14
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDIGENA E QUALIDADE DE VIDA Adriana Peschisky Pawlak Acadêmica no curso de Pedagogia. UNICENTRO. 2013. E-mail: [email protected] Indiamara Pelisson Acadêmica no curso de Pedagogia. UNICENTRO. 2013 E-mail: [email protected] Orientadora: Patrícia Regina Ciaramello Programa de Pós Graduação em Educação. UNICENTRO. RESUMO Considerando o contexto histórico, os povos indígenas Kaingang que habitavam o segundo e terceiro planalto do estado do Paraná sofreram um violento processo de desterritorialização, no século XIX, que afetou consideravelmente sua qualidade de vida. Começam então a usar novas estratégias de luta para exigir do governo a demarcação de suas terras, entre outros direitos. Uma das estratégias utilizadas se deu via educação. Partindo deste contexto, este artigo traz como tema “Educação Escolar Indígena” e “Qualidade de Vida”, ao refletir sobre o papel da escola e da apropriação dos conhecimentos que proporcionarão à comunidade Kaingang buscar uma melhor qualidade de vida. Para isso, foi realizada uma pesquisa qualitativa, contando com coleta de dados por meio de observação, conversas informais, entrevistas e questionários, realizados junto à comunidade indígena Kaingang de Boa Vista Passo Liso localizada no município de Laranjeiras do Sul, sudoeste do estado do Paraná. Como se trata de uma terra que se encontra em processo de demarcação, onde ainda habitam agricultores não-índios e a situação econômica dos moradores indígenas é precária, sendo que a pequena renda que possuem vem do artesanato, algumas aposentadorias e políticas públicas oferecidas pelo governo, o presente artigo tem por objetivo compreender se a escola da comunidade contribui para uma melhor qualidade de vida, partindo das percepções do próprio povo Kaingang acerca da escola e do que é uma boa “qualidade de vida”. Palavras-chave: Educação Escolar Indígena, Qualidade de Vida. 1

Educacação Escolar Indígena e Qualidade de Vida

Embed Size (px)

Citation preview

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDIGENA E QUALIDADE DE VIDA

Adriana Peschisky PawlakAcadêmica no curso de Pedagogia. UNICENTRO. 2013.

E-mail: [email protected]

Indiamara PelissonAcadêmica no curso de Pedagogia. UNICENTRO. 2013

E-mail: [email protected]

Orientadora: Patrícia Regina CiaramelloPrograma de Pós Graduação em Educação. UNICENTRO.

RESUMO

Considerando o contexto histórico, os povos indígenas Kaingang que habitavam o

segundo e terceiro planalto do estado do Paraná sofreram um violento processo de

desterritorialização, no século XIX, que afetou consideravelmente sua qualidade de vida.

Começam então a usar novas estratégias de luta para exigir do governo a demarcação de

suas terras, entre outros direitos. Uma das estratégias utilizadas se deu via educação.

Partindo deste contexto, este artigo traz como tema “Educação Escolar Indígena” e

“Qualidade de Vida”, ao refletir sobre o papel da escola e da apropriação dos conhecimentos

que proporcionarão à comunidade Kaingang buscar uma melhor qualidade de vida. Para

isso, foi realizada uma pesquisa qualitativa, contando com coleta de dados por meio de

observação, conversas informais, entrevistas e questionários, realizados junto à comunidade

indígena Kaingang de Boa Vista Passo Liso localizada no município de Laranjeiras do Sul,

sudoeste do estado do Paraná. Como se trata de uma terra que se encontra em processo

de demarcação, onde ainda habitam agricultores não-índios e a situação econômica dos

moradores indígenas é precária, sendo que a pequena renda que possuem vem do

artesanato, algumas aposentadorias e políticas públicas oferecidas pelo governo, o presente

artigo tem por objetivo compreender se a escola da comunidade contribui para uma melhor

qualidade de vida, partindo das percepções do próprio povo Kaingang acerca da escola e

do que é uma boa “qualidade de vida”.

Palavras-chave: Educação Escolar Indígena, Qualidade de Vida.

1

Summary Considering the historical context, the Kaingang indigenous peoples who inhabited the second and third plateau of Paraná state suffered a violent process of dispossession, in the nineteenth century, which affected their quality of life considerably. Then, they begin to use new strategies to fight the government to require the demarcation of their lands, among other rights. One strategy is given via education. From this context, this article presents the theme "Indigenous Education" and "Quality of Life", to reflect on the role of schools and the acquisition of knowledge that will provide the community Kaingang seek a better quality of life. For this, it was done a qualitative research, with data collection through observation, informal conversations, interviews and questionnaires, conducted by the Indian community Kaingang Boa Vista Passo Liso localized in Laranjeiras do Sul, southwestern state of Paraná. As this is a land that is in the process of demarcation, where non-Indians farmers still inhabit and the economic situation of the indigenous people is precarious, and the small income that they have, come from the handcraft, some pensions and public policies offered by the government, this article aims to understand if the school community contributes to a better quality of life, based on the perceptions of the people themselves Kaingang about the school and what is a good "quality of life" .

Keywords: Indigenous Education , Quality of Life .

1. INTRODUÇÃO

O artigo traz como tema “Educação Escolar Indígena” e “Qualidade de Vida”. A

necessidade de pesquisar esse tema surgiu devido às dúvidas que nos foram aparecendo

durante o tempo em que trabalhamos em escola indígena e através de alguns

questionamentos feitos durante as aulas da disciplina de Pesquisa1, onde optou-se pela

realização de uma pesquisa qualitativa, mais especificamente um estudo de caso, contando

com coleta de dados, questionário e entrevista.

A pesquisa foi realizada em uma escola indígena pública de educação infantil e

ensino fundamental – E.E.I.K.H. – localizada na aldeia Boa Vista do Passo Liso, onde

estudam aproximadamente 60 alunos indígenas que se encontram na faixa etária de 3 a 18

anos de idade2. A escola conta com dezesseis funcionários no total, é pequena e de

madeira, possuindo apenas duas salas grandes, outras salas foram improvisadas para

atender os alunos – não tem espaço suficiente, falta sala de aula para atender à demanda

de turma para o Ensino Médio, pois agora com as partes de terras que os indígenas

1 Disciplina Pesquisa da Educação III – trabalho de Conclusão de Curso, realizada no 7º semestre do Curso de Pedagogia do Polo avançado de Laranjeiras do Sul, UNICENTRO.2 A escola contém duas classes de educação infantil, uma classe de 1º ano, uma de 2º ano e uma de 3º ano; o 4º e o 5º anos são juntos (classe multisseriada); dos Anos Finais do Ensino Fundamental, tem uma turma de 6º ano, uma de 7º ano e uma de 8º ano; não possui Ensino Médio.

2

conseguiram das famílias assentadas, já se fala em construir uma escola padrão de

alvenaria, onde possa atender toda a demanda de educação infantil, ensino fundamental, e

ensino Médio. Do total de funcionários, dez são não-índios, sendo que quatro são

professores que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamentais, cinco são professores

dos anos finais e um atua como agente educacional I. Os outros seis funcionários são

Kaingang, sendo que uma atua como professora tanto nos anos iniciais quanto nos finais;

dois trabalham na gestão escolar, um deles atua como agente educacionais II e os outros

dois como agentes educacional I.

A aldeia Boa Vista do Passo Liso está localizada no município de Laranjeiras do Sul,

Paraná, cuja terra em que habitam foi alvo de disputas entre indígenas e não-indígenas que

também possuem documento de posse da terra. Até 1962 as terras pertenciam aos

Kaingang, o que foi comprovado com a localização de um cemitério indígena, no ano de

2005. Conta-se que nesta época foi mandado retirar e até matar os índios que nela

moravam sendo, posteriormente, legalizada e vendida para os não-índios, inclusive com

documentação. Hoje moram nessa terra cerca de 120 famílias brancas, num total de

aproximadamente 35.000 hectares de terra. Doze famílias que não possuíam

documentação, mas moravam na área e eram assentados, já desocuparam a terra e foram

indenizados pela FUNAI – Fundação Nacional do Índio. No momento atual, moram

aproximadamente 33 famílias indígenas Kaingang, num total aproximado de 100 índios. O

processo de retomada pelos indígenas se deu no ano de 2005 e, atualmente, a terra está

sendo demarcada.

Considerando um histórico de conflito que ocorreu entre os indígenas e os

agricultores no passado, por causa de terras, pode se dizer que nos dias de hoje a situação

está bem melhor, sendo que alguns moradores não-índios até colocam seus filhos para

estudar na aldeia, como também se visitam, compram e vendem comida e objetos uns dos

outros. A demarcação de terra está ocorrendo de maneira relativamente “pacífica”, segundo

as observações realizadas por nós, enquanto educadoras do espaço escolar da aldeia e

enquanto proprietárias e agricultoras. O que se percebe é que ambos os lados (indígenas e

agricultores) entendem seus direitos e esperam que a justiça determine se a terra será

indígena, ressarcindo assim, os agricultores de maneira que ninguém saia prejudicado.

Quando se iniciou a pesquisa procuramos conhecer melhor qual o papel da escola

na comunidade, se estava contribuindo para proporcionar uma vida melhor aos Kaingang de

Boa Vista, partindo da compreensão da perspectiva de estudantes indígenas para o futuro; e

registrando o que é qualidade de vida para os mesmos. Apesar da dificuldade de encontrar

materiais bibliográficos que abordassem a temática da “Qualidade de vida”, as entrevistas e

3

questionários realizados proporcionaram a compreensão do significado disso para os

próprios indígenas.

2. EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

A educação escolar de uma comunidade indígena deve estar subordinada aos

interesses e ao projeto de vida da própria comunidade. A educação faz parte das políticas

que cada sociedade ou comunidade adota, buscando a sua sobrevivência e a continuidade

das coisas que ela valoriza e em que acredita (sua língua, música, sua religião). Na

sociedade atual, a educação escolar reflete muito das diferentes opiniões, crenças e valores

que as pessoas ou grupos de pessoas adotam, por isso há muitas escolas diferentes

(católicas, batistas, luteranas, judaicas).

Pode-se afirmar que o conceito de Educação Escolar Indígena se difere do conceito

de Educação Indígena. Ambos devem caminhar em consonância, no entanto, este último

não ocorre necessariamente de forma institucionalizada. Segundo Rezende (2004), desde

às origens, os indígenas entendem a Educação a partir da compreensão de sua própria

vida, do funcionamento da natureza (animais, vegetais, cachoeiras, peixes...) e da vida em

comunidade.

Os nossos avôs procuravam formar bons indígenas, para que seus filhos e netos fossem capazes de respeitar as outras pessoas da família, irmãos da etnia e pessoas de outras etnias. Capacitavam seus filhos para os trabalhos (plantio, caças, pescas, artesanatos...), pois através disso se podia ver uma pessoa preparada para a vida. Era outro modelo de educação e ai se podia fazer o discurso sobre a “educação para a vida indígena”. E, não como agora que na escola se tenta preparar o jovem para um estilo de vida diferente e ao terminar os estudos ele acaba voltando para um estilo de vida para o qual não foi preparado (vida indígena: na roça, na pesca...) (REZENDE, 2004, p. 9).

Como a Educação Escolar Indígena, por sua vez, pressupõe um espaço

institucionalizado - a escola - o que aproxima esse conceito do anteriormente apresentado é

a garantia de ser diferenciada, intercultural, bilíngue. O que determina uma escola como

escola indígena são os currículos e métodos pedagógicos diferenciados, apropriados à

cultura indígena, o que lhes é garantido, inclusive, por meio de leis, decretos e pareceres,

segundo os critérios das etnias, ou seja, compreende-se, desta forma, que uma Escola

Indígena só vai ser realmente indígena quando partir dos conteúdos e metodologias criados

pela própria comunidade indígena.

4

De acordo com Rezende (2004), a escolas indígenas não têm conseguido alcançar

esses objetivos, uma vez que quem continua ditando as regras é o homem branco; é ele

quem cria normas e leis de como deve ser a educação indígena, quem diz que para educar

é preciso escola. Essa constatação nos leva a pensar: “Será que pelo menos foi perguntado

aos indígenas o que acham da escola? Será que é ela tão importante na vida deles? Vai

acrescentar algo positivo ao seu conhecimento, à sua cultura? Que tipo de educação o índio

está recebendo? Qual a finalidade de estar na escola? O que eles estão aprendendo vai

ajudar para terem um futuro melhor com qualidade de vida?”.

Segundo Rezende (2004), o indígena deveria ser preparado para viver no seu

espaço de aldeia de maneira que a escola contribuísse a levá-los a viver da agricultura,

pecuária como, por exemplo, a piscicultura e apicultura seriam alternativas propícias para a

localidade da Aldeia Boa Vista Passo Liso. Bem como com a agricultura: o plantio de

mandioca, batata doce, chuchu, abobora, além das hortaliças e cultivo de cereais. Na

pecuária a criação de animais de pequeno e grande porte.

Partindo de questionamentos e apontamentos como os realizados anteriormente, foi

possível a elaboração das perguntas utilizadas nas entrevistas e questionários aplicados

num total de 12 (doze) alunos indígenas. Aos alunos do 7º ano (03 alunos) e do 8º ano (05

alunos) da escola pesquisada foram entregues questionários com as seguintes perguntas:

1- O que você acha da escola?; 2- Que contribuição a escola está trazendo em relação a

cultura e conhecimento?; 3- Qual a finalidade de estar na escola?; 4- O que você está

aprendendo vai ajudar a ter um futuro melhor?; 5- Para você o que é qualidade de vida?; 6-

O que você pretende ser no futuro? (qual profissão). Essas mesmas questões foram

utilizadas como roteiro de entrevista realizada junto aos alunos do 3º ano do Ensino Médio3

(04 alunos), que estudam em uma escola do campo próximo à aldeia. O público de

educandos foi pré-selecionado devido se encontrarem em uma faixa etária que lhes permite

refletirem e decidirem sobre o que desejam para o futuro.

Os questionários foram aplicados no dia 09 de maio de 2013, contando com o apoio

do Cacique, dos professores, da direção, e coordenação pedagógica da escola. Antes da

aplicação do questionário apresentou-se o tema, o objetivo da pesquisa e a importância das

informações concebida por cada um. Percebeu-se que os alunos mostravam-se tímidos,

envergonhados e com muitas dificuldades para responder o questionário devido não

compreender o significado de que seria qualidade de vida. Foi preciso explicar de várias

formas exemplificando para que compreendessem.

3 Muitos alunos da escola K. H. ainda possuem dificuldades em se comunicar em português, além de ficarem tímidos ao serem entrevistados.

5

Nos primeiros questionamentos, sobre o que a escola vem contribuindo para

agregação de conhecimento, para a cultura e qualidade de vida, observou-se que a maior

inferência referia-se ao aspecto positivo no que diz respeito à contribuição que a escola traz

para a comunidade. Relataram que a escola vem contribuindo para melhor qualidade de

vida, dizendo que através da escola eles adquirem conhecimento de mundo, aprendem a

respeitar os outros, ou seja, (diversidade Cultural) a valorizar a cultura, a língua, e tradições.

Afirmam que seus irmãos mais novos comentam o quanto gostam da escola, a qual vem

trazendo um conhecimento de fora da aldeia e que contribui para eles ficarem menos

tímidos, mais espontâneos e com um bom relacionamento entre todas as pessoas.

Ao questionar sobre suas perspectivas para o futuro, dizem que pretendem continuar

os estudos, prestar vestibular, cursar uma universidade, ter uma casa própria, ter uma

profissão como professor, motorista, enfermeira, médica, jogador de futebol.

Em conversa informal com o cacique, o mesmo enfatiza a importância da escola para

a comunidade. De acordo com ele, é necessário que os alunos convivam com não-

indígenas na escola, que aprendam a falar bem o português neste espaço escolar, para

posteriormente terem uma boa comunicação (saibam fazer uso da linguagem culta oferecida

através da educação escolar) com a sociedade nos momentos que encontrarem-se fora da

aldeia para não serem explorados. Para isso, procura colocar os professores não-índios

para alfabetizar os alunos de 1º ao 5º ano. O cacique acredita que quanto antes os alunos

entendam o português, mais fácil será a alfabetização dos mesmos, proporcionando assim

um desempenho melhor nos estudos. Apesar de não ser esse o processo de alfabetização

bilíngue considerado ideal para as escolas indígenas (D’ANGELIS, 2012), o cacique relata

que os alunos não correm o risco de perderem sua língua materna, pois falam diariamente

em casa e na escola, entre os colegas.

Segundo Silva e Bonin (2003, p.37), a escola pode vir a ser hoje um instrumento

decisivo na reconstrução e afirmação das identidades, o desafio é o de colocar nas escolas

as pedagogias indígenas, nos seus limites e possibilidades dentro de uma realidade

globalizante. Neste contexto, há alguns princípios básicos que se destacam: a inserção das

escolas nos sistemas indígenas de educação, a participação das comunidades na

elaboração do PPP, assim como na gestão e avaliação. O espaço escolar pode ser também

uma possibilidade de informações a respeito da sociedade nacional, favorecendo as

relações igualitárias, fundamentada no respeito, reconhecimento e valorização das

diferenças culturais entre os povos indígenas e a sociedade civil e o Estado.

6

Existem atualmente, no Brasil, leis e decretos que referem questões como direitos aos

povos indígenas. Entre eles, podemos citar a Constituição de 1988, que assegurou o

direito das comunidades indígenas a uma educação escolar diferenciada, específica e

intercultural respeitando-os como grupos éticos diferenciados. Na Constituição traçou-

se um quadro jurídico para a regulamentação das relações do Estado com as

sociedades indígenas, principalmente nos artigos 210 e 2154. Nesse contexto, a escola

tornou-se um instrumento de valorização dos saberes e processos próprios de produção

e recriação da cultura (BRASIL, 1988).

A partir da nova Constituição Federal, surgiram leis complementares, dentre as quais

encontramos: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996; o Decreto Presidencial nº

26, de 1991 (que atribuiu ao MEC a competência para integrar a educação escolar indígena

aos sistemas de ensino regular, coordenado às ações referentes aquelas escolas em todos

os níveis e modalidade de ensino); e a Portaria Interministerial nº 559/91; o Decreto nº

1.904/96.

No entanto, a existência dessas leis não é suficiente para garantir a qualidade da

escolarização indígena. Segundo Silva e Bonin (2003, p.38), pensar em uma Pedagogia

Indígena, o que implica compreender que cada povo e comunidade têm sua própria maneira

de educar, na qual são criadas e modificadas atendendo a necessidade de cada povo.

Na E.E.I.K.H, a educação é vista como um processo, que se constrói ao longo da

vida. A comunidade indígena de Boa Vista Passo Liso participa da vida escolar nas reuniões

ocorridas no início do ano, onde o cacique chama a comunidade para apresentar novos

professores, a comunidade avalia os professores que recebem orientação de como devem

agir na escola, não devendo reparar nos alunos, tratar diferenciado (já que a escola possui

alunos não-índios também), devem ser seguidas as ordens do cacique, que está

diariamente na escola. O Projeto Político Pedagógico na escola indígena foi elaborado pela

pedagoga e equipe pedagógica. Às vezes é chamada a comunidade para participar de

reuniões referentes a questões da escola, construções, reformas, compras etc. A

comunidade também acompanha o processo pedagógico, como o desempenho dos alunos

e a entrega de boletim e conselho de classe.

Segundo o Projeto Político Pedagógico (2013) a escola deve:

...respeitar, valorizar a cultura e revitalizar a língua materna dos alunos, as professoras procuram relacionar os conhecimentos da cultura e língua

4 Art.210 O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada as comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Art. 215 O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afros brasileiros e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

7

kaingang nas suas aulas, levando em conta o conhecimento dos valores, sentidos e princípios gerais da existência. Os professores procuram diversificar a metodologia, onde os alunos possam estar fazendo a correlação entre conteúdo e a sua prática social. O coletivo da escola mostra-se preocupado com os resultados obtidos no processo de aquisição do conhecimento pelos alunos, quando o professor faz uma avaliação do rendimento escolar e percebe que seus alunos não atingiram os objetivos propostos, estão sempre buscando uma mudança na metodologia, seguindo outros caminhos, afim de que seus alunos consigam alcançar por outros meios os mesmos objetivos (PPP da Escola Estadual Indígena Ko Homu, 2011).

Na perspectiva de um ensino mais eficaz para todos, organizar e dirigir situações de

aprendizagem são, sobretudo, despender energia, tempo e dispor das competências

profissionais necessárias para imaginar e criar situações de escolarização que requerem

reflexão e métodos de pesquisa.

3. PERCEPÇÕES ACERCA DE QUALIDADE DE VIDA

Para as sociedades não-indígenas, qualidade de vida significa um conjunto de

prioridades, qualidades, atributo ou condição das coisas ou das pessoas, que se distinguem

das outras e lhe determina a natureza. Graças às quais animais e plantas se mantém em

contínua atividade. Viver bem, ter lazer com a família, uma boa casa um carro e, além disso,

ter um bom emprego que propicie conforto e segurança. Sendo assim, a qualidade de vida é

fundamental para o bom desempenho profissional tanto para o desenvolvimento das nossas

relações pessoais com os nossos familiares, amigos e demais membros da sociedade em

que vivemos e participamos.

Muitos são os fatores que influenciam na qualidade de vida e os mais importantes dependem de cada um de nós, da nossa visão do ideal, da nossa herança familiar e cultural, da fase da vida em que estamos, da nossa expectativa em relação ao futuro, das nossas possibilidades, do ambiente, da visão que temos do mundo e da vida, dos nossos relacionamentos, etc. É claro que existem certas condições básicas, como: ter o que comer, morar, saúde, liberdade de escolha... Quando elas não existem, tornam-se prioridade número um e não há muito que discutir (www.pime.org.br/missaojovem/mjecologia vida .htm ).

Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, “toda pessoa tem

direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar,

inclusive alimentação, vestuário, habitação” (artigo XXV, item 1).

Porém, sabe-se que ainda hoje muitas pessoas, inclusive os povos indígenas, ainda

não possuem as condições básicas asseguradas como direitos de uma qualidade de vida e

8

passam necessidades por falta de moradia, alimentação adequada, e vestuário

comprometendo assim a qualidade de vida.

Na comunidade Indígena Kaingang de Boa Vista Passo Liso atualmente encontram-

se aproximadamente 100 Kaingang, incluindo idosos, jovens e crianças. A maioria das

casas são feitas de madeira e de chão batido, construídas pelos próprios moradores. Nelas

não possui repartição, poucos possuem água encanada dentro das casas. Na comunidade

há apenas dois banheiros comunitários, que ficam longe de algumas casas. Na maioria das

casas moram mais de uma família, que dormem no chão, compartilhando lugar com o outro.

Ao analisar o que poderia ser qualidade de vida para o indígena, destacamos aqui

alguns benefícios oferecidos pelo Governo Federal às comunidades indígenas, como o

programa Diversidade na Universidade, que permite o ingresso de jovens e adultos

pertencentes a grupos socialmente menos favorecido no Ensino Superior; o PROLIND, que

é um programa que tem como finalidade apoiar projetos devolvidos por instituições de

Educação Superior Pública em conjunto com comunidades indígenas, que visem a formação

de superiores docentes indígenas para os Anos Finais do Ensino Fundamental e o Ensino

Médio; Projeto Rondon, que se caracteriza pela aliança entre governo e instituições de

Ensino Superior onde estudantes e universitários e comunidades se unem na busca de

soluções que ampliam o bem estar comunitário e o desenvolvimento comunitário; O

programa Carteira Indígena, que pretende assegurar a alimentação nutricional e o

desenvolvimento sustentável de comunidades indígenas; A Funasa, que apoia os grupos

familiares e saúde nas aldeias, malocas e comunidades, a promoção e a melhoria das

condições das atividades que visa atender a saúde indígena e suas necessidades como

uma política de saúde que permite acompanhar e avaliar a saúde das comunidades; O

projeto Vigisus, que é um programa de bolsa de estudo para formação superior em cursos

na área de medicina, enfermagem e odontologia, articula o conjunto de ações para melhorar

a qualidade e a satisfação dos povos indígenas em relação aos serviços de saúde (BRASIL

http://www.mec.gov.br)

Em questionamentos realizados (nas entrevistas e questionários) com os alunos da

aldeia Boa Vista Passo Liso, ao apresentar sobre o tema qualidade de vida, os mesmos se

mostraram não saber se referir ao que se tratava. Após algumas conversas, vieram a

compreender e responder aos questionamentos, através do qual se apresentaram

interessados e preocupados em ter uma qualidade de vida, que venha lhe garantir um futuro

melhor. Nas questões apresentadas sobre “Para você o que é qualidade de vida?” e “O que

você pretende ser no futuro (profissão)?”, os alunos colocaram (unânimes) as respostas

que, por qualidade de vida, gostariam de ter uma casa própria e um trabalho. No que se

9

refere à profissão, colocaram que gostariam de ser professor de educação física, além de

enfermeira, médica, jogador de futebol, e motorista.

Na comunidade possui um agente comunitário de saúde e um posto que encontra-se

em condições precárias; uma enfermeira, uma auxiliar de enfermagem. Apenas

recentemente a aldeia ganhou da FUNAI – Fundação Nacional do Índio uma camionete

Mitsubishi que tem sido usada para saúde, buscando diariamente a enfermeira que vem

para a aldeia e levando para o hospital os indígenas doentes. A escola também ganhou da

prefeitura um automóvel, em comodato para a APMF, o qual está sendo usado para

beneficio da comunidade.

Podemos destacar também como qualidade de vida, para os Kaingang de Boa Vista,

os benefícios do governo que chegam até lá, como o programa “compra direta”, na qual os

indígenas recebem nas aldeias mandioca, carne de porco, milho verde, abóbora, laranja,

feijão, etc, vendidos dos produtores ao governo e entregues direto nas aldeias; além de

outros programas como: o leite e o pão para as crianças, bolsa família, cesta básica.

Nos que diz respeito aos estudos, os alunos do 3º ano ensino médio têm

oportunidades de ingressarem na faculdade, principalmente na Universidade Federal da

Fronteira Sul – UFFS, localizada na cidade de Laranjeiras do Sul, onde possui cursos

voltados para a agricultura e que traz como benefícios para os indígenas o auxilio

alimentação, moradia, transporte. No entanto, apesar de haver a oferta, ainda não se pode

considerar que esse fator vem contribuindo com a melhora na qualidade de vida dos

Kaingang, pois o que se percebe em nossa região é que são poucos os alunos indígenas

que estão cursando o ensino superior; daqueles que vêm dando continuidade aos estudos,

a maioria cursa o Magistério Indígena para atuar nas escolas. Vale ressaltar que, apesar

dos esforços por parte das escolas indígenas, o baixo índice de índios no ensino superior

está relacionado com alguns fatores como: falta de acesso a informações, transporte, a

dificuldade de entender a linguagem acadêmica, as leituras e falta do domínio da

informática.

Pensando em outros fatores, além da educação e dos auxílios governamentais, o

que tem contribuído de forma fundamental para uma melhor qualidade de vida dos Kaingang

de Boa Vista atualmente, foi a desapropriação ocorrida em maio de 2012 de doze famílias

assentadas que viviam nessa terra e ocupavam um espaço de aproximadamente 288

equitares, ficando essa área disponível para os indígenas plantarem alimentos para

consumo próprio.

10

A comunidade também utiliza como sustento e fontes de renda, além das

aposentadorias, a pesca e o pinhão, que quando sobra são comercializados trazendo renda

para as famílias. Além disso, também vivem do artesanato, ou seja, as mulheres indígenas

passam o ano todo fazendo as cestarias e balaios e no fim do ano elas saem da aldeia para

vendê-lo em outras regiões, como Guarapuava, Curitiba e Rio Grande do sul.

Atualmente percebe-se que a qualidade de vida dos indígenas ainda é precária, mas

que aos poucos a aldeia está se desenvolvendo. Ainda tem falta de moradia, as casas

construídas de madeira são poucas e pequenas, o que os leva a viverem em grande

quantidade de pessoas dentro das casas, não possuindo repartição entre os cômodos, além

da falta de banheiros para higiene pessoal, pois os banheiros que foram construídos pela

FUNASA – Fundação Nacional de Saúde não se localizam junto das casas.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nos dados coletados se tornou possível perceber que a escola faz

realmente diferença na vida daquela comunidade, sendo ela um lugar que vem abrindo

horizontes para uma melhor qualidade de vida em sociedade. Conhecendo a realidade de

fora da aldeia os possibilita refletir sobre os problemas e dificuldades que enfrentam dentro

da aldeia, levando-os a lutarem pelos seus direitos e deveres em busca de viverem não

como excluídos da sociedade, mas como pessoas que participam das transformações da

mesma. No entanto, devido à situação inicial vivida em relação a essa terra onde vivem, a

comunidade indígena enfrenta outros problemas e dificuldades que afetam sua qualidade de

vida, sendo: falta de moradia, saneamento básico, lazer, políticas públicas que lhe

possibilitem a realização uma melhor qualidade de vida. Em quase todos os questionários e

entrevistas, os indígenas responderam que Qualidade de Vida é ter uma casa, um lugar

para morar, para cozinhar...

Percebeu-se que os alunos também almejam um futuro melhor para eles e toda

comunidade indígena, reconhecendo a importância de estudar, de cursar uma universidade,

retornando posteriormente para trabalhar na sua própria comunidade, trazendo assim uma

melhor qualidade de vida para todos. É visível as dificuldades que os alunos possuem e

muitos não chegam a frequentar uma universidade, a dificuldade é grande no que se refere

ao transporte, à língua portuguesa, às atividades escolares, ao manuseio com a informática,

à pesquisa; muitos alunos não conseguem passar de ano e ficam em dependência, e tudo

isso faz com que os alunos indígenas abandonem os estudos.

11

Apesar de muitos dos elementos apontados anteriormente como contribuintes para

uma baixa qualidade de vida dos indígenas fugirem ao alcance da instituição escolar, a

E.E.I.K.H. tem como objetivo compreender e ajudar o aluno indígena, respeitando e

valorizando sua diversidade, tendo como função principal mediar a educação, preservando o

bem-estar físico dos alunos e estimulando seus aspectos cognitivo, emocional e social,

respeitando o educando em seu desenvolvimento, considerando suas particularidades,

auxiliando-os com isso a terem uma melhor relação com a sociedade não-indígena (PPP da

E. E. I. K. H., 2013).

Nesse contexto, a escola oferece aos professores formação continuada para que

trabalhem com projetos que abordem temas relevantes à realidade da comunidade Indígena

como a valorização da cultura as músicas indígenas, artes, artesanato, meio ambiente,

bullyng, lixo, higiene, envolvendo escola e comunidade, conscientizando e os auxiliando a

conquistarem uma melhor qualidade de vida.

A partir das observações, das leituras, dos questionamentos, percebeu-se que a

realidade educacional da Escola Indígena ainda precisa ser muito melhorada, pois os alunos

não tem acesso a laboratório de informática, a escola não possui biblioteca e nem espaço

suficiente para tal, somente recentemente recebeu do governo uma antena para

funcionamento da internet e telefone na escola. Empecilhos que, no entanto, não

neutralizam seu papel na melhora da qualidade de vida da comunidade, como observado

nas respostas dos alunos e na fala do cacique. Concluímos assim que, para se ter uma

qualidade de vida melhor, não basta apenas a educação. Ela é fundamental, mas é apenas

uma parte de um todo no processo; precisa-se de apoio de leis governamentais, estaduais,

municipais e de políticas públicas voltadas às comunidades indígenas.

5. REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas. Brasília: Ministério da Educação, 1998. Disponível em: www.pen.uem.br/…etrizes/Parecer_CNE-CEB_1999_14.doc> Acesso em agosto de 2013.

BRASIL. Portaria Nº 1.794, de 29 de outubro de 2007. Brasília: Ministério da justiça, gabinete do ministro. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/… ios/20662775/pg-24-secao-2> Acesso em 20/09/2013.

12

BRASIL. Lei 11.645/08. Brasília: 2008. Disponível em: <www.leidireto.com.br/lei-11645.html> Acesso em julho de 2010.

CAMARGO Olivir João. Nerje Laranjeiras do Sul “Raízes da Nossa Terra”. A história épica e contemporânea 1ª edição Laranjeiras do Sul- Paraná, 1999.

CIARAMELLO, Patrícia Regina. Educação Escolar Indígena: um olhar desde a Pedagogia. Monografia de Conclusão do Curso de Graduação. Campinas, SP: UNICAMP, 2005.

D’ANGELIS, Wilmar da R. Educação escolar e ameaças à sobrevivência das línguas indígenas no Brasil meridional. In D’ANGELIS, W. da R. Aprisionando Sonhos – A educação escolar indígena do Brasil. Campinas, SP: Curt Nimendaju, 2012, p.175-190.

DEMO Pedro. Pesquisa Qualitativa. SP: Cortez,1987, p.23.

HELEM, Vieira Maria Cecília. Relatório de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Boa Vista. 2001. Pesquisa de campo da cidade de Laranjeiras do sul Paraná prefeitura municipal.

KO HOMU. Projeto Político Pedagógico. PR: 2011.

MILESKI, Gustavo Keros e FAUSTINO, Célia Rosangela. A contribuição da educação no processo de reorganização de sistema de liderança Kaingang no Paraná. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, julho 2011.

REZENDE, Sarmento Justino. Repensando a educação indígena. Tuyuka Iauaretê, 2004.

SILVA, Rosa H. D. da. e BONIN, Iara T. Pedagogia e Escola Indígena, Escola e Pedagogia Indígena. In: VEIGA, Juracilda e D’ANGELIS, Wilmar R. (Org.). Escola Indígena, Identidade Étnica e Autonomia. Campinas: ALB; IEL/UNICAMP, 2003.

Sítios Consultados

http://www.trilhasdeconhecimentos.etc.br/acoes_governamentais/index.htm. Acesso em agosto de 2013.

http://www.pime.org.br/missaojovem/mjecologiavida.htm. Acesso em março de 2013.

http://www.mec.gov.br

http: //www.dhnet.org.br/…/br/rs/terra_trab/dh_moradia.html o que e o direito humano a moradia digna?. Acesso em outubro de 2013.

13

6. Anexos

Foto da escola inaugurada ano 2012.

14