tutela ante­cipatória não seja idêntica àquela postulada como tutela final, não é certo dizer que a providência que pode ser concedida antes de finalizado o contraditório não configure tutela antecipatória, uma vez que a própria lei, conforme demonstrado, permite ao juiz fugir do pedido para tutelar o direito. Ora, se o juiz pode, ao final, determinar providência diversa da solicitada, é lógico que ele pode de­terminar, como tutela antecipatória (e não cautelar), providência diferente da requerida como tutela final, desde que configure medida idônea para satisfazer o direito em questão.

Entretanto, como em tais situações o juiz pode, no bojo do processo de conhecimento, determinar providência diversa daquela solicitada ao final, po­derá ser razoável a dúvida a respeito da natureza desta providência (se cautelar ou antecipatória). Desta forma, diante do novo § 7.° do art. 273, não há como não aceitar a concessão de providência de natureza cautelar no bojo do processo de conhecime?ito em que o juiz, por força de expressa disposição legal, está dispensado de observar a regra da congruência entre o postulado e o concedido.

Do mesmo modo, partindo-se da premissa de que é possível o pedido de tutela cautelar no próprio processo de conhecimento (ver adiante item 3.3.13), e entendendo-se que foi requerida tutela de natureza antecipatória a título de providência cautelar, nada impede a concessão de tutela antecipatória, ainda que tenha sido utilizado o nome “cautelar”.

2.7 A antecipação da tutela e a técnica de atuação dos direitos

O provimento antecipatório sumário não tem natureza condenatóría, po­rém eficácia mandamental ou eficácia executiva. É impossível admitir que a execução da tutela antecipatória seja disciplinada pelas regras da execução por

64 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

expropriação.72 Aliás, é intuitivo que o uso de tal forma de execução no caso de tutela antecipatória seria inefetivo.73

Para que o provimento antecipatório possa, realmente, dar ao autor desde logo o seu direito, são necessários meios que permitam a obtenção do resultado esperado. Tais meios podem atuar sobre a vontade do réu (multa) pressionando-o a optar pelo cumprimento por ato próprio ou mesmo prescindir da sua vontade (“me­didas necessárias de execução”).

Considerando-se a natureza da tutela antecipatória, não há como admitir que o juiz possa ficar amarrado às formas de execução da sentença condenatória. A na­tureza da tutela antecipatória impõe, sob pena de incoerência e falta de lógica, que a sua efetivação possa ser realizada mediante o emprego da multa ou das medidas necessárias e adequadas para que o bem da vida buscado pela parte possa realmente ser-lhe entregue.

Em outras palavras: tratando-se de tutela antecipatória urgente, o juiz tem amplo poder para determinar a modalidade executiva adequada, devendo sempre, considerar a necessidade de imediatidade na concessão da tutela (além, evidente­mente, do direito afirmado pelo autor e do risco de lesão ao réu), que é o que inspira a própria concessão da tutela na forma antecipada.

É certo que esta forma de conceber a “execução” da tutela antecipató­ria rompe com o chamado princípio da tipicidade da formas executivas. Tal princípio, ao dizer que a esfera jurídica do réu somente pode ser invadida por intermédio das modalidades executivas previstas na lei, objetivava garantir a liberdade do cidadão ou, em outras palavras, a segurança daquele que pudesse vir a ser convocado a figurar como executado em um processo. Na verdade, como é fácil percebei; referido princípio tinha a ver com a segurança jurídica e com a desconfiança que era depositada no Poder Judiciário.

Contudo, com o passar dos anos, percebeu-se que seria necessário confe­rir ao juiz uma ampla latitude de poderes destinada a permitir a efetiva proteção dos direitos nos variados casos concretos a ele apresentados. Isto ocorre, no plano legislativo, quando se confere ao magistrado a possibilidade de determinar a modalidade executiva adequada a cada situação concreta (arts. 461, CPC e 84, CDC).

72 . Essa tam bém é a opinião dom inante na doutrina italiana, conform e anota Rom ano Vac- carella, Ti tolo esecutivo, preceito, opposizioni, p. 175. A reforma do Código de Processo Civil italiano optou expressam ente por esta orientação (art. 6 6 9 -d u od ec ies) ao utilizar a term inologia a ttu az ion e ao invés de esecuzione.

73. No caso de antecipação depagam ento de som a em dinheiro, a execução por expropriação deve ser utilizada apenas em últim o caso.

EFETIVIDADE DO PROCESSO E TÉCNICA PROCESSUAL 65

Se o legislador quebrou o princípio da tipicidade das formas executivas, seria correto interpretar o art. 273 do Código de Processo Civil como norma que viabiliza uma decisão que pode outorgar a tutela antecipatória, mas não permitir a sua efetiva obtenção no plano concreto? Em outros termos, tem sen­tido pensar que o legislador instituiu a possibilidade de decisão concessiva de tutela antecipatória, mas só permitiu a sua execução por meio das modalidades executivas tradicionais, hoje instituídas na chamada fase de cumprimento da sentença condenatória? Ou será que não há lógica em admitir uma tutela ante­cipatória que não pode ser executada?

Não há coerência em não admitir que o juiz, também em face do art. 273, detém o poder de determinar a modalidade executiva necessária e adequada. Isto não quer dizer, obviamente, que o executado não tenha como controlar este poder do juiz. Como é sabido, e isto está bem explicado em obra na qual trata­mos da “tutela inibitória”/4 se o juiz tem o dever de tutelar o direito que declarou, ainda que como provável, não é possível que isto venha a ocorrer através de meio executivo que cause um gravame despropositado ao executado. A tutela do direito somente pode se dar por intermédio do ‘"meio mais idôneo’’, ou seja, pelo meio que, uma vez efetivo à tutela do direito, cause a '‘menor restrição possível” à esfera jurí­dica do executado.

Quando o resultado esperado por aquele que obteve a tutela antecipatória pode ser obtido independentemente da vontade do réu, podem ser empregados, entre outros, meios como a imissão na posse, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras, o impedimento de atividade nociva, além da requisição de força policial.

Por outro lado, não é possível esquecer a importância da “multa pe­cuniária”. A ordem sob pena de multa constitui poderoso meio coercitivo.75 Não é de se descartar a possibilidade da sua aplicação em face da antecipação de pagamento de soma em dinheiro.76 Se a antecipação da soma é imprescin­dível ao autor, não há como supor o emprego do meio de expropriação que serve à sentença condenatória (art. 475-j e ss., CPC), notadamente pelo fa to de que esta form a de execução consome tempo que não pode ser suportado por aquele que precisa da tutela. Ademais, imaginar que o emprego da multa não tem efetividade em face da necessidade de obtenção de soma em dinheiro, sob o simples e equivocado argumento de que aquele que não paga o “prin­

74. Luiz G uilherm e M arinoni, Tutela in ib itória , p. 185-.187.75. V. Jorge W alter Peyrano, M edida cau telar innovativa, p. 117 ; Aldo Frignani, “U contem p t

of court quale sanzione per rinesecuzione d eli'in ju n ction”, Rtvisía T rim estrale di D iritto e P rocedura C ivile, 1972 , p. 331 e 55.

76. Sobre a antecipação do pagam ento de som a em dinheiro, v. a seguir.

66 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

cipal” não se importará com a multa, não tem fundamento razoável.77 Ora, no caso em que o executado possui patrimônio e a medida de coerção patri­monial, corno é evidente, não pode ser imposta em face daquele que não o possui a multa certamente terá a possibilidade cie atuar sobre a sua vontade, uma vez que uma grande empresa, por exemplo, tem plena consciência de que não é “compensador” esperar (e assim contar com o tempo do processo) para pagar o “principal” com multa.

77. José Roberto dos Santos Bedaque concorda com esta posição, assim sustentando: “Nada obsta, todavia à adoção de outras técnicas, principalm ente se verificada a insuficiência da execução por expropriação. A fixação de m uita pecuniária pelo descum prim ento do provim ento antecipatório constitui providência possível, adequada e útil para conferir m aior efetividade à antecipação” ( Tutela cau tela r e tutela an tecipada: tutelas su m árias e de urgência, p. 3 9 5 ).

3

Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória

S u m á r io : 3.1 Tutela inibitória, tutela cautelar e tutela antecipatória: 3 .1 .1 Os no­vos direitos, o uso distorcido da ação cautelar e a ação inibitória a partir dos arti­gos 461 do Código de Processo Civil e 8 4 do Código de Defesa do Consumidor;3 .1 .2 A tutela inibitória e a questão do ilicito; 3 .1 .3 Finalidade e classificação da açâo inibitória; 3 .1 .4 Pressupostos da ação inibitória; 3 .1 .5 A ação inibitória que tem por objetivo prevenir tout court o ilícito e a tutela inibitória que visa a impe­dir a sua continuação ou repetição. A questão probatória; 3 .1 .6 A inefetividade da sentença condenatória para a prestação da tutela inibitória; 3 .1 .7 A importância da tutela inibitória para a efetividade da tutela dos direitos; 3 .1 .8 Fundamento da tutela inibitória; 3 .1 .9 O artigo 461 do Código de Processo Civil com o fonte da ação inibitória; 3 .1 .1 0 Ação inibitória, ação cautelar e Lutela antecipatória; 3. L.U A tutela inibitória antecipada - 3 .2 As demais tutelas que podem ser prestadas a partir dos artigos 461 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor e as tutelas cautelar e antecipatória: 3.2.1 Tutela reintegratória (de rem oção do ilícito); 3 .2 .2 lu tela ressarcitória na forma específica; 3 .2 .3 Tuiela do adimplemento da obrigação na forma específica; 3 .2 .4 Tutela inibitória e obriga­ção contratual; 3 .2 .5 Tutelas inibitória, reintegratória, ressarcitória na forma e s ­

pecífica, do adimplemento na forma específica e tutelas cautelar e antecipatória; 3 .2 .6 . A falta de percepção de que o ato contrário ao direito pode ser objeto de uma ação única e sua repercussão na ausência de distinção entre ação contra o ato contrário ao direito e ação cautelar - 3 .3 Tutela antecipatória e tutela cautelar:3 .3 .1 A evolução da tutela sumária satisfativa no direito brasileiro; 3 .3 .2 A con­sagração da tuteia sumária satisfativa na reforma d.o Código de Processo Civil;3 .3 .3 Tuteia sumária satisfativa e tutela cautelar (diferença básica); 3 .3 .4 A tutela cautelar não tem conteúdo satisfativo; 3 .3 .5 A referibilidade ao direito acautelado com o pressuposto necessário da tutela cautelar; 3 ,3 .6 A influência carneluttiana no sentido de que é a sentença que com põe a lide; 3 .3 ,7 O m ito da nulla executio sine titulo; 3 .3 .8 O m ito da “busca da verdade”; 3 .3 .9 A cegueira para a perda da instrumentalidade; 3 .3 .1 0 A não percepção da superação da relação entre “tu­tela do direito” e coisa julgada material; 3 .3 .11 Tutela antecipatória em face do p er ia d u m in m ora e tutela antecipatória interinal em face do pericutum in m ora. A questão da natureza da tutela que pode ser concedida no bojo do processo de conhecim ento em que se pede sentença declaratória ou sentença (des) constitu­tiva; 3 .3 .1 2 O problema da natureza da tutela que pode ser concedida no bojo do processo de conhecim ento em que o ju iz não está vinculado ao princípio da congruência entre o pedido e a sentença v.g., artigo 461 do Código de Processo Civil; 3 .3 .13 O significado de fungibiiidade presente no § 7 a do artigo 273 do Código de Processo Civil - 3 .4 O direito à tutela antecipatória: 3 .4 .1 A tutela antecipatória como corolário do direito à adequada tutela jurisdicional; 3 .4 .2 A tutela antecipatória é garantida pelo princípio da inafastabilidade.

68 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

3.1 Tutela inibitória, tutela cautelar e tutela antecipatória

3.1.1 Os novos direitos, o uso distorcido da ação cautelar e a ação inibitória a partir dos artigos 467 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor

Na sociedade contemporânea existe uma série de direitos de conteúdo não patrimonial. Tais direitos são típicos da sociedade atual, em que se toma consciência cada vez mais nítida da necessidade da sua efetiva consagração como bens imprescindíveis à vida digna das pessoas.

Os direitos de conteúdo não patrimonial são direitos invioláveis. Da mes­ma forma, alguns direitos, como o direito à marca comercial, embora tendo conteúdo patrimonial, importam quando não violados, ou seja, dependem para serem adequadamente usufruídos da sua não violação por parte de terceiros. Direitos deste último porte não se. conciliam com o ressarcimento em pecúnia, até pela razão de que o uso exclusivo de determinada marca comercial (por exemplo) pode ser de terminante para o sucesso de uma atividade.

Se tais direitos podem ser ameaçados de lesão, e se não resta outra alter­nativa aos seus detentores a não ser procurar a "justiça” (art. 5.°, XXXV, da CF brasileira), é evidente que é imprescindível falar de um direito de acesso à justi­ça que tenha como corolário o direito à tutela preventiva.

Mas isto só não basta. Embora o direito à tutela preventiva seja inegável, é preciso que a legislação processual civil coloque à disposição dos seus usuários ins­trumentos processuais que realmente sejam capazes de permitir a tutela preventiva.

Para tanto, são necessários procedimentos com técnica de antecipação, sen­tenças de tipo diferente daquelas que fazem parte da tradicional classificação trinária, e meios de execução que possam permitir a obtenção concreta da tutela preventiva.

Entretanto, as próprias necessidades sociais impuseram uma nova maneira de utilizar o processo civil. Como é sabido, o procedimento de conhecimento clássico não continha tutela antecipatória em seu bojo, e desembocava apenas em uma das sentenças da classificação trinária (declaratória, constitutiva e condenatória).

Tal procedimento não possuía liminar antecipatória porque a execução, segundo a doutrina clássica, somente poderia iniciar depois de exaurido o pro­cesso de conhecimento, o qual era destinado à averiguação da existência dos direitos. Não seria possível a execução antes de finda a fase de conhecimento porque não teria cabimento invadir a esfera jurídica do réu sem a ele ter sido conferida ampla oportunidade de defesa.

Ademais, um processo que somente pode culminar nas sentenças declaratória, constitutiva e condenatória não tem capacidade para impedir alguém de violar um direito. Ora, quem pede sentença declaratória restringe-se a pedir declaração sobre uma determinada situação. O juiz, na sentença declaratória, possui sua

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 69

função limitada à declaração, estando impedido de ordenar um não fazer ou um fazer sob pena de multa. iNessa sentença, o magistrado não interfere na esfera jurídica do particular. Por esta razão é possível dizer que a sentença declaratória é a sentença típica do direito liberal clássico.

Por sua vez, a sentença condenatória, como o próprio nome indica, “con­dena” em razão da violação de um direito. Esta sentença é evidentemente re­pressiva; é por esta razão que a sentença condenatória sempre foi definida como aquela que tem aptidão para abrir as portas da “execução forçada”, procedimen­to que, como todos sabem, tem a função de permitir a “realização forçada de um direito violado” (art. 475-j e ss. do CPC, cf. Lei .11.232/2005).

Como está claro, justamente porque aqueles que conceberam o processo de conhecimento clássico não tinham preocupação com a tutela preventiva dos direitos, idealizou-se um “processo de conhecimento’’ sem liminar e sem sentença idônea a permitir a prevenção.

Contudo, como o procedimento desenhado para cumprir a função cautelar contém liminar e pode terminar em uma sentença capaz de permitir a tutela pre­ventiva, os operadores do direito muito antes da introdução da tutela antecipatória no CPC passaram a utilizar essa via para as situações em que se desejava somente evitar um ato ilícito.

Como se vê, escolheu-se a via (ou o instrumento) pensada para cumprir a função cautelar para realizar a função preventiva apenas pelo motivo de que esta última não podia ser desempenhada por meio do processo de conhecimen­to, o qual, conforme já foi dito, foi imaginado para realizar funções meramente declaratórias, constitutivas ou condenatórias, e jamais se importou com a tem- pestividade e a preventividade da tutela dos direitos.

Para que tudo fique mais claro, basta imaginar um exemplo: se alguém temia, antes da introdução dos novos arts. 273 e 461 no Código de Processo Civil, a violação do seu direito da personalidade, não existiria outra ação, além da ação cautelar, para tutelá-lo de forma adequada, impedindo a sua violação. Contudo, proposta ação cautelar, e obtida sentença capaz de impedir a violação do direito, nenhuma “ação principal” poderia ser imaginada por aquele que somente necessitava ir ao Poder Judiciário para conseguir a tutela que já havia sido entregue por meio do instrumento da “ação cautelar”.

Como toda ação cautelar, segundo o art. 806 do Código de Processo Civil, deve ser seguida de uma “ação principal”, essa última era proposta, contestada, e tinha o seu pedido julgado apenas formalmente, uma vez que se sabia, de an­temão, que nenhuma utilidade poderia trazer ao seu autor. Discutia-se, então, sobre a existência de uma ação cautelar autônoma, capaz de dispensar a propo- situra da “ação principal”. Em uma hipótese como esta, contudo, bastaria aten­ção para o fato de que a tutela obtida pelo autor que foi ao Poder judiciário para

70 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

ele era o bastante (uma vez que somente se desejava a tutela preventiva), e que tal tutela havia sido obtida por intermédio de uma “ação cautelar" (que é uma mera técnica para a obtenção da tutela) apenas pela razão de que o legislador não havia estruturado um procedimento de conhecimento com a possibilidade de tutela antecipatória e sentença adequada. Frise-se embora isto possa parecer à primeira vista inexplicável que o interdito proíbitório (arts. 932 e 933, CPC) constitui procedimento de conhecimento em que é possível postular-se tute­la antecipatória e sentença mandamental, e, portanto, configura procedimento muito mais adequado para a prestação da tutela preventiva do que o procedi­mento cautelar.

Melhor explicando: antigamente era utilizada a técnica do procedimento cautelar para a obtenção da tutela preventiva. Hoje, em razão dos instrumentos processuais implantados pelos arts. 84 do Código de Defesa do Consumidor e 461 do Código de Processo Civil, é possível pensar em uma ação de conhecimento com tutela antecipatóría e sentença capaz de permitir a tutela preventiva, vale dizer; em uma espécie de ação de conhecimento capaz de conferir a tutela preventiva, não sendo mais necessário o uso distorcido da ação cautelar inominada.

Tal ação de conhecimento é denominada de inibitória,1 e, em virtude do seu conteúdo marcadamente preventivo, é muito mais ligada â ação cautelar (que sa­bidamente permite a tutela contra uma situação de perigo) do que ã mera ação em que ao juiz é possível impor uma ordem ou uma medida necessária para que seja observado um fazer ou um não fazer. Falar apenas que é possível uma “ação para o cumprimento de um não faz er” quando se deseja obter tutela preventiva de um di­reito da personalidade, por exemplo, é esconder o caráter essencialmente preventivo da ação inibitória,1 e principalmente o fato de que ela tem pressupostos próprios, em razão da sua necessária característica preventiva.

1. No direito brasileiro, sobre o tema da tutela inibitória, além dos livros, de nossa autoria, Tutela in ib itória e Tutela especifica , v. Cândido Rangel Dinam arco, Institu ições de d ireito processu al civil, v. 3 , p. 1 5 2 -1 5 5 ; Arruda Alvim, “O brigações de fazer e não íazer Direito m aterial e processo”, RePro 9 9 ; Luiz Fu x, C urso de d ireito processu al civil; Sérgio Cruz Are- nhart, A tutela in ib itór ia d a v id a p riv ad a ; Paulo Ricardo Pozzolo, A ção inibitória no processo do traba lh o ; A ntônio Souza Prudente, “Tutela inibitória em matéria tributária”, R evista de D ireito P rocessual C ivil 20; Luciane Gonçalves Tessler, “A possibilidade da m ajoração da m ulta coercitiva para a prestação da tutela in ib itória”, Revista d e D ireito Processual Civil 21 ; R oberto Benghi Del Claro, “A tutela inibitória na proteção do m eio am biente”. R evista de D ireito P rocessual C ivil 19; Cleide K azm ierski, “A ineficiência do art. 2 8 7 do CPC para a proteção do direito à exclusividade no uso da m arca”, R evista d e D ireito Processual Civil 20; Luiz Fernando Pereira, “Tutela inibitória na proteção de marca com ercial”, Revista de D ireito P rocessual C ivil 20 ; Rafaela Almeida do Amaral, “Tutela inibitória e concorrência desleal”, R evista d e D ireito Processual Civil 21.

2. Em bora o tema da ação inibitória tenha sido bem estudado pela doutrina italiana, não é correto raciocinar, com o é óbvio, que ela não possa ser objeto da preocupação da doutri­

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 71

De qualquer forma, é preciso que fique claro que a técnica cautelar não mais precisa ser procurada por aquele que deseja tutela preventiva e necessita dos instru­mentos capazes de prestá-la, uma vez que esses agora também estão presentes nos arts. 84 do Código de Defesa do Consumidor e 461 do Código de Processo Civil.

3.1.2 A tutela inibitória e a questão do ilícito

A tutela inibitória tem por fim impedir a prática de um ilícito. Tal tutela envolve a questão do conceito de ilícito, e não apenas o procedimento capaz de ga­rantir um fazer ou um não fazer. Já se discutiu na Itália a respeito da distinção entre ilícito de lesão e ilícito de perigo, realizada por Candian. Afirmou este ju ­rista que na categoria dos atos ilícitos seria preciso distinguir os ilícitos de lesão

na de outros paises. Registre-se, apenas com o exem plo, a intensa produção da doutrina argentina sobre o tema: Ricardo Luiz Lorenzetti, L a tutela civil inh ibitoria ; N oem i Lidia N icolau, L a tutela in h ib ito r ia y el nuevo art. 43 de la C onstítución N acion a l, além de outros. Por outro lado, a nom enclatura utilizada, ou a qualificação atribuída à tutela, que condu­ziu à expressão “tutela in ib itória”, tem uma explicação lógica e racional. É evidente que a “ação inibitória” não pode ser confundida com a “cautelar”', já que configura genuína “ação de conhecim ento”. Tam bém não seria correto qualificar referida tutela apenas com o preventiva, uma vez que a expressão “preventiva" vem sendo usada para caracterizar uma série de “ações”, com o a “ação declaratória” e m esmo a “ação cautelar”. Além do mais, a “ação in ib itória” tem pressupostos próprios, que não podem ser confundidos com os de tutelas similares. A “ação inibitória” requer apenas a probabilidade da prática, da reiteração ou da continuação de ato contrário ao direito; a com preensão de seus pressupostos exige a separação conceituai entre ato contrário ao direito e fato danoso, que é som ente uma conseqüência eventual do prim eiro. Com o se vê, é absolutam ente apropriada a expressão “ação in ib itória”, até pela razão de que, em todo lugar que se pretenda desenvolver uma com unicação realm ente séria, é necessário designar conteúdos diferentes com nom es diversos, sob pena de não ser possível qualquer entendim ento entre os in terlocutores, que então poderiam im aginar que estão travando discussão sobre a m esm a coisa, quando na verdade discutem sobre coisas diversas que possuem , infelizm ente, o mesmo nom e. Na realidade, o emprego do nom e “tutela in ib itória" tem relação com a necessidade de se pre­cisar asua natureza preventiva, d esejan d o-se com isto não to m a r possível a sua con fusão com qu alqu er ou tra esp éc ie d e tutela ou sentença. O emprego da expressão inibitória identifica, com o é fácil perceber, a ideia de inibir um ílícito , e por isto é m uito m ais apropriada do que a expressão tutela de obrigação de fazer ou de não fazer. Aliás, os arts. 4 6 f do Código de Processo Civil e 8 4 do Código de Defesa do Consum idor não se prestam apenas para a tutela das obrigações de fazer e de não fazer ou para a tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. Tais a rtigos es tab elecem técn icas p rocessu ais (sentenças e m eios executivos d iferen ciados) que servem p a ra a p resta ção d e várias tutelas, entre elas a tutela esp ec ifica da o brig ação con tratual inad im plida e a tutela in ib itória (p or exem plo). Quando empregamos a expressão “tutela in ib itória” desejam os deixar claro que esta é apenas uma das tutelas que podem ser prestadas m ediante o emprego destes artigos. Neste sentido o emprego da ideia de “tutela in ib itória” é bastante sugestivo, o que não foi percebido por Eduardo Taiam ini, Tutela relativa aos deveres de f a z e r e de n ão fazer .

72 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

dos ilícitos de perigo.3 Parte da doutrina, aderindo á tese de Candian, referiu-se a ações que têm por fim impedir a continuação de um estado atual de coisas que poderá conduzir à violação do direito, sem que ocorra culpa atual do réu. As situações, mais ou menos graves de ameaças, às quais estas ações se referem, constituiriam segundo a terminologia de Candian o ilícito de perigo.4

A maior parte da doutrina italiana, entretanto, não acatou a doutrina de Candian. Renato Scognamiglio, por exemplo, fez crítica à tese do ilícito de pe­rigo, argumentando tratar-se de um erro de perspectiva, fruto da apriorística adesão à equação “ilícito civil-dano”.=i Cristina Rapisarda, na mesma linha, ar­gumentou que a tutela inibitória prescinde, por sua própria natureza, dos efeitos do ato ou da atividade ilícita, sejam esses danosos ou não. À ilustre processua- lista não convence o conceito de “ilícito de perigo”, pois este depende da noção de dano; a tutela contra o “ilícito de perigo” seria uma tutela contra a eventua­lidade do dano, ao passo que a tutela inibitória nada tem a ver com o dano, mas apenas com o ato contrário ao direito.6

Rapisarda, em outro trabalho que escreveu juntamente com Michele Ta- ruffo, demonstrou a necessidade de se separar, conceitualmente, a noção de ato ilícito da de fato danoso.7 Restaria excluída, desse modo, a referibilidade unívo- ca do conceito de antijuridicidade à realização de eventos danosos; substituiria a essa uma noção de ilícito como ato contra ius, e, assim, como conduta praticada em violação a uma obrigação legislativamente sancionada.8

Como se vê, a doutrina que não adere à tese de Candian deixa claro que a tutela inibitória não pode estar associada aos efeitos danosos ou não do ilícito. Propõe-se um conceito de ilícito que seja independente do de fato danoso. Para

3. P iuttoslo , c ’ê una eonseguenza non priva di inLeresse che a rae pare potersi desnm ere dalla constatazione in questa sfera degli atti i lk c it i delia eflicienza giuridica di un’azione a cui non ha consegui to Í’evem o sebbene essa fosse compiuta; oppure di un’azione in- com piuta; o pure infine di u n ’azione nem raeno intrapresa, bensí soltanlo pream m nziata com e contenuío d iu n p ro p o sito ; ede questa: ch en eila categoria degli a td iliec iti bisogna distinguere gli illeciti 'di lesione' e gli i lk c it i 'di pericolo ’11 ( Candian, Nozioni istU uzionali di d ir ittop r iv a to , p. 119).

4. Ludovico Barassi, L a teoria g en era le d e lle obblígaz ion i, p. 428 .5. Renato Scognam iglio, “Illecito”, Novíssimo digesto italian o, v. 8 , p. 169.6. Cristina Rapisarda, “Inib itória", Digesto delle. d isc ip lin ep riv a tis tich e , v. 9, p. 480.7. V. sobre este ponto, E. Bonasi Benucci, “Atto illecito e concorrenza sleale”, Rivista Trímes-

tra led iD iritto eP rocedu raC iv ile, 19 5 7 , p. 5 6 3 ess.; Aldo Frignani, “A zionein cessazíone”, N ovíssim o d igesto italiano, “A ppendice”, 1 ,1980 , p. 6 3 9 e 5 5 .; S. Rodotà, il p rob lem a d e lia resp on sab ilitàc iv ile ; G. Cian, A nlig iurid icità e c o lp ev o le z z a ; C. Salvi, “Legittim ità e ‘razio- nalità’ d ellart. 8 4 4 Codice C ivile”, G iurispru denza italian a, 1 9 7 5 ,1 ,1 , p. 5 9 0 -5 9 2 .

8. Cristina Rapisarda e M ichele Taruffo, “In ib itória”, E n ciclopéd ia g iurid ica Trecanni, v. 17, p. 7. V, ainda, Pietro Trim archi, “Illecito”, E n cic lop éd ia de! d iritto, v. 20, p. 90 e ss.

TUTELA CAUTELAR E TUTEL A ANTECIPATÓRIA 73

a configuração do ilícito pouco importa a sua conseqüência, se danosa ou não; há ilícito quando há ato contrário ao direito. Assim, o conceito de ilícito de pe­rigo, compreendido como um conceito que liga o ilícito ao dano, não pode ser aceito, pois pode haver ilícito ainda que não haja dano.

O perigo se liga ao ato contra ius e não ao dano. A tutela inibitória pres­supõe a probabilidade de que o ilícito (o ato contrário ao direito) prossiga ou se repita, ou mesmo que venha a ser praticado, se ainda não se verificou. É esse o sentido preventivo da tutela inibitória.

A distinção entre ato ilícito e fato danoso cresce em importância quando se percebe que a unificação da categoria da ilicitude civil com a da responsabi­lidade por dano é o resultado de um processo de evolução histórica que con­duziu a fazer coincidir a tutela privada do bem com a reintegração do seu valor econômico no patrimônio do prejudicado,9 esquecendo-se que bens de grande importância, e considerados vitais para o desenvolvimento da pessoa humana, não podem ser reintegrados pecuniariamente.i0

É importante perceber que o Estado, na sociedade contemporânea, tem a obrigação de garantir determinados bens e direitos, imprescindíveis para a adequada vida social, e para tanto utiliza-se de normas protetoras, ou seja, de normas que objetivam evitar que tais bens ou direitos possam ser violados. De modo que deve haver à disposição do cidadão, ou de um ente que o faça valer em juízo, um instrumento processual civil capaz de impedir a violação destas normas, isto é, uma técnica processual civil capaz de impedir a simples violação do direito, sem se importar com o dano. Para melhor explicar, é preciso deixar claro que, na sociedade contemporânea, o ato que é contrário ao direito, mas não produz dano, não pode fugir do campo de aplicação do processo civil, pretendendo-se refugiar na seara exclusiva do processo penal. Note-se que esta nova concepção de processo civil toma como necessária a distinção entre ato contrário ao direito e dano, uma vez que antigamente o processo civil preocupava-se apenas em evitar ou reparar o ilícito danoso, mas não em evitar ou reprimir a simples conduta contrária ao direito.

3.1.3 Finalidade e classificação da tutela inibitória

A ação inibitória, em princípio, teria por fim impedir a continuação ou a repetição de um ilícito. Contudo, alguns autores, como será visto a seguir, ad-

9. Cf. C. Salvi, “ Legittimità e ‘razionalità’ deliart. 8 4 4 Codice C ivile”, G iurisprudenza italiana, p. 590 . Conferir, ainda, outro interessan te trabalho deste m esm o autor: “Ilparadosso delia responsabilità civ ile”, Rivista C ritica dei D irittoP rivato , 1 9 8 3 , p. 123 e ss .

10. V. Guido Alpa, M ario Bessone e Vincenzo Carbone, A tip icitá delV illecíto (II D iritti delia personalità e daim o m o ra le).

74 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

mítem a ação inibitória para prevenir tout court o ilícito e não só para impedir a sua continuação ou a sua repetição.

Dentro dos casos tipificados na Itália, o art. 156 da lei sobre o direito de autor confere a melhor definição legal de. tutela inibitória: “Quem tem. razão para temer a violação de um direito (...) ou mesmo necessita impedir a conti­nuação ou a repetição de uma violação já ocorrida, pode agir em juízo para que o seu direito seja declarado e seja interditada a violação”. Entende-se que a lei sobre o direito de autor, ao falar em “ragione di temere la violazione”, admite a tutela inibitória não só para impedir a continuação ou a repetição do ilícito, mas também para prevenir a prática de um ilícito iminente.11

O Código Civil brasileiro afirma, em seu art. 12, que “pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade (...)”. Esta norma consa­gra, expressamente, a possibilidade, de se requerer tutela para impedir a violação a direito, ainda que nenhuma violação anterior da mesma natureza tenha sido cometida.

A tutela inibitória pode ser classificada como uma tutela preventiva e es­pecífica. Preventiva porque voltada para o futuro; específica porque destinada a garantir o exercício integral do direito, segundo as modalidades originariamente fixadas pelo direito material.12

A tutela inibitória, de fato, é voltada para o futuro; não tem por escopo reparar um direito já violado. O que diferencia, nitidamente, a tutela inibitória da tutela ressarcitória, é que a primeira objetiva evitar o ilícito, enquanto que a segunda proporciona apenas a reparação pelo dano. Note-se, porém, que a tu­tela que tem por meta impedir a continuação ou a repetição do ilícito, embora suponha um ilícito já praticado, tem nítido fim preventivo e não ressarcitório, pois se destina a evitar o prosseguimento ou a repetição de um ato contrário ao direito e não a reparar um dano.

A tutela inibitória demonstra o superamento do princípio de derivação romana, pelo qual o ressarcimento do dano é a única forma de tutela contra o ilícito, independente da natureza específica do próprio ilícito e da situação jurídica violada.13

11. Nesse sentido Tullio Ascarelli, Teoria d e lia con corren za e dei benni im m ateria li, p. 467 . Andréa Proto Pisani adm itea tutela inibitória da atividade antissindieal, mediante a ordem de inibição que em caso de descum prim ento abre oportunidade para a pena de prisão prevista no art. 28 do Estatuto do Trabalhador d e um a conduta qu e p o d erá ocorrer (Andrea Proto Pisani, “li procedim ento di repressione deH’atlivitã antisindacale”, F oro Italiano, 1973 , p. 8 0 ).

12. Cristina Rapisarda, “In ib itória", D igesto d e lle d iscip lin e privatistíche, v. 9, p. 476.13. Cristina Rapisarda e M ichele Taruffo, “Inibitória”, E nciclopédiagiurid ica I recanni, v. 17, p. I .

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 75

3.1.4 Pressupostos da ação inibitória

A ação inibitória, justamente porque visa apenas a impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito, não tem o dano entre os seus pressu­postos.14 O que a ação inibitória requer é o perigo da prática de ato contrário ao direito, ou o perigo de sua continuação ou repetição. No direito italiano, exclui-se que o ilícito deva necessariamente compreender um dano ressarcível nos termos do art. 2.043 do Código Civil,15 ou qualquer outro dano de qualquer forma ressarcível.16

O autor, quando requer a inibitória, deve provar não só o perigo da prá­tica, da continuação ou da repetição do ilícito, mas também que o ato caso praticado (ou que já foi praticado, no caso de inibição da sua continuação ou repetição) será ilícito (ou é ilícito, no caso de inibitória da continuação ou da repetição do ilícito).

Como já foi dito, para a configuração do ilícito basta a prática de um ato contrário ao direito; basta uma conduta, ainda que esta não seja seguida por um evento. O dano, com efeito, não é essencial para a configuração do ilícito.17

A falta de percepção do verdadeiro conceito de ilícito ou o obscuredmen- to de tal conceito é resultado de uma visão unicamente repressiva do ilícito. A doutrina tradicional, ao tratar do ilícito, sempre dedicou atenção exclusiva à responsabilidade pelos danos, deixando de lado o ato contrário ao direito em si considerado. A doutrina sempre esteve preocupada com a tutela ressarcitória, ou, quando muito, com a chamada tutela específica do sujeito lesado. Não pode haver tutela ressarcitória onde não há dano; foi natural, assim, justamente por que a doutrina pensava somente na tutela ressarcitória, a associação, ainda que indevida, entre ilícito e dano.18

O dano constitui uma conseqüência meramente eventual do ato ilícito.

Como escreve Cian em sua obra Antigiuridicità e colpevolezza: “Poderia alguém observar que o ilícito requer um evento, entendido como modificação do mundo externo conseqüente à ação, em razão do qual deve existir uma perda patrimonial, isto é, um dano. Seria esta, porém, uma perspectiva inexata, por­

14. V. M ario Rotondi, Istituzioni di dírítto privato, p. 4 0 7 -4 0 8 ; Renato Scognam iglio, “II risar- d m ento dei danno in form a specífica”, R ivísta Trim estrale di D iritto e P rocedura C ivile, 1957 , p. 2 1 3 -2 1 5 .

15. Segundo o art. 2 .0 4 3 do C ódigo C ivil ita lian o , “qu alu nqu e fatto d o loso o co lp o so , che cagiona ad altri un d anno in g iu sto , obh liga colu i che ha com m esso il fatto a risarcire il d a n n o ”.

16. Aldo Frignani, “In ib itória", E n cic lop éd ia de! d iritto, v. 21 , p. 560.17. Aldo Frignani, Linjunction nella com m on law e V inibiíoría nel d iritto ita lian o, p. 4 09 .18. Idem , p. 4 1 1 -4 1 3 .

76 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

que o dano, assim concebido, deve ser colocado entre os requisitos necessários para que surja a obrigação de ressarcir, não para que exista um ilícito”.19

Para a configuração do ilícito é suficiente a transgressão a um comando jurídico, pouco importando se tal transgressão levará a um dano ou não.20 Os fenômenos da lesão do direito e do dano não podem ser reconduzidos a uma unidade, já que correspondem a momentos e aspectos diversos da genérica no­ção de torto, entendido como comportamento ou estado contrário ao direito.21

Em 1992, o Tribunal de justiça de Mato Grosso do Sul decidiu que “o titu­lar de nome comercial tem legítimo interesse em ajuizar ação cominatória com o fim de impedir seu uso indevido por terceiro, mormente se demonstrar estar so­frendo prejuízos com a confusão de nomes entre as duas empresas".22 Na verdade, o titular do nome comercial tem direito de exigir que terceiro se abstenha de usar o seu nome sem necessitar aludir a prejuízo ou dano. O julgado referido mostra a importância da adequada compreensão dos pressupostos da tutela inibitória, pois o juiz, na ação inibitória, está impedido de perguntar sobre dano.

A ação inibitória, por outro lado, não exige os elementos culpa ou dolo. Apre­ciando ação cominatória, o Tribunal de justiça de São Paulo afirmou, com acerto, que “é irrelevante, para efeito de proteção à marca, a existência de dolo ou culpa de comerciante que utiliza em seu nome comercial marca registrada de outrem”.23

O elemento subjetivo, como já foi demonstrado pela melhor doutrina, é apenas um critério de imputação da sanção ressarcitória.24 Como afirma Ra­pisarda, “a ratio da autonomia da inibitória em relação à culpa vai sublinhada, além disto, no caráter não sancionatório de tal meio de tutela: o requisito subje­tivo da culpa perde, de fato, na disciplina da inibitória, a função de salvaguarda da liberdade, desenvolvida quando a tutela comporte, como no caso da tutela ressarcitória, a imposição ao sujeito passivo de uma desvantagem econômico- jurídica".2"

19. G. Cian, A ntigíurid icità e co lp ev o lezza , p. 51.20. Renato Scognam iglio, “II risarcim ento dei danno in form a specífica”, Ri vista T rim estrale

di D irilto e P rocedura C ivile, 1957 , p. 207 ; Eduardo Bonasi B enucci, “Atto illecito e con-correnza sleale”, Rivista T rim estrale di D iritto e P rocedura C ivile, 1957 , p. 5 6 6 -5 6 8 .

21 . Aldo Frignani, rinjuntion n ella com m on law e V inibitorianel d iritto italiano, p. 4 1 3 ; Renato Scognam iglio, “11 risarcim ento dei danno in form a specifica”, R ivista T rim estrale di D iritto e. P rocedura C ivile, 19 5 7 , p. 207 .

22. TJM S, A C classe “b ”, Xv,n. 3 1 .2 6 7 -8 , rei. Des. Elpídio Helvécio Chaves Martins, j . 6 .1 0 .9 2 , DJM5 1 2 .2 .9 3 , p. 3.

23. TjSP, Ap. Cível 8 3 .“7 3 -1 , rei. Des. M oretzsohn de C astro ,]. 2 6 .0 3 .1 9 8 7 ,Ju r isp ru d ên cia B rasile ira 132/181-182.

24. Marco Saverio Spolidoro, L e m isure di p revcn zion e nel d iritto industriale, p. 165.25. Cristina Rapisarda, P rojili d e lia tutela civile in ibitória , p. 89 -9 0 .

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA

Além disto, uma vez que a inibitória é um tipo de tutela voltada para o futuro, resta excluída a possibilidade objetiva de se avaliar preventivamente o elemento subjetivo do futuro comportamento ilícito.

3 .7.5 A ação inibitória que tem por objetivo prevenir tout court o ilícito e a tutela inibitória que visa a impedir a sua continuação ou repetição. A questão probatória

Se o ilícito já foi praticado e não é mais temido, a única tutela viável é a repressiva. Somente quando o ilícito ainda não foi praticado, ou pode prosseguir ou se repetir, é que entra em jogo a tutela inibitória.26

A tutela inibi tória, na hipótese em que o ilícito já foi praticado, preocupa- se com o perigo da sua continuação ou repetição. Neste caso, como é óbvio, não importa o ilícito que já foi praticado, mas apenas a probabilidade da sua continuação ou repetição. A prova do perigo é a prova da probabilidade da con­tinuação ou da repetição do ilícito.

Questão bem mais difícil é a da possibilidade do uso da tutela inibitória para impedir a prática de um ilícito, e não apenas para impedir a sua continua­ção ou repetição.

Porém, se é possível inibir a continuação ou a repetição de um ilícito, não há razão para não se poder prevenir o ilícito, quando esse ainda não foi prati­cado.27 A dificuldade, na verdade, está na prova de que o ilícito provavelmente será praticado, a qual é bem mais árdua do que nos casos em que o ilícito já foi praticado e se teme apenas a sua continuação ou repetição.28

26 . “In realtà, in rapporto aí m om ento delia dom anda rivolta ai giudice, lille c ito puô trovarei in queste tre situazioni cronologiche: passato, in atto, o im m inente. Da questa triparti- zione si puo elim inare lille c ito in atto, in quanto essa e un non senso dialettico. Infatti, se rapportata ai m om ento di cui sopra, 1’auività illecita si presenta o com e passata o com e im m inente o futura” (Aldo Frignani. ünjuncLíon n d la com m on law e V inibüona n d diritto italiano, p. 4 2 9 ).

27. «No direito am ericano, a “quia tim et in ju ctio n ” viabiliza um a tutela genuinam ente preven­tiva, independentem ente de já ter sido praticado algum ilícito . E m U .S v. 1 1 12 M onroe St, ju lgado em 2 0 0 5 , afirm ou-se o seguinte: “Q uia tim et is the right to be protected against anticipated future in jury that cannot be prevented by the present action. The doctrine of qui a tim et’ perm its equitable relief based on a concern over future probable in jury to certain rights orinterests, where anticipated future in jury cannot be prevented by apresent action at law, such as w here there is a clanger that a defense at law m ight be prejudiced or lost if n ot tried im m ediately (Am. ju r . Equity § 9 3 )” (U nited States v. 1 1 1 2 M onroe St., 20 0 5 , U.S. Dist. lexis, 1 4 3 6 5 ).

28 . Com o diz Aldo Frignani, “problem a un p oco piü d elicato e la possibilita di invocare 1’lnibitoria quando 1’attività illecita non sia ancora stata com pnua; quando cioe la condo tta non si e perfezionata, ma sono stati messi in atto soltanto dei preparativi per la com m issione

78 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Para que fique clara a percepção de que tal prova não é impossível, é con­veniente formular alguns exemplos: i) o comerciante que está impedido de usar uma determinada marca comercial encomenda embalagens consignando que nelas a marca deverá ser estampada; ii) o industrial que estã impedido de usar um invento contrata um publicitário para elaborar a propaganda do produto que pretende industrializar e comercializar; iii) a empresa que se obrigou a não exercer determinada atividade comercial anuncia que passará a exercê-la.

Nestes casos, muito embora o objetivo seja o de evidenciar a probabili­dade da prática do ato contrário ao direito, a prova é de um fato passado que aponta para a probabilidade de um fato futuro.

A tutela inibitória, em casos como os referidos nos exemplos antes men­cionados, apenas ordena que o réu se abstenha de praticar um ato. Note-se que a ordem de abstenção não poderá trazer dano ao réu se ele realmente está im­pedido de praticar o ato. Além do mais, o autor, para obter a inibi tória, tem que provar que o ato se praticado pelo réu será ilícito. Ou seja, o autor da inibitória tem que provar, por exemplo, que o réu estará praticando ato contrário ao direi­to se utilizar determinada marca comercial.

3.1.6 A inefetividade da sentença condenatória para a prestação da tutela inibitória

A sentença condenatória, tal como foi concebida pela doutrina clássica, é incapaz de permitir a tutela inibitória.29 É muito simples: a sentença de conde­nação, por definição, é correlacionada com a execução por subrogação.30 Recen­

nei luturo. A noslro avviso, la peculiarità di questa ipotesi, inrapp orto a quella preceden­tem ente esam inata, consiste nel fatto che qui la prova det p erk o lo delia com m issione di un illecito e píu dífficile, in quanto e estrem am ente arduo dare una vaiutazione ex ante deH’idoneità dei mezzi m essi in atto nei preparativi ai fini delia perpetrazione deH’illecito. Tuttavia, una volta ehe s ia a c c e rL a ta tale idoneità ed un ivocità , non c ’e dubbio che il giudice possa emanare un ordine in ib itorio” (Aldo Frignani, “In ib itória”, E n cic lop éd ia dei diritto, v. 21 , p. 5 6 1 ). V, ainda, Cristina Rapisarda, Profili d e lia tutela civ ile in ibitória ; Aldo Frignani, D njunction netta com m on law c l’in ib ítoría nel d iritto italiano, p. 4 3 0 -4 3 1 ; Cristina Rapisarda e M icheie Taruffo, “Inibitória”, E n cic lop éd ia g iu rid ica Trecanni, v. 17, p. 7; Cristina Rapisarda, “In ibitória”, Di gesto d etle d iscip lin e privatístiche, v. 9 , p. 480 .

29. V Luiz G uilherm e M arinoni, “Tutela inibitória: a tutela de prevenção do ilíc ito ”, R evista de D ireito P rocessual C ivil 2/353-359.

30. V Piero Calam andrei, “La condanna”, O pere g iurid iche. v. 5, p. 4 9 3 e 55 ; Enrico Tullio Liebm an, M anualedi diritto processu al e civile, v. 1, p. 145 e 55; Luigi M ontesano, C ondanna civile e tu tela esecu tiva, p. 5 e 55 e 19 e 55 ; Edoardo Garbagnati, A z io n ee interesse, p. 333 e 5 5 .; G. M onteleone, “Recenti sviluppi nelta dottrina dell’esecuzíone forzata”, Rivtsífldi D iritto P rocessuale, 1982 , p. 2 8 ! e 5 5 ; G. Borre, E secu zion e fo rza ta degli obbligh i di j a r e e di non f.are, p. 138 e 55.

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 79

temente, aliás, em artigo publicado sob o título “Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata”, Mandrioli reafirmou a correlação necessá­ria entre a condenação e a execução forçada.31

A sentença condenatória, exatamente porque abre oportunidade para a execução por expropriação (d. art. 475-j e ss., CPC, Lei 11.232/2005), não tem aptidão para exercer função inibitória. A tutela inibitória, para ser efetiva, exige uma espécie de sentença similar à injunction do direito anglo-americano, meio através do qual o juiz pode ordenar ao devedor o cumprimento de uma obriga­ção sob pena de contempt oj Court.

A sentença condenatória não admite a coerção das obrigações porque guar­da atrás de si a ideologia liberal da intangibilidade da vontade humana.32 O concei­to de sentença condenatória está comprometido com as doutrinas que inspiraram o Código Napoleão, pelo qual toda a obrigação de fazer ou não fazer resolve-se em. perdas e danos em caso de descumprimento pelo devedor, e, principalmente, com a ideologia que deu origem ao dogma de que a coerção das obrigações infungíveis constitui um atentado contra a liberdade e a dignidade dos homens.”

3 .7.7 A importância da tutela inibitória para a efetividade da tutela dos direitos

A ação inibitória é fundamental para a efetividade da tutela dos direitos não patrimoniais, aí incluídos os denominados “novos direitos”, como o direito à higidez do meio ambiente.

Os direitos da personalidade, como é sabido, têm conteúdo e função não patrimonial.34 É correto dizer, ainda, que estes direitos dependem de obriga­ções continuativas de não fazer,33 ou de obrigações de fazer infungíveis ou di­ficilmente passíveis de execução através das formas tradicionais da “execução forçada”.36 Alérti disso, tais direitos são definidos por quase sempre conflitarem com outros direitos igualmente dignos de tutela. Assim, por exemplo, o direito

31. Crisanto M andrioli, "Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata”, Rivista T rim estrale di D iritto e P rocedura C ivile, 19 7 6 , p. 1 .344.

32. V Sergio Chiarioni, M isure coercitiv e e tu tela dei diritti, p. 9 0 e 55.33 . Idem, p. 148-149 .34. Sobre a tutela dos direitos da personalidade, v. jo s é Carlos Barbosa Moreira, “Processo civi! e

direito à preservação da intim idade”, Temas de direito processual, 2.“ série, p. 5 e ss.; “Tutela sancionatória e tutela preventiva”, 7em as de d ireito processual, 2 .a série, p. 21 ess.

35 . Sobre a tutela cio credor nas obrigações negativas, v. jo s é Carlos Barbosa M oreira, “A tutela esp ecifica do credor nas obrigações negativas”. Tem as de d ireito p rocessu al, 2 .“ série, p. 3 0 e ss.

36. Andrea Proto Pisani, “La tutela giurisdizionaie dei diritti delia personalità: strum enti e tecniclie di tutela”, F oro Italian o, 1990 , Y p. 4.

80 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

à imagem pode entrar em choque com o direito à liberdade de imprensa.37 Os direitos da personalidade, nesse último sentido, são dotados de uma conflituo- sidade intrínseca, deixando ao juiz o delicado problema relativo à resolução do conflito entre dois direitos, que deve ser eliminado através da aplicação da regra da proporcionalidade.38

Os direitos da personalidade não podem ser garantidos adequadamente por uma espécie de tutela que atua apenas após a lesão ao direito.39 Admitir que tais direitos somente podem ser tutelados através da técnica ressarcitória é o mesmo que dizer que é possível a expropriação destes direitos, transfor­mando-se o direito ao bem em direito à indenização. Não é preciso lembrar que uma tal espécie de expropriação seria absurda quando em jogo direitos invioláveis do homem.40

O surgimento das novas relações jurídicas, próprias à sociedade de massa, também revela a fragilidade do sistema fundado na técnica ressarcitória. O di­reito à saúde, o direito ao meio ambiente saudável, os direitos do consumidor,41 não podem ser efetivamente tutelados através da tutela ressarcitória. A natureza não patrimonial dos “novos direitos” é incompatível com o simples ressarci­mento. A tutela ressarcitória diz respeito ao patrimônio; não ao direito ao bem. Desta forma, a tutela ressarcitória, por definição, mostra-se incapaz de assegurar os “novos direitos”.42

A tutela inibitória, como tutela preventiva e específica, é adequada para a pro­teção desses direitos, pois além de poder prevenir o ilícito, atua de modo a garantir a

37 . Andrea Proto Pisani, “La tutela giurisdizionale dei diritti de lia personalità: strum enti e tecniche di tutela”, Foro Italiano, 1990 , p. 4.

38 . V. Luiz G uilherm e M arínoni, Teoria g era l do processo, C urso de processo civil, v. 1.39. Com o diz o Professor Jo sé Carlos Barbosa M oreira, “o repertório legal das m edidas pre­

ventivas, no Brasil e alhures, é sabidam ente insatisfatório ; e, por paradoxal que possa afigurar-se, a sua pobreza agrava-se ju stam en te no dom ínio onde m ais aguda se faz a necessidade prática da tutela; para proteger a posse e a propriedade ainda se dispõe de rem édios prestadios, m as a ja r m a c o p e ia ju ríd ica ch eg a em g era l às ra ias da pen úria na que concerne às re lações não p a trim on ia is - p recisam en te num a á rea d e prob lem as cu ja so lução, sem tais rem édios, o sc ila entre o s níveis d a p reca r ied ad e e da m is tifica çã o ” ( “Processo civil e direito à preservação da intim idade”, p. 5).

40 . “Se i diritti delia personalità per definizione hanno contenuto e funzione non patrimoniale, allorap erdefin izione la tutela risarcitoriasi m anifesta com e forma (da sola) non adeguata di tutela, perche non e in grado di soddisfare il bisogno non patrim oniale assicurato da tali d iritti” (Andrea Proto Pisani, “La tutela giuridizionale dei diritti delia personalità: strum enti e tecniche di tutela”, F oro Italian o, Í9 9 0 , V, p. 6).

41 . Sobre a im portância da tutela inibitória para a efetividade da tutela dos direitos do con ­sumidor, v. Guido Alpa, R espon sabilità deW im presa e tutela dei consu m atore, p. 461 e ss.

42 . Andrea Proto Pisani, “La tutela giurisdizionale dei diritti delia personalità: strum enti e tecniche di tutela”, Fora Ita lian o, 1990 , V, p. 6 e ss.

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 81

atuação do interesse especifico pelo qual se invoca a tutela, ao invés do ressarcimen­to pecuniário do dano, com base no princípio do equivalente monetário.

O fato de os direitos não patrimoniais estarem na dependência de obri­gações continuativas de não fazer, ou de obrigações de fazer infungíveis, deixa clara a inefetividade da sentença condenatória. Como já foi dito, a tutela inibi­tória, para ser eficaz, necessita de meios executivos que possam evitar a prática, a repetição ou a continuação do ilícito, ao passo que a sentença de condenação apenas abre oportunidade para a execução por expropriação.43 não constituindo uma ordem que possa ser comparada à injunction,H meio através do qual o juiz pode ordenar um não fazer ou um fazer de caráter infungível, visando, inclusi­ve, à prevenção de um ilícito.43

O comportamento ilícito, quando em jogo os “novos direitos”, caracteri­za-se normalmente como atividade de natureza continuativa ou como plurali­dade de atos suscetíveis de repetição; basta se pensar nos fenômenos de polui­ção ambiental, de venda de produtos danosos, ou mesmo de difusão de notícias lesivas à personalidade.46 A tutela destes direitos, por isso mesmo, depende de um tipo de provimento que permita a imposição de meios executivos capazes de evitar a proliferação de ilícitos.

O sistema brasileiro de “tutela coletiva” é hábil para permitir a efetiva tutela dos direitos difusos e coletivos, já que o art. 83 do Código de Defesa do Consumidor deixa claro que para a tutela dos direitos difusos e coletivos '"são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efeti­va tutela”. Com isto o Código de Defesa do Consumidor não só reafirma o prin­cípio constitucional do direito à adequada tutela jurisdicional,47 como também garante o direito à tutela inibitória dos direitos difusos ou coletivos. O preceito do art. 8.3 é complementado pelo art. 84 do Código de Defesa do Consumidor

43 . V Luiz Guilherm e M arinoni e Sérgio Cruz Arenhart, P rocesso de conhecim ento, C urso de p rocesso civil, v. 2.

44. Sobre as injunctions, v. I. C. E Spry, The prin c ip ies o f eq u itab le rem edies; Harold Greville Hanbury, M odem equity The p rin c ip ies o fe q u ity : Abram Chayes, ‘T h e role of the ju dge in publiclaw litigatío iT , H arvard L aw Review, 19 7 6 , v. 8 9 ,p. 1 .281 ess.; Zechariah Chafee Jr. eEdw ardD . Re, C ases and m ateria is on equ ity ; ChristineG ray, “Interlocutory in jun ctions since cyanarnid”, T he C am brid g e Law Jo u rn a l, 1981 , p. 3 0 7 e ss.; W illiam Q. de Funiak, H a n d book o f m od em equity, p. 2 7 -2 9 ; P V Baker e P. j . Langan, SneWs princip ies o fequ ity , p. 6 2 5 e ss .: George W Keeton e L. A. Sheridan, Equity, p. 4 5 7 e ss.; Ow en M Fiss e Doug Rendlem an, Injunctions; Arwed Blom eyer, “Types o fre líe f avaiiable (jud icial rem edies)", In ternational cn cy clop ed ia o f com p arativ c law, v. 16, p. 5 0 e ss.

45. As Cortes am ericanas têm adm itido a concessão da in junction antes da violação do direito. Trata-se das q u ia tim et injunctions (v. Spry, T h e princip ies o f equ itable rem edies, p. 3 6 9 -3 7 3 ) .

46. Cristina Rapisarda, P rofili d e lia tutela civ ile in ibitória , p. 81 -8 2 .47 . V Kazuo W atanabe, Código B rasile iro d e D efesa do Consum idor, p. 523 .

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que, viabilizando a tutela inibitória dos direitos difusos ou coletivos, dispõe que o juiz poderá impor multa diária ou determinar qualquer medida executiva necessária, independentemente de pedido do autor, na sentença ou na tutela antecipatória.

Ademais, é preciso registrar que a tutela inibitória é muito importante contra a concorrência desleal, bem como para a tutela de direitos como o direito de autor, o direito à marca e o direito ao invento. Nestes casos é muito difícil a quantificação do dano emergente e, portanto, raramente a tutela ressarcitória tem efetividade. Por outro lado, pouco adianta a reparação do dano se a marca ou o invento podem ser indevidamente utilizados, causando danos irreparáveis aos seus titulares, como o descrédito da própria clientela. Além disso, muitas vezes o empresário depende da marca e do invento para o sucesso do seu em­preendimento, que poderá igualmente ser irreparavelmente prejudicado caso o ilícito não seja desde logo obstaculizado. Basta pensar na situação da empresa que foi consolidada a partir de um direito de invenção, que lhe permitiria indus­trializar um determinado produto com exclusividade.

O Decreto-lei 7.903/45, atento às peculiaridades dos direitos industriais, consignava que, independentemente da ação criminal, o prejudicado poderia intentar “ação para proibir ao infrator a prática do ato incriminado, com a comí- nação de pena pecuniária para o caso de transgressão do preceito” (art. 189) [artigo revogado por força da Lei 9.279/96],48 Tal norma, ao permitir a imposição da multa, de certa forma abria espaço para uma maior efetividade da tutela dos direitos industriais. Atualmente, como será mais bem esclarecido a seguir, o art. 461 constitui a fonte da tutela capaz de impedir a violação de tais direitos (tutela inibitória), justamente porque o juiz, de acordo com essa nova norma, pode na tutela antecipatória ou na sentença impor a multa para pressionar o obrigado a adimplir e ainda se valer do amplo poder a ele conferido para a “efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente”.

3.1 .8 Fundamento da tutela inibitória

O ordenamento italiano admite a tutela inibitória apenas para determi­nadas situações de direito substancial. Porém, a necessidade da tutela inibitória para a adequada tutela dos direitos não patrimoniais levou parte da doutrina italiana a aceitar a sua natureza atípica.

48 . A respeito da ação corninatória para a defesa do direito à m arca, v. Carlos A lberto Chaves, “Da ação corninatória na defesa das marcas de indústria e com ércio”, RF 252/427 e ss.; Carlos A lberto Chaves, "Proteção das m arcas registra das pela ação corninatória”, RF 270/386 e ss.

TUTELA. CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 83

Aldo Frignani sustenta existir um princípio geral cie tutela preventiva. Diz ele: “Em tema de tutela preventiva, o ponto crucial diz respeito à possibilidade de evitar ou prevenir o ilícito. Se se nega tal possibilidade, frustra-se uma das funções primordiais do ordenamento jurídico, aquela de prevenir o ilícito e, por conseqüência, os conflitos (ne eives ad arma veniant); se esta possibilidade é aceita, é corroído o princípio da certeza do direito, ampliando-se de forma perigosa a esfera de discricionariedade do juiz. Todavia, de iure condíão, a ideía no sentido de ser viável a possibilidade de prevenção do ilícito parece fundada não só em uma própria exigência do direito, como também nas numerosas nor­mas esparsas no sistema que abrem oportunidade para formas de tutela jurídica diante de ‘situações preliminares à violação da norma e do direito subjetivo’, ao fim de preveni-lo. Qualquer solução que se adote sobre o problema da tutela preventiva como princípio geral, parece-nos que a inibitória representa a forma mais penetrante de tal tutela”.4ÍÍ

Frignani, na realidade, afirma que o art. 700 do Código de Processo Civil italiano30 constitui o fundamento normativo da atipicidade da tutela inibitória.51 Para Frignani, a inibitória provisória - fundada no art. 700 - e a inibitória final são simples aspectos de um único fenômeno, já que a inibitória provisória teria as mesmas características da inibitória final e seria indissoluvelmente ligada à última. De acordo com Frignani, o fim da inibitória provisória não é outro senão o de antecipar, para uma tutela mais imediata possível, os efeitos da decisão final de mérito.52 Frignani parte da premissa de que o art. 700 - fundamento da tutela cautelar - contém em si a base da atipicidade da tutela inibitória. Frignani racio­cina como se o art. 700 autorizasse uma tutela inibitória provisória atípica, para depois concluir que se o Código de Processo Civil autoriza uma tutela inibitória provisória atípica, também legitima a tutela inibitória final atípica.

O problema do raciocínio de Frignani está na premissa de que o art. 700 abre oportunidade para a tutela inibitória atípica. Embora Frignani não con- funda tutela cautelar com tutela inibitória, não é certo que a tutela cautelar constitua um tipo de tutela genuinamente preventiva. O art. 700 - que é similar ao art. 798 do Código de Processo Civil brasileiro - , por estar ligado à estrutura do sistema fundado no binômio processo de condenação-processo de execução, em

49 . Aldo Frignani, Linjunction n ella com m on law c lín ib ito r ia nel diritto italian o, p. 465 .

50. Art. 700 do CPC italiano: “Fu orid ei casiregolati nelle precedentisezionidi questocapo, chi ha fonda Lo motivo di tem ere che durante ii tem po occorrente per far valere iisuo dirit to in via ordínaria, questo sia m inaceiato da un pregiudizio im m inente e irreparabile, puo chiedere con rícorso al giudice t prow edim enti d’urgenza, che appaiono, secondo le circostanze, piü idonei ad assicurare prow isoriam ente gli effetti delia decisione sul inerito”.

51. V. M. Com porti, C ontribu to a lio studio d ei d iritto reale, p. 15 4 -1 5 5 ; G. M Zignoni, M ezzi giurisd iz ionali di tutela preven tiva contra il p er ico lo , p. 2 1 4 e 55.

52. Aldo Frignani, “In ibitória’', E n cic lop éd ia d e i d iritto, v. 21, p. 563.

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princípio exige que. o autor demonstre ainda que cora base em probabilidade que o direito violado, com o passar do tempo do processo de conhecimento, poderá não ser ejetivamente tutelado. A tutela cautelar sempre esteve preocupada em ga­rantir a efetividade da tutela dos direitos patrimoniais violados. A preocupação com a não violação do direito é muito posterior às grandes obras que ainda influenciam os escritos sobre tutela cautelar. Portanto, a questão da inibitória provisória é a da inibitória final, ou seja, é a de saber se há fundamento para a atipicidade da tutela de prevenção. O problema da atipicidade da tutela inibitória não pode ser resolvido a partir da invocação do art. 700 do Código de Processo Civil italiano, pois tal norma não garante o direito à tutela preventiva, mas sim o direito à tutela cautelar.53

Parece-nos que a melhor posição adotada pela doutrina italiana é a que fundamenta a tutela inibitória no art. 24 da Constituição italiana.54 O art. 24 da Constituição italiana, ao dispor que “tutti possono agire in giudizio per la tutela dei propri diritti e interessi legittimi”, estabelece o princípio da efetividade da tutela jurisdicional. Como diz Luigi Paolo Comoglio, ao comentar o referido art. 24, “al di là di ogni diatriba teórica, ilproblema cruciale delPaccesso alia giusti- zia sta, in ultima analisi, neH”‘effettività” delia tutela giudiziariaV5 A moderna doutrina italiana entende que o princípio da efetividade da tutela jurisdicional,

53 . “La netta distinzione tra m isure cautelari e azioni in ibitorie produce due u lteriori conse- guenze. La prima e che in nessun modo possono dedursi, d allanalisi dogmatica o ‘pra­tica' delle prim e, elem enti ricostruttivi applicabili alie seconde: in particolare, 1’atipicità dei provvedim enti d’urgenza non e elem ento rilevante ai fine di dim ostrare 1’atipicità delFazione inibitória. La seeonda e che, ove esista un’azio-ne inibitória in senso proprio, gli effetti dei relativo p row ed im ento di m érito possono essere anticipati nel tem po con un p row ed im ento d’urgenza” (C ristina Rapisarda e M ichele Taruffo, “In ib itória” , Enci­clopédia g iu rid ica Trecanni, v. 17, p. 13).

54. N este sentido M ichele Taruffo e Cristina Rapisarda, “In ib itória”, E ncidoped ic ig iu rid íca Trecanni, v. 17, p. 9. Sobre o direito à adequada tutela ju risd icion al, im põe-se a consulta aos seguintes trabalhos: Luigi Paolo Com oglio, La g a ra n z ia costu u zion aie áeU’a z ion e e il processo civile; Luigi Paolo Com oglio, C om m en tar iod e lia C ostituzione (a cura di G. Branca), p. 1 e ss .; Luigi Paolo Com oglio, “Princip i costituzionali e processo di esecuzione”, Stucíi in m em ória di G ino G orla , v. 2, p. 1 .584 ; Vittorio Denti, “Valori costituzionali e cultura processuale”,R iv isía d iD irittoP rocessuale, 1 9 8 4 ,p. 4 4 8 ess .; A ndreaProto Pisani, “Nuovi diritti e tecn íche di tutela”, Scritti in onore di E lio F azza la r i, v. 2, p. 51 e 5 5 .; Andrea Proto Pisani, “Brevi note in tema di tutela speciíica e tutela risarcitoria”, F oro Italian o, 19 8 3 , V, p. 128 e ss.; Andrea Proto Pisani, ‘TelTettivitàdei mezzi di tutela giurisdizionale con partico- lare riferim ento all’attuazione delia sentenza di condanna”, Rivista di D iritto P rocessuale, 1 9 7 5 , p. 6 3 3 ; Adolfo di M ajo, La tutela civile dei diritti, p. 1 e ss.; M ichele Taruffo, “Note sul diritto alia condanna e a ll’esecuztone”, R ivistaC ritica dei D iritto Privato, 1986 , p. 635- 6 3 7 ; Ferruccio Tom m aseo,A ppunti di diritto p rocessu ale civile, p. 169 e ss.; Itaio Andolina e Giuseppe Vignera, Il m odello costitu z íon alc dei p rocesso civ ile italiano, p. 61 e ss.

55. Luigi Paolo Com oglio, C om m en tario delia Costituzione (a cura di G. B ran ca), p. 10.

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 85

consagrado constitucionalmente, garante a tutela jurisdicional adequada às di­versas situações de direito substancial.56 Entende-se que a extensão da garantia constitucional às situações substanciais que não podem ser tuteladas através da via ressarcitória, exige que para elas se admita a tutela inibitória. Essa deve, por­tanto, ser atípica, justamente para poder exercer a função geral de tutela prevista pela norma constitucional.57

A Constituição brasileira afirma, em seu art. 5.°, XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. A locução “ameaça a direito” deixa clara a intenção de se garantir a tutela inibitória.58 Ora, se determinados direitos, por suas peculiaridades próprias, somente podem ser tutelados através da tutela inibitória, não há como se negar a extensão deste tipo de tutela às hipóteses dela carentes. Negar a tutela inibitória para os direitos que não podem ser adequadamente tutelados através da técnica ressarcitória é negar atuação concreta à norma constitucional.

Ninguém prefere o ilícito à prevenção; negar o direito à prevenção do ilícito é admitir que o cidadão é obrigado a suportar o ilícito, tendo apenas direito ã indenização, ou, ainda, é dizer que todos têm direito a praticar um ilícito desde que se proponham a reparar o dano.59 Na verdade, não conferir à tutela inibitória expressão atípica é o mesmo que criar um sistema de tu­telas em que impera a “monetização” dos direitos, o que é absolutamente incompatível com os direitos com conteúdo não patrimonial. O art. 5.°, XXXV, da Constituição da República, garante o direito à tutela inibitória,

56. Andrea Proto Pisani, Appunti su lla g iu sliz ia civile, p. 167.

57. Cristina Rapisarda e M ichele Taruffo, “Inibitória”, Enciclopédia giuridica Treccani, v. 17 ,p .9 .58 . jo s é C arlos Barbosa M oreira , estudando o p rin cíp io da inafastabilid ad e em la ce da

C on stitu ição anterior, afirm ou: “A fórm ula é m an ifestam ente insatisfatória e, lida uí v er b a son an t, d eixaria fora de p ro teção co n stitu c io n a l e p or con seg u in te , ao m en os em teoria, à m ercê dos caprich os do legislador ordinário am pla gama de fenôm enos, em que não há p ro p riam en te ‘lesão ’ a ser ‘ap reciad a’ . A p ro p ó sito da tu te la cau te lar e da tutela preventiva, a ind a se pod eria falar de lesão p o ten c ia l, que se rece ia ” ( “N otas sobre o problem a da ‘efetiv id ad e’ do p ro ce sso ” , T em as d e d ire ito p ro c es su a l, 3 ,a Série , p. 2 0 9 ) .

59. Q uelli che affermano essere unico effetto deü’illecito civil e la reintegrazione dei patri- m onio dei subbietto leso, m ediante ia corresp onsione di som m a pari alia entità delia lesione, finiscono coIl’arrivare a quel paradosso, che qualcuno non si perito di affermare, che, cioe, ogni subbietto sarebbe sem plicem ente posto davanti ad una alternativa: o non ledere 1’altrui diritto, o risarcire i danni derivati dalla lesione. Tutto cio e contrario ai piü com une buon senso. Ogni ordinam ento giuridico deve, infatti, presidiare írm anzi tutto i diritti subbiettivi dei singoli consociati. in m odo che non vengano lesi, ind i, se e possibile, assicurare la restituzione in integro, vale a dire fare in m odo che le cose vengano rím esse nello stato in cui st trovavano prima de lia lesione” (M ario Rotondi, Istituzion i di d iritto privato, p. 4 0 7 ).

86 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

pois o direito de acesso à justiça tem como corolário o direito à adequada tutela jurisdicional, e esse, por sua vez, o direito à tutela preventiva, direito ineliminável em um ordenamento jurídico permeado pelos valores do Esta­do constitucional.

3 .1 .9 O artigo 467 do Código de Processo C ivil como fonte da ação inibitória

De acordo com o novo art. 461 do Código de Processo Civil brasileiro.60 “na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fa­zer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”. O mesmo artigo afirma, em seu § 3.°, que, “sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provi­mento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente, ou mediante justifi­cação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada”. Dispõe o § 4.° do referido art. 461 que “o juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior (tutela antecipatória) ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoá­vel para o cumprimento do preceito”. Além disto, o § 5.° deste artigo permite

60 . “A fonte inspiradora do art. 461 foi o A nteprojeto de m odificação do Código de Processo Civil elaborado pela Com issão nom eada pelo M inistério da Ju stiça em 1985 , integradapor Luís A ntônio de Andrade. José Joaquim Calmem de Passos, Sérgio Berm udes, jo a q u im Correia de C arvalho jú nior e Kazuo W atanabe. O A nteprojeto foi publicado no DOU, em 2 4 .1 2 .8 5 , suplem ento n. 246 , e a proposta nele contida consistia na criação de um a ação especial sob o nom e de tutela específica da obrigação de lazer ou não fazer (arts. 889-A e parágrafos e 8 8 9 -B ). Apesar da pequena diferença de redação, a essência da proposta era a mesma do art. 4 6 1 . O iegistador de 1994 (Lei 8 .9 5 2 ), em vez de ação especial, preferiu criar urn provim ento especial de processo de conhecim ento para a tutela das obrigações de fazer ou não fazer. Em bora aíuda sim plesm ente à ‘obrigação de fazer ou não fazer’, o art. 461 tutela não só a obrigação negociai com o também o dever decorrente de lei. O A nteprojeto de 1985 trazia um texto mais porm enorizado, pois referia àquele ‘que, por lei ou convenção, tiver o direito de exigir de outrem que se abstenha da prática de algum ato, tolere, ou perm ita alguma atividade, ou preste fato’. Em 1990 , dois diplomas legais valeram -se da sugestão contida no A nteprojeto de 1985: a) Estatuto da Criança e do Ado­lescente (Lei 8 .069/90), no art. 213 ; e b) Código de Defesa do C onsum idor (Lei 8.078/90), no art. 84. Ambos com disposição substancialm ente idêntica ao do A nteprojeto, em bora com pequenas diferenças de redação. E em 1994 , a Lei A ntitruste (Lei 8 .884/ 94), no art.6 2 , acolheu a m esm a proposta e especificou um m eio de execução ainda não previsto em outros diplom as legais (intervenção na em presa) para a tutela específica da obrigação de fazer ou não fazer (arts. 6 3 e 6 9 -7 8 ) ’’ (Kazuo W atanabe, “Tutela antecipatória e tutela esp ecifica das o brigações de fazer e não fa z er”, R efo rm a do C ó d ig o de P rocesso Civil, p. 4 0 -4 1 ).

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 87

que o juiz possa determinar qualquer medida executiva adequada para a tutela do direito afirmado pelo autor, seja antecipadamente ou ao final (na sentença).

Não se diga que o art. 461, por fazer referência somente às obrigações, não abrange a prevenção de um ilícito decorrente da não observância de um dever. Raciocinar desta maneira é violentar o próprio espirito da norma e impe­dir, por exemplo, a efetividade da tutela dos direitos da personalidade, os quais, como é sabido, não geram simples “obrigações”.1"1

Por outro lado, é certo que o Código de Processo Civil sempre admitiu a cominação de multa. Com efeito, o art. 287, na sua redação anterior, dispunha que, “se o autor pedir a condenação do réu a abster-se da prática de algum ato, a tolerar alguma atividade, ou a prestar fato que não possa ser realizado por ter­ceiro, constará da petição inicial a cominação da pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença (arts. 644 e 645)”. Essa redação do art. 287, embora já possibilitasse a cominação de multa, não era suficiente para conferir plena efe­tividade à tutela inibitória. O art. 287 falava em aplicação da muita “para o caso de descumprimento da sentença”.w Entretanto, a tutela inibitória, para ser efetiva, deve contar com a tutela antecipatória. Além disso, o amplo poder conferido ao juiz para “a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente” (art. 461) também, é fundamental à efetividade da tutela inibitória.

Em casos excepcionais, principalmente nas hipóteses em que se teme a repetição de ato contrário ao direito ou a reiteração da violação de obrigação contratual, é possível se pensar em evitar a repetição do ato mediante o emprego de uma medida executiva, isto é, de uma medida que possa evitar a reiteração do ato independentemente da vontade do demandado.

Assim, por exemplo, se há o temor de que uma determinada rede de te­levisão volte a transmitir jogo de futebol de campeonato que somente pode ser transmitido por sua concorrente, é possível se requerer que o juiz determine a proibição da entrada dos funcionários e dos equipamentos de televisão da rede no estádio, requisitando, para evitar a entrada indevida dos funcionários, o au­xílio de força policial. Desta forma, interdita-se a entrada do estádio para os fun­

61. Com o perguntou, em tom de resposta, Kazuo W atanabe, que não só participou da Com issão de - 3 9 8 5 que redigiu o anteprojeto que constituiu a fonte inspiradora do art. 461 mas tam bém da recente Com issão que teve com o presidente o M inistro Sãivio de Figueiredo Teixeira, “por que, então, não aceitar que, para a tutela de d ireitos não patrim oniais, mais relevantes que os patrim oniais, quais os ligados aos direitos da coletividade à qualidade de vida ou os direitos absolutos da personalidade (com o os direitos à vida, à saúde, à integridade física e psíquica, à liberdade, ao nom e, à intim idade e tc .), possa o sistem a possuir provim entos que concedam tutela especifica eficaz às obrigações de fazer e não fazer?” ( “Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer (arts. 273 e 461 do C P C )”, R eform a d o C ódigo de P rocesso C ivil, p. 46).

62 . Ver Luiz Guilherm e M arinoni, 'líitela in ib itória .

88 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

cionários da empresa, evitando-se a repetição da violação, independentemente da vontade do obrigado.

Não há dúvida de que, agora, o Código de Processo Civil é apto a permi­tir a efetividade da tutela inibitória. Embora não esteja prevista a viabilidade da execução provisória da sentença relativa ao art. 461, a tutela antecipatória pode ser concedida (embora por decisão interlocutória) no mesmo momento em que é proferida a sentença, o que permite, logicamente, a efetivação da tutela inibitória tal como se estivesse sendo efetivada provisoriamente a pró­pria sentença.

O art. 461, como a sua própria redação demonstra, está muito longe da técnica da substituição pelo equivalente monetário, encontrando-se intimamen­te envolvido com o espírito das técnicas que permitem a tutela específica.

3.1 .10 Ação inibitória, ação cautelar e tutela antecipatória

A ação cautelar, como é sabido, tem por fim assegurar a viabilidade da realização de um direito. O seu escopo não é o de prevenir, autonomamente, um ilícito. Note-se que a prevenção do ilícito é um fim em si mesmo; a ação inibitória não objetiva assegurar um direito controvertido, nem muito menos o resultado útil de outro processo. A ação inibitória, ao contrário da ação cautelar, é uma ação autônoma. É uma ação de cognição exauriente, ao contrário da ação cautelar, que é fundada, necessariamente, em cognição sumária e é marcada pela característica da instrumentalidade.

Antes da instituição do novo art. 461, os operadores do Direito solicita­vam a tutela inibitória por meio da “ação cautelar inominada”, invocando o art. 798 do Código. Como se desejava apenas a tutela inibitória, utilizava-se a ação “cautelar’’ de form a distorcida, surgindo o falso problema da dispensa da “ação principal”, também conhecido como da “ação cautelar satisfativa ou autônoma”. Na verdade, buscava-se a tutela inibitória por meio do único instrumento processual que estava à disposição da prática forense (a ação cautelar inominada), isto não sig­nifica que a tutela (o bem jurídico) que antes era perseguida fosse diversa da tutela que pode atualmente apresentar-se como necessária, mas agora pode ser prestada pela ação inibitória (de conhecimento e, desta forma, evidentemente autônoma), que encontra lastro processual nos arts. 461 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor, conforme o caso. No dias de hoje, em vista do art. 461, não há mais razão para se confundir ação cautelar com ação inibitória.63

63. Aicides M unhoz da Cunha, contudo, afirma ainda ser cabível “ação cautelar” nos casos em que se deseja apenas tutela inibitória, que p od er ia en tão s e r “au tôn om a” (C om entár ios a o C ód igo d e P rocesso Civii, v. 11, p. 5 0 9 ). Com o devido respeito e adm iração, neste ponto não tem os com o concordar com o ilustre processualista.

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 89

A ação inibitória, por ser uma ação de conhecimento, exige um determi­nado tempo para que possa ser prestada a tutela final de prevenção do ilícito. Considerada a natureza da ação inibitória, é fácil perceber a necessidade da an­tecipação da tutela neste tipo de ação. Trata-se da tutela que a doutrina italiana chama de inibitória provisória.64 Na Itália, a inibitória provisória somente poderia se fundar no art. 700 do Código de Processo Civií.65 Não há, no ordenamento ita­liano, outra norma capaz de sustentar a inibitória provisória, pela simples razão de que não há, neste país, norma que possa fundar uma ação de conhecimento que possa culminar em sentenças do tipo daquelas que podem ser concedidas pelo juiz a partir do art. 461 do Código de Processo Civil brasileiro. Na Itália o juiz não tem os poderes que são conferidos ao juiz brasileiro pelo art. 461; é por esta razão que, neste mencionado país, não há sentença mandamental e sentença executiva, embora a boa doutrina italiana tenha consciência da sua necessidade (evidentemente).

No Brasil, após a reforma do Código de Processo Civil , a norma contida no art. 461, § 3.°, dá sustentáculo para a antecipação da tutela das “obrigações” de fazer e não fazer. É claro que o fundamento da inibitória não está no art. 461, mas como já foi demonstrado no art. 5.°, XXXV, da Constituição da República. Entretanto, se é certo que a tutela inibitória é garantida constitucionalmente, também é verdade que este tipo de tutela sempre está na dependência do cum­primento de um não fazer ou um fazer. Ora, o art. 461, em seu § 3.°, permite a antecipação da tutela nas ações relativas a um não fazer ou a um fazer, e, portan­to, a antecipação da tutela inibitória.60

Deixe-se sublinhado que não é possível contundir tutela antecipatória com tutela inibitória. A tutela antecipatória pode ser, por exemplo, tutela an~ tecipatóría ressarcitória, como é o caso da tutela antecipatória na ação de in­denização fundada em ato ilícito. A tutela antecipatória, em outras palavras, apenas poderá ser inibitória. A tutela antecipatória não se confunde com a tutela inibitória, uma vez que a tutela inibitória é, assim como a tutela ressarcitória (por exemplo), uma tutela final. Quando se antecipa tal tutela é que se pode falar em tu­

64 . V. Aldo Frignani, “A zione in eessazione”, N ovíssim o d ig eslo italiano, A ppendice 1 ,1 9 8 0 , p. 6 5 7 e 55 .; Luigi M ontesano, “P ro b lem i attuali su lim iti e contenuti (anche non p a­trim onial]) delle in ibitorie, norm ali e urgenti” , Rivista T rim estrale di D iritto e P rocedura C ivile, 1995 , p. 775 e 55.

65. V sobre os provvedimenti <fu rgenza, Ferruccio Tommaseo, 1 provvedim enti durgen za; Giovan- ni Arieta, f provvedim enti d ’itrgenza; Enrico A. Dini e Giovanni M amm one, I provvedim enti d ’urgenza (nel diritto p rocessu ale civ ile e nel d iritto dei lavoro); Lotario D ittrich, “Il provvedi- mento durgenza”, Il nuovo processo cautelare (a cura di G iuseppe Tarzui), p. 175 e ss.

66. Com o disse, recentem ente, Cândido Rangel Dinamarca, “as antecipações de tutela real­m ente tutelam e não são cautelares (art. 273 e tc .) ’’ ( “Tutela ju risd icion al”, RePro, v. 81 , p.66, nota 45).

90 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

tela antecipatória, que, no caso de tutela inibitória, constitui uma “tutela inibitória antecipada”.

3.1.11 A tutela inibitória antecipada

O art. 461 do Código de Processo Civil afirma, em seu § 3.°, que, “sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu”.

O Estado se obrigou para prestar a adequada tutela a averiguar a existên­cia do direito que o autor alega possuir, o que, como é. intuitivo, demanda uma certa porção de tempo. Se fosse possível ao Estado concluir, desde logo, que o autor tem razão, seria desnecessário o desenrolar do procedimento e, por isto mesmo, a tutela antecipatória. Porque o Estado precisa de tempo para se definir pela existência ou pela inexistência do direito e porque este tempo poderá im­pedir a efetividade da tutela do direito do autor é possível a tutela antecipatória.

O resultado buscado pelo autor através da inibitória, ou seja, a prevenção do ilícito, tem grande probabilidade de não ser encontrado ao final do longo processo de conhecimento. Aquele que pretende praticar um ilícito não costu­ma aguardar o tempo médio de demora de um processo de conhecimento, que, quando interposto recurso, na melhor das hipóteses gira em torno de dois ou três anos.

Quando o art. 461 alude à relevância do fundamento da demanda, faz referência ao fumus boni íuris. O autor da inibitória, para obter a tutela anteci­patória, deverá demonstrar, ainda que sumariamente, o perigo da prática, da continuação ou da repetição do ilícito. A probabilidade, na tutela antecipatória, é do perigo de ilícito.

O autor deverá demonstrar, ainda, o “justificado receio de ineficácia do provimento final”. O justificado receio de ineficácia do provimento final nada mais é do que o “justificado receio” de que o ilícito seja praticado no curso do processo de conhecimento. O que deve ser demonstrado, em caso de inibitória, é que se a tutela for concedida ao final o ilícito provavelmente já terá sido pra­ticado. Não é necessário ao autor provar que o ilícito será praticado no curso do processo. Basta o “justificado receio”, isto é, a probabilidade de que o ilícito possa ser praticado antes do trânsito em julgado.

Note-se que o justificado receio não é de dano, mas de ato contrário ao direito. Não teria sentido a exigência de receio de dano para legitimar a tutela antecipatória, já que a tutela inibitória tem por fim inibir a prática de um ato con­trário ao direito que, conf orme já visto, nada tem a ver com o dano.

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 91

Cabe ainda ao autor demonstrar, sumariamente, que o ato, caso seja pra­ticado, será ilícito , ou que o ato que já foi praticado em caso de perigo de conti­nuação ou de repetição é ilícito.

Na tutela inibitória, e em especial na tutela inibitória antecipatória, assume grande importância o princípio da proporcionalidade. A tutela dos direitos da personalidade,67 por exemplo, muitas vezes exige o sacrifício de um outro direito digno de tutela, como o direito de liberdade de expressão. Por não existir uma or­dem hierárquica de todos os bens e valores jurídicos, dois hens igualmente dignos de tutela podem entrar em conflito, exigindo do ju iz uma opção por aquele que tem um maior peso em face das circunstâncias da situação concreta.68

3.2 As demais tutelas que podem ser prestadas a partir dos artigos 461 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor e as tutelas cautelar e antecipatória

3.2.1 Tutela reintegratória (de remoção do ilícito)

a) A fixação na tutela ressarcitória, ou de reparação do dano, não permite que se perceba que há uma tutela contra o ilícito já praticado que não pressupõe o dano e o elemento subjetivo.

Há atos contrários ao direito que, muito embora não produzindo danos, devem ser eliminados. Pense-se, por exemplo, na construção de uma fábrica em local proibido pela legislação ambiental, ou mesmo em uma edificação em lugar proibido pela legislação municipal. Outro caso, que também pode servir de exemplo, é o de oferecimento ao público de produtos que estão sendo comer­cializados em desacordo com a lei.

A tutela que determina a interdição de uma fábrica, a destruição de uma obra ou a busca e apreensão de produtos que estão sendo comercializados em desacordo com a lei não se destina a reparar qualquer dano, mas simplesmente a eliminar uma situação de ilicitude.

b) Quando é removida a causa do dano ou do possível dano não há tutela ressarcitória.09 A tutela que interdita uma fábrica construída em local proibido

67. Sobre a im portância da tutela de urgência para a efetividade da tu Leia dos d ireitos da personalidade, v. G iovanniG iacobbe, “Lidentità personale tra d ottrinaegiurisprudenza. D iritto sostanziale e strum enti di tutela, in La lesione d ellid entiíà personale e i.1 danno non patrim oniale” (Atti de! S em in ário prom osso daí Centro di Inizicttíva G iurid ica P. C a la ­m andrei, M essina, 16 aprile .1982), p. 73 e ss.

68 . V. Karl Larenz, M etodolog ia d a c iên c ia do direito , p. 4 91 .

6 9 . V. M ichele M õcciola, “Problem i dei risarcim ento dei danno in forma specífica neila giu­risprudenza”, Rivista C ritica dei D iritto Privato, 1984 , p. 3 8 0 e 381.

92 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

reprime um ato contrário ao direito; a tutela que determina a busca e apreen­são de produtos que estão sendo comercializados em desacordo com a lei, do mesmo modo, não se destina a reparar um dano. Contudo, se o funcionamento da fábrica provocou danos ou se a venda dos produtos prejudicou a saúde de al­guns consumidores, não há dúvida quanto ao cabimento da tutela ressarcitória.

A tutela de remoção do ilícito visa a remover ou eliminar o próprio ilícito, vale dizer, a causa do dano; ela não visa a ressarcir o prejudicado pelo dano. No caso de tutela de remoção do ilícito, é suficiente a transgressão de um comando jurídico, pouco importando se o interesse privado tutelado pela norma foi efeti­vamente lesado ou ocorreu um dano.70 Como explica Scognamiglio, no caso de tutela reintegratória, bastando a transgressão de um comando jurídico, prescin­de-se da circunstância de que tenha ocorrido um dano, enquanto na hipótese de tutela ressarcitória verifica-se a lesão de um bem do sujeito, a qual pode ser de­terminada em concreto, considerando-se o próprio sujeito ou seu patrimônio.75

A tutela ressarcitória, além de pressupor a existência de um dano, expres­sa uma forma de responsabilidade fundada, em regra, na culpa ou no dolo, ou, em outras palavras, na correlação do evento danoso ao sujeito, que se exprime através da chamada imputabilidade. A tutela reintegratória, ao contrário, pres­cinde da culpa ou do dolo, enquanto tem por escopo eliminar uma situação de ilicitude, sem a necessidade de qualquer valoração do comportamento de quem impede tal resultado.72

c) Os arts. 461 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor estabelecem, exemplificaüvamente, unia série de medidas exe­cutivas, denominadas de medidas necessárias, que podem ser utilizadas para permitir a tutela de um direito.

É preciso deixar claro que as referidas “medidas necessárias” são todas aquelas que podem permitir a efetividade d.a tutela do direito com o menor gra- vame possível ao réu. As medidas referidas no citado § 5.° são apenas exemplifi­ca tivas, pois afirma-se que o juiz poderá determinar as “medidas necessárias” e, logo após, são elas enumeradas em seguida da expressão “tais como”.

70. V. M ichele Giorgianni, “Tutela dei creditore e tutela ‘reale"’, Rivísta T rim estrale di Diritto e P rocedura C ivile, 19 7 5 , p. 853 e ss.; Renato Scognam iglio, “11 risarcim ento dei danno in forma specifica”, Rivista T rim estrale di D iritto eP roced u ra C ivile, 1957 , p. 201 ess .; M ichele M ócciola, “Problem i dei risarcim ento dei danno in form a specifica nelia giurisprudenza”, Rivista C ritica d ei D iritto Privato, 1984 , p. 3 6 7 e ss.

7.1. Renato Scognam iglio, “II risarcim ento dei danno in forma sp ecifica", Rivista T rim estrale di Diritto eP ro ced u ra C ivile, 1957 , p. 207.

72 . M ichele Giargianni, “Tutela dei creditare e tutela ‘reale’”, Riv isía T rim estrale di D iritto eP rocedura C ivile, 19 7 5 , p. 862.

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 93

É possível requerer que o juiz determine que um terceiro, às expensas do réu, faça aquilo que incumbiria a este último fazer. Também é possível requerer que o juiz determine um fazer, a ser realizado por um auxiliar do juízo, que seja capaz de dar à parte um resultado equivalente àquele que ela obteria se houves­se solicitado a imposição de um não fazer ou de um fazer sob pena de multa. Nada impede, ainda, que seja solicitada a nomeação de um terceiro para atuar no lugar da parte ré, quando o resultado objetivado pela sentença depender de um fazer infungível.

Desta forma, os arts. 461 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor permitem que seja proposta ação de remoção do ilícito, vale dizer, ação destinada a remover independentemente da vontade do deman­dado um ilícito ou uma situação de ilicitude.

Pense-se, por exemplo, nas ações voltadas a obter o desfazimento de obra, a interdição de fábrica, a busca e apreensão de produtos nocivos à saúde do consu­midor etc. Todas estas ações permitem que o ilícito seja extirpado por um ato de terceiro ou de um auxiliar do juízo, independentemente da vontade do demandado.

Não obstante, nada impede que, conforme as circunstâncias do caso con­creto, chegue-se â conclusão de que é mais adequado ordenar sob pena de multa (medida de execução indireta) a remoção do ilícito. O que se quer significar, ao se dizer que a tutela de remoção do ilícito se liga às medidas de execução direta, é que essas medidas, para a execução dessa tutela, em regra são mais idôneas, já que, em princípio, não é preciso atuar sobre a vontade do réu para a efetivação da tutela de remoção.

3.2.2 Tutela ressarcitória na forma específica

a) Nem toda tutela ressarcitória é uma tutela na forma do equivalente mo­netário à lesão sofrida, pois pode haver tutela ressarcitória na forma específica. Alguém poderia imaginar que a única forma de tutela contra o dano seria a que se presta em pecúnia. O ressarcimento, contudo, pode dar-se não só através de pecúnia, mas igualmente com a prestação de uma coisa ou de uma atividade que resulte adequada, em vista da situação concreta, para eliminar as conseqüências danosas do fato lesivo.73

Por outro lado, a compreensão cia distinção entre as tutelas reintegratória e ressarcitória, a primeira voltada contra o ato contrário ao direito e a segunda destinada a reparar o dano, permite que seja eliminada a confusão estabelecida pela doutrina que fala unicamente em tutela específica, como se não houvesse distinção entre a tutela reintegratória e a tutela ressarcitória na form a específica.

/3. Cesare Salvi, “Il risarcimento dei danno in form a specífica”, P rocesso e tecn íched i a ttu azion e d á diritti, v. 1, p. 585 .

94 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

A tutela de remoção do ilícito objetiva apenas eliminar a situação de ili- citude, restabelecendo a situação que era anterior ao ato contrário ao direito. Já na tutela ressarcitória na forma específica não basta restabelecer a situação que era anterior ao dano, sendo necessário estabelecer a situação que existiria caso o dano não houvesse ocorrido.74

A. tutela que visa a ressarcir o dano deve proporcionar o resultado equi­valente ao da situação que existiria caso o dano não houvesse sido praticado; só desta forma há uma efetiva tutela ressarcitória.

Deste modo, se ocorre o corte ilegal de árvores, não basta obrigar o réu a plantar pequenas árvores, ainda que da mesma espécie, no local que foi de­vastado, pois o plantio de pequenas árvores não eqüivale ao ressarcimento do dano na forma específica, que somente se daria se fossem plantadas árvores equivalentes àquelas que existiriam caso não tivesse ocorrido o corte, para não se falar no possível desequilíbrio ecológico que pode ter sido ocasionado pela ação devastadora.75

No caso de corte de árvores, a determinação do plantio de pequenas ár­vores, evidentemente, não equivalentes àquelas que existiriam caso o corte não houvesse ocorrido, configura apenas ressarcimento parcial do dano, sendo ne­cessária, neste caso, para que o dano não fique sem sanção, a cumulação da tutela ressarcitória pelo equivalente.

b) Como a tutela ressarcitória na forma específica pode se dar, em regra, através de um fazer, é imprescindível, para a sua efetividade, uma sentença que possa ordenar um fazer sob pena de multa, ou mesmo uma sentença que possa determinar que um terceiro preste o fazer às custas do demandado.

Note-se que o Código Civil brasileiro preceitua que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (art. 186). O direito material diz que aquele que causa dano deve repará-lo, mas não afirma que esta obrigação de reparar significa obrigação de pagar soma em dinheiro. Na verdade, o direito processual civil transformou a obri­gação de reparar o dano em obrigação de pagar soma equivalente ao dano. Isto ocorreu, como é óbvio, pela simples razão de que o valor do dano podia

74 . “Lapuntualizzazione e necessaria perrendere edotti com e, anche attraversolariparazione in natura (com e attraverso quella per equivalente), si tende principalm ente ad elim inare le conseguenze pregiudizievoli dei fatto dannoso e non anche aila mera restaurazione dello staío quo ante. G arantire dunque la riparazione in natura dei danno vuol dire, in altre parote, assicurare la ricostituzione di quella m edesima situaztone di fatto chesarebbe esistita ove il fatto dannoso non si fosse verifica to” (Adolfo di M ajo, L a tutela c iv ile dei diritti, p. 22,5).

75. Idem, ibidem.

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 95

ser medido em pecúnia; por esta razão, a condenação ao pagamento de soma equivalente ao valor do dano mostrava-se adequada. Como é fác il perceber, o direito processual civil “monetizou” os direitos, admitindo a sua expropriação, ou mesmo que o causador do dano pudesse se livrar da sua responsabilidade civil pagando pelo seu erro.

Acontece que, no caso de direitos não patrimoniais, a condenação a pagar soma em dinheiro é absolutamente inadequada, pelo simples motivo de que tais direitos não podem ser valorados em dinheiro. Além disto, mesmo para o caso de direitos patrimoniais, muitas vezes é preferível obrigar o infrator a fazer do que a pagar. De qualquer forma, como a obrigação de reparar é, antes de tudo, uma obri­gação de fazer, e como o atual direito processual permite a imposição de fazer, não há razão para não se admitir, em tese, a imposição de fazer para que um dano seja reparado. Lembre-se que, no caso de ‘direitos difusos (direito ao meio ambiente sadio, por exemplo), são freqüentes as ordens de fazer objetivando o ressarcimen­to na forma especifica. Portanto, as próprias necessidades sociais, concretizadas na prática forense, já impuseram o uso do art. 84 do Código de Defesa do Consu­midor para que seja viabilizado o ressarcimento na forma específica.

Os arts. 461 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor permitem a tutela ressarcitória na forma específica, pois não só admitem a imposição do fazer, como também conferem ao juiz a oportunidade de determinar que terceiro faça aquilo que deveria ser feito pelo réu.

É óbvio que a tutela ressarcitória na form a especifica não se confunde com a tutela de uma obrigação contratual de fazer ou de um simples dever legal, mas também é certo que as mencionadas normas, ao referirem-se à “ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”, desejam apenas garantir a possibilidade da tutela de direitos que dependam do cumprimento de um fazer ou de um não fazer.

Deixe-se claro que tais normas não instituem um remédio específico para a tutela das “obrigações”, mas técnicas para a tutela de direitos que dependem do cumprimento de um fazer ou de um não fazer.

3.2.3 Tutela do adimplemento da obrigação na forma específica

a) É correto dizer que a tutela da obrigação contratual liga-se apenas à necessidade do adimplemento, ou que esta tutela tem por escopo satisfazer o direito de crédito, nada tendo a ver com o dano e, portanto, com a responsabili­dade ocasionada pela ausência da prestação.76

76. Ê neste sentido, ao que parece, a posição de Scognam iglio: “Anche qui il problem a non riveste poi, per concludere, un m ero interesse teorico: sussiste in ogni caso una differenza fondam entale tra ilprofilo delia realizzazione, eventualm ente forzata, delFobbligazione e

96 ANTECIPAÇÃO DA TUTEIA

Há uma nítida diferença entre a tutela específica do adirnpiemento e a tutela contra o dano que pode ser ocasionado em razão do inadimplemento, isto é, a tutela ressarcitória.

Antunes Varela afirma que nas obrigações positivas, quando haja mora, o interesse do credor está apenas por satisfazer; nas obrigações negativas, ocorren­do a inobservância temporária do dever do obrigado que pode ainda ser repa­rada. o interesse do credor não está apenas por satisfazer, está sendo violado. A eliminação dos atos praticados em contrariedade à obrigação negativa assumida pelo credor teria, dessa forma, “não o sentido de uma execução coativa da pres­tação devida, mas de uma reparação do dano causado ao credor”.77

Para Antunes Varela, no caso de obrigação positiva inadimplida há neces­sidade de “execução coativa da prestação devida”, e não de reparação de dano. Ao que parece, o ilustre civilista português entende que só há dano no caso de violação de obrigação de não fazer, já que neste caso, segundo as suas próprias palavras, “ocorrendo a inobservância temporária do dever do obrigado que pode ainda ser reparada, o interesse do credor não está apenas por satisfazer, está sendo violado”.

Ora, é óbvio que há violação nos dois casos, ou seja, tanto no caso de obri­gação negativa quanto no de. obrigação positiva. O que impressiona Antunes Va­rela, ao que tudo indica, é o fato de que na obrigação negativa há a necessidade de um ato concreto que elimine aquilo que não deveria ter sido feito, ao passo que na obrigação positiva falta a própria prestação inadimplida.

Entretanto, quando se faz o que jã deveria ter sido feito, ou quando se des­faz o que não deveria ter sido feito, há tutela da obrigação contratual inadimplida, e não tutela contra o dano que porventura foi ocasionado pelo inadimplemento.

Não é correto pensar que a obrigação negativa, quando violada, dá mar­gem apenas à tutela ressarcitória. É certo que no caso em que o próprio ato é removido, restabelecendo-se a situação anterior, realiza-se a obrigação derivada do inadimplemento. Entretanto, 11a hipótese referida por Antunes Varela, tra- tando-se de obrigação negativa de natureza continuada, ou, mais adequadamen­te, de violação de obrigação de não fazer que se concretiza em ato de eficácia continuada, a tutela da obrigação derivada do inadimplemento da obrigação de não fazer (obrigação de destruir a obra), da mesma forma que a tutela da obri­gação positiva originária, não se confunde com a tutela contra o dano, que pode ser ocasionado pelo descumpriinento da obrigação positiva ou da obrigação ne­gativa. Ora, se “A” obrigou-se a não construir em determinado local, há nítida

l ’altrodelia responsabilità (edelrisarcim enLo)pennadem pim ento” (Renato Scognamiglio, “Il risarcim ento dei danno in forma specífica”, Rivista T rim estrale di D iritto e P rocedura C ivile, 1957 , p. 207).

77 . Antunes Varela, D ireito das obrig ações, v. 2 , p. 110.

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 97

diferença entre a tutela que determina a destruição da obra e a tutela contra o dano que pode ter sido provocado por sua construção.

Nessa perspectiva, a tutela da obrigação contratual inadimplida nada tem a ver com a tutela ressarcitória.78 Note-se, contudo, que a tutela da obrigação contratual inadimplida distingue-se da tutela contra o ilícito, precisamente por­que há distinção entre ilícito e inadimplemento.79

b) Não há dúvida de que a tutela do adimplemento da obrigação na forma específica pode ser obtida através das técnicas presentes nos arts. 461 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor.

A possibilidade do uso da multa, ou de se determinar que um terceiro faça aquilo que deveria ter sido feito pelo obrigado, permite que seja prestada, de forma efetiva, a tutela específica da obrigação inadimplida.

3.2.4 Tutela inibitória e obrigação contratual

a) Tratando-se de obrigação que pode ser violada por um ato de eficácia instantânea, é possível pensar em obrigação que se exaure em um único mo­

78 . “Ao lado, porém , do caso fo rtu ito e do caso de força m aior há outras circu n stân cias de term inan tes da im p ossib ilidad e da p restação , sem cu lp a do devedor. A im p o ssib ili­dade da prestação p od e, efetivam en te, ser provocada por terceiro (que in u tilizo u a coisa devida, que reteve ilic itam en te o devedor no seu d om icílio ou que o agrediu, d eixando-o incap acitado de realizar a p resta çã o ). Pode ser d eterm inada pelo credor (que não posou para o p in tor fazer o seu retrato , que neg ligenciou na o b ten ção da sala de esp etácu los para o recita l em que o obrigado devia p articipar ou que im ped iu o devedor de c u m p rir). E pode inclu sive ser provocada pelo devedor, em bora sem culpa deie (destru indo a coisa devida num acesso de loucura; confundindo ju stificad am en te a data do recita l, em que devia participar, com a de um outro esp etácu lo ; deitando fora um a caixa de fósforos onde alguém , inadvertida e im p revistam ente, colocara o selo raro que ele devia entregar e tc .) . Todos estes fatos (cie terceiro , do credor, do próprio devedor) têm de com um com os casos fo rtu ito s ou de força m aior a c ircu n stân cia de tornarem im possível a p restação , sem culpa do devedor. Em todos eles se trata, por con seg u in te , de im p ossib ilid ad e da p restação por fato não im putável ao d ev ed or” (A ntun es Varela, D ireito d as o b r ig a ç õ e s , v. 2 , p. 71 e 7 2 ).

79. De acordo com Angelo Chianale, há uma nítida diferença de pressupostos entre a tutela in natura dos direitos reais, atuada por m eio da rim issian e in pristino, e a tutela em forma específica (ressarcitória), seja a hipótese de execução coativa ou de ressarcim ento do dano extracontratual. “La prim a tutela prescinde infatti da presupposti soggettivi, ri chieclendo solam ente la vtolazione dei d iritto ; la seconda richiede invece rim putabilità deirinadem pim ento (art. 1 .218 c .c .) ovvero 1’esis-ienza dei danno e 1’illiceitã delia lesio- ne che l’ha prodotto (nonché rim putabilità ex art. 2 .0 4 6 c .c . dei dannegiante)” (Angelo Chianale, D iritto soggettivo e tutela in fo r m a sp ec ifica -Indagine in tem a di responsab ilitá extrãconLraU uah, p. 17 e 18).

98 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

mento e. obrigação que pode ser violada por atos de eficácia instantânea susce­tíveis de repetição no tempo.

Se alguém se obrigou a inserir, em sua publicidade, determinada informa­ção ao público consumidor, e teme-se que. tal informação não seja inseri da na próxima publicidade a ser veiculada, cabe a tutela inibitória para obrigar aquele que pode violar a obrigação contratual a adimplir. O problema, neste caso, está em se demonstrar que há a probabilidade de que venha a ocorrer o inadim­plemento; tal probabilidade, assim como se dá tratando-se de ato contrário ao direito, é mais difícil de ser demonstrada na hipótese em que ainda não ocorreu violação, ou melhor, quando não se teme apenas a repetição da violação, mas sim a lesão de um direito que nunca foi violado.

No caso de obrigação negativa, dã-se o mesmo. Suponha-se que alguém se obrigou a não veicular um determinado programa esportivo, ou determi­nados jogos de futebol de um campeonato. A tutela inibitória pode ser usada para obrigar aquele que poderá violar a obrigação a não veicular o programa; a tutela, como é óbvio, tem mais chance de ser usada no caso em que o obrigado já violou a sua obrigação, levando ao ar um dos jogos de futebol que somente poderiam ser veiculados por uma determinada rede de televisão.

Deseja-se deixar claro, assim, que a tutela inibitória pode ser utilizada tratando-se de provável violação de eficácia instantânea de obrigação positiva ou negativa.

Nestes casos, é certo, não há propriamente ilícito, compreendido como ato contrário ao direito, mas sim inadimplemento. Contudo, se a tutela objetiva evitar o inadimplemento ou sua repetição, não há razão para não falarmos em tutela inibitória; basta que se tenha consciência de que o inadimplemento não se confunde com o ilícito.

b) A técnica a ser empregada, em princípio, é a mandamental (ordem sob pena de multa), mas nada impede que, diante das circunstâncias do caso concre­to, uma medida de execução direta mostre-se mais adequada.

3.2.5 Tutelas inibitória, reintegratória, ressarcitória na forma específica, do adimplemento na forma específica e tutelas cautelar e antecipatória

Classificando-se as tutelas de acordo com as suas reais repercussões no plano do direito material, fica fácil perceber a distinção entre a tutela antecipa­tória e a tutela cautelar.

Assim como é visível a tutela antecipada do adimplemento na forma espe­cífica, não há dúvida de que a tutela que antecipa pagamento de soma à vítima

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 99

de ato ilícito é tutela ressarcitória antecipada80 e de que a tutela ressarcitória antecipada pode ser prestada, na forma específica, quando se determina, com base no art. 461 do Código de Processo Civil (tutela individual) ou no art. 84 do Código de Defesa do Consumidor (tutela coletiva), que o réu preste um fazer, ou realize uma atividade, capaz de reparar o dano na forma específica sem que seja preciso, portanto, a indenização em pecúnia.

Entretanto, quando entram em cena as tutelas reintegratória e inibitória na forma antecipada percebe-se, com mais nitidez, por que a doutrina clássica não consegue distinguir tutela cautelar de tutela antecipatória. Ora, a doutrina processual clássica simplesmente não sabe o que significam tutela reintegratória e tutela inibitória, até porque ainda está submetida à unificação das categorias da ilicitude e da responsabilidade civil.

A tutela antecipatória que determina a retirada de cartazes publicitários que configuram concorrência desleal evidentemente não é uma tutela que pode receber a designação de instrumental, justamente porque elimina, desde logo, a ilicitude. Uma tutela como esta evidentemente não está assegurando o resultado útil do processo, pois o resultado útil que se espera do processo é cumprido exa­tamente no momento em que os cartazes são retirados, eliminando-se o ilícito.

A famosa ação demolitória, que a doutrina não sabe por que o Código de Processo Civil em vigor chamou de cautelar, é apenas e tão somente uma ação reintegratória, isto é, uma ação voltada a extirpar um ilícito. A ilicitude tem au­tonomia, assim como a tutela reintegratória, que responde apenas ã necessidade de se eliminar o ilícito, e não à necessidade de se evitar o dano.

Quando se teme um eventual ilícito, ou mesmo um eventual dano, a tu­tela que, em princípio, deve ser dirigida a impedir a sua produção é a inibitória, que tem absoluta autonomia, configurando uma genuína ação inibitória autô­noma, em tudo diferente da ação cautelar, que sempre exige uma ação principal.

A ação cominatória, prevista no antigo art. 287 do Código de Processo Civil, somente permitia a imposição da multa após o trânsito em julgado da sen­tença, o que obrigava ao uso da ação cautelar,já que é imprescindível, quando se pensa em prevenção contra o ilícito, uma tutela que venha no curso do processo de conhecimento. Em outras palavras, a tutela cautelar, diante da ausência de

80. A doutrina clãssica tem dificuldade para com preender a tutela ressarcitória na form a antecipada porque, ao im aginar que todo bem lesado pode ser reparado em pecúnia, não consegue perceber que m uitas vezes o ressarcim ento im ediato é im prescindível para que um direi to não patrim onial, conexo ao direito de crédito, não seja irreparavelm ente prejudicado. Em outras palavras, é a visão patrim onialista dos direitos, que está à base do direito liberal e da doutrina processual clássica, que im pede que se pense em tutela ressarcitória antecipada.

100 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

uma ação inibitória, era usada para permitir a antecipação da imposição do fazer ou do não fazer e, portanto, para viabilizar uma tutela inibitória efetiva.

Atualmente, porém, não há mais razão para se pensar em usar a ação cautelar para se obter uma tutela inibitória efetiva. Quem precisa de tutela inibi­tória, nos dias de hoje, deve lançar mão da ação inibitória, que pode fundar-se, conforme o caso, no art. 461 do Código de Processo Civil (ação individual) ou no art. 84 do Código de Defesa do Consumidor (ação coletiva).

A tutela que é prestada antecipadamente na ação inibitória nada mais é do que tutela inibitória antecipada, que não se confunde com a tutela dirigida a assegurar o resultado útil do processo. Na verdade, quando se tem consciência de que há ação destinada a impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilí­cito, verifica-se, com absoluta nitidez, que a tutela antecipada que cumpre esta função dá ao autor o único resultado útil que ele esperava obter do processo, isto é, a prevenção do ilícito ou do dano.

Um dos motivos que impedem a doutrina clássica de perceber que a tu­tela inibitória, quando antecipada, não tem caráter instrumental, encontra-se exatamente na suposição de que a tutela final deve ser de reparação do dano, ou melhor, decorre da suposição de que a tutela preventiva destina-se a assegurar o resultado útil da tutela reparatória, o que é mais do que ilógico.

Note-se, aliás, que a confusão entre ação inibitória e ação cautelar tam­bém advém da inexistência de ação mandamental no quadro das ações clássicas de conhecimento (declaratória, constitutiva e condenatória). Ora, nenhuma das sentenças da classificação trinãria é capaz de permitir a imposição de uma or­dem dirigida a impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito.

No direito italiano,onde jamais existiu sequer a ação corninatória, há ain­da mais razão para se confundir ação cautelar com ação inibitória. Ora, se há apenas ação declaratória, constitutiva e condenatória, e se o procedimento re­lativo à ação declaratória não admite tutela antecipatória (como não admitia o procedimento brasileiro anterior à reforma do final de 1994), não há outra saída, para se obter uma tutela preventiva célere, a não ser requerer a tutela cautelar, que não por outra razão passou a ser utilizada, segundo denúncia da própria doutrina italiana, de forma distorcida.81

Na realidade, a falta de distinção entre tutela antecipatória e tutela caute­lar é o resultado de uma visão panprocessualista, onde não importa o resultado que a tutela jurisdicional proporciona ao consumidor do serviço jurisdicional,

81 . V. Vittorio D enti, “D iritti delia persona e tecn iche di tutela giudiziale”, Lin fon n azion e e í diritti d elia persana, p. 2 63 ; Loriana Zanuttigh, “ La tutela cautelare atipica”, Linfannazictne e i diritti d elia p ersan a , p. 281.

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 101

mas apenas as características formais e de ordem processual que permitem a sua identificação e conseqüente classificação.

Afirma-se que a tutela antecipatória, por ser caracterizada pela proviso- riedade, não difere da tutela cautelar. O que se pretende, portanto, é criar uma tutela que deveria ser chamada de provisória, e que teria como espécies a tutela cautelar e a tutela antecipatória.

Falar em tutela provisória, contudo, nada diz para quem realmente está preocupado em. pensar o processo na perspectiva do direito material. Note-se que tutela provisória é o contrário de tutela definitiva. Assim, a razão que leva­ria a doutrina a não classificar as tutelas de cognição sumária e a falar em tutela provisória também autorizaria os processualistas a não classificar as tutelas fi­nais, o que seria um verdadeiro absurdo.82

3.2.6 A falta de percepção de que o ato contrário ao direito pode ser objeto de uma ação única e sua repercussão na ausência de distinção entre ação contra o ato contrário ao direito e ação cautelar

Como já foi dito, alguém pode ter a necessidade de somente evitar o ilícito, ou mesmo removê-lo. Para que isto seja possível, são necessários procedimentos com a possibilidade de tutela antecipatória e sentenças mandamental e executiva.

Como antes da introdução do art. 461 no Código de Processo Civil de lado os casos que já podiam ser tratados pelo art. 84 do Código de Defesa do Consumidor aquele que tinha tal necessidade somente podia utilizar o procedi­mento cautelar ainda que deform a distorcida surgia o problema da dispensa da “ação principal”, que também era conhecido como o da “ação cautelar autôno­ma ou satisfativa”.

Acontece que alguém pode ter apenas interesse em evitar ou remover o ilícito; por este motivo, há muito já deveria estar ao dispor do jurisdicionado um procedimento comum de conhecimento com liminar; e não apenas procedimentos es­peciais de conhecimento com liminar, como o procedimento do interdito proibitório.

Justamente pela razão de que antes de 3 994 não existia um procedimento de conhecimento com liminar, utiliza-se deform a distorcida o instrumento da “ação cautelar inominada", que era usado para permitir a prevenção ou a remoção do ilícito. Pense-se, por exemplo, na ação destinada a evitar a violação de direito da personalidade (antes cautelar, agora inibitória), ou na ação de demolição cie obra construída em. desrespeito à legislação (antes cautelar, agora de remoção do ilícito). Note-se que uma ação demolitória da espécie da referida tem por fim remover um ilícito, e apenas reflexamente pode evitar um dano.

82 . Cf. Luiz Guilherm e M arinoni, N ovas linhas d o p rocesso civil, 3. ed., p. 227-229 .

102 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

A percepção de que o ilícito pode importar por si só, e por isto abrir ense­jo apenas a uma ação destinada ã sua prevenção ou remoção, é que permite com­preender a real distinção entre, de um lado, as ações inibitória e de remoção do ilícito e, de outro, a ação cautelar.

3.3 Tutela antecipatória e tutela cautelar

3.3.1 A evolução da tutela sumária satisfativa no Direito brasileiro

Assim dispunha o art. 675 do Código de Processo Civil de 1939:

“Além dos casos em que a lei expressamente o autoriza, o juiz poderá determinar providências para acautelar o interesse das partes:

“I - quando do estado de fato da lide surgirem fundados receios de rixa ou violência entre os litigantes;

“II - quando, antes da decisão, for provável a ocorrência de atos capazes de causar lesões, de difícil e incerta reparação, ao direito de uma das partes;

“III. - quando, no processo, a uma das partes for impossível produzir pro­va, por não se achar na posse de determinada coisa”.

Parte da doutrina não enxergou no art. 675 um poder geral de cautela, tendo afirmado Liebman, em notas às Instituições de Chiovenda, que “também na legislação brasileira omite-se atribuição expressa ao juiz de um poder acaute- latório geral, de que ele se possa valer segundo as necessidades e as circunstân­cias fora dos casos tradicionais expressamente previstos”.83

O certo, porém, é que a maioria dos processualistas entendeu estar pre­sente na norma referida um poder geral de cautela. Os tribunais, entretanto, infelizmente não se mostraram sensíveis à necessidade do uso deste poder e foram muito tímidos na concessão de medidas cautelares que refugissem do âmbito estreito do art. 676.84

O Código de Processo Civil de 1973 atribuiu ao juiz, através do art. 798, o poder de determinar as medidas provisórias que julgar adequadas quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.

Parcela da doutrina, liei à natureza da tutela cautelar, não admitiu que o juiz concedesse medidas sumárias satisfativas com base no art. 798. Vejamos o que dizia Humberto Theodoro Júnior: “Por outro lado, como bem adverte Lopes da Costa, ‘a medida cautelar não deve transpor os limites que deíinem a

83 . Notas às Instituições de d ireito processu al civil (de Giuseppe Chiovenda), v. 1.84 . V. Sydney Sanches, P od er cau tela r g era l do ju iz no p rocesso civil bras ile iro , p. 101.

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 103

sua natureza provisória’. Sm filo é apenas garantir a utilidade e eficácia da futura prestação jurisdicional satisfativa. Não pode, nem deve, a medida cautelar antecipar a decisão sobre o direito material, pois não é de sua natureza autorizar uma espécie de execução provisória” Alguns julgados, seguindo esta orientação, afirmavam: “Não deve ser concedida a medida cautelar inominada em que o autor pretende lhe sejam franqueadas as dependências de um clube para realização de festa de casamento, em virtude do teor satisfativo de tal pedido, sendo que a sua conces­são implicaria a perda do objeto da ação principal”.86

A inefetividade do procedimento ordinário, entretanto, fez com que os tribunais passassem a falar de “ação cautelar satisfativa”. Lamentáveis equívocos foram cometidos pelos tribunais e pela doutrina em razão da não consideração da cognição inerente ao procedimento materialmente sumário. Decidiu-se, por exemplo, que “a medida cautelar inominada que visa a participação de sócio em assembleia tem cunho satisfativo, pois o interesse imediato se esgota com o cum­primento da liminar concedida. A realização da instrução para apuração dessa resistência importaria em apego ao formalismo, sendo portanto desnecessária”.87

Os tribunais e parte da doutrina, de fato, importavam-se muito com a satisfatividade da tutela, imaginando que a “ação principal” seria desnecessá­ria no caso de “tutela satisfativa”. Raciocinavam, em outras palavras, supondo que a satisfatividade da tutela era o bastante para dispensar o ajuizamento da ação principal. O erro contido em tal forma de pensar é tão evidente que pode ser surpreendido por essa indagação de resposta assustadoramente elementar: a concessão da liminar, na ação de reintegração de posse, por ter conteúdo satisfa­tivo, deve impedir o prosseguimento do contraditório? Será que a realização da instrução para apuração da resistência do réu no dizer do julgado há pouco re­ferido importaria também aqui em “apego ao formalismo”? Absolutamente não. Nem aqui, nem na situação narrada no julgado. Quando publicamos, em 1992, Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória,88 deixamos claro que a jurisprudência e a doutrina vinham confundindo satisfatividade com definitividade. Dissemos: a tutela somente é definitiva, dispensando a “ação principal”, quando a cognição é exauriente. A tutela satisfativa, quando de cognição sumária, exige o prosse­guimento do contraditório, não só porque não pode haver coisa julgada material sem cognição exauriente (carga declaratória suficiente) como, também, porque o réu somente pode sofrer um prejuízo definitivo (que não mais pode ser ques­tionado) em razão de uma sentença fundada em coisa julgada material.

85. P rocesso cautelar, p. 108 (grifam os).

86 . T JSC , 1.* C., Ap. 2 6 .0 3 4 , v.u., Arruda Alvim e N elson Luiz Pinto, R epertório de ju r isp ru ­d ên cia e doutrina sobre p rocesso cau td at; p. 164-165 .

87 . RT 673/85.88 . São Paulo, RT.

104 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Ao lado das ações sumárias satisfativas - que, por alguns, duplamente equi­vocados, eram chamadas de “ações cautelares satisfativas” podiam ser apanhadas verdadeiras ações de cognição exauriente com liminar.89 A prática aceitava a tese de que a ação cautelar podia substituir o mandado de segurança, quando escoado o seu prazo decadencial. O juiz e o doutrinadoi; como mágicos, trans formavam direito líquido e certo em fumus boni iuris. Na verdade, tal falsificação era aceita porque não havia a possibilidade de obtenção de medida liminar no procedimento ordiná­rio. Mas a mesma doutrina que fingia não ver a transformação do direito liquido e certo em fumus não conseguia perceber que a ação cautelar, que passam a tratar do direito líquido e certo, na realidade era uma ação de cognição exauriente com liminar Como no mandado de segurança, no procedimento da imaginada ação cautelar, após a apresentação da contestação, estava o juiz em condições de proferir sentença capaz de produzir coisa julgada material. Entretanto, como o juiz continuava supondo que a ação era verdadeiramente cautelar, o autor era obrigado a propor a ação principal! E o juiz, prosseguindo com a brincadeira que contava com o apoio da doutrina “julgava" a ação cautelar e a ação principal no mesmo momento, como não fosse abso­lutamente ilógico se afirmar que algo é provável e também existe. Ora, se o direito já pode ser reconhecido é porque não é mais apenas provável!

A ação de cognição exauriente com liminar e a ação sumária satisfativa eram pensadas pela prática como “ações cautelares satisfativas”, apesar da com­pleta diferença entre as cognições que fundavam as suas sentenças.

O Código cie Defesa do Consumidor (art. 85) tentou introduzir em nosso Direito a possibilidade do uso do mandado de segurança contra o particular:

“Contra atos ilegais ou abusivos de pessoas físicas ou jurídicas que lesem direito líquido e certo, individual, coletivo ou difuso, previsto neste Código, caberá ação mandamental que se regerá pelas normas e leis do mandado de segurança”.90 Essa norma, contudo, foi vetada, sob a seguinte argumentação: “as ações de mandado de segurança e de habeas data destinam-se, por sua na­tureza, à defesa de direitos subjetivos públicos e têm, portanto, por objetivo precípuo os atos de agentes do Poder Público. Por isso, a sua extensão ou apli­cação a outras situações ou relações jurídicas é incompatível com sua índole constitucional. Os artigos vetados, assim, contrariam as disposições dos incisos LXIX e LXXII do art. 5.° da Carta Magna”. O argumento do veto é risível e,

89. V. Luiz Guilherm e M arinoni, E fetiv idade do p rocesso e tutela de urgência, p. 45.90. Cabe lem brar, entretanto, que já em 19 8 3 , no Congresso N acional de Processo Civil,

realizado em Porto Alegre, Ovídio Baptista da Silva propôs que se acrescentasse ao art. 285 do Código de Processo Civil o seguinte parágrafo: “Parágrafo itnico. Sempre que o ju iz , pelo exam e prelim inar dos fundam entos da demanda pelas provas constantes da in icial, convencer-se da plausibilidade do direito invocado, poderá con ced er medida lim inar antecipando os efeitos da sentença de m érito, se a natureza de tais eficácias não for incom patível com tal providência".

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRÍA 105

assim, somente pode ser compreendido a partir do momento em que revelamos o seu comprometimento ideológico. A proposição que admite o uso de um procedimento, como o do mandado de segurança, apenas contra atos do Poder Público, unicamente pode fixar como premissa a tese absurda de que apenas os agentes do Poder Público são capazes de cometer atos que justifiquem o emprego de tal procedimento. Imaginar que o processo é uma arma contra o Estado constitui ideia reacionária, da pior qualidade, sem qualquer coerência com as preocupações da doutrina moderna, tão preocupada com tutelas di­ferenciadas, aptas a permitir a efetiva tutela dos direitos. Na verdade, faltou vontade política para se munir o consumidor de um instrumento efetivo para a tutela dos seus direitos, e, dessa forma, podemos dizer que o veto constituiu uma armadilha conservadora.91

Jã se disse que, quanto mais caracterizadamente uma lei protege os in­teresses populares e emergentes, maior é a probabilidade de que ela não seja aplicada,92 e não há razão para esconder que uma lei material comprometida com os anseios populares não tem valor algum quando os seus objetivos não podem ser efetivamente alcançados.

O art. 461 do Código de Processo Civil, ao tornar possível a antecipação da tutela no processo de conhecimento, confere ao cidadão um instrumento processual semelhante ao mandado de segurança. O procedimento não é do tipo documental e, portanto, não é apenas a prova documental que pode demonstrar o que a norma chama de verossimilhança do direito do autor.

A reforma de 1994 criou a possibilidade da antecipação da tutela no pro­cesso de cognição exauríente (arts. 273 e 461 do CPC), eliminando a necessi­dade de o autor para obter uma tutela sumária satisfativa valer-se do art. 798 do Código de Processo Civil, que gerava ações sumárias satisfativas e ações de cognição exauriente com tutela satisfativa interinal.

3.3.2 A consagração da tutela sumária satisfativa na reforma do Código de Processo Civil

Os arts. 273 e 461 consagraram a necessidade da antecipação da realiza­ção dos direitos nos casos de periculum in mora e de abuso do direito de defesa.93

91. Luiz Guilherm e M arinoni, E fetiv idade do processo e tutela d e urgência, p. 6.92 . Boaventura de Sousa Santos, “InLrodução à sociologia da adm inistração da ju stiça ”, RePro

.37/133.

93 . Em vários países da A m érica Latina discute-se, intensam ente, a respeito da tutela a n teci­patória. Como exem plo, é possível citar: Augusto M orello, A n ticipación de la tutela; Ro­berto Berizonce, s. Patricia Berm ejo e Zulm a Am endoiara, T ribunalesy p roceso d e fam ília , p. 505 9 ;Jo rg e W P eyrano, “R eform ulaciónd ela teoria de las medidas cautelares: tutela de urgência Medidas au tosa tisfac torias”, R evista d e Direito Processual C ivil9;jorge W Peyrano,

106 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

O Código de Processo Civil teve que ser alterado, nele introduzindo- se a tutela antecipatória, não só pela razão de que a evolução da sociedade demonstrou que a demora do procedimento comum não era mais suportável, e que por esta razão era necessária uma tutela sumária satisfativa,94 mas espe­cial mente pelo motivo de que a grande maioria dos doutrínadores e dos tribunais não admitiam que a tutela sumária satisfativa fosse prestada sob o manto protetor da “ação cautelar inominada

Desta forma, é muito estranho e até curioso que se pretenda sustentar que justamente aquela tutela que não podia ser admitida pelos doutrínadores e pelos tribunais como “cautelar”, e que por esta razão obrigou ã instituição da tutela an­tecipatória no art. 273, possa agora ser pensada como tendo a natureza (cautelar) que anteriormente afastava a sua própria concessão.

3.3.3 Tutela sumária satisfativa e tutela cautelar (diferença básica)

A tutela cautelar tem por fim assegurar a viabilidade da realização de um direito, não podendo realizá-lo. A tutela que satisfaz um direito, ainda que fun­dada em juízo de aparência, é “satisfativa sumária”. A prestação jurisdicional satisfativa sumária, pois, nada tem a ver com a tutela cautelar. A tutela que sa­tisfaz, por estar além do assegurar, realiza missão que é completamente distinta da cautelar. Na tutela cautelar há sempre referibilidade a um direito acautelado. O direito referido é que é protegido (assegurado) cautelarmente. Se inexiste referibilidade, ou referência a direito, não há direito acautelado.

3.3.4 A tutela cautelar não tem conteúdo satisfativo

A necessidade de tutela jurisdicional efetiva levou à utilização da ação cautelar como instrumento destinado à satisfação tempestiva da pretensão que só poderia ser veiculada por meio da chamada “ação principal”.

“Régimen de las medidas autosatisfactivas, nuevas propuestas”, Revista de D ireito Processual Civil 7; Álvaro Perez Ragone, “lntroducción al estúdio de la tutela anticipatoria”, Revista de Direito P rocessual C ivil 5, e “C oncepto estructural y funcional de la tutela anticipatoria”, Revista d e D ireito P rocessual Civil 13; Carlos A lberto Carbone, “Los procesos urgentes y la anticipación de la tutela”, R evista de D ireito P rocessual Civii 21; Abraham Luiz Vargas, “Teoria general de los procesos urgentes”, M edidas au tosatisfactivas; Jorge Rojas, “Los lim ites de la tutela anticipada”, Sentencia anticipada; Ju a n Jo sé M onroy Palacios, “Cinco temas polêm icos en el proceso civil peruano”, Revistei d e D ireito Processual C ivil 21; Jaim e Greif, “Las medidas anticipalivas", Temas d e d erech o procesa l civil.

94 . Com o afirmava Donaldo Arraelin, um a das form as de distorção do uso da tutela cautela r “verifica-se sem pre que se dá ao resultado de uma prestação de tu tela ju risd icion al cautelar um a satisfatividade que não pode ter" ( “A tutela ju risd icional cautelar”, Revista da P rocu rad oria-G era l do E stado de S ão Paulo 23/129).

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 107

Se tal fenômeno denominado por Carpi,95 para o direito italiano, de força expansiva da tutela cautelar foi realmente necessário, não cabe discutir neste mo­mento, importando, na realidade, saber se a tutela que satisfaz o direito material pode ser classificada como cautelar.

Esta questão é sentida em todo o direito processual do tipo europeu. Aris- tides Rengel Romberg, em relatório apresentado por ocasião das XI Jornadas Ibero-Americanas de Direito Processual, realizadas em 1988 no Rio de Janeiro, narra interessante hipótese jurisprudencial que possibilitou intensa discussão doutrinária em torno das medidas cautelares fundadas no art. 700 do Código de Processo Civil italiano. Trata-se do caso Barzizza contra Vannucci. Alberto Barzizza teria tomado em locação de Agostino Guagnini três habitações para residir com a sua família, tendo pago três meses de aluguel antecipadamente ao locador, que lhe entregou as chaves. De acordo com o conferencista, “el alo- jamiento estaba para ser ocupado por el arrendatario, cuando el “podestà" dei lugar permitió la apertura de las puertas para ser ocupado provisoriamente por la familia de Vannucci, proveniente de Gênova. Mientras la ocupactón de los locales por parte de Vannucci no estaba apoyada en ningun título, el recurrente Barzizza tenía ai contrario un innegable derecho, fundado en el arrendamiento, a obtener la posesión de las locales, y existia también la urgência de Barzizza de obtener inmediatamente la disponibilidad de los rnismos, por lo que pedia al Pretor tomase las oportunas informaciones, oyese a los testigos y declaras e su derecho con prioridad al de Vannucci, e intimasse a éste, con providencia de urgência ex art. 700 CPC a desocupar los lo cales dentro de cinco dias a partir de la notificación de la providencia”.96

A providência solicitada no caso jurisprudencial italiano, se concedida, re­alizaria o direito material afirmado pelo requerente. É de se concluir, portanto, que a tutela foi requerida com base no art. 700 do Código de Processo Civil italiano porque o direito material exigia realização urgente mediante tutela de cognição sumária.

A provisoriedade, entretanto, não basta para legitimar a tutela cautelar, constatação esta que também parece ter passado despercebida a Galeno Lacerda. Este processualista, efetivamente, ao tratar das medidas cautelares previstas no Código de Menores, concluiu “que as medidas de proteção, tomadas com intui­to definitivo e permanente, não possuem caráter cautelar, quanto possam se tor­nar definitivas e permanentes as providências judiciais neste setor... Acontece, porém, que as mesmas medidas podem assumir natureza cautelar, se prescritas pelo juiz a título provisório, dependentes de decisão futura no mesmo ou em

95. Federico Carpi, L a p rovvisoria esecu tor ie tà d e lia sentenza, p. 47.96. A ristides Rengel Rom berg, “M edidas cautelares inom iiiadas”, Relatório apresentado nas

XI Jornadas Ibero-A m ericanas de Direito Processual, Rio d e jan eiro , 1988 , p. 3 7 -3 8 .

108 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

outro processo, ou se determinadas no curso de processos ou ações jurisdicio- nais de sua competência, em virtude de litígio ou questão a ele submetidos”.97

A provisoriedade não é nota exclusiva da tutela cautelar - onde, na ver­dade, existe temporariedade ocorrendo também na tutela satisfativa sumária. Não basta, portanto, que a tutela tenha sido concedida com base em cognição sumária. É imprescindível que a tutela não satisfaça o direito material para que possa adquirir o perfil de cautelar.

A tutela cautelar não pode antecipar a tutela de conhecimento. De fato, como já disse Armelin, uma das formas de distorção do uso da tutela cautelar verifica-se sempre que se dá ao resultado de uma prestação de tutela jurisdicional cautelar uma satisfatividade que não pode ter9íi

Ovídio Baptista da Silva, em seus Comentários, referindo-se à lição de Crislofolini, lembra que este processualísta mostrou que as provisionais, ao an­teciparem a eficácia do provimento final de acolhimento da demanda, em verdade realizam plenamente o direito posto em causa, ainda que sob form a provisória, ao passo que as medidas propriamente cautelares, enquanto tutela apenas de seguran­ça, limitam-se a “assegurar a possibilidade de realização”, para o caso de vir a sentença final a reconhecer a procedência da pretensão assegurada."

Esta advertência de Cristofolim tem que ser tomada a sério por todos aqueles que queiram compreender a tutela cautelar. Não é possível que admita­mos que todas as tutelas sumárias são cautelares, pois nesta hipótese estaremos desnaturando a própria função da tutela cautelar, que visa apenas assegurar a possibilidade de realização do direito. A tutela cautelar não pode assumir uma estrutura que comprometa a sua função, sob pena de se transformar em simples tutela de cognição sumária, ou como bem observam Satta100 e Verde,101 “il pro~ vvedimento urgente in urgenza di provvedimento”.

Essa distinção entre provvedimento urgente e urgenza di provvedimento yá ha­via sido revelada, embora em outras palavras, por Pontes de Miranda. Pontes de Miranda diferenciou, em seus Comentários ao Código de Processo Civil de 1939,102 o arresto preventivo e o arresto execução para segurança, daí surgindo os concei­tos de “segurança da execução” e “execução para segurança”, tomados e desen­

97. Galeno Lacerda, C om entários a o C ódigo d e P rocesso Civil, v. 8 , 1. 1, p. 12>.98. Donalclo A rm elin , “A tutela ju risd ic ion al cau telar”, R evista d a P ro cu ra d o ria -C era l do

E stado d e São P au lo 23 /1 2 9 .99 . Ovídio Baptista da Silva, C om en tários a o C ódigo de Processo Civil, v. 11, p. 66.

100. SaivatoreSatta, “Provvedimenti d’urgenza e urgenza di provvedimenti”, Soliloqui eco lloqu i di un g iurista, p. 3 9 2 -3 9 5 .

101. Giovanni Verde, “Considerazioni sul procedim ento d ’urgenza”, í processi sp ecia li Studi o fferlí a Virgílio Andi íoli dai suoi a lliev i, p. 4 2 0 .

102. Francisco Cavalcanti Pontes de M iranda, C om entários a o C ódigo de Processo C ivil, v. 8.

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 109

volvidos por Ovídio Baptista da Silva na parte introdutória dos seus magníficos Comentários ao Código de Processo Civil. Concluiu Ovídio, nesta obra, que quando se antecipa execução, satisfaz-se por antecipação, atencle-se, desde logo, a preten­são, o que significa mais do que lhe dar simples proteção cautelar.103

A tutela cautelar, como já foi dito, visa assegurar a viabilidade da realiza­ção do direito. Assim, se afirmarmos que a tutela cautelar pode realizar o pró­prio direito (por exemplo a pretensão aos alimentos), estaremos incidindo em contradição, pois uma vez realizado o direito material nada mais resta para ser assegurado. Ou seja, quando o direito é satisfeito nada é assegurado e nenhuma função cautelar é cumprida.104

3.3.5 A referibilidade ao direito acautelado como pressuposto necessário da tutela cautelar

Na lutela cautelar, de fato, há sempre referibilidade a um direito acau­telado. Kazuo Watanabe, em sua tese de doutorado, entendeu que a “ideia de referibilidade” estaria presente em grande número de ações de conhecimento, que são consideradas “satisfativas”, em contraposição às ações cautelares, que seriam “meramente assegurativas”. Assim - diz Watanabe - , “quando alguém propõe uma ação de conhecimento exigindo o cumprimento de uma cláusula contratual, a pretensão material afirmada na inicial está referida a uma relação jurídica mais ampla, sendo que a ‘ideia de transitividade’ está presente, e poderá ser bastante intensa na medida em que for importante a cláusula. A referibili­dade, porém, é no plano do direito material e para o processo vem apenas em termos de causa de pedir remota. O mesmo fenômeno, somente com diferenças acidentais que não afetam sua essência, parece-nos ocorrer na ação cautelar. As diferenças dizem com a intensidade dessa referibilidade (comparem-se, por exemplo, a ‘referibilidade’ existente no arresto com a do seqüestro, ambos indu- vidosamente ações cautelares), e com as circunstâncias que envolvem a preten­são cautelar, necessariamente referida a uma situação perigosa”.103

Watanabe prossegue em seu discurso afirmando que “em termos de objeto da cognição principal do juiz, vale dizer, do mérito da ação cautelar, do objeto litigioso, o elemento que desponta, além da ‘situação perigosa’, é o di­

103. Ovídio Baptista da Silva, C om entários, p. 67.104. Nesse sentid o, Ovídio Baptista da Silva, “A antecipação da tutela na recente reform a

processual”, R eform a d o C ód igo d e P rocesso C ivil, p. 138 ; Cândido Rangel D inam arco, A reform a do C ódigo de P rocesso C ivil, p. 1 3 9 -1 4 0 ; j . j . C alm on de Passos, “Da antecipação da tutela”, R ejorm a do C ódigo d e P rocesso C ivil, p. 190; Rodolfo de Camargo M ancuso, “Tutela antecipada”, R efo rm a do C ód igo d e P rocesso C iv il, p. 183; N elson N eryJúnior, A tualidades sobre o p rocesso civil, p. 57.

105. Kazuo W atanabe, D a cog n ição no p rocesso civil, p. 105.

110 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

reito ou a pretensão material à cautela afirmada na inicial, e é em relação a ela que se formula o pedido de tutela cautelar. A relação jurídica mais ampla em que, eventualmente, a pretensão deduzida se posiciona, virá ao processo apenas como causa de pedir remota. A cognição sumária não diz respeito apenas a essa causa de pedir remota, e sim principalmente ao próprio direito substancial de cautela afirmado”.105

Conclui Watanabe que há caráter satisfativo no provimento cautelar, em­bora a cognição sumária não permita declaratividade com carga suficiente para receber a autoridade de coisa julgada. Para tanto, volta a remarcar lição de Oví- dio, no sentido de que a prestação cautelar, como qualquer outra, tem caráter satisfativo, pois satisfaz a uma pretensão específica.107

Watanabe, então, passa a discorrer sobre a relação entre a ação cautelar e a ação principal, elegendo um critério fundado na referibilidade para a determi­nação da dispensabilidade eventual da ação principal. Quando não for possível a visualização de uma “referibilidade” a um direito ou a uma pretensão de direito material dita “principal”, a ação cautelar dispensará a propositura da ação prin­cipal, justamente nestas hipóteses a ação cautelar não conterá afirmação relativa à ação principal, pelo que ela não será de imperiosa propositura.

Por ser a questão ora abordada extremamente difícil - como reconheceu o próprio Watanabe - , fomos obrigados a tentar traduzir com fidelidade o pen­samento do professor da Universidade de São Paulo. Watanabe enfatizou, com fulcro em Ovídio, que a prestação cautelar satisfaz. Note-se, porém, que Ovídio, ao falar em satisfatividade da tutela cautelar, alude a uma tutela que satisfaz ao eliminar uma situação objetiva de perigo. Ovídio nunca admitiu uma pretensão cautelar completamente desvinculada de um direito acautelado. Ao contrário, segundo ele, mesmo nas ações cautelares que dispensam a propositura da ação principal, como na cautío damni infecti referida por Watanabe deve estar pre­sente a nota da referibilidade. Exatamente porque quando não há referibilidade não existe cautelaridade. Inexistindo referibilidade nenhum direito é acautelado e nenhuma prestação de segurança (cautelar) é concedida.

Atentemos para o que disse Ovídio: “na medida cautelar, se prestarmos atenção ao verbo assegurar, veremos que a referibilidade a que se dá proteção é inalastavel”.'08 Segundo Ovídio, a ideia da referibilidade advém da ligação, da transitividade, entre a tutela cautelar e a tutela satisfativa, na medida em que a tutela cautelar destina-se apenas a assegurar uma pretensão, pretensão esta que jamais poderá ser satisfeita através da tutela de simples segurança. Na ação de indenização, por exemplo, haverá referibilidade a algum direito acautelado,

106. ldem , ibidem.107. ldem , ibidem.

108. Ovídio Baptista da Silva, A ação cautelar inominada no direito brasileiro, p. 67.

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 111

ou mesmo alguma referibilidade da tutela condenatória a outro direito? Obvia­mente não; contudo, quando se concede o arresto como medida preparatória ou incidente em relação à pretensão condenatória fica descortinada a existência de um direito acautelado e a referibilidade da tutela cautelar que lhe dá proteção.

A falta de referibilidade, como se vê, é evidência da inexistência de caute- laridade. Na tutela satisfativa inexiste referibilidade a um direito acautelado. É o caso da ação de alimentos provisionais. Aí não há referibilidade porque nada é assegurado. A pretensão é satisfeita.

O que Ovídio admite, em verdade, é uma ação cautelar autônoma; nun­ca satisfativa. A caução de dano infecto seria autônoma segundo o seu enten­dimento porque através dela se daria proteção assegurativa ao direito de vizi­nhança. Segundo Ovídio, tanto a caução do art. 1.281, como a do art. 1.280 do Código Civil, são cautelares e autônomas, sendo que em “ambos os casos, prestada a caução cautelar pelo demandado, nenhuma ação principal haverá de ser proposta pelo requerente”.109 Sustenta o processualista gaúcho que “esta caução nâo tem qualquer sentido de preparatoriedade, de modo que aquele que a obteve tenha de prometer a propositura de uma demanda onde se deveria con­troverter sobre alguma coisa que, no caso, seria absolutamente incontroversa'. A única coisa realmente litigiosa, ou controvertida entre as partes, fora o perigo de dano iminente causado pela obra (legítima) realizada pelo demandado. A cautio damni infecti nâo perde eficácia no prazo de 30 dias, previsto pelo art. 806 do Código de Processo Civil, por não ser preparatória. Sua duração está como aliás deve estar a duração de qualquer medida cautelar condicionada pela duração do perigo de dano iminente. No caso, a caução deve persistir enquanto ditarem as obras ameaçantes" ,Llú

A referibilidade, em suma, é indicativa da caulelaridade, enquanto que a nâo referibilidade aponta para a satisfatividade e, destarte, para a tutela su­mária satisfativa.

Já tivemos oportunidade de ressaltar, em outros trabalhos, que são várias as dificuldades que impedem certa parte da doutrina de enxergar que a tutela que rea­liza o direito com base em cognição sumária não é cautelar.111 Tais obstáculos que, na verdade, são esquecidas premissas que precisam novamente ser discutidas serão expostos nas linhas que seguem.

109. Ovídio Baptista da Silva, C om en tários, p. 133.110. ídem , p. 134.111. Luiz G uilherm e M arinoni, Tutela cau tela r e tutela a n tec ip a tó r ia , p. 2 e ss.; E fetiv idade do

processo e tutela d e urgência, p. 51 e ss.

112 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

3.3.6 A influência carneluttiana no sentido de que é a sentença que compõe a lide

Os doutrinadores que seguem Carnelutti sabidamente influenciado pela teoria unitária do ordenamento jurídico têm dificuldade para deixar de lado a ideia de que o juízo de cognição sumária é apenas juízo provisório sobre a lide. A teoria unitária, como se sabe, faz supor a insuficiência das normas de direito material para a composição da lide, a qual somente poderia se dar. no pensa­mento de Carnelutti, através da sentença de cognição plena e exauriente.112 Nes­sa perspectiva, como é óbvio, a sentença de cognição sumária não poderia ser outra coisa que não sentença provisória sobre a lide; sentença que sequer disci­plina a lide e que, portanto, não poderia ser apta para a “satisfação do direito”.

Carnelutti, fiel à sua visão da relação entre direito e processo, ao tentar estabelecer o escopo do processo cautelar, falou inicialmente em sistematização dos fatos da lide, depois em composição provisória da lide e, finalmente, em tutela do processo.113 Note-se que se é o processo que disciplina a lide, parti­cipando do iter de criação do direito, pouca diferença poderia existir entre as concepções de “composição provisória da lide” e “tutela do processo”. A tutela que antecipa o efeito executivo da sentença condenatória, porque fundada em cognição sumária, sempre seria tutela do processo, já que não poderia “compor a lide”.114

112. “Todos conhecem o pensam ento de Carnelutti sobi'e o escopo do processo. Q uando ele diz que este existe para a ju s ta com p osição da lid e , pressupõe naturalm ente que as norm as ju ríd icas substanciais contidas na lei não tenham por si sós aptidão para com pô-la (isto é; para, qual regra concreta, regular o conflito de interesses). Essa ideia, que está àbase de todo o sistem a de Carnelutti, foi por ele manifestada num dos seus m ais antigos escritos, um trabalho sobre a sentença condicional. O efeito da sentença, diz ele, é torn ar concreto ou p articu lar o preceito abstrato ou genérico contido na norm a legal; o com ando abstrato é representado por um arco, o qual só se fecha era círculo quando houver o com ando com plem entar; este reside na sentença (não dispositiva) e no negócio ju ríd ico . É , com o se vê, uma derivação da teoria de K elsen” (Cândido Rangel Dinam arca, “Direito e processo”, Fundamentos do processo civil m oderno, p. 20).

113. D iritto e processo , p. 3 5 5 -3 5 6 .114. Bedaque é fiel à doutrina de Carnelutti, e por isto conclui que a tu tela antecipatória confere

apenas “satisfação fãtica” e não “ju ríd ica”. Na realidade, posiciona-se ao lado de Carnelutti e Calam andrei, aduzindo que som ente a sentença, com o ato final do processo, “tem apti­dão para representar a solução da controvérsia, transf orm ando-se na regra em itida para o caso con creto” (Tutela C au tela r e tutela an tecipada: tutelas su m árias e d e urgência, c it., p. 3 0 7 ). N esta linha, con clu i que a tutela antecipatória, por não ter aplidão para solucionar a “controvérsia”, é som ente “instrum ental” à tutela definitiva. Entretanto, a p o s iç ã o do ilustre p rocessu alista, a o nosso ver, p ec a ju stam en te p or a in da estar in flu en ciada p e la dou trina qu e sustenta que é a “sen ten ça que com p õe a l id e”. O ra, não h á m ais ra z ão p a ra distinguir “sa tis fa tiv id ad e ju r íd ica ” e “sa tis fa tiv id ad efã tica" , um a v ez que, na p erspectiva d aqu e le que

TU TELA CAUTELAR F. TUTELA ANTECIPATÓRÍA 113

3.3 .7 O mito da nulla executio sine titulo

Calamandrei, seguindo à risca o entendimento de que não pode haver execução sem título.m afirmou que o ‘"único critério seguro para distinguir ía ejecución satisfactiva de la ejecución cautelar es el de determinar, en aceptación dei principio dei art. 553, si los acíos ejecutivos preceden o siguen a la declaración de certeza (aun sumaria) dei derecho a satisfacer; en todos los casos en los que se ve que la ejecución precede a esta declaración, estamos frente a una ejecución cautelar, la cual no se distingue de la satisfactiva por la diversidad de los medios ejecutivos (la ejecución cautelar consiste siempre en un ejercicio antecipado, total o pardal, de los mismos medios de los que se sirve la ejecución satisfacti- va) sino únicamenle en virtud de que estos medios se ponen en funcionamento no para satisfacer un derecho ya declarado (en vía ordinaria o vía sumaria), sino para satisfacer un derecho que, en via de hipótesis, se supone que puecle llegar a ser declarado en una fase procesal ulterior V 16

O critério que serve à conclusão de que a execução anterior à senten­ça é execução cautelar também permite supor que a execução provisória da sentença é igualmente execução cautelar.117 Cario Fumo, por exemplo, na sua excelente monografia sobre a “sospensione dei processo esecutivo”, não hesitou em concluir que a suspensão do processo executivo e a execução provisória da sentença possuem natureza cautelar, alertando que a primeira resguardaria o devedor executado e a segunda o credor.118 Mas, como bem demonstrou Adolfo

bu sca a “ju stiça”, o qu e im porta é a “tutela do d ire ito”, e não a fo r m a ou a cogn ição p o r m eio d a qu a l esta é p restad a . S u sten tar a d ife ren ça en tre tu tela a n tec ip a tó r ia e tutela cautelar, portan to, é libertar-se do p eso das doutrinas de C arnelutti e C alam an dret (o que n ão é fá c il) e en cam p ar um a nova p ersp ec tiv a (atu alm en te fun dam en tal) d e ver o p rocesso civil, qu e p o d e ser d esign ada com o a d a “tutela dos d ire ito s”.

115. “Por el contrario, ia im posibilidadde recurrirdirectam ente a la via ejecutiva y Ia necesidad consiguiente de obtener un título e jecutivo ju d icia l m ediante un proceso de cognición se explican facilm ente por la existencia de una situación ju ríd ica sustancial caracterizada por el elem ento de la incertidum bre. E n este segundo supuesto, dada la necesidad previa de elim inar Ia incertidum bre sobre la situación ju ríd ica sustancial, la acción no puede ser ejercitada más que en via declarativa, a fin de que el antecedente lóg ico-ju ríd ico de la ejecu ción , que es la aptitud de la acción para ser ejercitada ‘in executivis’, encuentre su base en el acertam iento y su realización en la creacióxi dei título que condiciona la iniciación de la vía ejecutiva” (C ario Fum o, Teoria d e la p ru eba legal, p. 190).

116. Piero Calamandrei, “La sentencia declarativa dequiebra”, Introducción a l estúdio sistem ático de las prov idencias cau telares, Apêndice n. 2 , p. 2 0 4 -2 0 5 .

.117. Trata-se da tese de A lcides M unhoz da Cunha, A lide cau tela r no p rocesso civil.118. “E poiche alia clausola di p ro w iso ria esecutorietà e stata da tem po, autorevolm ente,

riconosciu ta funzione cautelare, analoga funzione deve pure riconoscersi alia sospen­sione delVesecuzione” (La S ospensione dei P rocesso Esecutivo, p. 55). Adm itindo a função cautelar da execu ção provisória, recen tem en te , G iuseppe Vignera ( “Sui rapp orti tra

114 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Perez Gordo, enquanto a medida cautelar não pode ter uma extensão maior do que a de mera garantia ou de segurança de uma sentença hipotética e futura, a execução provisória, além de permitir a invasão da esfera jurídica do executado, pode levar à própria satisfação do exequente.119

Aquele que considera cautelar a tutela sumária satisfativa não só é obri­gado a considerar cautelar a execução provisória da sentença, como, também, é forçado a admitir a cautelaridade da tutela sumária que pode ser prestada com base no art. 273, inciso II, do Código de Processo Civil. Isto porque o que impede a doutrina de admitir a natureza executiva da tutela sumária satisfativa é a cognição não definitiva, e não o simples requisito do perigo. Pior seria, de jato, se fosse o perigo que estivesse a definir o que é cautelar; pois, nessa hipótese, somente a execução provisória da sentença contra o pericolo nel ritardo passaria a constituir tutela do tipo cautelar.110 Como escreve Ovídio Baptista da Silva, “o equivoco que se esconde nessa doutrina é tão primário que não evita esta óbvia e insuperável contradição: legitima-se a execução provisória sempre que houver necessidade de acelerar (antecipar) a tutela jurisdicional; se, no entanto, essa aceleração for demasiadamente intensa, então a execução provisória desaparece, para dar lugar à tateia cautelar, de tal modo que o mesmo princípio que fundara seu cabimento passa a ser responsável pela sua extinção!”Ui

O legislador processual, ao estabelecer hipóteses específicas de execução provisória, tem em mira permitir, em função de particulares situações d.e direito substancial, a aceleração da satisfação do direito. Se o legislador agora permi­te, em vista de “receio de dano irreparável ou de difícil reparação” (art. 273, I, CPC), a antecipação dos efeitos executivo e mandamental, é um erro lógico ima­ginar que a antecipação da satisfação do direito constitui tutela cautelar. Ora, não é porque a aceleração da satisfação do direito decorre da existência de um “receio de dano” que a tutela deixará de ser satisfativa para se transformar em acautelatória.

provvedimento tVurgenza esentenza di merito (alia ricerca d iunasoluzione ragionevole)”, Rivista di D iritto P rocessuale, 1993 , p. 5 1 4 ), sob o inocente fundam ento de que o m otivo para concedê-la está no “pericolo nel ritardo”.

119. “Así, tal y com o ya se deduce de 10 expuesto, m ientras que la naturaieza y función de la e jecu ció n provisional es la propia de la e jecu ció n ordinaria, es decir, esencialmenLe satisfactiva para el e jecutante dentro de los iím ites de la e jecu ción mism a, la naturaieza de la medida cautelar es sim plem enie de. tutela, de aseguram iento o garanüa, no pudiendo ltegarse en la adopción de 1a m isma hasta penetrar en la propia esferajuríd ica dei perjudi- cado por la medida, a través de institutos tales com o el embargo y la enajenación íorzosa” (La ejecución provisional en et proceso civil, p. 4 2 ).

120. M andrioli, por exem plo, enxergou função cautelar na execução provisória contra o pericolo nel ritardo (C orso di diritto p rocessu ale, v. 3/221).

121 . Teoria de la acción cautelar, p . 79.

TUTELA CAUTELAR E TUTEIA ANTECIPATÓRIA 115

Contudo, parcela da doutrina continua afirmando não existir qualquer identidade entre a execução provisória da sentença e a tutela antecipatória. José Roberto dos Santos Bedaque, em recente trabalho, afirma o seguinte:

“(...) a execução provisória resulta de mera escolha legislativa, sem pos­sibilidade de qualquer avaliação do juiz sobre sua conveniência e necessidade.

“Pensa-se (no que diz respeito à execução provisória) tão somente na efi­cácia imediata da sentença ainda sujeita a recurso, o que se deve a mera opção político-legislativa, e na conveniência de não permitir que ela gere efeitos no plano material enquanto não se tornar definitiva. O periculum in mora constitui valor completamente estranho a esse mecanismo processual.”122

Com o devido respeito, as conclusões do ilustre processualista cuja lição acabamos de reproduzir não tomam em consideração três pontos essenciais: i) pode haver execução p rovisória contra o periculum in mora (e esta foi consagrada em vários ordenamentos jurídicos estrangeiros, inclusive no antigo art. 282 do CPC italiano); ii) ao se admitir execução provisória contra o periculum in mora, confe­re-se ao juiz oportunidade para “avaliar sobre sua conveniência e necessidade”; iii) a execução provisória pode permitir a integral satisfação do direito, e não apenas a prática de alguns atos executivos.

Admitir a execução provisória contra o periculum in mora, limitá-la a al­gumas situações, admitir a execução provisória da sentença em todos os casos, restringir, ou não, a execução da sentença na pendência da apelação à prática de apenas alguns atos executivos, tudo isto é uma questão de política legislativa. Lembre-se, aliás, que a nova redação do art. 282 do Código de Processo Civil italiano (que regula a execução provisória) passou a viabilizar, a partir de 1992, a plena execução do direito declarado na sentença objeto de recurso ao tribunal, dispensando o requisito do periculum in mora.

Pois bem, se é possível execução da sentença, objeto de recurso, contra o periculum in mora, qual é a diferença entre esta modalidade de execução e a tu­tela antecipatória contra o periculum in mora, que pode, inclusive, ser prestada após ter sido proferida a sentença de primeiro grau? Obviamente nenhuma, pois ambas realizam a mesma função, que evidentemente não é cautelar.

Ora, não é possível aceitar que a execução provisória contra o periculum in mora perca a sua natureza de execução satisfativa, para transformar-se apenas em execução cautelar, simplesmente pelo fato de que é anterior ao trânsito ern julgado da sentença.

122. Jo sé Roberto dos Santos Bedaque, Tutela c a u te la r e tutela an tecipada: tutelas su m árias e de urgência, p. 396 .

116 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Na verdade, concluir que a tutela anterior ao trânsito em julgado não confere satisfação jurídica, mas apenas fática, e supor que a satisfação jurídica apenas pode ser encontrada quando da formação da coisa julgada material, é não perceber a superação da relação entre “tutela do direito” e coisa julgada material e caminhar no sentido contrário ao pensamento da doutrina que está preocupada com a efetividade da tutela dos direitos.

Neste sentido, basta lembrar o que disse Vittorio Denti, sabidamente um dos maiores pensadores do processo civil contemporâneo: “Talvez a propensão, acentuada nos últimos anos, a repensara função jurisdicional em termos de ‘tutela dos direitos’, mais do que em um quadro meramente processual, possa enriquecer com novas perspectivas a nossa pesquisa, e conferir uma colocação adequada à exi­gência de tutelas que emergem com o desenvolver da sociedade contemporânea”.123

3.3.8 O mito cia "busca da verdade"

Na linha do pensamento iluminista, aventou-se, no início do século XIX, nos países onde o pensamento de Montesquieu era mais vivo, proibir ao juiz a interpretação da lei. O procedimento ordinário é comprometido com a ideia de que o juiz deveria apenas atuar a vontade da lei. O mito que dá suporte à figura do juiz como “bouche de la loi”, sem qualquer poder criativo ou de imperium, é o da neutralidade,124 supondo, de um lado, ser possível um juiz despido de vontade inconsciente e, de outro, ser a lei como pretendeu Montesquieu uma relação necessária fundada na natureza das coisas.

Tal procedimento, ao não permitir ao juiz, através de liminar, qualquer interferência no conflito de interesses, não só mantém a postura de “neutralida­de” que era esperada do magistrado, como também faz valer a hipótese de que o juiz não pode julgar com base em verossimilhança. O julgamento com base em verossimilhança era incompatível com um julgador que se esperava “neutro”, o que evidencia uma nítida relação entre “busca da verdade” e neutralidade. É fácil perceber, portanto, que os juízos de verossimilhança eram temidos exata­mente à medida que abriam margem ao “subjetivismo” do julgador.

O princípio que expressa a proibição dos julgamentos fundados em pro­babilidade e esconde o mito da neutralidade do juiz dá susLentação à teoria clássica do processo de conhecimento, ou melhor, à tentativa de se separar co­nhecimento e execução. O princípio da nulla executío sitie titulo, ao supor que não é possível execução enquanto não houver título, levou Chiovenda a chamar a execução provisória da sentença de “figura anormal”, com base na justificativa

123. V ittorio D enti, “ín L erv en to” , L a tutela d u rgen za , p. 171.124. V ja c in to N elson de M iranda Coutinho, “D iscrição ju d icia l na dosim etria da pena: fun­

dam entação suficiente”, R evista do instituto dos A dvogados do P aran á 21/105.

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 117

(que para nós tem um conteúdo extremamente expressivo) de que ela “apresen­ta uma ação executor ia descoincidente, de fato, da certeza jurídica”.125

A impossibilidade de uma verdadeira execução anterior ã declaração de­finitiva parte da premissa de que não é possível execução sem o encontro da verdade. Parte-se da ideia de que o juiz, ao final do processo, porque o contra­ditório já se desenvolveu, julga com base na verdade. Se erro houver, esse é pro­vocado pela parte, que não trouxe aos autos as provas necessárias à elucidação da matéria fãtica. Imagina-se que o juiz, mantendo-se inerte, não prejudica nin­guém, e certamente estará iluminado pela verdade quando proferir a sentença, já que a verdade do processo civil seria a verdade resultante da realização plena e integral do principio do contraditório.

Não é impossível, de fato, uma ligação entre a chamada execução cautelar, a ausência da “verdade” e a neutralidade do juiz■ O juiz, porque é neutro, somente julga quando há verdade, e a execução, porque invade a esfera jurídica do réu, so­mente i viável a partir do momento em que o juiz declarou, iluminado pela verdade, a existência do direito.''26

3 .3 .9 A cegueira para a perda da instrumental idade

Calamandrei, ao escrever a sua tentativa de sistematização das “provi­dências cautelares”, colocando em relevo a característica da provisoriedade,

125 . “Entrem entes, pode ocorrer a figura duma sentença não definitiva, m as executória , e, pois, a separação entre a delinitividade da cognição e a executoriedade. É o que sucede, etn prim eiro lugar, quando a condenação é confirm ada ou proferida em grau de apelação, e isso porque a sen tença de apelação, se bem que não definitiva, por su jeita a cassação, é todavia executória, um a vez que a cassação não suspende a execução da sentença (art. 5 2 0 do Código de Processo C iv il), e o m esm o se dirá do pedido de revogação (art. 5 0 3 ). C onquanto seja essa um a figura anorm al, porque nos apresenta um a ação execu tória descoincidente, de fato, da certeza ju ríd ica ( . . . ) ” (Instituições de direito p rocessu al civil, v. 1/235).

126 . É inconcebível que se pense que a distinção entre tutela antecipatória e tutela cautelar possa não ter relevância. Além de a teorizaçâo do tema da tutela antecipatória ser funda­m ental para que seja desvendada a ideologia do “processo civil clássico”, é evidente que a tutela antecipatória stricto sensu, ju stam en te pela razão de con fer ir um bem da v ida a o au tor sem a realização plena do contraditório, possui uma repercussão na esfera jurídica do réu m uito m aior do que a sim ples tutela cautelar. Mais do q u eisto : é conveniente lem brar que o Código de Processo Civil foi corrigido ao final de 1994 , confiando-se ao ju iz a oportu­nidade de conferir tutela antecipatória, exatam en te p e la ra z ã o d e que a g ran de m aio r ia dos doutrínadores e dos tribunais, antes d a m en c ion ad a reform a, n ã o adm itia qu e a tutela su m ária satisfativa pudesse ser p restada so b o m anto p ro tetor d a tu tela cau telar inom inada. Portanto, é cu rioso que depois de in troduzida a tutela an tec ip a tór ia no Código de P rocesso C ivil d iga-se qu e ju stam en te aqu ela tutela que não p o d ia se r con ceitu ada com o “ca u te la r”, e qu e p o r esta ra z ão conduziu a um a reform a processu al, d ev a s e r d efin ida co m o “ca u te la r”.

118 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

misturou tutela sumária satisfativa com tutela cautelar. É importante salientar, porém, que os direitos’ que hoje precisam de tutela urgente não são os mesmos que emergem da Introdução de Calamandrei (a obra do mestre florentino, sem dúvida de alta significação para a ciência processual, foi publicada em 1936).

Os direitos patrimoniais com função não patrimonial, em determinadas situações, não têm outra forma de tutela efetiva a não ser a tutela sumária satis­fativa. Em alguns casos, ou o direito de crédito é realizado imediatamente, ou a sua função não patrimonial não pode ser cumprida. Essa necessidade de reali­zação imediata do direito patrimonial, que pode gerar uma situação irreversível, passou a preocupar a doutrina italiana apenas recentemente, levando-a a alertar para o uso satisfativo da tutela de urgência e para o desaparecimento da tão de­cantada “instrumentalidade” da tutela cautelar.’27

As ações “sumárias”, que até agora eram propostas sob o rótulo de “cau­telares”, eram satisfativas e, em grande número de casos, geravam situações irreversíveis. A ação sumária satisfativa, porque dava ao autor tudo aquilo e exatamente aquilo que ele pretendia, somente não era definitiva em razão da cognição que lhe era peculiar. Dizíamos, então, quando tratávamos da ação su­mária: a instrumentalidade não aparece na ação sumária satisfativa, pois ine- xiste qualquer ligação instrumental entre a tutela sumária satisfativa e a tutela definitiva. A tutela sumária satisfativa não serve a outro processo. “O processo que lhe segue é que é instrumento destinado a preservar o direito à adequada cognição da lide”. E justificávamos: o direito à adequada cognição da lide é co­rolário do due process o f law. Eis a razão pela qual o processo sumário satisfativo deve ser seguido pelo denominado processo principal/28

A neutralidade do procedimento ordinário e a completa insensibilidade para a necessidade de instrumentos de tutela adequados às novas necessidades de uma sociedade em constante evolução também são responsáveis pela chama­da crise da justiça civil.129 A lentidão da justiça, a gerar graves e insuportáveis in­

127. “La tutela cTurgenza ha assunto una im portanza crescente di fronte ai fenom eno delia dilatazione dei tempi delia giustizia civile, da un lato, e deiles-pandersi delia difesa di situazioni soggettive che richiedono un intervenlo im m ediato dei giudice, e rispetto alie quali 1’urgenza finisce con 1’apparire la modaliLà essenziale di protezione. Si pensi, ad esem pio, alia incidenza che sulla sfera individuale posso no esercitare i mezzi di com u- nicazione di massa, ed ai fatto che il ritardo delia tutela ordinaria puo ledere irreparabil- m ente i d irilti delia persona. In queste situazioni, la tutela d’urgenza si identifica con la tutela “tout court” , e perde rillevo il carattere de ha strum entaliià rispetto allesercizio delia funzione giurisdÍ2Íona1e di m erito, che era proprio delle m isure cautelari” (Vittorio D enti, L a g iustiz ia civile, p. 1 2 9 -1 3 0 ).

128. Tutela cau tela r e tutela a n tecipa tór ia , p. 120 e ss.129. M odificaram -se as razões de dem andar, e essa m odificação qualitativa é que tornou

insuportável a dem ora do procedim ento ordinário. V. Francisco Ram os M endez, “Les

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 119

justiças concretas, transformou a tutela cautelar em técnica de sumarização, ou, em outros termos, em verdadeiro remédio contra a solene falta de efetividade do procedimento ordinário.130 Referindo-se à expansão da tutela cautelar, Tarzia alertou para o fato de que a doutrina colocou-se de frente ao “fenomeno piu im­pressionante di evoluzione e trasformazione di uno strumento processuale”,131 o que demonstra que a tutela cautelar, pela ausência de instrumentos jurisdicio- nais adequados, foi ocupar um espaço necessário e fundamental para a presta­ção da tutela jurisdicional efetiva.

Na verdade, o art. 798 do nosso Código foi, por muito tempo, o respon­sável pela prestação da tutela sumária satisfativa. Mas não pensem os espíritos menos avisados que a prestação da tutela sumária satisfativa sob o manto prote­tor da tutela cautelar constituiu um abuso, pois, não fosse tal norma, em muitos casos concretos o princípio chiovendiano de que a “durara dei processo non deve andare a danno deLTattore che ha ragione”132 não teria sido observado.

É inegável, porém, que a necessidade de efetividade de tutela dos direitos transformou a tutela cautelar em tutela sumária satisfativa.133 É digno de nota um interessante acórdão do TST que, julgando recurso ordinário em manda­do de segurança, manteve decisão do TRT da 9.a Região que havia denegado mandado de segurança que objetivava cassar liminar que fora deferida in a u d i t a

■mesures provisoires indéterm inées dans le proces civil espagnol”, Les m esures provisoires en p roceãu re civile, p. 189 e ss.

130. V Fed erico Carpi, ‘‘La tutela d’urgenza fra cautela, ‘sentenza anticipala’ e giudizio di m érito”, L a tutela clurgenza, p. 3 9 ; Sergio La China, “Quale futuro per i provvedimenti efurgenza? “Z processi speciali -Studi offertí a Virgílio A ndrioli dai suoi allievi, p. 158 e ss.; Giovanni Verde, “Considerazionisul procedim ento d’urgenza (com e e e come si vorrebbe chefosse)”, 1 p rocessi speciali, p. 4 1 5 e ss.; G iuseppe Tarzia, “Considerazioni conclusive”, L es m esures prov isoires en p rocédu re civile.

131. “Intervem o”, L a tutela d’urgenza (Aui dei XV Convegno N azionale, Bari, 4-5 O ttobre 1 98 5 ), p. 150.

132. Sobre a atualidade e a im portância do princípio, v. Vittorio Denti, La tutela d ’urgenza, p. 164.133. Essa tam bém é a opinião de Roger Perrot: “M ais pour cette raison, la philosophie même

de la mesure provisoire a cbangé. Au siecle dernier, elle avait surtout pour rõle d’assurer la conservation des b iens litigieux ou d’am énager tem porairem ent une situation conten- tieuse en attendant le ju gem ent définitif. De nos jo u rs, ce rõle preinier n’a pas disparu. Mais une autre fonction s’est développée qui gagne en im portance et qui consiste m oins en une m ission de sauvegarde qu ’en une anticip ation sur la décision définitive" ( “Les m esures provisoires en droit français”, L es m esures provisoires en procédu re civile, p . 153). No m esm o sentido M ichelle Aieilo: “U lteriore ed indiretta conseguenza delia ravvisata inadeguatezza degli strum enti delia cognizione ordinaria estata pero anche quella di sna- turare la finalità e Feíficacia dei medesim i provvedim enti di urgenza” ( “1 provvedimenti di urgenza neU’attuale m om ento legislativo italiano”, Les m esures prov isoires en procédu re civile, p. 2 6 5 ). v., tam bém , Giovanni A rieta, “Com unicazione”, Les m esures provisoires en procedu re civ ile , p. 2 6 9 -2 7 0 ; Vittorio D enti, L a giustizia civ ile, p. 129-130 .

120 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

altera parte em ação cautelar inominada, para reintegrar dirigente sindical nas suas funções. O TST, na ocasião, assim argumentou: “é bem verdade que o defe­rimento de liminar, assegurando a satisfação do direito material pleiteado, como, no caso, a reintegração, não se coadunaria com a natureza instrumental e provisória do processo cautelar. Entretanto, essa natureza jurídica da ação cautelar não pode subsistir em face do provimento de maior envergadura previsto na Constituição Federal, norma hierarquicamente superior. Com efeito, a dispensa de emprega­do, portador de estabilidade provisória, sem o competente inquérito administra­tivo faz letra morta a garantia constitucional ínsita no art. 8.°, VIII, da Lei Maior e, em se tratando de dirigente sindical, impede, ainda, que o trabalhador exerça as funções para as quais foi eleito, beneficiando a empresa em detrimento de toda uma categoria profissional. O MM. Juiz daJCJ de Ponta Grossa, ao consta­tar que o empregado juntou documentação comprobatória de representação sin­dical, deferiu a liminar, adotando o entendimento de que ‘é preferível rejeitar-se uma teoria que não atende à realidade social, principalmente no caso concreto, onde a suspensão dos salários implica em possível supressão dos meios de so­brevivência e a posterior reintegração implicaria em pagamento de salário sem a prestação laborai’. Conceder, pois, a segurança impetrada pela empregado- ra, cassando a liminar e, consequentemente, anulando a reintegração efetivada, significaria premiar a empregadora, que, desrespeitando norma constitucional, foi a única causadora de toda a situação. Assim, frente à hierarquia da impera- tividade ínsita no dispositivo da Carta Magna, que foi friamente desrespeitado pela ora impetrante, deve ser mantido o empregado no exercício pleno de suas funções, até que a empregadora, se porventura sair vencedora do competente inquérito, possa despedir legalmente o dirigente sindicar’.134 Este julgado do TST, proferido em outubro de 1992, deixa evidenciada a deformação da tutela cautelar, e, mais do que isso, a necessidade de tal desfiguração em nome da efe­tividade da tutela dos direitos.

Com a previsão do art. 273, que generaliza a possibilidade de antecipa­ção dos efeitos executivo e mandamental, viabilizando a antecipação à mar­gem do art. 798, ninguém mais poderá pensar, por exemplo (e o exemplo é bastante significativo), que os alimentos provisionais constituem tutela do tipo cautelar.

Tratando do uso não cautelar do art. 700 (correspondente ao nosso art. 798) do Código italiano, Giovanni Verde não vacilou em afirmar que seria sinal de escassa honestidade intelectual, ou, ainda, de ingenuidade não escusãvel, pensar que o pagamento que satisfaz um crédito alimentar, ainda que fundado em um provi­

134. TST, RO-M S 37 .219/ 91.2 , rei, M in. Hylo Gurgel.

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 121

mento cautelar, não implique satisfação do direito de crédito, mas sirva apenas para acautelá-lo.'35

Se a tutela sumária satisfativa, diante do art. 273, dá àquele que afirma ter um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tem o direito de obter,136 ou possibilita o desencadeamento das atividades tendentes à realização do direito, não é possível aceitar a afirmação de Calamandrei no sentido de que a tutela an­tecipatória constitui apenas um meio para a atuação do direito, ou, ainda, a tese de que esta tutela visa a assegurar o resultado útil do processo, já que o único resultado útil que o autor espera do processo é obtido exatamente no momento em que é efetivada a tutela.13'

135. “Lattuazione delia tutela d’urgenza”, La tu tela d ’urgenza, p. 92 .136. Atendendo, portanto, à ju sta exigência de Chiovenda.137 . Náo h á m ais razão para se susten tar que a satisfação de um direito, com base em co g n i­

ção sum ária, configura apenas tutela cautelar, exatam ente pelo fato de que todos sabem , na atualidade, que a satisfação de um direito m ediante cognição sum ária, quando n e ­cessária, é indispensável para a sua efetiva tutela, e esta tutela, com o é evidente, não pode significar um a sim ples segurança para a obtenção do resultado ú til objetivado pela parte. P or tal razão, não é possível concord ar com A ntônio Cláudio da Costa M achado (Tutela an tec ip ad a), Jo sé Roberto dos Santos Bedaque (T utela ca u te la r e tutela a n tec ip a ­da: tu te las su m ária s e d e u rg ên cia ) e M arcelo Lim a G u erra (F.studos so b re o p ro ces so cautelar, p. 9 8 ) , que sustentam a natureza cau telar da tutela antecip atória , supondo que a satisfação de um direito com base em cognição sum ária não im porta, sendo relevantes apenas as clássicas ideias de que som ente a sen ten ça e não a decisão que con ced e a tutela antecipatória é capaz de com por a lide (C arn elu tti) ou pode significar atuação con creta do direito (C h iovend a). O ra, n inguém nega que, nos term os das teorias de C arnelu tti e C hiovenda, a decisão fundada em cognição sum ária não pode com p or a lide ou atuar o d ireito, m as som ente pode con trib u ir para a com posição da lide (C ar­nelutti fala em com posição p ro v isó r ia da lid e) ou para a atuação con creta do direito. Porém , deixando-se tais teorias e os critérios que as caracterizam e voltando-se para a teoria da tutela dos d ireitos, resto claro qu e a d ec is ã o v isu a liz a d a na p ersp ec tiv a p rocessu al da p rov iso i ied ad e p o d e s e r v ista a trav és do ân gu lo d a tu tela do direito m ater ia l, qu an do se tom a ev iden te a d istin ção entre tu te la ca u te la r e tu tela an tec ip a tór ia . A m aioria dos dou- trinadores brasileiros já detectou tal fenôm eno. Flávio Luiz de O liveira: "A tutela su ­mária satisfativa visa, ainda que fundada em ju íz o de probabilidade, à realização do d ireito” (A an tec ip a ção d a tu te lad os a lim en tos p ro v isó r io s ep ro v is ío n a is cum u lados à a ç ã o d e in v es tig a çã o d e p a te rn id a d e , p. 2 0 ) . R ogério Aguiar M unhoz Soares: “Q uando se afirm a que a antecipação de tutela tem natureza satisfativa, tem-se em mira o atingi- m ento antecipado da fru ição de algo que só em m om ento p osterior seria alcançado, de m odo que os atos satisfativos praticados antecip ad am en te não se repetem um a vez confirm ada a decisão antecip atória por sen tença. Torna-se, por isso, sem sentido deter- se no aspecto da provisoriedade da decisão que concede o pedido, um a vez que é defi­nitiva a fru ição do bem postulado, em bora provisória a decisão que a concede. Se o deferim ento da execu ção p rovisória da tu te la antecipad a tem por base alegação de 'periculum in m ora1 C rectiu s: ‘dam num irrep arab ile ’) , isto não a con vola em tutela cau te lar” (T utela ju r isd ic io n a l d ife ren c iad a , p. 1 8 1 -1 8 2 ) . Teori A lbino Zavascki: “Há

122 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

casos em que, em bora nem a certificação nem a execu ção estejam em perigo, a satisía- ção do d ireito é, todavia, urgente, dado que a dem ora na fru ição con stitu i, por si, ele­m ento desencadeante de dano grave. Essa últim a é a situação de urgência legitim adora da m edida a n te c ip a tó r ia ” (A n tec ip açã o d a tu te la , p. 4 8 ) . Jo e l D ias F igu eira jú n io r : “A cautelar um a determ inada situação fática ou ju ríd ica concreta significa protegê-la, preveni-ia , resguardã-Ia, defendê-la; log icam en te , m edida cautelar é medida que acau- tela, e não que antecipa. D iversam ente, se a m edida antecipa os efeitos m ateriais da sentença de m érito (d efin itiva), ela a está executand o ( .. .) ; se executa, não acautela, mas satisfaz a pretensão do interessado” (L im in ares nas a ç õ e s p o sse ssó r ia s , p. 1 5 8 -1 5 9 ). Araken de Assis: “Im pende estabelecer, precisam ente, se o ato do ju iz entregou o bem a um dos litigantes ou apenas preveniu a sua entrega, colocand o-o a salvo de am bos, a exem plo do que ocorre no arresto e no seqüestro: no prim eiro caso, há satisfação do d ireito m aterial, ainda que reversível; no segundo, há sim ples ca u te la ” (D outrina e p rá tica do p rocesso civil con tem p orân eo , p. 4 3 8 ) . N elson N erv Ju n io r e Rosa M aria de Andrade Nery: tutela antecipatória “é tutela satisfativa no plano dos fatos, já que reali­za o d ireito , dando ao requerente o bem da vida por ele pretendido com a ação de co ­n h ecim en to ” (Código de Processo Civil comentado c leg is la çã o p rocessu a l civil ex trav a ­g an te em vigor, p. 7 3 0 ). Luiz O rione N eto: “Para obviar esse fenôm eno das m edidas cautelares satisfativas e adaptar o processo civil às exigências da nossa civilização in ­dustrializada e de m assa, com autêntica m u ltip licação de situações de urgência, o le ­gislador ordinário decidiu arrostá-lo sem rodeios. E o fez através das regras estabeleci­das no art. 2 7 3 do C.PC, Efetivam ente, esse preceito legal veio estabelecer um divisor de águas, alterando substancialm ente esse fenôm eno. De ora em diante, as ações cau ­telares quer nom inadas, quer inom inadas se destinarão exclusivam ente a salvaguardar o resultado útil e eficaz do processo principal, m antendo sua natureza conservativa e assecuratória de d ireitos; já as p retensões de natureza satisfativa de d ireito m aterial som ente poderão ser deduzi das na própria ação de con hecim en to , através da técn ica an tecip atória” (L im in ares no p ro cesso civil, p. 110). Carlos Augusto de Assis: “D e fato, com o deixam os transparecer nos parágrafos acim a, som os da opinião de que a ativida­de cautelar não se coaduna com a satisfação . Q uem acautela assegura, não satisfaz. Ainda que, para efeitos de raciocín io , se adm ita, com o entendem certos autores, a p os­sibilidade de um provim ento acan td ató rio acabar por se revelar satisfativo (o que, se­gundo nos parece, desnaturaria a atividade cau telar), estaríam os. no m ínim o, diante de um a atividade cau te lar a típ ica ” (A a n te c ip a ç ã o d a tu tela , p. 1 2 9 -1 3 0 ) . Adroaldo Furtado Fabrício : “Ao passo que a função cautelar se exaure na asseguração do resu l­tado p rá tico de outro pedido, sem so lu cio n a r sequ er p rov isoriam en te as q u estões pertinentes ao m érito deste, a antecipação de tutela supõe necessária um a tal solução, no sentido de tom ada de posição do j uiz, ainda que sem com prom isso definitivo, rela­tivam ente à p ostulaçâo do autor no que se costum a d enom inar ‘processo p rincip al’ (no caso o ú n ico e x iste n te ). Em sede cautelar certam ente se faz algum exam e dessa p reten­são, m as com o fito ún ico de apurar se ela é plausível (presença do fum us bon i iu ris) e se a dem ora inerente à atividade estatal pode põr em risco o seu resultado prático (pe­riculum in m ora). Não assim na hipótese de antecipação da tutela: aí, o sopeso da p ro­babilidade de sucesso da p ostulaçâo ‘p rincip al’ (e ú n ica) se faz para outorgar desde logo ao postulante o bem a vida, que, a não ser assim , só lhe poderia ser atribuído pela sen­tença final" ( “Breves notas sobre os provim entos antecipatórios, cautelares e lim inares”,

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 123

Há quem diga, nos dias de hoje, que a tutela antecipatória assegura o resul­

tado útil do processo e, por esta razão, caracteriza-se pela “instrumentalidade”.138

Ajuris 66/ 16-17). A thos Gusm ão C arneiro: “Um a coisa é proteger, m ediante processo autônom o, a eficácia da sen tença a ser proferida em outro processo, dito ‘principal’. Coisa substancialm ente diversa é realizar desde logo, em bora provisoriam ente, a pre­tensão contida no processo ‘p rincip al” (D a antecipação d a tu te la no p ro ces so civil, p. 6 -7 ). K azuo W atanabe: “A tutela antecipatória é satisfativa, parcial ou totalm ente, da própria tutela postulada na ação de con hecim en to . A satisfação se dá através do adiantam ento dos efeitos, no todo ou em parte, do provim ento p ostulado, j á na tutela cautelar, segun­do a doutrina dom inante, há apenas a con cessão de m edidas colaterais que, diante da situação objetiva de perigo, procuram preservar as provas ou assegurar a frutuosidade do provim ento da ‘ação princip al’. Não é dotada, assim , de caráter satisfativo, a m enos que se aceite, com o fazem os, a existên cia de direito substancial de cautela, que é satis­fativo pelo provim ento concessivo da tutela cautelar" ( “Tutela antecipatória e tutela esp ecífica das obrigações de fazer e não fazer”, R eform a do C ódigo d e P rocesso Civil, p. 3 8 ). No m esm o sentido: O vídio Baptista da Silva (C u rso d e p rocesso c iv il, v. 3 ),D o n a ld o A rm elin ( “A tutela ju risd ic io n a l cau telar” , R evista d a P ro cu ra d o ría -G era l do E stad o de São P au lo 2 3 ) e Luiz Fux (Tutela d a seg u ran ça e tu tela da ev id ên c ia ). Os tribunais tam bém já m ostraram a d istinção entre a tutela antecipatória e a tutela cautelar. O T JP R assim já decidiu: “O processo cautelar não se presta para a antecipação da eficácia do provi­m ento ju risd ic io n a l que será o b je to da futura ação p rincip al, vale dizer, o processo cautela r é inadequado para a antecipação da tu tela” ( l . a C. Cível, A.p. Cível 4 4 .1 0 6 -5 (1 2 .2 7 3 ) , rei. Des. P acheco R ocha), N esta m esm a lin ha, e apenas para exem plificar: TJDF, 3 .a C. Cível, Al 5 5 6 .4 9 5 , rei. Des. M ário M achado, D jU 2 8 .2 .9 6 , p. 2 .3 5 3 . Ou s e ja , os tribunais e q u ase a to ta lid a d e d a d ou trin a en ten dem qu e h á in d isfarçáv el d istin ção entre tutela a n tec ip a tó r ia e tu te la cautelar.

138. Carlos Alberto de Oliveira ( “Perfil dogm ático da tutela de urgência”, Revista de D ireito P rocessual Civil 5/324-342) e Jo sé Roberto dos Santos Bedaque (Tutela cau telar e tutela an tecipada: tutelas su m á r ia sed e urgência) entendem que a tutela antecipatória é caracteri­zada pela instrum entalidade. Cabe recordar, porém , que a tutela cautelar transform ou-se em tutela antecipatória ju stam ente pela razão de que perdeu o seu caráter instrum ental. Se uma lim inar concede alim entos ao autor, a pretensão de obter alim entos está realizada, e portanto não pode ser definida com o instrum ental. Com o frisa a m elhor dou trina italiana contem porânea (Edoardo Ricci, “A tutela antecipatória brasileira vista por um italiano”, R evista d e D ireito P rocessual Civil 6/708), se a tutela concedida antecipadam ente identi­ficasse com a tutela que pode ser concedida ao final, nâo pode haver instrum entalidade. Parte da doutrina italiana, em que se baseia a doutrina brasileira divergente, atirma que a tutela antecipatória deve ser considerada com o cautelar apenas p ara v iab iliz a r a u tiliz a çã o d a tutela an tecipatória n ap râ tica joren se . Q uando se diz, na Itália, que a tutela antecipatória deve ser com preendida com o cautelar, isto é feito apenas para que seja possívela conclusão de que os operadores do direito podem solicitar tutela antecipatória com base na norm a legal que consagra a tutela cauLelar inom inada (o art. 7 0 0 do CPC italiano), É que na Itália, ao contrário do que ocorre no Brasil, não há previsão legal de tutela antecipatória. A prática forense italiana distorceu o uso da tutela cautelar inom inada (com o aconteceu no Brasil) para adm itir que o referido art. 7 0 0 fosse utilizado com o fundam ento da tutela antecipatória. C o m o essa úitim a espécie de tutela é fundam ental para a efetividade do

124 ANTECIPAÇÃO DA TUT ELA

Entretanto, como já foi demonstrado, a tutela cautelar, que não foi feita para dar tutela ao direito material que pode ser postulado por meio da “ação de co­nhecimento”, foi objeto de grande expansão. A ação cautelar inominada, por necessidades emergentes da prática forense, passou a ser utilizada de forma dis­torcida, tendo sido manipulada como técnica de sumarização do processo de conhecimento.

Melhor explicando: razões advindas da vida em sociedade fizeram com que os operadores do direito passassem a reivindicar os seus direitos por meio da ação cautelar inominada. Como é óbvio, buscava-se, em tais casos, um bem da vida, ou um resultado útil, e não somente segurança do resultado útil do processo, justamente por esta razão é que a doutrina passou a falar na perda do caráter instrumental da tutela sumária rotulada de “cautelar”. Ora, não é preciso grande esforço para demonstrar que, por exemplo, a tutela antecipada de um direito de crédito confere o único resultado útil que o autor poderia pensar em obter mediante o uso da ação ressarcitória de conhecimento. Tal tutela, portan­to, está muito longe de ser meramente um instrumento do instrumento em que pode ser buscado o resultado útil.

Na verdade, quem supõe que a tutela antecipatória assegura o resultado útil do processo somente pode estar pensando na tutela urgente que não confere ao autor a integral satisfação do direito material, isto é, em uma tutela que não se confunde, com a que antecipa soma em dinheiro, por exemplo. Em outros termos, aquele que pensa a tutela antecipatória como mero instrumento do ins­trumento não pode admitir a execução completa da tutela antecipatória de soma

processo -q u e , segundo a própria doutrina italiana (por exem plo, Luigi Paolo Com oglio, La g a ra n z ia costitu z ion ale delY azione ed il p rocesso civ ile), tem fundam ento no art. 24 da C onstituição da República os doutrínadores italianos (com o Proto Pisani, Lezioni di di- ritlo processuale. civ ile) passaram a sustentar a natureza cautelar da tutela antecipatória. Ou seja, a lutela an tec ip a tór ia em f a c e do p er ig o de dano irreparável passou a ser adm itida no d ireito ita lian o em ra z ã o das pressões socia is p o r tutela ju risd ic ion a l a d eq u ad a e m edian te um a in terpretação d a p a la v ra “a ss icu rare”, presen te no art. 700, £} luz do m encionado art. 2 4 da C onstitu ição italian a. Tanto é verdade que um recente projeto, e la bo ra d o p e la “C om issão T arzia”, tem p o r f im corrigir o referido art. 700, co locan d o a p a la v ra “a n tec ip a r” a o lado da expressão “asseg u ra r”, c o m o intuito d e esc larecer que atualm ente, em v ista d asn o v as ex igên ­cias d a so c ied ad e con tem porânea , n ão há com o n egar a p oss ib ilid ad e do uso da tutela anteci- p a ió r ia , que antes era p restad a sob o m anto protetor da tutela cautelar. Vários doutrínadores brasileiros entendem que a instrum entalidade não é característica da tutela antecipatória. Assim, por exem plo, Jo ão Batista Lopes: “O prim eiro ponto a ser enfatizado é a distinção entre tutela antecipada e tutela cautelar; a prim eira tem caráter satisfativo e a segunda é provisória e instrum ental” ( “Tutela antecipada e o art. 273 do CPC, A spectos p o lêm icos d a a n tec ip ação da tutela, p. 2 0 6 ). Arruda Alvim, aliás, ao distinguir tutela antecipatória de tutela cautelar, afirma perem ptoriam ente que “as rnedidas cautelares são marcadas pela ideia-funçâo de serem instrum entos do processo principal” ( “Tutela antecipatória”, R eform a d o C ódigo de P rocesso C ivil, p. 1 0 5 -1 0 6 ).

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 125

era dinheiro. Como escreve Edoardo Ricci, um dos maiores especialistas em tutelas de cognição sumária na Itália, “só pode ser instrumental em relação à tutela de mérito uma tutela que não coincida com esta”.

Segundo Ricci, “se definirmos 'tutela de mérito’ a tutela completa do di­reito subjetivo, que pode ser obtida seja através da sentença, seja mediante a sua execução, a antítese entre a tutela instrumental (e portanto cautelar) e a tutela antecipatória corre o risco de ser concretamente atenuada todas as vezes em que o conteúdo da tutela antecipatória for muito tímido e prudente. E, sob esse aspecto, a análise provavelmente merece ser fixada mais no problema da con­creta atuação e satisfação do direito do que naquele referente à sua declaração. Se em sede de atuação do direito decorrente do provimento antecipatória se devesse parar antes da satisfação efetiva, seria quase inevitável que os escopos dos efeitos do provimento antecipado parecessem, na verdade, meramente instrumentais em re­lação a uma futura satisfação; e aqui deve ser lembrado o que foi observado em um precedente parágrafo, quando se disse que a penhora sem possibilidade de alienação corre o risco de ser equiparada a uma espécie de arresto” .

Como demonstra Ricci, “a conveniência de atribuir ao provimento anteci- patório (e, ao mesmo tempo, à sentença de primeiro grau) imediata aptidão par provocar a efetiva e completa satisfação do direito tutelado tem, portanto, tam­bém um preciso significado teórico: a atuação é necessária para que, sob o prisma do conteúdo, a tutela antecipatória se destaque da tutela meramente instrumental (e portanto cautelar)”.1™

Acontece que parcela da doutrina brasileira, ainda que de forma minoritá­ria, ao mesmo tempo em que atribui caráter instrumental à tutela antecipatória, admite expressamente a atuação da tutela antecipatória de soma em dinheiro.140

3.3.10 A não percepção da superação da relação entre "tutela do direito" e coisa julgada material

Nos casos em que, antes da reforma de 1994, a ação sumária desde logo dava ao autor aquilo que ele buscava, a dita “ação principal” somente era neces­sária para permitir o desenvolvimento do contraditório. Aquele que partia da perspectiva de direito material facilmente podia concluir que o direito do autor havia sido satisfeito e que, portanto, a tutela sumária era satisfativa. Aquele que tinha os olhos unicamente no procedimento ordinário, o único capaz de decla­rar a existência do direito, não tinha condições de supor que a tutela era satisfa-

139. Edoardo Ricci, "A tutela antecipatória brasileira vista por um italiano”, Revista de D ireito P rocessual Civil 6/708.

140. Jo sé Roberto dos Santos Bedaque, Tuleia cau te la r e tutela an tecipada: tutelas su m árias e de urgência, p. 341 .

126 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

tiva, já que satisfação e coisa julgada material, para aqueles que assim enxergam as coisas, andam de mãos dadas.

Quem desvia os ollios do procedimento ordinário e passa a se preocupar com a “tutela dos direitos” rompe com a relação entre satisfatividade e coisa ju l­gada material, e mesmo com a ligação entre esta última e a executividade, já que a efetividade da tutela de um direito nada tem a ver com a coisa julgada material. Não é essa que satisfaz, mas sim a tutela jurisdicional, que, para ser efetiva, em alguns casos terá de ser prestada com base em cognição sumária.

A demonstração de que a tutela do direito pode ocorrer com base em cognição sumária deixa evidenciado o equívoco daqueles que pensam que a “satisfatividade” fundada em cognição sumária não é propriamente “satisfa­tividade jurídica”, mas apenas “satisfatividade fática” (ou algo que não tem relevância jurídica). Quem raciocina desta forma confunde satisfação do di­reito material (que obviamente pode ocorrer mediante decisão fundada em cognição sumária) e satisfação processual (coisa julgada material). Mais do que isto: aquele que não dã importância à “satisfação” fundada em cognição sumária, chamando-a de mera “satisfação fática”, mostra não estar atento à preocupação mais recente da doutrina, vale dizer, à preocupação com a “tutela dos direitos”, uma vez que, na perspectiva do consumidor do serviço jurisdi­cional, o que vale é a “tutela do direito”, pouco importando que esta venha por meio de uma decisão de cognição sumária ou mediante uma decisão de cognição exauri ente e definitiva.

3.3. ? 1 Tutela antecipatória em face do periculum in mora e tutelaantecipatória interinal em face do periculum in mora. A questão da natureza da tutela que pode ser concedida no bojo do processo de conhecimento em que se pede sentença declaratória ou sentença (des)constitutiva (v. itens 2 .6 .3 .4 e 2 .6.3.5)

Após a alteração do Código de Processo Civil ocorrida no final do ano de 1994, com a inserção dos novos arts. 273 e 461, verificou-se na prática forense uma certa dificuldade em se precisar a natureza da tutela de cognição sumária contra o periculum in mora nas ações declaratória e (des)constitutiva.

Isto pela razão de que não é tão simples reconhecer a tutela antecipatória nestas ações. Nestes casos há realmente uma zona de penumbra que pode emba­ralhar os operadores do direito menos familiarizados com discussões de maior profundidade teórica.

Em vista do reconhecimento de que tais dificuldades podem ocorrer, e como não se deseja impedir o adequado aproveitamento do instrumental pro­cessual, admitiu-se, com a inserção do § 7.° no art. 273 do CPC, que, se a título de tutela antecipatória for requerida providência de natureza cautelar, poderá o

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 127

juiz, presentes os respectivos pressupostos, deferir a tutela cautelar era caráter incidental no processo instaurado.

Trata-se do reconhecimento da dificuldade de se precisar a natureza da tutela antecipatória nas ações declaratória e constitutiva.

A tutela interinal, em princípio, não deve se importar com o “perigo de dano”. Assim, por exemplo, a guarda provisória dos filhos d.o casal, a qual, apesar de configurar tutela interinal, não requer a demonstração de “perigo de dano”, destinando-se apenas a disciplinar os interesses dos pais durante a trami­tação do processo que lhes diz respeito.

Contudo, a tutela interinal também pode tutelar contra o periculum ín mora, sem que possa ser dita antecipatória stricto sensu ou cautelar stricto sensu. Em outros termos: se a regulamentação do direito de visitas não exige, em principio, a alegação de “perigo de dano”, ela não se transformará em tutela cautelar apenas por estar sendo requeri da com base em “fundado receio de dano”.

Desde a 1. a edição deste livro sustentamos que a tutela interinal, mesmo que fundada em periculum in mora, constitui tutela anteapatoria. Isto por razões muito simples (além daquelas sustentadas nos itens 2 .63 .4 e 2.6.3.5 deste livro): i.) a tutela interinal contra o periculum in mora situa-se em uma zona de penumbra, na qual se confundem a tutela antecipatória e a tutela cautelar; ii) o principio constitu­cional da efetividade, insculpido no art. 5 .°, XXXV, da Constituição Federal, incide sobre a estrutura técnica do processo, obrigando a doutrina e os operadores do Direito a interpretarem as normas processuais (“v.g.”, art. 273) à sua luz; iii) não seria correto, nesta perspectiva, sustentar que o art. 273 apenas viabiliza a tutela de urgência em face das sentenças condenatória, executiva e mandamental, e não das sentenças declaratória e constitutiva; iv) a tutela interinal contra o periculum in mora, caso fosse conceituada como cautelar, não poderia ser deferida, com base no art. 273, no bojo do processo de conhecimento, mas teria que ser requerida por meio de “ação cautelar inominada”, o que exigiria dois procedimentos (ao invés de um), arranhando-se o ideal de efetividade.

Porém, em vista da dificuldade teórica antes referida, e do novo § 7.° do art. 273, agora não há mais dúvida de que a tutela interinal fundada em peri­culum in mora pode ser requerida no bojo do processo de conhecimento, uma vez que se não for reconhecida como antecipatória (como é o correto) deve ser analisada como cautelar e, se for o caso, deferida incidentalmente no processo já instaurado.

Melhor explicando: a tutela de urgência é gênero, do qual são espécies a tutela antecipatória em face do periculum in mora e a tutela cautelar. A tutela an­tecipatória em face do periculum in mora abre-se em tutela antecipatória stricto sensu e tutela antecipatória interinal.

128 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

A tutela cautelar não é gênero, do qual são espécies a tutela antecipatória em face do periculum in mora e a tutela cautelar stricto sensu. Ora, é evidente que a tutela antecipatória não é mera espécie, da tutela cautelar, uma vez que desta difere radicalmente (conforme demonstrado; v. supra, itens 3.3.7, 3.3.8, 3.3.9 e 3.3.10). Estas tutelas c que constituem espécies do gênero “tutela de urgência”.1*1

Perceba-se, aliás, que o art. 273 não afirma a tutela cautelar como gênero, mas sim a tutela antecipatória. Como a tutela antecipatória pode configurar ante­cipação stricto sensu da tutela perseguida no processo de conhecimento ou somente antecipar tutela que suponha a declaração, a constituição ou a desconstituição, é a tutela antecipatória que apresenta duas espécies: tutela antecipatória stricto sensu e tutela antecipatória interina!, que pode ser confundida, ã primeira vista, com a “cautelar”.

Justamente pela razão de que se aceita esta confusão como razoável, ad- mite-se, em face do novo § 7.° do art. 273 do CPC, a concessão de tutela cau­telar quando requerida antecipatória. Porém, como entendemos, desde 1991, quando defendemos dissertação de mestrado na PUC/SP (Tutela cautelar e tutela antecipatória, São Paulo, RT, 1992), que a tutela cautelar pode ser pleiteada no processo de conhecimento (v, para ura maior aprofundamento, item 3.3.13), parece, em virtude das mesmas razões antes apontadas, que é plenamente possí­vel o deferimento de tutela antecipatória no caso em que houver sido postulada tutela cautelar.

Note-se, entretanto, que o novo § 7.° do art. 273 do CPC trata somente áa JungíbíHdade entre as tutelas antecipatória e cautelar, e não da possibilidade de se requerer qualquer tipo de tutela cautelar no processo de conhecimento. Melhor explicando: tal parágrafo não disse que, a partir de agora, toda e qualquer espécie de tutela cautelar pode ser admitida como antecipatória. Este parágrafo alude a uma ideia de fungibilidcide, e essa, como é lógico, requer duas espécies de providências que, em razão de sua natureza, possam ser confundidas (em uma pers­pectiva racional).

Isto é o bastante para fazer entender que o legislador, ao utilizar a ex­pressão “cautelar” no § 7 ° do art. 273 do CPC, teve apenas o intuito de evitar maiores dúvidas quanto ao cabimento da tutela urgente (de natureza nebulosa) no bojo do processo de conhecimento.

141. Antes da introdução do novo art. 273 no Código de Processo Civil escrevem os vários en­saios sobre a tutela antecipatória e a tutela cautelar e os agrupam os em livro que recebeu o título de E f etiv idade do p rocesso e lutela de urgência (1 9 9 4 ). Este título dem onstra que sempre entendem os que a tutela d e urgência é o gênero, do qu al são espécies a tutela an te­c ip a tó r ia e a tutela cautelar.

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 129

3.3.12 O problema da natureza da tutela que pode ser concedida no bojo do processo de conhecimento em que o ju iz não está vinculado ao princípio da congruência entre o pedido e a sentença, v.g., artigo 461 do Código de Processo Civil (v. item 2.6.5)

Como já foi explicado, o juiz está, em alguns casos (v.g., arts. 461 do CPC e 84 do CDC, caput e §§ 4.° e 5.° ), dispensado de observar a regra da congruência entre o postulado e o concedido.

Nestas hipóteses o magistrado pode deferir tutela antecipada diversa da tutela final postulada pelo autor, desde que isto esteja em consonância com as noções de meio idôneo e de menor restrição possível (v. item 2.6.5).

Assim, por exemplo, se o autor requer, como tutela final, que o juiz or­dene sob pena de multa a cessação das atividades da empresa-ré - que estariam causando danos ao meio ambiente é possível que o juiz ordene que seja ins­talado equipamento capaz de neutralizar a poluição (por ser este o meio que, além de idôneo, causa a menor restrição possível). Se isto é possível em face da tutela final, é evidente que, neste caso, o juiz poderia, tratando de eventual postulação de tutela antecipatória, deixar de atender a requerimento de cessação das atividades da ré para determinar a instalação de determinado equipamento.

Ademais, o autor pode requerer, como tutela antecipatória, providência diversa da solicitada como tutela final, mas que também seja capaz de garantir a sa­tisfação do seu direito, ou, em outros termos, que também seja idônea para permitir a antecipação do bem da vida almejado.

Neste último caso, embora a providência solicitada como tutela ante­cipatória não seja idêntica àquela postulada como tutela final, não é certo dizer que a providencia que pode ser concedida antes de finalizado o contraditório não configure tutela antecipatóría, uma vez que a própria lei, com ojd fo i dito, permite ao juiz fugir do pedido para tutelar o direito. Ora, se o juiz pode, ao final, de­terminar providência diversa da solicitada, é lógico que ele pode determinar, como tutela antecipatória (e não cautelar), providência diferente da requerida como tutela final, desde que configure medida idônea para satisfazer o direito em questão.

Porém, como em qualquer dessas hipóteses o juiz pode, no bojo do pro­cesso de conhecimento, determinar providência diversa da solicitada como tu­tela final, poderá ser razoável a dúvida a respeito da natureza desta providência (se cautelar ou antecipatória). Assim, diante do § 7.° do art. 273 do CPC, é de aceitar a concessão de providência de natureza cautelar no bojo do processo de conhecimento em que o juiz, por força de expressa disposição legal, está dispensado de observar a regra da congruência entre o postulado e o concedido (como tutela final).

130 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Na mesma perspectiva, partindo-se da premissa de que é possível o pe­dido de tutela cautelar no próprio processo de conhecimento (v., adiante, item 3.3.13), e entendendo-se que foi requerida tutela de natureza antecipatória a título de providência cautelar, é possível que seja deferida tutela antecipatória ainda que tenha sido postulada “cautelar”.

3.3.13 O significado de fungibiiidade presente no § 7 .° do artigo 273 do Código de Processo Civil

O § 7.° do art. 273 adota o chamado “princípio da fungibiiidade”, muito ligado à questão dos recursos.

Este parágrafo, ao aceitar a possibilidade de confusão entre as tutelas cau­tela r e antecipatória, frisa a diferença entre ambas. Isto por uma razão de lógica básica: somente coisas distintas podem ser confundidas.

Em uma interpretação literal pode ser dito que o § 7.° do art. 273 pre­tende somente viabilizar a concessão, no bojo do processo de conhecimento, da tutela cautelar que foi chamada de antecipatória. Se a tutela foi. batizada de “antecipatória”, mas a sua substância é “cautelar”, ela pode ser deferida no bojo do processo de conhecimento, desde que haja dúvida fundada e razoável quanto à sua natureza.

Entretanto, aceitando-se a possibilidade de requerimento de tutela caute­lar no processo de conhecimento, é correto admitir a concessão de tutela de na­tureza antecipatória ainda que ela tenha sido postulada com o nome de cautelar. Neste caso, não existindo erro grosseiro do requerente, ou, em outras palavras, havendo dúvida fundada e razoável quanto à natureza da tutela, aplica-se a ideia de fungibiiidade, uma vez que o seu objetivo é o de evitar maiores dúvidas quanto ao cabimento da tutela urgente (evidentemente de natureza nebulosa) no processo de conhecimento.

O § 7.° do art. 27.3 não supõe a identidade entre tutela cautelar e tutela an­tecipatória ou trata da possibilidade de toda e qualquer tutela cautelar poder ser requerida no processo de conhecimento. Tal norma, partindo do pressuposto de que, em alguns casos, pode haver confusão entre as tutelas cautelar e antecipa­tória, deseja apenas ressalvar a possibilidade de se conceder tutela urgente no processo de conhecimento nos casos em que houver dúvida fundada e razoável quanto à sua natureza (cautelar ou antecipatória).

De qualquer forma, como o raciocínio acima empregado, ao concluir pela admissão da concessão de tutela de natureza antecipatória ainda que tenha sido solicitada “cautelar”, partiu da premissa de que é possível requerer tutela caute­lar no processo de conhecimento, cabe uma explicação.

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 131

Em 1991, quando defendemos dissertação de mestrado que foi intitulada de Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória,142 já concluímos que a tutela cautelar poderia ser requerida no processo de conhecimento. Nesta ocasião, fizemos a distinção entre medida cautelar e processo cautelar, demonstrando que a incoa- ção do processo cautelar somente seria necessária quando aquele que buscasse a tutela precisasse melhor elucidar os fatos, necessitando produzir prova.

Em outros termos: existindo fato incontroverso ou fato demonstrado por meio de documento, a tutela cautelar pode ser requerida no próprio processo de conhecimento. Havendo necessidade de os fundamentos da tutela cautelar serem demonstrados através de instrução mais aprofundada, há que ser propos­ta ação cautelar e instaurado o respectivo processo, onde será levada a efeito a prova destinada a demonstrar os seus requisitos típicos.

Contudo, o fato de ser possível pedir tutela cautelar no processo de co­nhecimento nada tem a ver com a possibilidade de concessão de tutela anteci­patória ainda que tenha sido solicitada cautelar, ou com a ideia de fungibilidade, presente no § 7.° do art. 273). A concessão de tutela antecipatória no caso em que houver sido pedida cautelar somente é possível em hipóteses excepcionais, ou seja, quando for razoável e fundada a dúvida em relação à correta identificação da tutela urgente.

3.4 O direito à tutela antecipatória

3.4.1 A tutela antecipatóría como corolário do direito à adequada tutela jurisdicional

É certo que o “tempo” despendido para a cognição da lide, através da investigação probatória, é reflexo da existência do Estado e da necessidade que ele se impôs de, antes de tutelar os conflitos, averiguar a existência dos direitos afirmados em juízo. Mas é reflexo da existência do Estado porque foi este que vedou a autotutela privada, não deixando outra saída ao jurisdicionado a não ser levar o seu direito ao seu conhecimento.

O Estado, ao estabelecer tal proibição, obviamente adquiriu a obrigação de tutelar de forma efetiva toda e qualquer espécie de situação conflitiva concre­ta. Isso, aliás, não escapou à percepção aguda de Barbosa Moreira, que adverte que se o Estado proibiu a justiça de mão própria, assumiu para com todos e cada um de nós o grave compromisso de tornar realidade a disciplina das re­

142. Trata-se de dissertação de m estrado defendida na PUC/SP e aprovada com nota dez por banca com posta pelos Professores Donaldo A rm eiin, Cândido Rangel Dinam arco e Jo ão Batista Lopes. A dissertação foi publicada em 1992 pela Editora RT com o título Tutela cau telar c tutela antecipatória .

132 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

lações intersubjetivas prevista nas normas por ele mesmo editadas, pelo que o processo avizinha-se do optimum na proporção em que tende a fazer coincidir a situação concreta com a situação abstrata prevista na regra jurídica material; e afasta-se progressiva e. perigosamente desse ideal na medida em que o resultado na verdade obtido difere daquele que se obteria caso os preceitos legais fossem observados de modo espontâneo e perfeito pelos membros da comunidade.143

Se o Estado proibiu a autotutela privada é correto alirmar que ele está obrigado a prestar a tutela jurisdicional adequada a cada conflito de. interesses. Nessa perspectiva, então, deve surgir a resposta intuitiva de que a inexistência de tutela adequada a determinada situação conflitiva significa a própria negação da tutela a que o Estado se obrigou no momento em que chamou a si o mono­pólio da j urisdição, já que o processo nada mais é do que a contrapartida que o Estado oferece aos cidadãos diante, da proibição da autotutela.

Uma vez que o Estado é obrigado a prestar a devida tutela jurisdicional, entendida esta como a tutela apta a tornar efetivo o direito material, todos têm direito à adequada tutela jurisdicional. O jurisdicionado não tem apenas direi­to à resposta jurisdicional, mas sim direito à tutela jurisdicional efetiva.H4 O procedimento ordinário clássico, marcado pela sua neutralidade em relação ao direito material, não constitui resposta adequada às várias situações concretas. O Estado, para cumprir a sua obrigação de prestar a devida tutela jurisdicional, deve outorgar ao cidadão o poder de utilizar a técnica processual adequada ao caso concreto. As diferentes situações de direito substancial exigem instrumen­tos processuais diferenciados ou que. se diferenciem no caso concreto, como os diversos meios executivos e a técnica antecipatória.

Se uma situação de direito material requer tutela urgente (não cautelar) de cognição sumária, não é possível que o Estado se negue a prestar a devida tutela jurisdicional, ou seja, a tutela antecipatória fundada nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor, Tal es­pécie de tutela que, como é sabido, pode ser concedida no curso do processo de conhecimento permite que o direito material seja tratado de forma diferenciada, segundo as suas necessidades.

A previsão do art. 273, II, por outro lado, tem por fim distribuir o ônus do tempo do processo. Ainda que o autor nâo receie dano, é certo que aquele que procura a justiça não deve esperar mais do que o necessário para a realiza­ção do seu direito. Como o autor, em geral, procura uma modificação da reali­dade empírica, é natural que o réu, em muitos casos, sinta-se tentado a protelar

143. jo s é Carlos Barbosa M oreira, “Tutela sancionatória e tutela preventiva", p. 21.144. V. Delosm ar M end onçajúnior, P rincípios d a a m p la d e fesa e da efetiv idade na p rocesso civil

brasileiro.

145. V. Ferrucio Tom m aseo, Appunti di dirito processuale, p. 19.

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA

o resultado do processo, pois o seu interesse, em regra, é o de manter o ,s£a£us quo.IVj O réu, não raras vezes, abusa do seu direito de defesa, abuso este que é mais perverso quando o autor depende economicamente do bem da vida per­seguido.147 Para que o réu não se beneficie do te.rn.po de demora do processo, a reforma de 1994 instituiu o art. 273, II, que dispõe que a tutela pode ser ante­cipada quando ficar “caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu”. A caracterização do abuso de direito de defesa, no direito brasileiro, deve ser feita a partir da evidência do direito do autor e da fragilidade da resistência do réu. O processo, para ser justo, deve tratar de forma diferenciada os direitos evidentes, não permitindo que o autor espere mais do que o necessário para a realização do seu direito.

3.4.2 A tutela antecipatória é garantida p e lo princípio da inafastabilidade

O princípio da inafastabilidade, ou da proteção judiciária,H8 previsto no art. 5,°, XXXV, da Constituição da República, consagra, em nível constitucional, o direito à adequada tutela jurisdicional.

Como escreve Kazuo Watanabe, do principio da inafastabilidade têm sido extraídas as garantias do direito de ação e do processo, o princípio do juiz natu­ral e todos os respectivos corolários.149 De acordo com o ilustre processualista, tem-se entendido que o texto constitucional, em sua essência, assegura “uma tutela qualificada contra qualquer forma de denegação da justiça”, abrangente tanto das situações processuais como das substanciais, sendo que essa conclu­são fundamental tem servido de apoio à concepção de um sistema processual que efetivamente tutele todos os direitos, seja pelo esforço interpretativo que procure suprir as eventuais imperfeições, seja pela atribuição a certos institutos

146. V ítalo A ndolina, "C ogn izione” ed "esecuztone forzata" nel sistem a d e lia tutela g iurisd i- Zionale, p. 24 e ss.

147. Com o é evidente, não tem os preferência por qualquer das partes do processo, mas apenas a intenção de tom á-lo mais ju sto . Q ualquer pessoa sabe que aquele que busca o Poder Jud iciário é prejudicado na medida em que dura o processo, o que certam ente beneficia o réu que não tem razão nos casos em que o bem reivindicado está nas suas mãos.

148. A respeito do principio da inafastabilidade, v. Pontes de Miranda (C om entários à C onstitui­çã o de J 967, t. 5, p. 9 6 -1 0 7 ) ; Carlos M axim iliano (C om en tários à C onstitu ição b ra s ile ir a , v. 3 , p. 1 8 6 -1 8 9 ); Jo sé Afonso da Silva (Curso de d ireito constitucional positivo, p. 4 1 0 e ss.); Jo sé Frederico M arques (A re form a do P oder Ju d ic iár io , v. 1, p. 4 1 0 e ss.); Ada Pellegrini Grinover (As garan tias constitucionais do d ireito de a ção , p. 131-13 7 e 15 3 -1 5 8 , e Os p rin ­cíp ios constitucionais e o C ódigo de P rocesso Civil, p. 1 5 -1 9 ); Kazuo W atanabe (C ontrole ju risd ic ion a l e m an dado de segu ran ça con tra atos judiciais, p. 28 -38).

] 49. Kazuo W atanabe, D a cog n ição no p rocesso civil, p. 21.

234 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

processuais, como o mandado de segurança, da notável função de cobrir as fa­lhas existentes.130

O princípio da inafastabilidade, por estar indissoluvelmente ligado ao due process o f law, expressa não só o direito de ação, a menos que se entenda por direito de ação o direito ao devido processo legal. Como observa Ada Pellegrini Grinover, não basta afirmar a constitucionalização do direito de ação para que se assegurem ao indivíduo os meios para obter o pronunciamento do juiz sobre a razão do pedido. É necessário, antes de mais nada, que por direito de ação, direi­to ao processo, não se entenda a simples ordenação de atos, através de qualquer procedimento, mas sim o devido processo legal.151

Contudo, direito ao devido processo legai não quer dizer apenas direito ao processo que observa os vários princípios constitucionais comumente apon­tados pela doutrina (princípio do contraditório etc.) para dar corpo à cláusula do devido processo legal; direito ao devido processo legal significa, também, direito à tutela jurisdicionai adequada às necessidades do direito material.

O art. 5.°, XXXV, da Constituição da República, garante o direito funda­mental à tutela jurisdicionai efetiva, o qual obriga o Estado a instituir técnicas processuais idôneas à tutela dos direitos. O cidadão que afirma ter um direito deve ter ao seu dispor as medidas e os instrumentos necessários à realização do seu eventual direito.'32

Se o direito à adequada tutela jurisdicionai é garantido constitucional­mente, o legislador infraconstitucional é obrigado a estruturar o sistema pro­cessual de modo a permitir a efetividade da tutela dos direitos. Um sistema de tutela dos direitos que não contenha procedimento adequado à tutela de uma determinada situação de direito substancial não está estruturado de acordo com a exigência constitucional.

Se a realidade da sociedade contemporânea muitas vezes não comporta a espera do tempo despendido para a cognição exauriente da lide, em muitos casos o direito ao devido processo legal somente poderá se realizar através de uma tutela de cognição sumária. Quem tem direito à adequada tutela tem direito à tutela antecipatória, seja a tutela antecipatória fundada nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor, seja a tutela antecipatória fundada no art. 273, II, do Código de Processo Civil.

150. ldem , ibidem.151. Ada Pellegrini Grinover, Os prin c íp ios constitucionais e o C ódigo d e P rocesso C iv il , p. 18.152. “II discorso sulia tutela dei diritti im plica dunque necessariam ente la riflessione sui mezzi

di tutela che l’ordinam ento prevede nelTipotesi di violazione dei diritto. 1’argom ento delia tutela avrebbe mero valore declam atório ove esso non si confrontasse con le previsioni di diritto positivo sui m ezzi attraverso i quali i diritti sono tutelat.i" (Adolfo di M ajo, La tutela c iv ile dei d iritti, p. 4 ).

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 135

É necessário observar que o legislador mfraconstitucional, para atender ao princípio constitucional da efetividade, deve desenhar procedimentos racio­nais, ou seja, procedimentos que não permitam que o autor seja prejudicado pela demora do processo.

O cidadão, de fato, tem direito constitucional à tutela antecipatória.133 Do princípio da inafastabilidade decorre o direito ao devido processo legal, aí incluído, entre outros, o direito à adequada tutela jurisdicional, abrangendo o direito de petição, como “autêntico direito abstrato de agir'’, o direito à tutela urgente, e os direitos ao procedimento, à cognição ao provimento e aos meios executivos adequados.

A legislação mfraconstitucional, portanto, ainda que possa delimitar o direito de ação, estabelecendo condições para o seu exercício, bem como dis­ciplinar os procedimentos, não pode, sob pena de lesão ao princípio constitu­cional, impedir o direito de ação, negar o direito de postulação de uma tutela urgente, ou ainda, porque resultaria no mesmo, estabelecer procedimento, cog­nição, provimento e meios executivos inadequados a uma determinada situação conflitiva concreta.

Além disso, é de se observar que a existência efetiva de periculum in mora diz respeito ao mérito não ao direito abstrato de pedir a tutela jurisdicio­nal. O direito ã tutela urgente, portanto, nâo pode ser suprimido por norma mfraconstitucional com base na afirmação de que inexistirá periculum in mora. A aferição do periculum in mora não pode ser subtraída do Poder Judiciário e chamada ao plano da norma, sob pena de desrespeito ao direito à adequada tutela jurisdicional.

O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o “pedido de medida cautelar” na Ação Direta de ínconstitucionalxdade 223-6-DF, que teve por objeto a Medida Provisória 173/90 - que proibiu a concessão de liminares e a execução provisó­ria da sentença nas ações cautelares e nos mandados de segurança - , concluiu,

153. Donaldo Arm elin, refletindo sobre o art. 1 53 , § 4 .°, da Constituição anterior, indagou: “Haverá iugar aqui para a tutela ju risd icion al cautelar na qual não se pretende reparar a lesão, mas prevenir graves danos e as conseqüências irreparáveis destes, ou m anter o equilíbrio entre os litigantes? ” E respondeu: “A evidência deve ser dada à ‘lesão’ constante do texto constitucional uma exegese am plia tiva de modo a perm itir sejam ali albergadas outras formas de tutela ju risd icion al, que não pressupõem um a violação do direito, com o sucede com a tutela ju risd icion al declaratória ‘stricto sen su ’ ou m eram ente constitutiva. Da m esm a form a, está ali engastada a tuição à tutela ju risd icion al cautelar” ( “A tutela jurisd icional cautelar”, p. 118).

136 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

através da ótica do controle da razoabilidade das leis,154 que não deveria ser de­ferida a medida postulada.135

O Ministro Sepúlveda Pertence, relator do acórdão, afirmou “que a solu­ção estará no manejo do sistema difuso, porque nele, em cada caso concreto, nenhuma medida provisória pode subtrair ao juiz da causa um exame da cons- titucionalidade, inclusive sob o prisma da razoabilidade, das restrições impostas ao seu poder cautelar, para, se entender abusiva essa restrição, se a entender inconstitucional, conceder a liminar, deixando de dar aplicação, no caso con­creto, à medida provisória, na medida em que, em relação àquele caso, a julgue inconstitucional, porque abusiva’’.156

Ora, é óbvio que é possível o controle difuso da constitucionalida- de. Parece que o que não é viável é a apreciação da Medida Provisória nos termos utilizados pela decisão acima referida. É que nesta hipótese o juiz estará penetrando no mérito e, portanto, admitindo a tutela e a conseqüen­te inconstitucionalidade da Medida Provisória, para depois poder afirmar que admite a constitucionalidade da Medida Provisória porque inexiste, por exemplo, periculum in mora, ou porque a restrição à tutela não é desrazo- ável! Na verdade, não é possível o controle da razoabilidade da restrição sem o exame do mérito. Fica evidente, portanto, que o objeto da ação de in­constitucionalidade, ou do controle difuso da constitucionalidade, somente pode ser a possibilidade da eliminação, em abstrato, da tutela de urgência. A análise desta questão somente pode ser feita em abstrato, e não em face de diferentes casos conílitivos concretos.

O Ministro Moreira Alves afirmou que “a inovação que a atual Constitui­ção introduziu no inciso XXXV do art. 5.° (a alusão expressa à ameaça a direito: ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder judiciário lesão ou ameaça a direito’) dificilmente poderá levar à conclusão de que a lei não poderá restringir a utiliza­ção de medidas liminares porque, com isso, se estaria suprimindo parcialmente uma das espécies de processo (o processo cautelar) e, portanto, de certa manei­ra, excluindo da apreciação do Poder Judiciário a ameaça ao direito. Com efeito, para que não houvesse dúvida de que a vedação da exclusão da apreciação por parte do Poder judiciário alcançava não apenas o direito já violado (lesão de direito), mas também o direito apenas ameaçado (o que dá margem inclusi­ve a ações como as de mandado de segurança, declaratória, relativas à ameaça

L54. V. a respeito, Carlos Roberto de Siqueira Castro, O dev ido processo legai e a razoab ilid ad e das leis na nova C onstitu ição do B rasil.

155. Sobre a Medida Provisória 1 .570 , de 2 6 .3 .9 7 , que vedou a concessão de tutela antecipa­tória contra a Fazenda Pública, v. o item n. 4 .1 6 (A tutela an tec ip a tór ía contra a F azen d a Pública).

156. STF; acórdão, pedido de medida cautelar na ADIn 236-6-D F, de 5 .4 .9 0 , p. 50.

TUTELA CAU TELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 137

à posse, para aqueles que consideram esta como direito, ações essas que não pertencem ao âmbito do processo cautelar), esse inciso da atual Constituição mencionou, expressamente, a ameaça a direito. Mas, com isso, teria impedido que se restringisse o uso de medidas liminares ou de procedimentos especiais outros, desde que nâo se obstasse a que, no mínimo por ação ordinária, o Poder judiciário apreciasse lesão ou ameaça a direito, pois o que é vedado é excluir de apreciação, é eliminar, nâo admitir, privar, o que não sucede, evidentemente, se por meio ordinário se admite tal apreciação? Aliás, se desse a extensão ex­traordinária que alguns pretendem dar a esse preceito constitucional, ter-se-ia que a simples vedação de exclusão de apreciação por parte do Poder judiciário da lesão a direito já impediria qualquer restrição às medidas liminares, que não são utilizáveis, apenas, para afastar, provisoriamente, a ameaça a direito, mas, também, para, evitar, provisoriamente, a persistência à lesão a direito, como ocorre com a liminar que suspende ato administrativo acoimado de ilegal e que já produziu a lesão a direito (como o que impediu a entrega de mercadoria importada)”.157

Com o devido respeito, não se pode afirmar que é possível restringir o uso da liminar desde que a lesão ou a ameaça a direito possa vir a ser apreciada através de ação ordinária.158 É por demais evidente que determinadas situações de direito substancial somente se compatibilizam com tutelas de urgência. E as tutelas urgentes, para estes casos, são os instrumentos que concretizam o direito à adequada tutela jurisdicional. A restrição do uso da liminar, portanto, significa lesão evidente ao princípio da inafastabilidade. Do contrário, teremos que raciocinar com um dado absurdo, ou seja, com a possibilidade de se estabe­lecer (através de lei), de forma absoluta, a inexistência de necessidade de lutela urgente para determinados casos, o que significaria, ainda, subtrair da valoração do juiz, e transplantar para o domínio da norma, a própria aferição da existência do periculum in mora. Ora, se a norma preceitua que está proibida a concessão liminar, ela está, em outras palavras, afirmando que jamais existirá necessidade de tutela urgente, ou seja, está valorando aquilo que somente pode ser objeto da cognição do magistrado.

Se esta não for a conclusão correta, teremos que admitir que o cidadão pode ter direitos, mas não possuir meios para fazer valer seus direitos, o que eqüivale dizer, simplesmente, não ter direitos. Com efeito, o direito à adequada

1d7. Idem, p. 80 -81 ..158. Com o já disse Arm elin, “sem pre que existir a possibilidade de ocorrerem danos graves

ou irreparáveis para o titular de um direito, ainda que m eram ente in status asserlionis e não houver possibilidade de se incoar o processo veiculador de pretensão á prestação de tutela ju risd icional do tipo satisfativo, ou ainda sempre que o desequilíbrio entre as partes seja gritante, a tutela do tipo cautelar terá seu cabim ento e indeclinabilidade garantidos” ( “A tutela jurisd icional cautelar”, p. 116).

138 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

tutela jurisdicional é princípio imanente ao próprio Estado de Direito. Como escreve Arruda Alvim em seu magnífico Tratado de Direito Processual Civil, vin­cula-se a ação à indeclinável correspondência da prestação jurisdicional; conse­quentemente, constituem-se uma e outra ação e jurisdição em verdadeiras con­dições de funcionamento e validade de um ordenamento jurídico. Decorre disto que, a impossibilidade de acesso à Justiça eqüivale ao menos, na medida ou espaço em que isso se verifique, à ausência de ordem jurídica válida e atuante.159

No que concerne à liminar do mandado de segurança a situação fica ainda mais clara. O mandado de segurança, reconhecido como um remédio constitu­cional, se examinado através da ótica da efetividade do processo, jamais poderá ser admitido com a supressão do instrumento propício à tutela contra o peri­culum in mora, sob pena de deixar de ser um relevante remédio constitucional posto a serviço do cidadão, para tornar-se um procedimento completamente inadequado, por pressupor urgência e não dispor de instrumento destinado a realizar uma tutela imediata para as hipóteses em que a própria sentença de cognição exauriente não se apresentar como eficaz.

Se o direito que se visa a amparar através do mandamus requer proce­dimento acelerado, a possibilidade de aferição da eventual periclitação deste direito em virtude de periculum in mora não pode ser suprimida.160 Se não for assim, o direito que deve ser protegido através da via célere poderá jamais ter relevância quando reconhecido no plano da realidade da vida, ocasião em que a sentença transitada em julgado e produtora de coisa julgada material ad­quirirá o perfil de mero adorno, a compensar a insatisfação do homem com a ineficiência da justiça e a alegrar aqueles que não desejam um processo efetivo porque têm medo das mudanças sociais que ele poderá realizar. Perceba-se, aliás, que a efetividade do processo caminha na razão proporcional inversa do uso arbitrário do poder.

Retirar da via do mandado de segurança a possibilidade da execução pro­visória, outrossim, representa a transformação desta garantia constitucional. É que o mandado de segurança, por sua própria natureza, pressupõe a execução provisória da sentença como forma de fazer eficaz a prestação jurisdicional ga- rantidora do direito ameaçado ou violado por ato (ou omissão) ilegal ou abusi­vo. A execução provisória, portanto, é instrumento indispensável para a própria

159. J . M. A nuda Alvim Nelo, Tratado d e d ireito p rocessu al civil, v. l ,p . 211.160. De acordo com o art. 7.°, § 2.°, da nova Lei do M andado de Segurança (Lei 12 .016/2009),

“não serã concedida m edida lim inar que tenha por objeto a com pensação de créditos tri­butários, a entrega de m ercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aum ento ou a extensão de vantagens ou pagam ento de qualquer natureza". Ao negar a possibilidade de lim inar diante destas hipóteses, sem dar ao ju iz condições de avaliar as particularidades do caso concreto , a norm a incide em inconstitucionalidade.

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPATÓRIA 139

efetividade da garantia constitucional concretizada no mandado de segurança. A subtração da execução provisória do mandado de segurança eqüivale à cria­ção de outro procedimento especial. Procedimento, com certeza, sem a mesma efetividade. Ora, como diz Celso Antônio, o mandado de segurança possui um cunho muito específico constitucional, de realização completa ou de protelação completa de objetivos transfundidos no Estado de Direito, constituindo-se num instrumento graças ao qual se pretende dar ao cidadão, ao indivíduo, meios eficazes, meios expeditos de defesa, proporcionando uma via de rapidez e de eficiência na proteção ao direito.161

Os direitos do homem precisam ser protegidos do poder político. E o mandado de segurança constitui o instrumento constitucional hábil para am­parar estes direitos. A proteção dos direitos do homem face ao uso abusivo do poder somente se realiza através de garantias instrumentalizadas em proces­sos céleres e com expedientes destinados a tutelar contra o periculum in mora. Como já ressaltou o Conselho Superior de Magistratura Italiana, é impossível negar que um “juízo” lento, como aquele imposto à atual organização proces­sual judiciária, dá lugar a fenômenos de compressão dos direitos fundamentais do cidadão.162

O direito ao processo constitui, conforme advertiu o Ministro Celso de Mello no Julgamento antes referido, “expressão das liberdades públicas, ine- liminável por ato estatal”.163 Acentuou o ilustre Ministro, servindo-se de ensi­namento de José Frederico Marques,164 que o princípio da inafastabilidade do judicial control evidencia de modo singularmente expressivo, que o constituinte, ao adotá-lo “... reconheceu o direito ao processo (e o direito de ação), como um dos direitos básicos e fundamentais do indivíduo, e fez com que a tutela jurisdi- cíonal a esses direitos ficasse a salvo de restrições da lei ordinária”.165

Pode afirmar-se, até mesmo, embora através de outra ótica, que a Me­dida Provisória ora comentada feriu o princípio da separação dos poderes. É que o próprio princípio da inafastabilidade, como elucida José Alonso da Silva, funda-se no princípio da separação de poderes, reconhecido pela dou­trina como garantia das garantias constitucionais.566 A Medida Provisória 173/90, ao ferir o princípio da inafastabilidade, retirou do Poder Judiciário parcela de suas atribuições, lesionando de forma evidente o princípio da separação dos poderes.

161. Celso Antônio Bandeira de M ello, “Ato coator”, M andado d e segurança, p. 31 -32 .162. Cf. Federico Carpi, L a p rovv isoria esecu tor ietà d e lia senten za, p. 12.

163. STF, acórdão cit., p. 31.164. jo s é Frederico M arques, A reform a do P od erJu d ic iá r io , p. 410 .165. STF, acórdão cit., p. 31 .166. Jo sé Afonso da Silva, C urso d e d ireito constitucional p ositivo , p. 410.

140 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

É de se concluir, assim, que a busca da efetividade do processo é ne­cessidade que advém do direito constitucional à adequada tutela jurisdicional, indissociavelmente ligado ao due process o f law, e insito no princípio da ina- fastabilidade, que é garantido pelo princípio da separação dos poderes, e que constitui princípio imanente ao próprio Estado de Direito, aparecendo como contrapartida à proibição da autotutela privada, ou ao dever que o Estado se impôs quando chamou a si o monopólio da jurisdição. A tutela antecipatória, portanto, nada mais é do que instrumento necessário para a realização de um direito constitucional.

4

A Tutela Antecipatória Contra o Perigo

S u m á r io : 4.1 O artigo 273 do Código de Processo Civil corrigiu o problema da duplicação dos procedim entos para o ju lgam ento de uma unica lide - 4 .2 A lutela sumária satisfativa não pode m ais ser obtida através de ação fun­dada no artigo 798 do Código de Processo Civil. A lutela sumária satisfati­va ainda pode ser obtida através de ação sumária especial 4 .3 Legitim ados a requerer a tutela antecipatória: 4 .3 .1 A lutela antecipatória solicitada pelo réu; 4 .3 .2 Tutela antecipatória e denunciação da lide; 4 .3 .3 Tutela antecipa­tória e oposição; 4 .3 .4 Tutela antecipatória e cham am ento ao processo - 4 .4 Procedim entos com patíveis com a tutela antecipatória - 4 .5 A tuteia antecipa­tória no procedim ento m onitório - 4 .6 A questão do receio de dano irrepará­vel ou de difícil reparação: 4 .6 .1 0 receio de dano, o receio de ato contrario ao direito e a probabilidade da ocorrência de ato contrário ao direito com efeitos continuados; 4 .6 .2 Dano irreparável e dano de difícil reparação; 4 .6 .3 Dano irreparável em caso de direito patrim onial com função não patrim onial - 4 .7 M om ento da concessão da tutela baseada em fundado receio de dano irrepa­rável ou de difícil reparação: 4 .7 .1 A concessão da tu Leia antes da ouvida do réu; 4 .7 .2 O ulros m om enios oportunos para a antecipação - 4 .8 O agravo de instrum ento e a possibilidade de concessão, revogação ou m odificação da tu­tela antecipatória - 4 .9 E ficácia temporal da tutela antecipatória - 4 . 1 0 Prova, convicção e ju stificativa diante da tutela antecipatória: 4 .1 0 .1 Prova e conven­cim ento; 4 .1 0 .2 C onvicção e verossim ilhança; 4 .1 0 .3 A chamada convicção de “verossim ilhança preponderante"; 4 .1 0 .4 A convicção de verossim ilhança diante da postecipação do contraditório ; 4 .1 0 .5 Convicção de verossim ilhança e prova inequívoca; 4 .1 0 .6 A racionalidade da decisão fundada em convic­ção de verossim ilhança; 4 .1 0 .7 A ju stificativa da convicção de verossim ilhan­ça; 4 .1 0 .8 Critérios para o controle da racionalidade do discurso baseado na convicção de verossim ilhança; 4 .1 0 .9 Convicção de verossim ilhança e caso concreto; 4 .1 0 .1 0 A im portância da identificação da tutela do direito a ser antecipada para a racionalização da convicção de verossim ilhança; 4 .10 .11 A convicção de verossim ilhança diante das várias espécies de tutela antecipató- ria; 4 .1 0 .1 2 Dificuldade da prova, credibilidade das alegações e convicção de verossim ilhança; 4 .1 0 .1 3 C onvicção de verossim ilhança e consideração das posições em disputa; 4 .1 0 .1 4 Convicção de verossim ilhança e caução - 4 .11 A irreversibilidade do provim ento e a irreversibilidade dos efeitos fáticos do provim ento - 4 .1 2 A irreversibilidade dos efeitos fáticos do provim ento não pode constituir obstáculo para a tutela antecipalória - 4 .1 3 A decisão sobre a concessão da tutela antecipatória no caso de colisão de direitos fundam entais 4 .1 4 A efetivação da tu leia antecipatória: 4 .1 4 .1 Execução provisória: exe­cução incom pleta ou execução fundada em cognição não definitiva?; 4 .1 4 .2

142 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Execução ou efetivação da tutela antecipatória?; 4 .1 4 .3 A efetivação da tutela antecipatória nos casos em que se deseja obter um fazer, um não fazer, a en ­trega de coisa ou som a em dinheiro; 4 .1 4 .4 A prisão com o m eio de coerção indireta; 4 .1 4 .5 Um m aior aprofundam ento da questão da antecipação do pa­gam ento de som a em dinheiro - 4 .15 Controle do poder executivo do ju iz : 4 .15 .1 A racionalidade da tutela antecipatória parcial; 4 .1 5 .2 O princípio da tipicidade dos m eios executivos; 4 .1 5 .3 O princípio da tipicidade com o pre­visão de m eios de execução p or sub-rogação; 4 .1 5 .4 As novas necessidades do direito m aterial e a insuficiência dos m eios executivos tipificados em lei; 4 .1 5 .5 Do princípio da tipicidade ao princípio da concentração dos poderes de execução; 4 .1 5 .6 A influência do direito fundam ental à tutela ju risd icional efetiva sobre o princípio da concentração; 4 .1 5 .7 As cláusulas gerais execu ti­vas com o respostas ao direito ao m eio executivo adequado; 4 .1 5 .8 Princípio da concentração, ruptura da regra da congruência e possibilidade de alteração do meio executivo; 4 .1 5 .9 A om issão legal e o dever de o ju iz determ inar o meio executivo adequado com o decorrência do direito fundam ental à tutela jurisd icional efetiva; 4 .1 5 .1 0 O controle do poder executivo diante das cláusu­las gerais; 4 .1 5 .1 1 O controle do poder executivo após o trânsito em ju lgado; 4 .1 5 .1 2 O controle da alteração da modalidade executiva na tutela antecipa­tória; 4 .1 5 .1 3 O controle da determ inação da modalidade executiva adequada na antecipação de som a; 4 .1 5 .1 4 A justificativa com o form a de racionalizar o uso do poder de execução e de viabilizar a participação das partes no processo- 4 .1 6 A tutela antecipatória contra a Fazenda Pública - 4 .1 7 Análise das po­sições do Suprem o Tribunal Federal sobre a proibição de concessão de lim inar- 4 .1 8 A restituição das coisas no estado anterior e a indenização pelos danos.

4.1 O artigo 273 corrigiu o problema da duplicação dos procedimentospara o julgamento de uma única lide

Antes da reforma do Código era comum o uso da ação cautelar no lu­gar do mandado de segurança. Lembre-se, por exemplo, que Galeno Lacerda apresentou, em seus Comentários, uma série de casos que comportariam a ação cautelar porque passados os 120 dias para o exercício do mandado de seguran­ça.1 Nestes casos a prova seria preconstituída e, portanto, faltaria a própria apa­rência legitimadora da ação cautelar. Referiu-se Galeno Lacerda, entre outros, a um caso de fechamento arbitrário de estabelecimento comercial. Entretanto, se é possível demonstrar-se de plano a arbitrariedade, para que um processo com sentença de cognição sumária, depois seguido por outro de cognição exaurien­te? Na verdade, esta sentença jamais seria proferida com base em cognição su­mária, mas sim produziria coisa julgada material, o que arreda a característica da provisoriedade e demonstra de forma inconteste a autonomia da ação, agora visivelmente situada a quilômetros do juízo de aparência ínsito a todo processo

1. G aleno Lacerda, C om entários ao C ódigo de P rocesso C iv il , v. 8, t. 1, p. 185 e ss.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 143

de cognição sumária. No exemplo retirado da coleção do ilustre Professor do Rio Grande do Sul seria necessária apenas a tutela antecipatória, como provi­dência a ser concedida no curso do próprio processo de cognição exauriente.

A reforma eliminou a necessidade do uso distorcido da “ação cautelar” para a obtenção da tutela antecipatória, possibilitando a correção dos equívo­cos que eram cometidos em casos como aquele há pouco mencionado. Em um dos artigos que escrevemos para justificar a introdução da tutela antecipatória no Código de Processo Civil deixamos bem clara a problemática da duplicação dos procedimentos para o mesmo fim: “a prática forense tem mostrado várias hipóteses em que processos rotulados de “cautelar” perdem qualquer sentido após a concessão da liminar. Isto quer significar que a prática, em vários casos, reduziu a importância do processo cautelar a uma liminar. A prática, com apoio na doutrina, aceita a tese de que a ação cautelar pode substituir o mandado de segurança, uma vez escoado o seu prazo decadencial. O que era direito líquido e certo transforma-se, em passe de mágica, em fumus boni iuris. Porém, passada a fase propícia à concessão da liminar, por inexistir necessidade de elucidação de matéria de fato, o juiz está em condições de proferir sentença capaz de pro­duzir coisa julgada material. Ou seja, a “ação cautelar” seria suficiente para a resolução definitiva do mérito. Contudo, a doutrina deixa claro que o lugar do julgamento do mérito é no chamado “processo principal”, desnecessariamente instaurado quando percebido que o processo dito cautelar foi travestido para tornar viável a postulação da liminar. Nestes casos, realmente, a conclusão deve­ria ser a de que a “ação principal” é despicienda e a “ação cautelar” não é caute­lar. Necessário é um procedimento de cognição exauriente em que seja possível a obtenção de uma tutela antecipatória. A doutrina transforma direito líquido e certo em fumus, mas não tem coragem para reconhecer que são completamente desnecessários dois procedimentos para tais casos”.2

4.2 A tutela sumária satisfativa não pode mais ser obtida através de açãofundada no artigo 798 do Código de Processo Civil. A tutela sumáriasatisfativa ainda pode ser obtida através de ação sumária especial

Não é mais admissível após a reforma do Código - que alguém pretenda propor ação (de cognição) sumária “satisfativa” com base no art. 798. O art. 273 do Código de Processo Civil estabeleceu de forma clara que o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pre­tendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de

2. Luiz Guilherm e M arinoni, “Tutela cautelar, tutela antecipatória urgente e tutela anteci- patória”, Ajuris 61/70-71.

144 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

difícil reparação. Agora é possível, portanto, que a tutela sumária satisfativa seja requerida no curso do processo de conhecimento.

Alguém poderia ser tentado a admitir a ação sumária inominada, desde que antecedente ao processo de conhecimento. Tal possibilidade, contudo, novamente abriria caminho para a duplicação de procedimentos para a apreciação de uma úni­ca lide. Se alguma situação específica de direito material justificar um procedimento de cognição sumária “satisfativo”, caberá ao legislador defini-lo como tutela jurisdi­cional diferenciada.3 Nada impede, de fato, que o legislador construa procedimentos de cognição sumária que permitam a realização do direito material, e que até mes­mo deixe ao vencido o ônus da propositura da ação de cognição exauriente.

Cabe advertir que ainda temos ações sumárias satisfativas. Basta se pensar na ação de alimentos provisionais. A ação de alimentos provisionais, frequen­temente rotulada de cautelar, permite a satisfação da pretensão aos alimentos.

3. É preciso distinguir procedim ento de cognição sumária de procedim ento ‘'form alm ente" sumário ou acelerado. O procedimento de cognição sumária nâo perm ite o conhecim en­to aprofundado do objeto cognosrivel, ou seja, não possibilita a cognição exauriente. O procedim ento de cognição sumária restringe a possibilidade da produção de prova, per­m itindo apenas um ju ízo de probabilidade. O procedimento “form alm ente” sumário abre oportunidade para o conhecim ento aprofundado da matéria de fato, porém em um tempo m enor àquele que seria despendido pelo procedimento ordinário. É certo que o art. 2 7 6 , § 5.°, afirma que o procedimento sumário deverá ser convertido em ordinário quando houver necessidade de prova técnica de maior com plexidade. Mas isto não significa, por óbvio, que o procedimento sumário seja de cognição sumária, ou que o procedimento sumário não permi ia a cognição exauriente. O procedimento sumário não chegará à cognição exauriente apenas quando esta depender de “prova técnica de m aior com plexidade”. O procedimento “ form alm ente” sumário é um procedimenLo de cognição exauriente que “corre” mais rápido do que o procedimento ordinário. Como já disse Víctor Fairen Guilién, “los procedimientos plenários rápidos se diferencian dei ordinário, sim plem ente por su forma, más corta, pero no por su contenido, que es el m ism o cualiLativamente, jurid icam ente plenário” ( “Ju id o ordinário, plenários rápidos sumario, sum arisim o”, Temas dei ordenam ientopm cesal, p. 828. V, também, do mesmo autor, El ju ic ioord in arioy lo s p lenários rápidos, 1953). Oprocedim ento “form alm ente" sumário é mais curto do que o procedimento ordinário, muito em bora am ­bos admitam instrução probatória suficiente para perm itir a resolução, com força de coisa julgada material, da lide submetida ao ju iz . O procedimento de cognição sumária, ainda que também form alm ente sumário, não tem por fim a resolução definitiva da lide, alcançando apenas um ju ízo provisório, ditado pela cognição sumária. O procedimento “form alm en­te” sumário é caracterizado pela coisa julgada m aterial, enquanto que o procedim ento de cognição sumária não perm ite a formação de coisa julgada material, exigindo sempre um “procedim ento principal”, ou um procedim ento de cognição exauriente. Determinadas situações de clireiio substancial, definidas por sua m enor complexidade, adaptam-se a um procedimento mais abreviado e, portan L o , devem ser tratadas através de um procedimento “form alm ente" sumário. Outras situações de direito substancial, caracterizadas pela “ur­gência", exigem a estruturação de tutelas de cognição sumária, que podem até m esmo ser, segundo a voriLacle do legislador, procedim entos de cognição sumária.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 145

Não é porque os alimentos são obtidos através de um procedimento sumário próprio, que deixarão de ser satisfativos para se tornarem cautelares. Tanto os alimentos “provisórios", quanto os alimentos “provisionais", constituem ante­cipação dos alimentos '‘definitivos”. Qual é a diferença entre os alimentos pro­visórios e os provisionais? “Suprima-se a diferença determinada pela autonomia procedimental atribuída aos provisionais e procure~se alguma outra distinção capaz de permitir que se lhes conceituem como tutelas de natureza diversa. Dir-se-ia, no entanto, que os ‘provisórios’ distinguem-se dos provisionais num aspecto de maior relevância, qual seja, o aspecto estrutural. Contudo, como aca­bamos de ver, é precisamente sob o aspecto estrutural que ambos se identificam, pois representam os dois meras antecipações da sentença final de procedência da ação de alimentos. Ambos retiram-lhe substância. Um deles, os ‘provisórios’, para tornarem-se liminar da mesma ação alimentar; o outro, para transformar-se em ação preparatória, ou incidente, porém sempre à custa da sentença do pro­cesso principal. À custa de sua estrutura”.4

Ainda que os alimentos provisionais constituam tutela antecipatória, é óbvio que o art. 273 não baniu a ação de alimentos provisionais do sistema. Os procedimentos sumários satisfativos especiais, como o procedimento dos alimentos provisionais, podem e devem conviver com a tutela antecipatória do processo de conhecimento.

4.3 Legitimados a requerer a tuteia antecipatória

4.3 .7 A tutela antecipatória solicitada pelo réu

De acordo com o art. 273, “o juiz poderá, a requerimento da parte, an­tecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial

Não há dúvida que o autor ou o réu reconvinte pode requerer a tutela antecipatória. Como é sabido, muito embora tratada pelo Código de Processo Civil como espécie de resposta do réu, a reconvenção nada mais é do que uma ação proposta pelo réu contra o autor no mesmo processo por esse instaurado. A reconvenção é autêntica ação do réu, admitida no processo instaurado pelo autor.3 O reconvinte faz pedido e requer tutela jurisdicional. Ora, se é assim, ou seja, se a reconvenção é a ação do réu, está o reconvinte autorizado a requerer a antecipação da tutela.

Também nas ações dtiplices é possível ao réu requerer a tutela antecipa­tória. O réu, nas ações dúplices, pode formular pedido na própria contestação,

4. Cf. Ovídio Baptista da Silva, C urso de p rocesso c iv il, p. 254 .5. V Luiz G uilherm e M arinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Curso de processo civil - P rocesso de

conhecim ento, 7. ed., v. 2.

146 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

sem necessidade de reconvenção.6 A ação revisional de aluguel, por exemplo, é uma ação dúplice, já que o réu pode, na contestação, pedir que a sentença estabeleça periodicidade de reajustamento do aluguel diversa daquela prevista no contrato revisando ou que adote outro indexador para o reajustamento do aluguel (art. 69 da Lei 8.245/91).7 A periodicidade ou o indexador contratados podem constituir fonte de prejuízo econômico, retirando do aluguel qualquer correspondência com o valor de mercado da locação ou com a justa retribui­ção pela utilização do imóvel locado. O pedido que pode ser realizado pelo réu-locador, no sentido de que seja adotada outra periodicidade ou de que seja adotado outro indexador, nada mais é do que um pedido de revisão daquilo que foi contratado.

O artigo 68, II, da Lei 8.245/91, afirma que na ação revisional de aluguel, ao designar a audiência de instrução e julgamento, o juiz, se houver pedido e com base nos elementos fornecidos pelo autor ou nos que indicar, fixará aluguel provisório, não excedente a oitenta por cento do pedido, que será devido desde a citação. Trata-se, como é óbvio, de uma tutela antecipatória, que fixa o “alu­guel provisório” em favor do autor (que pode ser o locador ou o locatário). Se é possível ao locador, como autor da ação revisional, pedir a fixação de aluguel provisório, também é possível que ele peça, na qualidade de réu, através de tute­la antecipatória - e em virtude de o aluguel estar defasado em razão da aplicação do indexador que ele pede que seja alterado autorização para passar a cobrar o aluguel de conformidade com o indexador que reputa adequado.

Questão mais difícil é a de saber se o réu, quando se limita a apresentar contestação, sem realizar pedido, pode requerer a tutela antecipatória. A dou­trina não vem admitindo tal possibilidade.8 Aliás, o Tribunal Regional Federal da l .a Região já decidiu que “de acordo com o art. 273 do Código de Processo Civil é a tutela pedida na inicial que é antecipada”, razão pela qual não pode o réu pretender a antecipação da tutela.9

6. V Kazuo W atanabe, “Ação dúplice”, RePro 31/138-143.7. “A doittrina do processo denom ina dúplices as ações em que o ju iz pode prover em favor

do autor ou do réu, sem que o m esm o form ule pedido através de reconvenção. Assim , é considerada dúplice a ação renovatória porque o ju ízo pode decretar o despejo do loca­tário a pedido do locador, caso não renovada a locação (art. 74). Idêntico atuar dúplice do ju ízo se verifica na revisional, onde se lhe atribui o poder de intervir no conLrato das partes para fixar indexador e reduzir a periodicidade do aluguel se pedido pelo locador, m ercê de o processo ter sido instaurado pelo inquilin o” (Luiz Fu x, Tutela an tecip ad a e locações , p. 126).

8 . Assim , por exem plo, N elson Nery jú n ior, A tu alidade sobre o processo civil, p. 55.9. “Processual c iv il . A ntecipação de lutela. Pedido feiLo pelo réu. De acordo com o a r t ig o

273 do Código de Processo Civil, é a tutela pedida na inicial que é antecipada. C onse­quentem ente, não pode o réu pretender antecipação de tutela” (TRF, 1 .“ Reg., 3 .a T., Al 96.Ü 1.06329-3-M G , re!. ju iz Tourinho Neto, j . 2 9 .5 .9 6 , DJU 2 8 .6 .9 6 , v.u., p. 4 4 .6 9 6 ).

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 147

A princípio, de fato, seria possível argumentar que o réu não faz “pedido inicial” e que, portanto, nâo pode requerer a tutela. Tal argumento, porém, filia do a uma interpretação literal da norma, não é suficiente, já que o legislador infraconstitucional deve estar atento ao princípio da isonomia10 e o réu pode necessitar, em determinados casos, da tutela antecipatória.

O réu, na contestação, de lado as hipóteses excepcionais de ações dú- plices, não formula pedido. Entretanto, o réu, ao solicitar a rejeição do pedido formulado pelo autor, requer tutela jurisdicional. O réu, na contestação, requer tutela jurisdicional de conteúdo declaratório.

Se o autor pode requerer a tutela antecipatória na pendência da ação de­claratória que objetiva declarar a legitimidade de um ato, o réu também poderá, em tese, solicitar a tutela antecipatória na ação declaratória de ilegitimidade de ato se, em face do caso concreto, estiverem presentes circunstâncias que façam crer que o autor praticará atos que impedirão o réu de praticar o ato que supõe legítimo. A tutela inibirá o autor de praticar os atos que poderiam impedir o réu de praticar o ato que, em caso de improcedência, será declarado legítimo.

4.3.2 Tutela antecipatória e denunciação da lide

O denunciante pode pedir tutela antecipatória contra o denunciado? A denunciação da lide é ação secundária, ajuizada pelo autor ou pelo réu da “ação principal” e na pendência desta. Cabe a denunciação quando o denunciado é obrigado a indenizar o denunciante em virtude de eventual sentença que re­conheça a algum terceiro direito sobre a coisa adquirida pelo denunciante, ou quando o denunciado é obrigado a ressarcir o denunciante pelos prejuízos da demanda. Quando o autor ou réu podem propor ação regressiva contra o seu garante, para obter ressarcimento em razão de prejuízos decorrentes de eventual sucumbência, eles estão autorizados a requerer denunciação da lide.

Caso tenha sido deferida tutela antecipatória contra o réu-denunciante- por exemplo, em ação de indenização fundada em ato ilicito - , o réu pode requerer tutela antecipatória - uma vez presentes os seus pressupostos - contra o denunciado.

4.3.3 Tutela antecipatória e oposição

Ao opoente igualmente se admite o requerimento de tutela antecipatória. A oposição é a ação ajuizada por terceiro, qualificado de opoente, contra autor e réu, que formam litisconsórcio passivo necessário. Através da oposição, o opo-

10. V Egas Dirceu M oniz de Aragão, “A lterações no Código de Processo Civil: tutela anteci­pada, perícia” , R eform a do C ód ig o d e P rocesso C iv il, p. 237.

148 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

ente objetiva excluir as pretensões do autor e do réu. Segundo a definição do art. 56 do Código de Processo Civil, “quem pretender, no todo ou em parte, a coisa ou o direito sobre que controvertem autor e réu, poderá, até ser proferida a sentença, oferecer oposição contra ambos”.

Em regra, a oposição contém uma ação declaratória negativa da pretensão do autor e uma ação condenatória ou executiva lato sensu contra o réu. Assim, por exemplo, o opoente pode dirigir ação declaratória contra o autor e ação exe­cutiva lato sensu contra o réu de. uma ação de imissão de posse. Nesta hipótese, está o opoente autorizado a pedir a tutela antecipatória, desde que preenchidos os seus pressupostos. Se o opoente demonstra, de plano, o seu direito e que, por conseqüência, o autor não tem direito, mostra-se cabível a tutela antecipatóría.

4.3.4 Tutela antecipatória e chamamento ao processo

De acordo com o art. 77 do Código de Processo Civil é admissível o chama­mento ao processo: 1 - do devedor, na ação em que o fiador for réu; II - dos outros fiadores, quando para a ação for citado apenas um deles; III - de todos os devedores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns deles, pardal ou totalmente, a dívida comum. Através do chamamento ao processo o réu pode chamar à causa, como seu litisconsorte passivo, o outro, ou os outros devedores. Assim, a sentença que julgar procedente o pedido poderá, além de declarar o direito do credor em relação ao réu primitivo, declarar o direito do credor contra os chamados ao pro­cesso. A sentença ainda declarará o direito de o obrigado, originariamente acionado, executar o chamado, desde que tenha satisfeito a dívida perante o credor. Na reali­dade, a sentença que julgar procedente o pedido, condenando os devedores, valerá como título executivo, em favor do que satisfizer a dívida, para exigi-la, por inteiro, do devedor principal, ou de cada um dos codevedores a sua cota, na proporção que lhes tocar (art. 80 do CPC). O credor, por sua vez, poderá executar a sentença tanto contra o réu primitivo, quanto contra os chamados ao processo.11

No caso de chamamento ao processo, o autor pode requerer a tutela an­tecipatória contra o réu originário ou contra os chamados. Se a tutela antecipa­tória é concedida, a parte que a satisfez deve ser autorizada a executar (também antecipadamente) o devedor principal ou os outros devedores.

4.4 Procedimentos compatíveis com a tutela antecipatória

Não há qualquer dúvida que a tutela antecipatória pode ser requerida nos procedimentos ordinário e sumário. O problema surge quando se pergunta so­bre a viabilidade da tutela antecipatória nos procedimentos especiais.

11. Cf. Ovídio Baptisla da Silva, Curso d e processo civil, p. 257 .

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 149

Os procedimentos especiais são estruturados em atenção a determinadas particularidades do direito substancial. Estes procedimentos são construídos com base nas técnicas da cognição parcial e da cognição sumária (v. itens 2.4. .1 e 2.4.2). Em geral, admite-se a tutela antecipatória, nos procedimentos especiais, a partir da constatação de que determinados direitos, em regra, podem ser evi­denciados de plano e/ou merecem, por sua relevância social, tratamento dife­renciado no plano do processo. Para a efetiva tutela destes direitos, o legislador desenha procedimentos que possibilitam ao juiz tutelar, ainda que provisoria­mente no plano processual, o direito que é evidenciado de pronto.

Os procedimentos especiais que possuem a previsão de antecipação em atenção à necessidade de tutela imediata de um direito evidente não requerem, para a sua concessão, fundado receio de dano, mas apenas a demonstração do direito afirmado, ou o preenchimento de determinados requisitos estabelecidos pelo legislador como imprescindíveis para a configuração da evidência do direito.

Note-se, por exemplo, que de acordo com o art. 928 do Código de Pro­cesso Civil, nas ações de manutenção e reintegração de posse, “estando a peti­ção inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração; no caso contrário, de­terminará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada”. O art. 928, para autorizar o juiz a conceder a liminar, exige que a petição inicial esteja “devidamente instruída”.12 Logo após, e para o mesmo fim, permite que o direito seja evidenciado através de justificação, ou que o autor “justifique previamente o alegado”, obviamente para a hipótese da inicial não estar acompanhada das provas dos requisitos do art. 927, que assim estabelece: “incumbe ao autor provar: I - a sua posse; II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbu­lho; IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração”.15

Na ação de manutenção e na ação de reintegração de posse, quando pro­postas dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho, a tutela liminar pode ser concedida independente de fundado receio de dano. Como é óbvio, o autor não pode requerer, na petição inicial destas ações, tutela antecipatória com base no art. 273, I, do Código de Processo Civil.

Na ação proposta depois de ano e dia, na qual o autor não tem direito à liminar prevista no art. 928 do Código de Processo Civil, é possível discutir o

12. D eacordo c o m jo e l Dias Figueira jú n io r , “pela expressão 'petição devidam ente instruída’ contida no artigo 9 2 8 , devem os entender aquela que é capaz de Fornecer ao ju iz elem entos ju ríd icos, e, sobretudo fáticos, hábeis a viabilizar a dem onstração sum ária dos requisitos contidos no artigo 9 2 7 ” (L im inares nas a çõ es p assessórias, p. 2 31).

13. V Adroaldo Furtado Fabrício, C om entários a o C ódigo de Processo Civil, v. 8, t. 2, p. 5 44-554 .

150 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

cabimento da tutela do art. 273, L Não obstante seja difícil vislumbrar um funda- do receio de dano - capaz de justificar a tutela do art. 273, I - depois de passado ano e dia, pode ser aceita, em tese, a viabilidade de tal espécie de tutela.14

Por outro lado, se a tutela antecipatória, uma vez negada - ou não reque­rida - por falta de evidência do direito, não é admitida após a instrução ter evi­denciado o direito no procedimento especial, parece ser possível, também nesse caso, a tutela antecipatória fundada no art. 273, I, especialmente porque a sen­tença não pode ser executada “provisoriamente”.

O cabimento da tutela antecipatória do art. 273 deve ser analisado em face de cada espécie de procedimento especial e. tomando em consideração as diversas situações concretas que podem ocorrer.

De acordo com o art. 59, § 1.°, da Lei do Inquilina to, conceder-se-á li­minar para desocupação em quinze dias, independentemente da audiência da parte contrária e desde que prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel, nas ações que tiverem por fundamento exclusivo: i) o descumpri- mento do mútuo acordo (art. 9.°, inciso I), celebrado por escrito e assinado pelas partes e por duas testemunhas, no qual tenha sido ajustado o prazo míni­mo de seis meses para desocupação contado da assinatura do instrumento; li) o disposto no inciso II do art. 47, havendo prova escrita da rescisão do contrato de trabalho ou sendo ela demonstrada em audiência prévia; iii) o término do prazo da locação para temporada, tendo sido proposta a ação de despejo em até trinta dias após o vencimento do contrato; iv) a morte do locatário sem deixar sucessor legítimo da locação, de acordo com o referido no inciso I do art. 11, permanecendo no imóvel pessoas não autorizadas por lei; v) a permanência do sublocatário no imóvel, extinta a locação, celebrada com o locatário.

O legislador, ciente de que a configuração de qualquer uma destas hipó­teses representa sempre um direito que, pela sua evidência, deve ser realizado desde logo, admite expressamente o despejo liminar. A questão a ser resolvida, porém, diz respeito a saber se é possível, fora destes casos, a tutela antecipatória do art. 273 nas ações de despejo.

14. “Aspecto mais delicado é o de saber se é possível a tutela antecipatória em determ inados procedim entos especiais, v.g., com o no caso de possessória. As ações possessórias, atra­vés da possibilidade de medida lim inar, contêm , h istoricam ente m esm o, um sistem a que guarda alguma sim ilitude com a antecipação da tutela. O problem a que se coloca é saber se, conquanto o autor haja prom ovido a sua ação depois de ano e dia, e, portanto, sem direito a medida liminar, se se configurem os pressupostos do art. 2 73 , ainda assim, poderá ter direito à tutela antecipada. Em nosso sentir a resposta é positiva, pois que a fonte da lim inar, quando a possessória é prom ovida dentro de ano e dia, é uma, ao passo que a razão de ser da tutela antecipada é outra, ou são outras. Mas é evidente que, nesse caso, o ju iz deverá avaliar o tem po, condições da posse etc .” (Arruda Alvim, "Tutela antecipatória”, R eform a do C ódigo de P rocesso Civil, p. 112).

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 151

O Centro de Estudos do extinto Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, ao estudar a admissibilidade da tutela antecipatória do art. 273 nas ações de despejo, aprovou o seguinte enunciado:

“N. 31: É incabível, nas ações de despejo, a antecipação da tutela de que trata o art. 273 do Código de Processo Civil, em sua nova redação”.

Note-se, porém, que uma coisa é admitir a tutela do art. 273 onde já é possível o despejo liminar; outra é admitir a tutela do art. 273 nas demais ações de despejo.

Alguém poderia argumentar que o legislador já definiu as hipóteses de despe­jo liminar e que, portanto, não é possível a tutela antecipatória a partir do art. 273 em nenhuma ação de despejo. Na verdade, o legislador definiu as hipóteses que, uma vez demonstradas, configuram direitos evidentes, mas não excluiu, por óbvio, outras hipóteses que podem ser evidenciadas desde logo e que podem exigir tutela antecipatória em virtude de “fundado receio de dano” ou de '‘abuso de direito de defesa”.

Assim, por exemplo, não é de se excluir a tutela antecipatória de retoma­da para a realização de reparações urgentes, no caso em que as reparações não podem ser realizadas com a permanência do locatário no imóvel.15

Não é o nosso objetivo analisar as hipóteses que abrem margem à tutela antecipatória do art. 273 nas ações de despejo. O que pretendemos deixar claro, apenas, é que a necessidade de tutela antecipatória (baseada em receio de dano ou em abuso de direito de defesa) muitas vezes pode não estar considerada pelo procedimento especial.

Aliás, justamente porque as várias hipóteses concretas não podem ser con­sideradas de antemão pelo legislador é que o art. 273 deve incidir supletivamente nos procedimentos especiais, preenchendo os espaços vazios deixados pela impossi­bilidade da consideração prévia das diversas situações concretas que podem exigir a tutela antecipatóría (baseada em receio de dano ou em abuso de direito de defesa).

4.5 A tutela antecipatória no procedimento monitório

O legislador da reforma de 1994 apostou no procedimento monitório como técnica destinada a evitar o custo do procedimento ordinário e capaz de propiciar a aceleração da realização dos direitos.

O procedimento monitório, partindo da premissa de que um direito evi­denciado mediante “prova escrita” não sofre, em regra, contestação plausível, objetiva, através da inversão do contraditório, inibir as defesas infundadas e permitir a execução sem as delongas do procedimento ordinário.

15. V Luiz Fu x, Tutela an tec ip ad a e locaçoex , p. 139.

152 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Contudo, para que o objetivo sonhado pelo legislador da reforma possa ser alcançado, é imprescindível a atuação de uma outra técnica capaz de inibir efetivamente as defesas infundadas. Trata-se da técnica antecipatória; apenas a possibilidade da tutela antecipatória fundada em abuso de direito de defesa (em face dos embargos ao mandado) poderá inibir as defesas (os embargos) mera­mente protelatórias.

Os embargos, que nada mais são do que meio de impugnação, poderiam ser simples contestação, nâo fosse a ideia de inibir a inércia do réu, exigindo- se dele a propositura dos embargos para o desenvolvimento do contraditório. Assim, seria desrazoável a tese que apontasse para a impossibilidade da tutela antecipatória sob o argumento de que o art. 273 do Código de Processo Civil- que trata da tutela antecipatória - fala em abuso de direito de defesa, e em ma­nifesto propósito protelatório do réu. Não é muito difícil perceber a realidade: o devedor exerce a sua defesa através de embargos ao mandado, não estando livre de se ver lentado a dela abusar.

É possível que o réu queira se valer dos embargos apenas para protelar a realização do direito afirmado pelo autor. Ora, o intuito protelatório, no pro­cedimento monitório, evidentemente não pode ser desconsiderado, principal­mente porque este procedimento visa a tratar de forma diferenciada um direito evidente.

A tutela antecipatória baseada em abuso de direito de defesa somente é cabível, no procedimento monitório, na hipótese de prova do fato constitutivo do direito de crédito e na presença de embargos que exijam prova testemu­nhai e/ou pericial e também afigurem-se como provavelmente infundados (ver adiante Capítulo 5).

Além disso, como também pode acontecer no procedimento ordinário, é possível que o credor precise desde logo do bem da vida postulado através da ação monitoria para não ter direito prejudicado deform a irreparável. No procedimento monitório é obviamente possível a tutela antecipatória fundada no art. 2 7 3 ,1, do Código de Processo Civil, à semelhança do que ocorre no direito italiano, diante da norma do art. 642, segunda parte, do Código de Processo Civil.16

À primeira vista muitos poderão não compreender a razão para a tutela antecipatória (baseada em fundado receio de dano irreparável ou de difícil repa­ração) no procedimento monitório, imaginando que a tutela cautelar de arresto é suficiente para proteger o credor.

16. O arL. 6 4 2 , II, disposto em baixo do Capítulo I ( “Del procedim ento d’ingiunzione") do Título I ( “Dei procedim enti som m ari”) do Livro Quarto ( “Del procedim entispeciali”) do Código de Processo Civil italiano, reza o seguinte: [21 Lesecuzíone p ro w iso riap u õessere concessa anche se vi e pericolo di grave pregiudizio nel ritardo, ma il giudice puõ im porre al ricorrente una cauzione”.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 153

Note-se, porém, que muitas vezes o direito de crédito é imprescindível para a tutela de um outro direito que lhe é conexo, como, por exemplo, o direito à saúde. A tutela antecipatória, em casos como esse, não se destina a assegurar o juízo ou a viabilidade da realização do direito de crédito, mas sim a realizar antecipadamente o direito de crédito para permitir a efetiva tutela de um direito que lhe é conexo.

Por fim, cabe salientar que é cabível a execução imediata da parte do cré­dito não embargada, à semelhança do que ocorre no processo de execução, em face da disposição do art. 739, § 2.° do Código de Processo Civil, que estabelece que a execução prossegue quanto à parte não embargada, quando os embargos forem parciais.

4.6 A questão do receio de dano irreparável ou de difícil reparação

4,6.1 O receio de dano, o receio de ato contrário ao direito e a probabilidade da ocorrência de ato contrário ao direito com efeitos continuados

A tutela inibitória final (ver capítulo 3, item 3.1) tem por fim prevenir tout court a prática de um ato contrário ao direito, ou mesmo impedir a sua continua­ção ou repetição (arts. 461, CPC e 84, CDC).Já a tutela inibitória antecipada, além de encontrar fundamento no art. 84, § 3.°, do Código de Defesa do Consumidor, encontra lastro, no Código de Processo Civil, no artigo 461, § 3.°, que afirma que a tutela antecipatória pode ser concedida quando “relevante o fundamento da de­manda” e presente “justificado receio de ineficácia do provimento final”.

A tutela inibitória antecipada não tem como pressuposto “fundado re­ceio de dano”. Essa tutela, justamente porque visa a prevenir o ato contrário ao direito (o qual não se confunde com o dano, que é conseqüência eventual do ato contrário ao direito), tem como pressuposto um “justificado receio” de que o ato contrário ao direito seja praticado (ou que seja repetido ou continuado) antes do trânsito em julgado. Frise-se que o “justificado receio” não é de dano; o justificado receio é de que o ato contrário ao direito seja praticado ou possa prosseguir ou se repetir (ver capítulo 3, itens 3,1.2, 3.1.4, 3.1.5 e 3.1.11).

No caso em que o ato contrário ao direito ainda não foi praticado, devem estar presentes elementos ou circunstâncias de fato que permitam ao juiz con­cluir, ainda que com base em probabilidade, que o ilícito é iminente (pode ocor­rer brevemente) e que por isso é justificável considerada a natureza da situação jurídica que se visa proteger - a concessão da tutela.17

Quando o ato contrário ao direito já foi praticado, da sua modalidade e da sua natureza, pode-se inferir com notável aproximação a probabilidade da sua

17. Giovanni Arieta, í provvedim enti d ’urgenza, p. 133.

154 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

continuação ou repetição no futuro.18 Em outras palavras, nos casos em que o comportamento ilícito se caracteriza como atividade de natureza continuativa ou como pluralidade de atos suscetíveis de repetição - como, por exemplo, nas hipóteses de concorrência desleal ou de difusão de notícias lesivas à personali­dade individual é mais fácil a constatação do perigo de ilícito.19

Na hipótese em que o ato contrário ao direito já foi praticado, temendo-se a sua continuação ou repetição, a tutela antecipatória pode ser concedida para obstar a continuação ou a repetição do ilícito. Assim, por exemplo, a tulela pode ser concedida para impedir a repetição do uso de uma marca comercial de pro­priedade do autor.

Nada impede, ademais, que o juiz possa, por exemplo, conceder a tute­la para impedir a comercialização de uma revista que, com sua publicação, já lesou de forma irreparável, em uma determinada medida, o direito do autor.20 Essa tutela, como é óbvio, destina-se a impedir novos ilícitos, e não a viabilizar o ressarcimento do dano, pois é dirigida ao futuro e não ao passado.

Quando é violada uma norma de direito material e os efeitos concretos da transgressão se perpetuam no tempo, a ação é de remoção do ilícito (também dita reintegratória). Isso acontece quando a ação concreta ilícita já ocorreu, mas os seus efeitos ilícitos ainda se propagam. É o caso, por exemplo, da exposição à venda de produto nocivo à saúde do consumidor. Nessa hipótese, tanto a tute­la final, quanto a tutela antecipada, tomam em consideração um ilícito que jã ocorreu. Para a tutela antecipada basta a probabilidade da ocorrência do ilícito, sendo desnecessário demonstrar a probabilidade de ilícito futuro e, muito menos, a probabilidade de dano. É que a probabilidade da ocorrência do ilícito configura, por si só, a probabilidade do dano futuro, uma vez que a própria norma de proteção (provavelmente violada) possui o objetivo de evitar danos.

Por outro lado, a tutela ressarcitória supõe, como é sabido, um dano já consumado. Aquele que pede ressarcimento pelo equivalente pode postular an­tecipação de soma, quando o direito lesado estará sendo antecipadamente res­sarcido e, ainda assim, estará sendo evitado dano a direito conexo ao ressarcido na forma antecipada. Nesse último exemplo, a tutela antecipada é ressarcitória pelo equivalente. Porém, como nada impede uma ação ressarcitória na forma específica,21 a tutela antecipada também pode ser ressarcitória na forma especí­

18. Aldo Frignani, Innjuction n e lla com m on law e T in ibitoria nel d iritto italiano, p. 3 2 3 e ss.19. V Cristina Rapisarda, Profili d elia tutela civ ile in ibitória , p. 81 -8 2 ; da mesma autora, “Tutela

preventiva, inibitória cautelare ‘ex’ art, 7 0 0 C.P.C. ed inibitória finale”, Rivisía di D iritto P rocessuale, 1986 , p. 138 e ss.; G iovanni Arieta, 1 provvedim enti d ’urgenza, p. 133-134 .

20. Iprovved im enti d u rgen za , p. 134.21. Ver Luiz G uilherm e M arinoni, Tutela in ibitória .

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 155

fica, instrumentalizando-se através de uma ordem de fazer (art. 461, CPC e art. 84, CDC), para que o dano não se potencialize ou cause um outro dano.

Nos casos de ação constitutiva ou declaratória, o receio de dano se liga à situação jurídica que depende da constituição ou à situação jurídica objeto do requerimento de declaração. Assim, por exemplo, (i) em face de ação constituti­va de servidão, o réu pode ser autorizado, alegando receio de dano, a exercer as faculdades que estão contidas no direito a ser constituído; (ii) na pendência da ação declaratória de ilegitimidade do ato de despedida, surgindo receio de dano no curso do processo, o trabalhador pode requerer a sua manutenção no emprego.

Nesses dois casos, como a tutela antecipada não produz efeitos constitu­tivos ou declaratórios, uma vez que atua concretamente na realidade fática, há uma zona de penumbra entre a tutela antecipatória e a tutela cautelar. Mas, essa zona de penumbra pode ser afastada quando se percebe que a decisão sumária, nesses casos, tutela um direito que depende da constituição ou da declaração.

4.6.2 Dano irreparável e dano de difícil reparação

Há “irreparabilidade” quando os efeitos do dano não são reversíveis. En­tram aí os casos de direito não patrimonial (direito à imagem, por exemplo) e de direito patrimonial com função nâo patrimonial (soma em dinheiro necessária para aliviar um estado de necessidade causado por um ilícito, por exemplo).

Mas, há irreparabilidade, ainda, no caso de direito patrimonial que não pode ser efetivamente tutelado através da reparação em pecúnia. Ou seja, existe irreparabilidade quando o direito não pode ser restaurado na form a especíjica.

Por outro lado, quando a tutela repressiva mostra-se, em princípio, efetiva, cabe verificar se a manutenção do bem ou do capital na esfera jurídico-patrimo- nial do réu durante o curso do processo pode causar dano irreparável ao autor. Isso porque a indisponibilidade do bem ou do capital pode trazer dano grave e irreparável ao autor que tem razão.

A tutela antecipatória de soma somente será admissível para impedir a prática de dano que não ocorreria se o demandado não houvesse cometido o ato que se pretende ver corrigido pela tutela final. Ou melhor: se o dano temido não tem relação com o ato praticado pelo demandado, a antecipação da tutela não pode ser concedida. Se o autor precisa imediatamente de pecúnia por razões não relacionados com o ato imputado ao réu, descabe tutela antecipatória, pois essa não pode ser vista como expediente para auxiliar o autor que, por motivos alheios à conduta do demandado, precisa imediatamente de soma em dinheiro.

No caso de inadimplemento de obrigação contratual, há irreparabilida­de quando o credor depende do cumprimento imediato da obrigação ou do seu equivalente para, por exemplo, cumprir obrigação ou exercer atividade

156 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

dependente da inadimplida. Ou seja, o que aí importa é a relação de depen­dência da situação jurídica que se afirma estar exposta a dano para com o ina­dimplemento da obrigação.

Note-se que a irreparabilidade pode atingir direitos não patrimoniais, direitos patrimoniais com função não patrimonial e simplesmente direitos patrimoniais.

O dano é de “difícil reparação” se as condições econômicas do réu não autorizam supor que o dano serã efetivamente reparado. O dano também é de “difícil reparação” se dificilmente poderá ser individualizado ou quantificado com precisão. Assim, por exemplo, no caso em que o ilícito praticado gera des­vio de clientela, hipótese em que, além da difícil quantificação do dano emer­gente, o empresário sofre uma acentuação do prejuízo na medida em que, com o passar do tempo do procedimento ordinário, assiste ao progressivo afastamento dos seus clientes.22 Nessa hipótese, para se evitar a continuação da concorrência desleal (por exemplo), deve ser proposta ação inibitória, requerendo-se tutela inibitória na forma antecipada com base na probabilidade da sua continuação (ato contrário ao direito). Porém, ainda que a alusão ao dano não seja necessá­ria, nada impede - sendo até mesmo aconselhável - que o autor alegue que pro­vavelmente perderá os seus clientes durante o curso do processo e, assim, que provavelmente sofrerá dano. Frise-se que a tutela inibitória antecipada não exige a alegação de dano, embora admita essa alegação como mera faculdade do autor, destinada a formar o convencimento do juiz de maneira mais fácil. Quando se diz que a ação inibitória não comporta a discussão do dano, deseja-se evidenciar que o juiz não pode deixar de conceder a tutela antecipada (ou mesmo a tutela final) em razão de não ter sido demonstrado o dano.

4.6.3 Dano irreparável em caso de direito patrimonial com função não patrimonial

Como já foi dito, há casos em que se teme que um direito conexo a outro já violado seja irreparavelmente lesado. Assim, a vítima de acidente automo­bilístico que, em virtude do dano sofrido, fica impossibilitada de manter o seu próprio sustento, pode ter irreversivelmente prejudicado o seu direito à saúde.

A jurisprudência italiana, ao admitir, com base no art. 700 do seu Código de Processo Civil, a antecipação do pagamento de soma em dinheiro, alude, em geral, à tutela de direitos constitucionalmente protegidos. Segundo Proto Pisani, o direito patrimonial com função não patrimonial, enquanto destinado a garan­tir a satisfação de uma necessidade primária ou de uma “situação de liberdade”, deve ser tutelável através da tutela sumária urgente.23

22, G iovanni Arieta, I provvedim enti d ’urgenza, p, L30.

23. Andrea Proto Pisani, Appunti su llag iu stiz ía civ ile, p. 382.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 157

Nesses casos, o crédito pecuniário, embora ressarcindo antecipadamente o autor, realiza uma funçào não patrimonial, impedindo dano a um direito conexo ao ressarcido. Note-se que essa tutela antecipa o ressarcimento, ou seja, realiza antecipadamente esse direito, sem objetivar a sua segurança. Imaginar que essa tutela é. cautelar, e não antecipatória, significa admitir que a soma em dinheiro está acautelando o direito ao ressarcimento. Ora, o direito ao ressarcimento está sendo antecipadamente realizado em razão de perigo de dano irreparável a um direito a ele conexo.

Para a valoração da “irreparabilidade” é impossível a não consideração da pessoa que se diz titular do direito que pode ser irreparavelmente prejudicado. Isso não significa uma “personalização” do prejuízo, rnas apenas a necessidade da irreparabilidade do prejuízo ser considerada em relação à pessoa que se diz titular do direito.24

Contudo, ainda que, em princípio, a antecipação de soma deva ser aceita apenas para proteger direitos de conteúdo não patrimonial, excepcionalmente é possível a sua admissão quando o perigo ameaça direitos de natureza patrimo­nial. Nesses casos, contudo, como demonstrado no item anterior, a tutela ante­cipada somente pode ser concedida caso a violação cometida constitua a causa do provável dano ao direito conexo. Ou melhor, a tutela antecipada de soma não pode ser deferida quando a demora na obtenção da tutela final não pode ser vista como a causa do dano temido.

4.7 Momento da concessão da tutela baseada em fundado receio dedano irreparável ou de difícil reparação

4.7.1 A concessão da tutela antes da ouvida do réu

A. tutela antecipatória somente deverá ser prestada - fora, obviamente, casos excepcionais - após apresentada a contestação. Ou seja, a tutela antecipa­da antes da ouvida do réu somente tem razão de ser quando a sua audiência puder causar lesão ao direito do autor.

Vittorio Denti2’ já deixou claro que a tutela de urgência constitui um atri­buto fundamental da função jurisdicional e a Corte Constitucional italiana já afirmou que ela representa um componente essencial e ineliminãvel da tutela

24. V. Arnaldo M igiíno, La Cutela g íu risd iz íon a le a n tic ip a lor ia , p. 171.25. Vittorio Denti, “Intervento”, Atti dei XV C onvegno N azionale, Bari, 4 -5 ottobre 19 8 5 , La

tutela d ’urgenza, p. 1.64.

158 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

jurisdicional, nos limites em que é necessária para neutralizar um perigo de dano irreparável.211

Na verdade, a lei processual não pode vedar a concessão da tutela antes da ouvida do réu, pois nenhuma norma tem o condão de controlar as situações de perigo.27 A necessidade da ouvida do réu pode comprometer a efetividade da tutela antecipatória. A tutela antecipatória não pode ser eliminada, ainda que por lei, nos lugares em que é necessária para evitar prejuízo irreparável..28 Não apenas porque a lei não pode prever as situações em que a tutela antecipatória não será necessária - uma vez que isso depende do caso concreto - mas especialmente pela razão de que o direito à tutela antecipatória é corolário do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.29 Por isso, a tutela antecipatória deve ser concedida, obviamente que mediante a devida justificativa, quando as circunstâncias do caso concreto demonstrarem a sua necessidade antes da ouvida do réu.

Argumentar com lesão ao princípio do contraditório é voltar a tratar de assunto já encerrado, pois é sabido que o contraditório pode ser postecipado para permitir a efetividade da tutela dos direitos.30 Como bem advertiu Nelson Nery Junior em sua tese de livre-docència apresentada na Pontifícia Universi­dade Católica de São Paulo, não é “a cautelaridade ou satisfatividade do provi­mento jurisdicional que dá a tônica de respeito ou desrespeito ao princípio da bilateralidade da audiência... O cerne da questão se encontra na manutenção da provisoriedade da medida, circunstância que derruba, ao nosso ver, a alegada in- constitucionalidade das liminares concedidas sem a ouvida da parte contrária” ,31

O Tribunal de J ustiça do Paraná já enfrentou essa questão, tendo decidido- através de acórdão relatado pelo eminente Desembargador Ulysses Lopes - da seguinte forma: “Tutela antecipada - Provimento ante à presença dos requisitos exigidos no artigo 273 do Código de Processo Civil - Concessão liminar sem

26 . Cf. Andrea Proto Pisani, “Intervento”, Atti dei XV Convegno N azionate, Bari, 4 -5 ottobre 1985, L a tutela d ’urgenza, p. 118.

27. “O cidadão tem direito à adequada tutela ju risd icion al (aí incluídas as lim in ares), com o decorrência do princípio da inafastabilidade do controle jurisd icional. O direito à ade­quada tutela ju risd icional é princípio im anente a qualquer Estado de Direito. Suprim ir o direiLo constitucional à lim inar, v.g., é o m esm o que legitim ar a autotutela privada" (Luiz G uilherm e M arinoni, E fetiv idade d o p rocesso e tutela d e urgência, p. 68 ).

28 . V Donaldo Arm elin, “A tutela ju risd icion al cautelar”, Revista da P rocu rad oria-C era l do Estado de S ão P au lo 23/116.

29. Luiz G uilherm e M arinoni, Tutela cau telar e tu tela a n tecipa tór ia , p . 90 -99 .30 . “Si e detto che il principio dei contraddittorio e rispettato anche quando il prow edim ento

e pronuncia to inaudita a ltera parte, purche prima che il prow edim ento diventi difiníti- vo, Ia parte contro cui e ernesso abbia Ia possibliltà di proporre le sue difese” (Giuseppe M artinetto, “Contraddittorio (principio d ei)’’, Novíssimo digesto italiano, v. 4 , p. 4 6 1 ).

31 . Neison Nery Jun ior, P rincíp ios do p rocesso civ il na C onstitu ição F edera l, p. 136.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 159

a oitiva da parte contrária - Possibilidade - Faculdade reservada ao julgador- Possibilidade, na espécie, frente ao iminente risco de frustração do objetivo visado na medida - Inexistência de afronta ao princípio do contraditório”.32

4.7.2 Outros momentos oportunos para a antecipação

No caso em que o procedimento deve caminhar rumo a produção das provas testemunhai e pericial, a concessão da tutela evidentemente é possível após a apresentação da contestação.

Entretanto, é irracional admitir que a tutela do direito não pode ser pres­tada após a fase instrutória ter encerrado. Realmente, há um grande equívoco no sistema processual que não admite a execução da sentença na pendência do recurso de apelação ao menos nos casos em que estão presentes os fundamentos que justificam a tutela antecipatória.

A lei que alterou o art. 520 do Código de Processo Civil - a qual entrou em vigor no final do mês de março de 2002 perdeu uma grande oportunidade para corrigir tal defeito.33 Como é óbvio, não basta afirmar que o recurso de apelação não será recebido no efeito suspensivo quando a sentença confirmar a antecipação da tutela, como diz o inciso VII do art. 520. É evidente que o re­curso de apelação, neste caso, não deve suspender a eficácia ou a “execução” da tutela antecipatória. Note-se que o inciso VII, acrescentado ao art. 520, fala em sentença que ‘''confirmar a antecipação dos efeitos da tutela” e, portanto, pressu­põe uma tutela antecipadamente concedida.

Há casos, porém, em que embora requerida a antecipação da tutela, essa é negada com base no fundamento de que, por exemplo, o direito não foi demons­trado como provável. Contudo, se mais tarde o direito restar evidenciado, e ainda persistir o perigo, não há razão lógica para não se deferir a tutela, embora o inciso VII do art. 520 aluda somente à sentença que confirmar a antecipação da tutela.

Na realidade, o correto seria estabelecer, no art. 520, que a sentença pode ser executada na pendência da apelação quando conceder a tutela, pouco impor­

32 . TJPR , 1.“ C. Cível, AI 4 9 .1 5 5 -8 , rei. Des. Ulysses Lopes. j . 6 .8 .9 6 .

33. Defeito que apontam os há bastante tem po, v., neste sentido, Luiz G uilherm e M arinoni, “Novidades sobre a tutela antecipatória”, R ePro 69/109. Sobre esta questão é im portante consultar, também, Cassio Scarpinella Bueno, E xecu ção prov isória e a n tec ip ação d a tutela, p. 4 8 -5 0 . Consultar, ainda, com proveito, Clayton M aranhão, “Execução ‘provisória’ da sentença civil: a exceção passará a ser a regra”, Revista de D ireito P rocessual Civil 10/684 e ss.; e Cristina Leitão Teixeira de Freitas, “Execu ção provisória como regra: necessidade atual”, Revista de D ireito P rocessual Civil 10/694 e ss.

160 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

tando se esta fo i ou não concedida antecipadamente, e, assim, se a sentença está ou não a confirmando. Era neste sentido a nossa proposta de alteração do art. 520.34

Entretanto, como o intérprete deve ler a norma processual à luz das ga­rantias de justiça contidas na Constituição Federal, buscando extrair do sistema o razoável, não há como se concluir que a tutela do direito é possível antes de finalizado o contraditório em primeiro grau de jurisdição, mas não perante este mesmo grau de jurisdição após as partes já terem exercido de forma plena o direito às alegações e provas.

Se ninguém pode negar, sob pena de aceitar a irracionalidade do siste­ma processual, que a tutela pode ser concedida ao final do procedimento, a questão que ainda deve ser posta constitui um problema de menor significado, pois tem por fim definir somente o instrumento técnico que deve servir para a concessão da tutela.

Mas, se a sentença ainda não pode produzir efeitos na pendência da apelação mesmo quando estão presentes os fundamentos que justificam a tu­tela antecipatória, a única saída racional que resta é a de admitir a concessão da tutela por meio de decisão interlocutória, uma vez que o recurso contra ela cabível, que é o de agravo, deve ser recebido somente no efeito devolu- livo. Em outros termos, e de forma bastante esclarecedora: na mesma fo lha de papel, e no mesmo momento, o ju iz pode proferir a decisão interlocutória, concedendo a tutela, e a sentença, que então confirmará a tutela j á concedida e não poderá ser atacada através de recurso de apelação que deva ser recebido no efeito suspensivo (nesta situação, então, aplicar-se-ia o art. 520, VII, do Código de Processo Civil).

Não se diga que neste caso estará sendo ferido o princípio da unirrecorribili- dade, uma vez que o periculum in mora, indispensável para a concessão da tutela antecipatória prevista no art. 273 ,1 do Código de Processo Civil, nada tem a ver com os fundamentos para a procedência do pedido.

Perceba-se, por outro lado, que o fenômeno de decisões únicas em sentido apenas formal não é nova, mas sempre existiu. Basta pensar na sentença, form al­mente única, que aprecia pedido formulado em “ação de conhecimento” e pedido formulado por meio de “ação cautelar”, bastante comum na prática forense. Nestes casos, embora exista formalmente uma única sentença, há materialmente duas, ou melhor, uma que aprecia o pedido formulado na “ação de conhecimento” e outra que julga o pedido apresentado na “ação cautelar”. O recurso interposto contra esta sentença deve ser recebido nos efeitos devolutivo e suspensivo em

3 4 . X de Luiz G uilherm e M arinoni, Abuso d e d e fesa e p a rte incontroversa da d em anda; N ovas linhas do processo civil, 4. ed .,p . 1 5 5 -1 6 5 ; e “A execução imediata da sentença”, A 2. “etapa d a reform a processu al, p. 15-45.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 161

relação ao pedido formulado na “açao de conhecimento”, e apenas no efeito de- volutivo no que concerne ao pedido apresentado na “ação cautelar”.

No caso ora sob análise, há, materialmente, em um mesmo instrumento, uma decisão interlocutória e uma sentença, a primeira atacâvel por intermédio de agravo (que deve ser recebido no efeito devolutivo) e a segunda por meio de apela­ção (que deve ser recebida no efeito apenas devolutivo por ter confirmado a tutela antecipatória).33

O mais importante, porém, é que aquele que deseja tutela antecipatória necessita algo imediato, e apenas a decisão interlocutória pode produzir efeitos imediatamente; não a sentença, que tem os seus efeitos obstaculizados até even­tual decisão que receba o recurso de apelação apenas no efeito devolutivo.50 Ora, quem conhece a realidade da prática forense sabe muito bem que o tempo que intercorre entre a sentença e a decisão que recebe o recurso de apelação é suficiente para fazer ruir qualquer direito que se pretenda ver imediatamente tutelado.

É preciso dizer, ainda, que é possível o requerimento de tutela antecipa­tória no tribunal. Deveras, é importante lembrar que o fundado receio de dano pode surgir em segundo grau de jurisdição e, assim, abrir oportunidade para a tutela antecipatória no tribunal.

35 . Corno concluiu , de form a m agistral, Edgard L ipp m anjú nior, em inente Desembargador do Tribunal Regional Federal da 4 * Região: “O prim eiro aspecto que m erece exam e é ju s ­tam ente a natureza dos provim entos ju risd icion ais proferidos: não h á dúvida que estam os d ian te de um a sen ten ça defin itiva e, em seu corp o , inciden talm ente, um a d ec isão i nterlocu tó- r ia —a n tec ip ação d a tutela ( ...) Avançando, encontram os no caso em concreto, p ortanto, a presença de dois atos ju d icia is distintos: (natureza híbrida) praticados sim ultaneam ente, num am esm a peça processual: u m a sen ten çad e fin it iv a eu m ad ec isâo interlocutória ( .. .) Ora, utilizando-se o princípio processual antes referido (da correlação do ato judicial com o recurso adequado) não vislum bro ag ressão a lgu m a quanto a o outro princip io, tam bém b ásico em m atéria recurso!, qu al se ja o d a u n irrecorrib ilídade/síngu lariclade recursal, de on de se extrai a conclusão, s.m .j., quanto ã p o ss ib ilid a d e d a u tiliz a ção sim u ltân ea tanto do recurso de a p e la çã o com o do ag rav o de instrum ento, ca d a qu al d esa fian d o , p o r óbv io, o p rov im ento ju risd ic ion a i especifico , d estacan d o-se que e s te ú ltim o tem p r a z o menor, in terposição d ireta ­m ente na Instância Superior, suscetível de obter-se a ag reg ação d e efeito su spen sivopelo rela tor etc." (Edgard L ip p m ann júnior, “A spectos do agravo de instrum ento contra antecipação de tutela concedida em sentença definitiva”, Revista d e D ireito Processual Civil 9 /4 5 7 ).

36 . Com o j ã dissemos, há contradição entre a im possibilidade de a sentença ser exec u tada antes do trânsito em ju lgado e o recebim ento do recurso no efeito suspensivo. Se a sentença nãopode ser executada antes do térm ino do prazo recursal, o recurso nada p o d e suspender N ãoé o recurso d e a p e la çã o qu e tem efe ito suspensivo, mas é a sen ten ça que não tem execu tiv idadeantes do trânsito em ju lg a d o (Luiz G uilherm e M arinooi, Tutela an tecipatóría , ju lg am en toan tecipado e ex ecu ção im ed ia ta d a sentença, 4. ed., p. 2 0 1 ).

162 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

4.8 O agravo de instrumento e a possibilidade de concessão, revogaçãoou modificação da tutela antecipatória

Existem duas vias de controle da decisão que trata da antecipação da tutela: o recurso de agravo de instrumento e a possibilidade de modificação- revogação da tutela, prevista no § 4.° do art. 273 do Código de Processo Civil.

Na Itália, antes da reforma de 1992, não cabia recurso algum contra as decisões que concediam as “cautelas ínominadas”, e. a doutrina aí via uma grave falha do sistema, que não permitia um eficaz controle das decisões. Hoje, após a lei 353, de 26 de novembro de 1990, que entrou em vigor em janeiro de 1992, há no direito italiano o reclamo contra, i pravvedimcnti cautelari (art. 669-tcrde- cies) e a possibilidade do juiz revogar ou modificar a tutela em caso de muta- menti nelle circostanze (art. 669-decie.s).37

Esse sistema binário, para bem funcionar, deve supor que os pressupostos para a revogação-modificação da tutela nada têm a ver com a matéria que pode ser posta no reclamo, ou, em nosso caso, no agravo de instrumento. As razões que permitem a revogação ou a modificação da tutela, quando não interposto o agravo de instrumento, são as “novas circunstâncias”, vale dizer, são “outras razões”, no sentido de “razões” que não foram apresentadas.

Não é somente a alteração da situação de fato objeto da lide que permite a modificação ou a revogação da tutela, mas também o surgimento, derivado do desenvolvimento do contraditório, de uma outra evidência sobre a situação de fato. É o caso da produção de prova que pode alterar a convicção do julgador acerca da situação fática.

Não interposto o agravo de instrumento, o juiz somente pode revogar ou modificar a tutela com base em “novas circunstâncias”. Isto não quer dizer que o juiz pode revogar a tutela de ofício; a tutela somente pode ser revoga da em razão de requerimento da parte.

Note-se, além disso, que, também no caso de indeferimento da tutela, o pedido de tutela antecipatória somente poderá ser reiterado - quando não inter­posto o agravo de instrumento - a partir de “novas circunstâncias”.

O juiz, quando decide com base em cognição sumária, não declara a exis­tência ou a inexistência de um direito; o juízo sumário é de mera probabilidade. O juiz, quando afirma que um direito é provável, aceita, implicitamente, a pos­sibilidade de que o direito, que foi reconhecido como provável, possa não ser declarado existente ao final do processo de conhecimento (ou vice-versa). Isto

37. V. Sergio Casadei, “II controllo sul prow ed im ento d ’urgenza'\ R iv ístaT riin estra led iD u it to eP rocedu ra Civile, 1989, p. 349 e ss.; Cláudio C onsolo, “11 nu ovo procedim ento cautelare”, Rivista T ntnettrale di D iritto e P rocedura C ivile, 1994 , p. 3 0 9 e ss.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 163

porque o desenvolvimento do contraditório, com a produção de novas provas, pode fazer com que o julgador chegue a uma conclusão diversa a respeito do direito valorado sumariamente. Por essa razão é que o significado de “novas cir­cunstâncias” abarca as novas provas, quebrando o princípio de que uma nova decisão só se justifica diante de novos fatos.

Concedida ou negada a tutela, a parte poderá agravar e requerer ao rela­tor, com base no art. 558 do Código de Processo Civil, a suspensão dos efeitos da decisão antecipatória ou a própria antecipação da tutela. O fato de o legis­lador ter inicialmente dado ao relator apenas a possibilidade de conferir efeito suspensivo ao agravo não poderia retirar do jurisdicionado o direito de exigir tempestivamente a tutela antecipatória indevidamente indeferida pelo juiz de primeiro grau de jurisdição. É bom lembrar o óbvio: o juiz pode causar dano não só quando concede a tutela, mas igualmente quando a nega.

Ora, se o autor tem direito à tutela antecipatória porque não pode esperar o tempo do processo, ele pode não suportar o tempo necessário ao processa­mento do agravo. A demora do processamento do agravo é completamente in­compatível com a urgência que se supõe existente para legitimar o próprio pedi­do de tutela antecipatória. Além disso, o princípio constitucional da efetividade é garantia do direito à tempestividade da tutela antecipatória indevidamente negada pelo julgador de primeiro grau. A parte tem o direito de requerer a tutela antecipatória ao relator porque tem direito à tutela antecipatória, e porque essa, como é óbvio, somente é efetiva quando é tempestiva.

O art. 527, III, do Código de Processo Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei 10.352/2001, afirma que o relator “poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso” “ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a preten­são recursal”. O art. 527 fala em “efeito suspensivo” e “antecipação da tutela”, acatando a tese que, bem antes da reforma de 2001, já era defendida nesse livro.

Quando o magistrado de segundo grau de jurisdição decide reformar a decisão, ele pode cassar os seus efeitos - no caso em que a decisão de primeiro grau tiver deferido a tutela - ou conferir efeitos à sua própria decisão - quando a decisão recorrida não concedeu a tutela. Mas não há como atribuir efeitos a uma decisão que não concedeu a tutela, pois essa não tem eficácia alguma, e portanto não tem efeito obstaculizado que possa ser ativado,38 É por esta razão que o art. 527

38 . Com o já dizia Athos Gusm ão Carneiro: “Pelo recurso de agravo o tribunal reexam ina, em sua validade e m erecim ento, a decisão concessiva ou denegatória da antecipação da tutela, com a possibilidade de o relator (art. 5 2 7 , I I) lim inarm ente suspender os efeitos da decisão de deferim ento, ou d e lim inarm en te d e fe r ir a m ed id a (pelo im propriam ente d en o ­m in ado ‘e feito a tiv o ’ do prov im ento) nos ca so s d e urgência urgentíssim a e quando convencidoo re la tar da o corrên cia dos pressupostos referidos no art. 273" ( “Aspectos da antecipação- CPC, art. 2 7 3 ”, R evista d e Direito P rocessual C ivil 9/4.51 -4 5 2 ) .

164 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

não podia falar que o relato r pode conceder “efeito ativo” à decisão que negou a tutefa, e assim alude, corretamente, à possibilidade de o relator deferir, em antecipação da tutela, a pretensão recursal.

A pequena alteração procedida na sistemática do recurso de agravo, em vigor a partir de janeiro de 2006, ressalvou o agravo de instrumento para as hi­póteses de “lesão grave e de difícil reparação” (art. 522). Como a negação da an­tecipação da tutela não elimina a ameaça de dano afirmada pelo autor em 1.° grau de jurisdição, tal ameaça prossegue, logicamente como fundamento suficiente para o agravo de instrumento. Porém, no caso de concessão da tutela anlecipatória, caberá ao réu demonstrar que a não eliminação dos efeitos da tutela, até que seja apreciado o mérito em 1.° grau ou o próprio agravo de instrumento (no caso em que é pleitea­do efeito suspensivo ao relator), causará “lesão grave e de difícil reparação”.

Espera-se que os tribunais, na apreciação do agravo de instrumento (mes­mo após a Lei 11.187/2005), não invertam a lógica das coisas (a lógica do pe­rigo de dano), ordinarizando novamente o processo. A tutela antecipatória não deve ser tão excepcional quanto imaginam alguns, já que a demora do processo, principal responsável pela crise da justiça civil, não só excepcionalmente põe em risco os direitos. Exigir uma evidência que tome impossível a antecipação da tutela é uma opção distante da realidade da justiça civil; uma opção cômoda, mas não séria.39 Afinal, o juiz ciente da sua responsabilidade sabe que pouca coisa pode ser mais injusta do que uma vitória processual que signifique uma derrota no plano da realidade social. Aliás, não custa lembrar o alerta de Piero Pajardi, em testemunho de jurista e de Presidente da Corte de Apelação de Mi­lão: de garantísmo se morre!41’

4.9 Eficácia temporal da tutela antecipatória

A tutela de cognição sumária não encontra limite no trânsito em julgado da sentença de procedência, mas sim no trânsito em julgado da sentença de improcedência. Antes da reforma já era aceita a tese de que a tutela cautelar poderia sobreviver ao trânsito em julgado da sentença condenatória: dizia-se que o arresto, “se obtido com base em sentença condenatória ilíquida (art. 814, parágrafo único, CPC), não se transforma automaticamente em penhora, com o

39. “Som ente o erro grave do ju iz da causa, capaz de com prom eter seriam ente interesses considerados superiores pela ordem ju ríd ica ; ou o erro de tal gravidade que im porte em desenganada violação da lei, poderá legitim ar a intervenção excepcional das instâncias recursais, perm itindo-lhes interferir no meritum causae, para cassar a medida lim inar, concedida pelo m agistrado a quem a dem anda esteja confiada” (Ovídio Baptista da Silva, C urso d e processo civil, v. 3, p. 143).

40. Piero Pajardi, “La ideologia ispiratrice dei provvedimenti durgenza ingenerale. 1 provvedimenticautelari. La prow isoria esecuzione”, Les mesures provisoires en procédure civile, p.297.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 165

simples trânsito em julgado da decisão de mérito. Encerrado o processo, terá o vencedor de propor outra ação - a de liquidação - e, mesmo depois de liquidada a condenação, ainda terá de ajuizar a ação de execução; e só depois da citação do executado é que será possível a conversão do arresto em penhora”.41

A tutela sumária que produz antecipadamente o efeito executivo próprio da sentença condenatória, abrindo oportunidade para a antecipação da realiza­ção do direito, não pode ser simplesmente substituída pela sentença condenató­ria transitada em julgado. Quando ocorre o trânsito em julgado da sentença an­tes da plena realização do direito, a sentença de cognição exauriente e definitiva empresta carga declaratória à decisão proferida com base em cognição sumá­ria, transformando a tutela antecipada em tutela final. A "execução” prossegue como definitiva não porque pode levar à realização do direito, mas sim porque o direito em que se funda já foi declarado com força de coisa julgada material.

Por outro lado, embora boa parte da doutrina entenda ser contrária à ló­gica a manutenção da tutela sumária em caso de sentença de improcedência,42 o certo é que, em hipótese:s excepcionais, o juiz poderá mantê-la. Esta já era a posição de Ovídio Baptista da Silva: “não se leva em consideração a circunstân­cia de que a revogação prematura do provimento liminar, ou mesmo da medida cautelar concedida em sentença final cautelar, deixará o direito litigioso sem qualquer proteção assecurativa durante a tramitação dos recursos, em muitos casos extremamente demorada, de tal modo que a reforma da sentença, nos graus superiores de jurisdição, poderia deparar-se com uma situação de pre­juízo irremediável ao direito somente agora reconhecido em grau de recurso. Para que situações desta espécie sejam evitadas, recomenda-se que o magistrado- sensível às circunstâncias especiais do caso concreto - disponha, em sua sen­tença contrária à parte que obtivera a provisional, que esta medida liminar, não obstante a natureza do julgamento posterior divergente, conserve-se eficaz até o trânsito em julgado da sentença a ser proferida no juízo do recurso. Esta parece ser a tendência contemporânea da doutrina italiana (...)”.43

Tal tendência seria no sentido de. aceitar a possibilidade da manutenção da tutela ainda quando um dos seus pressupostos, a probabilidade da existên­cia do direito, não mais exista. Não há contradição entre a declaração da ine­xistência do direito e a necessidade da manutenção da tutela. A declaração da inexistência do direito não elimina o fundado receio de dano, já que o que vale, em caso de recurso, é o julgamento do tribunal, ou seja, a cognição detinitiva (e não a cognição exauriente). Não há como negar que a revogação da tutela, em

41 . Cf. H um berlo Theodoro júnior, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 5/146.42. Giuseppe Vignera, “Suirapportitraprow edim entod 'urgenza e sentenzadim érito”, Rivista

di D iritto Processuale, 1993, p. 5 10 ; FerruccioTom rnaseo, Iprovvedim enti d urgenzci, p. 276.43. Curso d e processo civil, v. 3/124.

166 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

caso de sentença de improcedência, abre oportunidade para um ato contrário ao direito ou um dano na pendência do recu rso .D e fato, caso o tribunal reforme a sentença que implicou a revogação da tutela antecipada, e o ato contrário ao direito ou o dano já tenham ocorrido, o autor não terá obtido tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tem o direito de obter.45 Aqueles que sustentam tal princípio chiovendiano e realmente estão preocupados com a efetividade do processo certamente compreenderão a nossa argumentação.

4.10 Prova, convicção e justificativa diante da tutela antecipatória

4.10.1 Prova e convencimento

O art. 273, caput, do Código de Processo Civil, afirma que o juiz poderá antecipar a tutela “desde que, existindo prova inequívoca, se convença da veros­similhança da alegação”. Em face dessa norma, importa buscar o significado de “prova inequívoca capaz de convencer o juiz da verossimilhança da alegação”.

É claro que não há relevo em analisar, nessa perspectiva, as provas relati­vas às tutelas antecipatórias fundadas em abuso de direito de. defesa (art. 273,11, CPC) e em direito evidente (art. 273, § 6.°, CPC), assim como a prova da tutela antecipatória fundada em receio de dano (art. 2 7 3 ,1, CPC) que pode ser conce­dida ao final do procedimento de primeiro grau ou no tribunal. O que realmente interessa é a tutela antecipatória que se torna necessária, em razão de receio de dano, no curso do procedimento de primeiro grau, pois é nesse momento que se pode pensar em verossimilhança.

A grande dificuldade da doutrina e dos tribunais, diante dessa impres­cindível análise, decorre da relação, feita pelo art. 273, entre prova inequívoca e verossimilhança. Melhor explicando: há dificuldade de compreender como uma prova inequívoca pode gerar somente verossimilhança.

Essa dificuldade é facilmente explicável, pois decorre de vício que se en­contra na base da formação dos doutrinadores e operadores do direito, os quais não distinguem “prova” de “convencimento judicial”. Ora, como o art. 273 do Có­digo de Processo Civil fala em “prova inequívoca” e “convencimento da verossi­

44 . É neste sentido a exata conclusão de Athos Gusmão Carneiro: “Não é de excluir, entretanto, que em casos excepcionais o m agistrado possa (= deva) m anter a antecipação de tutela para que seus efeitos persistam na pendência do recurso ( . . . ) ’’ ( “Aspectos da antecipação- CPC, art. 2 7 3 ”, R evista d e D ireito Processual Civil 9/452).

45. Im agine-se a hipótese em que alguém, com hase no direito à honra, requer e obtém tutela que ordena a um a rede de televisão a não veiculaçâo de um determ inado programa. A revogação da tutela, tornando possível a veiculaçâo do programa, tom aria com pletam ente desnecessário o ju lgam ento do recurso, ao m enos para o que objetivava o autor: a tutela inibitória (e não a reparação) do seu direito da personalidade.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 167

milhança”, qualquer tentativa de explicar a relação entre as duas expressões será in útil se não se partir da distinção entre prova e convencimento.

A prova existe para convencer o juiz, de modo que chega a ser absurdo identificar prova com convencimento, como se pudesse existir prova de veros­similhança ou prova de verdade. A intenção da parte, ao produzir a prova, é sempre a de convencer o juiz.

4 .10.2 C onvicção e verossimilhança

A ideia, certamente correta, de que toda certeza jurídica se resolve em verossimilhança, não deve obscurecer o que se quer dizer aqui, pois obviamente não se pretende, nessa altura dos estudos ligados à filosofia do direito, fazer al­guém acreditar que o juiz pode penetrar na essência da verdade. Mas, o fato de o juiz não poder descobrir a “verdade” não o dispensa da necessidade de buscar se convencer a respeito do que se alega em juízo.

É evidente que a impossibilidade de o juiz descobrir a essência da verdade dos fatos não lhe outorga o direito de definir o mérito sem estar convicto. Estar convicto da verdade não é o mesmo que encontrar a verdade, até porque, quando se requer a convicção de verdade, não se nega a possibilidade de que “as coisas não tenham acontecido assim”.46

A “convicção da verdade” é relacionada com a limitação humana de bus­car a verdade e, especialmente, com a correlação entre essa limitação e a necessi­dade de definição dos litígios. Para ser mais preciso: o juiz chega à convicção da verdade a partir da consciência da impossibilidade da descoberta da sua essência, uma vez que é essa que demonstra a falibilidade do processo para tanto. Trata- se, em outros termos, de recordar Calamandrei quando advertiu que apesar de a natureza humana não ser capaz de alcançar verdades absolutas, “é um dever de honestidade acentuar o esforço para se chegar o mais perto possível dessa meta inalcançável” 47

A verossimilhança, quando compreendida na linha da teoria do conheci­mento, não pode ser colocada no mesmo plano da convicção, pois existe convic­ção de verdade e convicção de verossimilhança, ainda que ambas, na perspectiva gnoseológica, somente possam resultar em verossimilhança.

Portanto, é preciso também sublinhar a distinção entre convencimen­to (que pode ser de verdade ou de verossimilhança) e verossimilhança em sentido filosófico. O juiz, para decidir ou sentenciar, deve sempre procurar

46 . Gerhard Walter, libre aprecíacíón d e la p ru eb a , p. 169.47 . Piero Calam andrei, “Verità e verosim iglianza nel processo civile”, R ivista di D iritto P ro­

cessuale, 1955 , p. 190.

168 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

se convencer, ainda que, em outro sentido, a sua decisão ou sentença nunca vá se afastar da verossimilhança.48

4.10.3 A chamada convicção de "verossimilhança preponderante"

Se existe convicção de verdade e convicção de verossimilhança, cabe expli­car a diferença entre as duas.

Para tanto, não há como deixar de aludir à teoria de origem sueca que en­tende que o juiz pode definir o mérito com base na chamada “verossimilhança preponderante”.49 Tal teoria se move a partir da ideia de que a regra do ônus da prova não é justa e, assim, não deve prevalecer. A regra do Ônus da prova, na perspectiva dessa teoria, não tem qualquer importância como mecanismo de distribuição do ônus probatório e, muito menos, como regra de juízo, mas como uma espécie de régua que indicaria a parte vencedora. O ônus da prova consti­tuiria o ponto central dessa régua, e assim não pesaria sobre nenhuma das panes; a parte que conseguisse fazer a régua pender para o seu lado, ainda que a partir de um mínimo cie prova,™ deveria ganhar a causa, quando então prevaleceria o princípio da “verossimilhança preponderante”.51

A doutrina sueca concluiu que o julgamento dependeria apenas da exis­tência de um mínimo de preponderância da prova, ou seja, de um grau de 51%. Ou seja, se a posição de uma das partes é mais verossímil que a outra, ainda

48 . A prova não pode designada de “prova de verossim ilhança" ou de “prova de certeza". Quando o procedim ento deve prosseguir para que outras provas sejam produzidas, há a form ação de um a espécie de ju íz o , que deve ser qualificado de “ju íz o provisório”. A prova não pode ser qualificada de “prova de certeza” ou de “prova de verossim ilhança”. É o ju ízo , form ado a partir da prova, que, por ser form ado no curso do procedim ento tendente á cognição exauriente, pode ser designado de “ju ízo provisório”, em bora seja cham ado de “ju íz o de verossim ilhança”. Falar que a prova deve form ar um “ju íz o de verossim ilhança” - com o preceitua o art. 273 - con stitu i tautologia. Isso porque toda prova, esteja finalizado ou não o procedim ento, apenas pode perm itir a form ação de um “juízo de verossim ilhança” quando se p arte da. con cep ção de qu e a verdade é a lg o ab so lu ta ­m ente inatingível. Entretanto, se por “ju ízo de verossim ilhança” deseja-se significar ju ízo não form ado com base na plenitude de provas e argum entos das partes, é correto falar de “ju ízo-provisório” ou de convicção de verossim ilhança, deixando-se claro que convic­ção de verossim ilhança e convicção de verdade não dizem o m esmo do que as noções de verossim ilhança e verdade.

49 . Per O lof Ekelof, “Beweíswürdigung, Bew eislast und Bew eis des ersten A nscheins”, ZZP, 7 5 ,1 9 6 2 , p. 289 e ss.

50. Gerhard W alter, libre aprecíación de la pru eba, p. 160.51. Com efeito, essa teoria fala em verossim ilhança preponderante ou Ó v erv ík tsp rin d p para

evidenciar que basta, para a procedência ou para a im procedência, um grau de probabi­lidade m in im o (Salvatore Patti, Prove. D isposizion i gen erali, p. 164 ).

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 169

que minimamente, isso seria suficiente para lhe dar razão. Nesse sentido, ainda que a prova do autor demonstrasse com um grau de 51% a verossimilhança da alegação, isso tornaria a sua posição mais próxima da verdade, o que permitiria um julgamento mais racional e melhor motivado que aquele que, estribado na regra do ônus da prova, considerasse a alegação como não provada.52

Frise-se que essa tese é ligada ã definição do mérito, e não às tutelas proferi­das no curso do processo. Diante disso, ela evidentemente não pode prevalecer, pois não há como aceitar, ao menos como regra, que o juiz possa julgar o pedido procedente sem estar convencido de que o autor tem razão. Ou melhor, não há racionalidade em admi tir, como regra, que o juiz pode julgar o pedido proceden­te com base na verossimilhança preponderante, pois isso eqüivaleria a entender que o juiz não precisa se convencer para julgar.

Não é possível ter a teoria da verossimilhança preponderante como regra capaz de guiar a decisão final do juiz (que define o mérito), embora isso não signifique que a ideia de verossimilhança preponderante não possa prevalecer em determinadas situações, mesmo ao final do processo.

Excepcionalmente, a dificuldade de prova e a natureza do direito material podem justificar a redução das exigências de prova 110 caso concreto, dando ao juiz a possibilidade de se contentar com a verossimilhança preponderante. Isso ocorre, por exemplo, em determinadas situações de direito material em que a prova da causalidade é extremamente árdua, como acontece nos casos de lesões pré-natais.

Portanto, quando se analisa a convicção judicial, é preciso considerar se a causalidade pode ser esclarecida e em que termos. Apenas quando a possibi­lidade de elucidação não é plena, e assim não há como exigir uma “convicção de certeza”, basta a “verossimilhança preponderante”, pena de serem negadas as peculiaridades do direito material e, dessa maneira, a possibilidade de uma efetiva tutela jurisdicional.

Sublinhe-se, contudo, que a redução das exigências de convicção, aojinal do procedimento, somente pode ser admissível em casos excepcionais; jamais como regra, como pretende a teoria sueca da verossimilhança preponderante.

Não há como entender que o juiz, ao definir o mérito, deve simplesmente dar ganho de causa à parte cujo direito for mais verossímil. Até mesmo porque, como todos sabem, não é possível medir, em termos matemáticos, a graduação de uma prova ou de um conjunto de provas, o que eliminaria a possibilidade de justificação racional da “verossimilhança preponderante” na sentença. A con­vicção de verossimilhança somente pode ser racionalmente justificada, ao final do processo, a partir das necessidades do direito material e do caso concreto.

52. Idem, ibidem.

170 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

4.10.4 A convicção de verossimilhança diante da postecipação do contraditório

Porém, algo diferente acontece quando se considera a convicção de veros­similhança característica à cognição sumária, ou seja, a convicção de verossimi­lhança própria aos juízos que se formam no curso do processo.

Quando o art. 273 do Código de Processo Civil faz referência à convicção de verossimilhança obviamente não pretende indicar a verossimilhança pró­pria à filosofia ou a convicção de verossimilhança suficiente para o julgamento de procedência quando presentes determinadas situações de direito material - como acima explicado, lesões pré-natais; relações de consumo etc. - , mas sim a convicção de verossimilhança característica às decisões que postecipam a partici­pação em contradi tório ou são fundadas em cognição sumária.

Trata-se, desse modo, de uma expressa autorização para o juiz decidir com base em convicção de verossimilhança, que evidentemente não se confunde com a convicção excepcionalmente aceita ao final do procedimento em determinadas si­tuações de direito material.

Nesse caso, a convicção de verossimilhança não decorre das necessidades do direito material e do caso concreto, mas sim de uma regra processual que parte da premissa de que ao juiz basta, para conceder a tutela antecipatória, a convicção de verossimilhança. Diante do art. 273, portanto, o juiz está autorizado a decidir com base na convicção de verossimilhança preponderante.

Decidir com base na verossimilhança preponderante, quando da tutela antecipatória, significa sacrificar o improvável em benefício do provável. E nem poderia ser diferente, mesmo que não houvesse tal expressa autorização, pois não há racionalidade em negar tutela a um direito que corre o risco de ser lesado sob o argumento de que não há convicção de verdade.

4.10.5 Convicção de verossimilhança e prova inequívoca

Se não há dúvida de que o juiz está autorizado a conceder tutela ante­cipatória a partir da verossimilhança que preponderar, falta ainda esclarecer a ligação entre essa autorização e a prova inequívoca.

Há quem afirme que “a antecipação pede a mesma prova inequívoca que pede a decisão definitiva”.53 Essa afirmativa, como é evidente, mistura os con­ceitos de prova e de convicção, pois se poderia dizer, no máximo, que a anteci­pação pede a mesma convicção que a decisão definitiva, o que já seria um equivoco, formulando entendimento contrário à letra da lei, pois está escrito no art. 273 do Código de Processo Civil que basta a convicção de verossimilhança.

53. j . J . Calm on de Passos, In ovações no C ódigo d e Processo C ivil, p. 13 e ss.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 171

Por outro lado, pretender explicar o conceito de prova inequívoca me­diante uma tentativa de comparação entre a verossimilhança do art. 273 e o fumus boni iuris próprio à tutela cautelar, como se a prova e a convicção pu­dessem ser medidos em graus, e dessa forma comparados, igualmente não tem propósito.

Não há qualquer lógica na distinção entre a convicção de verossimilhança própria à tutela antecipatória e aquela característica à tutela cautelar. Com efei­to, é um enorme equívoco imaginar que a verossimilhança possa variar confor­me se esteja diante da tutela cautelar ou da tutela antecipatória. Trata-se apenas de uma tentativa, evidentemente destituída de êxito, de empregar a lógica mate­mática para demonstrar algo que não pode ser por ela explicado.

Barbosa Moreira, ao tentar esclarecer o problema, também não chegou a uma solução aceitável. A sua proposta, ao partir da distinção entre prova equí­voca e prova inequívoca, assim concluiu: “será equívoca a prova a que se possa atribuir mais de um sentido; inequívoca, aquela que só num sentido seja possí­vel entender”.54 Como está claro, Barbosa Moreira chegou à conclusão de que a prova a que se possa atribuir mais de um sentido é equívoca.

Como não é difícil perceber, a doutrina que se preocupa em elucidar a questão supõe que, “formatando” a atividade judiciai, isto é, definindo o grau de convencimento ou a qualidade da prova hábil à decisão, pode resolver a pro­blemática que envolve a tutela antecipatória. Acontece que o art. 273 aludiu à convicção de verossimilhança para dar ao juiz a possibilidade de formar a sua convicção em conformidade com as características do caso concreto. Ou seja, o legislador estava consciente de que a necessidade da tutela antecipatória depende das peculiaridades do caso concreto,

Se o art. 273 autorizou o juiz a decidir com base em convicção de veros­similhança, a tese de que a tutela antecipatória apenas pode se basear na prova que aponta em um sentido - que então seria inequívoca para ser aceita, deve­ria explicar o motivo pelo qual a prova que aponta em mais de um sentido não pode ser valorada ou gerar convicção.

Porém, jamais poderia. São freqüentes os casos em que uma prova pode conduzir a duas versões. Aliás, isso não é raro após o término da instrução pro­batória, quando uma prova suscita duas versões e o juiz, então, coloca-se diante da necessidade de escolher uma entre elas. Ora, se o juiz pode julgar o pedido procedente no caso de prova que aponte em dois sentidos, não há como admitir que o juiz possa se eximir de decidir sobre a tutela antecipatória apenas porque a prova aponta em mais de um sentido.

54 . J . C. Barbosa M oreira, “A ntecipação da tutela: algumas questões controvertidas", Temas de d ireito p rocessu al , p. 80 .

172 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

A tese de Barbosa Moreira faz uma interpretação gramatical do significado de “prova inequívoca”, lembrando, inclusive, o significado que os dicionários atribuem a “equivoco”,53 mas não se preocupa com a finalidade da norma que encampa tal locução, e a í esquece o mais importante, isto é, que o art. 273 expressa­mente autoriza o juiz a decidir com base em convicção de verossimilhança.

Ou melhor, a interpretação de Barbosa Moreira não relaciona de modo adequado o significado que retirou da locução “prova inequívoca” com a autori­zação para o juiz decidir com base em convicção de verossimilhança. É que uma prova que aponta em dois sentidos também pode formar convicção de verossimilhan­ça, bastando apontar para o direito do autor deform a mais convincente.

Mas, para Barbosa Moreira a prova que comporta dois sentidos não pode ser valorada ou gerar convicção. Diz ele: “Em duas etapas se desdobrará a per- quirição do magistrado, diante da prova produzida. Primeira: é ela ‘inequívoca’, no sentido de que só comporta um entendimento? Segunda: com esse entendimento, tem ela suficiente força persuasiva para fazer verossímil (ou provável) a alega­ção do requerente?”.-6 Como está claro, essa construção subordina a valoração da prova ou a elaboração do juízo a uma primeira fase, que seria ultrapassada somente pela prova que aponta em um sentido. Parte-se da premissa de que a prova que aponta em mais de um sentido não pode permitir a formação da convicção do juiz, devendo ser excluída como se não pudesse fazer parte da valoração probatória. Com efeito, existiria uma primeira fase, que poderia ser dita de eliminação, na qual a prova seria definida como capaz, ou não, de formar a convicção. Por essa fase passaria apenas a prova que aponta em uma direção. A partir dessa fase estariam descartadas as demais provas - ditas então equívocas - , que não poderiam sequer fazer parte do conjunto de provas objeto da valoração.

Acontece que o juiz pode extrair convicção de qualquer prova, mesmo daquela que aponta em dois sentidos. Melhor explicando: se o juiz, antes de va­lorar a prova, tem que aferir a sua credibilidade, não há como confundir prova que aponta em dois sentidos com falta de credibilidade. É evidente que essa prova pode merecer credibilidade e, por conseqüência, ser valorada. Ou seja, é inegável a sua potencialidade para a formação da convicção. Assim, não há como aceitar a tese de que não é possível chegar à fase em que se verifica a força persuasiva da prova “para fazer verossímil (ou provável) a alegação do requerente”.57

Quer dizer que não se pode aceitar que prova inequívoca signifique prova que aponta em uma direção, pois isso seria o mesmo que dizer que a prova que

55. Que espelharia, segundo sua observação, aquilo que tem mais de um sentido ou se presta a m ais de uma interpretação.

56. J . C. Barbosa M oreira, “A ntecipação da tutela: algumas questões controvertidas”, Temas de d ireito p rocessu al civil, p. 81.

57. ldem , ibidem .

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 173

aponta em duas direções não tem credibilidade e, assim, não deve ser valorada. Ora, a doutrina admite essa espécie de prova até mesmo no âmbito do processo penai. Salaverría, no direito espanhol, alude especificamente a tal espécie de prova, deixando clara a possibilidade da sua valoração: “Una vez determinada la fíabilidad de una prueba, y sin abandonar todavia el âmbito de la valoración individualizada, hay que proceder a su catalogación; operación fácil de ejecutar cuando se sabe si la prueba analizada sirve para sustentar la hipótesis de la acu- sación/la actora o la contra hipótesis de la defensa/el demandado. No obstante, en ocasiones las pruebas presentan un cierto margen de indeterminación, bten porque el dato probatorio se presta a diferentes interpretaciones (no que sucede si hay duclas sobre el significado de un documento, de una declaración, de una pericia) o bien porque - aun siendo objeto de interpretación unívoca - remite a hipótesis que se excluyen entre si (p. ej. una herida letal por arma de fuego es compatible tanto con la hipótesis dei homicidio como con la dei suicidio). En la eventualidad de un dato probatorio con doble interpretación, lo aconsejable seria asumir provisionalmente cada una de las dos interpretaciones por separa- dado, sacar las consecuencias que fluyen de cada una y valorar cuales son más compatibles con los otros datas probatorios. Ante un dato probatorio unívoco pero conducente tanto a una hipótesis como a su contraria, se elegirá aquella opción que concuerde con ulteriores datos probatorios”.58

Sublinhe-se, para melhor explicar, que se a prova que aponta em dois sen­tidos fo r considerada equívoca, e assim incapaz de ser valorada, o juiz não poderá sequer conjugá-la com uma prova que aponta apenas em um sentido para form ar a sua convicção. Vale dizer, a aceitação da tese de Barbosa Moreira excluiria a pos­sibilidade de o juiz conjugar uma prova que aponta em um sentido com outra que aponta em dois sentidos, pois essa última seria equívoca.

Se ninguém pode negar que uma prova que aponta em dois sentidos pode ser valorada, alguém poderia argumentar que a possibilidade de se extrair con­vicção de uma prova não é o mesmo que se extrair convicção para a concessão da tutela antecipatória. Nessa linha, de qualquer forma, já estaria admitida a ideia de que a prova que aponta em dois sentidos pode ser valorada. - e assim conju­gada com outra pois apenas estaria sendo contestada a capacidade de uma prova que aponta em dois sentidos poder gerar convicção suficiente para a concessão da tutela antecipatória.

Acontece que o legislador, no art. 273, autorizou o juiz a tutelar o direito com base em verossimilhança. Aliás, considerando o perigo na demora, que legitima a própria tutela antecipada fundada no art. 273, seria impossível exigir do juiz uma convicção de verdade. A questão que resta, então, é saber se uma prova que aponta em dois sentidos pode gerar convicção de verossimilhança. Se

58. Ju a n Igartua Salaverría, La m otivación d e las sentencias, im perativo constitucional, p. 156.

174 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

no âmbito do processo penal a prova que aponta em dois sentidos deve ser con­jugada a outra para fundamentar a condenação do réu, não há como negar que uma prova desse tipo, no curso do processo civil, é forte elemento de convicção, obviamente capaz de gerar convicção de verossimilhança. Ou seja, se é possível afirmar que, em regra, uma prova de tal natureza não faz surgir convicção ne­cessária a uma sentença civil de procedência, ela certamente é suficiente para fazer a verossimilhança preponderar para o lado do autor. Em outros termos, se a lição de Salaverría deixou clara a possibilidade de valoração de uma prova que aponta em dois sentidos, mas afirmou a necessidade da sua conjugação com outra para a condenação criminal, o certo é que uma prova de tal natureza tem outra relevância no processo civil, especialmente no juízo de cognição sumária, pois é evidente que uma prova, quando valorada, pode se dirigir mais para um sentido do que para outro.

A obviedade de que a prova que aponta em dois sentidos pode ser valora­da está em que ela pode ser conjugada com outra, não podendo ser excluída do conjunto probatório sobre o qual a convicção incide. Se isso é incontestável, a verdadeira questão da prova que aponta cm íloís sentidos não está na sua credibili­dade, mas sim na convicção que pode gerar Porém, se o problema é de convicção, e essa varia conforme os processos penal e civil, o momento em que a tutela é exigida no curso do processo civil, e as particulares situações de direito mate­rial, é pouco mais que evidente que a força da prova que aponta em dois sentidos será maior em um caso do que no outro, dependendo de ser o processo penal ou civil, de ser a tutela final ou antecipatória, e, especialmente, das diferentes hipóteses de direito substancial apresentadas ã decisão judicial no momento em que se requer a tutela antecipatória.

Eliminar a possibilidade de o juiz decidir com base em prova que apon­ta em dois sentidos não elucida a verdadeira questão relacionada à decisão da tutela antecipatória. Ao contrário, ela piora o estado das coisas, pois não só retira, de forma arbitrária - e apenas para ajeitar as palavras contidas na norma

a possibilidade de decidi-lo a partir de prova que aponta para dois caminhos, como mantém insolúvel o problema relacionado aos critérios de aferição da ve­rossimilhança.

Na verdade, tal tese cai no vício de supor que a regra jurídica deve ter um significado capaz de atender, sem a necessidade d.e ulteriores adaptações, a todos os casos concretos. Nessas situações, o intérprete procura dar um significado estreito e abstrato à regra, como se ela não fosse endereçada a diferentes hipóteses. Procura-se uma ilusória segurança, sem considerar-se o seu alto custo social. Ou melhor, tenta-se obter uma certa previsibilidade sem se perceber que dessa forma se estará impedindo que a regra possa atender de forma adequada a de­

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 175

terminadas situações concretas, as quais poderiam ser facilmente tuteladas pelo juiz caso ele pudesse trabalhar com uma regra de textura aberta.39

Quanto mais rígida for a interpretação da norma, menor será a sua pos­sibilidade de abarcar situações particulares, ou seja, menores serão as chances de o juiz extrair uma interpretação capaz de atender aos casos concretos. Nessa linha, a rigidez da interpretação da norma poderá entrar em conflito com a sua própria razão de ser, ou, como diz Hart, com “as nossas finalidades de ter ou manter a regra” (the ngidity oj our classifications will thus vvcir with our aims in having or maintaining the rule) 60

É muito fácil afirmar, a partir dos dicionários, o significado de inequívoco.

Porém, o problema não é tão simples, pois é preciso verificar, antes de tudo, se a fixação de tal significado não impede o juiz de encontrar na regra uma interpretação que possa ser útil e adequada aos casos concretos, além de evidentemente passível de justificação racional na perspectiva da necessi­dade daquele que vai ao Poder Judiciário e da própria razão de ser da tutela antecipatória.

Não se quer dizer, como é óbvio, que não seja possível dar um signifi­cado geral a um termo, mas sim que a busca de um significado geral para um elemento inserido na norma pode retirar a sua elasticidade, impedindo-se que se dê a ela interpretações concretas socialmente úteis e racionalmente justificáveis.61

59 . “To do this is lo secure a m easure o f certainty of predictability at the cost of bindly pre- judging w hat is to be done in a range of future cases, about whose com position we are tgnorant. We shall thus indeed succeed in settling in advance, but also in the dark, issues w hich can only reasonably be se ttled w hen they arise and are identified. We shall be forced by this technique to inciude in the scope o f a rule cases w hich we would wish to exclude in order to give effect to reasonable social aim s, and w hich the open textured term s o f our language would have allowed us to exclude, had we left them less rigidly defined. (H. L. A. Hart. T he concept o flaw , p. 1 2 6 -1 2 7 ).

60. ldem , p. 127.61 . Quando se fala em antecipação da tutela, pensa-se em um a tutela que deve ser prestada

em um tem po m enor àquele que será necessário para o térm ino do procedim ento. Com o o principal responsável pelo gasto de tem po no processo é a produção da prova, adm ite-se que essa tutela seja concedida antes que as provas requeridas pelas partes tenham sido produzidas (tutela antecipada). Nesse sentido, afirm a-se que a tutela é concedida com a postecipação da produção da prova ou com a postecipaçâo do contraditório. N esse caso, “prova inequívoca” som ente pode significar a prova form alm ente perfeita, cu jo tempo para produção não é incom patível com a im ediaüdacle em qu e a tutela d eve ser c on ced id a p a ra não fru strar o direito d o autor:

176 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

4.10.6 /\ racionalidade da decisão fundada em convicção de verossimilhança

É preciso perceber que o real problema não está na conceituação de prova inequívoca ou na definição do grau de verossimilhança suficiente. Em primeiro lugar porque, como dito, não há como estabelecer graus dc convicção; em segundo lugar porque a doutrina e a jurisprudência não podem restringir a produção da prova quando a lei expressamente autorizou o juiz a decidir com base em verossimilhança.

Quando se pensa na verossimilhança suficiente para a concessão da tutela antecipatória, o real problema está na racionalidade da decisão judicial, ou melhor, no controle da racionalidade da decisão62 que concede, ou não, a tutela antecipa­tória. Acontece que essa racionalidade, como demonstrado, não pode ser garantida através de uma artificial e impossível determinação do grau de verossimilhança ou de uma indevida restrição do direito à produção de prova.

O juiz tem o dever de justificar a decisão antecipatória, conforme fez questão de frisar o art. 273, § 1.° do Código de Processo Civil.53 Acontece que o juiz, embora ciente dessa necessidade, ressente-se da falta de critérios para explicar - nas palavras do referido art. 273, § f.° - “de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento”. Tal falta de critérios também impede os advoga­dos de poderem controlar a decisão do juiz, uma vez que, se a decisão sequer tem adequada justificativa, toma-se impossível argumentar que a decisão é incorreta. Não é por razão diversa que são comuns as decisões de primeiro grau que concedem ou negam a tutela antecipatória sem qualquer fundamento idôneo e as decisões de segundo grau que revogam ou mantêm a tutela antecipatória sem nada argumentar de forma convincente.

4.10.7 A justificativa da convicção de verossimilhança

Vamos, então, ao verdadeiro problema. Como justificar a convicção de verossimilhança? Afaste-se, desde logo, a absurda e inexplicável ideia de que a justificativa da decisão antecipatória não exige a mesma atenção da justificativa da sentença.

Ninguém mais duvida de que o raciocínio probatório não pode ser de­monstrado através do método assiomãtico-dedutivo, peculiar à matemática, como também é inegável que as exigências postas pelas novas situações de di­

62 . Sobre o tema do controle da racionalidade da decisão, ver M ichele Taruffo, “Il controllo di razionalità delia decisione fra logica, retórica e dialettica”. Na internet: www.studioce- lentano.it.

63 . O m esm o alerta para a fundam entação veio expresso no § 4.° do art. 2 7 3 , que dita que “a tutela antecipada poderá ser revogada ou m odificada a qualquer tem po, em decisão fundam entada”. Tal explicitação, a prim eira vista, seria desnecessária, à medida que a obrigatoriedade da m otivação está expressa na C onstituição Federal (art. 93, IX).

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 177

rei to material ampliaram o poder decisório do juiz, que agora pode decidir no curso do processo apenas com base em convicção de verossimilhança. Porém, isso obviamente não pode implicar a ideia de que o juiz não pode ser controlado. A garantia da motivação das decisões tem relação com a necessidade de controle do juiz, que deve justificá-las nâo só para legitimar o exercício do seu poder pe­rante a população, mas também para dar às partes o direito de compreendê-las e impugná-las perante os tribunais. Em outras palavras, aceitar uma decisão sem justificativa é o mesmo que impedir a adequada participação das partes e retirar a legitimidade do Poder judiciário.64

O juiz, ao valorar a credibilidade das provas, ao estabelecer a ligação entre as provas e os fatos e ao valorar as presunções e o conjunto probatório, submete o seu raciocínio a sistemas e critérios racionais, embora não possa explicá-los através da lógica matemática. Tais critérios permitem-lhe decidir e justificar a sua decisão, embora muitas vezes necessitem da adição de outros, próprios ao método sistemático, como os da coerência e da congruência, capazes de também auxiliar na decisão judicial.

A tutela antecipatória do art. 2 7 3 ,1, do Código de Processo Civil, como já demonstrado, requer uma convicção de verossimilhança preponderante. Isto é, o juiz não pode deixar de conceder a tutela antecipatória com base no argumento de que o autor não se eximiu do ônus da prova, pois essa regra obviamente aí não vale.

Tal espécie de tuteía antecipatória apresenta-se como necessária quando a posição do autor está gravemente fragilizada, já que o seu direito está sendo ameaçado por dano iminente. Para tornar possível a sua proteção, outorgou-se expressamente ao juiz a possibilidade de decidir com base em verossimilhança, o que significa que ele está proibido de pensar em uma convicção de verda­de, própria à regra do ônus da prova. Para a concessão da tutela antecipatória, basta-lhe a convicção de verossimilhança preponderante, isto é, que o material trazido ao processo indique que o direito do autor é mais verossímil do que o do réu.

Mas, também na tutela antecipatória, o juiz não pode deixar de justificar: i) as razões que o levaram a acreditar, ou não, na prova; ii) a ligação que reali­zou entre as provas e os fatos; iii) os motivos que o levaram a estabelecer, ou não, uma presunção; e iv) de referir e fundamentar as regras de experiência que guiaram o seu raciocínio. Assim, nada significa dizer, seca e simplesmente, que há, ou não, verossimilhança, pois essa convicção deve resultar da justificativa da decisão “antecipatória”.

Grosso modo, é preciso descrever o fato probando e as provas produzi­das, explicar a relação entre as provas e os fatos - inclusive indiciários - e a relação entre os fatos indiciários provados e o fato probando, além de deixar

64. M ichele Taruffo, La m otiv az ion e d e lia sen ten za c iv ile , p. 3 9 2 e ss.

178 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

claras as regras de experiência - e os seus fundamentos - que conduziram o raciocínio judicial.

Observa-se que, na prática forense, não se dá importância para a definição de fato indiciário e, consequentemente, para os raciocínios (presuntivos) que são feitos - na maioria das vezes de forma despercebida, ligando os fatos indici- áríos ao fato probando. Mais especificamente, nota-se uma completa desatenção para com as regras de experiência que fundamentam os raciocínios destinados a fixar as presunçôes. Porém, as regras de experiência e os raciocínios presuntivos não só devem ser claramente explicitados, como devidamente fundamentados como aptos à formação das presunçôes. Se o juiz deve julgar com base em crité­rios racionais, não há como a motivação esquecer de demonstrar a racionalidade das regras de experiência, sejam comuns ou técnicas,

Tudo isso quer dizer que a justificativa deve explicar o desenvolvimento do raciocínio que conduziu à decisão, e não apenas enunciar o seu resultado. Com efeito, pouco esclarece dizer que há, ou não, verossimilhança ou fumus bonis iuris, se não se explicar os motivos desse convencimento.

A peculiaridade da decisão antecipatória está em que todos esses critérios de convencimento, como o da relação entre a prova e os fatos e o da relação entre os fatos indiciários e o fato probando, não exige o esgotamento da regra do ônus da prova, pois aqui ela deve ser vista como uma régua - como queria a doutrina escandinava da verossimilhança preponderante - que, fixando-se no grau 50, aponta em favor do autor quando inclina para a direita (de 50 para cima) e, em favor do réu, quando pende para a esquerda (de 50 para baixo).

Por isso, o juiz deve explicar cada um dos critérios antes apontados e, consequentemente, os motivos que o levaram a concluir pela verossimilhança da posição de uma parte ou outra. Ou melhor, a motivação da decisão antecipatória deve ser tão racional quanto a da sentença, com a única diferença de que deve justi­ficar apenas uma convicção de verossimilhança de preponderante.

Frise-se que a justificação tem valor em si mesma, uma vez que dela de­pende a idoneidade da decisão. Ou seja, para se ter uma decisão como idônea, é preciso verificar a racionalidade da sua justificação, que objetiva explicar a racionalidade dos raciocínios probatório e decisório.

4.10.8 Critérios para o controle da racionalidade do discurso baseado na convicção de verossimilhança

Contudo, a circunstância de os critérios há pouco lembrados eventual­mente não poderem levar o juiz a se convencer da verossimilhança, não significa dizer que o juiz deva parar aí, ou que não tenha outros critérios para se con­vencer. Quando tais critérios levam a duas versões igualmente aceitáveis - o que

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 179

também pode ocorrer na sentença devem ser aplicados os critérios da coerência e da congruência,53

O primeiro desses critérios quer expressar que a narrativa judicial deve ser coerente, e assim não pode conter ilogicidades, como a de aceitar um fato como verdadeiro e falso ao mesmo tempo, admitir fatos entre si incompatíveis, utilizar uma regra de experiência em uma situação e a negar em outra - sem que entre elas exista qualquer motivo para discriminação - ou se valer de regras de experiência incompatíveis.56

Ademais, além de ausente de contradições, a versão judicial nâo pode negar uma prova ou um fato provado ou aceitar um fato afirmado, mas não provado. Nesse último contexto, a narrativa do juiz nâo pode ser incompleta ou “supra-abundante” 67

Esclareça-se, porém, que a coerência e a congruência podem ser utilizadas para guiar o raciocínio do juiz rumo à decisão - quando podem ser utilizados como testes para a escolha da melhor versão das partes ou mesmo para a defi­nição da própria versão judicial ou vistos como critérios que devem qualificar a justificativa e servir para o seu controle por parte do tribunal.68

Assim, por exemplo, a falta de lógica da versão de uma das partes pode implicar na escolha da outra ou na definição de uma terceira, quando o critério integrará o raciocínio decisório. Mas, a justificativa também deve ser coerente e congruente, razão pela qual o tribunal pode, através de recurso e fundado nesses critérios, não aceitar a justificativa do juiz. No primeiro caso, a coerência constitui critério de decisão, enquanto que, no segundo, integra a justificação ou o raciocínio justificativo.

Note-se que a circunstância de uma prova apontar para duas versões nada tem a ver com falta de coerência ou congruência, uma vez que essas duas últi­mas não se referem à prova, mas sim à narrativa (ao discurso). A incoerência está no interior da narrativa que aceita dois fatos incompatíveis. Ou seja, enquanto os fatos incompatíveis estão na prova, e não na narrativa, não há que se pensar em incoerência.

Quando uma prova aponta em dois sentidos, isso não quer dizer que essa seja inútil, pois pode permitir que a convicção se forme em um dos sentidos, es­pecialmente na dimensão da verossimilhança preponderante. Ou melhor, o fato

65 . Ver M ichele Taruffo, “Funzione delia prova: Ia funzione dim ostrativa”, Rivista di D iritto Processuale, 1997 , p. 5 6 8 e ss.

66 . M ichele Taruffo, La prova d e ifa t t i gíurídici, p. 295 .67 . Idem, ibidem.68. Sobre a d istinção entre o racio cín io d ecisório e o racio cín io ju stificativ o , ver M ichele

Taruffo, Cinco lecd o n es m ex ican as , p. 1 e ss .

180 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

de uma prova apontar em dois sentidos apenas pode tomar mais difícil a elabora­ção da convicção, mas, justamente pela razão de que pode formar ou colaborar para form ar a convicção, não pode ser descartada ou simplesmente conceituada como “equívoca” ou “imprestável”.

4.10.9 Convicção de verossimilhança e caso concreto

A aceitação de que a prova pode apontar em dois sentidos e a consciência de que a convicção, apesar de não se submeter à lógica matemática, deve ser demonstrada através de argumentos capazes de justificar racionalmente a decisão judicial, enterra de vez por todas a ideia de pensá-las à distância do direito ma­terial e dos casos concretos que visam a elucidar.

Como visto, todo o percurso do raciocínio que leva à decisão se funda em critérios racionais que devem ser devidamente explicitados e justificados. Esses critérios, como é evidente, são muito mais complexos e sofisticados do que as sim­plistas idéias que partem do pressuposto de que a prova inequívoca pode ser definida quanto ao seu conteúdo e de que a convicção pode ser medida em graus.

Tais critérios, assim como a sua justificativa, encontram plena raciona­lidade quando conectados ao direito material e ao caso concreto que devem servir. Aliás, a obviedade de que as necessidades do direito material e dos casos concretos são várias é que aponta para a impossibilidade de se definir, segundo cri­térios matemáticos, a modalidade de prova e o grau de convicção que devem presidir a tutela antecipatória.

Diante dela, a única coisa que se pode definir, em principio, é que a convicção do juiz, em razão de a decisão ter que ser tomada mediante cognição sumária- no curso do processo - em virtude de perigo de dano, deve seguir a lógica da verossimilhança preponderante. Não é preciso dizer que isso está muito longe das ideias de graduação da convicção e de restrição da prova capaz de gerá-la, até porque essa maneira de pensar inviabilizar ia a própria elasticidade que deve marcar a tutela antecipatória e, assim, a sua possibilidade de atender de forma adequada aos vários casos conflitivos concretos.

4.10.10 O A importância da identificação da tutela do direito a ser antecipada para a racionalização da convicção de verossimilhança

Evidenciada a necessidade de relacionar a convicção de verossimilhança com o caso concreto, cabe esclarecer, desde logo, algo que, apesar de óbvio, nunca foi considerado pela doutrina, certamente pelo péssimo vezo de pensar o processo - e assim a prova etc. - como instituição neutra e indiferente ao direito material e ao caso concreto.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 181

Quando a tutela jurisdicional (final) é realmente olhada pelo ângulo do direito material, torna-se fácil perceber que ela pode ser repressiva ou preventi­va, isto é, posterior ou anterior a violação do direito, o que obviamente também acontece com a tutela antecipatória.

O que atrapalha tudo, e é reflexo do que acaba de ser denunciado, ou seja, de imaginar que as categorias do direito processual podem ser tratadas e conceituadas como se dissessem respeito somente ao processo, é a tentativa de dissolver o conteúdo da tutela antecipatória na suposição de que não seria preciso identificar as peculiaridades e os pressupostos das diferentes tutelas fundadas em perigo, bastando conceituá-las como tutelas “de urgência" - que, assim, deixaria de ser um gênero que engloba várias realidades, mas sim uma realidade homogênea.

Acontece que a ideia de tutela de urgência somente pode explicar algo que é intimo ao processo e não como ele trata do direito material e dos casos concretos. A fa lta de identificação das tutelas que dão composição ao gênero “tutela de urgência” elimina a possibilidade de se explicar a convicção de verossimilhança e a justifica­ção da decisão antecipatória, pois essas não são uniformes, ao contrário do conceito de urgência.

A circunstância de a tutela antecipatória, na perspectiva processual, poder ser conceituada como urgente, obscurece o fato de que a tutela urgente pode ser re­pressiva e preventiva (inibitória) e as importantes implicações que essa constatação tem para o assunto que aqui interessa.

4.10.11 A convicção de verossimilhança diante das várias espécies de tutela antecipatória

Lembre-se de que a ação inibitória é voltada para o futuro, pois preo­cupada com o que vai acontecer, ou mais precisamente com a ameaça da práti­ca, da repetição ou da continuação de um ato contrário ao direito.69 Por isso, a tutela inibitória - final ou antecipada - deve ser prestada antes da prática do ato ilícito temido.

É preciso recordar que a própria tutela inibitória final se contenta com a verossimilhança da ameaça, e que a aceitação da redução da convicção do juiz, nesse caso, resulta do direito material, ou melhor; da irracionalidade de se exigir uma convicção de verdade quando a única prova que pode ser feita aponta para o passado. A peculiaridade está em que na tutela inibitória final a convicção de verossimilhança basta apenas em relação á presunção decorrente da ligação entre a prova do fato passado e o fato temido (futuro), pois quanto ao fato passado deve haver convicção de verdade.

69. Ver Luiz G uilherm e M arinoni, Tutela in ibitória .

182 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Assim, no que respeita a ação voltada a impedir a repetição ou a conti­nuação do ilícito, o juiz deve estar convicto de que o demandado já praticou ou iniciou um ato ilícito. Note-se que, nesses casos, deve existir convicção de verdade em relação ao fato passado (indicíário) e à licitude. A probabilidade diz respeito apenas à presunção a ser estabelecida entre a prova do jato passado e o jato futuro. Ora, se o juiz não pode chegar à ameaça da repetição ou da continuação a não ser a partir da prova da violação já ocorrida, não é correto penalizar aquele que já sofreu o ilícito, pois a experiência mostra que o autor de um ilícito tem grande probabilidade de voltar à sua prática.

Na outra modalidade de ação inibitória - denominada de “pura" - , em que não se teme a repetição ou a continuação do ilícito, mas sim a prática de um ilícito sem que nenhum ato anterior da mesma natureza tenha sido cometido, “deve haver convicção de verdade em relação a atos preparatórios ou a fatos objetivos que possam indicar a verossimilhança da prática do ato temido. Da mesma forma que nas outras duas ações, aqui a convicção de verossimilhança diz respeito apenas à presunção sobre o fato temido, e não a fato passado. Não há dúvida de que a convicção de verdade sobre os fatos passados, bem como so­bre a licitude do fato temido, é suficiente para dar ao juiz a convicção necessária para conceder a tutela inibitória final.

Porém, tratando-se da tutela inibitória antecipada, a verossimilhança não atinge apenas a presunção. Na hipótese de ação dirigida a impedir a repetição ou a continuação do ilícito, a verossimilhança também recai sobre o fato passado e a sua licitude, enquanto que, no caso da chamada ação inibitória “pura", a verossimilhan­ça igualmente incide sobre os atos preparatórios e a licitude do ato temido.

Em qualquer uma dessas situações, a concessão da tutela inibitória ante­cipada deverá ser racionalmente justificada, mediante a referência das relações entre as provas e os fatos passados e a explicação do raciocínio-ponte entre tais provas e o fato temido, demonstrando-se, além disso, a probabilidade da sua ocorrência no curso do processo.

A importância de observar o direito material e o caso concreto, nesses ca­sos, é facilmente constatável quando são consideradas as seguintes particulari­dades: i) que deve ser provado para a concessão da tutela inibitória apenas um ato ilícito ou um ato preparatório; ii) que o juiz deve ter apenas uma convicção de verossimilhança preponderante acerca desses atos; iii) que o raciocínio presuntivo deve se limitar a uma verossimilhança preponderante de que a prática, a repetição ou a continuação de um ato contrário ao direito - e não de um dano70 - ocorram no curso do processo.

70. No que concerne à diierença entre probabilidade de ato contrário ao direito e probabili­dade de dano, é conveniente esclarecer m ediante um exem plo: em ação inibitória voltada a im pedir a repetição do uso de marca com ercial, é suficiente, para a concessão da tutela

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 183

Por outro lado, há casos em que uma norma de proteção - por exemplo, do consumidor - já foi violada, sendo necessário remover os efeitos concretos do ilícito através de tutela antecipatória. Nesse caso basta apenas a convicção de verossimilhança da violação da norma, pouco importando o dano ou a sua proba­bilidade - o qual, aliás, não importa nem mesmo para a tutela final. Quando o legitimado à proteção dos direitos do consumidor pede tutela antecipatória cie busca e apreensão de produtos nocivos que foram postos à venda pelo réu, é su­ficiente que o juiz forme uma convicção de verossimilhança acerca da violação da norma de proteção, sendo desnecessária a prova acerca de eventual dano. O dano não pode ser discutido nessa ação de busca e apreensão, pois o que nela importa é apenas a necessidade de atuação do desejo da norma de proteção. Por isso, o juiz não pode deixar de conceder a tutela antecipatória, em um caso desse tipo, sob a alegação de que não há probabilidade do dano.

Note-se que, na hipótese dos produtos nocivos, a convicção de verossimi­lhança recai sobre um ilícito já praticado e o perigo de dano é decorrência automáti­ca da sua constatação. O que importa evitar, nessas situações, é pensar que o juiz deve se convencer da probabilidade de dano, ou que a tutela antecipatória requer a demonstração de que a venda do produto pode gerar dano.

É fundamental perceber que a tutela antecipatória na ação de remoção de ilícito, além de tomar em consideração um ilícito que já ocorreu, não objetiva evitar um ato futuro, mas apenas remover os efeitos concretos de um ato pas­sado. Isso quer dizer que a prova, nesse caso, não se volta para o futuro - como acontece na tutela inibitória antecipada - , dirigindo-se apenas para o passado.

A situação é diversa quando se considera a tutela de reparação d.o dano.

Quando se pensa na tutela antecipada de soma em dinheiro na ação de indenização fundada em ato ilícito, por exemplo, importa a convicção de ve­rossimilhança do dano e da responsabilidade e o fundado (portanto também a convicção de verossimilhança) receio de que, se o ressarcimento demorar, outro dano poderá ocorrer.

Perceba-se que a ação inibitória se preocupa com um ato ilícito futuro, a ação de remoção do ilícito com um ato ilícito passado e a ação de ressarcimento com um dano já ocorrido. Na ação inibitória, portanto, é preciso demonstrar que um fato passado aponta para uma ameaça de violação. Na ação de remoção

antecipatória, a convicção de verossim ilhança de que o réu utilizou indevidam ente a m arca com ercia i d e titu laridade do autor. É claro que o ju iz deve referira prova que lhe convence do uso indevido d arca - ainda que na dim ensão da verossim ilhança além de ter que explicar a razão ela qual lhe parece verossím il que o réu volte a utilizá-la antes do encerra­m ento do processo. P orém , o autor sequer precisa aludir ao fato de que o uso indevido da marca pode gerar dano; basta a probabilidade da repetição desse uso. Ver Luiz G uilherm e M arinoni, Tutela in ib itór ia , p. 4 0 -5 0 .

184 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

de ilícito basta provar a ocorrência do ilícito. E na ação ressarcitória é preciso demonstrar o dano e a responsabilidade do demandado.

Tratando-se de tutela antecipada, a convicção deve ser compreendida na mesma perspectiva.71 Para a tutela inibitória antecipada é preciso a convicção- de verossimilhança - de que foi praticado um ato e, além disso, que esse ato, segundo as regras de experiência, aponta para uma ameaça de violação, que poderá ocorrer no curso do processo. Porém, na tutela de remoção do ilícito antecipada é suficiente a convicção de verossimilhança de que foi praticado um ilícito, pois a ação de remoção não se preocupa com um ato futuro. O perigo de ato futuro, nessa ação, poderia estar relacionado, no máximo, com o tempo de demora do processo, ou seja, com a tutela antecipatória. Porém, nem mesmo e, se perigo precisa ser objeto de prova, pois pode ser aferido a partir da própria razão de ser da norma de proteção violada. Vale dizer, se a norma de proteção seja evitar condutas capazes de provocar danos, a probabilidade da sua violação, por si só, já é suficiente para evidenciar o perigo na demora. Por outro lado, como na ação de ressarcimento há que se demonstrar o dano e a responsabilidade, nada havendo para se alegar em relação ao futuro, o requerimento de tutela antecipa­tória somente se liga ao perigo na demora, isto é, à probabilidade da ocorrência de um novo dano ou de que o próprio dano que se deseja ver ressarcido seja potencializado. Aqui, ao contrário do que acontece na ação inibitória, basta ape­nas a demonstração do fato passado, sendo completamente desnecessário aludir a um fato íuturo. O único fato futuro que requer demonstração, nesse caso, é o perigo na demora. Mas, esse perigo na demora, ao contrário do que acontece na inibitória, não é uma conseqüência da ameaça do ato futuro, ou mera decorrên­cia da violação da norma, como ocorre na ação de remoção. Por isso, a prova do perigo na demora, nessa última hipótese, é mais delicada.

A necessidade da identificação de cada uma dessas tutelas é imprescindível não sá para que as partes saibam o que deve ser discutido e provado em cada espécie de tutela antecipada, mas também para que o juiz tenha condições de racionalmente expressar a sua convicção. Ora, o juiz somente pode se dizer convencido se sabe do que deve se convencer. E as partes apenas podem controlar a motivação se sabem o que deve ser objeto do convencimento judicial. Daí a importância de se deixar claro, por um lado, i) que a tutela inibitória não se preocupa com o dano e com o elemento subjetivo, mas apenas com a probabilidade do ato contrário ao direito; ii) que a tutela de remoção do ilícito nada tem a ver com o dano e com a culpa, mas apenas com. a ocorrência de um ato contrário ao direito; e iii) que a ação ressarcitória se liga ao dano e aos critérios de imputação da sanção ressarcitória. E, por outro lado, que o perigo na demora deriva i) da ameaça de

71. De acordo e citando o livro Técnica processual e tutela dos direitos, ver Cécile Chamais, La protection ju rid ic tíon n elk provisoire clans lep rocès civil en droits français et italíen , p. 774.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 185

violação na ação inibitória; ii) da própria violação na açao de remoção; iii) mas não é decorrência automática do dano.

Deixe-se claro, contudo, na’ linha do que se demonstrou até agora, que o valor da convicção depende da racionalidade da sua justificação, vale dizer, da descrição das relações entre as provas e os fatos e da explicação das presunções e das regras de experiência.

4.10.12 Dificuldade da prova, credibilidade das alegações e convicção de verossimilhança

Por outro lado, é preciso frisar que o grande entrave da ação inibitória “pura” é a demonstração de atos que indiquem a probabilidade do ato temido. Aliás, é evidente que essas ações, os seus módulos probatórios, variem em razão das situações de direito que almejam tutelar.

Se a convicção de verdade, própria à sentença, pode ceder diante de certos casos concretos (como os relacionados a danos pré-natais ou a danos ligados ao não cumprimento de deveres de proteção), não há como negar que a convicção de verossimilhança, típica à tutela antecipatória, também deve ser pensada con­forme as circunstâncias do direito material e do caso concreto, especialmente daquelas que indiquem dificuldade para a produção da prova.

Ou seja, não há como deixar de considerar a dificuldade de produção da prova, peculiar a uma dada situação de direito material, quando se pensa na convicção - seja ao final ou no curso do processo - , pena de se negar cutela juris­dicional adequada a determinados direitos. É nesse sentido - isto é, considerando que a dificuldade de prova pode decorrer de uma específica situação substancial- que se afirma que o juiz deve se satisfazer - para conceder a tutela final ou antecipatória - com a “prova possível da alegação”.

Ou de maneira mais clara: a convicção de verossimilhança deve ser justifi ­cada não só com base nas provas produzidas, mas também mediante a explicação racional da dificuldade de produção de prova, considerando que, quanto maior for essa dificuldade, menos se deve exigir do juiz. A lógica é bastante simples, pois todos sabem que não se pode exigir de quem tem um direito algo que in­viabilize o seu exercício (no caso o direi to à tutela jurisdicional).

Assim, nas situações em que o direito material justifica a redução da exi­gência da convicção no final do processo e naquelas em que o direito material e o caso concreto apontam para a dificuldade de se produzir prova quando da tutela antecipatória, não há como deixar de elaborar critérios que possam auxi­liar o encontro de um tratamento justo.

Note-se, por exemplo, que alguém pode estar articulando, ou praticando, atos de agressão a direitos da personalidade de forma velada, cuidando para não

186 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

deixar provas, Era casos desse tipo, torna-se muito difícil produzir prova, ainda que seja para fazer surgir convicção de verossimilhança. Porém, não é justo dei­xar o titular do direito de personalidade ao desamparo ou nas mãos daquele que, com astúcia e cuidado, pretende infringir ou voltar a violar o direito.

Nessa dimensão, diante da impossibilidade de produção de prova, importa como nunca a chamada credibilidade das alegações, que deve se basear em regras de experiência devidamente consolidadas na sociedade no momento da deci­são. A credibilidade das alegações, assim como as regras de experiência capazes de fundá-las, constituem critérios cuja racionalidade deve ser devidamente justificada.

Se a impossibilidade de prova pode ser suprida pelo critério da credibili­dade das alegações - que não pode se desligar da idoneidade das regras de ex­periência tanto a impossibilidade da produção de prova, quanto a legitimidade de tais critérios, dependem da racionalidade da justificativa judicial. Vale dizer: a racionalidade da argumentação é que deve justificar a dificuldade de prova, a cre­dibilidade das alegações e idoneidade das regras de experiência que afundaram.

4.10.13 Convicção de verossimilhança e consideração das posições em disputa

Outro importante critério, que pode auxiliar quando as versões do autor e do réu são igualmente verossímeis, é o do balanceamento dos valores em litígio. Esse critério, como é óbvio, exige a consideração do direito material, ou melhor, do valor dos direitos em conflito.

Trata-se de critério complexo, que somente pode ser compreendido por quem está convencido da necessidade de o processo civil servir ao caso concre­to. O uso de tal critério requer que todos os demais critérios antes expostos - i) da relação entre as provas e os fatos, da explicação das presunções e da funda­mentação das regras de experiência; ii) da coerência; iii) da congruência; e iv) da credibilidade das alegações - tenham sido insuficientes para evidenciar de que lado pende a verossimilhança.

Como ocorre em relação a todos os critérios destinados a explicar o racio­cínio e a decisão judiciais, esse também deve ser racionalmente justificado. Sua utilização requer a prévia justificativa da sua necessidade diante dos outros cri­térios que, logicamente, devem lhe anteceder, e após as razões pelas quais uma posição deve preferir a outra.

A justificativa da escolha de uma posição em relação à outra exige a con­sideração de outros critérios, que então podem ser chamados de subcritérios. Assim, é preciso verificar se o direito do autor, que está sendo ameaçado por dano, tem natureza não patrimonial ou patrimonial, e, diante disso, se ele pode ser: i) integralmente restaurado; ii) ressarcido em dinheiro; iii) dificilmente res­sarcido em dinheiro; ou é iv) insuscetível de transformação em pecúnia. Por

A TUTELA AN TECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 187

igual razão, é necessário analisar se o direito do réu possui natureza não pa­trimonial ou patrimonial, e qual a intensidade do prejuízo que a concessão da tutela poderá lhe trazer, ou melhor, se a concessão da tutela poderá lhe ocasio­nar um prejuízo suscetível de restauração, ressarcível em dinheiro, dificilmente ressarcível em dinheiro ou insuscetível de ressarcimento, ainda que em pecúnia.

Essa argumentação parte do pressuposto de que a tutela antecipatória pode trazer prejuízo irreversível. Isso é inegável quando o juiz chega á convic­ção de que o direito do autor é verossímil, uma vez que a lógica que preside a tutela antecipatória é a do sacrifício do improvável em favor do provável.72 Ora, ninguém pode concluir que o juiz pode deixar de proteger o direito ameaçado por dano, e que lhe parece provável, apenas para não expor a risco de dano o direito que lhe parece improvável.

Mas, como já foi possível perceber, o problema, aqui, não é relacionado à tutela do provável, mas sim à tutela diante de dúvida sobre a verossimilhança. É conveniente sublinhar que essa “dúvida" somente abrirá oportunidade à in­serção do critério que agora é exposto quando não resultar da inércia do autor na produção da prova.

Porém, quando tal inércia não aconteceu, e o critério da credibilidade, por si só, não se apresentou como suficiente, o critério da ponderação pode ser utilizado isoladamente ou mesmo conjugado com o da credibilidade. Voltemos, assim, aos subcritérios há pouco apontados.

Não é difícil intuir que tais subcritérios, para poderem explicar uma solu­ção de forma racional, devem ser relacionados. E, diante deles, importa a presta­ção de caução, ainda que se admita a sua dispensa em casos excepcionais. Como é curial, a caução se destina a assegurar o prejuízo que pode ser imposto ao réu e, assim, pode ser vista como um meio capaz de facilitar o balanceamento das posições das partes.73

Quando o direito do autor é não patrimonial ou, ainda que patrimonial, é não restaurável ou dificilmente ressarcível em dinheiro, esse deve preferir o direito restaurável ou ressarcível em dinheiro, quando então deve ser prestada caução. Contudo, alguém poderá dizer que a não patrimonialidade, a não res- taurabilidade e a dificuldade do ressarcimento em dinheiro são pressupostos para a concessão da tutela antecipatória, mas não admitem a presença de dúvida quanto à verossimilhança.

Essa tese finge ignorar que o juiz pode ter dúvida e, o que é pior, que essa dúvida pode trazer prejuízo ao titular do direito fundamental à tutela jurísdicio- nal. Quem ignora essa situação, procurando simplesmente uma resposta mais

72. Ver Ferruccio Tom m aseo, “Intervento”, L es m esures prov isoires en procédu re civile, p. 307 .7 3 . Não que a caução não possa ser exigida qu an do o d ireito d o au tor f o r verossím il.

188 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

cômoda às estruturações teóricas, obviamente não consegue explicar, ao menos de maneira racional, a razão pela qual a dúvida a respeito da verossimilhança - que é problema do Estado-Juiz - deve onerar o autor.

Ora, não se está dizendo que a tutela antecipada deve ser concedida quan­do o juiz está em dúvida quanto à verossimilhança, mas sim que o juiz deve uti­lizar o método do balanceamento como última alternativa para realmente aferir a necessidade da tutela. Como é óbvio, a aplicação do método do balanceamento e dos subcritérios antes referidos podem permitir a conclusão de que a tutela antecipada não deve ser concedida.

Além disso, caso os pressupostos da tutela antecipatória em caso de veros­similhança preponderante fossem apenas esses, restaria excluída a possibilidade de se conceder tutela antecipatória ao direito que pode ser lesado, mas pode ser res­sarcido em dinheiro. Em outros termos, a tutela antecipatória simplesmente não existiria para alguns direitos, uma vez que estaria sendo aceita a ideia de que o di­reito verossímil, quando ressarcível, pode. ser lesado - conclusão que, de tão absurda, chega a ser curiosa. Ora, é completamente descabido imaginar que a lesão a um direito que pode ser ressarcido não configura, apenas por isso, dano grave.74

Na verdade, o fato de o direito ameaçado de íesào ser ressarcível somente tem importância quando é aplicado o método da ponderação, pois é elemento que justifica a não concessão da tutela quando o direito do réu for não patrimo­nial, insuscetível de restauração ou dificilmente ressarcível.

Não é possível relacionar todas as situações que podem marcar os direitos do autor e do réu e delas extrair critérios que possam guiar os passos do juiz, já que isso é inviável, mesmo em um plano valorativo-abstrato. Os critérios antes estabelecidos não se esgotam em si mesmos, devendo ser necessariamente preen­chidos diaiite do caso concreto.

Esses critérios, ao contrário do que se poderia pensar à primeira vista, não constituem simples “fórmulas”. Tais critérios trazem à luz algo que é comum quando se interpreta as normas, isto é, a necessidade de juízos de valor.73 A di­

74. A dificuldade que alguns vão ter para entender o que se está dizendo se prende ao fato de que a locução "dano grave” renionla "há quase um século.

75. “E’noto che lilinguaggto delie norm e espesso di caratterevalutativo (non solo quando esse enunciano principi generali o concetti indetem iinati), e che di conseguenzasceite di carattere assiologico sono inevitabili e frequenti nel ragionam ento che il giudice svolge in íorno alie norm e che applica. In cio non vi e nulla di strano o cli patoiogico: occorre perõ che il giudice sia anzitutto consapevole delle proprie valutazioni (e non le scam bi quindi per giudizi di fatto o per dati a p riori), e che -essendone consapevolene fom isca giustificazioni adeguate, indicando il critério vaiutativo che ritiene di dover applicare (eventualmente spiegando le ragioni di questa scelta), e specificando com e tale critério fonda e giustifica il giudizio di valore che egli ha form ulalo nel caso concreto” (M ichele Taruffo, “La m otivazione delia sentenza”, Revista de D ireito Processual Civil, v. 30, p. 6 8 7 ess).

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 189

ferença é a de que, 110 caso da decisão antecipatória, o juiz não está frente a um método de interpretação, mas apenas diante da necessidade de valoração das posições do autor e do réu.

Com efeito, o sistema proposto não constitui um. método de interpreta­ção. A interpretação da norma, ainda que exija valoração, objetiva conferir-lhe sentido, enquanto que 0 balanceamento valorativo que se faz na tutela anteci­patória tem o fim de encontrar uma solução para a dúvida que paira sobre as posições em disputa.75

Nessa linha tal sistema mais se aproxima a um método de decisão. Na realidade, importa frisar que esse método não pode ser comparado a uma fór­mula com critérios previamente definidos e capazes de entrar em ação assim que hipóteses concretas nela se enquadrem. É que os critérios referidos acima, que dariam conteúdo a essa fórmula, constituem valorações que elevem ser con­sideradas no caso concreto. E é exatamente aí que tudo fica mais claro, pois se o juiz é obrigado a valorar para resolver, ele deve justificar racionalmente a razão da sua opção, considerando o sistema jurídico e as circunstâncias do caso concreto.

Deixe-se claro que 0 método ora proposto nada tem a ver com 0 princípio da proporcionalidade, utilizado para permitir a solução de conflitos entre direi­tos fundamentais que se chocam no caso concreto, como, por exemplo, entre o direito da personalidade e o direito de liberdade de expressão. O princípio da proporcionalidade visa resolver a colisão entre dois direitos que, em abstrato, têm a mesma estatura e dignidade.

Jã o método que se utiliza dos critérios ora apontados toma em considera­ção a circunstância de o juiz ter que decidir entre duas posições no curso do pro­cesso. Nesse último caso não há que se falar entre dois direitos de igual estatura jurídica, mas sim na dificuldade de ser formar uma convicção (mesmo que de verossimilhança) diante da incompletude do contraditório.

4.10.14 C onvicção d e verossimilhança e cau ção

Por outro lado, dissemos, linhas acima, que a caução pode ser dispensada em casos excepcionais. Com esse espírito, o art 475-0 , § 2.°, I e 11, do Código de Processo Civil, estabeleceu que a caução pode ser dispensada no caso de crédito alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário-mínimo, demonstrando o exequente situação de necessidade e na hipótese em que pender agravo de instrumento junto ao Supremo Tribunal

76. “L e t e o r ie p e r cui ig iu d iz i di v a lore sarebb ero nuW altro ch e reazton i soggettíve non raz ion a -I izzab ili hanno fa t to il [oro tem po , e soprattutio non sono applicablil alie vaíutazioni che il giudice form ula in sede di decisione, poíché siífaua concezione deite scelte assiologiche.

190 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, salvo quando da dispensa possa ma­nifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação.

O objetivo dessa regra é garantir o direito à tutela antecipatória a quem não pode prestar caução. Ou seja, a sua finalidade é evitar que o direito à tutela ante­cipatória somente possa ser exercido por quem tem condições de pagar por ele.77

non farebbe che legittimare 1’arbitrio individuale dei giudicante sot- traendo il fondamento delia decísione a qualunque sindacato esterno (...) Di conseguenza, poiché i gíudízí di valore sono spesso essenziali e determinanti per Vinterpretazione e Yapplícazíone di norme, va ribadita Fimportanza fondamentale delia giustificazione esplicita di tali giudizi nelFambito delia motivazione. Lo stesso principio vale - naturalmente - per le valutazioni che spesso hanno luogo nelFambito dei giudizio sui fatti” (idem, ibidem).

Tal regra, embora instituída para evitar que o autor sem patrimônio não possa usufruir do direito à tutela antecipatória, partiu do pressuposto de que a prestação da tutela antes do término do processo deve fazer com que o autor garanta o dano que pode ser ocasionado ao réu.

Isso quer dizer que o juiz deve exigir caução do autor, exista verossimi­lhança preponderante ou dúvida sobre a verossimilhança, a qual somente deve ser dispensada quando a sua prestação for impossível e., sopesadas as circunstâncias do caso concreto, e ainda restar necessária a concessão da tutela antecipatória.

Não foi por outra razão que a regra acima mencionada não aludiu somen­te o crédito alimentar ou decorrente de ato ilícito, mas também fez questão de dizer que o autor, para ser dispensado da prestação da caução, deve demonstrar situação de necessidade.

Acontece que ninguém pode - ou deseja - definir o que é situação de ne­cessidade, uma vez que isso deve ser deixado para o caso concreto. De modo que o valor de sessenta salários mínimos, fixado como teto máximo para a dis­pensa de caução, deve ser visto como uma mera referência.

Ora, se é irracional exigir caução em todos os casos, é igualmente irra­cional fixar um teto a partir do qual jamais existirá situação de necessidade, quando todos, e em qualquer hipótese, deverão prestar caução.

Nesse ponto alguém poderia se assustar, imaginando que estaria se dando ao juiz uma autorização em branco. Entretanto, a ideia que vem permeando o que estamos escrevendo é exatamente a de que a lei e a lógica matemática não podem mais pretender controlar o juiz - se é que um dia o controlaram -, embora isso não signifique, como é óbvio, que ele não deva justificar, de modo racional, o que faz.

77. Luiz Guilherm e M arinoni, Tutela a n tec ip a tór ia e ju lg am en to an tecipado.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 191

Como vem sendo dito, o juiz presta conta do seu trabalho mediante a justificação racional das suas decisões. Por isso, ao dispensar a caução, deve de­monstrar, através de argumentos racionais, que a necessidade do autor justifica o risco de lesão ao réu. A falta de racionalidade desses argumentos pode ser de­monstrada através de recurso de agravo de instrumento, quando, se for o caso, deverá ser deferida a imediata suspensão dos efeitos da tutela antecipatória.

4.11 A irreversibilidade do provimento e a irreversibilidade dos efeitosfáticos do provimento

O § 2 ° do art. 273 afirma que “não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”. Como está absolutamente claro, o art. 273 fala em “irreversibilidade do provimento” e não em “irreversibilidade dos efeitos fáticos do provimento”.

Não seria preciso dizer que “irreversibilidade do provimento” e “irrever­sibilidade dos efeitos fáticos do provimento” são coisas que não se misturam, se não fosse a confusão, que sempre reinou nos tribunais, entre a estrutura e a função da tutela antecipatória.

No antigo direito francês, o ab-rogado art. 809,78 que afirmava que o ré/é ré não poderia causar “préjudice au principal”, foi interpretado no sentido de que a tutela provisória não poderia incidir de modo irreversível na esfera jurídica da parte. Tal interpretação ecoou também na Itália e - como alerta Tommaseo- aincla é responsável pelas decisões que negam a possibilidade da concessão de um “prowedimento d’urgenza” que, antecipando os efeitos da sentença de mérito, conduza à satisfação integral da pretensão do requerente, reintegrando, por exemplo, o trabalhador no emprego, ou ainda restituindo um bem em uma ação de resolução por inadimplemento.79

O novo Código de Processo Civil francês, entretanto, eliminou os equívo­cos que a antiga fórmula do “préjudice au principal” havia feito surgir. Parte-se, agora, da interpretação do art. 488, que diz que ‘Tordonnance de référé ira pas au principaH’autorité de la chose jugée”. Como esclarece Tommaseo, a inter­pretação que se dá é no sentido de que a tutela urgente não pode prejudicar a cognição exauri ente do mérito; não pode vincular a cognição do juízo final; não pode, em resumo, prejudicar a decisão da causa.80 O provimento antecipatório, assim como o rèfèrè francês, não pode causar “préjudice au principal”, ou “n’a

78. “L eso rd o n n an cessu rréférésn e ferant aucun préjudice au principal” (art. 809 do Código de Processo Civil francês de 180 6 ).

79 . E Tommaseo. “Intervento”, Les m esu resp ro n so ire s e n procédu re civile, p. 305.8 0 . ldem , ibidem.

192 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

pas au principalFautorité de la chose jugée”.81 Porém, não há contradição entre provisoriedade e satisfatividade, entendida esta como a realização antecipada do direito aíirmado pelo autor. A tutela é provisória apenas e tão somente porque o juiz, ao concedê-la, não afirma que o direito existe.

A provisoriedade da tutela antecipatória deve ser entendida como a sua incapacidade de definir a controvérsia, por sua absoluta falta de idoneidade para a declaração ou, em outros termos, para a produção de coisa julgada material.82 Mas a satisfatividade da tutela antecipatória, e mesmo a eventual irreversibilida­de dos seus efeitos fáticos, não é contraditória com a sua estrutura. Em outras palavras, nada impede que uma tutela que produza efeitos fáticos irreversíveis seja, do ponto de vista estrutural, provisória, vale dizer, incapaz de dar solução definitiva ao mérito.83

O que o art. 273 do Código de Processo Civil veda, quando fala que a tutela não poderá ser concedida quando houver perigo de “irreversibilidade do

81. Phlilppejestaz, Lurgence et les príncipes classiques du droü civil, p. 56 e ss.82. Com o diz Giuseppe Tarzia, “'il punto essenziale’ ê che il rego lam ento pravisorío non

ostacola il rego lam ento definitivo” ( “Considerazioni con d u siv e”, Les mesures provísoires enprocédure civile, p. 3 1 5 ).

83. É por isso que sempre dissem os que a satisfatividade nada Lem a ver com a desnecessidade do ajuizam ento da ação principal. O que define a desnecessidade da ação principal, com o escrevem os, é a cognição exauriente (v. Tutela cautelar e tutela antecipatória, p. 120 e ss.; Efetividade do processo e tutela de urgência). Luiz Fu x, em sua brilhante tese apresentada ao concurso de professor titular da Universidade do Estado do Rio de jan eiro (Tutela de segurança e tutela da evidênc ia), parece não ter com preendido o nosso pensamento. Afirmou o processualista: “O a u to r após adm itir em caso de evidência a cognição exauriente com deferim ento de liminar, conclui da inadequação do m esm o (do procedim ento), porque sum arizado, em confronto com o devido processo legal” (p. 2 0 4 da tese original). Ora, sempre susteníam os o contrário da conclusão que nos foi im posta pelo professor do Rio de janeiro . Em livro publicado em 1992 deixam os claro: “Pode acontecer que a necessidade da tutela urgente se com patibilize com a cognição exauriente. Ou seja, em determinadas hipóteses, tão som ente a sum ariedade form al é suficiente para tornar eficaz a prestação jurisdicional. Basta, pois, a mera abreviação do procedim ento, sem sacrifício da intensidade da cognição, para que se consiga uma tutela tão rápida e eficaz com o a proferida com base em cognição sumária. O ra, quando o direito é evidenciáve.1 prim a fa d e , é desnecessária a instrução probatória. Esta hipótese, no procedim ento ordinário (plenário e exauriente), com porta ju lgam ento anLecipado da lide. O que pode aparecer como necessário, para este caso, é a concessão de uma liminar, corno ato do próprio processo de cognição plena e exau­riente'’ (Tutela cautelar e tutela antecipatória, p. 8 3 ). O que não adm itim os é uma tutela fundada em cognição sum ária que produza coisa ju lgada m aterial. Luiz Fux, contudo, parece sustentar esta tese. Entretanto, se o professor da UERJ com preende tutela de cog- niçâo sum ária com o tutela inidônea a declarar a existência ou a inexistência do direito, não vemos com o possa sustentar que uma tutela que nada possa declarar possa produzir coisa ju lgada m aterial, se essa últim a pressupõe “carga declaratória”.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 193

provimento antecipado” - que nada tem a ver, repita-se, com irreversibilidade dos efeitos fáticos do provimento - são determinadas declarações e constitui­ções provisórias. A lição de Ovídio Baptista da Silva, anterior à reforma do Có­digo, deixa claro o que estamos dizendo: “O juiz não poderá, por certo, decretar ‘provisoriamente’ o divórcio do casal, na hipótese dos arts. 35 e 36 da Lei 6.515, de 26.12.77, enquanto o pedido de conversão se processa. Se o fizer, no entan­to, vindo a demanda de divórcio a ser improcedente, qual a situação do filho porventura havido pelo cônjuge ‘provisoriamente’ divorciado, com outrem, no período de vigência da liminar? Devemos tê-lo como filho natural, ou adulteri- no? No domínio da jurisdição cautelar, é apropriado, por exemplo, ordenar-se (eficácia mandamental) que os cônjuges que tenham decretada sua separação de corpos, afastem-se um do outro, interrompendo o convívio matrimonial, mas é impossível ordenar que o casamento se desfaça temporariamente".84

Quando o art. 273 afirma que a tutela não poderá ser concedida quando houver perigo de irreversibilidade do provimento, ele está proibindo, por exem­plo, a antecipação da constituição de uma relação de filiação ou a antecipação da desconstituição de um casamento.

É certo que não há motivo que possa impedir, na perspectiva técnico- processual, a antecipação da constituição ou da declaração (v. item 2.6.3). Mas, o problema não é o da possibilidade técnico-processual da antecipação da de­claração ou da constituição, mas sim o da sua viabilidade e utilidade em face das diversas situações concretas. Ora, não há dúvida que é impossível admitir, deform a generalizada, a antecipação da declaração e da constituição, já que é inconcebível a tutela antecipatória nas ações relativas ao estado ou à capacidade das pessoas.

Ou seja, a possibilidade técnico-processual da antecipação da constitui­ção não pode eliminar a inviabilidade de constituição provisória, especialmente nas ações atinentes ao estado e à capacidade das pessoas. Barbosa Moreira, con­tudo, ao nâo concordar com a nossa posição, disse o seguinte: “Mas a exegese não parece sustentável. O provimento antecipatório, em si, é sempre essencial­mente reversível, conforme ressalta do disposto no § 4.°, que autoriza o juiz a revogar ou modificar a medida, a qualquer tempo. Argumenta-se que o que a lei quis evitar foi a concessão da tutela antecipada em certas ações declaratórias e constitutivas; e dá-se como exemplo a desconstituição de um casamento, cuja decretação seria irreversível. O argumento é inconvincente. Antes de mais nada, o texto nenhum elemento contém que aponte em tal direção; e não teria sido difícil expressar com palavras claras, de modo direto, a proibição de que se co­gita. Além disso, o exemplo lembrado não ajuda o raciocínio: a desconstituição

84. Ovídio Baptista da Silva, C om en tários ao C ód ig o de P rocesso Civil, 2. ed., v. 11, p. 122 (grilam os).

194 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

de um casamento, em si, nada tem de irreversível. Mesmo a abstrair-se do fato de que os ex-cônjuges podem restabelecer, a qualquer tempo, a união conjugal, mediante novo casamento, é bem de ver que a sentença que anule o primeiro (ou o declare nulo), ainda que transite em julgado, não fica imune a eventual rescisão, por alguma das causas arroladas no art. 485 do Código; e ocioso frisar que, na hipótese de procedência da rescisória, a situação das partes reverte ao estado anterior”.85

Embora a antecipação da declaração e da constituição seja possível em uma perspectiva técnico-processual, c inegável que ela seja inviável diante de certas situações de direito substancial. Ou seja, a impossibilidade da constituição provisória nada tem a ver com a técnica processual ou com o fato de a tutela poder ser revogada. Assim, os argumentos de que o art. 273, § 4.°, autoriza a revogação da tutela, e de que a sentença que desconstitui o casamento pode ser objeto de ação rescisória, pouco importam aqui.

Como é obvio, todas as sentenças constitutivas ou declaratórias podem, em tese, ser objeto de ação rescisória, assim como, conforme antes dissemos, nada impede a antecipação da declaração e da constituição em uma perspectiva apenas processual. Ora, o fato de uma sentença produtora de coisa julgada mate­rial poder ser objeto de ação rescisória não significa que a tutela por ela concedida possa ser objeto de antecipação ou de “execução provisória”.

Lembre-se de que o art. 282 do Código de Processo Civil italiano - em sua nova redação, em vigor há pouco mais de dez anos - afirma que a sentença de primeiro grau é provisoriamente executiva entre as partes. Porém, ao não qualificá-la, esse artigo conduziu a doutrina italiana a perguntar se as sentenças constitutivas e declaratórias poderiam ser executadas provisoriamente.86

Quando afirmamos que a antecipação da declaração e da constituição está proibida em algumas hipóteses e não em outras, obviamente não estamos pen­sando em termos processuais. Como é evidente, se estivéssemos raciocinando em tal perspectiva, teríamos que admitir que a antecipação, nesses casos, é sem­pre, ou nunca, possível. A interpretação seria no sentido do tudo ou nada.

Porém, como a tutela jurisdicionai - e, especialmente, a tutela anteci­patória - , somente adquire relevância quando compreendida como tutela dos direitos, não há a mínima possibilidade de interpretar a norma processual que con­sagra a tutela antecipatóría sem visualizar as várias situações de direito substancial

85 . J . C. Barbosa M oreira, “A ntecipação da tutela: algumas questões controvertidas”, Temas de direito processual civil, p. 82.

86 . Bruno Lasagno, Le riforme dei processo civile (a cura di Sergio Chiariam ), p. 3 4 2 ; Andrea Proto Pisani, La nuova disciplina dei processo civile, p. 195; Luigi M ontesano-G iovanni Arieta, Diritto processuale civile, v. 2, p. 1 8 5 -1 8 6 ; Giuseppe Tarzia, lineamenti dei nuovo processo di cognizione, p. 1 86-187 .

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 195

a que deve servir. Melhor explicando: o fato de o art. 273 do Código de Processo Civil não ter aludido aos casos em que a constituição não pode ser antecipada não permite concluir que ela jam ais poderá ser antecipada nem que ela sempre poderá ser antecipada.

É por essa razão, absolutamente lógica, que afirmamos que a antecipação não pode ocorrer nas ações relativas ao estado ou à capacidade das pessoas. Ora, é pouco mais que absurdo imaginar que alguém pode ser provisoriamente filho ou provisoriamente solteiro.

Nâo se confunda, por outro lado, a antecipação da constituição e da de­claração com a tutela antecipatória, cujos efeitos são mandamentais ou executi­vos, que pode ser concedida nas ações constitutiva ou declaratória. Note-se, por exemplo, que na ação constitutiva de servidão o autor pode requerer autoriza­ção para exercer as faculdades contidas no direito a ser constituído. Essa espécie de tutela, como é evidente, está muito longe de configurar uma constituição pro­visória. Tal modalidade de tutela antecipatória - que atua apenas no plano dos fatos - obviamente não antecipa declaração ou constituição. Porém, a adequada interpretação do art. 273 não se contenta apenas com o argumento de que não é possível a antecipação nas ações relativas ao estado e à capacidade das pessoas. Por esse motivo, quando publicamos a I a edição do presente livro, também dei­xamos claro que tutela antecipatória pode produzir efeitos fáticos irreversíveis.

Esse ponto foi realçado em dois capítulos específicos, destinados espe­cialmente a demonstrar o equívoco de pensar que a tutela antecipatória não pode ser concedida quando puder acarretar prejuízo fático irreversível. Porém, alguns doutrinadores têm negado a nossa ideia a respeito da impossibilidade de antecipação nas ações de estado e nas ações relativas à capacidade das pes­soas, afirmando simplesmente que ela não poderia sustentar a possibilidade de o juiz conceder tutela antecipatória capaz de produzir efeitos fáticos irreversíveis. Acontece que a nossa tese não é composta somente por tal ideia, mas também pelo argumento - que sustentamos em dois capítulos desde 1995 ~ de que a lógica da tutela antecipatória não pode impedir a produção de ef eitos fáticos irreversíveis.

Basta descer os olhos nos capítulos seguintes para verificar que afirma­mos, já em 1995 - época em que ninguém ainda havia se posicionado em tal sentido - , que a ausência de lógica na proibição de concessão de tutela antecipatória pode gerar prejuízo fático irreversível.

4.12 A irreversibilidade dos efeitos fáticos do provimento não podeconstituir obstácuio para a tutela antecipatória

Cândido Rangel Dinamarco, em seu belíssimo livro, honrou-nos com ponderação que, pela sua importância, exige meditação. Disse o eminente Pro­fessor da Universidade de São Paulo: “É preciso receber com cuidado o alvitre

196 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

de Marinoni, para quem se legitimaria o sacrifício do direito menos provável, em prol da antecipação do exercício ‘de outro que pareça provável’. O direito não tolera sacrifício de direito algum e o máximo que se pode dizer é que algum risco de lesão pode-se legitimamente assumir. O direito improvável é direito que talvez exista e, se existir, é porque na realidade inexistia aquele que era provável".87

No caso da tutela antecipatória, é claro, ainda não se sabe se o direito afirmado pelo autor existe ou não existe. É por isso que há tutela do direito provdveí. Falar de sacrifício do direito improvável como, aliás, fala Tommaseo.88 um dos maiores especialistas em tutelas de urgência na Itália - não seria correto, segundo o entendimento do professor Dinamarco, porque “o direito improvável é direito que talvez exista e, se existir, é porque na realidade inexistia aquele que era provável”. Ora, a alusão a um direito improvável já traz em si a ideia de que o direito pode existir. O que poderia ser dito, e com razão, é que o direito material não pode ser qualificado de “provável’' ou de “improvável”, pois ele existe ou não existe. Porém, a “existência” do direito é algo que pertence ao plano do di­reito material. Quando estamos no plano do processo e, em particular, do juízo sumário, está em jogo a probabilidade da existência do direito afirmado e, por­tanto, o “direito provável”, que é uma categoria, assim como a do “direito líqui­do e certo”, pertencente, ao processo. Em outras palavras, quando nos referimos ao “direito provável”, estamos nos valendo de uma categoria de direito proces­sual. A razão que impediria alguém de falar em sacrifício do direito improvável também estaria banindo, para sempre, a já consagrada locução fumus boni iuris. Melhor explicando: se é impossível sustentar que um direito improvável pode ser prejudicado porque o direito pode existir, é também impossível falar em tu­tela de um direito, com base em fumus boni iuris, porque o direito pode inexistir.

Não há razão para não admitirmos a possibilidade de uma tutela anteci­patória que possa gerar efeitos fáticos irreversíveis, pois a tutela cautelar não raramente produz tais efeitos.89

Lembre-se, por exemplo, que a Lei 8.245, de 18.10.91 (Lei do Inquilina- to), prevê expressamente a concessão de liminar na ação de despejo. De acordo com o art. 59, § 1.°, dessa lei, basta que o autor demonstre a ocorrência de uma das hipóteses dos cinco incisos do referido parágrafo para que a liminar seja concedida. A liminar, que satisfaz a pretensão ao despejo, obviamente pode

87. A reforma do Código de Processo Civil, p. 144.88. “Se n on vi e altro m odo per evitare un pregiudizio irreparabile a un diritto soggetivo che

appaia probabile, si deve am m ettere che il giudice possa provocare un pregiudizio anche irreparabile ai diritto che gli paia im probabile” (E Tom m aseo, “Intervento”, Les mesures provisoires en procédure civile, p. 3 0 7 ).

89. V. Ferruccio Tommaseo, í provvedimenti d ’urgenza, p. 149.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 197

produzir efeitos fáticos irreversíveis, até mesmo porque, sendo julgado impro­cedente o pedido de despejo, não haverá possibilidade de retomo do locatário ao imóvel.

A liminar do interdito possessório, é bom não esquecer, também pode produzir efeitos fáticos irreversíveis. Como já advertiu o professor Egas Moniz de Aragão, “todos sabem que a concessão liminar do interdito possessório (ou sua negação, tanto faz) pode destruir o outro litigante”.90 Esta observação de Mo- niz de Aragão, que grifamos na parte que nos interessa, é extremamente impor­tante para deixar claro que, em determinados casos, nâo só a concessão, como tam­bém a negação de uma liminar pode causar prejuízos irreversíveis.91 Admitir que o juiz não pode antecipar a tutela, quando a antecipação é imprescindível para evitar um prejuízo irreversível ao direito do autor, é o mesmo que afirmar que o legislador obrigou o juiz a correr o risco de provocar um dano irreversível ao direito que jus­tamente lhe parece mais provável.92 Ora, se o autor, além de ter que demonstrar a probabilidade do direito, deve frisar o periculum in mora, não há como deixar de tutelar o direito mais provável. É nesse sentido que se afirma que a tutela antecipatória se funda no princípio da probabilidade. Não só a lógica, mas tam­bém o direito à adequada tutela jurisdicional, podem exigir a possibilidade de sacrifício, ainda que de forma irreversível, de um direito que pareça improvável em benefício de outro que pareça provável. Caso contrário, o direito que tem a maior probabilidade de ser definitivamente reconhecido poderá ser irreversivel- mente lesado. Como corretamente adverte Tommaseo, sacrificar o improvável pelo provável, nisso consiste a ética da jurisdição de urgência.93

90 . “M edidascautelares inom inadas”, R ex ístaB rasile irad e D ireito Processual 5 7 /5 1 (grifam os ).9 1 . Giuseppe Tarzia, encerrando o fam oso C ongresso de M ilão, realizado em 1984 , sobre

as medidas de urgência, concluiu que “1’assenza dei pregiudizio alia causa principale, com e condizione delia raisura p row isoria , segna orm ai solianto la possibilita, riservata ai giudice dei inerito, di pronuneiarsi, nonostante che Ia m isura prow isoria si fondi sul diritto appartenente a una parte e miri a realizzarlo com pletam ente”. E, pouco antes, disse: “Ma se la misura p row isoria e destina ta a produrre effetti irrevcrsiblíl (che si tratli dcüa reíntegrazíone dei dípm dentt licenziato, delia distruzione di un oggeto, o di mille cose ancora: la casuística, come ben sappiamo, di appucazume delVart. 700 e davvcro infinita, ed è assai ampia anche la casística corrispondente negli altri paesi) il giudice di m erito non potrà disporre che per il futuro (per esem pio, per 1’espulsione dei licenziato) o forse non avrà piü nulla, su che la sua pronuncia possa produrre i suoi effetti, se n o n sotto il profilo risarcitorio” ( “Considerazioni conclusive", Les mesures provisoires en procédure civile, p. 3 1 6 -3 1 7 - grifam os).

92. “Basti per ora rilevare che illegislatore preferisce sia evita to un pregiudizio irreparabile a un diritto ía eui esistenza appaia probabile anche ai prezzo di provocare un darmo ir- reversibile a un diritto che, in sede de concessione delia m isura cautelare, appaia invece improbabile: in altri terrnini, i Idiritto probabileprevalesul diritto improbabile” (Ferruccio Tom m aseo, “Tntervento”, Les mesures provisoires en procédure ci vile, p. 3 0 7 ).

93. 'Tntervento”, Les mesures provisoires eu procédure civile, p. 307 .

198 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

O Ministro Eduardo Ribeiro, em conferência anterior à reforma do Có­digo, já havia alertado para as situações em que o juiz é obrigado a correr o risco de causar prejuízo irreversível: “uma situação cingustíosa em que o juiz pode encontrar-se é exatamente quando isso se lhe depara: as duas soluções são irreversíveis”. É o que sucede em apreensões de jornais.94 Negar a tutela sumária- em casos como o narrado pelo Ministro Eduardo Ribeiro - é impedir a tutela jurisdicionai adequada para uma série de casos conflitivos concretos e esquecer que a própria doutrina brasileira, antes da introdução do art. 273 no Código de Processo Civil, já admitia o risco de irreversibilidade dos efeitos fáticos da tutela sumária.?95

Essa tese, é claro, pressupõe um juiz aberto aos valores do seu tempo.

Alguém poderia argumentar que não é conveniente dar ao juiz um poder tão amplo. Entretanto, se o juiz da Itália, da França, da Alemanha, da Inglaterra e de outros países - onde os jurisdicionados, em tese, podem suportar com mais facilidade o tempo de demora da Justiça - podem conceder tutelas sumárias que causem prejuízos irreversíveis ao réu,1'6 por que o juiz brasileiro estaria impe-

94. "Proteção cautelar, tutela preventiva, contracautela”, RTDP 3/123.95. De fato, a doutrina m oderna aceitou a tese de que, em determ inados casos, o ju iz está

autorizado a assum ir o risco de causar um prejuízo irreversível ao réu. C f., por exem plo, Ovídio Baptista da Silva (Curso de processo civil, v. 3/108 e ss.); Teresa de Arruda Alvim (Medida cautelar, mandado de segurança e ato judicial, p. 2 5 ); Alcides M unhoz da Cunha (A lide cautelar no processo civil, p. 144 e ss.); Betina Rizzato Lara (liminares no processo civil, p. 7 3 ); Jo sé Roberto dos Santos Bedaque (Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência, p. 3 4 0 -3 4 3 ) ; Carios A lberto Álvaro de Oliveira ( “Efetividade e processo cautelar”, Ajuris 61/ 176-177). Esse últim o autor, durante o II Congresso Brasi­leiro de Direito Processual Civil realizado em Porto Alegre, em 1993, para hom enagear os vinte anos do Código de Processo Civil em palestra proferida em painel de que tam bém participam os, concluiu : “A meu ver, dentro do contexto específico da realidade brasileira, im põe-se realçar com mais força o valor da efetividade. O provim ento caute­lar, inclusive liminar, deve ser em itido m esm o à custa de uma satisfação provisória, se a situação perigosa só pode ser evitada ou m inimizada com a antecipação dos efeiLos da futura sentença de m érito. A tanto, aliás, autoriza o Código de 1973, ao facultar ao ju iz ‘determ inar as medidas adequadas’ para a prevenção do dano. Entre as duas concepções opostas que se digladiam nessa m atéria, um a exigindo a contraposição dos interesses em conflito , outra privilegiando quem se apresente com o provável titular do direito, inclino- m e pela segunda, quando, sublinho, outra solução não puder ser encontrada para evitar o prejuízo. Claro está que, tanto quanto possível, o juiz deverá procurar minimizar os danos da contraparte. Nos casos-limites, contudo, embora o possível efeito danoso ao interesse do demandado, não se configura um emprego abusivo da cautela, se efetivamente presentes os pressupostos indispensáveis à sua concessão” ("Efetividade e processo cau telar”, Ajuris 61/ 176-177 - grifam os).

96 . V. G iuseppe Tarzia, “C onsiderazioni con clu sive”, Les mesures prov isoires en procédure civile, p. 3 0 9 e ss.

A TU TEIA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 199

dido de assim proceder? Na verdade, aqueles que temem o juiz brasileiro com o poder necessário para bem cumprir a sua função partem de uma premissa - não re­velada ~ não apenas preconceituosa, mas também ofensiva à Magistratura. Está por detrás do raciocínio que pretende ver o juiz amarrado à ideia de que a Magistratura brasileira não é suficientemente preparada para ter poder. Tal maneira de pensar não só é arbitrária - até porque os juizes têm-se mostrado muito mais preparados do que aqueles que editam as leis como, também, primária. Ora, se o juiz brasi­leiro, apenas em virtude da diferença entre a situação social do Brasil e a dos paí­ses europeus, não tem poder para aplicar ura remédio essencial para a boa pres­tação da justiça, o médico brasileiro (apenas para tomar um exemplo) deveria estar impedido de utilizar instrumentos - que podem trazer riscos aos pacientes quando mal-administrados e que, por isso, também supõem profissionais bem preparados - necessários para a manutenção da vida de milhões de brasileiros!

Ninguém está dando nada ao juiz, já que o poder para a prestação da tutela jurisdicional adequada é inerente à sua função.97 O que acontece, na realidade, é que alguns querem um juiz que não é “juiz", mas sim um simples burocrata. A ideologia que se esconde atrás destas ideias, porém, é bastante antiga, podendo- se dizer que deita raízes no liberalismo europeu do século XIX. O juiz francês anterior à Revolução Francesa, como se sabe, tinha mais semelhança com o juiz inglês do que com o seu outro parceiro do direito continental europeu. Basta lembrar que o sistema judicial francês era considerado rival do direito do gover­no central de Paris. A Revolução Francesa e o dogma da separação dos poderes98 é que restringiram a função do juiz francês, tornando-o um mero servidor pú­

97 . “O tem or qu e m uitos m an ifestam , quando se sugere a a m p lia çã o dos p od eres dos ju izes p a ra con ced er lim inares , sob o argum ento de possíveis in justiças que elas possam causar, não leva em conta a circunstância fundam ental e que deveria estar sempre presente no racio ­cínio de quem lida com a ciência processual de não poder o julgador, jam ais, conceder algum benefício a um a das partes senão à custa de seu adversário. Um a vez instaurado o litígio judicial, tanto o ag ir d o m ag istrado , con ceden do algum ben efic io a quem o postu la , qu an to sua om issão, a o recusá-lo, s e r ã o fe ito sa d a n o o u a v a n ta g e m d a o u tra p a r te . A recusa de um a lim inar é con cessão de um a vantagem , à s v ezes decisiva , a o dem andado. A neutralidade ju d icia l é mais do que uma quim era; é um a im possibilidade lógica e prática. Os que, na esteira de Chiovenda, a firm am qu e o p rocesso é um instrum ento perigoso , a exigir qu e o ju iz som ente p rov eja com abso lu ta segu rança, só veem p er ig o na m udança d a situação d e fa to , não em sua conservação . A ideologia que inspira essas doutrinas é bem visível no repúdio às lim inares” (Ovídio Baptista da Silva, C urso de processo c iv il , v. 3/108 — grifam os).

98 . Com o diz Giovanni Verde, segundo o pensam ento ilum inista, as funções do Estado eram três e podiam ser distinguidas nitidam ente entre si: a do Poder Legislativo, voltado à edi­ção das leis, a do Poder Executivo , voltado à atuação concreta de todas as exigências de governo, e a do Poder ju risd icion al, voltada à aplicação das leis. Havia uma tal segurança em poder traduzir em concreto este quadro que, ao in ício do século X IX , pensou-se, em alguns países onde o ensinam ento de M ontesquieu era m ais vivo, até em se proibir ao ju iz a interpretação da le i (P rofili d e i p rocesso c iv ile (P arte g en era le) , p. 3 9 ).

200 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

blico. Essa imagem do juiz burocrata, construída sobretudo pelo direito liberal, enraizou-se pelo direito continental europeu e pelo direito da América Latina, e ainda é a responsável pela passividade e pela falta de poder do ju iz ."

Um juiz sem poder é um juiz sem responsabilidade social ou, pelo me­nos, com responsabilidade social limitada. O novo juiz, portanto, pode tomar consciência da sua maior responsabilidade perante a sociedade porque, a partir de agora, tem mais poder. É claro que, nestas circunstâncias, também cresce a responsabilidade dos cursos preparatórios para o ingresso na Magistratura, que devem ser capazes de dotar os magistrados de conhecimentos culturais, socioló­gicos e econômicos que os esclareçam sobre o significado político da Magistra­tura e sobre a necessidade de uma postura crítica diante de uma sociedade que a cada dia se torna mais complexa e rica em diversidades.100

É inegável que a tutela sumária que pode causar um prejuízo irreversível requer prudência. Mas ninguém está autorizado a confundir prudência com medo. A tutela antecipatória fundada no inciso 1 do art. 273 deve ser utilizada nos limi­tes em que é necessária para evitar ato contrário ao direito ou dano e, em casos excepcionais, nos limites necessários para evitar um mal maior, já que o juiz, por lógica, para evitar um mal menor: não pode correr o risco de assistir ao mal maior.101

4.13 A decisão sobre a concessão da tuteia antecipatória no caso decolisão de direitos fundamentais

Dinamarco, ainda se referindo ao nosso posicionamento sobre a irrever­sibilidade, acrescenta o seguinte: “O monografista fala da coexistência entre o princípio da probabilidade e o da proporcionalidade, de modo a permitir-se o sacrifício do bem menos valioso em prol do mais valioso. Mesmo com essa ate­nuante, não deve o juiz correr riscos significativos e, muito menos, expor o réu aos males da irreversibilidade, expressamente vetados pela lei vigente (art. 273, § 2.°, CPC)”.102

Como diz Karl Larenz, o princípio da proporcionalidade é aplicado jus­tamente quando o problema consiste em determinar onde se situa o limite da

99. V Jo h n Henry M errym an, La tradícíón jurídica romano-canónica, p. 66 e ss.100. V. Boaventura de Sousa Santos, “Introdução à sociologia da adm inistração da ju stiça ”,

RePro 3 7 /1 3 0 .

101. Como já decidiu o TRF da 4 .a Região, através de voto do ilustre Desembargador W ellington de Almeida, “não obstante a possibilidade cie irreversibilidade dos efeitos deferidos no provim ento antecipatório, à lu^ do princípio da proporcionalidade, podem ser antecipados os efeitos da tutela se dentre os valores jurídicos colidentes no caso 'in concreto’ avultar que mal maior se produzirá peto seu indeferimento” (6 ,a T., AI 1 9 9 8 .0 4 .0 1 .0 2 5 1 1 3 -6 , rei. Des. W ellington de Almeida, DjU 1 1 .1 1 .9 8 , p. 6 9 6 ).

102. A reforma do Código de Processo Civil, p. 144.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 201

satisfação lícita de um interesse à custa de outro também digno d.e tutela.103 O método da ponderação de bens no caso concreto é utilizado pelo Tribunal Cons­titucional Federa] alemão para determinar o alcance dos direitos fundamentais ou princípios constitucionais que colidem entre si no caso concreto.104 Vale a pena lembrar, para exemplificar, o caso do romance Mephísto, de Klaus Mann, onde o tribunal tomou em consideração, por um lado, o direito à liberdade ar­tística e, de outro, o direito à honra. Os juizes, partindo d.a premissa de que a liberdade artística pode entrar em conflito com o direito à honra, concordaram que o caso deveria ser analisado “sobre a base das circunstâncias concretas dos fatos em questão”.105

Alguém poderia argumentar que não nos podemos valer do princípio da proporcionalidade porque ele não está previsto no sistema constitucional bra­sileiro. Acontece que, para poderem ser aplicados, os princípios não precisam estar previstos nos textos normativos. Como diz Canotilho, os princípios bene­ficiam-se de uma objetividade e presencia lida de normativa que os dispensam de estarem consagrados expressamente em qualquer preceito.106

O princípio da probabilidade, no caso de colisão de direitos fundamen­tais, não pode desconsiderar a necessidade da ponderação do valor jurídico dos bens em confronto, pois, embora o direito do autor deva ser provável, o valor jurídico dos bens em jogo é elemento de grande importância para o juiz decidir se antecipa a tutela.107

103. Karl Larenz, M etodolog ia d a c iên cia do d ireiío , p. 411 e ss.104. Idem, p. 490.1 0 5 . V., para m elhor com preensão do caso, K arl Larenz, M etod o log ia d a c iên c ia do d ireito ,

p. 4 9 8 e ss.

106 . D ireito constitucional, p . 119.107. O professor Moniz de Aragão, em conferência proferida em 1988 , fez ponderações que não

podem deixar de ser repetidas hoje: “Problema dos mais relevantes na m aléria consiste em saber em que limites a atuação do ju iz deve conter-se ao exercer o poder cautelar geral. Ao analisar os 'limites à discrição do ju iz ’ na determ inação da providência cautelar inominada que mais e m elhor se recom ende para o caso concreto, G . Lacerda aponta várias hipóteses já examinadas por autores estrangeiros, em que não é considerado cabível, especificam ente, o emprego do poder cautelar geral; por fim, tece breves considerações genéricas sobre o risco que pode defluir do mau uso dessa (por ele assim qualificada) 'perigosa arm a de dois gumes’ e sugere ‘prudência’, ‘equilíbrio’, a fim de a medida cautelar não se converter'em instrum ento iníquo de pressão’. São considerações abertas, um tanto vagas, como nào poderia deixar de ser, pois o exercício do poder discricionário é por definição iiimitável a lindes pré-traçados (os casos assim enquadráveis o legislador disciplinou nos procedim entos típicos). É pos­sível adicionar-lhes algumas ponderações m enos abstratas, mais objetivas, sugeridas pelo Código de Processo Civil português em seu art. 4 01 , inciso 1, no qual o legislador determina ao juiz não conceder a cautela pretendida (ao menos nos termos em que solicitada, pois poderá adequá-la ao que for ju sto ) ‘se o prejuízo resultante da providência exceder o dano

202 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

No juízo de cognição sumária o juiz ainda não sabe se o direito afirmado existe, embora possa saber que ele, por ser verossímil, merece tutela imediata em razão de periculum in mora. Há casos, porém, em que existem clois direitos fundamentais em colisão, e assim apenas as peculiaridades do caso concreto podem determinar qual deles deve prevalecer. Embora a solução da colisão entre direitos fundamentais deva. necessariamente se dar na sentença, quando da tutela final, é evidente que a necessidade de antecipação da tutela obriga o juiz a ponderar entre os direitos com os olhos nas circunstâncias presentes no curso do processo e, assim, através de um juízo de cognição sumária. Isto quer dizer que, diante de dois direitos fundamentais em colisão, o princípio da proporcionalidade deve ser aplicado na sentença e na decisão que trata da tutela antecipatória.

Lembre-se de que os direitos fundamentais contêm uma espécie de re­serva geral de compatibilização com outros direitos fundamentais, e que essa compatibilização somente pode ser feita pelo juiz mediante a análise dos pesos

que com ela se quer evitar. Antes de chegar a essa redação, mais sintética, a lei empregara outras, cu ja reprodução contribuí para m elhor com preender-lhe a preocupação: ‘O tribunal procurará manter o equilíbrio entre os dois prejuízos, o que a providência pode causar e o que pode evitar’ (en. 406 , ern 1939); ‘salvo se o ju iz , em seu prudente arbítrio, entender que o prejuízo resultante da providência sobreleva o dano que se pretende evitar’ (art. 4 0 0 , em 1961). O TAPR, em julgam ento ainda não divulgado, vem de oferecer valiosa colaboração para o estudo do assunto ao sugerir que, antes de se resolver pela decretação lim inar de uma determinada medida cautelar atípica, em casos lim ites, o ju iz pondere os interesses em jo g o à luz do chamado ‘princípio da proporcionalidade’ ( ‘Verhãitnismãssigkeitsprinzip’) , que a doutrina alemã tem aplicado. O acórdão reporta-se a Larenz, que recomenda o emprego do preceito‘quando o problema consista em determinar onde se situa o lim ite da satisfação lícita de um interesse à custa de outro (...) também digno de tutela’. Baur, igualmente, recorre ao princípio, especificam ente no terreno das medidas cautelares, embora para fim diverso, ocasião em que sugere: ‘quanto mais grave for a inLerferência do provimento na esfera do peticionado, tanto mais rigoroso tem de ser o exam e do direito e tanto mais severas hão de ser as exigências a impor a quem cabe tornar criveis as alegações’, conselho, este, que não deixa de ter validade no particular aqui enfocado. Trata-se de importante colaboração, que permitiniao magistrado aquilatar com pm dênciaeequilíbrio qual dos interessesemjogo deverá ser provisoriamente sacrificado a benefício daproteção de outro, até que a instrução do próprio processo cautelar lhe forneça elementos para solucionar o problema” ( “Medidas cautelares inom inadas”, Revista Brasileira de Direito Processual 57/43-44 - grifamos). £ importante consultar o acórdão do extinto TAPR, relatado pelo DL Francisco Muniz - grande civilista brasileiro e autor, juntam ente com o professor Jo sé Lamartine Corrêa de Oliveira, de uma das mais im portantes obras do direito civil contem porâneo (Direito de família - Direito matrimonial, Fabris), que tem a seguinte ementa: “Medida cautelar. Inibição da pretensão de recebim ento do crédito. Proposição fundamental da proporcionalidade como critério ju ríd ico de valorização de interesses. Aplicada à letra a proposição fundamental da propor­cionalidade, não se tem por justificado o sacrifício do direito do credor, na altura em que ocorreu, porque não se revela um interesse legitimo superior, nas circunstâncias do caso” (Paraná Judiciário 30/155).

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 203

dos bens conflitantes conforme as circunstâncias do caso concreto. Ou melhor, a regra da proporcionalidade constitui um método para a solução de conflitos entre direitos que contêm uma limitação imanente diante de direitos de igual porte e, dessa forma, também pode auxiliar na solução de conflitos de bens diante da tutela antecipatória. Quando o juiz, mediante a aplicação de tal regra, decide antecipar a tutela, admite-se o risco de irreversibilidade, até porque a proibição da concessão da tutela obrigaria o juiz a expor a risco de irreversibilidade exatamente o direito que, à luz da ponderação, merece tutela.

O princípio da proporcionalidade, como explica Karl Larenz, exige uma “ponderação” dos direitos ou bens jurídicos que estão em jogo conforme o “peso” que é conferido ao bem respectivo na respectiva situação. Como diz o jurista alemão, “ponderar” e “sopesar” são apenas imagens; não se trata de grandezas quantitativamente mensuráveis, mas do resultado de valorações que- nisso reside a maior dificuldade - não só devem ser orientadas a uma pauta geral, mas também à situação concreta em cada caso. Em outras palavras, a ponderação de bens deve ser feita no caso concreto, uma vez que “não existe uma ordem hierárquica de todos os bens e valores j urídicos em que possa ler-se o resultado como numa tabela”.108

Definir, na lei, que o juiz não pode conceder a tutela quando ela pode trazer prejuízos irreversíveis ao réu impediria a consideração das particularida­des do “caso concreto” e comprometeria o juiz com uma decisão que, em certas circunstâncias, poderia não ser a mais adequada.109 Como diz Hart. “o vício co­nhecido na teoria jurídica como formalismo ou conceptualismo consiste numa atitude para com as regras formuladas de forma verbal que, ao mesmo tempo, procura disfarçar e minimizar a necessidade de tal escolha (de ulterior exercício de escolha na aplicação de regras gerais a casos particulares), uma vez editada a regra geral. Um modo de conseguir isto consiste em fixar o significado da regra, de tal forma que os seus termos gerais devam ter o mesmo significado em cada caso em que esteja em causa a stta aplicação. Para conseguir isto, podemos ligar- nos a certos aspectos presentes no caso simples e insistir que são ao mesmo tem­

108. Karl Larenz, M etodolog ia d a c iên cia do d ire ito , p. 491 .109. Com o diz Teresa de Arruda Alvim, “parece, de fato, que vem surgindo, e se vem impondo,

uma forma de se pensar no direilo, adaptada a um tipo de sociedade em que a mobilidade passa a ser o fenômeno progressivamente crescente e em que, por conseguinte, existe inegá­vel variabilidade do quadro de valores, em função m esmo desta mobilidade, e que consiste naquela em que se parte, ainda que nem sempre, não de um sistema rígido preestabelecido, mas do problema concreto, nos casos em que se evidencia tratar-se de setor critico. A partir do problema, que traz com o que embutida grande parte dos parâmetros e variáveis para sua solução, formula-se um a regra que o ‘resolva'. Procura-se, adapta-se, ou cria-se um a nova regra, que passará a integrar o sistema, que não é impecável e absolutam ente coerente. Basta que tenda a um a situação de harm onia” (A gravo d e instrum ento, p. 10).

204 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

po necessários e suficientes para trazer algo que os retém dentro do âmbito da regra, sejam quais forem os outros aspectos que possam ter ou que lhe possam faltar e sejam quais forem as conseqüências sociais derivadas da aplicação da regra dessa maneira. Fazer isto é conseguir uma medida de certeza ou previsibi­lidade à custa de considerar, de forma cega e preconceituosa, o que deve fazer-se numa série de casos futuros, sobre cuja composição nos encontramos em esta­do de ignorância. Assim conseguiremos na verdade resolver antecipadamente, mas também sem uma visão clara, questões que só podem ser razoavelmente resolvidas quando surjam e sejam identificadas. Seremos forçados por esta técnica a incluir no âmbito da regra casos que desejaríamos excluir, deform a a dar ejeito a finalidades sociais razoáveis e que os termos da textura aberta da nossa linguagem teriam permitido excluir, se os tivéssemos deixado menos rigidamente dejinidos. A rigidez das nossas classificações entrará assim em conflito com as nossas finalidades de ter ou de manter a regra. A perfeição deste processo é o “paraíso de conceitos” dos juristas; atinge-se quando a um termo geral é dado o mesmo significado, não só em cada aplicação de uma dada regra, mas sempre que aparece em qualquer regra no sistema jurídico. Nenhum esforço é então exigido alguma vez ou é feito para interpretar o termo à luz das diferentes questões em jogo, nas suas variadas repetições”.110

O valor “efetividade”, por requerer a consideração das circunstâncias de cada caso concreto, exige definições de texturas mais abertas, como a que admi­te o risco de prejuízo irreversível ao réu. Como escreve Arruda Alvim, o legisla­dor tem que admitir que, sem flexibilidade e outorga de mais poder, será inviá­vel aos juizes um desempenho socialmente aceitável. *11 Por isso, não admitir a possibilidade de ponderação de direitos no juízo sumário é retirar da doutrina a possibilidade da construção de uma dogmática mais sensível à realidade so­cial e, assim, impedir que as reformas processuais atendam às expectativas que foram geradas nos consumidores de tutela jurisdicional, transformando-as em um amontoado de leis sem qualquer função social.

4.14 A efetivação da tutela antecipatória

4.14.1 Execução provisória: execução incompleta ou execução fundada em cognição não definitiva?

O art. 273 do Código de Processo Civil nos obriga a tocar na expressão “execução provisória” para mostrar que “execução incompleta” e “execução fun­dada em cognição nâo definitiva’’ são coisas distintas.

110. T he concept o j law, p. 142-143 .111. T ra tad od e direito p rocessu al civil, v. 1/113.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 205

Na “execução provisória”, como tradicionalmente concebida, a exe­cução avança apenas até um limite, ou seja, a execução é suspensa na sua fase final, não permitindo a integral satisfação do direito.112 Neste caso, não é cor­reto dizer que o efeito suspensivo do recurso opera na fase final da execução,113 até porque o recurso, quando a execução era dita provisória, não era recebido no efeito suspensivo.

Na verdade, os atos executivos que podem ser praticados com base na sentença que foi objeto de recurso ainda não apreciado não podem ser conside­rados “provisórios”. A penhora não é provisória, uma vez que, ainda que feita na execução chamada de “provisória”, produz, em um determinado momento, os mesmos efeitos que produziria em uma execução dita definitiva.

Provisório, na verdade, é o título no qual essa execução se funda (dita exe­cução provisória, mas na realidade execução incompleta).114 De fato, se provisório é

o título — já que a sentença, ainda que não imutável, tem eficácia a execução que era dita provisória é, na verdade, execução incompleta.

Se é o título que é provisório, pode existir, em tese, execução completa e exe­cução incompleta fundadas em título provisório. O titulo é provisório por ser fun­dado em cognição não definitiva, razão pela qual é possível talar de execução, completa ou incompleta, fundada em título provisório ou de execução fundada em cognição não definitiva, bastando lembrar, para demonstrar o equívoco da doutrina mais antiga, que a chamada execução provisória do despejo sempre foi uma execução completa lundada em cognição exauriente, mas não definitiva.

Além do mais, quem não é cegado pelo mito da nulla executio sim titulo, e, portanto, pode aceitar a tese da “execução" fundada em cognição sumária, não tem motivo para não admitir que pode haver “execução” fundada em cognição sumária. A qualidade “provisória”, de fato, somente pode expressar a “não definitividade” da execução (por não existir, ainda, coisa julgada material). Neste sentido, a exe­cução “provisória” (rectius: não definitiva) pode ser completa ou incompleta.

A tutela antecipatória, embora abra oportunidade para uma “execução fundada em cognição sumária”, pode realizar o direito do autor. Ninguém dirá

112. Vejam os o que escreveu Alcides de M endonça lim a em seus Comentários ao Código de Processo Civil de 1973: “N orm alm ente, portanto, a execução por quantia certa não pode chegar alé a arrem atação, podendo, no m áxim o, ir até a penhora, como medida de cautela, a favor do credor. Se for execução de entrega de coisa, a mesma tam bém não se poderá proceder, pela sua natureza e finalidade. Q uanto à execução de obrigações de fazer e não fazer, apenas fica excluída a incidência dos arts. 6 4 f , 6 4 2 e 6 4 3 ” (v. 6, t. 2/444—grifam os).

113. Enrico Tullio Liebm an, Processo de execução, p. 58.114. V Federico Carpi,La provvisoría esecutorietàdelia sentenza, p. 6; Cario Fm no, La sospen­

sione dei processo esecutivo, p. 54.

206 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

que a imediata ímissão do comprador na posse, mediante tutela antecipatória,”5 em uma ação de imissão na posse, configura uma “execução incompleta”, em­bora seja “execução” fundada em cognição sumária e, portanto, na perspectiva da doutrina antiga, “execução provisória”.

Atualmente, diante das novas regras dos arts. 273, § 3.°, e 475-0, III e § 2.°, do Código de Processo Civil, não pode haver mais dúvida de que a decisão que concede a tutela antecipada pode levar à integral realização do direito e, assim, a uma “execução completa”, embora fundada em cognição sumária ou exau­riente e não definitiva, É bom frisar, porém, justamente pela razão de que isto faz parte da ideia de “pesos e contrapesos” inerente ao sistema, que a efetivação da tutela antecipada pode ser suspensa ou limitada, nos termos do art. 558 do Código de Processo Civil.

4.14.2 Execução ou efetivação da tutela antecipatória?

Como dissemos em artigo publicado antes da introdução da tutela ante- cipatória no Código de Processo Civil,110 a execução da tutela antecipatória não pode se submeter às regras da execução da sentença condenatória. Isto porque a execução da tutela antecipada, diante da natureza dessa tutela, não pode se reali­zar nos moldes da execução da sentença condenatória.117

As regras da execução da sentença condenatória não foram pensadas para dar atuação aos provimentos sumários.118 Não faz parte do espírito desta modalidade de execução a necessidade de atuação célere do comando judicial. Nesta perspectiva, aliás, o provimento sumário, por sua própria essência, nâo constituiria título executivo. É que o título executivo, na sua tradição, supõe a existência de um direito “certo”, enquanto o provimento sumário, como o seu próprio nome indica, tem em seu conteúdo apenas a probabilidade da sua existência.lig

115. D inam arco, tratando dos casos em que “dá-se vida ao próprio direito, perm itindo que seja exercido desde logo”, lem bra que na ação visando à im issão do com prador na posse de imóvel urbano, “bem docum entado o negócio e sem defesa capaz de infirm á-lo desde logo, a tutela deve ser antecipada" (A reforma do Código de Processo Civil, p. 1 4 5 -1 4 6 ).

116. Luiz G uilherm e M arinoni, “Novidades sobre a tutela antecipatória”, RePro 69/105-111.117. Em outro sentido Sérgio Berm udes, A reforma do Código de Processo Civil, p. 38.118. A ruptura com as regras relati vas e execução da sentença condenatória, rompe com o con ­

vencional. Parece que o processualista caiu no poço de A lice, onde todas as coisas ficam soltas no ar, ou seja, em estado de suspensão. Ninguém pode esquecer, porém , que a obra de Lewis Carrol - que era um lógico se abala o sentido do saber, tam bém m anifesta o sentido evidente de todas as coisas ou, ainda, a reversibilidade do sentido.

119. Com o diz Giovanni Verde, “il terzo libro dei Codice di Procedura Civile e lega to alia fi­losofia dei titolo esecutivo. E una filosofia dai contorni incerti com e tutte le filosofie. Di

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 207

Perguntou-se, na Itália, se os provvedimenti d’urgenza poderiam ser clas­sificados, ao teor do art. 474 do Código de Processo Civil italiano, como título executivo. Inicialmente, parte da doutrina, conferindo interpretação extensiva ao art. 474, atribuiu-lhes eficácia de título executivo. A doutrina mais moderna, contudo, contrariando a posição que fora inclusive perfilhada por Calamandrei, nega tal caráter aos provvedimenti d’urgenza. Arieta, por exemplo, concluiu que o provimento cautelar não pode ser considerado título executivo, nos termos do art. 474, não porque tal norma deva ser interpretada de modo restritivo, mas sim pela absoluta diversidade do fenômeno que está à base de tais provimentos: “mais precisamente, a impossibilidade de atribuir aos provimentos fundados no art. 700 a qualidade e a eficácia de título executivo descende da profunda diversidade, nas perspectivas conceituai, estrutural e funcional, do processo de execução de título executivo em relação à fase de atuação-execução dos provi­mentos de urgência”.120

Não só a melhor doutrina italiana nega a aplicação das regras da execução da sentença condenatória na atuação da tutela urgente,121 como a recente refor­ma do Código de Processo Civil italiano (art. 74 da Lei 353/90) refutou a termi­nologia esecuzione ao tratar do que denominou de attuazione dos provimentos de urgência, apenas para deixar caracterizado que estes provimentos não podem ser “executados” como fossem sentenças de condenação.

De qualquer modo, deseja-se deixar absolutamente claro que, quando propusemos que o art. 273 do Código de Processo Civil passasse a fazer re­ferência a efetivação da tutela antecipada, isso obviamente foi motivado pelo desejo de livrar a sua execução (ou a sua “atuação” ou o nome que se deseje dar à realização do direito com base em cognição sumária) das amarras do modo de execução que foi instituído para servir à sentença condenatória - mas que obviamente não é idôneo para efetivar a tutela antecipatória.

essa p u a peraltro con facliltà cogliersi il nú cleo essenziale nelleslgenza che Tesecuzíone abbia di m ira un assetto stabile delle situazioni materiali e non un qualcosa di p row isorio elo d istrum enlalee caducabile" (T attuazíone delia tutelad ’urgenza", L a tutela (Turgenza).

120. I provvedim enti d ’urgenza, p. 313 .121. V. Bruno Capponi, “SuH’esecuzione-attuazíone dei provvedimenti d’urgenza per condanna

al pagamento di sornm e”, Rivista di D iritto P rocessuale , 1989, p. 89 e ss.; Achille Saletti, “Le riforme dei Codice di Rito in matéria di esecuzione forzata e di attuazione delle misure caute­lar!”, Rivista Trim estrale di D iritto eP rocedu ra C ivile, 1992, p. 4 53 ; Rom ano Vaccarella, Titoío esecutivo, precetto, opposizioni, p. 175; Edoardo E Ricci, “1 provvedimenti m term auecaute- tan” , L a riform a dei processo c iv ile , p. 58’, Fedenco Carpi, “La m ím níorm a dei!esecuzione forzata”, Rivista Trim estrale di D iritto e Procedura C ivile, 1992, p. 1.188; Girolamo M onte- leone, “Spigolature e dubbi sulla Legge 26 novem bre 1990 n. 353 (provvedimenti urgenti sul processo civ ile)”, Rivista di Diritto P rocessuale , 1992, p. 27-46.

208 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Portanto, quando falamos em execução da tutela antecipatória, utiliza mos essa terminologia apenas para facilitar a comunicação. Na verdade, não im­porta, no atual estágio da tutela antecipatória, saber se o provimento antecipatório constitui título executivo ou se a tutela antecipatória se submete a uma execução propriamente dita. O que realmente interessa, como é evidente, é demonstrar - como fazemos desde 1994 ~ que o direito objeto da antecipação da tutela deve ser reali­zado através de meios executivos adequados à sua natureza e à situação de urgência em que se encontra inserido.

O juiz, no provimento sumário, deve desde logo estabelecer os meios exe­cutivos que poderão ser utilizados para que a decisão seja observada, caso não seja voluntariamente adimplida. Justamente porque a atuação da tutela sumária não se subordina às regras próprias da execução da sentença condenatória é que se atribui ao juiz um amplo poder destinado à determinação dos meios executivos.

Como frisa o art. 273, § 3.°, do Código de Processo Civil, a efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 475-0 (que revogou o art. 588, conforme a lei 11.232/2005), 461, §§ 4.° e 5.°, e 461-A. Ou seja, além de tal parágrafo ter substituído a expres­são “execução” por “efetivação”, com a nítida intenção de evidenciar que a tutela antecipada não se realiza segundo as regras que servem à sentença condenatória, aludiu expressamente aos meios executivos que servem às ditas obrigações de não fazer, de fazer e de entrega de coisa.

Diante disso, é possível, por exemplo, a imposição de multa diária ou a determinação, também para o caso de inadimplemento, de busca e apreensão, imissão na posse, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedi­mento de atividade nociva e requisição de força policial.122

Ademais, é claro que o juiz poderá nomear um terceiro para fazer o que deveria ter sido feito (ou deverá ser feito) pelo réu. O juiz poderá nomear um terceiro para desenvolver as atividades necessárias (ou mesmo para controlar o desenvolvimento destas atividades) para a realização do que foi imposto pela tutela sumária.

122. No direito italiano, sobre o problem a da atuação da ordem que impõe um fazer ou um não fazer, v. Andrea ProLo Pisani, “Appunti sulla tuteia di condanna”, Rivista Trimestrale di Diritto e.Procedura Civile, 1978 , p. t. 3 0 4 e ss.; Aldo Frignani, Unjunctionneílacommonlaw e rinihitoria nel diritto italiano; Ugo M attei, Tutela inibitória e tutela risarcitoria; Cristina Rapisarda, Proflíl delia tutela civile inibitória; Elisabetta Silvestri, “Problerni e prospettive di evoluzione nelfesecuzíone degli obblighi di fare e di non fare”, Rivista di Diritto Pro­cessuale, 1981 , p. 41 e ss. Sobre a inteiiocutory injunctíon no direito inglês, v. Vincenzo Varano, “Tendenze evoluiive in matéria di tutela prow isoria neU’ordinam ento inglese, con particolare riferim enlo ali interlocutory injunctíon”, Rivista di Diritto Civile, 1985 , p. 39 e ss.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 209

Por outro lado - como também ficará mais bem demonstrado a seguir - mesmo a tutela antecipatória de soma em dinheiro dispensa a execução por ex­propriação (agora disciplinada a partir do art. 475-J do Código de Processo Ci­vil) e pode se servir de modalidade s executivas a ela adequadas, isto é, de meios completamente diferentes dos colocados à disposição da sentença condenatória.

Não é possível, em vista das peculiaridades da atuação do provimento antecipatório sumário, o uso da “impugnação” nos termos e limites do art. 475- L do Código de Processo Civil. No caso da execução da tutela desbordar dos limites fixados pela decisão sumária, o réu poderá, através de petição simples, requerer ao juiz a revogação ou a modificação da tutela.

Além disso, uma vez concedida a tutela, a parte poderá agravar e reque­rer ao relator, com base no artigo 558 do Código de Processo Civil, a suspensão dos efeitos da decisão antecipatória até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara.

4.14.3 A efetivação da tutela antecipatória nos casos em que se deseja obter um fazer\ um não fazer, a entrega de coisa ou soma em dinheiro

Como dito, o art. 273, § 3.° do Código de Processo Civil, afirma expres­samente que a efetivação da tutela antecipada deve observar as normas dos arts. 475-0,461. §§ 4.° e 5.°, e 461-A. Como as normas dos arts. 461 e 461-A dizem respeito às ações em que o provimento final pode impor um fazer, um não fazer ou a obtenção de coisa móvel ou imóvel, e nessas ações tais normas cuidam da possibilidade da tutela antecipatória, é claro que o art. 273 não precisa ser invo­cado quando a tutela antecipada contra o perigo é perseguida nas ações em que se busca, como tutela final, um fazer, um não fazer ou a obtenção de coisa móvel ou imóvel. Assim, é de se perguntar em que casos a tutela antecipada deverá observar o art. 273 e, ao mesmo tempo, a forma executiva prevista nos arts. 461 e 461-A.

É certo que, tratando-se de abuso de direito de defesa (art. 273, II, CPC) e de parcela incontroversa da demanda (art. 273, § 6.°, CPC), a tutela antecipada pode ser postulada, com base em qualquer um desses fundamentos, ainda que nas ações ancoradas nos arts. 461 e 461-A. É que a inexistência de referência a esses fundamentos nos arts. 461 e 461-A não pode ser interpretada como se não pudesse haver abuso de direito de defesa ou parcela incontroversa da demanda nas ações em que se pretende um fazer, um não fazer ou a entrega de coisa. Nesses casos, a tutela antecipada deverá ser requerida com fundamento no art. 273 (abuso de direito de defesa e parcela incontroversa da demanda; respecti­vamente art. 273, II e § 6.°), mas executada ou efetivada com base nos arts. 461 e 461-A.

210 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

A tutela antecipada através da qual se pretende um fazer, um não fazer ou a entrega de coisa em virtude de uma situação de perigo, apenas pode se fundar no art. 273 nas ações declaratórias e constitutivas. Nessas ações, existindo ur­gência na imposição de um fazer, de um não fazer ou da entrega de coisa, a tu­tela antecipada deverá se fundar no art. 273, mas deverá ser executada-efetivada com base nas regras dos arts. 461 e 461-A.

O art. 461 permite ao juiz, no caso em que se. pretende obter um fazer ou um não fazer, ordenar sob pena de multa C§ 4.°) ou determinar uma outra medida necessária, nos moldes daquelas exemplificativamente previstas no seu § 5.°. Como os §§ 4.° e 5.° do art. 461 são plenamente aplicáveis à efetivação da tutela antecipatória do art. 27.3, tais “meios de execução” podem ser utilizados nos casos em que se objetiva, por intermédio da tutela antecipatória, obter um fazer ou um não fazer nas ações declaratórias e constitutivas.

Por outro lado, a tutela antecipada lastreada no art. 273 pode determinar, nas ações declaratórias e constitutivas, a busca e apreensão ou a imissão na posse - conforme o caso - e, ainda, impor multa para a efetivação da entrega da coisa. A aplicação da multa, possível nesta situação em vista do § 3.° do art. 461- A, possui grande importância no caso em que o credor desconhece o lugar em que está a coisa e na hipótese em que a busca e apreensão, diante da natureza da coisa a ser entregue, é praticamente impossível. Assim, por exemplo, se a coisa exige desmonte e transporte que requer conhecimento técnico especializado e grande dispêndio de dinheiro.123

No que diz respeito à tutela antecipatória que determina o pagamento de soma em dinheiro, é possível pensar em três formas de execução: i) na execução por expropriação, utilizando-se as regras aplicáveis do Código de Processo Ci­vil; ii) na execução mediante a nova penhora on line - subscrita por convênio de que participou o STJ - através da qual o juiz pode requisitar informações ao Bíyico Central e às instituições financeiras a respeito do devedor, e inclusive determinar a penhora de dinheiro depositado no valor do débito;m iii) na exe­cução de alimentos, quando se parte do pressuposto que a soma pretendida configura verba alimentar, aplicando-se as regras do Capítulo Y Título 11, livro li, do Código de Processo Civil; c) na execução sob pena de multa, partindo-se do pressuposto de que, se é imprescindível a antecipação de soma, a sua “execução” não pode ficar na dependência da aplicação da regras da execução por expropria­ção, pois essas não permitem uma “execução célere” e, assim, adequada aos fins da tutela antecipatória.

A multa - apesar de não prevista para a execução da sentença condenató­ria - e os meios executivos que tratam “da execução de prestação alimentícia”

123. V. Luiz G uilherm e M arinoni, Tutela esp ec ífica , 2. ed., p. 194.124. Ver adiante o ilem 4 .1 4 .5 .3 .

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 211

(arts. 733 e 734 do Código de Processo Civil), podem ser utilizados para a efe­tivação da tutela que determina a antecipação de soma, em razão da evidente diferença entre a natureza da soma que se pretende deform a antecipada no caso do art. 2 7 3 ,1, e a natureza da soma que se almeja mediante a sentença condenatória. Ora, a circunstância de o art. 273 nada ter dito quanto ao meio executivo idôneo a essa modalidade de tutela antecipatória evidentemente não pode conduzir à conclusão de que ela não pode ser adequadamente executada. Tal interpretação entraria em confronto com o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, que determina que as regras processuais sejam interpretadas de modo a atender as necessidades do direito material.

De lado a execução alimentar e a multa, pode ser utiliza da a execução por expropriação.m E nesse ponto se destaca a nova penhora on Une, que per­mite a imediata penhora de dinheiro depositado pelo devedor em instituição financeira, bastando que o juiz envie ofício eletrônico - via internet - ao Banco Central para verificar o local era que o réu possui depósito e determine, ao re­ceber informação positiva, a penhora em valor suficiente para a efetivação da tutela antecipatória.126

Nada impede que a execução se processe em outros autos para que seja evitado o tumulto processual (obviamente quando recomendável). A impug­nação não pode ser utiliza da nos termos e limites do art. 475-L do Código de Processo Civil, mas apenas como defesa contra os atos executivos. Assim, por exemplo, no caso de penhora de bem impenhorável, ou em valor superior ao devido, o réu poderá se defender da execução através da “impugnação”. Se a tutela antecipatória provocar a constrição indevida de bem de terceiro, cabem os embargos de terceiro.127

Em razão do art. 475-0, III, é possível a expropriação ou a prática de atos que importem alienação de propriedade, assim como o levantamento de depósito em dinheiro, para a efetivação da tutela antecipatória. Nesses casos, e em outros em que a execução puder causar grave dano ao executado, deve ser prestada caução idônea (art. 475-0 , III). Não obstante, de acordo com o § 2.° do art. 475-0 , a caução poderá ser dispensada nos casos de crédito de natureza

125. Sobre a antecipação do pagam ento de som a em dinheiro no direito ita liano , v. G iampiero Rossielo, “In tema di esecuzione di provvedim enti d’urgenza recanti 1’ordine di corris- pondere som me di denaro”, Rivista di Diritto Processuale, 19 8 7 , p. 1 .046 e ss.; Pasquale Frisina, “La tutela cautelared’urgenza dei diriltia prestazioni pecuniarie” , Rivista dí Diritto Processuale, 1986 , p. 9 7 2 e ss.; Bruno Capponi, “Sull’esecuzione-attuazione dei provve­dim enti d’urgenza per condanna ai pagam ento di som m e”, Rivista di Diritto Processuale, 1989 , p. 88 e ss.

126. Ver adiante o item 4 .1 4 .5 .3 .J 27. V RT 563/88, 594/197 e 596/137.

212 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário mínimo, quando o exequente demonstrar situação de necessidade.

Frise-se que o art. 475-0 não se aplica sempre à execução da tutela ante­cipada de soma, mas apenas quando a ela fo r adequada ou quando “couber”. Por outro lado, as regras do art. 475-0 que não se referem expressamente à “forma de execução” também são aplicáveis nas hipóteses em que se pretende um fazer, um não fazer ou a entrega de coisa.

4.14.4 A prisão como meio de coerção indireta

O objetivo da norma constitucional que proíbe a prisão por dívida - exce­tuando a do devedor de alimentos e a do depositário infiel é a de vedar a prisão civil por descumprimento de obrigação que dependa, para seu adimplemento, da disposição de dinheiro. Nesse sentido é possível dizer que a norma proibiu a prisão por “dívidas pecuniárias V 28

Caso a sua intenção fosse a de proibir toda e qualquer prisão, com exce­ção dos casos do devedor de alimentos e do depositário infiel, não haveria como explicar a razão pela qual deu conteúdo à prisão civil, afirmando que “nâo haverá prisão por divida”. O entendimento de que toda e qualquer prisão está proibida implica em retirar qualquer significado da expressão “dívida”. Ademais, alegar que existem outras modalidade s de dívida que não apenas a pecuniária, e con­cluir que essas vedam a prisão, é nada dizer sobre a espécie de prisão proibida, mas simplesmente insistir na ideia de que a norma constitucional - de lado as exceções referidas - veda o uso de toda e qualquer prisão civil, e desse modo prosseguir retirando o significado da expressão “dívida”. Mas, se não há como fugir da ideia de que foi proibida somente uma modalidade de prisão civil, e não toda e qualquer prisão civil, a prisão proibida somente pode ser a prisão por “débito”.129

A interpretação do art. 5.°, LXVII, da Constituição Federal, deve ser al­çada a um nível que considere os direitos fundamentais. 5e é necessário vedar a prisão do devedor que não possui patrimônio ~ e assim considerar um direito fun­damental é absolutamente indispensável permitir o seu uso para a efetividade da tutela de outros direitos fundamentais.

Não há dúvida que o direito perde a sua qualidade se não puder ser efeti­vamente tutelado. A proibição de fazer justiça de mão própria não tem muito sen­

128. Pontes de Miranda sustentou que a proibição da Constituição estaria na prisão por nào pagam ento de dívida pecuniária, e que por isso seria possível utilizar a prisão corno meio coercitivo (Pontes de M iranda, Comentários à Constituição de 1 9 6 7 , t. 5, p. 2 53).

129. Ver Sérgio Arenhart. A tutela inibitória coletiva, p. 2 70 ; M arcelo lima Guerra, Execução indireta, p. 245 e ss.; Joaquim Felipe Spadoni, Ação inibitória, p. 200.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 213

tido se ao réu fo r dada a liberdade de descumprir a decisão que concedeu razão ao autor, pois nesse caso ele estará fazendo prevalecer a sua vontade como se o Estado não houvesse assumido o monopólio da jurisdição, cuja atuação efetiva é imprescin­dível para a existência do próprio ordenamento jurídico.

Ninguém pode negar que o processo exige, diante de certas situações de direito substancial, o uso da coerção indireta. Porém., a multa não constitui a única forma de coerção indireta, e nem se pode dizer que é ela suficiente para a efetiva prestação da tutela jurisdicional. A multa não tem efetividade diante de um réu que não possui patrimônio. Por essa razão, a violação de direitos é muito fácil a pessoas inescrupulosas, uma vez que também não é difícil que essas possam constituir “testas de ferro” sem patrimônio para lesar, sem qualquer preocupação, direitos da personalidade ~~ por exemplo.

Não admitir a prisão como forma de coerção indireta é aceitar que, em de­terminadas situações, o processo não terá efetividade e, assim, que nessas hipóteses o ordenamento jurídico estará apenas proclamando os direitos. Soará absolutamente falsa e demagógica - por exemplo - a afirmação da Constituição Federal no sen­tido de que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (art. 225, caput), se não for possível quando outro meio executivo não se mostrar adequado - a utilização da prisão como meio de coerção indireta para tutelá-lo. Seria o mesmo que interpretar tal norma constitu­cional como se ela dissesse que o meio ambiente, embora fundamental para a sadia qualidade de vida e para as futuras gerações, infelizmente não pode ser efetivamente tutelado em face de um réu que não se importa com os efeitos da multa. Ora, essa interpretação seria, para dizer o mínimo, incoerente.

A doutrina contemporânea, consciente da relevância de certos direitos de natureza não patrimonial, não pode ver na norma constitucional que proíbe a prisão por dívida uma porta aberta para a expropriação de direitos fundamentais para o homem.

Em uma interpretação realmente atenta aos direitos fundamentais, e de acordo com a moderna hermenêutica constitucional, não há como enxergar apenas o que há de negativo na utilização da prisão.130 Se ela constitui violên­cia inconcebível em lace de dívidas em sentido estrito, não há como deixar de se perceber o seu lado positivo diante da necessidade de tutela inibitória e de prestações que não dependam do desembolso de dinheiro, mas apenas do com­portamento do demandado.131

130. Ver M arcelo Lima Guerra, E x ecu ção indireta, p. 2 4 5 -2 4 6 .131 . “Q uanto à prisão para cum prim ento de ordem ju d icia l, não tem caráter obrigacional.

Ao contrário, deriva do im perium estatal e tem por fim resguardar a dignidade da ju stiça .

214 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Essa interpretação deixa de lado o conceito mítico de que a prisão civil é um simples atentado contra a liberdade dos cidadãos e propõe que se veja, ao lado da proibição da prisão civil por dívida pecuniária, a possibilidade do seu uso para impedir a expropriação dos direitos.

A forma de interpretação que não admite o uso da prisão como meio coercitivo constitui um método hermenêutico clássico, não suficiente quando comparado aos métodos hermenêuticos modernos,132 os quais são absolutamente necessários quando o que se tem a interpretar, diante das características da socie­dade contemporânea e da importância que nela assumem os direitos fundamentais, é um contexto de grande riqueza e muita complexidade. Não sendo o caso de apenas considerar o texto da norma, como se ela estivesse isolada do contexto, é necessário recorrer ao método hermenêutico-concretizadoi:

Deparando-se com a norma do art. 5.°, LXVII, da Constituição Federal, o intérprete deve estabelecer a dúvida que a sua interpretação suscita, isto é, se a norma veda o uso da prisão como meio de coerção indireta ou somente a pri­são por dívida em sentido estrito. A partir daí, verificando que a norma aponta para dois direitos fundamentais, ou seja, para o direito à efetividade da tutela jurisdicionai e para o direito de liberdade, deve investigar o que significa dar aplicação a cada um deles. Concluindo, a partir da análise da própria razão de

Enfim , encontra apoio na regra do arl. 5.°, inciso XXXV, da Constituição Federai, no que pertine à garantia de um provim ento ju risd icion ai útil. isto porque, em tese, pode haver situações em que a única form a de se obter provimento ju risd icion ai capaz de ser eficaz no coso concreto será contando com a colaboração do réu (sujeito a uma ordem judicial): e, também, não é difícil imaginar hipóteses (especialmente em sede de tutela inibitória) em que a imposição de astreintes ou de outra medida de apoio, que não a prisão civil, seja totalmente inadequada para garantir o cumprimento da determinação. Para estes casos, então, será legítima a im posição da prisão civil com o m eio coercitivo, sem que se vislum bre qualquer óbice a isto na regra consLitucionaldo art. 5.°, LXVH (ou m esm o nos textos das convenções inicialm ente m encionadas)” (Sérgio Cruz Arenhart. A tutela inibitória coletiva, p. 2 7 0 ); “Encarada a prisão com o um importante meio de concretização do di reito fundamental à tutela efetiva e não apenas como uma odiosa lesão ao direito de liberdade, um a exegese que re sL rin ja a vedação do inc. LXVII do art. 5 .° da C F aos casos de prisão por dívida em sentido estrito preserva substancialm ente a garantia que e ssa vedação representa, sem eliminar totalmente as possibilidades de se empregar a prisão civil como medida coercitiva para assegu­rar a prestação efetiva da tutela jurisdicionai ” (M arcelo Lima G uerra, Execução indireta, p. 2 4 5 -2 4 6 ) ; UA C onstituição garante ao cidadão com um o direito de não perder a liberdade caso não disponha de patrim ônio suficiente para saldar sua dívida. A interpretação do dispositivo constitucional deve ser restrita, a fim de não acobertar a falácia de outro, que, a despeito de não possuir nenhum patrim ônio, pode e tem todas as condições de, por exem plo, cum prir a ordem ju d icia l de separação de corpos e não voltar ao lar con jugal” (M ilena de Oliveira Guim arães, O contem pt o f court e a efetividade da tutela executiva).

132. Ver José Joaquim Gom es C anotilho, Direito constitucional; e jo rg e Miranda, Manual de direito constitucional.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 215

ser desses direitos, que a sua aplicação deve ser conciliada ou harmonizada, não há como deixar de interpretar a norma no sentido de que a prisão deve ser vedada quando a prestação depender da disposição de patrimônio, mas permitida para a jurisdição poder evitar - quando a multa e as medidas de coerção direta não se mostrarem adequadas - a violação de um direito. Note-se que essa interpretação, além de considerar o contexto, e por essa razão ser muito mais abrangente do que a “clássica", dá ênfase aos direitos fundamentais, realizando a sua necessária harmonização para que a sociedade possa ver a sua concretização nos locais em que a sua própria razão recomenda.

De outra maneira os direitos ficarão desprovidos de tutela, e assim o orde­namento, exatamente na parte que consagra direitos invioláveis e fundamentais, assumirá a configuração de mera retórica, e dessa forma sequer merecerá ser chamado de “jurídico”.133

O art. 461, § 5.°, do Código de Processo Civil, afirma que o juiz pode determinar as medidas necessárias à efetivação da tutela - seja final ou anteci­pada aí lembrando, de forma exemplificada, vários meios executivos, como a busca e apreensão e a remoção de pessoas e coisas. Como esse § 5.° configura uma cláusula geral executiva, destinada a dar ao juiz poder para a determinaçãod.a modalidade executiva adequada ao caso concreto, não há como lhe negar a possibilidade de ordenar sob pena de prisão.

A prisão, nesse caso, é apenas um meio de execução das decisões do juiz civil, e não um meio destinado a castigar alguém por um crime ou a compelir ao cumprimento de dívida pecuniária.

No caso em que se ordena um fazer cuja observância depende apenas do comportamento do réu e, além disso, não exige o dispêndio de patrimônio, o juiz pode ordenar o cumprimento ~ obviamente que dando para tanto prazo su­ficiente - sob pena de prisão. O demandado deve ter a oportunidade de justificar a eventual impossibilidade do cumprimento. Escoado o prazo sem manifesta­ção, ou rejeitada a justificativa, o juiz deve determinar a expedição do mandado de prisão. O tempo da prisão, no caso em que se pretende um fazer, deve servir para vencer a resistência do réu, embora deva ter um limite.

Ordenado um não fazer sob pena de prisão, ao demandado obviamente também deve ser conferida oportunidade para falar. Nesse caso, a ameaça não está na prisão em si, mas sim na possibilidade da sua ocorrência. Por isso, al­guém poderia pensar que a execução dessa prisão tem caráter penal. Acontece que o fato de a prisão poder apresentar uma face preventiva e outra repressiva nada tem a ver com a sua natureza civil ou penal. A prisão civil, compreendida como meio de coerção indireta, serve para constranger a parte a cumprir as de­

133. Luiz G uilherm e M arinoni, Tutela in ibitória .

216 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

cisões do juiz. De modo que pode assumir a configuração de ameaça e de sanção privativa de liberdade.

Lembre-se de que exatamente o mesmo acontece com a multa civil, pois ainda que a ordem de não fazer sob pena de multa tenha nítida função intimida- tória, a sua natureza é modificada quando a ordem não é observada e é praticado o fazer que se desejava impedir. De coerção indireta a muita é transformada em mera sanção pecuniária, embora não passe pela cabeça de ninguém que a multa assumiu natureza penal. A dupla feição da multa deriva da simples circunstância de que a ameaça que não é concretizada perde o seu valor. A multa tem que ser cobrada para que a sua função intimidatória seja conservada.

O juiz, ao ordenar um fazer ou um não fazer sob pena de prisão, deve fixar o seu prazo. O fato de tal prazo poder ser estabelecido pelo juiz decorre da própria natureza de meio executivo da prisão. Se a prisão, aqui, é um mero meio de execução das decisões do juiz civil, resulta natural que o seu prazo deve se amoldar aos casos concretos, do mesmo modo que acontece em relação à multa, cujo valor pode variar conforme o caso. Isso não quer dizer, como é óbvio, que não exista como controlar a racionalidade da fixação de tais prazos pelo juiz.

Lembre-se de que a prisão apenas pode ser usada quando a decisão não exigir dispêndio de dinheiro e depender do exclusivo comportamento da parte. Além disso, somente pode ser utilizada quando nenhum outro meio de exe­cução se mostrar capaz de dar efetividade à decisão judicial. Porém, tudo isso deve. ser perfeitamente demonstrado na motivação da decisão judicial. Como a pri­são civil é um meio executivo, e esse não pode se desprender do caso concreto, é a motivação que viabiliza o controle da decisão judicial.

Por último, importa justificar a execução da prisão diante da tutela ante- cipatória. Cabe lembrar que a multa, apesar de ter o objetivo de forçar o cum­primento das decisões judiciais, tem o seu montante voltado à parte - e não ao Estado. Isso se deve a adoção de um modelo que ainda confunde a multa e a indenização, supondo que a multa também funciona como uma medida repara- tória para a parte que tinha interesse na decisão não cumprida. De outra parte, a sua natureza intimidatória advém da ameaça da sua cobrança.

Tomando em consideração as circunstâncias de que o valor da multa cabe à parte e de que a força coercitiva da multa está na ameaça da sua cobrança, é correto concluir que a cobrança da multa deve ser admitida apenas após o trânsito em julgado - e não em face da tutela antecipatória, no curso do pro­cesso. Perceba-se que se a cobrança - e não apenas a sua imposição ou a ameaça da cobrança - da multa tivesse finalidade coercitiva, o seu valor deveria poder ser dispensado na hipótese de o réu se dispor a cumprir a decisão, mesmo que tardiamente. Porém, a cobrança da multa, reverta para o particular ou para o Estado, sempre vai ter conotação repressiva, pois se pudesse ser perdoada após o não cumprimento, apenas pela razão de o inadimplente vir a cumprir, perderia o

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 217

seu efeito intimidatório. Ademais, conforme observado, tal valor é atribuído ao autor, como se tivesse natureza de ressarcimento. Diante dessa natureza, o paga­mento do valor da multa ao autor, ainda que ele não tenha o seu direito reconhe­cido ao final do processo, configura genuíno enriquecimento sem causa. Dar ao autor o direito de executar o réu para cobrar multa devida pelo não cumprimento de decisão reputada injusta no próprio processo não pode significar outra coisa.

Alguém dirá que no caso de multa periódica a imediata execução da multa devida tem finalidade intimidatória. A multa fixada de modo periódico somente permitiria a execução do valor relativo ao período do incumprimento, pelo que o fim in timidatório da execução estaria em constranger o demandado a cumprir para a multa parar de incidir. Nesse caso, porém, além de o autor poder receber injustamente o valor da multa que já se tornou devido, o fim intimidatório da multa estaria sendo transferido para a sua execução parcial. Porém, não há racionalidade em imaginar que o réu somente é constrangido a cumprir quando a execução já foi requerida, a menos que esse aposte ~ nâo se importando com o acréscimo do valor da multa periódica - no seu sucesso ao final do processo, o que faz pensar em um otimismo quase que paranoico.

De qualquer forma, o que realmente impede a admissão da execução da multa no curso do processo é o fato de que o seu valor reverte à parte, o que significa que a finalidade da multa ainda é obscura no sistema brasileiro. Perceba- se que, quando se fala da finalidade da multa, nâo se está aludindo a algo seme­lhante à dupla face da prisão. A multa, ainda que deva ameaçar e ser executada (tendo dupla feição), deveria ter por objetivo apenas a efetividade das decisões do juiz, e não o de dar algo ao autor (como acontece atualmente), já a prisão, ao assumir dupla configuração, é obviamente sempre voltada ã proteção das decisões judiciais.

No caso de não cumprimento de um fazer, não há como pensar em prisão cujo prazo se estende com o passar do tempo - à semelhança do que ocorre com a muita. A coerção da prisão está na aflição gerada pela sua execução, ao passo que o acréscimo do valor da multa é expediente expressamente previsto no Có­digo de Processo Civil (art. 461, § 6.°) para que a sua finalidade coercitiva possa ser potencializada e, assim, vencida a vontade do renitente.

Frise-se que a coerção da multa não está na sua cobrança parcial, mas sim no acúmulo do seu valor com o passar do tempo, ao passo que, em relação à violação de uma decisão que impôs um fazer, a prisão deve ser executada para constranger ao cumprimento. Para melhor explicar: o prazo da prisão não precisa ser cumprido se a decisão fo r observada, mas se a decisão fo r acatada a multa ape­nas não mais incidirá - embora possa ser cobrada - , o que signijica que a execução da prisão e o acréscimo da multa (e não a sua execução) servem para constranger ao cumprimento.

218 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Nessa dimensão a diferença entre a prisão civil - vista como meio de exe­cução - e a prisão criminal fica ainda mais nítida. Após a violação a prisão penal não pode ser perdoada, exatamente porque, ao contrário da prisão civil, não tem o objetivo de estimular a um fazer.u+

A única ressalva que se poderia fazer é relativa à decisão que impõe um não fazer, uma vez que a ameaça, aí, estaria exclusivamente em momento an­terior a violação. Acontece que a prisão é relacionada apenas com a atuação do poder do Estado, ou seja, com a efetividade das decisões jurisdicionais, não sofrendo do mesmo problema que obscureceu a finalidade da multa. Portanto, nada desautoriza a imediata execução da prisão no caso de descumprimento de decisão concessiva de tutela antecipatória.

4.14.5 Um maior aprofundamento da questão da antecipação do pagamento de soma em dinheiro

4 .14 .5 .7 Os diferentes escopos da antecipação do pagamento de soma em dinheiro, da execução provisória da sentença e do arresto

Para que seja possível a compreensão do alcance do art. 273 do CPC é necessário que se perceba, antes de mais nada, a diferença de fim entre a ante­cipação do pagamento de soma em dinheiro baseada em fundado receio de dano, a execução provisória da sentença e o arresto.

A execução provisória, como fo i tradicionalmente concebida, nâo supõe a ne­cessidade de realização imediata do direito de crédito, mas apenas a necessidade de aceleração da atividade executiva para a segurança do juízo. A lição de Liebman não deixa dúvida: “na execução provisória o efeito suspensivo dos recursos, em­bora atenuado, todavia existe e opera na fase final da execução, quando, estando seguro o juízo, a espera não mais produz prejuízos".'35 Esta passagem do saudoso

134. Com o observou M ilena de Oliveira Guim arães, “pode ocorrer um a san ção coercitiva por ‘civil con tem pt’ no caso de d esob ed iên c ia à ordem de praticar determ inado ato, ou seja, o ‘con tem n or’ d ev e p erm an ecer p reso até qu e cum pra a ordem ” e “ uma prisão punitiva por ‘civil contem pt’ pode ocorrer no caso de o su jeito deixar de cum prir ordem ju d icia l de se abster de praticar determ inado ato, com o, por exem plo, um a ordem de não m o les ta r o peticionário” (M ilena de Oliveira G uim arães, O contem pt o jc o u r t e a e fetiv idade d a tutela executiva). Portanto, não há dúvida que a prisão por civil contem pt pode configurar, no caso de obrigação de não fazer, uma a m ea ç a para que a parte não pratique um ato e uma p u n ição pela sua eventual prática, em bora essa punição não confira caráter crim inal ao contem pt. Em ambas as situações há um civil contem pt.

135. P rocesso cie execu ção, p. 58.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 219

Mestre deixa claro que a referida “execução provisória” pode ser suspensa por­que “a espera não mais produz prejuízos”.136

A ideia que está por detrás da “execução provisória da sentença” nada tem a ver com a finalidade da antecipação do pagamento de soma em dinheiro ba­seada em fundado receio de dano. Para melhor esclarecer, é interessante lembrar esta curiosa lição de Alcides d.e Mendonça lima sobre os limites da antiga “exe­cução provisória” (tal como era regulada pelo antigo art. 588 do CPC): “pela natureza da causa (art. 520 do CPC ou na legislação especial), a lei coloca o requisito da rapidez acima do da justiça da execução em favor do credor no de­trimento do devedor, pela expectativa desse no recurso que interpôs. Mas nem por isso deixa o devedor desamparado. Estipula tais restrições que, praticamente, o credor não obtém vantagem alguma com sua pressa".137

Como está claro, a execução provisória - tal como instituída pelo Código de Processo Civil de 1973 - permite a penhora de bem de propriedade do devedor, mas não a sua expropriação. Portanto, o seu objetivo não é satisfazer o autor que necessita imediatamente de soma em dinheiro, mas apenas permitir a segurança do juízo ou a garantia da viabilidade da futura e eventual realização do crédito.

Se pensarmos na perspectiva da nova “execução provisória", ou seja, na ausência de restrições à plena realização do direito declarado na sentença objeto do recurso ainda não julgado (art. 475-0, III, CPC), não há como fugir da constatação de que a tutela antecipatória e a execução completa da sentença impugnada realizam - e não apenas acautelam - o direito, embora este, na “exe­cução provisória”, não precise ser realizado tão rapidamente quanto na tutela antecipatória.

Por outro lado, os alemães já deixaram claro que o arresto não obsta à anteci­pação do pagamento de soma em dinheiro,118 demonstrando que o fim da antecipa­ção não é o de acautelar o direito de crédito, mas o de proteger o direito que somente através da realização do direito de crédito pode ser adequadamente tutelado.

A antecipação do pagamento de soma em dinheiro não visa, como é óbvio, à segurança do juízo ou do direito de crédito. O autor, no caso desta an­tecipação, não pode esperar, sem dano grave, a realização do direito de crédito. Na antecipação, ao contrário do que ocorre na execução provisória, parte-se da premissa certa de que a espera produzirá prejuízos, não sendo suficiente a mera cautela do direito de crédito.

136. Vaie a pena repetir o que disse A lcides de M endonça lima: “A execução por quantia certa não pode chegar até a arrem atação, podendo, no m áxim o, ir até a penhora, como medida de cautela, a favor do credor" (Comentários ao Código de Processo Civil, v. 6, t. 2, p. 4 4 4 ).

137. ldem , p. 434.

138. Com base no § 9 4 0 da ZPO alem ã, jau ernig , “D erzulãssigelnhalteinstw elilgerV erfügun- gen” , ZZP 19 6 6 , p. 3 0 3 e ss.

220 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

A antecipação do pagamento, quando fundada no inciso I do art. 27.3 do CPC, é medida idônea para impedir prejuízo irreparável a um direito conexo ao direito de crédito.139 enquanto o arresto é destinado a assegurar a viabilidade da realização do direito de crédito.140

A antecipação fundada em receio de dano a um direito conexo ao direito de crédito não pode ser suspensa após a penhora, não só porque o caso não é de necessidade de segurança do direito de crédito, mas principalmente porque no caso de antecipação a espera pode trazer prejuízos ao direito que é conexo ao direito de crédito.

Isto permite explicar que não é pela razão de a tutela ser baseada em fundado receio de dano que ela assumirá a natureza “cautelar”. Antônio Cláudio da Costa Machado, por exemplo, supõe que toda tutela baseada em fundado receio de dano é “cautelar”, como se o fundado receio de dano fosse nota exclusiva desta tutela. Este processualista afirma expressamente que “o periculum in mora é ca­racterística exclusiva da cautelaridade”, sendo este, aliás, o título do item 3 de trabalho de sua autoria.141

Sendo assim, referido jurista teria que atribuir natureza cautelar à exe­cução da sentença baseada em periculum in mora, a qual foi admitida por cin­qüenta anos na Itália. Porém, há forma bem mais fácil de se demonstrar o erro de raciocínio daqueles que pensam que a tutela antecipatória baseada em peri­culum in mora é cautelar. Uma tutela somente pode ser dita acautelatória quando é incapaz de realizar o direito que é postulado através da ação. Ora, como é abso­lutamente lógico, ninguém pode acautelar o que já fo i realizado.

Mas alguém poderia dizer, argumentando, que referida tutela, embora realize o direito material, acautela a sentença. Ora, supor que a tutela anteci­patória acautela a sentença configura completo desprezo pelo direito material e inacreditável valorização da técnica processual. Se o processo é instrumento para a realização do direito material, é evidente que as técnicas processuais devem ser pensadas nesta perspectiva. Se a técnica de antecipação realiza o direito

139. Há ju lgado, na Itália, adm itindo com base no art. 700 do Código de Processo Civil Italiano antecipação de pagamento de som a eir\ dinheiro em favor de um hospital que necessitava im ediatam ente da som a para não interrom per as suas atividades (Prei. Rom a, 15 .1 2 .8 2 , Temi Romana, 19 8 2 , p. 6 3 7 ) . Tam bém há ju lgado adm itindo a antecipação para evitara falência de uma em presa que necessitava de som a devida pelo M unicípio de Roma e que trabalhava quase que exclusivam ente para ele, o seu devedor di gran funga principale (Pret. Roma, 3 1 .7 .8 6 , Gímtizia Civile, 1 9 8 6 ,1, p. 2 .5 8 3 ) (v. Arnaldo M iglino, La tutela giurisdízionale antecipatória, p. 198).

140. Arnaldo M igiino, La tutela giurisdízionale antecipatória, p. 196 e ss.141. Antônio Cláudio da Costa M achado, “Observações sobre a natureza cautelar da tutela anle­

cipatória do art. 273 ,1 , do CPC, Reforma do Código de Processo Civil. O referido item 3 tem o seguinte título: “3. O periculum in mora com o característica exclusiva da cautelaridade”.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 22.1

material, é absurdo pensar que ela está acautelando outra técnica de prestação do direito material, a menos que se pense que o direito material apenas pode ser reali­zado pela sentença.

Aliás, o desvio de perspectiva que leva a supor que a tutela antecipatória é cautelar também deriva da falsa ideia de que toda tutela anterior à declaração do direito - que ocorreria na sentença - constitui tutela cautelar, pouco importando a sua função, e assim o que acontece com o direito material.1"'1

Porém, a tutela antecipatória de soma realiza o direito material do mes­mo modo que a sentença condenatória seguida da execução por expropriação. Quando se propõe ação para se obter soma em dinheiro e esta é obtida desde logo, é óbvio que o direito é realizado e não apenas acautelado.

Na verdade, o equívoco do raciocínio que conclui que a tuteia antecipa­tória é cautelar está precisamente na falta de percepção de que a tutela anteci­patória de soma em dinheiro realiza o próprio direito buscado através da ação, protegendo apenas um direito conexo ao direito almejado, como corretamente observou a doutrina alemã para demonstrar a necessidade de antecipação de soma e não somente de arresto cautelar.

4.14.5.2 O emprego da multa para dar efetividade à tutela antecipatória de soma em dinheiro

Como está claro, a tutela antecipatória de soma supõe a possibilidade, da sua execução ~ ou a possibilidade da realização do crédito - no curso do processo de conhecimento. Além disso, já foi demonstrado que a execução dessa espécie de tutela antecipatória não precisa necessariamente observar as regras da execução por expropriação. Assim., por exemplo, é possível o uso dos “meios de execução” próprios da tutela alimentar do direito de família quando em jogo os alimentos indenizativos.143

142. V. a brilhante ponderação de Jo rg e P inheiro C astelo , realizada em tese de doutorado aprovada na USP: “Para os lum inares m estres italianos, a execução que se processasse antes da declaração definitiva do direito seria ‘cautelar’ (? !) pelo sim ples fato de que ainda não existia o títu lo ju d ic ia l ou a sen tença prolatada com ju íz o de certeza. Não com preendiam os doutos m estres italianos e a doutrina tradicional que o que se tutela e satisfaz é a realização do direito, não sua existência norm ativa e abstrata do mundo m e­ram ente jurídico, mas sim na sua realização no m undo da realidade social e histórica, no plano da vida real. A dificuldade de se adm itir a satisfação provisória de direitos resulta de um com prom etim ento ideológico e conceituai advindo da concepção inicial e tradi­cional do direito processual m oderno calcada no liberalism o puro" (Tutela an tecipada, v .L p . 175).

143. V item 4 .1 4 .5 .4 .3 .

222 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Porém, exatamente porque não é possível o emprego da prisão - como forma de coerção ao pagamento de soma em dinheiro - fora da tutela alimentar, não deve ficar descartado o emprego da multa para dar efetividade a tal modali­dade de tutela antecipatória. Com efeito, a tutela antecipatória de soma baseada em perigo certamente não terá efetividade se tiver que ser executada através da via expropriatória.

Se o princípio constitucional da efetividade, albergado no art. 5.°, XXXV, da Constituição Federal, garante o direito à tempestividade da tutela jurisdi­cionai, ele também garante, como diz a melhor doutrina italiana,144 o direito às modalidade s executivas adequadas a cada situação conflüiva concreta. Assim, se a execução da tutela antecipatória baseada em fundado receio de dano não tem efetividade mediante a via expropriatória, deve ser admitida, inclusive para que seja observada a Constituição Federal, a tutela antecipatória de soma por meio da imposição de multa.

Não é preciso que o legislador tenha deferido ao juiz, expressamente, a possibilidade de usar a multa para efetivar a tutela antecipatória. A possibilidade cio seu uso decorre do fato de que a outorga de poder (poder de conceder tutela antecipatória) implica na outorga de meios para que esse poder possa ser concreti­zado. Não há procedência em pensar que a multa só pode ser utiliza da se prevista, uma vez que o direito fundamental à tutela jurisdicionai efetiva (no caso à tutela antecipatória) não pode ser desconsiderado quando, diante de determinado caso concreto, a efetivação da tutela jurisdicionai depender de sua utilização.

Por outro lado, não tem cabimento o argumento no sentido de que a deci­são concessiva de tutela antecipatória não pode “ser mais efetiva” do que a senten­ça. O que justifica a tutela antecipatória é algo absolutamente diverso daquilo que está à base da sentença condenatória. A tutela antecipatória concedida a partir de uma situação de urgência não “combina” com a execução por expropriação jus­tamente porque deve realizar prontamente - ou sem delongas - o direito. Assim, ao contrário do que alguém poderia supor, a decisão concessiva de tutela antecipatória deve ser mais ejetiva (e assim pode “ser mais forte") que a sentença.

Como diz Tarufío, a melhor execução é aquela que não é necessária. A for­ma ideal de realização de um direito se dá por intermédio do adimplemento voluntário.145 Ora, se o desejável é o adimplemento voluntário, a. melhor via de exe­

144. V. Luigi Paolo Com oglio, “Príncip i costituzionali e processo di esecuzione”, Studi in m e­mória di Gino Gorla, v. 2, p. 1 .5 8 4 ; Andrea Proto Pisani, “Feffettività dei mezzi di tutela giurisdizionale con particolare ríferim ento aU’attuazione delia sentenza di condanna”, Rivístacii Diritto Processualc, 1975, p. 6 3 3 ; M ichele Tarufío, “N otesu ld iritto alia condanna e aU’esecuzione’\ Ri vista Critica d d Diritto Privato, 19 8 6 , p. 635 e ss.

1.45. M ichele Tarufío, “Note sul diritto alia condanna e alTesecuzione”, Rivista Critica dei Diritto Privato, 1986 , p. 668.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 2 23

cução é a indireta, ou seja, aquela que atua sobre a vontade do obrigado visando ao seu adimplemento. Note-se que a “execução” sob pena de multa, além de dar àquele que tem um direito uma tutela jurisdicional mais célere e de “livrar” a administra­ção da justiça de um procedimento oneroso e longo, elimina os custos e os riscos inerentes à execução por expropriação, culminando por ser mais benéfica, em um certo sentido, também ao devedor.

A “execução” sob pena de multa somente tem sentido em relação ao devedor que possui patrimônio suficiente para responder ao crédito. Na hi­pótese de devedor sem patrimônio, não cabe, como é óbvio, a “execução” sob pena de multa. Assim, na hipótese de antecipação da “execução”, o ju iz deve dar ao réu a oportunidade de justificar o não adimplemento. Além disso, é fun­damental que o ju iz estabeleça prazo suficiente para o réu adimpht; sendo que a sua justificativa também pode ser no sentido de que necessita de mais tempo para cumprir a obrigação.

Imaginar que o emprego da multa não tem efetividade em face da ne­cessidade de obtenção de soma em dinheiro, com base no argumento de que o inadimplente do principal não se importa com a multa, não tem qualquer fundamento. Como é evidente, a multa certamente pode atuar sobre a vontade da­quele que possui patrimônio, pois este tem plena consciência de que não é “compen­sador” esperar (e assim contar com o tempo do processo) para pagar o “principal” com multa.

Esta posição não só é importante para a efetividade da tutela antecipatória de pagamento de soma, como também abre oportunidade para a meditação em tomo da necessidade de uma melhor elaboração da execução da sentença condenatória.

A tese ora proposta pode parecer ousada. Entretanto, justamente na Itália, onde a doutrina ainda se mantém presa ao velho, inefetivo e ideologicamente superado esquema da correlação necessária entre a condenação e a execução forçada.140 Propõe-se algo similar. Registre-se a ideia de Taruffo, professor de direito processual civil da Universidade de Pavia:

“Não se exclua, em outros termos, a eventualidade de medidas de coerção indireta, cumuláveis com a possibilidade da execução direta, dirigidas a provo­car o adimplemento espontâneo. Não se trata, como é óbvio, de evocar o fantas­ma da prisão por dívida, mas de considerar se a ameaça de uma sanção (ainda que apenas de caráter pecuniário, segundo o modelo da astreinte) pode ter efe­tividade para induzir ao adimplemento, com isto evitando o recurso à execução forçada. A possibilidade de obter o adimplemento, evitando assim as complicações, os custos e os riscos de ineficácia inerentes à execução por expropriação, constitui

146. V , por exem plo, C risanto M andrioli, “Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata", Rivista Trim estrale di D iritto eP ro ced u ra Civile, .1976, p. 1 .342 e ss.

224 ANTECIPAÇÃO DA TUTEI.A

a razão de fundo que deverá m im ar a que se percorra d e form a decisiva o caminho da introdução de adequadas medidas coercitivas, ainda que destinadas a garantir a efetividade das sentenças que condenam ao pagamento de dinheiro”

Como se vê, Taruffo admite a execução de soma mediante a imposição de multa, argumentando que tal forma de execução pode evitar os problemas inerentes à execução forçada e dar maior efetividade à sentença condenatória, atualmente tão desacreditada.

Deixe-se claro, porém, que não se está propondo a troca da “execução por expropriação” pela “execução através de multa”, mas que a multa possa ser utilizada pelo juiz como uma das formas (as duas podem conviver) para que o credor possa obter aquilo a que tem direito. O que não adianta é apenas tentar dar maior celeridade à execução por expropriação, como se essa fosse a única e melhor alternativa para se conferir efetividade à sentença de condenação ao paga­mento de soma.

4.14.5.3 A penhora on line e a efetividade da execução da antecipação de soma

Diante da necessidade da imediata efetivação da tutela antecipatória de soma, a chamada penhora on line aparece como alternativa bastante importante. Sabe-se que o Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Superior do Trabalho e o Conselho da Justiça Federal firmaram convênio com o Banco Central, mediante o qual juizes com senhas cadastradas têm acesso, por meio da internet, a um sistema de consultas desenvolvido pelo Banco Central (Bacenjud) para a obten­ção de informações sobre eventuais depósitos bancários dos devedores.

Mediante esse sistema, o juiz pode encaminhar ofícios eletrônicos (via internet) às instituições financeiras solicitando informações sobre a existência de contas correntes e aplicações financeiras, determinando bloqueio e desblo­queio de contas, ou requerendo outras informações que vierem a ser definidas pelas partes.148

147. M ichele Taruffo, “N oiesul diritto alia condanna e ali’esecuzione’’ , Rivista Critica dei Diritto Privato, 1986 , p. 668.

148. “Ju izes Federais têm acesso on line às bases de dados da PF e do Bacen. O magistrado da ju stiça Federal do Brasil pode ter acesso on line às bases de dados do Departam ento de Polícia Federai e do Banco Central do Brasil - Bacenjud, mediante convênios firmados entre essas instituições e o Superior Tribunal de ju s tiça , o Conselho da Ju stiça Federa!, os Tribunais Regionais Federais e suas respectivas SeçõesJ udiciárias. Apesar da util idade das inform ações que se podem obter com o acesso a esses serviços, m uitos ju izes federais não sabem da existência desses acordos de cooperação técn ico-üistitucional que possibilitam o acesso aos sistem as da autoridade m onetária, desde m aio de 2 0 0 1, e da Polícia Federal, desde agosto de 2 0 0 2 , com cadastram ento prévio dos magistrados ( .. .)” (notícia publicada no site do Superior Tribuna! de ju s tiça , 2 5 .0 5 .2 0 0 3 , www.stj.gov.br).

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 225

Lembre-se de que, para a requisição de informações ao Banco Central ou a outros bancos, o credor não precisa ter esgotado todas as atividades ne­cessárias para a localização de bens penhoráveis.149 Não deveria ser preciso dizer que surge ao autor, diante do descumprimento da tutela antecipatória, o direito de imediatamente obter dinheiro. Pouco importa que existam ou tenham sido nomeados outros bens penhoráveis, não só porque o credor tem o direito, diante da ordem legal do art. 655 do Código de Processo Civil, de penhorar dinheiro, como ainda porque, como já amplamente demonstrado, a efetividade da tutela antecipatória depende da imediata obtenção de soma. Porém, como ao autor é impossível descobrir se o devedor possui dinheiro depositado em ins­tituição financeira - e em valor suficiente não lhe resta outra saída senão pedir ao juiz que requisite informações ao Banco Central, ou, na hipótese em que acidentalmente conheça o banco em que o devedor possui depósito, soli­citar que o juiz oficie diretamente a esse.

Por isto, quando o juiz requisitar informações sobre a existência de ativos em nome do executado, essas devem se limitar à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor do crédito.

A penhora on line - que também pode ser utilizada para a execução da sentença - é um instrumento de grande valor para a execução da tutela an­tecipatória, especialmente se o juiz ordenar o pagamento sob pena de multa aludindo ao art. 601 do Código de Processo Civil, que prevê a incidência de outra multa para o caso de o executado não indicar onde se encontram os bens sujeitos à execução (art. 600, IV CPC).

É evidente que a penhora on line somente tem efetividade quando o réu possui dinheiro em instituição financeira. Porém, a execução de quantia certa sempre está na dependência de patrimônio, e a circunstância de requerer, nesse caso particular, a disponibilidade de dinheiro, evidentemente não retira a sua relevância. A partir do momento em que o devedor tomar consciência de que basta um ofí­cio eletrônico para a descoberta de dinheiro em suas contas bancárias, e que o seu inadimplemento conduzirá ao acréscimo do seu débito em razão da multa, certamente preferirá pagar imediatamente a correr o risco - que passa a ser real- de ter que pagar com multa.

4.14.5.4 /A tutela antecipatóría na ação de indenização fundada em ato ilícito

4.14.5.4.1 Justificativa - Montesano observa que no direito italiano admi­te-se a antecipação do pagamento de soma em dinheiro quando a prestação em dinheiro é o instrumento para proteger ou reintegrar um bem não patrimonial:

149. Apesar de alguns ju lgados em sentido contrário , inclusive do STJ.

226 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

por exemplo, prestações alimentares; retribuições devidas em obediência ao art. 36 da Constituição (direito de sustento do trabalhador); antecipação de soma devida para a “reintegração específica” de um bem não patrimonial lici­tamente lesado; indenização antecipada para aliviar um estado de necessidade (e assim a lesão á dignidade humana) causado pelo ilícito.150

Há casos, de fato, em que a realização do direito de crédito é imprescindí­vel para permitir a realização de um direito fundamental, como o direito à saúde ou o direito à educação. A vitima de ato ilicito que precisa realizar urgentemente despesas médicas obviamente não pode esperar o tempo do procedimento ordinárioe, portanto, quando desde logo pode evidenciar o seu direito e a sua necessidade, tem direito à antecipação do pagamento. Vale o mesmo para, v.g., a mulher do falecido em acidente automobilístico que fica impossibilitada de atender às suas necessi­dades e às dos filhos.151

Ovídio Baptista da Silva, escrevendo antes da introdução do art. 273 no Código de Processo Civil, advertia que não tínhamos uma “regra similar à que existe no direito italiano, que prevê a concessão de uma provisional genérica, no art.. 278 do Código de Processo Civil, por onde será sempre possível fazer entrar as provisionais de alimentos nos casos em que sejam estes devidos fora do direito de família”.!52Julgados mais sensíveis e atentos a situações excepcionais, é certo, admitiam os alimentos provisionais em ação de indenização fundada em ato ilícito. O TJMT, por exemplo, reconhecendo que o art. 852 do CPC não permitia os alimentos provisionais na ação de indenização, concluiu: “a ação principal é de indenização por ato ilícito, que, normalmente, não comportaria os alimentos provisionais. Mas, como não concedê-los, nas circunstâncias espelhadas nestes autos ? Como deixar perecer uma mulher viúva, lides domésticas, responsável

150. “La tutela giurisdízionale dei d iritti”, Tratt.ato di d íru io civ ile italiano, v. XIV, t. 4/257.151. “Se si paria di un réiére provísionistituto, com e e stato illustrato, di larghíssím o sviluppo

in Francia, e di controversa applicazione in Belgio - o di quelie provvisionali per ordí- nanza che farino capolino nella legislazione italiana, in m aterie determ ina te, con varietà di fortuna (con ampia applicazione nella m atéria delFassicurazione delia responsabliltà civile autom obliística, e con m inore sucesso nel processo dellavoro) ma costituiscono, com unque, una iinea di tendenza, o se si paria di una Befried igungs o Leistungsverfügung, che ha pure per oggeto la condanna prow isoria, per via di anticipazione, ai pagam ento di una som m a di denaro, e vero che la possibilita, per il condannato, di ottenere Ia res- tituzione, e il risarcim ento dei danni, se ne e il caso, qualora Ia causa si concluda poi in senso alui favorevole, e sovente dei tutto teórica, ma, tuttavia, essa esiste. Non si puo dire che il p ré ju d ice au p rincipal, sotto il punto di vista delia realizzabilità detla sentenza sul m érito, sia inevitable. li giudice di m érito non e spogliato delia sua essenziale funzione di d icereju s, de d ire drou, nello specifico senso che Fesecuzione delia sua pronuncia non e irrim ediabilm ente im pedita” (G iuseppe Tarzia, “Considerazioni con du sive", Les m esures prov isoires en procédure civile, p. 3 1 6 ).

.152. Curso de p rocesso civil, v. 3/252.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 227

por cinco menores em idade variável de quatro a onze anos? Daí a razão do art. 5.° da Lei de Introdução ao Código Civil: ‘Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e as exigências do bem comum’ (... )”.153

Lembre-se, entretanto, que o juiz italiano, ao conceder a provvisionale do art. 278, parte da certeza sobre o an debeatur e concede a tutela (a provvi­sionale) nos limites da quantia que já está provada. Há, desta forma, cognição exauriente sobre o an debeatur e sobre a quantia objeto da provisional, muito embora a condenação seja parcial, ou seja, de parcela da quantia postulada pelo autor. É o que explica Federico Carpi: “a cognição do juiz é plena e com­pleta, seja no que diz respeito à existência do direito (an debeatur), seja no pertinente ao valor em relação ao qual se entende a prova suficiente, valor que constitui assim a medida da provvisionale. Um é a premissa do outro, mas para a pronúncia parcial não se fa z referência a uma ‘presumibile entità' (como por exemplo no art. 24 da Lei n. 990/1969), ou mesmo a um fumus boni iuris’, se bem que se fa la de obtenção da certeza da prova, mesmo que seja sobre uma parte da demanda proposta”.154

A provvisionale, como se vê, equipara-se no direito brasileiro à tutela ante­cipatória mediante o julgamento antecipado de parcela do pedido, e não à tutela antecipatória fundada no art. 273, I, do Código de Processo Civil.

A tutela antecipatória baseada no art. 2 7 3 ,1, ou seja, a tutela antecipatória fundada em probabilidade e que é justificada por uma necessidade imediata, encontra figura similar, no direito italiano, na tutela do art. 24 da Lei 990, de 24.12,69. A Lei 990/69, ao introduzir o seguro obrigatório por responsabilidade civil em caso de acidente de veículos, previu a possibilidade de a vítima reque­rer, encontrando-se em estado de necessidade e com base na probabilidade do seu direito, a antecipação de até quatro quintos da soma postulada. Eis o que diz o art. 24:

“24. f l ] No curso do processo em primeiro grau, os que têm direito ao ressarcimento e que, em virtude do acidente, venham a encontrar-se em estado de necessidade, podem pedir que lhes seja entregue uma soma a imputar-se na liquidação definitiva do dano.

“[2] O juiz instrutor civil ou penal, ouvidas as partes, se de um sumário acertamento resultam graves elementos de responsabilidade a cargo do condu­tor, com ordinanza imediatamente executiva, determina.a entrega de soma nos termos da parte primeira, no limite de quatro quintos do presumível importe do ressarcimento que será liquidado com a sentença.”

153. RT 598/177.154. Federico C a rp i," Provvedim enti interina li di condanna, esecutorietà e tutela delle parti”,

Rivista Trim estrale di D iritto e P rocedura C iv ile, 1977 , p. 621 .

228 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Tendo em vista que o art. 24 fa la de “gravi elementi di responsabliltà” e de “sommario accertamento", é preciso deixar claro que a doutrina italiana admite a tutela antecipatória com base em probabilidade, não equiparando - ou confundin­do - a tutela do artigo 24 com a “provvísionale” do artigo 2 78. A prova está na seguinte passagem das Lezioni de Proto Pisani:

“No art. 24 (...) o legislador estabeleceu que, ‘no curso do processo em primeiro grau, os que têm direito ao ressarcimento e que, em virtude do aciden­te, venham a encontrar-se em estado de necessidade, podem pedir que lhes seja entregue uma soma a imputar-se na liquidação definitiva do dano’. A utilidade prática da regra é evidente: garante-se uma forma de tutela jurisdicionai urgente a favor de quem foi posto em estado de necessidade por causa do acidente, deso­nerando o acidentado da demora do procedimento comum de conhecimento ou do processo penal em relação ao qual a ação civil fo i exercitada.

“Esta hipótese de ‘provvísionale’ se diferencia nitidamente da provisional ge­nérica do art. 278, parte segunda, particularmente porque:

“a) a declaração relativa à responsabilidade do condutor e ao importe do dano que será liquidado com a sentença é sumária;

“b) consequentemente, a ‘provvísionale’ tem caráter provisório e pode ser modificada no curso do processo, diante do mesmo juiz, se o acertamento pleno conferir resultados opostos ou diversos do acertamento sumário: isto se deduz tex­tualmente da última parte do art. 24, local em que se afirma que Tordinanza puo essere revocata con la decisione di mérito’ (...)”.355

Como está claro, o direito italiano admite a antecipação de pagamento de soma, em favor da vítima de acidente que se encontra em estado de necessidade, a partir da probabilidade da existência do direito, ou seja, do fumus boni iuris.

O art. 273, I, ao generalizar a possibilidade de obtenção de tutela satisfa­tiva sumária no curso do processo, obviamente permite a antecipação de paga­mento de soma, em favor da vítima, na ação de reparação de danos.

Os tribunais têm acolhido a tese que apresentamos na primeira edição deste livro.

O extinto Tribunal de Alçada do Paraná, em acórdão brilhante, relatado pelo eminente juiz Lauro Laertes de Oliveira, assim decidiu após a introdução da tutela antecipatória no Código de Processo Civil:

“Tutela antecipada. Ação de reparação de danos por acidente de veículos.

Contrato de transporte. Ônibus. Responsabilidade objetiva. Convenci­mento da verossimilhança da alegação. Prova documental idônea. Autora hipos- suficiente. Princípios da necessidade e da efetividade do processo. Condenação

155. Andrea Proto Pisani, L ezion i di d iritto p rocessu ale civile, p. 18 9 -1 9 0 .

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 229

provisória no pagamento de um salário mínimo mensal. Admissibilidade. Re- quisitos do art. 273 do CPC configurados. Concessão. Agravo de instrumento. Decisão reformada. Recurso provido.

“A agravante provou que viajava de passageira em ônibus da ré; que so­freu acidente e lesões na coluna, encontrando-se incapacitada para o trabalho de doméstica. Daí decorre o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, porque a agravante e sua família enquanto tem curso o processo po­derão passar privações. Na antecipação da tutela impõe-se ao julgador fazer uma análise dos valores jurídicos colocados em julgamento na demanda. No caso, encontra-se de um lado uma vítima pobre e impossibilitada de trabalhar e, de out.ro lado, uma empresa que explora a concessão de serviço público, um dos mais rentáveis, ou seja, o transporte público. Deve o juiz estar atento aos prin­cípios da necessidade e ao da efetividade do processo”.130

O extinto 1.° Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, seguindo esta mesma orientação, também admitiu a tutela antecipatória de pagamento de soma em ação de indenização por acidente de veículos:

“Tutela antecipada - Responsabilidade civil - Acidente de trânsito - Coli­são de veículos - Vítima fatal - Pretensão ao recebimento de alimentos provisio­nais pela autora grávida, esposa do de cujus - Caracterização da verossimilhança das alegações cujo conceito é diverso daquele de certeza - Confirmação do re­ceio de dano irreparável ou de difícil reparação em face da condição pessoal da autora - Art. 27.3 do Código de Processo Civil - Alimentos provisionais conce­didos - Recurso improvido”,1,57

Estes acórdãos, que revelam uma grande sensibilidade jurídico-social, de­vem servir de paradigma para as futuras decisões que envolvam tutela antecipa­tória de pagamento de soma em ação de reparação de danos.

4.14.5.4.2 A antecipação na ação de indenização fundada em ato ilícito tem natureza alimentar - A antecipação na ação de indenização fundada em ato ilícito tem natureza alimentar.

Como diz Pontes de Miranda, juridicamente “os ‘alimentos’ compreen­dem tudo o que é necessário ao sustento, à habitação, à roupa (Ordenações Fili­pinas, livro I, título 88,15: ‘c. .. ) o que lhes necessário for para seu mantimento, vestido e calçado e todo o mais’), ao tratamento de moléstias (M. A. Coelho da Rocha, Direito civil português, I, 219) e, se o alimentário é menor, às despesas de criação e educação (Ordenações Filipinas, livro 1, título 88, 15: ‘E mandará ensinar a ler e escrever àqueles que forem para isso’)”.158

156. Revista de D ireito P rocessual C iv il , v. 2, p. 4 8 8 e ss.

157. ] TACSP, 4 .“ C. Civ., AI 6 3 8 .2 1 9 , rei. ju iz Franco de Godoi. v.u., j . l .° .1 1 .9 5 .158. C om entários a o C ódigo de P rocesso Civil, t. 10/475.

230 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Por outro lado, como se sabe, o dever de prestar alimentos pode decorrer da lei, de convenção ou de ato ilícito (arts. 948, 949, 950 e 951 do Código Civil). Os alimentos, na perspectiva da fonte da obrigação alimentar; costumam ser classi­ficados em legítimos (devidos em razão de norma legal), voluntários (constituídos por negócio jurídico “inier vivos” ou “mortís causa”) e indenizativos (derivados de ato ilícito),

4.14.5.4.3 A efetivação da tutela antecipatória na ação de indenização fun­dada em ato ilícito - Na efetivação da antecipação na ação de indenização fundada em ato ilícito, ordena-se que o réu efetue o pagamento ou justifique a impossibilidade de efetuá-lo (art. 733 do CPC).

Em caso de não atendimento à ordem, o juiz deverá determinar - obvia­mente que se for possível no caso concreto - o desconto em folha de pagamento da importância da prestação devida (art. 734 do CPC). Será viável, ainda, a aplicação do art. 17 da Lei 5.478/68, que diz que “poderão ser as prestações co­bradas de alugueres de prédios ou de quaisquer outros rendimentos do devedor, que serão recebidos diretamente pelo alimentado ou por depositário nomeado pelo juiz”.

Há quem entenda ser inadmissível o desconto em folha de pagamento no caso de alimentos devidos por ato ilícito.139 Entretanto, como é evidente, não há motivo para se dar meio executo rio diverso aos alimentos indenizati­vos. Em outros termos, a diferença de fonte não pode servir para determinar a diferenciação de meio executivo. O que importa, sem dúvida, é o fim, a exigir meio executivo efetivo. A razão, portanto, está com Pontes de Miranda, que assim escreve:

“Os alimentos de que cogita o art. 734 sdo quaisquer alimentos a que fo i con­denada alguma das pessoas a cuja classe ele se refere, sejam alimentos de direito de família, ou alimentos de origem negociai ou em virtude de ação de indenização por ato ilícito se o condenado não pagou e nela se incluiu prestação de alimentos”.160 Nada impede, assim, que também ocorra a expropriação de alugueres ou de rendas do réu.

Não tendo o réu atendido à ordem e não sendo possível, no caso concreto, o desconto em folha ou o desconto de alugueres ou rendas, poderá ser apli­cada a prisão. Alguns julgados vêm sustentando que a prisão civil por dívida, como meio coercitivo para o adirnpiemento da obrigação alimentar, é cabível apenas no caso dos alimentos pertinentes ao direito de família. Por isso seria inadmissível a sua cominação “por falta de pagamento de prestação alimentícia

159. V.JTACivSP 141/38.160. C om entários ao C ódigo de P rocesso C ivil, t. 10/485.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 231

decorrente de ação de responsabilidade ex delícto”.161 O mesmo entendimento é adotado por Willard de Castro Villar: “As demais formas de alimentos previstos em testamentos (legados) ou provindos de ato ilícito não podem estar protegidas pelos meios coativos previstos neste capitulo, uma vez que se permitiria a prisão do devedor por dívidas, e não foi esse o espírito da lei”.16Z

Entretanto, como corretamente argumenta Araken de Assis, “o verdadei­ro espírito da lei é o de franquear meios executórios mais lestos e eficazes aos alimentários em geral, deixando de discriminá-los em razão da fonte da obri­gação alimentar”.103 De fato, não há razão para discriminar o credor de alimentos indenizativos, deixando sem efetividade a tutela antecipatória que lhe concede ali­mentos.164 A menos que se entenda, por exemplo, que os filhos daquele que se afasta do lar merecem tutela jurisdicionai mais efetiva do que os filhos que têm o pai morto em acidente automobilístico!

O autor poderá optar entre a coação pessoal e a expropriação de bens do réu, não estando obrigado, por óbvio, a abrir mão do meio mais efetivo, ao con­trário do que entendeu o TJRS, certamente ainda apegado a ideologia superada, que dá valor injustificável ao princípio da intangibilidade física.163

Porém, nada impede que o autor peça que o réu seja compelido a pagar a soma antecipada sob pena de multa. O fato de não existir previsão específica para o uso da multa não significa que a sua utilização esteja vedada, pois se é sabido que a execução por expropriação é inefetiva para a tutela antecipada de soma - e exatamente por isso podem ser utilizados o desconto em folha, o des­conto de rendas periódicas ou a coerção pessoal - , nada impede que se prefira a multa em relação a essas modalidade s executivas.

Lembre-se de que a tutela antecipatória, nesses casos, não apenas respon­de ao direito aos alimentos indenizativos, mas atende ao direito ã dignidade da

161. RT 646/124.162. P rocesso d e execução, p. 267 . No m esm o sentido YussefSaid Cahali, Dos alim entos, p.631 .163. E xecu ção de a lim entos e p risão do devedor: p. 111.164. “Contra o m eio executório da coação pessoal se opõe tenazm ente a força do p reconceito ,

ignoradas a utilidade e a natureza do m ecanism o. E n tretan to , o estudo cien tífico dos m eios execu tórios, avaliados e pesados com o exped ientes práticos, predispostos com o único propósito de realizar as operações m ateriais destinadas ao im plem ento executivo da eficácia sen ten cia i con d en atória , revela a verdade. A prisão civil do alim entante não m erece a patina de coisa obso leta , en tu lho au toritário e violento só a custo tolerado e adm itido no ordenam ento ju ríd ico con tem p orân eo . Em nom e d a id eo lo g ia lib era l, p reocu p ad a em p re se rv a r o p r in c ip io da in ta n g ib ilid a d e f ís ic a , a in d a q u e prov oqu e a dor; a p en ú r ia e m esm o a m or te d o a lim en tâ r io , a v a l ia - s e d es fa v o ra v e lm en te o ap r ís ion am en to do ex e c u ta d o ” (A raken de A ssis, E x ecu ção d e a lim en tos e p r is ã o do devedor, p. 1 2 0 -1 2 1 -g r ifa m o s).

165. Ju risp ru d ên cia B ras ile ira 31/218.

232 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

pessoa humana e ao direito fundamental â tutela jurisdicional efetiva. Ora, como as regras processuais devem ser interpretadas conforme os direitos fundamen­tais, e por isso o direito à tutela antecipatória não é apenas o direito á decisão que a concede, mas sim o direito à sua execução e obtenção, não há como não admitir o emprego da multa como meio coercitivo.

Aliás, a possibilidade do uso da multa também é decorrência da possibili­dade do uso da coerção pessoal. Ora, o autor pode preferir usar meio executivo menos agressivo que a prisão.

A tese que discrimina o credor de alimentos indenizaíivos, ilógica e dis­tante da realidade social, certamente será superada pelo juiz atento ao espíri­to da reforma do Código, que realça com mais força, em nome d.o princípio da isonomia, o valor da efetividade.166 Todos os que conhecem a realidade da prática forense sabem que os réus de ações de indenização, principalmente quando o autor é economicamente frágil, valem~se da demora do processo para obter vantagens econômicas. De fato, o autor, nestas ações, não raramente é obrigado a abrir mão de parte do seu direito apenas por não poder suportar a lentidão da justiça, a qual lamentavelmente costuma ser lembrada pelos interessados em desestimular o acesso ã justiça ou em obter acordos imorais.!b7

4.14.5.4.4 A execução da tutela antecipatória de soma em dinheiro, na ação de indenização, admite a expropriação de bem e não está submetida à prestação de caução - Partindo da premissa - que não aceitamos - de que a exis­tência de bens que podem ser penhorados desautoriza a imposição da prisão e da multa, suponhamos que tenha sido penhorado um bem do réu. Seria possível a alienação deste bem?

A impossibilidade da antecipação do pagamento de soma em dinheiro, como se sabe, poderá ocasionar prejuízo irreversível ao autor. Assim, negar ao juiz a possibilidade de admitir a alienação, em determinados casos, é o mesmo que obrigá-lo a assistir a uma lesão a um direito fundamental que depende da realização de um direito de crédito devidamente evidenciado.'6f<

166. V. Luiz G uilherm e M arinoni, N ovas linhas do p rocesso civil, 4. ed.167. V Luiz G uilherm e M arinoni, Tutela an tecip a tór ia , ju lg am en to a n tec ip ad o e ex ecu ção im e­

d ia ta da sentença, 4 . ed., p. 13-29.168. “A proteção imediata do direito que se m ostre ao m agistrado apenas com o plausível po­

derá evidenciar-se, depois, com o uma solução in justa e violadora do verdadeiro direito daquele contra quem fora ela consum ada. A renúncia a essa fo r m a a rr iscad a de p ro teção d a ap arên cia , no entanto, não isen tará o Estado d e com eter igualm ente in justiças con tra o litigante qu e realm ente tenha direito. Lá, a in justiça será d eterm in ada p e la pressa com que se teve com o verdadeiro aqu ilo que se m ostrava ap en as provável; aqui, a injustiça decorrerá d a mor a do ju ízo, tio inevitável atraso em prover, em fav or d o titu lar do direito, que só o teve recon h ec id o p e lo ju iz tard iam en te ( . . . ) ” (O vídio Baptista da Silva, Curso d e p rocesso civil, v. 3/ 103-104).

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 233

O art. 475-0, III, repetindo os termos do art. 588. LI, autoriza a prática de atos que importem alienação de propriedade, ou o levantamento de dinheiro, desde que prestada caução. E o mesmo art. 475, § 2.°, novamente repetindo o art. 588, § 2 o, dispensa a caução nos casos de crédito alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário mínimo, quando restar demonstrada situação de necessidade.169

Se agora é possível a expropriação de bem antes de findo o processo, mesmo na execução da tutela antecipatória (arts. 273, § 3.°, e 475-0, III, CPC), também não se discute que a caução pode ser dispensada - seja para o levanta- mento de dinheiro, seja para a prática de atos que importem alienação de pro­priedade - nos casos de verba alimentar, quando o exequente se encontrar em estado de necessidade e precisar de tutela antecipatória.

O problema é que o referido art. 588, § 2.° - e agora o art. 475-0, § 2.°, que o revogou - , tentou estabelecer a ideia de que referida caução somente poderia ser dispensada quando o crédito postulado fosse igualou inferior a 60 salários mínimos. A intenção do legislador foi a melhor possível, e, assim, se o exequente realmente não necessitar de soma superior a 60 salários mínimos, a caução não poderá ser dispensada. Entretanto, se a necessidade importar soma superior a 60 salários mínimos, e isto restar devidamente demonstrado, não há como se obrigar o exequente a prestar caução para ter o seu direito realizado, sob pena de se discriminar aquele que possui maior necessidade de verba alimentar. Ora, a ideia de dispensar a caução não tem relação com o valor da soma, mas sim com a necessidade do exequente, que pode ser de 20 ou de 80 salários mínimos (no caso em que, por exemplo, seja necessária uma operação cirúrgica).

Frise-se que no direito alemão - assim como nos direitos inglês, italiano e francês - é admitida a antecipação do pagamento de soma em dinheiro,1'0 mas

169. O ST J, em bora tratando de h ip ótese inversa, em que argum entou no sentido da im ­possibilidade de tutela antecipada em açáo rescisória, realizou raciocín io igualm ente válido para as hipóteses em que a tutela antecipada de som a em dinheiro é necessária em ação de procedim ento com um : “Na hipótese dos autos, em que se inform am a idade avançada da ré e a ausência de recursos financeiros para sua subsistência, verifica-se a existência do pericu lum in m ora inverso, ante o caráter alim entar da pensão especial de ex-com batente, concedida pelo julgado que se pretende rescindir com a presente ação. Em verdade, diante de tais fatos, noticiados na petição dos embargos de declaração, im ­perioso con clu ir que a m anutenção da antecipação da tuteia, su spenden do a ex ecu ção do ju lg ad o rescíndendo, pode ocasionar clanos irreparáveis à parte ré, em razão da dem ora do processo ...” (E D cl no AgRg na AR 3 1 6 3 , 3 .J Seção, rei. M in. Hélio Quaglia Barbosa, DJ 2 0 .0 3 .2 0 0 6 ) .

170. H abscheid, referindo-se às hipóteses - encontradas no direito alem ão - em que é d e­clarada a inexistên cia do direito do autor (após o seu pagam ento) e o réu constata que o seu direito às perdas e danos não tem valor real porque o autor não tem patrim ônio

234 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

o Verfügungsgrund (a causa da antecipação) deve ser evidenciado, e os tribunais são aqui mais severos do que em outros casos.171 O mesmo deve ocorrer no direito brasileiro em caso de antecipação de pagamento de soma em dinheiro.

4.15 Controle do poder executivo do juiz

4.15.1 A racionalidade da tutela antecipatória parcial

Segundo o art. 273, caput, o juiz pode “antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela”. É claro que se o autor pedir que a tutela final seja antecipada em parte, o juiz, ao atender ao seu requerimento, estará concedendo parcela da tutela almejada ao final, mas integralmente a tutela antecipatória. Porém, isso não quer dizer que o juiz não possa também atender em parte ao próprio pleito de tutela antecipatória.

O problema é pensar em critérios capazes de justificar racionalmente a concessão da tutela antecipatória apenas em parte. Ou melhor, a questão é a de buscar critérios que possam racionalmente explicar a concessão de parte da tutela final almejada - quando obviamente se deseja a antecipação da totalidade do que é pedido ao final ou de parte da própria tutela antecipatória requerida- quando a tutela antecipatória já requer apenas a antecipação de parte do pre­tendido como tutela final.

Como a tutela antecipatória que aqui importa é fundada no inciso I do art. 273 do Código de Processo Civil, e assim requer a demonstração de perigo, a concessão da tutela antecipatória deve ser concedida na “medida necessária” para evitar a frustração do direito buscado pela parte. E assim o problema passa a ser o de precisar essa “medida necessária”.

Muitas vezes é impossível recortar uma “medida” necessária no inte­rior da tutela final pretendida, até porque essa última pode não ser objeto de divisão. Porém, no caso de pedido de soma em dinheiro, de não fazer, de fazer ou de entrega de coisa que comporte atendimento em parte, o juiz poderá an­tecipar parcela da tutela pretendida, ainda que a antecipação solicitada tenha sido total. O mesmo acontece, como é óbvio, quando se pretende como tutela antecipatória apenas parcela da tutela final, ou quando a tutela antecipatória requer soma em dinheiro, um fazer, um não fazer ou a entrega de coisa nas ações declaratória e constitutiva. Nessas últimas situações, ainda que a tutela

suficiente indaga se o Estado deveria indenizar esse cidadão que foi obrigado a sacri­ficar o seu patrim ônio pelo bem com um ( “Les m esures provisoires en procédure civile: droits allem and et su isse”, Les mesures p rov iso ires en p rocéd u re c iv ile , p. 4 7 ).

171. V. W atther H abseheid, “Les mesures provisoires en procédure civile: droits aliem and et suisse", Les m esures p rov isoires en procédu re civile, p. 45.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 235

requerida nâo se identifique com a tutela final, basta que a tutela antecipatória pretendida seja passível de divisão, isto é, possa ser factivelmente atendida apenas em parte.

Quando a tutela antecipatória pode ser deferida em parte, a sua conces­são total ou parcial deve buscar justificativa, em primeiro lugar, no perigo de­monstrado pelo requerente. Ou seja, se o direito ameaçado de lesão necessitar somente da antecipação de parte da tutela final ou de parte da própria tutela antecipatória requerida, há plena racionalidade na antecipação parcial. Assim, por exemplo, se o autor afirma necessitar de soma em dinheiro para atender determinada situação, e bastar para tanto apenas parte do que foi postulado como tutela final, o juiz deve conceder, como antecipação da tutela, parcela do pretendido ao final, pena de a sua decisão não se mostrar racional e, por isso, produzir injustiça ao réu. Contudo, quando a necessidade de soma em dinheiro apontar para a imprescindibilidade da antecipação da própria tutela final, a an­tecipação parcial não encontrará qualquer justificativa racional, constituindo decisão injusta para o autor.

É certo, porém, que a determinação da “medida” da tutela antecipatória também pode ser visualizada a partir do risco de irreversibilidade dos efeitos fáticos da tutela antecipatória. Ainda que a concessão da tutela antecipatória sempre exija a verificação da necessidade da satisfação antecipada do direito, a possibilidade da concessão de antecipação parcial é uma excelente ferramenta para o raciocínio decisório do juiz que se encontra diante de um risco de pre­juízo irreversível ao demandado.

4.15.2 O princípio da tipicidade dos meios executivos

O princípio da tipicidade dos meios executivos expressa a ideia de que os meios de execução devem estar previstos na lei e, assim, que a execução não pode ocorrer através de formas executivas não tipificadas. Restringindo a exe­cução aos meios de execução estabelecidos na lei, o princípio objetiva garantir o jurisdicionado contra a possibilidade de arbítrio quando da execução.

Supõe-se, em razão desse princípio, que os cidadãos têm o direito de sa­ber de que forma as suas esferas jurídicas serão invadidas quando a sentença de procedência não for observada. Esse princípio chega a ser curioso quando se pensa em admitir uma garantia ao cidadão que descumpre a sentença, embora possa ser compreensível, considerando-se o momento histórico em que foi for­jado, como mecanismo garantidor da liberdade dos litigantes contra a possibili­dade de arbítrio judicial.

A preocupação em conter o poder executivo do juiz é intimamente ligada aos valores do Estado liberal-clássico, ou melhor, à necessidade de im­pedir a interferência estatal na esfera jurídica dos indivíduos. Nesse sentido o

236 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

princípio da üpicidade dos meios executivos é a expressão jurídica da restri­ção do poder de execução do juiz e da ideia de que o exercício da jurisdição deve se subordinar estritamente à lei. Em outras palavras, a lei, ao definir os limites da atuação executiva do juiz, seria uma garantia de justiça das partes no processo.

A necessidade de subordinar o exercício da execução aos meios executi­vos estampados na lei influenciou a doutrina italiana clássica e, por conseqüên­cia, a doutrina brasileira e o Código de Processo Civil de 1973. Frise-se, ape­nas como exemplo, que Crisanto Mandrioli, em seu livro sobre a “esecuzione forzata in forma specifica”, publicado na Itália há mais de cinqüenta anos,372 aplaudiu o principio da tipicidade, advertindo que “a precisa referência às for­mas previstas no Código de Processo Civil implica no reconhecimento da regra fundamental da íntangibilidade da esfera de autonomia do devedor, a qual somente poderia ser invadida nos modos e através das formas tipicamente previstas pela lei processual”.173

Na verdade, não há como negar a relação entre a rigidez das formas processuais e as garantias de liberdade. Tanto é que Vittorio Denti, ao es­crever sobre “il processo di cognizione nella storia delle riforme”, lembrou que Chiovenda, em uma de suas mais famosas conferências (“Le forme nella difesa giudiziale dei diritto”, 1901), não apenas sublinhou a necessidade das formas como garantia contra a possibilidade de arbítrio do juiz, como ainda deixou clara “a estreita ligação entre a liberdade individual e o rigor das form as processuais”.1'4

4.15.3 O princípio da tipicidade como previsão de meios de execução por sub-rogação

A possibilidade de o juiz ordenar sob pena de multa também não poderia ser admitida se o que se pretendia era um juiz despido de força, ou melhor, um juiz destituído de poder capaz de comprimir o direito de liberdade. Por esse motivo, a lei somente poderia estabelecer meios de sub-rogação, jamais meios de coerção indireta.

172. Crisanto M andrioli, L esecu z io n e fo rz a ta in fo rm a specifica .173 . Ver, tam bém , Luigi M ontesano, C on dan n a c iv ile e tutela dei d ir itt i, p. 8 6 ; C risanto M an­

drioli, “Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibliltà forzata”, Rivista Tri- m estra le di D iritto e P m ced u ra C ivile, 1 9 7 6 , p. 1 .3 4 7 ; C risanto M andrioli, ‘T esecu zio n e specifica delVordine di reintegrazione nel posto di lav o ro", Rivista di D iritto P rocessu a le , 19 7 5 , p. 23 .

174. V ittorio Denti, “li processo di cognizione nella storia delle riform e", Rivista 1rím estrale di Diritto e P roeedura C ivile. 1993 , p. 808 .

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 237

Ou seja, quando o direito do autor, para ser efetivado, dependesse de de- claração (sentença) e de atuação no plano dos fatos, os únicos meios que pode­riam estar expressos na lei, e que por isso poderiam ser aplicados, eram os meios de sub-rogação. Tal sentença, qualificada de condenatória, somente poderia se ligar a meios de sub-rogação. Daí a famosa correlação necessária entre a conde­nação e a execução - chamada de execução forçada.

Como é óbvio, tal correlação não esconde apenas uma opção pela incoer- cibilidade das obrigações infungíveis, mas também a ideologia da intangibilida­de da vontade humana. Não há dúvida de que a restrição da atividade executiva aos meios de sub-rogação está comprometida com as doutrinas que inspiraram o Code Napoléon, pelo qual “toda obrigação de fazer ou não fazer resolve-se em perdas e danos e juros, em caso de descumprimento pelo devedor” (art. 1.142), e principalmente com o dogma de que a coerção das obrigações infungíveis constitui um atentado contra a liberdade dos homens.

Aliás, a limitação dos poderes de execução tem um significado que ultra­passa o da intangibilidade da vontade humana. Se o art. 1.142 do Code Napoléon constitui uma evidente consagração da garantia da liberdade e da defesa da per­sonalidade, característicos ao jusnaturalismo e ao racionalismo iluminista. ' não se pode esquecer do vinculo entre a ideologia liberal e a transformação do processo econômico,170 ou, em outras palavras, da.estreita ligação entre a con­cepção liberal de contrato, a igualdade formal das pessoas e o ressarcimento do dano como sanção expressiva de uma determinada realidade de mercado,177 o qual necessitava simplesmente de meios de execução por sub-rogação.

O ressarcimento em dinheiro, limitando-se a exprimir o equivalente pe­cuniário do bem almejado, nega as diferenças entre os bens e as pessoas. Ora, se os litigantes são iguais, e assim livres para se autodeterminarem no contrato, não cabe ao Estado, no caso de inadimplemento, interferir na relação jurídica, assegurando a tutela especifica da obrigação mediante o uso da multa. Com efeito, se os limites impostos pelo ordenamento à autonomia privada são de conteúdo negativo, basta o pagamento do valor equivalente ao da obrigação178 e, portanto, os meios de execução por sub-rogação.

175. Salvalore M azzamuto, L attu azíon e degli obblígh i d ifa re , p. 36.

176. Com o observa M azzamuto, “il significa to delia garanzia deU’incoercibliItà ed il ricorso aiia sanzione risarcitoria, allorché venga com prom essa in obbligo la stessa persona dei debitore nel suo m ultiíorm e dispiegarsi in attività pratiche (m ateriali, intellettuali, giuri- d iche), va oitre, in sostanza, la pura difesa dei valori di libertà e si ricollega direttaraente alie trasform azioni dei processo eco n o m ico ” (idem , ibidem ).

177. ldem , p. 37.178. ldem , ibidem.

238 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

4.15.4 As novas necessidades do direito material e a insuficiência dos meios executivos tipificados em lei

A evolução da sociedade e. o surgimento de novas situações de direito substancial revelaram a insuficiência do procedimento comum e dos meios de execução por sub-rogação.

A insuficiência do procedimento comum pode ser evidenciada pela dis­torção do uso da ação cautelar, ou melhor, pela transformação da ação cautelar em “ação autônoma satisfativa”. Mas, ao lado dessa distorção, atribuiu-se exe- cutividade às sentenças proferidas nessas ações, admitindo que a sua execução pudesse dispensar a ação de execução. Ou seja, diante da inefetividade da tra­dicional ação de conhecimento, criou-se uma técnica para a sua sumarização dotada de “executividade intrínseca”.

Isso ocorreu não só porque alguns direitos, em razão da sua natureza in~ fungível, passaram a exigir a multa como meio executivo, como também porque outros nâo mais se conciliavam com os meios clássicos de execução por subro- gação, especialmente com aqueles tipificados na lei.

A falência do princípio da tipicidade dos meios executivos se deve à pre­missa que lhe serve de fundamento. Essa premissa supõe que as necessidades oriundas das várias situações de direito material podem ser igualizadas e, portanto, se contentar com os mesmos meios executivos. Como é evidente, tal premissa, que sugere a possibilidade de se pensar de maneira abstrata - ou ape­nas com base em critérios processuais - a respeito da execução dos direitos, ignora que a função judicial está cada vez mais ligada ao caso concreto.

Ora, a diversidade das situações de direito material implica na toma­da de consciência da imprescindibilidade do seu tratamento diferenciado no processo, especialmente em relação aos meios de execução. Ou seja, é equi­vocado imaginar que a lei pode antever os meios de execução que serão necessá­rios diante dos casos concretos. A lei processual, se assim atuasse, impediria o tratamento adequado daqueles casos que não se amoldam à situação padrão por ela contemplada.

4.15.5 Do princípio da tipicidade ao princípio da concentração dos poderes de execução

A rebelião da prática contra o formalismo processual e a favor da efe­tividade dos novos direitos constituiu o balão de ensaio dos artigos 273, 461 e 461-A do Código de Processo Civil. Os artigos 461 e 461-A abriram oportunidade para a unificação dos processos de conhecimento e de execução ou transformaram o processo de execução em uma mera fase do processo de conhe­cimento, viabilizando a determinação de meios de execução e a imposição de

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 239

multa na própria sentença. Além disso, esses três artigos passaram a admitir de forma expressa a tutela antecipatória no processo de conhecimento, inse­rindo a execução, obviamente que independente de ação de execução, no seio do processo de conhecimento.

Note-se que a elasticidade peculiar à multa, que pode ser fixada em mon­tante adequado e ter o seu valor aumentado ou diminuído a requerimento ou de ofício, constitui resposta evidente à tendência de se dar poder executivo para o juiz bem tratar do caso concreto. Por outro lado, a regra contida no § 5.° do art. 461 afirma expressamente que o juiz pode determinar, de ofício ou a reque­rimento, as “medidas necessárias”, exemplificando com a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva.

Tais artigos demonstram a superação do princípio da tipicidade, deixando cla.ro que, para o processo tutelar de forma efetiva as várias situações de direito substancial, é indispensável nâo apenas procedimentos e sentenças diferencia­dos, mas também que o juiz tenha amplo poder para determinar a modalidade executiva adequada ao caso concreto.

Nessa linha, afigura-se correto afirmar que o legislador, ao perceber a necessidade de dar maior flexibilidade e poder executivo ao juiz, não teve outra alternativa a não ser deixar de lado o principio da tipicidade. Tal po­der executivo implica na concentração do poder de concessão da modali­dade executiva adequada, motivo pelo qual é possível dizer que o princí­pio da tipicidade foi substituído pelo princípio da concentração dos poderes de execução.

4.15.6 A influência d o direito fundam ental á tutela jurisdicional efetiva sobre o princípio da concen tração

Como é sabido, o art. 5.° da Constituição Federal elenca uma série de direitos fundamentais, entre eles o direito à tutela jurisdicional efetiva. Com efeito, o art. 5.°, XXXV, da Constituição Federal, afirma que “a lei nâo excluirá da apreciação do Poder judiciário lesão ou ameaça a direito”. Entende-se que essa norma garante a todos o direito a uma prestação jurisdicional efetiva.

A sua importância, dentro da estrutura do Estado democrático de direito, é de fácil assimilação. Ora, é sabido que o Estado, após proibir a autotutela, assumiu o monopólio da jurisdição e, como contrapartida, conferiu aos parti­culares o direito de ação, até bem pouco tempo compreendido apenas como um direito à solução do mérito, mas hoje visto como o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

240 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Esse direito se dirige contra o Estado-legislador e o Estado-Juiz, pois não só engloba um direito à pré-ordenação das técnicas processuais adequadas, como se dirige à obtenção de uma prestação do juiz.

Essa prestação do juiz, assim como a lei, também pode significar, em alguns casos, concretização do dever de proteção do Estado em face dos direitos fundamen­tais.179 Contudo, o direito íundamental à tutela jurisdicional efetiva, quando se dirige contra o juiz, não exige apenas a efetividade da proteção dos direitos fundamentais, mas sim que a tutela jurisdicional seja prestada de maneira efeti­va para todos os direito s. Tal direito fundamental, por isso mesmo, não requer apenas técnicas e procedimentos adequados ã tutela dos direitos fundamentais, mas sim técnicas processuais idôneas à efetiva tutela de quaisquer direitos. Como é evi­dente, a resposta do juiz não é apenas uma forma de se dar proteção aos direitos fundamentais, mas sim urna maneira de se dar tutela efetiva a toda e qualquer situação de direito substancial.

Mas, se o juiz tem o dever de prestar a tutela jurisdicional efetiva, é certo dizer que o seu dever não se resume a uma mera resposta jurisdicional. O dever do juiz, assim como o do legislador de instituir a técnica processual adequada, estã ligado ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, compreendido como um direito imprescindível para a proteção de todos os outros direitos.

O jurisdicionado não é obrigado a se contentar com um procedimento inidôneo à tutela jurisdicional efetiva, pois o seu direito não se resume à possi- bilidade de acesso ao procedimento legalmente instituído. Com efeito, o direito à tutela jurisdicional não pode restar limitado ao direito de igual acesso ao pro­cedimento estabelecido, ou ao conceito tradicional de direito de acesso ã justiça. Não mais importa apenas dizer que todos devem ter iguais oportunidades de acesso aos procedimentos e aos advogados, e assim à efetiva possibilidade de argumentação e produção de prova, uma vez que o julgamento do mérito, na perspectiva daquele que busca o Poder Judiciário, somente tem importância quando o direito material é efetivamente realizado.180

179. A diferença é que a lei é resposta abstrata do legislador, ao passo que a decisão é resposta do ju iz diante do caso concreto. Ou seja, hádireiLo, devido pelo Estado-legislador, à edição de norm as de direito m aterial de proteção, assim com o de norm as de d ireito instifu ido- ras de técnicas processuais capazes de propiciar efetiva proteção. Porém , o Estado-Juiz tam bém possui dever de proteção, que reaiiza 110 m om ento em que profere a sua decisão a respeito dos d ireitos fundam entais.

180. Nâo há dúvida de que o direito fundam ental à tutela ju risd icional efetiva engloba o direito aos m eios executivos adequados. Veja-se, nesse sentido, a lição de C anotilho: “F inalm en­te, a existência de uma proteção ju ríd ica eficaz pressupõe a ex equ ib ilid ad e das senten ças (‘fazer cum prir as sentenças’) dos tribunais através dos tribunais (ou, evidentem ente, de outros órgãos), devendo o Estado fornecer todos os m eios ju ríd icos e materiais necessá­rios e adequados paia dar cum prim ento às sentenças do ju iz . EsLa dim ensão da proteção

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 241

É por essa razão que o direito de ação, ou o direito de acesso à justiça, deve ser pensado como o direito à tutela jurisdicional efetiva, que tem como corolário o direito ao meio executivo adequado ao caso concreto.185

Se há direito ao meio executivo capaz de dar efetividade ao direito, e essa efetividade, depende das circunstâncias do caso concreto, não é possível aceitar a ideia de que o juiz somente pode admitir o uso dos meios executivos pre­viamente estabelecidos em lei. Nessa dimensão, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva exige que o juiz tenha poder para determinar a medida exe­cutiva adequada, afastando o princípio da tipicidade e consagrando o princípio da concentração dos poderes de execução do juiz.

4.15.7 /\s cláusulas gerais executivas como respostas ao direito ao meio executivo adequado

Como o direito fundamental à tutela jurisdicional incide sobre o Estado- legislador, obrigando-o a instituir regras e instrumentos capazes de dar efetivi­dade à prestação jurisdicional, o legislador se viu obrigado a outorgar ao juiz poder suficiente para que ele pudesse bem tratar dos casos concretos.

ju ríd ica é extensiva, em princípio , a execução de sentenças proferidas contra o próprio Estado (CRP. artigo 208/2 e 3, e, em term os constitucionalm ente claudicantes, o D ec.-lei 256/77, de 17 de ju n h o , artigo 5 .° ss., e D ec.-lei 267/85, de 12 de ju lh o , artigo 9 5 ss.). Realce-se que, no caso de existir uma sentença vinculativa reconhecedora de um direito, a execução da decisão do tribunal não é apenas uma dim ensão da legalidade dem ocrática ( ‘dim ensão ob jetiva’) , mas tam bém um d ireito su bjetivo p ú b lico do particular, ao qual devem ser reconhecidos m eios com pensatórios (ind enização), medidas com pulsórias ou ‘ações de qrteixa’ (cfr. Convenção Européia dos D ireitos do Hom em , artigo 6 .°), no caso de não execução ilegal de decisões dos tribunais” (José Joaquim Gom es Canotiiho, D ireito constitucional, p. 6 54).

181. A doutrina espanhola tem deixado de lado as velhas discussões em torno da ação com o m ero direito de ir a ju íz o ou com o sim ples direito a um a sentença de m érito, e assim estabelecido: “EI derecho a ia tuteia ju d icia l efectiva que consagra ei art. 24 CE no agota su contenido en la exigencia de que el interesado tenga acceso a los Tribunales de Ju s- ticia, pueda ante ellos m anifestar y defender su pretensión ju ríd ica eu iguaidad con las otras partes y goce de ia libertad de aportar todas aquellas pruebas que procesalm ente fueran oportunas y adm isibles, ni sc lim ita a g a ra n tiza r la obtención d e una resolución de fon d o , ju n d ad a en d erecho , s e a o n o fa v o r a b le a la p reten sión fo rm u la d a , si concttrren todos los requ isitos p rocesa les p a ra e llo . Exige tam b ién qu e el ‘j a l l o se cu m pla ’y que el recurrente sea repuesto en su d er ech o y com p en sad o , si Im biere lugar a e llo , por el d an o sufrido. L o con ­tra rio seria convertir las d e c is io n e s ju d ic ia le sy el recon ocim ien to d e los d erechos qu e e llas com portan en fa v o r d e a lgu na d e las p a r le s en m eras d ec la rac ion es de ín ten cíon es” (David Valiespín Pérez, El m od elo constitucional d e ju icio ju sto en el âm bito d ei p roeeso civ il, p. i .4 2 -1 4 3 ). Ver, ainda, Álvaro G il-R obles, Los nuevos lim ites de la tu te la ju d ic ia l efectiva , p. 85 e ss.

242 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

As regras dos artigos 84 do Código de Defesa do Consumidor e 461 e 461-A do Código de Processo Civil são respostas do legislador à ideia de que tal direito fundamental exige que o juiz concentre poder para determinar a medida executiva necessária para dar efetividade à tutela jurisdicionai, inclusive anteci­patória. Tais regras, como já dito, instituem a possibilidade de o juiz determinar a medida executiva adequada ao caso concreto e, inclusive, variar o montante da multa necessário ao convencimento do demandado.

Nesse sentido, essas regras podem ser ditas abertas à concretização ju ­dicial. Ou seja, tais regras contêm a previsão de que o poder de execução deve ser concretizado conforme as circunstâncias do caso concreto. Reforço disso é a alusão expressa às “medidas necessárias’’ à execução, contida nos artigos 461, § 5.°, do Código de Processo Civil e 84, § 5.°, do Código de Defesa do Consumidor.

Como as regras processuais, em geral, vinculam o juiz e as partes ao que pode e ao que não pode ser feito, tais regras têm uma natureza peculiar, pois não só apresentam uma moldura ampla, dentro da qual o juiz pode trabalhar, como anunciam que esse trabalho deve ser realizado segundo as circunstân­cias do caso concreto, quando então poderá ser estabelecida a medida exe­cutiva necessária.

Ou melhor, tais regras não “definem tudo o que poderia ser definido”, isto é, não fixam as medidas executivas que devem ser utilizadas, mas deixam ao juiz o poder de escolher a medida executiva adequada ao caso concreto. Como é obvio, essa “indefinição” é própria a uma regra aberta à concretização judicial , que também pode ser pensada, na perspectiva do poder de escolha do meio exe­cutivo conferido ao juiz, como uma cláusula geral executiva.

Como é sabido, o juiz é obrigado a interpretar as normas infraconsü- tucionais de acordo com a Constituição182 ou de acordo com os direitos funda­mentais.183 Isso decorre da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, ou melhor, da sua força jurídica objetiva, quando se fala na eficácia irradiante dos direitos fundamentais, “no sentido de que esses, na sua condição de direito

182. “Trata-se, antes de m ais, de conceder todo o relevo, dentro do elem ento sistem ático da interpretação, à referência à C onstituição. Com efeito, cada norm a legal não tem som ente de ser captada no con junto das norm as da m esm a lei e no con junto da ordem legislativa; tem outrossim de se considerar no contexto da ordem constitucional; e isso tanto mais quanto mais se tem dilatado, no século XX, a esfera de acção desta com o centro de energias dinam izadoras das dem ais norm as da ordem ju ríd ica positiva” (Jorge M iranda, T eoria do estado e da C onstitu ição, p. 6 5 9 ).

183. C om o observa C ristin a Q ueiroz, v aien d o-se de lição de H erbert Kruger, ‘“antes os direitos fundam entais só valiam no âm bito da lei; h o je as leis só valem no âm bito dos direitos fundam entais’ estabelecidos na C o n stitu ição ” (D ireitos fu n d am en ta is - T eoria g e r a l , p .3 2 ).

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 243

objetivo, fornecem impulsos e diretrizes para a aplicação e interpretação do direito infraconstitucional”.184

Tal eficácia irradiante é que faz surgir a tese da interpretação de acordo com os direitos fundamentais, Ora, a interpretação da cláusula geral executiva ou a definição do meio executivo adequado deve ser feita em conformidade com os direitos fundamentais à tutela jurisdicionai efetiva e à defesa, os quais devem ser visualizados a partir da premissa de que a prestação jurisdicionai se destina a fazer valer a tutela prometida pelo direito material.

4.15.8 Princípio da concentração, ruptura da regra da congruência e possibilidade de alteração do meio executivo

Os artigos 461 e 461-A do Código de Processo Civil e 84 do Código de De­fesa do Consumidor não só deferem ao autor a oportunidade de requerer o meio executivo que reputar adequado ao caso concreto, mas também ao juiz o poder de conceder meio executivo diverso do solicitado.

A quebra do princípio da tipicidade não implicou apenas na possibilidade de uso de meio executivo não previamente estabelecido, mas também na não adstrição do juiz ao meio executivo solicitado. O princípio da tipicidade e a regra da congruência possuem íntima relação com a ideia de garantia de liber­dade dos litigantes. Se a tipicidade tem a função de impedir a execução através de meio executivo não previsto na lei, a regra da adstrição seria um coro lá rio seu, isto é, uma regra destinada a complementar a segurança do litigante, que somente poderia ter a sua esfera jurídica invadida por intermédio do meio de execução previsto na lei e escolhido pelo autor.

Quando se percebeu que, para bem tratar das novas situações de direito substancial, era necessário dar maior mobilidade ao juiz - até porque o judi­ciário deixou de ser pensado como “inimigo público” foi conferido ao autor a possibilidade de escolher o meio executivo adequado e ao juiz não apenas o poder de admiti-lo, mas também o poder de, ao considerá-lo inidôneo, conceder outro. Vale dizer que, diante das cláusulas gerais executivas, além de a lei não definir o meio executivo que deve ser utilizado, dando ao autor a possibilidade de postular o que reputar oportuno, o juiz não está mais adstrito ao meio exe­cutivo solicitado, podendo determinar aquele que lhe parecer o mais adequado ao caso concreto.

Nessa linha de argumentação, não é difícil perceber a razão de se dar ao juiz a possibilidade de aumentar ou diminuir o valor da multa na fase de exe­cução, conforme a disposição do art. 461, § 6.°, do Código de Processo Civil.

] 84. Ingo W olfgang Sarlet, A e fic á c ia dos d ireitos fu n dam en tais, p. 148.

244 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Isso se deve ao fato de que a multa é uma modalidade executiva e, assim, deve ser proporcional à finalidade a que se destina. Na verdade, o juiz pode alterar qualquer modalidade executiva, e não só o valor da multa, podendo até mesmo substituir a multa por uma medida de execução direta ou vice-versa.

Note-se que a desnecessidade de observância estrita da lei e do pedido, bem como a liberdade de alteração do meio executivo, tem um só fundamento: o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

4.15.9 A omissão legal e o dever de o ju iz determinar o meio executivo adequado como decorrência do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva

Se a técnica processual é imprescindível para a efetividade da tutela dos direitos, não se pode supor que, diante da omissão do legislador, o juiz nada possa fazer, uma vez que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva não se volta apenas contra o legislador, mas também se dirige contra o Estado-Juiz. Portanto, é equivocado imaginar que o juiz deixa de ter dever de tutelar de for­ma efetiva os direitos somente porque o legislador deixou de editar uma norma processual capaz de atender ao direito material.

De acordo com o art. 5.°, § 1.°, da Constituição Federal, “as normas defi­nidoras dos direitos e. garantias fundamentais têm aplicação imediata”.lOT Quan­do se diz que tais normas têm aplicação imediata, deseja-se evidenciar sua força normativa. Como a essa norma não se pode atribuir função retórica, não hã como supor que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva somente possa se expressar em conformidade com a lei, e que assim seja dela dependente.

Isso significa que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva não pode ser comprometido por um defeito de técnica processual. Supor que o direito à tu­tela jurisdicional é o direito de ir a juízo através do procedimento legalmente fixado, pouco importando a sua idoneidade para a efetiva tutela dos direitos, é inverter a lógica da relação entre o direito material e o direito processual. Ora, se o direito à tutela jurisdicional restar na dependência da técnica processual expressamente presente na lei, o processo é que estará dando os contornos do direito material. Mas, como é óbvio, deve ocorrer exatamente o contrário, pois o primeiro serve para cumprir os desígnios do segundo. Por essa razão a ausên­cia de técnica processual adequada para a tutela do direito material representa hipótese de omissão legal que atenta contra o direito fundamental à tutela ju ­risdicional efetiva.

185. A respeiLO do tema, v erjo ã o Pedra G ebran Neto, A a p lica ção im ed iata dos direitos e g a r a n ­tias individuais.

A TUTELA ANTECIPATÓRÍA CONTRA O PERIGO 245

Se o dever do legislador editar o procedimento idôneo pode ser reputado descumprido diante de determinado caso concreto, o juiz, diante dessa situação, obviamente não perde o seu dever de prestar a tutela jurisdicionai efetiva. Com efeito, não é possível ignorar os casos em que não existe legislação ou que essa é insuficiente, hipóteses denominadas por Vieira de Andrade como de “falta de lei”.186 Nesse caso - esclarece o jurista português “o princípio da aplicabilida­de direta vale como indicador de. exequibilidade imediata das normas constitu­cionais, presumindo-se a sua ‘perfeição’. Isto é, a sua autossuficiência baseada no caráter líquido e certo do seu conteúdo de sentido. Vão, pois, aqui. incluídos o dever dos juizes e dos demais operadores jurídicos de aplicarem os preceitos constitucionais e a autorização para com que esse fim os concretizarem por via interpretativa”.187

Na hipótese em que o Estado se omite em editar técnica processual ade­quada à efetiva prestação da tutela jurisdicionai, o juiz deve verificar se a sua aplicação é necessária em face das necessidades do direito material, ou seja, das tutelas que devem ser prestadas para que ocorra a efetividade do direito. Real­mente, se não há dúvida que o juiz deve prestar a tutela do direito de modo efetivo, é preciso apenas verificar se as necessidades do direito material exigem uma técnica processual não prevista pela lei. Nessa situação, o juiz deve analisar a tutela prometida pelo direito material - se inibitória, ressarcitória etc. - e as circunstâncias do caso concreto - se é necessária a sua antecipação, qual o meio executivo capaz de atender à necessidade de tutela etc. - para então concluir se houve omissão legal, vale dizer, falta de atendimento ao direito fundamental à tutela jurisdicionai efetiva pelo legislador.

No caso de omissão ou de insuficiência legal, o juiz deve supri-la, aplican­do diretamente a norma que institui o direito fundamental à tutela jurisdicionai efetiva, mas sem deixar de considerar os direitos fundamentais processuais que protegem o réu.

Esse discurso aponta para a questão da execução da tutela antecipatória de soma ein dinheiro. Como é sabido, quando a tutela antecipatória exige um não fazer, um fazer ou a entrega de coisa, podem ser aplicadas as regras dos arts. 461 e 461-A do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor, que contêm cláusulas gerais executivas, e assim a possibilidade de o juiz determinar a medida executiva adequada ao caso concreto. Porém, o problema surge quando se pensa na tutela antecipatória de soma em dinheiro, pois o art. 273, § 3.°, ao tratar da efetivação da tutela, alude apenas aos artigos 461, 461-A e 475-0 do Código de Processo Civil, e, em razão disso, alguém

186. Jo sé Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fun dam en tais (na C onstitu ição P ortuguesa de 1976), p. 256.

187. ldem , p. 25 6 -2 5 7 .

246 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

poderia imaginar que a execução da tutela antecipatória de soma não pode fugir da regra do art. 475-0.

Trata-se, evidentemente, de equívoco, pois o art. 475-0 se refere apenas aos limites da tutela antecipatória e da tutela final recorrida executadas mediante expropriação e às conseqüências do julgamento final contrário a qualquer mo­dalidade de tutela antecipatória e de tutela final executada na pendência do re­curso. Os incisos I e li do art. 475-0 dizem respeito a todas as espécies de tutela antecipatória e de sentenças executadas, ao passo que o inciso lil desse artigo pertine a uma das espécies de execução da tutela antecipatória de soma - a exe­cução por expropriação - e à execução da sentença que condena ao pagamento de dinheiro.

O fato de o art. 273, § 3.°, sinalizar para o art. 475-0 não quer dizer que a execução da tutela antecipatória de soma somente possa ser feita através das regras da execução por expropriação, mas sim que a tutela antecipatória de soma executada mediante expropriação deve observar o inciso lil e o § 2.° do art. 475-0.

Entender que a execução dessa tutela antecipatória deve ser feita de acor­do com as normas relativas à sentença condenatória, realizando-se por meio de expropriação, é desconsiderar as situações de direito material que tal tutela visa a amparar e negar a própria urgência que a legitima.

Pense-se, por exemplo, na necessidade de soma que surja no curso do pro­cesso de conhecimento em que se pede tutela ressarcitória pelo equivalente em razão de ato ilícito. Poderia ser dito que, nesse caso, a antecipação da tutela é des­cabida, ou que a soma antecipada deve ser executada por meio das regras relativas à sentença de condenação. Porém, esse raciocínio se preocupa unicamente com uma pseudocoerência processual, sendo completamente alheio ao direito material e às necessidades de tutela. Pouco importa saber qual é a regra para a execução da quantia certa devida em razão de sentença, mas sim estar em contato com a necessidade - no plano do direito material e da realidade social - do lesado que tem que esperar o tempo para a entrega da tutela jurisdicional final.

Como é óbvio, a regra processual da execução de dinheiro por expropria­ção - como técnica que é - foi feita para atender determinadas e específicas ne­cessidades do direito material. Portanto, a pergunta que deve ser feita não deve recair sobre a técnica processual que é utilizada no caso de tutela final, mas sim sobre as diferentes necessidades daqueles que precisam das tutelas jinal e antecipada de soma em dinheiro.

A necessidade de o lesado receber imediatamente dinheiro não se diferen­cia da necessidade do recebimento de alimentos fundados em direito de família. O lesado que, em decorrência do ilícito, precisa imediatamente de soma di­nheiro para suprir necessidades primárias, de manutenção do lar, de educação

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 2 47

dos filhos ou mesmo de saúde, não está em situação mais vantajosa do que aquele que se vê na urgência de pedir alimentos fundados em direito de família.

Em outros termos, a fonte dos alimentos - direito de família ou ato ilíci­to - não altera a necessidade. Se é assim, não há como dar meios de execução efetivos a um caso, esquecendo o outro, pois isso constituiria lesão ao princípio da igualdade. Por essa razão, não há como pensar que a tutela antecipatória de soma não pode ser executada mediante o uso dos meios de execução previstos nos arts. 733 e 734 do CPC. Se a necessidade de antecipação de soma não pode ser negada - e por isso a tutela antecipatória foi concedida - não há razão para se deixar de executar a soma por intermédio das técnicas do desconto em folha, do desconto de renda periódica ou da ameaça de prisão.

Aliás, não temos qualquer receio ou dúvida em sustentar que o juiz pode e deve empregar - se houver necessidade - o expediente da multa para dar efe­tividade à tutela antecipatória de soma em dinheiro. A multa, como se sabe, é uma técnica que se destina a atuar sobre a vontade do demandado, objetivando, dessa forma, o cumprimento da decisão judicial. Assim, não há como negar sua utilidade nos casos em que se pretende soma em dinheiro.

O fato de a multa não estar prevista expressamente no art. 273 do Código de Processo Civil não pode ser visto como um recado do legislador no sentido de que a sua utilização apenas é possível nos casos de obrigações de não fazer, fazer e entrega de coisa. Essa omissão não pode ser interpretada como dirigida a impedir o uso da multa para a execução da tutela antecipatória de soma pela simples razão de que as regras processuais devem ser interpretadas à luz das necessidades do direito material e do direito fundamental à tutela jurisdicional. Ora, se um meio executivo - no caso a multa - é imprescindível para atender a uma necessidade do direito material, não há como negar a possibilidade da sua utilização, pena de desconsideração do direito fundamental à tutela jurisdicio­nal efetiva. Deixe-se claro que essa interpretação parte da premissa da necessi­dade da tutela antecipatória de soma - e assim de sua efetiva obtenção.

Contudo, essa necessidade não existirá se o autor disser que precisa ime­diatamente do clinheiro para melhor atender aos seus negócios ou atividades, sem provar que dele precisa imediatamente para não sofrer dano irreparável ou de difícil reparação. Além disso, a tutela antecipatória de soma somente será admissível para impedir a prática de dano que não ocorreria se o demandado não houvesse cometido o ato que se pretende ver corrigido pela tutela final. Ou melhor: se o dano temido não tem relação com o ato praticado pelo demanda­do, a antecipação da tutela não pode ser concedida. Se o autor precisa imedia­tamente de pecúnia por razões não relacionadas com o ato praticado pelo réu, descabe tutela antecipatória, pois essa não pode ser vista como expediente para auxiliar o autor que, por motivos alheios à conduta do demandado, precisa ime­diatamente de soma em dinheiro.

248 AN TECIPAÇÃO DA TUTELA

4.15.10 O controle do poder executivo diante das cláusulas gerais

já ficou claro que o juiz, diante dos artigos 461 e 461-A do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor, tem o poder de deter­minar o meio executivo adequado ao caso concreto.

Porém, seria absurdo imaginar que não há como controlar a racionalida­de das suas decisões, isto é, das suas opções. Como nenhum poder pode restar sem. controle, e o controle do poder de execução do juiz é imprescindível para a própria legitimidade do Poder Judiciário e para a noção de participação adequa­da das partes no processo, é evidente que tal controle - diante das quebras do princípio da tipicidade e da regra da congruência - agora deve ser feito de outra forma, muito mais complexa e sofisticada.

Como a concentração dos poderes de execução do juiz exige uma cláu­sula aberta ao caso concreto, trata-se de exigir uma relação entre o uso do poder e as peculiaridades da situação conflitiva. Esse controle somente pode ser feito mediante uma regra hermenêutica que suponha que há uma cláusula geral legal que deve ser concretizada pelo juiz em face das circunstâncias do caso concreto. Por isso, tal regra hermenêutica, da mesma forma que a cláusula geral executiva, jamais poderá ser definida em abstrato e previamente, pois sempre dependerá da hipótese a ser julgada. Ora, se a regra hermenêutica serve para controlar a concretização de uma cláusula geral, é pouco mais que evidente que ela também somente adquire significado quando toma em consideração as peculiaridades do caso concreto, ou seja, a concretização da cláusula geral executiva.

Quando se raciocina sobre os limites do fazer ou do não fazer - por exem­plo, cessação de uma atividade empresarial ou instalação de equipamento anti- poluente - , e não sobre a medida executiva para a implementação do fazer ou do não fazer - por exemplo, ordem sob pena de multa para a cessação ou interdição da fábrica o juiz deve. justificar a sua adequação e a sua necessidade.

A adequação se coloca no plano dos valores, querendo significar que o fa­zer ou o não fazer não pode infringir o ordenamento jurídico para proporcionar a tutela. A necessidade, por sua vez, tem relação com a efetividade do fazer ou do não fazer, isto é, com a sua capacidade de realizar - na esfera fática - a tutela do direito. É por tal motivo que essa última regra se divide em outras duas: a do meio idôneo e a da menor restrição possível. O fazer idôneo é aquele que tem a capacidade de proporcionar faticamente a tutela. Mas, essa ação (fazer ou não fazer), embora idônea a prestação da tutela, deve ser a que cause a menor restrição possível à esfera jurídica do réu. Quando tal ação é idônea e, ao mesmo tempo, causa a menor restrição possível, ela deve ser considerada a mais idônea ou a mais suave para proporcionar a tutela.

Assim, por exemplo, se o Ministério Público, alegando poluição ambien­tal, pede que o juiz ordene, mediante tutela antecipatória, que o réu cesse as

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 249

suas atividades, e a prova demonstra, ainda que sumariamente, que basta a ins­talação de um equipamento antipoluente, o juiz pode fugir do requerimento e ordenar a sua instalação (menor restrição). Se a situação for inversa, tendo o Ministério Público pedido a instalação de equipamento antipoluente, e o juiz se convencido da verossimilhança da necessidade de cessação das atividades, o juiz deverá demonstrar que essa providência é a alternativa idônea para a tutela do direito ambiental.

Mas, ainda que adequada e necessária, a ação (o fazer ou o não fazer) pode, diante das circunstâncias do caso concreto, significar uma proteção in­justificada diante do gravame imposto ao direito do réu. Note-se, porém, que nesse último caso não se está analisando a adequação e a idoneidade da restrição ao direito do réu, mas sim se verificando se o direito do réu, em face do caso concreto, pode ser objeto de restrição. Ou seja, nos dois primeiros casos se parte da premissa de que a restrição é possível, sendo importante apenas analisar a sua adequação e a sua idoneidade, ao passo que no último se busca concluir se a própria restrição é justificável.

Contudo, como a decisão deve fixar não apenas o fazer, mas também o meio executivo capaz de implementá-lo, é preciso atentar que a escolha do meio executivo também se subordina a regras ou critérios. Nessa dimensão não mais importa saber se a restrição ao direito do réu é justificável ou mes­mo questionar se o fazer ou o não fazer destinado a implementar a tutela é adequado e o mais idôneo. O que interessa é encontrar o meio executivo adequado e necessário (idôneo à tutela do direito e, ao mesmo tempo, menos restritivo ao réu).

É evidente que o meio executivo deve ser adequado e idôneo para a tu­tela do direito. O problema, na realidade, está na escolha do meio mais suave, isto é, daquele que, além de adequado (no plano dos valores) e idôneo (efetivo) à tutela jurisdicionai, é o menos prejudicial ao réu. Ora, apenas as circunstân­cias do caso concreto é que poderão indicar a medida executiva necessária ou mais suave, vale dizer, aquela que, sendo boa para o autor, é também a melhor para o réu.

É possível fazer uma primeira análise - em nível doutrinário e abstra­to - a respeito dos meios executivos, mas é preciso deixar bem claro que essa análise jamais suprirá aquela reservada ao juiz diante do caso concreto. Nessa perspectiva, é possível dizer que determinadas medidas de execução direta, isto é, medidas executivas que prescindem da necessidade de constrangimento da vontade do réu, podem ser mais efetivas do que a multa. Mas isso nem sempre será assim, pois há casos em que a medida de execução direta, ainda que prati­cada por auxiliar do juízo, implica em grande gasto de dinheiro, enquanto que em outros ela somente pode ser realizada por terceiro, que obviamente deve ser custeado.

250 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Diante do novo contexto em que vive a execução, o uso cia multa deve preferir o dos meios de execução direta, pois está totalmente ultrapassada a ideia de que a multa deve ficar reservada aos casos em que a execução direta não pode atuar, ou seja, às hipóteses de obrigações infungíveis. Na verdade, o que se deseja evidenciar é a inexistência de uma relação de alternatividade entre execução direta e multa, pois não há nada que possa sustentar o raciocínio de que a multa somente é cabível no caso de obrigação infungível.

Note-se, aliás, que o art. 461-A, ao dizer que os §§ 1." a 6.° do art. 461 são aplicáveis à ação “que tenha por objeto a entrega de coisa”, deixou clara a possibilidade do uso da multa na ação em que se pretende obter coisa. Ainda que a busca e apreensão, prevista no § 2.” do art. 461-A, em princípio possa ser efetiva, não é possível esquecer que, em alguns casos, podem existir obstáculos contornáveis através da utilização da multa. Assim, por exemplo, no caso em que não se pode localizar a coisa móvel para a busca e apreensão. Ou na hipó­tese em que o réu impede o acesso do oficial de justiça à coisa, a esconde ou se nega a informar dados fundamentais para o seu desmonte e transporte. Nessas situações, a efetividade da multa é inegável.

Deixe-se claro, porém, que não se está afirmando que a utilização da multa é dependente da dificuldade na apreensão da coisa. Ao contrário, a multa pode preferir a busca e apreensão por ser mais econômica ao autor. Pense-se em sua oportunidade na hipótese em que a coisa devida constitua uma grande máquina, que exige dispêndio considerável de dinheiro para o seu desmonte e transporte. Em uma situação desse tipo, o uso da multa não só é permitido, como consiste no meio mais eficaz para a tutela do direito.í88

Por outro lado - como demonstrado acima no item “a prisão como meio de coerção indireta" - a prisão não é possível na hipótese em que se pretenda um ato que exija dispêndio de patrimônio. Fora daí, ela é viável quando a execução direta ou a multa não se mostram idôneas para a tutela do direito. Ou seja, a prisão deve ser vista como a última alternativa para a imposição de ordem judi­cial imprescindível para a tutela do direito.

É necessário advertir que a escolha do agir e da medida executiva torna imprescindível a justificação do juiz. A justificação, como fundamentação da escolha judicial, é absolutamente indispensável. A sua ausência torna ar­bitrária a opção do juiz, pois cabe à justificação demonstrar a perfeição do raciocínio amparado nas regras antes referidas. Em outras palavras, o con­trole do poder executivo inicia mediante a aplicação das regras antes menciona­das, mas não dispensa, como complemento, a adequada justificação. Assim, por exemplo, quando o juiz reputa, a partir da regra da necessidade, que o fazer ou o meio executivo não configuram a menor restrição possível, cabe-lhe,

188. Luiz G uilherm e M arinoni, T écn ica processu al e tutela dos direitos.

A TU TELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 251

além de impor o agir que traz a mesma utilidade para o autor e uma menor restrição ao réu, justificar adequadamente o seu procedimento, explicando a sua decisão.

4.15.1 1 O controle do poder executivo após o trânsito em julgado

A sentença deve concluir que determinado agir é: i) adequado e efetivo à tutela do direito; ii) configura a menor restrição possível; e iii) não configura uma restrição desproporcional. Na fase de execução, se o agir fixado na senten­ça não for observado pelo réu, esse - que constitui, de acordo com a decisão, a menor restrição possível - poderá ser alterado, pois aquele que seria o meio mais idôneo para tutelar o direito do autor, por ter sido recusado pelo réu, não pode mais assim ser considerado, e, portanto, exige a definição de outro agir, que possa ser idôneo à tutela do direito.

Como se vê, não é possível ao juiz questionar, na fase de execução, se o agir fixado na sentença é adequado à tutela do direito ou se nela foi corretamen­te a regra de que não é possível uma restrição indevida ou desproporcional. É apenas a regra da necessidade que pode ser novamente analisada, e isso diante do fato de o agir não ter sido observado pelo réu. O réu, com o não cumprimento da sentença, abre oportunidade para que outro agir seja imposto, uma vez que o fixa­do na sentença restou inidôneo. Por isso, outro agir, idôneo à tutela do direito, deve ser escolhido pelo juiz.

Para exemplificar: o juiz não pode, na fase de execução, considerar que a instalação de equipamento antipoluente; i) não é adequada para a tutela do direito; ii) não representa a menor restrição possível; ou iii) fere a regra de que não é possível uma restrição desproporcional. O juiz apenas pode inovar quando o réu não atende à sentença, e assim o agir deixa de se con figurar, por cul pa sua, como meio mais idôneo, permitindo que um outro seja imposto no seu lugar. De modo que se o réu não instala o equipamento, atendendo à ordem sob pena de multa, o juiz não é obrigado a determinar que o equipamento seja instalado por terceiro - alterando apenas o melo executivo mas fica com a possibilidade de determinar a interdição da fábrica.

Por outro lado, o meio executivo também pode ser modificado após o transito em julgado da sentença, quando novamente devem ser consideradas apenas as regras do meio idôneo e da menor restrição. O Código de Processo Civil é expresso no sentido de que o juiz pode, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva (art. 461, § 6.°)- Assim, é possível que o juiz conclua que o valor ou a periodici­dade da multa - que devem ter observado tais regras no momento em que foram fixadas na sentença - sejam modificados, ou mesmo que seja alterado um meio

252 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

de execução que, embora observado pelo demandado, possa ser substituído por um menos gravoso.

Ademais, se a sentença for descumprida, o juiz pode substituir a multa pela execução direta ou vice-versa, ou ainda impor a prisão como última alter­nativa - no caso de ordem que não exija disposição de patrimônio. Nessa linha, a única forma de se controlar o exercício do poder será através da análise da justificação. Ou seja, o juiz deverá justificar a razão pela qual, por exemplo, a multa não teve êxito, e porque acredita que a execução direta ou a prisão pode­rão viabilizar o encontro da efetividade da tutela jurisdicional.

4.15.12 O controle da alteração da modalidade executiva na tutela antecipatória

Diante da tutela antecipatória, não é possível esquecer do § 4.° do art. 273 do Código de Processo Civil, que admite a alteração da tutela em razão de “novas circunstâncias”. Como já foi dito, as razões que permitem a alteração da tutela com base no referido § 4.° do art. 273 são “outras razões”, no sentido de “razões” que não foram apresentadas. Lembre-se que não é apenas a alteração da situação de fato que permite a alteração da tutela, mas também o surgimento, derivado do desenvolvimento do contraditório, de uma outra evidência sobre a situação fática.

Na tutela antecipatória não há preclusão; assim, a alteração do fazer e do não fazer e do meio executivo não fica subordinada à hipótese de inadimple­mento da decisão. Ou melhor, para a alteração do não fazer ou do fazer deter­minados não é necessário o não cumprimento da tutela, bastando o surgimento de uma nova circunstância, seja fática, seja decorrente do desenvolvimento do contraditório. Por isso, o juiz pode alterar a tutela antes de ela ter sido conhe­cida pelo réu ou após ter sido observada, quando o seu cumprimento deva se desenvolver no tempo.

4.15.13 O controle da determinação da modalidade executiva adequada na antecipação de soma

Como visto, a antecipação de soma deve ser execTitada mediante meios executivos capazes de permitir a sua efetivação em tempo que permita atender ao seu próprio pressuposto legitimado r: a urgência. Isso porque o direito à execução da tutela antecipada é uma modalidade especial do direito à execução das decisões jurisdicionais - que é corolário do direito fundamental à tutela ju ­risdicional particularizado por ser direito à execução de uma tutela fundada em urgência.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 253

Também já foi demonstrado que a tutela antecipada de soma pode ser executada por intermédio dos meios executivos colocados nos artigos 733 e 734 do Código de Processo Civil, da multa e das medidas de execução que servem à sentença que condena ao pagamento de dinheiro.

Porém, nesse momento importa saber quando o juiz deve utilizar a prisão civil, o desconto em folha, o desconto de rendas periódicas, a multa e as medi­das executivas de expropriação.

A prisão apenas pode ser utilizada para constranger o devedor a pagar alimentos. Contudo, como jã observado, os alimentos não têm fonte apenas no direito de família, mas também no ato ilícito. Isso quer dizer que a prisão pode ser utilizada, como meio de coerção, quando o juiz entende que o autor precisa imediatamente de alimentos indenizativos. Ora, se a tutela antecipatória é concedida porque se supõe que o autor necessita da soma, não admitir a sua execução por intermédio da prisão, apenas pela razão de que os alimentos não se fundam em direito de família, é negar a evidência de que o jurisdicionado tem o direito à execução tempestiva da tutela antecipatória.

A prisão somente pode ser negada quando há a possibilidade de a exe­cução da soma alimentar ser feita por desconto em folha ou por meio de descon­to de renda periódica (aluguel etc.). Náo há qualquer racionalidade em pensar que a prisão não pode ser utilizada quando for viável o uso da execução por expropriação. É que a execução por expropriação, em razão da sua natureza, impede a execução tempestiva da decisão que concede a tutela antecipatória e, assim, o seu uso transformaria a tutela antecipatória em tutela final, desprezan­do a própria necessidade daquele que a postulou.

Quando a soma perseguida não caracterizar verba alimentar, mas a ne­cessidade da sua obtenção também for urgente para o autor, nada impedirá a utilização da multa como meio de coerção indireta. Lembre-se que os arts. 461 e 461-A do Código de Processo Civil são expressos em admitir a multa como meio de constranger o réu a não fazer, a fazer e a entregar coisa, mas nada pode impedir o seu uso quando se busca a execução da tutela antecipatória de soma em dinheiro.

Se é evidente a impossibilidade de a tutela antecipatória ser executada mediante expropriação, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva não só justifica, mas na realidade impõe o uso da multa como meio executi­vo.1® Se isso não acontecer, o direito à tutela antecipatória, que obviamente

] 89 . Alias, a multa tam bém pode ser utilizada para efetivar a decisão (e a sen tença) que ordena o ressarcim ento na lorm a esp ecífica, seja para com pelir a um fazer, a entrega de coisa em substituição à destruída, ou para con stranger o reu a custear o fazer necessário para a reparação esp ecifica ser desenvolvida por terceiro. E que o dissem os no livro T écn ica processu al e tu tela dos d ireitos (p. 212 e s s .) : “No con texto da efetividade dos m eios de

254 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

está inserido no direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, será eviden­temente negado pelo juiz.

Não se diga que a multa nâo tem utilidade porque pode ser transformada pelo réu em simples valor a ser cobrado (sanção pecuniária), quando então exis­tirá dificuldade igual a que se tinha para cobrar o valor do principal. Isso é pouco mais que absurdo, pois seria o mesmo que dizer que a multa não tem efetividade alguma porque pode ser transformada em sanção pecuniária pelo réu que se nega a

execu ção , nada parece tão relevante quanto o problem a da tutela ressarcitória na form a específica. Com o é sabido, o d ireito ao ressarcim ento na form a específica prefere ao res­sarcim ento pelo equivalente. Porém , com o se percebe na prática forense, o ressarcim ento pelo equivalente é m uitas vezes im aginado com o o ú n ico possível de ser obtido. Isso ocorre, com o é óbvio, em razão de que o C P C originariam ente institu iu , com o veículo processual destinado ao ressarcim ento na form a esp ecífica, a sen tença condenatória e a ação de execução de obrigação de fazer - quando, um a vez não cum prido o fazer necessário para a reparação, o exequente teria que requerer que esse fosse prestado por um terceiro às custas do devedor. Com o o executado que não faz geralm ente não paga para um terceiro fazer, a probabilidade do lesado ter que pagar para a reparação na forma específica era muito grande, e assim praticam ente inviabilizava o ressarcim ento na form a especifica. Porém , se reparar significa, antes de tnais nada, fazer ou entregar coisa em substitu ição à destruída, nada pode im pedir que, atualm ente, se ja empregada a m ulta para dar efetividade ao ressarcim ento na form a esp ecífica (arts. 461 e 461-A do CPC e 8 4 do C D C ). É verdade que não hã procedência em obrigar o réu a reparar - ou seja, a fazer quando ele é destituído de capacidade técn ica para tanto. Porém , isso constitu i circu nstância m eram en te a c id en ta l cm relação ao dever de reparar - que é, acim a de tudo, dever de ressarcir na form a esp ecífica , e n ão sim ples o b r ig a ç ã o d e p a g a r d inheiro. O dever de reparar na forma esp ecífica não se extingue no caso em. que o dem andado prova não ter capacidade técn ica para fazer. Ou seja , a d em onstração de incapacidade lécn ica nâo tem o condão de transform ar o direito ao ressarcim ento na form a específica em direito a indenização em pecúnia. Assim , dem onstrada a incapacidade técn ica e não cum prida a sen tença, o ju iz deve u tilizar a m ulta para com pelir o infrator a pagar para que ter­ceiro preste o fazer necessário ao ressarcim ento. Nesse caso, a m ulta não estará sendo utilizada para com pelir o in frator a pagar, mas sim para viabilizar o ressarcim ento na form a especifica. Com o é evidente, a in ca p ac id a d e técn ica do lesad o não p o d e tran sform ar o seu d ev er d e ressarc ir em o b r ig a ç ã o de p a g a r d in heiro . Na realidade, em todos os casos em que a m ulta for o ú n ico m eio capaz de con ferir a tutela do direito, o seu uso será evidentem ente sustentado pelo direito fundam ental à efetividade da tutela ju risd ic io ­nal. Isso ocorre no caso de tutela antecip atória de som a em dinheiro e no caso de tutela ressarcitória na form a específica. Perceba-se que a não utilização da m ulta, m esm o para com p elir o in frator a custear o fazer, inu tiliza o ressarc im en to na fo r m a esp ec ífica . Ou m elhor: a m ulta, em bora não expressam ente prevista, é absolu tam ente necessária para a efetividade da tutela antecipatória de som a em dinheiro e para a tutela ressarcitória na form a esp ecífica. Sendo assim , não há com o argum entar que, pelo fato dela não ser expressam ente prevista para essas situações, o seu uso fica vedado. É qu e a o m issão do leg is lad o r em d a r e fe t iv id ad e a o d ireito fu n dam en tal à tu tela ju r isd ic io n a l efetiva , com o é óbvio, n ão p o d e s e r in terp retad a em seu d es fa v o r" .

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA ó PERIGO 255

não fazer, a fazer ou a entregar coisa. Ou seja, negar o valor da multa diante de soma em dinheiro é o mesmo que eliminar a utilidade da multa como meio de coerção indireta.

Por outro lado, há um grande equívoco em ver na dificuldade da cobrança da multa algo que possa influir decisivamente sobre a sua efetividade. Ora, se importar mais em como cobrar a multa do que na sua efetividade como mecanismo de co­erção é uma perspectiva de análise ainda comprometida com um sistema processual preocupado fundamentalmente com a cobrança do valor equivalente ao do direito degradado em pecúnia.

Essa visão patrimonialista ou monetizadora dos direitos é que perturba a vi­são da importância da multa como form a de pressão ao pagamento, absolutamente indispensável quando se precisa imediatamente de soma em dinheiro e não se pode recorrer à prisão ou ao desconto em folha ou de renda periódica.

É por isso que a execução por expropriação, em face da antecipação de soma, é a última via que deve ser percorrida.

4.15.14 A justificativa como forma cie racionalizar o uso do poder de execução e de viabilizar a participação das partes no processo

Se o juiz pode determinar a modalidade executiva adequada ao caso con­creto, cabe-lhe obviamente justificar a forma executiva que lhe parecer a mais idônea. Ou seja, como o poder executivo não é mais delimitado pelo princípio da tipicidade e pela regra da adstrição, e a via executiva pode ser modificada, o juiz deve explicar as razões que o levaram a admitir ou a determinar, ainda que em contrariedade ao pedido, o meio de execução.

Não se pretende, nesse momento, voltar a tratar da importância da justifi­cativa da decisão que defere ou indefere a tutela antecipatória, mas apenas frisar que as regras para o controle da racionalidade da decisão judicial, como a do meio idôneo e da menor restrição, não teriam qualquer importância se não fosse clara a necessidade de o juiz demonstrar a sua perfeita adoção na justificativa da sua decisão.

A justificativa permite controle crítico sobre o poder do juiz.1<wO equívoco, revelado pela justificativa, é que evidenciará a ilegitimidade do meio de exe­cução. Sem a justificativa, a legitimidade do exercício do poder de execução ficaria

190 . Sobre a im portância da ju stificativ a, ver M ichele Taruffo, L a m otiv az ion e de ía sen ten za c iv ile , p. 1 9 4 -1 9 5 , M ichele Taruffo, '‘Funzione delia prova: la funzione dim ostratlva”, R ivista T rim estrale di D iritto e P rocedu ra C ivile, 1997 , p. 5 5 3 -5 5 4 ; M ichele Taruffo, “II controllo di razionalità delia decisione fra logica, retórica e d ialettica”, www.studioce- lentano.itlle nuove voei dei d iritto; M ichele Taruffo, “La m otivazione delia sentenza", Revista d e D ireito Processual C ivil (G en esis), v. 30 , p. 6 7 4 e ss.; M ichele Taruffo, “Senso

256 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

comprometida e não seria possível concretizar o direito constitucional das partes participarem, adequadamente do processo.

A. ampliação do poder de execução do juiz, ocorrida para dar maior efetividade à tutela dos direitos, possui, como contrapartida, a necessidade de que o controle da atividade executiva seja feita pelas regras antes mencionadas e pelo seu indispensável complemento, a justificação judicial. Em outros termos: pelo fato de o juiz ter poder para a determinação da melhor maneira de efetivação da tutela, exige-se dele, por conseqüência, a justificação das suas escolhas. Nesse sentido se pode dizer que a justificativa é a outra face do incremento do poder do juiz.

O crescimento do poder executivo do juiz e a necessidade de outros cri­térios de controle da decisão judicial nada mais são do que conseqüências das novas situações de direito substancial e da tomada de consciência de que o Es­tado tem o dever de dar proteção efetiva aos direitos.

Na justificativa, o juiz deve dizer a razão pela qual preferiu uma modali­dade de execução e não outra. Ou seja, porque preferiu, por exemplo: i) ordenar a instalação de um equipamento antipoluente ao invés de ordenar a cessação das atividades da empresa ré, ii) utilizar a multa e não a execução direta quando verificou que o réu deveria fazer, e iii) determinar o desconto em folha e não ordenar sob pena de multa quando deferiu a antecipação de soma. Tais opções somente podem ser aceitas se configuram o meio mais idôneo, concretizando o meio idôneo e o menos restritivo ao réu.

As regras antes referidas, embora façam parte do raciocínio decisório, pois viabilizam a decisão, obviamente não podem ser ignoradas quando da justifica­tiva. Até porque não servem apenas para facilitar a decisão, mas muito mais para justificá-la de modo racional, permitindo o seu controle pelas partes.

4.16 A tuteia antecipatória contra a Fazenda Pública

Se é possível a tutela antecipatória contra o particular, nada deve impedir a tutela antecipatória contra a Fazenda Pública.

Entretanto, o art. l.° da Lei 8.437, de 30 de junho de 1992, reza o seguinte: “Não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedi­mento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventi­va, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal.

com um , experiência e ciência no raciocínio do ju iz ”, conferência proferida na Faculdade de D ireito da U FPR, Curitiba, m arço 2 0 0 1 , p. 17.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 257

“§ 1.° Não será cabível, no juízo de primeiro grau, medida cautelar inomi­nada ou a sua liminar, quando impugnado ato de autoridade sujeita, na via de mandado de segurança, à competência originária de tribunal.

“§ 2.° O disposto no parágrafo anterior não se aplica aos processos de ação popular e de ação civil pública.

“§ 3.° Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação

Há quem diga, em virtude dessa disposição legal, que é impossível a con­cessão de tutela antecipatória contra a Fazenda Pública. Outros tentam contor­nar o veto argumentando que o referido artigo não proíbe a tutela antecipatória em face do Poder Público, mas apenas veda a concessão de liminares, em ações cautelares ou preventivas, que esgotem, no todo ou em parte, o objeto do respec­tivo processo. Como a tutela antecipatória não se confunde com a tutela cau­telar ou com a tutela preventiva, o artigo em discussão não proibiria a tutela antecipatória.191

Porém, foi editada posteriormente a Medida Provisória 1.570, de 26 de março de 1997, que assim estabeleceu no seu art. l.°:

“Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5.° e seu parágrafo único e 7.° da Lei 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1.° e seu § 4.° da Lei 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1.°, 3.° e 4.° da Lei 8.437, de 30 de junho de 1992”.

Tal Medida Provisória também objetivou impedir - ao menos em algumas hipóteses - a concessão da tutela antecipatória contra a Fazenda Pública. O texto dessa Medida Provisória voltou a figurar na Lei 9.494/97, que foi objeto de ação direta de constitucionalidade. Nessa ação, o STF por meio de sua Sessão Plenária e por maioria de votos, decidiu, em sede de liminar e com efeito vincu- lante, pela constitucionalidade da referida norma.

Contudo, de lado a questão da vínculaçâo à posição assumida pelo Supremo Tribunal Federal, qualquer tentativa de vedar a concessão de tutela antecipatória contra a Fazenda Pública, mesmo através de Lei, é inconstitucional.

já analisamos essa questão nos itens “a tutela antecipatória como corolá­rio do direito à adequada tutela jurisdicional” e “a tutela antecipatória é garanti­da pelo princípio da inafastabilidade”, aos quais remetemos o leitor.

De qualquer forma, é oportuno voltar a ressaltar que o direito à efetivida­de e à tempestividade da tutela jurisdicional é constitucionalmente garantido. O direito de acesso à justiça, albergado no art. 5.° XXXV, da Constituição Federal, não quer dizer apenas que todos têm direito a recorrer ao Poder judiciário, mas

191. Neste sentido J.E .S . Frias, “Tutela antecipada em lace da Fazenda Pública”, RT 728/69.

258 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

também quer significar que todos têm direito à tutela jurisdicional efetiva, ade­quada e tempestiva.192

Ora, se o legislador mfraconstitucional está obrigado, em nome do di­reito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, a prever tutelas que, atuando internamente no procedimento, permitam uma efetiva e tempestiva tutela ju ­risdicional, ele não pode decidir, em contradição com o próprio princípio da efetividade, que o cidadão somente tem direito à tutela efetiva e tempestiva contra o particular.

Dizer que não há direito à tutela antecipatória contra a Fazenda Pública em caso de “fundado receio de dano” é o mesmo que afirmar que o direito do cidadão pode ser lesado quando a Fazenda é ré.193

Outro argumento que poderia ser utilizado para impedir a tutela ante­cipatória contra a Fazenda vem do art. 475 do Código de Processo Civil, que dispõe que está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: i) proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município e as respectivas autarquias e fundações

192. Nesta d im ensão, a nova Lei do M andado de Segurança (Lei 12 .016/ 2009) incide em in- constitucionalidade. Afirma o seu art. 7 .”, § 2.°, que “não será concedida medida lim inar que tenha por ob jeto a com pensação de créditos tributários, a entrega de m ercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públi­cos e a concessão de aum ento ou a extensão de vantagens ou pagam ento de qualquer natureza". De outra parte, o art. 7 .°, III, da Lei 12 .016/ 2009 , diz que, “ao despachar a in icial, o ju iz ordenará ( ...) que se suspenda o ato que deu m otivo ao pedido, quando houver fundam ento relevante e do ato im pugnado puder resultar a ineficácia da m edi­da, caso seja finalm ente deferida, sendo facultado exigir do im petrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcim ento à pessoa ju ríd ica ”. Ao con ­d icionar a lim inar à prestação de caução, a lei viola o princíp io da igualdade. N ote-se que a exigência de caução im pede que aquele que não tem condições econôm icas para prestá-la possa obter a lim inar. Assim , a técn ica da lim inar, indispensável à realização dos direitos fundam entais à efetividade do processo (art. 5.°, XXXV, da C F ) e à duração razoável do processo (art. 5 o, L X X V III, da C F ), passa a poder ser utilizada apenas por alguns, passando a con stitu ir um "b en efic io ” outorgado a quem pode pagar por ela. Ver Lucas Cavalcanti da Silva, Thiago M ourão de Araújo e W illiam Soares Pugliese. “O custo da tutela efetiva”, disponível em <http://www.conjur.com.br/2009-ago30/lei-m andado- seguranca-custo íu tela-jurisd icional-efetiva>.

193. Por outro lado, n ã o adm itir a tu Lela antecipatória com base no inciso II ou no § 6 o do art.

273 significa liberar a Fazenda Pública para abusar do seu direito de defesa, obrigando aquele que contra eia demanda a suportar, além da conta, o tempo de dem ora do processo. Não é preciso lem brar que a distribuição do tem po do processo é uma necessidade que decorre do princíp io da isonom ia e que o princípio constitucional da efetividade deve ser lido através da regra que estabelece que o processo nâo pode prejudicar o autor que tem ra z ã o .

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 259

de direito público; ii) que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública.

A tese que lembra que o art. 475 fala em sentença e não em decisão e que, portanto, é apenas a sentença que não pode produzir efeitos antes de confirmada pelo tribunal, é totalmente equivocada. Tal linha de raciocínio levaria à conclu­são, absolutamente absurda, de que o art. 475 poderia impedir - em um sistema que tivesse como regra a execução imediata da sentença - a execução imediata contra a Fazenda Pública, mas não a tutela antecipatória.

Na verdade, pelas razões já alinhadas, o art. 475 não pode impedir a tu­tela antecipatória contra a Fazenda Pública, pena de inconstitucionalidade. Nos casos de “fundado receio de dano”, de “abuso de direito de defesa” e de “direito evidente”194 é possível a produção antecipada dos efeitos da tutela final, já que o autor que tem razão não só não pode ter direito lesado (direito à efetividade da tutela jurisdicionai), como também não pode ser obrigado a suportar o tempo do processo, nos casos em que há “abuso do direito de defesa” ou o seu direito é evidente (direito à tempestividade da tutela jurisdicionai).

A Emenda Constitucional 30, de 13.9.2000, atribuiu ao art. 100 da Constituição Federal a seguinte redação: “§ 3.° O disposto no caput deste ar­tigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado”.

Posteriormente, a Lei 10.099, de 19.12.2000, que alterou a Lei 8.213/91, ao definir obrigações de pequeno valor em face da Previdência Social, estabeleceu que o art. 128 desta última Lei passaria a vigorar com a seguinte redação: “Art. 128. As demandas judiciais que tiverem por objeto o reajuste ou a concessão de benefícios regulados nesta Lei cujos valores de execução não forem superiores a R$ 5.180,25 (cinco mil, cento e oitenta reais e vinte e cinco centavos) por autor poderão, por opção de cada um dos exequentes, ser quitadas no prazo de até 60 (sessenta) dias após a intimação do trânsito em julgado da decisão, sem neces­sidade da expedição do precatório”.

A Lei 10.259, de 12.7.2001, que instituiu o chamado “Juizado Especial Fede­ral”, afirmou, no art. 3.°, ser da sua competência processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de 60 salários mínimos, bem como exe­cutar as suas sentenças, com as exceções postas nos parágrafos deste artigo.

Tratando de obrigação de pagar quantia certa, a mesma lei, em seu art. 17, caput, estabeleceu que, nesses casos, o pagamento deve ser efetuado “no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da entrega da requisição, por ordem do juiz, à

194. Ver adiante o Capitulo V

260 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

autoridade citada para a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório”.

Como esta execução independe, de precatório, e deve ocorrer por meio de simples requisição, deixou-se claro que se for desatendida a requisição judicial o juiz deve determinar “o seqüestro de numerário suficiente ao cumprimento da deci­são” (art. 17, § 2.°, da Lei 10.259/2001).

Considerando o já descrito art. 100, § 3.°, da Constituição Federal, o mesmo art. 17 dispôs, em seu § 1.°, que para os efeitos de tal dispositivo cons­titucional as obrigações ali definidas como de pequeno valor, a serem pagas inde­pendentemente de precatório, terão como limite o mesmo valor estabelecido no já descrito art. 3.° da Lei 10.259/2001.

Como está claro, dispensou-se o precatório, diante de créditos definidos em lei como de “pequeno valor”, em primeiro lugar em relação à Previdên­cia Social, e depois perante as demandas de competência do “Juizado Especial Federal”. Nesses casos, não hã racionalidade em entender que a dispensa do precatório apenas pode ocorrer diante de sentença transitada em julgado. É que se a dispensa do precatório tem o objetivo de conferir maior tempestividade à execução da sentença, a tutela antecipatória, pela mesma razão, também deve dispensá-lo. De outra forma, apesar de corrigida a execução da sentença eonde- natória, inexplicavelmente estaria sendo esquecida a efetividade da tutela ante­cipatória, ocasião em que a necessidade de tempestividade é ainda maior.

Ademais, é de se observar que na hipótese de crédito de natureza alimen­tar, encontrando-se o exequente em estado de necessidade, o art. 475-0, § 2.°, 1, do Código de Processo Civil dispensa a prestação de caução até o limite de 60 salários mínimos. Nos demais casos, ou seja, naqueles que não puderem ser definidos como “alimentares” e/ou quando o exequente não estiver em “estado de necessidade”, deverá ser prestada caução idônea (art. 475-0, III, CPC).

O problema surge quando se pensa em verba alimentar19*’ de valor supe­rior a 60 salários mínimos. Ora, a ideia de dispensar a caução nas hipóteses de necessidade de verba alimentar não tem relação com o valor da soma pretendida, mas apenas com a necessidade do exequente, que pode ser de 20 ou de 80 salár ios mínimos - no caso em que, por exemplo, fo r necessária uma operação cirúrgica.

O legislador, ao limitar a dispensa de caução a 60 salários mínimos, teve a intenção de evitar abusos. Acontece que tal estratégia não é adequada, pois, em razão de eventuais arbitrariedades de alguns magistrados - que infeliz­mente acontecem, conforme evidenciam os meios de comunicação - , elimina

195. Lem bre-se que o art. 6 .°, § 1.°, da Lei 9 .469/97, ao assegurar o direito de preferência aos credores de obrigação de natureza alim entícia, afirma que deve ser “obedecida, entre eles, a ordem cron o lóg ica cie ap resen tação dos respectivos p recatórios ju d ic iá r io s" .

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 261

a possibilidade de o jurisdicionado obter alimentos em valor superior a 60 salários mínimos.

Porém, a questão que realmente importa é saber se o cidadão deve ser punido, e o Poder Judiciário tolhido da possibilidade de prestar a tutela jurisdicionai ade­quada, em razão da má atuação de poucos juizes. É indiscutível que os únicos que devem ser sancionados são os juizes que usam do p od er-q u e não é deles, mas deve servir ao povo - deform a distorcida. Portanto, é mais que incoerente castigar o ci­dadão e prejudicar o Poder Judiciário em razão do mau comportamento de pessoas que não deveriam estar exercendo a magistratura. Tal incoerência, no caso da lei que limita a dispensa da caução a 60 salários mínimos, viola às claras o direito fundamental à tutela jurisdicionai efetiva.

A única forma de sancionar aqueles que se vestem de juizes é mediante a adequada participação das Corregedorias, e por meio do controle externo da Magistratura. O que não tem racionalidade e constitucionalidade é amputar do cidadão o direito à tutela, jurisdicionai efetiva para que os maus juizes continuem exercendo as suas funções sem grandes prejuízos ao próprio Estado que lhes sustenta no poder.

Por outro lado, embora o art. 100, § 3.°, da Constituição Federal diga que o precatório somente pode ser dispensado diante de obrigações definidas em lei como de pequeno valor, não há como negar que a execução por meio de preca­tório é incompatível com a própria necessidade que legitima a antecipação de soma de natureza alimentar; seja ela de qualquer valor.m Se a necessidade importar em soma superior a 60 salários mínimos, é irracional obrigar o exequente a suportar a “execução por precatório”, pois isso significaria dar meios executivos desiguais a situações em que a necessidade é igual, porém apenas diferente em termos de valor

Portanto, para conciliar o art. 100, § 3.°, e o art. 5.", XXXV - que esta­belece o direito fundamental à tutela jurisdicionai efetiva ambos da CP̂ é preciso entender que o precatório deve ser dispensado diante de obrigação - de qualquer natureza - definida na lei como de pequeno valor, mas que, diante da tutela antecipatória, a sua dispensa deve ocorrer quando o próprio juiz tiver crité­rios capazes de demonstrar que o exequente necessita imediatamente de alimentos, ainda que em valor superior a 60 salários mínimos.

A definição do valor da tutela antecipatória de alimentos somente pode ser feita no caso concreto, quando então o juiz poderá analisar a real necessidade

.196. Já foi decidido que, "em ação de reparação de danos, em face da responsabilidade objetiva do EsLado, se do alo lesivo resultar incapacidade total de pessoa arrim o-de-farailia, pock o ju iz deferir a tutela antecipada prevista no art. 273 do CPC, pois a conseqü ência lóg ica é a de. qu e os dependentes d a vítim a p a ssa rã o p r iv ações dc o rd em fin an ceira se o objeto do p ed id o só v ier a ser satis/eito com a sen ten ça final tran sitada em ju lg a d o ”. N este c a so fo i d ispen sada a ex ecu ção por m eio de p recatório (RT 794/ 390-391).

262 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

do exequente. É imprescindível dar ao juiz o poder de analisar a necessidade de cada autor, especificamente mergulhado em. sua situação concreta. Somente a partir daí é que o juiz poderá determinar o valor dos alimentos que devem ser pagos. Porém, isso não significa, como é óbvio, que o juiz estará imune a um controle pela própria Fazenda Pública, vista como parte. Esse controle prioriza a moti­vação das decisões - frequentemente não valorizadas - pois o juiz, ao dispensar o precatório e a caução, deverá justificar de modo muito preciso a sua decisão, apontando e motivando as circunstâncias que evidenciaram uma necessidade alimentar mais elevada.

De outra parte, não é procedente afirmar que o seqüestro, aplicável quan­do a requisição de pagamento não é atendida, e previsto na Lei dos juizados Especiais Federais, somente pode ser utilizado quando a fazenda pública ré for federal. Como essa espécie de seqüestro foi pensada para o caso de inadimple­mento da sentença pela Fazenda Pública, não importa a ausência de sua expres­sa previsão em relação à Fazenda Pública Estadual e Municipal. A aplicação de tal meio executivo se apoia não só na regra constitucional que diz que a exe­cução por precatório não é adequada a várias hipóteses concretas, mas especial­mente no direito à tutela jurisdicional efetiva, que não pode ser garantido apenas em relação à União - e não em face dos Estados e dos Municípios.

Deixando-se de lado os casos em que se pede o pagamento de soma em dinheiro em razão de direito à indenização ou em virtude de qualquer outro ina­dimplemento, cabe passar às hipóteses em que o credor postula, por exemplo, o reajuste do seu salário para o futuro. Aí, presentes os seus pressupostos, nada impede o deferimento de tutela antecipatória, qualquer que seja o valor em jogo, uma vez que a sua “execução” nâo depende de precatório requisitório e, assim, da observância do art. 100 da Constituição Federal.

Além do mais, simplesmente afirmar em medida provisória ou em lei que em tais hipóteses não é possível tutela antecipatória não tem qualquer fundamen­to, uma vez que, conforme dito, a medida provisória ou a lei não podem negar o direito de o jurisdicionado postular tutela antecipatória. Registre-se que o STF, embora em decisão proferida em 1996, teve a oportunidade de conceder tutela antecipatória visando ao reajuste de salário dos magistrados sul-rio-grandenses:

“Trata-se de pedido de antecipação parcial de tutela jurisdicional para que parte dos autores, magistrados sul-rio-grandenses em atividade, passem a rece­ber, a partir das atuais e das próximas férias a serem gozadas, um terço a mais do que o salário normal, calculado sobre o total das férias anuais a que fazem jus, sem a limitação prevista no art. 2.° da Lei estadual 8.870, de 18.07.89 (a gratificação não excederá, em cada ano, a um terço (1/3) da remuneração men­sal, vedada, no caso de acumulação de férias" a dupla percepção do benefício).

“2. O gozo de férias remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal é um direito constitucional de todos os trabalhadores

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 263

urbanos e rurais, entre eles incluídos os servidores públicos (arts. 39, § 2.°, e 7.°, XVII, da Constituição Federal); os magistrados têm direito a férias anuais, por sessenta dias (art. 66, caput, da LOMAN - Lei Complementar n. 35/79); destas premissas resulta evidente que a gratificação de férias de 1/3 do salário normal deve incidir sobre o período de férias legalmente definido, abrangendo, inclu­sive, os que fazem jus a sessenta dias de férias anuais, mesmo que desdobradas em dois períodos.

“Com efeito, se a gratificação de férias instituída pela Constituição esta­belece o mínimo de um terço a mais do que o salário normal durante o período de férias, sem limitar o tempo da sua duração, resulta evidente que ela deve ser paga sobre todo o período de férias.

“Estes fundamentos trazem à colação a verossimilhança da postulação contida na inicial.

“3. De outra parte, tendo em vista a natureza da referida gratificação e os fins a que se destina, entendo que o seu não pagamento na ocasião própria impõe danos de duvidosa reparação aos seus beneficiários.

“4. Isto posto, defiro o pedido em parte, para antecipar parcialmente os efeitos da tutela jurisdicional pretendida na inicial e determinar que o Estado réu pague aos autores, a partir das futuras férias a serem usufruídas, a gratifica­ção de férias prevista na Constituição, calculada sobre o total das férias a que fazem jus (art. 273 do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei 8.952/94, e art. 2 1 ,1, do R1STF)”.197

No caso de obrigação de fazer ou de não fazer e de entrega de coisa, a atuação da tutela antecipatória observará as regras dos arts. 461 e 461-A do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor, podendo, inclusive, ser imposta “multa”.

Cabe ressaltar que a multa pode ser utilizada para obrigar a Fazenda a implantar pagamento em folha, a não fazer, a fazer ou a entregar coisa. Nada im­pede que se conceda tutela antecipatória contra a Fazenda nas ações inibitória, de remoção do ilícito, ressarcitória na forma específica e do adirnpiemento na forma específica - próprias aos artigos 461 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor - ou nas várias ações relativas à entrega de coisa móvel ou imóvel, fundadas no art. 461-A.198

Quando, nessas ações, é suficiente um meio executivo que permite a pres­tação da tutela antecipatória sem precisar forçar a vontade do demandado, não é preciso recorrer à prisão e à multa. Assim, por exemplo, quando basta a expedi­

197 . STF, Ação O riginária 464-1/RS, rei. M in. M aurício C o rrê a ,] . 1 6 .1 0 .9 6 , DJU 2 3 .1 0 .9 6 (Revista de D ireito Processual Civil, v. 4, p. 2 5 7 -2 5 8 ) .

198. Ver Luiz Guilherm e M arinoni, T écn ica processu al e tutela dos direitos, p. 4 7 5 -6 0 3 .

264 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

ção de mandado de busca e apreensão ou de reintegração de posse. Mas, quando modalidade executiva dessa natureza não for suficiente, é possível ordenar ao agente público que cumpra a ordem sob pena de crime de responsabilidade ou sob pena de pagamento de multa.

É absurdo pensar que a multa não pode incidir em relação à autoridade pública, mas apenas em face da pessoa jurídica de direito público. O problema da efetividade do uso da multa em relação ao Poder Público repousa na sua própria natureza. Se a multa tem por objetivo compelir o réu a cumprir, é evi­dente que a sua efetividade depende da sua capacidade de intimidação e, assim, somente pode incidir sobre uma vontade. Ora, não deveria ser preciso lembrar que somente o agente público tem vontade.

Não há lógica na multa recair sobre o patrimônio da pessoa jurídica, se a vontade responsável pelo não cumprimento da decisão é exteriorizada por determinado agente público. Se a pessoa jurídica exterioriza a sua vontade por meio da autoridade pública, é evidente que a multa somente pode lograr o seu objetivo se for imposta diretamente ao agente capaz de dar atendimento à decisão jurisdicional.

Caso a multa incidir sobre a pessoa jurídica de direito público, apenas o seu patrimônio poderá responder pelo não cumprimento da decisão. Nessa perspectiva, a multa apenas vai acarretar despesas aos cofres públicos, acabando por ser paga pelos cidadãos.

Não há procedência no argumento que a autoridade pública não pode ser obrigada a pagar a multa porque parte no processo é a pessoa jurídica de direito público. É que essa multa somente poderá ser exigi da se a autoridade públi­ca, que exterioriza a vontade da pessoa jurídica, não der atendimento à decisão. Note-se que a multa somente pode ser exigida da própria autoridade que tinha capacidade para atender á decisão - e não a cumpriu. A tese que sustenta que a multa não pode recair sobre o agente somente poderia ser aceita se partisse da premissa - completamente absurda - de que a autoridade publica pode descumprir decisão jurisdicional em nome do interesse público.199

4.17 Análise das posições do Supremo Tribunal Federal sobre aproibição de concessão de liminar

No STF existem três correntes em relação à interpretação da garantia de tutela jurisdicional em caso de ameaça a direito.200

199 . Luiz Guilherm e M arinoni, T écn ica processu al e. tu te lad os direitos, p. 6 6 1 -6 6 2 .200 . STF, Pleno, A D In 223/DF - M C, rei. p/ Acórdão Min. Sepúlveda Pertence, DJU 2 9 .6 .9 0 ;

S 1 T Pleno, ADIn 975/DF - M C, rei. Min. Carlos Veiloso, D JU 2 0 .6 .9 7 ; STR Pleno, ADIn 295/DF - M C, rei. p/Acórdão M in. M arco A urélio; DJU 2 2 .8 .9 7 ; STF, P leno, ADC 4/

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 265

A primeira delas, afirmada especialmente pelos Ministros Celso de Mello e Carlos Velloso, sustenta que a lei que veda a concessão de liminares viola o art. 5.°, XXXV, podendo ser expressa através da seguinte passagem do voto do Min. Celso de Mello na ADI 223/DF - MC: “A proteção jurisdicionai imediata, dispensável a situações jurídicas expostas a lesão atual ou potencial, não pode ser inviabilizada por ato normativo de caráter infraconstitucional que, vedando o exercício liminar da tutela jurisdicionai cautelar pelo Estado, enseje a aniqui- lação do próprio direito material”.201

A segunda, radicalmente oposta, pode ser captada a partir dos votos do Min. Moreira Alves. Disse o Ministro, na ADI 223/DF - MC: “O proíbir-se, em certos casos, por interesse público, a antecipação provisória da satisfação do direito material lesado ou ameaçado não exclui, evidentemente, da apreciação do Poder judiciário a lesão ou ameaça a direito, pois ela se obtém normalmente na satisfação definitiva que é proporcionada pela ação principal, que, esta sim, não pode ser vedada para privar-se o lesado ou ameaçado de socorrer-se do Poder judiciário".202 Mais tarde, na ADI 1.576/DF - MC, o Ministro Moreira Alves consignou que, além de a lei poder vedar a concessão de liminares, “a tutela antecipada não é instituto constitucional. Ela foi criada pela lei. Assim como foi criada, a princípio, sem certos limites, não vejo por que não se possa limitá-la”.203

Por fim, a terceira posição, capitaneada pelo Min. Sepúlveda Pertence, enuncia que não é correto recusar constitucionalidade a toda e qualquer limita­ção legal à outorga de liminar, devendo a lei restritiva ser analisada segundo um critério de razoabilidade. Na já referida ADI 223/DF - MC, que teve por objeto a Medida Provisória que proibiu a concessão de liminar nas ações cautelares e nos mandados de segurança questionadores do Plano Econômico do Governo Collor, assim conclui o Min. Pertence: “A solução estará no manejo do sistema difuso, porque nele, em cada caso concreto, nenhuma medida provisória pode

DF - M C, rei. M in. Sydney Sanches, DJU 2 L .5 .99 ; STF, Pleno, ADIn 1. 5 7 6 /D F - M C, rei. Min. M arco Aurélio, D JU 6 .6 .2 0 0 3 .

201 . Voto do Min. Celso de M ello na ADIn 223/DF - MC CSTF, Pleno, rei. p/Acórdão Min. Sepúlveda Pertence, DJU 2 9 .6 .9 0 ) . Registre-se, no m e s m o sentido, o voL o d o Min. Carlos Velloso na ADIn 295 -M C : “Convém não esqu ecer que a C onstitu ição, a o cu id ar do prin c ip io da in a fastab ilidade do conhecim en to do Poder ju d ic iá r io de qu alqu er lesão ad ireito , estabelece , tam bém , que a a m ea ça a d ireito n ão p od e se r su btraída do conhecim ento cio Juditicírio (C F ari. 5 .", XXXV). Ora, d e regra, som ente a trav és d a m ed ida lim in ar é que s e r ia possível co ib ir a m ea ça a direito". CSTF; Pleno, re i. p/Acórdão Min. Marco Aurélio, D JU 2 2 .8 .9 7 ),

202 . Voto do Min. M oreira Alves na ADIn 223/DF - M C (STF, Pleno, rei. p/Acórdão Min. Se­púlveda Pertence, DJU 2 9 .6 .9 0 ).

203 . Voto do Min. Moreira Alves na ADIn 1 .576/D F - MC (STF, Pleno, rei. Min. Marco Aurélio, DJU 6 .6 .2 0 0 3 ).

266 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

subtrair ao juiz da causa um exame da constitucionalidade, inclusive sob o pris­ma da razoabilidade, das restrições impostas ao seu poder cautelar, para, se en­tender abusiva essa restrição, se a entender inconstitucional, conceder a liminar, deixando de dar aplicação, no caso concreto, à medida provisória, na medida em que, em relação àquele caso, a julgue inconstitucional, porque abusiva”.20'*

A posição do Min. Moreira Alves não merece guarida, uma vez que o di­reito fundamental de ação garante a efetiva tutela do direito material e, por con­seqüência, a técnica antecipatória, imprescindível para permitir a antecipação da tutela e, desta forma, dar efetividade à tutela inibitória - capaz de impedir a violação do direito - e, além disto, evitar a prática de dano. Na verdade, a po­sição do Min. Moreira Alves encampa nitidamente a superada ideia de direito de ação como direito a uma sentença sobre o mérito. A técnica antecipatória é imprescindível para dar proteção ao direito fundamental de ação. A sua supres­são ou indevida limitação, assim, é flagrantemente atentatória à norma do art. 5 o, XXXV.

Por outro lado, a posição do Min. Pertence não distingue direito à técnica antecipatória de direito à obtenção da antecipação da tutela. É claro que não há direito à antecipação da tutela, uma vez que esta depende da constatação da verossimilhança do direito e do perigo de dano diante do caso concreto, os quais são pressupostos para a concessão da tutela antecipada com base no art. 273, I, CPC. O Min. Pertence sustenta que a restrição à concessão de liminar pode se mostrar abusiva (e aí a lei ser considerada inconstitucional) em determinado caso concreto e não em outro. Porém, como a abusividade da restrição diria respeito às necessidades presentes 110 caso concreto, a eventual inconstitucio- nalidade da lei dependeria da aferição dos próprios pressupostos à concessão da liminar ou da antecipação da tutela. Acontece que, quando se penetra na verificação dos pressupostos da liminar, obviamente não se está perquirindo sobre a abusividade da restrição ao requerimento de liminar ou à aferição da sua concessão, mas sim se analisando se a liminar é necessária para tutelar o direito material. Nesta situação, caso o juiz se convença de que a liminar não é imprescindível, a conclusão não será de que a lei restritiva é constitucional, mas sim de que a liminar não deve ser concedida em razão das particularidades da situação concreta. Acontece que, para que o juiz possa chegar à conclusão de que a liminar não deve concedida, ele necessariamente terá que admitir a in- constitucionalidade da lei.

O ponto chave, para a solução da questão, está em perceber que a lei proíbe a própria aferição dos pressupostos da liminar, embora se fale, por como­didade de linguagem, que a lei proíbe a concessão de liminar. Uma lei que proíbe a aferição dos pressupostos necessários à concessão de liminar obviamente nega

204 . STF, Pleno, ADIn 223/DF - M E, rei. p/Acórdão M in. Sepúiveda Pertence, DJU 2 9 .6 .9 0 .

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 267

ao juiz a possibilidade de utilizar instrumentos imprescindíveis ao adequado exercício do seu poder. E, ao mesmo tempo, viola o direito fundamental à viabi­lidade da obtenção da efetiva tutela do direito material.205

De modo que, entre as várias posições adotadas no STF, está correta a lide­rada pelo Min. Celso de Mello, para quem “o acesso à jurisdição, proclamado na norma constitucional de garantia, significa a possibilidade de irrestrita invoca­ção da tutela jurisdicional cognitiva, da tutela jurisdicional executiva e da tutela jurisdicional cautelar do Estado”.206

4.18 A restituição das coisas no estado anterior e a indenização pelos danos

Aqueles que admitem que a tutela antecipada pode causar risco de pre­juízo irreversível ao réu estão conscientes de que nos casos em que ela produzir a irreversibilidade não é possível a restituição ao estado anterior.

A “execução” da tutela antecipatória (art. 273 do CPC), assim como a “exe­cução provisória” (art. 475-0 do CPC), constituem atos jurídicos lícitos que podem dar causa, quando indevidos, à restituição ao estado anterior e/ou à indenização.

É possível a restituição no estado anterior quando é viável a volta ao esta­do material que era anterior à tutela antecipatória. Quando é possível a restituição no estado anterior e ainda assim ocorreram danos, tem-se de pedir, além da restituição ao estado anterior, mais a indenização.

Nos casos de irreversibilidade, o réu tem direito à indenização. Tratan­do-se de antecipação de pagamento de soma em dinheiro que foi “executada” mediante a expropriação de bem, não é viável o desfazimento da arrematação. Alguém poderá argumentar que o réu não pode ser prejudicado pela alienação infundada, lembrando o art. 686, V, do Código de Processo Civil, que estabelece

205. Luiz Guilherme M arinoni, D erechofundam ental a la tutelajurisdiccionàl efectiva , p. 248-260 .206 . Voto do Min. Celso de M ello na ADIn 223/DF - MC (STF, P leno, rei. p/Acórdão M in. Se­

púlveda Pertence, D JU 2 9 .6 .9 0 ) , No m esm o sentido: votos dos M inistros Celso de Mello e Carlos Velloso na ADIn 295/DF - M C; votos dos M inistros Celso de Mello e Néri da Silveira na ADIn 1.576/DF - M C. Na ADC 4 / D F -M C não houve voto em igual sentido, uma vez que a norm a ob jeto de apreciação era idêntica à que havia sido analisada na ADIn 1.576/DF - MC, tendo os M inistros se lim itado a afirm ar a decisão antes tomada. Em sentido contrário: ADIn 223/DF - M C, ADIn 295/DF - M C, ADIn 1.576/DF - M C (par­cialm ente) e ADC 4/DF - M C. Ver, ainda, ADIn 975/DF - M C, de 9 .1 2 .9 3 , que entendeu inconstitucional a norm a proibitiva de concessão de lim inar contra ato da Adm inistração Pública sem a prévia audiência de seu representante; ADIn 1.576/DF' - M C, que decidiu ser inconstitucional o condicionam ento à caução da concessão da lim inar, ou de qualquer outra medida de natureza antecipatória, ainda que da concessão pudesse resultar dano à pessoa ju ríd ica de direito público.

268 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

que a arrematação será precedida de edital que conterá menção da existência de ônus, recurso ou causa pendente sobre os bens a serem arrematados.

Clito Fornaciari Júnior, tratando da possibilidade do desfazimento da ar­rematação no caso da alienação na pendência do recurso interposto contra a sentença de improcedência dos embargos, afirmou: “o Estado não podia alienar aquele bem se não houvesse dívida, e, no caso, ficou provado, com o provimen­to do recurso, que não há dívida; então, ele não poderia alienar, e, se o fez, voltam as coisas ao estado anterior”.207 Fornaciari, como se vê, parte da premissa de que o Estado não poderia alienar o bem.

Porém, na referida “execução definitiva”, assim como na “execução pro­visória” e na antecipação do pagamento de soma em dinheiro, não e vedada a expropriação do bem (v. art. 273, § 3.°, e art. 475-0, III, do CPC). O terceiro não arremata algo que não poderia ser alienado, e, portanto, não pode ser prejudicado pela declaração de inexistência do direito de crédito. A inexistência do direito de crédito, e, portanto, a pretendida ausência de fundamento, diz respeito somente às partes do processo em que é arrematado o bem. Sublinhe-se, ademais, que não se trata de terceiro que adquire do réu imóvel sobre o qual pende litígio, mas de ar­rematação (que prescinde da vontade do réu) de bem sobre o qual não pende litígio. É importante lembrar que, antes da reforma de 1994, o art. 686, V, falava de “re­curso pendente de julgamento”, ao passo que, agora, fala de “recurso ou causa pendente sobre, os bens a serem arrematados”. Ora, é pouco mais do que evidente que, no nosso caso, não há “causa pendente sobre o bem”, mas causa pendente sobre o direito de crédito. Se o legislador quisesse dar ao réu o direito de reaver o bem do arrematante, certamente não teria complementado a “causa pendente” com “sobre os bens a serem arrematados”, mas simplesmente preservado o “de julgamen­to”, o que seria, inclusive, mais simples.

De qualquer forma, faltaria base legal para o desfazimento da arrematação,208 já que as hipóteses do art. 694 do Código de Processo Civil são taxativas. Aliás, é importante registrar que Arruda Alvim, igualmente tratando da questão em face da alienação na pendência do recurso interposto contra a sentença de im­procedência dos embargos, assim concluiu: “se a lei diz que a descoberta do ônus leva ã resolubilidade, e não disse que se opera a mesma conseqüência com o provi­mento do recurso no art. 694, que é a secle própria da retratabilidade e dos íimites da irretratabilidade da arrematação, isto quer dizer, evidentemente, que excluiu esta conseqüência”.209

207 . “O destinatário da norm a do art. 6 86 , n. Y do Código de Processo Civil”, RePro 6/122 (grifam os).

208 . Há decisão no sentido de que só o arrem atante tem legitim idade para piei tear a anulação da arrem atação por infringência ao art. 6 8 6 , inciso V QTACívSP 139/44).

209 . “O destinatário da norm a do art. 686 , n. V, do Código de Processo Civil”, RePro 6/127-128.

A TUTELA ANTECIPATÓRIA CONTRA O PERIGO 269

No caso de antecipação de soma em dinheiro, declarando-se a inexistên­cia do direito, fica o autor obrigado a restituir ao réu a quantia antecipada, ainda que a antecipação tenha ocorrido na ação de indenização fundada em ato ilícito.

A suposição de que o autor da ação de indenização não terã condições fi­nanceiras para responder pelo prejuízo causado ao réu nada tem a ver com o seu dever de indenizar. O autor tem o dever de indenizar o réu porque o Estado con­cluiu que ele não possui o direito que foi suposto e que fundou a antecipação.210

210 . Diz Iara de Toledo Fernandes, tratando de form a generalizada dos alimentos provisio- nais, que “a magnitude da função jurisdicionai não pode ficar ofuscada, desprestigiada em noine do tabu d a irrepetíb ilídade, que, num rigor ju ríd ico , não encontra sustentação, faltanie, até m esm o, norm a definidora da não restitu ição de valores alimentares pagos indevidam ente. A im possibilidade fática da responsabilidade pelo preju ízo, porque, em regra, o solicitado r dos alim entos não possui condições financeiras, p or ser da essência da prestação a própria sobrevivência, não retira a construção ju ríd ica da perm issibilidade da responsabilização pelo alim entando dos preju ízos ocasionados com a execução da medida, no âm bito dos arts. 16 e 811 do Código de Processo Civil, dada sua natureza privado-patrim onial e a grandiosidade da função ju risd icionai. P ensam ento em con trário p o d erá en sejar a ções tem erárias, conquanto p o ssa em an ar excesso de p ro teçã o a p essoa tida na a ç ã o com o n ecessitad a ’’ (A lim entos prov ísion ais, p. 2 3 7 -g r ifa m o s).

5

Abuso de Direito de Defesa, Direito Evidente e Tempo do Recurso

S u m a r i o : 5 . I O tem po do processo visto com o ônus - 5 .2 Do inciso II ao § 6.° do art. 273 - 5 .3 A tutela antecipatória fundada em abuso de direito de defesa- art. 273 , II, CPC: 5 .3 .1 Prim eiras observações; 5 .3 .2 A antecipação no caso de apresentação de defesa de m érito indireta infundada; 5 .3 .3 A antecipação m ediante a técnica m onitoria; 5 .3 .4 A revogação da tutela antecipatória - 5 .4 A tutela antecipatória fundada em direito evidente - art. 273 , § 6 .°, CPC: 5.4.1 Gênese da questão; 5 .4 .2 A tutela antecipatória através das técnicas da não contestação e do reconhecim ento ju ríd ico (parcial) do pedido; 5 .4 .3 O sig­nificado de incontroverso; 5 .4 .4 A tutela antecipatória mediante o julgam ento antecipado de um (ou mais de um ) dos pedidos cum ulados; 5 .4 .5 A tutela antecipatória m ediante o julgam ento antecipado de parcela do pedido; 5 .4 .6 O problem a da coisa ju lgada e da possibilidade de revogação e de m odificação da tutela - 5 .5 A execução da tutela antecipatória - 5 .6 A questão do tempo do recurso: 5 .6 .1 O abuso do direito de recorrer; 5 .6 .2 A possibilidade de o relator dar provim ento a recurso.

5.1 O tempo do processo visto como ônus

A preocupação exagerada com o direito de defesa, fruto de uma visão ex­cessivamente comprometida com o liberalismo,1 não permitiu, por muito tem­po, a percepção de que o tempo do processo não pode ser um ônus somente do autor. Edoardo Ricci, escrevendo sobre o projeto Rognoni (de reforma do processo civil italiano), alertou para o fato de que as resistências dilatórias são tanto mais encorajantes quanto mais o processo - graças a sua duração - se presta a premiar a resistência como fonte de vantagens econômicas, fazendo parecer mais conveniente esperar a clecisão desfavorável do que adimplir com pontualidade.2 O abuso do direito de defesa é mais perverso quando o autor

1. A doutrina reconhece que a evolução da teoria do abuso do direito no processo sofreu um golpe com o advento do liberalism o. O prim eiro Código de Processo Civil da França, de 24 de abril de 1806, deixou de reproduzir as disposições sobre o abuso de direito que o precederam.

2. Edoardo Ricci, “11 progetto Rognoni di riform a urgente dei processo civile”, Rivista di Dir itto P rocessuale, 1987 , p. 631.

272 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

depende economicamente do bem da vida perseguido, hipótese em que a pro­telação acentua a desigualdade entre as partes, transformando o tão decantado princípio da igualdade em uma abstração irritante.3

Poucos se dão conta que, em regra, o autor pretende uma modificação da realidade empírica e o réu deseja a manutenção do status qu o4 Essa percepção, até banal, da verdadeira realidade do processo civil, é fundamental para a com­preensão da problemática do tempo do processo ou do conflito entre o direito à tempestividade da tutela jurisdicionai e o direito à cognição definitiva.

Em qualquer processo civil há uma situação concreta, uma luta por um bem da vida, que incide de modo radicalmente oposto sobre as posições das partes. A disputa pelo bem da vida perseguido em juízo, justamente porque demanda tempo, somente pode prejudicar o autor que tem razão e beneficiar o réu que não a tem.5

No processo civil, a demora na obtenção do bem significa a sua preservação no patrimônio do réu. Quanto maior for a demora do processo maior será o dano imposto ao autor e, por conseqüência, maior será o benefício conferido ao réu.

Por isso, o sistema processual civil, para atender ao direito fundamental à tutela jurisdicionai efetiva, deve ser capaz de racionalizar a distribuição do tem­po do processo e de inibir as defesas abusivas, que são consideradas, por alguns, até mesmo direito do réu que não tem razão. Ora, a defesa é direito nos limites em que é exercida de forma racional e justa ou nos limites em que não retarda, indevidamente, a realização do direito do autor.

É necessário deixar claro que a técnica antecipatória nada mais é que uma técnica de distribuição do ônus do tempo do processo.6 Todos pensam que estã

3. “ Un’esperíenza elemen tare insegna che la dura ta dei processo ne aggrava progressivamente il peso sulle spalle delia parte píü debole, cosi da indebolirla sem pre di piü” (E Carnelutti, D iritto e processo, p. 357). Sabe-se que aquele que busca o Pocler Judiciário é prejudicado na medida em que dura o processo, o que certam ente beneficia o réu que não tem razão nos casos etn que o bem reivindicado está em suas mãos. D e m odo qu e rejeitam os, p o r absolu ta im pertinência, a a leg a çã o de A raken de Assis no sentido d e que a fr a s e “a dem ora ben efic ia o réu que não tem ra z ã o ” sugere ju íz o positivo a fa v o r do au tor e negativo respeitante ao reu (D outrina e p rá tica do p rocesso civi l contemporâneo, p . 4 3 4 ) . Tal fr a s e , se bem entendida, não su g ereju ízo algum , m as ap en as ten ta deix ar c laro a lg o que, ta lvez d e form a inconsciente, n ão d eseje s e r visto p o r alguns. A f r a s e “a d em ora ben e fic ia o réu qu e n ão tem r a z ã o ” qu er d ize r que o réu, m esm o saben d o-se sem razão , é estim ulado a litigar e. a p rocrastin ar o processo , o que obv iam en te preju d ica o au tor A penas isto.

4. íta lo A ndoiina, “C o g n iz io n e” ed “esecu zio n c fo r z a ta ” nel s istem a d e lia tu te lag iu risd iz ío - nale, p. 15.

5. ldem , p. 17.

6. “Se, per il raggiungimento dello scopo dei processo di cognizione, questa struttura offre teoricam ente le maggiori garanzie di un esame scrupuloso e approfondito dei m ateriale

ABUSO DE DIREITO DE DEFESA, DIREITO EVIDENTE E TEMPO DO RECURSO 273

de acordo com a lógica o desaparecimento da medida cautelar quando o juiz, na sentença de mérito, afirma inexistir o direito acautelado. Mas ninguém percebe, por exemplo, que é contrária a essa mesma lógica a impossibilidade da execução da sentença enquanto pende o recurso. Ora, se o juiz afirma que existe o direito, não é lógico impor ao autor o ônus do tempo do processamento do recurso. Al­guém diria: se o tribunal reformar a sentença, grave prejuízo poderá ser imposto ao réu. Porém, a mesma preocupação deveria assaltar àquele que assim objeta quando percebe (se é que percebe) que o tribunal, reformando a sentença que implicou a revogação da medida cautelar, pode dar ao autor um resultado abso­lutamente inútil!

Um sistema que consagra, quase de forma absoluta, a necessidade da con­firmação da sentença para a realização dos direitos, deve considerar atentamen­te a problemática do abuso do direito de defesa.7 A crise da justiça civil está aos olhos de todos; é preciso que os tribunais aceitem a obviedade de que não pode haver efetividade sem riscos. O que importa saber é se vale a pena corrê-los ou se é melhor permanecer paralisado pelo medo, na imparcialidade da ordinarie- dade, onde imaginam os ingênuos que o juiz não causa prejuízo algum.8

É preciso abandonar o mito liberai que enxerga o processo como mera garantia de formas, indiferente à realidade social na qual opera. A realidade so­cial. brasileira exige que seja realçada a efetividade do processo, já que muitos não podem esperar para receber as pequenas quantias a que têm direito, a não ser com um custo muito alto, que em vários casos significa até mesmo fome e miséria. Aqueles que não abrem mão das garantias e ainda assim falam em efeti­vidade, devem parar para pensar a quem servem as garantias e, principalmente, de quem elas retiram alguma coisa. Imaginar que as garantias nada retiram de

iitigioso, queslo fine non si raggiunge sen za una spcsa e una perdUadi tem po notevolissim e, sulle qu ali spesso specu la uno dei Htiganti p e r p rotrarre Ia condanna o p er sottrarsi a l l ’ese- cu zion e a suo ca n co , im pedendo ai futuro processo esecutivo di raggiungere la m eta, la realizzazione delia pretesa, e frustrando cosi lo scopo ultim o dei processo la attuazione dei d iritto” (G iovanní C risiofclm í, P rocesso d ’ingiuneiane, p. 5).

7. É preciso atentar para o que disse Ovídio Baptista da Silva: “O réu que sofre a execução de uma medida íiminar, ou alguma outra form a de execução provisória, depois declaradas ilegítim as, terá direito de pedir indenização dos danos que essas norm as de realização antecipada, que se imaginava ser direito do autor, lhe tiverem causado. O autor, ao co n ­trário, que se veja obrigadoa suportara dem ora natural do procedim ento ordinário, com o instrum ento de uma determ inada “lide integral”, náo terá qualquer direito de reclam ar os prejuízos, às vezes gravíssim os, que esse retardam ento lhe causar” ( “A ‘plenitude de defesa’ no processo civ il”. As garan tias do c id ad ã o na ju stiça .

8. É bom lembrar que já o P rojeto C arnelutti, em seu art. 3 2 4 , tornava possível a antecipação do pagamento de som a em dinheiro em todos os casos em que uma parte se encontrasse “in condizioni di grave inferiorità di fronte a lla ltra ”.

274 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

alguém é desprezar o “lado oculto" do processo, o lado que não pode ser visto pelo processualista que olha apenas para o plano normativo.9

5.2 Do inciso II ao § 6.° do art. 273

A percepção de que o tempo do processo é um ônus obriga o legislador e o juiz a pensarem em técnicas processuais destinadas a distribuí-lo entre o autor e o réu. A semente dessa intenção do legislador foi posta no inciso II do art. 273, quando deixou claro que a tutela antecipatória poderia ser concedida em caso de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.

Porém, cabe à doutrina e aos operadores do direito semearem-na, lem­brando que o juiz deve estar atento ao direito fundamental à tutela jurisdicio­nal efetiva e, portanto, tem o dever de prestar a tutela jurisdicional adequada às partes.

Nessa linha, quando ainda não havia o novo § 6.° no art. 273, concluímos, em livro publicado em 1996,10 que a tutela antecipatória poderia ser concedida com base no art. 273, II - ou seja, em abuso de direito de defesa no caso em que pendesse de esclarecimento probatório uma defesa de mérito infundada ou em que parcela do pedido ou um dos pedidos cumulados se mostrasse incontro­verso no curso do processo.

Contudo, em agosto de 2002 entrou em vigor o § 6.° do art. 273, que afirma que a tutela antecipada “deverá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”. De modo que agora existem duas normas para embasar a distribuição do tempo do processo. A primeira - inciso II do art. 273 - falando em abuso de direito de defesa e a segunda - § 6.° do art. 273 - aludindo a incontrovérsia da demanda.

Ambas as técnicas de distribuição do tempo, que em princípio têm rela­ção com a evidência do direito e com o abuso da defesa - e exatamente por isto inicialmente puderam ser ancoradas apenas no inciso II - ganharam posições normativas destacadas. Não obstante, essas normas, ainda que tenham a mesma origem e a mesma intenção, devem ser analisadas em separado, especialmente porque - como será visto a seguir - proporcionam conseqüências teóricas e práticas diversas.11

9. V. Sergio Chiarloni, íntroduríone a lio studio dei d iritto p rocessu ale civile, p. 81.10. Luiz G uilherm e M arinoni, 'íu telaan tecípatória , ju lg am en to an tec ip ad o e ex ecu ção im ed iata

da sentença.11. Para aprofundar, ver Luiz G uilherm e M arinoni, A buso d e d efesa e p a r le incontroversa da

dem anda.

ABUSO DE DIREITO DE DEFESA, DIREITO EVIDENTE E TEM PO DO RECURSO 275

5.3 A tutela antecipatória fundada em abuso de direito de defesa -art. 273, II, CPC

5.3.1 Primeiras observações

A antecipação em caso de “abuso de direito de defesa” tem certo paren­tesco com o référé provision do direito francês. Mediante a provision é possível a antecipação quando Vobligation ne soit pas série usement contestable (a obrigação não seja seriamente contestável, arts. 771 e 809 do Código de Processo Civil francês).12 A urgência não é requisito para a concessão da provision e Roger Perrot, o ilustre Professor da Universidade de Paris, alerta que o juiz não pode exigir uma incontestabilidade absoluta, sob pena de restringir abusivamente o domínio do référé provision.13

A tutela antecipatória baseada em abuso de direito de defesa, ao inverter o ônus do tempo do processo, certamente favorecerá a conciliação, efeito benéfico que foi percebido por Roger Perrot. ao estudar o sistema da provision na França.'1

Para a antecipação, não bajita que o comportamento do réu configure hi­pótese descrita no inciso IV ou no inciso VI do art. 17 do Código de Processo Civil. Não é a indevida retenção dos autos, por exemplo, que autoriza a anteci­pação. A indevida retenção dos autos, se configura ilícito processual, pode abrir oportunidade para a penalização daquele que procede mal, mas jamais para a antecipação, que somente pode ter relação com a evidência do direito do autor e com. a fragilidade da resistência do réu.

Não é possível confundir abuso de direito de defesa com litigância de má- fé. Para efeito de tutela antecipatória, é possível extrair do art. 17 do Código de

12. Cf. Roger Perrot, “Les m esures provisoires en droit français”, Les m esures provisoires en p rocédu re civile, p. 164.

13. “Quelies sont les conditions exigées? Contrairem entà cequ e Von purrait croire. Ia condi­tion d’urgence n ’est pas requise. La seule et unique condition exigée est que ‘Vobligation ne so it p a s sérieu sem en t con testab le ’ (articles 771 et 8 0 9 nouv. C. Pr. Civ.). Cette condition fondam entale, que le ju g e d oit constater, esL extrêtnem em dífficile à definir de façon abstraite. n est certain que le ju g e ne peut exiger une incontestabilité absolute.sous peine derestreindre abusivem ent le dom aine d utéféré-p rovision” (Roger Perrot, “Les m esures provisoires en droit français”, L es m esures prov isoires en procédure civ ile, p. 164).

14. Roger Perrot afirma que na França os resultados do sistem a da provision são benéficos, pois foram desencorajados os m aus litigantes que se esforçavam em fazer o processo durar m u ito tem po, esperando arran car con cessõ es de seus adversários: “G rãce au ‘référé-provision’, ces m éthodes détestables n o n tp a s totalem ent d ispara, m aisdu m oins ont elles élé sérieusem ent découragées. À cet égard, le référé provision’ a constitué un im m ense progres et il n e s t pas excessif d y voir 1’une des meilleures reform es ju diciaires des dernieres années” ( “Les m esures provisoires en droit français”, L es m esures provisoires en p rocédu re civile, p. 1 6 8 -1 6 9 ).

276 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Processo Civil alguns elementos que podem colaborar para a caracterização do abuso de direito de defesa. Isso não significa, porém, que as hipóteses do art. 17 possam servir de guia para a compreensão da tutela antecipatória fundada em abuso de direito de defesa.

5.3.2 A antecipação no caso de apresentação de defesa de mérito indireta infundada

Lembre-se, inicialmente, que a defesa de mérito (ou substancial) se con­trapõe à defesa processual (v.g, ausência de pressupostos processuais), dividin­do-se em defesa de mérito direta e indireta. Direta quando nega o fato constitu­tivo e indireta quando afirma um fato impeditivo, extintivo ou modificativo.

Mas, se o ônus da prova é repartido entre o autor e o réu na medida do que alegam (deve o autor provar o fato constitutivo e o réu o fato impeditivo, modificativo ou extintivo - art. 333, CPC), cabe perguntar por que o tempo do processo também não é repartido de acordo com essa regra. Melhor expli­cando: se o réu tem o ônm de provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo, porque incumbe ao autor suportar o tempo necessário à produção da prova tendente â demonstração de um fato que não o beneficia? Essa questão ainda não mereceu a devida atenção da doutrina brasileira, embora seja muito importante para a realização do princípio da efetividade,1,5 como também do princípio - de origem chiovendiana - de que o processo não pode prejudicar o autor que tem razão.

Scarselli, ao analisar tal questão à luz do art. 2.697 do Código Civil ita­liano (similar ao nosso art. 333), afirma que na medida em que esse artigo16 é visto como uma norma ditada pelo bom senso para uma justiça distribuüva do ônus da prova, também deve ser lido extensivamente como a disposição que re­parte entre o autor e o réu os ônus da atividade instrutória processual, que não dizem respeito somente ao aspecto estático da prova, mas também àquele dinâ­

15. Sobre o princíp io da efetividade, ver, na doutrina italiana, Luigi Paolo C om oglio , L a g a ra n z ia costitu z ion a le d e l l ’a z ion e e il p rocesso c iv ile ; Luigi Paolo Com oglio, Cornm en- tario d e lia C astituzione (a cu ra di G. B ran ca), p. 1 e ss.; Andrea Proto Pisani, "Breví note in tema di tutela specifica e tutela risarcitoria”, Foro Italiano, 1983 , p. .128 e ss.; Andrea Proto Pisani, “Lelfettíviià dei m ezzi di tutela giu iisdizionale con particolare riferim ento alPattuazione delia sentenza di condanna’’, Rivista di D iritto P rocessuale, 1975, p. 6 33 ; Adolfo di M ajo, L a tutela civ ile dei d iritti, p. 1 e ss.; M ichele Taruffo, “Note sul diritto alia condannae alFese-cuzione”, R ivista C ritica dei D iritto Prívato, 1986, p. 6 3 5 -6 3 7 ; Ferruccio Tomm aseo, Appunti di d iritto p rocessu al e civ ile, p. 169 e ss.; ítalo Andolina e Giuseppe Vignera, íí m odello costu u zion aie dei p rocesso civ ile ita lian o , p. 61 e ss.

16. Assim dispõe o art. 2 .6 9 7 do Código Civil italiano- “Art. 2 .697 . Onere cleila prova. - Chi. vuol far valere un diritto ingiudizio deve provare i fatti che ne costituiscono it fondam ento. “Chi eccepisce 1’inefficacia di tali fatti ovvero eccepisce che il diritto si e m odifica to o estinto deve provare i fatti su cui 1’eccezione si fonda”.

ABUSO DE DIREITO DE DEFESA, DIREITO EVIDENTE E TEMPO DO RECURSO 277

mico do tempo necessário à sua produção; assim, como é injusto que ao autor ve­nha imposto o ônus da prova de todos os fatos controversos para obter o acolhimento da demanda, também é incorreto que, a esse venha sempre atribuído o tempo da duração do processo, sem a possibilidade de uma repartição imediata e adequada.'7

Uma vez incontroverso o fato constitutivo, não há motivo para o autor ser obrigado a sofrer com o tempo necessário para o réu provar o que alega, es­pecialmente porque esse pode pretender utilizar a prova apenas para protelar a realização do direito.18

A apresentação de uma defesa de mérito indireta eqüivale, na grande maioria dos casos, e por um princípio de incompatibilidade lógica, à não con­testação dos fatos constitutivos.19 Quando o autor afirma que possui um crédi­to em virtude da venda de determinada mercadoria, o réu, ao alegar que essa mercadoria apresenta vícios, não contesta os fatos constitutivos. Ao dizer que a mercadoria tem vícios, o réu automaticamente admite que realizou um contrato de compra e venda e recebeu a mercadoria, que são os fatos constitutivos do di­reito. Da mesma forma, quando o trabalhador autônomo pede o pagamento pela atividade que desenvolveu e é alega da a má execução da obra, há uma situação análoga a dos vícios da coisa vendida, pois por lógica essa defesa pressupõe a admissão do contrato e da sua execução, isto é, a existência dos fatos constitu­tivos.20 A parte que alega um fato extintivo, modificativo ou impeditivo assume um comportamento processual que eqüivale, normalmente, à não contestação dos fatos constitutivos, exatamente porque, em regra, a própria defesa indireta pressupõe a existência do fato constitutivo.21

Na hipótese em que, diante da defesa de mérito indireta, o fato consti­tutivo resta incontroverso, surge o germe jusdficador da antecipação da tutela. Mas, essa técnica antecipatória, apesar de se basear na incontrovérsia do fato constitutivo, obviamente requer que a defesa de mérito indireta exija prova e, por conseqüência, tempo para a sua produção. É exatamente esse tempo, necessário

i. 7. G iuliano Scarselli, L a condann a con riscrva, p. 5 6 0 -5 6 1 .18. V Andrea Proto Pisani, “Appunti suila tutela som m aria (n o ted e iure con d ito e d e iu recon -

d en d o )”, I processi sp ec ia li - Studi o jfen i a Vlrgiíío A ndrioli dai suoí a lliev i, p. 311 e ss.19. Cf. Giuliano Scarselli, La condann a con riserva, p. 432 .20. Idem, p. 4 3 2 -4 3 3 .21. T eccez io n e di m érito, infatts, avendo ad oggetto un fatto estintivo, im peditivo o m odi­

ficativo, pressupone norm alm ente 1’esistenza dei fatto costitutivo, che e il suo naturale pressuposto logico im prescindibile, proprio perché, in tanto un fatto puo m odificarsi o estinguersi, in quanto sia torto, e in tanto ha un senso postulare uno o piü fatti im peditivi in quanto si faceia riferim ento aH’esistenza di un fatto costitutivo al quale il fatto im pedi­tivo si ricollega. Ed e in quesü term ini che sollecitiam o, di nuovo, a tener presente che, di regola, Ia proposizione di u n eccez io n e di m erito pressupone la non contestazione dei. fatti costitutivi” (G iuliano Scarselli, La con dan n a con riserva, p. 437).

278 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

para o réu produzir prova, que não deve pesar sobre o autor. Ou seja, a tutela an­tecipatória apenas tem sentido quando a defesa indireta não admite julgamento antecipado. Isso porque a antecipação é justificada pelo tempo que o réu vai utilizar para permitir um juízo de cognição exauriente.

Em princípio se poderia dizer que a não contestação dos fatos constituti­vos seria suficiente para a tutela antecipatória. Se o tempo do processo deve ser repartido entre as partes, a não contestação dos [atos constitutivos - significan­do que o autor se desincumbiu do ônus da prova - seria suficiente para que a partir daí o réu passasse a arcar com o tempo necessário à demonstração da sua alegação. Nesse sentido, o seu fundamento seria o da repartição do tempo do processo de acordo com a necessidade da instrução da causa.

Para a tutela antecipatória, entretanto, não basta que os fatos constitu­tivos não tenham sido contestados e uma defesa de mérito indireta que peça a produção de prova. Exige-se, ainda, que a defesa seja reconhecida como infun­dada. Vale dizer: a probabilidade do insucesso da defesa indireta é elemento que não pode ser desconsiderado para a tutela antecipatória.

Quando se põe, como requisito para a tutela antecipatória, a exigência de que a defesa indireta seja infundada, evidencia-se que o objetivo dessa técnica antecipatória não é simplesmente repartir o tempo do processo, mas sim distri­buir esse tempo na medida em que o réu pode abusar do seu direito de defesa, apresentando uma defesa de mérito indireta infundada para protelar o momento da realização do direito do autor.

Diante dessa técnica antecipatória, transfere-se a cognição exauriente da defesa indireta para momento posterior ao da concessão da tutela. O juiz, para conceder a tutela antecipatória, deve ter juízo de cognição exauriente - ou de ver­dade - em relação aos fatos constitutivos e juízo de cognição sumária - ou de ve­rossimilhança - no que respeita aos fatos cuja prova recai sobre o réu. Porém, esse juízo de verossimilhança caminha no sentido inverso daquele que supõe a verossimi­lhança do que é afirmado pelo autor; pois deve admitir que a alegação que ainda deve ser objeto de prova - mas que agora é do réu - carece de fundamento ou é inverossímil.

Frise-se que, no direito italiano, parte da doutrina22 sustenta a possibili­dade da repartição do ônus do tempo do processo mediante a transferência da cognição da defesa indireta infundada (falando em condenação com reserva das exceções do demandado), exatamente com base no fato de que o réu, nesses casos, estaria abusando do seu direito de defesa. É nesse sentido a lição de Proto Pisani: “A técnica que pode satisfazer a exigência de evitar o abuso do direito de defesa é a da condenação com reserva das exceções. Com base nesta, o juiz,

22. G iuliano Scarselli, L a condann a con ríserva; Andrea Proto Pisani, Lezion i di d ir ittop roces- suale, p. 6 2 6 e ss.

ABUSO DE DIREITO DE DEFESA, DIREITO EVIDENTE E TEMPO DO RECURSO 279

reconhecidos apenas os fatos constitutivos do direito, emite um provimento ju ­risdicional sobre o mérito, deixando a uma fase processual sucessiva a cognição das exceções do demandado”.23

5.3.3 A antecipação mediante a técnica monitoria

Além disto, o art. 27.3, II, ao admitir a tutela antecipatória fundada em abuso de direito de defesa, abre oportunidade para a tutela antecipatória, funda­da na técnica monitoria, no procedimento comum.

Se é possível a tutela antecipatória no procedimento monitório (v. item 4.5), nada impede que a tutela antecipatória, fundada na técnica monitoria (prova do fato constitutivo e defesa provavelmente infundada), seja admitida no curso cio procedimento comum, uma vez que nada obsta que o autor, munido de prova documental do seu direito, pretenda cobrar o seu crédito através desse procedimento e seja surpreendido por uma defesa de mérito indireta infundada.

Lembre-se de que o direito italiano - que serviu de base para a introdução do procedimento monitório no direito brasileiro - , ainda que consagre há muito o procedimento monitório, adotou o instituto da tutela antecipatória fundado na técnica monitoria no procedimento comum, conforme o art. f86~ter do Có­digo de Processo Civil.-4

Deixe-se claro, desde logo, que a tutela antecipatória mediante a técni­ca monitoria somente é possível, no procedimento comum, após a ouvida cio réu. Requer-se, nesse caso, prova do fato constitutivo, isto é, prova que, den­tro das regras probatórias que incidem no procedimento comum, seja capaz de demonstrar o fato que constitui o direito do credor. Isso quer dizer que para a tutela antecipatória não é suficiente a prova escrita, sendo necessária prova do­cumentai. que demonstre o fato constitutivo.

Porém, a própria doutrina italiana entende que o documento particular não reconhecido constitui prova escrita, mas nâo costuma explicar as razões dessa conclusão. Torna-se. imprescindível, por essa razão, a distinção entre pro­va escrita e prova documental.

De acordo com o art. 372 do Código de Processo Civil brasileiro, compe­te à parte contra quem foi produzido o documento particular alegar, no prazo

23. Andrea Proto Pisani, Lezion i di d iritto p rocessu ale civile, p. 627 . V , ainda, do m esmo autor, “Verso la riform a dei Codiee di Procedura Civile? Prospettive in tem a di processi a cogni­zione piena e som m aria in un recente disegno di legge delega”, Appunti su llag iu stiziaciv íle , p. 4 3 6 e ss.; “La tutela di condanna”, Appunti su lla g iu stiz ia civile, p. 1 9 0 e ss.; “Appunti sulla tutela som m aria”, I p rocessi sp ec ia li, p. 3 2 0 e ss.; “Sulla tutela giurisdízionale diffe- renziata”, Rivista di Diritto P rocessuale, 19 7 9 , p. 2 0 7 e ss.

24 . Y Edoardo R icci, “A tutela antecipatória na I tália”, Revista de D ireito Processual Civil, v. 4.

280 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

estabelecido no art. 390 (na contestação ou no prazo de dez dias contados da intimação da juntada do documento nos autos), se lhe admite ou não a autenti­cidade da assinatura e a veracidade do contexto. O silêncio, nessa hipótese, im­porta em presunção de que a parte interessada tem o documento por verdadeiro.

Como se vê, o documento particular admite a possibilidade de a parte poder a ele se opor, mas esse documento - ainda que não reconhecido pela parte contra a qual foi produzido - pode ser considerado prova suficiente para a expedição do mandado de pagamento ou de entrega de coisa, de acordo com o art. 1.102-B do CPC brasileiro. Pode ser considerado prova escrita porque, em­bora não reconhecido, é merecedor de fé. Ora, se conforme o enunciado íã quod plemmque accidit as assinaturas são genuínas, o juiz também deve considerar autêntica, de acordo com a experiência comum, a assinatura do documento não reconhecido, em relação ao qual, dada a falta do contraditório, não pôde operar a regra do reconhecimento tácito.25

No caso de apresentação de embargos ao mandado, contestando o embar- gante a autenticidade da assinatura, o processo deverá caminhar de acordo com a regra probatória do art. 389, II, do Código de Processo Civil, recaindo sobre o embargado o ônus da prova. Nessa hipótese, como é óbvio, o documento par­ticular não reconhecido pelo embargante não é prova suficiente para a impro- cedência dos embargos, como confirma a lição de Garbagnati: “a parte credora tem o ônus de pedir a ‘verificação’ judicial do escrito privado, colocado como fundamento do decreto injuntivo e desconhecido pelo réu; com efeito, se o pre­tenso credor não prova o fato constitutivo do seu direito, a oposição deve ser acolhida porque em um processo de conhecimento comum o juiz não tem o poder de fundar a sua decisão em um escrito privado desconhecido, cuja auten­ticidade não tenha sido, em seguida ao ato de desconhecimento, formalmente ‘verifica da’ de acordo com a lei”.26

O documento particular é prova escrita, mas, quando impugnado, não é suficiente para a concessão da tutela antecipatória. Essa cabe apenas quan­do o réu, sem impugnar o documento, apresenta defesa de mérito infundada. Perceba-se que a hipótese do documento particular não reconhecido demonstra a diferença entre prova escrita e prova suficiente para a antecipação da tutela.

É interessante lembrar, ainda, que, segundo o art. 2.710 do Código Ci­vil italiano;2' os livros obrigatórios e outras escrituras contábeis, regularmente mantidos, somente podem constituir prova a favor de um empresário contra

25. Edoardo Garbagnati, Il proced im en to d ’ingiunzione, p. 44 .26. Idem, p. 203.

27. Art. 2710 . E ffícac ia p roba tar ia tra im prenditore - “1 libri bollati e vidimati neile forme di legge, quando sono regolarm eme tenuti, possono fare prova tra im prenditori peri rapporti inerem i alfesercízío dell’im presa’\

ABUSO DE DIREITO DE DEFESA, DIREITO EVIDENTE E TEMPO DO RECURSO 281

outro e nas relações inerentes ao exercício da empresa. Entretanto, apesar dessa norma, o art. 634 do Código de Processo Civil italiano considera prova escrita os extratos autênticos das escrituras contábeis, ainda que a “ação injuncional” seja proposta por um empresário - que exerce a atividade comercial - contra uma pessoa que não seja comerciante,m

A doutrina que admite que os extratos autênticos das escrituras contábeis constituem prova escrita em uma demanda proposta por um comerciante contra uma pessoa que não exerce atividade comercial, seguramente não pode admitir que essa prova é suficiente para a antecipação da tutela no procedimento co­mum (ou mesmo no procedimento monitório). Se o embargante, não comer­ciante, afirma que não adquiriu a mercadoria, cujo preço está sendo dele exigido com base em um extrato autêntico de escritura contábil, descabe a antecipação da tutela por ausência de prova do fato constitutivo, seja no direito italiano, seja no direito brasileiro, onde o art. 379 do Código de Processo Civil expressamente dispõe que “os livros comerciais, que preencham os requisitos exigidos por lei, provam também a favor do seu autor no litígio entre comerciantes

O extrato contábil não é suficiente para provar a compra e venda no pro­cedimento comum ou nos embargos porque os livros comerciais, tanto no direito brasileiro como no italiano, somente fazem prova em litígio entre os comerciantes. Na verdade, o extrato contábil, justamente porque não prova o fato constitutivo do direito de crédito, não é prova suficiente para a antecipação da execução (no proce­dimento comum ou no procedimento monitório).29 O extrato contábil é prova escrita, mas não é prova capaz de admitir a antecipação da tutela.

Por outro lado, para a tutela antecipatória é necessário, ainda, que a de­fesa não seja fundada em prova documental - vale dizer, em prova capaz de demonstrar, de plano, o fundamento da defesa - ou em fatos incontroversos. Assim como ocorre em relação à técnica demonstrada no item anterior, é pre­ciso que a defesa de mérito indireta exija prova e, dessa forma, a distensão do tempo processual.

A presente técnica aproxima-se, em parte, da técnica da apresentação da defesa de mérito indireta. A diferença é que a técnica da apresentação da defesa de mérito indireta supõe a não contestação do fa to constitutivo, ao passo que a técnica monitoria pede prova documental ou prova escrita não impugnada. A tutela anteci­patória, mediante a técnica monitoria, exige prova do fato constitutivo - documen­tal ou escrita não impugnada enquanto a técnica fundada na apresentação da defesa de mérito indireta supõe a não-contestação do fato constitutivo.

28. V. Edoardo Garbagnati, II p roced im en to d ’íngtunzíone, p. 5 8 -5 9 .

29. ldem, p. 2 0 0 -2 0 i.

282 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

5.3 .4 A revogação da tutela antecipatória

A tutela antecipatória pode ser revogada ou modificada. Trata-se, nesse caso, de conclusão natural, pois se a convicção do juiz acerca dos fatos constitu­tivos é de verdade, a convicção a respeito da defesa de mérito indireta é apenas de verossimilhança.

A tutela antecipatória é concedida a partir da convicção de verdade sobre os fatos constitutivos, restando para uma fase posterior do processo a cognição acerca da defesa de mérito indireta. Sobra ao juiz, após a concessão e a efetiva­ção da tutela, formar a devida convicção em relação à defesa de mérito indireta.

Como a tutela do direito e os efeitos da decisão jurisdicional nada têm a ver com a coisa julgada material, a decisão que concede a tutela antecipatória produz efeitos imediatos, devendo apenas ser complementada pela sentença que não acolhe a defesa de mérito indireta. Nesse sentido, a sentença agrega à deci­são antecipatória a declaração de improcedência da defesa de mérito indireta.

Na outra hipótese, ou seja, quando a defesa de mérito é acolhida, a tute­la antecipatória é revogada. Portanto, a tutela antecipatória, embora concedida com eficácia imediata, somente se estabiliza com o não acolhimento da defesa de mérito indireta.

5.4 A tutela antecipatória fundada em direito evidente - art. 273, § 6.°, CPC

5.4.1 G ênese da questão

A Emenda Constitucional n. 45/2004 instituiu, no art. 5.°, LXXVIII, da CF, o direito fundamental à razoável duração do processo, embora a doutrina já afirmasse que tal direito estava implícito no art. 5.°, XXXV, e que o direito à tutela jurisdicional em “prazo razoável” era corolário do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Aliás, a expressão “prazo razoável” é utilizada na Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fun­damentais e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Convenção europeia garante, em seu art. 6.°, § 1.°, que toda pessoa tem o direito a uma audiência equitativa e pública, dentro de um prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, enquanto que a Convenção americana estabelece que “toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável...''.

Ainda que possa parecer o contrário, não é difícil determinar o significado de “prazo razoável”. A tutela jurisdicional é prestada em prazo razoável quando a técnica processual e a administração da justiça permitem ao juiz concedê-la logo após os fatos que lhe dizem respeito terem sido esclarecidos, ou melhor, assim que a demanda estiver pronta ou madura para julgamento.

ABUSO DE DIREITO DE DEFESA, DIREITO EVIDENTE E TEMPO DO RECURSO 283

Acontece que, seguindo-se o princípio de que o julgamento do mérito deve ser feito em uma única oportunidade e, portanto, sem qualquer forma de cisão, é inevitável concluir que parcela do pedido poderá se tornar madura para julgamento no curso do processo que ainda deverá prosseguir para a elucidação do restante da demanda.

Esse problema se torna ainda mais marcante quando se pensa na cumula- ção dos pedidos e, especialmente, na circunstância de que essa cumulação é es­timulada pelo princípio da economia processual. Ora, a impossibilidade de cisão do julgamento do mérito, isto é, do julgamento antecipado de apenas um dos pedidos cumulados, toma risível qualquer economia que se pretenda por meio da cumulação.

Tudo isso demonstra que um pedido - ou sua parcela - pode se tornar maduro para julgamento antes do outro - ou da outra parcela - e, assim, que o processo que não possui uma técnica capaz de viabilizar tutela imediata ao direi­to que se tornou incontroverso no seu curso não atende ao direito fundamental à razoável duração do processo.

Eis a razão pela qual concluímos, em 1996,30 que a tutela antecipatória, nessas situações, poderia ser prestada com base no art. 273, 11, e destacamos a importância de o Código de Processo Civil ressaltar a possibilidade de um jul­gamento antecipado parcial do mérito ou de uma tutela antecipatória de parcela da demanda - como aconteceu com a introdução do § 6.°.

5.4.2 A tutela antecipatória através das técnicas da não contestação e do reconhecimento jurídico (parcial) do pedido

O novo § 6.° do art. 273 admite a antecipação da tutela quando “um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”.

Caso o réu não conteste ou reconheça implicitamente um dos pedidos ou parcela deles, não há racionalidade em obrigar o autor a esperar a instrução dilatória para obter a tutela do direito que se tomou incontroverso. Nesse caso, como é óbvio, não há dúvida sobre a aplicação do § 6.°.

Suponha-se que o autor peça a cobrança de R$ 100.000,00, e o réu con­teste somente o seu valor, dizendo dever R$ 50.000,00, ou apenas a forma de cobrança das taxas de correção monetária e juros. No primeiro caso o réu reconhece a procedência de R$ 50.000,00 e no segundo a procedência de R$ 100.000,00, negando os seus acréscimos. Diante disso, torna-se oportuna a tu­tela antecipatória dos R$ 50.000,00 e dos R$ 100.000,00, respectivamente.

30. Luiz G uilherm e M arinoni, Tutela an tecip a tór ia , ju lg am en to antecipado e execu ção im ed ia ta d a sentença.

284 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Como é óbvio, essa tutela antecipatória não é exclusiva dos pedidos em que se pede soma em dinheiro, aplicando-se também aos casos em que se pede fazer, não fazer, coisas fungíveis e coisas infungíveis.:íi

A tutela antecipatória, em tais casos, é reflexo da ideia de que é injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito incontroverso. Nessa linha, o § 6.° do art. 273 nada mais é que uma resposta do legislador ao seu dever de dotar o processo de técnicas capazes de atender ao direito fundamental à dura­ção razoável.

Ainda que concedida no curso do processo, tal tutela antecipatória não é fundada em convicção de verossimilhança. Ao requerer não contestação ou reco­nhecimento jurídico, a tutela antecipatória se baseia ern convicção de verdade.

O art. 302 do Código de Processo Civil afirma que os fatos não impugna­dos de forma precisa devem ser presumidos verdadeiros, dizendo, com isto, que o réu tem o dever de contestar os fatos de maneira especificada. O não cumpri­mento desse dever dá origem à não contestação.

É certo que não se admite que a revelia possa tornar os fatos incontro­versos. Isso, porém, não abala a tese de que a ausência de contestação na for­ma especificada faz com que o fato não contestado seja presumido verdadeiro. Perceba-se que, no caso de revelia, considera-se apenas o não cowiparecimento do réu e, como não se sabe a sua causa, esse deixa de ser penalizado com a presun­ção de veracidade. EnLende-se, em outros termos, que não é razoável atribuir à revelia a admissão dos fatos afirmados.

Porém, quando se analisa a contestação, não há mais razão para pensar nas eventuais razões que impuseram o não comparecimenlo - ou na sua (in) voluntariedade. O não comparecimento constitui uma posição negativa e a não contestação uma posição ativa. Essa última é conseqüência de uma posição inega­velmente ativa, isto é, da própria contestação, ainda que parcial.

Caso não fosse admitida a veracidade dos fatos não contestados, o réu estaria autorizado a calar sobre fato que sabe ser verdadeiro. Diante disso, como não existiria sanção alguma para o silêncio, nada restaria dos deveres de. veracida­de e de colaboração das partes.

Contudo, para que um fato possa ser considerado objeto de não contesta­ção, não pode estar em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto (art. 302, III). Isso quer dizer que não basta que um fato não tenha sido contes­tado de forma específica, sendo preciso verificar se esse não foi negado diante

31. O direito italiano admite a tutela antecipatória, em caso de não contestação, apenas quando se pede soma em dinheiro (art. 186-bis do CPC italiano). Parte da doutrina italiana, porém, critica essa solução, com o se vê da lição de Edoardo Ricci, “1 provvedimenti interinali e cauteiari”, La riform a dei p rocesso civile, p. 52.

ABUSO DE DIREITO DE DEFESA, DIREITO EVIDENTE F. TEM PO DO RECURSO 285

da análise do conjunto da defesa. Por isso, para que um fato não contestado possa ser presumido verdadeiro, é necessário analisar a defesa em seu todo, compreendendo-se o conjunto das alegações do réu.

Por outro iado, como a não contestação diz respeito somente ao fato, mas não tem relação com a sua qualificação jurídica, é óbvio que não’ conduz automaticamente à tutela antecipatória, devendo o juiz analisar se os fatos não contestados levam aos efeitos jurídicos pretendidos. Note-se, porém, que na hi­pótese de reconhecimento parcial, não hã simplesmente dispensa de prova, mas sim reconhecimento do direito, o que vincula o j uiz.

A tutela antecipatória, através das técnicas da não contestação e do reco­nhecimento jurídico (parcial) do pedido, é imprescindível para a concretização do direito à tempestividade da prestação jurisdicional. Se o legislador fez a sua parte ao editar o § 6.°, é preciso que os operadores do direito compreendam a sua importância.3:1

5.4.3 O significado de incontroverso

O § 6.° do art. 273 alude expressamente a “incontroverso”, dizendo que a tutela antecipatória “poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso'’. O significado de incon­troverso assume grande importância na interpretação da norma que o acolheu. Isso porque alguém poderia sxtpor que ura pedido, ou parte dele, apenas se toma incontroverso nos casos de não contestação ou de reconhecimento parcial.

É inegável que, em determinado sentido, um fato contestado não se torna incontroverso. Acontece que, quando se pensa na necessidade de tutelar um direito que se torna maduro no curso do processo, tal sentido de incontroverso obviamente não importa.

Como já dito, a técnica antecipatória do § 6.° parte da premissa de que é injusto obrigar o autor a esperar a realização de um clireüo que se tomou incontro­verso no curso do processo. Pouco importa que tal direito tenha sido contestado, uma vez que é inegável que um direito, apesar de contestado, pode se tomar incontroverso no curso do processo.

A contestação pode não tornar necessária a produção de prova em relação a uma parcela do pedido, ou a um dos pedidos cumulados, mas exigir instrução

32. “Non vi e dubbio che uno dei principali ‘leit-m otiv ’ ricorrenti nella storia dei processo e nella sua evoluzione sia il problem a dei rapporti fra 1’aspirazione alia certeza, tenclen- zialm ente conseguibile con la ponderazione e m editazione delia decisione, nello sforzo di evitare 1’in justizia, e 1’esigenza di vapidità nella conclusione dei processo rriedesirno” (Federico Carpi, L a p ro w iso r ia esecu tor ietà d e lia sentenza, p. ] 1),

286 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

dilatória para a elucidação do restante da demanda. Nesse caso existe direito incontroverso, ou melhor, direito que reclama tutela imediata ou antecipada.33

Portanto, o significado de incontroverso, na interpretação do § 6.° do art. 273, deve ser buscado no art. 331, § 2°. Ao tratar da audiência preliminar, diz esse artigo que, se não for obtida a conciliação, o juiz “fixará os pontos contro­vertidos”, decidirá as eventuais questões pendentes, e determinará as provas a serem produzidas, designando, se necessário, audiência de instrução e julga­mento. Na audiência preliminar, o juiz pode chegar à conclusão que parcela da demanda, apesar de contestada, não precisa ser esclarecida mediante prova testemunhai ou pericial. Nesse caso, apenas a outra parte da demanda deverá ser fixada como controvertida e somente sobre ela deverá ser determinada a produção de prova.

Isso significa que, mesmo em relação à parcela da demanda contestada, a tutela antecipatória não se funda em convicção verossimilhança. O juiz apenas pode deixar de fixar parcela da demanda como controvertida quando tiver, em relação a ela, convicção de verdade. Como é evidente, se a convicção for de ve­rossimilhança é porque os fatos devem ser esclarecidos por prova.

Em resumo: incontroverso é o direito que se torna evidente no curso do processo, exigindo, em razão disso, imediata tutela. É nesse sentido que se diz que o § 6.° é a base para a tutela dos direitos evidentes.

5.4.4 A tutela antecipatória mediante o julgamento antecipado de um (ou mais de um) dos pedidos cumulados

Como já afirmado, antes da introdução da tutela antecipatória no Código de Processo Civil não era possível a cisão do julgamento dos pedidos cumula­dos ou o julgamento antecipado de parcela do pedido, prevalecendo o princí­pio chiovendiano delia unità e unicità delia decisione. Mas, esse princípio não se concilia com a atual leitura de outros princípios igualmente formulados por Chiovenda, especialmente com aquele que diz que o processo não pode preju­dicar o autor que tem razão.

Se um dos pedidos apresentados pelo autor está pronto para julgamento, seja porque diz respeito apenas a matéria de direito, seja porque independe de

33. V Luiz G uilherm e M arinoni, A buso de d e fesa c p a r te incontroversa d a dem anda. No m esmo sen tid o , R ogéria D otti D oria, A tu tela a n tec ip a d a em r e la ç ã o à p a r te in con trov ersa d a dem anda; Fredie D idierjúnior, “Processo de con h ecim en to -L ei 10 .358, de 27 dedezembro de 2 0 0 1 " , A nova reform a processu al, p. 5 -1 0 ; e jo e l Dias F igu eira jú n io r, C om entários a o C ódigo d e P rocesso Civil, v. 4, p. 177-179 .

ABUSO DE DIREITO DE DEFESA, DIREITO EVIDENTE E TEMPO DO RECURSO 287

instrução dilatória, a necessidade de uma prestação jurisdicionai célere e efetiva justifica a quebra do velho princípio da unità e unicità delia decisione.34

Para que seja possível a tutela antecipatória mediante o julgamento ante­cipado de um (ou mais de um) dos pedidos cumulados, é necessário que um ou mais dos pedidos esteja em condições de ser imediatamente julgado e um outro (ou outros) exija instrução dilatória. É imprescindível, em outras palavras, que ao menos um dos pedidos não precise de instrução dilatória e que um outro exi­ja o prosseguimento do processo rumo à audiência de instrução e julgamento.

Para facilitar a compreensão, nada melhor que um exemplo. O autor, víti­ma de acidente automobilístico, pede que o réu seja condenado a pagar: i) danos emergentes e ii) lucros cessantes. O réu, aceitando a culpa, contesta os danos emergentes e os lucros cessantes. Contudo, a prova documental é suficiente para demonstrar os danos emergentes, mas os lucros cessantes exigem prova pericial. Diante disso, torna-se possível o julgamento antecipado do pedido de indenização por danos emergentes, restando o pedido de lucros cessantes para ulterior definição.

Se é possível a realização antecipada de um direito com base em convicção de verossimilhança (art. 273, I, CPC), é incoerente não admitir a antecipação quando a convicção acerca de um pedido é de verdade. Ora, se o direito prová­vel pode não admitir protelação, o direito incontroverso, por razões óbvias, não deve ter a sua tutela postergada.

Não há razão para não admitir a tutela antecipatória do pedido que, ape­sar de contestado, tornou-se incontroverso. Obrigar o autor a esperar, para a tutela de um pedido incontroverso, a instrução necessária para a elucidação de pedido cumulado, é castigá-lo de maneira irracional com o ônus do tempo do processo, agravando o “dano marginal”33 que lhe é invariavelmente acarretado. Perceba-se que o processo que admite a cumulação de pedidos, mas não aceita a fragmentação do seu julgamento, agrava a situação do autor, pois a demora ne­cessária à averiguação do direito já é, por si só, fonte de prejuízo.3b

34. Os tribunais, dem onstrando grande atenção aos princípios constitucionais, já vinham concedendo tutela antecipatória em caso de incontrovérsia de parcela da demanda com base no art. 273 , II, do Código de Processo Civil. O TAPR [extinto após a EC n. 45/2004], por exem plo, entendeu ser cabível tutela antecipatória de quantia tom ada incontroversa em ação de cobrança (8 .,! C ., Ap. Cível 1 2 8 .9 7 1 -4 , rei. Ju iz Sérgio Arenhart. DJE 9 .4 .9 9 , ju lgado publicado na Revista dos Tribunais).

3 5 . Sobre o conceito de “dano m arginal", v. A ndolina, “C og n iz ion e” ed “es ecu z ion c fo rza ta" nel sistem a d e lia tutela g iu risd iz ion ale, p. 20.

36 . A não adm issão da tutela antecipatória, nessas situ ações, tam bém significa favorecer defesas abusivas. A defesa que diz respeito a um pedido não pode postergar a tutela dos demais pedidos cum ulados, sob pena de atentar indevida e abusivamente contra o direito à tempestividade da tutela ju risd icionai. A tutela antecipatória, ao possibilitar o ju lgam enlo

288 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Na verdade, é incoerente propor, com base no princípio da economia pro­cessual, a cumulação de pedidos, e ao mesmo tempo negar o direito à razoável duração do processo (art. 5.°, LXXVII1, CF), não permitindo a imediata tutela do pedido que se tornou incontroverso no curso do processo - ou pronto para definição (ou para julgamento com base em convicção de verdade) antes dos demais.

5.4.5 A tutela antecipatória mediante o julgamento antecipado de parcela do pedido

Frise-se que quando se fala em julgamento antecipado parcial se quer di­zer que o juiz tem convicção de verdade sobre parcela da demanda, ou melhor, que parte da demanda, por não exigir mais provas, requer julgamento ou tutela antecipada ou imediata.

A tutela antecipada do art. 273, § 6.°, é oportuna não só quando um (ou mais de um dos pedidos cumulados) é incontroverso, mas também quando par­te do pedido se torna incontroversa no curso do processo.

Para facilitar, é oportuno novamente lembrar exemplo relativo a acidente de automóveis. Em razão dele - ato ilícito - , João pede que José seja condena­do a pagar lucros cessantes, A contestação impugna apenas o valor dos lucros cessantes, mas João produziu prova documental que demonstra, de forma m- conteste, parte do valor postulado. Sendo necessária prova pericial apenas para esclarecer parte do pedido, cabe a antecipação da tutela em relação à parte in­controversa.

A hipótese não é muito diferente da que abre oportunidade para a provvi­sionale no direito italiano. Segundo reza o art. 278, segunda parte, do Código de Processo Civil italiano, é possível, no caso de condenação genérica,37 desde logo condenar o devedor ao pagamento de uma provvisionale, nos limites da quantia que já está provada.38

antecipado do pedido cum ulado, ev ita que o réu se ja ten tado a abu sar do seu d irei to de d efesa apen as p a ra p ro tela r a tutela d e um ped id o que desnecessita d e prova.

37. Com o é sabido, a sentença condenatória ord inária (em contraposição à sentença conde­natória gen érica ) é com pleta quanto ao an d eb ea tu r e ao quantum debeatur. j á a sentença condenatória gen érica é incapaz de outorgar liquidez à obrigação, necessitando da liqui­dação da senLença.

38. “1’ipotesi é questa: qualora nel corso dei processo venga raggiunta la prova non solo deli’illegittim ità delFatto e delia sua potenzialità dannosa (an), ma venga prova ta anche una parte delFamniontare dei danno (una parte dei quantum ), sempre e solo su istanza di parte, il giudice puo accoppiare alia sentenza di condanna generica anche una sentenza parziale, di condanna in senso stretto, con cui inizia la iiquidazione dei danno (condanna provvisionale)” (Andrea Proto Pisani, Lezion i di d iritto p rocessu ale civile, p. 188).

ABUSO DE DIREITO DE DEFESA, DIREITO EVIDENTE E TEM PO DO RECURSO 289

A melhor doutrina italiana entende que a “prowisionale” abre oportuni­dade para uma “sentenza parziale di mérito”, capaz de produzir coisa julgada material.39 A sentença parcial de mérito - que concede a “prowisionale” - não é equiparada a um provimento provisório, apesar dos equívocos, principalmen­te de caráter terminológico, que jã levaram muitos a confundir provisional com provisório.40

O órgão julgador italiano, quando concede a prowisionale, parte da cer­teza - de uma convicção de verdade - sobre o an debeatur.; concedendo a tutela (a prowisionale) nos limites da quantia que já está provada. Há, assim, cognição exauriente sobre o an debeatur e sobre a quantia objeto cia provisional, muito embora a condenação seja parcial, ou seja, de parcela da quantia reivindicada pelo autor.41

A doutrina italiana reconhece a utilidade prática do instituto, dirigido a encurtar o tempo necessário à realização do direito do credor. Sobre esse ponto, aliás, assim escreve Proto Pisani: “Quanto à utilidade prática do instituto em exame, a prowisionale é instrumento idôneo para superar a demora patológica do processo e as particulares dificuldades de se demonstrar e provar o dano em sua totalidade: portanto, o instituto pode assegurar ao autor a possibilidade de obter, antes da sentença que encerra o processo, ao menos parcela da quantia esperada, em relação à qual já foi produzida prova suficiente”.42

No direito brasileiro, para tais situações, agora existe o § 6.° do art. 273,43 que expressamente afirma que o juiz deve conceder a tutela da parcela incon­

39. V. Luigi M ontesano, La tutela g iu risd íz ion a le d ei diritti, p. 228 .40. Cf. Federico Carpi, “Provvedim enti interinali di condanna, esecutorietà e tutela delle

parti” , Rívísfd T rim estrale di Diritto eP ro ced u ra C ivile, 1977 , p. 620 .41 . “A questo punto, a com pletare il quadro, interviene Ia norm a sulla p row isionale, dis-

ponendo che il collegio, sem pre su istanza di parte, puo em ettere (con giudizio secondo la giurisprudenza discrezionale e quindi non sindacabile in Cassazione) una sentenza che sia parziale sotto entram bi i profili ora veduti: per cosi dire, ‘orizzontale’, in quanto pronuncia definitivam ente su una parte delia m aieria dei contendere m a non su tul.ia: ‘verticale', in quanto lastessasentenza contiene, sulla rim anente porzione delia matéria dei contendere non esaurita dal giudizio, la condanna generica (cioe l’accertam ento dei solo an d ebeatu r). In altre parole, il testo dell’articolo e in particolare 1’espressione che allude alia prova giàraggiunta sul quantum oggetto di p row isionale , da la prova ch e la condanna p row isionale e contenuta, secondo la nostra legge civile, in una sentenza ordinaria che conosce in m odo pieno e definitivo una parte delia m atéria contestata, m entre per 1’altra parte eniette una condanna generica: e insom m a una sentenza ‘m ista’, in parte condanna piena e com pleta, in parte generica” (Angelo Gualandi, “P row isionale”, N ovíssim o digesto italiano, v. 14, p. 4 9 7 ).

42 . Andrea Proto Pisani, Lezíon i di diritto p rocessu ale civile, p. 188.43 . V. Luiz G uilherm e M arinoni, Abuso de d efesa e p a r te incontroversa d a dem anda.

290 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

troversa do pedido, o que seria, no que diz respeito ao pedido de soma em di­nheiro, a tutela da parcela da quantia almejada.

5.4.6 O problema da coisa julgada e da possibilidade de revogação e de modificação da tutela

Os direitos fundamentais conferem unidade e harmonia ao sistema,44 não dando alternativa ao juiz senão colocar a lei na sua perspectiva. As normas cons­titucionais são vinculantes da interpretação das leis.45

As regras processuais civis devem ser lidas a partir dos direitos fundamen­tais, especialmente daqueles que dizem respeito ao processo civil. Esta técnica interpretativa pressupõe que a interpretação da lei segundo os métodos clássicos tenha conduzido a duas ou mais interpretações viáveis. Nesse caso, deve-se bus­car a interpretação que outorgue a máxima efetividade ao conteúdo da norma constitucional.

A Emenda Constitucional n. 45/2004 acrescentou o inciso LXXVIII ao art. 5.° da Constituição Federal, que diz: “A todos, no âmbito judicial e adminis­trativo, sào assegurados a razoável duração do processo e os meios que garan­tam a celeridade de sua tramitação”. Não há dúvida que o direito fundamental à duração razoável e aos meios que garantam a celeridade do processo incidem sobre o legislador e a jurisdição.

Tal direito fundamental obriga o legislador a estruturar o processo civil de forma a conferir ao autor a possibilidade de obter a tutela jurisdicional do modo mais tempestivo possível. Cabe ao legislador instituir as técnicas processuais necessárias a dar a máxima celeridade ao processo, desde que, com isto, obvia­mente não seja pago o preço direito de defesa. Só desta maneira o legislador estará cumprindo a sua parte diante do direito fundamental à duração razoável.

Por outro lado, as regras que instituem técnicas processuais relacionadas com a celeridade do processo devem ser interpretadas de acordo com o direito

44 . Luís Roberto Barroso, “Fundam entos teóricos e fiiosóficos do novo direito con stitucio­nal brasileiro (pós-m odernidade, teoria crítica e pós-positivism o)”, A nova in terpretação constitucional, p. 29 .

45. “Segundo certas doutrinas, as Constituições não são mais que um ‘m anifesto’político cuja concretização constitui tarefa exclusiva do legislador: os tribunais não devem aplicar as norm as constitucionais - carentes de qualquer efeito im ediato mas apenas as norm as que são afirmadas pelas leis. Pois bem , um dos elem en tos d o processo d e con stítu c ion alização é p recisam en te a d ifu são , no seio d a cu ltura ju r íd ica , da id e ia oposta , ou seja , d a id eia d e que toda norm a constitucional independentem ente d e sua estrutura ou de seu conteúdo n o rm a tiv o -é um a norm a ju r íd ica genuína, vincu lante e suscetível d e produzir efeitos ju r íd icos ” (Riccardo G uastini, “La 'constitucionalización* dei ordenam iento ju ríd ico : el caso ita liano", Los fun dam en tos de los d erech osju n d am en ta les , p. 5 3 ).

ABUSO DE DIREITO DE DEFESA, DIREITO EVIDENTE E TEMPO DO RECURSO 291

fundamental à duração razoável o que significa dizer que o § 6." do art. 273 deve ser compreendido à luz deste direito fundamental.

O § 6.° do art. 273 é fundado em duas premissas incontestáveis: i) a de­manda exige tutela no momento em que se torna incontroversa ou madura para julgamento; ii) a protelação da parte da demanda incontroversa pela instrução necessária à elucidação da parte controversa não só configura um processo irra­cional, como a negação do dever estatal de tutelar adequadamente os direitos.

Posteriormente à inclusão da técnica da fragmentação do julgamento da demanda no CPC (§ 6.° do art. 273), a Emenda Constitucional 45/2004 institui o direito fundamental à duração razoável do processo e aos meios que garantam a celeridade da sua tramitação. Assim, cabe analisar se o § 4.° do art. 273 - que admite a modificação-revogação da tutela antecipatória após a consagração constitucional do direito à duração razoável do processo, deve ser aplicado à tutela da parte incontroversa da demanda.

O § 4.° do art. 273 não afirma ser aplicável à tutela antecipatória da parte incontroversa, ao passo que o § ó.° não diz que a tutela da parte incontroversa da demanda é modificável ou revogável. A conclusão no sentido de que a tutela da parte incontroversa é revogável ou modificável decorre do fato de a sua pre­visão estar no § 6.°, logo abaixo do § 4.°, e, especialmente, da circunstância de a tutela antecipatória - quando admitida pelo legislador que desenhou o novo art. 273 ter sido indubitavelmente pensada como tutela de cognição sumária, naturalmente sujeita ao regime da modificabilidade-revogabilidade.

Porém, diante do direito fundamental à duração razoável e do dever do legislador instituir técnicas processuais idôneas a garantir a celeridade do pro­cesso, não há razão para entender que a tutela da parte incontroversa da deman­da pode ser revogada ou modificada.

O § 6.° do art. 273, quando interpretado de acordo com o direito lunda- mental à duração razoável, faz ver que a técnica da tutela da parte incontroversa da demanda foi instituída para dar à jurisdição o poder de proteger de forma adequada um direito cuja tutela final não pode ser adiada pela necessidade da instrução probatória.

Frise-se que o § 6.° decorre da necessidade de se dar tutela final à parte da demanda que se mostra incontroversa no curso do processo, e não tutela de cog­nição sumária ou propriamente antecipatória. Em termos de aprofundamento da cognição do juiz, a fragmentação do julgado (art. 273, § 6.°) não é diferente do julgamento antecipado da integralidade do mérito, “quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver ne­cessidade de produzir prova em audiência” (art. 3 3 0 ,1, CPC).

De modo que a tutela antecipatória da parte incontroversa está longe de significar a antecipação da tutela final, representando, na verdade, a antecipação

292 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

do momento da concessão da tutela final. Melhor explicando: enquanto a tute­la antecipatória, tal como idealizada em 1994, antecipa a tutela final, a tutela antecipatória da parte incontroversa presta a própria tutela final em momento adequado e tempestivo, garantindo a realização do direito fundamental ã duração razoável e aos meios que garantam a celeridade do processo.

Por outro lado, a tutela da parte incontroversa da demanda certamente não viola o direito de defesa, uma vez que apenas pode ser concedida quando não houver necessidade de produção de outras provas, na mesma linha do que acontece no tradicional julgamento antecipado do mérito, previsto no art. 330 do CPC.

Não há motivo para fragilizar a tutela da parte incontroversa, negando-lhe a estabilidade e a expectativa de confiança decorrentes da coisa julgada material. Inexiste qualquer diferença, para efeito de produção de coisa julgada material, entre integra lida de e parcela do mérito. O que importa, nos dois casos, é que o mérito - na sua integralidade ou em parte - está “maduro” para julgamento.

Por ser uma tutela final imprescindível para garantir a duração razoável e incapaz de arranhar o direito de defesa, não há como fazer prevalecer, na in­terpretação do § 6.° do art. 273, a ideia de que esta tutela está sujeita ao regime da modificabilidade-revogabilidade, instituído para a antecipação da tutela final com base em cognição sumária, e não para a concessão da tutela final em mo­mento oportuno e tempestivo, embora anterior ao término do procedimento de primeiro grau de jurisdição.

Sublinhe-se que a possibilidade de modificação e de revogação da tutela da parte incontroversa não é necessária para garantir o direito de defesa e que o bom funcionamento deste mecanismo de tutela é absolutamente indispensável para a realização do direito fundamental à duração razoável.

Portanto, a interpretação do § 6.° do art. 273 de acordo com o direito fundamental à duração razoável impõe a conclusão de que a tutela da parte in­controversa da demanda produz coisa julgada material.46

5.5 A execução da tutela antecipatória

Ao tomar-se em consideração o verdadeiro significado de tutela, deixan­do-se de lado o meio técnico-processual que serve para a sua concessão, torna- se fácil concluir que a decisão concessiva da tutela antecipatória está longe de ser o resultado procurado pelo autor. A tutela antecipatória somente é prestada

46. Assim, alteramos o posicionamento que tomamos em 2002, logo após o acréscimo do §6.° ao art. 273.

ABUSO DE DIREITO DE DEFESA, DIREITO EVIDENTE E TEMPO DO RECURSO 293

quando o processo produz efeitos no plano do direito material e, portanto, ape­nas adquire relevância quando é executada.

Lembre-se que a doutrina estrangeira, de forma constante, vem adver­tindo que o direito de ação não pode ser pensado apenas como direito a uma sentença de mérito. Além das já clássicas lições italianas,47 a doutrina espanhola, apoiando-se no art. 24, I,48 da Constituição do seu país, tem afirmado que o ci­dadão tem direito à tutela jurisdicionai ejetiva,49

A tutela antecipatória evidentemente não se limita à decisão que a con­cede, pois a decisão interlocutória é apenas uma das técnicas-processuais que devem estar ao seu dispor. O direito à tutela jurisdicionai efetiva deve ser com­preendido como o direito à preordenação das técnicas processuais necessárias e idôneas à concreta realização da tutela do direito, englobando, entre outros, os provimentos e os meios de execução adequados. De modo que a real concessão da tutela antecipatória depende da sua execução.

Portanto, a decisão que concede a íutela antecipatória, mas que não pode ser executada, afronta o direito fundamental à tutela jurisdicionai efetiva. Mas, alguém poderia argumentar que o fato de a tutela antecipatória requerer meios de exe­cução adequados não significa que ela deva ser executada imediatamente.

A técnica antecipatória, nos casos de abuso de direito de defesa e de di­reito evidente (parcela incontroversa da demanda), deve ser vista como neces­sidade derivada do direito fundamental ã tutela jurisdicionai efetiva.’11 Na sua

47. Andrea Proto Pisani, “Nuovi diritti e tecniche di tutela”, Scritti in on ore di E lio F azza la ri, v. 2, p. 51 e ss.; Vittorio Denti, “Valori costituzionali e cultura processuale”, R ivista dí D iritto P rocessuale, 1.984, p. 4 8 4 e ss.; Michele Taruffo, “Note sul diritto alia condanna eaH’esecuzione”, Rivista C ritica â e l D iritto Privato, 1986, p. 668; Luigi Paolo Comoglio, “Principi costituzionali e processo di esecuzione”, Rivista dí Diritto Processuale, 1994, p. 450 e ss.; ítalo Andolina e Giuseppe Vignera, Il m od e lo costitu z ion a le dei p rocesso civ ile ita lian o , p. 61 e ss.; Ferruccio Tommaseo, Appunti di d iritto p rocessu ale civile, p. 169 e ss.; Adolfo di Majo, La tutela civ ile d ei diritti, p. 1 e ss.

48. Art. 2 4 ,1, da Constit uição espanhola: “Todas las personas tienen derecho a obtener la tutela efectiva de los jueces y tribunales en el ejercicio de sus derechos e intereses legítimos sin que, en ningim caso, pueda produciise indeíensión”.

49. V. David Vallespín Pérez, El m od e lo constitucional de ju ic io ju sto en el âm bito dei p roceso civil, p. 142; Álvaro Gil-Robles, Los nuevos lim itei d e la tu tela ju d ic ia l e fectiv a , p. 85.

50. “O ‘devido processo legal’ é um privilégio processual reconhecido apenas aos demanda­dos? Ou, ao contrário, também os autores terão direito a um processo igualmente ‘devido’, capaz de assegurar-lhes a real e efetiva realização prática - não apenas teórica - de suas pretensões? Um processo capenga, interminável em sua exasperante morosidade, deve ser reconhecido como um ‘devido processo legal’, ao autor que somente depois de vários anos logre uma sentença favorável, enquanto se a ssegu ra a o réu, sem direito nem m esm o verossím il, qu e d em an d a em proced im en to o rd in ário , o ‘dev ido processo legal', com ‘p len itu de

294 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

falta, o Estado estaria impedido de distribuir o ônus do tempo entre as partes e, assim, de exercer o poder jurisdicional através de um processo isonômico.51

Por isso, é completamente absurdo pensar que a tutela antecipatória so­mente poderá produzir efeitos a partir da sua confirmação pela sentença. Se fosse assim, a antecipação não teria qualquer utilidade, já que o ônus do tempo do processo jamais seria distribuído. Ora, se a tutela antecipatória é concedida por­que há abuso do direito de defesa ou porque há parcela incontroversa, é certo que a sua execução deve ocorrer 110 curso do processo.

Contudo, seria possível argumentar que a tutela antecipatória, ainda que tendo eficácia imediata, deve ter os seus efeitos suspensos por eventual recurso. A decisão concessiva de tutela antecipatória configura decisão interlocutória e, assim, desafia recurso de agravo de instrumento (art. 522, CPC).52 Ainda que esse recurso deva ser recebido apenas no efeito devolutivo (art. 497, CPC), e por isso não deva obstar o andamento do feito, é preciso demonstrar os motivos, próprios à tutela antecipatória em análise, que inviabilizam a suspensão dos seus efeitos pelo recurso.

Quando os fatos constitutivos são incontroversos e a defesa de mérito in­direta é infundada (abuso de direito de defesa), ou quancio parcela da demanda não foi contestada, foi reconhecida ou foi evidenciada no curso do processo (di­reito evidente), existem incontestáveis motivos para a tutela antecipatória e, dessa forma, para a sua imediata execução. Qual a razão para supor, então, que o agravo deva ser recebido, nesses casos, no efeito suspensivo? Nenhuma. Se o direito do autor foi reconhecido, não contestado, evidenciado ou depende apenas de uma defesa de mérito indireta infundada, não há racionalidade em obrigar 0 autor a suportar o tempo para o processamento do recurso. A conclusão que o autor

de d e fe s a ? ” (Ovídio Baptista da Silva, “A ‘plenitude de defesa’ no processo civil”, As g a ­rantias do c id ad ão na ju stiça , p. 154 - o grifo é nosso).

5 ].. Como corretamente argumenta Luiz Fux, “a tutela imediata dos direitos evidentes, antes de infirmar o dogma do due process o flaw , o confirma, por não postergar a satisfação da­quele que demonstra em juízo, de plano, a existência da pretensão que deduz. O acesso à justiça, para não se transformar em mera garantia formal, exige 'efetividade’, que tem íntima vinculação com a questão temporal do processo. Uma indefinição do litígio pelo decurso excessivo do tempo não contempla à parte o devido processo legal, senão mesmoo ‘indevido’ processo. Não nos parece correta a posição dos que impedem essa forma de tutela sob a alegada afronta aos princípios hoje constitucionalizados. O próprio anteprojeto a que nos referimos prevê a tutela antecipada, mediante cognição sumária, utilizando-se dos conceitos e requisitos aqui sugeridos do ‘direito líquido e certo’, que não sofre uma contestação séria, autorizando o juízo ao julgamento pela verossimilhança (art. 273, II)” (Tutela de segu ran ça e tutela d a ev idência, p. 122-125).

52. Sobre 0 conceito de sentença e decisão interlocutória diante da Lei 11.232/2005, ver Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart. Curso d e p rocesso civ il - P rocesso de conhecim en to, v. 2.

ABUSO DE DIREITO DE DEFESA, DIREITO EVIDENTE E TEM PO DO RECURSO 295

deve arcar com o tempo do recurso interposto contra a própria decisão que o liberou de tal ônus seria mais do que incoerente,

A execução da tutela antecipatória é imediata, mas deve atender ao art. 475-0 do Código de Processo Civil, pois é uma execução Fundada em título pro­visório (ver retro o capítulo 4, item “execução provisória: execução incompleta ou execução fundada em cognição não definitiva?"),

Nos casos de tutela que impõe um fazer, um não fazer ou a entrega de coisa, a execução é feita de acordo com as regras dos arts. 461 e 461-A do Códi­go de Processo Civil. Mas, na hipótese de soma em dinheiro, a execução é por expropriação, conforme o art. 475-J e seguintes.

A execução da tutela antecipatória de soma em dinheiro se subordina ao art. 475-0, III, que diz que “o levantamento de depósito em dinheiro e a práti­ca de atos que importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado dependem de caução suficiente e idônea...”. Portan­to, essa espécie de tutela antecipatória também autoriza a prática de atos que importem alienação de propriedade, ou o levantamento de dinheiro, desde que prestada caução.

Na execução da tutela antecipatória de soma, como acontece diante de qualquer outra modalidade executiva, é necessário aplicar a regra da menor res­trição possível (ver retro o capitulo 4, item “4.15 Controle do poder executivo do ju iz”). Deseja-se dizer, diante da possibilidade - ainda que remota - de o autor poder ter o seu direito não reconhecido ao final, que a expropriação deve recair no bem que comporte a conseqüência menos gravosa ao executado.53

Recorde-se, por fim, que, diante da ínterposição de agravo e da demons­tração de fundado receio de dano, o agravante poderá requerer que o relator suspenda os efeitos ou limite a execução da tutela antecipatória (arts. 527, III, e 558, CPC). O recurso de agravo pode, segundo o art. 558 do Código de Processo Civil, suspender “o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara”, entre outros casos naqueles que podem gerar “lesão grave e de difícil reparação”.

De maneira que a presente situação está envolvida em um “sistema de pesos e contrapesos'’, uma vez que se a tutela antecipatória deve, em princípio, ser executada imediatamente, ela pode ter os seus efeitos suspensos. Não há como negar que a construção desse sistema privilegia os valores constitucionais,

53. Sobre os princípios da menor restrição possível e do meio mais idôneo, v. Luiz Guilherme Marinoni, Técnica processual e tutela dos direitos, p. 236-239.

296 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

pois não só permite que o juiz trabalhe com um processo realmente isonômico, como ainda cuida dos direitos fundamentais processuais do autor e do réu.54

5.6 A questão do tempo do recurso

5.6.1 O abuso do direito de recorrer

O sistema brasileiro, como é sabido, obriga o autor a esperar - na grande maioria dos casos - no mínimo o tempo do recurso de apelação.

A sacralização do duplo grau de jurisdição ou do direito ao recurso, bem como os estreitos limites em que é admitida a “execução provisória” da sen- Lença, estimulam o réu a interpor recurso para manter na sua esfera jurídico- patrimonial, por mais algum tempo, o bem reivindicado pelo autor.

Se o réu tende a abusar do seu direito de defesa, igualou maior é o seu interesse em abusar do direito ao recurso, seja para conservar o bem disputado no seu patrimônio, seja ainda para tentar tirar do autor alguma vantagem eco­nômica em troca do tempo (bastante longo) necessário ao processamento e ao julgamento do recurso.

Um sistema como o nosso, em que a sentença do juiz de primeiro grau não pode ser executada - na maioria das hipóteses - na pendência do recurso, deve estar muito atento à questão - que não é nova - do abuso do direito de recorrer.

Recorde-se que josé Olympio de Castro Filho, em tese escrita há mais de cinqüenta anos sob o título de “o abuso do direito no processo civil”, já destacava esse problema, assim dizendo: “Encerrada a primeira instância com a sentença, outra oportunidade se abre para o abuso do direito com a possibili­dade da interposição dos recursos, assegurados, sempre, nos sistemas, como o nosso, de pluralidade de graus de jurisdição. A possibilidade é velha, e tem sido tenazmente combatida em várias épocas e em vários sistemas, entre os quais se destaca, pelo rigor com que reprime tal forma do abuso do direito, o direito francês”.55

O abuso do direito de recorrer é mais grave que o abuso do direito de defesa, pois o réu, no momento da sentença, encontrará um autor menos resis­tente a um acordo que ofereça o tempo do processo em troca de uma vantagem

54. Como a garantia constitucional de acesso à justiça incide sobre a estrutura técnica do pro­cesso de iure condendo e de iure conditio, é dever do processualista extrair das normas uma interpretação que permita a construção de um “processo justo", isto é, de um processo que atenda aos valores constitucionais em uma perspectiva concreta e não meramente formal.

55. José Olympio de Castro Filho, Abuso do direito no processo civil, p. 142-143.

ABUSO DE DIREITO DE DEFESA, DIREITO EVIDENTE E TEMPO DO RECURSO 297

patrimonial. Lembre-se, aliás, de que a maneira através da qual os advogados encaram o duplo grau é muitas vezes bem diversa da dos processualistas que cultuam o princípio.

Os tribunais sempre demonstraram grande preocupação com o abuso do direito de recorrer. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, v.g., já decidiu que “o uso do recurso como meio de protelar pagamento de divida encobre conduta incompatível com a seriedade dos atos judiciais, denotando má-fé pro­cessual, que obriga reparação”.56

Argumenta-se que, diante da ausência de estatísticas que mostrem que grande parte dos recursos não obtém provimento, não é conveniente viabilizar a execução da sentença na pendência do recurso. A falta de estatísticas, nes­sa perspectiva, pode servir de fundamento para a manutenção do status quo, conservando-se, assim, as vantagens que podem ser auferidas pelo litigante sem razão em detrimento da efetividade da “justiça” e da própria parte que a ela re­corre buscando a tutela do seu direito.

Porém, em pesquisa realizada perante o Tribunal de Justiça do Paraná, verificou-se que, no ano de 2000, 80% das sentenças foram mantidas apesar dos recursos. Isso quer diz que a simples alegação de que a previsão de execução da sentença na pendência do recurso de apelação pode conduzir ao uso desmedido de ação cautelar para dar efeito suspensivo a recurso não pode ser aceita. Ora, não é pela razão de que a imaginação fértil dos advogados pode levar ao uso da ação cautelar que o Poder Judiciário terá que assistir calado à desmoralização da “justiça” pelo uso abusivo dos recursos. Seria o mesmo que justificar o abuso pelo temor de uma represália também abusiva, ou simplesmente aceitar a lógica do abuso.57

Tendo em vista que o abuso do direito de recorrer é uma realidade que não pode ser ignorada, tal prática deve ser inibida, seja através da condenação por litigância de má-fé (art. 17, VII, CPC), seja mediante a técnica do indeferimento do recurso pelo relator (art. 557, CPC).

O art. 557, caput, do Código de Processo Civil afirma que “o relatar negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior”. Contra esta decisão, que certamente pode desestimular a interposiçâo de recursos abusivos, cabe agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso que teve o seu processamento normal obstaculizado.

56. TJRS, l.“ C., Ap. 34.799, rei. Des. Cristiano Graefl júnior, RJTJRS 81/428 (Alexandre de Pauia, O processo civil â lu z d a jurisprudência, v. l ,p . 154).

57. V Luiz Guilherme Marinoni, Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda.

298 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Assim, o recorrido pode requerer, em. sua resposta ao recurso, não só a condenação do recorrente como litigante de má-fé (art. 17, VII, CPC), mas tam­bém que seja negado seguimento ao recurso nos termos do art. 557 do Código de Processo Civil.

A aplicação dessas normas tem efeito pedagógico importante, uma vez que desestimula os recursos meramente protelatórios, os quais não são apenas muito freqüentes, como também muito custosos para a administração da jus­tiça. Como já disse a doutrina há muito tempo, “recorrer é um direito de que também se pode abusar, e de que amiúde se abusa largamente com graves pre­juízos para uma das partes, que não pode descansar do incômodo da demanda, e para o Estado, cujos tribunais de grau superior cada dia mais veem aumentar a afluência dos recursos, a grande maioria deles injustificável”.58

Uma “justiça” congestionada, como é a brasileira, não pode continuar sendo complacente com os recursos abusivos e protelatórios, pois estes colabo­ram para tornar ainda mais inefetiva, lenta e cara a prestação jurisdicional.

5.6.2 A possibilidade de o relator dar provimento a recurso

De acordo com o § l.°-A do art. 557, “se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supre­mo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso”.

Essa disposição tem por fim viabilizar uma tutela mais tempestiva e, ao mesmo tempo, conferir maior dignidade à jurisprudência dominante e às sumu- las dos tribunais superiores e do Supremo Tribunal Federal.

Se o sistema de distribuição de justiça obedece à lógica de que os tribu­nais superiores e o Supremo Tribunal Federal têm a última palavra a respeito dos litígios, não há razão para prejudicar a parte que está ancorada em posição firmada nesses tribunais, obrigando-a a esperar o tempo para que um deles faça valer o seu entendimento.

58. José Olympio de Castro Filho, Abuso do direito no processo civil, p. 142-143. Regisire-se que já na época do direito romano era prevista a prevenção contra o recurso temerário, oferecido quoíiens iniusta appellatio promuntiatur (p. 37).

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A buso de d e jen sa y p arte íncontroverüda de la dem anda . Lima: Ara Editores, 2007.

Antecipação d a tutela. 10. ed. rev. e ampl. Sâo Paulo: Ed. RT, 2008 .

Coisa ju lgada inconstitucional. São Paulo: Ed. RT, 20 0 8 .

C ódigo d e Processo Civil C om entado (artigo por a rtig o). São Paulo: Ed. RT, 2 0 0 8 (com Daniel M itid iero).

C om en tários ao C ódigo de P rocesso Civil: D o p rocesso de con hec im en to - Arts. 332 a 341. 2. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2005 . v o l 5, t. I (com Sérgio Cruz Arenhart; coord. Ovídio A. Baptista da Silva).

C om entários ao C ódigo de P rocesso Civil: Do p rocesso de con hec im en to - Arts. 3 4 2 a 4 4 3 . 2. ed. rev., atual, e ampl. Sâo Paulo: Ed. RT, 2005 . vol. 5, t. II (com Sérgio Cruz Arenhart; coord. Ovídio A. Baptista da Silva).

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E fetiv idade d o processo e tutela de urgência. Porto Alegre; Fabris, 1994 (esgotado).

Execução. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2 0 0 8 (com Sérgio Cruz A renhari). (Curso de processo civil, vol. 3 .)

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Processo cau tela r São Paulo: Ed. RT, 200 8 (com Sérgio Cruz Arenhart). (Curso d e processo civil, vol. 4 .)

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