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Como se pode identificar um risco? Engº Antonio Fernando Navarro 1 Nas atividades de Engenharia de Segurança do Trabalho, se fosse dito que existem várias maneiras de se identificar um risco poderíamos ficar preocupados com a notícia e ao mesmo tempo ansiosos, já que o desejo daqueles que têm o risco como sua ferramenta de trabalho, pois que passam tanto tempo lidando com ele que terminam por identifica-los facilmente. Porém, não existe uma “mágica” que permita a identificação fácil de um risco. Várias são as razões que impossibilitam essa tão fácil identificação. Em primeiro lugar, o risco não é a estrela principal de nosso espetáculo, e sim, e tão somente um coadjuvante. A estrela principal é o “Perigo”. Esse sim, é fácil de ser identificado. Para que isso ocorra é necessário que o profissional tenha uma mente aberta e um elevado nível de percepção. Pode-se somar isso a um nível de conhecimento específico. Se o perigo pode ser facilmente identificado, por que os riscos não o podem ser também? Pelo simples fato de que muitos dos riscos costumam surgir associados a outros. Heinrich, escreveu um artigo cujo título era: os cinco fatores na sequência do acidente, em 1959. Atribuiu a cada um dos fatores nomes como: personalidade; falhas humanas no exercício do trabalho; causas de acidentes (Atos Inseguros e Condições Inseguras); acidente e lesão. Os fatores foram dispostos igualmente como peças de dominós, de modo que, com a queda do primeiro todos os demais cairiam. Se a queda ocorresse com o segundo os fatores subsequentes cairiam, ou seja, as peças subsequentes sempre cairiam. Todavia, segundo seu estudo, quando um desses fatores era suprimido ou eliminado, no caso dos dominós, retirada a peça, perdia- se a conexão das quedas e, em assim o sendo, havia apenas uma queda que não influenciava nas demais. A lógica era interessante na época, há mais de cinquenta anos atrás, e ainda hoje é motivo de muitos estudos, inclusive este agora. Da mesma forma de Heinrich identificou os riscos como peças de dominós enfileiradas, podemos hoje ampliá-las e dizer que podem existir muitas fileiras de dominós, convergentes. Exemplificando, tomemos o caso de um vento forte que ocorra em um local onde 1 Antonio Fernando Navarro é físico, engenheiro civil, engenheiro de segurança do trabalho, mestre em saúde e meio ambiente, doutorando em engenharia civil, especialista em gerenciamento de riscos, engenheiro e professor da Universidade Federal Fluminense – UFF/RJ – e-mail: [email protected]; [email protected].

Como se pode identificar um risco?

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Page 1: Como se pode identificar um risco?

Comosepodeidentificarumrisco?

Engº Antonio Fernando Navarro1

Nas atividades de Engenharia de Segurança do Trabalho, se fosse dito que

existem várias maneiras de se identificar um risco poderíamos ficar preocupados com a notícia e ao

mesmo tempo ansiosos, já que o desejo daqueles que têm o risco como sua ferramenta de trabalho,

pois que passam tanto tempo lidando com ele que terminam por identifica-los facilmente. Porém,

não existe uma “mágica” que permita a identificação fácil de um risco. Várias são as razões que

impossibilitam essa tão fácil identificação.

Em primeiro lugar, o risco não é a estrela principal de nosso espetáculo, e sim, e

tão somente um coadjuvante. A estrela principal é o “Perigo”. Esse sim, é fácil de ser identificado.

Para que isso ocorra é necessário que o profissional tenha uma mente aberta e um elevado nível de

percepção. Pode-se somar isso a um nível de conhecimento específico.

Se o perigo pode ser facilmente identificado, por que os riscos não o podem ser

também? Pelo simples fato de que muitos dos riscos costumam surgir associados a outros. Heinrich,

escreveu um artigo cujo título era: os cinco fatores na sequência do acidente, em 1959. Atribuiu a

cada um dos fatores nomes como: personalidade; falhas humanas no exercício do trabalho; causas

de acidentes (Atos Inseguros e Condições Inseguras); acidente e lesão.

Os fatores foram dispostos igualmente como peças de dominós, de modo que,

com a queda do primeiro todos os demais cairiam. Se a queda ocorresse com o segundo os fatores

subsequentes cairiam, ou seja, as peças subsequentes sempre cairiam. Todavia, segundo seu estudo,

quando um desses fatores era suprimido ou eliminado, no caso dos dominós, retirada a peça, perdia-

se a conexão das quedas e, em assim o sendo, havia apenas uma queda que não influenciava nas

demais. A lógica era interessante na época, há mais de cinquenta anos atrás, e ainda hoje é motivo

de muitos estudos, inclusive este agora.

Da mesma forma de Heinrich identificou os riscos como peças de dominós

enfileiradas, podemos hoje ampliá-las e dizer que podem existir muitas fileiras de dominós,

convergentes. Exemplificando, tomemos o caso de um vento forte que ocorra em um local onde

1 Antonio Fernando Navarro é físico, engenheiro civil, engenheiro de segurança do trabalho, mestre em saúde e meio ambiente, doutorando em engenharia civil, especialista em gerenciamento de riscos, engenheiro e professor da Universidade Federal Fluminense – UFF/RJ – e-mail: [email protected]; [email protected].

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uma obra está em andamento. O vento pode atingir um andaime fachadeiro e o desloca-lo. No

deslocamento, o andaime em queda pode atingir um veículo que transita pelo local transportando

uma peça.

Na queda, a peça é danificada. Pode-se afirmar que o dano à peça foi decorrente

da queda do andaime? Pode, mas o que realmente foi o fator gerador foi o forte vento. Mas, não foi

só o forte vento.

O vento foi o agente que possibilitou que um andaime mal posicionado ou

protegido viesse a cair. Assim, um procedimento foi descumprido e houve a ocorrência do forte

vento. Se o andaime ainda não estava preparado para ser utilizado, a área ao ser redor deveria estar

interditada. Se isso também não ocorreu, houve a possibilidade de um veículo transitar ao lado.

Neste exemplo simples poderíamos ter várias fileiras de dominós, relebrando Heinrich.

Na área de seguros, risco é um evento futuro, possível, independente da vontade

das partes para sua ocorrência, incerto e que pode materializar-se e quantificar-se. Assim, a “taxa”

de risco ou “risco” passa a ser traduzida como o resultado da multiplicação da Severidade da Perda

ocorrida pela Frequência com que as ocorrências se dão. Na área de Confiabilidade de Sistemas, há

uma semelhança na definição com a que ocorre na área de seguros, sendo que a frequência passa a

ser aplicada como o período em que ocorrem as falhas, período esse denominado de intervalo entre

falhas. Nessa área o intervalo entre falhas pode estar associado à Vida Útil de um bem ou

equipamento.

A seguir, iremos utilizar algumas imagens que costumamos empregar nos nossos

cursos de formação de engenheiros de segurança do trabalho e apresentar alguns comentários, a

título de reforço da idéia de que nem sempre podemos identificar um risco, se não estivermos

preparados para tal e sem que tenhamos vivenciado situações semelhantes.

Todas as imagens a seguir, apesar de bizarras, nos conduzem a uma reflexão sobre

a questão dos perigos e dos riscos. São imagens que nos foram enviadas para utilização durante os

treinamentos e não temos como apontar os autores das mesmas, a quem, antecipadamente

agradecemos e elogiamos, mas sim e tão somente a disponibilidade das mesmas através dos créditos

no rodapé das imagens: show.on.iSNiGHWAHR.com (http://www.isnichwahr.de/)

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Nesta primeira imagem temos uma atividade perigosa, representada pela execução

de uma atividade em altura. Isso é percebido ao olhar-se um trabalhador executando uma atividade

no alto de uma escada.

Pelo conhecimento geral, sabe-se que uma atividade em altura é perigosa e o

principal risco é o de queda de altura. Porém, observando-se melhor a imagem, verifica-se que o

risco não necessariamente pode estar associado ao trabalho em altura, como percebido. Esse, apenas

pode ser o principal contributário para a ocorrência.

Alguém deixou um cachorro solto na sala. O cachorro começou a brincar puxando

a lona plástica sobre a qual se encontra a escada e que foi ali deixada para evitar que o piso de

madeira viesse a ficar respingado de tinta, ou seja, a lona está protegendo o piso.

O trabalhador encontra-se apoiado sobre os últimos degraus da escada, e na ponta

dos pés. Essa posição, além de ser cansativa, faz com que ele possa em algum momento ficar mal

posicionado e balançar a escada com o seu peso. Se isso vier a ocorrer a escada pode cair

juntamente com o trabalhador.

Pelo fato do trabalhador não ter uma plataforma de trabalho, pendurou as latas de

tinta de um lado da escada, fazendo com que houvesse o desequilíbrio da mesma, pela distribuição

dos pesos. Ao molhar o rolo de pintura para recomeçar sua atividade o trabalhador ao torcer o dorso

do corpo pode desequilibrar-se vindo a cair.

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Para abstrair-se do seu trabalho o pintor deixou o rádio ligado no chão. O ataque

do cachorro, a queda de tinta ou do próprio rolo de pintura sobre o rádio pode provocar a distração e

a queda do trabalhador.

Para darmos um último exemplo, vamos avaliar a questão sob a ótica da

ergonomia. O fato do mesmo ficar longo período com a cabeça posicionada para trás pode provocar

o estreitamento das carótidas, reduzindo o fluxo de sangue para o cérebro e levando-o a ficar tonto.

Enfim, muitas podem ser as razões que conduzirão à queda do trabalhador. Mas,

devemos pensar também que a lata de tinta ou o rolo de pintura podem cair e provocar perdas.

Essa imagem é surreal? Não, já que cada um de nós, em algum momento, vamos

nos deparar com situações como essas. O cenário não necessariamente precisa ser o mesmo.

Podemos ter um trabalhador no alto de uma escada trocando uma lâmpada queimada, ou

substituindo uma telha quebrada, ou posicionando um fio elétrico em uma nova instalação, enfim,

podemos ter situações assemelhadas ocorrendo diariamente, e, o que é pior, sem nos darmos conta

dos riscos decorrentes.

Até mesmo pelo fato do trabalhador ser obeso isso já seria motivo de

preocupação. A obesidade pode estar associada a hipertensão arterial, que também gera suas

consequências.

Antes de prosseguirmos é interessante saber como poderemos evitar os riscos.

1. A escada deve ter um travamento interno, por meio de cordas, que impeça sua total abertura,

e os pés devem ser dispositivos de borracha, para não deslizarem;

2. O trabalhador não deve empregar uma escada para essa atividade e sim andaimes sobre

rodas, onde haja uma plataforma de trabalho segura;

3. Na impossibilidade de não se poder utilizar andaime, o trabalhador deve ser assistido por um

auxiliar, que o apoiará em sua atividade;

4. Em hipótese alguma o tronco do trabalhador deverá estar acima do último degrau da escada,

pois dessa maneira ele não terá o apoio físico suficiente;

5. A proteção do piso deve ser fixada de maneira a não se soltar com facilidade;

6. Deve-se evitar dispositivos ou meios que possam distrair o trabalhador de suas atividades,

tirando momentaneamente sua atenção do que está fazendo, como a entrada do cachorro ou

o uso de rádios.

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Na segunda imagem, extraída do mesmo crédito, tem-se uma situação onde dois

trabalhadores se encontram no alto de uma edificação montando uma antena de televisão, em um

dia onde há nuvens e descarga de raios.

O trabalho é perigoso pelo fato de estar sendo realizado ao ar livre com a queda de

raios nas proximidades. O risco consequente é o da eletrocussão pela descarga do raio sobre os

trabalhadores, atraído ou não pela estrutura metálica da antena. Apesar de imaginar-se uma cena

surreal, em atividades de instalação e montagem, para áreas industriais, muitas vezes as atividades

não são interrompidas com a aproximação das nuvens, pelo fato dos profissionais acreditarem que

as estruturas metálicas irão favorecer a descarga e escoamento dos raios para a terra. Há muitas

atividades que não costumam ser interrompidas, como o trabalho com guindastes, com máquinas

niveladoras, os trabalhos manuais de escavação de terra, entre outros.

Os profissionais de segurança do trabalho devem ter suas atenções voltadas para

as mudanças súbitas das condições climáticas, especialmente com a proximidade de nuvens e a

descarga de raios. Em áreas mais amplas, onde o deslocamento do efetivo de pessoal é mais

complexo, costuma-se montar coberturas provisórias com dispositivos SPDA – sistema de proteção

contra descargas atmosféricas, quando então os trabalhadores podem ficar abrigados até que as

nuvens sejam dispersas pelos ventos.

Em obras de grande porte é adequado a contratante firmar acordos com empresas

que possam informar, com razoável antecedência, a proximidade de nuvens que possam causar

Page 6: Como se pode identificar um risco?

descargas atmosféricas. A contratante pode fixar limites de proximidade e de afastamento das

nuvens.

Na imagem anterior, há um trabalhador (eletricista), examinando um painel

elétrico, com os pés apoiados em um aquário com água. Nossa vontade de rir da situação passa a ser

maior do que a de imaginar que isso ocorre a todo o instante.

Por exemplo, em nossas casas, os painéis elétricos com o quadro de disjuntores

fica normalmente na área de serviço ou na cozinha. Quando abrimos o painel para avaliar o

funcionamento do mesmo e não tomamos os cuidados necessários de calçar um sapato adequado

com solado de borracha, ou não nos certificamos de que o piso ao redor esteja seco de água,

estaremos trabalhando da mesma forma que na imagem.

Em obras residenciais ou industriais com painéis elétricos dispostos em locais

específicos poderemos estar correndo riscos de eletrocussão, se não protegermos o local. A

fotografia a seguir, de AFANP, ilustra um painel elétrico posicionado em uma área aberta para a

montagem de uma planta industrial, onde o painel encontra-se corretamente identificado e isolado,

com um extintor de CO2 ao lado, e uma camada de brita ao redor. Essa camada de brita ≠ 1 e ≠ 2

deve ter de 5cm a 10cm ao redor de todo o painel, de maneira que o trabalhador fique

permanentemente protegido.

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Deve-se ter em mente que há distinção entre sinalização e isolamento. A corrente

plástica é uma sinalização ou aviso de área controlada. A tela “cerquite” alaranjada é um isolamento

do local. À direita tem-se o painel elétrico montado sobre uma estrutura de madeira, bastante

sinalizado e com saídas laterais para a conexão de tomadas industriais. Toda a instalação foi

projetada para evitar o contato, mesmo que acidental, com partes do circuito elétrico energizado.

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A imagem, que chega a ser hilária, trata de uma questão bastante problemática em

termos de segurança do trabalho. A primeira é a da ergonomia para a realização dos serviços. A

segunda é a da cultura dos trabalhadores que não possuem a cultura necessária para a realização dos

serviços em ambiente organizado e utilizando as ferramentas apropriadas, ou seja, há uma “mania”,

por assim dizer, de improvisar-se o uso de ferramentas. As questões ergonômicas podem ser

observadas em distintas atividades. Quase sempre os acidentes decorrem em função da fadiga do

trabalhador, em manter-se na mesma postura durante longos períodos de tempo.

Os riscos decorrentes podem ser atribuídos não só às posturas, seja na posição da

imagem anterior, como também na primeira imagem deste artigo, com o operário sobre uma escada

e com a cabeça inclinada para trás para a pintura do teto da sala, ou atividades em espaços exíguos,

onde haja restrição de movimentos.

Uma recomendação nesses casos é a da limitação temporal dos trabalhos, com

intervalos de descanso, e a certeza de que estarão junto ao trabalhador as ferramentas e

equipamentos estritamente necessários para a realização das atividades.

Em uma foto de AFANP percebe-se trabalhador executando acabamento em

extremidade de platibanda de edifício em posição corporal que possibilita elevado risco de queda.

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Nesta última imagem, um operador de rolo compactador de pavimentação está

com a echarpe quase presa ao rolo compactador. Um dos exemplos que podemos apresentar é a de

trabalhador que ao passar junto a um motor em funcionamento teve o talabarte de seu cinto de

segurança enrolado no eixo do motor, vindo a falecer, esmagado pela tração do talabarte do cinto

pelo eixo. Em outro exemplo, sem as imagens, um trabalhador, ao sair do refeitório da empresa foi

ao banheiro escovar os dentes. Quando estava bochechando a água para a limpeza da boca a fita que

prendia seu crachá no pescoço ficou presa à torneira do lavatório, causando um trauma na coluna

cervical.

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Os perigos, como mencionamos anteriormente, podem ser facilmente percebidos

pelos profissionais mais experientes. Entretanto, os riscos derivados muitas vezes não. Quando isso

ocorre, as medidas de proteção do trabalhador passam a não ser eficazes, possibilitando a ocorrência

de acidentes, sem ou com afastamento. Por exemplo, durante a desforma das estruturas em uma

construção civil, por não serem corretamente aplicados os desmoldantes nas fôrmas, muitas vezes

essas são removidas das estruturas com “pés de cabra”, ou seja, são arrancadas. Como as atividades

são rápidas, muitas vezes tábuas com pregos são esquecidas pelo chão, provocando inúmeros

acidentes, que variam desde a perfuração de parte da bota de segurança do trabalhador até a

perfuração do calçado. A solução mais imediata é a da remoção das tábuas para um local seguro,

para que sejam removidos os pregos. Porém, os encarregados preferem mobilizar suas equipes para

a remoção das formas, enquanto que o restante do efetivo encontra-se montando novas formas.

Assim, em função da produtividade exigida, expõem-se desnecessariamente os trabalhadores.

Por fim, vem a resposta: Os riscos podem ser facilmente reconhecidos e

neutralizados desde que as atividades sejam corretamente planejadas e acompanhadas por

encarregados experientes.