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APOSTILA ESPECÍFICA PSICOLOGIA CONCURSO SECRETARIA DE ESTADO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL/MG parte 1 Agosto/ 2013 - REPRODUÇÃO PROIBIDA

Apostila psicologia social comunitária

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Apostila psicologia social comunitária

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APOSTILA ESPECÍFICA PSICOLOGIA

CONCURSO SECRETARIA DE ESTADO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL/MG – parte 1

Agosto/ 2013

- REPRODUÇÃO PROIBIDA –

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Organizadoras/ elaboradoras: Amanda Bérgamo, Patrícia Ribeiro Martins.

A apostila específica Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social/MG – EDITAL

SEPLAG/SEDESE Nº. 01/2013 – Educa Psico aborda os conteúdos de Psicologia publicados no

edital para o qual o material foi elaborado.

A elaboração teve como base a bibliografia sugerida no edital, ou seja, cada tema foi

escrito tendo como base as referências que tinham relação com o edital (tal análise foi feita

pelos elaboradores do material).

Os conteúdos foram elaborados por especialistas nas áreas de atuação/estudo

relacionadas a cada um dos temas.

Este material possibilita que você se dedique aos principais conteúdos presentes no

edital, entretanto, não esgota cada um dos temas, pois os mesmos são, muitas vezes,

extremamente complexos e amplos. Portanto, este é um material de apoio, sendo muito

importante que você busque também outras fontes de estudo para que possa potencializar

seu desempenho na prova, por exemplo, complementando estudos de conceitos e/ou autores

que sejam novos ou difíceis para você diretamente na bibliografia sugerida.

Bons estudos!

Equipe Educa Psico

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Sumário

2. Psicologia Social Aplicada: Psicologia Comunitária, Psicologia do Trabalho, Psicologia Social e Saúde, Psicologia Social e Políticas Públicas Estaduais.......................................................... 4

4. Saúde Ocupacional: Qualidade de Vida no Trabalho, os Vínculos nas Instituições...............14

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UNIDADE II: PSICOLOGIA SOCIAL APLICADA: PSICOLOGIA

COMUNITÁRIA, PSICOLOGIA DO TRABALHO, PSICOLOGIA SOCIAL E SAÚDE,

PSICOLOGIA SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS ESTADUAIS1

De acordo com Freitas (2012), ocorreram diferentes desenvolvimentos da

Psicologia Comunitária, que aconteceram em momentos distintos. Isso aconteceu

devido às condições e forças hegemônicas na Psicologia que se encontravam mais ou

menos atuantes naquele dado momento histórico e social. Atualmente, a existência de

várias formas ditas Psicologia (Social) Comunitária não significa que se trata de modos

de ação e de intervenção comuns, parecidas e com bases epistemológicas idênticas.

Segundo a autora, no Brasil, nos anos 1960 e 1970, a inclusão das disciplinas

na área de Psicologia Social na formação de psicólogos ocorria principalmente movida

por decisões pessoais e opções políticas de alguns docentes e profissionais

psicólogos que pretendiam uma formação que fosse mais preocupada com a

transformação social, menos elitista, e com mais conhecimento da realidade social que

os cercava. Entre esses professores e profissionais brasileiros e latino-americanos que

dedicaram a sua vida à Psicologia Social Comunitária, destacam-se Silvia Lane, da

PUC-SP, e Martín-Baró, da Universidad Centroamericana de El Salvador. Ambos

estabeleceram campos de atuação e solidificaram propostas de intervenção

psicossocial em comunidade; com Silva Lane, principalmente em trabalhos de

estudantes nas favelas e periferias na cidade de São Paulo, e Martín-Baró, atuando

durante o período de guerra civil salvadorenha buscando trabalhos junto à população

com o objetivo de transformação das condições precárias de vida. Ambos participaram

da formação da geração de pesquisadores e profissionais psicossociais que hoje

atuam e trabalham tanto em projetos comunitários e políticas públicas como em

universidades na preparação e formação de psicólogos sociais e comunitários.

(Freitas, 2012).

Com os anos, podemos assinalar alguns marcos que foram fundamentais no

caminho da consolidação do campo da Psicologia Social Comunitária. Segundo

Freitas (2012), é importante ressaltar alguns pontos para os que chegam às

universidades e encontram essa denominação, alertando para uma ideia incorreta de

que essa área já seria comum e fazia parte da Psicologia desde os seus primórdios, o

1 Unidade elaborada por Patrícia Ribeiro Martins.

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que não corresponde à realidade. Na verdade, a Psicologia Social Comunitária (PSC)

efetivamente só passa a compor os currículos dos cursos de Psicologia de maneira

constante e como disciplina obrigatória a partir de aproximadamente 1990. Sendo

assim, no Brasil, somente 30 anos depois da criação dos cursos de Psicologia é que a

disciplina “Psicologia Comunitária ou Psicologia Social Comunitária” sai do isolamento

e da marginalidade, passando a se unir oficialmente ao processo formativo dos futuros

psicólogos.

Atualmente existe uma grande divulgação e expansão das práticas

psicossociais realizadas em comunidade, englobando diversos setores e segmentos

da sociedade civil, realizados em variados e inusitados espaços de atuação. No

entanto, apesar da divulgação dessas práticas, isso não significa dizer que todas têm

correspondência em aspectos teóricos, metodológicos e epistemológicos que

embasam tais práticas. Como afirma Freitas (2003b) apud Freitas (2012):

Trata-se de um debate a respeito das orientações teórico-filosóficas que norteiam o desenvolvimento dos trabalhos em comunidade, de tal modo que a escolha ou opção por determinadas ferramentas para a compreensão do que venha a ser "o fenômeno psicológico na dinâmica comunitária", nada mais faz do que revelar os graus de coerência em relação aos princípios ontológicos e filosóficos adotados. (FREITAS, 2003b apud Freitas, 2012, p. 367).

Sendo assim, como nos diz Freitas (2012), os acontecimentos históricos do

nosso país, do continente e da nossa profissão demonstram que as áreas da

Psicologia que conhecemos não foram todas implementadas e tiveram seu

desenvolvimento ao mesmo tempo, do mesmo modo e com os mesmos referenciais

epistemológicos, bem como sabemos que essa implementação não ocorreu com o

mesmo conteúdo, expansão e sistematização. Observa-se ainda que as áreas

psicológicas nem sempre apresentaram as mesmas características e apontaram na

mesma direção em termos de resultados teórico-metodológicos e impactos

profissionais, independentemente da similaridade dos quadros teóricos que foram

empregados.

A seguir serão assinalados alguns acontecimentos e marcos importantes,

ocorridos nas décadas de 1960 a 1990, que marcaram e desempenharam um papel

importante na trajetória de construção e consolidação do campo da Psicologia Social

Comunitária (Freitas, 2012):

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Em meados do século XX, existiam no Brasil e na América Latina os

“trabalhos comunitários”, cujo público-alvo era formado pelos setores populares e

grupos de migrantes, que eram muitos. O objetivo era adaptá-los ou adequá-los às

novas condições de moradia, trabalho e convivência nas cidades. Esses trabalhos

foram desenvolvidos por profissionais do Serviço Social, Educação, Saúde e Ciências

Sociais. Esses trabalhos em grande parte ocorriam dentro de uma visão de uma

ciência neutra e pretensamente isenta de ideologias, com notada tendência à

adaptação dos sujeitos.

Segundo a autora, os projetos políticos oficiais dessa época procuravam

a participação de profissionais com o objetivo de que desenvolvessem projetos

comunitários direcionados para a neutralização das reivindicações dos novos

moradores e/ou trabalhadores e reunia ações comunitárias e educativas, com tutela do

Estado, que primaram pelo assistencialismo e paternalismo. Esse momento ficou

conhecido como o “desenvolvimentismo” dos trabalhos comunitários e também como o

período dos projetos de educação básica/alfabetização e das casas populares.

Ainda no período da ditadura militar no Brasil e em outros países da

América Latina (anos 1960 a 1980), foram desenvolvidos trabalhos que realmente

tinham o compromisso com os setores populares, sendo que contavam nesses

trabalhos com a participação de psicólogos. Apesar de tímidas e escassas, essas

práticas ganharam visibilidade e passaram a fazer parte de propostas de ação de

projetos de pesquisa e de extensão nas universidades. É importante ressaltar que no

início dos anos 1970 fizeram parte de uma disciplina oficial chamada Psicologia

Comunitária. (FREITAS, 1998; MONTERO, 1994, 2003; SÁNCHEZ, 2000 apud

Freitas, 2012).

De acordo com Freitas (1998) e Montero (1994), a Educação, com a

proposta político-pedagógica de Paulo Freire, assume um papel de compromisso com

a transformação social. Essas ações de alfabetização e educação conscientizadora

foram muito importantes, sendo desenvolvidos diversos trabalhos de Educação

Popular e de Jovens e Adultos, inicialmente no Nordeste do Brasil, nos anos 1960, e

depois se estendendo para a América Latina e África.

Presencia-se em âmbito internacional, inúmeras reivindicações contra a

fome, a miséria, o desemprego, o analfabetismo e as doenças: onde se questiona a

omissão das universidades na realidade social (nas “barricadas de Paris”); os

movimentos acadêmicos-científicos e comunitários-sociais de envolvimento da

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ciência com a sociedade; a denúncia do preconceito e racismo (Apartheid na África e

populações indígenas); a denúncia da fome mostrada pelas figuras esqueléticas e

sub-humanas dos habitantes de Biafra, Somália, entre outros; tentativas de

participação democrática em países latino-americanos que viviam sob ditadura;

trabalho das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), na perspectiva da Teologia da

Libertação, a favor dos pobres e oprimidos da igreja católica; luta dos camponeses por

melhores condições de vida.

Em 1980, ocorre a criação da Associação Brasileira de Psicologia Social

(ABRAPSO), em 1980, fortalecendo a aproximação e o comprometimento da

Psicologia com a realidade concreta das pessoas.

De acordo com Freitas (2012), durante as quatro décadas do período

considerado, pode-se dizer que as práticas comunitárias revelam:

um "fazer" diferente da Psicologia em comunidade, destacando-se quatro aspectos: todas eram práticas orientadas por um tipo de Psicologia Social, nacional e latino-americana, que buscava conhecer a realidade concreta das pessoas; eram trabalhos que explicitavam algum tipo de compromisso político em favor dos setores populares; defendiam uma ligação necessária com outras áreas do conhecimento; e criticavam as teorias psicológicas que fossem históricas e reducionistas e que, infelizmente, predominavam na formação dos futuros psicólogos. (Freitas, 2012, p. 370).

De acordo com Freitas (2005) apud Freitas (2012), presenciam-se importantes

mudanças no campo das práticas psicológicas em comunidade a partir de meados de

1990, ocorrendo o aparecimento de distintas instituições e entidades da sociedade

civil, que têm o compromisso e a preocupação em garantir os direitos básicos das

pessoas com o objetivo de garantir uma vida social digna. Segundo a autora, nota-se a

procura de distintos segmentos e instituições da sociedade por atuações dos

psicólogos que sejam "diferentes das tradicionais" ou novas atuações, direcionadas

aos problemas enfrentados pelas pessoas em suas vidas.

Verifica-se, então, segundo Freitas (2012), que as principais demandas das

novas práticas em Psicologia Social estão associadas:

à saúde pública e coletiva;

à violência cotidiana e doméstica;

às formas de intolerância e preconceito para com as minorias sociais;

às diferentes redes de relacionamento social e interpessoal.

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Diante desse quadro, criam-se e ampliam-se as ONGs, que passam a ser

chamadas de Terceiro Setor, fortalecendo os trabalhos cujo foco é curativo e

assistencialista. Junto a essas práticas, ainda ocorrem alguns trabalhos comunitários,

que se sustentam na perspectiva de procurar uma participação ativa da população

como autora de sua própria história. (Freitas, 2012).

Atualmente, observa-se que os inúmeros grupos e entidades que trabalham

com trabalhos comunitários defendem necessariamente que exista algum tipo de

intervenção, seja de caráter transformador ou mantenedor da realidade. Essa

intervenção pode tanto ser numa perspectiva curativa e pontual como educativa e

preventiva, no entanto, deve dirigir-se aos mais pobres, oprimidos, explorados, ou

seja, que estão excluídos de sua condição de cidadãos. (FREITAS, 2005, 2006;

GOHN, 2000; MARTÍN-BARÓ, 1987, 1989; SCHERER-WARREN, 1999; WATTS,

GRIFFITH & ABDUL-ADIL,1999 apud Freitas, 2012).

Segundo Freitas (2012), é importante observarmos que existe também um

deslocamento do foco das análises psicossociais, que buscavam um visão

totalizadora e histórica, para uma ênfase em temas ou situações pontuais e focais,

circunscrevendo a análise a fragmentos ou apenas uma parcela dos acontecimentos.

Sendo assim, a autora diz que estaria havendo uma espécie de substituição dos

paradigmas de ação coletiva dos movimentos sociais (que existiam nos anos 1960

e 1970) por paradigmas atuais da “individualidade” com foco em ações imediatas

ou como diz Freitas (2005) apud Freitas (2012), um paradigma da “Presentificação

da Vida Cotidiana” em que se instauraria uma “luta (ou competição) polida e velada”.

A autora afirma que nos deparamos atualmente com inúmeros projetos de

intervenção e ação comunitária que demonstram incoerências e paradoxos, pois

embora defendam a melhora das condições de vida das pessoas e apareçam uma

preocupação com as condições sociais delas, os projetos políticos e os seus

compromissos efetivos são deixados em segundo plano, destacando uma forte

preocupação com a quantidade e eficiência das ações pró-cidadania e pró-inclusão,

como se os resultados e os números pudessem suprir os processos de formação,

conscientização e participação. É como se tais resultados „eficientes‟ pudessem, por si

só, ser sinônimos de projetos e compromissos políticos, em longo prazo, para a

construção de uma sociedade mais justa e melhor. (Freitas, 2012, p. 372).

Freitas (2012), tomando como referência os trabalhos e práticas em

comunidade, independentemente de seus referenciais teórico-metodológicas,

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observa que inúmeros cursos2 (rápidos ou longos, de formação ou não) têm sido

realizados abordando as seguintes temáticas:

a) Infância, Juventude e Violência Sexual e Social; Tipos de Ações, Penas e

Medidas Socioeducativas; Varas da Infância e Juventude; Conselhos Tutelares e

Políticas Afirmativas e de Cidadania;

b) Relações no campo da saúde; o SUS, os Conselhos Gestores e as Formas

de Gestão em Saúde;

c) Diferentes formas de intervenção psicossocial, participação e gestão

participativa em: instituições, comunidades, terceiro setor e ONGs;

d) A economia solidária, a terra e as condições/relações de trabalho. (Freitas,

2012, p. 373).

Do ponto de vista de como se dá as práticas de intervenção, Freitas (2012)

ressalta que podemos observar uma expansão das fronteiras de atuação, bem como

temas e possibilidades de parceria para pesquisas e intervenções nos projetos

desenvolvidos. Segundo a autora, isso demonstra alianças teórico-metodológicas que

eram incomuns nos primórdios da Psicologia e que, atualmente, estão apresentando

uma maior visibilidade, aceitação e, sobretudo, compreensão da sua necessária

interconexão.

Em meio a esses temas, encontram-se, segundo Freitas (2012):

a) as relações entre Comunidade, Escola e Família enfocando; b) as relações entre Envelhecimento, Família, Trabalho e Qualidade de vida; c) os efeitos da precarização das relações de trabalho; d) interfaces entre aspectos psicossociais ligados à criança, juventude e família; e) mulher, gênero, sexualidade e novas formações familiares; f) relações e impactos da saúde-doença; g) diferentes formas de violência e discriminações sociais. (Freitas, 2012, p. 373).

Sobre a atuação da Psicologia nos trabalhos comunitários, apesar da

existência da vasta gama de temas, aparecem três aspectos importantes a respeito

dessas práticas. O primeiro ponto indica que existem possibilidades e situações para o

trabalho da Psicologia, umas mais novas e pouco comuns do que outras; o segundo

indica que o fato dessas situações se revelarem necessidades urgentes, vividas por

diferentes setores da sociedade civil que têm solicitado uma participação da

psicologia; o terceiro ponto aponta os desafios a serem encarados quanto “ao quê

2 Livro de Programas, II Congresso Brasileiro Psicologia: Ciência e Profissão, 2006.

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fazer”, tanto no que se refere ao encontro de soluções adequadas aos problemas da

realidade, como também na formação que deve orientar essas demandas,

extrapolando os modelos tradicionais de formação em Psicologia. (Freitas, 2012).

Freitas (2012) questiona o que essas práticas atuais revelam e diz que em um

primeiro momento poder-se-ia achar que não haveria diferenças importantes entre

elas. No entanto, segundo a autora, existem sim diferenças, seja quanto às diferentes

maneiras de encaminhar as ações, seja na maneira de explicar o que determina os

problemas vivenciados pelas pessoas. Sendo assim, durante o percurso histórico da

Psicologia Social Comunitária, determinadas categorias tornaram-se cruciais para as

propostas de ação e intervenção comunitárias, como: a) a rede de relações dentro da

comunidade; b) as lideranças autóctones3 e os processos psicossociais de formação;

c) as formas de opressão, discriminação, competição e preconceito existentes na rede

comunitária e cotidiana; d) as crenças e valores em relação a si mesmo, aos outros e

às possibilidades de enfrentamento das adversidades; e) as formas de coesão,

cooperação e conscientização entre os diferentes participantes; e f) as diferentes

formas de ação (individual e coletiva) e as possibilidades de politização da consciência

na rede comunitária. (Freitas, 2012, p. 374).

Segundo Freitas (2012), a Psicologia Social Comunitária se diferencia de

outras práticas comunitárias por três aspectos: coerência a uma proposta de

transformação social, por meio de uma ação pedagógico-formativa que necessita de

um caráter preventivo com vistas a promover mudanças na vida cotidiana das

pessoas; na existência de problemas localizados para desenvolver ações pontuais e

específicas sem perder de vista a perspectiva histórica dos projetos políticos da

sociedade; preponderância de um trabalho em equipe. Sendo assim, o trabalho da

Psicologia Social visa aos processos de conscientização e participação construídos na

rede de vida cotidiana e comunidade, e em cada etapa do trabalho é preciso procurar

os links que se estabelecem entre esses processos e a rede de relações na vida

cotidiana. O objetivo é fortalecer os suportes sociais e maximizar as redes de

solidariedade, dirigidos por uma perspectiva mais coletiva da existência. (Freitas,

2012).

As práticas psicossociais, a partir dos anos 1990, podem ser agrupadas em

três blocos, mostrando as finalidades que distinguem umas das outras. (Freitas, 2012,

p. 375):

3 Natural de onde vive.

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1) referem-se a programas comunitários novos ou já em andamento em um

dado lugar, objetivando o fortalecimento da equipe de trabalho e/ou possibilidades de

intervenção psicossocial naquele espaço;

2) referem-se a problemáticas enfrentadas por diferentes setores/grupos,

desde as ligadas ao suporte e estrutura/equipamentos institucionais (condições de

moradia, saneamento, transporte, áreas de lazer); passando por questões ligadas à

violência, desemprego e saúde comunitária; até problemas mais pontuais, mas com

impacto na dinâmica comunitária (alcoolismo, relacionamentos, processos

psicossociais de solidão e envelhecimento, entre outros); e/ou

3) atendem demandas específicas de entidades (sindicais, profissionais,

gremiais e comunitárias) para problemas pontuais e individuais ou desafios das

dinâmicas comunitárias (como as repercussões psicossociais da aposentadoria,

desemprego, mercado informal, entre outros).

Mas diante da diversidade dessas práticas questiona-se sobre qual o papel dos

psicólogos sociais comunitários, bem como os compromissos que estes deveriam

assumir diante das intervenções psicossociais em comunidade. Isso representa um

desafio a esses profissionais no que diz respeito a quatro dimensões: o modo de

percepção da realidade (o que o profissional detecta na sua prática, que critérios

utiliza e os elementos que possui para saber se está no caminho correto das ações

que propõe); o que fazer no cotidiano do trabalho comunitário (necessidade da

explicitação das dimensões psicossociais dos processos de submissão e conformismo

das relações comunitárias); o modo de construir as relações estabelecidas entre

profissional e comunidade em tais trabalhos, como isso pode interferir na continuidade

das práticas comunitárias e também sobre os impactos produzidos por essas ações.

Freitas (2012) reflete sobre as grandes questões apresentadas em práticas em

comunidade, em meio as quais se destacam as relativas ao tipo de dívidas que nos

foram deixadas, e como seria possível saldar os débitos sociopolíticos e

epistemológico-éticos durante a realização de nossas práticas comunitárias. Segundo

a autora, os últimos séculos, o XX em especial, nos deixaram um legado de aspectos

positivos e negativos. De positivo, há duas tarefas que verificamos existir nos países

do Terceiro Mundo. A primeira é o fato de que os trabalhos comunitários e a procura

de soluções dignas só revelam sentido se possibilitarem o fortalecimento das

dinâmicas comunitárias em torno de uma perspectiva de libertação e transformação

social; e a segunda relaciona-se ao que fazer para conseguir construir e fortalecer

valores essenciais de convivência humana, por meio de uma dimensão que seja digna

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e solidária, na tentativa de impedir a perda de valores humanitários, que atualmente

tende a ser vista como natural. Do legado negativo, encontram-se as armadilhas que

ocorrem quando são feitas análises fragmentadas e sem contextualização histórica

sobre as condições reais de vida da população, colaborando para visões

naturalizantes sobre as mesmas.

O desafio central hoje, posto aos trabalhos comunitários, encontra-se em um

patamar anterior à própria organização e mobilização comunitárias, bem como à

realização do trabalho psicossocial. Segundo a autora, é importante refletir sobre quais

os princípios e valores que levam as pessoas a atuar, se movimentar e se organizar

na busca de benefícios coletivos e justos a todos, lembrando que essas práticas e

trabalhos comunitários são trabalhos e programas educativos que podem tomar como

referencial uma concepção de Educação Crítica e Conscientizadora, como, por

exemplo, a de Paulo Freire; as propostas de politização da consciência; bem como

valer-se de aspectos instrumentais com o objetivo de formação de pessoas para lidar

em seu meio com tarefas simples ou complexas.

Freitas (2012) reflete ainda qual seria a parte que cabe ao psicólogo

comunitário no que se refere às dívidas da profissão junto à sociedade e à vida diante

da pobreza, do desemprego, da precarização das relações e das diferentes formas de

miserabilidade e violência na vida; bem como no enfrentamento das sutis e variadas

formas de desumanização e rompimento das bases de solidariedade. Como podemos

atuar em práticas comunitárias diante disso? A autora levanta cinco grandes desafios

que são postos à Psicologia Social Comunitária latino-americana e que dizem respeito

às ações e às intervenções comunitárias. São eles:

1] Como recuperar e reconstruir redes de convivência mais humanas e

solidárias entre as pessoas?; 2] Como fazer com que as pessoas voltem a ter um

projeto coletivo, em que o “outro social” deixe de ser um potencial inimigo?; 3] Como

(re)criar um projeto de vida que seja, de fato, comunitário nas relações cotidianas?; 4]

Como ter projetos que também formem e eduquem dentro das diferentes políticas

públicas?; e 5] Como garantir uma perspectiva de transformação social e politização

da consciência, quando os projetos e programas estão dirigidos a problemáticas

fragmentadas da realidade social? (Freitas, 2012, p. 377, 378).

A expressão das contradições e dificuldades enfrentadas pelos setores

populares, atualmente, é diferente de tempos anteriores. Existe um movimento da

sociedade que demonstra uma preocupação em ajudar (como os grupos que

desenvolvem ações pró-cidadania), o que em diversos momentos pode criar a ideia

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falsa de que as condições perversas de marginalidade e exploração não existem mais

ou foram atenuadas. Essa vontade de ajudar, infelizmente, não diminui os problemas

concretos, pois não extingue os reais determinantes dessas situações de opressão e

exploração. A autora ressalta que o papel da Psicologia Social Comunitária deve ter

como foco os aspectos psicossociais existentes nas relações cotidianas, que

atualmente se revelam de um modo mais sutil e velado, tornando-se entraves para os

processos de participação e conscientização dos atores sociais envolvidos em

propostas comunitárias (Freitas, 2012).

Para concluir, a autora apresenta as contribuições da Psicologia Social

Comunitária no cenário dos trabalhos comunitários no decorrer de sua trajetória no

Brasil e na América Latina. São elas:

a Psicologia Social Comunitária redimensiona seu papel como um

trabalho Educativo e Pedagógico aglutinando trabalhos e experiências em campos

disciplinares diferentes, como: o campo da Educação Popular e dos trabalhos da

Investigação-Ação-Participante (IAP) junto aos setores do campo e periferias de

grandes cidades. (FREITAS, 2002, 2003b, 2005, prelo, apud Freitas, 2012);

Ela dirige-se principalmente à retomada dos processos psicossociais de

conscientização e participação, bem como dos conceitos de

exclusão/inclusão/participação. Enfoca essas categorias como sendo

dialéticas,histórico e socialmente construídas, reforçando as análises micro e macro

sociais na busca da compreensão dialética da totalidade histórica da vida cotidiana.

(FREITAS, 2005, 2006 apud Freitas, 2012);

O lugar central é a comunidade como foco principal nas relações e nas

ações comunitárias;

A vida cotidiana se constitui como material para análise dos processos e

conscientização e participação, com uma preocupação para os processos de

Sobrevivência Psicossocial na tentativa de entender os possíveis avanços e

retrocessos nos trabalhos comunitários.

A defesa do fortalecimento das redes de solidariedade para a

construção de uma sociedade mais digna e justa.

De acordo com Freitas (2012), dessa maneira e tendo em vista essas

preocupações e esses compromissos que fazem parte da Psicologia Social

Comunitária, poderemos diminuir o legado de dívidas que também foi deixado aos

psicólogos.

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

FREITAS, M. F. Q. Intervenção psicossocial e compromisso: desafios às políticas públicas. In:

JACÓ-VILELA, Ana Maria; SATO Leny (orgs). Diálogos em Psicologia Social. Porto Alegre:

Editora Evangraf/ABRAPSOSUL, 2012. Cap. 22, p. 365-381.

UNIDADE IV: SAÚDE OCUPACIONAL: QUALIDADE DE VIDA NO

TRABALHO, OS VÍNCULOS NAS INSTITUIÇÕES4

Saúde ocupacional pode ser definida como ausência de doença, no entanto,

como o próprio ambiente de trabalho pode provocar doenças, uma definição mais

ampla de saúde é um estado físico, mental e social de bem-estar.

No que se refere ao conceito de organização, Lévy (2001 apud Araujo, 2012) a

define como:

(...) uma unidade sociológica orientada para a produção coletiva de bens, de ideias ou de serviços, portanto um conjunto concreto de pessoas e de grupos, mas também de meios técnicos ou materiais, de conhecimentos e de experiências associadas para que se possa chegar a objetivos comuns, o que supõe a gestão e o tratamento de problemas de ação. (LÉVY, 2001, p. 129).

Essa definição mostra a interligação entre os recursos materiais: maquinário,

instrumentos, dinheiro, local etc. e os recursos humanos, ou seja, os trabalhadores

que executam suas tarefas e funções, não importando a hierarquia, e sim a gestão

burocrática que vivenciam no ambiente profissional. Araujo (2012) aponta que essas

questões burocráticas e problemas comuns ao trabalho, como relacionamento

interpessoal e entre chefia/subordinado, condições e organização do trabalho, podem

acarretar situações de conflito e crise, prejudicando, assim, a saúde do trabalhador.

Segundo o autor, as práticas gerenciais estão pouco preocupadas com a saúde

ocupacional de seus trabalhadores, haja vista o alto índice de acidentes e doenças do

trabalho. Na América Latina, ocorrem entre 20 a 27 milhões de acidentes, destes, 90

mil são fatais, o que significa que 250 pessoas morrem por dia. No Brasil, entre 1999 e

2003, ocorreram 1.875.190 acidentes de trabalho, com 15.293 mortes e 72.020 casos

de incapacitação permanente. E, em muitos casos, há a ocorrência de doenças como

4 Unidade elaborada por Amanda Bérgamo.

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Síndrome de Burnout, estresse, doenças psicossomáticas (úlceras, hipertensão,

problemas aditivos), entre outras.

No ambiente organizacional, buscam-se incessantemente a produtividade e o

lucro, dessa forma, as ações são baseadas no mecanicismo e na racionalidade

técnica, há uma dissociação do homem, como se fosse apenas um recurso. Essa

racionalidade, de acordo com Araujo (2012), separa trabalho e vida e ignora as

questões éticas, cidadania e preocupação com os sentimentos e sofrimento do

trabalhador, que antes de mais nada é um ser humano com expectativas, sonhos e

desejos.

As organizações surgiram como meio de atender as necessidades humanas,

desde as fisiológicas, fundamentais à sobrevivência, até as necessidades criadas pelo

consumismo e capitalismo. Marx dizia que a economia moderna é irracional, já que o

trabalho traz maravilhas aos ricos e desapropria o trabalhador de seus desejos e

vontades. Por outro lado, Weber entendia que o capitalismo não é irracional, pois suas

instituições seriam a materialização da racionalidade. Contudo, observa-se que esse

último pensamento é contraditório, uma vez que o progresso técnico racional, avesso

ao desenvolvimento da vida humana, seria a pura expressão da irracionalidade

(Araujo, 2012):

As consequências de um progresso técnico racional a favor das forças produtivas e avessas ao desenvolvimento da vida humana seriam provas suficientes de que não se trata de uma racionalidade, mas de uma irracionalidade, ao não considerar os efeitos sobre o mundo vivido e seus produtores, os homens. (ARAÚJO e CIANALLI, 2006, p. 291).

O estresse no trabalho

Hans Selye (França, 2013) definiu o estresse como qualquer adaptação

requerida à pessoa, sendo um agente neutro, capaz de tornar-se positivo ou negativo:

O estresse positivo (ou eustresse), assim como o negativo (distresse), causa

reações fisiológicas similares: as extremidades do corpo tendem a ficar suados e frios,

o ritmo cardíaco e a pressão arterial tendem a subir etc. No aspecto emocional, as

reações ao estresse são muito diferentes, o eustresse motiva e estimula a pessoa a

lidar com a situação. Já o distresse acovarda o indivíduo, fazendo com que ele se

intimide e fuja da situação.

Cada indivíduo compreende e interpreta os acontecimentos de maneira

particular, e, assim, a vivência do estresse varia conforme a realidade de cada um.

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Quanto mais a pessoa consegue lidar com as situações de pressão, melhor se adapta

e o estresse se torna positivo.

Qualidade de vida no trabalho

No ambiente de trabalho, França (2013) associa qualidade de vida, saúde e

ergonomia à ética da condição humana e explica que:

a atitude ética compreende desde identificação, eliminação, neutralização ou controle dos riscos ocupacionais observáveis no ambiente físico, padrões de relação de trabalho carga física e mental requerida para cada atividade, implicações políticas e ideológicas, dinâmica da liderança empresarial e do poder formal ou informal, o significado do trabalho em si até o relacionamento e satisfação das pessoas no seu dia a dia.

Para tanto, faz-se necessária a criação de uma nova competência, a Gestão da

Qualidade de Vida no Trabalho, que denota novos desafios frente às necessidades

das pessoas. França (2013) define como:

a capacidade de administrar o conjunto das ações, incluindo diagnóstico, implantação de melhorias e inovações gerenciais, tecnológicas e estruturais no ambiente de trabalho alinhada e construída na cultura organizacional, com prioridade absoluta para o bem-estar das pessoas da organização.

Muitas abordagens teóricas contemplam a temática da qualidade de vida no

trabalho (QVT), desde as teorias dejourianas e francesas relacionadas à

psicopatologia do trabalho e as doenças somáticas em virtude do trabalho,

perpassando por modelo sociotécnico, que consiste no desenho de plantas e cargos;

teorias motivacionais, que analisam as necessidades humanas no ambiente de

trabalho; e mais recentemente são estudadas questões ligadas à cidadania e

responsabilidade social nas empresas.

A saúde ocupacional está intimamente relacionada à qualidade de vida no

trabalho, e diversos campos da ciência trazem uma contribuição para o tema,

conforme França (2013):

Ecologia: o homem é parte integrante e responsável pela preservação do

ecossistema dos seres vivos e dos insumos da natureza;

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Engenharia: por meio da ergonomia, com maior capacidade de construir

objetos e ambientes – extensão das necessidades humanas –, de forma cada

vez mais confortável, eficaz e harmônica na interface pessoas/trabalho;

Psicologia: junto com a filosofia, demonstra a influência das atitudes internas

e das perspectivas de vida na análise e inserção de cada pessoa no seu

trabalho e a importância do significado intrínseco das necessidades

individuais;

Sociologia: resgata a dimensão simbólica do que é compartilhado e

construído socialmente, demonstrando as implicações de quem influencia e é

influenciado nos diversos contextos culturais e antropológicos;

Economia: enfatiza a consciência social de que os bens são finitos e que a

distribuição de bens, recursos e serviços deve envolver a responsabilidade

social e a globalização; e

Administração: com o aumento da capacidade de mobilizar recursos, cada

vez mais sofisticados e impactantes em termos tecnológicos, diante de

objetivos específicos, rápidos e mutantes.

Como ferramentas da Gestão da Qualidade de Vida no Trabalho, França

(2013) indica:

Levantamento específico de importância ou satisfação com base em

indicadores predeterminados;

Diagnóstico do clima organizacional;

Grupos de trabalho, autogestão e comissões de qualidade de vida;

Relatórios médicos, incidentes críticos e outros sinais de avaliação de

estresse e insatisfação;

Mapeamento do perfil sociofamiliar e benefícios esperados;

Pesquisa de opinião junto à comunidade;

Exigências legais;

Avaliações de desempenho de clientes internos e externos.

O conjunto de critérios mais utilizado no Brasil, de acordo com a autora, é o

que foi elaborado por Walton (1975), que deve ser operacionalizado conforme o

programa de QVT de cada empresa:

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1. Compensação justa e adequada;

2. Condições de trabalho;

3. Integração social na organização;

4. Oportunidade de crescimento e segurança;

5. Uso e desenvolvimento das capacidades pessoais;

6. Cidadania;

7. Trabalho e espaço total de vida;

8. Relevância social do trabalho.

Para França (2013), as Normas Regulamentadoras (NRs), criadas em 1978,

são indicadores de qualidade de vida, já que determinam programas de eliminação,

controle e preservação da saúde e consequentemente bem-estar do ambiente de

trabalho, como: Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa), Semana Interna

de Prevenção de Acidentes (Sipat), Programa de Prevenção de Riscos Ambientais

(PPRA), Controle Médico e de Saúde Ocupacional (PCSMO). E, com relação aos

indicadores empresariais, a autora exemplifica:

Cultura: atividades de lazer, arte e informação cultural que as

empresas desenvolvem e que interferem positivamente no clima

organizacional e na motivação dos empregados.

Gentileza: gentileza no trabalho traduz-se em atos de reconhecimento

e valorização do outro; humor são indicadores da cultura e do nível de

integração entre as pessoas de um grupo.

Produtos ecologicamente corretos: os consumidores estão se

preocupando cada vez mais com o meio ambiente.

Assim, a preocupação com a Gestão da QVT é uma competência que vem

ganhando grande importância no campo gerencial, pois possui, para França (2013),

forte efeito catalisador nas esferas psicossocial e organizacional. Além disso, quando

essa Gestão, é bem feita diminui-se o risco de aparecimento de doenças

ocupacionais, rotatividade, absenteísmo, afastamento, entre outras ocorrências.

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Vínculo nas instituições

As instituições, para Araujo (2012), não estão ligadas à estrutura burocrática ou

à contabilidade, e sim à função social que desempenham. E, mais ainda, para serem

legítimas, as instituições precisam da aceitação racional dos membros que a

compõem e possuem também preceitos sagrados e divinos:

Seus “discursos fundadores” remetem ora a preceitos divinos, ora a ideais ou valores que devem ser interiorizados como expressão da verdade, do bem, da justiça ou outros conceitos “intocáveis”. Elas pretendem, assim, orientar ou regular a vida social. Para isso, é preciso que os seus membros (dirigentes, dirigidos, simpatizantes) interiorizem tais valores. (ARAUJO, 2012).

Nas instituições, ocorrem as trocas entre os membros e fazem uso de regras e

valores que definem a ordem social. Assim, os membros que a compõem devem

confiar, apoiar e participar desses preceitos, preceitos estes regidos por uma entidade

maior, invisível e imaterial (o Poder, a Lei, o Saber, a Justiça). Todavia, de acordo com

Araujo (2012), faz-se necessária a presença de elementos concretos, como edifícios,

feriados, celebrações que comemorem fatos do passado e de elementos que fazem

parte do imaginário social, como os personagens (padres, presidentes, juízes) que

transcendem sua individualidade como pessoa.

Para Bleger (Oliveira & Terzis, 2009), a instituição é uma organização

permanente de algum aspecto da vida coletiva, regulada por normas, costumes, ritos e

leis.

Enriquez (1992, apud Araujo, 2012) entende que as organizações protegem os

indivíduos do risco da perda de identidade, da angústia de fragmentação, fornecendo-

lhes couraças sólidas, por meio de status e papéis, misturando a identidade do

indivíduo com a identidade da organização.

Freud diz que a identificação é conhecida pela psicanálise como a mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa e é ambivalente desde o início, pois pode tornar-se expressão de ternura com tanta facilidade quanto se tornar desejo de afastamento de alguém. Além desse laço emocional inicial na vida do sujeito, podem surgir outros laços com qualquer nova percepção de uma qualidade comum partilhada com outra pessoa. (Oliveira & Terzis, 2009).

O vínculo se dá não somente nas relações grupais, mas também ocorre na

identificação com o outro, com a percepção compartilhada, o que traz ao sujeito o

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sentimento de pertencimento e de sentido de existência e sentido do próprio ambiente

organizacional.

Pichon ampliou, portanto, o conceito de relação de objeto, propondo uma estrutura mais complexa, pois o vínculo é uma relação particular do objeto que inclui a conduta, ou seja, manifestações não verbais, como o interjogo de olhares, que revelam afetos. Além disso, o vínculo está relacionado com a noção de papel, de status e de comunicação, pois, por meio da relação com outra pessoa, repete uma história de vínculos determinados em um tempo e em um espaço, de forma que as pessoas se relacionam a partir de modelos de vínculos. (Oliveira & Terzis, 2009).

Ainda se referindo a Pichon-Rivière (apud Oliveira & Terzis, 2009), o autor

descreve o vínculo normal, que é aquele no qual o sujeito e o objeto se diferenciam

sem atingir a máxima diferenciação, e o vínculo patológico, no qual não há

diferenciação. Do ponto de vista dinâmico, o vínculo ocorre quando a outra pessoa

deixou de ser indiferente e passou a ter significado e despertar sentimentos, incluindo

o sentimento de pertinência.

Não obstante, Chanlat (1996) complementa que, quando há um objeto de

identificação, há também um investimento libidinal, que pode ser de amor ou de ódio.

O autor remete à definição de Enriquez (1983, apud Chanlat, 1996): “O outro não

existe enquanto existe apenas para nós, o que significa que uma forma de

relacionamento – identificação, amor, solidariedade, hostilidade – é indispensável para

construir o que quer que seja com o outro”.

Por fim, é por meio dos vínculos estabelecidos que o indivíduo sente-se

pertencente ao grupo e, consequentemente, à instituição. Ao se vincular ao outro, o

trabalhador compartilha seu sofrimento, suas angústias, seus desejos e suasfantasias

e sente-se pertencente, diminuindo ou amenizando, assim, o aparecimento de

doenças causadas pela organização do trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAUJO, J. N. G. Visadas sobre o trabalho contemporâneo: Trabalho, organizações e

instituições. In: JACO-VILELA, A. M. & SATO, L. Diálogos em Psicologia Social. Rio

de Janeiro, 2012.

CHANLAT, J. O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. 3. ed. São Paulo:

Atlas, 1996.

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FRANÇA, A. C. L. Práticas de Recursos Humanos – PRH: conceitos, ferramentas e

procedimentos. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

OLIVEIRA, D. O. F. & TERZIS, A. Vínculo e instituição: desenvolvimentos teóricos no

campo da psicanálise. In: Anais do XIV Encontro de Iniciação Científica da PUC-

Campinas. 29 e 30 de setembro de 2009.