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16 Física na Escola, v. 2, n. 2, 2001 Um experimento de fácil realização em sala de aula, a dissecação de um olho de boi pode ajudar os estudantes de física a entender o mecanismo da visão humana e, também, compreender me- lhor alguns conceitos de óptica. Abrindo o olho O desenvolvimento da óptica geométrica teve como moti- vação, assim como algumas outras áreas da física, a necessidade de ampliar a potencialidade do ser hu- mano e suprir algumas de suas limi- tações. Os binóculos e lunetas são exemplos do primeiro caso e os óculos do segundo. Uns ampliaram a capaci- dade do olho humano, outros corri- giram algumas de suas debilidades. Este artigo descreve sucintamente esses aspectos e sugere uma atividade muito interessante, que ilustra os princípios de funcionamento do olho e suas partes principais por meio da dissecação de um olho de boi. Suas potencialidades O olho humano é um sensor poderosíssimo. Em parceria com o cérebro, capta as imagens que desven- dam o mundo exterior com todas as suas formas, relevos, cores e movi- mentos. É capaz de focalizar objetos situados a vários quilômetros de dis- tância ou a um palmo da nossa face. Pode visualizar objetos sob luminosi- dade de um sol intenso ou na penum- bra de um quarto escuro. E, apesar de ser comparável às máquinas foto- gráficas no que se refere ao princípio de funcionamento, a sua versatilidade é bem superior. Na máquina fotográfica para capturarmos objetos muito pouco iluminados é preciso o auxílio de um flash ou a utilização de filmes muito sensíveis; já o olho humano possui uma capacidade incrível de enxergar em situações de muito baixa lumino- sidade. Experiente, por exemplo, en- trar em uma sala muito pouco ilumi- nada. A princípio você não enxergará nada. Porém, após 10 minutos, estará vendo vários objetos que antes eram impossíveis de enxergar. Espere 30 mi- nutos e você estará com uma sensibilidade 10 mil vezes maior do que quando entrou na sala. Nessas situações, ou à noite, as células sensí- veis às cores, chamadas de cones, não respondem, e a formação da imagem fica a cargo dos bastonetes. A imagem não possuirá cores, mas apenas tons de cinza. Por isso, dizemos que a noite todos os gatos são pardos. No olho, como na máquina foto- gráfica, a luz que provém de um obje- to externo passa por um sistema de lentes, formando sobre um anteparo uma imagem invertida. No olho, esse conjunto de lentes é formado basica- mente pela córnea e pelo cristalino, e o anteparo é a retina, que possui mi- lhões de neurônios sensíveis à luz, também chamados de fotorreceptores. Na máquina fotográfica, as lentes possuem curvaturas fixas (distância focal constante). Assim, para que a imagem se forme corretamente sobre o filme, temos que mover as lentes para frente ou para trás. No olho, isto não é preciso. A córnea, membrana transparen- te na frente do olho, possui uma for- ma de calota esférica graças à pressão exercida pelo humor aquoso. Como as lentes das máquinas fotográficas, possui uma curvatura fixa e, junto com o humor aquoso, é responsável por 80% do processo de formação da imagem sobre a retina. Como não é irrigada por vasos sanguíneos, seu transplante não apresenta problemas de rejeição. Atualmente, cirurgias com Marcelo M. F. Saba Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais [email protected] Ivan Dalla Valle Epiphanio Clube de Ciências Quark Dissecando um olho de boi para entender a óptica do olho humano

Como funciona o olho

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16 Física na Escola, v. 2, n. 2, 2001

Um experimento de fácil realização em sala deaula, a dissecação de um olho de boi pode ajudaros estudantes de física a entender o mecanismoda visão humana e, também, compreender me-lhor alguns conceitos de óptica.

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Abrindo o olho

Odesenvolvimento da ópticageométrica teve como moti-vação, assim como algumas

outras áreas da física, a necessidadede ampliar a potencialidade do ser hu-mano e suprir algumas de suas limi-tações. Os binóculos e lunetas sãoexemplos do primeiro caso e os óculosdo segundo. Uns ampliaram a capaci-dade do olho humano, outros corri-giram algumas de suas debilidades.Este artigo descreve sucintamenteesses aspectos e sugere uma atividademuito interessante, que ilustra osprincípios de funcionamento do olhoe suas partes principais por meio dadissecação de um olho de boi.

Suas potencialidadesO olho humano é um sensor

poderosíssimo. Em parceria com océrebro, capta as imagens que desven-dam o mundo exterior com todas assuas formas, relevos, cores e movi-mentos. É capaz de focalizar objetossituados a vários quilômetros de dis-tância ou a um palmo da nossa face.Pode visualizar objetos sob luminosi-dade de um sol intenso ou na penum-bra de um quarto escuro. E, apesarde ser comparável às máquinas foto-gráficas no que se refere ao princípiode funcionamento, a sua versatilidadeé bem superior.

Na máquina fotográfica paracapturarmos objetos muito poucoiluminados é preciso o auxílio de umflash ou a utilização de filmes muitosensíveis; já o olho humano possuiuma capacidade incrível de enxergarem situações de muito baixa lumino-sidade. Experiente, por exemplo, en-trar em uma sala muito pouco ilumi-

nada. A princípio você não enxergaránada. Porém, após 10 minutos, estarávendo vários objetos que antes eramimpossíveis de enxergar. Espere 30 mi-nutos e você estará com umasensibilidade 10 mil vezes maior doque quando entrou na sala. Nessassituações, ou à noite, as células sensí-veis às cores, chamadas de cones, nãorespondem, e a formação da imagemfica a cargo dos bastonetes. A imagemnão possuirá cores, mas apenas tonsde cinza. Por isso, dizemos que a noitetodos os gatos são pardos.

No olho, como na máquina foto-gráfica, a luz que provém de um obje-to externo passa por um sistema delentes, formando sobre um anteparouma imagem invertida. No olho, esseconjunto de lentes é formado basica-mente pela córnea e pelo cristalino, eo anteparo é a retina, que possui mi-lhões de neurônios sensíveis à luz,também chamados de fotorreceptores.

Na máquina fotográfica, as lentespossuem curvaturas fixas (distânciafocal constante). Assim, para que aimagem se forme corretamente sobreo filme, temos que mover as lentespara frente ou para trás. No olho, istonão é preciso.

A córnea, membrana transparen-te na frente do olho, possui uma for-ma de calota esférica graças à pressãoexercida pelo humor aquoso. Comoas lentes das máquinas fotográficas,possui uma curvatura fixa e, juntocom o humor aquoso, é responsávelpor 80% do processo de formação daimagem sobre a retina. Como não éirrigada por vasos sanguíneos, seutransplante não apresenta problemasde rejeição. Atualmente, cirurgias com

Marcelo M. F. SabaInstituto Nacional de [email protected]

Ivan Dalla Valle EpiphanioClube de Ciências Quark

Dissecando um olho de boi para entendera óptica do olho humano

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laser estão “torneando” a córnea paraeliminar o uso de lentes corretivas.

O cristalino é uma lente biconvexaconvergente que, ao contrário das len-tes utilizadas nas máquinas fotográ-ficas, possui curvatura variável. Éformado por várias camadas trans-parentes que deslizam umas sobre asoutras. Ele se encontra preso por for-tes ligamentos aos músculos ciliares,que controlam sua curvatura, varian-do sua distância focal. Isto permite aoolho focalizar sobre a retina a imagemde objetos a grandes ou pequenasdistâncias. O processo de mudança decurvatura é chamado de acomodação.O olho normal consegue, por meio daacomodação, observar objetos a partirde 25 cm de distância. Com o avançoda idade, a perda dessa flexibilidadelimita o poder de focalização do olho,ocorrendo a conhecida “vista cansa-da”, tecnicamente conhecida comopresbiopia.

Para tirar uma foto, procuramossegurar a máquina fotográfica coma maior firmeza possível. No entanto,o olho, ao observar algo, não fica pa-rado. Pequenos movimentos trêmulosocorrem involuntariamente. Essesmovimentos imperceptíveis têm duasfunções. Primeiro, evitam que umamesma região da retina fique expostapor um longo período a uma luzintensa. Se isto acontecesse, as célulasfotorreceptoras perderiam tempo-rariamente a sua sensibilidade. Se-gundo, permitem que a imagem querecai sobre o ponto cego da retina, re-gião de convergência dos nervos ópti-cos e, portanto, insensível à luz, sejacaptada por células sensíveis adja-centes.

Suas debilidadesOs olhos, chamados por alguns

filósofos de janela da alma, nemsempre retratam o mundo exteriorcom fidelidade. O homem, no seu eter-no desejo de conhecer melhor o mun-do, procurou desde há muitos séculos,encontrar, quando preciso, uma ma-neira de “consertar” essa importantevia de acesso à realidade externa.Assim surgiram os óculos.

Apesar da tremenda importânciaque os óculos têm, principalmentepara quem os utiliza, não se sabe ao

certo quem os inventou. Marco Polorelata a sua existência na China já em1270. Porém, os chineses afirmamque os óculos têm origem árabe. Osprimeiros óculos eram feitos a partirde lentes convergentes para a correçãoda presbiopia. Os míopes tiveram ain-da que esperar quase 300 anos paraterem a vista corrigida.

Os primeiros óculos não eram co-mo os de hoje, com hastes que se do-bram e se apoiam sobre as orelhas.Este só apareceram no século XVIII.Também não havia muita ciênciaenvolvida na escolha da lente apro-priada. Era necessário tentar umalente após outra, até achar a que maisconviesse.

Hoje em dia, os oftalmologistassabem com precisão qual o grau dalente necessária para corrigir a visão.O grau da lente é dado em dioptrias,que é numericamente igual ao inversoda sua distância focal em metros. Seránegativo se a lente for divergente (bor-das espessas e região central delgada).Será positivo se a lente for convergente(bordas delgadas e região centralespessa).

O míope possui o globo ocularalongado. Conseqüentemente, a ima-gem se forma antes da retina. É capazde enxergar nitidamente apenas obje-tos muito próximos. Para que a ima-gem se forme corretamente sobre aretina, é preciso diminuir a conver-gência dos raios luminosos. Por isso,o míope utiliza lentes divergentes.

Para o hipermétrope, que possuio globo ocular menos profundo queo normal, a imagem se forma depoisda retina. Assim, para aumentar aconvergência dos raios, os hipermé-tropes usam lentes convergentes. Semelas, apenas objetos distantes são vis-tos com nitidez.

Já os astigmatas possuem um de-feito na córnea. Esse defeito impossi-bilita a formação de imagens nítidas,independentemente da distância doobjeto. Isso ocorre por que a córneanão apresenta uma curvatura esfé-rica. A córnea do astigmata parececom uma bola de rugby ou de futebolamericano, sendo portanto incapaz deformar uma imagem pontual a partirde um objeto pontual. A palavra as-tigmatismo, derivada do grego (a =

não, stigma = ponto), indica essaincapacidade.

Instruções para dissecar umolho de boi

O olho de boi possui várias seme-lhanças com o olho humano e a suaobservação pode ajudar muito oentendimento de como o nosso pró-prio olho funciona. Se você não é daárea de biológicas e nunca dissecounada, não se assuste; o que a princípiopode parecer repugnante se converterapidamente em uma atividade fasci-nante.

Material

• Bandeja ou prato fundo descar-tável

• Pinças (duas)• Bisturi, estilete ou uma pequena

tesoura• Olho de boi (procure junto ao

açougueiro ou em um abatedouro)

Procedimento

1. Retire o excesso de gordura emúsculos que existe em torno doolho. A gordura serve de proteção aoolho contra impactos. Os músculossão responsáveis pela sua movimen-tação. O olho do boi possui apenas 4músculos, enquanto que o do serhumano possui 6. Quando queremosver um objeto com mais detalhes,posicionamos o nosso olho de formaque a imagem se forme sobre umaregião da retina chamada fóvea. Nessaregião, a densidade de células nervosasé maior, permitindo uma visão commaior nitidez.

2. Retire a córnea. Podemos perce-ber a existência da nossa própria cór-nea da seguinte maneira: feche o olho,coloque o dedo sobre a pálpebra emovimente o olho de um lado paraoutro. Você perceberá uma protube-rância.

Ao cortar a córnea, você notaráque um líquido chamado humoraquoso sai de dentro dela. Esse líquidomantém a pressão que dá a forma à

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córnea. Observe a íris, diafragmacomposto de músculos que mudamo diâmetro da pupila, controlando aquantidade de luz que entra no olho.O diâmetro da pupila no ser humanovaria de 1,5 mm a 8 mm. Essa varia-ção não é instantânea. Isso pode serpercebido facilmente se, de frente paraum espelho apagarmos e acendermosa luz ambiente. A íris do boi é sempremarrom. Ou seja, não existem boisde olhos verdes ou azuis. Além disso,a sua pupila é oval, e não circular co-mo a nossa.

3. Retire o cristalino. Veja atravésdele objetos distantes. Eles aparecerãode cabeça para baixo. O cristalino é

uma lente convergente. Observe tra-cinhos pretos ao redor dele. São os li-gamentos que presos aos músculosciliares, variam o tamanho da lente.Coloque o cristalino sobre um papelcom algo escrito. Veja como ele fun-ciona como uma lente de aumento.

4. Observe o humor vítreo. Ele éuma espécie de massa gelatinosa quepreenche a parte interna do olho,definindo a sua forma. Ele também éresponsável por manter a retina fixa-da no fundo do olho. Isto é muitoimportante pois, se a retina se dobra,o sinal que chegará no cérebro seráconfuso.

5. Corte o globo ocular pela me-tade. Observe, nofundo do olho, umapelícula vastamenteirrigada por vasossangüíneos. É aretina. Ela é como ofilme fotográfico doolho. Está presa emum ponto chamado ponto cego,pois nele não há receptores sensí-veis à luz. Nesse ponto, passa ofeixe de nervos que formam onervo óptico, que leva as infor-mações ao cérebro.

6. Observe o tapete atrás da retina.O tapete é uma camada azul-esver-deada brilhante e colorida que refletede volta para a retina a luz que jápassou por ela. Ele permite ao boi en-xergar melhor no escuro. O farol deum carro faz brilhar os olhos do gatopois ele também tem essa camada re-fletora no fundo do olho. O ser huma-no não possui o tapete: o fundo donosso olho é preto e absorve a luz quepassa pela retina.

Sites com mais informaçõese experiências sobre a visão

Experiênciashttp://www.fisica.ufc.br/oti3.htmhttp://www.exploratorium.edu/

snacks/iconperception.html

Animação (applet) mostrandocomo a imagem se forma sobrea retina

ht tp : //use r s . e ro l s . com/renau/eye_applet.html

Mais informaçõeshttp://www.fisica.ufc.br/tintim4.htmht tp : // l i b ra ry. th inkques t . o rg/

C001464/cgi-bin/view.cgi

Faça Você

MESMOFaça Você

MESMO

A Água nãoDerrama...

Material• copo com água• balão de aniversário (inflado

até uns 10 cm de diâmetro)

ProcedimentoMolhe a borda do copo com o

dedo umedecido e mantenhaencostado nela o balão. Vire o copocom a boca para baixo e soltesuavemente o balão.

Observe queNem o balão cai, nem a água

derrama!

ExplicaçãoA pressão da água e do ar ( de cima

para baixo) contidos no copo é igualà pressão atmosférica (de baixo paracima) sobre o balão, de modo que oequilíbrio é mantido, e a água não der-rama!

Tópicos de discussão• pressão atmosférica• pressão hidrostática de líquidos

Francisco Catelli e Simone [email protected]

Universidade de Caxias do Sul - RS

Esquema dos principais componentes do olhohumano.