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Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: Educação Ambiental Educação em Ciências Educação em Espaços não-escolares Educação Matemática Ângela Dalben Júlio Diniz Leiva Leal Lucíola Santos (Org. da coleção) Coleção Didática e Prática de Ensino

Educação ambiental livro 5

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Convergências e tensões no campoda formação e do trabalho docente:

Educação Ambiental

Educação em Ciências

Educação emEspaços não-escolares

Educação Matemática

Ângela DalbenJúlio DinizLeiva Leal

Lucíola Santos(Org. da coleção)

Coleção Didáticae Prática de Ensino

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COLEÇÃO DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO

CONVERGÊNCIAS E TENSÕES NO CAMPO DAFORMAÇÃO E DO TRABALHO DOCENTE:

Educação AmbientalEducação em Ciências

Educação em Espaços não-escolaresEducação Matemática

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XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO

CONVERGÊNCIAS E TENSÕES NO CAMPO DA FORMAÇÃO E DO TRABALHO

DOCENTE: POLÍTICAS E PRÁTICAS EDUCACIONAIS

REALIZAÇÃO

Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG)

Faculdades Pitágoras

Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)

Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ)

Universidade Federal de Viçosa (UFV)

Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

Universidade Vale do Rio Verde (UNINCOR)

Apoio

Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)

Centro Universitário (UNA)

Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES)

Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)

Parceria

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG)

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)

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COLEÇÃO DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO

CONVERGÊNCIAS E TENSÕES NO CAMPO DAFORMAÇÃO E DO TRABALHO DOCENTE:

Educação AmbientalEducação em Ciências

Educação em Espaços não-escolaresEducação Matemática

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Copyright © 2010 Os autores e organizadoresEste livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização escrita do editor.

Organização da coleçãoÂngela Imaculada Loureiro de Freitas DalbenJúlio Emílio Diniz PereiraLeiva de Figueiredo Viana LealLucíola Licínio de Castro Paixão Santos

Organização da Parte I do livro - EducaçãoAmbiental: convergências e tensões no campo da formação e dotrabalho docenteAna Maria de Oliveira Cunha

Organização da Parte II do livro - Educação em Ciências: convergências e tensões no campo da formação edo trabalho docenteEduardo Fleury Mortimer, Orlando Gomes de Aguiar Junior

Organização da Parte III do livro - Educação em Espaços não-escolares: convergências e tensões no campoda formação e do trabalho docenteSilvania Sousa do Nascimento

Organização da Parte IV do livro - Educação Matemática: convergências e tensões no campo da formação edo trabalho docenteMaria da Conceição Ferreira Fonseca

Conselho EditorialAída Maria Monteiro SilvaIlma Passos Alencastro VeigaJosé Carlos LibâneoLílian Anna WachowiczMaria de Lourdes Rocha de LimaMaria Isabel da CunhaVera Maria Ferrão Candau

Preparação de originaisMarcos Evangelista Alves

CapaCedecom/UFMG - Painel: Yara Tupinambá

Editoração eletrônicaLooris Comunicação | www.looris.com.br

RevisãoA revisão ortográfica e gramatical é de responsabilidade de cada autor.

FICHA CATALOGRÁFICA

C766Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente /

organização de Ana Maria de Oliveira Cunha ... [et al.]. – BeloHorizonte : Autêntica, 2010.693p. – (Didática e prática de ensino)

Textos selecionados do XV ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino realizado naUFMG, no período de 20 a 23 de abril de 2010.

Inclui bibliografia.Conteúdo: Educação ambiental – Educação em ciências – Educação em espaços não-escolares –

Educação matemática.ISBN: 978-85-7526-464-5

1. Didática. 2. Prática de ensino. I. Cunha, Ana Maria de Oliveira.II. Série.

CDD: 371.3CDU: 37.02

Elaborada pela DITTI – Setor de Tratamento da InformaçãoBiblioteca Universitária da UFMG

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APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO

Apresentamos a Coleção Didática e Prática de Ensino,constituída de 6 volumes, que expressa a produção de renomadoseducadores, em diferentes campos temáticos, convidados para odebate das Convergências e tensões no campo da formação e dotrabalho docente: políticas e práticas educacionais, que aconteceu noXV ENDIPE.

O Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE)é um evento científico, no campo educacional, que congregaprofissionais que trabalham com questões relacionadas aos processosde ensino e aprendizagem. Esses profissionais são, em sua maioria,docentes e discentes que atuam nos programas de Pós-Graduaçãoem Educação, nas Faculdades de Educação e nos sistemas de ensinodas redes públicas do país.

O ENDIPE nasceu de um pequeno seminário, realizadona PUC/RJ, em 1982 e 1983, denominado “A didática em questão”que objetivou problematizar e discutir a Didática, sua orientaçãoepistemológica e política bem como a natureza de suas propostas parao campo do ensino. Esses seminários contaram, na época, apenascom a participação de cerca de 60 pessoas e deram origem aosatuais Encontros Nacionais de Didática e Prática de Ensino. Ocorre,a partir de então, de dois em dois anos, em diferentes estados e sãoorganizados por instituições de ensino superior que, na assembléiafinal de cada encontro, se apresentam como proponentes para sediaro próximo evento. Hoje, pode-se dizer que o ENDIPE é o maior eventoacadêmico na área da Educação, que pode contar uma história detrinta anos de percurso ininterruptos, delineado em seus últimosencontros como um evento de grande porte, com a participação demais de quatro mil pesquisadores da área.

A finalidade dos ENDIPEs é socializar os resultados de estudose pesquisas relacionadas ao ensinar e ao aprender, o que envolve,mais especificamente, a temática da formação docente, do ensino

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das diferentes disciplinas e do currículo. Constitui-se, portanto, emum espaço privilegiado de trocas de experiências, de articulação degrupos, de questionamentos, de novas idéias e de novas reflexões.

O tema central Convergências e tensões no campo daformação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionaisfoi escolhido em razão do importante momento político vivido pelaeducação brasileira.

O contexto atual se revela promissor em possibilidades derealização prática de sonhos antigos. Se nesse momento presencia-seum conjunto de críticas severas ao desempenho da educação básicano país, ao mesmo tempo, concretizam-se respostas importantes dogoverno federal com a implantação do Programa REUNI, programa deexpansão das universidades públicas brasileiras, com uma amplitudee extensão jamais vistas pela história desse país.Associado a ele, vemsendo criadas políticas de incentivo à oferta de cursos de formaçãode professores tanto em nível de graduação quanto no âmbito daformação continuada e integrada a essas políticas, presenciamos,ainda, a dinâmica de organização nos diferentes Estados da federaçãodos FORPROFs – Fóruns de Formação de Professores, articuladoresdessas ofertas, com a participação dos gestores das diversasuniversidades públicas e dos secretários municipais e estaduais deEducação. Vivemos, assim, um movimento profícuo à participação daacademia na estruturação de políticas educacionais, porque chamadasa integrar espaços e participar com a sua produção. E nesse contexto,a resposta dada por esta coleção que integra a reflexão organizadade pesquisas e práticas, é extremamente oportuna para a construçãodessas políticas.

A coordenação geral do evento tomou a decisão de subdividiro tema central em campos bem definidos para permitir a análisedas tendências atuais em cada campo, favorecendo a socializaçãodos resultados dos estudos e o diálogo com as diferentes áreas. Ossubtemas,emconexãocoma temáticageraldoEncontro,debatidosnos90 simpósios realizados pelos pesquisadores convidados constituem abase dos 6 volumes dessa coleção, organizados a partir da confluência

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ou similaridade dos temas ou mesmo das necessidades técnicas dediagramação dos volumes. São eles: Alfabetização e Letramento;Arte-Educação; Avaliação Educacional; Currículo; Didática; Educaçãoa Distância e Tecnologias da Informação e Comunicação; EducaçãoAmbiental; Educação de Jovens e Adultos; Educação de Pessoascom Deficiência, Altas Habilidades e Condutas Típicas; Educação doCampo;EducaçãoemCiências;EducaçãoemEspaçosNão-escolares;Educação, Gênero e Sexualidade; Educação Indígena; EducaçãoInfantil; Educação Matemática; Educação Profissional e Tecnológica;Ensino da Língua Portuguesa; Ensino de Educação Física; Ensino deGeografia; Ensino de História; Ensino de Línguas Estrangeiras; EnsinoSuperior; Escola, Família e Comunidade; Formação Docente; PolíticasEducacionais; Relações Raciais e Educação; Trabalho Docente.

Como organizadores, desejamos que esta coleção se torneum incentivo para o debate sobre as tensões presentes na Educaçãohoje e que esse debate encontre convergências capazes de construirpropostas vivas e criativas para o enfrentamento da luta por umaeducação de qualidade para todos. Desejamos, também, que a alegriavivida por nós no percurso de produção deste material esteja presentenas entrelinhas desses textos, de modo a tecer, solidariamente, umaenorme rede de compromissos com a educabilidade em nosso planeta.

Belo Horizonte, abril de 2010.

Ângela Imaculada Loureiro de Freitas DalbenJulio Emilio Diniz PereiraLeiva de Figueiredo Viana LealLucíola Licínio de Castro Paixão SantosOrganizadores da coleção

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SUMÁRIO

PARTE IEDUCAÇÃO AMBIENTAL: CONVERGÊNCIASE TENSÕES NO CAMPO DA FORMAÇÃO E DOTRABALHO DOCENTE

APRESENTAÇÃOAna Maria de Oliveira Cunha

EDUCAÇÃO AMBIENTAL: DESAFIOS À FORMAÇÃO/TRABALHO DOCENTEVictor de Araújo Novicki

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA FORMAÇÃO INICIALAna Maria de Oliveira CunhaMelchior José Tavares Júnior

A PESQUISA NO CAMPO DA FORMAÇÃO E DOTRABALHO DOCENTE RELACIONADO COM ATEMÁTICAAMBIENTALLuiz Marcelo de Carvalho

NATUREZA, TECNOCIÊNCIAS E EDUCAÇÃOAMBIENTALMarcos Antônio dos Santos Reigota

A RELAÇÃO TEORIA-PRÁTICA NA FORMAÇÃO DEPROFESSORES EM EDUCAÇÃO AMBIENTALCarlos Frederico Bernardo Loureiro

LEITURAS AMBIENTAIS, UM EXERCÍCIO EAPRENDIZADO COTIDIANOMônica Ângela de Azevedo Meyer

PARTE IIEDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS: CONVERGÊNCIASE TENSÕES NO CAMPO DA FORMAÇÃO E DOTRABALHO DOCENTE

APRESENTAÇÃOEduardo Fleury MortimerOrlando Aguiar Jr

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ALTERNATIVAS DIDÁTICAS PARAA FORMAÇÃODOCENTE EM QUÍMICARoseli Schnetzler

UMA FORMAÇÃO EM CIÊNCIAS PARA EDUCADORESDO CAMPO E PARA O CAMPO NUMA PERSPECTIVADIALÓGICAMaria Emília Caixeta de Castro Lima

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIASDA NATUREZA NA TENSÃO COM AS CIÊNCIASDE REFERÊNCIA: ENTRE AS COMPLEXIDADES EPRECARIEDADES DA CIDADE E DAS ESCOLAS E ABATUTA ELEGANTE, FRIA E FIRME DA CIÊNCIAMurilo Cruz Leal

RECEITA DE BOM PROFESSOR: TODO MUNDO TEM ASUA, EU TAMBÉM TENHO AMINHA!Sílvia Nogueira Chaves

A PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, O ENSINODE CIÊNCIAS E AS LICENCIATURAS NA ÁREA:ENCONTROS E DESENCONTROSRoberto Nardi

AAÇÃO DO PROFESSOR EM SALA DE AULA:IDENTIFICANDO DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS ÀPRÁTICA DOCENTEOrlando Aguiar Jr.

A PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, O ENSINO DECIÊNCIAS E AS LICENCIATURAS NA ÁREA: ENCONTROSE DESENCONTROSRejane Maria Ghisolfi da Silva

AS CONDIÇÕES DE DIÁLOGO ENTRE PROFESSORE FORMADOR PARA UM ENSINO QUE PROMOVAAENCULTURAÇÃO CIENTÍFICA DOS ALUNOSAnna Maria Pessoa de Carvalho

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LETRAMENTO CIENTÍFICO EM AULAS DE QUÍMICAPARA O ENSINO MÉDIO: DIÁLOGO ENTRELINGUAGEM CIENTÍFICA E LINGUAGEM COTIDIANAEduardo Fleury MortimerAna Clara Viera

O VALOR PRAGMÁTICO DA LINGUAGEM COTIDIANACharbel Niño El-HaniEduardo Fleury Mortimer

PARTE IIIEDUCAÇÃO EM ESPAÇOS NÃO-ESCOLARES:CONVERGÊNCIAS E TENSÕES NO CAMPO DAFORMAÇÃO E DO TRABALHO DOCENTE

APRESENTAÇÃOSilvania Sousa do Nascimento

EDUCAÇÃO EM MUSEUS, CULTURA ECOMUNICAÇÃOMarília Xavier Cury

A RELAÇÃO MUSEU E ESCOLA NA PRÁTICADOCENTE: TENSÕES DE UMAATIVIDADE EDUCATIVASilvania Sousa do Nascimento

MUSEUS E EDUCAÇÃO: DISCUTINDO ASPECTOSQUE CONFIGURAM A DIDATICA MUSEALMartha Marandino

JOVENS NOS MUSEUS: QUEM SÃO, AONDE VÃO ECOM QUEM VISITAM?Sibele Cazelli

PROFESSORES EM ESPAÇOS NÃO-FORMAISDE EDUCAÇÃO: ACESSO AO CONHECIMENTOCIENTÍFICO E FORMAÇÃO CONTINUADADaniela Franco Carvalho Jacobucci

ACESSO AO CONHECIMENTO CIENTÍFICO PELAMÍDIA E AMBIENTES NÃO ESCOLARES EM UMANOVA SITUAÇÃO EDUCACIONALGlória Regina Pessôa Campello Queiroz

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VISITAS A MUSEUS E O ENSINO DE HISTÓRIAAntonia Terra de Calazans Fernandes

AS SEDUÇÕES DAMEMÓRIA NO ENSINO DEHISTÓRIAFrancisco Régis Lopes Ramos

ARBÍTRIO E SENSIBILIDADE NAAPRENDIZAGEMHISTÓRICAATRAVESSADA PELOS MUSEUSJúnia Sales Pereira

PARTE IVEDUCAÇÃO MATEMÁTICA: CONVERGÊNCIASE TENSÕES NO CAMPO DA FORMAÇÃO E DOTRABALHO DOCENTE

APRESENTAÇÃOMaria da Conceição Ferreira Reis Fonseca

DIMENSÕES HISTÓRICAS NA FORMAÇÃO DEPROFESSORES QUE ENSINAM MATEMÁTICAMaria Laura Magalhães Gomes

PRESENTIFICANDO AUSÊNCIAS: A FORMAÇÃO E AATUAÇÃO DOS PROFESSORES DE MATEMÁTICAAntonio Vicente Marafioti Garnica

DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL ECOMUNIDADES INVESTIGATIVASDario Fiorentini

A PARCERIA ESCOLA X UNIVERSIDADE NA INSERÇÃODA TECNOLOGIA NAS AULAS DE MATEMÁTICA:UM PROJETO DE PESQUISA-AÇÃOMarilena Bittar

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E AS POLÍTICAS DEAVALIAÇÃO EDUCACIONAL: HÁ SINALIZADORESPARA O ENSINO DE MATEMÁTICA NAS ESCOLAS OUÂNCORAS A SEREM LEVANTADAS?Maria Tereza Carneiro Soares

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O ENSINO DE MATEMÁTICA E AS AVALIAÇÕESSISTÊMICAS: O DESAFIO DE APRESENTAR OSRESULTADOS A PROFESSORESMaria Isabel Ramalho Ortigão

AVALIAÇÃO SISTÊMICA EM MATEMÁTICA:ALTERANDO FOCOS, CONCEPÇÕES E INTENÇÕESPARA SE DIMENSIONAR TENSÕESAntonio MiguelAnna Regina Lanner de Moura

FORMAÇÃO MATEMÁTICA DO PROFESSOR DAESCOLA BÁSICA: QUAL MATEMÁTICA?Plínio Cavalcanti Moreira

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PARTE I

EDUCAÇÃO AMBIENTAL: CONVERGÊNCIASE TENSÕES NO CAMPO DA FORMAÇÃO E DO

TRABALHO DOCENTE

Ana Maria de Oliveira CunhaOrganizadora

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APRESENTAÇÃO

A coletânea referente à Educação Ambiental apresenta 06textos, cujos autores integraram os simposistas deste sub-tema, noXV ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino,realizado entre 20 e 23 de abril de 2010, na Universidade Federal deMinas Gerais, Belo Horizonte, com a temática geral: Convergênciase Tensões no Campo da Formação e do Trabalho Docente: Políticase Práticas Educacionais. Os textos representam as reflexões dosautores, pautada em suas experiências, pesquisas, e perspectivasteóricas, oferecendo ao leitor material sobre a formação e trabalhodocentes na temática ambiental.

Este sub-tema apresentou 2 simpósios: Simpósio 1: EducaçãoAmbiental na formação de professores e Simpósio 2: Cotidiano escolar,práticas pedagógicas e meio ambiente.

De maneira geral, os artigos discutiram novos caminhos,para a formação de educadores ambientais, abordando os principaisdesafios relacionados ao trabalho docente: interdisciplinaridade,transversalidade, consciência ambiental, participação social, falsodilema teoria e prática, finalidades e propostas para a EA, concepçãode natureza, concepção de ambiente, a disciplinaridade para a EAnos cursos de formação de professores, o exercício do olhar sobre ocotidiano.

Abrindo a coletânea, o primeiro texto do Simpósio 1 - EducaçãoAmbiental: desafios à formação/trabalho docente, objetiva contribuirpara as reflexões em torno da formação e trabalho docentes natemática ambiental, considerando que os processos educacionais e osprocessos sociais mais abrangentes estão intimamente relacionados,sendo inconcebível, portanto, uma reformulação significativa daeducação sem a transformação da sociedade. Inicialmente, enfatizaa legislação e as políticas educacionais que tratam da formação deprofessoresvisandoaabordagemda temáticaambiental.Numsegundomomento, a partir das recomendações da Conferência de Tbilisi, doTratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e

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Responsabilidade Global e das políticas educacionais, discute o queconsidera ser os principais desafios colocados à formação/trabalhodocente. Em seguida, propõe a realização de diagnóstico social,cultural e ambiental da escola e de seu entorno, entendida comouma estratégia para a formação e trabalho docentes na temáticaambiental, e, para finalizar apresenta algumas considerações à títulode conclusão.

O segundo texto - A Educação Ambiental na formação inicial,busca refletir sobreos limiteseaspossibilidadesdadisciplinaEducaçãoAmbiental na formação inicial. Com base em suas experiências, osautores argumentam sobre pontos positivos desta possibilidade.Exemplificamatividadespráticas,vivenciadasnadisciplinadeEducaçãoAmbiental, instituída como obrigatória, em um curso de graduação emBiologia, como o mapeamento ambiental, que podem transcender oreducionismo clássico das disciplinas acadêmicas, integrando outrosconhecimentos, valores e atitudes advindos do contato com ossaberes populares. Apontam alguns desafios da disciplina, tais como:necessidade de um tempo maior para sua abordagem; engajamentopessoal do docente responsável; ganhos da presença de mais de umprofessor na disciplina; resistência dos alunos para se envolveremnesta área de pesquisa; Os autores concluem que a inserção deuma disciplina de EA na formação inicial dos professores garante aabordagem da temática, mas sua legitimidade e sua influência noscursos de graduação dependerão de uma conjuntura de fatores, aserem analisados caso a caso.

Fechando o simpósio 1, temos o texto - Pesquisasrelacionadas com a formação de professores, onde o autor faz váriosquestionamentos, a saber: As questões que têm sido apontadas comoasmais significativas pelas pesquisas relacionadas com a formação deprofessores têm sido consideradas nas pesquisas sobre processos deformação dos educadores ambientais? As questões de investigaçãopropostas pelas pesquisas sobre formação de educadores ambientaisestão em sintonia com as questões levantadas pelos pesquisadoresque têm focado suas investigações na formação de professores?

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Os referenciais teóricos que têm orientado as discussões sobreformação de professores têm sido considerados pelos educadoresambientais em suas pesquisas sobre tais processos formativos? Oscaminhos apontados pelos pesquisadores interessados em processosde formação do educador ambiental estão em sintonia teórico-metodológica com as propostas consideradas inovadoras peloseducadores? O autor busca estas respostas nos textos veiculadospelo GT Formação de Professores da ANPED (Associação Nacionalde Pós-Graduação e Pesquisa em Educação) e a partir da seleção deum conjunto de textos sobre processos de formação de educadoresambientais, publicados nos Anais do EPEA (Encontros de Pesquisaem Educação Ambiental). O autor procura analisar aproximações edistanciamentos entre esses campos, procurando identificar núcleosde sentidos nesses textos que apontem para diálogos possíveis edesejáveis.

Iniciando o bloco referente ao simpósio 2, temos o textoNatureza, tecnociências e Educação Ambiental, no qual o autor fazuma discussão cuidadosa partindo do pressuposto de que estudosantropológicos e ecológicos têm mostrado que diferentes noçõesde natureza estão relacionadas com grupos culturais e sociaisdiferenciados. Com os movimentos ecologistas e a sua vertentepedagógica, a Educação Ambiental, noções diferenciadas denatureza ganharam intensidade nos espaços públicos e científicos.Fundamentado pelos estudos e ensaios disponíveis até o momento,analisa que as relações entre natureza e cultura e as aparentesdicotomias entre elas nos mostram que estamos diante de noçõespolissêmicas que influenciam as práticas sociais e pedagógicascotidianas. Fundamentado nos estudos sobre as implicações políticas,sociais, ecológicas, culturais e educacionais das tecnociências,que mostram que o problema ecológico que provocam, não foramsuperados, o autor procura responder sobre o papel da educação,frente aos discursos contemporâneos sobre a natureza, e se aspráticas pedagógicas pautadas nestes discursos estão (re) definindocurrículos em diferentes universidades, pelo mundo?

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O texto seguinte deste bloco - A relação teoria-prática naformação de professores emEducaçãoAmbiental, aborda esta questãorelevante, que historicamente acompanha os debates da EducaçãoAmbiental, considerando como contexto o espaço da formação deprofessores, enquanto uma das principais demandas de educadorese educadoras ambientais em todo o país. Para tanto, a partir daperspectiva crítica da Educação Ambiental, inicia com a exposição dealgumas situações típicas e recorrentes, problematizando-as, para emseguida se afirmar a pertinência e atualidade do conceito de práxis. Porfim, são apresentadas duas posições concretas que podem contribuirpara o enfrentamento dos desafios encontrados no campo. O artigopretende problematizar os rumos da discussão sobre teoria e prática,a partir de situações concretas observadas, afirmando a validade doconceito de práxis para o repensar dos caminhos tomados, e indicandodois aspectos ao final como encaminhamento concreto.

O texto que finaliza esta coletânea - Leituras ambientais, umexercício e aprendizado cotidiano, nos brinda com uma leitura bastanteagradável. A autora, a partir textos literários procura abrir e alargarhorizontes para que se possa conhecer o lugar onde se vive e aomesmo tempo repensar o conteúdo escolar, a prática pedagógica e aformação acadêmica. Com muita propriedade, relata a transformaçãopor que passou a cidade de Belo Horizonte, com a justificativa doprogresso. Dados estatísticos assustadores da realidade destacapital e também da brasileira são descritos ilustrando a supremaciado paradigma da lucratividade sobre o da sustentabilidade. Partindodo pressuposto que sociedade, cultura e natureza não se separam,discorre sobre o mapeamento ambiental, uma estratégia de ensino,que possibilita ultrapassar os muros da escola e ajuda a identificar eanalisar as relações sociais e culturais tecidas no ambiente da casa,do trabalho, da escola, do lazer, dos cultos religiosos. Neste traçadode redes, os conteúdos programáticos emergem contextualizados edão sentido o aprender.

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Com esta coletânea, esperamos contribuir com todos aquelesque buscam a construção de uma nova Educação Ambiental, para aconsolidação de uma sociedade sustentável.

Ana Maria de OliveiraPresidente da Comissão Científica do Subtema Educação

Ambiental

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL: DESAFIOS ÀFORMAÇÃO/TRABALHO DOCENTEVictor Novick(PPGE/UNESA)

INTRODUÇÃO

Considerando que a questão socioambiental é causada pelonosso modo de produzir e consumir, e que é esta sociedade queformula as políticas educacionais, cabe indagar: formar professorespara qual sociedade? Entendemos, conforme Mészáros (2005), queos processos educacionais e os processos sociais mais abrangentesestão intimamente relacionados, sendo inconcebível, portanto, umareformulação significativa da educação sem a transformação dasociedade.

A formação inicial e continuada de professores é fundamentalpara que a temática ambiental seja abordada em todos os níveis emodalidades de ensino. Entretanto, frente ao desafio colocado pelaquestão socioambiental, o professor é fragmentado em sua práxis(reflexão-ação), pois não participa no processo de formulação daspolíticas educacionais, cabendo-lhe a execução do que foi decidido.Dentre outras, destacamos as críticas formuladas por Moreira(1999) que denuncia a falta de participação social na elaboraçãodos Parâmetros Curriculares Nacionais, pois desconsiderou-se aexperiência de estudiosos do campo e a contribuição dos professores.Isto tem dificultado a implementação da Política Nacional deEducação Ambiental e, particularmente, dos Parâmetros CurricularesNacionais/ Tema Transversal: Meio Ambiente, pois os professores odesconhecem ou não sabem como abordá-lo transversalmente nasdiferentes disciplinas.

Neste sentido, este trabalho objetiva contribuir para asreflexões em torno da formação e trabalho docentes na temáticaambiental. Inicialmente, coerente ao foco proposto pelo tema geral

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de nosso Evento: “Convergências e Tensões no Campo da Formaçãoe do Trabalho Docente: Políticas e Práticas Educacionais”, vamosenfatizar a legislação e as políticas educacionais que tratam daEducação Ambiental e, particularmente, da formação de professoresvisando a abordagem da temática ambiental. Num segundomomento, a partir das recomendações da Conferência de Tbilisi, doTratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis eResponsabilidade Global e das políticas educacionais, discutiremoso que consideramos ser os principais desafios colocados à formação/trabalho docente: interdisciplinaridade, transversalidade, consciênciaambiental, participação social. Em seguida, propomos a realização dediagnóstico social, cultural e ambiental como uma estratégia para aformação e trabalho docentes com vistas à superação dos desafiosanteriormente discutidos, e, finalmente, apresentamos algumasconsiderações finais.

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E FORMAÇÃO DE PROFESSORES:LEGISLAÇÃO E POLÍTICA EDUCACIONAL

A demanda por formação de professores em EducaçãoAmbiental (EA) não é recente e tem como marco a Política Nacionaldo Meio Ambiente (PNMA), de 1981, que determina a EA “em todosos níveis de ensino” e, ainda, em termos da “conscientização pública”,ou seja, sob perspectiva formal e não-formal. A EA proposta nestedocumento legal estava focada na capacitação da sociedade civil,de modo a contribuir para a “participação ativa na defesa do meioambiente” (BRASIL, 1981), abordagem que, sob uma primeira leitura,se aproximaria da perspectiva crítica de EA (GUIMARÃES, 2004).Assim, pode-se depreender que o cumprimento desta lei exigia aformação de professores visando uma “educação para a democracia”(BENEVIDES, 1996), ou seja, não basta ter consciência ambiental, éfundamental a participação nos processos decisórios de formulação eimplementação de políticas públicas.

Surpreende o fato desta concepção de EA ser formulada pelo

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regime militar, mesmo que em um contexto denominado de “aberturapolítica” (1979-1982), pois esta finalidade da EA foi defendidana Conferência de Tbilisi (UNESCO, 1997), ocorrida em 1977 e,posteriormente, pelo Tratado de EducaçãoAmbiental para SociedadesSustentáveis e ResponsabilidadeGlobal (TEASS, 1992), consideradasas principais referências da EA crítica. Entretanto, apesar de propor aparticipação sociopolítica, a PNMA entende meio ambiente como o”conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física,química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suasformas” (BRASIL, 1981), vertente aqui tomada por reducionista, poisnão menciona suas dimensões social, política, cultural e econômica.Assim, propõe-se uma EA para a participação social em um meioambiente sem gente, sem relações sociais!

Se por um lado, a Constituição Federal de 1988 avança sobrea PNMA em termos do envolvimento da sociedade civil como um dosprotagonistas da defesa do meio ambiente, curiosamente expõe certoretrocesso em relação à Lei no 6.938, por restringir a implementação daEA ao poder público (QUINTAS, 2004), sem menção à coletividade, epor considerar como objetivo da EA a “preservação do meio ambiente”(BRASIL, 1988), ou seja, por sinalizar uma concepção de educaçãoconservacionista (LAYRARGUES, 2000), em contraposição a umaproposta de EA focada na capacitação da sociedade civil.

Cabe destacar que nesta legislação o meio ambiente éconsiderado “patrimônio público” (BRASIL, 1981) ou “bem de usocomum do povo” (BRASIL, 1988), o que significa reconhecer aexistência de interesses conflitantes (público e privados) na sociedade,em torno da questão ambiental, que se materializam em problemas/conflitos ambientais. Desde 1981, portanto, demanda-se a formaçãode professores visando o desenvolvimento de uma educação para agestão ambiental pública, para a participação social na esfera pública.1

1 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) compreende que a forma-ção básica do cidadão se dará também mediante “a compreensão do ambiente natural e social,do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade”.Em relação à formação de professores (“Dos Profissionais da Educação”) não é feita mençãoespecífica à temática ambiental, mas determina-se, de modo geral, que a formação dos profis-sionais da educação se dê de “modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades

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Em larga medida, será na Política Nacional de EducaçãoAmbiental - PNEA (BRASIL, 1999) que se manifestarão abordagensque irão sugerir certa proximidade em relação às vertentes críticastanto sobre o meio ambiente (VELASCO, 2002), quanto propriamentea respeito da EA. No primeiro caso, por considerar existir umarelação de interdependência entre os seres humanos e a natureza/meio ambiente, enquanto que em termos da EA por defender aparticipação social, individual e coletiva para os debates em torno daquestão ambiental e a formulação e execução de políticas públicase práticas sociais. Entretanto, a concepção de EA está voltada paraa conservação do meio ambiente2, caracterizando uma perspectivanaturalista de EA (LAYRARGUES, 2002), mais focada na natureza doque na sociedade, ou seja, privilegiando as soluções técnicas paraos problemas ambientais, em detrimento da crítica à sociedade queproduz a degradação ambiental e a desigualdade social.

Aproximadamente duas décadas após a PNMA (BRASIL,1981) ou da criação de demanda por formação de docentes para a EA,a PNEA (BRASIL, 1999) contempla a formação inicial e continuadade professores, coerente à sua proposta de que a EA deveria serdesenvolvida em todos os níveis e modalidades do ensino (formal enão-formal).Apesar de representar um avanço – após cinco séculos delatifúndio e de degradação socioambiental – o processo de aprovaçãoda PNEA implicou veto ao Artigo 18º, que garantiria recursos para asua implementação: “Devem ser destinados a ações em educaçãoambiental pelo menos vinte por cento dos recursos arrecadados emfunção da aplicação de multas decorrentes do descumprimento dalegislação ambiental” (SOTERO, 2008, p. 149-150).

Esta legislação (BRASIL, 1981, 1988, 1996, 1999), marcadapor contradições, influenciará a formulação de políticas educacionaisvoltadas para a inserção da temática ambiental nos diferentes níveise modalidades de ensino, o que lança desafios à formação e trabalhode ensino” (grifos nossos).2 Em seu Artigo 1º, a PNEA (BRASIL, 1999) entende por EA “os processos por meio dos quaiso indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes ecompetências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, es-sencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade” (grifos nossos).

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dos professores.Em 2001, somente três anos após a política educacional

determinar a inserção da temática ambiental de modo transversal einterdisciplinaremtodasasdisciplinasdoEnsinoFundamental (BRASIL.MEC.SEF, 1997, 1998a), o MEC publica o Programa Parâmetrosem Ação (BRASIL.MEC.SEF, 2001) que propõe-se a contribuir paraa formação continuada de professores do Ensino Fundamental, demodo a que o docente promova a abordagem da temática ambientalno conjunto das disciplinas deste nível de ensino3. Em 2004, seisanos após o lançamento dos PCN/Tema Transversal: Meio Ambiente,estudo elaborado pelo MEC/Instituto Nacional de Estudos e PesquisasEducacionais Anísio Teixeira (INEP) (VEIGA; AMORIM; BLANCO,2005) procurou traçar um diagnóstico da EA no Ensino Fundamentalbrasileiro, a partir de dados levantados pelo Censo Escolar. Aoconsiderar o período entre 2001 e 2004, o documento sinaliza umcrescimento acelerado e abrangente da EA formal: enquanto em 2001,o número de escolas que informaram desenvolver algum tipo de EAestava em torno de 115 mil (71,7% das escolas do país), em 2004,esse número passou para 152 mil (94,9%), apontando um crescimentode 32%, caracterizado, especialmente, pela inserção da temáticaambiental nas várias disciplinas (61,2%), conforme preconizado poraqueles parâmetros, e, em menor escala, pela promoção de projetos(35,7%) e disciplinas especiais (3,1%). Esta pesquisa veio mais tardemotivar a realização de uma outra investigação que, por intermédio deabordagem, agora, qualitativa, visou aprofundar o conhecimento sobreas práticas de EA levadas a efeito por escolas públicas e privadas deEnsino Fundamental (BRASIL.MEC.SECAD, 2006).

AsDiretrizesCurricularesNacionais paraoCursodeGraduaçãoem Pedagogia (BRASIL.MEC.CNE, 2006), no que se refere à temáticaambiental, entendem que cabe ao Curso de Pedagogia propiciar, “pormeio de estudos teórico-práticos, investigação e reflexão crítica, (...) a

3 O Programa Parâmetros em Ação adota como principal recurso pedagógico a distribuiçãode materiais em dois kits: um para o coordenador (subsídios para os coordenadores de grupo),outro para o professor, incluindo textos, programas de vídeo, CDs de música, CD-ROM cominformações da legislação ambiental, cartaz com mapa das ecorregiões do Brasil e compilaçãode diversas informações ambientais de utilidade para o professor (BRASIL.MEC.SEF, 2001).

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aplicação ao campo da educação, de contribuições, entre outras, deconhecimentos como ... o ambiental-ecológico”, pois consideram queo egresso deste Curso deverá estar apto a “demonstrar consciênciada diversidade, respeitando as diferenças de natureza ambiental-ecológica...”, bem como “realizar pesquisas que proporcionemconhecimentos, entre outros: sobre alunos e alunas e a realidadesociocultural em que estes desenvolvem suas experiências não-escolares; sobre processos de ensinar e aprender, em diferentesmeiosambiental-ecológico...”. Entretanto, não fica claro neste documento oque vem a ser “ambiental-ecológico”.

Ainda em termos das ações específicas do MEC naimplementação da PNEA, com ênfase na formação de professores,cumpre apontar, finalmente, a Proposta de Diretrizes Curriculares paraa Educação Ambiental (BRASIL.MEC.SECAD, 2007) encaminhadaao Conselho Nacional de Educação. À rigor, trata-se de mais umainiciativa visando solucionar a demanda por formação de professorescriada com a PNMA (BRASIL, 1981), vinte e seis anos antes, bemcomo a implementação da política educacional proposta uma décadaatrás (BRASIL.MEC.SEF, 1997, 1998a), agora com foco na formaçãoinicial de professores (curso de Pedagogia e licenciaturas), atravésda “inclusão obrigatória de atividade curricular/disciplina ou projetosinterdisciplinares obrigatórios” (BRASIL.MEC.SECAD, 2007, p. 1).Cabe ainda destacar que esta Proposta muito se aproxima do cenáriorevelado na pesquisa desenvolvida pelo INEP (VEIGA; AMORIM;BLANCO, 2005), anteriormente mencionada, em que foi constatadaa inserção da temática ambiental no Ensino Fundamental através detrês modalidades: transversal às disciplinas, projetos e disciplinasespeciais.

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DESAFIOS À FORMAÇÃO/TRABALHO DOCENTE:INTERDISCIPLINARIDADE, TRANSVERSALIDADE,CONSCIÊNCIA AMBIENTAL, PARTICIPAÇÃO SOCIAL

As recomendações de conferências internacionais de EA eas orientações da política educacional permitir-nos-á destacar o queconsideramos como os principais desafios na formação/trabalhodocente.

Dentre os eventos internacionais sobre Educação Ambiental,exploraremos as recomendações da Conferência de Tbilisi e doTratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveise Responsabilidade Global pois, diferente da lógica do mercadodefendida pelo desenvolvimento sustentável, fornecem subsídios paraa construção de sociedades sustentáveis.

Na Conferência de Tbilisi (UNESCO, 1997) foram definidosos objetivos, funções, estratégias, características, princípios erecomendações para a EA. A alínea “c” pertencente à Recomendaçãonº 1, ajuda-nos a entender o porquê deste evento ser considerado ummarco conceitual da EA crítica:

um objetivo fundamental da educação ambiental é lograrque os indivíduos e a coletividade compreendam anatureza complexa do meio ambiente natural e do meioambiente criado pelo homem, resultante da integraçãode seus aspectos biológicos, físicos, sociais, econômicose culturais, e adquiram os conhecimentos, os valores, oscomportamentos e as habilidades práticas para participarresponsável e eficazmente da prevenção e soluçãodos problemas ambientais, e da gestão da questão daqualidade do meio ambiente (UNESCO, 1997, p. 98).

Esse objetivo é corretamente predicado por fundamental,pois foca os alicerces de uma proposta de EA crítica, podendo serdecomposto em três partes que se articulam para a superação

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da educação conservacionista, defendida pelos enfoques dodesenvolvimento sustentável.

Primeiramente, ao fazer menção aos indivíduos e àcoletividade, a EA proposta na Conferência de Tbilisi descarta aabordagem reducionista da relação indivíduo-sociedade, pautada nodualismo cartesiano que tende a desarticular o indivíduo da sociedade,ou seja, a parte do seu todo. Este artifício, de caráter alienante, porum lado, culpabiliza de maneira geral todos os seres humanos pelosimpactos ambientais, sem atribuir pesos específicos aos diferentesatores sociais – Estado, mercado, sociedade, indivíduo –, e, por outrolado, revela o objetivo da educação conservacionista: “entendendo oproblema ambiental como fruto de um desconhecimento dos princípiosecológicos [falta de informação] que gera ‘maus comportamentos’ nosindivíduos” (LAYRARGUES, 2000, p. 89), cabe a esta concepçãode educação “criar ‘bons comportamentos’” (id. ibid.). Este enfoque“comportamentalista-individualista” leva seus adeptos a associarem adegradação ambiental ao crescimento populacional do planeta – um“limite externo” à sustentabilidade (FOLADORI, 2001) –, pois se aquestão ambiental está relacionada ao comportamento dos indivíduos,quanto maior o seu número, maiores serão os problemas:

A educação comportamentalista centra seu esforçoeducativo na crença de que a transmissão de informaçõesprovoquemudançasdeatitudes,semconsiderarainfluênciado hábito nas atitudes individuais e, por conseguinte, ainfluência dos valores socialmente construídos sobre oshábitos de cada um. Não considerando essas relações, aeducação comportamentalista descontextualiza [aliena]os indivíduos como seres sociais que são, retirandotoda a influência que a sociedade tem sobre sua relativaautonomia (GUIMARÃES, 2004, p. 139-140).

Em segundo lugar, a Conferência de Tbilisi (UNESCO, 1997,p. 98) define como objetivo da EA “lograr que os indivíduos e a

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coletividade compreendam a natureza complexa do meio ambientenatural e do meio ambiente criado pelo homem, resultante daintegração de seus aspectos biológicos, físicos, sociais, econômicose culturais”. Diferente da educação conservacionista que, atravésde outro reducionismo, privilegia os aspectos biológicos do meioambiente/natureza, foco das soluções técnicas, a concepção de meioambiente proposta por Tbilisi (UNESCO, 1997) abrange os recursosnaturais do planeta, as instituições e valores criados historicamentepela ação social do homem e, principalmente, a tensão existente entreambos (esgotamento e poluição dos recursos naturais/meio ambiente).Esta concepção dialética da relação Homem-meio ambiente explicitaclaramente a necessidade de se incorporar as diferentes dimensõesda questão ambiental de modo interdisciplinar (ciências naturaise humanas), tanto na resolução dos problemas ambientais, quantonas atividades de pesquisa e ensino sobre questões situadas nainterface das temáticas educacional e ambiental, como a EA. Permiteainda colocar em xeque a sociedade que causa e lucra com a misériahumana e com o esgotamento/poluição do meio ambiente/natureza,pois dialeticamente desloca do indivíduo para a sociedade (da partepara o todo) as origens da degradação ambiental e da desigualdadesocial, que exigem, além de soluções técnicas e econômicas, oquestionamento das relações sociais de produção vigentes, visandoa construção de sociedades sustentáveis e não de um pretensodesenvolvimento sustentável.

Tbilisi (UNESCO, 1997), em terceiro lugar, recomenda queos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais envolvidos naconcepção de EA em questão devam ter como finalidade a resoluçãode problemas ambientais locais: “adquiram os conhecimentos, osvalores, os comportamentos e as habilidades práticas para participarresponsável e eficazmente da prevenção e solução dos problemasambientais”, apontando para a importância da relação teoria-práticaou reflexão-ação nesse processo, de modo a contribuir para aparticipação social na esfera pública.

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Na I Jornada Internacional de Educação Ambiental, queculminou no Fórum das Organizações Não-Governamentais eMovimentos Sociais, evento paralelo à ECO-92, foi produzido o Teass,anteriormente mencionado. Na Introdução desse documento (TEASS,1992, p. 1) é destacada a importância da EA, entendida como processoeducativo transformador e permanente na “formação de valores e naação social” para a criação de “sociedades sustentáveis e equitativas”(id.), baseadas “no respeito a todas as formas de vida” (id.).

O TEASS gera um ponto de inflexão no debate sobre asustentabilidade, pois promove o deslocamento do desenvolvimentosustentável para as sociedades sustentáveis, o que fica mais claroquando o documento relaciona ao modo de produção capitalista ascausas, simultaneamente, da degradação ambiental e da desigualdadesocial, identificando, ainda, a alienação e a falta de participação comodesafios da EA:

As causas primárias de problemas como o aumentoda pobreza, da degradação humana e ambiental eda violência podem ser identificadas no modelo decivilização dominante, que se baseia em superproduçãoe superconsumo para uns e em subconsumo e falta decondições para produzir por parte da grande maioria [...].Consideramos que são inerentes à crise a erosão dosvalores básicos e a alienação e a não-participação daquase totalidade dos indivíduos na construção de seufuturo. É fundamental que as comunidades planejeme implementem sua próprias alternativas às políticasvigentes. Dentre essas alternativas está a necessidadede abolição dos programas de desenvolvimento, ajustese reformas econômicas que mantêm o atual modelo decrescimento, com seus terríveis efeitos sobre o ambientee a diversidade de espécies, incluindo a humana (TEASS,1992, p.1).

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Consolidando argumentos, entendemos que asRecomendações de Tbilisi e do TEASS contrapõem-se à lógicado mercado, ou seja, à subsunção do trabalho e da natureza aoprocesso de acumulação capitalista, conforme preconizam as grandesconferências internacionais (Estocolmo, Rio-92, Johannesburgo) quediscutiram o binômio desenvolvimento econômico-meio ambiente(NOVICKI, 2009). Isto significa que Tbilisi e o TEASS entendem queas propostas de sustentabilidade devem se subordinar à lógica social,ao processo democrático, e não somente aos interesses da classesocial hegemônica (capitalistas).

Sob essas perspectivas, a educação para sociedadessustentáveis (EA crítica), no que se refere à formação de professores,assumiria dois grandes desafios: i) a construção de uma consciênciaambiental, entendida como compreensão de que somos naturalmentehumanos e humanamente naturais (dupla determinação natural esocial) e,ainda, ii) aorganizaçãoemobilizaçãocomvistasàparticipaçãosocial nos processos decisórios de formulação e implementaçãode políticas públicas (NOVICKI, 2007a, 2007b; LOUREIRO, 2007;LOUREIRO et al., 2009).

Doponto de vista das ações específicas doMEC, osParâmetrosCurriculares Nacionais fornecem orientações voltadas à inserção datemática ambiental na Educação Infantil (BRASIL.MEC.SEF, 1998b)e no Ensino Fundamental (BRASIL.MEC.SEF, 1997, 1998a), porintermédio de três Blocos de Conteúdos que visam, respectivamente,levar o aluno a: i) conhecer os principais conceitos da temáticaambiental referidos aos aspectos biológicos do meio ambiente; ii)entender a relação que o Homem e a sociedade estabelecem coma natureza/meio ambiente; e, ainda, iii) refletir sobre a possibilidadede desenvolvimento de ações que visem, em caráter preventivo oucorretivo, a resolução (técnica, econômica, legal, entre outras) dosproblemas ambientais4. Em síntese, objetiva-se a construção de4 Sobre os problemas relacionados à formulação dos PCN em geral, veja-se, por exemplo, Mo-reira (1999) e FE.UFRGS (1999). Já em relação à questão da transversalidade, veja-se Macedo(1999) que, além de problematizar a idéia de currículo disciplinar nos termos de sua suposta in-capacidade de dar conta da realidade pluridimensional, coloca em questão, de um lado, a neces-sidade de criação de mecanismos integradores das diferentes disciplinas e, de outro, a própria

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conhecimentos sobre o “funcionamento” da natureza, da sociedade, esuas articulações.

Já em termos do Ensino Médio Profissional (Área de MeioAmbiente), os três Blocos de Conteúdos destinados à inserçãotransversal curricular da EA, acima mencionados, são agoraconsiderados funções ou competências a serem desenvolvidas naformação do Técnico em Meio Ambiente (BRASIL.MEC.SEMTEC,2000), objetivando: i) identificar e caracterizar os processos deconservação e de degradação natural; ii) avaliar os diferentes impactosambientais decorrentes da exploração dos recursos naturais e dasatividades produtivas em geral, na perspectiva do desenvolvimentosustentável, e, por último, iii) aplicar os princípios de prevenção ecorreção dos impactos ambientais (legislação, gestão ambiental,educação ambiental e uso de tecnologias).

DIAGNÓSTICO SOCIAL, CULTURAL, AMBIENTAL: SITUAÇÃO DEAPRENDIZAGEM INTERDISCIPLINAR SIGNIFICANTE

A educação, em uma pedagogia emancipadora, buscacontribuir para a compreensão da realidade e para a transformação,simultaneamente, da sociedade e da educação (MÉSZÁROS, 2005).A abordagem dos conteúdos programáticos ou dos conhecimentos aserem construídos, nesta concepção de educação, considera, comoimportante recurso pedagógico, a realidade vivenciada pelos alunosem seus locais de estudo, moradia e trabalho, destacando-se adiversidade cultural e a desigualdade/exclusão social que caracterizama nossa sociedade. Esta pedagogia fundamenta-se no entendimentode que as relações sociais de dominação e de exploração capitalistasão internalizadas, como ideologia dominante que informa a leitura docotidiano, e materializam-se nos problemas sociais e ambientais darua, bairro, cidade, país... Cabe à educação explicitar a articulação

superação deste tipo de estruturação curricular. Cabe ainda destacar Alvarez et al. (2002) que,embora não trate da realidade brasileira em particular, reúne reflexões teóricas e experiênciassobre o conceito e a potencialidade educativa dos temas transversais nas instituições educacio-nais espanholas, em diferentes níveis e modalidades de ensino.

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entre a “produção da vida real” (essência) e a “vida comum” (aparência)(MARX; ENGELS, 1987). O estabelecimento desta vinculaçãosociedade-educação cria condições para o exercício da cidadania esuperação da alienação, que perpetua a degradação socioambientalcausada pelo nosso modo de produzir e consumir coisas e pessoas(modo de produção capitalista).

À Educação Ambiental cabe, por um lado, re-inserir o Homemnomeio ambiente, de formaaperceber-se como “humanamente naturalou naturalmente humano” (MARX, 2004) que, através do trabalho,transforma a natureza/a si próprio em uma relação dialética (DELUIZ;NOVICKI, 2004) e, por outro, superar nossa “cultura política autoritária”(NOVICKI, 1998) e seus reflexos na relação Estado-Sociedade, tendocomo perspectiva reordenar as relações entre o público e o privado,no sentido de estimular a politização dos indivíduos (participação) ou aconstrução de uma identidade coletiva (interesses públicos, inclusiveos relacionados à temática socioambiental), em oposição à tendênciade priorizar seus interesses individuais e imediatos (privatização dosinteresses).

Como vimos, a Conferência de Tbilisi (UNESCO, 1997)considera como método de formação eficaz na Educação Ambientala adoção de estratégias de aprendizagem que privilegiem a “soluçãode problemas” que, segundo Layrargues (1999), pode envolverduas abordagens teórico-metodológicas: a resolução de problemasambientais como uma “atividade-fim”, priorizada “ecoempresáriossocioambientalmente responsáveis” (ALMEIDA, 2002; HAWKEN;LOVINS; LOVINS, 1999), ou na perspectiva de constituir-se emrecurso pedagógico (“tema gerador”) para discutir a sociedade.Podemos exemplificar estas distintas formas de aproximação darealidade através de uma ressignificação da conhecida metáforado “efeito dominó”: enquanto a resolução de problemas ambientaiscomo atividade-fim concentra-se, através unicamente de soluçõestécnicas (FOLADORI, 2001), no último dominó caído - o fenômeno”ou o problema ambiental (esgotamento e poluição da natureza/meio ambiente), a perspectiva que o encara como meio para discutir

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a sociedade ou como síntese local das relações de dominação eexploração capitalistas mundializadas, focaliza, além do problemaambiental, todo o processo social que o gerou - a “essência”, o conflitoentre bem privado e interesse público, ou seja, as peças do dominóque caíram antes da última.

Nesta visão de mundo, a realização de uma caracterizaçãosocial, econômica, cultural e ambiental da escola e seu entorno,permite resgatar a trajetória dos problemas socioambientais locaise a identificação de “temas geradores”, uma estratégia do métodode alfabetização de pessoas jovens e adultas criado por PauloFreire (1984), adotada como metodologia de intervenção crítico-transformadora na realidade. “Temas geradores”, segundo Brandão(1985, p. 37/8), são

temas concretos da vida que espontaneamente aparecemquando se fala sobre ela, sobre seus caminhos, remetema questões que sempre são as das relações do homem:com o seu meio ambiente, a natureza, através dotrabalho; com a ordem social da produção de bens sobrea natureza; com as pessoas e grupos de pessoas dentroe fora dos limites das comunidades, da vizinhança, domunicípio, da região; com os valores, símbolos, idéias.

Estediagnóstico5,produtodaparceriaentreprofessores,alunos,funcionários e moradores, e a busca de solução para os problemassocioambientais locais, constitui-se em uma situação de aprendizagem“interdisciplinar” significante (PERRENOUD, 2000), pois (a) viabilizariaadotar uma concepção pedagógica que articula pesquisa, ensino,práxis (MACCARIELLO; NOVICKI; CASTRO, 2002), (b) considerariaa realidade como uma unidade multifacetada, que exige a contribuiçãode diferentes áreas do conhecimento (interdisciplinaridade) para suacompreensão (reflexão) e transformação (ação), e, principalmente,

5 Este tipo de levantamento é recomendado pelo Programa Parâmetros em Ação, com a se-guinte denominação: “Diagnóstico e Avaliação: um ponto de partida para a construção de Pro-jetos de Trabalho em Educação Ambiental”, e é considerado como etapa fundamental paramontagem e desenvolvimento de atividades de educação ambiental (BRASIL.MEC.SEF, 2001).

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(c) permitiria o tratamento de conteúdos programáticos das diferentesdisciplinas de maneira articulada ao cotidiano de professores, alunos,funcionários, comunidade.

A metodologia da resolução de problemas ambientais locais,como uma situação de aprendizagem, está relacionada a outra“competência para ensinar” proposta por Perrenoud (2000): “Envolveros alunos em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento”,que contribuam para desconstrução e superação do senso comumsobre o pesquisador6, a atividade de pesquisa e a realidade social,cultural e ambiental (e sua transformação), resgatando o conhecimentoteórico acumulado e criando condições para a geração de novosconhecimentos. As atividades desenvolvidas para a elaboração destediagnóstico contemplam (a) o levantamento de dados/informações emórgãos públicos e privados, instituições de pesquisa, organizaçõesnão-governamentais, internet etc. (análise de documentos), (b)elaboração e aplicação de questionários e realização de entrevistasjunto à comunidade do entorno, professores, funcionários e alunos,(c) levantamento com antigos moradores (história de vida), visandoentender “como era e como está hoje o local” e identificar liderançascomunitárias e, desta forma, tambémvalorizar o conhecimento popular,(d) observação atenta da realidade. Em síntese, esta estratégia deaprendizagem permite articular resolução de problema, tomada deconsciência e produção de conhecimentos, uma abordagem teórico-metodológica indicada para o desenvolvimento de atividades de EA,visando intervenção e transformação da realidade socioambiental(LAYRARGUES, 1999).

Os objetivos de aprendizagem consistiriam em (a) entender acomplexidade do meio ambiente, ou seja, superar leitura reducionistado meio ambiente, que enfatiza seus aspectos biológicos (natureza)e desconsidera suas dimensões social, econômica, política e cultural(interdisciplinaridade), permitindo transcender a alienação (Homem-

6 Neves; Leite (2002, p. 164) formulam a seguinte questão: “Tornar-se cientista é uma questãode vocação natural de indivíduos geniais ou um fato cultural, supondo, necessariamente, todoum processo de aprendizagem e de formação de hábitos e de mentalidade sobre o ser cientistae o fazer ciência?”

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natureza) e re-inserir o ser humano em seu tempo e espaço (serhistórico naturalmente humano ou humanamente natural), (b)entender que não existem “problemas ambientais” estrito senso,pois todo problema ambiental afeta os seres humanos constituindo-se, assim, em problemas socioambientais, (c) identificar a relaçãoentre desigualdade/exclusão social e degradação ambiental, que têmcomo causa comum o modo de produção capitalista, (d) entender queexistem diferentes fatores/atores que se articulam na conformação doquadro de degradação socioambiental, (e) entender a importância departicipar efetivamente na formulação e implementação de políticaspúblicas e práticas sociais e, desta forma, superar as limitaçõesimpostas por uma persistente “cultura política autoritária” (NOVICKI,1998), que pode ser percebida ao se tentar organizar/mobilizar apopulação em torno de seus interesses e estimular a participação, (f)perceber, no “balcão” dos órgãos públicos - ao solicitar informações,denunciar responsáveis por problemas socioambientais - o tratamentodiferenciado dado à “classe-que-vive-do-trabalho” (ANTUNES, 2001),(g) entender que sua realidade é tratada de forma fragmentadapelo governo através de diferentes órgãos, o que contribui para oesvaziamento do poder de pressão da sociedade (necessidade dereivindicar em diferentes órgãos e esferas governamentais), o queé agravado pela desarticulação das políticas setoriais (saneamento,saúde, educação, habitação, transporte), também resultado dasalianças políticas construídas no processo eleitoral (NOVICKI, 2007b).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como vimos, a legislação e política educacionais sãomarcadas por contradições, particularmente entre as concepçõesde meio ambiente e as finalidades propostas para a EA, o que, emnosso entender, decorrem do fato da correlação de forças presente nasociedade, em torno dos interesses ligados à questão ambiental, serinternalizada pelo Estado, materializando-se em tensões presentesnestes documentos. Assim, por um lado, criam-se inovações legais,

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administrativas e políticas que atendem às demandas locais e dacomunidade internacional e, por outro, negam-se os recursos previstospara a implementação da Política Nacional de Educação Ambiental.Da mesma forma, os professores são cobrados a abordaremtransversal e interdisciplinarmente a temática ambiental, sem quetenham participado dessas discussões ou recebido formação inicial oucontinuada. Este quadro nos remete à questão inicialmente formulada:qual sociedade formará professores para a abordagem da temáticaambiental, visando a compreensão e transformação da realidadesocioambiental?

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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA FORMAÇÃOINICIALAna Maria de Oliveira CunhaPPGED e PPGECRN (UFU)

Melchior José Tavares JúniorUniversidade Federal de Uberlândia

INTRODUÇÃO

Desde a constituição de 1988, quando a preservação do meioambiente passou a ser oficialmente um dever do Estado, a EducaçãoAmbiental (EA) começouaocupar umespaçocadavezmaior napolíticaeducacional brasileira, sendo formalizada como tema transversal nosParâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) em 1997.

Doisanosmais tarde,aPolíticaNacionaldeEducaçãoAmbiental(PNEA) foi instalada na forma de lei (BRASIL, 1999) definindo atemática e dispondo sobre sua obrigatoriedade no processo educativoformal. Com base na lei que instituiu a PNEA, no plano Nacional deEducação (Lei nº 10.172/01) e no decreto 4.281/02, que regulamentaa PNEA, o jurista Horácio Wanderlei Rodrigues (2002) afirma que éobrigatória a ocorrência transversal da temática em todo sistema deensino formal, por expressa previsão legal, independente de diretrizescurriculares. Nessa mesma direção, o ministro do Supremo TribunalFederal Herman Beijamin (2009), em recente seminário comemorativodos 10 anos da PNEA, chamou a atenção para o fato de que, no Brasil,a EA tem o privilégio de estar deitada em berço esplêndido, ou seja, éamparada no texto constitucional e por isso mesmo é passível de açãopública que garanta sua ocorrência.

Em relação à forma de ocorrência da EA no sistema de ensinoformal, a transversalidade está posta, superando a abordageminterdisciplinar recomendada desde Tbilisi (1977). Entretanto, o textoda lei que instituiu a PNEA deixa uma brecha para a criação de uma

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disciplina de Educação Ambiental “nos cursos de pós-graduação,extensão e nas áreas voltadas ao aspecto metodológico” (BRASIL,1999), resultando muito mais numa falta de clareza sobre como atemática deve ocorrer no ensino superior (SORRENTINO, 2009).

Apesar do país possuir uma legislação sobre a EA noEnsino Superior, a ocorrência da temática só pode ser entendida seatravessarmos os conjuntos normativos da lei em direção ao universoacadêmico, sua constituição, seu modo de ver e representar omundo. Se por um lado, a legislação é importante, por outro é precisoreconhecer sua fragilidade diante das condições gerais para suaocorrência no ambiente acadêmico – estranhamento em relação aoconceito; apropriação indébita dos conceitos ambiente e educação;departamentalização; especialização; cultura disciplinar; rupturasparadigmáticas (FERRARO JR., 2004).

Para o enfrentamento desse panorama, a busca por um suporteteórico parece encontrar um horizonte formado por imagens difusasquemudamde lugar ou que se sobrepõe, dificultando sua identificação,bem como nossa filiação a eles. Esse desamparo, que não parece sersomente nosso, fica explícito tanto nos eventos científicos sobre EA,por meio das palestras e dos resultados das pesquisas, bem como peladificuldade de encaminhamento oferecido pela literatura de referência.Mais recentemente, a palavra de ordem tem sido a volta aos clássicos,visto que, nem mesmo se conseguiu atingir uma definição para atemática enquanto campo de conhecimento ou não.

Assim, a universidade permanece como um lugar acima dequalquer suspeita, tendo o monopólio de fazer e responder suaspróprias perguntas, quando e se assim o desejar. No que se refere àEA, esta parece mesmo aguardar sua oportunidade de emergir comoresultado de um saber ambiental (LEFF, 2001), que se apresentamuito mais como um contraponto à ciência normal, conformepostulava Thomas Kuhn (1989), do que propriamente uma realidadeimediata e palpável. Na perspectiva Khuniana, compreendemos queo saber ambiental é, em si mesmo, ciência revolucionária, na medidaem que emerge do espaço de exclusão gerado no desenvolvimento

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das ciências, estendendo-se para o terreno da ética, da prática e dacultura, visando outra racionalidade, a racionalidade ambiental (LEFF,2001).

Diante desse quadro, faz-se necessária uma compreensãoo mais profunda possível das condições a partir das quais a EA seoriginou, de modo a jogar luz sobre seus desdobramentos na formaçãoinicial dos professores, com ênfase na inclusão da disciplina EA noscursos de graduação.

Com esse objetivo, busca-se refletir na primeira parte dotexto sobre a passagem do período medieval para a modernidade,período nevrálgico da relação homem e natureza, visto a revoluçãoprovocada pela experiência do homem em descobrir a si mesmo. Paratanto, o conceito de esclarecimento, discutido pelos alemães TheodorAdorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1885-1973), nos parece umacontribuição fundamental, visto tratar-se de doismodernos que criticamprofundamente a racionalidade instrumental, embora recebam críticaspor não apontarem caminhos concretos para sua superação, oumesmo pela publicação fragmentada de suas idéias, dificultando suacompreensão. Juntamente com Herbert Marcuse, Walter Benjamim eJürgen Habermas, os autores foram os principais responsáveis pelodesenvolvimento da Teoria Crítica no início do século XX, no Institutode Pesquisa Social de Frankfurt, Alemanha.

Na segunda parte do texto, pretende-se recuperar as poucaspesquisas sobre a trajetória da EA na formação inicial, tendo comoponto de partida a Conferência das Nações Unidas sobre MeioAmbiente no Rio de Janeiro, a Eco-92. Longe de discutir a inclusãoda disciplina de Educação Ambiental como evidência da vitalidadeda razão instrumental moderna, nosso objetivo é ponderar sobre aspossibilidades deste fenômeno que é um fato que se situa no espaçoentre o ideal e o real da universidade brasileira nos dias atuais.

Além do retorno a René Descartes, outros pensadores tambémfazem parte dessa reflexão com destaque para Pedro Goergen,Fritjof Capra e Edgar Carvalho, Marta Tristão, Mauro Grün e MaurícioCompiani.

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O CONTEXTO DE ORIGEM E OS LIMITES DA EDUCAÇÃOAMBIENTAL

Para Adorno e Horkheimer (1985, p. 19) “o esclarecimentotem perseguido sempre o objetivo de livrar os homens do medo e deinvesti-los na posição de senhores. Mas a terra totalmente esclarecidaresplandece sob o signo de uma calamidade triunfal.” Essa calamidadefica explícita nas palavras de Goergen (2001, p. 20):

A tentativa de desencantar o mundo, de dissolver osmitos e substituir a imaginação pela razão transformou-se, aos poucos, num poder que já não conhece barreirasnem limites, que não se detém nem ante a destruição danatureza, da escravização da criatura, ou damanipulaçãodo próprio ser humano.

Esse desencantamento do mundo e a dissolução dos mitossão fundamentais no pensamento de Adorno e Horkheimer, uma vezque, para garantir a felicidade do homem, o conhecimento deveria serobjetivo e útil (1985, p. 20). O próprio mito, por ter como elementobásico o antropomorfismo, por ser uma forma de projeção do subjetivona natureza e também por ritualizar-se, acabou sendo compreendidocomo resultado do próprio esclarecimento (p. 22-23). A diferença éessa e que ainda permanece: enquanto o mito é perseguido pelaaproximação em relação ao objeto, a ciência se constituiu pelodistanciamento progressivo em relação ao objeto (p. 25).

Segundo Adorno e Horkheimer (1985, p. 21), “no trajeto para aciência moderna, os homens renunciaram ao sentido e substituíram oconceito pela fórmula, a causa pela regra e pela probabilidade”. Nessesentido, Goergen (2001, p. 20) afirma:

A forma de racionalidade que passa a ser consideradacientífica, certa e segura, separa-se e distancia-sedaquela outra vigente nas decisões práticas (morais) eestéticas que requerem a explicação e a consistência

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interior dos sistemas de valor para a derivação de atosde decisão.

O esclarecimento, portanto, pode ser definido: “uma únicadistinção, a distinção entre a própria existência e a realidade, engolfatodas as outras distinções. Destruídas as distinções, o mundo ésubmetido ao domínio dos homens” (ADORNO E HORKHEIMER,1985, p. 23).

Esse panorama de calamidade apresentado por Adorno eHorkheimer começa a se constituir a partir de pensadores como Kepler(1571-1630), Galileu (1564-1642), Bacon (1561-1626), Descartes(1596-1650) eNewton (1642-1727), osquais ofereceramumarcabouçoconceitual e metodológico capaz de orientar e sustentar a ciêncianascente. Segundo o físico austríaco Fritjof Capra (1982, p.49), o queaconteceu foi que “a perspectiva medieval mudou radicalmente nosséculos XVI e XVII. A noção de um universo orgânico, vivo e espiritualfoi substituída pela noção do mundo como se ele fosse uma máquinae a máquina do mundo converteu-se na metáfora dominante da eramoderna.”

Conforme Grün (1996, p. 33), foi nessa etapa da história que ohomem se fez o centro e amedida e o fim de todas as coisas! Conformeo autor, “este Homem moderno e universal que está surgindo éorgulhoso de si e procura reordenar as lacunas deixadas pela teologiamedieval por intermédio de si mesmo.” Entretanto, Grün considera queserá somente com Descartes que esse homem assumirá a unidadeaté então representada por Deus. Para o autor, Descartes acreditavaque a razão poderia ser o centro de referência para a unidade perdida:

Para conferir a tão pretendida unidade à razão,Descartes vai precisar de algo em relação ao qual essarazão possa se impor, tornando-se, assim autônoma.Ele precisa preencher o vácuo deixado pela teologiamedieval. O problema metodológico enfrentado porDescartes era o seguinte: se existe uma unidade da

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razão, deve haver algo que necessariamente nãoseja uno e, portanto, divisível. Este algo é o mundo, anatureza, tornada objeto da razão (GRÜN, 1996, p. 34-35).

Essa produção na passagem do clássico para o moderno só foipossível porque o homem transita de uma postura passiva para umapostura ativa diante do próprio conhecimento. Até então, este trânsitoera impossível porque lhe faltava a consciência de sua capacidadepara fazê-lo, ou seja, sua subjetividade. Aí está a grande influênciacartesiana, conforme nosmostra a declaração do autor nasMeditaçõessobre a filosofia primeira, 1641.

Mas o que sou então? Uma coisa pensante. O quequer isto dizer? Quer dizer: uma coisa que duvida, quecompreende, que afirma, que nega, que quer, que nãoquer, que também imagina e que sente (DESCARTES,1988, p. 124).

No cartesianismo, o homem fará uso exclusivo de sua razão afim de compreender concretamente a natureza, não tendo mais quecalar-se numa atitude relacional como preconizava Tomáz de Aquino.O conhecimento, que era teologicamente e aristotelicamente pré-produzido para o indivíduo, passa a ser racionalmente produzido peloindivíduo.

No século XVIII, o criticismo de kant e o iluminismo vãoacentuar a razão e o antropocentrismo como referência única para opensamento. Segundo Aranha e Martins (1992), o iluminismo buscavaatender as necessidades humanas, combater os mitos e dogmasreligiosos, transformar o servo em um cidadão detentor de direitoscivis. Para Goergen (2001, p. 12), Immanuel Kant (1724-1804), comsua obra Crítica da razão pura, “transformou o conceito de metafísica,entendida como a ciência do absoluto, no estudo dos limites da razãohumana.” Para Ribeiro (2007, p. 13):

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O iluminismo – principalmente através de AugustoConte – vai expurgar os resquícios religiosos medievaise autenticar a visão antropocêntrica e pragmática noimaginário cultural e no universo ideológico, a partir domomento em que há uma transposição às regras lógico-formais da perspectiva mecanicista das ciências naturaispara as ciências humanas.

Embora Adorno e Horkheimer sejam defensores do ideal darazão, os mesmos afirmam por mais de uma vez que o esclarecimentoé totalitário (1985, p. 22; 37). Essa totalidade é assim definida pelosautores:

O preço da dominação não é meramente a alienaçãodos homens com relação aos objetos dominados; com acoisificação do espírito, as próprias relações dos homensforam enfeitiçadas, inclusive as relações de cadaindivíduo consigo mesmo. Ele se reduz a um ponto nodaldas reações e funções convencionais que se esperamdele como algo objetivo (p.40).

Para esses pensadores, “o pensamento torna-se ilusóriosempre que tenta renegar sua função separadora, de distanciamento eobjetivação.” (1985, p. 50). De resto, outra coisa não é possível senãoa insegurança e o medo (ADORNO E HORKHEIMER, 1985, p. 35),uma raiz do que atualmente vem sendo chamado de medo ecológicoou medo planetário (ALPHANDERY, et al. 1992).

Na tentativa de sintetizar as idéias até agora colocadasrecorremos ao pensamento do filósofo Edgar de AssisCarvalho. Para ele, a cisão entre a cultura científica e adas humanidades permanece intocada. Produto da visãocartesiana e newtoniana, paradigma do mundo ocidental,essas duas culturas não se intercomunicam, cada umavivendo às custas dos escombros da outra. Malgrado

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os esforços de múltiplas áreas do conhecimento emreligar saberes, essas iniciativas constituem dissipações,brechas que não conseguem abalar o sólido edifíciodas dualidades instaladas no universo da política, daeconomia e da cultura. No ensaio As duas culturas,de 1959, Charles Snow ponderou que enquanto essesdois sentidos do mundo estiverem separados, nenhumasociedade será capaz de se pensar com sabedoria(CARVALHO, 2003, p. 29).

É a partir do sentido dessa síntese que se compreendea disposição de Mauro Grün (1996, p. 59) em falar sobre umaimpossibilidade para a EA a partir dos moldes do pensamento atual,dentrodoqualégrandeadificuldadeparaseescapardoaprisionamentoda linguagem da mecânica clássica em direção a uma compreensãoperspectiva complexa e multifacetada da crise ecológica. Para o autor,o que ocorreu durante os séculos passados foi uma educação não-ambiental na formação das pessoas. Ainda segundo o autor, trata-se de uma abordagem não permitida no âmbito da modernidadecartesiana; são as “áreas de silêncio” nos currículos modernos.Atualmente, a EA emerge dessas áreas de silêncio como zonas deindeterminação (COMPIANI, 2001, p. 46), causando, evidentemente,os mais diversos estranhamentos, especialmente no ensino superior,instância responsável pela formação de professores para a EducaçãoBásica.

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA FORMAÇÃO INICIAL

Apesar da Conferência das Nações Unidas em 1992 ter sidoummarco na EAbrasileira, a universidade desde então parece assumircom cautela essa discussão, o que se reflete na formação inicial dosprofessores. Conforme Reigota (2007), o muro da indiferença foirompido em muitas universidades, com o acolhimento da temática pormuitos professores de diversos departamentos, assumindo, como uma

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minoria ativa, a singularidade de colocar em evidência a perspectivaecológica. Por sua vez, coerentemente às condições acadêmicasapresentadas anteriormente (FERRARO JR., 2004), a inserção deuma disciplina para abordar a temática parece ser um dos principaisinstrumentos adotados até então.

Conforme Silva (2001), em 1998, 19 licenciaturas em CiênciasBiológicas no estado de São Paulo já haviam inserido a disciplinaEA em suas grades curriculares. Em 2005, a Rede Universitária deProgramas de Educação Ambiental (RUPEA) apresentou um relatóriono qual as 38 disciplinas aparecem como uma das formas de inserçãoda EA em diversas graduações, sendo 23 obrigatórias, 12 optativas e03 eletivas. O levantamento também permitiu observar uma possívelrelação entre disciplinas e projetos, embora não tenha sido seu objetoestabelecer as características da mesma.

Em recente pesquisa com educadores ambientais, professoresde InstituiçõesdeEnsinoSuperior (IES)epesquisadoresdaAssociaçãoNacional de Pós-Graduação em Educação (ANPED) sobre a inclusãode disciplinas específicas de EA nos currículos do ensino superior,Andrade (2008) afirma que as opiniões são divergentes:

(...) há os que reconhecem na disciplina uma alternativapara superar a incapacidade do sistema atual de ensinoem incorporar a transversalidade desta temática, e osque entendem que a inclusão de disciplina específicasignifica fragmentar ainda mais o currículo de ensino.Portanto, não há um consenso sobre a pertinência dainclusão de disciplina específica no currículo, mesmoentre os que oferecem esta disciplina.

Apesar da divergência entre os participantes, a pesquisa deAndrade dá um passo adiante na investigação da referida temática,iniciada na década de 1990 e que teve como marco histórico a tese dedoutorado de Marcos Sorrentino, em 1995:

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(...) identificou-se que disciplinas de EA são oferecidasem diferentes modalidades (eletiva, obrigatória, optativa)e licenciaturas (Ciências Biológicas, Educação Física,Enfermagem, Física, Matemática, Música, Pedagogia eQuímica), com periodicidade variável. As ementas sãoatualizadas a cada dois anos em média e os autoresconstantes na bibliografia variam segundo os cursos eobjetivos, sendo que alguns autores são recorrentes. Hágrande variedade de recursos pedagógicos utilizados,mas prevalecem a exposição oral e a apresentação devídeos. Os problemas ambientais locais são abordadosnas disciplinas e há envolvimento dos docentes ematividades extra-curriculares (movimento ambientalista)(ANDRADE, 2008).

Se por um lado, Sorrentino (1995) chama a atenção para adiscussão sobre a inserção da EA no Ensino Superior na formadisciplinar como uma alternativa para aglutinar forças no fragmentadocontexto acadêmico, mais adiante, Tavares Jr. (2005) não apenascorroborava o pensamento do autor, mas também recomendava quea disciplina de EA deveria ser ministrada por professores de diferentesáreas do conhecimento. Recentemente, Ovigli (2010), numa pesquisasobre a inserção da disciplina EA na formação inicial dos pedagogosafirma que a mesma não pode restringir-se aos aspectos sobre ocomo ensinar e sim precisa ser acompanhada de uma reflexão sobreos problemas ambientais mais amplos, bem como de um diálogo comoutras disciplinas como a antropologia, a sociologia e a história.

Apesar da pesquisa deAndrade (2008) ampliar a compreensãoda temática no ensino superior, novas incursões se fazem necessáriaspara uma compreensão mais abrangente da disciplina. Nesse sentido,a experiência da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) nosparece pertinente.

Oliveira (2000) afirma que o diálogo com outras áreas doconhecimento foi um dos principais aspectos contemplados pela

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disciplina “Ensino e Pesquisa em EA”, oferecida aos oito cursosde licenciatura da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).Segundo a autora, “uma decisão acertada e fundamental, mas nãosem dificuldades, foi a de reunir alunos e professores de diferentesáreas de conhecimento, para enfrentar um dos grandes desafios daEA, que é a constituição de uma equipe de trabalho interdisciplinar.”Ainda segundo a autora:

Apesar dos erros e acertos a vivência do processopermitiu a todos uma reflexão e revisão de suas atitudesenquanto educadores e aprendizes. Reconhecendo,ainda, que todo trabalho em EA requer mudançasde conceitos, concepções, valores e atitudes, e queo educador precisa ter competências e habilidadesespecíficas para conduzir esse processo, durante adisciplina pudemos - alunos e professores – enfatizar aimportância de trabalhar nossas limitações, uma vez queo processo começa por nós educadores. Outro aspecto aser considerado é a necessidade de promover situaçõesde ensino que provoquem nos alunos, de maneira maisradical, uma revisão tanto cognitiva como afetiva dos seusparadigmas epistemológicos, de seus valores culturais, eda sua maneira de ser e estar no mundo físico e social.

Em relação à criação da disciplina, a autora conclui:

Frente à atual conjuntura educacional sustentamos aposição de que há especificidades no ensinar a aprendersobre a temática ambiental que requerem, ainda quetransitoriamente, um espaço curricular específico, porém,inserido em vários momentos da formação, uma vez que,para estimular as mudanças apontadas consideramosnecessária ampliar as oportunidades de experiênciasnesta direção.

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Aexperiência relatada por Oliveira (2000) nos leva a considerarque a inserção de uma disciplina específica, oferecida às diversasáreas do conhecimento parece surtir mais efeito do que a inserção dadisciplina dentro de um curso, somente para alunos daquele curso.Essa experiência, sobretudo, nos leva a compreender que a referidadisciplina no ensino superior pode significar muito mais um processode ajustamento entre o ideal e o real que visa umamudança de valorese atitudes do que uma simples acomodação da questão, permitidapela brecha da lei 97975/99. Embora defenda a transdisciplinaridade,a autora afirma que os professores vêem a disciplina como um espaçopara tratar da questão e não no sentido convencional de engessamentodos conteúdos (OLIVEIRA, 2009).

Apesar de Rachel Trajber (2009) afirmar que devemos sermais criativos do que simplesmente implantar uma disciplina, osparticipantes da pesquisa de Andrade (2008) afirmaram ser favoráveisao encaminhamento de uma proposta do Órgão Gestor da PolíticaNacional de Educação Ambiental ao Conselho Nacional de Educação(CNE), sugerindo a inclusão obrigatória de atividade curricular,disciplina ou projetos interdisciplinares na Pedagogia e em outraslicenciaturas. Por fim ou por começo, o que se apresenta diante dospesquisadores da EA é efetivação da disciplina na formação inicial e,de agora em diante, há que se lidar com essa realidade, seus limitese possibilidades, para além da impossibilidade apregoada por Grün(1996).

Em 2005, por ocasião de seu novo projeto pedagógico, o cursode Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federalde Uberlândia incluiu, no sétimo período, a disciplina EducaçãoAmbiental. De caráter obrigatório, a disciplina passou a ser oferecida apartir do primeiro semestre de 2009, possuindo uma carga horária de60 horas. Conforme Tavares Jr. (2005) havia percebido em seu estudode mestrado, a temática já era presente no curso, sendo contempladapelos professores da área de Prática de Ensino e pela iniciativade alguns professores de disciplinas como Ecologia, Introdução àBiologia, etc... Entretanto, aquele estudo também revelou que nas

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demais disciplinas do curso, cujo foco é a pesquisa, o assunto não eramencionado em sala de aula.

Diante dessa oferta inicial da disciplina, decidiu-se por umainvestigação situada durante os dois semestres de 2009, assumindotanto a participação quanto a escuta sensível (TRISTÃO, 2004), oque foi possível pelo acolhimento da docente responsável. Além daparticipação do pesquisador, a técnica de laboratório do Instituto deBiologia também esteve presente, sendo, portanto três professores.

A disciplina se desenvolveu da teoria para a prática, umplanejamento compartilhado com a turma. Embora tenham sidoutilizadas técnicas diferentes nos dois semestres acompanhados,as primeiras aulas buscaram concepções sobre EA, a partir dascategorias Tradicional, Resolução de problemas, Integradora eCrítica (FERNANDES, 2002). Dessa atividade resultam os seguintesapontamentos: (1) Aproximadamente um terço da turma parece seidentificar com a concepção Integradora, uma visão mais sistêmicada relação homem e natureza, embora, para alguns, esta concepçãopossa estar em movimento, recebendo a influência de outras menosabrangentes como a Resolução de problemas e a Tradicional.(2) O outro terço da turma sinalizou pela concepção Resolução deproblemas. Os alunos que optaram por uma segunda opção, ofizeram pela concepção Integradora, sinalizando também um possívelmovimento de sua concepção. (3) O último terço da turma se identificoucom a concepção Tradicional, uma concepção mais conservadora deEA, reforçando o viés naturalista-biológico dessa concepção. Paraesses alunos, o objetivo da EA é a preservação ambiental. O fatode um significativo grupo de alunos se identificar com a concepçãoTradicional não foi necessariamente uma surpresa, visto a tradiçãonaturalista presente nos cursos de Biologia. (4) A concepção de umaEA crítica não aparece como elemento significativo para os alunos.Esse panorama se revelaria mais tarde na apresentação que gruposde alunos fizeram sobre temas polêmicos em EA, com destaque paraa temática EAe agroecologia, que causou muita polêmica e dificuldadede diálogo, devido ao seu teor mais crítico. O resultado dessas

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apresentações levou a uma reflexão entre os professores participantessobre encaminhamentos presentes e futuros da disciplina, visto que,naquele momento, já se passara metade da disciplina.

O primeiro apontamento chama a atenção para a presença daconcepção Integradora entre os graduandos. Conforme depoimentode vários outros alunos, a escolha dessa concepção mais abrangentenão foi influenciada pelas disciplinas cursadas até então e sim pelasexperiências cotidianas, a influência da mídia, a visão de mundode cada um, etc... Olinski (2006), em seu estudo de mestrado queinvestigou uma disciplina de EA na Universidade Federal do Rio deJaneiro, também percebeu essa influência das experiências anterioresna concepção dos alunos. Por outro lado, os apontamentos 2, 3 e4 chamam nossa atenção para a presença de uma concepção maislimitada de EA, aspecto superado desde o Tratado de EducaçãoAmbiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global(LOUREIRO, 2008). Sobre essa limitação, o autor afirma:

Não é nova a crítica às ações descontextualizadas quequerem promover a proteção da natureza e uma éticaecológica sem considerar a concretude da realidadeem que se está imerso (...). Prática que acarreta desdeproblemas de inadequação pedagógica até o tratamentode conteúdos que pouco se relacionam com a dinâmicasocial em que se estabelece a discussão ambiental,inviabilizando a necessária autonomia dos sujeitos naconstrução de padrões societários sustentáveis.

Os textos adotados na disciplina se revelaram leituras muitodensas, dificultando um pouco o desenvolvimento da mesma,especialmente por causa do olhar crítico dos autores adotados. Umdos textos, intitulado “Da pessoa ao planeta”, é o segundo capítulodo livro “O equívoco ecológico”, de Pierre Alphandery, traduzido dofrancês. O outro, intitulado “Deconstruyendo la história de la educaciónambiental”, é o primeiro capítulo do livro “Educación ambiental:

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trayectorias, rasgos y escenarios”, de González Gaudiano. Alémde “Desenvolvimento e meio ambiente”, contido no livro “Cortina defumaça”, de Felipe Pomier Layrargues, foi utilizado também um textosobre pesquisa-ação de Marília Tozoni-Reis.

Dessa forma, alguns conceitos básicos acabaram por seremtrabalhados de forma pontuada no primeiro semestre de 2009, aspectoajustadopelodocenteresponsávelnosemestreseguinte.Seporumlado,Grün (1996) argumenta sobrea importância deumaprofundamentonosaspectos teóricos da temática ambiental, por outro também consideraque é grande a dificuldade para se escapar do aprisionamento dalinguagem da mecânica clássica em direção a uma compreensãoperspectiva complexaemultifacetadadacriseecológica (GRÜN,1996).

No primeiro semestre, devido a um impedimento para certa data,o pesquisador foi convidado pela docente responsável para ministraruma aula sobre a pesquisa em EA. Entretanto, como se tratava dosétimo período, a maior parte da turma já estava muito comprometidacom iniciação científica, estágios e outras formas de envolvimento coma pesquisa específica em Genética, Ecologia, Microbiologia, etc..., oque reduziu a aula a um caráter informativo. Ainda assim, foi possívelsituar os alunos para a ocorrência da EA na própria UniversidadeFederal de Uberlândia, enquanto opção para a continuidade deestudos. No segundo semestre, esse momento não ocorreu, masquando perguntados sobre seu envolvimento com a pesquisa e/ou adocência na educação básica, os alunos ficaram surpresos e curiosossobre a razão de nossa pergunta. Mesmo inseguros, foram seapresentando e, novamente, a maior parte já se encontrava envolvidanos diversos campos de pesquisa. Dentre 30 alunos da turma dosegundo semestre, apenas um ou dois manifestaram envolvimentocom a docência na educação básica.

Na parte prática, as atividades de campo dos dois semestresacompanhados foram muito enriquecedoras e também muitovalorizadas pelos alunos, visto estarem se tornando escassas até nasdemais disciplinas do curso, conforme seus próprios depoimentos.Entretanto, esse sucesso não deixa de suscitar uma preocupação

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quantoàdificuldadeparaaconcretizaçãodaestratégiadomapeamentoambiental, que é a elaboração de um projeto junto às comunidadesenvolvidas a partir do levantamento realizado. Um aspecto importantefoi o fato dos graduandos expressarem sua satisfação durante omapeamento ambiental, registrando oralmente que as experiênciasna disciplina Projeto Integrado de Práticas Educativas 7 (PIPE7), desenvolvida no mesmo período, foram importantes para atranqüilidade e segurança necessária para o desenvolvimento daatividade proposta.

Apesar da limitação imposta principalmente pelo tempo,percebe-se que uma disciplina de EA não pode se desenvolver sematividades práticas, uma vez que revelam lugares reais, constituídospela complexa relação homem e natureza, rompendo a formaçãoentre quatro paredes. É para esses lugares que a teoria deveapontar, oferecendo suporte para que os futuros biólogos possam terexperiências capazes de provocar um tratamento não reducionista darealidade, tendo contato com conteúdos não-científicos, elementosfundamentais na construção do saber ambiental (LEFF, 2001),confome transcrição do diário de bordo:

(...) foi uma tarde memorável, riquíssima em descobertas,registros e reflexões sobre diversas questões ambientais,todas elas tendo o homem como objeto central, aspectosutil e fundamental para a discussão sobre a disciplina.Duranteaatividade,percebemosqueosdiscursosemitidospelos alunos possuíam boa criticidade. A experiênciaprática teria suscitado esse discurso inusitado? Teria sidoum resultado das reflexões desenvolvidas em sala deaula? Ou quem sabe um somatório desses dois fatores?Ficou marcante o caráter metodológico da professoraque permitiu aos alunos toda a liberdade de registro apartir da orientação escrita, sem cobranças durante oprocesso. Esta liberdade foi ressaltada particularmentepela professora como um traço de amadurecimento na

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utilização da técnica do Mapeamento Ambiental. No finalda tarde, estávamos ali na praça, recebendo aquele arfresco, temperado pelo burburinho dos escolares... Grifonosso.

Note-se então uma oportunidade de construção de saberesavessos, capazes de carregar a possibilidade de uma sociedadeecologicamente sustentada (GRUN, 1996), bem como uma outravisão do mundo que seja, o inverso do em-si que se tornou para-ele(ADORNO; HORKHEIMER, 1985). Assim, embora tenham resistidomuito à teoria, em parte por dificuldades no processo de ensino, osalunosenvolveram-se intensamentenasatividadespráticas, ampliandoas possibilidades para a disciplina situá-los numa concepção ampla deEA, “saindo dos temas clássicos para abordar uma temática cada vezmais conflituosa e cujas representações e interesses são múltiplos ecom forças políticas extremamente diferenciadas” (REIGOTA, 2007).

Note-se portanto um esforço teórico-prático da disciplina,configurando a previsão de Reigota (2007) de que a EA tenderia ase ampliar. Segundo esse autor, “questões como relacionadas aostransgênicos, à biodiversidade, à saúde mental nas metrópoles e aossaberes tradicionais e étnicos deverão estar presentes com maiorfreqüência em trabalhos futuros”.

Embora Grün (1996) afirme que “não temos sequer condiçõesdiscursivas para entender e interpretar as crises ambientais emsua complexidade e em sua dimensão histórica, ética e política”um aspecto da referida disciplina chama a atenção: a presençada técnica do laboratório de Ensino, bióloga e com mestrado emEcologia, na área de Educação Ambiental, presente em quase todasas aulas, com seu conhecimento histórico do campus universitário, dacidade de Uberlândia, bem como da própria EA, foram se somandoe enriquecendo naturalmente o discurso nas aulas. Tratou-se deuma transgressão àquela determinação disciplinar monodiscursiva,ampliando as possibilidades de percepção da realidade.

Não obstante os aspectos positivos sobre essa oferta inicial da

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disciplina EA, os alunos exigiam, silenciosamente, que a disciplina ospudesse convencer de que se tratava de algo importante, que faziasentido na formação do biólogo. Assim, a tônica dos dois semestresfoi esta: a busca da disciplina por sua legitimidade na formação dosbiólogos. O plano de curso é um exemplo desse movimento. Emboratenha sido semelhante ao plano do primeiro semestre, o plano dosemestre seguinte se revelou mais denso e articulado. Segundo adocente responsável, o correr do tempo, a fertilidade do tema, ospróprios alunos, a presença de um pesquisador nas aulas, instigama novas estratégias e abordagens. Ainda em relação ao sentidoda disciplina na formação do Biólogo, é preciso reconhecer quealguns alunos demonstraram total desmotivação diante da questãoecológica. Embora não tenha sido no contexto de formação inicial,esse sentimento também foi observado por Loureiro (2002) e precisaser mais bem compreendido entre os jovens graduandos.

Embora a docente atribua essa reflexão na ação (SCHÖN,1992) como um movimento provocado externamente, não se podedesconsiderar a motivação interna como um elemento fundamentalpara o engajamento no trabalho com a disciplina, evidenciandoo que Ribeiro (2008) percebeu em seu estudo de doutorado comouma “forte relação entre valores principais de cada professor e suaprática social.” De fato, a identificação da docente responsável com atemática ambiental é anterior à inclusão da disciplina no curso e podeter contribuído para o desenvolvimento da mesma. Por sua vez, essaponderação não categoriza a docente no perfil do sujeito ecológico(CARVALHO, 2002), nem tão pouco pretende argumentar sobre aexigência desse perfil para ministrar a disciplina.

Outro passo importante nesse processo de justificação peranteos alunos foi dado no final do segundo semestre de 2009, coma participação da disciplina EA na mostra de trabalhos da área dePrática de Ensino, quando as diversas disciplinas da área da educaçãoexpuseram seus trabalhos. Os resultados dos trabalhos exibidospelos alunos foram muito apreciados pelos demais professores quecompareceram a mostra, como pelos alunos do curso.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desse texto foi compreender a trajetória da EAna formação inicial a partir da racionalidade instrumental em suapossível transição para a racionalidade ambiental. Para tanto, buscou-se fundamentação tanto no conceito de esclarecimento, segundoos pensadores da teoria crítica da escola de Frankfurt, como nospensadores do campo da EA.

A EA é um fenômeno recente na formação inicial, encontrandona disciplina sua principal forma de garantir a abordagem da temática.Apesar de escassas, as pesquisas que focalizam as possibilidadese os desafios da referida disciplina parecem ter seguido de umaabordagem quantitativa para uma imersão nas situações de ensino,demonstrando, sobretudo, um grande esforço da disciplina paraalcançar sua legitimidade diante dos alunos e dos demais professores.

Dentre as possibilidades da disciplina de EAna formação inicialdestacamos:

- Trata-se de um espaço-tempo privilegiado para oquestionamento e movimento das concepções pessoais sobremeio ambiente e EA, com vistas à reflexão sobre a racionalidadeinstrumental/ambiental.

- O oferecimento da disciplina para alunos de diversos cursospode contribuir para a constituição de uma equipe de trabalhointerdisciplinar.

- As atividades práticas em EA, como o mapeamentoambiental, podem transcender o reducionismo clássico das disciplinasacadêmicas, integrando outros conhecimentos, valores e atitudesadvindos do contato com os saberes populares.

Dentre os desafios da disciplina de EA na formação inicialdestacamos:

- Os aspectos teóricos e práticos da EA reivindicam um tempomaior para sua abordagem do que aquele comumente destinado àsdisciplinas acadêmicas.

- O engajamento pessoal do docente responsável é um

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elemento fundamental para o desenvolvimento da disciplina.- A presença de mais de um professor na disciplina pode

contribuir para uma abordagem mais ampla da temática ambiental.- O envolvimento precoce dos alunos com a iniciação científica

pode ser um aspecto que pode diminuir o interesse dos alunos pelatemática.

- A discussão da EA como campo de pesquisa ainda nãoaparece como elemento significativo nas pesquisas.

Concluindo, a inserção de uma disciplina de EA na formaçãoinicial dos professores garante a abordagem da temática, mas sualegitimidade e sua influência nos cursos de graduação dependerá deuma conjuntura de fatores os quais, a seu tempo, serão merecedoresde outras escutas sensíveis.

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A PESQUISA NO CAMPO DA FORMAÇÃO EDO TRABALHO DOCENTE RELACIONADOCOM A TEMÁTICAAMBIENTALLuiz Marcelo de CarvalhoUNESP - Instituto de Biociências

INTRODUÇÃO

A produção de conhecimentos no campo da formação e dotrabalho docente tanto pela quantidade como pela qualidade daspesquisas que vem sendo desenvolvidas, e principalmente pelanatureza das questões que essas pesquisas têm suscitado, já dehá muito justifica ser retomada como tema central de uma reuniãocientífica do porte do ENDIPE.

São do final da década de 80 os primeiros estudos do tipo“estado da arte” ou “estado do conhecimento” que buscaram mapeara produção acadêmica nesse campo de conhecimento. Esse tema deforma bastante evidente vem merecendo muita atenção na literaturaespecializadadaáreadeeducaçãoe,nosúltimoscincoanos,periódicosnacionais e internacionais de reconhecida importância apresentamdossiês ou números temáticos que focalizam o tema da formaçãodocente (ANDRÉ, 2006). Levantamentos quantitativos simples podemevidenciar o crescente número de ensaios críticos, textos reflexivosou relatos de pesquisas empíricas que vêm sendo apresentadosnos principais encontros de educação no país, sendo a maioriadessa produção oriunda das teses e dissertações desenvolvidas emprogramas de pós-graduação na área da educação. Se no período1990 – 1996, apenas 6% do total das teses e dissertações emeducação tinham como foco principal de investigação a formaçãodocente, no período de 1997 a 2002 esse percentual se eleva para22% (GARRIDO E BRZEZINSKI, 2006). O tema atravessa os limitescircunscritos à academia e ganha espaços diversificados da mídia edos discursos políticos e nestes ocupam sempre lugar privilegiado

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e destaque nas prometidas ações futuras – futuro que, diga-se depassagem, parece ser sempre postergado!

É interessante observar que ao mesmo tempo em que cresceo interesse pela temática surgem questões sobre a natureza dosestudos que têm procurado aproximações com as questões tantoteóricas quanto metodológicas que envolvem a formação e o trabalhodo professor: Que aspectos têm sido privilegiados nos estudos sobreformação de professores? Quais os temas emergentes e quais ossilenciados? Que metodologias vêm sendo utilizadas nesses estudos?Que resultados vêm sendo apontados nos trabalhos? (ANDRÉ, 2006)

A produção referente à pesquisa sobre formação deprofessores no Brasil a partir da década de 90 do século passado estámarcada por dois estudos coordenados pela Associação Nacionalde Pós-Graduação e Pesquisa, ambos financiados pelo PNUD epublicados pelo Inep/Comped na Série Estado do Conhecimento 6(2002) e 10 (2006). A partir desses dois trabalhos vários artigos forampublicados em periódicos que serão retomados ao longo do textoe inspiraram vários pesquisadores a colaborar na sistematização eaprofundamento sobre a produção do conhecimento nessa área. Dealguma forma, esses são trabalhos que têm procurado respostas aosdesafios que o tema deste ENDIPE nos coloca: que convergênciaspodemos identificar e que tensões podemos observar no campo daformação e do trabalho docente no Brasil? Essa questão reveste-sede significado especial no momento em que o país se prepara para asegunda década dos anos 2000 e dá início à elaboração de mais umPlano Decenal da Educação.

Um aspecto evidenciado pelos trabalhos na linha de estado doconhecimento sobre formação de professores já mencionados instigade forma especial os educadores que se interessam pelas questõesrelativas à educação e a temática ambiental: dentre os conteúdosemergentes em estudos sobre formação inicial e nas pesquisassobre formação docente realizadas por pós-graduandos em geral,a educação ambiental está incluída entre os temas emergentes depesquisa, juntamente com outros conteúdos considerados como

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temas transversais ao currículo (ANDRÉ at al, 1999; ANDRÉ, 2002;ANDRÉ, 2006). Além dessa constatação, o trabalho de Brzezinski(2006) aponta a educação ambiental entre os temas examinadospelas pesquisas relacionadas com o trabalho docente, identidade eprofissionalização docente e trabalhos que fazem estudos de revisãobibliográfica, particularmente os que estudam cursos de pedagogia.

Assim, considero bastante oportuna para a nossa reflexão, apossibilidade de nos voltarmos para questões relativas à produçãode conhecimento sobre a formação e o trabalho do professor paratrabalhar em sala de aula com a temática ambiental, produção estaque se apresenta como emergente no final dos anos 90 do séculopassado e na primeira década desse século.

Tomando como questão central o tema geral proposto parao XV ENDIPE “Convergências e Tensões no Campo da Formaçãoe do Trabalho Docente: Políticas e Práticas Educacionais” procurei,a partir de um levantamento e uma tentativa inicial de análise detextos reflexivos ou relatos de pesquisas empíricas sobre formaçãodo professor e educação ambiental, alguns caminhos que mepossibilitassem aproximações com a proposta desse encontro. Dessaforma, a seguinte questão orientou a leitura e exploração inicial domaterial selecionado para essa investigação: que sentidos têm sidoconstruídos pelos pesquisadores em seus relatos de pesquisa queapontam para possíveis convergências e tensões na produção sobreformação de professores para o trabalho com a temática ambiental?

Na tentativa de me aproximar de algumas respostas possíveisa essa questão voltei-me para as pesquisas sobre formação deprofessores, mas, nesse momento, especificamente para aquelas quetratam da formação de professores ou identidades do professor parao trabalho relativo com a temática ambiental. Assim, considerando ostrabalhos apresentados nas primeiras 4 versões do EPEA procureianalisar essa produção tentando identificar temas e núcleos de sentidoque pudessem me ajudar a responder às questões já explicitadas,acrescidas de uma outra questão que me parece ser de grandesignificado para compreendermos a produção analisada e sua relação

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com o campo da formação docente: que diálogos os pesquisadorespreocupados com a formação de professores para o tratamento datemática ambiental têm procurado construir com os pesquisadores docampo da formação docente em geral? Que diálogos temos construídoentre a comunidade interna de pesquisadores da própria área daeducação ambiental?

Postas estas questões entendi que os trabalhos que têmprocuradoanalisar a produçãodo conhecimento no campoda formaçãodo professor, poderiam oferecer-me elementos concretos para, de umlado, identificar referenciais que me ajudassem a construir um quadrosobre possíveis “convergências e tensões no campo” e, de outro,identificar aproximações e distanciamentos entre essas pesquisasmais gerais sobre formação do professor e aquelas mais específicassobre formação docente para o trabalho com a temática ambiental.

PROCEDIMENTOS DE PESQUISA

Definidas essas questões como orientadoras para odesenvolvimento da investigação proposta, iniciei o processo deseleção de relatos de pesquisa que pudessem oferecer elementospara algumas respostas, frente a uma gama de possibilidades abertaspor essas questões.

Para a concretização da proposta, selecionei os textos sobreformação de professores para o trabalho com a temática ambientaldentre o conjunto de relatos de pesquisa apresentados nos Encontrosde Pesquisa em EducaçãoAmbiental (EPEA) realizados no período de2001 a 2007 (I, II, III e IV EPEA). O EPEAé um evento para a discussãode pesquisa em educação ambiental, de caráter interinstitucional,já que envolve em sua organização docentes de três universidadespúblicas paulistas –UNESP/Rio Claro, FFCLRP/USP e UFSCar. Emvirtude deste caráter interinstitucional, o evento tem sido realizadonum sistema de rodízio nos municípios nos quais estas instituiçõesde ensino superior se encontram. Embora não se tenha nenhumaexpectativa em relação à seleção de uma amostra representativa

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do ponto de vista estatístico da produção da pesquisa em educaçãoambiental e formação de professores no Brasil, merece registro ofato de esse evento ser o único espaço no país para a discussão dapesquisa em educação ambiental. O evento tem contado com umnúmero significativo de pesquisadores das diversas regiões do país,tendo recebido nas suas diferentes versões, em média, pesquisadoresde 20 estados da federação. Além disso, merece também registro ofato de o EPEA ter experimentado nesses anos um crescente númerode trabalhos para avaliação e apresentação no evento (em média 149trabalhos em cada evento).

Para a seleção dos trabalhos de interesse para esta pesquisacontamos com uma primeira seleção proposta por Rink (2009) -que faz em sua dissertação de mestrado uma análise dos trabalhosapresentados nos EPEAs - e de uma categorização inicial apresentadaem um trabalho que traça um panorama sobre o EPEA (CARVALHO,2009).

Quanto aos trabalhos que têm analisado a produção dapesquisa sobre formação de professores a seleção foi realizada apartir, inicialmente, dos trabalhos apresentados nos últimos 10 anosno GT Formação de Professor da ANPED sobre essa temática. Apartir dessa seleção e das bibliografias referenciadas nos trabalhosencontrados, alguns textos considerados de grande significado para aárea foram também considerados em nossa análise.

Antes, no entanto, de fazer uma apresentação inicial dostrabalhos que constituíram o corpus documental da pesquisa, pareceser oportuno fazer algumas observações quanto aos significadosque têm sido atribuídos por alguns investigadores aos relatos depesquisa como material passível de meta-análise e visto como corpusdocumental para a realização de pesquisas do tipo “estado da arte” ou“estado do conhecimento”.

A análise de textos científicos tem ganhado destaque juntoà própria comunidade acadêmica e certas tendências de pesquisaque me parecem bastante promissoras têm procurado consideraresses textos como um tipo específico de gênero textual, constituído

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pelos gêneros acadêmicos, que incluem relatos de pesquisa, ensaiosteóricos, teses de doutorado, dissertações de mestrado, resenhas eresumos apresentados em reuniões científicas. Parte dessa tradiçãode pesquisa tem se dedicado a refletir sobre as práticas discursivasna redação dos diferentes gêneros acadêmicos e para um conjuntodas produção que têm explorado essas possibilidades a ênfaseda investigação recai em tentativas de “desvelar sua organizaçãodiscursiva e as diferentes formas de expressão lingüística quecaracterizam esses gêneros através das diversas áreas disciplinares”(ARAÚJO, 2006). Em outros trabalhos, embora essas abordagensnão sejam necessariamente excludentes, a ênfase recai na busca decompreensão dos processos de construção de significados.

É essa a perspectiva quemaisme interessa como possibilidadede análise dos textos, considerando que procurar compreendero processo de produção de significados pode nos ajudar, comopesquisadores, a nos aproximar das possíveis convergências outensões que se estabelecem nos diversos campos de pesquisa.

Dessa forma, a proposta metodológica para a análise dosartigos selecionados tem como ponto de partida a identificação designificados sobre o processo de formação docente para o trabalhocom a temática ambiental. O pressuposto nessa perspectiva é que ossignificados

Contêm mais do que aparentam e que, por meio de umtrabalho de análise e interpretação, pode-se caminharpara as zonas mais instáveis, fluidas e profundas, ouseja, para as zonas de sentido (AGUIAR; OZELLA, 2006,p. 226).

A partir dessas perspectivas e ciente da complexidade edificuldade de apreender sentidos, categoria marcada especialmentepela força dos registros emocionais (Aguiar; Ozella, 2006), meaproximei da proposta de Gomes e Nascimento (2006). Esses autoresanalisaram artigos em periódicos da área de saúde pública que tinham

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como foco de pesquisa a relação homem-saúde a partir de “umaadaptação da técnica de análise de conteúdo, modalidade temática,descrita por Bardin” (p. 903), mas deram uma atenção maior para osprocessos de interpretação dos significados e construção dos núcleosde sentido. Na proposta desses autores, é a análise e sistematizaçãodos núcleos de sentido o que nos levam à identificação de temas. Paraeles, o tema é entendido “como uma categoria mais ampla que podeabranger mais de um núcleo de sentido”.

Considerando os caminhos propostos porGomes eNascimento(2006), inclusive a opção por uma abordagem qualitativa para asanálises, busquei, primeiramente por meio de uma leitura panorâmicados textos, identificar as ideias centrais de cada artigo e as unidadesde análise para, a partir delas, sistematizar essas ideias em torno depossíveis núcleos de sentido. Os núcleos de sentido diversos foram,por sua vez, agrupados por temas mais abrangentes.

Assim, desde a etapa da chamada leitura flutuante até asetapas de identificação empírica das unidades de análise, procureiatentar-mepara passagens no texto queme remetessemaos contextoseducacionais investigados, às questões ou objetivos de pesquisapropostos, aos procedimentos para o desenvolvimento da investigaçãoe às principais conclusões ou recomendações apresentadas ao finaldo texto. Além disso, procurei identificar a partir das referênciasbibliográficas os autores ou tendências teórico-metodológicas comos quais os autores estão dialogando. É importante registrar que noprocesso de análise a minha intenção sempre foi identificar unidadesde análise que se referiam a sentidos construídos pelos autoresdos relatos – ou seja, pelos pesquisadores de educação ambiental.Portanto, não foramconsideradasparaaanáliseasunidadesde registroque pudessem revelar sentidos atribuídos à educação ambiental porsujeitos e atores sociais envolvidos nas pesquisas realizadas.

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A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E EDUCADORESAMBIENTAIS NOS TRABALHOS DO EPEA: CONTEXTOS DEPESQUISA E FOCOS DE INVESTIGAÇÃO

Como já mencionado, os artigos para análise foramselecionados entre aqueles apresentados nas quatro primeirasversões do EPEA, que de alguma forma incluíam o tema “formaçãodo professor ou educador” como parte do foco de investigação dapesquisa. Assim, tendo este “foco da pesquisa” como critério, foramselecionados inicialmente 44 artigos. Para a identificação dos artigosao longo do texto faço uso do número que o artigo recebeu nos Anaisdos Encontros de Pesquisa em Educação Ambiental, acrescido deum número em algarismos romanos de I a IV, que corresponde aoevento em que o artigo foi apresentado e publicado nos Anais. Assim,por exemplo, ao indicarmos o trabalho 07II, estamos nos referindo aotrabalho de número 07 publicado nos Anais do II EPEA. Considerooportuno também salientar que estarei atento no decorrer do textopara não cair na impropriedade de tomar a produção dos EPEAs comorepresentativa da produção da pesquisa em educação ambiental noBrasil. Embora, pesquisadores de todo o território nacional tenhamdivulgado as suas pesquisas nesses encontros, o conjunto dostrabalhos deve ser considerado sempre como uma amostra e nãonecessariamente representativa da produção brasileira. Ao mesmotempo acredito ser possível a partir dessas análises de trabalhospublicados em eventos, traçar um retrato ou construir um quadro quepode nos oferecer tendências das pesquisas em educação ambientalno país e, sem dúvida, a partir desses dados, fazer algumas inferênciasou levantar hipóteses para futuras investigações. De qualquer forma,ao longo do texto, ao traçar possíveis paralelos entre os trabalhosanalisados e a pesquisa sobre educação ambiental e a formação deprofessores no país, reconheço os limites para tais paralelismos e osriscos de generalizações indevidas.

Ao considerar o número de artigos aceitos pela comissãocientífica dos EPEAs para serem apresentados nos eventos e que

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têm como foco de investigação educação ambiental e formação e otrabalho docente podemos observar que esse número correspondea aproximadamente 14% do total de trabalhos apresentados noseventos (44 em um total de 312). Acredito que esse dado nos permiteafirmar que o que se anunciava no início dos anos 2000 como um temaemergente para a pesquisa na área da formação de professores, chegaem meados dessa década, com uma representatividade numéricaexpressiva no conjunto dos trabalhos dos EPEAs. Outro aspectobastante significativo a ser considerado no conjunto dos trabalhosé que dos 44 textos selecionados para análise, 7 deles remetem aquestões / objetivos de pesquisa para além de processos específicosde formação de professores, centrando os seus esforços na construçãode significados sobre “formação de educadores ambientais”. Essatendência observada nos suscita duas considerações: a primeira é ade que essa parece ser uma tendência que se mostra muito evidentea partir do IV EPEA, ou seja, a partir de 2007. Temas relacionadosà formação do educador ambiental foram muito raros nas ediçõesanteriores do EPEA: apenas um trabalho em cada uma das duasprimeiras versões e nenhum na terceira. No entanto, no IV EPEAtivemos 5 pesquisas com essa característica. Assim, esse dadomerece ser acompanhado procurando analisar as conseqüênciasdessa mudança de foco do “professor” para o “educador ambiental”para a pesquisa na área. Embora me pareça oportuno chamar aatenção para os riscos de maiores distanciamentos e possíveisdificuldades de diálogos com o campo da formação docente que essatendência pode trazer, levanto a hipótese de que essas pesquisasabram e ofereçam algumas perspectivas para processos de formaçãodo professor a partir de experiências diversificadas quer do ponto devista dos contextos educacionais explorados quer do ponto de vistadas dimensões que têm sido exploradas nessas experiências.

Durante a análise dos trabalhos selecionados, procureiinicialmente identificar o contexto educacional no qual o processoinvestigado ocorria, ou seja, se em contextos da educação básica, doensino superior ou se em ambos os contextos. Uma vez sistematizados

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esses dados, procurei fazer um cruzamento com o foco principalde investigação, procurando, assim, agrupar os trabalhos queinvestigaram processos de “formação inicial”, processos de “formaçãocontinuada” ou ainda aspectos relativos a “identidades do professor/ educador”. Além de serem esses os focos identificados a partir daanálise das questões ou objetivos de investigação explicitados nostextos, optar por essa forma de agrupamento também nos oferece avantagem de poder comparar os nossos dados com as tendênciaspercebidas nas análises sobre pesquisas em formação de professores(ANDRÉ, 2006; BRZEZINSKI, 2006).

A Tabela 1 sumaria os dados das análises realizadas quantoa esses aspectos. Fica bastante evidente a ênfase dada a pesquisassobre formação e trabalho docente e a temática ambiental nocontexto do ensino superior - mais de 50% dos trabalhos concentramesforços de investigação em processos vinculados a esse contexto.Um número razoável de trabalhos (13) fazem referência ao contextoda educação básica e 5 trabalhos investigam processos que sedesenvolvem simultaneamente em contextos de ensino superior ede educação básica. Tanto esse dado como a indicação na tabela dedois trabalhos que analisam aspectos da formação de educadores emambiente escolar (um em escola básica e outro sem explicitar) e emambiente não escolar evidenciam a abertura de pesquisadores paraa exploração de contextos múltiplos como espaços possíveis para aformação do educador ambiental.

É interessante observar que os dados que se referem afocos de investigação evidenciam uma distribuição relativamentehomogênea entre os diferentes grupos considerados. No entanto,quando analisamos a produção de pesquisas que tem na formaçãoinicial as questões centrais de investigação, observamos, como erade se esperar, uma maior concentração de trabalhos voltados para ocontexto do ensino superior. No caso dessas pesquisas dois cursostêm recebido maior atenção dos pesquisadores: curso de Pedagogiae a Licenciatura em Ciências Biológicas. Além desses cursos,encontrei nas análises duas pesquisas que investigam processos de

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ambientalização curricular dos cursos de química e uma que investigatais processos em cursos de Geografia, História e Letras. Ainda noque diz respeito a pesquisas que centram suas investigações emprocessos que ocorrem no contexto do ensino superior pude identificarque algumas delas referem-se mais especificamente a processos deformação continuada como cursos de extensão ou programas depós-graduação lato senso ou estrito senso. Merece ainda registro aidentificação de 4 pesquisas que investigam processos que ocorremsimultaneamente na Universidade e na Educação Básica e umapesquisa que investiga processos em contextos escolares e nãoescolares de forma simultânea. Esses também são exemplos emque a pesquisa que relaciona educação ambiental e formação deprofessores tem sido bastante criativa e que pode oferecer elementosque apontem para novas possibilidades de formação docente.

No que diz respeito aos trabalhos que investigam processosde formação continuada no contexto da educação básica podemosobservar na tabela 1 que dos 08 textos analisados, 6 deles procuramanalisar ou avaliar programas ou projetos que estavam sendodesenvolvidos junto às escolas. Uma das pesquisas altera essalógica predominante desse grupo de trabalhos e indica como objetivoda pesquisa a avaliação de processos de construção coletiva deconhecimentos durante o desenvolvimento do projeto na escola. Umaúnica pesquisa volta-se para experiências de educação à distância,procurando avaliar o processo de elaboração e implementação deuma proposta de formação de professores nessa modalidade.

A tabela 1 ainda evidencia que um número bastante expressivode trabalhos (13 dentre os 44) que tem como foco de pesquisaquestões relativas à identidade do professor. No entanto, é interessanteobservar que a maior parte das pesquisas reunidas nesse grupo, 11no total, dedica-se de fato à identificação de representações (3 delasfazem menção explícita ao referencial das representações sociais),concepções, compreensões e entendimentos e algumas procuramanalisar a relação entre essas concepções e práticas supostamentedelas decorrentes. Uma pesquisa procura responder quem são os

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professores que se envolvem com os projetos de educação ambientalem uma escola e outra procura avaliar o envolvimento dos professoresem projetos que estão sendo desenvolvidos na escola.

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E FORMAÇÃO DE PROFESSORES:TENDÊNCIAS METODOLÓGICAS NOS TRABALHOSAPRESENTADOS NOS EPEA

A análise das abordagens ou procedimentos de pesquisaevidencia a opção nos textos por diferentes níveis de explicitaçãodessa dimensão da pesquisa. Assim, como podemos observar pelaTabela 2, em alguns textos faz-se a indicação de métodos de pesquisaempregados e, nesse caso, podemos observar que em três dos textosanalisados podemos encontrar em um texto a menção ao métodomaterialista, histórico, dialético, em outro ao método fenomenológicoe no terceiro ao método estatístico. É interessante observar que esteé o único trabalho dentre 44 analisados que assume uma perspectivaquantitativa em suas análises.

Em outro nível de explicitação, em alguns trabalhos pudeencontrar menção a abordagens de pesquisa como pesquisa-ação (2trabalhos), estudosdecaso (3), observaçãoparticipante (1) e etnografia(1). Em alguns desses casos as técnicas de coleta de dados foramexplicitadas, mas em outros não; o que chama a atenção, no entanto,é que nem sempre essa explicitação das técnicas mostra coerênciaquanto a abordagem mencionada, quando por exemplo, encontramosno texto que diz ter feito a opção pelo estudo de caso fazer referênciaapenas a entrevistas como técnica de coleta de dados ou o uso dequestionários para a coleta de dados quando a abordagem proposta éa da observação participante.

Em alguns trabalhos faz-se menção a procedimentos maisgerais como, por exemplo, o acompanhamento de um projeto ouanálise de uma proposta. Em alguns desses casos faz-se menção aum conjunto de técnicas de coleta de dados bastante coerente tantocom as questões de pesquisa quanto com a perspectiva metodológica.

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No entanto, alguns desses trabalhos apenas mencionam a perspectivamais ampla, sem fazer nenhum comentário sobre técnicas de coletasde dados que serão analisados.

Por fim, há um conjunto bastante significativo de trabalhos (27)que faz referência apenas a técnicas de coleta de dados, sendo que17 deles mencionam apenas uma técnica, como pode ser observadona tabela 2, enquanto outros (10) fazem referências a uma conjugaçãode técnicas para coleta dos dados da pesquisa.

Merece ainda registro o fato de não ter sido possível em doistextos analisados identificar com clareza menção a abordagens outécnicas utilizadas para a coleta dos dados empíricos.

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E FORMAÇÃO DE EDUCADORES: ONECESSÁRIO DIÁLOGO COM O CAMPO DA FORMAÇÃO DEPROFESSORES

Uma das questões que me propus analisar nos trabalhosapresentados nos EPEAs refere-se à busca de diálogos entre ospesquisadores que estão empenhados em compreender processoseducativos relacionados comaeducaçãoambiental e ospesquisadoresda área da educação, no caso específico desse trabalho com ospesquisadores que têm investigado processos de formação deprofessores. Outro aspecto já mencionado diz respeito às discussõesque têm sido travadas no interior do campo da pesquisa em educaçãoambiental, envolvendo os próprios educadores ambientais, no sentidoda discussão dos resultados e das implicações teórico-metodológicasdas pesquisas da área já realizadas.

Assim, no processo de análise procurei identificar nos textosreferências que nos remetessem a reflexões teóricas, ensaios críticosou pesquisas empíricas na área da educação e, principalmente na áreada formação e do trabalho docente. Da mesma forma, com o intuito deevidenciar os diálogos que têm sido travados entre os pesquisadoresem educação ambiental procurei identificar menções feitas nos textosa outras pesquisas em educação ambiental relacionadas com o

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trabalho em análise.Para essa análise comoobjetivo de evitar desvios ou distorções

na análise procurei selecionar dentre os 44 relatos selecionadosna primeira etapa da investigação, apenas aqueles trabalhamque explicitamente faziam referências a questões ou objetivos deinvestigação que envolviam processos de formação de professoresou que procuravam analisar aspectos do trabalho docente relativo àtemática ambiental. Assim, pesquisas que investigavam a formaçãode profissionais diversos para o trabalho com a temática ambientalou que se buscavam analisar processos formativos do educadorambiental (no sentido mais amplo) não foram considerados nessaetapa. Definidos esses critérios a seleção realizada me indicou umconjunto de 33 relatos para análise.

Para a apresentação dos resultados dessa análise procuramosagrupar os dados encontrados em 6 grupos construídos a partir depossíveis combinações quanto aos campos de produção consideradosnas introduções do trabalho, discussões dos dados ou consideraçõesfinais (Tabela 03). Podemos evidenciar pelos dados sistematizadosque aproximadamente um terço dos trabalhos analisados incorporamnos relatos de pesquisa autores da área da educação, da formação deprofessores e da educação ambiental, simultaneamente. O outro terçodo conjunto considerado nessa análise, considera ou referências daárea da educação – a maioria, ou seja, 07 trabalhos - ou da formaçãode professores (apenas 03 trabalhos) e da educação ambiental.Chama a atenção o fato de 11 trabalhos considerarem no relato dapesquisa, apenas referências da área da educação ambiental, nãoincorporando nenhuma discussão que apontasse para “diálogos coma área da educação ou com a área da formação de professores,questão essa que se reveste de significado especial quando essaspesquisas têm na formação dos professores ou no trabalho docente oseu foco principal de investigação. Merece ainda registro o fato de queduas pesquisas não trazem na suas referências bibliográficas nenhumtrabalho da área da educação ambiental.

Quando procurei sistematizar os dados relativos às referências

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na área da educação pude constatar que autores vinculados àchamada pedagogia libertadora como Freire é o autor mais lembradonos relatos (em 09 relatos ele é referenciado), seguido por Gadottique é referenciado em 03 trabalhos. Autores vinculados a pedagogiascríticas, mas que se distinguem das perspectivas freireanas sãoSaviani, Manacorda e Giroux. Um conjunto de autores vinculadosmais especificamente às discussões de currículo como Sacristán,Silva e Moreira são referenciados; quando questões relativas àinterdisciplinaridade são trazidas no texto, Fazenda e Veiga-Netosão mencionados e questões que nos remetem a alguns aspectos daFilosofia da Educação são trazidas a partir de trabalhos de Severino eAssman. No entanto, é preciso ficar claro, que a grandemaioria dessesautores é referenciada em apenas um ou dois dos relatos analisados(33 no total).

A sistematização dos dados sobre referências na área daformação de professores indica que em 13 trabalhos que incorporamreferências dessa área alguns nomes que marcam o campo comsuas contribuições são mencionados: Schulman, Car, Kemmis,Schön, Tardiff, Gauthier, Gil-Perez, Ibernón, Alves (Nilda), Mizukami,Maldaner e Corinta. Desses autores apenas dois são referenciadosem dois trabalhos distintos: Nilda Alves e Shulman. Considerando onúmero relativamente pequeno de relatos que fazem referências atrabalhos reflexivos e a pesquisas de campo na área da formação deprofessores e, entre os que consideram a produção, uma marcadadispersão das tendências não fica clara uma orientação teórica quetenha influenciado de forma mais definitiva as nossas reflexões sobreeducação ambiental e formação de professores entre os educadoresambientais que se interessam pelo tema.

Outro dado que esta análise revela e que me parece de grandesignificado para a consolidação de nossas pesquisas na área daformação de educadores ambientais: considerando o conjunto dostrabalhos analisados em um terço deles não há qualquer referência apelo menos uma pesquisa já realizada sobre processos de formaçãodo professor / educador ambiental e com a qual se estabelece um

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diálogo ou uma discussão, contrapondo os resultados encontrados nainvestigação realizada com outras pesquisas já divulgadas. Parece-me ainda, bastante evidente quando consideramos o conjunto dostextos analisados que temos evitado o exercício de trazer para osnossos relatos uma sistematização do que já foi produzido sobre otema e o foco de nossas investigações, construindo, assim, espaçosde diálogo entre os pesquisadores em educação ambiental no qualas convergências, os conflitos e as tensões podem emergir e, dessaforma, identificarmos caminhos para aproximações de tendênciasque nos interessam, superações de dificuldades que se impõem àárea e aprofundamentos em termos de construção de sentidos sobreprocessos diversos relativos à educação ambiental, em especial, aprocessos de formação do professor / educador ambiental. Os dadossistematizados parecem apontar para uma condição entre nós quepoderíamos considerar como sendo de uma certa “resistência aodiálogo entre pesquisadores do campo da educação ambiental”

Assim se tomarmos as reflexões de Payne (2010) quandoesse autor expressa as suas preocupações com a identidade, valore contribuição da pesquisa em educação ambiental, acredito quepoderíamos pensar em alguns encaminhamentos que nos ajudariam,pelo menos em parte, a superar algumas de nossas dificuldades.Esse autor propõe trabalharmos com a idéia de “delineamento dapesquisa” com a intenção de oferecer um conjunto de conceitos paraque os pesquisadores possam de forma mais criativa examinar suaspesquisas e ampliar o grau de reflexividade sobre o futuro do campode pesquisa nessa área.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos relatos de pesquisa sobre formação e trabalhodo professor / educador ambiental apresentados nas quatro primeirasversões do EPEA oferecem elementos que podem ser avaliadoscom significativos para compreensão de alguns aspectos relativos àprodução de nossas pesquisas nessa área.

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A análise dos relatos indica que em relação aos contextos deformação que temos investigado o ensino superior tem sido privilegiadoe, nesse caso, os processos de formação inicial têm recebido maisatenção dos pesquisadores que o envolvimento das instituições deensino superior em processos de formação continuada. No entanto,há alguns dados que apontam para perspectivas promissoras no quediz respeito a tentativas de uma melhor compreensão sobre processosde formação que se desenvolvem a partir da interação da universidadecom a rede básica de ensino ou da interação entre contextos escolarese não escolares de formação. Podemos com os dados obtidos apontarpara algumas áreas silenciadas nos trabalhos apresentados no EPEAquais sejam, processos formativos para o trabalho com a temáticaambiental voltado para a educação infantil e para a educação dejovens e adultos.

Quando consideramos os focos de pesquisa privilegiadosnos relatos apresentados no evento podemos observar que, que hácerto equilíbrio do ponto de vista da quantidade de pesquisadores quetêm divulgado suas pesquisas relativas à formação inicial, formaçãocontinuadas e processos de identidade do professor / educador. Aspesquisas relativas a identidades do educador ainda estão muitocentradas em trabalhos que procuram caracterizar processos de“produção de sentidos” sobre a temática ambiental ou sobre educaçãoambiental e, em certa medida, sobre características do ponto de vistadas práticas pedagógicas desenvolvidas pelos professores. Temospoucos trabalhos que se voltam para os processos de constituição doeducador ambiental e sobre as condições de trabalho tanto do pontode vista profissional quanto de condições concretas e de recursospara o desenvolvimento da tarefa educativa.

Quanto às tendências metodológicas das pesquisas osdados evidenciam um esforço em explicitação de pelos menos dastécnicas para a coleta e, em alguns casos, para a análise dos dados,embora apenas um terço dos trabalhos tenham se preocupado emcontextualizar a utilização dessas técnicas em quadro metodológicomais amplo, que explicite pressupostos metodológicos que orientam

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a investigação. Não resta dúvida, que há ainda um caminha a serpercorrido nosentidodemelhor explicitaçãodos caminhosdapesquisa,que sem, dúvida podem nos ajudar a revestir nossas investigações demaior confiabilidade.

Finalmente, o que me parece mais urgente em termos deexigências para a comunidade de pesquisadores em educaçãoambiental éummaioresforçoe investimentosnaconstruçãodediálogostanto internos, ou seja, com a própria produção da pesquisa voltadapara a relação entre educação ambiental e formação do professor,quanto esforços para uma maior aproximação dos pesquisadoresque se preocupam com a formação do educador ambiental com ospesquisadores que têm se voltado para investigações no campo daformação do professor. Enquanto esses esforços não se concretizaremnão estaremos criando condições concretas para divulgação dos“sentidos” que estamos produzindo sobre processos formativos doeducador, como também não estaremos em sintonia com as reflexõese com a produção que têm apontado para tendências históricas,criticado algumas dessas tendências, principalmente as concepçõestecnicistas para a formação de professores e apontado paraperspectivas e alternativas que, em muito se aproximam de questõesque têm sido postas no debate mais interno da educação ambiental.

Se considerarmos a proposta de Payne (2010) que apontapara a necessidade de no processo de delineamento de nossaspesquisas nos esforçarmos para umamaior explicitação dos processosde conceituação, contextualização, representação e legitimação,processos esses presentes em todo trabalho investigativo estaremos,no meu entender, dando passos significativos para a superação dealgumas de nossas dificuldades.

Os dados da análise evidenciam caminhos de superação e debusca de alternativas criativas para a construção de conhecimentossobre processos de formação de professores. No entanto, enquantonão envidarmos esforços para a ampliação do diálogo interno e coma comunidade de pesquisadores em educação corremos o risco desolitariamente construirmos um campo de conhecimento nos quais

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as convergências nunca são sistematizadas e as tensões nunca sãoevidenciadas e, por isso, nunca problematizadas. Isso pode implicarna construção de um campo de conhecimentos no qual as nossascrenças são cada vez mais reforçadas, mas as dúvidas e as perguntassão silenciadas, as tensões e os conflitos não são explicitados. Ouseja, deixamos de produzir conhecimentos.

REFERÊNCIAS

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TABELA 01 – Contextos de pesquisa e focos de investigaçãode trabalhos apresentados nos Encontros de Pesquisa em EducaçãoAmbiental (EPEA I a IV) que investigam a formação e trabalho docenterelacionado com a temática ambiental.

FOCOS DE INVESTIGAÇÃO

CONTEXTOS

FORMAÇÃO

INICIAL

FORMAÇÃO

CONTINUADA

IDENTIDADES

DO PROF /

EDUCADOR

EDUCAÇÃO BÁSICA - 08 05

ENSINO SUPERIOR 14 07 06

ENS. SUPERIOR E EDUC. BÁSICA 02 03 01

EDUCAÇÃOESCOLAR ENÃ ESCOLAR 01 01

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TABELA 02 – Níveis de explicitação quanto a abordagensmetodológicas de trabalhos apresentados nos Encontros de Pesquisaem Educação Ambiental (EPEA I a IV) que investigam a formação etrabalho docente relacionado com a temática ambiental.

MÉTODOS / ABORDAGENS / PROCEDIMENTOS / TÉCNICAS TRABALHOS

MENÇÃO AMÉTODS DE PESQUISA- Materialismo histórico dialético- Fenomenologia:- Estatístico:

- 43I- 51III- 39IV

MENÇÃO AABORDAGENS METODOLÓGICAS- Pesquisa – ação (e suas modalidades):- Estudo de caso.- Observação participante- Etnografia

- 40I/38III- 46II/58II/65IV- 64II- 11IV

MENÇÃO A PROCEDIMENTOS MAIS GERAIS- Acompanhamento de curso- Acompanhamento de projeto- Inventário de cursos- Sínteses de projetos.- Análises de projetos.

- 46I- 63II- 4IV- 49IV- 41II

MENÇÃO A UMA ÚNICA TÉCNICA DE PESQUISA.- Questionários- Análise documental- Entrevistas- Entrevista coletiva

-05I/58I/49II/68II/14III/64III/59IV- 42I/25II/35II/62III/80IV- 30II/15IV/12IV- 74I/68IV

MENÇÃO A TÉCNICAS DE PESQUISA COMPOSTAS- 47I/07II/62II/66II/45III/61III//35IV/66IV//74IV/79IV

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Tabela 3 – Frequência de citação de referenciais na área daeducação, da formação de professores e da educação ambientaltrabalhos apresentados nos Encontros de Pesquisa em EducaçãoAmbiental (EPEA I a IV) que investigam a formação e trabalho docenterelacionado com a temática ambiental.

REFERENCIAS FREQUÊNCIA

EDUCAÇÃO / FORMAÇÃO DE PROFESSORES / EDUCAÇÃOAMBIENTAL 10

EDUCAÇÃO / EDUCAÇÃO AMBIENTAL 07

FORMAÇÃO PROFESSORES / EDUCAÇÃO AMBIENTAL 03

EDUCAÇÃO AMBIENTAL 11

EDUCAÇÃO 01

FORMAÇÃO DE PROFESSORES 01

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NATUREZA, TECNOCIÊNCIAS E EDUCAÇÃOAMBIENTAL(*)Marcos Antônio dos Santos ReigotaUniversidade de Sorocaba

Uma grande garçaVoa lentamenteAo lado do carro.(Paulo Franchetti)

Quando as primeiras universidades européias começarama organizar seus currículos, noções de natureza tiveram importantepapel. Segundo Peter Burke

A primeira cátedra de história natural, por exemplo, foicriada Roma em 1513, seguida por Ferrara e Pisa. Leidenteve uma cátedra de botânica em 1593, Oxford, em 1669e Cambridge, em 1724 (...) Nos casos de botânicae química, os novos temas representavam a atribuiçãode certa acadêmica e de certas formas tradicionaisde conhecimento alternativo, o dos “charlatães” ealquimistas. As novas cadeiras acadêmicas decirurgia e drogas também representam certo grau deaceitação de conhecimentos alternativos, pois na Françado século XVII as palestras em certas faculdades dauniversidade eram abertas aos aprendizes dessas“artes”. (BURKE, 2003,p.95)

A posterior difusão de métodos experimentais e quantitativosnas pesquisas sobre “ a vida e o mundo natural”, prevaleceram nomeio acadêmico, em detrimento ou superação do que Peter Burkechama de “certas formas tradicionais de conhecimento alternativo”.

(*) Pesquisa financiada pelo CNP, com bolsa de produtividadecientífica.

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Esse predomínio originou o positivismo, corrente teórica emetodológica que influenciou as ciências sociais e humanas. Influênciaessa que não privou a filosofia.

O positivismo foi o pensamento científico hegemônico nasegundametade do século XIX e segundoGianni Vattimo nessa época: “era necessário encontrar leis gerais que permitissem conhecer eprever, segundo o método matemático, das ciências naturais, osfenômenos do mundo humano, individuais e coletivos, e a partir dissofundamentar a política.” (VATTIMO,2002, p.7 **).

O apogeu e influência cientifica e política do positivismo foitema de reflexão e trabalho de, entre outros, Henri Bergson, WilhelmDilthey e Benedetto Croce. (VATTIMO, 2002, p.7-10).

Para Bergson, segundo Gianni Vattimo, “ não se podepretender, como faz o positivismo, aplicar o método experimental-matemático no mundo humano (ética, psicologia, política...), porquea vida da consciência não é descritível em termos matemáticos.”(VATTIMO, 2002, p.7).

Quando o positivismo parecia ter se esgotado, ele recebe umoutro reforço nas primeiras décadas do séculoXX, vindo principalmenteda física, originando o que se convencionou chamar de neopositivismo.

Para os adeptos dessa corrente “não há outros parâmetrosde cientificidade que não sejam aqueles oferecidos pelasciências empíricas: os “dados de fato”, determinados em sentidoconvencionalista, ou em termos de “enunciados observacionais.”(D’AGOSTINI, 2002, p.52).

Tanto o positivismo como o neopositivismo mantiveram suasrespectivas influências nas ciências físicas e naturais, influenciandoassim as práticas sociais, políticas e pedagógicas sobre a natureza.Não sendo o estudo da natureza e de seus sinônimos, monopóliodas ciências físicas e naturais, encontramos na filosofia uma longahistória de argumentos sobre ela.

(**) A tradução dessa e de outras citações de textos GianniVattimo que não se encontram publicados em português, são de minharesponsabilidade.

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Num dos estudos mais conhecidos sobre o tema Merleau-Ponty observa que:

Existe natureza por toda parte onde há uma vida que temum sentido mas onde, porém, não existe pensamento;daí o parentesco com o vegetal: é natureza que tem umsentido, sem que esse sentido tenha sido estabelecidopelo pensamento. É a auto-produção de umsentido. A Natureza é diferente, portanto de uma simplescoisa; ela tem um interior, determina-se de dentro; daí aoposição de “natural” a “acidental”(...).

A Natureza é um objeto enigmático, um objeto que não éinteiramente objeto; ela não está inteiramente diante denós. É o nosso solo, não aquilo que está diante, mas oque nos sustenta. (MERLEAU-PONTY, 2000, p. 4)

Filósofos contemporâneos afirmam que o predomínio de umanoção única, “definitiva” e dogmática de natureza, possibilitou ( epossibilita) o surgimento e a manutenção de totalitarismos religiosos epolíticos. (VATTIMO, 2006; ZUBEN, 2003). Em um texto em que criticaargumentos que poderiam ser os de Hitler, sobre bioética e clonagem,Gianni Vattimo observa que “aquilo que se chama (hoje) de naturezapode ser somente o nome mais antigo para a ideologia de um grupo,que se quer impor sobre outros.” (VATTIMO, 2006, p.12). O filósofoJean Ladrière observa que uma definição clássica de natureza é

(...) geralmente essaparte da realidade visível quenãoé oser humano, e mais raramente o que constitui a essênciade uma coisa. Nesse segundo sentido nós encontramosum eco do significado do antigo termo “phusis”. Maso sentido mais usado nos remete aos limites entre odomínio do que é propriamente humano e o domínio queé, para o ser humano, exterior.(LADRIÈRE,2004, p.109-110).***

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*** minha traduçãoEstudos antropológicos e ecológicos tem mostrado que

diferentes noções de natureza estão relacionadas com gruposculturais e sociais diferenciados(DESCOLA, 2006, CASTRO, 2002).A natureza quando vivenciada, por exemplo, no cotidiano da FlorestaAmazônica é bem diferente da noção clássica apresentada por JeanLadrière. O antropólogo Philippe Descola observa que

Na maioria das culturas amazônicas, certos pássaros deplumagem excepcional, como as araras e os tucanos,constituem assim metáforas exemplares da condiçãohumana no próprio coração da natureza. Quer coloquem,porém seu esplendor num pássaro, quer num adereço,essas oposições de cores em que se expressa a marcado social se fazem perceber segundo uma contigüidadeinstantânea, não podendo indicar uma periodicidadetemporal tornada invisível por falta de ilustração.( DESCOLA, 2006, p.94).

Com os movimentos ecologistas e a sua vertente pedagógica,a educação ambiental, noções diferenciadas de natureza ganharamintensidade nos espaços público e científico. Entre elas encontramosaquelas que procuram “reencantá-la” (MOSCOVICI, 2002) e outrasque procuram defini-la como correlato do técnico-prático ou aindacomo correlato do ético-prático (MUTSCHLER, 2008).

Em resumo podemos considerar, pelos estudos e ensaiosdisponíveispesquisadosatéomomento,queas relaçõesentrenaturezae cultura e as aparentes dicotomias entre elas nos mostram queestamos diante de noções polissêmicas que influenciam as práticassociais cotidianas. Nesse sentido noções de natureza, reaparecemno debate político, cultural, social e educacional, pois viver, existir emorrer com dignidade, adquirem estatuto de reivindicação política.

Nos movimentos ecologistas, a reivindicação da dignidadeda existência e da vida foi ampliada para todas as espécies e

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particularmente à fauna (TRÉZ, 2008, HOBSON-WEST, 2007).Os discursos contemporâneos sobre natureza e,

consequentemente sobre a vida, colocaram em evidência a suadimensão ecológica e ética.

Um exemplo desse contexto está relacionado com a artistaplástica Laura Lima, uma das contempladas com o Prêmio CNI SESIMarcantonio Vilaça de Artes Plásticas no biênio 2006-2008. Durante aexposição dos premiados, ocorrida no Museu deArte Contemporâneano Centro Dragão do Mar Arte e Cultura de Fortaleza a obra e aartista foram contestadas pelo Coletivo 12 Macacos num panfleto emque apresentam o seguinte argumento:

E agora toda arte falsamente polêmica tornou-se moda eque a crise de criatividade artística gerou obras vazias designificados, oCentroDragãodoMar deArte eCultura, emFortaleza/CE, expõe desde o dia 27 de novembro 2008a pseudo obra de arte “ Galinhas de Gala e Galinheirode Gala” da desconhecida artista L.L. Galinhas foramtrancafiadas num galinheiro, tiveram adicionadas plumascoloridas à sua pele com silicone e colocadas à exposiçãono corredor em frente à entrada do Museu. Coisificar avida é uma forma de arte? Arte à favor da alienação doscorpos e das mentes se constitui de fato uma expressãoválida?(....) Uma entidade de proteção aos animais doCeará encaminhou uma solicitação de suspensão daexposição do Dragão junto à Procuradoria Geral daJustiça, mas sem resposta a contento . A “obra de arte”continua exposta, as galinhas continuam expostas. Umaarte escassa de sentido, recorre ao exagero das formaspara se tornar visível. Nenhuma forma de arte está acimadas formas de vida... ( COLETIVO 12 MACACOS, 2008,s/p.)

O conflito ético-estético exemplificado acima é apenas mais um

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de uma série em que a vida e a existência expostas como espetáculo,mercadoria ou “coisa”, refletem e concretizam interesses e opçõesculturais, econômicas e políticas.

Entre as práticas sociais cotidianas situadas do lado opostodisso incluímos a educação ambiental( REIGOTA; PRADO, 2008,PELICIONI; PHILIPPI JÚNIOR, 2007, LE GRANGE, 2005)

Ao se enfocar as diversas noções de natureza e suasrelações com a cultura nos processos pedagógicos contemporâneosdeparamos com o predomínio de definições que remetem à suautilidade (CAVALARI, 2009 FALCÃO;FARIA, 2007, NUNES, 2007).Num primeiro momento da educação ambiental foram constantes asreferências aos “recursos naturais renováveis”, que posteriormenteforam sendo substituídos por biodiversidade.

Nos meios científicos a definição de biodiversidade nãoé consensual e isso se manifesta em propostas pedagógicase de intervenção social (SCARANO, 2007, FONSECA,2007,VIEIRA;SILVA;TOLEDO, 2005, GARCIA, 1995).Para biólogoscomo Ernest Mayr e Edward Wilson a biodiversidade é o resultado daevolução das espécies (MAYR, 2008, WILSON, 1992).

Por outro lado, estudos ecológicos(BROWN Jr.; FREITAS,2002) e antropológicos(CASTRO, 2002) mostram que a e expansãoda biodiversidade também pode ocorrer pela manipulação técnica ecultural.A intensidadedamanipulação técnicadasdiferentes espécies(entre elas a humana) traz consigo desafios éticos e ecológicos.

Quanto pautada em escala industrial os desafios se ampliampara a política. Os debates e pesquisas sobre essa problemáticaderam origem ao termo “tecnociências” que explicita temores, riscose possibilidades (ZUBEN,2006).

Em virtude da inédita operatividade das tecnociênciaso homem é contemplado com superpoderes, o que lhe

1 Este texto contou com a colaboração de Aline Ricci, Camila Barros, Camila Recche, LucianaGandarela, Roberta Machado e Priscila Basílio no levantamento da produção em periódicos ena ANPED.

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propicia intenso sentimento de euforia pela conquista,levando ao paroxismo a idéia moderna de progresso.Como resultado surge a crença ingênua de que astecnociências resolverão todos os problemas queassolam a humanidade. Ao lado oposto do espectroemerge o sentimento de temor proporcionado justamentepela eficácia do superpoder. Isso induz a idéia de quetudo o que se avizinha da técnica é algo demoníaco, quedever ser evitado (ZUBEN, 2006, p.21).

No contexto dos temores e crenças apontadas pelo autor erelacionados com os discursos contemporâneos sobre a naturezaencontram-se os transgênicos.

Em fevereiro de 2000 a revista Examepublicou umapublicidadeda Monsanto, no qual estão incluídas palavras como biodiversidade,sustentabilidade, alimento, saúde e esperança.

O texto argumenta que

...a biotecnologia já tem permitido aos agricultoresaumentarem significativamente a produtividade desuas colheitas sem utilizar mais terras. E fazem isso demodo mais sustentável com menos inseticidas, menosderivados de petróleo e menor impacto ao meio ambiente(EXAME, 2000, p.135).

A publicidade traz uma imagem na qual um coelho indica apopulação e uma tartaruga indica a oferta de alimentos. Entre o coelhoe a tartaruga está escrito “ A corrida começou”. Na referida publicidadenão há nenhuma referência aos transgênicos e no período em que foipublicada a empresa enfrentava um grande debate e resistência noBrasil.

Nomesmo período a Secretaria daAgricultura eAbastecimentodo Estado do Rio Grande do Sul distribua à população, foldersexplicativos sobre sua posição contrária aos transgênicos, nosquais se encontram palavras como “soberania nacional”, “alerta aos

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agricultores”, “quem perde e quem ganha com os transgênicos”.No folder o argumento apresentado é o seguinte:

O governo do Estado do Rio Grande do Sul adotou umapostura firme em relação aos alimentos geneticamentemodificados (transgênicos). Quer o território gaúcholivre destes produtos. A origem do problema estána aprovação, em 1996, das leis de Proteção deCultivares e Patentes. Esta legislação transformou aprodução de sementes numa atividade muito lucrativa,já que possibilita o patenteamento de uma determinadavariedade. Evitar o monopólio de sementes pelasmultinacionais, que compromete a soberania nacional eacaba com a autonomia do agricultor no uso da própriasemente, se constitui no principal motivo da posiçãoadotada pelo governo gaúcho (SECRETARIA DEAGRICULTURA E ABASTECIMENTO DO ESTADO DORIO GRANDE DO SUL, sem data).

Emoutubro de 2008 a revista Pesquisa publicada pela FAPESP,traz na contracapa uma publicidade convidando pesquisadores aparticiparem do Prêmio Agroambiental Monsanto, com duas criançasde mãos entrelaçadas tendo ao fundo uma imagem agrícola e frasescomo “sempre diga sempre” e “agricultura e meio ambiente parasempre”. No texto a Monsanto afirma que

Os efeitos da biotecnologia podem ser encontradosem nossos produtos. Só para você ter uma idéia, autilização da soja transgênica proporcionou uma reduçãoestimada em aproximadamente 51 mil toneladas no usode agrotóxicos no mundo e em 3,16 toneladas no Brasil,nos últimos 10 anos...o algodão geneticamentemodificado Bollgard pode ajudar a reduzir o uso deinseticidas para o controle de algumas pragas. E temmuito mais só que não cabe nesse anúncio. Mas com

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seu talento, cabe no futuro de nossoplaneta. Acessewww.sempredigasempre.com.br, saiba mais e participedo Prêmio Agroambiental Monsanto (PESQUISA,2008,contracapa).

Na edição de 10 de maio 2009, a Folha de São Paulo trazna primeira página e em destaque a noticia “ Brasil não tem controlesobremilho transgênico - Não há estrutura para separá-lo da variedadenormal, alegam produtores”. A reportagem é ilustrada com a foto doagricultor Ademir Ferronato em sua plantação de milho convencional, no Paraná, e a informação de que ele “teme contaminação (de sualavoura) por lavoura transgênica” (FOLHA DE SÃO PAULO, 2009,p.1).

Os estudos sobre as implicações políticas, sociais, ecológicas,culturais e educacionais sobre as tecnociências (biotecnologia)e particularmente sobre os transgênicos mostram que oproblema não foi superado ao contrário do que afirmam discursospublicitários(CAROLAN, 2008, CURTIS; McCLUSKEY; SWINNEN,2008, DEVOSet al, 2008, FURNIVAL; PINHEIRO, 2008, PEDRANCINIet al, 2008, SILVA, 2008, FITZSIMONS, 2007,MEYER,2006, PORTO,2005).

Nesse contexto uma questão sintetiza uma série de outras:qual o papel da educação frente aos discursos contemporâneossobre a natureza, nos quais se incluem o uso econômico, a extinçãodas espécies e a manipulação genética de várias delas em escalaindustrial?

Na tentativa de apontar algumas possibilidades de respostasrecorremos a Gianni Vattimo e Newton Aquiles von Zuben.

No artigo “A educação contemporânea entre a epistemologia ea hermenêutica” Gianni Vattimo observa que: “A nós parece evidenteque a necessidade de uma visão global do processo social não dizrespeito unicamente às classes dirigentes, mas a cada cidadão deuma sociedade democrática” (VATTIMO, 1992, p.9).

Essa primeira afirmativa vem de encontro a perspectiva da

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educação ambiental como educação política, na qual a participaçãodos cidadãos e cidadãs e a ampliação e consolidação da cidadania,são prioridades. Em outra passagem o filósofo italiano observa:

Ora, seria ridículo negar a importância da ciência e datécnica em nossas sociedades atuais. Mas me pareceevidente que a importância fundamental do ideal cientificoda educação foi consideravelmente reduzido. E umadas razões desta redução é o fato de que, por múltiplascausas, a crença comum no progresso inevitável dahistória dissolveu-se. Uma tal dissolução não depende,em especial, de uma crise de confiança na ciência;acredito que, se quisermos procurar as origens dadissolução da crença no progresso, é preciso, antes demais nada, voltar-se para a dissolução do eurocentrismoe da mentalidade colonialista, imperialista, que estavafundamentada nele (VATTIMO, 1992, pg.13).

O cerne de seu argumento é o de que

...o valor do ideal científico é cada vez mais challenged,desafiado pelos crescentes problemas étnicos eecológicos que se ligam às aplicações técnicas dasciências; creio que, sob esse aspecto, não é necessárioquenosdetenhamosmais, pois já se temumaconsciênciabastante clara. Dissolução da crença no progresso ligadaao fim do colonialismo e ao eurocentrismo; consciênciaaguda do caráter histórico pratico e político da tarefacientifica e dos limites da objetividade das ciências;sobretudo, peso crescente dos problemas étnicos(manipulação genética, por exemplo) e ecológicospropostos pelas ciências e pelas ciências e pelastécnicas: estão aí os principais fatores daquilo que mepropus a chamar de passagemdo ideal epistemológico aoideal hermenêutico na educação (VATTIMO,1992, p.14).

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Quando o autor relaciona os problemas étnicos e ecológicosàs aplicações técnicas da ciência, como por exemplo as manipulaçõesgenéticas, se torna necessário incluir os desafios éticos e com eles umpossível diálogo da educação(ambiental) com a bioética se apresenta.

Observa Newton Aquiles von Zuben que a bioética nos colocadiante “das mais cruciais questões do existir humano (na interfacedas biotecnologias, do sistema informacional, das incríveis conquistasdas tecnociências; o que provoca a metamorfose da racionalidade)”(ZUBEN, 2006. p.135-136).

Em outra passagem de seu livro “Bioética e Tecnociências: Asaga de Prometeu e a esperança paradoxal” o papel da educação ficaimplícito quando o autor afirma:

Creio relevante tentar ampliar a análise crítica do impactoexercido pelas transformações tecnológicas sobre avida social do homem contemporâneo, e e n t e n d e rcomo surgem e quais são as exigências de uma re-organização da aptidão específica do individuo humanoque é a atividade de pensar. Ao mesmo tempo levariao que leva necessariamente a colocar a própria razãosob o olhar crítico nesse movimento que lhe é intrinsico efundante, que é a autocrítica (ZUBEN, 2006, p.111).

Como Gianni Vattimo, Newton Aquiles von Zuben enfatiza aimportância da cidadania:

Ora, se o bem comum interessa a todo mundo, oprogresso significa permitir ao individuo comum levantar,com transparência, certas questões-chave para o futurode nossas sociedades, tais como: como confrontar asconquistas da cidadania democrática com os avançostecnocientíficos? Que valores determinam as escolhastecnológicas? Que providências as autoridades públicasestão tomando no sentido de favorecer a uma pluralidadedeopçõesdisponíveis, e, emsegundo lugar, parapropiciar

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a todos os indivíduos da sociedade o conhecimentodessas opções? Em que situações irreversíveis nossasociedadeseengajanocampoenergéticoedaagricultura,por exemplo, deixando eventualmente um legado nãogerenciável para as gerações futuras? (ZUBEN, 2006,p.113/114).

As passagens escolhidas de textos de Gianni Vattimo eNewton Aquiles von Zuben são uma tentativa de responder a questão,já apresentada e que convém repetir: Qual o papel da educação frenteaos discursos contemporâneos sobre a natureza nos quais se incluemo uso econômico, a extinção das espécies e a manipulação genéticade várias delas em escala industrial?

Essa questão tem orientado nossos trabalhos de pesquisae nossas práticas sociais e pedagógicas cotidianas voltadas,prioritariamente, à ampliação da cidadania.

A cidadania é aí entendida não apenas dentro de um quadro(jurídico e político) nacional específico, mas sim na sua dimensãoplanetária, de ação social cotidiana, no qual a questão ecológicaocupa um papel central (NARDI,2007, p.8).

Cabe aqui apresentar mais uma questão síntese que nosfazemos:As práticas sociais e pedagógicas cotidianas dos sujeitosanônimos comprometidos com a cidadania (no seu sentido maisamplo) e pautadas nos discursos contemporâneos sobre a natureza,nos quais se encontram a biodiversidade e os transgênicos, estarão(re) definindo currículos em diferentes universidades, pelo mundo?

Caso a resposta seja positiva é necessário avançar noquestionamento e procurar identificar qual tem sido a sua influênciasocial, ecológica, cultural e política. Caso a resposta seja negativa,nos resta concordar com aqueles que consideram que a educaçãocontemporânea está defasada dos desafios do seu tempo histórico.

Se não houver respostas, positivas ou negativas, definitivase conclusivas, ficam abertas as possibilidades de experimentaçõesde práticas sociais e pedagógicas cotidianas voltadas para a

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desconstrução de certezas absolutas e totalitarismos políticos ereligiosos.

Práticas essas voltadas para a desconstrução, por parte doscidadãos e cidadãs, dos controles e normas impostas pelo Estado emaliança com grupos econômicos, que apoiados em análises definidaspor eles como técnicas e científicas, determinam e impõem o queconsideram ser o melhor para a população e para a sociedade.

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A RELAÇÃO TEORIA-PRÁTICA NAFORMAÇÃO DE PROFESSORES EMEDUCAÇÃO AMBIENTALCarlos Frederico B. LoureiroProfessor do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ

INTRODUÇÃO

A relação teoria-prática foi conduzida ao longo da história daeducação ambiental de modo repleto de tensionamentos e incertezas,e acompanhada de defesas bastante rígidas de um pólo ou de outro.Em paralelo, é de conhecimento relativamente generalizado entreeducadores e educadoras, particularmente os que atuam no sistemaeducacional, que uma dasmaiores demandas, senão amaior de todas,é a consolidação e institucionalização de processos de formaçãoinicial (relativa aos processos formativos obtidos na graduação -licenciaturas) e continuada de professores, assegurados por meio depolíticas públicas.

Em função da discussão proposta, a ênfase recairá sobreaspectosqueatendemprincipalmente,mesmoquenãoexclusivamente,aos processos de formação continuada.

A formação continuada pode ser definida enquanto processoeducativo planejado, englobando procedimentos diversos (cursos,eventos, palestras etc.) que asseguram o aprimoramento da práticaprofissional ao longo do seu exercício. Seu objetivo é basicamentequalificar a atuação técnica no mundo do trabalho, tanto em seusaspectos teóricos e reflexivos, quando práticos e metodológicos.

O tema obteve grande destaque a partir da década de 1980,mais enfaticamente na década de 1990, diante da nova configuraçãodas relações de trabalho no mercado e do aumento médio deescolaridade. Nesse contexto, foi defendida por grupos distintos comfinalidades antagônicas.

A visão hegemônica coloca a formação continuada enquanto

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caminho para suprir as deficiências dos profissionais, enfatizando obinômio competência/incompetência. O maior questionamento a estavisão se fundamenta no fato de que entende os problemas existentescomo derivados da má formação das pessoas. Logo, a causadeterminante se localiza nos indivíduos e a solução nos méritos eesforço de cada um. Aqui não há condicionantes sociais e construçãocoletiva de alternativas.

A abordagem crítica do tema entende a educação comodireito inalienável de todos e condição para a realização humana.O foco não se encontra na responsabilização individual, mas nodiálogo, na aprendizagem conjunta e na necessidade de processosformativos que valorizem os sujeitos e sua ação técnica e política. Aênfase é institucional e pública, voltada para a construção coletiva doaprimoramento das práticas sociais.

No caso da educação ambiental, esta segunda abordagem secoaduna com as suas premissas previstas na PNEA.

Assim, com este artigo pretende-se problematizar os rumosda discussão sobre teoria e prática a partir de situações concretasobservadas, afirmando a validade do conceito de práxis para orepensar dos caminhos tomados, e indicando dois aspectos ao finalcomo encaminhamento concreto.

SITUANDO A QUESTÃO TEORIA-PRÁTICA NA EDUCAÇÃOAMBIENTAL

A primeira situação a ser observada é a preponderância de umdiscurso que hipervaloriza a prática, ou que a considera como a únicadimensão válida no enfrentamento dos problemas ambientais, como sea teoria fosse algo secundário diante da urgência dos desafios. É comose não houvesse tempo a perder, cabendo, portanto, a ação rápida edireta para se conter a destruição em curso. Esse discurso aparececom força nas iniciativas de redes e ongs. No caso de projetos voltadospara a formação de professores no espaço escolar, isso de reproduzpor meio de construções de atividades que focam exclusivamente

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no lúdico ou na alteração de um comportamento vinculado a algumanão conformidade de uso (por exemplo, destinação de lixo gerado naescola).

Aqui há, pelo menos, uma questão a ser analisada, partindo-se da premissa de que é consensual de que não há mesmo tempo aperder.

Nossa atividade no mundo não é descolada da materialidadedas relações sociais que nos constituem. Ou seja, agimos sob certascondições socioeconômicas, político-institucionais e culturais quedeterminam7 os sentidos e intencionalidades presentes no momentoda realização prática.

Logo, o fazer por fazer não conduz, necessariamente, àalteração substantiva da realidade, visto que não se pode confundir omovimento dinâmico e complexo do real com superação de relaçõesdeterminantes historicamente instituídas em certas formaçõessocioeconômicas. Mais objetivamente falando, criar algo novonão significa de modo imediato que esse novo seja no sentido desupressão de relações identificadas como expropriadoras e destrutivasda natureza. O novo, dependendo do contexto, pode ser, apenas,a criação de mecanismos menos prejudiciais a certos aspectosambientais (geralmente os estritamente ecológicos) que garantem aperpetuação domodo de produção capitalista, uma vez queminimizamconflitos e garantem o uso prolongado de recursos naturais (FOSTER,2002). E isso é particularmente verdadeiro e recorrente na atualidade,quando se observa a valorização ideológica da ação individualizada edespolitizada reforçando sobremaneira os movimentos privatistas e osmecanismos de mercado (LOUREIRO, 2009b).

Estudos específicos na realidade escolar (DUARTE, 2004)mostram que a prática espontânea, sem a devida reflexão crítica, tende7 Diante das constantes confusões conceituais, esclareço que uma determinação, no sentidomarxista, não é sinônimo de determinismo linear-causal (tese segundo a qual tudo o que acon-tece decorre de condições tais que nada diferente poderia acontecer). Com o uso do conceitode determinação se reconhece que as relações sociais, em contextos históricos específicos,apresentam elementos que em sua dinâmica influenciam o conjunto de modo diferenciado. Ouseja, há tendências e condicionantes que delimitam possibilidades objetivas e que diante daação dos agentes sociais se abrem para o contingente. Há, portanto, nexos causais não-linearese dialéticos (BOTTOMORE, 2001).

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a reproduzir o padrão de relações já vigentes e que são tornados nosenso comum como fatos consumados. Na escola isso é observadonos processos, por vezes sutis, de reprodução dos padrões culturaisburgueses, que são subentendidos como sendo naturalmente válidos,universais e a serem seguidos. Algo que estabelece mecanismosde violência simbólica que legitimam a dominação de classe e opreconceito sobre modos de organização cultural e econômica degrupos que não se enquadram nos ditames do capital (BOURDIEU,2007 e 2005).

Normalmente, isso significa, no campo ambiental, observar queo padrão de expropriação e dominação tende a se reproduzir não maisde forma ecologicamente incorreta, ou seja, incompatível com a morale a conduta socialmente aceita no tratamento da questão, mas dentrode roupagens discursivas verdes, com fortes apelos éticos, pautadosnousode tecnologias limpasenamudançadecomportamento pessoal.Com isso, a justa motivação para o enfrentamento do cenário de crisese fragiliza diante dos efeitos de uma prática ingênua ou confortável deseus agentes promotores, que reproduzem as relações de produção,responsáveis pela degradação que se pretende combater.

Exemplo disso se encontra nas discussões em torno daágua. Mostram-se dados alarmantes que justificam a atenção parao problema e, no momento do encaminhamento, fica-se nas açõespessoais de redução de consumo e na defesa de um olhar respeitoso,ético, para com a água (inegavelmente válidas, mas reducionistas sevistas como principais determinantes). Todo o problema começa e seesgota nesse ponto. É desprezado o fato objetivo, que condiciona adimensão subjetiva e individual, de que, em média, dependendo dopaís e região, mais de 80% da água utilizada para fins humanos o éno processo produtivo (agricultura e indústria), algo que somente éalterado com base na intervenção organizada e coletiva via políticaspúblicas, controle social e mecanismos regulatórios de Estado.

Em resumo, é cabível afirmar que a ação bem intencionada,sem reflexão crítica e conhecimento que a oriente, e sem a vinculaçãodialética entre ação dos sujeitos e condicionantes sociais, não é

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garantia de um futuro melhor.A segunda situação a ser observada remete ao subjetivismo

e ao relativismo, comuns a algumas perspectivas de educaçãoambiental fortemente influenciadas por respeitosas visões místicas(que abordam estritamente o eu e sua inserção no cosmos, como senão existisse a mediação social) ou por posturas filosóficas voltadaspara a experiência pessoal e para a interpretação que os indivíduosfazem do mundo, sendo algumas de cunho irracionalista. O que háde relevante para tais concepções são as vivências de cada sujeitoe como se sente e se realiza aí. Nessa perspectiva, as condiçõesobjetivas produzidas historicamente são irrelevantes quando sealmeja a felicidade, finalidade última da existência humana, e segarante o respeito às culturas. Logo, nesta linha de pensamento, oque vale é a prática, enquanto experimentação pessoal e movimentode autorrealização.

Ora, deve ser lembrado que a felicidade se relaciona àliberdade existencial (ser não somente livre de algo, mas tambémlivre para realizar algo) e à autonomia (condição de decisão livre doindivíduo acerca do que deve fazer). Isso quer dizer que o desejode felicidade se vincula às necessidades humanas (a como e aodireito de satisfazê-las no âmbito de uma determinada organizaçãosocial que define quem tem acesso a o quê) e mais especificamenteà consciência da necessidade. Portanto, não é uma questão deescolher entre o valor subjetivo ou a condição objetiva, ou considerarque a vontade de se viver feliz suplanta as desigualdades, formas deopressão e injustiças. A prática educativa exige a complexa integraçãodessas duas dimensões em seu movimento de mediação dos sujeitosno ambiente e de problematização e atuação prática na realidadesocioambiental. O fato é que liberdade e necessidade formam umpar indissociável da atividade humana na configuração das relaçõessociais, cujas possibilidades individuais se situam no marco de cadasociedade.

Inspirada em Heller, Veiga (1995, p.19) resume bem estadiscussão:

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... a liberdade é sempre liberdade para algo e nãoapenas liberdade de algo. Se interpretarmos a liberdadeapenas como o fato de sermos livres de alguma coisa,encontramo-nos em estado de arbítrio, definimo-nos demodo negativo. A liberdade é uma relação e, como tal,dever ser continuamente ampliada. O próprio conceito deliberdade contém o conceito de regre, reconhecimento,de intervenção recíproca. Com efeito, ninguém pode serlivre se, em volta dele há outros que não o são!

A terceira situação a ser comentada remete ao crescimento doque é denominado na filosofia de teoricismo (VÁZQUEZ, 1997). Esteainda é quantitativamente menos representativo que o praticismo e osubjetivismo na educação ambiental, mas se faz presente de modosignificativo, uma vez que responde a um discurso oriundo de algunsmeios acadêmicos cientificistas e de ambientalistas que adotam fortediscurso idealista e prescritivo, baseado emmodelos a serem seguidospor todos e em qualquer realidade.

O teoricismo não pode ser visto pelo sentido pejorativonormalmente a este associado, mas como uma determinadaconcepção que tem por premissa a convicção de que o mundomaterialnada mais é do que a expressão ou resultado dos sujeitos em suacapacidade racional de agir e produzir e utilizar técnicas. Aqui, tudodepende de conhecimentos, valores, vontades e intenções pessoais.Se desejamos o bem, a vida se tornará boa. Logo, se todos forembons, não há o que temer: a vida será boa e a sociedade harmônica.Quando se age sob princípios racionais balizados cientificamente,torna-se possível fazer a gestão correta do ambiente. Adotadas astecnologias certas, os problemas ambientais estarão sob controle. Écomo se tudo começasse e terminasse no interior de cada um em suaindividualidade e racionalidade, sem mediações.

Em seu aspecto academicamente mais elaborado, o teoricismosignifica dizer que a formulação racional livre pode conduzir ahumanidade à felicidade, algo que tende a estabelecer uma hierarquia

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entre os ilustrados (iluminados) e os populares (sem a racionalidadedesperta).

Na mesma linha de pensamento feita anteriormente, há doispontos a serem considerados para fins de análise.

Primeiro, esta é uma premissa que joga todo o peso nosindivíduos e sua condição racional. Perde-se a relação dialética, demútua constituição, entre o eu e a sociedade no mundo. Este é umponto tão pouco compreendido e tão crucial para quem pretende atuarem educação, enquanto processo social de formação humana, queé importante destacar a significativa e esclarecedora passagem deNetto e Braz (2008, p. 46-47):

Com efeito, o homem não nasce indivíduo social:ao nascer, os homens são puras singularidades;somente no seu processo formativo-social, no seuamadurecimento humano, os homens podem tornar-seindivíduos sociais – isto é, homens singulares que sehumanizam e, à base da socialização que lhes tornaacessíveis às objetivações já construídas do ser social,constroem-se como personalidades inconfundíveis.No seu processo de amadurecimento, e conforme ascondições sociais que lhe são oferecidas, cada homemvai se apropriando das objetivações existentes na suasociedade; nessa apropriação reside o processo deconstrução da sua subjetividade. A subjetividade decada homem não se elabora nem a partir do nada,nem num quadro de isolamento: elabora-se a partir dasobjetivações existentes e no conjunto de interações emque o ser singular se insere. A riqueza subjetiva de cadahomem resulta da riqueza das objetivações de que elepode se apropriar. E é a modalidade peculiar pela qualcada homem se apropria das objetivações sociais queresponde pela configuração da sua personalidade.

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Segundo, supor que o comportamento humano se defineexclusivamente no momento de uma escolha racionalmente feita,com base em conhecimentos e valores válidos, é desprezar que apossibilidade da escolha é socialmente condicionada. Além disso,os comportamentos são ações objetivas no mundo. Logo, qualquerindivíduo pode mudar o comportamento por força de uma necessidadematerial, exigência do Estado ou por imposição de alguém, sem queisso signifique mudança de atitude, ou seja, do sistema de valores everdades constituídos nas atividades cotidianas.

A orientação comportamental é, sobretudo, aquelaque foi incorporada por uma psicologia da consciênciaque aposta em um sujeito racional. Isso significa, porexemplo, considerar o comportamento uma totalidadecapaz de expressar as motivações dos indivíduos eacreditar que é possível submeter a vontade deles eproduzir transformações dessas motivações medianteum processo racional, o qual se passa no plano doesclarecimento, do acesso a informações coerentes eda tomada de decisões racionais, baseadas em umarelação de custo-benefício para o sujeito. Em últimainstância, esta matriz conceitual supõe indivíduos cujatotalidade da ação encontra suas causas na esferade uma racionalidade pragmática, da vontade e daconsciência, em que se situariam também as relaçõesde aprendizagem. Tomar os sujeitos apenas em suadimensão racional consciente implica reduzir a noçãode sujeito à de um ego individual. Com isso, perde-se acomplexidade das determinações da ação humana queestá longe de responder exclusivamente aos ditames daconsciência e da vontade. Entre intenção e o gesto há umuniverso de sentidos contraditórios que a relação causalestabelecida entre avaliação racional e comportamentoestá longe de comportar. É largamente conhecido o

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tema da descontinuidade entre os comportamentos e asatitudes. (CARVALHO, 2004, p. 183).

Por fim, a quarta situação remete a um discurso recorrente naspráticas escolares (PARO, 2007), estabelecido na relação educando-educador, que merece menção: o educando comumente afirma estarsaturado de conteúdos e que gostaria de ter maismomentos de prática;o educador, por sua vez, afirma que o educando não quer estudar e sóse preocupa com questões imediatas.

São justos questionamentos? Em parte sim, mas apenas emparte. Por quê? Porque se fundamentam no que é aparente, semdiscutir a complexidade da relação e do problema.

O equívoco do conteudismo é se pautar na transmissão deconhecimentos sem estabelecer o nexo entre estes e a realidade dosenvolvidos e explicitar as relações causais daquilo que se apresentacomo questão ou tema. Logo, fica o conteúdo por ele mesmo, comose a sua transmissão fosse suficiente para gerar a sua apreensão econsequente mudança de atitude. Ou, o que parece mais grave, comose o ato de transmitir algo fosse, apenas, para fins de cumprimentode uma formalidade do processo educativo. Um rito de passagemsocialmente exigido para a obtenção de uma determinada certificaçãoque autoriza determinada prática. Isso, sem dúvida, deve serdenunciado e superado.

O equívoco do pragmatismo está em se buscar estritamenteos meios para satisfação de necessidades imediatas. Sem elementoscognitivos e teóricos satisfatórios, não há capacidade efetiva dareflexão crítica e autocrítica do que se faz cotidianamente. E como jáfoi dito, sem tal movimento reflexivo, a tendência é agir para reproduziro que está legitimado pela sociedade. Isso é, igualmente, algo a sersuperado, uma vez que limita a capacidade coletiva e individual deintervenção social.

Seguindo à mesma linha de raciocínio utilizada neste trabalho,Saviani (2008, p. 122-123), ao refletir sobre as tendências pedagógicas,critica a polarização feita entre teoria e prática, defendendo o seguinte:

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Na raiz do dilema, está um entendimento da relaçãoentre teoria e prática em termos de lógica formal, para aqual os opostos se excluem. Assim, se a teoria se opõeà prática, uma exclui a outra. Portanto, se um curso éteórico, ele não é prático; e, se é prático, não é teórico.E, na medida em que o professor é revestido do papelde defensor da teoria enquanto o aluno assume a defesada prática, a oposição entre teoria e prática se traduz,na relação pedagógica, como oposição entre professore aluno. No entanto, admite-se, de modo mais oumenos consensual, que tanto a teoria quanto a práticasão importantes no processo pedagógico, do mesmomodo que esse processo se dá na relação professor-aluno, não sendo, pois, possível excluir um dos pólos darelação em benefício do outro. Dir-se-á, pois, que teoriae prática, assim como professor e aluno são elementosindissociáveis do processo pedagógico. Nestes termos,a saída do dilema por um ou por outro de seus pólosconstitutivos revela-se igualmente difícil e, no limite,impossível. Eis por que as duas tendências pedagógicasvigentes na atualidade resultam igualmente incapazes deresolver o dilema pedagógico.

Pelo exposto, observa-se oargumento central do texto: a defesada indissociabilidade entre teoria e prática. Ou melhor, a necessidadeefetiva de se realizar um movimento no

... qual a teoria nega a prática enquanto prática imediata,isto é, nega a prática como um fato dado para revelá-laem suas mediações e como práxis social, ou seja, comoatividade socialmente produzida e produtora da existênciasocial.Ateorianegaapráticacomocomportamentoeaçãodados, mostrando que se trata de processos históricosdeterminados pela ação dos homens que, depois,

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passam a determinar sua ações. A prática, por sua vez,nega a teoria como umsaber separado e autonômo, comopuro movimento de idéias se produzindo uma às outrasna cabeça dos teóricos. Nega a teoria como um saberacabado que guiaria e comandaria de fora a ação doshomens. E negando a teoria enquanto saber separadodo real que pretende governar esse real, a prática fazcom que a teoria se descubra como conhecimento dascondições reais da prática existente, de sua alienação ede sua transformação. (Chauí, 2006, p. 81-82).

E a compreensão da importância desse movimento é um doscomponentes essenciais para a educação ambiental. Mais do queisso, é uma exigência a ser contemplada nos projetos, programas eações e garantida como premissa nas políticas públicas construídasno Brasil.

Contudo, a relação teoria-prática não se esgota como exigênciada educação ambiental. Remete à própria constituição humana emsua distinção na natureza.

Para a abordagem crítica assumida, o que caracteriza aespecificidade do ser social em nós (que se vincula ao ser biológico nadefinição da singularidade humana na natureza) é a atividade criativano mundo, nossa ação intersubjetiva e de transformação pelo trabalho(metabolismo sociedade-natureza), possibilitando a criação de meiosdevidapara satisfaçãodenecessidadesmateriais e simbólicas que, porsua vez, estão sempre sendo recriadas, superadas e complexificadasno âmbito da própria atividade criativa e produtiva (LUKÁCS, 2007).

E aqui surge um conceito amplo que permite entender o comonos constituímos como seres humanos: a práxis.

O QUE É PRÁXIS?

A práxis pode ser entendida como atividade intencionada querevela o humano como ser social e autoprodutivo – ser que é produto

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e criação de sua atividade no mundo e em sociedade. É ato, açãoe interação. É pela práxis que a espécie se torna gênero humano,assim, junto às suas objetivações primárias de ação transformadorada natureza exterior (trabalho), o ser social se realiza nas objetivações(materiais e simbólicas) da ciência, da arte, da filosofia, da religião,entre outros processos comunicacionais e interativos que permitem aprodução da cultura.

A práxis compreende a decisão teórica tanto quanto a decisãoda ação. “Significa um modo de agir no qual o agente, sua ação e oprodutode suaaçãosão termos intrinsecamente ligadosedependentesuns dos outros, não sendo possível separá-los” (CHAUÍ, 2006, p. 23).

Sendo a práxis uma atividade teórico-prática (ideal/material),apresenta-se como atividade subjetiva e como atividade objetiva(exercida sobre uma realidade, independente da consciência acercadesta). Portanto, a práxis caracteriza-se pela ação do indivíduo,mediadopor relações sociais, sobre amatéria, visandoà transformaçãodo “mundo exterior” e, nesse movimento, a transformação do mundointerior. (VÁSQUEZ, 2007).

Com a práxis, a produção do novo torna-se uma dascaracterísticas mais marcantes da atividade realizada pelo Homosapiens. Como diz Lessa (2001, p. 95):

Todo processo de objetivação cria, necessariamente,uma nova situação sócio-histórica, de tal modo que osindivíduos são forçados a novas respostas que devemdar conta da satisfação das novas necessidades a partirdas novas possibilidades. Por isso, a história humanajamais se repete: a reprodução social é sempre enecessariamente a produção do novo.

Por fim, cabe afirmar que o caráter da atividade humana possuium sentido eminentemente prático na garantia da materialização dealgo, posto que a atividade teórica que se opera apenas no pensamentoe que propicia conhecimentos imprescindíveis à transformação da

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realidade, não é em si mesma uma forma de práxis. O equivalentepode ser dito para as representações e significados simbólicosdecorrentes da linguagem. Para que as ideias ganhem materialidadesão necessários agentes sociais que as ponham em ação como umaforça prática. E é nesse movimento dinâmico que a atividade redefinea ideia que, por sua vez, permite a constituição de novos valores esignificados que interferem na prática.

DESAFIOS

Em termos conclusivos, é preciso, inicialmente, entender quea ruptura teoria-prática que tanto afeta a atividade educativa nãocomeça nem termina nesta, como se decorresse de uma insuficiênciacognitiva ou de uma posição idealista dualista. Ela se define nomovimento histórico de intensificação da divisão social do trabalho, daapropriação privada dos meios de produção (natureza, instrumentosetc.) e dos produtos do trabalho humano, que legitima a hierarquiaentre trabalhos manuais e intelectuais e esfacela a compreensão dacadeia produtiva como um todo, como mecanismo de reprodução dasrelações desiguais de poder, de expropriação no uso e acesso ao queé preciso para a realização pessoal.

Tal característica do capitalismo é única, sem equivalente,na história das formações socioeconômicas humanas e estrutura opadrão civilizatório dominante nos últimos séculos – que, deve serdito, é o primeiro a se mundializar, em um movimento de eliminação e/ou subordinação de outras organizações sociais antagônicas a esta.

O resultado de tal dinâmica material, naquilo que interessadiretamente à educação ambiental, é: (1) o primado da razãoinstrumental sobre a racionalidade emancipatória; (2) da teoria (maisadequadamente da atividade intelectual) sobre a prática; (3) da mentesobre o corpo; (4) do uso da ciência para o desenvolvimento e aplicaçãoda tecnologia, visando ao aumento da eficiência produtiva para fins deacumulação e não para a proteção à vida e a garantia da dignidadehumana; e (5) à utilização da escolarização como mecanismo de

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perpetuação das desigualdades de classe.Certamente, saber disso não pode significar ficar passivamente

esperando que um dia tudo mude para poder se fazer algo ou que umacatástrofe acabe com nossa espécie. É preciso agir para transformareste cenário, mas com consciência das contradições em que se estáimerso e dos limites e potencialidades institucionais e pessoais emcada ação.

Assim, seguem dois pontos considerados relevantes paraa educação ambiental, entre outros que poderiam ser pensados eindicados, como meio para estimular a reflexão do leitor.

Existe a compreensão de que o principal é superar as práticasque comumente começam e terminam em si mesmas, procurandoarticular as ações a políticas públicas que garantam a efetividadeinstitucional e legal dos processos educativos instaurados.

Não se pode pensar, por exemplo, em formação de professoresapenas por meio de horas de curso dadas e metodologias lúdicas eparticipativas utilizadas. A concretização da educação no sistemaeducacional depende de aspectos cognitivos e de sensibilizaçãoindividual, mas também de uma capacidade concreta de intervençãonaquilo que é estruturante da educação. Assim, não cabe fomentara formação de professores sem pensar em organização curricular,gestão escolar, carga horária docente em sala de aula e para estudose planejamento integrado, projeto político-pedagógico, e no papel quecumpre cada etapa da escolarização no atendimento das demandassociais e de mercado.

Mais claramente falando, ampliar a formação deve gerarconcomitantemente a mobilização de educadores ambientais juntoaos trabalhadores da educação na estruturação de políticas públicasque assegurem uma educação universalmente acessível a todos,enquanto direito inalienável do ser humano.

Um segundo ponto que merece destaque é de conteúdoe método. É preciso criar tensionamentos internos aos processoseducativos ambientais, levando educadores e educandos àconstante problematização e reflexão, por meio da contextualização

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e historicização dos temas escolhidos. Normalmente, os temasambientais são tratados pela órbita das responsabilidades pessoaise do apelo moral. Não se abordam as condicionantes econômicase culturais da questão selecionada e, portanto, não se problematizaa realidade, tampouco se permite uma mobilização coletiva queinterfira em espaços e políticas públicas que podem reverter osprocessos destrutivos. Isso não significa dizer que o tratamento dequalquer questão ambiental deva ser estritamente pelo olhar políticoe coletivo, mas sim que este é indispensável para nossas opçõesindividuais. Em outros momentos, já foi dito: tratar a água, como casoque serve de ilustração, só pelo plano do respeito e do uso racionalindividual e responsável, é abstrair a temática daquilo que a tornaum problema real a ser enfrentado em seus conflitos concretos entreagentes sociais. Só se pensa na água como problemática desafiadoraporque, efetivamente, há usos e apropriações que geram escassez,poluição, destruição de nascentes, desigualdade de acesso etc. Logo,a dimensão ética e pessoal está atrelada à econômica e política quedeterminam as condições em que se encontra a água na atualidade,sua gestão para fins de uso humano e possibilidade de uso não-humano.

São propostas difíceis de concretizar? Em certa medida sim,mas não por serem teórico-metodologicamente complicadas e simpelo tipo de enfrentamento exigido e de posicionamento favorável a umprojeto societário voltado à emancipação e à superação do capitalismo.Quando se complexifica e se politiza a ação, dando-lhe materialidade,em um sentido crítico e comprometido com a vinculação da práticacom as lutas sociais antissistêmicas, interesses antagônicos sãoatingidos e, evidentemente, há tensionamentos e conflitos entre forçassociais que se expressam institucionalmente. Além disso, objetivar atransformação exige que cada sujeito saia de sua zona de confortoe supere o discurso da mudança interior como única via, o que nemsempre é fácil e mesmo desejado. Estes são aspectos que precisamser considerados com realismo em qualquer atividade educativa.

Uma educação ambiental que procure promover a práxis

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emancipadora enquanto meio de transformação objetiva de nossasrelações na natureza é um desafio e uma exigência para aqueles quebuscam a concretização de uma sociedade socialmente justa quegaranta o ambiente como bem comum e a proteção ecológica comoexigência ética e de sobrevivência.

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LEITURAS AMBIENTAIS UM EXERCÍCIO EAPRENDIZADO COTIDIANOMônica Ângela de Azevedo MeyerFaculdade de Educação da UFMG

O velho arraial do Curral Del Rei de 1890 com 172 casas, 16estabelecimentos comerciais, 31 fazendas, 40 fábricas de farinha e16 engenhos de cana escolhido para sediar a nova capital mineiranão existe mais. Como um tabuleiro de xadrez, o projeto urbano doengenheiro Aarão Reis traçou ruas, avenidas, praças, edifícios emoradias e o empreendimento de 841.666 mil réis deu uma versãomoderna a cidade. Belo Horizonte desabrochou e cresceu além doslimites da Avenida do Contorno.

Em 1976, Carlos Drummond escreveu Triste Horizonte e sedespediu de Belo Horizonte, onde nunca mais retornou. Mais de trêsdécadas se passaram e a brutal Belo Horizonte se empavona sobre ocorpo crucificado da velha-nova capital das alterosas. O poema é ummanifesto de amor à cidade e as impressões do poeta ultrapassamuma visão saudosista, bucólica e romântica.

A jovem BH de Drummond e de outros escritores mineiros quepartilharam idéias e emoções subindo e descendo a Rua da Bahianão existe mais. O tapete verde formado com a copa de 350 fícus quecobria a Avenida Afonso Pena, os bondes e elétricos que circulavamde um bairro a outro, as brincadeiras no meio da rua, as janelas semgrades, muros sem arame farpado, sem cerca elétrica são retratos naparede.

Não desejo esquecer para lembrar. Quero lembrar o passadopara entender e mudar o presente e assim projetar o futuro. A leituradesse poema é um convite para exercitar o olhar sobre o cotidiano,aprender a ver e relacionar com a cidade numa perspectiva ecológicae sustentável, estimular e incrementar práticas pedagógicas paraconhecer, interpretar, transformar e amar a cidade e o lugar onde sevive.

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TRISTE HORIZONTE

“Por que não vais a Belo Horizonte? A saudade cicia e continuabranda: Volta lá. Tudo é belo e cantante na coleção de perfumes dasavenidas que levam ao amor, nos espelhos de luz e penumbra ondese projetam os puros jogos de viver. Anda! Volta lá, volta já. E eurespondo, carrancudo: Não. Não voltarei para ver o que não mereceser visto, o que merece ser esquecido, se revogado não pode ser. Nãoo passado cor-de-cores fantásticas, Belo Horizonte sorrindo púber enúbil sensual sem malícia, lugar de ler os clássicos e amar as artesnovas, lugar muito especial pela graça do clima e pelo gosto, que nãotem preço, de falar mal do Governo no lendário Bar do Ponto. Cidadeaberta aos estudantes do mundo inteiro, inclusive Alagoas, “maravilhade milhares de brilhos vidrilhos” mariodeandrademente celebrada.Não, Mário, Belo Horizonte não era uma tolice como as outras. Era umaprovinciana saudável, de carnes leves pesseguíneas. Era um remanso,era um remanso para fugir às partes agitadas do Brasil, sorrindo doRio de Janeiro e de São Paulo: tão prafrentex, as duas! E nós lá:macio-amesendados na calma e na verde brisa irônica...Esquecer,quero esquecer é a brutal Belo Horizonte que se empavona sobre ocorpo crucificado da primeira. Quero não saber da traição de seussantos. Eles a protegiam, agora protegem-se a si mesmos. São José,no centro mesmo da cidade, explora estacionamento de automóveis.São José dendroclasta não deixa de pé sequer um pé-de-pau ondeamarrar o burrinho numa parada no caminho do Egito. São José vaientrar feio no comércio de imóveis, vendendo seus jardins reservadosa Deus. São Pedro instala supermercado. Nossa Senhora das Dores,amizade da gente na Floresta, (vi crescer sua igreja à sombra do PadreArtur) abre caderneta de poupança, lojas de acessórios para carros,papelaria, aviário, pães-de-queijo. Terão endoidecido esses meussantos e a dolorida mãe de Deus? Ou foi em nome deles que pastoresdeixam de pastorear para faturar? Não escutem a voz de Jeremias (e

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é o Senhor que fala por sua boca de vergasta): “Eu vos introduzi numaterra fértil, e depois de lá entrardes a profanastes. Ai dos pastores queperdem e despedaçam o rebanho da minha pastagem! Eis que osvisitarei para castigar a esperteza de seus desígnios”. Fujo da ignóbilvisão de tendas obstruindo as alamedas do Senhor. Tento fugir daprópria cidade, reconfortar-me em seu austero píncaro serrano. Delá verei uma longínqua, purificada Belo Horizonte sem escutar o rumordos negócios abafando a litania dos fieis. Lá o imenso azul desenhaainda as mensagens de esperança nos homens pacificados - os docesmineiros que teimam em existir no caos e no tráfico. Em vão tento aescalada. Cassetetes e revólveres me barram a subida que era alegriadominical de minha gente. Proibido escalar. Proibido sentir o ar deliberdade destes cimos, proibido viver a selvagem intimidade destaspedras que se vão desfazendo em forma de dinheiro. Esta serra temdono. Não mais a natureza a governa. Desfaz-se, com o minério, umaantiga aliança, um rito da cidade. Desiste ou leva bala. Encurraladostodos, a Serra do Curral, os moradores cá embaixo. Jeremias meavisa: “Foi assolada toda a serra; de improviso derrubaram minhastendas, abateram meus pavilhões. Vi os montes, e eis que tremiam.E todos os outeiros estremeciam. Olhei terra, e eis que estavavazia, sem nada nada nada”. Sossega minha saudade. Não mecicies outra vez o impróprio convite. Não quero mais, não querover-te, meu Triste Horizonte e destroçado amor” (ANDRADE,1977).

A graça do clima, bem que não tem preço, alterou ao longodos anos e o número de veículos automotores congestionou o tráfegosacrificou o fícus e outras árvores das avenidas e consequentementedeteriorou a qualidade de vida. Em 1963, quando a população giravaem torno de 900 mil habitantes, foram emplacados 42 mil veículos,cerca de um carro para cada 21 citadinos (apud DUARTE, 2007). Emoutubro de 2009, a frota de veículos em Belo Horizonte contabilizava1.205.415, trinta vezes mais, um salto assustador que representaa terceira maior frota do país (Departamento Nacional de Transito-Denatran). As capitais São Paulo e Rio de Janeiro ocupam o primeiro

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e segundo lugar com 6.105.954 e 1.932.327 veículos respectivamente,mas em termos proporcionais BH bate o recorde com um carro paracada dois habitantes. No mês de fevereiro deste ano, o Ministro daFazenda, Guido Mantega destacou que a indústria automobilísticateve o melhor desempenho na história, vendeu 211.433 unidades, ehá uma previsão de 310 mil unidades de veículos para março (jornal OTempo, 03 de março de 2010).

Nesse mar de carros, a maioria da população da capital mineira(40%) utiliza o transporte coletivo que corresponde apenas 10% dafrota total. A lentidão dos ônibus, passagem cara, conforto limitadojustificam parcialmente a preferência pelo transporte individual. Apolítica de incentivo ao carro, o aquecimento do mercado com IPIreduzido, o sonho dourado pelo último modelo alimentam a indústriade veículos automotores que maltratam a cidade e a coletividade sofrecom o congestionamento do tráfego, com a poluição atmosférica ecom o altíssimo índice de acidentes.

Nesse mar poluído de carros, nosso país é o campeão mundialem mortes de transito. Segundo dados do Ministério da Saúde, em2008 morreram 36.666 pessoas, o equivalente a 100 mortes por dia.Nos últimos sete anos, as vítimas somaram 247.722, quatro vezes onúmero de mortos na guerra do Iraque (62 mil pessoas). Minas Geraissai na frente como o estado recordista em acidentes fatais (3.723mortos em 2007, 3.682 em 2008) (BETTO, 2010).

O patrimônio arquitetônico modificou radicalmente, a cidadehorizontal e vergel verticalizou-se. As casas com quintais carregadosde árvores frutíferas e jardins com coleção de perfumes foramdemolidas e substituídas por uma seqüência de edifícios perfiladosde arranhar o céu. A especulação imobiliária explodiu e o patrimôniocaiu em tentação nas mãos das empreiteiras e construtoras. Santose pastores se renderam ao comércio de imóveis, estacionamento deveículos, à mídia, deixando de pastorear para faturar.

A visão ingênua de uma natureza intocável se contrapõe àssituações cotidianas. A natureza é um bem natural, matriz de vida e deexistência de todos os seres vivos, fonte cultural dos seres humanos

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que reinventam o universo de acordo com seus valores étnicos,tradições e rituais. O trabalho e a cultura fazem a mediação com anatureza que se transforma em bem patrimonial da humanidade.Quando a exploração desse patrimônio excede às necessidadesbásicas vitais materiais e imateriais dos seres humanos e tem comometa a apropriação privada da riqueza, com geração de lucro e poder,o bem natural passa a ser mercadoria, essência do capitalismo.

O rumor dos negócios expõe que a natureza não governa maisos bens naturais. As serras têm dono, as matas têm dono, o oceanotem dono... E os poderosos avançam difundindo suas idéias commãosde ferro e aço para aquecer a economia, ampliar o desejo fugaz deconsumo e engordar os lucros. A Petrobrás e a Vale do Rio Doce sãoas duas maiores empresas brasileiras que exploram os bens naturaispetróleo, gás e minério, grande parte exportada para a China e os EUArespectivamente. No terceiro lugar estão os Bancos comandando aciranda financeira (Almanaque Abril 2009 p.92 e 99). A recente crisefinanceira mostrou que diante da ameaça de quebra dos bancos, osgovernos das nações ricas canalizaram fortunas – um total de US18trilhões para os bancos responsáveis pela crise (BETTO, 2009). Numasociedade desigual a riqueza é apropriada e concentrada em poucasmãos.

A graça do gosto, bem que não tem preço, deteriorou e a brutalBH com 2.412.937 habitantes de acordo com PNAD 2007 mudourápida e radicalmente. O Brasil em (des)ordem com o progressocresce. Em 2000, o censo registrava 169.799.170 habitantes, sendo81% residentes nos centros urbanos. Quantos serão no censo de2010? Segundo dados do IBGE de 2007, o Brasil possuía 55.544.971domicílios, a maioria (84,3%) servida com rede geral de abastecimentodeáguaeapenas51,4%comfiltro deágua.Apenas52%dosdomicílioscontavam com rede geral de esgoto e predominantemente na áreaurbana. Cabe enfatizar que esse valor refere-se a existência de redecoletora de esgoto sem submeter ao tratamento adequado dos dejetoshumanos. A comparação com os índices de anos anteriores mostraque houve baixíssimo investimento governamental em saneamento. O

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mar, os rios e lagoas continuam recebendo uma carga alta de esgotosalém de resíduos industriais e agrícolas. O paradigma da lucratividadeperde para o da sustentabilidade.Amobilização e organização tênue dacomunidade ainda não são suficientes para mudar radicalmente essequadro. Há dois anos BH começou operar a Estação de Tratamentode Esgoto-ETE-Arruda. Até então, ele era lançado in natura no rio dasVelhas, bacia do rio São Francisco.

Eu vim aqui foi pra falar de bosta, de gente e de bichoe de mãos dadas com Nhô Constanço, personagem deBenito Barreto (1974) peço com perdão da palavra asvossas licenças e digo: tem aí uns filhos da comarca quetão fazendo coisa já de delongadas datas, despejandona água boa deste rio... Agora vosmicês todos prestematenção que eu não quero ver mais riso ou arreganhos deninguém, todos tratem de ouvir e me escutar.... eu ponhoé que a pispiar de abril, eu Nhô Constanço, vou cagar deporta em porta minha bosta em todas essas casas queeu tou falando pra parar com esta vergonha de sujar orio nosso..(acrescento as calçadas). Ninguém mais rira egrande veio a ser o movimento nos quintais aquele mês.Cada uma tratava de cavar sua sentina, comprava cal edava do fato ciência ao mundo (Barreto, 1974).

Contraditoriamente, o Brasil com níveis baixos de saneamentoaquece o mercado de consumo de aparelhos eletros-domésticos. Comapetite voraz e IPI reduzido, compra geladeiras, televisões, celulares,computadores e impressoras. Recente relatório do Programa dasNações Unidas para o Meio Ambiente-PNUMA aponta o aumentoda produção mundial de lixo eletrônico estimada em 40 milhões detoneladas. Ao mesmo tempo em que reconhece que os paises ricossão os principais responsáveis, faz um alerta para a explosão doconsumo eletrônico nos paises emergentes como Brasil, México,Índia e China, sem nenhuma estratégia para lidar com a geração de

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lixo eletrônico. Apesar do Brasil não contar com dados sobre esseassunto, a estimativa do PNUMAmostra que o país ocupa o segundolugar entre os emergentes ao abandonar por ano 96,8 mil toneladasmétricas de computadores, 115 mil toneladas de geladeiras, 17,2 miltoneladas de impressoras, 2,2 mil toneladas de celulares e o lixo deaparelhos de TVs 0,7quilos por pessoa ao ano. Com IPI reduzido eàs vésperas da copa do mundo a tendência é aumentar o consumo(Jornal Estado de Minas, 23 de fevereiro de 2010).

Doces mineiros, doces bárbaros brasileiros que teimamexistir no caos. Há necessidade urgente de mudança de posturapolítica e de paradigma. Metaforicamente cada um deve cavar suasentina, responsabilizar-se pelo espaço público como um bemcoletivo. Apropriar da cidade, ter co-responsabilidade pelo patrimôniohistórico, arquitetônico e cultural. Mudar a postura de lamentar,reclamar, esperar e passar a cobrar e exigir do legislativo, executivo ejudiciário as reformas básicas e o cumprimento da lei sem incentivar odespotismo, sem incrementar a corrupção e o comportamento de levarvantagem em tudo. Sustentar outra possibilidade de desenvolvimentocom envolvimento. A cidade precisa de um constante e zeloso olhar docidadão, o bempúblico e o patrimônio natural pertencemà coletividade.

O olhar de Drummond numa perspectiva temporal revelauma relação de intimidade e cumplicidade com a cidade construídadiuturnamente. Como um tecido que se esgarça ao longo do tempo,o poeta não encontra os fios de identidade com Belo Horizonte, e acidade perde seu amante e ganha o poema. Aquela cidade saudável,de carnes leves pesseguíneas que moldaram o jovem Itabirano passaa ser uma tatuagem na memória, um retrato na parede e como dói!

Perceber e interpretar a cidadenessaperspectiva dapluralidadedos significados é um exercício fundamental para compreendê-la comoum organismo vivo, em contínuo processo de transformação. Reduzi-la a um cenário, paisagem ou recurso implica excluir sua condição desujeito.

Michel Serres (1991) ao rever o contrato dos seres humanoscom o mundo natural afirma que a cultura ocidental formou uma idéia

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local, vaga e cosmética da natureza tantas vezes vista apenas comoum cenário. Para o filósofo a natureza se conduz como um sujeito.Buscar conduzir a cidade como um sujeito ultrapassa a dimensãorestrita de espaço urbano, um conjunto de habitações com infra-estrutura e serviços. Na convivência nasce uma intimidade, emerge ouniverso simbólico e uma rede de significados cria laços de afetividadecom a cidade. É preciso aprender a gostar do lugar onde se vive. Épreciso o estranhamento constante para romper com o olhar que seacostuma com o cotidiano.

Na correria diária, a rotina esconde aquilo que se vê. Nãohá tempo para uma pausa, uma contemplação, uma interpretação.Atitudes, comportamentos e ações traduzem uma relação superficialcom a cidade, muitas vezes restrita ao uso dos serviços sem ocompromisso de cuidado e respeito com o patrimônio natural ehistórico. As definições de progresso, qualidade de vida, morar bemganham diferentes contornos e se contorcem na trama do tecido social.O desconhecimento e a desconsideração dos processos ecológicoscausam impactos ambientais que repercutem na coletividade. Maso que é o tempo? Uma construção humana medida e marcadapela máquina-relógio. Este tempo socio-histórico aproxima, afasta,contrapõe ao tempo da natureza regido pelo tempo geológico,biológico, ecológico.

Até aquela ocasião, eu nunca tinha ouvido dizer de separar apreciando, por prazer de enfeite, a vida meradeles pássaros, em seu começar e descomeçar dosvôos e pousação. Aquilo era para se pegar a espingardae caçar. Mas o Reinaldo gostava – É formoso próprio -ele me ensinou. Do outro lado, tinha vargem e lagoas.P’ra e p’ra, os bandos de patos se cruzavam -Vigia comosão esses… Eu olhava e me sossegava mais. O soldava dentro do rio, as ilhas estando claras - É aquele lá:lindo! Era o manuelzinho-da-croa, sempre em casal, indopor cima da areia lisa, eles altas perninhas vermelhas,

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esteiadas muito atrás traseiras, desempinadinhos,peitudos, escrupulosos catando suas coisinhas paracomer alimentação. Machozinho e fêmea - às vezesdavam beijos de biquinquim - a galinholagem deles –É preciso olhar para esses com um todo carinho... – OReinaldo disse. (ROSA,1980,p.111).

É preciso olhar para a prática pedagógica com um todo carinho.A vida acadêmica literalmente passou a ser feita em carreira. Mas oaprender não se faz em carreira, não se pega a espingarda e caça,requer tempo, ritmo, paciência, observação, descoberta, paixão...A descrição do casal Manoelzinho-da-croa revela um processo deaprendizagem formoso próprio, de respeito e delicadeza. GuimarãesRosa convida o leitor apreciar, por prazer de enfeite e exercitar o olharde dentro para fora e de fora para dentro, ser-tão natureza. E com essemovimento conduzir um aprendizado para formação de um sujeito.

De noite, se é de ser, o céu embola um brilho. Cabeça dagente quase esbarra nelas. Bonito em muito comparecer,como o céu de estrelas, por meados de fevereiro! Mas,em deslúa, no escuro feito, é um escurão, que pêia epéga. É noite de muito volume. (ROSA, 1980, p. 27).

A beleza desse céu descrito por Guimarães Rosa, derramadode estrelas pela via Láctea, só é possível de se apreciar em lugaresafastados dos centros urbanos. O excesso de luz da cidade ocultou obrilho das estrelas. A metrópole não suporta mais a escuridão com aboca da noite escancarada onde habitam vilões, ladrões, corruptos eestupradores que devoram a tranqüilidade dos cidadãos. A metrópolenão suporta mais a claridade do dia onde habitam vilões, ladrões,estupradores, corruptos... Paradoxalmente os postes de iluminaçãocegam e a comunidade perde a capacidade de aprender a olhar ofirmamento. O Observatório Astronômico da UFMG brilha na Serra daPiedade, a 47 km de Belo Horizonte. Os telescópios que namoram emapeiam o Universo pelo céu de Minas aprendem na escuridão. Mas

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muitos professores e alunos da Universidade nunca subiram a serrae ficam cegos pelo excesso de luz-escuridão das salas de aulas. Aformação vai perdendo o brilho para a informação, para a correria...

O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era aimagem de um vidro mole que fazia uma

volta atrás de casa.Passou um homem depois e disse: Essa volta que o riofaz por trás de sua casa se chama enseada. Não eramais a imagem de uma cobra de vidro que fazia uma

volta atrás de casa.Era uma enseada.

Acho que o nome empobreceu a imagem.(BARROS,2000)

A enseada desencantou a cobra de vidro mole. Mais do queempobrecer a imagem empobreceu a ciência. O poema de Manoelde Barros denuncia o conhecimento técnico-acadêmico, que aodesconsiderar o universo dos significados proporciona um sabermutilado, capenga, empobrecedor. Numa natureza (des)encantadanavega uma diversidade de seres humanos, iguais e diferentes: homosapiens, homo demos, homo ludens, homo faber...

A cidade ao ser percebida como outro sujeito exige repensaro seu próprio conceito. O outro não se restringe ao ser humano, umaidéia filosófica francesa dominante na década de 60, o outro incorporaas águas, ar, terra, bactérias, algas, o buriti nas veredas, o tamanduábandeira no cerrado, o quintal, a árvore de frente da casa... Para LucFerry é chegado o tempo dos direitos da natureza, depois das crianças,das mulheres, dos negros, dos índios, até dos prisioneiros, dos loucosou dos embriões (apud SANT’ANNA,2009).

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MAPEAMENTO AMBIENTAL E O APRENDER ALÉM DASQUATRO PAREDES

Demãos dadas comCarlos Drummond, JoãoGuimarães Rosa,Benito Barreto, Manoel de Barros procuro abrir e alargar horizontespara que se possa conhecer o lugar onde se vive e ao mesmo temporepensar o conteúdo escolar, a prática pedagógica e a formaçãoacadêmica.

Demãos dadas com esses escritores faço um inventário parcialda realidade brasileira para construir um mapa ambiental além dassalas de aula e dos muros da escola. Este tem sido o meu saber-fazere minha contribuição neste Seminário.

A ciência, ao fragmentar o conhecimento em diversas áreasdo saber, criou compartimentos estanques para uma multiplicidadede conteúdos e desvinculou a prática educativa dos espaços sócio-culturais. Ao mesmo tempo em que foi possível apreender, identificar,nomear e classificar o mundo natural em categorias perdeu-se a visãodo todo, de um imbricamento e interação entre as partes (MEYER,2008).

O projeto além das quatro paredes surgiu com o objetivo decontribuir para uma formação profissional e cidadã. Um saber-fazerque proporcionasse a) vivenciar situações para repensar concepçõesde educação e práticas pedagógicas; b) subsidiar uma reflexãosistemática sobre o conteúdo de ciências e biologia; c) refletir sobre afunção social do ensino d) exercitar uma leitura e análise da realidadeambiental d) desencadear umprocessodeaprendizadoque resgatassea alegria e o prazer do conhecimento.

O Mapeamento Ambiental (MEYER, 1991) é um inventáriopara ajudar a identificar e analisar as relações sociais e culturaistecidas no ambiente da casa, do trabalho, da escola, do lazer, doscultos religiosos. Neste traçado de redes, os conteúdos programáticosemergem contextualizados e dão sentido o aprender.

Além de uma ferramenta metodológica é um processode aprendizagem contínuo que exercita a leitura do ambiente, a

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compreensão dos processos sócio-históricos articulados com osprocessos ecológicos (LEFF, 1986) e a valorização da cultura. Oaprender além das quatro paredes implica sair da sala de aula, ir parao pátio, rua, praça, conhecer a cidade.

A percepção e a interpretação ambiental são fundamentaiscomo instrumento que possibilita o sentir, descobrir e apreender acidade. Partilho com Paulo Freire (1983) que a leitura do ambienteprecede a leitura da palavra e a leitura da palavra deve permitir relero ambiente. Neste exercício duplo de leitura emerge registros dehistórias de vida, da ciência e da tecnologia. Marcos Reigota (2008)enfatiza o potencial pedagógico das trajetórias e narrativas de vida e anecessidade de considerar a práxis tanto nos processos de formaçãoquanto de elaboração e execução de políticas públicas.

Sociedade, cultura e natureza não se separam. A relação queos grupos sociais vão estabelecendo com o mundo natural é múltiplae varia diacronicamente sendo responsável pela elaboração deum conceito dinâmico e de um ambiente em contínuo processo detransformação. Desta maneira, não existe uma única natureza nemuma natureza natural, intocada; a natureza continuamente vem seconstruindo pela inserção do elemento humano como parte do mundonatural e como produtor de cultura (GONCALVES, 1989, MEYER,2008).

Para Edmund Leach (1985) a interação do ser humano como ambiente difere radicalmente da interação que outros animais têmcom a natureza pôr dois aspectos básicos - consciência e ação. Aconsciência humana permite distinguir entre percepção e conceito, aação humana é determinada pela escolha e intenção e depende, entreoutras coisas, da maneira de como apreendemos e representamosa organização do ambiente. Uma multiplicidade de percepções -possibilitada pela complexidade do ambiente - adquire significadospróprios de acordo com os valores sócio-culturais. Ainda segundoLEACH (1985:14)

quando “pensamos” e, sobretudo, quando exprimimos os

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nossos pensamentos empreendendo ações que impõemmodificações no ambiente, simplificamos drasticamenteo fluxo da nossa experiência direta. Antes de mais,segmentamos as nossas percepções, o que faz comque “vejamos” o mundo exterior como constituído porcoisas separadas; depois, classificamos essas coisasem categorias, impondo assim uma ordem artificial,extremamente arbitrária e segmentada, ao universocaótico da experiência sensorial imediata.

O ser humano ao expressar as percepções sensoriais darealidade apreendida, registrada e codificada faz uma distinçãoe simplificação do fluxo da experiência direta. O que é percebidointegrado passa a ser organizado, classificado e ordenado em partes.Desta forma, pensar, falar e agir são três características humanasque reordenam de forma simplificada, segmentada e artificial omundo exterior. Dois aspectos humanos fundamentais se destacame se distinguem nessas afirmações - uma percepção integrada e umaexpressão desse sentimento dissociado do todo. Os constituintes danatureza, reino animal, vegetal e mineral, se entrelaçam na grande teiada vida, porémquando referimosaeles, apresentamo-los isoladamentereordenando-os em categorias que têm significados para nós.

A condição de sujeito e de igualdade com os demais seres namaioria das vezes não é levada em consideração. Estabelecer com anatureza um contrato natural aparece como uma necessidade urgenteneste século, que nos obriga rever a posição antropocêntrica e ocontrato com a natureza. Economia e ecologia devem se alinhar naprocura de outros estilos de consumo e principalmente novos modose valores de vida. O mapeamento ambiental além das quatro paredesentrelaçado à cultura tem sido um exercício de razão e sentimento,uma prática pedagógica que abre outras perspectivas para entendero ser-tão e tecer atitudes e compromissos de sustentabilidade em queo produto interno bruto lapidado seja qualidade de vida para todos.

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REFERÊNCIAS

ANDRADE, Carlos Drummond. Triste Horizonte. In: Discurso deprimavera e algumas sombras. Rio de Janeiro, José Olympio, 1977.

BARRETO, Benito. Mutirão para matar. Belo Horizonte: EditoraInterlivros, 1974

BARROS,Manoel. XIX.O livro das ignoranças. Rio de Janeiro: Record,2000

BETTO, Frei. Estradas brasileiras – destino: morte. Jornal Estado deMinas, 14 de janeiro de 2010, Cultura, p.8.

BETTO, Frei. Apocalipse agora. Jornal Estado de Minas, 10 dedezembro de 2009, Cultura, p.10.

DUARTE, Regina Horta. A sombra dos fícus: cidade e natureza emBelo Horizonte. Ambiente&Sociedade. Campinas, vol.10, julho/dezembro 2007.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que secompletam. São Paulo, Cortez: Autores Associados, 1983.

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os (des)caminhos do meioambiente. São Paulo: Contexto, 1989.

Jornal Estado de Minas. Campeão de lixo eletrônico. Belo Horizonte,23 de fevereiro de 2010.

Jornal O tempo. Melhor fevereiro da história. O TEMPO. BeloHorizonte, 03 de março de 2010, p.10.

LEACH, Edmund. Anthropos. In: ENCICLOPÉDIA Einaudi. Portugal:Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985, v.5, p.11-66.

LEFF, Enrique. Ecologia y capital: hacia una perspectiva ambiental dedesarollo. Mexico: Universidad Nacional Autónoma de Mexico, 1986.

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MEYER, Mônica. Ser-tão natureza – a natureza de Guimarães Rosa.Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

MEYER, Mônica. Educação ambiental: uma proposta pedagógica.Em Aberto. Brasília: INEP-MEC, ano 10, n. 49, jan./mar. 1991. P. 41-46. Disponível rede: www.rbep.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/758/679

MEYER, Mônica. Educação ambiental com Guimarães Rosa.Presença Pedagógica. Belo Horizonte: Editora Dimensão, v.12, n.70,jul./ago. 2006 Disponível rede: www.presencapedagogica.com.br/capa6/artigos/70.pdf

REIGOTA, Marcos. Educação ambiental: utopia e práxis. MarcosReigota e Bárbara Heliodora Soares do Prado. (organizadores). SãoPaulo: Cortez, 2008 (coleção cultura, memória e currículo: v.8)

ROSA, Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: NovaFronteira, 1984

SANT’ANNA, Affonso Romano. Advogando em causa própria. Estadode Minas. Belo Horizonte, 20 de dezembro de 2009, Cultura, p.8.

SERRES, Michel. O contrato natural. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1991.

SITES PESQUISADOS

http://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_estados_do_Brasil_por_frota_de_ve%C3%ADculos

http://www.descubraminas.com.br/destinosturisticos/hpg_pagina.asp?id_pagina=705&id_pgiSuper=

http://noticias.uol.com.br/especiais/transito/2008/06/13/ult5848u32.jhtm

http://www.ibge.gov.br

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PARTE II

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS:CONVERGÊNCIAS E TENSÕES NO CAMPO DA

FORMAÇÃO E DO TRABALHO DOCENTE

Eduardo Fleury MortimerOrlando Gomes de Aguiar Junior

Organizadores

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APRESENTAÇÃO

Este livro traz os textos produzidos para subsidiar asapresentações do sub-tema Educação em Ciências no XV ENDIPE,Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino. Para este temaforam organizados três simpósios. O primeiro deles discutiu astendências e perspectivas na formação do professor de ciências danatureza. O segundo tratou dos encontros e desencontros entre a pós-graduação em Educação e Ensino de Ciências e as licenciaturas naárea. E o terceiro discorreu sobre como o uso da linguagem científicae da linguagem comum nas aulas de Ciências da Natureza pode levara formação de professores pelo diálogo.

O primeiro tema é abordado em quatro textos que tratam dediferentes perspectivas de formação do professor de ciências danatureza. No texto de abertura, Alternativas Didáticas para a FormaçãoDocente em Química, Roseli Schnetzler argumenta que o domínioda matéria a ensinar, ou a capacidade do professor em reelaborarpedagogicamente conhecimentos químicos e desta forma promovera aprendizagem de seus alunos, é a essência da constituição do serprofessor de Química. Para promover a formação deste professor,Roselipropõequesejamdesenvolvidasaçõeseprogramasdeformaçãocontinuada de formadores, com a presença conjunta de professoresuniversitários de Química que atuam em cursos de licenciatura e a depesquisadores da área de Educação Química. Só dessa forma poderiaser superado o modelo tradicional de formação docente, pautado naracionalidade técnica. Essemodelo se caracteriza essencialmente pelaausência de integração entre os componentes curriculares específicos(disciplinas ofertadas pelo Departamento ou Instituto de Química) epedagógicos (disciplinas oferecidas pelo Departamento ou Faculdadede Educação), pela dicotomia teoria-prática e pela formação técnicacentrada na resolução de problemas profissionais pela mera aplicaçãode teorias e procedimentos aprendidos na formação inicial. No modeloproposto por Roseli, os formadores precisariam demonstrar exemplosde modelos de aula fundamentados em alternativas didáticas para que

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seus alunos pudessem aprendê-las, imitá-las e, futuramente, adotá-las e transformá-las na sua prática docente.

No segundo texto,UmaFormação emCiências paraEducadoresdo Campo e para o Campo numa Perspectiva Dialógica, Maria EmíliaCaixeta deCastro Lima argumenta que a expressão quemelhor encarnaa concepção de formação de professores e orienta as ações no âmbitode um curso de licenciatura do campo é a interculturalidade. Segundoessa concepção, o desafio é construir uma formação que seja capazde aumentar a comunicabilidade entre culturas distintas, na perspectivade conferir ao professor de ciências o papel de mediador cultural.Isso implica em concebê-lo como aquele que tem como atividade aarticulação entre saberes oriundos da prática de se produzir e reproduzira vida no campo com os saberes originados da subcultura científica.Esse diálogo entre duas culturas é assegurado por um encontro entreprojetos de dizer e de ouvir, dentro do qual os alunos da licenciaturado campo realizam uma investigação nas localidades onde vivem etrabalham, que tenta responder a três questões: a primeira delas indagasobre os problemas que esses sujeitos enfrentam na saúde, na lidacom a terra, no ensino de ciências, na aprendizagem, na gestão, etc. Asegunda pergunta como esses problemas são enfrentados e a terceiraremete aos conhecimentos supostamente importantes para enfrentaros problemas identificados ou tematizados na atividade. É no diálogocom essa investigação que tem sido construídos os conhecimentospedagógicos dos conteúdos curriculares e a prática dos formadores deprofessores para a educação básica para o campo.

No terceiro texto, A Formação de Professores de Ciênciasda Natureza na Tensão com as Ciências de Referência: entre asComplexidades e Precariedades da Cidade e das Escolas e a BatutaElegante,FriaeFirmedaCiência,MuriloCruzLealcaracterizaapolarizaçãoque existe na formação de professores de Ciências da Natureza entreos sentidos e significados da docência, por um lado, e os da ciência,pelo outro. De acordo com o autor, a docência é atividade profissionalespecializada, com parâmetros e atributos muito distintos daqueles queregem a prática científica tradicional, como a realizada nas universidades.

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Os professores deQuímica daEducaçãoBásica, vindos daUniversidade,sabem pouco sobre a cidade, suas gentes, sua dinâmica de identidades,de interesses e de poder, e também sabem pouco da química dessarealidade. A formação que receberam, por simplificação e método, tratoufundamentalmente de sistemas padrão, otimizados, linearizados, semimpurezas, sem interesses: neutros, simples e elegantes, modelares,descontextualizados.Murilo destaca a recomendaçãode formar cientistase professores de Ciências como intelectuais, atentos para a realidadeem si mesmos e ao redor, observando as dinâmicas de determinaçõescruzadas envolvendo elementos científicos, tecnológicos, culturais,sociais, políticos e econômicos. Afinal, é dentro dessa matriz complexaque atuarão os biólogos, os físicos os químicos e os professores dasCiências da Natureza.

No quarto e último texto deste primeiro simpósio, Receita debom professor: todo mundo tem a sua, eu também tenho a minha!,Sílvia Nogueira Chaves questiona o entendimento corrente daexpressão “Ciências da Natureza”, critica várias tendências existentesna formação de professores e sugere propostas de formação docenteque se inscrevem numa perspectiva de autoconstituição. Segundo aautora, a questão central que deve ser colocada é se natureza é umacoisa ou se é a forma como nomeamos, inscrevemos, classificamos,organizamos, enfim, fabricamos esse algo. Segundo Sílvia, mais doque pensar formas e estratégias eficientes de ensinar e divulgar osprodutos da ciência, ao professor cabe questionar, problematizar osprocessos de produção do conhecimento, o valor social e a ideologiaencoberta por pretensa neutralidade dos conteúdos. Para realizaressa tarefa é que se deve pensar uma formação que incite a rebeldia,a recusa, que escrutine a nossa história de vida não para localizarmosnela as regularidades que nos trouxeram até aqui, mas paradesnaturalizar as tramas de fabricação que nos fizeram acreditar quedeveríamos ver e ser dessa ou daquela forma. Um processo formativopensado em uma perspectiva de autoconstituição, com sugerido notexto, questionará sob que condições tais argumentos produziramesse bom professor, buscando desnaturalizar o que permanecia

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inquestionado e conferindo a essa ‘verdade’ uma conotação históricae não transcendental ou moral.

O segundo simpósio, intitulado A pós-graduação emEducação, o ensino de Ciências e as licenciaturas na área: encontrose desencontros, trata do importante tema das relações entre a pós-graduação e a licenciatura na área. Esse tema adquire relevânciana área de Educação em Ciências principalmente se considerarmosque hoje temos 60 programas na área de Ensino de Ciências eMatemática, atuando nas diversas regiões do país e totalizando 77cursos, dois quais 29 mestrados e 18 doutorados acadêmicos, além de30 mestrados profissionais (30). Esses programas já formaram 2260mestres acadêmicos, 220 doutorados e 735 mestres profissionais.Grande parte desse contingente é formado por pessoas egressas dasescolas das redes de ensino básico e tais programas constituem, oudeveriam constituir, uma formação continuada de alto nível. E o quetemos em realidade?

No primeiro texto, A pós-graduação em Educação, o Ensino deCiênciaseasLicenciaturasnaÁrea:encontrosedesencontros,RobertoNardi nos conta um pouco da história da área de Ensino de Ciênciase Matemática, constituída a partir de 2000 como área de avaliação naCAPES a partir de 7 programas e que, desde então, vem crescendode forma espetacular. A partir dessa história, o autor apresentaresultados de pesquisas realizadas com professores da escola básicaque atuam em disciplinas relacionadas à área de ensino de ciências,e tenciona questionar como esses professores, que não fazem parteda comunidade de pesquisadores da área, vêm se relacionando comos resultados das pesquisas da área e se porventura tem incorporadoesses resultados no ensino que tem praticado. Nardi deixa claro que aprodução acadêmica, particularmente no caso da pesquisa em ensinode ciências e matemática, avançou significantemente. Entretanto, osdocentes de ensino fundamental e médio não estão se envolvendocom a pesquisa, ou não utilizam seus resultados para fins didáticos.Como explicar esse descompasso? Entre as razões arroladasdestaca-se que os professores, submetidos a um excesso de carga

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didática, são obrigados a atuarem em várias escolas, com uma práticapedagógica do ensino tradicional que tiveram na formação inicial;estão preocupados em resolver outras questões prioritárias comoa indisciplina e o desinteresse dos alunos, a falta de formação paraatender alunos com necessidades especiais e a dificuldade de adaptaros conteúdos estudados durante o curso superior para o ensino básico.Tudo isso aponta para problemas de formação, mas também para ascondições salariais e de trabalho a que estão submetidos a grandemaioria dos professores do Ensino Fundamental e Médio.

No segundo texto deste simpósio, A ação do professor em salade aula: identificando desafios contemporâneos à prática docente,Orlando Aguiar Jr. identifica e examina alguns dos desafios queemergem de relatos de professores em formação e de professoresexperientes em exercício no ensino de ciências quando falam ourefletem sobre seu trabalho em sala de aula. Para o autor, os desafioscontemporâneos à ação docente (e à formação de professores) sãodecorrentes da necessidade de forjar uma escola de qualidade paratodos, o que implica mudanças profundas nos conteúdos escolares enas formas de organização e ação em sala de aula. Nesse contextode transformações da escola, Orlando examina, a partir de relatosde professores e resultados de pesquisas, desafios consideradoscruciais para re-pensar a ação docente em sala de aula nos temposatuais: 1. promover e sustentar engajamento dos estudantes nastarefas escolares; 2. re-significar conteúdos escolares; 3. construirum currículo composto por atividades; 4. estabelecer interaçõesdiscursivas produtivas, com participação dos estudantes; 5. lidar comdiversidade cultural, motivações, ritmos e habilidades dos estudantes.O autor conclui que tais desafios demandam projetos de formaçãodocente, inicial e continuada, em sintonia com as necessidadesformativas dos professores no contexto de construção de uma escolainclusiva, democrática e de qualidade.

No texto que fecha este simpósio, A pós-graduação emEducação, o Ensino de Ciências e as Licenciaturas na Área: encontrose desencontros, Rejane Maria Ghisolfi da Silva parte do pressuposto

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de que é preciso assumir uma lógica de articulação entre os sistemaseducativos e formativos orientada pelo desejo de aprofundar asinterações e mediações necessárias entre um e outro. Tais interaçõese mediações podem contribuir para superar a distinção entre aquelesque pesquisam em Educação, no âmbito dos programas de pós-graduaçãodas universidades, e os queaexecutamno contexto escolar.Para proceder a essa articulação, a autora realizar três movimentos:no primeiro, ela reconhece a área de ensino de Ciências como campode produção de conhecimento e caracterização do ensino de Ciências;no segundo, focaliza a problemática da formação de professores deCiências; e no terceiro, faz um esforço de síntese para desenhar suacompreensão sobre a pós-graduação em Educação, Scricto Sensu. Apartir do primeiro movimento, Rejane reconhece que a área de ensinode Ciências tem avançado, o que contribui para a sua afirmação comocampo científico e lhe concede um certo prestígio no meio acadêmico.No entanto isso tem ocorrido sem afetar profundamente as salas deaula do Ensino Básico e as próprias Licenciaturas. Parece que osresultados da investigação não chegam às salas de aula. Por que issoacontece? A autora aponta várias razões, entre as quais se destaca anecessidade de uma “recontextualização” dos resultados de pesquisa,ou seja, a passagem do contexto acadêmico ao escolar, para quesejam produzidos novos sentidos e significados, delineados novospropósitos para os textos e para os discursos. Fica clara a necessidadede o professor, quando não for protagonista da investigação, detalhare transformar os resultados, adaptando-os a sua realidade e a suasconcepções epistemológicas, metodológicas, políticas e ideológicas.Rejane conclui que, quando os futuros professores se inserem noprocesso de fazer pesquisa junto aos formadores da pós-graduaçãostricto sensu ou se aproximam dos resultados de pesquisa, podempotencializar o ensino pela atualização de conhecimentos.

O terceiro simpósio, intitulado O uso da linguagem científica eda linguagem comum nas aulas de Ciências da Natureza: formandoprofessores pelo diálogo, traz dois textos de pesquisa que buscamentender as relações entre a linguagem científica e linguagem comum

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nas práticas de professores do Ensino Básico, usando diferentesperspectivas para a leitura dos dados empíricos. Traz ainda umtexto de revisão sobre diferentes modos de pensar e de falar que seexpressam no modelo de perfis conceituais. No primeiro texto, Ascondições de diálogo entre professor e formador para um ensino quepromova a enculturação científica dos alunos, Anna Maria Pessoade Carvalho parte da constatação de que existe a necessidade deestabelecer um diálogo entre professores e formadores visandoampliar as bases para a educação científica. Tomando por base umapesquisa desenvolvida em uma escola em que já existia uma práticacolaborativa entre os professores, a autora e seus colaboradoresprocuraram orientar um desenvolvimento profissional que acontecesseno dia-a-dia, com um movimento que articulasse a formação dosprofessores com os projetos da escola. Para tanto, Anna Maria e seuscolaboradores desenvolveram uma série de ‘sequências formativas’que se constituíram em três situações: 1) reunião com as professorase coordenadoras da escola para se discutir as atividades de ensinoinvestigativo de ciências e suas bases científicas e epistemológicas;2) as próprias aulas ministradas; 3) uma nova reunião onde asprofessoras relatavam as situações de ensino e a aprendizagem dosalunos, quando as relações teoria-prática são novamente debatidas.A partir da análise dos dados, Anna Maria conseguiu determinar trêspontos essenciais para estabelecer um diálogo entre professores eformadores para um ensino que promova a enculturação científica dosalunos: professores e formadores devem ter as mesmas finalidadeseducacionais; devem existir atividades de ensino que potencializem aenculturação científica dos alunos; e devem ocorrer reuniões com osprofessores onde os problemas de ensino e aprendizagem possamser debatidos.

No segundo texto desse terceiro simpósio, LetramentoCientífico em Aulas de Química para o Ensino Médio: Diálogo entreLinguagem Científica e Linguagem Cotidiana, Eduardo Mortimer eAna Clara Viera analisam a produção de um texto por alunos de duasescolas públicas de ensino médio, que participam de um projeto de

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formação inicial de estudantes de licenciatura em química da UFMG.O projeto “Água em Foco: qualidade de vida e cidadania” tem comotema central a qualidade da água. Em sala de aula, a partir de questõesde investigação, os alunos de licenciatura, trabalhando em duplas,propiciaram a discussão de temas como a importância da água e suaescassez, o consumo de água nas atividades humanas e a distribuiçãodiferenciada da água no planeta e emnosso país. Os parâmetros físico-químicos e biológicos, importantes na determinação da qualidade daágua, também foram abordados. Para investigar a produção de textos,os autores pesquisaram a produção de uma redação feita pelos alunosdo ensino médio. Esta redação tem um começo definido por umanarrativa das aventuras de Aninha, que chegando a Belo Horizontese dirige à lagoa da Pampulha e está pronta para dar um mergulho. Oestudante deverá completar o texto e tentar convencer Aninha a nãoentrar na lagoa, baseada nos conhecimentos acumulados durante oprojeto. Na análise das redações levou-se em consideração aspectoscomo a presença de parâmetros físico químicos de análise, os temposverbais, a presença de marcadores de linguagem científica, como asmetáforas gramaticais, e o tipo de seqüência textual predominante.A análise mostrou a existência de três tipos de redação padrão: 1. Aredação tem início com um texto narrativo – tempo verbal no passadoe linguagem cotidiana – em seguida, nos deparamos com um textodescritivo, argumentativo ou explicativo – tempo verbal no presentee linguagem cientifica. O texto narrativo é então retomado para afinalização da redação. 2. A redação é marcada pela presença de umtexto narrativo na introdução, e depois se utiliza o tempo presente,com descrição de aspectos da Lagoa. Termina-se com a retomada danarrativa. A linguagem é predominantemente cotidiana. 3. A redação émarcada pela presença de um texto narrativo, do começo ao fim, compredominância da linguagem cotidiana. Em algumas redações há umahibridização das linguagens cotidiana e científica, com intercalação detrechos de uma e de outra. No geral os alunos demonstraram grandesdificuldades em usar a linguagem científica e houve um predomíniode redações dos tipos 2 e 3. O texto discute algumas hipóteses para

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explicar esse resultado, entre os quais se destaca o fato de os alunosde licenciatura serem inexperientes e terem demonstrado insegurançaem relação ao controle da turma e a alguns tópicos a serem ensinados.

No terceiro texto deste terceiro simpósio, intitulado O valorPragmático da Linguagem Cotidiana, Charbel Niño El-Hani e EduardoFleuryMortimer apresentamomodelo de perfis conceituais que permitemodelar a heterogeneidade dosmodos de pensar e falar presentes nassalas de aulas de ciências da natureza. Os autores argumentam queo modelo de perfis conceituais compartilha uma série de pressupostosteóricos das visões sócio-culturais, que incluem a abordagem dosperfis conceituais, como ferramenta de análise de modos de pensar;a teoria da linguagem do círculo de Bakhtin, como referencial paraanálise de modos de falar; e a teoria de desenvolvimento das funçõesmentais de Vigotski, como base para a análise da aprendizagem. El-Hani e Mortimer apresentam então a abordagem dos perfis conceituaise formulam, a seguir, o papel da apreciação racional das escolhas demodos de pensar e agir nesta abordagem. Dessa maneira os autoresjustificam a construção de uma dimensão crítica, que pode permitir quese vá além de juízos subjetivos sobre o que é útil para os propósitosde uma comunidade. Eles se movem, assim, para um pragmatismoobjetivo, evitando uma visão subjetivista e o relativismo e reafirmandoa concepção da coexistência de diferentes modos de pensar e de suasconseqüências para atividades humanas em diferentes domínios, quedevem ser apropriadamente demarcados.

Esperamos que você possa usufruir desse conjunto de textose de sua diversidade na abordagem de questões relacionadas àformação de professores na área de ciências da natureza. Temoscerteza de que os textos reúnem o que há de mais atualizado na nossaárea de Educação em Ciências e temos certeza de que a sua leiturainstigará novas questões aos nossos leitores.

Eduardo Fleury MortimerOrlando Aguiar JrPresidentes da Comissão Científica do Subtema Educação em

Ciências

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ALTERNATIVAS DIDÁTICAS PARAAFORMAÇÃO DOCENTE EM QUÍMICARoseli P. SchnetzlerUniversidade Metodista de Piracicaba (SP)

INTRODUÇÃO

Certamente, três constatações motivaram-me a escrever estetrabalho: i) a significativa evasão de alunos do ensino médio (~ 60%);ii) o fato dos vestibulares para renomadas universidades brasileirasestarem apresentando um decréscimo de cerca de 50% em inscriçõespara os cursos de licenciatura em Química, apesar das estatísticasgovernamentais evidenciarem a enorme carência de professores deQuímica para ministrar aulas na Educação Básica; iii) a manutençãodo mesmo modelo de formação docente nos Cursos de Licenciatura.Se tais dados evidenciam o pouco interesse de jovens brasileirosem se tornar professor de Química, então, parece-me que isto sedeva, também, ao Ensino de Química ao qual estiveram submetidosenquanto alunos da Educação Básica. Por isso, o presente trabalhocentra-se na discussão de alternativas didáticas para duas temáticas:o Ensino de Química na Educação Básica e a Formação Docente emQuímica. Para tal, aponto algumas críticas aos modelos tradicionaisde ensino e de formação docente, infelizmente ainda em voga, bemcomo, apresento algumas alternativas didáticas que possam contribuirpara a sua superação.

ALTERNATIVAS DIDÁTICAS PARA O ENSINO DE QUÍMICA NAEDUCAÇÃO BÁSICA

Abordar alternativas didáticas para o Ensino de Química naEducação Básica implica, inicialmente, compreendê-las como opçõesao Ensino de Química tradicional, infelizmente ainda tão presente namaioria das salas de aula de Química das escolas fundamentais e

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médias de nosso país. E, como este ensino pode ser caracterizado?Usualmente, por uma prática de ensino visando à retenção, por partedos alunos, de uma significativa quantidade de informações, pois, nestemodelo, a aprendizagem é entendida como uma simples recepção deinformações ditas pelo professor, assumindo a linguagem como ummero “tubo” que transmite, conduz as palavras do emissor (professor)para o receptor (aluno) com significados rígidos. Os conteúdosquímicos, por sua vez, são transmitidos de forma inquestionável everdadeira, já que erroneamente concebidos como provenientes deinúmeras observações experimentais objetivas e neutras. Professoresque orientam seu fazer docente segundo tais concepções, dificilmenteperceberão a necessidade de pesquisar sobre seu ensino, ou mesmode melhorá-lo à luz de contribuições de pesquisas, pois, usualmente,atribuem a pouca aprendizagem de seus alunos à falta de base e deinteresse dosmesmos, e/ou à falta de condições de trabalho na escola.Como para tais professores só há problemas de aprendizagem, masnão de ensino (!), não vêem razão ou necessidade para a pesquisaneste campo. A atribuição de culpa aos alunos e/ou às condições detrabalho para a pouca qualidade dos processos educativos não resolveos problemas da prática pedagógica. Além de mantê-los, manifestamdesconhecimento sobre a importância social e a complexidade do atoeducativo, bem como sobre contribuições da pesquisa educacional e,particularmente, da área da Educação Química. Se as desconhecem,geralmente, é porque a elas não foram introduzidos em seus cursosde licenciatura, razão pela qual a linha de investigação sobre modelosde formação docente tem merecido atenção especial nos últimos anos(SCHNETZLER, 2004).

Buscando alterar tal quadro, o desenvolvimento daquela área,nos últimos trinta anos, aponta que estaremos efetivamente ensinandoQuímica ao procurarmos ajudar os nossos alunos a:

i)investigar fenômenos e explorar idéias; ii) formularperguntas úteis e produtivas; iii) buscar e desenvolverexplicações que são úteis para eles com relação ao

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mundo natural e tecnológico que confrontam diariamente;iv) ampliar suas experiências sobre o mundo natural etecnológico; v) manifestar interesse sobre as explicaçõesdos outros a respeito de como e porque as coisas sãocomo são e buscar saber de que forma tais explicaçõestêm sido obtidas (OSBORNEeWITTROCK, 1983, p.489).

Tais propósitos têm orientado várias abordagens alternativaspara o Ensino de Química desenvolvidas por educadores químicosbrasileiros, muitas das quais foram discutidas no workshop da Divisãode Ensino da Sociedade Brasileira de Química, em 30/05/05, emPoços de Caldas (MG), e que são apresentadas e fundamentadasno livro organizado por Maldaner e Zanon (2007). Assim, constituem-se como possibilidades para concretizar os objetivos educacionaisacima mencionados, tornando o nosso ensino não somente relevantepara os nossos alunos, mas também, para nós próprios, professoresde Química, e para nossas escolas, reafirmando a sua importânciasocial, hoje em dia tão questionada. Afinal, é nesta instituição socialque os alunos poderão ter acesso e se apropriar de conhecimentoshistoricamente construídos pela cultura humana: conhecimentosquímicos que lhes permitirão outras leituras do mundo no qualestão inseridos. Neste sentido, conforme expressam (DRIVER ecol,1999,p.36),

aprender ciências não é uma questão de simplesmenteampliar o conhecimento dos jovens sobre os fenômenos– uma prática talvez denominada mais apropriadamentecomo estudo da natureza – nem de desenvolver ouorganizar o raciocínio do senso comum dos jovens.prender ciências requer mais do que desafiar as idéiasanteriores dos alunos, através de eventos discrepantes.Aprender ciências requer que crianças e adolescentessejam introduzidos numa forma diferente de pensarsobre o mundo natural e de explicá-lo.

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E, que forma de pensar é esta? Os construtos teóricos daCiência, que são produtos de elaboração e criação humana, e quepermitem explicar, interpretar e prever fenômenos, não provêmdiretamente da observação e são, portanto, pouco prováveis de seremelaborados pelos alunos sozinhos. Ao contrário, estes precisam serintroduzidos, iniciados nestas idéias. E é o professor de Química,como representante dessa área de saber, que deve mediar talconhecimento para os alunos por meio da linguagem. Estou falandodo nível teórico-conceitual da Química que, com seus vários modelose teorias, nos permite elaborar interpretações e previsões sobrefenômenos que nos rodeiam e/ou dos quais somos dependentespara a nossa sobrevivência. Invocamos átomos, íons, moléculas,partículas que interagem e que estão em movimento, contrariando omodo estático e contínuo dos alunos conceberem os materiais e suastransformações. Este modo de “ver” contra-intuitivo que caracteriza opensamento químico torna-se, então, uma tarefa crucial do professorde Química. Para que possa concretizá-la adequadamente, algumasdecisões pedagógicas precisam ser tomadas, tais como: ao invés deprocurar “dar conta” de todos os conteúdos usualmente tratados emlivros didáticos tradicionais, abordando uma enorme quantidade deinformações químicas a serem memorizadas pelos alunos, o professornecessita, então, selecionar e organizar o conteúdo do seu ensinoenfatizando o tratamento de temas e de conceitos centrais destaCiência para expressar o seu objeto de estudo e de investigação.Em outras palavras, ensine bem poucos conteúdos, mas que sejamfundamentais para expressar a identidade e a importância da Química.

Por tais razões, outra característica dasabordagensalternativasé a de explorar a constituição, propriedades e transformações desubstâncias e materiais, contemplando, no seu estudo, os trêsníveis do conhecimento químico, a saber: o fenomenológico, que écaracterizado por observações, passível de descrições, quantificaçõese determinações; o representacional, que trata da linguagem daQuímica, com seus símbolos, fórmulas e equações, e o teórico-

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conceitual, com teorias e modelos que permitem interpretar e prever osfenômenos com os quais nos defrontamos ou dos quais dependemos(MORTIMER, MACHADO e ROMANELLI, 2000). Articulações entreesses três níveis de conhecimento são tão importantes no Ensinode Química que vários pesquisadores da área reafirmam o que dizNAKHLEH (1992, p.195): “se um aluno não consegue interpretarum conceito em termos teórico-conceituais, então, esse aluno nãoaprendeu Química.”

Ao selecionar e organizar o processo de ensino segundo taistemas e articulações, o professor precisará, ainda, relacioná-los aeventos e/ou assuntos da vida humana a fim de propiciar aos seusalunos uma nova leitura (química) que complementa, amplia o modousual, ou de senso comum, de pensá-los. Desta forma evidenciaráque o conhecimento químico mantém estreitas relações com a vidacotidiana, cujas aplicações e implicações sociais, tecnológicas,econômicas e ambientais precisam ser discutidas em sala de aula.Em outras palavras, promoverá a construção, por parte dos alunos,de um modo de pensar químico que lhes permitirá entender como oconhecimento químico funciona no mundo. Para tal, paralelamenteàs opções pedagógicas acima, as abordagens alternativas propõeme desenvolvem uma outra dinâmica para as aulas. Estas já nãosão centradas no discurso expositivo do professor, com o usualdesinteresse discente que caracteriza o Ensino de Química tradicional,mas sim, pela implementação de uma perspectiva dialógica, isto é,pela negociação de significados, por trocas, por interações discursivasque aproximam professor e alunos, alunos e alunos. Tal perspectivaimplica que:

a construção do conhecimento em sala de aula dependeessencialmente de um processo no qual os significadose a linguagem do professor vão sendo apropriados pelosalunosnaconstruçãodeumconhecimento compartilhado.(...). A superação de obstáculos passa necessariamentepor um processo de interações discursivas, no qual o

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professor temumpapel fundamental, como representanteda cultura científica. Nesse sentido, aprender ciênciasé visto como um processo de “enculturação”(Driver,Asoko, Leach, Mortimer, Scott,1994), ou seja, a entradanuma cultura diferente da cultura do senso comum.Nesse processo, as concepções prévias do estudantee sua cultura cotidiana não têm que, necessariamente,ser substituídas pelas concepções da cultura científica.A ampliação de seu universo cultural deve levá-lo arefletir sobre as interações entre as duas culturas, mas aconstrução de conhecimentos científicos não pressupõea diminuição do status dos conceitos cotidianos, e sima análise consciente das suas relações (MORTIMER eMACHADO, 1997, p.140-141).

Esta perspectiva pressupõe, por sua vez, a valorização dopensamento dos alunos, o que leva as abordagens alternativas ase rotularem como construtivistas, sócio-interacionistas ou histórico-culturais, as quais, apesar de algumas diferenças entre elas,comungam de duas concepções opostas às assumidas pelo ensinotradicional: o aluno é tábula-rasa e a aprendizagem se dá pela merarecepção de informações transmitidas pelo professor. Em oposição aisso, assumem que o conhecimento não é transmitido, mas construídoativamente pelos alunos por meio de modos de mediação docente, eque seus conhecimentos prévios influenciamemnovas aprendizagens.

Os modos de mediação expressam como o professor se vêcomo tal, sua função social, seu trabalho educativo. Em particular,expressam como ele aborda os diversos temas de sua disciplina;as estratégias que utiliza para promover a elaboração/reelaboraçãode conceitos científicos; as interações que estabelece com seusalunos; as concepções de ensino, aprendizagem e de conhecimentoquímico que orientam sua prática; as relações que estabelece entreos conteúdos do seu ensino e temas da vida social e cotidiana dosalunos, aspectos estes que refletem articulações entre as dimensões

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teórica e prática da docência (SILVA e SCHNETZLER, 2006).Também, diferentemente do ensino tradicional, quando este

raramente inclui aulas experimentais como meras demonstrações ouconfirmações de conteúdos previamente ensinados, as abordagensalternativas assumem a experimentação como fonte de investigação,de elaboração e testagem de hipóteses, de busca de interpretaçõespor parte dos alunos, configurando uma relação epistemológica maiscontemporânea entre teoria e experimentação no Ensino de Química.Neste sentido, veiculam uma visão não exata e inquestionável deCiência, por concebê-la como construção humana, sujeita à influênciade fatores sociais, econômicos e culturais tendo, portanto, umcompromisso social que, transportado para a escola média, concebeo Ensino de Química como contribuição para a formação de cidadãos.Assim, muito mais do que uma mera preparação para enfrentar ovestibular, conforme entendida pelo ensino tradicional, o EnsinoMédio de Química se justifica pela sua importante contribuição para aformação cultural e social do aluno, bem como, para a constituição doseu pensamento abstrato.

Na medida em que tais propósitos têm fundamentado asabordagens alternativas de Ensino de Química disponíveis em nossopaís, a questão que se coloca é por que a sua adoção ainda não temsido significativa por parte da maioria dos professores de Químicadeste país?

Dentre as inúmeras razões que caracterizam a complexidadeda formação e da atuação docente, a começar pelas condiçõesadversas de trabalho, pelos péssimos salários e pela ausência dereconhecimento social da profissão, outro fator determinante da poucaqualidade da docência em Química na maioria das nossas escolasfundamentais e médias certamente provem do modelo de formaçãode professores vigente, tanto na formação inicial como continuada,conforme abordo a seguir.

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ALTERNATIVAS DIDÁTICAS PARAA FORMAÇÃO DOCENTE EMQUÍMICA

A literatura tem apontado inúmeras críticas quanto à efetividadede cursos de formação de futuros professores devido à separação entreconhecimentos científicos e conhecimentos profissionais docentes,conhecimento acadêmico e realidade escolar, disciplinas específicasda área e disciplinas pedagógicas (SCHÖN, 2000; NÓVOA, 1992;MARCELO, 1999; TARDIF, 2002). Sobretudo, é a falta de integraçãoque caracteriza o modelo usual de formação docente nos cursos delicenciatura, posto que é calcado na racionalidade técnica. Assim, combase nesse modelo, os currículos de formação profissional tendem aseparar o mundo acadêmico do mundo da prática. Por isso, procurampropiciar um sólido conhecimento básico-teórico no início do curso,com a subseqüente introdução de disciplinas de ciências aplicadasdesse conhecimento, para chegarem à prática profissional com osusuais estágios de final de curso.

No caso da formação docente, este modelo concebe e constróio professor como técnico, pois entende a atividade profissional comoessencialmente instrumental, dirigida para a solução de problemasmediante a aplicação de teorias e técnicas (SCHÖN,2000; PÉREZ-GÓMEZ,1992). No entanto, há aqui um sério condicionante queconfere pouca efetividade a este tipo de formação: os problemasnela abordados são geralmente abstraídos das circunstâncias reais,constituindo-se em problemas ideais que não se aplicam às situaçõespráticas, instaurando-se aí o indesejável distanciamento entre teoria eprática (SCHNETZLER, 1998; MALDANER, 2000).

Consequentemente, outras críticas de autores que abordama formação de professores em Ciências/Química apontam queformadores, isto é, professores universitários, particularmente aquelesqueministram disciplinas químicas, vêem o ensino como uma atividadeque se desenvolve naturalmente com a experiência e a vivência nadocência, bastando-lhes o profundo conhecimento dos conteúdosquímicos de suas disciplinas para preparar os futuros professores

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para ensinarem Ciências/Química nas escolas fundamentais emédias. Assim, seus propósitos estão geralmente voltados somentepara a transmissão de tais conteúdos, desconsiderando as questõespedagógicasqueosacompanham(MALDANER,2000;SCHNETZLER,2000).

Explicitando tal postura, aponto que nas disciplinas específicasde conteúdos químicos a atenção à discussão sobre o quê, o como e oporquê ensinar Química na escola básica merece pouca ou nenhumaconsideração por parte dos formadores. Na medida em que essasdisciplinas constituem a grande parte das grades curriculares doscursos de licenciatura, e são geralmente desenvolvidas em moldes damera transmissão de uma grande quantidade de conteúdos científicos,tais disciplinas reforçam a concepção ingênua de que ensinar é fácil:basta saber o conteúdo e empregar algumas técnicas pedagógicas.

Por outro lado, nas disciplinas pedagógicas, os futurosprofessores aprendem várias teorias que contradizem aquela visãosimplista de ensinar. No entanto, tais aprendizagens estão descoladasde conteúdos químicos. Nelas, os futuros professores encontramsubsídios teóricos para criticar o modelo da transmissão-recepção doensino tradicional. No entanto, como diz McDERMOTT (1990, p.736),

Se os métodos de ensino não são estudados no contextono qual serão implementados, os futuros professorespodem não saber identificar os aspectos essenciais,nem adaptar as estratégias instrucionais que lhesforam apresentadas em termos abstratos à sua matériaespecífica ou a novas situações.

Isto significa dizer que conhecimentos pedagógicos dissociadosdos conteúdos químicos que os futuros professores terão que ministrartem pouca ou reduzida contribuição para sua formação docente, umavez que os professores tendem a não utilizar os métodos de ensinoque lhes foram ensinados no decorrer de sua formação, mas sim,aqueles que foram usualmente utilizados na sua educação, isto é,

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o velho método transmissão-recepção (PÉREZ,1989). Portanto, éneste que buscarão referências para o seu fazer docente. E, assim, ocírculo vicioso vai se mantendo: professores mal formados ministramum Ensino de Química tradicional para alunos do ensino médio quedetestarão Química.

Outra constatação importante, tanto na formação docente inicialquanto continuada, é a de que uma mudança na prática pedagógica,cunhada em concepções do Ensino tradicional de Química, não sesustenta somente pela crítica a esse modelo, mas também, pelaapresentação de novas alternativas didáticas, pois, é sabido que:

Não se supera um modelo de prática docente usandocomo estratégia apenas o desvelamento crítico dohabitus. É necessário que a esse desvelamento alie-sea apresentação do novo modelo que se quer propor,de forma que as concepções que o constituem estejampedagogicamente disponíveis em estratégias didáticaspara que possa ser imitado, bricolado (CHAVES, 2000,p. 103).

Portanto, para que se possa superar a tradição da visãosimplista de ensinar Química não basta “conscientizar” os futuros eatuais professores sobre os problemas do ensino tradicional. Alémdisso, é preciso que eles explorem e vivenciem outras posturasdocentes mais adequadas como, por exemplo, as propostas pelasabordagens alternativas. Além disso, Maldaner (1999) alerta paraalguns outros desafios visando à superação do modelo de formaçãodocente vigente:

A racionalidade técnica continua muito presente noensino escolar e universitário, na forma de pensarsobre o papel do aluno, o programa de ensino, o papeldo professor e a metodologia de trabalho e na própriaforma de pensar a instituição escolar. É com ela quetemos de fazer profundas rupturas e começar a produzir

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conhecimentos válidos, conhecimentos que mudem, defato, o pensamento do que seja o papel do aluno, o papeldo professor, um programa de ensino, uma determinadaciência, etc. A nova crença epistemológica, que começaa se formar, propõe que as situações práticas devem sertratadas em toda a sua complexidade para que dentrodela se produza conhecimento válido que permita aossujeitos atuarem de forma construtiva (...). Até aqui, ainvestigação da própria prática profissional não é algocomum, ao menos no meio educacional. Essa práticaprecisa ser criada e isso é um desafio! Conjuntamente épreciso ampliar o conceito de pesquisa, deixando-o maisflexível, sob pena de invalidarmos qualquer tentativa deproduzir essa prática pelos professores em suas aulas. Apesquisa é aquela que acompanha o ensino, o modifica,procura estar atenta ao que acontece com as açõesnele propostas, aponta caminhos de redirecionamentos,produz novas ações, reformula concepções, produzrupturas com as percepções primeiras. (MALDANER,1999, p 291-291). [grifos do autor]

No entanto, inúmeros trabalhos na literatura evidenciamque professores de Ciências/Química geralmente atuam comotransmissores mecânicos de conteúdos de livros didáticos, não seenvolvendo em práticas pedagógicas inovadoras e repassando aosalunos fatos, informações, conceitos de maneira assistemática edescontextualizada histórica e socialmente. Tal constatação torna-se ainda mais preocupante ao considerarmos que os conhecimentosquímicos não são acessíveis e nem apropriáveis de forma simplese direta pelos alunos, sendo imprescindível que o professor os re-elabore, transformando-os pedagogicamente em conteúdos deensino, em conhecimento químico escolar. Para que os professoresexerçam este papel mediador, dentre os saberes e conhecimentosa serem por eles desenvolvidos, na sua formação inicial, estão os

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relativos ao o quê, o como e o porquê ensinar os conteúdos queestarão sob suas responsabilidades. Assim, tais conhecimentosprecisam ser disponibilizados pelos formadores, particularmente,por aqueles responsáveis pelas disciplinas de conteúdos químicos, afim de que sejam apropriados e re-elaborados pelo futuro professor(SCHNETZLER, 2002; SILVA e SCHNETZLER, 2006). Em outraspalavras, os formadores precisam demonstrar exemplos de modelosde aula fundamentados nas alternativas didáticas aqui discutidaspara que seus alunos possam aprendê-las, imitá-las e, futuramente,adotá-las e transformá-las na sua prática docente. Esta importanteação formativa baseia-se na estratégia reflexiva do “follow me”(siga-me), proposta por Schön (2000). Faça como eu faço, termo utilizadopelo autor, possibilita ao formador a condição de levar os futurosprofessores a compreenderem as concepções que fundamentam osmodelos de aula por ele demonstrados, a aprenderem o como sefaz na prática. Segundo o referido autor, “a imitação é um convite aoexperimento, já que para “seguir” a estudante deve construir, em suaprópria execução, o que ela considera as características essenciaisda demonstração do instrutor” (SCHÖN, 2000, p.161). [grifo do autor]

Por sua vez, a ausência desta ação formativa nos cursosde licenciatura tem conseqüências muito sérias, conforme apontaMALDANER (2000, p. 45):

São as questões pedagógicas que acompanham osconteúdosqueestãoausentese isso levaosprofessoresanegarem a validade de sua formação exatamente naquiloque os cursos de licenciatura de Química e outras áreasmais prezam: dar uma boa base em conteúdos! Issonão quer dizer que não saibam o conteúdo específico,mas é a sensação que têm diante de uma dificuldade queé de cunho pedagógico. [grifos do autor]

Razões que explicam a contradição entre o que é maisprivilegiado nos cursos de licenciatura em Química - os conteúdos

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químicos - e as dificuldades apresentadas pelos professores destaárea na reelaboração de tais conteúdos para a docência nas escolasbásicas, decorrem, dentre outras, da pouca atenção à formação deprofessores, vez que aqueles cursos ainda refletem uma organizaçãoprópria aos cursos de bacharelado, e pelo desconhecimento, por partedos formadores, de inúmeras contribuições de pesquisas da área deEducação Química, por serem bacharéis/doutores que pesquisam emoutras áreas da Química.

São tais contribuições que justificam que dentre os saberes econhecimentos a serem desenvolvidos pelos futuros professores estãoos relativos ao domínio conceitual e não meramente instrumental dosconteúdos científicos com os quais trabalharão, e como reelaborá-lospedagogicamente, tornando-os disponíveis para serem apropriadospelos seus futuros alunos. Este conhecimento pedagógico é de grandecomplexidade, sendo o que diferencia o professor dos especialistas dasdiversas áreas do saber. Assim, tal conhecimento vai além daquele dadisciplina em si, situando-se na dimensão da disciplina a ensinar, poisnele estão incluídos osmodos demediação que o professor utiliza pararepresentar e formular os conhecimentos científicos de sua disciplina,reelaborando-os em conhecimentos escolares compreensíveis paraos alunos.

O conhecimento pedagógico do conteúdo inclui, também, umacompreensão do que faz a aprendizagem fácil ou difícil. Isto implicaque o professor conheça concepções que os alunos, de diferentesidades e experiências, trazem consigo sobre determinados conceitosfreqüentemente ensinados. Considerando que tais concepções são,geralmente, antagônicas às concepções quimicamente aceitas,o professor precisa conhecer um maior número de estratégiasapropriadas para promover a reorganização e compreensão dosalunos dos conceitos químicos por ele ensinados.

Neste sentido, isto possibilita ao docente articular diferentesconhecimentos, permitindo-lhe a elaboração de seus conteúdos deensino, os quais constituem o aspecto central de vida da sala de aulae da educação escolar, sendo, portanto, fundamental na programação

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e na organização de atividades de ensino-aprendizagem (SHULMAN,1986). Por isso, é que o domínio da matéria a ensinar, ou a capacidadedo professor de reelaborar pedagogicamente conhecimentosquímicos, promovendo a aprendizagem de seus alunos, reflete aessência da constituição do ser professor de Química. E isto dependediretamente de seus formadores, os quais precisam adotar modos demediação fundamentados em contribuições de pesquisas na área daEducação Química, as quais, no entanto, geralmente desconhecemou desconsideram. Como expressa Maldaner (2008, p.270):

Há um conhecimento específico para a constituição doeducador químico, assim como há um conhecimentoque constitui um químico. Ele é mais complexo,pois compreende conhecimentos de químico e deeducador, não numa racionalidade técnica aditiva,mas de entrelaçamento de múltiplas dimensões. Éum conhecimento que possibilita a compreensão, porparte das novas gerações, do significado da Químicana sociedade contemporânea. Isso é algo muito maisamplo do que identificação e interpretação de símbolosquímicos e, mesmo, do que o saber técnico de produzir etransformar materiais.

Isto se torna ainda mais necessário ao considerarmos que,desde os anos 90, vem sendo defendida a necessidade da pesquisaeducacional ser também desenvolvida pelo professor, tornando-se constitutiva das próprias atividades docentes, e definindo-secomo condição de desenvolvimento profissional e de melhoria daprática pedagógica (NÓVOA,1992; SCHÖN,2000; ZEICHNER,1993;MALDANER,2000). Contudo, para se tornar pesquisador de suaprópria prática docente, o futuro professor precisa ser iniciado eorientado por seus formadores. Para tanto, estes últimos precisam serteórica e metodologicamente preparados para tal propósito. Por isso,é tão fundamental terem acesso a contribuições de pesquisas sobre

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Ensino de Química, orientados em seu uso e assessorados em suaspropostas de investigação de suas próprias práticas docentes, a fimde melhor atuarem na formação de futuros professores/pesquisadoresde Química.

Nesse sentido, parece-me urgente a necessidade de seremdesenvolvidas ações e programas de formação continuada deformadores, com a presença conjunta de professores universitários deQuímica que atuam em cursos de licenciatura e a de pesquisadores daárea de Educação Química. Através da mediação destes últimos, podeser possível e viável o compartilhamento de importantes contribuiçõesdaquela área com nossos colegas químicos, introduzindo-os nainvestigação do/no Ensino de Química e auxiliando-os na proposiçãode melhorias à formação e atuação docentes.

Nas minhas participações acadêmicas por este país, venhoencontrando inúmeros novos doutores em Química em váriasuniversidades, ministrando um número significativo de disciplinas emcursos de licenciatura e de bacharelado em Química. São jovens,cheios de vida e, principalmente, ansiosos por desenvolver as suascarreiras acadêmicas. Tendo realizado seus mestrados e doutoradosem grandes universidades brasileiras, tornaram-se “experts” eminvestigações químicas tão específicas que se distanciaram,sobremaneira, após cerca de seis anos de estudos pós-graduados,de preocupações com questões epistemológicas e pedagógicasrelacionadas à formação de professores de Química, embora sejam,geralmente, os primeiros escalados para ministrar aulas nos cursos delicenciatura em Química.

Ao manterem o justo propósito de continuar a desenvolverpesquisas em seus campos específicos de investigação, deparam-se,todavia,ecotidianamente,comatarefade formaremfuturosprofessoresde Química. E, aí, se instauram o conflito, o desafio e, principalmente,a constatação da ausência de preparação teórico-metodológica paratal. Entretanto, eles precisam se constituir como formadores, devido àprópria função social para a qual foram aprovados em concursos nauniversidade, embora desconheçam como exercê-la adequadamente,

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ainda mais porque estão, também, muito distanciados do Ensino deQuímica na escola básica. Desta forma, acabam assumindo umatarefa acadêmica de formar profissionais para uma profissão quepouco conhecem. Para mim, isto se configura como uma das principaiscontradições do sistema de formação docente adotado pelas nossasinstituições universitárias, justificando, ainda mais, a necessidade deserem desenvolvidas ações e programas de formação continuada deformadores de professores de Química.

Para tanto, há que se envidarem esforços significativospara a realização de tais ações e programas, tarefa política queprecisa ser assumida pela Sociedade Brasileira de Química, com aparticipação, contribuição e abertura constantemente manifestadas edisponibilizadas dos membros da sua Divisão de Ensino. Tentativasnesta direção necessitam ser, então, urgentemente concretizadas,se pretendemos continuar lutando pela existência e pela melhoria daprofissão de professor de Química em nosso país.

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UMA FORMAÇÃO EM CIÊNCIAS PARAEDUCADORES DO CAMPO E PARA OCAMPO NUMA PERSPECTIVA DIALÓGICAMaria Emília Caixeta de Castro LimaUniversidade Federal de Minas Gerais

“Então o alpendre e a bagaceira/ se transformam emlaboratório:/ pois vistas a esse tempo lento,/ como se sobum microscópio, / as coisas se fazem mais amplas, /maislargas, ou mais largamente,/ e deixam ver os interstícios/que a olho nu o olho não sente,/ e que há na texturadas coisas/ por compactas que sejam elas;/ laboratório:que parece/ tornar as coisas mais abertas/ para queas entremos por entre, / através, do fundo, do centro;/laboratório: onde se aprende/ a apreender as coisas pordentro.

OAlpendre no Canavial, João Cabral deMelo Neto, Serial

Minha fala se estrutura a partir dos seguintes pontos:• Os motivos que me levaram a falar da formação do educador

do campo.• Os embates no âmbito acadêmico marcados pelos conflitos

ideológicos de inclusão/exclusão de parcelas significativas dasociedade.

• Os deslocamentos produzidos no currículo de ciências davida e da natureza na sua historicidade.

• Ancoragens teóricas para pensar a educação em ciênciasdos trabalhadores do campo.

• A aproximação entre culturas diferentes mediada pelapesquisa em educação.

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POR QUE FALAR DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DOCAMPO?

Escolhi falar sobre a formação do educador do campo para dara ver o projeto assumido para a área de Ciências da vida e da naturezade modo que ele possa ser compreendido e debatido com os colegasda educação em ciências, com os quais há muito venho querendodialogar sobre o que estamos fazendo. São muitos os motivos queconspiraram a favor de minha escolha recair sobre esse tema, masvou sintetizá-los em apenas dois, a saber:

• A importância de uma experiência vivida no âmbito daFaculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais,a partir de 2005, quando nos dispusemos a ofertar, em caráterexperimental, um curso de formação docente para o campo.

• O grande desafio que tem sido inventar uma formação deprofessores para atuar na realidade específica das escolas do campo.

O curso de formação docente para o campo resultou de umaparceria firmada entre aUniversidade, oMinistério doDesenvolvimentoAgrário e Movimentos Sociais (Via Campesina: Movimento dosTrabalhadores Rurais Sem Terra, Movimento das MulheresCamponesas, Movimento dos Sem Terra - MST, Comissão Pastoralda Terra e Cáritas Diocesana). A partir dessa parceria foram ofertadastrês turmas de licenciatura especial, sendo uma indígena e duas detrabalhadores do campo. Essas experiências forneceram as basespara a transformação dos mesmos em cursos permanentes. Tratava-se de uma demanda específica dosmovimentos sociais, cujo início nosremete ao 1º ENERA – Encontro Nacional de Educadores da ReformaAgrária realizado em 1997 à aprovação das Diretrizes Operacionaispara a Educação Básica nas Escolas do Campo (BRASIL, 2001).

No plano da luta pela educação, atualmente, as comunidadesvêm se organizando para exigir o acesso aos cursos superiores,principalmente nas licenciaturas, de modo que possam ofertar aeducação básica nos meios onde vivem.A luta dos movimentos sociaistem sido no sentido de reafirmar que as crianças e jovens não devem

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precisar deixar o campo para ir à escola, pois educação no campo éum direito e não doação.

Existem hoje mais de 30 milhões de brasileiros em áreas ruraisou em situações de vida e de escolarização bem próximas das desseshabitantes. São pescadores, quilombolas, sem terra, extrativistas epopulações ribeirinhas. Desses, aproximadamente 500 mil são índios.O curso ofertado pela UFMG faz parte de um projeto federal chamadoProcampo, cuja principal ação é a Licenciatura em Educação doCampo. A partir de 2009 tornou-se permanente e é apoiado pelosMinistérios da Educação e o do Desenvolvimento Agrário. Portanto,essa discussão nos remete a um movimento que está em plenaexpansão em termos de reivindicações e ampliação de conquistas e auma experiência específica de formação de professores que estamosimplementando.

Quanto ao segundo motivo, é importante ressaltar que ocampo e a cidade têm percursos históricos diferentes em relação aosprocessos de escolarização. No primeiro caso, se o primeiro segmentodo nível fundamental está relativamente garantido, o mesmo nãoacontece com os níveis seguintes. No campo, as escolas de ensinomédio são em número bastante reduzido o que concorre para queas diferenças em termos de escolaridade média das populações docampo e urbanas sejam acentuadas em todas as regiões do país.

Via de regra, os educadores do campo, por serem membros daprópria comunidade, têm um forte envolvimento com a realidade local.A análise que irei expor a seguir acerca do funcionamento dessasescolas mostra-nos que a formação especializada ou disciplinar,que é normalmente exigida do professor de ensino médio, tornaextremamente difícil o exercício da profissão e a efetivação de umaescola para os filhos das pessoas que moram no campo. Emboraas escolas localizadas no meio rural representem 50% do total deescolas do país, o número de docentes e discentes nas mesmas érelativamente pequeno, visto que, nas cidades as escolas costumamser relativamente grandes. Por essa razão é comum encontrarprofessores que se deslocam vários quilômetros até uma cidade mais

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próxima para ensinar ou para estudar. Nos casos de um professorcom formação especializada lecionar em diferentes lugares, ele se vêobrigado a uma peregrinação, além de abandonar os estudantes dalocalidade em que vive e conhece para ensinar a outros que pertencema outras realidades.

Além disso, é comum encontrarmos professores que sãotécnicos agrícola, técnicos em informática, contadores, dentre outrasprofissões. Por essas e por outras razões, é relativamente comum,em escolas do campo, responsabilizar os estudantes que estão maisavançados nos estudos atribuindo-lhes a função de ensinar os colegasque se encontram em níveis mais elementares. Essa é uma realidadeque eu constatei nas Escolas Famílias Agrícolas (EFAS) com as quaiseu tive contato e que suponho ser comum no território nacional.

Em função desses aspectos estabeleceu-se entre as escolasdo campo processo de organização do trabalho pedagógico que sãodiferentes daqueles instituídos nas escolas que conhecemos nasgrandescidades.Aocontráriodaculturaqueseestabeleceunoscentrosurbanos, os professores do campo não lecionam exclusivamenteuma disciplina: biologia, química ou física, nem é fácil para eles iremdiariamente de uma escola para outra, em função das distâncias,da dificuldade de transporte e das condições de conservação dasestradas. Por conseqüência, um mesmo docente ensina diferentesdisciplinas e, muitas das vezes, atua em classes multisseriadas.

Existe ainda uma questão importante que diz respeito aoestatuto epistemológico dos conhecimentos que formam o que seconhece hoje como ciência escolar. Mesmo no ensino fundamentalesse conhecimento exibe natureza fortemente disciplinar sendopoucos os exemplos de temas e questões tratadas sob a ótica dainterdisciplinaridade. Ademais, em grande medida, trata-se de umconhecimento abstrato e desvinculado dos problemas sociais quepoderiam ser tratados como objetos de reflexão e ação na escola. Poressa razão, a formação disciplinar dos professores da área de ciênciastem contribuído para dotar esses sujeitos de uma visão fragmentáriado mundo, da vida e da natureza, que é descontextualizada e pouco

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frutífera como ferramenta cultural para pensar e agir no mundo e sobreo mundo, seja nos grandes centros, seja no campo ou nas aldeias.

Para transformaressa realidade,observandoasespecificidadesda organização do trabalho pedagógico nas escolas do campo, faz-senecessário pensar uma formação de professores capazes de atender osegundo segmento do nível fundamental e o nível médio. Acreditamosque tal formação deva se dar por área de conhecimento, tal comopreconizam as Diretrizes Curriculares Nacionais. No caso das ciênciasnaturais isso implicaria em propiciar uma formação básica que abranjafísica, química, biologia, astronomia e ciências da terra. Nossosestudantes de licenciatura para escolas do campo nos apresentamuma demanda por uma educação básica que lhes permita melhorara compreensão de mundo, a capacidade de trabalhar e produzir suaprópria existência de um modo diferente ao que está instituído.

Em função desse quadro consideramos que é precisoaprofundar a discussão sobre a complexidade de se formar professorespara tal realidade sem reeditar as tão criticadas licenciaturas curtasem ciências ou entender que uma suposta pobreza das condiçõesmateriais das escolas do campo deve redundar no empobrecimentoou na simplificação dos conteúdos de ciências que comporão ocurrículo dessas escolas. Trata-se de uma formação de professoresque leve em conta a história de quem vive e trabalha no campo e quevem educando as crianças, jovens e adultos nos acampamentos eassentamentos doMovimento do Trabalhadores Rurais SemTerra, nasEscolas Famílias Agrícolas, nas salas multisseriadas, ou atuando nassecretarias municipais de educação, entre outros. São trabalhadoresdo campo que chegam não só marcados pela origem, mas trazemtambém o destino de educar para o campo.

Por considerar que proferir esta fala específica no XV ENDIPE– Encontro Nacional de didática e prática de ensino é um ato ético, nosentido bakhtiniano (BAKHTIN, 1993), não posso deixar de apresentare defender uma perspectiva de formação docente inclusiva, que temo compromisso de incorporar uma parcela significativa da sociedadeque até agora esteve ausente da academia e foi silenciada em suas

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necessidades e saberes.Portanto, vejo aqui uma oportunidade de dialogar com outros

formadores de professores de ciências sobre omodo como a academiapode não só ensinar ciências e ensinar a ensinar ciências, mas tambémaprender a fazer isso por meio do diálogo com o campo, a partir deseus modos peculiares de produzir e reproduzir a vida e dar sentido aela. Talvez seja esse o desafio mais difícil a ser enfrentado por exigirum permanente exercício da alteridade, posto que os conhecimentostrazidos por eles se nos apresentam de modo muito diferente daquelesque aprendemos a fazer, compreender e legitimar como conhecimentoválido.

ANCORAGENS PARA UMA FORMAÇÃO DO EDUCADOR DOCAMPO

Para pensar a formação do educador do campo valemo-nosdas variadas e pertinentes contribuições da obra de quatro autores:Boaventura Sousa Santos, no campo da sociologia e da compreensãoda ciência e da legitimidade das culturas locais (SANTOS, 1994, 1995);Michel deCerteau com seus estudos e teses baseados na antropologiacultural por meio dos quais ele nos propõe um compromisso com acultura no plural (CERTEAU, 2008); Mikhail Bakhtin e sua filosofia dalinguagem pela centralidade que a questão do sujeito assume em suaobra; Glen Aikennhead e as pesquisas em educação em ciências cujofoco recai sobre o cruzamento de fronteiras dos estudantes entre assubculturas do cotidiano e as subculturas das ciências e da ciênciaescolar (AIKENNHEAD, 2009).

Compreender uma ciência no percurso da experiência escolarpassa pelo conhecimento do exercício dessa ciência (GEERTZ,1978), tanto quanto pela apropriação da linguagem de seus falantes(DRIVER ETALL, 1999). Apropriar-se de uma linguagem, por sua vez,implica em ser capaz de viver nela ou de vivê-la (GADAMER, 1976, inNUNES, 2005). Portanto, compreender uma ciência ou as explicaçõesdo mundo ligadas a ela significa compreender uma subcultura no que

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diz respeito aos seus modos de funcionamento, de produção e delegitimação. Subcultura aqui não tem o sentido pejorativo. Aciência,por exemplo, é uma subcultura por pertencer ao marco mais geralda cultura ocidental ou Euro-Americana. É preciso, pois, aceitar, deacordo com Santos, que a compreensão do mundo é muito maisdo que a compreensão ocidental do mundo. Para cada grupo socialcaracterizado por suas crenças, valores e processos identitários háuma subcultura correspondente. Assim, tanto a ciência quanto osconhecimentos populares são a expressão de diferentes subculturas.

Admitindo a centralidade do outro e o papel que ele – enquantooutro de mim e diferente de mim –, desempenha na minha constituiçãocomo sujeito é que, bakhtinianamente falando, a inteligibilidadedo mundo depende de assumirmos uma posição dialógica, de pôrsentidos em relação, vozes em disputa numa atitude de compreensãoresponsiva e responsável. Responsiva porque responde aooutro com nossas contrapalavras, ideologicamente marcadas. E,responsável porque não podemos fugir do ato de pensar e da nossaresponsabilidade de assinar aquilo que pensamos e transformamosem atos éticos. A expressão que melhor encarna nossa concepção deformação de professores e orienta nossas ações no âmbito do cursoé a de interculturalidade, na medida em que o que se passa com osoutros nos afeta.

O problema que enfrentamos numa formação de professoresintercultural ao por em relação diferentes práticas sociais é o desejo deque as diferentes culturas em confronto se compreendam, sem perdernada do que são e, ao mesmo tempo, e de que esperem em algumamedida traduzir suas preocupações uma na outra (SANTOS, 1995). Odesafio é o de construir uma formação que seja capaz de aumentara comunicabilidade entre perspectivas distintas, considerando-seque as desigualdades sociais e de acesso à educação produzemsilenciamentos. De um lado, pela falta dos meios conceituais, do poderda argumentação e da autoridade para se dizer falante de um campode explicações que lhe é completamente estranho e, a arrogância daciência, de outro, na medida em que os conhecimentos científicos

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negam outras formas de conhecimento como legítimos.A resposta parece simples, conferir ao professor de ciências o

papel de mediador cultural. Concebê-lo como aquele que tem comoatividade precípua a articulação entre saberes oriundos da prática dese produzir e reproduzir a vida no campo com os saberes originadosda subcultura científica. A empreitada nada tem de simples. Comoaproximar culturas diferentes e promover um cruzamento de fronteiras,sem que nada percam do que são e ainda encontrar comunicabilidadeentre conhecimentos e práticas que têm estatutos diferentes?

AAPROXIMAÇÃO ENTRE CONHECIMENTO CIENTÍFICO ECONHECIMENTOS POPULARES OU COMO TEMOS FORMADOPROFESSORES DO CAMPO PARA O CAMPO

Um dos maiores desafios colocados por nós na formação doeducador do campo é o de levar ao fim e ao cabo uma proposta teórico-prática que tenha o compromisso de promover o diálogo intercultural.Que caminho temos perseguido para tentar tal aproximação?

Valendo-nos dos educadores do campo em formação comorepresentantes de suas comunidades, propusemos uma investigaçãopara eles realizarem nas localidades onde vivem e trabalham. Essainvestigação está sendo reeditada a cada nova turma (2005, 2008e 2009) assumindo diferentes propósitos e ênfases em função dacompreensão que temos formado sobre quem são os sujeitos dessecurso, suas necessidades formativas e das questões que o campoindaga à academia. A orientação dessa atividade é constituída por umconjunto de questões que provisoriamente respondidas no contatodesses sujeitos comas famílias, os agricultores, as crianças e os jovensdo campo que freqüentam as escolas ou ainda com investigaçõesrealizadas nas escolas rurais por meio de diálogos com seus agentes.O movimento no interior de cada foco da pesquisa passa igualmentepor três questões. A primeira delas indaga sobre os problemas queesses sujeitos enfrentam: na saúde, na lida com a terra, no ensino deciências, na aprendizagem, na gestão, etc. A segunda, pergunta como

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esses problemas são enfrentados: a quem e a que recorrem. A últimapergunta remete aos conhecimentos supostamente importantes paraenfrentar os problemas identificados ou tematizados na atividade.Essa pergunta final nos dá pistas sobre como podemos contribuir paraa formação deles no sentido de abrir-lhes outras janelas.

Qual a importância dessa atividade e em que sentido ela podenos ajudar a formar o educador do campo?Aprodução dos estudantesem resposta a essa atividade tem nos orientado de um modo maispragmático em estabelecer nexos entre os problemas relatados poreles e os conteúdos conceituais que dão sustentação às explicaçõescientíficas. Esses dados nos auxiliam na definição de temáticas quecontemplam conteúdos didáticos de ciências, sem nos esquecermosdo lúdico, do belo, do curioso, quer sejam eles “socialmente relevantes”ou não (LIMA, PAULA e SANTOS, 2009).

INVERSÃO DA FLECHA OU COMO OS FINS ORIENTAM OSPRINCÍPIOS ORGANIZADORES DO CURRÍCULO DE CIÊNCIAS

Ao concebermos o curso de formação do educador do campoadotamos como princípio formativo o compromisso com os anseiosdas comunidades do campo, em suas lutas pela melhoria da qualidadede vida. Isso significou fazer escolhas político-pedagógicas coerentescom as bandeiras sociais, culturais, éticas e políticas do movimentodos trabalhadores do campo, (LIMA, PAULA e SANTOS, 2009).

A habilitação em Ciências da Vida e da Natureza – CVN –está em consonância com a proposta do Parecer 9/2001 (CNE/CP)do Conselho Nacional de Educação, que fundamenta as “DiretrizesCurriculares Nacionais para a Formação de Professores da EducaçãoBásica”, quando coloca que uma das questões a serem enfrentadas naformação de professores diz respeito exatamente à “segmentação daformação de professores e descontinuidade na formação dos alunosda educação básica”.

Para enfrentar uma realidade que exige qualificaçãomultidisciplinar, o curso de CVN constitui-se a partir de um currículo

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temático e orientado por questões trazidas das realidades daquelascomunidades. Isso foi feito dentro de uma normativa legal que nospermite a organização por áreas de conhecimento, seguindo asDiretrizes Curriculares Nacionais que estão propostas em quatrograndes áreas, mesmo que as escolas mantenham uma organizaçãodisciplinar.

OcursodeLicenciaturadoCampo tem4anosdeduração, sendo8 períodos de Tempo Escola (TE) e 8 períodos de Tempo Comunidade(TC). Cada tempo escola (TE) tem duração, aproximadamente, de 40dias de 8 horas aula diárias, onde são realizados seminários temáticos;círculos de produção de conhecimento; trabalhos de campo, entreoutros. Nos tempos comunidades (TC) são realizadas atividades depesquisa, aprofundamento; estudos autônomos de conteúdos já vistosno tempo escola; estágios, entre outros.

Aconcepção inicial do projeto de formação orientou-se por fazeruma abordagem por área de conhecimento, centrada na definição daárea como produto de conhecimentos oriundos da química, física,geofísica, biologia e astronomia. A partir daí foram eleitas algumasidéias chave que estruturam o pensamento das disciplinas como,por exemplo, energia, reações químicas, diversidade, adaptaçãoe evolução, etc. Tais idéias foram, então, organizadas em torno degrandes temas presumidas como sendo do interesse da humanidade,de um modo geral. Chamamos esse rol de compromissos conceituaiseleitos para serem ensinados de projeto de dizer da academia.

A realização da pesquisa feita por eles, junto às comunidadesde onde vieram com vistas a identificar temas e problemas que ocampo indaga à academia promoveu rápidas mudanças nas escolhasque havíamos feito. Os resultados foram apresentados por eles eregistrados por nós. Essa iniciativa foi chamada de projeto de ouvir oseducadores do Campo.

O encontro entre os projetos de dizer e de ouvir nos fez invertera flecha em termos de organização do currículo. Os conceitos ou idéiaschaves passaram a fazer parte do currículo como uma conseqüênciadaquilo que se mostra necessário tematizar, problematizar,

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compreender.Pensamos o mundo a partir das ferramentas culturais e os

conceitos,modeloseteoriassãoalgumasdessasferramentas.Contudo,em vez de se fornecer um rol de ferramentas culturais genéricas paraserem usadas pelos estudantes ao se depararem com as situaçõesconcretas da vida, passamos a pautar situações ou temas pertinentesa vida do campo. Desse modo, tais ferramentas vêm deixando de seimporem como condição que antecede os problemas do mundo quepesam sobre as populações do campo. A expressão “vêm deixando”foi usada propositalmente para mostrar que essa atitude exige de nósvigilância e crítica permanentes sobre nossa prática e as teorizaçõesque se fazem necessárias para compreender as conseqüências dessaopção.

Algunsdosproblemas tratadosnocursoestão relacionadoscomataques de pragas nas lavouras e técnicas alternativas de combate, aconcorrência desleal entre produtos ecológicos, oriundos da agriculturafamiliar e os demais comercializados pelo agronegócio. Existem osproblemas ligados à saúde bucal, à desnutrição, ao alcoolismo, àassistência materno-infantil, à sexualidade, à violência contra amulher,aos trabalhos escravo e infantil. São, ainda, contempladas as práticasalternativas de produção e conservação de alimentos e de sementes, ouso de plantas medicinais e homeopatia, o recurso a rezas e simpatiaspara combater o veneno de picadas de insetos, os mitos relacionadosàs influências da lua em fenômenos cotidianos, a geração espontâneade microrganismos. Temos tratado de problemas relacionados à água,tais como: disponibilidade, qualidade, tratamento, usos, disputas,transposição de rios, construção de açudes e conflitos por água. Porfim, têm sido considerados problemas relacionados com qualidadee degradação de solos, com o uso de agrotóxicos, organismostransgênicos, com a monocultura e com a biodiversidade. Todos essesproblemas não são abstraídos dos problemas sociais mais amplos deque fazem parte tais como os conflitos agrários. (LIMA, FIGUEIREDOe SÁ, 2009)

A partir desses mapeamentos o nosso projeto de dizer tem

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sofrido algumas alterações. São esses problemas que têm nosapontado os conceitos ou ideias capazes de auxiliar na discussão daciência e da tecnologia que deve estar a serviço da sociedade.

Na primeira turma ofertada em 2005 procuramos contextossignificativos para seensinar conceitos quedefinimosaprioristicamentecomo sendo estruturadores de cada campo disciplinar (APEC, 2003).A partir do momento que o campo passou a indagar à universidadesobre a realidade e as contradições entre campo e cidade, a nossaproposta curricular foi sendo reorientada. A flecha já começa a seinverter desde aquilo que julgamos importante e queremos ensinarpara aquilo que os sujeitos julgam que precisam aprender. Esseencontro entre projetos de dizer e de ouvir é que tem redefinido osconhecimentospedagógicosdosconteúdoscurricularesenossapráticacomo formadores de professores para a educação básica. O desafioatual do currículo de ciências é tratar uma gama de conhecimentosa partir de suas dimensões mais amplas como formação histórica eepistemológica, bem como encontro de diferentes racionalidades.

Desse modo, os conhecimentos universalmente construídossão franqueados a todos como direito de cidadania, mas não sãoensinados apenas por sua universalidade, e sim pelo papel que elesdesempenham na explicação da natureza e na vida das pessoas docampo. Ensiná-los a investigar situações da vida no campo é algo queacreditamos contribuir para a busca de um entendimento mais amplodos problemas que lhes são recorrentes e dos modos de preveni-los,solucioná-los ou enfrentá-los. Essa opção configura-se como umaepistemologia da prática, orientadora de uma determinada concepçãode formação de professores e de ensino de ciências.

Acreditamos no potencial que as situações-problema têm deindicar a necessidade e o desejo de saber que impelem os sujeitosem busca de respostas. Além disso, estamos apostando que essaexperiência nos levará a um melhor entendimento da pedagogiada alternância, que está na base da organização do curso. Aalternância se estrutura como uma metodologia pedagógica em queos estudantes passam um tempo juntos nos centros de formação –

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chamado tempo escola – e, depois retornam ao campo onde viveme trabalham – chamado tempo comunidade –, dando continuidadeaos estudos previamente orientados e assistidos por orientadores deaprendizagem a distância. O propósito da alternância é, também, deque o trabalho de plantio, colheita e capina não se constituam comoempecilhos à freqüência as aulas. O ensino e a aprendizagem, nessesentido, devem impingir aos formadores uma maior organicidade entreteoria e prática. A investigação, solicitada aos estudantes, de suarealidade social a partir de contribuições das ciências é o objeto deaprendizagem que materializa esse diálogo. É o elo de ligação entreo conhecimento científico e as formas alternativas de conhecimentostransmitidas de geração em geração.

De acordo com uma educação emancipatória defendida porPaulo Freire (1980) a constituição de um sujeito capaz de pensar etransformar o mundo passa por estabelecer com outros homensrelações de reciprocidade entre culturas e histórias. Aprender ciêncianesse caso envolve a aprendizagem de se fazer ciências ou deaprender a produzir conhecimento sistematizado dentro de certaracionalidade, que tem seus métodos próprios, bem como modosespecíficos de comunicar e validar os achados. Por fim, ao conduzirmosos estudantes como um grupo de pesquisa, acreditamos trilhar umpercurso investigativo, longitudinalmente orientado para que cada umproduza ao final o seu trabalho de conclusão de curso e que nós,também, possamos aprender sobre a formação do educador do campoe repensar os modos que temos utilizado para formar professores noâmbito das tradicionais licenciaturas em que já atuamos.

Sendo assim, a atividade investigativa tem se constituído paranós em um princípio educativo. Não só ensinamos como aprendemospor meio dela. Na medida em que os resultados dessas investigaçõesretornam ao curso, não estamos somente nos educando ou sendoeducados, mas estamos novamente pesquisando. Conforme descritopor Paulo Freire, pesquisar e educar se identificam num permanente edinâmico movimento (1983:36).

Formação de professores de ciências para o campo tem como

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desafio criar cruzamentos capazes de fazer com que se manifestemnas instituições os limites de flexibilidade e aomesmo tempo o senso deoportunidade para encontrar brechas para promover as combinaçõespossíveis de diferentes proposições curriculares e, nesse diálogo,com a humildade de quem definitivamente não sabe como promover ocruzamento entre perspectivas culturais distintas, acreditamos que daípoderão surgir modos diferentes de formar professores em relação aosmodos usuais que têm sido utilizados. Essa saída, aqui chamada decruzamento de culturas ou encontro/confronto de perspectivas podetrazer alguns tipos de estruturação apropriados a uma nova sociedade(CERTEAU, 2008).

O ALPENDRE E A BAGACEIRA

Estamos de volta à epígrafe desse texto, “Então o alpendre e abagaceira se transformam em laboratório”. A formação de professoresdo campo e para o campo tem sido nosso laboratório, onde em vezde fazermos “experiências com coelhos” ou com tubos de ensaio,experimentamos um diálogo a favor da compreensão de mundoscindidos pela exclusão, subjugação e negação do outro como legítimo.

Por que alpendre? Recordo minha casa. Morada da infância eadolescência. Não poderia chamar varanda. Aquele lugar era mesmoalpendre. Alpendre, na arquitetura, é onde se encontram casa e rua,o sagrado e o profano, o privado e o que é público, o nós e os outrosde nós. Era lá que assentávamos à tardinha para “tomar a fresca”, epara um “dedo de prosa” com os que passam e paravam sem pressade ir, uma hora debruçados na soleira do alpendre, outras puxandopara si um tamborete para se acomodar. Nós ficávamos ali, horas a fioassentados em um banco comprido de madeira, balsamo puro, peçainteira, tosco e centenário. Lugar de pouso e cochilo.

O alpendre da casa que mora em mim era mesmo, comoaprendi com JoãoCabral deMelo Neto, um laboratório. Onde se labuta,labora, elabora, aprende. Experimenta a vida em si mesma na suasimplicidade. A formação de educadores do campo e para o campo na

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área de ciências da vida e da natureza nos traz de volta ao alpendre.Estatelada na bagaceira procuro sentidos, em outros sentidos, comoaprendi com Bakhtin, provoco outras vozes que queiram fazer partedesse diálogo.

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A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DECIÊNCIAS DA NATUREZA NA TENSÃO COMAS CIÊNCIAS DE REFERÊNCIA: ENTREAS COMPLEXIDADES E PRECARIEDADESDA CIDADE E DAS ESCOLAS E A BATUTAELEGANTE, FRIA E FIRME DA CIÊNCIAMurilo Cruz LealUniversidade Federal de São João Del-Rei

1, 2, 3, 4, 5Câncer, câncer

As usinas atômicasCâncer, câncer

A guerra bacteriológicaCâncer, câncer

O armamento químicoCâncer, câncer

Matam os químicos, matam os físicos, matam osmatemáticos

Câncer, câncer

Câncer, câncerCâncer, câncer

Letra da música ‘Câncer’, da banda de punk rock ‘HinoMortal’.

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INTRODUÇÃO

A formação de professores de Ciências da Natureza implica apolarização entre os sentidos e significados da docência, por um lado,e os de ciência, pelo outro; pelo menos. Neste artigo, nosso intuito écaracterizar e problematizar tal polarização, em termos dos para quê,aonde, quando e como fazer (se faz) a formação de professores deCiências da Natureza.

Das três esferas que se apresentam relacionadas a esteprocesso, a da concepção e gestão das políticas educacionais e deformação de professores, a da formação e a da prática dos professoresde Ciências da Natureza, nosso foco dirige-se ao par formação deprofessores–práticaprofissionalnaEducaçãoBásica.Se, formalmente,tais esferas se relacionam, as vivências de seus agentes costumamser marcadas pela separação, por um distanciamento exagerado.

Se a educação é componente fundamental no projeto dedesenvolvimento nacional, materializado em leis e orientações (comoa LDB e o Plano Nacional de Educação), a docência é atividadeprofissional especializada, com parâmetros e atributos muito distintosdaqueles que regem a prática científica tradicional (terreno em que,nas universidades, se centra o processo de formação de professores),e cuja desvalorização financeira e sociocultural gera grandestranstornos, mal estar e adoecimento. Nesse contexto, percebemos ainexistência de uma rede de solidariedade e enfrentamento articuladodos problemas de ordem material e conceitual que constrangemsujeitos e possibilidades da Educação Básica.

Posta esta breve e ampla avaliação inicial, passemos àproblematização dos modos, condições e motivações da formação deprofessores de Ciências da Natureza.

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PARA QUÊ FORMAR PROFESSORES DE CIÊNCIAS DANATUREZA?

A formação do professor de Ciências da Natureza pode serum antecedente para o surgimento de futuros cientistas. Mas paraquê servem, a que e a quem servem os cientistas? Na tentativa deresponder esta questão, são úteis os conhecimentos da sociologia eda antropologia da ciência, conforme trabalhados, entre outros, porChretien, 1994 ; Deus, 1979; Latour, 2000 e 2001; Latour e Woolgar,1997; Schwartz, 1992 e Weizsäcker, 1972.

A formação do professor de Ciências da Natureza pode sertambém para atender à necessidade, na Educação Básica, deprofessores de Biologia, Física e Química. Mas como e para quêsaber Biologia, Física e Química (B, F e Q)? Na tentativa de responderesta questão, são úteis os conhecimentos de epistemologia, históriae filosofia da ciência, conforme trabalhados, entre outros, por Astolfi eDevelay; 2008; Beltran et al., 2009; Matthews, 1995; Chalmers, 1993;Leal, 2001; Morais, 1988 e 2007; Pombo, 2009; Praia e Cachapuz,1998 e Silva, 2006.

Mas a formação do professor de Ciências da Naturezapode ainda ser para criar condições profissionais e sociais para aalfabetização ou o letramento científico das novas gerações, tendo emvista uma condição mais cidadã, crítica, reflexiva, participativa na vidasociocultural e político-econômica. Mas o que é isso, como assim?Seria uma combinação de interdisciplinaridade e contextualização(esses conceitos-empreitadas tão vagos e complexos)? (Para umaaproximaçãoeo tensionamento comestesdois conceitos-empreitadas,sugere-se a leitura de Chassot eOliveira, 1998; Marcondes et al., 2007;Martins, 2002; Milaré et al., 2009; Morin, 2006; Ricardo, 2007; Santose Mortimer, 2009; Santos e Schnetzler, 1997 e Vázquez-Alonso et al.,2008).

Se, em uma extremidade, uma resposta for considerada fácile executável (do tipo formar 1000 professores de Física), ela poderágerar muitos efeitos colaterais e reações adversas indesejáveis

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e imprevisíveis. Se, no outro extremo, a resposta for consideradasatisfatória, robusta, consistente (formar 1000 professores de Físicana perspectiva da interdisciplinaridade e da contextualização), elapoderá gerar nada ou quase nada do que é suposto, quando entrar emrelação com a realidade, com os sujeitos e as condições de produçãoreais (LEAL, 2003; LOPES 2002 e 2005; RICARDO, 2005; TRINDADE,2004).

AONDE SE DÁ A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE CIÊNCIAS DANATUREZA?

A formação do professor de Ciências da Natureza no Paísdá-se em Universidades, Centros Universitários e em FaculdadesIsoladas, nos diversos cursos de licenciaturas de Biologia, CiênciasBiológicas, Física e Química espalhados pelo Brasil. No passado e nopresente-futuro, há os cursos de Ciências, de Ciências da Natureza,os de ontem criticados pela polivalência e os de amanhã elogiadospela inter e/ou transdisciplinaridade.

Em instituições de ensino superior (IES) menores, menosestruturadas, talvez a formação de professores de Ciências daNatureza padeça de corpo docente qualificado, dedicado e comcondições de trabalho favoráveis, e de infraestrutura informática, debiblioteca e de laboratórios. Nas Universidades Públicas, notadamenteas Estaduais e as Federais, a formação do professor de Ciências daNatureza padece de excesso de Biologia, Física e Química em relaçãoao que vem a ser dar aulas, ser professor, ensinar uma Ciência daNatureza. A docência fica atrás da Natureza que fica atrás da Ciência.O lugar de viver a Ciência é um lugar especial e muito distante dasescolas de Ensino Médio e Ensino Fundamental. Parece mágica, masé de lá que vêm os professores que vão dar aulas no Ensino Médio eFundamental.

Além da formação inicial, há também a formação continuada,permanentemente ou eventualmente vivenciada pelos professoresda Educação Básica, em grupos de estudos na própria escola ou em

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outra agência articuladora (o mais raro) ou em cursos de capacitação,concebidos e comandados por autoridades da Ciência ou da EducaçãoCientífica.Grupos de estudos podemser produtivos e fortalecedores oucansativos e estéreis. Se há tempos, espaços e materiais adequados,efetiva valorização (traduzida em reconhecimento, financiamento econseqüências institucionais concretas) e, portanto, perspectivassatisfatórias, eles deverão resultar produtivos e fortalecedores dosprofissionais envolvidos. Nesse sentido, os cursos de formaçãocontinuada devem ser pensados e repensados em termos de:sua concepção (transmissão unilaterial, discussão dialógica etc.),suas condições (adequação de tempos e espaços), expectativasrelacionadas (promoção financeira, perda de tempo, planejamentoestratégico institucional de reformulação pedagógica e curricular etc.).

Enquanto a docência é uma intervenção social, algo quematerialmente se perde quando se faz, fica para traz no tocar dacirene do final das aulas, a Natureza é tudo de mais importante epuro e a Ciência é uma das melhores e mais poderosas fontes depoder, permanência e distinção. A docência é ainda (ou por isso)desvalorizada pela sociedade e sofrida pelos praticantes – a ponto de‘o mal estar docente’ tornar-se campo de estudos e pesquisas (CODO,1999; CODO, SAMPAIO e HITOMI, 1994; ESTEVE, 1999).

Da infra-estrutura à concepção, problemas os mais diversoscaracterizam a formação e a prática profissional de professoresde Ciências da Natureza (Cachapuz et. al. 2005; Leal, 2007; Leale Mortimer, 2008; Maldaner, 2000; Schnetzler e Aragão, 2000;Schnetzler, 2002; Zanon e Maldaner, 2007). Em um grande esquema,como uma grande máquina sociocultural constituída por engrenagensdiscursivas, legislativas e de práticas institucionais, que rodam erodam sobre seus próprios eixos, a formação determina a prática quedetermina a formação. As dores sentidas, as convicções favoritas e asexpectativas dominantes condicionam o presente.

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QUANDO

A partir de demandas sociais e/ou políticas públicas deu-se ainstalação e a ampliação de IES no País. Muitos dos movimentos deampliação de oferta de vagas no Ensino Superior, com a conseqüentecontrataçãodeespecialistas nasCiências daNaturezaeoutros camposde conhecimento para os quadros docentes das IES, relacionaram-seà necessidade quantitativa de professores para a Educação Básica.Desse modo, do lugar do político, da gestão ampla, vem o comandolegislativo e o estabelecimento de condições objetivas para que sefaça a formação de professores; grupos profissionais e acadêmicos– incluindo administradores, empresários, biólogos, físicos, químicos,pedagogos – organizam as unidades de formação com base nasdemandas e diretrizes disponíveis. Finalmente, surgem os sujeitosque, por opção ou falta de opção ingressam, cursam e se formamprofessores na área de Ciências da Natureza.

O que? Quem? Onde? Como?

Esferapolítica,legislativa

Políticaspúblicas;Diretrizes eParâmetrosCurriculares.

Legisladores,políticos,

doutores emEducação

Em Brasília, emBelo Horizonte.

Como crêemque deve ser.

Esferaformativa

Licenciaturas deB, F e Q.

Biólogos, Físicos,Químicos eoutros.

Nas cidadespólos regionais.

Como deveser.

Esferada açãoprofissional

Aulas de B, F eQ na Educação

Básica.

Professores deB, F e Q.

Em praticamentetodas as cidades

do País.

Como dá parafazer.

Esquema 1: Esferas de definição da missão e da formação identitária-profissional dos profes-

sores de Ciências da Natureza.

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COMO

As crianças estão com as tias, as professorinhas (em sentidocarinhoso, comoZiraldo se refere a ‘uma professoramuitomaluquinha’,por exemplo), os adolescentes estão com os professores de Ciências(B, F e Q); os jovens estão com os Biólogos, os Físicos, os Químicos.Estes formam aqueles (em um lugar onde certas coisas importam)para trabalhar com aqueles outros (em um outro lugar muito diferente,onde outras coisas importam ou deveriam importar). Nos anos iniciaisdo Ensino Fundamental, o tempo em que os professores ficam emuma escola e com os mesmos alunos, constituindo suas realidades eintegrando sua identidade e condições de ser e de vir-a-ser conscientee coletivamente, é muito maior do que o dos professores do EnsinoMédio. Lá os professores são professores dos alunos; aqui, sãoprofessores da Biologia, da Física ou da Química.

Dessemodo, àmedida que subimos nos anos de escolarização,menos ligados à Educação e mais ligados à Ciência de referênciaestão os professores. Enquanto uma professora das séries iniciaisdo Ensino Fundamental está envolvida em um projeto educacionalpara as crianças – letramento na língua materna e na matemática,dentre outros objetivos, – uma professora do Ensino Médio ou vaiser da Biologia, da Física ou da Química; ela não é (ou é menos)da Educação. Seus referentes fundamentais são os conteúdosdisciplinares: a eles, ela deve a identidade e estabilidade e, portanto,justamente, fidelidade. Essa condição muitas vezes se aprofundaainda mais nas universidades.

Na perspectiva do “programa comprido, programa cumprido”,ficamuitodifícil pensarna formaçãodecidadãoscríticoseparticipativos.O que normalmente acontece com os currículos e programas deensino é que eles incluem temas e conceitos demais. O conteudismoestrito e volumoso parece conduzir à formação de “enciclopédiasbiológicas” – pessoas contendo uma infinidade de verbetes de Biologia,Física e Química: bonitos e importantes, no entanto, fragmentados,precarizados conceitualmente e descontextualizados. É uma situação

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que nos remete ao título escolhido por Edgard Morin para um de seuslivros: A cabeça bem feita. Ele diz logo no início, citando Montaigne:mais vale uma cabeça bem feita do que uma cabeça bem cheia. Eexplica: uma cabeça bem feita é uma cabeça apta a organizar, ligaros conhecimentos e lhes dar sentido (MORIN, 2006, p. 21). Já aacumulação de conhecimentos não ou mal articulados configura umacabeça bem cheia (p. 24).

Em nossa percepção, uma dupla passividade é instauradapelo modelo de ensino-aprendizagem por transmissão-recepção:a dos alunos receptores de saberes alheios e a dos professores.Se, como professores, assumirmos o lugar de repassadores, nãoreelaborarmos os saberes e não trabalharmos com materiais diversos,não realizarmos estudos, análises, sínteses e críticas e nem nosenvolvermos em grupos de discussão sobre a Ciência e o seu ensino,estaremos também numa condição marcada pela passividade –que pode, inclusive, contribuir para sentimentos de incompreensão,desolamento, frustração e desmotivação.

Uma das constatações mais repetidas e superficiais queconheço é: se a universidade é boa é porque seu corpo docente ébem qualificado. Bem qualificado para fazer o quê? Como? Paraquê? Fazer ciência que gera resultados e inicia novos cientistas epossibilita a publicação de artigos e a distinção decorrente do tamanhoe da composição da listagem de artigos, intervenções (palestras,conferências) e processos produzidos (bancas, orientações)? Essetem sido o nosso caminho para o reconhecimento, as medalhas eoutras condecorações. Mas quantas qualidades ficam de fora dessalógica?

Nesse sentido, um Químico, por exemplo, professor formadorde professores de Química na Universidade, não conhece as escolasonde seus ex-alunos trabalham ou onde os atuais e futuros alunos irãotrabalhar. E os professores de Química da Educação Básica, vindosda Universidade, sabem pouco sobre a cidade, suas gentes, suadinâmica de identidades, de interesses e de poder, e também sabempouco da química dessa realidade. A formação que receberam, por

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simplificação e método, tratou fundamentalmente de sistemas padrão,otimizados, linearizados, sem impurezas, sem interesses: neutros,simples e elegantes, modelares, descontextualizados. Assim tomada aQuímica, com respeito, austeridade e fé, junto com as demais Ciênciasda Natureza vão, nas licenciaturas, se constituindo profissionais emnome da cientificização e da naturalização.

Tais processos, cientificização e naturalização,coincidentemente ou não, são forças rivais de processos e atitudespró-interdisciplinaridade e pró-contextualização. Então, para quandoserá o projeto de formar para o posicionamento crítico e cidadão?

Sea formaçãoécientificistaenaturalizante, o resultadonãoseráinterdisciplinar e contextualizado. E se é só demagógico e eleitoreiro ovalor dado para a Educação, as condições para mudar a natureza daformação e para mudar as condições de trabalho, a atratividade e asatisfação com a docência na Educação Básica também vão demorar.

Na Universidade. Na Universidade. Na cidade.

O Químico!o Professor de Química...

Que dá aulas eforma profissionais;então, é Professor.

Veio da Faculdade ou da Universidade,sabe Química e gostaria de ser Químico,trabalhar na indústria ou ser pesquisador.Às vezes ele é chamado para ou resolve ir

fazer Mestrado.

Esquema 2: O Químico forma o professor de Química.

O que se faz hoje depende muito do que aconteceu no passado(experiências, vivências, constatações) e do que irá acontecer nofuturo (expectativas). O que um jovem ou um adulto vê na realidadedo fazer docente na Educação Básica – inclusive e de modo especialnos ambientes de formação de professores de Ciências da Natureza –

FORMA

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ele não quer para si, nem para seus amigos, nem para seus filhos. Oque vemos, lemos e ouvimos nas discussões sobre formação e práticadocente envolve, com frequência, desvalorização, más condições emal estar.

CONCLUSÕES/RECOMENDAÇÕES

A complexidade e os impasses aos quais estamos submetidosna formação e na prática profissional de professores de Ciências daNaturezasãoaomesmo tempo intensosevolumosos (quandosomadasas diversas porções de diferentes impasses e outros elementoscomplexificadores). A atenção com a tensão posta aqui e ao modocomo foi colocada – polarizando e ao mesmo tempo aproximandoas formações e os perfis de cientistas e de professores de Ciências–, talvez possa contribuir para adicionar oxigênio, perturbando oordenamento conceitual e a massa de sentimentos mobilizados pelaproblemática da formação de professores de Ciências da Natureza.

Seria basicamente uma a recomendação, apontada paraprofessores, formadores de professores, licenciandos, gestorese legisladores: formar cientistas e professores de Ciências comointelectuais, atentos para a realidade em si mesmos e ao redor,observando as dinâmicas de determinações cruzadas envolvendoelementos científicos, tecnológicos, culturais, sociais, políticos eeconômicos. Afinal, é dentro dessa malha ou matriz complexa que seformam e agem os biólogos, os físicos os químicos e os professoresdas Ciências da Natureza.

Uma ‘Didática das Ciências para Todos’ (para formar cientistase professores em Ciências da Natureza) pode ser estabelecida, emsuas linhas temáticas gerais, a partir de uma ampla revisão de literaturarealizada por Cachapuz, et al. (2005a); ela incluiria: concepçõesalternativas, resolução de problemas, práticas de laboratório, trabalhosde campo, materiais didáticos, relações CTS e CTSA, linguagem ecomunicação, currículo, concepções epistemológicas de professores,questões axiológicas (diferenças de gênero, diversidade cultural,

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relações de poder), uso de novas tecnologias. Podemos considerartambém as áreas temáticas do XIV Encontro Nacional de Ensino deQuímica, realizado em Curitiba, de 21 a 24 de julho de 2008: Currículoe avaliação; Ensino e aprendizagem; Ensino e Cultura; Ensino emEspaços não formais; Experimentação no ensino; Formação deprofessores; História e Filosofia da Ciência no ensino; Linguagem ecognição;Materiais didáticos;Tecnologia da informaçãoecomunicaçãono ensino (GUIMARÃES, 2008, s/p).

A orientação não é para a contextualização ou para ainterdisciplinaridade, mas para uma permanente problematização dequem somos e do que fazemos, pela desnaturalização das instituições,lugares profissionais e processos formativos – eles não são ou estãocomo estão porque tem que ser, porque é natural que assim o sejamou porque Deus quis. São frutos de quereres, interesses e concepçõesem jogo, em disputa.

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RECEITA DE BOM PROFESSOR: TODOMUNDO TEM A SUA, EU TAMBÉM TENHO AMINHA!Sílvia Nogueira ChavesUniversidade Federal do Pará

Ó Pai não deixes que façam de mim o que da pedra tufizestes. E que a fria luz da razão não cale o azul da auraque me vestes. Dá-me leveza nas mãos.Faze de mimum nobre domador laçando acordes e versos dispersosno tempo pro templo do amor. Que se eu tiver que ficarnu hei de envolver-me em pura poesia e dela farei minhacasa, minha asa, loucura de cada dia. Dá-me o silêncioda noite pra ouvir o sapo namorar a lua. Dá-me direito aoaçoite. ao ócio, ao cio, à vadiagem pela rua. Deixa-meperder a hora pra ter tempo de encontrar a rima.Ver omundo de dentro pra fora e a beleza que aflora de baixopra cima.Ó meu Pai, dá-me o direito de dizer coisas semsentido, de não ter que ser perfeito pretérito, sujeito,artigo definido. De me apaixonar todo dia. De ser maisjovem que meu filho e ir aprendendo com ele a magiade nunca perder o brilho.Virar os dados do destino. Deme contradizer, de não ter meta Me reinventar, ser meupróprio Deus. Viver menino, morrer poeta

(Alma Nua- Vander Lee)

Olho para a tela em branco do computador e sinto-me, comoa personagem de Clarice Lispector (1998), vivendo a cerimônia dainiciação da palavra. Tomada pelo gosto das palavras escrevo criandoo que dizer com pouca ou nenhuma certeza para onde as palavras

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me levarão. Em meio a inúmeros esboços sobre o que falar acercado tema que me foi confiado nesse simpósio navego sem direção fixa.Tanto já foi dito sobre o tema que qualquer direção que tome parecereproduzir rotas exaustivamente visitadas.

Quem sabe deixando-me ir à deriva, na ‘calmaria’, encontre umcaminho novo como aquele que trouxe o colonizador até essas terras!Quem sabe ouso um improviso! Uma variação sobre o tema, como sefaz no jazz que se vai inventando na medida em que se toca diante daplatéia. Invenção! Essa é a palavra. Falarei como a personagem deClarice de uma verdade inventada, ou melhor, de múltiplas verdades,próprias desse mundo, como nos ensinou Foucault (2008), dosregimes, dos “jogos de verdade” acolhidos e postos em circulaçãosobre formação de professores das, ditas, ciências da natureza e dopapel que desempenham na fabricação de formas autorizadas de serprofessor. Para, então, ensaiar uma nova política da verdade, de ondeextrairei os ingredientes necessários para minha própria receita debom professor.

Não irei, contudo, discutir contingências e relações queproduziram discursos hegemônicos sobre essa ou aquela forma dese compreender e ensinar as chamadas ciências da natureza, masproblematizar os efeitos dessas diferentes formas de compreensãono aparecimento das tais tendências e perspectivas de formação deprofessores de ciências.

Começarei estranhando a tipificação que acompanha a palavraprofessor no título desse simpósio; Professor de ciências da natureza.O adjetivo natural ou em seu plural, naturais, há tanto vem qualificandoas ciências dessa área (WORTMANN, 2001) que já se ‘naturalizou’ emnosso vocabulário. Contudo, cabe questionar: que são Ciências danatureza? No que consiste essa natureza, objeto único de estudo devárias ciências? De que natureza falamos? Acaso o que chamamosde ‘natureza humana’ estaria contemplada entre os objetos dessasciências? Só existe uma natureza, uma vez que a palavra estáflexionada no singular?

O artigo definido em sua singularidade remete à noção de

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natureza como objeto/lugar fixo, estável, pré-existente ao humano, deonde se extrai conhecimentos e se ensina sobre eles. Minha questãocentral é: natureza é essencialmente algo ou a forma como nomeamos,inscrevemos, classificamos, organizamos, enfim, fabricamos essealgo?

Diferentes respostas a essa questão tem, ao longo da históriada humanidade, se desdobrado em distintas formas de produzirconhecimentos, propor educação em ‘Ciências da Natureza’ e,consequentemente, a formação de professores para ensinar taisciências. É sobre essas distintas formas que me ocuparei doravantetrabalhando no intervalo móvel e movediço entre produção deconhecimento, ensino de ciências e formação docente. Com essepropósito, faço recortesmais de ordem epistemológica que cronológicaa fim de situar a compreensão que encontro em Foucault (2005) deque as condições de possibilidade de existência de determinadosobjetos são produzidas em intricados e complexos feixes de relações.

Assim, esse objeto chamado ‘natureza’ e as ciências que delederivam não preexistem a si mesmos, não estavam prontos paraserem descobertos por um suposto método adequado para enxergá-lo ou interpretá-lo, como preferia Bacon (1973) ao propor seu NovumOrganum.

Só há e só pode haver duas vias para a investigaçãoe para a descoberta da verdade. Uma, que consisteno saltar das sensações e das coisas particulares aosaxiomas mais gerais e, a seguir, descobrirem-se osaxiomas intermediários a partir desses princípios e desua inamovível verdade. Esta é a que ora se segue. Aoutra, que recolhe os axiomas dos dados dos sentidose particulares, ascendendo contínua e gradualmenteaté alcançar, em último lugar, os princípios de máximageneralidade. Este é o verdadeiro caminho, porém aindanão instaurado. (BACON, aforismo XIX)

Esse verdadeiro caminho de que nos fala Bacon inscreve e

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produz novo regime de verdade em contraposição à verdade queperdurou longamente até o final do medievo, na qual natureza éentendida como tempo e espaço de expressão divina. Seus mistériose segredos estavam dispostos ao olhar humano apenas para seremcontemplados.Aproposição e circulaçãodométodoexperimental comoa verdadeira forma de interpretação (e uso) da natureza produz uma‘nova natureza’. Esta, permanecendo em uma conotação substantiva,torna-se objeto passível de compreensão, controle e manipulação.Uma natureza que passa a revelar seus segredos quando submetidaa tormentos (vexationes no original) (BACON, aforismo XCVIII). Umanatureza mulher, mãe a ser explorada para proporcionar conforto eprogresso aos seus filhos.

Ainda que essa compreensão de natureza já estivesse presenteno séc. XVI seus efeitos, sua produtividade no âmbito da educaçãoem ciências se fizeram sentir com intensidade no século XX. Se naprimeira metade daquele século as ciências da natureza ocupavamlugar de pouco destaque nos currículos escolares e seu ensinoobjetivava ilustrar os estudantes o potencial bélico demonstrado peloconhecimento científico na segunda metade do século XX contribuiupara ampliar o prestígio e alçar a outro patamar o status da ciência, nomeio escolar inclusive.

O suposto êxito dos processos de domesticação emanipulaçãodos fenômenos naturais a serviço do predomínio político, econômicoe cultural de grupos sociais em disputa impulsionou a produção deuma nova verdade; a de que a superioridade política e econômica sedaria pelo avanço científico e esse seria obtido por meio de pesadoinvestimento na educação científica das novas gerações. No ocidenteos efeitos se fizeram sentir pela proliferação de projetos e propostascurriculares para o ensino de ciências1, pelo bombardeio, em diferentesmídia, de filmes, propagandas, programas divulgando as benesses daciência glamourizada por suas descobertas e produtividade.

1 Sobre os projetos curriculares para a educação em ciências ver: CHASSOT, A. I. Ensino deCiências no começo da segunda metade do século da tecnologia. In: Alice Casimiro Lopes; Eli-zabeth Macedo. (Org.). Currículo de Ciências em debate. 1ª ed. São Paulo: Papirus, p. 13-44,2004; KRASILCHIK, M. . O Professor e o Currículo das Ciências. São Paulo: EPU / Edusp, 1987.

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Quem da geração pós - Sputnik não se deixou perder noespaço com a família Robinson e seu adorável robô B9, ou deixoude embarcar nas aventurescas Jornadas nas estrelas? Não viajou noTúnel do Tempo? Não se afeiçoou ao Major Nelson, em Jeannie éum gênio, o simpático e atrapalhado cientista-astronauta da NASA,agência aeroespacial dos Estados Unidos da América do Norte, íconeda supremacia científica e bélica estadunidense em plena ‘guerra fria’?Quem, por fim, escapou à sedução do discurso da ciência, verdadeira,salvadora e benéfica, sempre comprovada pela via experimental?

Aos sábados, em seu impecável blazer e camisa gola role,nosso professor de ciências era o astrofísico Carl Sagan, a desvendardiante de olhos atentos e maravilhados o fascinante e colorido mundodo Cosmos, estimulando nosso interesse pela ciência. O modelode professor era o cientista e o cientista era o que compreendiae dominava a natureza por meio de suas técnicas e método, ochamado método científico. Havia também o professor pardal a nosensinar que ser bom cientista-professor (exatamente nessa ordem)exigia recolhimento, abnegação, renúncia e, sobretudo, muita, muitainteligência. Uma inteligência sobre humana, presente em poucos. Seesses discursos não ganharam concretude em nossas salas de aulaproduziram desejos, atrações e, também frustrações, em geral, pornão termos ou sermos os professores de ciências que por princípio,por essência deveríamos ter/ser (CHAVES, 2006).

Nesse contexto, formar bem professores de ciências significavaproporcionar ampla vivência no método experimental, uma espécie deimersão no paradigma, a semelhança do que descreve Kuhn (1975) noprocesso de formação de novo membro de uma comunidade científica.Assim, nos cursos de formação científica o espaço do laboratórioganha destaque. Bacharelado e Licenciatura seguem trajetóriasentrelaçadas, por que, nessa perspectiva, formar o bom professoré decorrente do processo de formar o cientista, as duas funções sesuperpõem sendo a primeira (professor) subordinada e tributária dosucesso da segunda.

Em se tratando de formação continuada, capacitação, para

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usar o termo próprio da época, proliferam os cursos de treinamentopara utilização dos famosos kits experimentais2, do método daredescoberta com suas variadas técnicas. Essa foi uma forte tendênciana formação de professores de ciências defendida e divulgada porparcela significativa da comunidade acadêmica3 que, ainda, encontraeco nos dias atuais (MOURA, 2008) o que indica que as chamadastendências não se esgotam, mas convivem. Alternam-se ênfases,atualizam-se vocabulários, mas os discursos continuam circulando.São discursos que parecem nunca terminar de dizer o que tem a dizerefetivando o princípio do comentário de que nos fala Foucault (2006b);sonho lírico de um discurso que renasce em cada um de seus pontos,absolutamente novo e inocente, e que reaparece sem cessar em todoo seu frescor (p. 23).

Se pelo princípio do comentário discursos são reiterados everdades são mantidas, pelo princípio da rarefação4 discursos perdempoder, são interditados. A ampliação e difusão de estudos na área dodesenvolvimento e da cognição aplicados à educação e o insucessodas propostas curriculares de orientação empirista que intencionavamtornar o ensino de ciências prático, prazeroso e atrativo o suficientepara despertar vocações para as carreiras científicas parecem ter sidocondições de possibilidade de aparecimento e circulação de outrosdiscursos, contra-discursos e rarefação, no âmbito da academia, dodiscurso que associava o bom ensino de ciências à experimentação eequiparava o bom professor ao bom cientista.

Na nova ordem do discurso, mais importantes que o métodoeram os sujeitos da aprendizagem. Teóricos do desenvolvimentoe dos processos cognitivos tornam-se as vozes autorizadas paraproferir a verdadeira verdade sobre os mecanismos envolvidos nofenômeno da aprendizagem. Piaget, Ausubel, Vygotisky são tomados

2 Ver ; FRACALANZA, H. Os kits experimentais e sua produção: protagonistas de uma história.Revista da SBEnBIO, São Paulo, n.01, p.19-21, ago.2007.3 Ver MEGID NETO, J. FRACALANZA, H. et al O ensino de Ciências no Brasil: catálogo analíticode tese e dissertações : 1972-1995, Campinas: UNICAMP/FE/CEDOC, 1998.4 Comentário e rarefação são, segundo Foucault, procedimentos de controle do discurso queregulam seu aparecimento, circulação e manutenção. Para maior aprofundamento ver: A ordemdo discurso.

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como referências, fundadores/instauradores de discursividade, novocabulário de Foucault (2006a). Mais do que autores de suas própriasobras eles possibilitaram e impulsionaram a produção de outros textos,outras verdades sobre o que, como e porque ensinar, por exemplo.Isso por que: As regras da formação discursiva não são a invençãodo pesquisador, mas, antes, o histórico ‘a priori’ de uma comunidadecientífica dinâmica (PETERS, 2008).

Na esteira dos trabalhos desses teóricos, estudos sobre oconteúdo do pensamento de estudantes sobre os mais variadosconceitos biológicos, físicos, químicos propagaram-se, produzindo oqueSantos (1991) nomeoudeMovimento dasConcepçõesAlternativas(MCR).

O foco da atenção passa a ser o estudante e seusconhecimentos prévios, alternativos supostamente anteriores aoprocesso de escolarização. O lema é: determine o que o aluno jásabe e ensine-o de acordo. A frase emblemática de David Ausubel,que epigrafou inúmeros estudos acadêmicos, sintetiza a função doprofessor e orienta acerca de suas necessidades formativas. Nessaperspectiva, o bom professor deveria dominar profundamente osconteúdos da ciência, conhecer as concepções de seus alunossobre tais conteúdos a fim de substituí-las, transformá-las ou ampliá-las, segundo diferentes nuanças teórico-metodológicas a que sefiliavam os estudos. Disciplinas como psicologia do desenvolvimento,da educação ganham novo fôlego e enfoque nos currículos daslicenciaturas da área de ciências. Conhecer os processos cognitivosimplicados na aquisição de conceitos tornava-se central para oexercício da profissão, portanto, componente obrigatório da formação.

Críticas se sucederam a esse conjunto de teorizações, reunidassobre a denominação de construtivismo, que situavam o estudanteno centro do processo de ensino-aprendizagem. Dentre as críticasmais contundentes, no campo da educação em ciências, encontra-sea proferida por Matthews (1994), na qual acusa o construtivismo demanter o paradigma empirista a que tanto se contrapôs:

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Epistemologicamente, o construtivismo é o famoso velholobo empirista vestido de ovelha contemporânea. Paramudar a metáfora, é o vinho empirista, tão criticado pelosconstrutivistas, servidos em odres novos (p. 81) (traduçãominha).

Em âmbito nacional a publicação do artigo Desconstruindoo construtivismo pedagógico de Silva (1993) e do livro Sobre oconstrutivismo, organizado por Duarte (2000) contribuem para abalara hegemonia construtivista no campo da educação provocandofissuras, possibilitando que outras formações discursivas circulasseme conquistassem espaço no meio acadêmico.

Paralelamentea tais críticase, estimuladaspela criseambiental,intensificam-se discussões acerca do papel da escola na formaçãode cidadãos mais conscientes e responsáveis em relação às formasde uso (e abuso) dos recursos naturais. No meio acadêmico maisamplo multiplicam-se debates de viés sociológico que questionam oestatuto epistemológico das ciências ditas naturais, problematizam-sesuas pretensas conquistas, assinalando seus ‘efeitos colaterais’ comoa degradação ambiental, a produção de armamentos a serviço dasubjugação política, econômica e cultural de nações e grupamentossociais.

No meio escolar já não é suficiente pensar como ensinarconteúdos das ciências, é fundamental questionar o que e,principalmente, porque ensinar. A seleção de conteúdos curriculares,antes delegada a instâncias superiores do sistema educacional,começa a ser reivindicada como tarefa do professor. Assim, maisdo que pensar formas, estratégias eficientes de ensinar, divulgar osprodutos da ciência, ao professor cabe questionar, problematizar osprocessos de produção do conhecimento, o valor social e a ideologiaencoberta por pretensa neutralidade dos conteúdos.

É o tempo do aparecimento do professor reflexivo, pesquisadorde sua própria prática que reflete sobre, na e para a ação (SCHÖN,1992). Se até então a formação docente estava pensada a reboque dos

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resultados de pesquisas sobre métodos de ensino e aprendizagem,e o professor era tido como técnico, implementador de propostasmetodológicas, agora ele é qualificado de Intelectual, agente datransformação social (GIROUX, 1997). Formar professores é, então,promover a formação de intelectuais aptos a produzir e intervir noprocesso educativo. Já não basta proporcionar-lhes domínio doconteúdo específico de sua área de atuação profissional, tampoucoensinar-lhes metodologias de ensino alternativas. Suas necessidadesformativas envolvem extenso rol de habilidades que vão desde osusuais domínios de conteúdo e escolha de estratégias de ensino,até a produção de pesquisas sobre seu fazer docente, passandopela seleção, organização de conteúdos, elaboração de recursos eatividades de ensino.

Embora o convite seja para a construção de autonomia docentea formação é pensada em termos de heteronomia. Tal como as demaistendências aqui mencionadas ela constitui-se como derivação diretada atividade docente. Dito de outra forma, a formação deve incidirsobre supostas habilidades e competências necessárias ao ensino,permanecendo a ênfase em uma dimensão técnica, de aplicação naação mais que intelectual, do pensar sobre... Atravessando essasdiferentes tendências há um tom prescritivo predominante.

Frequentemente encontrarmos em relatos de pesquisas eartigos que assumem essa perspectiva, em geral no terço final dostextos, expressões do tipo “o professor deve...”, “é necessário...”, “épreciso...”, “tem que...”. Sucedendo exaustiva denúncia e diagnósticodas mazelas que acometem a formação e a prática docentes, osautores recomendam qual “deveria ser...”; a forma correta de ensinar;de lidar com certas situações; de agir; de ser professor, enfim,assumindo a formação numa perspectiva moralizante. São tipos depráticas discursivas que determinam formas legítimas de ser e ver,funcionam como dispositivos de visibilidade que produzem a um sótempo o sujeito que vê e as coisas visíveis (LARROSA, 2002).

Em outras palavras o conjunto de prescrições divulgadas nostextos acadêmicos opera como artefato moralizante, como tecnologia

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do si (FOUCAULT, sd) ao categorizar, marcar, delimitar, impor verdadesa partir das quais classificamos, reconhecemos (ou desconhecemos)aosoutroseanósmesmoscomobonsprofessores.São ‘receitasdeser’legitimas por que apoiadas em suportes institucionais (universidades,institutos, grupos de pesquisa...) e proferidas por quem de direito (oscientistas, doutores...). Contudo:

Não se trata, é claro, de recusá-las definitivamente, massacudir a quietude com a qual as aceitamos; mostrar queelas não se justificam por si mesmas, que são sempreo efeito de uma construção cujas regras devem serconhecidas e cujas justificativas devem ser controladas;definir em que condições e em vista de que análisesalgumas são legítimas; indicar as que, de qualquer forma,não podem mais ser admitidas (FOUCAULT, 2005 p. 28).

Sacudindo a quietude dessas verdades que ainda perduramno meio acadêmico mais recentemente vemos ganhar amplitudepropostas de formação docente que se inscrevem numa perspectivade auto-formação usualmente fundadas nos estudos das histórias devida, das narrativas autobiográficas. Nelas o foco está no professorcomo pessoa, na análise de sua trajetória de formação, compreendidanão somente em sua dimensão profissional, mas pessoal de modoamplo5.

Isso porque parte-se do pressuposto de que conhecer ashistórias de vida dos professores implica compreender melhor suaspráticas pedagógicas (NÓVOA, 1992; GOODSON, 1992).

Não há nessa perspectiva preocupação em pontuar conteúdosformativos necessários ao bom exercício da docência, tampoucoem prescrever condutas adequadas a seguir. Trata-se de estudose práticas cujo propósito é fazer a pessoa tornar-se visível para elamesma (CUNHA, 1998 p.42), conhecer-se, tomar consciência dasinstâncias e processos formativos que constituíram sua identidade, a

5 Ver produção acadêmica divulgada nas três edições do Congresso Internacional sobre Pes-quisa (auto)Biográfica (CIPA).

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docente inclusive (CHAVES, 2006).Tomar consciência implica em examinar-se, olhar para o

processo formativo como trajetória a ser desvelada, trazendo à tonaalgo que sempre esteve lá, mas que se desconhecia sobre si mesmo,que estava velado, encoberto por que não se dispunha de lentesadequadas para se ver.

Contudo, lentes como qualquer artefato ótico ao tempo queproduz visibilidade também produz invisibilidade. Então, resta-nosindagar: Quem fornece as lentes certas que confere visibilidade/invisibilidade ao que se é e explica o porquê se está sendo? De ondeprovem os elementos necessários para a tomada de consciência,uma vez que o autoconhecimento depende da aplicação em direçãoa si próprio dos dispositivos gerais e específicos da visibilidade?(LARROSA, 2002 p. 62).

É nesse aspecto que tal perspectiva guarda semelhançacom as tendências anteriormente assinaladas mantendo-se numadimensão moral da formação, pois os dispositivos de visibilidade jáestão postos pelas categorias e normas fornecidas pelos sistemascriteriais fabricados acadêmica e socialmente. Através delesenxergamos, classificamos e qualificamos práticas como ‘equivocadasou de vanguarda’ experiências como ‘bem ou mal sucedidas,atitudes ‘ingênuas ou maduras’, opções ‘equivocadas ou acertadas’que fizemos, ‘boas ou más’ influências que sofremos, e, sobretudo,enxergamos o caminho que nos resta a seguir para superar, ajustar,melhorar a ação futura, assentando, assim, a auto-formação na tríade:narrar-se, julgar-se e dominar-se.

Considerando que o que se vê é contingência das ferramentase do lugar de onde se dispõe o vidente, embora não se prescrevamcondutas certas, ‘régua e o compasso’ já estão dados a priori para aauto-análise, o auto-exame, emoldurando o foco do olhar no processode ver-se e contar-se, determinando a direção e o sentido da (trans)formação.

Tomada em superficialidade a exposição desses processosde subjetivação provoca o incômodo sentimento de que estamos

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irremediavelmente enredados por cadeias discursivas que nosaprisionam em determinadas formas de ser e ver, eliminando todo equalquer sentido à educação e à formação, asfixiando nossa aspiraçãopor liberdade. Nada parece nos restar entre a fôrma e o caos.

Gostodepensar, entretanto, o processodeauto-formaçãocomoautoconstituição (PETERS, 2008) na medida em que longe de remeterao reconhecimento de identidades fixas que precisam ser descobertae transformadas convidam-nos a inventar o porvir fazendo-o algoaberto e inexato. Não se trata mais de tirar mascaras para desvelar,enfim, uma identidade primeira (FOUCAULT, 2005 p.17), mas deinventar formas de ser móveis, infiéis a tudo aquilo que disseram quedeveríamos ser como homens, mulheres, pessoas, professores.

Uma formação que incite a rebeldia, a recusa, que escrutinenossa história não para localizarmos nela as regularidades que nostrouxeram até aqui, mas para desnaturalizar as tramas de fabricaçãoque nos fizeram acreditar que deveríamos ver e ser dessa ou daquelaforma. Olhar para nossa história como campo de problematizaçãoe não de desvendamento ou de encontro com um passado queteleologicamente foi construído como se, supostamente, tudo neleconcorresse para explicar o presente.

Porque o bom professor de ciências é o cientista? Porque e sobque condições de possibilidade se instituiu que o sucesso de nossaspráticas estará garantido pelo domínio ‘pleno’ dos conteúdos dasciências, de determinadas estratégias de ensino? Que pela reflexãotransformaremos nossa ação libertando-nos das contingências quenos constrangem?

Certa vez fui abordada por um estudante da Licenciatura emCiências Biológicas que solicitava que eu o liberasse da disciplinaprática de ensino alegando que já tinha experiência docente porquejá era professor em diferentes escolas, Arrematando seu argumento,numa tentativa de convencer-me a liberá-lo da desnecessáriae despropositada atividade proferiu a seguinte frase “libere-meprofessora, pois eu já sou um bom professor! Pergunte aos meusalunos, eles são aprovados no vestibular!!”. Diante da contundência

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daquele argumentoao invésde liberar oestudante-professor convidei-oa participar da disciplina compartilhando comigo e demais colegas ossegredos de tão bem sucedida docência.

Mais do que classificar de impropriedade ou ingenuidadeargumentos desse tipo o processo formativo pensado em umaperspectiva de autoconstituição questionará sob que condições depossibilidade tais argumentos produziram esse bom professor de quenos falava o estudante, buscando desnaturalizar o que permaneciainquestionado conferindo a essa ‘verdade’ uma conotação histórica enão transcendental ou moral.

Pensada dessa forma a autoconstituição opera nos domíniosda ética, da ascese, compreendida com trabalho de constituição desi, uma forma de relação que o indivíduo produz consigo mesmo, pormeio do cuidado de si que desde os gregos vem sendo proposto sobdiferentes formatos e perspectivas (FOUCAULT, 2006c). A moral, aocontrário funciona como conjunto de valores e regras que sãopropostosaos indivíduos por aparatos prescritivos (a família, as instituiçõeseducativas, as igrejas, etc.) (CASTRO, 2009) impondo subjetividades.

Nos domínios da ética autoconstituir-se significa olhar parasi não com as lentes que nos foram impostas por esses aparatosprescritivos, mas estranhá-las, recusá-las, pô-las sob suspeição,inventando outras lentes, experimentando outras formas de ver, deser, de dizer, de dizer-se como pessoa, professor. É nesse sentidoque Foucault (2007) nos convida a tomar a vida como obra de arteconferindo à ética uma dimensão estética, de criação.

Contudo, importa destacar que esse procedimento não ocorrerálivre de todo constrangimento, processos de sujeição continuarãonos produzindo, resta-nos mantê-los sob vigilância, despedaçandopermanentemente o jogo consoante dos reconhecimentos lembrandoque saber, mesmo na história, não significa ‘reencontrar’ e sobretudonão significa ’reencontrar-nos’ (FOUCAULT, 2008 p. 27).

É nos interstícios, nos estreitos espaços em que essesprocessos acontecem que podemos exercitar a liberdade. A liberdadede sermos de outra forma de nos constituirmos professores de um jeito

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que não caiba em nenhuma teoria totalizante em que se universalizampráticas, condutas, subjetividades. Liberdade que nos dê o direito denão termos de ser perfeitos, sujeitos, artigo definido como na súplicapoética de Vander Lee na epígrafe que inaugura esse texto

Para quem, depois de tudo isso, ainda espera pela minhareceita aí vai ela.

EstudeEstude muitoEstude mais aindaTodas as ‘gias’BiologiaPsicologiaMetodologiaEpistemologiaPedagogia

PratiquePratique muitoPratique mais aindaA experimentaçãoA observaçãoA demonstraçãoA reflexãoA confissão

VejaRevejaTrevejaSua disposiçãoInclinaçãoVocaçãoPara essa profissão, eNa certeza de ser essa sua melhor opção

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Reuna os ingredientesE comece a confecçãoMisture os ingredientesAltere suas proporçõesInclua outros eCom elesCrieInventeExperimenteSua própria produçãoAh, uma última observaçãoNão esqueça!Cada receita só serve uma única subjetivação

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A PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO,O ENSINO DE CIÊNCIAS E ASLICENCIATURAS NA ÁREA: ENCONTROS EDESENCONTROSRoberto NardiUniversidade Estadual Paulista

INTRODUÇÃO

Em pesquisa desenvolvida recentemente, e intitulada“Formação da área de ensino de ciências: memórias de pesquisadoresno Brasil”, entrevistamos pesquisadores indicados por seus parescomo pioneiros na constituição dessa área de pesquisa, que opinaramsobre os fatores importantes para sua constituição, bem como sobreas principais características da pesquisa nesta área (NARDI, 2005;NARDI, 2005a; NARDI e ALMEIDA, 2004, 2007, 2008). Identificamosnos discursos dos entrevistados, diferentes interpretações para quaisteriam sido os fatores determinantes da constituição área, por exemplo:a) A tradução e aplicação, nos cursos de licenciatura e nas escolasde ensino médio do país, nas décadas de 1960 e 1970, de projetosestrangeiros como PSSC, BSCS, CBA, IPS, Harvard e outros e, naseqüência, a partir destes, o surgimento de versões nacionais comoos projetos PEF, PBEF e FAI, para citar apenas os desenvolvidos,por exemplo, no Instituto de Física da USP. Esses, e outros projetoscurriculares, tiveram suporte do então recém criado IBEEC (InstitutoBrasileiro de Educação e Cultura) e, posteriormente, a FUNBEC, bemcomo seis Centros de Ciências implantados em diferentes regiõesdo país sob auspícios da UNESCO: CECINE, em Recife; CECISP,em São Paulo; CECIMIG, em Belo Horizonte; CECIGUA, no Rio deJaneiro; CECIBA, em Salvador; e CECIRS, em Porto Alegre; b) Oestabelecimento, pelo MEC, de políticas públicas de fomento à pós-graduação, à pesquisa e a projetos de ensino deCiências eMatemáticaem conseqüência da expansão do ensino superior pelo MEC naquele

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período, e a conseqüente política de capacitaçãode recursos humanos,através de formação de mestres e doutores no exterior, financiadospor órgãos como CNPq e CAPES. A partir do retorno destes, aconstituição de grupos de pesquisa no país e o início dos programasde pós-graduação; c) A instituição do projeto conhecido como SPEC(Subprograma deEducação para aCiência), iniciado no final da décadade 1970, dentro do PADCT (Programa de Apoios ao DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico), foi um dos fatores citados pela maioria dosentrevistados. Atribuiu-se a este projeto a nucleação dos grupos depesquisa em ensino de Ciências e Matemática que se consolidarame vários desses grupos foram responsáveis, posteriormente, pelacriação e consolidação dos atuais programas de pós-graduaçãoexistentes no país. Particularmente, no caso da melhoria do ensino deCiências e Matemática, os editais do SPEC, além de apoiar projetosde ensino, favoreceram, segundo os entrevistados, a capacitação dedocentes das universidades brasileiras nessa área, através da saídados primeiros docentes do ensino superior para cursar mestrado edoutorado no exterior; d) a criação dos programas de pós-graduaçãoem Ensino de Ciências e Matemática no Brasil, inicialmente em nívelde mestrado, e na área de ensino de Física, junto aos institutos deFísica da USP e da UFRGS, sendo que muito depois surgem os atuaisprogramas de pós-graduação em ensino de Ciências, sediados eminstitutos de Ciências ou nas faculdades de Educação. e) O papel dasfaculdades de educação no apoio a formação dos primeiros doutoresna área que, impossibilitados de se capacitarem em seus institutosde origem, por supostas incoerências de objetos de estudo e formasde avaliação dos resultados de pesquisa, recorreram às faculdadesde educação para cursar seus mestrados e/ou doutorados em gruposde pesquisa que pesquisavam temas sobre o ensino de ciências ematemática; f) O papel das sociedades científicas comoaSBPC, aSBF,a SBQ na atenção às questões de ensino, ou na criação de secretariasou seções dedicadas especificamente ao ensino, oportunizando osprimeiros encontros, simpósios e demais eventos sobre o ensinode ciências, como o SNEF - Simpósio Nacional de Ensino de Física

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(1970), o EDEQ – Encontro e Debates sobre o Ensino de Química,somente para citar os primeiros deles; g) O surgimento das primeiraspublicações periódicas na área, como a revista Cultus, a Revista deEnsino de Ciências (FUNBEC), a Revista de Ensino de Física (SBF),o Caderno Catarinense de Ensino de Física (UFSC) etc. A leitura dasentrevistas oportunizou também localizar alguns imaginários sobreas características desta área de pesquisa e da pesquisa em ensinode ciências, em si, no país. Entre essas características foi váriasvezes citada a inter ou multidisciplinaridade da área, bem como seucaráter de pesquisa aplicada ou de pesquisa e desenvolvimento, oque, segundo os pesquisadores, justificaria sua classificação comoCiências Humanas Aplicadas ou Ciências Sociais Aplicadas. Notamostambém, nas entrevistas, a referência a outros temas, como a posiçãoda Educação Ambiental e da Geologia na área; a forte presença daHistória e Filosofia da Ciência na pesquisa em ensino de Ciências;e a importância das Faculdades de Educação na contribuição comos referenciais teóricos para a área e para a formação dos primeirospesquisadores no Brasil. Em alguns dos discursos evidencia-se atensão (antiga) para definir o lócus da pesquisa em ensino Ciênciascomo mais próximo da área de “conteúdos” e de seus referenciaisepistemológicos e/ou histórico-filosóficos, ou, por oposição a essaperspectiva, aparecendo sua proximidade da “educação”. No caso dospesquisadores que ingressaram mais tarde na área, ou que tiveramrelacionamento estreito com pesquisadores estrangeiros na suaformação, notamos a tendência a colocar a pesquisa mais próximade modelos originados no exterior. A interpretação dos efeitos desentido (PECHÊUX, 1990; ORLANDI, 1999) a partir dos discursos dosentrevistadores, bem como de outros documentos levantados nesteestudo mostrou claramente nesse estudo que existe consolidada nopaís uma área de ensino de Ciências, a qual, por sua vez, tem umahistória. Não obstante as convergências que possam sermencionadas,as falas dos entrevistados mostram também uma diversidade depontos de vista sobre os fatores que foram importantes na constituiçãoda área, bem como concepções diferenciadas para as características

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da área de ensino de Ciências, e para o que seja investigar nessa área(NARDI; ALMEIDA, 2008). Questões como a natureza da pesquisa naárea, os referenciais teóricos adotados, as metodologias empregadas,o lócus da pesquisa em ensino etc., foram abordadas sob diferentesenfoques.Alémdisso, a análise das entrevistas sugere que concepçõesde pesquisa distintas podem influenciar as escolhas relativas a fatoresque foram importantes na constituição da área, e as característicasdessa área. Embora essa diversidade ou pluralidade de imagináriospossa ser uma rica característica da área, uma possível interpretaçãoé que a área atingiu um expressivo nível de consolidação, mas, aexemplo de outras áreas que são integradas às Ciências Humanas,abriga uma pluralidade de concepções e metodologias, relacionadaà diversidade da formação dos pesquisadores (o lugar de ondefalam – origem acadêmica, localização geográfica, ideologia, valoresetc.), conforme o referencial assumido nessa pesquisa, a Análisede Discurso. (PECHÊUX, 1990; ORLANDI, 1999). Essa dispersãode pontos de vista se explica também pelo fato de que as questõesque interessam à área são multifacetadas, parecendo altamenteimprovável que a pesquisa acadêmica possa sustentar-se a partir deuma abordagem única, excludente das demais. Destacamos aindaque, a exemplo deste estudo, outras pesquisas desenvolvidas nopaís mostram que, paralela ou concomitantemente, a pesquisa emEducação Matemática constituiu-se no país, o que oportunizou acongregação de físicos, químicos, biólogos, geólogos, matemáticos epesquisadores de áreas afins a demandarem, já na década de 1990,uma área específica junto à Diretoria de Avaliação da Coordenaçãode Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior, a CAPES, queacabou sendo criada no ano 2000.

A ÁREA DE ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA DA CAPES

Conforme assinala o documento de Área (BRASIL, 2009), “...a instituição da Área (46) de Ensino de Ciências e Matemática naCapes ocorreu no ano 2000, fruto do esforço de físicos, químicos,

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matemáticos, biólogos, geólogos em colaboração com profissionaisde outras áreas, das chamadas Ciências Humanas ou Sociais que,nas últimas décadas, dedicaram-se, de forma inter/multidisciplinar,ao estudo de questões relacionadas ao ensino e à aprendizagem dedisciplinas da área...”. O apoio do projeto PADCT/SPEC na década de80 do século passado, conforme citado anteriormente, parece ter sidoum dos fatores decisivos para a consolidação de grupos de pesquisashoje importantesnocenárionacional.Essesgrupos forma fundamentaisna criação de linhas de pesquisa em programas de pós-graduaçãode faculdades de educação, em outros institutos de pesquisa, ouprogramas de pós-graduação específicos em ensino de ciências oumatemática. Por outro lado, o surgimento de eventos específicos sobrea pesquisa em ensino, a exemplo do EPEF – Encontro de Pesquisaem Ensino de Física, criado pelos físicos em 1986, e a fundação deassociações científicas específicas como a Sociedade Brasileira deEducação Matemática (SBEM), a Associação Brasileira de Pesquisaem Educação em Ciências (Abrapec) e a Sociedade Brasileira deEnsino deBiologia (SBenBio), foram importantes para congregar essesprofissionais em espaços de discussão sobre questões de ensino epesquisa comuns. Estima-se que essas associações cotam hoje commais de 4.000 profissionais espalhados por todo o país. A conseqüentecriação de programas de pós-graduação com características própriasgerou a demanda de instalação de um comitê específico para o Ensinode Ciências e Matemática na CAPES, sendo oficialmente criada estaárea de avaliação na Capes no ano 2000. Os programas da Área,iniciados com sete cursos, atingem hoje (2010) um número expressivode 60 programas, nas diversas regiões do país, totalizando 77 cursos,dentre mestrados (29) e doutorados acadêmicos (18) e mestradosprofissionais (30). Os programas envolvem 885 docentes, 683 delespermanentes e 190 colaboradores; 6039 alunos, com 2260 mestrados,220 doutorados acadêmicos e 735mestrados profissionais concluídos.O gráfico (Quadro I – Anexo) mostra a evolução dos programas, semincluir os aprovados nos APCN-2009. Esses programas, a exemplo doque acontece com a maioria dos programas de outras áreas de áreas

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de pós-graduação, estão distribuídos desigualmente pelas diversasregiões do país, conforme proporções mostradas mostrado no QuadroII (Anexo).

A avaliação dos programas de pós-graduação nesta áreaenvolve parâmetros que incluem, além da proposta do programa(aspectos como: coerência, consistência, abrangência e atualizaçãodasáreas de concentração, linhas depesquisa, projetos emandamentoe proposta curricular – dentre outros), a produção acadêmica do corpodocente e discente e a inserção social e impacto regional do programa.No caso do corpo docente, seu perfil, compatibilidade e adequaçãoà proposta do programa; dedicação e distribuição dos docentespermanentes em relação às atividades de pesquisa e de formaçãodo programa, dentre outros aspectos, são avaliados. Com relaçãoao corpo discente, são considerados aspectos como a qualidade dasteses e dissertações e da produção decorrente; tempo de formaçãode mestres e doutores e percentual de bolsistas titulados em umtriênio. A produção intelectual avalia as publicações qualificadas doprograma e sua distribuição entre os docentes permanentes. São aíconsiderados artigos publicados em periódicos da área, trabalhoscompletos publicados em atas e proceedings de eventos nacionaise internacionais, livros e capítulos de livros. Destaque tem sido dado,nestas últimas avaliações, à inserção social e impacto regional doprograma; são consideradas neste item a integração e cooperaçãocom outros programas e centros de pesquisa, com vistas aodesenvolvimento da pesquisa e da pós-graduação, bem como avisibilidade ou transparência dada pelo programa à sua atuação. Sobreessa questão, o documento argumenta sobre a necessidade de que as“pesquisas da área ultrapassem a abordagem teórica e configurem-seem estreita vinculação com as situações, instâncias e circunstânciasem que ocorre o ensino e a aprendizagem dos objetos próprios acada uma das áreas que compõem o quadro do ensino de Ciênciase Matemática”. E isto implica “levar em consideração faixas etárias egrupos de indivíduos que freqüentam desde creches, até salas de EJA,que visam à escolarização ou alfabetização científica e tecnológica de

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adultos”. O documento destaca ainda as particularidades da pesquisae da produção na área, uma vez que a preocupação de vincular apesquisa e seus produtos com a “aplicação” em sala de aula “acaba porabsorver grande parte do tempo dos profissionais envolvidos, gerandosaberes e produtos, nem sempre valorizados pela academia ou, nomínimo, diferentes daqueles usualmente produzidos, valorizados eavaliados em outras áreas, principalmente nas áreas das ciênciasdenominadas hard”. Dessa forma o documento justifica, por exemplo,a não utilização de fatores de impacto na avaliação de periódicos daárea. Preocupam-se os pesquisadores, entretanto, em como avaliar osprodutos produzidos e sua inserção na sala de aula, especificamenteaqueles oriundos dos programas de mestrados profissionais, iniciadosnos últimos anos na área. Uma das preocupações dos pesquisadorese docentes que atuam na área, todavia, é sobre a interferência dapesquisa realizada, e os produtos decorrentes desta, no ensino desala de aula.

A PRODUÇÃO ACADÊMICA NA ÁREA E O ENSINO DE SALA DEAULA

Levantamentos realizados recentemente pela Coordenaçãoda Área de Ensino de Ciências e Matemática mostram que, desde aconstituição desta Área na Capes no ano 2000, cerca de 2260 mestrese 220 doutores concluíram seus estudos. Iniciados recentemente, oscursos de mestrados profissionais já diplomaram 735 professores emexercício nas escolas públicas e particulares, espalhadas pelo país.Lembramos que estes dados não incluemmestres e doutores oriundosdas linhas de pesquisa na área de ensino de ciências e matemáticapertencentes aos programas de pós-graduação na Área de Educação(área 42 na Capes), o que ampliaria em muito esta estatística.

Na interpretação dos discursos dos pesquisadoresentrevistados no estudo acima citado no item anterior (NARDI, 2005),observou-se que, embora os pesquisadores que contribuíram paraas origens da pesquisa na área estivessem seguros da importância

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dos estudos produzidos no país, bem como do grande acervo deconhecimento acumulado na área, há dúvidas sobre a interferênciadesse conhecimento no ensino de sala de aula. Esta constataçãopassou, então, a ser objeto de pesquisa mais ampla (NARDI et al.,2009), na qual procuramos responder:Como professores que atuaramou vêm atuando no ensino de disciplinas relacionadas à área de Ensinode Ciências, em diferentes níveis de ensino, e não fazem parte dacomunidade de pesquisadores da área, vêm praticando significaçõesa respeito de procedimentos e resultados de pesquisa na área e suaspossíveis implicações para o ensino que têm praticado?

Nesse estudo, em fase de conclusão, procuramos responder àquestãonoEstadodeSãoPaulo, entrevistandocercade30professoresde educação básica das áreas de Física, Química, Biologia e Ciências,que exerceram, ou vem exercendo o magistério nos últimos 30 anosem diversas regiões do estado, procurando interpretar seus discursossobre a interferência da pesquisa, ou resultados da pesquisa emsua atuação em sala de aula. Os dados foram coletados através deentrevistas semi-estruturadas e a escolha dos professores ocorreude forma aleatória, através de consultas às diretorias de ensino àsquais pertencem as escolas onde os professores atuam, ou atuaram.Decidimos que os professores não deveriam ser escolhidos dentreaqueles que realizam ou vem realizando pesquisa na área. Os critérios,para tanto, foram: a ausência de publicação em revista especializadada área; não ter atualmente, nem ter tido vínculo empregatício eminstituições de ensino superior onde atuam pesquisadores da área.

As questões centrais da pesquisa referem-se às característicasdo ensino de Ciências (Ciência, Química, Física e Biologia) no períodode atuação dos professores, os recursos didáticos utilizados, oscursos de graduação e de formação continuada que os entrevistadosparticiparam. No caso de ausência de informações sobre a pesquisaem ensino, o entrevistador procurou questionar diretamente se odocente tomou conhecimento de pesquisas na área e/ou se fez usode resultados de pesquisas em situações de sala de aula.

As entrevistas oportunizaram conhecer as características

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do trabalho desenvolvido pelos docentes em suas diferentes fasesprofissionais, as fontes principais de recursos didáticos utilizados nosdiversos períodos de suas atuações como docentes. Por exemplo,a maioria dos entrevistados teve (ou tem) como fonte principal depesquisa para preparação de suas atividades de ensino os livrosdidáticos; no caso dos docentes de Biologia, por exemplo, um dosdocentes que atualmente está aposentado, afirma ter utilizado, no finalda década de 60 do século passado, os livros e materiais do ProjetoBSCS – Biological Study Committee Study, que passou utilizar após“treinamento” ministrado por equipes de professores universitários,incumbidos de introduzir o projeto no país. Docentes que ingressaramno magistério mais recentemente falam sobre a utilização de manuaisde apoio elaborados e distribuídos pela Secretaria Estadual deEducação, cujo uso e avaliação são monitorados por autoridadeseducacionais.

A maioria dos docentes entrevistados afirma ter participadode atividades de educação continuada no período, promovidasprincipalmente por instituições de ensino superior públicas ouparticulares, com campi próximos das unidades de ensino ondeatuaram, ou através das diretorias de ensino a que pertenciamsuas escolas. Entretanto, em momento algum de suas falas, citamespontaneamente o termo pesquisa ou deixam entender que asatividades de educação continuada que participaram poderia ter sidofruto de pesquisa.

Alguns docentes que ingressaram no magistério maisrecentemente e, portanto, concluíram suas licenciaturas pelo menosna última década, recordam-se vagamente de terem tido contato coma pesquisa na área, mas não parecem utilizar seus resultados em salade aula, ou pesquisar sua prática docente a partir de aportes teóricos,em função da elevada carga horária que ministram e o fato de estarematuando em diversas escolas diferentes. Eles citam a preocupaçãoem resolver outras questões prioritárias como a indisciplina e odesinteresse dos alunos, a falta de formação para atender alunoscom necessidades especiais e a dificuldade de adaptar os conteúdos

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estudados durante o curso superior para o ensino básico. Neste caso,alguns empregam o termo transposição didática.

Na fala da maioria dos professores mais experientes, queestão no magistério por mais de uma década, houve crítica a aspectosdas políticas educacionais adotadas nas escolas públicas nas últimasdécadas, que consideram responsáveis pela deterioração da qualidadede ensino no Estado. Citam especificamente a chamada progressãocontinuada, na qual a escola tem de gerar mecanismos para que oaluno seja recuperado, evitando a repetência. Citam ainda a instituiçãode um “bônus”, destinado a premiar docentes com reduzido índice deafastamentos durante o ano, ou que não se ausentam da sala de aula.

Foi também possível detectar nas falas de alguns dos docentescomparações entre a qualidade de ensino quando do início e no finalde suas carreiras, como é o caso dos docentes hoje aposentados. Paratodos eles, a qualidade do ensino deteriorou-se. Um dos docentes,ao discutir a formação inicial de professores da área, sugere que asuniversidades sejam mais exigentes com o conhecimento específicodos conteúdos, pois alguns professores não possuem conhecimentobásico relativo à matéria ministrada. O mesmo docente, entende,entretanto, que os cursos de licenciatura atuais têm melhorado emrelação à formação didática dos licenciandos, pois, na época quecursavam a graduação as questões didáticas tinham menos ênfaseuma vez que, apenas no último ano, os cursos diferenciavam-se entreas modalidades licenciatura e bacharelado. Um dos entrevistadosdestaca, também, como pontos positivos do ensino atual, a introduçãode discussões sobre a interdisciplinaridade e a conscientização deque fatores externos podem interferir no desempenho escolar dosestudantes e seus relacionamentos na escola.

A FORMAÇAO DO PROFESSOR INTERMEDIANDO A PRODUÇÃOACADÊMICA E O ENSINO DE SALA DE AULA

A pesquisa acima citada dá indícios de que, embora o númerode programas de pós-graduação em educação, e particularmente em

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ensino de ciências e matemática, de uma forma geral, tenha avançadonos últimos anos, ainda há um longo caminho para que seus resultadosinterfiram de forma mais significativa no ensino de sala de aula. Nestecaminho atuam instituições formadoras, tanto na formação inicial,quanto na formação continuada dos professores. Estes elos parecemnão estar tão fortes como deveriam ser. Tanto no caso da formaçãoinicial de professores, quanto no da formação continuada, existemdistorções, que precisam ser pensadas seriamente e corrigidas.

Com relação à formação inicial de professores, os cursos delicenciatura, a maioria dos docentes que atuam nesses cursos sãobacharéis em suas respectivas áreas e, portanto, não tiveram acessoa teorias e outros conhecimentos pedagógicos; isso reflete fortementeemsuas atuações enquanto formadores de futuros professores. Estudorealizado por Camargo (2003), procurando avaliar a interferência dadisciplina Prática de Ensino de Física em uma amostra de estudantesde um curso de licenciatura em uma universidade pública, cujaestrutura e funcionamento são semelhantes à maioria dos cursosdessa natureza no país, mostra isso claramente. Ao pesquisar sobreque marcas dos referenciais teóricos utilizados num curso estruturadode Prática de Ensino de Física foram observadas nos discursos doslicenciandos após o estágio de regência, o autor mostra que, emboraos licenciandos tenham planejado seus cursos de regência de acordocom os estudos e discussões realizados durante a fase de preparaçãonauniversidade, acabam,naprática,mesclandoposturasconsideradasinovadoras com outras formas tradicionais de ensino. Ou seja, emborase perceba traços dos referenciais teóricos estudados e posturassugeridas na disciplina de Prática de Ensino de Física, predominaram,em boa parte das aulas dos futuros professores, posturas maisconservadoras, provavelmente adquiridas do contato com as demaisdisciplinas específicas cursadas, que acabam, em sua maioria, sendoconduzidas de forma tradicional. As posturas dos licenciandos revelamainda características e dilemas presentes na atuação de professoresiniciantes, já apontadas em estudos recentes na área, tais como os deBejarano (2001) e Malacarne (2007).

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Ao entrevistar discursos de docentes que atuavam nessecurso de licenciatura, na época prestes a sofrer uma reestruturaçãocurricular visando atender as alterações solicitadas para a implantaçãodas novas diretrizes curriculares para a formação de professorespara a educação básica (Resolução CNE/CP 1/2002), Cortela (2004)também mostra outros fatores a serem considerados quando sediscute a formação inicial de professores de Física. Nesta pesquisaa autora procurou verificar o comprometimento dos docentes como processo de reestruturação, prestes a ser iniciado; a forma deorganização e desenvolvimento de suas práticas docentes; suasprincipais dificuldades profissionais e sugestões para a melhoria doensino e, conseqüentemente, do curso em questão. Os discursos dosdocentes mostraram que a maioria deles posicionava-se enquantobacharéis na área, analisando o processo através de concepçõesde ensino e de aprendizagem oriundas do senso comum. A maioriados docentes, que são formadores de professores neste curso delicenciatura, concordava que esta licenciatura, da forma como estavaorganizada e conduzida, não estava formando professores de nívelmédio de maneira satisfatória e, portanto, o curso carecia de umareestruturação. Quase a metade deles mostrava-se disposta a tentarfazer mudanças; alguns docentes as desejavam, mas não sabiamcomo ou porque fazê-las. Percebeu-se que o projeto pedagógico paraa licenciatura não era desenvolvido em conjunto pelos docentes e queestes não o conheciam de modo suficiente. A maioria dos docentesafirmava que um dos problemas graves do curso era a forma como aestrutura curricular da licenciatura era desenvolvida, assemelhando-sea um bacharelado. Embora vários dos docentes parecessem dispostosa efetuar as mudanças, havia entre alguns deles uma crença de que,mesmo que a estrutura curricular mudasse, os colegas continuariama ministrar suas aulas da mesma forma com vinham fazendo. Ficousubentendido que as coisas poderiam mudar no projeto, mas a práticacontinuaria sendo a mesma. A maioria dos docentes entrevistadosatuava de forma bastante tradicional, servindo-se de metodologiasvividas na época em que ainda eram alunos; empregando livros

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que utilizaram em suas graduações; usando critérios e instrumentosde avaliação com que foram avaliados. Questionados sobre apossibilidade de conhecer outros modelos de ensino, que não otradicional, os docentes afirmaram estar investindo em mudanças:procurando utilizar diferentes recursos didáticos; elaborando textosmais modernos, baseados em literatura mais recente; tentando novasformas de ensino e utilizando-se de diversos critérios de avaliação.Também, na fala de alguns, percebeu-se uma mudança de posturaem relação à aprendizagem de seus alunos: apesar de ensinarem deforma transmissionista, mostraram não acreditar que a aprendizagempossa ocorrer desta forma: pareciam pressentir que ela ocorra deoutro modo, mostrando-se susceptíveis a novas abordagens.

Esses docentes mostraram desconhecer documentos básicosque serviriam como subsídios para a reestruturação que seria discutidacomo, por exemplo, os parâmetros curriculares nacionais e as diretrizescurriculares para a formação de professores. Poucos, também, tinhamclareza sobre o funcionamento da escola básica, seus alunos, onde oslicenciandos, futuros professores, iriam atuar. Embora os professoresouvidos durante esta investigação fossem, nomínimo, doutores emseucampo de conhecimento na física, mostrando produção e competênciaem suas respectivas áreas de conhecimento, seus discursos nãoindicavam que tinham consciência das conseqüências dos modelospedagógicos que adotavam na formação dos licenciandos. Nestapesquisa Cortela (2004), dentre suas conclusões, sugere que deveriaser criado um assessoramento pedagógico, envolvendo pelo menosjunto àqueles docentes que se mostram mais abertos à mudança,visando estudar formas de complementar as lacunas que admitiam terem suas práticas pedagógicas.

Na seqüência, Camargo (2007) acompanhou todo o processode reestruturação deste curso, em pesquisa intitulada Discursospresente em um processo de reestruturação curricular de um curso delicenciatura em Física: o legal, o real e o possível. A coleta de dadoscontemplou encontros com docentes em exercício, questionáriosa licenciandos, análise de discursos dos formadores, “procurando

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entender como as demandas dos diversos grupos influenciaramna estrutura curricular resultante deste processo”. As questões depesquisa foram: Que efeitos de sentidos emergem de documentosoficiais, nas falas de licenciandos, de professores de Física do EnsinoMédio e de docentes universitários relacionados ao processo dereestruturação curricular de um curso de Licenciatura em Física deuma Universidade pública? Como as reivindicações de licenciandos,professores em exercício e docentes e pesquisadores universitáriosestão contemplados na versão final deste projeto político-pedagógicoe na reestruturação curricular subjacente a ser implantada?

Resultante desse processo de reestruturação, o novoprojeto político pedagógico desta licenciatura foi aprovado em2006. Previsto inicialmente para cinco anos, sofreu alterações emsua estrutura curricular e terminou por ser implantado com previsãopara integralização dos créditos em quatro anos. A estrutura foidesenhada em três eixos articulados: formação de conhecimentosbásicos da física e ciências afins e seus instrumentais matemáticos;formação dos conhecimentos didático-pedagógicos dos professoresde física; e relações entre ciência, tecnologia, sociedade, ambientee desenvolvimento humano. O eixo articulador ficou composto pelascinco disciplinas de metodologia e a prática de ensino de física,distribuídas ao longo dos quatro anos de duração do curso, quefunciona no período noturno.

Embora essas estrutura fosse considerada pelo autor comoavançada em relação à anterior, uma vez que partes das reivindicaçõesdos professores em exercício e dos licenciados foram atendidasno novo projeto, a influência da formação e postura dos docentesuniversitários foi claramente percebida durante todo o processo, sendodeterminante no desenho e aprovação do projeto político-pedagógicoconcluído. E a resultante dessas forças acabou por definir um projetoe respectiva estrutura curricular que oscila entre formar o que o autorchamou de um físico-educador e um educador em física.

O autor ainda sinaliza que, no entanto, somente a aprovaçãodesta nova estrutura não garante que as mudanças necessárias serão

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executadas, ou seja, “uma estrutura curricular assim planejada semse pensar, contudo, nas disciplinas que a comporão, nos docentesque atuarão e nos alunos que lhe darão vida e consistência, por certo,pouco representa” (Camargo, 2007, p. 256).

A partir das conclusões do estudo de Camargo, Cortela(2009) vem agora estudando o processo da operacionalização danova estrutura curricular implantada a partir de 2006, através doacompanhamento das discussões que se seguiram à aprovação donovo projeto político-pedagógico do curso.

OS DESCOMPASSOS: HÁ COMO SUPERÁ-LOS?

Fica claro na exposição anterior que, nas últimas décadas, aprodução acadêmica, particularmente no caso da pesquisa em ensinode ciências e matemática, avançou significantemente. Entretanto,parece que os docentes de ensino fundamental e médio não estãose envolvendo na pesquisa, ou não utilizam seus resultados para finsdidáticos. Como explicar esse descompasso?

Hápelomenosdoismomentosprincipaisnosquaisaapropriaçãoou o envolvimento com esses conhecimentos oriundos da pesquisapodemocorrer: durantea formação inicial, ouemsituaçõesdeeducaçãocontinuada, durante o exercício profissional dos docentes. Tomando ocaso da formação inicial de docentes, e particularizando para o caso delicenciandos em Física, alguns estudos recentes que temos realizadotêm sinalizado para fatores que podem estar contribuindo para inibir oenvolvimento de docentes da educação básica a pesquisar sua práticadocente ou a utilizar os resultados da pesquisa em suas atividades deensino. O primeiro deles é evidentemente, a formação inadequada deprofessores de Física. Pode-se dizer que a maioria dos docentes deFísica atuando na educação básica não é licenciada nesta disciplina.É compreensível que muitos dos licenciados não vão para o magistériodesta área porque não consideram a carreira docente atraente, ecitam como motivos, por exemplo, os salários aviltantes, as condiçõesprecárias das escolas públicas e o desinteresse e a indisciplina dos

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alunos. Outros acabam por definirem-se profissionalmente por outrascarreiras mais atraentes, como empregos públicos qualificados, ouingresso em programas de pós-graduação stricto sensu em diversasáreas da física e, secundariamente, em ensino de física ou educação.Entendemos que ainda não se tem estudos consistentes sobre aporcentagem de licenciandos em Física que preterem o magistério daeducação básica para outras atividades profissionais, mas estima-seque este número é considerável. Este estudo poderia desmistificar atão propalada falta de professores de física no país e a justificativa deformação de professores em cursos a distância nesta área.

Os demais, licenciandos em Física que acabam atuando nomagistério público, temporariamente ou como efetivo, ou nas escolasparticulares, têm mostrado dificuldades em pesquisar sua práticadocente ou utilizar resultados de pesquisa nessas práticas. Os fatoresque contribuem para essas dificuldades são, por exemplo, o excessode carga didática a que são submetidos, a atuação em várias escolas,as marcas em sua prática pedagógica do ensino tradicional quetiveram na formação inicial e outros já apontados acima.

No caso da formação continuada em nível stricto sensu, estaocorre no caso dos docentes que procuram os programas de pós-graduação acadêmicos da área de educação ou em ensino de ciênciase matemática, ou, mais recentemente, os programas de mestradoprofissional. O retorno desses profissionais para a educação básica,quando acontece, parece não ter contribuído para a instituiçãoda pesquisa em sua prática docente, ou a formação de grupos depesquisa nas escolas, ou em parceria com a universidade. Pelo ladoda escola básica, as justificativas anteriores mostram o impedimentopara tal; pelo lado dos pesquisadores da universidade, a timidez emenvolver a escola básica também parece ter suas explicações: umadelas, talvez a mais forte, seja a cobrança de produção acadêmicapela academia, que inviabiliza tempo para atividades desta natureza.Há ainda controvérsias sobre o caráter da pesquisa que deveriadesenvolver os docentes da educação básica ou as pesquisas emcooperação entre a universidade e a educação básica, como apontam

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pesquisadores brasileiros como Lüdke (2001, 2009) e Lüdke e Cruz(2005).

Acrescenta-se ainda que o distanciamento entre os grupos depesquisa que atuam nas universidades e os docentes da educaçãobásica é reforçado pela “distância institucional”: a universidade éregida por secretarias de ensino superior ou instâncias equivalentes ea educação básica por secretarias de educação, no caso das escolasestaduais ou municipais. A ausência de pesquisadores em educação,ou em ensino de ciências e matemática da universidade em projetosde colaboração com as escolas de educação básica também acabapor dar espaço para a atuação espontânea ou oficial de outros gruposque podem não estar comprometidos com mudanças ou com osresultados da pesquisa acadêmica, aumentando o descompasso entrea produção de conhecimento na área e as necessidades formativasdos professores na educação básica.

Umadaspromessasnatentativadediminuirestedistanciamentofoi a instituição dos mestrados profissionais na área de ensino deciências e matemática, recentemente implantados nas instituições deensino superior e credenciados junto à CAPES. O estudo da natureza,estruturação, funcionamento e impacto desses cursos na realidadeescolar carecem de estudos sistemáticos.

Pesquisas neste sentido, como as citadas acima precisamser divulgadas amplamente e ampliadas para que possamos reverteresse quadro, avançando nas relações entre a produção acadêmica esua interferência na sala de aula, seu objeto final.

AGRADECIMENTOS

O autor agradece ao CNPq - Conselho Nacional deDesenvolvimento Científico e Tecnológico, à Fapesp – Fundaçãode Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, e à Fundunesp –Fundação para o Desenvolvimento da UNESP, pelo apoiado recebidonos últimos anos para o desenvolvimento das pesquisas citadasneste texto. Agradece, ainda, aos docentes do ensino superior e

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da educação básica que colaboraram na tomada de dados dessaspesquisas, disponibilizando tempo para as entrevistas fornecidasaos pesquisadores envolvidos nos diversos projetos. Agradecimentoespecial à Profa. Dra. Maria José Pereira Monteiro de Almeida,Coordenadora do GepCE, Unicamp, aos licenciandos Andrea Costa eSérgio Rykio Kussuda, graduandos com bolsa de iniciação científicae os doutorandos Beatriz Cortela e Sérgio Camargo, componentesdo Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da Unesp, pela parceria emalgumas das pesquisas citadas neste texto.

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ANEXOS

Quadro I - Evolução dos programas de pós-graduação da Área(46) de Ensino de Ciências e Matemática da CAPES.

(Dados de dezembro de 2009 – Fonte: DAV/CAPES)

Quadro II

Distribuição dos programas de pós-graduação credenciadosna Área (46) da CAPES por regiões do país.

(Dados de dezembro de 2009 – Fonte: DAV/CAPES)

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AAÇÃO DO PROFESSOR EM SALADE AULA: IDENTIFICANDO DESAFIOSCONTEMPORÂNEOS À PRÁTICA DOCENTEOrlando Aguiar JrUniversidade Federal de Minas Gerais

INTRODUÇÃO

O ofício e os desafios à docência vem sendo examinadospor diversos autores segundo diferentes abordagens (MACEDO,2004; PERRENAUD, 2001; SACRISTÁN & PÉREZ GÓMEZ, 1998;GAUTHIER ET AL, 1998) com o objetivo de compreender o trabalhodocente e informar programas de formação de professores. Essestrabalhos serão evocados quando em sintonia com as necessidadesidentificadas nos relatos de professores novatos e experientes acercadoquesepassanassalasdeauladeciências.Falodo lugar de formadorde professor de ciências e de física. Portanto, algumas necessidadese desafios aqui apontados estão, provavelmente, marcados peloobjeto do ensino – as ciências naturais. Deixo ao leitor as possíveisrestrições e lacunas desse olhar. Finalmente, acredito que a linguagemé a principal ferramenta cultural que usamos para compartilhar asexperiências demundo e conferir a essas experiências sentidos novos,de modo coletivo. A ação docente será então examinada enquantopráticas forjadas discursivamente em torno de objetos culturais.

Para averiguar os desafios à prática docente tomareiduas fontes de dados. Em primeiro lugar, relatos de professoresacompanhados por pesquisas concluídas ou em elaboração porintegrantes do grupo Linguagem e Cognição em Salas de Aula deCiências, do qual faço parte6. Tais pesquisas tem em comum o examedas interações discursivas em salas de aula, orientadas por perguntasrelativas ao modo como professores experientes conduzem inovaçõesno ensino de ciências, física ou química. Além de observaçãoprolongada do ambiente de sala de aula e anotações sistemáticas de

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ocorrências, essas pesquisas envolveram entrevistas com professorescolaboradores e estudantes, além de gravação de aulas em vídeo etranscrição de trechos considerados mais relevantes ou significativos.A segunda fonte de dados consiste em relatos e relatórios de estágiosfeitos por estudantes de Licenciatura emFísica daUFMG.Os relatos deexperiências de estágio consistem em comunicações orais de eventosmais significativos selecionados pelos licenciandos e acompanhadospor problematizações e debate com a turma. Os relatórios são textosescritos, entregues ao final de dois períodos de estágio, o primeiromais centrado na observação e atividades de iniciação à docência;o segundo, relativo ao planejamento, desenvolvimento e análise deseqüência de ensino de tópico de física e/ou ciência desenvolvidono período de regência. Os relatórios consultados são de turmas dePrática de Ensino e Estágio em Ensino de Física, entre os anos de2003 e 2009. A escolha dos trechos desses relatos foi feita em funçãode temas e preocupações quanto ao exercício da profissão. Os nomesapresentados nos relatos são fictícios.

Desse modo, busco destacar desafios que se apresentamàs práticas de professores experientes e professores iniciantes. Asduas situações – acompanhamento de práticas por pesquisadores eestágios supervisionados – permitem um alto grau de reflexão sobreo fazer docente dos quais podemos, assim, depurar alguns desafiosque se apresentam aos professores e como são por eles vistos eenfrentados.

O PROJETO QUE NOS MOBILIZA: PROMOVER UMA EDUCAÇÃODE QUALIDADE PARA TODOS

Isto posto, passo à hipótese de que os múltiplos desafioscolocados à prática docente nos dias atuais são decorrentes de umprojeto político mais abrangente, qual seja, o de forjar uma escolade qualidade para todos. Apenas na década passada atingimospatamares próximos à universalização da educação básica e estamosainda longe disso no caso do ensino médio, apesar de uma expansão

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impressionante de vagas, o que conduz a mudanças no perfil deseus estudantes (MENEZES, 2001). Utilizo o conceito de escola dequalidade no sentido de uma escola que promove a aprendizagem e odesenvolvimento dos estudantes, ou seja, que favorece a apropriaçãode ferramentas culturais desenvolvidas pela humanidade no campodas ciências e das artes.

Historicamente, a escola brasileira foi organizada enquantoespaço reservado para a educação de parcelas limitadas da populaçãoque já possuíam acesso a bens culturais mais elaborados ou aaqueles que se dispunham a fazê-lo com grandes sacrifícios pessoais.A mudança relativamente recente do perfil dos estudantes por elaatendidos coloca aos professores a tarefa urgente de transformar aescola. Não se trata de pequenas reformas, mas de uma re-invençãode práticas e completa revisão e re-significação de conteúdos.Trata-se, portanto, de fazer uma escola muito diferente daquelaque freqüentamos e de romper com modelos que servem, de modoconsciente ou inconsciente, de guia para a ação docente.

Decorrente desse contexto, passo a identificar e examinar osseguintes desafios como cruciais para re-pensar a ação docente emsala de aula nos tempos atuais:

1 - Promover e sustentar engajamento dos estudantes nastarefas escolares

2 - Re-significar conteúdos escolares3 - Construir um currículo composto por atividades4 - Estabelecer interações discursivas produtivas, com

participação dos estudantes5 - Lidar com diversidade cultural, motivações, ritmos e

habilidades dos estudantesIdentifico a centralidade do primeiro desafio como sendo aquele

que é mais recorrente nas falas dos docentes e que, de certo modo, sedesdobra e condiciona os demais. Porém, a tomada de consciência detais questões depende de um posicionamento crítico dos professoresfrente às representações sobre seu trabalho.

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UMA CONDIÇÃO PRELIMINAR: SUPERAR VISÕES SIMPLISTASE DEFORMADAS ACERCA DA DOCÊNCIA E DO ENSINO

Esse desafio é, na verdade, uma condição para a tomada deconsciência dos problemas atuais que enfrentamos em sala de aulae para a ação docente transformadora. Com freqüência, professoresnovatos e mesmo aqueles experientes representam sua ação demodo simplista como expositores ou transmissores de conhecimentosconsagrados das quais são especialistas.

Uma evidência disso são relatos de práticas docentes forjadospor licenciandos em estágios de formação profissional centradosapenas na relação do professor com os conteúdos do ensino e naexposição, mais ou menos correta e abrangente, realizada por ele emsala de aula. Nesses relatos, os alunos são invisíveis e aparecem,aqui ou ali, apenas como problema: não prestam atenção às aulas,são indisciplinados ou não apresentam conhecimentos elementares.Em vários desses relatórios não há qualquer menção ao que fazem osalunos, sinais de interação em sala de aula, de como respondem oureagem aos conteúdos escolares e às rotinas da escola e da sala deaula. O planejamento didático, nessa perspectiva, também se reduzà escolha de uma exposição clara sobre um conteúdo proposto e àdescrição detalhada daquilo que será dito para a classe.

Certamente essa é uma dimensão do ensino e do ato deensinar, mas longe de ser a principal fonte de desafios ao trabalhodocente. Em oposição ao modelo de ensino transmissivo, repensara docência envolve tomar consciência do aluno como sujeito doprocesso e da mediação pedagógica como ‘assinalar caminhos’ paraa aprendizagem (Aguiar Jr, 2005). Se pensamos na perspectiva doaluno, outras questões se apresentam e a sala de aula aparece comoespaço de encontros, de cruzamento de perspectivas. Falar do ensinoe do trabalho em sala de aula remete, portanto, ao modo como acomunicação se estabelece, como o outro reage e responde ao queapresento como problema ou como novos significados emegem sobreo que se imaginava conhecido. O desafio de refletir sobre o ensino

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implica saber que ‘não há docência sem discência’ (FREIRE, 1996).Essa consciência emerge, algumas vezes, dos relatos dos licenciandosnos estágios de iniciação profissional:

Uma das coisas que percebi foi a dificuldade em seplanejar as aulas com conteúdos adequados para cadaturma. Isso se mostrou realmente complicado, pois asdemandas de cada uma das turmas eram diferentes.(Juarez)

A complexidade do ensino não é uma novidade. Duranteo estágio pude sentir na pele o quanto é difícil conteruma turma que conversa muito, como é difícil abordar umconteúdo demodoqueos alunosmesmodesinteressadospossam aprender, procurando sempre aulas interativasque contenham elementos do cotidiano dos alunos. (...)Quando estava na posição de aluno do ensino médionão tinha noção do quanto o comportamento dos alunosinfluencia o trabalho do professor. (Eduardo)

Continuo pensando ser essencial que o professor permitaaos alunos exporem o que pensam sobre determinadofenômeno antes de lecionar qualquer conteúdo. Oconhecimento (por parte do professor) das concepçõesalternativas e a abordagem de experimentos faz com quesejam planejadas aulas que podem gerar aprendizadomais significativo e duradouro.(Taís)

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1º DESAFIO: PROMOVER E SUSTENTAR ENGAJAMENTO DOSESTUDANTES NAS TAREFAS ESCOLARES

Uma escuta atenta ao que dizem professores novatos ouexperientes sobre seu trabalho permite identificar que o que mais lhesincomoda é a indiferença e apatia dos alunos frente aos conteúdosescolares e às tarefas e rotinas da sala de aula. Nos relatos de estágio,essa voz se faz presente:

O maior desafio do professor e cativar os alunos paraque eles tenham interesse em buscar soluções paraproblemas que a princípio não diziam respeito a ele.(Ilmar)

No trecho acima, Ilmar destaca a importância daproblematização como etapa fundamental do ensino. O conhecimentoé resposta a um problema; se não há problema, não há conhecimentocientífico. A problematização pode ser vista como um fazer pensarsobre um assunto que será desenvolvido ou como preparação parauma explicação que está por vir. Outras vezes, é forma de resgataro conhecimento que os alunos trazem sobre um aspecto do real e deforjar novas necessidades de compreensão de que temos dele.

Um primeiro e importante passo a ser dado consiste em chamara atenção do outro, despertar um interesse pelo que será feito a seguirou de uma explicação que será desenvolvida. Para isso, os professoreslançam mão de vários recursos e estratégias: experimentos, vídeos,animações (applets), imagens, resultados inesperados e situaçõesconflitivas.

Quanto aos alunos, estes estão ali apenas porque ospais os matricularam, demonstrando total desinteresseno aprendizado, mas quando o professor aparece comuma atividade que tenha interação, há uma participaçãode grande parte da turma. Usar de atividades interativaspara obter a atenção do aluno e sua participação e debom grado, percebi que quando as aulas eram no quadro

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eles ficavam dispersos, mas quando levava experiênciase vídeos conseguia que a maioria prestasse atenção naaula. (...)Foi impressionante a atenção que os alunosmostraramquandopassei o vídeo [OUniverso fotografadopelo Telescópio Hubble], todos ficaram quietos e ao finalvarias perguntas sugiram (Francisco)

Na turma 203, a atividade experimental despertouinteresse nos alunos, mas não tanto com nas outrasturmas. Eles fizeramos experimentos, apresentaramparaos colegas, mas continuaram em um estado de escutapassiva muito grande. Fiquei bastante incomodado comesse fato, chamava os alunos o tempo todo para participare nada. Mais para o fim da aula, já tinha largado de lado,passei a aceitar a passividade dos alunos. (Daniel)

O relato de Daniel, no trecho acima, indica que o interessedespertado por um recurso ou estratégia nem sempre se desdobra emengajamento, ou seja, em ação do aluno diante do objeto a conhecer.Eagle e Conant (2002) identificam quatro princípios para promover oque denominam ‘engamento disciplinar produtivo’ nos estudantes: 1.problematizar o conteúdo; 2. conceder autoridade aos estudantes nasolução do problema proposto; 3. comprometer os estudantes com osoutros e com a tarefa; 4. prover os estudantes de recursos relevantes.Essas tarefas são, evidentemente, longe de serem triviais.

Em sua pesquisa de mestrado, Francisco Couto (2009)acompanhou o trabalho de dois professores experientes que fazemuso sistemático de experimentos como forma de trabalho em aulasde física. Na pesquisa, foram evidenciados indícios de engajamentodos estudantes nas aulas com atividades práticas, tanto emgravação de vídeos quanto em entrevistas com estudantes. Nasentrevistas, a adesão dos alunos às atividades práticas conduzidaspelos professores é muito alta mesmo que alguns considerem que‘as aulas experimentais me chamam a atenção, mas as discussões

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são cansativas e enfadonhas’. Ou seja, o interesse que a situaçãodesperta não se traduz imediatamente emengajamento. Nessamesmapesquisa, se evidencia também a sintonia afetiva entre o professor ea classe como fator positivo para o interesse e engajamento da turma.Na tese de doutorado de Nilma Silva (2009), o professor é visto pelosestudantes como alguém que cuida da aprendizagem, dos alunos e osvaloriza. Além disso, é visto como uma referência em quem se podeconfiar.

A tese de Penha Silva (2008) traz evidências de que ainteranimação de diferentes idéias que se dá na discussão dos gruposem trabalhos práticos é algo que parece responder significativamentepela disposição dos alunos em se engajarem nas atividadesdesenvolvidas. A dissertação de Angélica Araújo (2008) por sua vez,traz indícios de maior engajamento dos alunos em discussões queenvolvem assuntos cotidianos, capazes de aproximar a ciência darealidade observável.

2º DESAFIO: RE-SIGNIFICAR CONTEÚDOS ESCOLARES

As reformas curriculares dos anos 90 e início do século XXI,em todo o mundo, são decorrentes da ampliação de expectativasda escola em relação ao desenvolvimento de competências paraalém do conhecimento formal de conhecimentos disciplinaresespecíficos (MACEDO, 2004; PERRENAUD, 2000; CHASSOT,2000; HERNANDEZ, 1998). Identificamos no fazer do currículo e datransformação dos conteúdos escolares um dos grandes desafios àdocência decorrentes do apelo de uma educação de qualidade paratodos. No Brasil, tais mudanças foram ainda mais impactantes sejapela expansão recente do atendimento à população pobre seja aindapelo contexto social de privação de bens culturais e materiais.

Oapelodacontextualizaçãoquepermeiaodiscursopedagógicotem sido ecoado por diferentes vozes, desde documentos oficiais,textos acadêmicos e discursos de professores da educação básica.Entretanto, o que significa contextualizar uma situação de ensino?

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Se examinarmos em detalhe situações e relatos de ensino notamosque parte das tentativas de contextualização são feitas apenas após aapresentação formal de conteúdos, como ilustração e exemplificaçãodo que foi apresentado e não como convite a um pensar autêntico deuma realidade a ser desvelada em diálogo com a ciência e com asartes.

A tese de Penha Silva (2008) acompanha uma professora dequímica no desenvolvimento de projeto temático no ensino médio. Otrabalhodestacaasdimensõescontextual, conceitual e fenomenológicados conteúdos científicos escolares ao longo do projeto. O resultadomais relevante são as transições entre essas dimensões – contextual,conceitual e fenomenológica – identificadas nas interações entreprofessora e alunos no curso das atividades do projeto. O diálogoentre essas dimensões certamente não é fácil e exige dos professoresum domínio do conteúdo para além de seus formalismos. Assim, nosdiz a autora:

Se o professor não consegue fazer este movimento[entre as dimensões acima citadas] ele corre o riscode transformar suas aulas em curiosidades de sensocomum. Contextualizar não significa negar os conceitosquímicos, mas mediar os seus significados a partir dequestões que emergem da vida dos alunos. (Silva, 2008,p. 173)

Infelizmente, a abordagem de conteúdos disciplinares naformação de professores, mesmo em grandes universidades, temsido realizada apenas segundo a estrutura formal dos conhecimentoscientíficos. Ignora-se ou relega-se a segundo plano a gênese dasidéias, modelos e teorias científicas. Os currículos de formaçãodocente não consideram, tampouco, as interfaces entre ciência etecnologia ou entre ciência, tecnologia e sociedade. Ou seja, consideroque os professores não estão sendo preparados para a tarefa demediação pedagógica do conhecimento científico escolar, de modo a

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torná-lo convidativo, provocador e relevante aos jovens estudantes daeducação básica. Essa lacuna é ainda mais preocupante posto quea ciência formal não apresenta, a princípio, qualquer sentido para onovo público da escola, sobretudo nas periferias urbanas. A interfacecom a tecnologia e com a sociedade, ao contrário, se apreenta comoum possível ponto de partida (e não de chegada) para um diálogoprodutivo com as ciências.

Muitos professores desconhecem as implicações de seuscampos disciplinares na cultura contemporânea e, quando trabalhamcom aplicações científicas, o fazem apenas após apresentação formalde conteúdos. Pensam, muitas vezes, que essa abordagem não épossível posto que os alunos não possuem ainda o necessário domíniodo conteúdo. A complexidade da tarefa de conectar os modelos físicoscom o mundo de objetos e fenômenos é também destacada em relatosde estágio:

Trouxe um motor de corrente contínua, aberto edesligado, para que os alunos observassem, mas foiestratégia mais motivacional do que qualquer outra. Osalunos não conseguem relacionar ‘aquilo’ que está lá como que está no livro. A física trata de modelos e os alunosnão conseguem relacionar o mundo com os modelos dafísica, sem atrito, serem resistência do ar, com apenasuma espira mergulhada em um campo magnético, etc.(Tiago)

3º DESAFIO: CONSTRUIR UM CURRÍCULO COMPOSTO PORATIVIDADES

O princípio da atividade genuína dos estudantes, como basepara umaaprendizagemsignificativa, tem tido cada vezmaior influênciano discurso pedagógico e nas tentativas em compor projetos e práticasde ensino inovadoras na escola. Pesa contra essa tendência, dentre

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outros, as precárias condições materiais das escolas, a sobrecarga detrabalho dos professores e o excessivo número de alunos em classe.

A proposição de atividades que dão maior protagonismo aosestudantes temsidoevocadacomoumanecessidadede transformaçãoda ação docente, sobretudo em escolas de periferia urbana. Osrelatos de professores e licenciandos têm dado conta de que osalunos dessas escolas dificilmente suportam uma aula expositiva semgrande dispersão e, muitas vezes, ruidosa indisciplina. Os relatos dosestágios são indicativos dessa tomada de consciência e de tentativasem responder à nova realidade da escola:

A motivação vinha da certeza de que cada um de nóscontribui para a formação dos alunos, não só para ainformação. A oportunidade de falar algo motivador paraaqueles adolescentes me jogava para frente. (...) Nesseinstante, refleti sobre a dificuldade encontrada paracumprir os compromissos assumidos; imaginei entãoquão grande ela seria para a transformação sonhada,esperada e desejada. Seria preciso contar não apenascom idéias e princípios mas também com estratégiasoportunas e adequadas. Essas estratégias, segundoPaulo Freire, só são adotadas por quem faz uma liturado mundo. (...) Tenho uma enorme dificuldade e pensono que fazer para tornar o conteúdo inteligível, menostraumático, pois vejo os alunos muito desinteressadoscom a matéria. (Bárbara)

O norte guia de minha prática docente foi o de resgatara auto-estima dos educandos. Resgatar a consciênciade que é possível aprender, ser sujeito e não passivono mundo e que é possível compreender o mundo e,sobretudo, intervir nele. Mostrar com dinâmicas departicipação em grupo ou individual a capacidade quecada um tem para realizar uma dada tarefa. (Rogério)

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No meu primeiro planejamento, feito após o estágio deobservação, decidi avaliar os alunos principalmentenesse projeto de reciclagem – propor aos alunos construirexperimentos simples utilizando materiais reciclados,como garrafas pet, mesclando o projeto (e apresentaçõesdosestudantes) comminhasaulas.Assim, teria umensinomais investigativo e experimental. (...) A heterogeneidadeé enorme, não só em termos de comportamento, mastambém em termos financeiros. Mas a criatividade delese seu potencial é algo consolador, provado no projeto dareciclagem. (Luiz)

Bárbara afirma, de modo contundente, que um projetoeducativo politicamente comprometido com o desenvolvimentodos estudantes da periferia envolve novos métodos e estratégias econstata, apreensiva, não contar com tais repertórios em seu cursode formação. Os relatos de Rogério e Luiz destacam que, ao transferirresponsabilidades e protagonismo aos estudantes no fazer da sala deaula, dão oportunidades para que manifestem seu potencial criativo,influindo positivamente em sua percepção enquanto sujeitos daaprendizagem.

Um currículo por atividades implica novas formas deorganização da classe, em trabalhos em duplas, grupos ou conduzidosindividualmente, normalmente acompanhados pelo professor quecircula pela classe. Tais trabalhos são seguidos por uma discussãocoletiva algumas vezes, iniciada com apresentação dos grupos edebate. A sistematização feita pelo professor apresenta-se, então,como culminância do processo.

Tal forma de atuação aumenta a complexidade das interaçõesentre professor e os estudantes, posto que o professor deve regularsuas intervenções ao fazer dos seus alunos e grupos, em seus ritmose formas de entendimento. O currículo organizado por atividadesamplia, ainda, as possibilidades dos estudantes de praticar aslinguagens da ciência e de examinar e coordenar pontos de vista. A

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pesquisa de Angélica Araújo (2008) destaca a qualidade e o momentodas intervenções da professora nos grupos:

A professora chega no grupo cinco minutos apósiniciada a discussão. Elas [alunas] já haviam formuladoe o problema a ser investigado e as possíveis hipótesespara sua solução, podendo checar com a professorase estavam ou não corretas. A professora interage comelas por pouco mais de cinco minutos, e após essaintervenção, elas ainda ficam discutindo por mais trêsminutos até finalizar. (...) Inicialmente a discussão dogrupo baseia-se apenas em conceitos cotidianos e, apósa intervenção da professora, elas passam a utilizar osconceitos científicos. (Araújo, 2008, p. 78)

Essa mesma pesquisa evidencia como as atividades dosestudantes em grupo aumentam a dispersão da classe e, portanto, acomplexidade na regulação do tempo na e das tarefas pela professora.

Não se trata, certamente, em desqualificar ou abandonar asaulas expositivas, mas torná-las mais dialogadas e referenciadas pelofazer comprometido dos estudantes (Silva, 2008; Silva, 2009). Paraisso, é necessário fazer uma ‘devolução didática’ no sentido propostopor Brousseau (1986).

4º DESAFIO: ESTABELECER INTERAÇÕES DISCURSIVASPRODUTIVAS COM OS ESTUDANTES

Na última década a pesquisa em educação tem destacadocomo a ação docente se dá por meio do discurso. Não basta,portanto, analisar a qualidade das atividades em si ou da seqüênciade atividades que compõe um dado projeto de ensino, mas aindao modo como as atividades são conduzidas nas interações entreprofessor e estudantes nas salas de aula em movimentos coletivosde construção de sentidos. Esses sentidos construídos coletivamente

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constituem a base para um trabalho de reflexão e construção pessoalde significados no qual se espera a apropriação progressiva, pelosestudantes, das ferramentas culturais da ciência. Essa perspectiva seinspira nas idéias de Vygotsky (1978) para quem o desenvolvimentode funções superiores se dá primeiro no plano social sendo entãotransformada no plano intra-mental.

Uma primeira dimensão de tais interações é a capacidade doprofessor em coordenar a ação dos estudantes por meio de perguntasconsideradas por eles como relevantes. Entretanto, as perguntasnem sempre desencadeiam um movimento ativo de construção designificados por parte dos estudantes, mas apenas uma tentativadeles de adivinhar a resposta esperada. Com freqüência, nas salasde aula, o discurso se desenvolve em padrões de interação triádicosI-R-A (Mehan, 1979) que comportam iniciações do professor, respostascurtas dos estudantes seguidas por avaliação da adequação ou nãoda resposta do estudante e novas questões que re-iniciam o processo.A crítica a esse tipo de interação é que ela permite apenas um controledo discurso dentro das fronteiras do que é admitido como correto eapropriado. Não há espaço para outras vozes, e as respostas nãoadequadas não são levadas em consideração, apenas imediatamentecorrigidas ou ignoradas.

Outros padrões de interação envolvem, ao contrário, cadeiasde interação com maior participação e envolvimento da classe naconstrução e validação dos enunciados (Mortimer e Scott, 2003). Oprocesso é conduzido ou ‘orquestrado’ pelo professor (Ogborn et al,1996) que se vale não apenas de questões de escolha ou de produto(que envolvem respostas curtas e com um único padrão de respostaadequada) mas também questões de processo, em que os estudantessão incentivados a enunciados mais complexos em resposta a umasituação problema, ou meta-processo, em que se reflete sobre oprocesso de construção de sentidos. Em algumas das pesquisasde nosso grupo, as habilidades comunicativas dos professores sãopostas em evidência, como a tese de Adjane Silva:

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A professora cuida para que os alunos compartilhem comela os problemas propostos, para que tais problemassejam efetivamente instaurados, o que se dá por meio deações discursivas/argumentativas. (Silva, 2008 , p. 308)

Ao acompanhar professores novatos e iniciantes notamos queuma característica distintiva do saber docente consiste em propor boasquestões que vão dando um fio condutor à aula e ao entendimento quese quer promover sobre determinado tema ou fenômeno em estudo. Éo que se vê nos relatos de estágios que reproduzimos a seguir:

Noestágio de regência, procurei construir o conhecimentode maneira conjunta, por meio de perguntas orientando oraciocínio dos estudantes, fazendo analogias, buscandoexemplos do mundo real, mostrando discrepâncias ouregularidades nos fenômenos. (Gustavo)

Enchi um balão de ar e continuamos nossa discussão.Comaboca do balão fechada o que é necessário para queele entre em movimento? Eu queria que eles intuíssemque somente uma força pode Vaira o movimento de umcorpo. Posso então empurrar ou dar um chute nele. Maso que acontece quando solto a boca do balão? Todossabem que ele entra em um movimento aleatório. Masquem faz força neste balão para que ele entre emmovimento? A discussão foi engraçada. Demorei umpouco para soltar o balão. Tinha aluno que estava maisaflito para que eu soltasse o balão do que explicasse ofato. Alguns arriscaram respostas dizendo que o balão seempurra tomando um empurrão inicial e daí ele não paramais. Essa é a idéia da inércia. Propus outra situação:imagine que esteja em um lago, me afogando. Comoposso me mover? Se puxasse meus cabelos sairia dolago? A discussão do afogado e do salva-vidas levou

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a concluir que é preciso dois corpos para ter força. (...)Voltamos ao balão: o balão empurra o ar para fora eo ar empurra o balão para frente. Novamente temos ainteração de dois corpos. Concluímos que só podemoscolocar um corpo em movimento com a interação de doiscorpos. (Olavo)

Aminha maior preocupação foi promover maior interaçãodos alunos. Decidi mudar de estratégia, pois estavamuito triste com o que tinha observado e constatado,ao ministrar as aulas da seqüência um, a abordagemtradicional não consegue atrair os alunos. Essa aulafoi uma tentativa de provocar a participação dos alunose promover uma quebra na forma como eles assistemas aulas (centradas no professor, sem a participaçãodeles). Levei para a sala um ferro, um chuveiro e umalâmpada. Pedi que fizessem duplas e que anotasse aresposta das perguntas que faria, para me entregar nofim da aula. Fiz as seguintes perguntas: O que esses trêsaparelhos tem em comum?; Por que eles aquecem?; Porque eles esquentam com a passagem de corrente? Oque mais me surpreendeu, foi a tentativa de participaçãode todos. Eu fazia uma pergunta e dava um tempo paraeles responderem, em duplas, por escrito. Enquanto issoeu passava entre as duplas e perguntava o que elesachavam; ajudava a construir as respostas. Eu fiqueimuito feliz, pois aqueles mesmos alunos apáticos, agorase mostravam participativos, tentavam se recordar detudo que eles já tinham estudado e associar para montaras respostas. Alguns ficaram tão empolgados que nãoconseguiram esperar a minha resposta e foram perguntarpara o supervisor. (Vitória)

Os relatos de Olavo e Vitória apontam para uma questão

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fundamental: o tempo de espera e atenção para o que dizem osalunos em resposta às provocações feitas pelo professor. Em váriaspesquisas conduzidas por nosso grupo temos visto que muitosprofessores fazem boas questões à classe mas, diante de respostasparciais ou incorretas dos estudantes, respondem eles mesmos aoque perguntam. Outra habilidade fundamental consiste em considerarperspectivas incorretas de um ponto de vista científico como etapasde um diálogo de sentidos em construção. Ao interagir com pontosde vista não científicos, o professor pode ajudar os alunos a examinarporque são parciais ou equivocados, além de compreender em que sediferenciam da visão da ciência que é apresentada ou desenvolvidapelo professor com a participação dos estudantes.

O ensino, entretanto, não se faz apenas no diálogo deperspectivas divergentes. É preciso, num dado momento, reduzir apolissemia e indicar um significado mais estável aos conceitos em umaforma que se aproxime tanto quanto possível daquelas compartilhadaspelas comunidades científicas. Mortimer e Scott (2003) sugerema existência de duas abordagens comunicativas utilizadas pelosprofessores para regular o discurso com os estudantes em classe: aprimeira, que denominam dialógica, consiste em considerar os pontosde vista dos estudantes, mesmo aqueles não adequados do pontode vista da ciência, compondo e examinando múltiplas perspectivasna abordagem de uma situação problema. A segunda abordagem dediscurso da sala de aula, considerada não-dialógica ou de autoridade,consiste em considerar no fluxo do discurso apenas as respostas dosestudantes que estejam em sintonia com a perspectiva da ciênciaescolar. No primeiro caso, múltiplas vozes compõem o discurso e hámaior inter-animação de idéias; no segundo caso, o discurso é maisunívoco, e o professor controla e restringe os sentidos postos emcirculação.

Um dos desafios em tornar produtivas as interações comos estudantes consiste precisamente em utilizar adequadamenteessas duas abordagens de discurso – dialógico e não-dialógico – deacordo com os propósitos de ensino e o momento da seqüência de

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ensino da qual fazem parte (MORTIMER & SCOTT, 2003; SCOTT,MORTIMER &AGUIAR, 2006). O discurso dialógico é de grande valorquando os professores levantam o que os estudantes pensam sobredeterminado tema ou fenômeno que se inicia como objeto de estudocom a classe. O fazer pensar sobre e o explorar os pontos de vista dosestudantes demanda um pensamento divergente, prospectivo. Emoutras oportunidades assistimos professores conduzirem abordagensdialógicas com seus estudantes quando, depois de apresentados edesenvolvidos conceitos e modelos da ciência, são colocados novosproblemas e situações para a turma e se espera dos estudantesa seleção e coordenação de esquemas conceituais apropriadospara a situação problema. Ao contrário, o discurso não-dialógicoou de autoridade se faz necessário para se firmar o compromisso efidelidade a um ponto de vista, o que acontece quando o professor estáintroduzindo a visão científica com os estudantes ou nos momentos desíntese.

Atensão entremomentos de abertura e fechamento do discursoda sala de aula apresenta-se, assim, como um grande desafio à práticadocente em sala de aula. No curso das interações em sala de aula,o professor deve então decidir entre dar a voz aos estudantes, demodo a coordenar pontos de vista díspares, ou ser fiel à perspectivada ciência, de modo a restringir a polifonia. No primeiro caso, corre-seo risco de permanecer com discussões no nível de senso comum; nosegundo caso, da ciência ser posta como conhecimento fechado erefratário, inerte em seu acabamento. Como em tantos outros dilemasque perpassam a prática docente, trata-se de julgar, decidir e agir naincerteza (GAUTHIER ET AL. 1998; PERRENOUD, 2001).

Temos visto que os professores têm grande dificuldade emdesenvolver o discurso dialógico, o que se verifica no fechamento desentidos e na participação limitada dos estudantes na construção desentidos em sala de aula. Essa abertura é fundamental quando seconsidera a necessidade em fazer a ciência dialogar com a cultura,conceitos e contextos trazidos pelos estudantes. As dissertações eteses de nosso grupo de pesquisa evidenciam circunstâncias que

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favorecem o discurso dialógico: experimentos acompanhados porproblematizações, debate e confronto de idéias (COUTO, 2009,SILVA, 2009); conteúdos de natureza tecnológica e contextual(SILVA, 2008; SILVA, 2009); narrativas desenvolvidas em situaçõesfamiliares (ARAÚJO, 2008; SILVA, 2009); confronto entre perspectivasconflitantes (ARAÚJO, 2008; SILVA, 2009). Nessas situações, vemosos estudantes engajarem em situações problemáticas e responderemnão apenas às questões dos professores, mas comentarem eavaliarem as respostas dos colegas e formularem suas própriasperguntas (AGUIAR, MENDONÇA & SILVA, 2008; MENDONÇA &AGUIAR, 2009), em processos coletivos de construção de sentidossobre o tema em questão. Essas discussões são pontos de partidapara a organização, generalização e sistematização, pelo professor,do conhecimento produzido mediantes discurso não dialógico, ou deautoridade.

5º DESAFIO: LIDAR COM DIVERSIDADE CULTURAL,MOTIVAÇÕES, RITMOS E HABILIDADES DOS ESTUDANTES

O fazer docente em sala de aula envolve o trabalho com gruposheterogêneos de educandos com os quais interagimos coletivamenteem espaços limitados de tempo. Se essa heterogeneidade está postade princípio, ela se torna ainda mais desafiadora com a expansão daescolarização e o projeto de construir uma educação de qualidadepara todos. Muitos autores têm enfatizado as possibilidades de tornarvantajosas as diferenças culturais, cognitivas e sociais em uma salade aula (DAYRELL, 1999; SANMARTI, 2002). Para Macedo (2004) odesafio não estaria em substituir simplesmente uma escola organizadapela lógica das semelhanças por uma outra, organizada pela lógicadas diferenças, mas em lugar disso, compor de outro modo assemelhanças e as diferenças no cotidiano da sala de aula e da escola.

A ação docente é regulada pelo outro e sendo esse outrodiverso, adotamos algum outro, imaginário ou real, como referência.O lidar com a diversidade é um tema presente e recorrente em vários

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relatos de estágio:

Nos questionamentos levantados por mim para os alunossentia que não estavam conseguindo acompanhar eacabavam se desinteressando, sendo necessário entãofazer questionamentos mais simples. Surgiram entãoproblemas: alguns alunos que estavam em estágio maiscognitivo mais avançado as questões eram triviais e eramrespondidos prontamente, sem tempo para que os outrosalunos pudessem pensar sobre a pergunta e tentassemresponder. Comecei então a devolver a resposta dessesalunos para a turma na tentativa de fazer com que osoutros alunos pudessem se posicionar frente ao problemae suas possíveis respostas. (Dácio)

Tive dificuldade em manter a atenção da turma durantetanto tempo, afinal eram duas aulas geminadas. Depoisda aula, conversei como professor [supervisor do estágio]e ele disse que dei prioridade para um lado da sala eabandonei o outro durante muito tempo da aula. Percebique fiz isso instintivamente, mantendo a conversaçãoapenas com quem estava prestando atenção. (Ilmar)

Aausência, mesmo no ensino médio, de competências básicasde leitura, escrita e matemática elementar por parte dos estudantescausa imenso desconforto entre os professores. Alguns forjamprojetos alternativos em que tais competências são desenvolvidas semabandono do lugar da ciência no currículo. Entretanto, muitas vezes,prevalece a imobilidade diante de uma situação que se denuncia, masnão se enfrenta:

Onível dos estudantes está abaixo damédia aceitável parao 3º ano do ensino médio; eles têm graves deficiênciasde conteúdos que são base para o ingresso no ensinosuperior e para o mercado de trabalho. Percebe-se isso

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pela dificuldade em articular uma resposta para umaquestão conceitual, dificuldade na leitura e interpretaçãode textos e dificuldades com operações matemáticasbásicas. (Rui)

Essa é a realidade da escola pública: estudantescansados e desmotivados, falta de oportunidades nomercado de trabalho, políticas que obrigam professore ediretores de escolass públicas a aceitarem alunos que sócausam problemas, passarem de ano alunos incapazesde ler e escrever apenas para manter um índice para sermostrado para o mundo. (Juarez)

A incapacidade de agir com aqueles estudantes que não seinteressam leva, por vezes, ao seu abandono:

Como a aula [experimental] foi na cantina, muitosalunos não importaram a mínima e ficaram em outrasmesas fazendo trabalhos de outras matérias, mas oscerca de 10 alunos que estavam comigo participaramativamente, dando opiniões e respondendo muitas vezescorretamente. No meu ver foi um sucesso, apesar de nãoter conseguido chamar a atenção dos outros. (Luiz)

‘Os alunos parecem satisfeitos com as aulas de ciências.Os interessados parecem ficar satisfeitos com asatividades e as discussões realizadas. Os dispersosficam satisfeitos porque eu não pego no pé deles. Naescola, os professores adotam diferentes estratégiascom o intuito de incentivar os alunos a fazerem as tarefasou a se comportarem. Como não adota tais estratégiastenho a fama de professor que não pega no pé. Nãosou contra ou a favor dessas estratégias. Apenas nãoas utilizo’. (Trecho de relato do professor; tese de Silva,2009, p. 178).

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Finalmente, destacamos algumas estratégias criadas porlicenciandos para ‘trazer os alunos mais dispersos de volta à aula’.No primeiro relato, apresenta-se como estratégia, em uma aula derevisão de matéria, a divisão de responsabilidades entre os alunos dosgrupos na qual cada aluno deve expor para os colegas uma parte doconteúdo. No segundo relato, a professora dispensa atenção especiala alunos mais dispersos, convocados como seus auxiliares:

Houve muito empenho da maioria dos alunos, inclusivedos mais desatentos. Todos trabalharam muito atéporque os integrantes do grupo dependiam uns dosoutros para revisarem a matéria. Houve muito trabalhoem equipe e cooperação entre os estudantes. Ao final,aprovaram a forma de trabalho: ‘você revê a matéria todae cada um só estuda um pedacinho’; ‘por que quandoa gente estuda e vai explicar para os outros aparecemvárias dúvidas’. (Julia)

Percebi que dois alunos não prestavam atenção naaula, eram desmotivados e o pior, na sala os outrosnão gostavam de fazer trabalhos com eles. Falei com oprofessor [tutor] e ele sugeriu um trabalho diferenciadocm eles. Estava ensinando eletromagnetismo e fui fazera demonstração da experiência de Oerstead e estavaansiosa, pois era uma montagem para uma sala inteiraver. A solução foi pedir aos dois alunos que fizessemesse experimento e explicassem para a turma. Na horada demonstração dividimos a turma em grupos comexercícios sobre a matéria enquanto os dois alunospassavamde grupo emgrupo explicando a demonstraçãoque fizeram. O resultado foi muito bom com um deles,mas não com o outro. Esse aluno mostrou, a partir dessaaula, um bom rendimento na matéria e uma postura maisadequada nas aulas. (Vania)

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COMENTÁRIOS FINAIS

Qualquer tentativa em identificar desafios ao trabalho docente,por sua complexidade e múltiplos dilemas que permeiam a práticacotidiana da sala de aula, é incompleta e parcial. Assumo aqui duasausências, pela falta de espaço para uma discussão adequada: deum lado, as relações entre professores e estudantes, com os dilemasde controle e envolvimento afetivo; de outro, a criação de estratégiasde avaliação formativa, comprometidas com o desenvolvimento eaprendizagem dos estudantes.

Os desafios aqui apresentados remetem a duas questõesadicionais.Aprimeiradelas,éaconstataçãodequeacomplexificaçãodofazer docente nos dias atuais se faz acompanhar por uma precarizaçãodas condições de trabalho, o que compromete a profissionalização ea responsabilização dos professores quanto aos resultados de seutrabalho. O discurso neo-liberal exige tal responsabilização sem quesejam dadas as condições para o pleno exercício da docência nasescolas. Um caminho nessa direção é o enfrentamento coletivo dedesafios como aqueles aqui apresentados.

Umasegundaquestão remete ànecessidadedasuniversidadesconstruírem projetos de formação docente, inicial e continuada, emsintonia com as ‘necessidades formativas’ dos professores (citar)no contexto de construção de uma escola de qualidade para todos.A identificação dos desafios à ação docente constitui apenas em umprimeiro passo, embora importante, nessa direção.

Esses projetos de formação devem indicar novas práticas,estratégias e conteúdos de formação em diálogo com as escolasbásicas. O PIBID, Programa de Iniciação à Docência, financiado pelaCAPES pode ser uma oportunidade ímpar nessa direção.

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AGRADECIMENTOS

Registro minha gratidão àqueles que muito têm me ensinadosobre o ofício de professores e cujas vozes ecoam nesse trabalho:alunos de Estágio em Ensino de Física e Didática da Física, colegasdo grupo de pesquisa ‘Linguagem e Cognição em Salas de Aula deCiências’ e professores que abrem suas salas de aula para que taispesquisas aconteçam. Agradeço, ainda, a Laura N. Oliveira pelaleitura, discussão e correção deste texto.

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A PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO,O ENSINO DE CIÊNCIAS E ASLICENCIATURAS NA ÁREA: ENCONTROS EDESENCONTROSRejane Maria Ghisolfi da SilvaUniversidade Federal de Santa CatarinaPrograma de Pós-Graduação em Educação/FE/UFU

O presente texto objetiva discutir a pós-graduação emEducação, o ensino de Ciências e as licenciaturas na área: encontrose desencontros.

Aamplitude do tema e as múltiplas perspectivas e controversasanálises que podem ser geradas conduziram-me a realizar trêsmovimentos: o primeiro, reconhecer a área de ensino de Ciênciascomo campo de produção de conhecimento e caracterização do ensinode Ciências; o segundo, focalizar a problemática da formação deprofessores de Ciências; o terceiro, fazer um esforço de síntese paradesenhar minha compreensão sobre a pós-graduação em Educação,Scricto Sensu. Embora haja relações entre os três níveis enunciados,parece ser importante situar cada qual na sua especificidade para,posteriormente, pensar numa lógica compreensiva e integradora daspartes como subsistemas dinâmicos e interativos. Desse modo, partodo pressuposto de que é preciso assumir uma lógica de articulaçãoentre os sistemas educativos e formativos orientada pelo desejo deaprofundar as interações e mediações necessárias entre um e outro.Tais interações e mediações podem contribuir para superar a distinçãoentre aqueles que pesquisam em Educação, no âmbito dos programasde pós-graduação das universidades, e os que a executam no contextoescolar. E podem dar visibilidade a discussões e reflexões sobre apesquisa no ensino de Ciências e o seu papel, explicitando, a íntimarelação com as práticas educativas na escola. (DELIZOICOV, 2004).

As articulações entre pós-graduação em Educação, ensino de

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Ciências e licenciaturas na área assume relevância pela possibilidadede compartilhamento social do conhecimento, ou seja, troca de“fundos de conhecimento” (MOLL; GEENBERG, 1996), auxiliandoa criar circunstâncias sociais mais avançadas para o ensino e aaprendizagem.

A área de ensino de Ciências se constitui em um campo socialde produção do conhecimento, sendo reconhecida tanto noBrasil comoem outros países pela produção científica educacional (MARANDINO,2003), e pode ser “caracterizada pela existência de instâncias própriasde difusão, debate e legitimação dos conhecimentos e agentes que osproduzem”. (FRANCO; SZTAJN, 1998, p.3).

Nesse contexto, particularmente, se encontra a área de Ensinode Química, muito jovem, enquanto campo de conhecimento, poisanda por volta dos 30 anos em termos internacionais, sendo aindaadolescente em termos brasileiros (ARAGÃO e SCHNETZLER, 1995).As primeiras pesquisas, no Brasil, datam de 1978 e em alguns paísesa ocorrência foi antes e em outros foi depois dessa data, como emPortugal, onde, até os anos 1980, a investigação na Didática dasCiências era praticamente inexistente (CACHAPUZ; PRAIA; GIL-PÉREZ; CARRASCOSA; MARTÍNEZ-TERRADES, 2001). Desdeentão a área desenvolveu-se de forma significativa e isso é percebidopelo crescente interesse de químicos em pesquisar nesse campoe pelas publicações realizadas. Em nosso país fica evidente essaascensão pelos inúmeros encontros regionais e nacionais, bem comopela vasta produção sobre ensino de Química.

No tocante a instâncias de difusão, debate e legitimaçãode conhecimentos, a Divisão de Ensino de Química da SociedadeBrasileira de Química promove e apoia, desde 1982, o EncontroNacional de Ensino de Química (ENEQ) além de se fazer presente noseventos de caráter regional, como Encontros de Debates de Ensino deQuímica e Encontros de Pesquisa no Ensino de Química.

Entre as iniciativas no ensino de Física pode-se destacara realização dos Simpósios Nacionais de Ensino de Física (SNEF)organizados pela Sociedade Brasileira de Física , desde 1970. E os

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Encontros de Pesquisa no Ensino de Física (EPEF/1986).Em relação ao ensino de Biologia, desde 1984 acontecem

os Encontros Perspectivas do Ensino de Biologia. E no âmbito dasCiências (Química, Física e Biologia), há o Encontro Nacional dePesquisa em Educação em Ciências - ENPEC (1997).

Nesses eventos de discussão do ensino de Ciências sãoexpostos os principais resultados do trabalho científico e investigativo,bem como experiências diárias de sala de aula. Desse modo, elescontribuem para o processo de comunicação científica, valendo-seda transmissão das ideias e fatos novos que chegam à comunidadecientífica.

Da mesma forma, acontecem outros eventos com intuitode fomentar pesquisas e produção científica, difundir ideias epromover a formação dos profissionais ligados à educação. Neles háa participação de professores de todo país, com múltiplas visões einteresses de grupos diferenciados, com espaços para discussõese reflexões relativas, também, à área de ensino de Ciências. Entreeles, pode-se citar as Reuniões Anuais da Associação Nacional dePós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e os EncontrosNacionais de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE).

As publicações científicas da área de ensino de Ciências sãoveículos essenciais de comunicação de trabalhos, condição paraconstituição e reconhecimento de campos de conhecimento visto que,segundo Vessuri (1987, p.124),

a investigação científica que não está publicada nãoexiste. A publicação em uma revista de prestígioreconhecido assegura a prioridade na produção de umresultado, acrescenta crédito acadêmico como científico,legitima sua atividade e permite a existência de sistemase comunicação científica ligados a processos ativos depersuasão, negociação, refutação e modificação, atravésdos quais o significado das observações científicas, asinterpretações teóricas tendem a ser seletivamente

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construídas e reconstruídas em um campo científico.(tradução nossa).

Os periódicos científicos se constituem, portanto, em meios dedisseminação e de reconhecimento acadêmico. Entre os periódicoscientíficos nacionais, há aqueles organizados pela SociedadeBrasileira da Química, Revista Química Nova, (seção educação), queabriu espaço para que outras revistas da Sociedade fossem lançadas,procurando outros públicos alvo. O Journal of the Brazilian ChemicalSociety projetou a Química brasileira internacionalmente e a QuímicaNova na Escola, lançada visando àQuímica no ensino médio do Brasil,está sendo distribuída para vários países de língua portuguesa.

No campo da Física é crescente o número de trabalhos epesquisas com temas diversificados que são publicados na Revistade Ensino de Física (1979), hoje (desde 1992) Revista Brasileira deEnsino de Física (RBEF), e no Caderno Catarinense de Ensino deFísica (1984), hoje (desde 2002) Caderno Brasileiro de Ensino deFísica (CBEF).

Acrescentam-se a esses veículos de comunicação de trabalhosreferentes ao ensino de Ciências, a Revista Ciência & Educação(1995), Revista Investigações em Ensino de Ciências (1996), Ensaio -Pesquisa em Educação em Ciências (1999), a Física na Escola (2000)e ABRAPEC (2001), Revista Brasileira de Ensino de Química. Enfim,há um espaço cada vez mais alargado para difusão de inquietações,reflexões e pesquisas produzidas no ensino de Ciências no Brasil.

Supõe-se, dessa forma, que a área de ensino de Ciências temavançado, o que contribui para a sua afirmação como campo científicoe lhe concede um certo prestígio no meio acadêmico.

Todavia, ao se referir aos avanços na área de ensino deCiências, deve-se reconhecer que os cursos de pós-graduação emEducação constituem-se em espaços interdisciplinares que integramsaberes, fazem coexistir subjetividades diferentes e relativizamlimites disciplinares. Desse modo, a complementaridade passa a sernecessidade vital para as investigações em ensino de Ciências. Por

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outro lado, isso não significa que nos cursos de pós-graduação emEducação exista uma convivência harmoniosa entre os diferentescampos disciplinares, pois há tensões e disputas pela hegemonia nosplanos político, pedagógico, epistemológico e filosófico.

Não obstante as iniciativas pontuais, como a expansão doscursos de pós-graduação em Educação e no ensino de Ciências eMatemática; disseminação dos resultados de pesquisa em livros eperiódicos; criação de fóruns de debates das questões científicas epolíticas; crescente produção bibliográfica e significativo número dedissertações e teses defendidas, que possibilitam aos professores e àprópria universidade ter acesso às produções realizadas (MALDANER;ZANON; AUTH, 2006), isso

não acontece de forma satisfatória se levarmos em contaa possível melhora que a pesquisa educacional na áreadas Ciências da Natureza e suas Tecnologias poderiater produzido nas salas de aula do Ensino Básico e naspróprias Licenciaturas. Parece que os resultados dainvestigação e as soluções apontadas não chegam àssalas de aula. Atribui-se esse fato ao despreparo dosprofessores, a sua prática acomodada de dar “aulas”,às condições de trabalho, às orientações curricularesinstaladas nas escolas, à falta de material para ensinoe outros. (MALDANER; ZANON; AUTH, 2006, p. 49-50).

Aparentemente, o ensino de ciências mantém-se, em muitasescolas, destituído de significados, memorístico e baseado natransmissão e recepção de conceitos, não conseguindo “nem ofereceruma cultura científica adequada aos alunos da educação básica e nementusiasmar suficientemente para que se enveredem por percursosacadêmicos de índole científico/tecnológica”. (CACHAPUZ; PRAIA;JORGE, 2002, p. 39).

Desse modo, o ensino de Ciências deixa a desejar e “espalha-se entre os professores de Ciências, especialmente nos anos finais

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do ensino fundamental e do ensino médio, uma crescente sensaçãode desassossego, de frustração, ao comprovar o limitado sucesso deseus esforços docentes”. (POZO; CRESPO, 2009).

Se é esse o panorama no âmbito do ensino de Ciências, apergunta mais natural é: Por que, apesar dos investimentos napesquisa acadêmica sobre ensino de Ciências no Brasil, seusresultados se fazem pouco presentes em sala de aula?

Essa situação foi denunciada por Marandino (2003), Delizoicov(2004), Maldaner; Zanon; Auth, (2006) quando apontam que há umdescompasso entre a crescente produção e divulgação da pesquisano ensino de Ciências e a aplicação dos resultados na práticapedagógica dos professores, uma vez que se encontram, ainda,currículos e programas de ensino em desarmonia com o processo defazer e pensar ciências.

Comefeito, parecehaveranecessidadede “recontextualização”(BERNSTEIN,1996) dos resultados de pesquisa, ou seja, umapassagem de um contexto a outro, do acadêmico para o escolar, paraque sejam produzidos novos sentidos e significados, delineados novospropósitos para os textos e para os discursos.

Nãobasta,portanto,aescolateracessoàsproduçõescientíficas,é preciso que sejam apropriadas significativamente pelos professores.Nesse sentido, Megid e Pacheco (2001) apontam a necessidade deo professor, quando não for protagonista da investigação, detalhare transformar os resultados, adaptando-os a sua realidade e a suasconcepções epistemológicas, metodológicas, políticas e ideológicas.

Na esteira do debate, Ratcliffe, Bartholomew, Hames, Hind,Leach, Millar, Osborne (2001) realizaram uma investigação sobrequais as implicações/evidências dos resultados da pesquisa naorganização das práticas educativas, concluindo que as conexõessão tênues entre as evidências de investigação e o trabalho docente.Os autores apontam que os professores necessitam compreender aspossibilidades de aplicação dos resultados da pesquisa na sala deaula, apoiando-se em abordagens baseadas em evidências.

Preocupados em aumentar o impacto da pesquisa sobre a

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prática docente, Millar e Hames (2003) realizaram o caminho inverso,não comunicando os resultados da pesquisa, mas disponibilizandouma série de instrumentos e ferramentas para que os professoresbuscassem evidências de aprendizagem dos seus alunos. Osprofessores, então, fariam o diagnóstico sobre suas próprias aulas e apartir dos resultados buscariam minimizar o conflito da pesquisa sobrea prática. E um dos resultados apontou que os professores envolvidosutilizaram alguns dos instrumentos, o que indicia que essa pode seruma via para diminuir o distanciamento entre pesquisadores e a práticapedagógica. Quando os professores são protagonistas do processode fazer pesquisa, diagnosticando, analisando e buscando caminhospara a melhoria de sua prática, é possível driblar a “lógica fabril”, queretira a autoria dos seus trabalhos, uma vez que, nessa lógica, estãoconfinados ao cumprimento de determinações vindas da hierarquia dosistema. (SILVA, 2006, p. 76).

Holcomb apud Studart (2001, p. 259) diz que é preciso definiralguns critérios que possibilitem ao professor avaliar a utilidade e opossível impacto da pesquisa no processo de ensino e aprendizagem.Faz um apelo aos não pesquisadores do ensino para que “evitem ovelho e popular preconceito contra qualquer mudança substancial noensino: ‘Eu aprendi Física de um certo modo e atingi um nível bastantesatisfatório de conhecimento.Assim, vou ensinar do jeito que aprendi’.”Para isso é preciso que os professores sejam receptivos às dinâmicasde interação e, ao mesmo tempo, estejam abertos a negociações quepossibilitem repensar o ensino e reinventar estratégias de intervenção.

Embora as trocas recíprocas entre a pesquisa e o ensinopossam se constituir em redes sociais frutíferas, Moreira (2000) alertaque a pesquisa não irá solucionar todos os problemas de ensino, poisnem toda pesquisa tem aplicabilidade na sala de aula.

Nesse sentido, Christensen, Horn, e Johnson (2009) assinalamque existem muitas pesquisas sobre educação e que algumas delaspossuem um elevado número de evidências estatísticas, enquantooutras examinam estudos de casos. Só que muitas vezes essesresultados não levam a lugar algum. E muitos daqueles professores

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que trabalham para a melhoria do ensino chegam a resultadosdesapontadores, já que as pesquisas em que se amparam sãopreliminares e incompletas. Todavia, os autores afirmam que sepode chegar a efeitos bem melhores na aplicação dos resultadosde pesquisa, desde que haja mudança no paradigma. Pois não ésuficiente pesquisar as melhores práticas ou sobre aquilo que dámelhores resultados na educação básica. É preciso avançar para oestágio de entender o que funciona a partir da perspectiva de alunosem circunstâncias individuais diferentes, considerando a singularidadedas situações. Em lugar de comparar o desempenho médio de umconjunto de escolas, alunos ou métodos sucessivamente com outros,a abordagem dos autores consiste em examinar o estado da educaçãopor meio de lentes da teoria da inovação, a fim de entender commais profundidade por que as instituições de ensino têm sofrido pararealizar mudanças e prever quais iniciativas conseguirão melhorarnossas escolas, quais delas não chegarão ao desiderato e por quê.

No debate sobre pesquisa em educação nas Ciências e aprática, Jenkins (2000) admite que a prática é pouco informada pelapesquisa e contesta a visão empírica de que a pesquisa resolvetodos os problemas, ao mesmo tempo que tece severas críticas àsobrevalorização de pesquisas que promovem a melhoria da prática ea abordagem técnica e instrumental dada aos processos de ensino eaprendizagem.

As articulações duais entre ensino e pesquisa precisam superaruma estrutura e uma prática de ensino de Ciências rudimentares, umimaginário de que “basta conhecer um pouco o conteúdo e ter jogode cintura para mantermos os alunos nos olhando e supondo queenquanto prestam atenção eles estejam aprendendo”. (CARVALHO,2004). Essa superação depende, entre vários fatores, da formaçãodocente.

Não obstante, a formação docente tem sido palco de inúmerascríticas que sugerem que as lógicas que sustentam os modelos deformação inicial de professores não respondem às demandas atuais.Muitos dos programas de formação ainda estão pautados em lógicas

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simplistas, tais como homogeneidade, constância e tecnicidade (SÁ-CHAVES, 2002). Tais lógicas persistem em produzir técnicos deformação estreita e com pequena capacidade para lidar com situaçõespráticas.

A dificuldade de emergência de outra racionalidade, que secontraponha à técnica/instrumental, se faz pelas condições históricas esociais ligadas intimamente ao entendimento que se tinha sobre o papelda ciência. Historicamente o papel daCiência inicialmente enquadrava-se em uma visão técnica, que, ao ser reduzida, passou a alimentaruma racionalidade instrumental, fixando-se, assim, nos métodos e nosprincípios para resolver problemas técnicos de produção centrados emresultados e produtos predeterminados. Segundo Sá-Chaves (2002,p. 56), já se pressentia “um grande perigo para a sociedade modernae que consistia na dupla substituição da razão axiológica pela razãotecnicista e do pensamento crítico (e naturalmente diverso), pelasregras fechadas (e naturalmente homogêneas) dos procedimentos dométodo científico”.

Alguns esforços foram realizados no sentido de modificaresse quadro. Para isso foi introduzida a dimensão prática que logofoi “absorvida na esfera da tecnicidade”. (SÁ-CHAVES, 2002, p. 57).Nesse contexto, não havia lugar para questionamento, criatividade,análise crítica e subjetividade. Imperava o caráter instrumental daprodução. Desse modo, segundo Sá-Chaves (2002, p. 57), foramse desenvolvendo condições facilitadoras para a constituição de“modelos únicos, de verdade absoluta, de autoridade não discutível,questões que inevitavelmente conduziram as teorias do conhecimentoe concepções acerca da sua apropriação”. Consequentemente, aformação docente assumiu modelos uniformizadores e reprodutores.Destarte, era mantida a “perspectiva dicotômica entre teoria e práticaque espelhava a mesma relação entre conhecimento e ação e entreinvestigação e ensino”. (SÁ-CHAVES, 2002, p. 57). A influência davisão predominante vai alémdas formasorganizacionais, institucionais,curriculares, gerando práticas de submissão e dominação. Osdominadores eram os detentores do conhecimento teórico investigado

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e os outros se limitavam a ser executores de determinações prévias ealheias. (SÁ-CHAVES, 2002, p. 57).

Assim, o distanciamento entre a investigação educacionale a ação prática foi se instaurando, com professores reconhecidoscomo transmissores de conhecimento e reprodutores e aplicadoresde teorias, normas e princípios. E, desse modo, esses elementos dehegemonia, carregados das representações de poder, passaram aintegrar os processos de formação docente.

Também cabe destacar que a docência universitáriarecebeu forte influência da concepção epistemológicadominante, própria da ciência moderna, especialmenteinspiradora das chamadas ciências exatas e da natureza,que possuía a condição definidora do conhecimentosocialmente legitimado. Nesse pressuposto o conteúdoespecífico assumia um valor significativamente maior doque o conhecimento pedagógico e das humanidades, naformação de professores. (CUNHA, 2006, p.21).

Dessemodo, a formação docente era (é) colocada em segundoplano nas universidades, sendo que a formação pedagógica era (é)considerada desnecessária para atuar como professor.

Evidentemente se assiste hoje à falência dessa lógica, poispassou-se a questionar os processos formativos que não respondemsatisfatoriamente às demandas da sociedade.

Todavia, os cursos de formação docente não são uniformes.Alguns avançaram nas propostas formativas integrando uma lógicadistinta da racionalidade técnica. Outros, porém, mantêm umaformação generalista sem preocupação com a especificidade doensino deCiências (Química, Física, Biologia); uma concepção técnica/instrumental; dicotomia entre saber os conteúdos (“puros”) e saberensinar (também “puro”), ou seja, a formação nos Institutos (Química,Física, Biologia) e a formação nas Faculdades de Educação. (SILVA,2005)

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As características apontadas desse modus operandi implicambaixos resultados, o que põe a nu a primeira e mais alta prioridade parainvestimentos: a frágil fundação de conhecimentos teórico-didático-metodológicos no âmbito da formação docente, que se constitui emverdadeiro “calcanhar de Aquiles”. Logo, é requerida cada vez maisuma nova engenharia de formação de professores.

Para isso tentativas de entendimento do chamado “fracasso”e a busca de alternativas para a construção de novos caminhosformativos tornam-se primordiais.

E, nessa busca de caminhos, a pós-graduação stricto sensu emEducação tem fundamental importância na formação de professoresde Ciências no que se refere ao processo de articulação entre teoria eprática.

A pesquisa em Educação, em sentido estrito, devesignificar o processo de construção e reconstruçãodos conhecimentos da área, para além daqueles jádisponíveis através de estudos anteriores, mas quetranscendam o conhecimento estruturado sob forma desenso comum, conduzindo a uma melhor compreensãoda realidade educativa. (FRANCO, 2005, p.45).

Embora as finalidades assumidas nos cursos de licenciatura ede pós-graduação sejam distintas, o primeiro dedicando-se ao ensino eo segundo à produção do conhecimento e à formação do pesquisador,tem-se que considerar o princípio da indissociabilidade entre ensino epesquisa.

Nesse sentido, é possível distinguir várias relações entre agraduação e a pós-graduação nas instituições educacionais, tais como:- professores dos programas de pós-graduação que ministram aulasnos cursos de Licenciatura em Ciências; - alunos da pós-graduaçãoque atuam como professores nos cursos de Licenciatura na formade estágio de docência; - orientação de alunos da Licenciatura emprojetos de pesquisa (bolsistas de iniciação científica, PET - Programa

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de Ensino Tutorial); - envolvimento de alunos da Licenciatura ematividades da pós-graduação.

Face as inúmeras iniciativas de integração entre asLicenciaturas e a Pós–Graduação, que se complementam, pode-se inferir que é possível a construção de uma parceria no intuitode atingir resultados mais amplos e eficazes nos diferentes níveisde escolaridade. Nesse sentido, pressupõe-se a instalação de umprocesso dinâmico de recontextualização da produção científica dapós-graduação que certamente envolverá deslocamentos constantes,movimentos de ruptura e lutas por hegemonia nos diferentes contextosde ação formativa. (TURA, 2009).

Os pontos de encontro entre a pós-graduação em Educação, oensino de Ciências e as licenciaturas na área são numerosos e podemdefinir fecundas interações:

A pesquisa, componente específico da pós-graduação, eo ensino, componente específico da graduação, devemcaminhar juntosearticuladoscomofimdepermitir amútuacriatividade. De suas diferenças, de seu entrelaçamentoplanejado e dos respectivos produtos, a universidadepoderá ganhar maior legitimidade e se beneficiar dasocialização desses níveis de ensino, estendendo-ospara o conjunto da sociedade. (CURY, 2004, p. 792).

Ademais, as situações emque os futuros professores se insiramno processo de fazer pesquisa junto aos formadores da pós-graduaçãoou se aproximem dos resultados de pesquisa podem potencializar oensino pela atualização de conhecimentos, valendo-se da pesquisalegitimada pelos pares. Assim, sendo a pesquisa o elemento definidorda pós-graduação stricto sensu, deve-se entendê-la

como fundamento e mediação do ensino e de toda aatividade que produz ou transmite conhecimento emtodas as suas mais diversificadas formas e modalidades,sem a qual estas não passariam de meras atividades

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obscuras sem sentido e significado para o ser humanoque é pensante e possui consciência. (FERREIRA, 2010p. 23)

Nessa perspectiva, considerando a influência da formaçãodocente no sistema educacional como um todo, entende-se que épossível, a partir da parceria entre pós-graduação e licenciaturas daárea, romper com o círculo vicioso e passar a um círculo virtuoso.Tal relação de circularidade virtuosa “configura a universidade na suaindissociabilidade entre ensino e pesquisa e estende, a partir dosdocentes qualificados cientificamente, socialmente compromissadose preparados pedagogicamente, sua presença ao desenvolvimento dopaís, especialmente à educação básica”. (CURY, 2004). Nesse sentido,é preciso que se construa uma visão comum de futuro para o ensinode Ciências, dentro de uma lógica conjunta de articulação entre osdiferentes níveis de escolaridade, possibilitando um encontro dinâmicoentre ensino básico, graduação e pós-graduação, constantementeapurado, na certeza de que convergem para as mesmas finalidadeseducativas.

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AS CONDIÇÕES DE DIÁLOGO ENTREPROFESSOR E FORMADOR PARA UMENSINO QUE PROMOVAA ENCULTURAÇÃOCIENTÍFICA DOS ALUNOSAnna Maria Pessoa de CarvalhoUniversidade de São Paulo

PROPONDO O PROBLEMA

Um dos grandes problemas que encontramos na formaçãode professores para os primeiros anos do ensino fundamental é adiscrepância entre a formação geral, que inclui as bases filosóficas eepistemológicas da educação, e formação nas áreas específicas, quedão sustentação ao trabalho em sala de aula.

Estes professores sabem o que seja ensinar e aprender paraformar cidadãos para o século 21, mas se sentem impotentes frentea um conteúdo como o das ciências que tem como objetivo permitirque os alunos entendam o mundo discutindo e compreendendo osfenômenos científicos e tecnológicos.

Eles sabem que ensinar qualquer conteúdo para que osalunos aprendam envolve mais do que dar uma aula bem estruturadae apresentando teorias lógicas e consistentes do ponto de vistacientífico; sabem que o ensino não se reduz a uma coleção de fatos,conceitos, leis e teorias como tradicionalmente são apresentadas aosalunos, pois dessa maneira, no melhor dos casos, o que realmentepermanece com os alunos é uma visão reducionista e neutra daprodução de conhecimento feito pela humanidade.

Eles sabem que, em vez de mostrar os conceitos terminadose as leis e teorias já elaboradas, devem levar os alunos a produziremconhecimento significativo não só sobre o conteúdo das disciplinascomo também, e principalmente, sobre o processo de construção doconhecimento que está sendo ensinado.

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As bases filosóficas e epistemológicas da educação lhesensinaram, e as metodologias de ensino construtivistas solidificaramestas crenças.

Temos então um sério problema na formação destesprofessores para o ensino de Ciências: eles não conhecem o processoda construção do conhecimento científico e como introduzir os alunosno “fazer ciências” e no “falar ciências”(colocamos aspas no “fazer”e “falar” ciências, pois estamos conscientes da distância que existeentre um aluno do curso fundamental e um cientista).

Entretanto permitir que os alunos possam entender o mundodiscutindo e compreendendo os fenômenos científicos e tecnológicos(Cachapuz et al. 2005;Yore et al. 2003) é uma necessidade da escolado século 21 de modo a alcançar o que a OCDE define como seralfabetizado cientificamente: “ser capaz de combinar o conhecimentocientífico com a habilidade de tirar conclusões baseadas em evidênciasde modo a compreender e ajudar a tomar decisões sobre o mundo eas mudanças nele provocadas pela atividade humana”.

Oensino de ciências devepermitir umprocesso deenculturaçãocientífica, isto é, temos de levar os alunos a entender e a participarda cultura científica fazendo com que eles pratiquem seus valores,suas regras e principalmente as diversas linguagens das ciências.As linguagens, falada e escrita, são os sistemas simbólicos utilizadospara construir, descrever e apresentar os processos e argumentoscientíficos. Para fazer ciência, para falar ciência, para ler e escreverciência é necessário combinar de muitas maneiras o discurso verbal,as expressões matemáticas, as representações gráficas. Essashabilidades e competências devem ser desenvolvidas no ensino deciências desde os primeiros anos do ensino fundamental. É precisosaber como levar os alunos da linguagem comum, utilizada no diaa dia da sala de aula, à linguagem científica. É necessário que elesaprendam a argumentar desde cedo se utilizando do raciocínio e dasferramentas científicas.

Existe então a necessidade de um diágolo entre professores

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e formadores visando ampliar as bases epistemológicas das Ciênciaspara um entendimento da educação científica, entendimento este queproporcionará condições de um ensino que enculture cientificamenteos alunos.

Este é o nosso problema determinar as condições de diálogoentre professores e formador para um ensino que promova aenculturação científica dos alunos.

NOSSO PONTO DE PARTIDA

O conhecimento das condições de diálogo entre professores eformadores, para responder a questão proposta, foi construído a partirda análise dos dados da pesquisa ‘Aprender para ensinar e ensinarpara que os alunos aprendam.6

Nesta investigação trabalhamos em uma escola em que jáexistia uma prática colaborativa entre os professores. No cotidianoda escola já era e ainda é praticado um conjunto de ações quevão desde os encontros formativos que acontecem uma vez porsemana nos horários coletivos de estudo, com duração de 1 horae meia cada, ao acompanhamento do trabalho realizado em salade aula. Os encontros formativos cumprem pautas correspondentesàs necessidades formativas designadas pelo grupo em seu contextode trabalho, que variam de fundamentações teóricas às ações deplanejamentos e reflexões coletivas (Azevedo, 2008). Estas atividadesformativas realizam-se por meio de atividades investigativas de ensino,cujos princípios fundamentais aproximam-se muito de nossa propostapedagógica para o ensino em sala de aula.

O problema que mobilizava esse grupo de professores era:como levar as crianças a aprender ciências.

Assim estabeleceu-se a parceria entre o LaPEF – Laboratóriode Pesquisa em Ensino de Física – e a EMEF Candidno Portinari.Esta parceria incluiu tanto a formação dos professores quanto arealização do ensino de ciências e ambas atividades orientadas em6 Pesquisa financiada pelo CNPq

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uma perspectiva investigativa, procurando estabelecer, coerênciaentre o “como aprender para ensinar” e o “como ensinar para que osalunos aprendam”.

Desenvolvemos uma série de ‘sequências formativas’ quese constituíram em três situações: um fórum na escola, as aulaspropriamente ditas e um fórum na faculdade. Vamos descrever otrabalho realizado cada umadas três situações da sequência formativa.

O Fórum na EscolaUma vez por mês tínhamos um fórum com as professoras e

coordenadoras, para discutirmos as atividades de ensino investigativode ciências e suas bases científicas e epistemológicas. Estas mesmasatividades seriam, aplicadas por algumas das professoras em suassalas de aula do Ensino Fundamental.

Este fórum se desenvolveu na escola, concebida por nóscomo o lugar onde alunos e professores aprendem. Procuramosorientar um desenvolvimento profissional, no dia-a-dia da escola,com um movimento que articulasse a formação dos professores comos projetos da escola. O Projeto da escola para a área de ciênciasera um ensino por investigação. Assim a busca de soluções deveriapressupor a identificação e compreensão do problema pelos sujeitos,o planejamento de ações, o desenvolvimento das ações, um controlee reflexão sobre estas ações. Esse fórum complementava as outrasreuniões semanais de formação das professoras que já existiam naescola.

Este fórum teve três objetivos que se desenvolveramsimultaneamente: focalizar o conteúdo conceitual das ciências quepoderia ser ensinado nos primeiros anos do ensino fundamental,através de atividades de ensino investigativas produzidas naLaPEF; propor uma metodologia de ensino que levasse em contaos conhecimentos produzidos pelas pesquisas na área de ensino deciências, e apresentar e discutir os pressupostos epistemológicos quefundamentavam tanto as atividades de ensino como a metodologiaproposta para esse ensino.

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Essa metodologia de ensino por investigação tem o objetivo decriar, emsaladeaula, umambienteondeosalunospossamdesenvolversimultaneamente os conteúdos conceituais, procedimentais eatitudinais da Ciências e assim ter condições de ser alfabetizadoscientificamente.

As atividades de ensino investigativas iniciam-se com aproposição de um problema – teórico ou experimental – para queos alunos os resolvam em grupos pequenos (4 a 5 crianças). Nessaetapa os alunos (ou as professoras), ao procurarem uma solução,agem sobre os objetos, mas uma ação que não se limita à simplesmanipulação e/ou observação. Na discussão com seus pares, namesma direção do que Gil et al. (1991) denominou de ‘grupo depesquisa’, eles refletem, levantam e testam suas hipóteses. Discutemuns com os outros explicando o que estão fazendo. Procuramosmostrar que o trabalho, primeiramente nesta pequena coletividade, éfundamental para a criação de um sistema conceitual coerente queproporciona, para os alunos, o pensamento por traz do fazer(Duggane Gott, 1995).

Depois dos grupos terem achado suas soluções organiza-se aclasse em uma grande roda de tal modo que os alunos possam relatarpara toda a classe o que fizeram, buscando, agora em pensamento– metacognição-, o “como” conseguiram resolver o problema e o“porquê” deu certo (White e Gustone 1989; White e Mitchell 1994).Agora a aula proporciona espaço e tempo para a sistematizaçãocoletiva do conhecimento e da tomada de consciência do que foi feito.Ao ouvir o outro, ao responder à professora, o aluno não só relembra oque fez como também colabora na construção dos conhecimentos queestão sendo sistematizados. Com a ajuda por parte do(a) professor(a),melhora sua argumentação e clarifica suas idéias (Harlen 2001,Capecchi 2004, Capecchi e Carvalho 2006). É nessa etapa que existea possibilidade de ampliação do vocabulário dos alunos sendo o iniciodo ‘aprender a falar ciência’ (Lemke 1997, Sutton 1992). Tambémo desenvolvimento de atitudes e processos científicos vai sendopropostos e sistematizados (Harlen 2000).

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Mas ciência não se faz só fazendo e relatando o que se fez. Énecessário também aprender a escrever ciência (Sutton 1998, Oliveira2003) e a utilizar as ferramentas matemáticas como as tabelas egráficos (Lemke 2003, Roth 1999, 2002). 7

O material suporte para estabelecermos o diálogo com asprofessoras foi a sequência didática ‘Navegação e Meio Ambiente8.Esse diálogo deu-se em dois níveis: o da formação dos conceitoscientíficos e os referenciais teóricos que sustentavam a metodologiade ensino. Um dos pontos que demos bastante atenção foi oaprender a falar ciência, discutindo a importância da passagemda linguagem comum para a linguagem científica, incluindo nestalinguagem as tabelas e gráficos, pois estas linguagens são básicaspara a enculturação científica. Outro ponto que salientamos, e que asprofessoras também estavam de acordo, foi a importância dos alunoselaborem individualmente um texto sobre o que se fez em sala de aula.

As aulas dadas na escolaConseguimos material impresso para os alunos da sequência

didática ‘Navegação e Meio Ambiente’. Entretanto, como partesubstantiva da verba do CNPq foi destinada à escola para comprade material de laboratório, uma impressora e material de consumo,as outras sequências didáticas, que o LaPEF tinha elaborado para osoutros anos do ensino fundamental, puderam ser também distribuídaspara os alunos das professoras que quiseram aplicá-las em suasaulas.

7 A sequência didática “Navegação e Meio Ambiente” tem início com atividades e discussões so-bre a importância da distribuição uniforme de massa em um corpo pra sua flutuação(experiênciado submarino). Após isso, começam pesquisas e discussões sobre história da navegação emeios de transportes aquáticos. Também é apresentada aos alunos a idéia de água de lastrocomo forma de garantir estabilidade às embarcações. Além do aspecto físico do lastro, trabalha-mos com os alunos os problemas ambientais que podem representar a introdução de espéciesde outros habitats em áreas nas quais os navios de carga despejam a água de lastro de seustanques. Estas discussões baseiam-se, sobretudo, em evidências que os alunos podem encon-trar ao participar do jogo “Presa e Predador” e construir uma tabela com os dados obtidos nestaatividade. Por meio desta tabela, é possível discutir a dinâmica das populações e a estreita rela-ção existente entre os diferentes seres vivos personagens do jogo. Desta maneira, foi possíveldiscutir em sala de aula temas que variaram de fenômenos científicos e adventos tecnológicosimplicando melhorias à sociedade e ao modo de vida, até questões e preocupações ambientaissuscitadas devido à intervenção humana na natureza

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Como parte de nossa pesquisa gravamos as aulas de duasprofessoras que se dispuseram a aplicar a sequência ‘Navegação eMeio Ambiente’. Muitas das outras classes foram também gravadaspelas próprias professoras e coordenadora da escola para suaspesquisas.

O Fórum na UniversidadeTambém uma vez por mês tínhamos um fórum no LaPEF,

Faculdade de Educação da USP, com dois objetivos: discutir o ensinorealizado e ampliar, numa proposta interdisciplinar, o referencial teóricosobre ensino de outros conteúdos.

O primeiro objetivo estava baseado na hipótese de que aprática reflexiva coletiva favorece a emergência de elementos teóricose críticos, podendo levar as professoras a tomar consciência sobre oque fez e por que fez. Essa tomada de consciência da relação teoria/prática deveria proporcionar uma explicação para o fenômeno ‘ensinoe aprendizagem’ de certos conteúdos (conceituais, processuaise atitudinais) propiciando generalizações para outros conteúdossimilares.

Essa era uma hipótese que queríamos comprovar, pois éimpossível, em um período de formação, abranger todo o conteúdoprogramático.

O segundo objetivo, de ampliar o referencial teórico para outrosconteúdos curriculares, relaciona-se ao fato de nos primeiros anosdo ensino fundamental a professora ser polivalente, não podendo oensino de Ciências ficar fora do contexto do ensino de Matemática,Historia, Geografia e mesmo de Alfabetização. Assim providenciamospalestra e oficinas sobre o ensino destas disciplinas.

O QUE NOSSOS DADOS MOSTRARAM

São inúmeros nossos dados. Estes estão sendo sistematizadosem mestrados e doutorados. Para este trabalho, não vamos utilizaras transcrições das salas de aula, mas transcrever algumas falas

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das professoras nos fóruns e os trabalhos dos alunos em relação adois pontos essenciais para a enculturação científica: a passagem dalinguagem cotidiana à linguagem científica e o início da construção dalinguagem matemática na ciência.

Apassagem da linguagem cotidiana à linguagem científicaTrabalhamos a construção da linguagem científica em quase

todas as reuniões tanto na escola como na universidade, masprincipalmente quando estávamos propondo às professoras umproblema experimental. Durante as discussões entre os pares e depoiscom todo o grupo, para explicarem como resolveram o problema eporque deu certo a solução proposta, elas construíam o conceitocientífico, e nessa hora mostrávamos como suas próprias falas iamse modificando. Dialogávamos sobre como ajudar os alunos nessapassagem da linguagem comum à linguagem científica.

Vamos mostrar alguns relatos das professoras que estavamaplicando a sequência didática ‘Navegação e Meio Ambiente’:

(relato da prof. Amélia 07/04/08).‘Eles não temvocabulário, é lógico. Lembrei das mãozinhas, como elesnão têm vocabulário e querem se expressar. Achei muitoespontâneo isso, usavam palavrinhas deles, que a genteentendia, utilizavam as mãos e muitos gestos.’

Este relato mostra a professora Amélia pondo em ação a idéiade que a linguagem oral não é a única forma de resposta às questõespropostas ( Piccinini e Martis 2004), sendo que as professoras têmde dispensar grande atenção ao papel desempenhado pelos gestosdos alunos e não só pela linguagem oral na construção discursiva doconhecimentocientífico.Ascriançasnãosecomunicamexclusivamentepor meio da fala, sendo que os gestos indicam a articulação entreo conhecimento cotidiano e o científico e é o inicio das interações eda negociação de significados entre a professora e o alunos (Padilha2008).

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(relato da profª. Ivone 07/04/08)

‘....pois achavam que “sub” era subir, aí conversei comeles, buscamos no dicionário, e aí quando chegou nahora da experiência eles estavam utilizando as palavras“submergir” e emergir”. Foi difícil eles entenderem que“sub” era para baixo.

Este relatomostra o trabalho desenvolvido pela professora paratornar realidade na sala de aula a proposta de Lemke (1997) quandoo autor propõe que “ ao ensinar ciência não queremos que os alunossimplesmente repitam as palavras como papagaios. Queremos quesejam capazes de construir significados essenciais com suas própriaspalavras ......mas estas devem expressar os mesmos significadosessenciais que hão de ser cientificamente aceitáveis”.

O relato abaixo não está relacionado com a sequência didáticada Navegação e Meio Ambiente. Faz parte de outras sequênciasdidáticas oferecidas às professoras e cuja experiência feita com osalunos, sobre a qual a professora está relatando sua aula, não foitrabalhada nos fóruns de formação. Podemos então supor que sejauma generalização, para outros conteúdos a serem ensinados, dasidéias epistemológicas emetodológicas discutidas a partir do conteúdoNavegação e Meio Ambiente.

(relato de aula da prof. Susi 07/04/08)

‘Eles falavam assim:-a água saiu mais forte porque eupude levantar, então ficou mais alta e a água saiu maisforte. Então perguntei – Como assim mais forte? Queoutra palavra você pode usar sem ser mais forte? Entãofizeram gestos mostrando uma força para frente. Então

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falei : Crianças, isso se chama pressão.’

Este relato mostra a mediação da professora na construção doconceito científico de pressão. Através de perguntas, ela vai levandoos alunos a se expressarem e neste momento eles se exprimem pormeio de gestos. A professora traduz os gestos em uma nova palavra“pressão”, um novo conceito.

Este novo conceito é apropriado pelos alunos, pois foi utilizadoem seus relatórios escritos de uma maneira correta (vide transcriçãoabaixo), apesar desta linguagem ser mais estruturada e apresentarmaior dificuldade para os alunos que a oral (Oliveira e Carvalho, 2005).

Aluna Clara

No laboratório de ciência nos reunimos em grupos para fazero experimento.

Usamos os seguintes materiais:- uma coluna de água (torre)-copos plásticos-uma caixa plásticaO desafio era como deixar o copinho sempre cheio de águaDescobrimos atraves do experimento que a agua tem força;

que quanto mais alta estiver a caixa d’agua, a água tera maior pressão.

Apesar de não termos os relatos das professoras em outras

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sequênciasdidáticas temososcadernosdosalunosepodemosmostrar,por exemplo, o entendimento destes após as atividades da experiênciada ‘Bolinha na Cestinha’ e da leitura ‘Entendendo o Problema’ quandofoi discutido com os alunos o conceito de transformação de energia –neste caso de energia potencial em energia cinética.

Aluna Neide

Energia potencial Ex: você está encima do prédio e você vai sejogar ai você está em energia potencial

Energia cinética é quando você Ex: você quer se jogar doprédio ai você cai e você está descendo a sua energia potencial viraenergia cinética e em movimento

A sua colega Edna ao responder o que é energia potencialconsegue ir além de dar exemplos, isto é, supera a concretude doconceito e se exprime com bastante precisão.

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Aluna Edna

Quando esta no alto, a bolinha possui o que chamamos deenergia potencial, ou seja, ela possui a capacidade de se moverQuando mais alta estiver a bolinha, mas energia poltecial ela terá

Para alunos de 10 anos chegarem a essas conceituaçõescientíficas é preciso atividades investigativas que criem condiçõespara a construção do conhecimento, e principalmente, de professorasque estejam atentas às mudanças da linguagem comum à linguagemcientífica. Não adianta atividades investigativas nas mãos deprofessoras sem habilidades necessárias para promoverem aenculturação científica.

INICIO DA CONSTRUÇÃO DA LINGUAGEM MATEMÁTICA NACIÊNCIA.

Tabelas, gráficos e equações são linguagens matemáticasaltamente utilizadas nas Ciências e, portanto, devem fazer parte doensino de Ciências desde os primeiros anos do ensino fundamental.Na verdade já as encontramos nas salas de aula tradicional, mas deuma maneira quase sempre impositiva sem relação com a linguagemcomum dos alunos e professores. É essa interação entre as linguagensque buscamos quando propomos um ensino que vise a enculturação

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científica de seus alunos.Na sequência didática, posta como pano de fundo para o

estabelecimento do diálogo com as professoras, tínhamos umaatividade; ‘o jogo da presa e do predador’; cujo resultado é organizadoem forma de tabela para que seja feita a interpretação desta pelosalunos. No Fórum na Escola o diálogo com as professoras se deu naparte conceitual daCiência – adinâmica das populações –mas tambémna parte epistemológica das construções das linguagens científicas(Roth 1999, 2002). Após as aulas, já no Fórum na Universidade,encontramos relatos bastante interessantes, dos quais selecionamoso seguinte relato.

(relato da Prof. Olga 27/08/08)

“-Mas prof.! Não está dando para a gente entender direito,vamos fazer um gráfico para a gente entender melhor. Aíeu disse: ‘É, vamos ver como a gente pode montar....Então vamos montar o gráfico de cada rodada para verqual hora o Tapiti comeu...’. E, pelos gráficos a genteconseguiu montar melhor o relatório ...., então através dográfico eles conseguiram visualizar melhor .”

Os gráficos que os alunos montaram

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O relato desta professora, juntamente com os gráficos feitospelos alunos, supera nossas expectativas: era nosso objetivo que osalunos entendessem a tabela e eles apresentaram necessidade defazer um gráfico, mostrando o domínio da relação lingüística entretabela e gráfico.

Nos cadernos dos alunos de outras séries, cujo conteúdo nãoera a sequência Navegação e Meio Ambiente, encontramos exemplosinteressantes da relação entre as linguagens comum/matemáticacientífica. Os relatórios de dois alunos na experiência ‘O problema doamendoim’ mostram relações diferentes entre as linguagens

Relatório de Gabriela

Com a experiência de Hoje descobrimos que o amendoim éum alimento que “aguarda” bastante “calor”. Esse calor fez com que aágua do tubo de ensaio aumentasse a temperatura. Vejamos o quadrodas temperaturas (inclui a tabela)

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Relatório Vitório

Enquanto Gabriela utiliza a tabela para explicar o fenômenocientífico, pois levao leitor a observá-la e ver o aumento de temperatura,fazendo assim a relação entre a linguagem matemática e a linguagemcientífica, Vitório traduz, utilizando quase três páginas de um cadernouniversitário, a linguagem da tabela para a linguagem cotidiana.

Nãoé comumencontrarmosesses raciocínios e esses domíniosdas linguagens matemática em alunos de 10 anos, temos de dar umcrédito muito grande à professora. Mas, talvez, também possamoscaracterizar como etapa bem sucedida de nossa formação.

CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES SÍNTESE E DISCUSSÃO

A partir da análise de nossos dados, tanto da formação deprofessores como da aprendizagem dos alunos, podemos determinartrês pontos essenciais para estabelecer um diálogo entre professorese formadores para um ensino que promova a enculturação científicados alunos.

- Professores e formadores devem ter as mesmas finalidadeseducacionais;

- Existir atividades de ensino que potencializem a enculturaçãocientífica dos alunos, pois para que os alunos se alfabetizem

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cientificamente eles precisam aprender a argumentar e a utilizar aslinguagens e raciocínios científicos. É necessário o planejamento deatividadesquedêemoportunidadedepromoverumaamplaparticipaçãoe envolvimento desses alunos e, além disso, os professores precisamestar preparados para conduzir a argumentação em classe - entreprofessor/alunos e alunos/alunos.

- Reuniões com os professores, antes e após o ensino, onde osproblemas de ensino e aprendizagem possam ser debatidos. Nestasreuniões, o diálogo sobre os referenciais teóricos, a partir de problemasconcretos que serão resolvidos nas reuniões pelos professores e emsala de aula pelos alunos, deve dar condições para explicar as práticasde sala de aula e transmitir confiança para novas generalizações nasrelações ensino/aprendizagem das ciências.

Se os formadores quiserem construir um diálogo profícuocom os professores, tendo como objetivo uma melhora qualitativa noensino de Ciências propomos que sigam estes três pontos nos cursosde formação.

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LETRAMENTO CIENTÍFICO EM AULASDE QUÍMICA PARA O ENSINO MÉDIO:DIÁLOGO ENTRE LINGUAGEM CIENTÍFICAE LINGUAGEM COTIDIANAEduardo F. MortimerAna Clara F. R. VieiraUniversidade Federal de Minas Gerais

INTRODUÇÃO

Emsala deaula, o professor lida constantemente comdiferentesgêneros de discurso (Bakhtin, 1986), que se ancoram nas linguagemcientífica escolar e na linguagem cotidiana. O aprendizado depende,portanto, do diálogo estabelecido entre essas linguagens sociais(Bakhtin, 1981), ou seja, o aluno só é capaz de compreender o novosignificado apresentado pelo professor quando consegue reconhecê-lo por meio de suas próprias palavras, e esses significados ecoam, decerta forma, naqueles provenientes da sua linguagem cotidiana. Dessaforma, torna-se necessário conhecer as características particulares decada linguagem e entender como elas se relacionam.

Na linguagem cotidiana, o narrador está sempre presente eos fatos são apresentados numa ordem seqüencial que garante alinearidade do discurso. Os processos (ações, eventos, processosmentais) se expressam por verbos; os participantes (pessoas, animais,objetos concretos e abstratos) desses processos se expressam pornomes e substantivos; as circunstâncias (tempo, lugar, modo, causa,condição) se expressam por advérbios e locuções adverbiais; e asrelações entre os processos se expressam por conjunções (Mortimer,1998; Bruner, 1990). A linguagem científica, por sua vez, é estruturale aparentemente descontextualizada, uma vez que o agentenormalmente está ausente. Esse desaparecimento do agente é umaconseqüência dos processos de nominalização. Halliday (1993) refere-

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se ao processo de nominalização como uma “metáfora gramatical”, naqual, no lugar da substituição de um nome por outro, como nametáforaordinária, ocorre a substituição de uma classe ou estrutura gramaticalpor outra. Ou seja, a linguagem científica substitui os processos,expressos normalmente por verbos, por grupos nominais. “Quantotempo uma reação química leva para completar-se”, se transforma,através da nominalização, em “velocidade de uma reação química”.Isso pode se constituir numa dificuldade para o aluno, acostumado adesignar seres e coisas por nomes e processos por verbos. Ao usar alinguagem científica, ele começa a habitar um estranho mundo ondeos processos se transformaram em nomes ou grupos nominais e osverbos não expressam mais ações e sim relações.

De acordo com Halliday, a metáfora gramatical não é algo quefoi inventado pelos cientistas em um momento determinado. Essalinguagem social foi sendo construída ao longo do desenvolvimentoda própria ciência para responder a uma necessidade do discursocientífico de progredir passo a passo, com um movimento constantedo que já se conhece em direção a uma nova informação. As duaspartes (“o que já se conhece” e a “nova informação”) têm que serapresentadas de maneira que sua função no argumento fique clara.A melhor maneira de fazê-lo é agrupando essas duas partes numaúnica frase. Para isso, as duas partes devem ser transformadas emnomes ou em grupos nominais e o verbo que se coloca entre elasdeve mostrar como a segunda parte (“nova informação”) se relacionacom a primeira (“o que já se conhece”).

Podemos considerar queaaprendizagemdas ciências dependede um processo de letramento, em que os alunos vão se tornandocada vez mais hábeis em usar os diferentes gêneros da ciência escolare atribuem significado ao que estão fazendo em sala de aula. Essaexpertise passa necessariamente pela leitura de textos dos diversosgêneros e pela sua escrita. De acordo com Sadler (2007), diversassão as interpretações do que vem a ser Letramento Científico. A leiturapode ser vista como um processo de decodificação do texto ou, aocontrário, como um processo que nos possibilita inferir significado

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por meio do texto. Inferir significado requer um diálogo entre asinformações fornecidas pelo texto e o conhecimento anterior do leitor.Por meio dessa interação, surge algo novo, que vai além do texto edo conhecimento a priori do leitor: a interpretação. Há uma grandediferença entre saber o que um termo científico significa e conseguirreconhecer esse significado em um contexto mais amplo. Essasdiferenças de perspectivas do letramento influem no relacionamentoentre ciência e linguagem: a linguagem pode ser vista como umaferramenta da ciência ou como um elemento fundamental desta. Noprimeiro caso, a ciência pode ser construída independentemente dalinguagem. No segundo, a prática literária é essencial à ciência. Deum ponto de vista cognitivo, as atividades realizadas em sala de aulapriorizam apenas a aquisição de conceitos e não uma interação entrealunos, idéias e linguagem. A linguagem é, então, ferramenta, recursocom o qual o conhecimento é transmitido. Quando o ensino se dápor meio de uma abordagem sociocultural, o contexto, a enculturação(processo em que os indivíduos se tornam parte da comunidade) e aprática tornam-se fundamentais. O aprendizado só é possível se háengajamento nas atividades propostas, o que ocorre apenas quandoas atividades são realmente significativas para a realidade dos alunos.A grande maioria dos estudantes não se interessa pelas atividadesque permeiam o universo da comunidade científica porque essas nãoapresentam sentido prático perante as necessidades da comunidadeem que o aluno está inserido. Para o aprendizado da ciência é precisomais do que conceitos abstratos. É preciso experimentar os conceitoscientíficos e suas ferramentas em atividades práticas contextualizadasque invoquem processos similares àqueles presentes na pesquisalaboratorial onde a “ciência real” acontece (Sadler, 2007).

Tendo em vista a distância existente entre os dois tipos delinguagem – científica e cotidiana - torna-se necessário analisarquais aspectos devem ser levados em conta durante o letramentocientífico. Segundo Liberg et al. (2007), o professor representa umpapel extremamente importante na formação de seus alunos. Emsala de aula, é o professor quem determina as práticas pedagógicas

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a serem desenvolvidas, direcionando o enfoque e a abordagem deum determinado conteúdo. As práticas pedagógicas, quando muitoseveras, podem assumir um caráter excludente, fazendo com que ascontribuições de vários estudantes sejam vistas como inapropriadase, portanto, desconsideradas. Assim, tem-se duas formas possíveisde marginalização. A primeira ocorre quando a ciência é ensinadaunicamente por meio da linguagem cotidiana, o que resulta em umaabordagemmuitosuperficial.Emoutroextremo, tem-seumaabordagemque faz uso da linguagem científica, abstrata, “deixando para trás”todos aqueles alunos que não estão acostumados com esse tipo dediscurso. A liberdade de expresão dos alunos fica , de certa forma,muito restrita. Para facilitar o aprendizado, é necessário que o alunoseja capaz de apreender a linguagem científica concomitantementecom o conteúdo dado em sala de aula.

Coerente com essas posições, este artigo apresenta umaanálise de parte do material produzido por alunos de escolas públicasestaduais de Belo Horizonte, participantes do projeto “Água em FoCo”.Analisaremos a produção de um texto, no qual foi solicitado aos alunosque completassem uma narrativa usando os elementos aprendidos noprojeto.

OS GÊNEROS DE DISCURSO E GÊNEROS TEXTUAIS

O conceito de gênero tem sido abordado por diferentestendências no estudo da linguagem, entre elas a Lingüística SistêmicoFuncional e as abordagens sócio-semióticas que dela derivam;a Análise do Discurso Francesa; as teorias Bakhtinianas e asvárias vertentes discursivas e de análise textual a ela relacionadas(Maingueneau, 2004).

Chamamos de gêneros textuais (Marchuschi, 2002 ; Bronckart,1999;Adam, 1992) à diversidade de textos que ocorrem nos ambientesdiscursivos de nossa sociedade, os quais são materializaçõeslingüísticas de discursos, com suas estruturas relativamente estáveis,como propôs Bakhtin, disponíveis para serem atualizados nas

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situações de comunicação no meio social.Em outras palavras, os gêneros textuais são unidades

relativamente estáveis, criados historicamente pela prática social, comocorrência nos mais variados ambientes discursivos. Os usuários deuma língua natural atualizam os gêneros quando participam de umaatividade de linguagem, de acordo com o efeito de sentido que queremprovocar nos seus interlocutores. A teoria dos gêneros textuais centra-se na descrição da composição e da materialidade textual. Os teóricosdessa vertente estabelecem uma tipologia para os tipos de texto que,segundo eles, podem agrupar-se em cinco categorias conhecidascomo: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. OsGêneros Textuais, por sua vez, são inúmeros. Desse modo, os teóricosdessa vertente associam o conceito de gênero de texto a uma famíliade textos. Na visão de Bronckart,

Na escala sócio-histórica, os textos são produtos daatividade de linguagem em funcionamento permanentenas formações sociais: em função de seus objetivos,interesses e questões específicas, essas formaçõeselaboram diferentes espécies de textos, que apresentamcaracterísticas relativamente estáveis (justificando-seque sejam chamadas de gêneros de textos) e que ficamdisponíveis no intertexto como modelos indexados, paraos contemporâneos e para as gerações posteriores.(Bronckart, 1999:137)

Bronckart (1999:143) propõeaindaque “osgênerosdediscurso,gêneros de texto e/ou formasestáveis de enunciados deBakhtin podemser chamados de gêneros de textos; e os enunciados, enunciaçõese/ou textos bakhtinianos podem ser chamados de textos, quando setrata de produções verbais acabadas, associadas a uma mesma eúnica ação de linguagem ou de determinados enunciados, quando setrata de segmentos de produções verbais do nível da frase.”

Se contrapomos a teoria bakhtiniana com a teoria dos gêneros

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textuais, percebe-se que na última busca-se fazer uma descrição maispropriamente textual, quando se trata da materialidade lingüística dotextooumais funcional/contextual, quandose tratadeabordar ogênero.Ao passo que a busca do analista bakhtiniano é a da significação, daacentuação valorativa e do tema, indicados pelas marcas lingüísticas,pelo estilo e pela formação composicional do texto (Rojo, 2005).

De maneira geral, pode-se considerar que as diferentes teoriasde gênero fazem referência, na sua análise, à situação social no qual odiscurso é produzido e às restrições discursivas e formais que advémdessa ancoragem social dos discursos e textos. O que as distingueé o método utilizado e a hierarquia estabelecida entre os diferentesníveis de análise. Enquanto umas privilegiam o texto e desenvolvemsua análise a partir desse nível, outras privilegiam o contexto sociale como ele define as outras restrições à produção dos enunciados/textos.

Neste artigo, faremos uso da teoria dos gêneros textuais e dateoria dos gêneros de discurso para trabalhar com os textos produzidospelos alunos em sala de aula. Da teoria dos gêneros textuais usaremos,comalguma adaptação ao ensino de ciências, a tipologia de textos, queapresentaremos a seguir. Da teoria bakhtiniana, usaremos os conceitosde linguagem social – científica/escolar e cotidiana – e o conceito degênero de discurso na análise mais geral dos constrangimentos queos alunos vivenciam ao produzir seus textos.

OS TIPOS DE TEXTO

Um texto pode ser caracterizado segundo a organizaçãoseqüencial de seu conteúdo (Adam, apud Bronckart, 1999, 218).Um autor possui conhecimentos, idéias e opiniões referentes a umdeterminado tema que são denominadas macroestruturas. A produçãode um texto requer a organização linear dessas macroestruturas, ouseja, o estabelecimento de uma seqüência de eventos. SegundoAdam,as seqüências são unidades estruturais relativamente autônomas,que integram e organizam macroproposições que, por sua vez,

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combinam diversas proposições, podendo a organização linear dotexto ser concebida como o produto da combinação e da articulaçãode diferentes tipos de seqüências. Para esse autor, são cinco os tiposbásicos de seqüência: seqüência narrativa, descritiva, argumentativa,explicativa e dialogal.

Neste estudo, vamos considerar alguns tipos de seqüênciatextual parapodermosanalisar asproduçõesdosalunos.Asseqüênciasconsideradas serão as mesmas abordadas por Adam, considerando,no entanto, aspectos particulares das ciências para a sua definição,como expressas em Mortimer e Scott (2003).

ARGUMENTAÇÃO

O discurso argumentativo pode ser caracterizado de maneiraintra-discursiva por suas diferentes formas estruturais, como emToulmin, e de maneira extra-discursiva por seu efeito persuasivo,como em Perelman e Olbrechsts-Tyteca.

Charaudeau e Maingueneau (2004) apresentam ainda aargumentação como sendo “uma atividade verbal e social que tem porobjetivo reforçar ou enfraquecer a aceitabilidade de um ponto de vistacontroverso junto a um auditório ou a um leitor, alegando proposiçõesdestinadas a justificar (ou a refutar) esse ponto de vista diante de umjúri racional” (p.53). O processo argumentativo pressupõe a existênciade uma tese inicial que é reafirmada ou refutada pela presença deargumentos ou contra-argumentos, respectivamente.

OmodelodeToulmin(1958),articulaaconstruçãoargumentativaem torno de seis elementos: (i) dados ou premissas; (ii) conclusões;(iii) garantias; (iv) suportes; (v) qualificador e (vi) rebatimento.

Bronckart, citando Toulmin, considera que

O raciocínio argumentativo implica, em primeiro lugar, aexistênciadeuma tese, supostamenteadmitida, a respeitode um dado tema (os seres humanos são inteligentes).Sobre o pano de fundo dessa tese anterior, são então

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propostos dados novos (os seres humanos fazemguerra), que são objeto de um processo de inferência(as guerras são uma idiotice), que orienta para umaconclusão ou uma nova tese (os seres humanos não sãotão inteligentes). No quadro do processo de inferência,esse movimento argumentativo pode ser apoiado poralgumas justificações ou suportes (as guerras trazemmorte e desolação), mas podem também ser moderadoou freado por restrições (algumas guerras contribuírampara o estabelecimento das liberdades individuais). Éo peso respectivo dos suportes e das restrições quedepende a força da conclusão. (1999:226)

NARRAÇÃO

Numa narração, a mobilização e organização dos personagensésustentadapor umprocessode intrigaquearticula osacontecimentos,criando uma ação completa, com início (estado equilibrado), meio(tensão + transformação) e fim (equilíbrio) (Bronckart, 1999). Dessamaneira, para que exista a narração, inicialmente, é preciso arepresentação de uma sucessão temporal de ações e uma elaboraçãoda intriga que dê sentido a essa sucessão de ações e de eventos notempo, pois “a narrativa explica e coordena ao mesmo tempo em queconta, ela substitui a ordem causal pelo encadeamento cronológico”(Charaudeau e Maingueneau 2004:343).

DESCRIÇÃO

Bronckart (1999) propõe que as seqüências descritivasapresentam uma particularidade em relação às seqüências narrativas:ser composta por fases que, não necessariamente, se organizam emuma forma temporal linear obrigatoriamente, “mas que se combinam eseencaixamemumaordemhierárquicaouvertical” (p.222).Aseqüência

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descritiva é constituída de três fases principais: a ancoragem, em queo tema da descrição é determinado; a aspectualização, em que osaspectos do tema são enumerados (descrição das propriedades) e afase de relacionamento, em que os elementos são descritos por meiode comparações e metáforas.

Outra definição para a descrição é apresentada Mortimer eScott (2003), para os quais esse tipo de texto envolve enunciados quese referem a um sistema, um objeto ou um fenômeno em termos deseus constituintes, suas propriedades ou dos deslocamentos espaço-temporais desses constituintes.

EXPLICAÇÃO

O raciocínio explicativo origina-se na constatação de umfenômeno incontestável (Bronckart, 1999). A explicação pode envolverquatro fases: (i) constatação inicial, que introduz um fenômeno (objeto,ação, acontecimento, situação) incontestável; (ii) problematização,em que é explicitada uma questão da ordem do porque ou do como;(iii) resolução, que envolve a explicitação das causas e/ou razõese permite responder à questão colocada no item anterior; e (iv)conclusão/avaliação.

Charaudeau e Maingueneau (2004) apresentam que o textoexplicativo, do ponto de vista conceitual, é empregado para caracterizara relação entre fenômeno a explicar e o fenômeno explicante.

O texto explicativo pode ser distinguido como: (i) explição causal(Arco-iris: fenômeno meteorológico luminoso que é produzido pelarefração, a reflexão e a dispersão das radiações coloridas compondo aluz branca [do sol] pelas gotas de água); (ii) explicação funcional (Porque o coração bate? Para fazer circular o sangue); (iii) a explicaçãointencional (ele matou para roubar). (Charaudeau e Maingueneau,2004).

Mortimer e Scott (2003) propõem o texto explicativo comosendo aquele que recorre a algum tipo de mecanismo ou de modeloteórico para se referir a um sistema, objeto ou fenômeno.

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A estrutura conceitual do discurso explicativo, nas ciências,depende estritamente das definições e das operações que regulam odomínio considerado. O discurso explicativo é diferente nas diversasdisciplinas: na história, na lingüística, na matemática ou nas ciências.Além disso, a explicação dada a um aluno não é mesma dada a umcolega. (Charaudeau e Maingueneau, 2004).

O texto explicativo nas ciências vai lançar mão de certosrecursos como as nominalizações e a metáfora gramatical (Halliday,1993).

DIÁLOGO

A seqüência dialogal implica a presença de uma conversação,cujos enunciados determinam-se mutuamente, de forma a produzirum todo coerente. Os segmentos de uma seqüência dialogal sãoestruturados em turnos de fala, quando são diretamente apresentadosaos leitores no caso dos discursos diretos; ou são assumidos pelosagentes envolvidos na interação verbal e atribuídos a personagens, nocaso dos discursos indiretos. Segundo Bronckart (1999), a seqüênciadialogal apresenta três fases. A fase de abertura é o momento em queos interactantes entram em contato. Na fase transacional, o tema dainteração é apresentado e desenvolvido. Por último, tem-se a fase deencerramento que põe fim à interação.

O PROJETO “ÁGUA EM FOCO” E O LETRAMENTO CIENTÍFICO

O projeto “Água em Foco: qualidade de vida e cidadania”,utilizado na formação inicial e continuada de professores de químicada UFMG, faz parte do Programa FoCo, grupo de formação continuadade professores das áreas de ciências da natureza, da UFMG. Esseprojeto tem sido desenvolvido em várias escolas públicas da grandeBelo Horizonte e objetiva a formação de professores que sejamcapazes de trabalhar com a metodologia de projetos temáticos deinvestigação de problemas abertos.

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O tema central do projeto é a qualidade da água. No casoespecífico que vamos analisar neste estudo, foram trabalhadas aquestão da qualidade da água da Lagoa da Pampulha. Foram usadasduas questões para gerar a investigação que teve lugar no projeto:Pode-se ter contato primário com as águas da Lagoa da Pampulha?Pode-se comer o peixe ali pescado? Em sala de aula, a partir dessasquestões, foram discutidos temas como a importância da água e suaescassez, o consumo de água nas atividades humanas e a distribuiçãodiferenciada da água no planeta e em nosso país. Os parâmetrosfísico-químicos, importantes na determinação da qualidade da água,foram abordados tendo como base a resolução do CONAMA Nº 357,que estabelece 4 classes de água. A partir dessas classes é possívelresponder à primeira questão do projeto.

As classes de água são definidas segundo diversos parâmetrosfísico químicos e biológicos de análise. A discussão e determinaçãodos parâmetros físico químicos – temperatura, oxigênio dissolvido,turbidez, pH e condutividade elétrica – aconteceu, em primeiro lugar,na sala de aula, com a utilização de algumas amostras durante aulasexperimentais. Os alunos realizaram as atividades práticas divididosem pequenos grupos e os resultados obtidos foram socializados ediscutidos com toda a sala. Em seguida, foi analisada a água da Lagoada Pampulha e alguns de seus córregos, como parte de uma atividadede campo. Também foi usada uma série histórica, com dados de algunsanos, fornecida pela COPASA-MG (Companhia de Saneamento deMinas Gerais), sobre diversos parâmetros físico-químicos e biológicosda água da Lagoa da Pampulha. Esses dados, conjuntamente com oscoletados em sitio, permitiram construir uma visão ampla do problemae analisar efeitos sazonais em alguns deles, como por exemplo aconcentração de diversos metais presentes na água da Lagoa.

A avaliação dos alunos foi realizada a partir de todo o materialpor eles produzido: relatório das atividades práticas, construção degráficos, diagramas e tabelas, resolução de exercícios, discussões emsala de aula, redação final; bem como o interesse e a participação doaluno em sala de aula. Nesse artigo, será feita uma análise da redação

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final produzida pelos alunos de duas turmas de escolas públicas deBelo Horizonte.

A redação final foi proposta tendo como base o seguinteenunciado:

Aninha mudou-se recentemente para Belo Horizonte. Emsua cidade, no interior de Minas, frequentemente haviaexcursões para visitar a capital, e no roteiro, a Lagoada Pampulha estava sempre presente. No entanto,Aninha nunca teve a oportunidade de participar dessasexcursões. Curiosa, em seu primeiro final de semana emBH, sai para conhecer a famosa Lagoa.

Imagine que você encontrou Aninha em traje de banho,pronta para dar um mergulho na Lagoa. Continue essahistória. Você convenceráAninha a nãomergulhar?A suanarrativa deve conter os assuntos estudados no projetoFoCo. Não se esqueça de incluir dados da construçãoda lagoa, de como ela ficou poluída, do que pode serfeito e do que está sendo feito pela lagoa, e das suasexpectativas em relação ao futuro da Lagoa. Lembre-seque a sua narrativa deve conter início, meio e fim, e terno mínimo 25 linhas.

Analisando o enunciado, podemos inferir quais os tiposde seqüência possíveis de serem encontrados nas redações. Apresença de uma seqüência narrativa é indiscutível, uma vez quetemos um processo de intriga bem demarcado: Aninha quer pular naLagoa e é preciso convencê-la a não tomar tal atitude. Além disso,o enunciado expõe a necessidade de uma narrativa com começo,meio e fim. Também é possível a presença de uma seqüênciadescritiva, pois temos o tema central “Lagoa da Pampulha” sujeitoa uma aspectualização, envolvendo dados sobre a sua construção,sobre o projeto arquitetônico que compõe o seu entorno, bem como a

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enumeração de algumas características que denunciam sua poluição.A utilização de uma seqüência dialogal é provável, pois o tema daredação abre espaço para um diálogo entre Aninha e o aluno.

As seqüências argumentativa e explicativa podem, decerta forma, se confundir, sendo necessário certo cuidado paradiferenciá-las. A seqüência argumentativa pode estar presente apartir do momento em que temos como tese inicial o fato de não serrecomendado nadar na Lagoa da Pampulha e de ser necessáriofornecer argumentos que confirmem essa tese e sejam capazes deconvencer Aninha. A seqüência explicativa, por sua vez, é evidenciadapela fase da problematização: Aninha vai querer saber o porquê dapoluição da Lagoa. Então, o aluno deverá discorrer sobre as causasda poluição, mencionando tudo aquilo que foi visto durante o projetoFoCo, principalmente no que diz respeito aos parâmetros físico-químicos de análise da água. É nesse momento que o aluno deverácruzar a linguagem cotidiana, natural de uma narrativa, de um diálogoou, até mesmo, da seqüência descritiva, com a linguagem científica.

Por isso, a importância da redação como atividade final. Aescolha de uma prova como atividade final automaticamente implicariaa presença de uma linguagem científica; os alunos são induzidos aisso. A redação, por sua vez, não necessariamente leva ao uso de umalinguagem científica. Talvez apenas aqueles alunos que construíram oconhecimento relativo à análise e qualidade da água são capazes deacessá-la.

O enunciado do exercício pede a construção de um textonarrativo que inclua os assuntos abordados em sala de aula. Dessaforma, e por apresentar-se como atividade final, fica claro tratar-sede um texto endereçado ao professor. No entanto, o texto começacom uma história e pede que o aluno converse com Aninha, paraimpedí-la de entrar na Lagoa da Pampulha. Neste sentido, Aninharepresenta o universo cotidiano do aluno. Assim, o aluno deve sercapaz de, partindo de uma situação cotidiana e de seus gêneros dediscurso característicos, utilizar um enunciado específico da esferade comunicação científica, levando em conta todo o conhecimento

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aprendido durante o Projeto. Esse tipo de atividade permiti analisarcom que desenvoltura o aluno transita entre esses dois “mundos”, oque possibilita avaliar até que ponto se deu o letramento científico. Aoperceber, no seu texto, quando inserir os significados que fazem uso dalinguagem científica, o aluno demonstra a capacidade de perceber aspotencialidades de uma e de outra linguagem, pois certos significadossomente podem exprimir-se na linguagem científica.

METODOLOGIA

As redações finais a serem analisadas foram escritas poralunos de duas escolas distintas, escola X e escola Y, ambas públicasestaduais, localizadas emBeloHorizonte, cujos alunos são oriundos dediversos bairros da própria Belo Horizonte e da região metropolitana,incluindo periferias e vilas distantes. O perfil sócio cultural dos alunos é,portanto, bastante heterogêneo, predominando a classe média baixa.Quanto à atitude em relação à química, o perfil dos alunos das duasescolas apresenta semelhanças. Sendo o número de alunos das duasturmas bastante próximo, 24 na turma X e 27 na turma Y, podemosdizer que, em ambas, metade da turma se mostrava interessada,preocupada com a questão ambiental e empenhada em realizar asatividades propostas. Os outros alunos, por sua vez, não eram muitoparticipativos e raramente falavam em aula.

No que diz respeito ao espaço físico e infraestrutura doscolégios, ambos possuem, além da sala de aula, um laboratóriode química. É importante destacar que o projeto “Água em FoCo”forneceu Kits contendo todo o material necessário para a realizaçãodas atividades (a escola X também disponibilizou, para uso em salade aula, recursos adicionais como televisão, vídeo, retroprojetor,computador e data-show).

Na análise, a leitura das redações levou em consideração osseguintes aspectos:

• Número total de palavras;• Parâmetros físico químicos de análise referidos;

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• Referentes específicos;• Classe de referentes;• Tempos verbais;• Tipo de seqüência textual predominante.A contagem do número total de palavras em cada redação

mostra-se necessária para umposterior estudo comparativo do númeroabsoluto de palavras utilizadas em referentes específicos e classe dereferentes. O referente específico é aquele que se refere diretamenteao sistema ou objeto do qual se fala (ex: Lagoa da Pampulha, ProjetoÁgua em FoCo, xistose, etc). Classe de referente, por sua vez, é todapalavra que nos remete a uma classe de sistemas ou objetos (ex:lagoa, doenças, bactérias, poluição, etc) (Mortimer et al. 2007).

A presença dos parâmetros físico-químicos de análise naredação é de suma importância, pois trata-se de uma evidência diretado aprendizado dos alunos, uma vez que o principal objetivo do projetoé o estudo da qualidade da água tendo como base os parâmetrosfísico-químicos presentes na resolução do CONAMA N° 357. Valelembrar que os alunos não só tiveram aulas experimentais cujo temaera a discussão e determinação dos parâmetros, como tambémparticiparam da excursão à Lagoa da Pampulha para a análise emcampo da qualidade das águas da Lagoa segundo os mesmosparâmetros físico-químicos.

O estudo dos tempos verbais presentes na redação nosparece relevante, pois esses funcionam como um termômetro do tipode linguagem utilizada. Estando o tempo verbal no passado, é maisprovável encontrarmos uma seqüência narrativa em que predominaa linguagem do senso comum. A linguagem científica, por sua vez,normalmente aparece em trechos onde o tempo verbal é o presente e,nesse momento, é quase certa a presença de seqüências descritivas,argumentativas e explicativas. O tipo de texto predominante se refereao tipo de seqüência predominante na redação: seqüência narrativa,descritiva, explicativa, etc.

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RESULTADOS

A análise nos mostrou três tipos de redação padrão, entre osquais, obviamente, encontramos variações:

1 -A redação tem início com um texto narrativo – tempo verbalno passado e linguagem cotidiana – em seguida, nos deparamos comum texto descritivo, argumentativo ou explicativo – tempo verbal nopresente e linguagem cientifica. O texto narrativo é então retomadopara a finalização da redação.

2- A redação é marcada pela presença de um texto narrativona introdução, e depois utiliza-se o tempo presente, com descriçãode aspectos da Lagoa. Termina-se com a retomada da narrativa. Alinguagem é predominantemente cotidiana.

3- A redação é marcada pela presença de um texto narrativo,do começo ao fim, com predominância da linguagem cotidiana.

4- A seqüência dialogal não ajuda a distinguir as redações,pois pode aparecer em todos os três tipos explicitados acima.

As Tabelas 1 e 2 nos mostram o resultado quantitativo dos tiposde texto encontrados nas redações e dos parâmetros físico químicosmencionados, repectivamente.

Tabela 1 – Resultado quantitativo dos tipos de redaçãoencontrados

Escola No total deredações Linguagem cotidiana Linguagem científica

Narrativa Descritiva Explicativa Descritiva

X 24 21 1 2 ---

Y 27 12 11 2 2

Tabela 2 – Resultado quantitativo dos parâmetros físicoquímicos mencionados.

Escola No total deredações Menciona parâmetro(s) Não menciona

parâmetros

X 24 4 20

Y 27 12 15

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Em ambas as escolas, constatou-se a predominância deredações narrativas, marcadas pelo uso da linguagem cotidiana e poruma abordagem muito superficial do tema. Foram poucos aquelesalunos que conseguiram estabelecer relações de causa e efeito pararesponder às indagações de Aninha, bem como escrever por meio deuma linguagem científica, utilizando os termos e conceitos trabalhadosem sala de aula. A seguir, serão apresentados trechos de algumasredações para que possamos discutir como os alunos empregamas variações textuais ao produzir o texto e como essas refletem seuaprendizado.

O trecho abaixo é um exemplo de redação (redação tipo 3) ondea seqüência narrativa se faz presente, juntamente com a dialogal.Alémdisso, mostra-se um texto alheio a tudo o que foi estudado durante oprojeto.

-Você não pode fazer isso não! É perigoso!

-Mas por quê? Eu ouço tanto falar desta lagoa?

-Sim, você ouve falar porque é um cartão postal! Naverdade, só é boa mesmo nos cartões. Você não estásentindo o fedor?

-Bom, na verdade eu tô, mas achei que tivesse algumbicho morto aqui perto.

-Bicho morto? Só se for um jacaré né? Você não sabeque moram jacarés aí?

-Não, não sabia. Mas se o jacaré nada, porque eu nãoposso?

-Oxi, e você por um acaso tem organismo de jacaré? Elesjá se acostumaram, agora essa água oferece grande

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risco para o ser humano, pode te contaminar com váriasdoenças.

É importante ressaltar que, apesar de a maioria das redaçõesmostrar a predominância de um texto narrativo, com linguagemcotidiana, algumas tentam fazer menção aos temas estudados noprojeto. Vejamos o exemplo:

Ela então ficou surpresa e perguntou porque um lagoa tãobonita e grande estava naquela situação. Daí eu respondique um dos maiores motivos são os próprios moradoresque moram ali ao redor, que muitas vezes não respeitam,não tem um mínimo de bom senso e educação.

Ela então ficou muito triste, mas me perguntou se jáhavia feito testes e exames que comprovaram isso, lhedisse então que eu mesmo já havia feito um trabalho nalagoa e tive a prova de que a situação era feia de mais.

O trecho acima (redação tipo 3), apesar de essencialmentenarrativo e da utilização da linguagem cotidiana, tenta retomar algumasquestões trabalhadas em sala de aula: “...me perguntou se já havia feitotestes e exames...”. Essa tentativa, no entanto, é mal sucedida, devidoa uma abordagem superficial do assunto. Outro aspecto interessantediz respeito à mudança do tempo verbal quando o aluno apontaos “próprios moradores” como responsáveis pela poluição. Nessemomento, o verbo encontra-se no presente, pois temos a tentativa deuma explicação. A citação dos moradores pode ser conseqüência deuma das atividades do projeto, na qual os alunos deveriam visitar aLagoa e entrevistar as pessoas que ali encontrassem.

Outras redações, ainda fazendo uso da linguagem cotidiana,mostram-se descritivas. Assim, temos a presença de várias classes dereferentes, mas não encontramos relações de causa e efeito.

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Disse a ela que mesmo a Lagoa da Pampulha sendo umcartão postal da capital e um forte ponto turístico e lazer,não é um lugar adequado para a prática de mergulho epesca devido a poluição da água. A poluição da água édevido a esgotos de municípios próximos e de regiões daprópria capital que desembocam na lagoa, que não é sódomésticos, mas industriais também, contendo materialpesado e tóxico, como resíduos de detergente, substânciametálica, causando a água poluída, espumosa, suja,esverdeada e com mal cheiro.

Nesse trecho (redação tipo 2), o aluno fala de uma série decaracterísticas da Lagoa, usando o tempo presente. O texto é, portanto,descritivo. Ele menciona materiais pesados e, em seguida, substânciametálica, o que sinaliza uma referência ao parâmetro físico químico“metais pesados”. No entanto, a menção direta a parâmetros físico-químicos nem sempre coincide com uma redação explicativa e coma presença de uma linguagem científica. Isso pode ser exemplificadopela redação (redação tipo 3) a seguir, que usou o tempo passadoem toda a sua extensão e no entanto menciona os parâmetros físicoquímicos:

No mesmo dia, na mesma hora resolvo ir a lagoa parapesquisar alguns fatos, e quem eu encontro lá? Prontapara dar aquele mergulho na lagoa? Ela, a própria,Aninha, mas ela teve a felicidade de eu estar lá paraaconselhá-la a não nadar. Disse a ela para não nadarporque a lagoa era mais suja que o esgoto perto da minhacasa e que ela sairia de lá cheia de doenças. (...) Disse aela que fiz um projeto na Lagoa, pesquisando tudo sobreela, a medição de PH, oxigênio dissolvido, turbidez. (...) Eessa foi a curiosa visita que Aninha fez a lagoa, gostandomuito e aprendendo também.

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Apesar de em menor número, foram encontradas redaçõespredominantemente explicativas e com a presença de uma linguagemcientifica. Em algumas delas, podemos perceber, em certosmomentos, pequenos equívocos, mas nada que interfira ou prejudiqueas relações de causa e efeito estabelecidas. Nesses textos (redaçõestipo 1), normalmente há uma separação clara da parte narrativa emrelação à parte explicativa, com mudança nos tempos verbais sendoacompanhada de mudanças na linguagem, que passa a ser científica.Abaixo, temos alguns exemplos:

Aquantidade dematérias orgânicas presentes nos corposd’água depende de uma série de fatores incluindo todosos organismos que ali vivem, os resíduos de plantas eanimais carregados para as águas e também o lixo eos esgotos nela jogados. Se a quantidade de matériaorgânica é muito grande, a poluição da água é alta euma série de processos vão ser alterados. Haverá muitoalimento à disposição e, com proliferação dos seresvivos, vai haver maior consumo de oxigênio dissolvido,provocando a morte dos peixes.

Porém, quando o rio recebe esgotos, ele passa a conteroutros tipos de bactérias que não são da água e quepodem causar doenças às pessoas que beberem dessaágua, como as bactérias coliformes (...)

Os seres vivos necessitam de pequenas quantidadesde metais. Porém, níveis excessivos desses elementospodem ser extremamente tóxicos. Os metais pesadosconstituem contaminantes químicos nas águas, podendoinviabilizar os sistemas públicos de águas, podendocausar redução da capacidade das águas restauraremsuas características ambientais naturalmente.

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Nesse texto a linguagem científica é evidenciada pelo usode nominalizações (quantidade de matéria orgânica, proliferação deseres vivos, contaminantes químicos) e pelo uso de verbos fazendorelações entre os grupos nominais (depende, provocando, podemcausar) (Halliday, 1993). Há também o emprego de modalizadoresque relativizam certas afirmações (o verbo poder em vários temposdiferentes).

A seguir apresentamos um outro exemplo (redação tipo 1) noqual, além das características apontadas acima, também aparecemdefinições de termos técnicos, como eutrofização e assoreamento.Há também uma sofisticação no uso da terminologia técnica, com oemprego de termos bem específicos, por exemplo tributários, agentespatógenos, agentes exotoxicológicos:

Mas a Lagoa está doente, ela sofre de três doençasambientais: eutrofização que é quando há um aumentoda biomassa de fitoplâncton e outras plantas aquáticasdevido a um grande acúmulo de nutrientes inorgânicos,principalmente fósforo, carregados para o lago pelosesgotos não tratados que são despejados em seustributos, principalmente nos córregos Ressaca e Sarandi.O assoreamento que vem sendo causado pelo aporte desedimentos inorgânicos (areias e argilas) gerados porprocessos erosivos que tomaram conta das encostasdesmatadas graças à ação predatória de alguns quefizeram loteamento para especulação mobiliária, e acontaminação seja ela por agentes patógenos seja poragentes ecotoxicológicos (os metais pesados). Elestêm sua origem nos tributários onde vivem populaçõescom condições miseráveis e que muitas vezes estãoem contato direto com os esgotos. Os metais pesadose outros agentes tóxicos são gerados nos efluentes demuitas indústrias, oficinas e grandes transformadoras.

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Em algumas redações há uma hibridização (Bakhtin, 1981)das linguagens cotidiana e científica, com intercalação de trechos deuma e de outra. Por exemplo, percebe-se a intercalação de trechosem linguagem cotidiana (Mas o que eles não sabiam; Um enormeproblema) com trechos escritos em linguagem científica (pois todosos seres vivos dependem de oxigênio, como os animais que vivem emmeioaquático,qualqueraçãoquenãosejadanatureza (antrópica),etc).Isso pode ter um efeito interessante, pois a autora tenta estabelecerum diálogo com o leitor, pelo uso de perguntas com checagem doentendimento (ela tende a evaporar mais rápido, certo?) e deexpressões que exprimem surpresa (mas o que eles não sabiam ...).

O tempo foi passando e pequenos esgotos de residênciaslocais foram piorando a situação e contaminando a água.O governo, que até o momento não estava fazendo nada,lançou um projeto para retirar esses esgotos e despoluira Lagoa. Mas o que eles não sabiam era que um dospiores problemas era quase invisível, o O2 (oxigênio) ea temperatura presente na água havia se alterado. Umenorme problema, pois todos os seres vivos dependemde oxigênio, como os animais que vivem em meioaquático, a maioria deles dependem do oxigênio queestá dissolvido na água, então qualquer ação que nãoseja da natureza (antrópica) que altere a quantidade deO2 dissolvido na água prejudica a saúde, e o ecossistemados animais e indiretamente dos vegetais. (.....) Com atemperatura da água mais elevada, ela tende a evaporarmais rápido, certo? Então o O2 que está contido nelatambém vai e bem mais rápido do que a água que estáse evaporando.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo analisamos as redações produzidas por aluno(a)s que vivenciaram um projeto que tinha a intenção de fazê-los usaremconteúdos científicos para analisarem um problema real, presente nouniverso de preocupações dos habitantes da cidade. Além disso, oprojeto fez uso de vários tipos de texto de diferentes gêneros, comotextos explicativos, descritivos e argumentativos que circulavam emnotícias de jornal, textos de divulgação científica com inscriçõesmultimodais (gráficos, tabelas e diagramas), textos didáticos, etc.Esperava-se, como resultado, que os alunos incorporassem algunsdesses tipos de texto na sua prática corrente, sendo capazes dereconhecer a pertinência de usar a linguagem científica quandodesejassem exprimir certos significados e de transitar entre essalinguagem e a linguagem cotidiana. Tudo isso daria evidência de queo letramento científico estaria ocorrendo.

Por outro lado, a uso da redação para avaliar os alunos devia-se à necessidade de possibilitar esse diálogo entre a linguagemcotidiana e a linguagem científica, algo que não ocorreria numasituação normal de “prova”, onde as perguntas seriam técnicas e asrespostas necessariamente na linguagem científica.

Nas duas turmas analisadas, têm-se pouca evidência de queesse letramento foi eficiente. Na turma X, apenas 2 redações em 24fazem uso da linguagem científica, e apenas 4 redações mencionamos parâmetros físico-químicos da água, estudados no projeto. Naturma Y, apenas 4 redações em 27 fazem uso da linguagem científica.No caso da menção aos parâmetros, esse número sobe para 12. Issosignifica que há apenas uma menção, que por sua vez está inseridanuma linguagem cotidiana, seja narrativa ou descritiva.Acredita-se quealguns fatores contribuíram para esse resultado. A turma X era umaturma de Ciências Humanas, que tradicionalmente estudava poucoquímica. Além disso, em ambos casos os professores eram alunos delicenciatura em química, que participaram do projeto Água em Fococomo parte de seu estágio obrigatório na disciplina Prática de Ensino

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de Química II. Portanto, em ambas as turmas os professores eraminexperientes e demonstravam insegurança em relação ao controle daturma e a alguns tópicos a serem ensinados.

Por outro lado, considerando que trata-se de uma esferahumana de atividade – o ensino de ciências - que comporta diferentesgêneros de discurso, houve evidência de que a maioria dos alunosnão conseguiu ultrapassar a linguagem cotidiana quando confrontadoscom uma redação sobre o tema, usando apenas textos narrativos edescritivos. Por outro lado, a presença de Aninha no enunciado quedeu origem às redações, parece ter tido um efeito contraditório, aofazer o aluno não se deslocar da linguagem social cotidiana. Há umagrande diferença entre saber o que um termo científico significa econseguir reconhecer esse significado em um contexto mais amplo.Essa é uma habilidade sofisticada, que esses alunos não conseguiramrealizar.

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O VALOR PRAGMÁTICO DA LINGUAGEMCOTIDIANACharbel Niño El-HaniUniversidade Federal da BahiaEduardo Fleury MortimerUniversidade Federal de Minas Gerais

INTRODUÇÃO

Em qualquer sala de aula, há uma inevitável heterogeneidadede modos de pensar e falar. Dito de outra maneira, toda sala de aula émulticultural. Para que possamos construir uma teoria sobre ensino eaprendizagem, que permita intervir de modo informado na dinâmica dasala de aula, é necessário modelar esta heterogeneidade. Sem dúvida,diante da complexidade e da contingência das salas de aula, este seráum modelo que somente poderá ser projetado para novas situaçõesse acompanhado da coleta de informações locais. No entanto, essacomplexidade e contingência não deve fazer com que deixemos delado a tentativa de modelar os modos de pensar e falar dos estudantese professores, na medida em que estes, por mais diversos que sejam,não variam de modo inteiramente individual, mas têm, como veremos,sua variabilidade constrangida pelo contexto social.

Emmeados dos anos 1990, Mortimer (1994, 1995) propôs umanova abordagem da evolução conceitual em sala de aula, que veio aser conhecida como modelo de mudança de perfis conceituais. Osperfis conceituais constituem, precisamente, modelos de diferentesmaneirasdevere representaromundoquesãoutilizadaspelaspessoaspara significar sua experiência. Em decorrência de desenvolvimentosposteriores, eles foram integrados a um arcabouço teórico que trata aaprendizagem de ciências como a aprendizagem da linguagem socialda ciência escolar, através de interações discursivas na sala de aula,entendidas de uma perspectiva sócio-interacionista (Mortimer & Scott,

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2003). Neste arcabouço, os seguintes referenciais são combinadosnuma síntese teórica que se mostra possível pelo compartilhamentode uma série de pressupostos, característicos de abordagens sócio-interacionistas ou sócio-culturais: a abordagem dos perfis conceituais,como ferramenta de análise demodos de pensar; a teoria da linguagemdo círculo de Bakhtin, como referencial para análise de modos defalar; a teoria de desenvolvimento das funções mentais de Vigotski,como base para a análise da aprendizagem; a estrutura desenvolvidapor Mortimer e Scott para a análise de abordagens comunicativasna sala de aula; e, mais recentemente, a análise da construção doconhecimento escolar em termos da sociologia da educação de BasilBernstein. Não teremos espaço, no presente artigo, para tratar daintegração destas várias perspectivas num único arcabouço teórico,sendo nosso intuito discutir a abordagem dos perfis conceituais e, emparticular, suas bases epistemológicas, como modo de situar, em seucontexto, o valor pragmático da linguagem cotidiana.

Para tanto, iniciaremos com uma breve apresentação dos perfisconceituais, para, em seguida, discutir suas bases epistemológicase a maneira como esta abordagem permite estabelecer o valor dalinguagem cotidiana em bases não relativistas.

AABORDAGEM DOS PERFIS CONCEITUAIS

Oargumento de que as pessoas têm diferentesmaneiras de vere conceitualizar o mundo é encontrado em vários autores (e.g., Schutz,1967; Tulviste, 1991; Cobern, 1996). Estas diferentes maneiras nãosão, contudo, idiossincrasias pessoais, na medida em que o indivíduoconstrói sua consciência e cogniçãomediante a inserção num contextosocial (multifacetado) e pelo uso de mediadores como a linguagem.Podemos dizer, então, que as pessoas lidam com “representaçõescoletivas” (Durkheim, 1972) ao construírem seu pensamentoconceitual. Estas construções coletivas – como preferimos chamá-las – têm natureza supra-individual (ou seja, social) e são impostas à

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cognição individual. Desse modo, terminamos por lidar com conceitose significados que são mantidos numa forma bastante similar por umasérie de indivíduos, em variadas esferas do mundo social, tornandopossível a comunicação efetiva.

Segundo Kozulin (1990), o conceito de “representaçãocoletiva” de Durkheim foi uma das rotas que deu origem às idéias deVygotsky. Quando este último autor destacou a dimensão social dosprocessos mentais humanos, como o fez em sua lei genética geraldo desenvolvimento cultural, ele estava apoiando-se, pois, na idéiade que a imposição de construções coletivas à cognição individualdecorre do fato de que esta se desenvolve mediante a internalizaçãode ferramentas culturais que são tornadas disponíveis através deinterações sociais. Nesses termos, ele propõe uma compreensãodo desenvolvimento das funções mentais superiores, a exemplo daformação de conceitos, de acordo com a qual elas aparecem primeiroentre as pessoas, como uma categoria interpsicológica e, através dainternalização de experiências dirigidas socialmente, se transformamnuma categoria intrapsicológica (Vygotsky, 1978, 1981). Consideramosimportante, contudo, ter cuidado ao pensar a internalização a quese refere Vygotsky, de modo a não terminarmos fazendo uma merajustaposição de abordagem socioculturais e cognitivistas da cogniçãoe aprendizagem.

Entendemos a internalização das ferramentas culturais quemediam o desenvolvimento das funções mentais superiores emtermos da constituição de potencialidades de emergência de funçõesmentais similares, sempre produzidas na interação socialmentesituada entre um indivíduo e alguma situação externa, e não como aprodução de estruturas mentais estabilizadas de modo inteiramenteinterno (Mortimer, Scott & El-Hani, 2009). Dito de outra maneira, oaspecto de permanência em processos mentais como o pensamentoconceitual pode ser entendido como uma tendência ou potencialidadede tais processos, quando plenamente desenvolvidos, seremrealizados e operarem de maneira similar diante de experiênciasque percebemos como similares. O pensamento conceitual, como

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processo emergente em cada interação social, tende a repetir-se emaspectos que nos parecem centrais, e é isso que nos permite usarconceitos repetidamente, de modo similar, e, assim, pensar através deconceitos e comunicarmo-nos uns com os outros de maneira efetivapor meio dos signos da linguagem.

Assim, podemosmanter a estrutura dialética do pensamento deVygotsky intacta, entendendo a internalização não como a geração dealguma estrutura interna àmente do sujeito que reproduz ou representaalguma estrutura externa, mas como uma internalização que só podemanifestar-se numa tensão dialética com a externalização, com umaretomada da experiência social que incorpora uma potencialidade deemergência das mesmas classes de processos mentais, no caso queaqui nos interessa, do mesmo modo pensar conceitualmente diante deexperiências similares.

Em nossa visão, este argumento está de acordo com doisaspectos que Wertsch e colaboradores (Wertsch, 1985; Wertsch &Smolka, 2001) destacam como importantes para a interpretação dasafirmações de Vygotsky a respeito da relação entre os planos inter- eintrapsicológicos. Primeiro, que Vygotsky procurava deixar claro queos processos internos não são simples cópias dos processos queocorrem no plano social. A internalização não constitui a transferênciade processos externos, mas um processo de transformação genética eformação de um plano interno de consciência. Segundo, que a relaçãoentre os planos inter- e intrapsicológico se encontra fundada no fatode que, em ambos, são utilizados mediadores construídos social eculturalmente para pensar, a exemplo da linguagem.

Também nos parece que a abordagem dos perfis conceituaispode de fato dialogar de modo consistente com a teoria de Vygotskysobre o desenvolvimento das funçõesmentais superiores. Como nossaexperiência social é diversa e multifacetada, não compartilhamosapenas uma série de significações que usamos para lidar com aexperiência; ao contrário, temos à disposição uma diversidade designificados estabilizados em diferentes linguagens sociais, sendo queo peso que damos a cada um deles depende da extensão em que

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tivemos oportunidades, ao longo de nossa formação, para empregá-los de modo fértil para dar conta dos desafios colocados por nossasexperiências.

Perfisconceituaissãomodelosdestadiversidadedesignificados,ou, dito de outra maneira, da heterogeneidade do pensamento verbal(Tulviste, 1991). Os indivíduos exibem distintos modos de pensar emdecorrência da diversidade de potencialidades de emergência emseu pensamento conceitual, relacionadas a significados socialmenteconstruídos que podem ser atribuídos aos conceitos.

Cada perfil conceitual modela a diversidade de modos depensar ou de significação de um dado conceito (e.g., calor, matéria,vida, adaptação) em termos de uma série de “zonas”. Cada zonarepresenta um modo particular de pensar ou atribuir significado a umconceito. Cada modo de pensar pode ser relacionado, além disso, aum modo de falar.

Na análise de interações discursivas na sala de aula, perfisconceituais podem cumprir importante papel na investigação dadimensão cognitiva do discurso. Van Dijk (1997), ao caracterizar odiscurso como um evento comunicativo socialmente situado, no qualpessoas interagem para comunicar idéias, crenças ou emoções,propõe que seja tomada como objeto de investigação a descriçãointegrada de três dimensões do discurso: (1) o uso da linguagem– um fenômeno lingüístico; (2) a comunicação de idéias e crenças– um fenômeno cognitivo; e (3) a interação em contextos sociais –um fenômeno social. Perfis conceituais constituem uma ferramentapoderosa para analisar o discurso como um fenômeno cognitivo. Elesconstituem, afinal, modelos da diversidade de significados socialmenteestabelecidos que são atribuídos a um dado conceito a partir dedistintos modos de pensar. Eles são, pois, uma ferramenta paraanalisar modos estáveis de produção de significados que emergemnas interações discursivas em sala de aula, consistindo em um dospólos de uma análise do discurso estruturada em torno da relaçãoentre modos de pensar e formas de falar (Mortimer, 2001): enquantoperfis conceituais são ferramentas para analisar modos de pensar,

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formas de falar podem ser analisadas com proveito em termos daslinguagens sociais e gêneros do discurso de Bakhtin (1986). A análisede modos de pensar e de falar tem sido integrada, em estudos maisrecentes, ao uso da ferramenta de análise de interações discursivas eprodução de significados na sala de aula de ciências desenvolvida porMortimer e Scott (2003), também baseada numa abordagem sócio-cultural, influenciada principalmente pelos trabalhos de Vygotsky eBakhtin (e.g., Sepulveda, 2009; Reis, El-Hani & Sepulveda, no prelo).

Torna-se mais fácil compreender a natureza dos perfiscomo modelos da diversidade de modos de pensar e falar quandoconsideramos alguns aspectos de sua metodologia de construção.Comonãopoderemosdetalharestametodologia, indicamosaos leitoresinteressados a leitura de outros trabalhos nas quais ela é discutida(e.g., Amaral & Mortimer, 2006; Sepulveda, Mortimer & El-Hani, 2007).Para construir umperfil conceitual, é necessário considerar umagrandediversidade de significados atribuídos a um conceito e uma variedadede contextos de produção de significados, incluindo pelo menos trêsdos quatro domínios genéticos considerados por Vigotski em seusestudos sobre as relações entre pensamento, linguagem e formaçãode conceitos, a saber, os domínios sócio-cultural, ontogenético emicrogenético (Wertsch, 1985). O que se busca nos dados relativos àprodução de significado nestes domínios genéticos são compromissosontológicos, epistemológicos e axiológicos que estabilizam umadiversidade de modos de pensar e falar sobre os conceitos e, assim,tornam possível individuar zonas para a construção de um perfil. Parabuscar estes compromissos, devem ser considerados dados de umavariedade de fontes, de uma maneira dialógica: (1) fontes secundáriassobre a história da ciência e análises filosóficas do conceito em estudo,que são particularmente instrumentais na compreensão da produçãode significados no domínio sócio-cultural e no estabelecimentode compromissos ontológicos, epistemológicos e axiológicos quenorteiam os processos de significação de um conceito; (2) trabalhossobre concepções alternativas de estudantes, que são úteis paracompreender a significação dos conceitos no domínio ontogenético;

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e (3) dados colhidos através de entrevistas, questionários e filmagensde interações discursivas numa variedade de contextos de produçãode significado, particularmente em situações educacionais, que dãoacesso aos domínios ontogenético e microgenético.8

É importante enfatizar que identificar zonas na construção deum perfil conceitual não se limita a categorizar o discurso escrito ouoral, embora tipicamente envolva este procedimento.Anecessidade deir além da categorização se torna clara, contudo, quando se consideraque as zonas de um perfil são individuadas por meio de compromissosontológicos, epistemológicos e axiológicos que estruturam diferentesmodos de pensar e falar sobre um conceito.Afinal, estes compromissosnão estão, em geral, presentes de modo explícito no discurso. Épreciso, por assim dizer, cavar mais profundamente nas afirmaçõesdos sujeitos para interpretá-las em termos de um repertório decompromissos ontológicos, epistemológicos e axiológicos, elaboradoscomo hipóteses e constantemente reformulados pelo investigador,à luz de suas fontes de dados. Como foi comentado acima, fontessobre história da ciência e análises filosóficas dos conceitos sãoparticularmente úteis na tentativa de identificar tais compromissos.

Por fim, vale a pena considerar que a obtenção e interpretaçãodos dados obtidos nas fontes citadas são entendidas em termos de umprocesso de dialogo estruturado pelas intenções e procedimentos doinvestigador (Martins, 2006). Assim, em momento algum as evidênciassão entendidas como “dados brutos”, a partir dos quais se poderiamobter categorias e, subseqüentemente, compromissos ontológicos,epistemológicos e axiológicos de modo inteiramente indutivo. É ainterpretação ativa do investigador, munido das hipóteses que odiálogo entre suas fontes de dados lhe permite formular, que permitetrabalhar tais compromissos e, assim, individuar zonas de um perfil.

O que diferencia os perfis conceituais de cada indivíduo sãoos pesos dados a cada zona em sua cognição e práxis, e não aszonas propriamente ditas. Afinal, como discutido acima, as zonas8 É importante ter clareza de que não estamos propondo relações biunívocas entre domínios ge-néticos e fontes de dados, mas apenas ilustrando algumas relações que têm sido instrumentaisem investigações sobre perfis conceituais.

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correspondem a modos de pensar supra-individuais, sociais, que sãoimpostos à cognição individual ao longo de seu processo de formação.Em última análise, as diferenças entre perfis resultam da diversidadeda experiência social dos indivíduos, na medida em que esta podeoferecer mais ou menos oportunidades para empregar distintos modosde pensar em contextos nos quais são pragmaticamente poderosos.

É importante perceber que a heterogeneidade dos modos depensar não se dá apenas na linguagem cotidiana. As ciências tambémabrigam formas heterogêneas de pensar e falar, propiciando múltiplasmaneiras de conceitualizar a experiência. O conceito de átomo ofereceum exemplo. Químicos podem usar o modelo de Dalton, no qual oátomo é visto como uma esfera rígida e indivisível, para explicar váriaspropriedades das substâncias. Fórmulas estruturais, por exemplo,utilizam este modo de pensar os átomos. Contudo, este modelo nãoé adequado para explicar outros fenômenos, como, por exemplo, areatividade química, que demandam modelos diferentes, por exemplo,derivados da mecânica quântica.

Diante desta heterogeneidade, podemos nos perguntar,então, o que significa dizer que um estudante aprende sobre átomosna escola. Perfis conceituais, como modelos da heterogeneidadedo pensamento verbal, consideram que diferentes significados quepodem ser atribuídos a um conceito coexistem num indivíduo, mascada qual se mostra pragmaticamente mais poderoso para lidar comdeterminados tipos de problemas, como mostra o exemplo discutidoacima, relativo ao conceito de átomo. Não há qualquer garantia, noentanto, de que um indivíduo de fato opte pelos significados cujouso se mostra mais apropriado para determinados contextos. Issoé algo a ser aprendido e aprender a este respeito significa aprendersobre a própria heterogeneidade do pensamento e da linguagem, nadiversidade de contextos em que pensamos e agimos. Considere-se,além disso, que a heterogeneidade do pensamento conceitual nãose limita necessariamente à ciência. Inúmeros “termos científicos”são também usados nas experiências cotidianas, seja porque sãopalavras da linguagem comum das quais a ciência se apropriou,

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como “adaptação”, seja porque são palavras da ciência que foramapropriadas pela linguagem comum, como “gene”. Nestes casos, osperfis conceituais são ainda mais ricos e a distinção entre significadosdiferentes e os domínios apropriados de sua aplicação se mostra umatarefa ainda mais complexa.

A aprendizagem é entendida na abordagem dos perfisconceituais em termos de dois processos interligados: (1) oenriquecimento dos perfis conceituais; (2) a tomada de consciênciada multiplicidade de modos de pensar que constituem um perfil edos contextos nos quais estes modos de pensar e os significadosque eles engendram podem ser aplicados de modo apropriado, i.e.,pragmaticamente poderoso (El-Hani & Mortimer, 2007). No ensino deciências, o primeiro processo tipicamente envolve a compreensão demodos científicos de pensar e falar aos quais os estudantes geralmentenão têm acesso por outros meios. O segundo processo segue de umanecessidade colocada por uma idéia central na abordagem dos perfis,a saber, de uma coexistência de modos de pensar e falar na cogniçãohumana. Diante de tal coexistência, torna-se um objetivo crucial doensino e da aprendizagem a promoção de uma visão clara, entre osestudantes, da demarcação entre modos de pensar e falar, bem comoentre seus contextos de aplicação.

Como podemos, então, afirmar, nesses termos, o valor dalinguagem cotidiana? A próxima seção se debruçará sobre estaquestão, conectando-a comuma discussão das bases epistemológicasda abordagem dos perfis conceituais.

O VALOR PRAGMÁTICO DA LINGUAGEM COTIDIANA

Considere-se,porexemplo,ocasodeumestudantequeaprendeo conceito científico de que o calor é um processo de transferência deenergia entre sistemas a diferentes temperaturas. Isso correspondeao primeiro processo mencionado acima, o enriquecimento de seuperfil conceitual de calor (cf. Amaral & Mortimer 2001). Em sua vidacotidiana, contudo, ele atuará em vários contextos discursivos que

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reforçam outra zona do perfil, como, por exemplo, a visão comum deque o calor é uma substância e de que é proporcional à temperatura,podendo haver um “calor quente” e um “calor frio”.

Por exemplo, o estudante muito provavelmente pedirá um“casaco quente de lã” em uma loja, na medida em que este modo defalar, próprio da linguagem cotidiana, se mostra mais poderoso do queo discurso científico naquele contexto. A comunicação com o vendedorseria, muito provavelmente, dificultada se o estudante solicitasse “umcasaco feito de um bom isolante térmico, que evite a transferência deenergia térmica do corpo para o ambiente”. Embora o exemplo pareçatrivial, ele permite que formulemos duas idéias importantes. Primeiro,que o modo científico de falar não é pragmaticamente mais poderosoem todos os contextos da experiência, mas, como todo discurso, emdomínios particulares. Isso significa que não é um objetivo factível, oumesmo justificável, do ensino de ciências a superação ou substituiçãoda linguagem cotidiana, face ao contato com o discurso científico.Segundo, a trivialidade do exemplo se dissolve quando consideramosque o uso da linguagem tem importantes conseqüências, em virtudede sua íntima relação com o pensamento (Whorf, 1940; Vigotski,1978, 1987, 2000). A hipótese Sapir-Whorf, por exemplo, sustenta queos modos de pensar de um grupo estão funcionalmente relacionadosà estrutura de sua linguagem, uma idéia que é, claro, um ponto fulcraldo tratamento dado por Vygotsky à relação entre pensamento elinguagem. Como escreveu Whorf,

Nós dissecamos a natureza ao longo de linhas estabelecidaspor nossas linguagens nativas. As categorias e os tipos que isolamosdo mundo dos fenômenos não são ali encontrados por nós porqueeles olham cada observador face a face; ao contrário, o mundo éapresentado num fluxo caleidoscópico de impressões que devemser organizadas por nossas mentes – e isso significa, em grandemedida, pelos sistemas lingüísticos em nossas mentes. Nós dividimosa natureza, a organizamos em conceitos e atribuímos significânciascomo nós fazemos em grande medida porque somos participantes deum acordo de organizá-la desta maneira – um acordo que se sustenta

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através de nossa comunidade de falantes e é codificado nos padrõesde nossa linguagem (Whorf, 1940, pp. 213-214).

Portanto, o uso da linguagem cotidiana pelo estudanteem contextos nos quais ela tem valor pragmático,como aquele mencionado no exemplo acima, preservasignificados que, muitas vezes, estão em desacordocom o discurso científico. Isso coloca dificuldades parao ensino e a aprendizagem de ciências, as quais, emnossa visão, são adequadamente enfrentadas pelaabordagem dos perfis conceituais, através de sua ênfasesobre a diversidade do pensamento verbal, de um lado,e a necessidade de demarcar, no processo de ensino eaprendizagem, os contextos de aplicação de diferentesmodos de pensar e falar. Em nosso entendimento,somente se tiver na devida conta a diversidade dosmodos de pensar e falar, e sua demarcação, o ensinode ciências poderá ser bem sucedido, em termos daapropriação pelos estudantes de idéias científicas comoferramentas para uso nas atividades cognitivas e práticasque permeiam suas vidas (El-Hani & Mortimer, 2007).Um aspecto central, então, é a tomada de consciência,pelos estudantes, de que têm à sua disposição um perfilde modos de pensar um dado conceito, como o conceitode calor, mas que não se mostram, todos, igualmentepoderosos para resolver problemas que encontramos emnossas vidas e necessitam da mobilização do conceito.

Continuemos com nosso exemplo, agora para ilustrar em quesentido falamos em tomada de consciência de um perfil conceitual.Imaginem que, assim que o nosso estudante pede ao vendedor umcasaco quente, seu professor, que passava por ali, lhe pergunte se, defato, o casaco possui a propriedade de ser quente. Diante da pergunta,certamente inesperada, o estudante responde que a lã não possui ou

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produz, de fato, “calor”, mas apresenta a propriedade de ser um bomisolante térmico, que dificulta a transferência de energia de nossocorpo para o ambiente. Este estudante terá mostrado uma consciênciada heterogeneidade do pensamento sobre o calor e da demarcaçãoentre os domínios de aplicação de diferentes significados atribuídosa este conceito. Sem que a linguagem cotidiana tenha de ser negadoem seu valor pragmático, ele pode ser considerado um aprendiz bemsucedido de ciências, uma vez que se mostra capaz de usar idéiascientíficas e cotidianas sobre o calor de maneira complementar, cadaqual em seu contexto apropriado de aplicação.

Embora possa parecer que a pergunta do professor tenhamostrado um uso da compreensão científica do calor na vida cotidiana,o que teria ocorrido nesta situação, em nosso entendimento, seria umdeslocamento do estudante, ao ouvir a pergunta do professor, paraum contexto escolar. É importante, assim, usar exemplos – tanto nesteargumento, quanto em sala de aula – que mostrem o valor pragmáticodo discurso científico também no cotidiano. Embora seja convenientefalar sobre coisas quentes e frias numa variedade de situações, emvárias circunstâncias da vida cotidiana a visão científica do calor comoum processo de transferência de energia é muito mais poderosa doque a visão de senso comum do calor e do frio como substâncias oupropriedades dos materiais.

Considerem outro exemplo: num dia quente, você se vênuma situação na qual deve escolher entre um copo de vidro e umcopo de alumínio para beber uma bebida gelada. A visão de sensocomum poderá levá-lo a escolher o copo de alumínio, porque ele é“frio”, mas isso apenas significará que sua bebida esquentará maisrápido, uma vez que a sensação térmica que temos ao tocar o copode alumínio decorre de ele ser um melhor condutor térmico do que ovidro. Nesta situação cotidiana, o modo científico de pensar se mostrapragmaticamente mais poderoso do que o modo cotidiano. Em termosdas práticas pedagógicas, o objetivo da tomada de consciência indica,pois, a importância de criar em sala uma diversidade de contextos deaplicação das idéias científicas, incluindo contextos do cotidiano. Não

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seria, contudo, despropositado também incluir nesta prática contextosque mostrem o valor pragmático da linguagem cotidiano. Isso poderáajudar, se bem planejado, o estudante a compreender a necessidadee o significado da demarcação. Não podemos perder de vista, noentanto, que tem sido reconhecido na literatura o requisito de que, paraque sejam eficazes, discussões relativas a aspectos epistemológicos,como a demarcação, devem ser feitas de modo explicito, e não apenasimplicitamente (e.g., Abd-El-Khalick & Lederman, 2000; Lederman,2007; McComas, 2008).

Diante de idéias como as que foram expostas acima, aabordagem dos perfis conceituais pode ser acusada de relativismo.Consideramos, no entanto, que as bases epistemológicas destaabordagem não comungam do relativismo, mas estão alinhadas,antes, com uma visão pragmatista e, mais especificamente, com umpragmatismo objetivo, como encontramos em Charles S. Peirce.

A concepção de aprendizagem própria da abordagem queestamos discutindo sustenta que perfis conceituais são enriquecidosno ensino de ciências, mas num padrão de evolução conceitualque não leva à substituição de um modo de pensar – por exemplo,cotidiano – por outro – científico, mas à sua coexistência. Estaconcepção dialoga de modo produtivo com uma das interpretaçõesda heterogeneidade de formas de pensamento discutida por Wertsch(1991, p. 97), a “heterogeneidade apesar da hierarquia genética”. Deacordo com esta interpretação, diferentes formas de pensar podemser ranqueadas geneticamente, no sentido de seu desenvolvimentoou gênese, na medida em que foram produzidas em diferentesmomentos da história do conhecimento humano. Contudo, não seassume que formas mais recentes sejam, necessária e geralmente,mais poderosas do que formas anteriores. Wertsch argumenta quea gênese de novos modos de pensar resulta do desenvolvimento denovas formas de atividade humana, mas, na medida em que formasanteriores de atividade continuem a desempenhar algum papel noscontextos socioculturais, formas anteriores do pensamento tambémsão preservadas e permanecem funcionando bem em contextos

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apropriados. Esta interpretação explica de modo adequado, em nossavisão, por que pedir um casaco quente continua sendo um modo defalar (e pensar) apropriado em determinados contextos, apesar de nãoser compatível com a compreensão científica sobre o calor.

Osdebatessobreorelativismoesuacontraparte,o racionalismo,dizem respeito principalmente à apreciação e escolha de teorias, massão também relacionados ao problema da demarcação entre ciênciae outras formas de conhecimento. Colocando o debate em termosextremos, um racionalista afirma que pode haver um critério único,atemporal e universal para avaliar os méritos relativos de teoriasrivais, como, por exemplo, o critério popperiano de falseabilidade(Popper, 1975). Um relativista, por sua vez, nega a existência de umcritério racionalista universal e ahistórico que possa orientar nossosjuízos e decisões acerca de teorias. O que é melhor ou pior no querespeita às teorias científicas varia de indivíduo para indivíduo e/ou de comunidade para comunidade. O objetivo da construção doconhecimento dependerá do que é considerado importante por umindivíduo ou comunidade (Chalmers, 1993).

É correto ver no pragmatismo certa proximidade ao relativismo,na medida em que, não obstante as muitas variedades de filosofiaspragmatistas, um tema básico compartilhado por toda a tradição dopragmatismo é uma forte ênfase sobre a inserção (embeddedness)de toda e qualquer construção cognitiva humana nas práticas enos discursos (El-Hani & Pihlström, 2002; Pihlström, 1996). Mas hátambém um distanciamento entre pragmatismo e relativismo que nãopode ser negligenciado. Se enfocarmos, em particular, a preocupaçãoepistêmica com o significado e a verdade, o pragmatismo filosóficopode ser caracterizado, em termos gerais, pela idéia de que a eficáciana aplicação prática oferece um critério ou padrão para a determinaçãoda verdade dos enunciados (Rescher, 1995). Assim, não se trata deque pragmatistas simplesmente rejeitem a noção da verdade comoalgum tipo de relação entre conhecimento e realidade; sua intençãoé, antes, esclarecer o significado de tal relação mediante um apelo àsações, embora haja substancial variação entre os pragmatistas quanto

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ao modo de realizar tal esclarecimento.Pragmatistas buscam explorar as conseqüências de nosso

conhecimento sobre o mundo ser necessariamente moldado, aomenos em parte, pelos conceitos que nós mobilizamos para a tarefa dedescrever e explicar omundo. Umadas principais conseqüências destereconhecimento do papel dos conceitos em nossa atividade cognitivareside na impossibilidade de aceitar qualquer relação simples entreconhecimento e realidade, por exemplo, que apele para alguma noçãode correspondência entre estes domínios, ou para algumespelhamentodo mundo na mente. O conhecimento é simultaneamente iluminador elimitante, uma vez que não pode capturar de maneira perfeita todos osaspectos domundo.Não é incomum, decerto, encontrarmos na filosofiaeste reconhecimento da natureza dual do conhecimento, que, num sómovimento, cria possibilidades e impõe limites à nossa compreensão.Um traço distintivo do pensamento pragmatista, contudo, é o de queeste reconhecimento é tomado como base para a proposição de que oconhecimento deve ser julgado, ao menos em parte, em termos de suautilidade. Entretanto, a correta interpretação desta afirmação requerum esclarecimento do significado dado ao termo “utilidade”. Não setrata de restringir os juízos sobre o conhecimento a aplicações prática.Deve-se reconhecer a utilidade do conhecimento para muitas outrascoisas além de tais aplicações, por exemplo, como um instrumento depensamento (Lotman, 1988, citado por Wertsch, 1991), i.e., como uminstrumento para produzir novos significados.

O recurso à utilidade como um critério para a determinaçãodo significado e da verdade se encontra nas raízes do pragmatismo,encontradas na obra de C. S. Peirce. De acordo com sua máximapragmática, o significado de qualquer conceito que tenha aplicação nomundo real corresponde aos hábitos de ação que ele produz:

Para desenvolver seu significado [de um pensamento],devemos, portanto, simplesmente determinar quais hábitos eleproduz, porque o que uma coisa significa é simplesmente quaishábitos ela envolve. Agora, a identidade de um hábito depende decomo ele poderia nos levar a agir, não somente sob circunstâncias

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cujo aparecimento seja provável, mas sob quaisquer circunstânciasque poderiam ocorrer, não importa quão improváveis possam ser (CP5.400). 9

A máxima pragmática pode ser concebida, então, como umaregra para o esclarecimento do significado de conceitos e hipóteses,baseada na apreciação das conseqüências que nossas açõesteriam, caso as hipóteses fossem verdadeiras. Toda distinção real nopensamento, no significado, consiste, para Peirce, numa diferençapossível na prática. Esta é uma idéia que nos parece inteiramentecompatível com a teoria vygotskyana, além de fornecer uma baseepistemológica consistente para a compreensão das distinções designificado e validade dos distintos modos de pensar modelados numperfil conceitual. São precisamente as conseqüências destes modosde pensar para nossas ações que servem de base para esta distinção.É nesse sentido que falamos no valor pragmático de diferentes modosde pensar e falar. Como afirma Ian Hacking (1983, p. 31), “o árbitrofinal na filosofia não é como pensamos, mas o que fazemos”.

Um afastamento do relativismo – ou, ao menos, de certa formaextrema de relativismo – segue da máxima pragmática, da idéiade que a utilidade é um critério central para nossos juízos sobre oconhecimento. Afinal, há um número limitado de modos de pensar efalar que podem ser bem sucedidos para lidar com qualquer problemadado. Ao distinguir entre os domínios de aplicação de distintos modosde pensar e dos significados associados a eles, a abordagemdos perfisconceituais se apóia nesta idéia de um valor pragmático de distintasformas de conhecimento para lidar com diferentes problemas. É nestesentido que esta abordagem reconhece, sobre bases pragmatistas, ovalor da linguagem cotidiana, como discutido no exemplo do uso dediferentes significados atribuídos ao conceito de calor.

Ao recorrer às filosofias pragmatistas, é importante, contudo,tecer uma distinção importante, a saber, entre pragmatismo objetivo,que preserva um papel para a objetividade em seu tratamento da

9 Seguimos aqui a prática usual de citar os Collected Papers of Charles Sanders Peirce por meiodos números de volume e parágrafo, precedidos por ‘CP’.

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relação entre conhecimento e realidade, e pragmatismo subjetivo,que é formulado apenas em termos do que se mostra efetivo para arealização dos propósitos de uma dada pessoa ou grupo (Rescher,1995). Se, de um lado, não podemos mais manter uma distinção entreo que é objetivo e o que é subjetivo em termos do que está de acordocom o mundo e do que é a visão de um sujeito, de outro, parecemosnecessitar, ainda, de alguma maneira de distinguir entre a confiançaque podemos depositar no que constitui conhecimento compartilhadoe no que se limita a uma opinião pessoal.

Shrader-Frechette e McCoy (1994) sugerem uma maneira deressignificar o conceito de objetividade que torna possível mantertal distinção. Em sua visão, a objetividade não é um atributo dasproposições,comoemsuaformulaçãousual,masdaspráticashumanasde construção de conhecimento. Uma prática epistêmica é objetiva,desta perspectiva, se for caracterizada pela busca de imparcialidadenas ações e decisões, ainda que a completa imparcialidade sejaobviamente impossível para agentes incorporados e situados.Entretanto, é pela busca de alcançar esta meta impossível que nostornamos capazes de regular nossas práticas, exercitando a críticamútua e tornando-nos mais informados sobre os vieses que afetam aconstrução do conhecimento, além de adotarmos procedimentos quetornam possível evitar vieses ou inclinações subjetivas, ao menos emalguma medida.

Estamos próximos, assim, de uma visão da verdade e realidadecomo ideais regulativos, que encontramos na filosofia de C. S. Peirce.Ao recusar a idéia de verdade como correspondência aos fatos, Peircepassou a pensar na verdade como a conclusão estável que haveria deser alcançada por uma comunidade interminável de investigadores:

O real, então, é aquilo que, mais cedo ou mais tarde,resultaria da informação e do raciocínio, e que é,portanto, independente dos meus e dos seus caprichos...a própria origem da concepção da realidade mostra queesta concepção essencialmente envolve a noção de uma

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COMUNIDADE, sem limites definidos, e capaz de umaumento definido do conhecimento (CP 5.311).

Este era um aspecto central da busca de Peirce por umpragmatismo objetivo. Afinal, tratava-se de apostar numa objetividadedecorrente de um método de autocorreção de nossas crenças. Aprópria natureza interminável da comunidade de investigadoresque Peirce tem em vista mostra que a realidade e a verdade, assimpensadas, não podem cumprir mais do que um papel regulativo.A ênfase recai, aqui, sobre o trabalho de autocorreção de umacomunidade de investigadores e, assim, de fato nos acercamos daidéia da objetividade como propriedade de práticas epistêmicas quepodem conduzir a um conhecimento que se eleva para além da meraopinião subjetiva.

Contudo, se estivermos preocupados com o futuro próximo,como estavam William James e John Dewey, necessitaremos de algomais do que a noção da verdade como ideal regulativo. É por isso quepensamos que a filosofia de John Dewey se coloca como uma baseimportante da visão pragmatista que pretendemos formular, lado alado com a filosofia de Peirce. Comentamos acima que o pragmatismobusca esclarecer o significado da relação entre conhecimento erealidade mediante um apelo às ações, como já vimos na máximapragmática de Peirce. Contudo, este apelo às ações se torna aindamais claro se considerarmos um conceito que Dewey introduz comosubstituto da “verdade”, a assertibilidade justificada (warrantedassertibility) (Dewey, [1938]1998, [1941]1998):

Se a investigação começa na dúvida, ela termina na instituiçãode condições que removem a necessidade da dúvida. Este últimoestado de coisas pode ser designado pelas palavras crença econhecimento... eu prefiro as palavras “assertibilidade justificada”(Dewey, [1938]1998, p. 160, ênfase no original).

Como Peirce, Dewey entendia a investigação como umprocesso auto-corretivo, que requeria avaliação de procedimentos enormas através do teste da experiência. O conhecimento era adquirido,

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para ele, como resultado de um processo de pesquisa sempre emandamento, sempre em correção. A investigação se inicia comsituações problemáticas e, quando bem sucedida, leva a um tipo deconhecimento que elimina a hesitação ao agir, ou, em suas palavras,que tem uma assertibilidade justificada por levar a uma solução doproblema. Mas isso não significa que ali termina a investigação.Asserções justificadas devem ser refinadas e justificadas por meio deteste contínuo na experiência pública, e, muitas vezes, elas perdemjustificação,ao levaraaçõesquenãoresolvemosproblemascolocados,ou até mesmo criam novos problemas, talvez piores do que aquelesque primeiro dispararam a investigação. Portanto, só podemos dizer dealgum conhecimento que ele é possuidor de assertibilidade justificada,mas nunca de qualquer tipo de verdade absoluta ou mesmo provável.Para Dewey, é sempre da ação que derivamos nossa confiança sobreo conhecimento, tal como sustentado na máxima pragmática dePeirce, mas sua noção de assertibilidade justificada nos fornece basespara dizer algo do conhecimento hoje, para além do (importante) papelregulativo do ideal da verdade.

Esta noção deweyana ajuda a formular o papel da apreciaçãoracional das escolhas de modos de pensar e agir, na abordagem dosperfis conceituais. É por considerar tal juízo de central importânciaque enfatizamos a tomada de consciência sobre a demarcação demodos de pensar e seus domínios de aplicação como um objetivocentral da aprendizagem. Torna-se possível, assim, a construçãode uma dimensão crítica, que pode permitir que se vá além dejuízos subjetivos sobre o que é útil para os propósitos de uma únicapessoa ou grupo. Dito de outra forma, nos movemos, assim, para umpragmatismo objetivo, evitando uma visão subjetivista. Contudo, épossível argumentar, ainda, que o pragmatismo que propomos nãoé, no fundo, muito diferente do relativismo. Não consideramos queesta seja uma questão importante. Para nós, o que é fundamentalé estabelecer uma distinção clara entre relativismos do tipo “valetudo” – como encontramos em algumas perspectivas multiculturais(ver discussão em El-Hani & Mortimer, 2007) – e uma concepção

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da coexistência de diferentes modos de pensar em virtude de suasconseqüências para atividades humanas em diferentes domínios, quedevem, por sua vez, ser apropriadamente demarcados (inclusive noprocesso de ensino e aprendizagem de ciências). Se alguém preferirchamar esta última posição de “relativismo”, não temos problema emrelação a isso, desde que não se confunda este “relativismo” comaquele outro, o relativismo “vale tudo”.

CONCLUSÃO

Nesteartigo,apresentamosdemaneirasistemáticaaabordagemdos perfis conceituais, destacando sua íntima relação com uma visãosócio-interacionista sobre a cognição. Exploramos os perfis conceituaiscomo modelos da diversidade de modos de pensar e falar sobre umdado conceito. Discutimos, ainda, como perfis conceituais se inseremna análise de interações discursivas em sala de aula, constituindouma ferramenta poderosa para analisar a dimensão cognitiva dodiscurso. Por fim, tratamos das bases epistemológicas da abordagemdos perfis, diferenciando o compromisso com o pragmatismo objetivosubjacente a ela de uma adesão ao relativismo, ao menos na formade um relativismo “vale tudo”. Essas bases pragmatistas permitemformular com clareza o valor pragmático da linguagem cotidiana ea inadequação de tomar como objetivo do ensino de ciências suamera substituição (ou, quanto a isso, de concepções prévias) por ummodo científico de pensar e falar. Esse argumento nos levou, ainda,a enfatizar a importância central da tomada de consciência sobre adiversidade de modos de pensar um conceito e a demarcação de seusdistintos domínios de aplicação.

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PARTE III

EDUCAÇÃO EM ESPAÇOS NÃO-ESCOLARES: CONVERGÊNCIAS E TENSÕESNO CAMPO DA FORMAÇÃO E DO TRABALHO

DOCENTE

Silvania Sousa do NascimentoOrganizadora

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APRESENTAÇÃO

É estimulante apresentar os textos que compõem o presenteexemplar, fruto de uma provocação do XV Encontro Nacional deDidática e Prática de Ensino (XV ENDIPE). Com frenquência, atemática da Educação em Espaços Não Escolares permeia outrosfóruns de debate. Contudo, as práticas formativas que ultrapassamos muros dos espaços escolares e os tempos de escolarização,tomadas igualmente como pertencentes ao universo das práticas deensino, vêm recentemente se consolidando como campo de pesquisa.A temática, assim organizada, traz mais um elemento do mosaicoda terminologia mais difundida, no Brasil desde os anos 1980, deeducação não formal. Os pesquisadores da área se destacam emuma diversidade de terminologias: educação não formal, educaçãoinformal, educação alternativa, complementar, fora da escola, extra-escolar, contraturno escolar, entre outras. Nos diversos momentosacadêmicos de discussão desse campo, percebemos um entremeadode ações de filantropia, militantismo, assistencialismo e, ao mesmotempo uma mobilização social e cultural de ocupação do tempo livreou de criação de uma cultura de busca constante do conhecimento.Dessa forma, o espaço diplomante da escola não é suficiente pararesponder a demanda social de formação e os demais equipamentossócio-culturais assumem, cada vez mais, uma função educativa. Éinteressante destacar que, inicialmente, a emergência do tema seprocessou no momento da crise, em Maio de 1968, e buscou umafastamento do formalismo institucional da escola. Para este períodopodemos dizer que a escola foi tomada como sinônimo de educação,no interior da qual se reforçava formatos restritos de aprendizagem.Desse fato emerge a forte negação: EDUCAÇÃO NÃO FORMAL.Nesse momento também, as terminologias de Educação Popular e deEducação Libertária denotam a ideologia presente nesse movimentoe a importância de sua demarcação em relação ao processo deescolarização até então dominante. Escolher nomear tal temática de

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Educação em Espaços Não Escolares marca uma posição estruturalsobre o discurso. O foco não é a oposição sobre a intencionalidadeformal do sistema educativo, mas a parceria possível quando o sujeitomergulha em um espaço educativo, cujas características se afastam ese aproximam da escola.

A coleção organizada, neste livro, compartilha esse ponto devista e iniciamos pelo texto que entrelaça a educação em museus,a cultura e a comunicação. Oriundo de uma reflexão acerca dosconceitos fundamentais de museu, patrimônio e educação, a autoraproblematiza o lugar social do museu e sua identidade diante dosmúltiplos sujeitos que lhe atribuem significado. Para encaminhar adiscussão é apresentado no texto, um eixo de cidadania participativa,onde o museu é sujeito de transformação social e promotor de umdiscurso argumentativo de interpretação e re(significação) de seuacervo.

Sendo o museu um sujeito argumentativo, o segundo texto trazà baila as tensões de uma atividade educativa vivenciada na relaçãoentre o museu e a escola. O cenário do processo descrito é, mais umavez, o museu em sua diversidade de acervos de ciência, história e arte.Esse texto apresenta um ensaio da Teoria da Atividade de Leontiev eoutros para analisar as tensões estabelecidas entre os sujeitos e osobjetos museais. Mais que respostas, o texto conclui com perguntassobre as ações mediadas pelas ferramentas sócio-culturais que sãomobilizadas nas atividades educativas dos museus.

Falando em mobilização de ferramentas sócio-culturais,mergulhamos no universo da didática e será que podemos pensarem uma “Didática museal” ou uma “Pedagogia museal” ? Estaé a provocação do terceiro texto onde a autora, partindo de váriosestudos sobre a transposição didática em situações de exposiçõesem museus de ciências, analisa a diversidade de saberes presente nodiscurso expositivo e esquematiza as relações pedagógicas internasà noosfera do espaço museal. Em conclusão temos quatro dimensõespara qualificarmos as ações visando especialmente o público escolar.

E afinal, quem são os jovens que visitam nossos museus? Esta

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é a excelente questão que teremos a oportunidade de ler no quartotexto que traz resultados de uma pesquisa quantitativa realizada nomunicípio do Rio de Janeiro. A investigação tem como abordagemprincipal o conceito de capital cultural e relaciona a disponibilidadede recursos educacionais e culturais ao número de museus visitados,padrão de acesso, desempenho médio em matemática dos alunosentre outras variáveis para criar hipóteses do perfil desse jovem.Estudos sistemáticos dessa natureza são ainda escassos no contextobrasileiro, e, este texto aponta indicadores iniciais para inçarmos umperfil de nosso jovem visitante.

Conhecemos pouco dos jovens visitantes e provavelmenteainda menos de nossos professores que no cotidiano ousam evadir doespaço escolar. Este é o tema de nosso quinto texto que questiona ointeressedoprofessoremlevarseualunadoaumespaçodesconhecido.Como ele escolhe o espaço? Há indicações na escola ou facilidadesque o levam a escolher um determinado espaço? No decorrer dotexto podemos sentir a trama estabelecida entre a formação iniciale a continuada que culmina em uma visão, nas equipes dos museusestudados, sobre esses sujeitos.

A trama entre a escola e o museu também está presente nestaobra, em sua complexidade e beleza. E como toda prática sócio-cultural, podemos pensá-la na relação entre os universos culturais dossujeitos. Esta posição crítica diante do cotidiano da escola e do museué tratada em nosso sexto texto, no qual pesquisas colaborativas entreestes entes institucionais são descritas. A proposta do texto é avançarcom a base teórica inovadora para a formação do professor. Por umlado, os professores integram metas de aprendizagem conceitual,procedimental e atitudinal em currículos cada vez mais abertos einterdisciplinares. Por outro lado a posição sensível do “mediador” doespaço expositivo, que necessita atender demandas entre as quaisnegociações de conflitos diversos, é colocada como central para umdiálogo efetivo entre as instituições.

Os três últimos textos desse nosso livro são centrados emuma abordagem de importante destaque no cenário dos espaços não

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escolares. Falar de educação em espaços não escolares é mais amplodo que a abordagem disciplinar, entretanto nossa formação ainda noscoloca dentro de linhas de organizações curriculares responsáveispelos grandes projetos de construção das imagens de cultura escolardo mundo industrializado. As matrizes disciplinares de constituiçãodos grandes campos do conhecimento científico sejam elas dasciências humanas, sociais ou experimentais, ainda são fortes fatoresde referência para nossa leitura de mundo. Neste sentido, educar paraalém da escola guarda naturalmente uma ligação umbilical com asdisciplinas escolares. O sétimo texto aborda, em uma perspectiva doensino de história, a orientação do acervo didático como objeto dacultura material, ao mesmo tempo em que problematiza o olhar sobreo acervo que oculta a instituição. Inicialmente as primeiras décadas doséculo XX “um aprendizado ativo” orienta a organização de museusescolares e a dinâmica de busca de fontes primárias musealizadas. Asorientações metodológicas acerca do procedimento do professor deHistória em diferentes contextos são discutidos e algumas orientaçõessão apresentadas.

Odireito àmemória tematiza a discussão do oitavo texto, onde oautor dialoga com vários teóricos sobre a “moda” do lugar da memória:memoriais, museu, arquivos, celebrações. Vivemos em um mundosem memória? Precisamos resgatar o passado? A transitoriedadeda cultura material do mundo pós-industrial multiplicou a criação e adestruição, para não dizer de recriação de objetos e memórias. Oautor sugere limites da busca de um passado autêntico e enfatiza aimportância do espaço de interpretação das várias memórias.

As instituições de memória cerceiam os objetos de memória?Será a narrativa museal um monolítico de leitura da cultura material?Somos nós, visitantes de museus, sujeitos perdidos em um labirintode memórias alheias? A fruição e a sensibilização histórica nosestimulam na leitura do nono texto que reverte à discussão disciplinarpara um ensaio sobre a totalidade objetiva e subjetiva do olhar sobreos objetos. Sem destaque de um zênite, a autora articula o tempo eo espaço da experiência estética no museu como uma experiência

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humana desnaturalizando o lugar do objeto de memória. Sombrio etaciturno, um visitante imaginário é seu próprio árbitro na aventura deconstrução de significado, que pode eventualmente culminar em umaaprendizagem histórica atravessada pelos museus.

Comocampomovediço, aeducaçãoemespaçosnãoescolares,se descortina neste livro em algumas facetas etéreas do debate sobrea formação do cidadão para o século XXI. Em um cenário de incertezasprobabilísticas e de realidades virtuais, de objetos nanométricos edistâncias galácticas, toda a dinâmica do constante criar e recriar dasrelações pedagógicas nos desafia em permanência. O acesso aosbens culturais ainda não é universalizado, as diferenças culturais sãoacirradas, a cidade se torna um ente aprendiz, a escola um lugar dememória...

Falamoscotidianamentedemuseusvirtuais, deacervosdigitais,dememórias em bits, mas igualmente de espaços damemória barroca,do glorioso passado colonial e dos objetos silenciados nos percursoscurriculares pós-críticos. Neste livro temos apenas um fragmento dealgumas das questões que envolvem os desafios da construção denovas práticas de ensino e de enfrentamento das contradições queenvolvem a prática e o trabalho docente.

Silvania Sousa do NascimentoPresidente da Comissão Científica do Subtema Educação em

Espaços não-escolares

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EDUCAÇÃO EM MUSEUS, CULTURA ECOMUNICAÇÃOMarília Xavier CuryMuseu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo

MUSEU, PATRIMÔNIO E EDUCAÇÃO

Primeiro, o que é museu?De acordo com o ICOM-Conselho Internacional de Museus

Museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos,a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, abertaao público, que se ocupa da aquisição, conservação,pesquisa, transmissão de informação e exposiçãodos testemunhos materiais dos indivíduos e seu meioambiente, para o estudo, educação e recreação.1

Em sua essência, museu é o espaço2 para conservação e,simultaneamente, comunicação3 do patrimônio cultural musealizado4.É o lugar de construção de valores a partir do patrimônio cultural,considerando a participação dos indivíduos no processo depreservação. O museu atua na perspectiva de uma cidadania cultural.

Segundo, o que é patrimônio?Do pater, palavra latina que quer dizer pai, patrimônio significou

aquilo que se tem do pai ou, com o tempo, aquilo que se herda dafamília. Ao se transformar, o conceito de patrimônio, visto como bemmaterial, passou a ser cuidado para que pudesse ser transmitido parafuturas gerações. A partir do século XVIII, na França, o patrimônio (esua transmissão) passou a ser de responsabilidade do estado porquepassou a ser bem da nação. Esta idéia de patrimônio vinculado àNação proliferou desde a Europa para todo o mundo, principalmentepara as (ex)colônias. Surge aí a idéia de preservação - para a memória- e uso público - para a educação/instrução pública e contemplação

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dos cidadãos. Com a expansão do termo no século XX, e com acontribuição da antropologia para isto, patrimônio passou a remeter aomaterial e ao imaterial (ou intangível), coisas, idéias, ações, tradiçõese saberes, usos e costumes, práticas e modos de criação cultural quese dão em um território.

Patrimônio, hoje, remete a um grande fracionamento depossibilidades, considerando que todos têm direito a eleger o queconsidera um bem patrimonial para si - patrimônio individual - ou paraum número maior de indivíduos, um grupo - patrimônio familiar, desegmentos profissionais e/ou culturais específicos, imigrantes, povosindígenas, moradores de uma localidade, populações tradicionais etc.

No que se refere ao museu, patrimônio é bem comum -considerando a diversidade cultural - e constructo das memórias edas identidades. Por estes motivos, patrimônio, memória e identidadesão direitos de todos e no museu participamos dessas construçõesconscientemente.

Entretanto, patrimônio cultural não é algo dado, é, também,construção a partir de valores. Nós é que definimos o que é patrimônio,porque nós é que atribuímos valor a algo. Vendo desta forma, pensarem patrimônio é tomada de decisão e, igualmente, é expressão depoder.

Relacionar-se com o patrimônio é um exercício democráticosistemático, embora não linear, que envolve o olhar, a análise ea síntese, uma situação crítica, ao mesmo tempo que individual,necessária e obrigatoriamente compartilhada socialmente. Um bemtorna-se, ou não, patrimônio na relaçãode, pelomenos, dois indivíduos-sujeitos que exercitam a negociação do atributo patrimonial. Por isto, édemocracia e educação.

A educação a partir do patrimônio e para o patrimônio éessencial para todos os cidadãos porque a aprendizagem referenteà construção de valores patrimoniais acontece no plano atitudinal e,por isto, é uma forma de alcançarmos ser agentes da nossa própriamemória e identidade. A consciência que temos sobre as questõespatrimoniais é reveladora de quem somos - individual, cultural e

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socialmente. Também, é um forte traço de cidadania, porque atravessaas normas (valores) do que podemos considerar direito (de terreferências reconhecidas) e dever (de defesa do direito patrimonial).

Omuseu é um excelente espaço para a educação patrimonial5.Aliás, o museu é uma instituição que, em sua essência, é agênciade educação patrimonial. Nesta instituição podemos ter experiênciassignificativas com o patrimônio cultural, pensar sobre as razões paraaqueles objetos estarem lá e para que outros ingressem no universomuseal.

No museu, ensina-se e aprende-se de maneiras diferentes,com relação à escola e outras instituições. No ambiente musealensina-se e aprende-se a refletir sobre o patrimônio, a olhar paraobjetos e pensar sobre eles e, sobretudo, a indagar sobre os seusvalores patrimoniais. Ainda, no museu podemos pensar o por quê detanta atenção institucional - o trabalho em torno do objeto por meio doprocesso curatorial - sobre certas coisas com atributos patrimoniais.

Então, o patrimônio cultural musealizado é recurso educacionalinestimável para a cidadania e as construções das memórias eidentidades, processos a que todo indivíduo tem o direito de participar.

COMUNICAÇÃO E RECEPÇÃO

A comunicação é uma das maiores manifestações humanas,fruto das relações interpessoais e da cultura. Há muito travamosreflexões a cerca do que seja comunicação e sobre o ato de comunicar.Podemos sintetizar essa reflexão em momentos das discussõesoriundas da ciência da comunicação.

Um dos momentos em destaque refere-se à preocupaçãosobre a transmissão de mensagens pelos meios de comunicação. ATeoria Matemática da Comunicação, de 1949, consiste no modelo deClaude E. Shannon e W. Weaver que envolve três pontos: uma fonte(e em conseqüência, o transmissor), um canal (a forma como é feitaa transmissão) e o receptor. A unidade de informação nesse modelo éo número binário - bit. Sendo uma unidade que poderia ser medida,

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pensava-se, também, que fosse possível calcular a relação dasunidades transmitidas e as recebidas e, em decorrência, levantar osproblemas no canal que ocasionaram a perda e/ou o não recebimentode parte das informações.

A partir dos pontos do processo de comunicação - o emissor,o canal e o receptor - foram desenvolvidas teorias que defendiamsubstancialmente o poder do emissor sobre o receptor na enunciaçãoe transmissão da mensagem e a passividade do emissor. Duascorrentes se destacaram dentro dessa perspectiva: a Funcionalista ea Frankfurtiana, sendo que pela óptica desta última o receptor é umavítima oprimida do sistema comunicacional.

Não cabe aqui desenvolvermos em profundidade osfundamentos das Escolas Funcionalista e de Frankfurt - o que fizemosde forma simplista - e sim refletirmos sobre as relações e os papéisentre emissor, receptor e osmeios na comunicação. Relações de podere/ou submissão e, muitas vezes, simplificadoras quanto à dinâmicaque envolve a comunicação.

O momento atual aponta para um modelo que entendecomunicação como interação, ou seja, “espaço” de negociação dosignificado da mensagem, considerando que a mensagem é umaproposição do emissor a ser discutida como receptor. Essa concepção,ainda, parte do pressuposto de que a mensagem não é única efechada e sim está aberta a interpretações diferentes por parte dopúblico, o receptor. Na recepção o diferente e a diversidade emergem,assim como as possibilidades de diálogo, debate, divergência ouconvergência e, sobretudo, o exercício do poder e os jogos dasideologias (MARTÍN-BARBERO, 1995).

Por outro lado, os estudos de comunicação deslocaram o“lugar metodológico” dos meios para as mediações. A partir dessaperspectiva, a área deslocou o seu foco de atenção dos meios decomunicação para a recepção e, finalmente, para as mediaçõesculturais que ocorrem no cotidiano das pessoas (MARTÍN-BARBERO,1997). Então, recepção é umprocesso que pode ser condicionado,masnão programado, isto porque a cultura e as formas de sociabilidade

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vividas são as definidoras da recepção. Os meios são estratégias ea mensagens são passíveis de ressignificação e, por isso, a partirda apropriação geram novas mensagens com elementos agregadospelo receptor, sujeito ativo da comunicação que faz circular em seumeio a sua elaboração, que será apropriada por outros atores, sujeitosigualmente, que participam da cultura.

Um sujeito se faz na relação com o outro, nos fazemos sujeitosna interação com outros sujeitos, isto porque a comunicação provocao estabelecimento de vínculos e os vínculos só são possíveis com acomunicação de sentidos. Assim, a recepção não é um ato isoladoe sim compartilhado. A comunicação é uma construção dialogística,fundamentada em vínculos de afetividade e não em vínculos artificiaise/ou de submissão.

No contexto de um museu, não é concebível a idéia de sujeitosisolados, pois não somos sujeitos sozinhos e não (re)significamossozinhos, nós (re)significamos na relação com outros: é uma atuaçãomútua e compartilhada entre o público entre si e entre o público e omuseu (seus profissionais). Da mesma forma, recepção pelo públicode museus antecede e sucede a visita a uma exposição museológica.No museu, o público interpreta a partir dos seus referenciais epodemos dizer que a comunicação museológica só se efetiva quandoo discurso do museu é incorporado pelo visitante e integrado ao seucotidiano em forma de um novo discurso. O público do museu seapropria - a sua maneira - do discurso museológico, (re)elabora-o - demaneira particular para satisfazer as sua necessidades -, e então criae difunde um novo discurso e o processo recomeça, sendo que essenovo discurso será apropriado por outros e a história se repete (CURY,2005). Assim, a mensagem museológica é difundida muito além dosmuros da instituição.

Longe de propormos frases de efeito sobre o processo dedemocratização dos museus, para serem repetidas, apontamos o queconsideramos ser o desafio dos museus contemporâneos no que serefere à perspectiva comunicacional, entendendo o pleno direito decada cidadão de participar da dinâmica cultural (e conseqüentemente

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da dinâmica da cultura material) (re)significando.Vendo a partir de outro ângulo, podemos dizer que há três

participações unidas entre si: a leitura, a interpretação e a recriação.São três ações distintas que ocorrem sucessivamente e sãoindissociáveis: não há leitura sem interpretação (do contrário, nãohouve leitura de fato) e não há interpretação sem leitura (que é oque possibilita a interpretação) e a interpretação em si é recriação. Àleitura e à interpretação unimos a (re)significação. Essas ações sãoindissociáveis na recepção realizada por indivíduos-sujeitos, agentesdo processo comunicacional. A significação não é fixa ou singular, masfluida e plural.

O museu é o espaço de inúmeros sujeitos, do passado e dopresente, daqui e de outros lugares, de culturas diferentes, com omesmo ponto de vista ou com divergentes e diferentes posições.

Ao admitir que há um sujeito, muitos outros aparecem. Como jádissemos, somos sujeitos porque (re)significamos e não somos sujeitossozinhos. Somos, então, todos sujeitos. São sujeitos do processo decomunicação museológica o criador e os usuários dos objetos e osagentes da musealização - o coletor, o pesquisador, o conservador, odocumentalista, o museólogo, o educador e, não finalmente, o público.Fazemos notar que o público, nesta perspectiva, é agente do processode musealização, pois sendo um ciclo de ações (e não uma seqüêncialinear), o processo se fecha (sem se completar) na recepção.

Os estudos de recepção de público em museus ganham,assim, uma nova dimensão. “A importância da investigação [derecepção], portanto, reside na captação dos diversos significadosatribuídos à exposição pelos visitantes” (VALENTE, 1995, p. 125), istopara lembrar-nos que muitos outros sujeitos atribuíram significadosaos objetos expostos, além de nós, os profissionais. Também,para nos conscientizar de que a presença do público nos museusé mais importante e complexa do que poderia supor os modeloscomunicacionais condutivistas.

Mas, o que define o lugar social do museu?Vários elementos: seu acervo, sua política cultural/de

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comunicação, a gestão, a equipe, a localização, o prédio, os arredores,o orçamento etc.

E o que dá corpo social ao museu?Os objetos museológicos e os sujeitos - interno e externo em

reciprocidade.Não restam dúvidas que os museus devem - e vêm fazendo

isto - dedicar-se ao estudo e conservação de seus acervos. Nãohá questionamentos quanto a isto. Há ainda, no entanto, uma certadificuldade em inserir a fala do público no processo curatorial. Osmuseus ainda não estão sabendo legitimar esse processo e, para isto,dependemos de uma aproximação com o público. Quanto mais nosvoltamos ao público, mais aprendemos com ele e mais o valorizamoscomo sujeito. Ao valorizar o público nos valorizamos também comosujeitos do processo museológico.

Há reciprocidade entre o profissional e o público, uma vezque o “sucesso do processo de comunicação ocorrerá se ambosos extremos participarem ativamente, pois uma boa exposição seráaquela em que as respostas dos visitantes são tão criativas quanto aproposta da equipe do museu” (JANINI, 2002, p. 19).

Acrescentaríamos que o museu se faz sujeito (igualmente seusprofissionais) quando se dá a manifestação ativa do público.

Então, a exposição e a educação são duas grandesoportunidades de encontro para diálogo em torno dos significados dacultura material.

Exposição e educação são entendidas como linguagensque condensam atitudes, valores, sentimentos, afetividade, razão eemoção, sensibilidade.

Exposição e educação são linguagens altamente engenhosasque resultam de elaborações cuidadosas e minuciosas, sãomultissensoriais, dosam inteligibilidade com sentido e conhecimentocom significação, unificam espaço e tempo e atingem cinco dimensões(espaço, objeto, interatividade e criatividade).

O museólogo e os educadores são sujeitos porque elaboramessas linguagens. Eles são os grandes responsáveis pela estruturação

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da linguagem museológica. Quanto mais consciência temos disso,mais possibilidades teremos de aproximação com o público comosujeito.

O público é sujeito porque conceitualiza os objetos, gerenciao tempo passado-presente-futuro, articula memória e identidade,apropria-se da ambiência e do discurso da exposição, reconstróia retórica e a narrativa, discerne sobre realidade e ilusão, vive aafetividade, elabora e reelabora, ressignifica, negocia, argumenta,etc., etc., etc.

Quantomais compreendemos qual é a participação dos sujeitosno museu, maior é a participação do museu na dinâmica cultural e naconstrução de uma cidadania voltada à defesa do patrimônio.

EDUCAÇÃO EM MUSEUS

No passado, museu e escola, ambos igualmente, foramaparelhos ideológicos a serviço do processo de enculturaçãonecessário ao progresso econômico e à consolidação do ideal denação. No século XIX, ambos possuíam um peso educacional nesteprocesso. No entanto, as diferentes contribuições em face da educaçãopreconizada foram se colocando, pois a escola pôde se destacar comresultados objetivos (programas, sistemáticas, avaliação, quantidadede pessoas envolvidas - alunos e professores - etc.), ao passo que omuseu manteve-se ocupado com o objeto (pesquisa, conservação edocumentação) e educação - embora presente - teve uma relevância elegitimidade construídas paulatinamente, o que alcança os dias atuais.Em outras palavras, foi e ainda é mais fácil justificar a importânciaeducacional da escola (esta é inquestionável) do que a do museu(pouco reconhecida pela sociedade, pelos segmentos da cultura emesmo pelos gestores de museus), porque os referenciais usados(dados quantificáveis ou esperados para certas finalidades comoa profissionalização ou vestibular, por exemplo) não representamaqueles primordiais para avaliar o mérito da educação museal. Poroutro lado, os museus trabalharam muito lentamente na construção

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de uma pedagogia própria e de uma relação estreita com o seupúblico, o que se evidencia fortemente no presente como algo a sersuperado rapidamente. Em face desta situação, e tendo sido chamadoa participar socialmente, muitas vezes o museu cedeu às pressões daescola, adaptando os seus objetivos, princípios e métodos educativosa ela. O museu desde há muito tem seu caráter educativo definido(ex. o Ashmolean Museum foi criado, em 1683, Oxford, como museupúblico e com caráter educativo), consagrando-se como tal no séculoXIX. Apesar disto, teve por séculos a sua ação ligada mais à pesquisado que ao público como agente do processo educacional. O museupor muito tempo operou como instituição a partir da lógica das ciênciasque ele abrigou. Um exemplo são as visitas guiadas, ações calcadasna transmissão da informação científica de uma exposição concebidapor pesquisadores de coleções museológicas. O guia, nesta situação,tenta, quando pode e mesmo assim de forma limitada, decodificar erecodificar a informação científica para o visitante. Quando não pode,porque lhe falta entendimento, repete algo para o outro, o visitanteindividual ou os visitantes organizados em grupo. Para o educador demuseu,asaída foi sustentar-senaspráticasdaescola,umavezqueestajá possuía uma práxis para transpor o conhecimento para o educando,ao passo que o museu não. Ao ato de guiar, o que consistia em educar,omuseu associoumétodos e estratégias escolares, ou seja, reinventoua visita guiada, tornando-a mais atrativa e divertida, sem mudanças deparadigmas pedagógicos necessariamente. Neste contexto, o museuperdeu visibilidade e espaço de participação e, sobretudo, penetraçãosocial porque lhe faltou mecanismos educacionais que atribuíssemsentido institucional ao público. Óbvio que isto não acarretou no seuesquecimento, pelo público, mas até hoje pagamos o preço por estadistância e, principalmente, carregamos este peso: ora de lugar chatoou fechado, ora de lugar escolarizado. Ainda, carregamos o pesoda justificativa numérica, i. e., da dependência da visitação escolarpara dar conta de índices de atendimento para relatórios anuais quemascaram o alcance de objetivos educacionais na instituição museu.

Por outro lado, o museu pretende ser contundente na sua

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intervenção educacional, causar impacto na vida das pessoasesperando delas uma atitude reativa, certamente uma posturacondutivista. Mas isto não ocorre porque os sujeitos trazem consigoas suas próprias concepções - agendas culturais como construçõesbio(ceno)gráficas - que são acionadas e colocadas em confronto comas concepções presentes no museu. Assim, o impacto não ocorre,ou seja, as pessoas não são caixas vazias a serem preenchida,não renascem nos museus e, tampouco, têm seus cenários devida mudados porque visitaram uma exposição ou participaram deação educacional formulada pelo museu. A eficácia do processomuseológico depende de uma situação educacional formulada pararespeitar os códigos culturais dos indivíduos (quando acontecena instituição) e as biografias e cenários (quando acontece fora dainstituição com grupos particulares). Então, substituir a postura reativapor uma pró-ativa seria um caminho a ser traçado, o que significavislumbrar o público de outra forma, longe das relações construídasassimetricamente entre educador e educando, cultura material ecultura. A educação em museus deve se sustentar nos pressupostosinstitucionais e nos valores patrimoniais do acervo, mas também nopúblico e na(s) cultura(s) que representam. Entendemos que todaação educacional em museus é intercultural, pois envolve múltiploscenários: dos autores dos objetos musealizados, dos profissionais edos visitantes. A perspectiva da comunicação permite a construção deprocessos educativos museais, pois comunicação, educação e culturaestão unidas: não há educação sem eficácia comunicacional, não háeficácia educacional que ignore o contexto cultural e não há dinâmicacultural sem comunicação.

O museu é um espaço cultural e a educação realizada sesustenta nos postulados da cultura material e da museologia. O museudomina o estatuto do objeto - o que o coloca em situação privilegiada nasociedade. A cultura material musealizada é um suporte educacionalvasto e complexo, não limitado por recortes disciplinares e passível deabordagens transversais, participações interdisciplinares, inferênciase múltiplas e fragmentárias interpretações. O alargamento do conceito

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de educação, aproximando-o da cultura e da comunicação, seráfundamental para abandonarmos o referencial escolar e alcançarmosos horizontes posto pela educação patrimonial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

E qual é o grande desafio que nos está reservado?Na perspectiva cidadã, direito e dever andam juntos, isto

porque o direito de um indivíduo é dever do outro em garanti-lo, eo dever cidadão individual está em garantir ao outro o seu direitoao patrimônio cultural. Há uma reciprocidade inerente ao patrimôniocultural entre direitos e deveres que não podemos ignorar. Há umaética intersubjetiva coma qual a educação emmuseus deve corroborar.

Patrimônio é construção, ou seja, atributo valorativo designadoa algo, o que consideramos bens tangíveis e intangíveis. Então, umavez designado patrimônio, algo passa a ter uma atenção especialpelo museu e pelo público. Cabe ao museu argumentar quanto aocaráter patrimonial de seu acervo, e isto é uma ação educativa. Cabeao público interpretar o patrimônio cultural musealizado, o que implicaem ressignificá-lo, pois não há patrimônio sem significados atribuídosa ele e interpretação e significados são unidos. Interpretar e (re)significar são ações participativas e isto é um processo educativo. Ésempre bom lembrar que o processo de musealização é um processodemocrático, ou seja, o patrimônio inserido no contexto museal devealcançar um interesse coletivo. Mas, mesmo assim, seu significadoé plural e nunca fechado. De qualquer maneira, o processo demusealização é sempre político e carregado de ideologias e aqui resideuma de suas características a serem exploradas educacionalmente.Uma vez abandonada a visão de neutralidade dos museus e de seusacervos, estes passam a participar do processo de ressignificação dopatrimônio musealizado e da dinâmica cultural que posiciona cadacidadão como sujeito cultural, sujeito ativo porque não somente atribuisignificados, mas, sobretudo, faz circular em seu meio cotidiano eno espaço do museu essa significação, trocando e negociando com

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outros, sujeitos igualmente. A idéia de patrimônio sobre um bemnão é fechada, ou seja, ao mesmo tempo em que ela é múltipla efragmentada, ela se transforma constantemente. Os museus estãoabertos a essa transformação e participam dela, além de registrá-la, oque é de sua responsabilidade: documentar as formas de conceber opatrimônio sob a sua guarda.

As potencialidades do patrimônio estão na capacidade de nosfazer indagações sobre nós mesmos, quem somos, de onde viemos,para onde queremos ir.

Os desafios no trato do patrimônio estão em alcançarmos umaconsciência patrimonial: conhecer, valorizar, lutar, discutir, negociar,desafiar, ultrapassar fronteiras... Isto é atuar na preservação, isto é acidadania que todos temos direito, mas que nós temos que conquistar.Isto é educação.

NOTAS

1- “El Código de Deontología Profesional fue aprobado por unanimidad en la 15ª AsambleaGeneral del ICOM, que tuvo lugar en Buenos Aires (Argentina) el 4 de noviembre de 1986.Posteriormente, se enmendó y revisó sucesiva y respectivamente en la 20ª y 21ª AsambleasGenerales, celebradas el 6 de julio de 2001 en Barcelona (España) y el 8 de octubre de 2004en Seúl (Corea). En esta última se le dio su denominación actual de Código de Deontología delICOM para los Museos.” Disponível em: www.icom.museum.2- Como espaço, e tendo uma idéia ampla sobre o que seja um museu, entendemos que possaser um edifício e/ou território onde o bem cultural está circunscrito.3- Conservação e comunicação como síntese do processo curatorial inerente à instituição muse-al.4- Nem tudo o que é considerado patrimônio cultural é musealizado, no sentido de inserido emum universo institucional e passível de ação decorrente do processo curatorial.5- Educação patrimonial está sendo tratada neste artigo como campo de conhecimento e não ametodologia originada na Inglaterra nos anos 1970-80.6- Esse modelo foi trazido aos museus em 1968 por Duncan Cameron que o adaptou, incorpo-rando o feedback.

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REFERÊNCIAS

CURY, Marília Xavier.Comunicaçãomuseológica -Uma perspectivateórica e metodológica de recepção. 2005a. 366 p. Tese (Doutoradoem Ciências da Comunicação) - Escola de Comunicações e Artes,Universidade de São Paulo, São Paulo.

JANINI, Rubens José Macuco. Novas tecnologias nas exposiçõesmuseológicas. O computador como elemento expográfico. 2002. 58p. Monografia (Especialização emMuseologia) - Museu deArqueologiae Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.

MARTÍN-BARBERO, Jesús.Dosmeios àsmediações: comunicação,cultura e hegemonia. Tradução de Ronald Polito e Sergio Alcides. Riode Janeiro: Editora UFRJ, 1997a. 360 p.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. América Latina e os anos recentes: oestudo da recepção em comunicação social. In: SOUZA, Mauro Wilton(Org.). Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense,1995. p. 39-68.

VALENTE, Maria Esther. Educação em museus: o público de hoje nomuseu de ontem. 1995. 208 p. Dissertação (Mestrado em Educação)- Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica, Rio deJaneiro.

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A RELAÇÃO MUSEU E ESCOLA NAPRÁTICA DOCENTE: TENSÕES DE UMAATIVIDADE EDUCATIVASilvania Sousa do NascimentoPrograma de Pós-Graduação em Educação - UFMG

INTRODUÇÃO

As recentes pesquisas no campo museológico apontam umadiversidade de práticas sociais e evidenciam, no Brasil, a efervescênciada área e sua importância sócio-educativa (NASCIMENTO, 2009 eMARANDINO, 2005). Os museus pensados para o século XXI buscamabordar temas a partir da contemporaneidade e simultaneidadetemporal existente na sociedade e conciliam questões que, até então,eram consideradas separadas como a ciência, a memória e a arte.Lugar social naturalmente transdisciplinar, os museus se posicionamhoje como centros de difusão e produção de conhecimento setransformando em espaços culturais conceituais e não unicamentemonumentos de evocação de memórias.

Como espaço de educação não formal, pode-se dizer que oconceito de museu repositório de objetos com finalidade única dearmazenar e apresentar coleções inicia-se assim sua superação.O museu pretende assumir, desde então, uma função social desíntese buscando interagir o passado, o presente e o futuro. Emerge,portanto, a necessidade de ummaior conhecimento sobre os aspectoseducativos e comunicativos das ações dos museus, o que confirmaa importância de se realizar pesquisas que busquem compreender oterritório híbrido da educação e comunicação em espaços educativosnão escolares (BOSSLER, 2004 e NASCIMENTO, 2003).

Em Minas Gerais são cadastrados, pela Secretaria de EstadodaCultura, cerca de 280 instituiçõesmuseais e pouco conhecimento setem de suas dinâmicas educacionais. Nesse sentido, compreender o

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cenário e a natureza das atividades educativas desenvolvidas por estasinstituições constitui caminho para que ampliemos o conhecimento dainterface dessas instituições com a sociedade. Neste sentido, nossogrupo de pesquisa vem, nos últimos dez anos, aprofundando a análisedas origens, propósitos e atividades dessas instituições em suarelação com a escola e a cidade. Entendemos o estudo das relaçõesem sua complexidade de interações internas e externas aos sistemasde atividade que detalharemos no curso deste artigo.

Este estudo entrelaça dois quadros teóricos para a análiseda atividade educativa desenvolvida em museus mineiros com aintenção de promover o encontro entre os professores da EducaçãoBásica e os profissionais dos museus. Ele foi desenvolvido no projetoEducação para o Patrimônio: um diálogo com os museus de MinasGerais desenvolvido pelo Laboratório de Estudos emMuseus e Escola(LEME), da Faculdade de Educação da Universidade Federal deMinas Gerais (Brasil) e que tem o apoio da Fapemig e do CNPq. Apesquisa pretende caracterizar as práticas educativas em 13 museusem uma perspectiva da Análise de Discurso e da Teoria da Atividade.Para tal caracterização, buscamos problematizar a atividade educativaproposta pelos museus quando esses visam estabelecer uma relaçãocom as escolas. Aqui apresentaremos algumas reflexões de uma fasediagnóstica na qual buscamos conhecer as propostas de atividadeseducativas dos museus investigados. Nossa intenção não é compararde maneira a identificar, entre os museus, aqueles que apresentariamestratégias mais ou menos eficientes antes, porém, pretendemosconhecer o que é comum aos museus investigados e o que é nelesde singular.

OS MUSEUS DE CIÊNCIAS NO CONTEXTO NACIONAL

As polêmicas sobre os papeis educacionais dos museus deciências são tão antigas quanto às classificações desses museus. Aproliferação dos museus de História Natural na Europa ocidental, apartir do século XVIII, corporificou a consolidação da ciência moderna

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justificando assim a posição de Vendelli da identificação entre aHistória Natural e a “ciência dos museus” (LOPES, 1997, p.15). Ascoleções dessa época abandonam o colecionismo de medalhas e asistemática da “naturalia” e da “artificialia” para trazer em seu bojoas disciplinas das ciências experimentais, constituindo também nosmuseus coleções de instrumentos de física, química e mecânica.A reorganização do Museu de História Natural de Paris, em 1793,trouxe o modelo de instituição comprometida com a instrução pública,apoiados na concepção de que a observação direta era uma parteprivilegiada do ato de conhecer. Para Lopes (2001) essa forma deprática educativa se tornou modelar e, segundo a pesquisadora,tem sua origem nas críticas de Lamarck relatadas na Memória sobreos gabinetes de História Natural e particularmente sobre aquele doJardim de Plantas, de 1790. O pesquisador criticava as coleçõesdo Museum de Paris por estarem divididas somente entre os reinosanimal, vegetal e mineral e apresentarem identificações apenas dosnomes vulgares das espécies que ao mesmo tempo obrigavam opesquisador a compartilhar o espaço de coleções de pesquisa com os“desocupados” que visitavam o museu. Talvez tenhamos nessa críticaa origem da cisão entre o espaço de pesquisa e a organização dasvisitas orientadas para o público geral.

No Brasil, o Museu Nacional do Rio de Janeiro, identificadopelos historiadores como a antiga “Casa de História Natural” econhecida popularmente por “Casa dos Pássaros” , foi criada em1784 para preparar, organizar e enviar as coleções para Lisboa. Naausência de instituições universitárias, o Museu Nacional abrigou asprimeiras pesquisas científicas do território brasileiro, ministrou cursos,conferências e outros projetos de instrução pública. Já no século XIX,as “lições de coisas” colocam mais uma vez a importância da relaçãoeducativa nos museus. Isso, segundo Lopes e Muriello (2005), abreum novo compromisso com a formação do cidadão das urbes queemergiram no contexto de industrialização. A nova organização dascoleções, exposições e dos setores educativos dosmuseus configuramnovas relações. Longas séries de peças e esqueletos completos foram

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adquiridas para atrair o público que supostamente não compreendiaos recentes modelos científicos unicamente apresentados nasconferências públicas e aulas magistrais. Eles precisavam ter as“partes” para a chegarem no “todo”. Desde as primeiras décadasdo século XX o “Serviço Educativo” do Museu Nacional apresentaestratégias próximas ao movimento da “Escola Nova” cumprindo, emseu discurso, uma função de complementaridade curricular (LOPES,2001).

Emoutros contextos, comona Inglaterra, destaca-se a evoluçãodos museus de ciências, coincidindo historicamente com a introduçãodeaprendizagens experimentais no currículo escolar.Osmuseus foramvistos como instituições ideais para a difusão de novas estratégiaseducacionais por oferecerem oficinas centralizadas em objetos. Coma industrialização museus como o Museu Alemão de Munique (1906)e o Museu da Ciência e da Indústria de Chicago (1933) constituíramcoleções de objetos técnicos. E, uma outra forma de organização demuseus de ciências apareceu com o abandono da função de formaçãode coleções em 1937, com o Palácio da Descoberta em Paris e oExploratorium de São Francisco (USA) em 1969 que introduziram oformato aperte e observe: o hands on. Assim, o papel educativo dosmuseus de ciências passa por modificações contínuas em diferentescontextos, como destacam Gruzman e Siqueira (2007).

A tendência atual é a construção de um museu interativo capazde fazer a síntese dos conhecimentos e discuti-la junto ao público, deforma que este não seja apenas um receptor desse conhecimento,mas também um criador de novos saberes e de novos conhecimentos,um ator no processo de ampliação da cultura científica, técnica eempresarial (NASCIMENTO e VENTURA, 2001).

PRESSUPOSTOS COGNITIVOS E A TEORIA DAATIVIDADE NAPRÁTICA EDUCATIVA NOS MUSEUS DE CIÊNCIAS

O estudo sobre os aspectos cognitivos das exposições emmuseus de ciências de Giordan (1998) destacou três principais

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tradições nesses espaços. A primeira tradição, mais generalista,acompanha a criação dos primeiros museus e se apóia sobre umaideia de transmissão do conhecimento. Um conteúdo particular édecomposto em partes e temas, sendo que sua soma se constitui nosaber a ser adquirido. Um dispositivo homogêneo de comunicaçãoé organizado para tal, e geralmente ele apresenta uma relaçãolinear entre os elementos meseológicos da exposição. A mediaçãose repousa sobre elementos indicativos da leitura dos objetos comolegendas, painéis, esquemas, dioramas ou audiovisuais explicativos.Nos espaços museais podemos dizer que essa tradição reafirma umpensamento empirista dominante para a transmissão do conhecimentocientífico o colocando em uma posição exterior ao sujeito.

A segunda tradição visa possibilitar a ação do visitante efoi desenvolvida a partir de um modelo comportamentalista deaprendizagem associado ao desenvolvimento da psicologia cognitiva.Aexpografia é traduzida inicialmente comoumespaço de “treinamento”de operações e procedimentos, muitas vezes do tipo “aperte o botão”.Com o desenvolvimento de sistemas de informática, os estímulose o acompanhamento de aprovação e de reforço enriqueceram asexposições de ciências. Essa tradição inicia o questionamento sobreo conhecimento que o sujeito possui para a leitura dos objetos daexposição.

A terceira tradição, para Giordan, pode ser observada ematividades desenvolvidas em museus como Children Musem deBoston, o Science Museum de Toronto entre outros. Nessa, umasíntese de diversas abordagens centradas no conhecimento do sujeito,possui uma premissa geral de que o conhecimento é construído nainteração do sujeito com os objetos e, a partir de seus conhecimentosprévios sobre esses objetos. Possivelmente um olhar mais atentonas atividades propostas atualmente nos museus poderá identificarinfluências das abordagens sócio-culturais na organização do espaçoexpográfico.

Os pressupostos cognitivos construtivistas para organizaras ações museais tendem a conciliarem aspectos inerentes às

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situações de aprendizagem e a relação do sujeito com os objetos.Assim, a apropriação de um saber, quer seja um comportamento, umprocedimento ou um conhecimento se situa no prolongamento deaquisições anteriores que fornecem um quadro de questionamento,referência e significação para a leitura dos objetos da exposição.Aprender no espaço museal pode, dessa forma, ser considerado, aomesmo tempo, um momento de contextualização ou desestabilizaçãode representações do sujeito sobre os objetos. Os objetos de exposiçãopodemmobilizar novas redes de significados, pois eles podem assumirdiferentes funções na exposição: informativa, manipulativa, relacionalou organizacional. Para mobilizar a aprendizagem pelos objetos,a ação museal coloca os objetos em uma cena que a mediação dediferentes linguagens pode criar tensionamentos entre os significadosatribuídos aos mesmos. Esses tensionamentos dão origem a práticasdiversas investigadas em diversos contextos (NASCIMENTO, 2005).

Atualmente compreendemos a prática educativa dos museuscomo uma ação multifacetada cujo objetivo maior é o cumprimentoda atividade educativa do museu. Olhando esta atividade inserida noquadro da Teoria da Atividade de Leontiev (1983) buscamos investigarsuas múltiplas facetas, suas ações e operações, assim como outrasformasde tratar a relaçãoentre os objetos eos sujeitos (NASCIMENTO,2007). Ter clareza dos limites e possibilidades de cada uma dastendências pedagógicas que abrigam seus pressupostos cognitivos,institucionais e acionais é um elemento importante para a construçãode uma nova prática educativa.

Vinculado à tradição sociocultural, Wertsch (1998) trata doprocesso de internalização para construir uma teoria sobre a açãomediada. Para esse autor, domínio e apropriação constituem oprocesso de internalização. O domínio está relacionado com a formacomo os sujeitos usam as ferramentas culturais (físicas ou mentais),e pode ser avaliado pela maneira com que essas ferramentasculturais são usadas, enquanto que a apropriação está relacionadacom o processo pelo qual os sujeitos as escolhem e as inseremem suas ações. As ferramentas utilizadas na ação de um sujeito

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dependem das configurações socioculturais do ambiente em queele vive e de suas relações com o outro semelhante ou não. Comodestaca Vygotsky (1995), o processo de apropriação da cultura é,inicialmente, um processo de reprodução do uso social entre outrosdos costumes e hábitos, da linguagem e das ferramentas. Em resumo,consideraremos a noção de domínio como “saber usar a ferramentacultural” (WERTSCH, 1998, p. 50) e apropriação como “tomar algo dooutro e torná-lo seu próprio” (idem, p. 53).

A ação mediada é fortemente contextualizada pelo ambiente,sendo este considerado não somente cenário de apresentação deum discurso, mas parceiro de composição de uma prática discursiva.Tomamos a Teoria da Atividade- TA- para podermos descrever commaior precisão os contextos em que são desenvolvidas as açõesmediadas, e identificar os diferentes elementos desses contextos.

Leontiev sistematizou o conceito de atividade de Vygotskye estabeleceu um esquema articulado de três níveis hierárquicos:atividade, ação e operação. Esse conceito desempenha papel deprincípio explicativo dos processos psicológicos superiores. No nívelda atividade está sempre presente uma mediação efetiva realizadapelas relações sociais entre os indivíduos e o restante da coletividade,e orientada para um motivo que o direciona. Nesse nível de análise ossujeitos se organizam a partir de um plano coletivo, para atender umanecessidade também coletiva. Um sujeito nem sempre está conscientedos motivos das atividades em que participa, nesse caso, é a atividadeque controla o sujeito e não o contrário.

Uma atividade pode ter um grande número de açõesindependentes entre si, que estão associadas a um resultado que sedeseja alcançar. Ou seja, nesse nível os sujeitos estão conscientes doobjetivo a ser alcançado. O nível da operação é subordinado ao nívelda ação e, consequentemente, a uma rotina mecânica. Portanto, aoperação não está relacionada a uma consciência individual, por issoela é realizada em um plano não-consciente.

Villani (2007) sugere que esses elementos devem serpercebidos na estrutura da atividade da seguinte forma: os sujeitos

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referem-se ao indivíduo ou ao grupo que realizam a atividade escolhidapara a análise; as regras são as normas que regulam as ações dossujeitos na atividade; a comunidade se refere a uma coletividade quecompartilha um mesmo objeto/motivo, sendo construída de formapeculiar, distinguindo-se de outras comunidades; a divisão do trabalhorefere-se a dois planos distintos e simultâneos. No plano horizontalocorre a divisão das tarefas entre os membros da comunidade. Noplano vertical ocorre a divisão do poder e conseqüentemente do statusde cada sujeito; os objetos referem-se, ao “material bruto” ao qual aatividade é direcionada. Finalmente, esses objetos são moldados outransformados em resultados (produtos), com a ajuda de ferramentasque são os artefatos, ou seja, as ferramentas concretas e simbólicasque mediam as ações dos sujeitos sobre o ambiente.

Na figura 1 apresentamos o triângulo expandido que incorporaas discussões acima. O triângulo formado segue a lógica de Vygostkie Leontiev onde o objeto faz a ligação com o mundo exterior e insereos motivos da atividade, e nos vértices do triângulo superior temosferramentas, sujeito e objeto. Dentro de uma abordagem marxista,a base da atividade é composta pelas regras, comunidade e divisãodo trabalho que diferenciam a atividade humana do comportamentoanimal.

Figura 1: Modelo da Teoria da Atividade – TA

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É através do objeto que o sujeito executa uma obra ou produtofruto das tensões, representadas na figura pelas linhas pontilhadas,da produção, consumo, distribuição e trocas de valor no interior daatividade. Essas tensões, em nossa interpretação marcam as relaçõesestabelecidas pelos elementos destacados pela TAe serão indicadoresde nosso estudo. Na TA as contradições nos auxiliam a compreenderas modificações e o desenvolvimento desse sistema e elas nãosão consideradas nem problemas, nem conflitos. Uma contradiçãofundamental, por exemplo, no modelo capitalista de divisão de trabalhoé o valor de uso da matéria prima e o valor de troca.

As diferentes motivações, compartilhadas ou não, evoluem notempo e no espaço e geram contradições principalmente em virtudeda intencionalidade dos sujeitos. Para os pesquisadores que vêmtrabalhando com a TA, a intencionalidade do sujeito é orientada peloobjeto de conhecimento que surgem do trabalho individual e coletivode um grupo social. Tal abordagem atribui aos objetos uma trajetóriahistórica constituída da participação de múltiplos atores distribuídosno tempo e no espaço. Atualmente com a complexidade do trabalho,é difícil distinguir a diferença entre as finalidades da ação pessoal e osobjetivos mais duráveis do sistema de atividade coletivo: a articulaçãoentre eles é sempre fluída e vaga. Engeström (2005: 141) apresentaum exemplo no domínio da saúde para ilustrar este paradoxo. Sem oobjeto epistêmico “doença” não haveria hospitais ou profissionais dasaúde. Contudo, a onipresença da doença não lhe torna mais simplesde definição, ao contrário, ela não obedece às representações mentaisformadas nem pelos profissionais da saúde, nem pelos doentes esequer está em vias de extinção.

Para o médico generalista, em sua prática cotidiana, osmedicamentos e remédios são instrumentos de trabalho. Porém elesnão possuem unicamente uma utilidade curativa. Eles são tambémprodutos de consumo, com custos e clientela específica, o que lhesatribuem papéis diferentes para a tomada de decisão sobre o tratamentodo paciente. As tomadas de decisão seguem regras definidas pelacomunidade médica dentro da hierarquia de divisão do trabalho.

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Os sistemas de atividades complexas são abertos e sujeitos acontradições primárias e secundárias. Elas são fontes de perturbaçõese conflitos, mas também de inovações tornando possível a emergênciade novas regras e formas de divisão do trabalho além de novosinstrumentos e ferramentas mediadoras. Para Engeström (2005:145),a dinâmica histórico-cultural da atividade leva a proposta da existênciade uma intencionalidade coletiva e de uma ação distribuída.

Em uma ação concreta, objeto e objetivo estão estabilizadose temporariamente fechados graças aos artefatos auxiliares -ferramentas e signos- que os midiatizam. Dessa forma a ação podeser distribuída entre os participantes da atividade que compartilham amesma intenção ou motivo.

À medida que a divisão de trabalho se instala, através da baseorientadora da ação representada pelo discurso dos formadores,tais ferramentas alteram suas posições e a atividade muda já queos participantes passam a ter outros objetivos: usar os aparelhose modelos como ferramentas para das outro significado ao mundo.Assim dessa tensão e contradição geram-se transformações nomundo exterior e no sujeito.

Uma aplicação importante dessa teoria ao contexto dosmuseus foi desenvolvida por Bizerra (2009). Da mesma forma, nósapresentamos nosso primeiro ensaio de aplicação da TA em nossosprojetos de formação continuada para equipes de museus. Nomomento, temos resultados ainda descritivos, mas esperamos quecom a análise das tensões tenhamos, no futuro, alguns elementosmais concretos para discussão.

METODOLOGIA

A fim de alargar nossa discussão, elegemos museus de váriastipologias, localizados em Belo Horizonte, capital do estado de MinasGerais para nosso estudo. Três cenários de museus são investigados:museus de arte, museus de ciências e museus históricos. Foiadotada uma metodologia de pesquisa qualitativa, orientada por

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uma perspectiva naturalista (LINCOLN & GUBBA, 1985). Portanto, ofoco da pesquisa é o significado que os participantes constroem emcontextos naturais, e várias estruturas de análise foram combinadaspara atender aos objetivos e metas da pesquisa, refletindo a noçãode pesquisador enquanto bricouleur (DENZIN & LINCOLN, 2000)e buscando desenvolver uma metodologia mais apropriada a taisobjetivos.

Tendo em vista nossa intenção em realizar o diagnósticodas atividades educativas empreendidas pelos museus estudados,procuramos reconhecer categorias de análise que nos permitissemrecuperar, de forma circunstanciada, os cenários dessas atividades,assim como o papel dos sujeitos e suas relações com os objetosenvolvidos, a partir das fontes de pesquisa. Dessa forma, iniciamosa investigação problematizando a ação mediada do sujeito sobreos objetos. Nesse sentido, nossa leitura interpretativa desenvolveu-se em três dimensões. A primeira dimensão reuniu informaçõesrelacionadas à caracterização geral dos museus, para a análise docontexto de produção do discurso. As atividades educativas aparecemcircunscritas em segunda dimensão do nosso estudo, que foca aidentificação da relação dos sujeitos com os objetos. Por último,ocupamos-nos de conhecer o perfil dos sujeitos envolvidos na visitana figura daquele que nomeamos agente cultural. Escolhemos talnomeação para buscar, dentro da multiplicidade de sujeitos envolvidosna divisão de trabalho do sistema de atividades museais, e dasdiferentes nomenclaturas adotadas pelas instituições, uma forma denomear os sujeitos envolvidos na atividade educativa dos museus,foco principal de nossa investigação. Com tais indicadores buscamostrabalhar com as tensões entre esses pontos.

Constituíram fontes para nossa pesquisa: a) questionáriosaplicados aos agentes culturais em exercício nesses museus; b) áudiode entrevistas realizadas com os gestores do museu, representandoo discurso oficial; c) documentos virtuais como sites e bloguesproduzidos e disponibilizados pelos museus na WEB.

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DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Em relação à identificação dos sujeitos dos 13 museusestudados, o estatuto institucional é bastante diferenciado entreeles. Criados em esferas políticas e momentos históricos diferentes,estes museus possuem consolidações jurídicas diversas e contextosdiferenciados de criação. Na década de 1990 temos a organizaçãode alguns museus de ciências nas universidades e recentementeuma maior fertilidade na área dos museus aparecendo a gestãocompartilhada do público e do privado.

Outro sujeito importante é representado pela figura de públicoalvo atendido que é descrito pelos museus de forma mais homogênea,sendo que as escolas representam o público de maior relevância.Os museus declaram possuir estratégias especificas para públicosespeciais, atendendo as políticas de inclusão e acessibilidade. Todosos museus recebem instituições de todos os níveis de ensino queorganizam visitas a eles. Uma recorrente justificativa das visitas, dadapelas escolas, segundo o discurso dos museus, é a dificuldade deacesso aos objetos presentes no museu: de arte, ciência ou fonteshistóricas primárias. Na segunda dimensão, estudamos a atividadeeducativa pela declaração da relação entre os sujeitos e objetos.

Quanto à natureza do acervo de cadamuseu, temos na tabela 1a seguir, a descrição dos objetos expográficos reunidos por categoria,obtidas nos documentos on-line dos museus:

Tabela 1: Objetos expograficos nos museus estudados

Categorias de Museus estudados Objetos Expográficos

ArtesPeças de arte sacra e de mobiliário. Pinturas,esculturas, desenhos, fotografias, vídeos e instalaçõesde artistas brasileiros e internacionais.

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Ciências

Modelos em gesso e resina, peças anatômicashumanas, fotomicrografias de células e tecidos.Coleções de mamíferos fósseis da América do Sul,coleções da fauna brasileira atual de mamíferos,aves, répteis e anfíbios, com especial destaque paraas espécies do cerrado (animais taxidermizados edioramas). Vivários diversos.

História

Objetos decorativos, fragmentos construtivosoriginários de prédios públicos e privados demolidos,mobiliário, vestuário, utensílios domésticos e deuso pessoal, objetos de iluminação e de transporte,equipamentos e instrumentos de trabalho. Textual eIconográfico: textos manuscritos e impressos, mapas,plantas e projetos. Fotográfico: negativos em acetatoe vidro, cópias em papel e material digital suportamimagens fotográficas. Bibliográfico: composto de livros,periódicos, catálogos, fitas de vídeo, dissertações erecortes de jornais em temáticas diversas

O agendamento das visitas escolares acontece por telefone,podendo haver ou não troca de correspondência impressa paraconfirmação da visita. Os museus apostam muito na visita escolar eobservamos uma intensa comunicação entre essas instituições naforma de convites, atendimento diferenciado aos docentes, programasde formação entre outros.

A partir dos questionários respondidos por 96 agentes culturaisdos museus, constatamos que 68% dos sujeitos atuando nos museussão mulheres e 32% de homens. Quanto à formação dos agentesculturais, 82% são alunos de diferentes cursos de graduação. Essessujeitos citaram cursos de artes, letras, turismo, história, ciênciasbiológicas, geografia e pedagogia, de instituições públicas e privadas.Dos 18% dos agentes que declararam ter um curso universitárioconcluído, 22% têm uma nova graduação em curso e 11% buscamobter concluir um curso de pós-graduação.

Quando perguntados sobre a existência de formaçãoespecífica para a atuação em museus em seus cursos de graduação,67% dos agentes disseram haver este tipo de formacao. Destes,

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36% entendem como “muitas” as oportunidades de acesso a essetipo de conhecimento ao longo da formação acadêmica, sendo que27%, embora reconheçam a presença de formação, o classificamcomo “raros”. Encontramos ainda que 37% dos agentes em exercíciodeclararam não haver em seus cursos esta categoria de formação.Sobre a formação continuada oferecida pelos museus aos agentes emexercício, temos que 55% desses sujeitos identificam em sua rotinaa existência de atividades formativas para sua atuação, contra 45%que acreditam não haver este tipo de atividade. As declarações sobreos momentos formativos oferecidos pelas instituições indicsm que háestratégias diferenciadas quanto ao formato e a duração.

Reconhecemos no discurso oficial haver para os museussobreposição de sentido para a atividade educativa e os projetosdesenvolvidos por eles no campo educativo. Embora apareça nodiscurso oficial dos museus investigados o reconhecimento e o esforçopara constituiçãoe fortalecimentodecontextoseducativosnosmuseus,as visitas escolares não tiveram o destaque que esperávamos na falados entrevistados, enquanto prática educativa que são. Nesse sentido,não nos foi possível localizar elementos suficientes que nos levassema recuperar uma seqüência de atividades na agenda do museu quechegasse a apontar uma regra da atividade educativa.

Apartir da leitura interpretativa dos dados, entendemos que sãocategorias importantes para o estudo de uma maneira geral: a duraçãoda atividade, as relações entre os sujeitos e destes com os objetos, aperformance dos agentes culturais, o script a ser cumprido ao longo daatividade, o número de visitantes por agente cultural. É interessanteainda saber quem são os sujeitos envolvidos na planificação davisita, como são feitos os registros para a avaliação, se há materialde apoio e atividades específicas para os professores. Além disso,conhecer os rituais que antecedem e procedem a ação educativa sãoimportantes para a compreensão do contexto da atividade, sendo queestas são informações recorrentes nos registros investigados. Emborasejam escassas as informações de como a visita se desenrola, há nodiscurso muitos apontamentos para o que aconteceria nos bastidores.

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Sobre a participação dos agentes culturais no planejamentodas atividades, a partir dos questionários respondidos por eles,constatamos que 81% declararam participar sempre da organizaçãoprévia das atividades, sendo que apenas 1.4% disseram nuncaparticipar. A mesma percentagem (1,4%) foi encontrada para osagentes que declararam participar do planejamento apenas quandohá um evento especial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E IMPLICAÇÕES PARAA EDUCAÇÃO

Em um estudo comparativo dessa natureza poderíamostrabalhar com a hierarquização das estratégias empreendidas pelosmuseus, supondo haver modelos mais e menos eficientes paragestão das atividades educativas. Contudo, em nosso estudo, nossointeresse fundamenta-se na possibilidade de, ao conhecermos melhoros elementos constitutivos eleitos pelas instituições para a composiçãodessas, podermos oferecer aos museus estudados e aqueles quedesenvolvam atividades similares, um repertório de estratégias paraa ação. Nas aproximações e nos distanciamentos observados, cadagestor museal poderia repensar sua própria prática ao reconhecer-se ali, e aventurar-se por novos percursos a partir dos exemplos deoutros museus.

É importante considerar também, que este estudo, ao propor-se a um diagnóstico, sofre as limitações próprias desse tipo de análise,tendo em vista que um diagnóstico é apenas o panorama observadoem um determinado momento temporal. Por mais que as entrevistaspossuam referências a acontecimentos no passado, trata-se do pontode vista de sujeitos inseridos em um dado momento histórico em quea conversa se desenrolou. Diz respeito, portanto, aquele momentolimitado no tempo e espaco. Além disso, é importante apontar aindaque há nesta pesquisa uma limitação de ordem metodológica, devidoà multiplicidade de fontes e de gêneros discursivos compondo estasfontes. Ao manifestar-se, cada sujeito elegeu o que dizer e o quecalar, o que gerou para o pesquisador inúmeras vezes uma narrativa

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lacunar. Nesse sentido, e considerando que este estudo integra umestudo maior, sugerimos realizar posteriormente outros movimentospara coleta de dados.

A partir do nosso diagnóstico então, o que haveria em comume de singular entre os museus estudados por nós quanto às atividadeseducativas? Os museus estudados, de uma maneira geral, mostraramidentificar a importância dos sujeitos nas visitas escolares, revelandoiniciativas para converter-los de coadjuvante à protagonista da cenaeducativa. Nesse sentido, o professor pode ser desde o responsávelpela escolhadopercursode visita, quanto assumir o papel deorientadordos seus alunos em determinados momentos. O processo educativo,enquanto formador de sujeitos livres, implica na transformacao daidentidade individual e no desenvolvimento de uma memoria pessoalem um contexto de uma memoria coletiva. O sujeito se constitui namedida que reconhece o outro como diferente e semelhante. E nesteprincipio dialetico identitario que repousa a linha que une a regra, acoletividade e a divisao de trabalho proposta na extensao do trianguloque une o sujeito, as ferramentas culturais e o objeto. Pensando entaoa atividade educativa proposta pelos museus, dentro da TA, podemosinterpretar algumas tensoes que aparecem nos discursos que temos.Inicialmente unindo os vertices: regra, objeto e sujeito, percebemosque explicitamente pouco foi dito sobre as regras. Uma implicacaopara o ensino e a clareza que ao sair da sala de aula, uma mesmacoletividade esta diante de um novo conjunto de regras que tensionarade forma distinta a relacao sujeito objeto. Aparentemente o professortrabalha pouco com esta tensao deixando a cargo da equipe do museueste trabalho. As novas acoes que se transformam em ferramentasde mediacao entre o sujeito e os objetos de museu tambem sãopouco evidentes nos discursos e precisamos aprofundar mais taisquestoes. Um estudo dos materiais disponibizados pelos museus parao atendimento ao publico escolar podera nos auxiliar neste estudo.Essas tensoes não apresentam características próprias do tipo deobjeto museológico presente na cena seja arte, história ou ciência, anão ser quanto a formação acadêmica dos seus agentes. As diferentes

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comunidades de falantes que se formam no interior da atividade,tambem evidenciam tensoes. As equipes dos museus organizam suasdivisoes de tarefas de forma diferente, os grupos escolares e outrosque passam pelo museu tambem. Estas diferencas são bem presentesno discursos dos sujeitos mas a expografia considera muito poucodessa diversidade. novamente temos mais uma tensao que pode serestudada. Por fim, ainda dentro da TA, o produto de transformacaoque sai do ciclo da atividade foi pouco explorado neste primeiroestudo. O que fica da visita ? Como e transformado o conhecimentodos visitantes ? O que ele transforma do mundo exterior ? Como eletransforma suas ferramentas culturais ? Estas e outras questoes ficamem suspenso para um outro estudo.

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MUSEUS E EDUCAÇÃO: DISCUTINDOASPECTOS QUE CONFIGURAM A DIDATICAMUSEALMartha MarandinoFaculdade de Educação da USP

INTRODUÇÃO

É crescente a percepção, por parte do público, do papel delocal de lazer, deleite, contemplação e diversão que os museuspossuem. A escola vem sendo um dos maiores públicos presentesnesses espaços, especialmente a partir do século XX, buscando, pormeio de visitas ás exposições, participação em oficinas, atividadeslúdicas e palestras, experiências de diversão e aprendizagem. Mas,serão os museus ambientes de educação? Se a resposta para essapergunta for positiva, que processos educativos ocorrem nos museus,especialmente naqueles dedicados a ciências naturais? As visitasescolares aosmuseusde ciências se constituememreaismomentosdeaprendizagem? Essas perguntas fazem parte de um rol de problemasaos quais investigações no campo da educação vêm se dedicando,ora enfocando temas educacionais amplos relacionados ao papelsocial e educacional dos museus, ora tomando por foco questõesespecíficas de aprendizagem ou sobre processos de transposiçãodo conhecimento científico nos espaços expositivos e nas demaisatividades educativas (Falk e Dierking, 1992; Hooper-Greenhill, 1994;Hein, 1998; Falcão, 1999 Marandino, 2001).

Consideramos os museus de ciências espaços educacionais.Neles, as experiências vivenciadas se projetam para além do deleite eda diversão. Programas e projetos educativos são gerados, com baseemmodelos sociais e culturais. Seleções de parte da cultura produzidasão realizadas como intuito de torná-la acessível ao visitante. Comoemqualquer organização educacional, processos de recontextualização

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da cultura mais ampla se processam possibilitando a socializaçãodos saberes acumulados. Mas haverá alguma especificidade nosprocessos educativos que ocorrem nos museus?

CARACTERIZANDO A DIDÁTICA MUSEAL

A literatura na área de museus de ciências aponta algumasparticularidades relacionadas aos processos educacionaisdesenvolvidos nesses locais. Para Van-Praet e Poucet (1989:21), aespecificidade do museu está relacionada a elementos como o lugar,o tempo e a importância dos objetos. Além disso, esses autores seapóiam na idéia de que a exposição é uma mídia, diferente da escolae de outras mídias, mesmo que usem certas técnicas comuns decomunicação.

Com relação às especificidades pedagógicas dos museus, aquestão da brevidade do tempo é destacada, já que este é onipresentena escola. Ao contrário, no museu, apesar do tempo também seressencial para as estratégias de comunicação, “ele é muito breve seconsiderarmos os minutos que cada visitante concede a um objeto,a um tema, durante uma visita que poderá ser a única de sua vida”(Ibid.). Este tempo é determinado tanto pela concepção da exposiçãocomo pelo animador/mediador da mesma.

Outra especificidade do museu indicada pelos esses autoresseria o lugar, concebido como um trajeto aberto, em oposição aoespaço “fechado” da escola. Nele, o visitante é geralmente voluntário enão fica preso, sendo “cativado pela exposição durante seu percurso”,além de ficar rodeado por uma “multidão barulhenta e movimentada”.Nesse sentido, é importante haver uma preparação dos educadores,dos dispositivos de recepção e de organização do tempo no museupara evitar o possível cansaço comum nessas experiências. Nesseaspecto, os educadores devem ser sensibilizados para perceberque “uma exposição é cada vez menos uma sucessão de temasindependentes e que sua apropriação passa pelo seu percurso,com sua ambientação, sua inserção no espaço, sua cenografia, .....”

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(Idem;p.25)Para Van-Praet e Poucet (1989:26) o discurso museal, na sua

especificidade, há muito tempo se apóia nos objetos, sendo estesfonte de riqueza e de interatividade. O papel dos objetos foi, desde aépoca da Renascença até um período recente, comum a escola a aosmuseus. Estas duas instituições conservaram uma reflexão comumsobre o interesse do objeto na aprendizagem e de sua importânciana “lição das coisas”1. Os museus, historicamente, não só recebiamescolares, mas emprestavam suas coleções às escolas, o que diminuiucom o fim das “lição das coisas” e com a redução dos trabalhos práticosnos colégios. Este fato, para os autores, levou a uma má preparaçãodos educadores hoje para utilizarem os objetos na pedagogia e são osmuseus encarregados da história de sua coleta, de sua seleção, de suaconservação e de sua exposição. Assim, “uma grande parte da açãocultural dos museus é de fato favorecer o acesso aos seus objetos,dando-lhes sentido, e ensinando a vê-los.” (Ibid.). Além disso, para osautores em questão, os objetos permitem ao visitante se sensibilizar,se apropriar e favorecer sua compreensão (social, histórica, técnica,artística, científica) para uma análise pessoal e para discutir com osoutros visitantes, com os animadores, com os professores, etc.

A partir do trabalho de Van-Präet e Poucet, percebe-se anecessidade de considerarmos o tempo, o espaço e o objeto de formaparticular ao pensar a educação em museus.

Em outra perspectiva, Allard et all (1996) afirmam que tanto aescolacomoomuseuconcorremparaaconservaçãoeparatransmissãodo substrato cultural de um povo ou de uma civilização. No entanto, asduas instituições se distinguem uma da outra. Na escola, o objeto temo papel de instruir e educar e o cliente cativo e estável, estruturadoem função da idade ou da formação. Possui um programa que lhe éimposto e pode fazer diferentes interpretações, sendo, contudo, fiel aele. É concebida para atividades em grupos (classe), com tempo de1 A “Lição das coisas” ou “Método de Ensino Intuitivo” pretendia substituir o caráter abstrato epouco utilitário da instrução. Tinha como alguns de seus pressupostos a idéia de que o “ato deconhecer se inicia nas operações dos sentidos sobre o mundo exterior, a partir das quais sãoproduzidas sensações e percepções sobre fatos e objetos que constituem a matéria-prima dasidéias” (Valdemarin, 2000).

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1 ano e tais atividades são fundadas no livro e na palavra. No casodos museus, o objeto encerra funções de recolher, conservar, estudare expor. O cliente, por outro lado, é livre e passageiro, atendendo atodos os grupos de idade, sem distinção de formação, sendo suasatividades concebidas para os indivíduos ou para pequenos grupos.Possui exposições próprias ou itinerantes e realiza suas atividadespedagógicas em função de sua coleção e do objeto. O tempo utilizadopelo público é em geral de 1h ou 2h.

Considerando então essas diferenças, o grupo de pesquisadesses autores propõe um modelo pedagógico para explicar asituação pedagógica no museu a partir de suas exposições (Allard etall, 1996:19):

Modelo Adaptado de Allard et all (1996) representando aSituação Pedagógica no Museu

O MUSEU

Relação deApropriação

ProgramaEducativo

Relação de TransposiçãoRelação deSuporte

AlunoVisitante Temática

Interventor

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Destacamos, nesse modelo, a “relação de transposição”indicada pelos autores. Ao discutirem a medição entre o conhecimentoexpostoeosalunosemvisitasescolares, feitapeloprofessoroumonitor,Allard et all. (1996) fazem referência ao conceito de transposiçãodidática, fundamentados no trabalho de Chevallard (1991). Afirmam,desse modo, que no processo de mediação, o saber apresentandosofre transformações com objetivo de se tornar compreensível aopúblico.

O tema da transposição didática, bastante explorado nocontexto do ensino de ciências e matemática desenvolvido na escola,trás para discussão a existência de uma epistemologia escolar (Astolfie Develay, 1990). Na transformação do saber sábio em saber a serensinado, o conhecimento ganha nova configuração, na busca detorná-lo acessível. Do mesmo modo, Allard et all. (1996) identificamas visitas escolares aos museus como momentos onde processosde transformação de saberes se dão, a partir da mediação entreo conhecimento exposto e o público (alunos, no caso), feita nasexposições.

Emnosso trabalho de doutorado (Marandino, 2001) analisamosa construção do discurso expositivo em bioexposições de museus deciências. A partir do referencial da transposição didática/museográfica(Simmoneux e Jacobi, 1997) e dos conceitos de discurso pedagógicoe de recontextualização (Bernstein, 1996), foi possível estudar osprocessos, atores e saberes envolvidos na produção do discursoexpresso nas exposições de museus. Percebemos, nesse trabalho,que para além da transposição didática ocorrida durante a visitano momento da mediação entre saber exposto e público, outrastransposições tiveram em curso na própria elaboração desse saberexposto. O que para nós se constitui como discurso expositivo, éresultadode seleçõesqueacultura científicapassaequesãomediadaspelos diferentes saberes dos diversos atores envolvidos na produçãoda exposição. Além disso, essa produção é também determinadaspela história dos museus de ciência, pelas histórias das instituiçõesem particular, pelas políticas de ciência e tecnologia, de educação e

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de cultura que, junto com os saberes e atores antes mencionados,constituem-se como um jogo de poder o qual determina as vozes e ossaberes que serão hegemônicos no discurso expositivo final.

O esquema a seguir ilustra esse processo de constituiçãodo discurso expositivo. Os saberes indicados possuem naturezasparticulares e, ao serem confrontados na elaboração de uma exposiçãopassam por processos de transposição. Tais saberes poderiam sercaracterizados enquanto i) saberes do senso comum, relativos àsconcepções e modelos do senso comum (público) sobre conceitose fenômenos científicos que irão se confrontar com as informaçõesexpressas na exposição2; ii) saber sábio, relativo aos conhecimentosde referência que são considerados na elaboração da exposição eque podem corresponder aos paradigmas hegemônicos das áreascientíficas em jogo ou, numa perspectiva descontinuísta e histórica daciência, podem apresentar os diferentes paradigmas em conflito3; iii)saber museológico, relativo às reflexões do campo da museologia edizem respeito tanto ao trabalho de coleta, conservação, salvaguardae documentação dos objetos, como de organização da informação queserá comunicada sobre os mesmos; iv) saber da comunicação ou daslinguagens, relativo às reflexões teóricas e práticas (técnicas de design,por exemplo) da comunicação e aos estudos de linguagem que serãoutilizados como forma de extroversão da informação nas exposições;v) saber da educação, relacionados tanto à aspectos de aprendizagem,como também a reflexão sobre as diversas dimensões do processoeducacional, como a social, a política, a cultural e a ideológica; vi)outros saberes, relativos aos saberes práticos, profissionais, técnicosque, no caso dos museus de ciência, poderiam ser aqueles referentesà taxidermia ou à carpintaria, por exemplo.

2 Referem-se também aos saberes da própria história da ciência.

3 Os saberes do senso comum poderiam ser considerados na elaboração das exposições, jáque esta deve favorecer o questionamento dessas concepções, e, além disso, constituem refer-encial para o desenvolvimento de pesquisas no campo educacional nos museus (por exemplo,de aprendizagem).

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Esquema da Constituição do Discurso Expositivo

Modelo para o Estudo das Relações Pedagógicas nos Museus

Tendo por base as reflexões apontadas e inspirados no modelode Allar et all (1996), elaboramos uma proposta de compreensão dasituação didática que ocorre nos museus, levando em conta tanto osprocessos de transposição que ocorrem na elaboração do discursoexpositivo quanto aqueles que se dão na mediação deste discursocom o público. O “Modelo para Estudo das Relações Pedagógicas emMuseus de Ciências”, procura caracterizar especialmente o processode transposiçãodidática/museográfica, no interior na instituiçãomuseu,na sua dimensão de educação e comunicação. Tem a intenção deafirmar os espaços de museus enquanto locais onde se estabelecemrelações pedagógicas próprias e que, em um determinado momento,

Saber do SensoComum

Saber da Comuni-cação

Saber da Educação

Outros Saberes

Saber Museológico

Saber(es)

DISCURSOEXPOSITIVO

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poderão ser utilizados pela escola ou qualquer outra instituição ougrupo social.

Modelo para Estudo das Relações Pedagógicas em Museusde Ciências

O modelo proposto caracteriza, dessa forma, a pedagogiamuseal, que estaria condicionada pela relação entre os diferentessaberes, que passariam por um processo de transposição didática/museográfica (I), realizado pelos mediadores (equipe de elaboradores

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das exposições que, em tese, possui caráter interdisciplinar) os quais,através de um processo de musealização, tornariam tais saberescomunicáveis, constituindo a temática concretizada na forma deexposição, de discurso expositivo. A segunda parte do modelo repetea proposta de Allard et all (1996) e estaria relacionado aos programaseducativos que poderiam ser desenvolvidas pelomuseu na sua relaçãocom a escola, com outra instituição social, com o visitante em grupo ousozinho. Nesse caso, os interventores seriam os atores do processoda transposição didática (II) que o conhecimento exposto no museupassaria para ser compreendido pelo público que visita o museu.Todas essas relações estariam ainda ocorrendo dentro de um entornosocietal/contexto social e estariam sendo influenciadas diretamentepor ele. Deste contexto surgiriam outros atores - órgãos financiadores,instituições governamentais ou não, órgãos de avaliação, por exemplo,que fariam parte da noosfera (Chevallard, 1991) museal ou do camporecontextualizador (Bernstein, 1996)4nos museus.

Em síntese, consideramos que o saber científico (sábio) passapor transformações - transposição museográfica/recontextualização5-para se tornar saber exposto. Este saber é constituído na mediaçãocom outros saberes, oriundos de diferentes campos de conhecimento,representados pelos atores envolvidos na elaboração das exposições(jogo de poder). Nesse processo de constituição do discurso expositivo,outros constrangimentos ainda se dão, referentes à especificidade dapedagogia museal. Tal discurso é, desse modo, determinado tambémpelas especificidades de tempo, espaço e objetos nos museus (nocaso de ciências), que por sua vez configuram uma certa linguagem4 Para Chevallard (1991), a noosfera é onde se opera a interação entre o sistema de ensinostricto sensu e o entorno societal; onde se encontram aqueles que ocupam postos principais dofuncionamento didático e se enfrentam com os problemas resultantes do confronto com a socie-dade; onde se desenrolam os conflitos, se levam a cabo as negociações; onde se amadurecemsoluções; é local de atividade ordinária; esfera de onde se pensa. Para Bernstein (1996:270) ocampo recontextualizador é composto pelos departamentos especializados do Estado e as au-toridades educacionais locais, juntamente com suas pesquisas e sistema de inspeção, mas tam-bém inclui as universidades e seus departamentos/faculdades de educação, com suas pesqui-sas, fundações privadas, os “meios especializados de educação, jornais semanais, revistas, etc.e as editoras, juntamente com seus avaliadores e consultores” e pode se estender “para camposnão especializados do discurso educacional”, mas que exercem influência sobre o Estado.5 Para aprofundar as proximidades e distâncias entre os referenciais de transposição didáticade Chevallard e de recontextualização de Bernstein ver Marandino (2004).

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específica de comunicação com o público.As reflexões realizadas fundamentadas nos autores citados

nos fazem construir um cenário para caracterizar a educação nosmuseus de ciência e, assim, apontar elementos que constituem apedagogia museal.

IMPLICAÇÕES DO MODELO RELAÇÕES PEDAGÓGICAS EMMUSEUS DE CIÊNCIAS PARAAS VISITAS ESCOLARES

Omodelo que ilustra as relações pedagógicas dentro do museuanteriormente apresentado tem a função de elucidar os elementos quecompõem o universo educacional destas instituições. A partir dele épossível não somente identificar os elementos, os atores, as práticas,as concepções, as teorias que fazem parte e fundamentam as açõeseducativas dosmuseus, como tambémpropor formasmais qualificadaspara que tais ações sejam desenvolvidas nesses espaços.

Especialmente com relação às visitas escolares aos museus,podemos destacar alguns aspectos da educação em museus que,vistos a partir do modelo, podem se beneficiar no sentido de melhorqualificar suas ações. São eles:

a) Formação de professores: entendemos que os museusdevem ser mais propositivos nas ações de formação de professorespara uso de seus espaços. Tal formação deve considerar, em seusconteúdos, aspectos históricos dessas instituições, mas tambémsuas características pedagógicas específicas, mostrando no quese aproximam e se afastam das escolas. Esses elementos poderãofornecer subsídios para que os professores possam planejar melhorsuas visitas e usufruir das possibilidades educativas que os museuspodem oferecer, rompendo com a prática comum de entendimento domuseu apenas como espaço complementar a escola.

b) Desenvolvimento de estratégias didáticas: o reconhecimentodas dimensões de produção de conhecimento educacional queenvolvem a elaboração de uma exposição ou de qualquer outra açãoeducativa no museu - como oficinas, bate-papos, palestras, materiais

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didático-culturais, entre outros - é fundamental para a melhoria daqualidade das ações oferecidas ao público. Tal reconhecimentopode levar a professores e profissionais de museus a valorizar maisessas atividades, mas também promover iniciativas de avaliaçãodas mesmas, como intuito de aperfeiçoá-las e criar expertise naárea educativa museal. Em especial, o público deve ser consideradonessas ações, em seus interesses, demandas e concepções para queas estratégias sejam adequadas.

c) Formação de mediadores: os chamados monitores, guiasou mediadores de museus poderão, a partir do modelo proposto,tomar consciência do papel crucial que desempenham na tradução doconhecimento científico para o público e de representantes oficiais dainstituição.Aformaçãodessesprofissionais, aindapouco reconhecidos,deve ser assumida de forma mais contundente, incluindo conteúdosdo campo educacional e comunicacional para que estes ganhem arelevância que possuem na prática e para que possam atender aosdiferentes públicos de forma mais qualificada.

d) Produção de materiais didático-culturais: assumimos aquique toda produção educacional do museu - incluindo não só asatividades e práticas, mas tambémmateriais impressos, áudio-visuais,digitais e objetos tridimensionais - é determinada pelo entorno sócio-histórico (incluindo ai os elementos pertencentes a noosfera e aocampo recontextualizador). Além disso, os profissionais envolvidosnessas produções realizam processos de adequação do conhecimentocientífico para que esses possam ser divulgados e ensinados por meiodessas produções, cada uma com características bem particulares.São educadores, comunicadores, designers, museólogos, artistas,arquitetos e cientistas envolvidos em um processo de produção deconhecimento onde seleção são feitas, decisões são tomadas apartir de modelos de sociedade, de conhecimento e de ciência quea instituição e cada desses atores assumem. O reconhecimento dosprocessos que envolvem a educação em museus em seus aspectoshistóricos, sociais, políticos e culturais é passo importante para queesse campo de conhecimento se estabeleça.

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REFERÊNCIAS

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MARANDINO, M. (2001) O conhecimento biológico nos museus deciências: análise do processo de construção do discurso expositivo.

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Tese de doutoramento, Universidade de São Paulo, São Paulo.

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SIMONNEAUX, L. e JACOBI, D. (1997) Language constraints inproducing prefiguration posters for Scientific exhibition. In: PublicUnderstand. Sci. Vol. 6, p. 383-408.

VALDEMARIN, V. T. (2000) Lições de coisas: Concepção científica eprojeto modernizador para a sociedade. In: Cadernos Cedes, Ano XIX,No 52, novembro.

VAN-PRAET, M. e POUCET, B. (1992) Les Musées, Lieux de Contre-Éducation et de Partenariat Avec L’École, In: Education & Pédagogies- dés élèves au musée, No. 16, Centre International D’ÉtudesPédagogiques.

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JOVENS NOS MUSEUS: QUEM SÃO, AONDEVÃO E COM QUEM VISITAM?Sibele CazelliMuseu de Astronomia e Ciências Afins - MAST/MCT

INTRODUÇÃO

No contexto atual, ganham relevância questões sobre ademanda cultural para a inserção na sociedade contemporânea. Nestesentido, um fator que pode favorecer a ampliação e o aperfeiçoamentoda cultura é o estreitamento das conexões entre a educação formal ea não formal.

Considerando inicialmente a educação, sabe-se que seu papelé de inquestionável relevância para o enfrentamento dos desafiosgerados pela globalização, pelo avanço científico e tecnológico epela intensificação dos meios de comunicação. A função educativa,que há muito transpôs os muros da escola, vem sendo desenvolvidapor múltiplos e heterogêneos canais, dentre os quais se encontra omuseu, espaço privilegiado dentro do campo da educação não formal.Os museus são entendidos como importantes fontes de aprendizageme de contribuição para a aquisição e o aperfeiçoamento do nível decultura da sociedade, com a vantagem de incluir tanto aqueles queestão na escola, como os que não tiveram essa oportunidade e os quejá não fazem mais parte dela.

Tanto a pesquisa como as práticas educacionais ecomunicacionais relacionadas às exposições e/ou às atividades emmuseus têm se intensificado. Estudos e estratégias têm sido utilizadosna tentativa de disponibilizar o conhecimento científico de formaacessível e com qualidade para seus visitantes. O desenvolvimento denovas audiências vem sendo considerado uma importante estratégiacultural para estas instituições.

Na perspectiva de uma aprendizagem ao longo da vida, as

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discussões sobre a educação científica em espaços não formais têmsido veementes, em especial no que se refere aos museus de ciência.Investigações sobre este tema crescem no país, enfocando aspectosde aprendizagem, avaliação de público, divulgação científica, análisede produção de exposições e das demais ações educativas, entreoutros enfoques (CAZELLI, 1992; VALENTE, 1995; FALCÃO, 1999;MARANDINO, 2001; MARTINS, 2006).

O desafio, hoje, das instituições de educação não formal é ode se atualizarem com o intuito de acompanhar esse novo contextoque se impõe de forma progressiva e mesmo agressiva. Muitas foramas contribuições ao longo das ultimas décadas de estudos sobre otema (GOHN, 1999; FALK, 2001; TRILLA, 2008; GHANEM, 2008).Inicialmente buscou-se demarcar uma fronteira rígida entre a educaçãonão formal e a formal. Hoje, no entanto, existe uma convergência nosentido de entender que embora haja diferenças estruturais entre taistipos de educação, existem aspectos comuns significativos.

Autores como Hofstein e Rosenfeld (1996) e Rogers (2004)argumentam que não deve ser estabelecida uma dicotomia entre oformal e o não formal. Defendem a idéia de um continuum, uma vezque suas distintas dimensões se interpenetram.

Costa (2009, p. 64) destaca que

delimitar fronteiras faz-se importante, não para definir atéonde podemos ir, mas para demarcar a passagem de umladoaooutro, para diferentes objetivos, intencionalidades,estratégias. No entanto, as fronteiras entre educaçãonão formal e formal não são os paralelos ou meridianos,latitude ou longitude, imóveis, fixos... mas sim linhas,contornos que podem constantemente ser refeitos, oraavançando, ora recuando...demarcá-las é respeitar suasdiferenças, possibilitando assim profícuos encontrosentre essas diferentes formas de educar.

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Considerando agora a questão da demanda cultural, um pontoimportante é o que diz respeito à pluralidade das culturas urbanas, àsua variação nos cenários de interação social e à emergência de novospadrões de gosto, o que tem se constituído em objeto de estudo dasociologia da cultura. Inúmeros autores sinalizam uma alteração nospadrões de consumo cultural em virtude do impacto da globalização.García Canclini (2000) ressalta a diminuição de freqüência a espaçospúblicos relacionados à oferta cultural clássica, em conseqüênciadas características de complexificação da vida urbana, comodisponibilidade de tempo, dificuldades nos deslocamentos e medo daviolência urbana. Da mesma forma, Ortiz (2000) argumenta que tantoa tradição como as artes não se configuram mais como padrões delegitimidade nesse novo contexto mundial.

Os estudos sociológicos que fazem análises sistemáticasdas políticas culturais e das tendências gerais das práticas culturaisdos indivíduos apresentam, geralmente, uma tipologia (BRENNER,DAYRELL e CARRANO, 2005; LOPES, 2000). De modo geral, essatipologia distingue, inicialmente, dois grandes grupos: práticas culturaiscultivadas (ida a ópera/concerto de música clássica, balé/espetáculode dança, teatro, cinema, museu/exposição e livraria/biblioteca) epráticas de lazer e entretenimento (sair com amigos, sair para dançar,sair para almoçar ou jantar fora, freqüentar cafés, ir ao shopping, ir aeventos esportivos, etc.).

Dados levantados pela pesquisa Informações BásicasMunicipais (MUNIC/IBGE, 1999-2006), considerando apenas seistipos de equipamentos culturais, os associados à expressão da culturacultivada mostram que as bibliotecas públicas são encontradas em89,1% dos municípios brasileiros, ainda em processo de expansão.Menos da metade dispõe de livrarias (30%), com crescimento negativoentre 1999 e 2006. Os centros culturais estão presentes em 24,8% dosmunicípios brasileiros, os teatros em 21,2%, apresentando o maiorcrescimento, seguidos pelos museus (21,2%), com o segundo maiorcrescimento, e os cinemas, com menor presença municipal (8,7%),mas com crescimento de aproximadamente 21% entre 1999 e 2006.

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Quando o que está em foco é a oferta de expressões culturais, ainsuficiência e a concentração não equânime do equipamento culturalafetam, em especial, as pessoas dos setores menos favorecidos doponto de vista socioeconômico e cultural. Por exemplo, a cidade do Riode Janeiro, apesar de ser um dosmais importantes centros culturais dopaís, não conseguiu ainda dar acesso à cultura de maneira equânimepara seus habitantes. No tocante à distribuição de equipamentosassociados à expressão da cultura cultivada (museu, centro cultural,teatro, cinema e biblioteca), nas áreas em que residem 75% dapopulação (Ramos, Méier, Madureira, Ilha, Bangu, Campo Grande,Santa Cruz e Jacarepaguá), existem apenas 13% dos equipamentosinstalados. Já o Centro, São Cristóvão, Zona Sul, Tijuca, Vila Isabel eBarra, onde moram 25% dos cariocas, dispõem de 87% da capacidadeinstalada. (IPP, 2004).

A importância dos museus (espaços de educação nãoformal ou ambientes não-escolares) na promoção da cultura e osdados referentes à insuficiência e à concentração não equânimedos equipamentos levam a indagar: os museus estão presentesna experiência cultural dos jovens? Quais são as característicasescolares que estão associadas ao aumento ou à diminuição daschances de acesso dos jovens a museus? Investigar as característicasdos jovens e de seu entorno escolar e, mais especificamente, analisara existência de relações entre o número de museus visitados pelasescolas municipais e particulares do município do Rio de Janeiro e asvariáveis relacionadas aos capitais econômico, social e cultural, sãoos objetivos centrais deste texto. Além disso, pretende-se examinaralgunsaspectosassociadosàsvisitaseaosmuseus freqüentadospelosjovens. Inicialmente é apresentada uma concisa revisão da literaturasobre o conceito de capital dos sociólogos Bourdieu e Coleman e emseguida, o procedimentometodológico utilizado é descrito. Finalmente,o resultado da análise e as discussões relevantes são apresentados.

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OS CAPITAIS ECONÔMICO, SOCIAL E CULTURAL NACONCEPÇÃO DE BOURDIEU E COLEMAN

Os sociólogos Pierre Bourdieu e James Coleman introduziramo conceito de capital na análise social para se referirem não apenasà sua forma econômica, mas também à sua forma cultural e social.Este termo da área econômica foi utilizado pelos dois autores noestudo das desigualdades escolares, como metáfora para falar dasvantagens culturais e sociais que indivíduos ou famílias possuemeque,geralmente, os conduzem a um nível socioeconômico mais elevado. Aproblemáticaque levaestesdoisestudiososaumaconcepçãoampliadado conceito de capital repousa, fundamentalmente, sobre evidênciasempíricas que apontam as limitações do conceito de capital econômicopara explicar plenamente a ligação entre nível socioeconômico e bonsresultados educacionais, o que os faz considerar que outras formasde capital, o social e o cultural, além de interagirem com o capitaleconômico, contribuem diretamente para fortalecer esta relação.Embora desenvolvam o conceito de capital em bases teóricas distintas,estes sociólogos compartilham concepções similares, particularmenteno que se refere ao conceito de capital econômico.

Bourdieu (1989) vê o espaço social como um campo delutas onde os agentes elaboram estratégias que permitem manterou melhorar sua posição social. O capital econômico, sob a formade diferentes fatores de produção (terras, fábricas, trabalho) e doconjunto de bens econômicos (dinheiro, patrimônio, bens materiais),permite que indivíduos e grupos elaborem estratégias para manter oumelhorar sua posição social.

Por sua vez, Coleman (1988) define o capital econômicotanto como renda e riqueza material como em termos dos bens eserviços a que ele dá acesso. Este autor vê o capital econômicocomo uma parte importante da relação que une a origem familiar àsdiferentes posições socioeconômicas.

Quanto ao conceito de capital social, Bourdieu (2001a)diz que ele está associado aos benefícios mediados pelas redes

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extrafamiliares e às lutas concorrenciais entre indivíduos ou gruposno interior de diferentes campos sociais. As ligações estabelecidasentre os indivíduos de um mesmo grupo não são somente advindasdo compartilhamento de relações objetivas e de espaço econômico esocial, mas também fundadas em trocas materiais e simbólicas.

Coleman (1988) define o conceito de capital social pela suafunção, argumentando que este tipo de capital não é um atributo dosindivíduos, mas um aspecto dependente do contexto e da estruturasocial, ou seja, inerente à estrutura das relações entre dois ou váriosatores. Isto quer dizer que o capital social não está alojado nemnos próprios atores, nem nos instrumentos físicos de produção: sóacontece nas relações entre as pessoas e por meio de trocas quefacilitam a ação de indivíduos ou grupos.

Em síntese, enquanto Bourdieu enfatiza os conflitos e as lutasconcorrenciais entre indivíduos e grupos pelos diferentes espaços depoder,Colemandestacaosmeiospelosquaisosdiferentesgrupossociaistrabalham em conjunto e as relações de reciprocidade e de confiançaentre seus membros. Provavelmente, as diferenças existentes entreestas duas perspectivas contêm, de maneira implícita, parte das razõesque tanto levam Bourdieu a relativizar o papel da família na mobilizaçãode capital social como levam Coleman a enfatizar as relações internasà família como uma das principais fontes de mobilização deste tipo decapital.

Enredado na malha familiar está o conceito de capital culturalde Bourdieu (2001b). No seu entendimento, o capital cultural podeexistir sob três estados: incorporado, objetivado e institucionalizado.O capital cultural no seu estado incorporado constitui o componentedo contexto familiar que atua de forma mais marcante na definiçãodo futuro escolar da prole, uma vez que as referências culturais, osconhecimentos considerados apropriados e legítimos e o domíniomaior ou menor da língua culta trazida de casa (herança familiar)facilitam o aprendizado dos conteúdos e dos códigos escolares.

No estado objetivado, o capital cultural existe sob a forma debens culturais, tais como esculturas, pinturas, livros etc. Para possuir

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os bens culturais na sua materialidade, é necessário ter simplesmentecapital econômico, o que se evidencia na compra de livros, porexemplo. Todavia, para se apropriar simbolicamente destes bens, énecessário possuir os instrumentos de tal apropriação e os códigosnecessários para decifrá-los, ou seja, é necessário possuir capitalcultural no estado incorporado.

Por último, o capital cultural institucionalizado ocorrebasicamente sob a forma de títulos escolares. O grau de investimentona carreira escolar está vinculado ao retorno provável que se podeobter com o título escolar, notadamente no mercado de trabalho. Adefinição de Bourdieu de capital cultural institucionalizado guardacomunalidades com a definição de capital humano de Coleman. Esteúltimo considera que o capital humano é medido aproximadamentepelo nível de instrução das pessoas. No caso das famílias, o capitalhumano é potencialmente importante para proporcionar um ambientecognitivo propício à aprendizagem escolar da criança.

NOTAS METODOLÓGICAS

Questões, Hipóteses, Dados, Abordagem Analítica eMedidas Utilizadas

As questões associadas às chances de acesso dos jovens amuseus ou instituições culturais afins e às relações existentes entre oscapitais econômico, social e cultural e o número de museus visitadospelas escolas municipais e particulares do município do Rio deJaneiro, apóiam-se nas hipóteses, do ponto de vista escolar, de queo capital social com o qual os jovens podem contar para interagir comos museus inclui ações de professores e escolas e a possibilidade deprofessores e escolas contribuírem para o estoque de capitais social ecultural que viabiliza o acesso dos jovens às instituições museológicasé mediada por aspectos das políticas culturais e educacionais que

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contribuem para aproximar ou afastar as escolas e seus estudantesdos equipamentos culturais.

Osdadosutilizados6são referentesaumquestionário contextualauto-administrado, aplicado aos jovens, aos profissionais das escolasenvolvidos com a organização de visitas a museus e aos diretoresdas unidades escolares. Acessados via escola, foram escolhidos osjovens do 9° ano (antiga oitava série) do ensino fundamental, porquecorresponde ao fechamento de um ciclo. Eles foram selecionadosa partir de uma amostra de escolas urbanas situadas no municípiodo Rio de Janeiro. O plano amostral foi baseado em amostragemprobabilística complexa, envolvendo estratos, conglomerados e pesosamostrais.Aamostra final foi composta por 48 escolas (25 municipais e23 particulares), 80 turmas e 2.298 alunos. No contato comas unidadesescolares, foram identificados os profissionais diretamente envolvidoscom a organização de visita (81 professores e/ou coordenadorespedagógicos responderam ao questionário). No tocante aos diretores(48), três não responderam a ele.

No questionário dos jovens foram priorizadas as questõesque solicitavam o nome dos museus visitados ao longo da vida, as decaráter sociodemográfico e, fundamentalmente, as que se baseiam emtrocas materiais e simbólicas (capitais econômico, social e cultural). Noquestionáriodoprofissional forampriorizadasasquestõesquesolicitavamo nome dos museus visitados nos últimos 12 meses (referentes ao anode 2003), considerando todas as turmas que os visitaram, não só as de 9ºano e, fundamentalmente, as que priorizam os capitais social e cultural.A abordagem analítica engloba a discussão da estatística descritiva, ouseja, as análises bivariadas.

No questionário do aluno, foram selecionadas as seguintesvariáveis:

1) Variável dependente: (a que se quer explicar)► Número de museus visitados: indica o número de museus

6 Fonte: Puc-Rio – Pesquisa Cultura, Museus, Jovens e Escolas: quais asrelações?, 2004.

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visitados pelos alunos ao longo da vida.Indagou-se ao aluno, se havia visitado, em algum momento de

sua vida, museus ou instituições culturais afins. Depois, seguia-se umencadeamento de questões cujo propósito era verificar se lembravao nome dos locais visitados ou algo relacionado a eles. Foi solicitadoque nomeasse o museu que mais gostou, um outro além deste e, porfim, caso tivesse visitado mais um ou mais dois ou vários outros, onome de cada um deles. Deste modo, foi possível obter a nomeaçãode oito instituições museológicas visitadas ao longo da vida. Aspectoscomo período, número e contexto da visita estavam condicionados àsduas primeiras questões.

No que diz respeito à variável dependente, foram consideradascomo instituição cultural afim a museu, espaços como jardim botânico,reserva florestal, zoológico e planetário, que já são contemplados peladefinição de museu presente nos estatutos do Comitê Brasileiro do ComitêInternacional de Museus (ICOM, na sigla em inglês). Além disto, ampliou-se esse entendimento para outros espaços culturais, como centro cultural,teatro municipal, biblioteca nacional, entre outros.

Pelo fato de os jovens mencionarem que visitam jardimbotânico e zoológico com a família, não somente com a escola -visita agendada com objetivos educacional-pedagógico e cultural -,optou-se por dividir os museus visitados pelos alunos ao longo davida em dois grupos: amplo e restrito. O amplo engloba os museusde qualquer temática, incluindo jardim botânico e zoológico. O restritoengloba todos, com exceção desses dois últimos espaços. Tal divisãopossibilitou uma análise mais precisa do acesso às instituiçõesmuseológicas, visto que locais como jardim botânico e zoológico sãoatrativos e assumem, dependendo do contexto, um caráter de práticade lazer e entretenimento.

2) Variáveis explicativas:► Dependência administrativa: indica a rede municipal e

privada.► Assiste televisão (programas sobre assuntos científicos):

indica se o aluno assiste a programas relacionados a este assunto.

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► Leitura de jornais (matérias sobre assuntos científicos):indica se o aluno lê matérias relacionadas a este assunto.

►Usa a internet (saber mais sobre assuntos científicos): indicase o aluno busca informações relacionadas a este assunto.

Indagou-se aos estudantes sobre a freqüência com que,nos últimos 12 meses, assistiram na televisão a programas e/oureportagens sobre temas relacionados à ciência; leram nos jornaismatérias sobre assuntos científicos e usaram a Internet para sabermais sobre esta temática (para este texto foram eleitos esses meiosde acesso à informação científica).

Foram selecionados para a análise bivariada os seguintesindicadores oriundos do questionário do profissional da escolaenvolvido com a organização de visita:

1) Variável dependente: (a que se quer explicar)► Número de museus visitados: indica o número de museus

visitados pela escola nos últimos 12 meses.Apresentou-se aos profissionais envolvidos com a organização

de visita uma relação com o nome de 18 museus situados nomunicípio do Rio de Janeiro. Com base nesta lista, solicitou-se queinformasse que locais a escola visitou, nos últimos 12 meses, levandoem conta todas as turmas que os visitaram, e não apenas as do 9ºano. Na seqüência, um item pedia que nomeassem outras instituiçõesmuseológicas visitadas não constantes da relação apresentada.

2) Variáveis explicativas:► Nível socioeconômico da escola: medida do nível

socioeconômico médio dos alunos da escola.Primeiramente, três indicadores de posição socioeconômica e

cultural foram construídos: escolaridade familiar, evidência de riquezafamiliar e disponibilidade de recursos educacionais/culturais familiar.Em um segundo momento, estes três indicadores foram agregadosem um único índice, resultando no NSE.

► Disponibilidade de recursos educacionais/culturais escolar:medida da existência e/ou disponibilidade de determinados recursoseducacionais/culturais na escola.

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Indagou-se aos profissionais sobre a disponibilidade no localdos recursos educacionais/culturais: jornais, revistas de informaçãogeral, revistas de divulgação científica, televisão, videocassete ouDVD, vídeos educativos, aparelho de som, retroprojetor, projetormultimídia, computador, software educativos e acesso à Internet. Adisponibilidade foi medida a partir de duas categorias de resposta: sime não.

► Prática cultural dos profissionais da escola: medida daprática cultural nos últimos 12 meses.

Perguntou-se também sobre a freqüência com que nos últimos12 meses foram: a cinema, teatro, ópera ou concerto de músicaclássica, balé ou espetáculo de dança, show de música e livraria. Afreqüência foi medida a partir de quatro categorias de resposta: não,uma a duas vezes, três a quatro vezes e mais de quatro vezes.

As visitas e os museus frequentados pelos alunosOs museus visitados pelos alunos ao longo da vida foram

classificados de acordo com: temática e localização geográfica. Noque diz respeito aos resultados oriundos da relação entre a variávelexplicativa rede e a variável dependente, número de museus visitados(qualquer temática restrito), observou-se que o percentual de alunosdas escolas particulares que não visitaram museus (15%) é menordo que o das escolas municipais (31%). Constatou-se, ainda, que osestudantes da rede privada visitaram uma quantidademaior demuseus(número médio = 2.23), em comparação com os da rede municipal(número médio = 1.35). Observam-se estes dados na Tabela 1 abaixo.

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Tabela 1: Distribuição percentual dos alunos segundoo número de museus visitados ao longo da vida, por rede deensino (%)

Rede

Privada Municipal

Número de museus visitados(qualquer temática restrito)

Não visitou 15 31Visitou 1 25 32Visitou 2 22 20Visitou 3 15 9Visitou 4 12 5Visitou 5 7 2Visitou 6 3 1Visitou 7 1 -Visitou 8 - -

Total 100 100

Fonte: Puc-Rio – Pesquisa Ciência, Cultura, Museus, Jovens e Escolas: quais as relações?,2004

Os resultados, considerando o número e as distintas temáticasdos museus visitados ao longo da vida por rede de ensino, estãoexpressos na Tabela 2 abaixo.

Tabela 2: Distribuição percentual dos alunos segundo asdistintas temáticas dos museus visitados ao longo da vida, porrede de ensino (%)

RedePrivada Municipal

Número de museus visitados(Ciência & Tecnologia restrito)

Não visitou 58 62Visitou 1 34 30Visitou 2 7 7Visitou 3 1 1

Total 100 100

Número de museus visitados(História)

Não visitou 54 76Visitou 1 31 18Visitou 2 10 5Visitou 3 4 1Visitou 4 1 -

Total 100 100

Continua na página seguinte.

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Continuação da Tabela 2.

Rede

Privada Privada

Número de museus visitados(Arte)

Não visitou 64 81Visitou 1 27 16Visitou 2 7 2Visitou 3 2 1

Total 100 100

Número de museus visitados(Centro Cultural)

Não visitou 70 88Visitou 1 23 11Visitou 2 6 1Visitou 3 1 -

Total 100 100

Número de museus visitados(Militares)

Não visitou 84 79Visitou 1 14 19Visitou 2 2 2

Total 100 100

Fonte: Puc-Rio – Pesquisa Ciência, Cultura, Museus, Jovens e Escolas: quais as relações?,2004

Verificou-se que os museus de ciência e tecnologia foram osmais visitados pelos alunos, em comparação com as instituições deoutras temáticas. No tocante à variável, número de museus visitados(C&T restrito) – não engloba jardim botânico e zoológico -, o percentualde alunos das escolas particulares que não visitaram (58%) é menordo que o das escolas municipais (62%). O número médio de museusvisitados apresenta uma diferença muito pequena 0.52 versus 0.46,respectivamente.

Em relação à variável, número de museus visitados (história),54% dos alunos da rede privada e 76% dos da rede municipal nãoforam a estes locais (número médio de museus visitados = 0.68versus 0.31, respectivamente). Para a variável, número de museusvisitados (arte), os resultados encontrados indicam que 64% dosalunos da rede privada e 81% dos da rede municipal não foram a estetipo de museu (número médio de museus visitados = 0.48 versus 0.21,respectivamente). No que diz respeito à variável, número de museusvisitados (centros culturais), 70%dos alunos da rede privada e 88%dosda rede municipal não foram a estes locais (número médio de centrosculturais visitados = 0.39 versus 0.14, respectivamente). O caso dos

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museus militares é o único em que o percentual de estudantes dasescolas particulares que não visitaram é maior do que o encontradopara as unidades municipais: 84% e 79%, respectivamente (númeromédio de museus visitados = 0.23 versus 0.17).

No tocante à variável, número de museus visitados (municípiodo Rio de Janeiro) apurou-se que apenas 7% dos alunos da redeprivada e 16% dos da rede municipal não foram a museus localizadosnesta região. Considerando a variável, número de museus visitados(fora do município do Rio de Janeiro) – museus localizados emoutros municípios do estado do Rio ou em outros estados brasileiros–, o percentual de alunos das escolas particulares que não visitaram(65%) continua menor do que o das escolas municipais (88%). Comoo esperado, somente os alunos das escolas particulares visitarammuseus localizados no exterior (4%).

A seguir, são apresentados e discutidos os resultados darelação entre contexto da visita (com quem visitou) e rede de ensino(Tabela 3). Sabe-se, com base na literatura específica, que jovensestudantes, em geral, chegam aos museus por meio da família e daescola. Por conta disto e dos baixos percentuais encontrados para asoutras situações de visita (sozinho, com amigos, com outras pessoas),optou-se por comentar a distribuição relativa aos dois primeiroscontextos.

Tabela 3: Distribuição percentual dos alunos segundo ocontexto da visita aomuseu quemais gostou, por rede de ensino (%)

RedePrivada Municipal

Contexto da visita(com quem visitou o

museu que mais gostou)

Apenas com família 42 27

Apenas com a escola 25 41

Apenas com amigos ou sozinho 5 7

Apenas com outras pessoas 1 3

Com a família e com a escola 12 8Com a família e com amigos ousozinho 6 3

Outras combinações 9 11

Total 100 100Fonte: Puc-Rio – Pesquisa Ciência, Cultura, Museus, Jovens e Escolas: quais as relações?,2004

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Observou-se que o percentual de alunos da rede privada quevisitaram o museu de que mais gostaram apenas com a família (42%)é maior do que o encontrado para a rede municipal (27%). Ocorre umainversão quando o contexto da visita muda para apenas com a escola:41% da rede municipal versus 25% da rede privada. Estes achadosdão pistas para explicar as diferenças encontradas entre o númeromédio de museus visitados pelos alunos e o número médio de museusvisitados pelas escolas.

Famílias e escolas têm um papel relevante na constituiçãode um “gosto” e de um “habitus” de visita a museus ou instituiçõesculturais afins. Ou seja, é um trabalho de inculcação e de assimilaçãoque exige investimentos de longa duração e que pode perfeitamenteser desempenhado por esses contextos, uma vez que a maioria dosjovens ainda passa grande parte de seu tempo no convívio com afamília e com a escola. Com base nos resultados encontrados, pode-se dizer que, para os alunos pertencentes à rede municipal, a escolaé um contexto muito importante, não só para promover o acesso, maspara garantir um número maior de museus visitados. Para os alunosda rede privada, a família atua de forma mais marcante, garantindo oacesso e a quantidade de instituições culturais visitadas.

A relação entre as diferentes formas de acesso à informaçãocientífica utilizadas pelos alunos e a variável dependente número demuseus visitados (qualquer temática restrito) está expressa na Tabela4 abaixo. Em função da distribuição encontrada, selecionou-se ummeio audiovisual (televisão: 94%), um meio impresso (jornal: 83%) e aInternet (meio que faz uso de recursos audiovisual e impresso: 51%).

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Tabela 4: Distribuição percentual dos alunos que visitarammuseus ao longo da vida, segundo os diferentes meios de acessoà informação científica (%)

Assiste TV (programas/temascientíficos)

Não Sim

Número de museus visitados(qualquer temática restrito)

Não visitou 32 21

Visitou 1 33 28

Visitou 2 21 21

Visitou 3 7 13

Visitou 4 7 9

Visitou mais de 4 - 8

Total 100 100

Leitura de jornal (matérias/temascientíficos)

Não Sim

Número de museus visitados(qualquer temática restrito)

Não visitou 34 19Visitou 1 30 27Visitou 2 18 22Visitou 3 8 13Visitou 4 6 10Visitou mais de 4 4 9

Total 100 100Usa a Internet (saber mais/temas

científicos)Não Sim

Número de museus visitados(qualquer temática restrito)

Não visitou 29 15Visitou 1 32 23Visitou 2 19 24Visitou 3 10 14Visitou 4 6 12Visitou mais de 4 4 12

Total 100 100

Fonte: Puc-Rio – Pesquisa Ciência, Cultura, Museus, Jovens e Escolas: quais as relações?,2004

Essa tabelamostraqueopercentual denão-visitaentreosalunosque não assistem na televisão a programas e/ou reportagens sobretemas relacionados à ciência é maior do que entre os que assistem:32% e 21%, respectivamente. Verificamos ainda que os estudantes quetêm esta prática visitaram uma quantidade de museus um pouco maior,em comparação com os que não têm: 1.88 (número médio de museusvisitados) versus 1.26, respectivamente. O mesmo ocorre em relação à

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leitura de jornais, ou seja, o percentual de não-visita entre os que nãolêem nos jornais matérias sobre assuntos científicos é maior do queentre os que lêem: 34% e 19%, respectivamente. Observamos aindaque os estudantes que têm esta prática visitaram uma quantidade demuseus um pouco maior, em comparação com os que não têm: 1.95(número médio de museus visitados) versus 1.33, respectivamente.No caso de o uso da Internet, o percentual de não-visita entre os quenão usam a rede para saber mais sobre essa temática é maior do queentre os que usam: 29% e 15%, respectivamente. Constatamos aindaque os estudantes que têm esta prática visitaram uma quantidade demuseus maior, em comparação com os que não têm: 2.23 (númeromédio de museus visitados) versus 1.43, respectivamente. Em síntese,os resultados evidenciam que o uso destes distintos meios para aaquisição de informação científica parece ter um efeito positivo nonúmero de museus visitados.

A PROMOÇÃO DO ACESSO A MUSEUS A PARTIR DOS DADOSDO CONTEXTO ESCOLAR

Os principais resultados relativos ao padrão de acesso e aonúmero de museus visitados, em função da rede de ensino, do nívelsocioeconômico, da disponibilidade escolar de recursos educacionais/culturais e da prática cultural dos profissionais da escola são agoraapresentados e discutidos.

Número de museus visitados e o nível socioeconômico dentrode cada rede de ensino

A recente pesquisa do Programa Internacional de Avaliação deEstudantes (PISA), em 2000, coordenado pela Organização para aCooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), abrangendo32 países participantes, comprovou que o Brasil apresenta um dosmais altos índices de correlação entre o nível socioeconômico médiodos alunos e a presença de recursos escolares relevantes para oaprendizado. Estes resultados têm sido confirmados em estudos,envolvendo os dados coletados, em 2001, pelo Sistema Nacional

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de Avaliação da Educação Básica (SAEB) que mostram que o nívelsocioeconômico é uma variável definidora da segmentação do sistemade ensino e que a alocação dos alunos nas escolas não é aleatória.

Os achados oriundos da relação entre o número de museusvisitados (qualquer temática restrito) e o nível socioeconômico dentroda rede municipal e privada estão em consonância com as pesquisasmencionadas anteriormente. Existe uma forte relação entre nívelsocioeconômico e rede de ensino. Há uma grande concentração deescolas municipais abaixo da média (nível socioeconômico baixo),enquanto a maioria das particulares está acima da média (nívelsocioeconômico alto). Além disto, considerando o nível socioeconômicodentro de cada rede, apurou-se que, dentro da rede municipal, ovalor do nível socioeconômico alto é menor do que o valor do nívelsocioeconômico baixo da maioria das escolas da rede privada.

A despeito desse fato, o número médio de museus visitadospelas escolas municipais de nível socioeconômico baixo (5.17) e alto(4.92) é maior do que o número médio das escolas particulares denível socioeconômico baixo (3.27). Tem destaque o número médio demuseus visitados pelas escolas particulares de nível socioeconômicoalto (8.00).

Em síntese, observando exclusivamente a rede municipal,fica evidente que a prática de visita a museus ocorre tanto nasunidades escolares de nível socioeconômico baixo como nas de nívelsocioeconômico alto. Os alunos pertencentes a ambas têm acessogarantido a este tipo de espaço cultural. Já na rede privada, estaprática assume traços distintos: o acesso, bem como o número demuseus visitados para os alunos pertencentes às escolas de nívelsocioeconômico baixo, é bem menor.

No que diz respeito à prática de visita a museus, pode-seconcluir que as escolas municipais têm um papel equalizador. Emoutras palavras, promovem eqüidade, uma vez que o número médiode instituições museológicas visitadas pelas escolas municipais, comnível socioeconômico baixo ou alto, é maior do que o número médiodas escolas particulares de nível socioeconômico baixo. No que se

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refere ao acesso a museus, não pesa tanto para os alunos pertencerà rede municipal. Mas a situação é bem diferente quando deslocamoso foco para o desempenho escolar.

Com base nos dados relativos ao desempenho médio emmatemática dos alunos do 9º ano do ensino fundamental, pertencentesàs escolas municipais e particulares do município do Rio de Janeiroque participaram do SAEB no ano de 2001, verifica-se que, nasescolas municipais de nível socioeconômico baixo (239 pontos) e denível socioeconômico alto (257 pontos), o valor do desempenho médioem matemática está abaixo da média (280 pontos) e é menor do que odas escolas particulares de nível socioeconômico baixo (287 pontos) ealto (316 pontos), ambas acima da média. Neste caso, ao contrário doque se observou em relação à promoção do acesso a museus, é maisvantajoso para os alunos estudar em escolas da rede privada de nívelsocioeconômico baixo do que pertencer à rede municipal.

NÚMERO DE MUSEUS VISITADOS E A DISPONIBILIDADE DERECURSOS EDUCACIONAIS/CULTURAIS

Os achados encontrados indicam que a maioria das escolasmunicipais possui baixa disponibilidade desse tipo de recurso (háuma concentração em torno da média e um grupo pequeno que seequipara às unidades da rede privada), enquanto, nas particulares,esta disponibilidade é alta.

Para verificar se a disponibilidade de recursos educacionais/culturais tem associação com o número de museus visitados, foicalculada a correlação entre a variável dependente, número demuseusvisitados (qualquer temática restrito) e a explicativa, disponibilidade derecursos educacionais/culturais escolar. Considerando apenas a redemunicipal, observou-se que a correlação é nula, ou seja, não existeassociação entre estas variáveis. Já na rede privada, a correlaçãofoi evidente: existe uma associação, isto é, escolas que têm altadisponibilidade de recursos educacionais/culturais visitam um númeromaior de museus.

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Esses resultados expressam o fato de que o fomento para oacesso a museus é uma política geral da rede municipal, reafirmandoque ações, mobilização, investimentos e trocas que são estabelecidaspara instituir a prática de visita estão associados às unidades escolares.

NÚMERO DE MUSEUS VISITADOS E A PRÁTICA CULTURAL DOSPROFISSIONAIS DA ESCOLA

Os achados encontrados indicam que a maioria das escolasmunicipais possui profissionais com prática cultural abaixo da média(há uma concentração em torno da média e um grupo pequeno quese equipara às unidades da rede privada). Já a maioria das escolasparticulares possui profissionais com alta prática cultural.

Para verificar se a prática cultural dos profissionais da escolatem associação com o número de museus visitados, foi calculada acorrelação entre a variável dependente, número de museus visitados(qualquer temática restrito) e a explicativa, prática cultural dosprofissionais. Considerando apenas a rede municipal, observou-seque a correlação é nula, ou seja, não existe associação entre estasvariáveis. Já na rede privada, a correlação foi evidente: existe umaassociação, isto é, escolas cujos profissionais têm alta prática culturalvisitam um número maior de museus.

Esses resultados, semelhantes àqueles que foram encontradospara o indicador disponibilidade de recursos educacionais/culturais,reafirmam que o fomento para o acesso a museus é uma política geralda rede municipal e está associada à escola.

COMENTÁRIOS FINAIS

Os contrastes socioeconômicos da sociedade brasileiratambém se manifestam na desigualdade do acesso a bens, produtos,serviços, informações, meios de produção e espaços públicos decultura. Uma das primeiras conclusões que se destacam é que osjovens brasileiros residentes no município do Rio de Janeiro visitam

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museus e têm acesso a eles por meio de suas famílias ou da escola naqual estudam. Do ponto de vista do contexto escolar, as desigualdadesrelacionadas à prática de visita se manifestam, notadamente, quandoconsiderada a variável rede de ensino.

As escolas municipais visitam museus mais freqüentementedo que as escolas particulares que possuem nível socioeconômicoinferior ao nível socioeconômico médio da rede privada, ainda que onível socioeconômico dessas escolas seja maior que o das escolasda rede municipal. Além disso, o quantitativo dos jovens das unidadesmunicipais que afirmaram ter visitado o museu de que mais gostaramapenas com a escola é bem maior do que o das unidades particulares.Conclui-se, portanto, que o capital social baseado na escola – ações,mobilizações, investimentos, trocas – contribui para o alargamento daexperiência cultural dos jovens em geral e dos jovens pertencentesàs escolas públicas em particular. Em outras palavras, as escolasmunicipais possuem um papel ativo e equalizador, particularmenterelevante para os jovens cujas famílias têm menor volume de capitalcultural.

Os resultados, especialmente o relativo ao fomento queaescolaconcede às visitas a instituições museológicas, reforçam a relevânciade uma política mais ativa e mais efetiva de aprimoramento dosacervos, da preservação de coleções e dos programas educacionaisde museus. Esse tipo de política certamente potencializa a promoçãode eqüidade cultural, uma vez que as instituições escolares facilitam aaproximação dos jovens com osmuseus, considerados pela sociedadecomo uma das mais importantes expressões da cultura cultivada.

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PROFESSORES EM ESPAÇOS NÃO-FORMAIS DE EDUCAÇÃO: ACESSO AOCONHECIMENTO CIENTÍFICO E FORMAÇÃOCONTINUADADaniela Franco Carvalho JacobucciUniversidade Federal de Uberlândia

Tarde quente, abafada. No saguão do museu vitrines,animais taxidermizados, pôsteres e avisos diversos. Nãomexa nos ninhos. Cuidado com o vidro. Não toque nolobo guará. Ao longe um burburinho. Passos apressados,risadas e pequenos gritos. Espio pela porta principal evejo a professora dando ordens à criançada. Dedo empunho. Olhem lá, hein, o que combinamos. Não mexamem nada. Não falem nada também. Do meu canto, riosozinha. Cerca de 50 meninos e meninas com idadesde 7 a 8 anos, uniforme da escola municipal, sacolinhascom guloseimas, suor escorrendo pelo rosto. Monitoresaguardando a postos. Turmas divididas. Metade paraa trilha, metade para o museu. Todos em fila. Schiu!Obedece o moço!

Presenciei essa cena em um museu de ciências e váriassituações similares em outros museus, zoológicos, aquários. A visitaescolar a um espaço não-formal de Educação engloba elementoscomuns, tanto aqui no Brasil como no exterior, centrados no professor,nos alunos e nos monitores, quando o espaço fornece esse tipo deserviço. Professores preocupados em orientar seus alunos sobrecomo se comportarem. Alunos eufóricos. Monitores que conduzem avisita sem interferência do professor.

Nos últimos anos tenho procurado conversar com professoresem atividades de formação continuada, licenciandos e pedagogosem formação inicial sobre os ambientes não-escolares, por meiode palestras e encontros. Provavelmente pelo aumento do número

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de museus de ciências, decorrente do investimento governamentalpara a popularização da Ciência e Tecnologia no país, valorizaçãopela mídia das atividades realizadas nesses espaços e incentivodurante a formação inicial para que o futuro professor atue tambémnesses locais, cada vez mais tenho tido oportunidades de discutircom professores o significado da visita escolar a um local diferente daescola e o comportamento dos mesmos antes, durante e após a visita.

Algumas falas e atitudes são tão freqüentes que já as utilizocomo exemplos durante minha apresentação nesses encontros. Contosobre o dia num zoológico em que vi a professora com uma turminha daEducação Infantil toda amarrada, criança por criança, com cordinhasque envolviam a cintura e as mãos. Falo sobre o menino de uns 9 anosque queria ver o tamanduá bandeira nummuseu mas estava chorandopor que a professora o puxou para outro canto e disse em tom bemríspido que era para ele ver o que ela tinha mandado. Recordo damenina em um museu de ciências que de dentro de uma casinha quesimula um terremoto anotava tremulamente em sua prancheta por queaquilo poderia “cair na prova”. Esses eventos são sempre justificados.Medo de perder as crianças. Observação da exposição que temrelação com o conteúdo curricular. Cobrança na avaliação por que avisita nunca pode ser um passeio.

Por que não? Busco argumentar com os professores emformação inicial e os professores em exercício como as ações frenteaos alunos, seja durante o planejamento da visita ou durante amesma, podem ter conseqüências desastrosas para eles. Lembro queem um país como o nosso, muitas vezes a visita escolar a um espaçonão-formal de Educação será a única oportunidade de conhecer umlocal desse porte para a maioria dos alunos. Então, ela sempre serásignificativa, seja no formato de um passeio ou como uma aula fora daescola. A partir disso, discuto com os professores a relação históricado ensino de ciências no Brasil com a implementação dos museusde ciências, a formação do professor e a divulgação científica nosespaços não-formais de Educação.

A seguir, tomarei o mesmo rumo, apresentando reflexões

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sobre as relações dos professores com os ambientes não-escolares.Com a intenção de ampliar horizontes sobre essas relações, buscareiarticular o acesso ao conhecimento científico pelo professor e suaação educativa em sala de aula.

ESPAÇOS DESCONHECIDOS

Em uma de minhas conversas com pedagogos em formaçãoinicial, um dos presentes colocou que acreditava que a postura dosprofessores em um ambiente não-escolar é conseqüência daquiloque ele já vivenciou, pois se um professor não está acostumado afreqüentar um museu, não se sente seguro em orientar seus alunossobre o conteúdo ali exposto e não consegue ir além de cercear aconduta dos meninos.

Esse é um fato. Embora estejamos vivenciando uma épocade aporte de recursos para o fomento da divulgação científica, pormeio de apoio a projetos e realização das olimpíadas de ciências eda Semana de Ciência e Tecnologia (ACADEMIA BRASILEIRA DECIÊNCIAS, 2007), o acesso aos espaços não-formais de Educaçãoainda é restrito. Apesar do crescimento expressivo dos últimos anos,um número muito pequeno de brasileiros, cerca de 1% da população,visita algum centro ou museu de ciências a cada ano, sendo que emalguns países europeus a visitação a museus chega a atingir 25% dapopulação (MOREIRA, 2006).

Professores que residem em cidades afastadas dos grandescentros Rio de Janeiro-São Paulo, ou de capitais de outros Estados,quando conhecem algum museu, trata-se de um museu histórico demunicípios turísticos ou de ummuseu municipal. O mesmo ocorre comzoológicos e aquários. Os professores visitam os espaços locais edependem de incentivo de suas escolas e/ou prefeitura para realizaremuma viagem a outras localidades que possuem melhor estrutura dedivulgação científica. Como a referência do professor é o espaçoque freqüenta na cidade em que reside, ou nas proximidades, muitasvezes desconhece as atividades de vanguarda desenvolvidas por um

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espaço não-formal de Educação de última geração e as possibilidadesde inter-relação com a ação docente.

Os licenciandos e pedagogos em formação inicial, de formageral, também desconhecem um moderno zoológico, um aquáriointerativo ou um museu de ciências inovador, devido às inúmerasdificuldades que encontram para viajar ou à falta de informação sobrea existência desses locais no Brasil.

No Instituto de Biologia da Universidade Federal de Uberlândia,temos investido esforços para buscar compreender os motivos pelosquais os professores freqüentam os ambientes não-escolares dedifusão científico-cultural da cidade e as relações que estabelecemcom os mesmos quando os visitam com escolares (SANTANA, 2008;FARIA, 2008; SANTANA e NOGUEIRA-FERREIRA, 2009; SILVA,2009; SOLO, 2009).

Uberlândia é uma cidade situada na região do TriânguloMineiro, com aproximadamente 600 mil habitantes. Diferentemente deoutras cidades desse porte no Estado de Minas Gerais, e por não setratar de um município turístico, possui vários equipamentos científico-culturais mantidos pela Universidade Federal de Uberlândia, por meioda Rede de Museus, ou pela prefeitura municipal. Há o Museu deBiodiversidade do Cerrado, Museu do Índio, Museu Universitário deArte (MUnA), Museu de Minerais e Rochas, Museu da Diversão comCiência e Arte (DICA), Museu Municipal, Casa da Cultura, ZoológicoMunicipal, Aquário Municipal.

Uma das justificativas mais comuns dos professores para nãofreqüentarem os espaços científico-culturais da cidade é a ausênciade tempo durante a semana e a impossibilidade de acesso a esseslocais aos finais de semana. De fato, alguns desses espaços nãoficam abertos à visitação aos sábados e domingos, mas a maioriafunciona de terça a domingo, das 8:00 às 18:00 h. Assim é possívelinferir que o tempo disponível para visitar esses espaços é somenteum dos motivos que impedem o professor de freqüentar esse tipo delocal.

No exterior, os museus de ciências são percebidos como locais

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de entretenimento e de diversão familiar. Vários museus ficam abertospara visitação à noite com atividades sobre animais de hábito noturno,oferecem pacotes de férias para acampamento nas dependênciasdo museu, e até mesmo chegam a realizar eventos de formatura efestas de aniversário com temáticas científicas. Nepote (2007) afirmaque essas instituições concentram seu potencial pedagógico namanipulação direta da realidade por meio de módulos interativose estimulação das emoções, e assim recebem mais de 275milhões de pessoas a cada ano. No Brasil também há espaçoscom essas características, que chamam a atenção dos visitantes pelagrande estrutura e oferta de inúmeras atividades interativas para opúblico.

Não é raro encontrarmos professores “à paisana”, aos sábadose domingos, no Museu de Microbiologia do Instituto Butantã, noZoológico de São Paulo, na Estação Ciência da Universidade de SãoPaulo, no Aquário de Ubatuba, no Museu da Língua Portuguesa, noMuseu de Ciência e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica doRio Grande do Sul, no Museu da Vida da Fundação Oswaldo Cruz, eem tantos outros locais espalhados pelo país.

Osprofessores que visitamesses espaços aos finais de semanade forma independente, além de terem condições financeiras para tal,dispõem de conhecimento sobre o que provavelmente encontrarão lá,através da mídia, de familiares e amigos, dos próprios alunos. Sabemque vivenciarão experiências únicas.

Como o surgimento dos centros de ciências no Brasil estárelacionado diretamente com a Educação formal, a partir de projetosoficiais do Governo Federal voltados para a melhoria do ensino deciências na década de 1960 e a introdução do método experimentalnas escolas de 1º e 2º graus da época (GOUVEIA, 1992; FAHL,2003; FRACALANZA, 2006), muitos professores ainda relacionam ocentro ou museu de ciências a um local parecido com um laboratórioescolar, onde podiam praticar determinada metodologia de ensino ouconfeccionar material didático para aulas de ciências (FRACALANZAe MEGID NETO, 2003).

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Um estudo de caso realizado nos colégios Maristas daProvíncia Marista de São Paulo sobre o comportamento informacionaldos professores da Educação Básica na busca de informação paraa formação continuada constatou que os livros didáticos, de maneirageral, são as fontes mais usadas pelos professores estudados. Mesmoque os professores tenham estruturas adequadas para lecionar eapoio da escola para outras atividades, ainda continuam usando olivro intensamente como fonte de informação. Percebe-se o uso deoutras fontes, tais como revistas, jornais e a Internet, mas não comtanta intensidade quanto o livro didático (GASQUE e COSTA, 2003).

O desconhecimento de que um museu de ciências pode ofertaralgo diferente do laboratório da escola ou ir além das informaçõescontidas no livro didático fragiliza a possibilidade de visita do professora esses espaços. E esse desconhecimento está relacionado a comoo professor se conecta às informações disponíveis atualmente. Comose coloca no mundo.

Para Lastres (2000), a informação, o conhecimento e astecnologias de informação são elementos fundamentais da dinâmicada nova ordem mundial, notando-se sempre a absoluta relevância(além da crescente complexidade) dos conhecimentos científicos etecnológicosdesenvolvidoseutilizados.Oacessoataisconhecimentos,assim como a capacidade de apreendê-los, acumulá-los e usá-los évista como indicador do grau de competitividade e desenvolvimento denações, regiões, setores, empresas e indivíduos.

Paraaeducaçãodequalquercidadãonomundocontemporâneo,é fundamental que ele tanto possua noção, no que concerne à Ciênciae Tecnologia (CT), de seus principais resultados, de seus métodos eusos, quanto de seus riscos e limitações e também dos interessese determinações (econômicas, políticas, militares, culturais etc.) quepresidem seus processos e aplicações (MOREIRA, 2006).

Ao freqüentar museus de ciências, zoológicos, aquários, jardinsbotânicos, planetários, parques ecológicos, o professor tem acessoao conhecimento científico atualizado, pois nesses locais há equipestécnicas especializadas na divulgação científica e na comunicação

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pública da Ciência, que planejam e executam as exposições naintencionalidade de mostrar ao público em geral o que há de novidadeem determinadas temáticas científicas e como o conhecimentocientífico sobre essas temáticas foi construído. Lançam mão deatividades lúdicas e interativas, imagens e sons que atraem a atençãodo visitante para o conteúdo em exibição (FALK, 1997; ALLEN, 2004;LINDEMANN-MATTHIES e KAMER, 2006).

Quanto mais um professor freqüentar espaços não-formais deEducação, mais relações poderá estabelecer entre esses espaços eos conteúdos científicos divulgados, uma vez que as característicasdas mostras de divulgação científica englobam elementos similaresna maioria dos ambientes não-escolares, como acervo biológico vivoou acervo preservado, uso ou não de atividades interativas, utilizaçãode recursos multimídia, dramatizações, jogos didáticos e monitoria(JACOBUCCI e JACOBUCCI, 2008). Com visitas freqüentes a essesespaços, o professor poderá notar os elementos comuns e perceberque há, por traz da exposição, pessoas que organizam e mantém amostra em função daquilo que acreditam ser o mais interessante,e financeiramente possível, para a divulgação ao público em geral.Ao freqüentar esses espaços, o professor também se deparará comas cenas descritas no início desse texto, com outros professores seaventurando pelos ambientes não-escolares com seus alunos.

AautoraAdrianaAlmeida, em artigo publicado em 1997, apontasituações muito comuns ainda hoje em dia de serem observadas emvisitas escolares a museus. Atitude passiva do professor durante avisita, sem estabelecer vínculos entre os conteúdos tratados nomuseu e os trabalhados em sala de aula, alunos livres no passeio,poucos professores consultam a bibliografia sugerida pelo museuem orientação prévia à visita, e preparação da visita genérica edisciplinadora no sentido de “como se comportar nomuseu” (ALMEIDA,1997). Essas atitudes estão sendo relacionadas por alguns autores(COSTA, 2005; ESHACH, 2007; TAL e MORAG, 2007; TRAN, 2008;KELLY, 2009) à oferta de visita monitorada aos espaços não-formais,sejam museus, zoológicos ou aquários.

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Amonitoria é um aspecto importante nos núcleos de divulgaçãocientífica e representa uma estratégia complementar de mediaçãocom o público, no entanto, pouquíssimos estudos abordam a relaçãoentre monitores, professores e público visitante. Uma pesquisa recentesobre educação em museus investigou visitas escolares monitoradasa museus de história natural. A análise revelou que a minoria dosprofessores se envolve nas atividades, seja de forma a ajudar omonitora esclarecer aspectos da exposição ou em ajudar os estudantes acompreender as explanações do monitor (TAL e MORAG, 2007).

Na visão de Costa (2005), quando se trata de visitasescolares, os monitores devem interagir com os professores,não com os alunos. Assim como o livro didático, em uma visitacom propósitos definidos, como estudar ótica, por exemplo, osmonitores devem ajudar o professor a preparar e executar avisita. Sem dúvida, os monitores constituem um grande apoioa todo o grupo de estudantes envolvidos nas atividades, mas opapel principal pertence ao professor.

Entre a visita ideal de um professor e seus alunos a um espaçonão-formal de Educação, planejada, articulada com os conteúdoscurriculares, com percurso livre, sem cobranças avaliativas imediatas,ea visita real, há umasérie de circunstâncias passíveis de investigação.Por que o professor se interessa em sair de sua sala de aula e levarseus alunos para umespaço não-formal deEducação?Comoescolhe oespaço?Há indicações na escola ou facilidades que o levam a escolherum determinado espaço? O professor opta por espaços que conhece?O professor procura informações sobre o espaço a ser visitado? Oprofessor planeja a visita com antecedência? Informa os alunos sobreos motivos da visita? O professor vai, previamente à visita, conversarcom a equipe técnica do espaço? Busca o espaço pela possibilidadede monitoria? Interage com o monitor? Prepara atividades a seremrealizadas pelos alunos durante a visita? Questiona seus alunos sobreos conteúdos observados na exposição? Promove discussões emsala de aula após a visita? Conversa com seus pares sobre a visita?Dá um retorno à equipe técnica do espaço sobre a visita? Ou seja, a

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visita escolar a um espaço não-formal não é simples.A atitude do professor perante seu grupo de alunos em um

espaço não-formal é condizente com sua própria experiência nessesespaços. Quanto mais familiarizado com os conteúdos científicos,instrumentos e elementos de mostra presentes em um determinadolocal, menos complexo será para o professor lidar com a situação davisita, se relacionar com a equipe técnica e monitoria, adequar seuplanejamento e orientar seus alunos.

INDO À FONTE: O PROFESSOR NO ESPAÇO NÃO-FORMAL DEEDUCAÇÃO

As informações sobre o que os espaços não-formais deEducação ofertam ao público em geral e aos professores geralmenteestão restritas às páginas na Internet dessas instituições, quando osmesmos possuem essa ferramenta de divulgação, ou no Catálogo deCentros e Museus de Ciências do Brasil (BRITO et al., 2005), editadopelaAssociação Brasileira deCentros eMuseus deCiências (ABCMC).

É evidente que os museus de ciências ofertam muito maisao público visitante, incluindo professores, do que o acesso aoconhecimento científico veiculado pela exposição. Através de suasvárias atividades, osmuseusdeciências podemcontribuir tambémparaa promoção de debates sobre o que é Ciência, quem são os cientistas,como a pesquisa científica é realizada, o que é o método científico,como a Ciência é divulgada, quem financia a Ciência no país, quaisos principais interesses político-econômicos na pesquisa científica,dentre tantos outros assuntos de relevância para a formação culturale científica do cidadão. Para Zana (2005), as novas estruturasutilizadas para a difusão da cultura científica e tecnológica e aevolução dos meios de apresentação têm levado a várias formasde mediação humana, que enriquecem a bagagem cultural daspessoas.

No intuito de investigar atividades de divulgação científica quepodem ser interessantes aos professores, reuni informações de 20

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museus de ciências brasileiros com base nos conteúdos do site daABCMC (www.abcmc.org.br), onde por meio dos links às páginas naInternet de todos os espaços associados, foi possível observar asprincipais ações desses núcleos de divulgação científica. No entanto,alguns museus de ciências não possuem páginas de divulgação online, ou as mesmas se encontram em manutenção ou sem acesso,e dessa forma não foram considerados para a análise. O Quadro 1foi configurado a partir dessas informações e da descrição préviados trabalhos realizados em alguns núcleos por Cury (2001), no qualsão observadas atividades como cursos e palestras para o públicoem geral, empréstimo de material didático, biblioteca e/ou videotecaaberta ao público e programas de formação de professores, oferecidaspelos museus e explicitadas nas páginas na Internet.

Dos espaços estudados, todos oferecem algum tipo de palestraou curso sobre temáticas científicas, geralmente com pré-inscriçãode interessados em data e local divulgados com antecedência. Oitomuseus realizam empréstimo de material didático e em alguns deles,os materiais para empréstimo são confeccionados em programas deformação continuada de professores realizados no próprio museu.Outros oito espaços disponibilizam suas bibliotecas e/ou videotecaspara consulta pelo público em geral. E treze dos museus investigadosdesenvolvem programas de formação voltados a professores emexercício.

Outros espaços não-formais de Educação, além dos museusde ciências, também ofertam atividades diferenciadas ao público, alémda exposição. Um exemplo é o Zoológico Quinzinho de Barros emSorocaba-SP, que promove palestras, encontros infantis, preparaçãode visitas prévias com os professores nas escolas, alémde empréstimode material didático e livros diversos.

Oprofessor emumespaço não-formal deEducação temacessoa uma diversidade de atividades que não só promove o acesso aoconhecimento científico atualizado, mas também possibilita o acessoa recursos didáticos que muitas vezes não são adquiridos na escolaao qual o professor está vinculado. Além disso, há o intercâmbio de

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experiências com a equipe técnica desses locais por meio de cursos,palestras e programas de formação continuada.

De forma contrária à vasta produção acadêmica sobrea formação continuada de professores por meio de programasgovernamentais, parcerias entre escolas e Universidades ou iniciativasdos próprios meios escolares, a literatura sobre a formação continuadade professores em espaços não-formais de Educação ainda é muitoescassa no Brasil, com relatos isolados de atividades em museus deciências.

Um dos raros trabalhos nesse campo foi desenvolvido pelapesquisadora Glória Queiroz e colaboradores (2003) sobre umaexperiência de formação de professores no Museu de Astronomia eCiênciasAfins (MAST). Foram aplicados questionários aos professoresdasescolas da redemunicipal doRio de Janeiro queparticiparamdeumcurso de capacitação no museu. Três dimensões foram investigadasno âmbito da relação museu-escola: alternativa de prática pedagógica;atualização de conteúdo científico; e ampliação da cultura. A dimensão“alternativa de prática pedagógica” foi a mais freqüente na opinião dosprofessores, sendo o museu entendido por eles como uma opçãode espaço físico diferente da escola, mas passível de reproduzir aspráticas escolares e, também, como um espaço pedagogicamentedistinto da escola. A dimensão “conteúdo científico” foi destacada pelamaioria dos professores, que considera o museu um local de aquisiçãodo conhecimento científico, seja vinculado ao conteúdo programáticoou abordado de forma interdisciplinar. A dimensão “ampliação dacultura” não foi apontada pelos professores como uma característicado espaço museal.

Ao vislumbrar um museu de ciências como uma alternativapara a prática pedagógica e como um local fértil para a aquisiçãodo conhecimento científico atualizado, os professores demonstraminteresse em relacionar um espaço não-formal de Educação à escolae à ação docente. É necessário entender o que os professorescompreendem como cultura, visto que ao vivenciar experiênciasem espaços produtores de conhecimento diferentes da escola, os

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professores podem estabelecer inúmeras relações entre Ciência,produção do conhecimento científico, democratização científica e oambiente escolar, dentre outras, que certamente propiciamaampliaçãoda cultura geral e científica.

Em meu trabalho de doutoramento, desenvolvi uma pesquisasobre a formação continuada de professores em11museus de ciênciasde diversas regiões do país, associados à ABCMC, cujos programasanalisados foram classificados de acordo com modelos teóricos deformação de professores (JACOBUCCI et al., 2009). Foi possívelobservar que os programas de formação realizados pelos espaçosestudados, independentemente da proposta teórico-metodológica,oportunizam quatro tipos de experiência aos professores: atualizaçãode conteúdos, produção de material didático, assessoria didática esocialização de conhecimentos.

Atividades de atualização de conteúdos no formato de cursos,oficinas e palestras, contribuem com a formação dos professores namedida em que fornecem dados recém-produzidos nas Universidadese Institutos de Pesquisas nacionais e internacionais, propiciando umadivulgação direta, sem distorções pela mídia, do conhecimento geradopelas pesquisas acadêmicas.

Processos de produção de material didático-pedagógico,planejamento de aulas práticas de ciências, elaboração edesenvolvimento de projetos na escola são atividades formativasque envolvem o fortalecimento da auto-estima e a valorização dascapacidades individuais e coletivas dos professores que participam doprograma de formação.

Os museus de ciências que procuram acompanhar o trabalhorealizado na escola pelos professores que passaram pelas atividadesformativas contribuem com o processo de formação na medida em queassessoram o professor no desenvolvimento de ações no ambienteescolar, garantindo uma continuidade do vínculo com a equipe técnicae a perpetuação da troca de experiências.

Nos programas em que há a constituição de grupos de trabalhopara a discussão de inúmeros fatores que afetam o trabalho docente e

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o ensino de ciências, os museus de ciências contribuem no processoformativo na medida em que fomentam essas discussões, permitema ampliação da visão de mundo dos professores e socialização doconhecimento entre os pares e equipe técnica desses espaços.

As relações entre instituições de ensino formal, como a escolae de ensino não-formal, como os museus, podem ser muito profícuas,caso seus profissionais de educação (professores e educadores demuseus) estabeleçamcanais de comunicação para troca de programasde ação educativa (ALMEIDA, 1997).

Para Selles (2002), a formação continuada de professores deCiências, e conseqüenteenriquecimentodesuaaçãodocente, desloca-se a partir de duas necessidades básicas: num pólo encontra-se anecessidade de atualizar e ampliar os conhecimentos científicos, nummundo em constante e rápida transformação científico-tecnológica;em outro, situa-se a necessidade de informação e envolvimento nadiscussão sobre as questões educacionais, uma vez que não é possívelconceber um ensino de Ciências isolado do contexto educacional.

Na medida em que os professores perceberem que os espaçosnão-formais de Educação firmam um compromisso educacional e deresponsabilidade social ao oferecerem uma proposta de formaçãocontinuada, poderão participar ativamente do processo formativo deforma crítica, colaborativa e emancipatória, assumindo papéis departícipes junto à equipe técnica desses locais.

TRAZENDO VIVÊNCIAS NA BAGAGEM: O PROFESSOR NAESCOLA

Após uma experiência em um espaço não-formal de Educação,o professor pode se motivar a realizar em sala de aula algum tipode atividade adaptada do que viu em um espaço dessa natureza,elaborar um material didático específico, estabelecer relações entrea exposição e os conteúdos do currículo escolar, buscar participardas atividades formativas que esses espaços ofertam, incentivar seuspares a conhecer o local, elaborar umprojeto comassessoria da equipe

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técnica, planejar uma visita com seus alunos ao museu, zoológico,aquário, planetário, ou simplesmente contar aos seus alunos sobre oque viu, o que fez, o que experimentou.

São inúmeras as possibilidades de perpetuar as vivênciasque teve em um espaço não-formal de Educação. O professor quepassa por uma vivência única em um local de divulgação científico-cultural traz para a escola não apenas recordações. Traz na bagagemaspectos importantes para sua própria formação e para a formação deseus alunos.

Um desses aspectos é a possibilidade de ampliar sua visãode mundo e postura crítica em relação ao que é divulgado na mídiasobre Ciência e Tecnologia e o que está presente nos livros didáticos,por meio do envolvimento com a linguagem científica. Para Oliveira ecolaboradores (2009), a linguagemcientífica desenvolve o pensamentocientífico e o domínio dessa linguagem transforma-se num valiosoinstrumento de desenvolvimento dos processos cognitivos e orienta aconstrução do próprio conhecimento.

Outro ponto é que o professor se depara numa experiência emum espaço não-formal de Educação com uma forma diferente de exporo conteúdo científico, a história da Ciência e o processo de produçãodo conhecimento científico. Os elementos de mostra interativos ecativantes, elaborados com figuras atrativas, sons e cores, aguçamo interesse pelo tema da mostra. Ao relacionar essa forma de exporo conteúdo a uma determinada proposta teórico-metodológica, oprofessor pode buscar redimensionar sua prática pedagógica nosentido de incluir novas metodologias de ensino no cotidiano de suasaulas.

É inegável que um professor que tem possibilidade defreqüentar diversos núcleos de divulgação científica aumenta suabagagem científico-cultural e com isso pode estimular seus alunos,seja através das aulas ou através de suas histórias. Fontes e Cardoso(2006) acreditam que os professores commaior cultura científica estãomais aptos a proporcionarem aprendizagens científicas mais eficazesaos alunos.

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Além disso, os professores que permanentemente têmacesso ao conhecimento científico divulgado nos espaços não-formais de Educação podem contribuir para estimular crianças ejovens a se interessarem pela Ciência, através de visitas a esseslocais, complementação de aulas com atividades realizadas nessesespaços, exibição de atividades por meio da Internet, e tantasoutras possibilidades. Para Moreira (2006), são condicionantes parao desenvolvimento científico e tecnológico do país a formação deprofissionais qualificados em número suficiente e seu aproveitamentoadequado, além do aumento do conhecimento científico e do interessepela ciência e tecnologia entre a população em geral e, em particular,entre os jovens.

Aoseaproximardeumambientenão-escolareencontraraberturapor parte da equipe técnica, o professor pode se tornar um colaboradornesse espaço, sugerindo atividades, participando do planejamento eelaboração das exposições e atuando nos programas de formação deprofessores, estabelecendo um vínculo entre o ambiente não-escolar ea escola. Entre a magia das mostras museais e o livro didático. Entre oencantamento das exposições e o laboratório escolar.

E assim teremos uma outra história a contar...

Tarde quente, abafada. No saguão do museu vitrines,animais taxidermizados, pôsteres e avisos diversos.Mexanos ninhos. Toque no lobo guará. Descubra onde está aabelha. Ao longe um burburinho. Passos apressados,risadas e pequenos gritos. Espio pela porta principal evejo a professora dando ordens à criançada. Dedo empunho. Olhem lá, hein, o que combinamos. Aproveitemtudo. Perguntem o que quiserem. Do meu canto, riosozinha. Cerca de 50 meninos e meninas com idadesde 7 a 8 anos, uniforme da escola municipal, sacolinhascom guloseimas, suor escorrendo pelo rosto. Monitoresaguardando a postos a professora. Venham! Será umatarde inesquecível!

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Quadro 1 – Atividades de museus de ciências divulgadas empáginas na Internet

Museus de Ciências

Localidade/ano de fundação

Cursose/oupalestras

Empréstimodematerial

Bibliotecae/ouvideoteca

Programasdeformaçãodeprofessores

Casa da Ciência - Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio deJaneiro – RJ/1995Centro de Divulgação Científica e Cultural (CDCC) - Universidade de SãoPaulo – São Carlos - SP/1980Centro de Ensino de Ciências e Matemática (CECIMIG) – Universidade deMinas Gerais – Belo Horizonte – MG/1965Centro de Memória da Medicina Minas Gerais (CEMEMOR) - BeloHorizonte – MG/1977

Espaço Ciência - Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente dePernambuco – Olinda – PE/1994

Espaço Ciência Viva – Rio de Janeiro – RJ/1983

Espaço Museu da Vida - Fundação Oswaldo Cruz – Rio de Janeiro –R/1998

Estação Ciência - Centro de Difusão Científica, Tecnológica e Cultura daUniversidade de São Paulo – São Paulo - SP/1986Fundação Planetário da Cidade do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro -RJ/1970Museu de Arqueologia e Etnologia - Universidade de São Paulo – SãoPaulo - SP/1989

Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST) - Rio de Janeiro – RJ/1985

Museu de Ciências e Tecnologia (MCT) - Pontifícia Universidade Católicado Rio Grande do Sul – Porto Alegre – RS/1993

Museu de Ciências Naturais - Universidade Federal do Paraná – Curitiba– PR/1984

Museu Paraense Emílio Goeldi – Belém - PA/1985

Núcleo de Ciências - Universidade Federal do Espírito Santo – Vitória -ES/1996

Parque da Ciência de Ipatinga – Ipatinga – MG/2000

Parque da Ciência de Viçosa – Viçosa - MG/1998

Sala de Ciências - SESC Florianópolis – Florianópolis - SC/1999

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Seara da Ciência - Universidade Federal do Ceará – Fortaleza – CE/1999

Usina Ciência - Universidade Federal de Alagoas - Maceió - AL/1991

Atividade oferecida e explicitada no site

Atividade não explicitada no site

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ACESSO AO CONHECIMENTO CIENTÍFICOPELA MÍDIA E AMBIENTES NÃOESCOLARES EM UMANOVA SITUAÇÃO EDUCACIONALGlória Regina Pessôa Campello QueirozInstituto de Física - UERJPrograma de Pós-Graduação em Educação - UFF

INTRODUÇÃO

A partir do momento em que se começa a refletir sobreas preocupações com o acesso ao conhecimento científico peloscidadãos em geral, realizado por meio de jornais, revistas, vídeose programas de rádio e televisão, museus e centros de ciência etecnologia, semanas de ciência e tecnologia, de astronomia e demeio ambiente, muitas questões se impõem. Tais questões vãodesde as que buscam analisar a adequação do conteúdo e da formametodológica de apresentação de programas e artigos divulgados namídia em geral, passam pela mediação material e humana realizadaentre o público e os meios midiáticos, que inclui a que ocorre nasexposições em geral, culminando com questões sobre a formaçãodos mediadores encarregados das diferentes etapas de trabalho nosespaços de difusão e popularização da cultura científica. Subjacenteestá a questão das relações entre a educação formal e a não formal,uma vez que no Brasil, assim como no mundo, a maior percentagemdo público visitante dos museus é formada por escolas - professores eseus alunos - e jornais e revistas com temas da ciência e da tecnologiacomeçam a chegar às salas de aula com freqüência razoável.

Em diferentes pesquisas educacionais, a escola tempossibilitado aos museus e à mídia escrita e televisiva validarsuas intenções educativas, sendo importante contar para refletir,sobre a relação museu-escola ou mídia-escola, com professores

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e pesquisadores preparados para enfrentar mais um desafio, o deestabelecer elos entre diferentes espaços de construção de cultura.A perspectiva, já adotada em algumas experiências no país, de seconsolidar de forma ampla uma nova situação educacional, da qualparticipam várias instituições, estabelece um espaço comum decoexistência e de interação, no qual as parcerias estabelecidas estãoefetivamente dando uma dimensão cultural aos processos educativos(ORELLANA, 1997; ORELLANA; DE LA JARA, 1999). Um novocenário de demandas por educação permanente e atualizada exigeque os professores, educadores de museus e comunicadores sejameducadores sociais (TRILLA, 2003) de modo a protagonizarem deforma atuante essa situação que se delineia.

A informação científica se mostra cada vez mais relevante paraa vida em sociedade e, quando apresentada de forma motivadora,crítica e atualizada pelas instâncias não formais de educação,colabora para que os indivíduos que dela se apropriam convivamde forma consciente e crítica com o progresso que a ciência e atecnologia trazem, sem desconsiderar o lado negativo que algumasdessas conquistas carregam. Paradoxalmente, nem todos os cidadãosconsideram o conhecimento veiculado nos museus de ciência etecnologia e em toda a mídia voltada para temas científicos comoalgo de valor pessoal ou coletivo, ou mesmo de seu interesse cultural,tendo-os muitas vezes esses espaços como inacessíveis a seu gruposocial (CAZELLI, 2005).

Uma vez que ainda cabe primordialmente à escola a formaçãopara a cidadania, esta se torna o local onde a possibilidade de acessoaomundo da cultura científica seja germinada e, para tal, novas formasde interação com a cultura científica se vislumbram, estando entreelas a interação com a educação não formal, que pode acontecer intraou extra os muros das escolas. Em qualquer investida, a ciência deveser apresentada de forma questionadora quanto à rígida separação,usualmente concebida nos currículos tradicionais (TADEU DA SILVA,2001), entre o social, o cultural, o subjetivo de um lado e o objetivo ecientífico do outro.

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Visitas escolares são frequentes e é grande a preocupaçãoem torná-las vetores de interesse de aprendizagem científica, a serdespertado durante o curto tempo de permanência nesses espaços,esperando-se que se prolongue ao longo da vida. Em sua tese dedoutorado, “Ciência, Cultura, Museus, Jovens e Escolas: Quais AsRelações?”, Sibele Cazelli (2005) teve como objetivo investigar oimpacto de algumas características dos jovens e do entorno familiare escolar nas chances de acesso a museus, explorando o potencialexplicativo dos capitais econômico, social e cultural no aumento oudiminuição dessas chances. Colaborações premeditadas e avaliadaspor Vasconcellos (2008) guiaram situações educativas enriquecedoraspara escolas próximas a três museus no Rio de Janeiro, exigindode seus professores e dos educadores de museus preparação enegociações para realizá-las.

Vale destacar que projetos de pesquisa, resultando emartigos, dissertações e teses na área de Educação em Ciências,tendo por tema a educação não formal e as relações com a educaçãoformal, vêm ganhando maiores proporções em revistas e encontrosespecializados durante a década de 2000 (TERRAZZAN, 2000;MARTINS, NASCIMENTO; ABREU, 2004), o que pode dar início aum processo de sustentação permanente que a nova situação exige.Entre tais projetos destacam-se os que se voltam para a formaçãodos educadores que atuam estabelecendo estas relações, como nainvestigada por Pierro (2009) em um curso de Pedagogia e Ovigli(2009) em um museu de ciências e tecnologia.

Nesta reflexão, procurarei traçar relações entre o acesso àaprendizagem científica pela mídia e ambientes não escolares comas discussões atuais sobre currículo como prática cultural e projetospolítico-pedagógicos nas escolas, delineando uma nova situaçãoeducacional que exige interações entre o formal e o não formal.

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RECONTEXTUALIZANDO A EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS:COLABORAÇÃO ENTRE MÍDIA, MUSEUS E ESCOLAS

A complexidade e as constantes mudanças da vidacontemporânea têm feito com que se aceite cada vez mais quea educação é resultado das instituições e das relações sociais,tornando-se consenso entre educadores, sociólogos, psicólogos etcque a formação humana se dá em espaços coletivos (formais e nãoformais), passando a educação dos cidadãos a ser uma tarefa coletivada sociedade como um todo.

Apesar de a escola ter sido alçada, durante séculos, aparadigma da ação educativa, a ponto de se tornar quase queexclusivamente o único objeto de reflexão pedagógica, ela deixou deser lugar de exclusividade para a preparação dos indivíduos para a vidaem sociedade. Compreende-se hoje que a educação não se restringeao tempo em que se frequenta a escola, sendo um processo constanteque deve se prolongar por toda a vida. Com a escola coexistem muitose variados mecanismos educacionais, entre eles aqueles que contamcom a participação dos jornalistas, comunicadores e dos educadoresde museus ou daqueles que de forma anfíbia podem transitar de formafrutífera entre diferentes espaços educacionais. Projetos de pesquisaestudando como a ampliação dos espaços educacionais pode levar auma educação assentada em valores éticos e democráticos tem sidodesenvolvidos na USP (ARANTES, 2008), apresentando avanços econquistas em experiências pontuais e isoladas, caracterizando, noentanto, relações superficiais entre a escola e instituições externas deeducação não formal.

São muitas as possibilidades e espaços que existem nasociedade para promover a educação não formal científica. Com aampliação de novas tecnologias e do uso de formas inovadoras decomunicação, vários museus vêm podendo estabelecer uma maiorinteração entre o conhecimento transposto para suas exposições e opúblico que os visitam (DIETRICH, 2007), ficando clara nos museusbrasileiros a sua intenção de instruir e, em muitas atividades neles

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realizadas, uma preocupação com o público escolar. Entre as pontesestabelecidas pelos museus com a sociedade, destacam-se as feitascom a escola em geral e com as disciplinas escolares em particuçlar,dando-se ênfase a temas que atualizem os conteúdos e atuem nosprocessos de construção de conhecimentos que costumam oferecerobstáculos àmotivação e à aprendizagem de estudantes de diferentessegmentos.

Em princípio, os dois caminhos – o formal e o não formal –podem correr paralelamente, identificando-se, contudo, critérios dediferenciação entre as especificidades e funções de cada um. Muitosautores têm estudado esse tema e Trilla (2003) diferencia os doisprocessos educativos segundo dois critérios:metodológico e estrutural.

CRITÉRIO METODOLÓGICO

A educação não formal é aquela que se realiza em princípiofora do marco institucional da escola ou, quando realizada no espaçoescolar, se afasta dos procedimentos convencionalmente escolares.Tampouco provém da família ou consiste na influência difusa epoderosa que se dá no relacionamento do indivíduo com o “mundo”.Em relação à metodologia educativa em museus, destaca-se naliteratura desse campo a importância que se dá ao fato de que essesespaços sejam locais prazerosos, lúdicos, nos quais são valorizadas asemoções, que pela própria etimologia da palavra se liga àsmotivações,de tão reconhecida importância nos processos educativos. A partirdessa perspectiva, é muito comum o argumento de que o lúdico éalgo que distingue a metodologia educativa utilizada nos museus daque é utilizada nas escolas. Efetivamente, trata-se de uma forma desimplificação do debate sobre as especificidades desses dois espaçoseducativos, pois em ambos essa perspectiva pode ser adotada emprol da aprendizagem, não havendo, no entanto, nenhuma obrigaçãoou mesmo conveniência para se ficar restrito a ela.

Critério estruturalA educação formal é aquela que apresenta uma estrutura

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educativa graduada, hierarquizada, que se destina prioritariamente àprovisão de títulos acadêmicos. Exatamente por não ter as mesmasobrigações que a escola, a educação não formal não precisa seguir asregras do sistema oficial de ensino, dispondo de uma dinâmica própriae não necessariamente cambiável de acordo com as mudanças daspolíticas públicas.

Trilla propõe uma definição para a educação não formal:

Educação não formal se refere a todas aquelasinstituições, atividades, meios, âmbitos de educação que,não sendo escolares, têm sido criados expressamentepara satisfazer determinados objetivos educativos.(TRILLA, 1998, p.11-12)

Levando em conta essa definição, não fazemos aqui o debatesobre a fronteira entre educação formal e não formal adotando apenascomo critério distintivo o fator espacial ou ambiental, isto é: se esseprocesso ocorre dentro ou fora do âmbito da escola. Atividades emgeral relacionadas à educação não formal têm se dado com algumafreqüência na escola (GIROTTO, 2005), apesar de se reconhecer queos museus podem ser ambientes propícios para se viver experiênciassignificativas de construção de conhecimentos, opiniões e de visõesde mundo reveladoras. Pelas emoções que podem ser afloradaspelas imagens e situações sociais novas para os visitantes, acredita-se que durante as ações não formais é mais fácil estimular o desejode aprender. Em outras palavras, pretende-se que as visitas sejamoportunidades que promovam amotivação intrínseca (POZO; GÓMEZCRESPO, 2009) para a aprendizagem, tendo como fio condutora curiosidade, o lúdico, o cotidiano e o contexto socioambientale histórico. No entanto, para que os museus, a mídia em geral ouas escolas durante ações não formais elaborem um discurso maisadaptado aos seus diferentes públicos, as estratégias de colocaçãoem exposição dos conhecimentos científicos devem levar em contaquadros de referência cultural adequados a públicos concretos(ORELLANA, 1997), o que requer conhecê-los e dialogar com eles.

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Mas, para que isso aconteça, é preciso que o uso dessesespaços seja feito de uma forma muito particular, aliando informação,aprendizagem e entretenimento em prol da promoção da ampliaçãoda cultura e construção de valores. Para isso, é necessário que setrabalhe em prol da desmistificação da ciência, aliada à motivação dopensamento problematizador-crítico e lúcido dos problemas sociaisque a ciência pode ajudar a compreender e a traçar soluções.

Por estar hierarquicamente vinculada ao sistema oficialde ensino, que lhe impõe regras e uma determinada organizaçãocurricular, a escola tem uma estrutura que se cristalizou mais do que ados museus, quanto à realização de ações não formais de educaçãocientífica. Sua organização disciplinar define a dinâmica do cotidianoescolar, já que a “organização disciplinar se impõe como forma decontrolar o tempo e o espaço escolar, constituindo-se como umatecnologia de organização curricular” (LOPES, 2000, p.161). Paraque os museus e a mídia colaborem com a escola na promoção derupturas com a organização tradicional dos currículos, seus programase atividades devem estar baseados numa noção essencialmentedinâmica de cultura, currículo como prática cultural (TADEU SILVA,2001), essa sendo entendida como produção e criação num contextode relações sociais negociadas.

REPENSANDO A RELAÇÃO MUSEU-ESCOLAA PARTIR DEPROJETOS POLÍTICO-PEDAGÓGICOS DE TRABALHO

No contexto em que a questão da renovação e da ampliação datradição crítica em educação (TADEUDASILVA, 2001) tem no currículosua preocupação central, pensá-lo como prática cultural pode serconsiderar valiosas as interações entre o formal e o não formal, criandoum caminho promissor para encarar o desafio de revisar aspectoseducacionais. O desenvolvimento de Projetos político-pedagógicostomando o currículo como: prática de significação; prática produtiva;relação social; relação de poder e prática que produz identidadessociais é uma oportunidade de flexibilizar aspectos organizacionais

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curriculares.Entender o currículo como prática cultural evita vê-lo somente

como “produto de uma seleção de conhecimentos e valores”, visando-se assima sua construção “na relação entre osmuitosmundos culturaisque o constituem” (MACEDO, 2004, p.122). Com tal compreensãode cultura como constitutiva de práticas cotidianas de significação,os projetos de trabalho estabelecidos na relação museu-escola seafastam do que se identifica ainda amplamente no ensino de ciênciasnos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, não apenasno Brasil, mas ainda em muitos outros países. Tal modelo derivatanto da formação recebida pelos professores, quanto da própriacultura educacional encontrada por eles na sua chegada às escolase que tem como marca principal um enfoque dirigido à transmissãode conhecimentos conceituais, em que a lógica disciplinar se impõeacima de qualquer outro critério. Aos alunos cabe apenas o papelde reprodutores do conhecimento e aos professors o de provedoresde conhecimentos prontos para serem consumidos. Tal concepçãoeducacional não se sustenta mais diante dos desenvolvimentos sobrea aprendizagem em ciências e do clima de desinteresse encontradoem relação àsmatérias científicas namaioria das salas de aula (POZO;GÓMEZ CRESPO, 2009).

Projetos político-pedagógicos se constituem em projetos detrabalho alternativos aos professores que se dispõem a enfrentar deforma coletiva alguns dos desafios no acompanhamento dasmudançassociais presentes nas escolas a partir da escolarização de problemassociais. Tais projetos não são meras metodologias inovadoras,possuem caráter político e cultural e levam em conta contribuições dapesquisa socio-cultural (HERNÁNDEZ, 1998) e também da psicologiacultural, dando grande valor à participação e à expressão individuale coletiva dos envolvidos nos processos educacionais, incluindo asfamílias e a comunidade.

Projetos de trabalho que promovem o relacionamento entreescolas, incluindo as que formam os futuros docentes, e as instituiçõesde educação não formal, abrem espaços para que se estabeleçam

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diálogos críticos, deixando vir à tona as diferentes visões de mundoe elementos culturais que estão presentes na escola e que muitasvezes são desconsiderados em favor de uma visão hegemônicados que detem o poder. Com isso exigem redefinições das práticaseducativas que se voltam para buscar respostas às mudanças sociaisque demandam novas formas de trabalho com antigos conteúdos ecom a introdução de novos mais atualizados e ligados à realidade dosalunos. Como já afirmava Hernández em 1998:

Trata-se, então de ensinar aos alunos a interpretar a realidade,o que significa interessar-se pelas diferentes versões dos fenômenos,pelas suas origens e pela busca das forças (dos poderes) que asinterpretações criaram (HERNÁNDEZ, 1998).

Ao recontextualizar a educação na interação entre o ensinoformal e o não formal, via projetos de trabalho em colaboraçãopremeditada, recria-se tanto a escola quanto o museu e com issoabrem-se mais caminhos para que os alunos, ao vivenciarempráticas de significação, se tornem cidadãos que possam analisare interpretar o mundo em que vivem, tendo acesso ao turbilhão deinformações existentes, com competência para selecioná-las, julgá-lascriticamente, aumentando sua capacidade de trabalhar os materiaisrecebidos, produzindo seu próprio conhecimento em relações sociaisdiversificadas mudando as relações de poder em uma prática queproduz identidades sociais aptas à função transformadora que delesse exige no momento atual.

Colaborações premeditadas já desenvolvidasComo resultado de trabalhos anteriores (QUEIROZ

E MACHADO, 2008; QUEIROZ et al, 2008 e 2009), que temacompanhado o envolvimento de nosso grupo universitário emprojetos nas escolas, ficou evidente que esse processo de renovaçãocurricular permite um acesso mais efetivo e produtivo, também naformação de professores por ele realizada, à realidade da escolabásica. Os trabalhos apresentados pelo grupo descrevem e analisamuma efetiva contribuição dos professores da escola básica dotadosde saberes da experiência na formação inicial de futuros professores

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que venham a formar cidadãos capazes de fazer e não apenas derepetir, construindo conhecimento, motivados para aprender ao longoda vida, emancipando-se ao assumirem o compromisso profissionalda reflexão crítica permanente. Entre os saberes docentes destacou-se a valorização das ações não formais realizadas em interaçõescom a universidade, pelo acesso a museus de ciência e tecnologia,por trabalhos com livros e artigos de divulgação científica e filmesrelacionados aos temas em foco nos projetos desenvolvidos, alémda preparação dos alunos para apresentações em eventos científico-culturais dentro e fora da escola.

Nossa meta de criação de grupos interinstitucionais para arealização de pesquisas colaborativas, que por essa característicase tornem mais significativas quanto à construção de conhecimentoscom potencial para subsidiar processos mobilizadores na formação decidadãos, se volta, portanto, tanto para os licenciandos em formaçãoinicial quanto para os professores em formação continuada. Dessamaneira, comoconhecimentoconstruídoviapesquisasdessanatureza,acreditamos que a universidade enriquece suas possibilidades deformação de professores reflexivos e emancipados, aptos a transitarentre o formal e o não formal, atuando como protagonistas na novasituação educacional almejada (Contreras, 2000; Queiroz e Machado,2008).

Vivemos nas últimas décadas um redirecionamento daeducação em ciências em todos os níveis, em especial na escolabásica. Ao repensar o currículo, tendo como foco o desenvolvimentode projetos, o que prevaleceu não foi a sua extensão disciplinar, massim a forma integrada e contextualizada como se trabalhou com osalunos, tendo-se como meta aprendizagens de conteúdos conceituais,atitudinais e procedimentais de forma significativa, criando-se eloscom o que eles já sabiam e levando-os a serem participantes ativosda construção de um conhecimento que os ajudou a lidar com acomplexidade das situações do dia a dia.

Nas experiências do grupo, desde 2004, algum tema ouproblema foi escolhido a cada ano, abrindo-se sub-temas a serem

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trabalhados, aproveitando-se para isso o re-despertar para aimportância das atividades experimentais no ensino das Ciências- oficinas pedagógicas e exposições interativas - e a abordagemeducacional interdisciplinar propiciada pela pedagogia de projetos,uma inovação, nem tão nova assim, para ser vivida pela escola comoum todo. Quando se busca a realização de um trabalho interdisciplinarna escola, voltado para o desenvolvimento de uma pedagogia porprojetos (GANDIN; GANDIN,1994), no fundo, é a própria função socialda escola que é questionada, fazendo com que o trabalho colaborativoentre museus, mídia em geral e escolas se torne realmenteimportante para a procura do resgate com o que ocorre dentro e forada escola. Como os contextos sociais mudaram desde as primeirasimplementações de projetos nas escolas, o que importa é situar osprojetos em contextos atualizados.

Os museus, por terem uma organização curricular eespaciotemporal mais flexível do que a escola puderamassumir mais facilmente a função de provocar nosestudantes a motivação intrínseca atualizada parabuscarem uma ampliação cultural abordada nos projetosde trabalho nas escolas (HERNANDEZ, 1998; GIROTTO,2005).

Os estudos desenvolvidos na área de educação em ciênciase de formação de professores foram, em algumas pesquisas, o pontode partida para o estudo sobre a mediação em museus de ciência,entendida como intervenção voltada a negociar um conflito: intençãodos idealizadores versus interpretação dos visitantes (QUEIROZet al 2002). Assim como a sala de aula, o espaço dos museus deciência também pode ser entendido como um sistema complexo. Oque justifica essa afirmação é o número grande de variáveis presentesnuma visita guiada: o tema abordado pela exposição, a forma comoestá exposto o tema (módulos interativos, dioramas artificiais e vivos,textos escritos e sonorizados, vídeo e exposição de objetos), o objetivodos idealizadores; o interesse dos visitantes, suas concepções

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alternativas, seu nível sócio-econômico, as vivências culturais do seucotidiano; o conhecimento do mediador e seu repertório de técnicas ehabilidades. Durante a visita os elementos apresentados se interligam,influenciando mutuamente uns aos outros e determinando a qualidadeda visita. O mediador tem a difícil missão de negociar os conflitos entreas diversas variáveis e tomar posições que atendam a todas da formamais global. Surge, então, a necessidade de se conheceremos saberesda mediação e de promover uma formação que possibilite ao mediadorenfrentar situações muitas vezes conflituosas. Nesse sentido, oparadigmareflexivo,a teoriadosaberdocenteea formaçãodoprofessorcomo artista-reflexivo (QUEIROZ, 2000) constituíram uma boa baseteórica para as reflexões sobre a mediação em museus de ciência.

A área de Educação em Ciências tem entre suas funçõesprincipais participar ativamente da formação do cidadão crítico econsciente e a premência de tal formação para todos é um dos motivosque torna a alfabetização científica algo que precisa contar com acolaboração de diferentes instâncias educativas, entre eles a escola eos museus de ciências, gerando assim a necessidade de educadoresaptos a explorarem formas de complementaridade entre a educaçãoformal e a não formal. Esta competência profissional vem se somar atantas outras exigidas hoje do professor.

Pesquisas anteriores (GOUVÊA et al, 2003) sobre professoresem museus geraram nos responsáveis pela educação no Museu deAstronomia e Ciências Afins (MAST), situado na cidade do Rio deJaneiro, uma preocupação com a extrema escolarização de seusespaços expositivos. Esta escolarização se dá na medida em que hásubjugação aos objetivos do currículo escolar específicos do momentopedagógico que os professores estão vivendo com a sua turma. Dessaforma, as potencialidades domuseu não são exploradas de formamaisampla, como as de um local de sociabilização, emoção e motivação.

A partir de resultados dessas pesquisas iniciais, uma sériede projetos de formação inicial e continuada foram desenvolvidos.Neles se discutiram, com professores em serviço na escola básica,temas como a relação museu-escola, a aprendizagem em museus e

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a formação de professores. Estes projetos se desdobraram em outrosque enfocaram a pedagogia museal, a transposição museográfica, asinterações discursivas (GOUVEA e MARANDINO, 2001 e 2005) e amediação humana em museus (CAZELLI et al, 2008).

A relação entre museus e escolas, vista na interface entre asatividades de ensino-aprendizagem e as de “popularização da ciência”,foi pesquisada no âmbito de uma tese de doutorado em uma açãode colaboração entre museus de instituições de pesquisa científicae escolas públicas do Rio de Janeiro, localizadas em seus entornos,em um ‘trabalho não alienado’ que caracterizou uma força produtivacoletiva entre pesquisadores de museus, professores e alunos deescolas públicas, agindo de forma colaborativa. Com referencialteórico emMarx e Freire, entre outros, Vasconcellos (2008) analisou osimpactos sociais positivos e as principais dificuldades enfrentadas poratores do projeto de co-laboração entre os museus e as escolas, tendoseus discursos coletivos (LEFÈVRE e LEFÈVRE, 2005) indicado queos impactos positivos podem ser ampliados na medida em que essetrabalho seja construído a partir de um projeto coletivo que respeiteas funções sociais e especificidades de cada uma das instituiçõesenvolvidas. A tese trouxe a proposta de um tipo de relação em queos museus e as escolas se unam para criar algo novo e não a idéiamuitas vezes defendida de que uma instituição supra deficiências daoutra (facilidade de experimentação, atualização de conteúdos por umlado e público cativo, currículos e avaliações por outro).

O apreço ao trabalho coletivo caracterizado nos depoimentosda tese mostrou possibilidades de se desenvolver melhor quando osenvolvidos nele encontraram satisfação na tarefa que realizavam,identificando-secomele,motivando-osparaaconcretizaçãodasações.Dessa forma a metodologia participativa mostrou-se fundamentalpara que o trabalho coletivo pudesse ajudar a construir uma culturaque contribua para a luta por uma sociedade mais equânime,humana, democrática, justa, solidária, prudente, prospectiva esocioambientalmente responsável.

Como sugestão para outras colaborações, a pesquisa realizada

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indicou que o museu se ocupe principalmente da tarefa de trabalharpara ampliar a motivação intrínseca dos participantes de um modogeral - alunos, professores e educadores de museus- gerando, apartir do contato, um maior envolvimento nos processos coletivos deconstrução do conhecimento na escola, em processos de construçãoindividual e coletiva a partir de um Projeto Político-Pedagógicoconstruído de forma participativa e competente.

Com efeito, os museus e as escolas ampliaram o alcancesocial de suas ações quando trabalharam em colaboração, comono projeto Tecendo Redes por um Planeta Terra Saudável, base datese de VASCONCELLOS (2008), o museu conseguindo cumprircom sucesso essa tarefa ao estimular efetivamente os estudantesaos questionamentos, ao enlevo pela aquisição da cultura, pelodesvendamento de “mistérios”, despertando novos interesses. Tudoisso a escola também precisou fazer, nesse e em outros projetos, paraprovocar e alimentar o entusiasmo dos estudantes para dedicarem-se aos estudos e à preparação para as apresentações de trabalhosnos diferentes eventos, mas nessa colaboração com o museu elaagregou ao seu trabalho outros recursos, estratégias e estímulos.Nesse trabalho de construção de conhecimento, alunos e professorestiveram a oportunidade de desenvolver de forma sistemática e por umtempo prolongado uma aproximação ao mundo da ciência, apoiadospelos educadores dos museus, atingindo também a comunidadeescolar, que tem nela um espaço de convívio diário, além das famíliasa ela ligadas. Esse convívio entre a população e a escola permitiuque as instituições envolvidas conhecessem melhor realidade de vidadessas pessoas, podendo dessa forma planejar ações educativasefetivamente dialógicas. Além disso, esse contato profundo e longoque a escola e o museu puderam manter com outros espaços e com apopulação favoreceu a consolidação de processos mobilizadores e deengajamento social em ações educativas, culturais e políticas.

Os dias de hoje exibem paradoxalmente avanços científicose desigualdades sociais sem precedentes (GERMANO e KULESZA,2007), gerando demandas por um amplo diálogo sócio-político-

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econômico-científico entre diferentes setores da sociedade, tanto noâmbito da Ciência como fora dela, até alcançar os mais atingidos pelaexclusão social. Várias práticas se cruzam em nosso país, no sentidode “atender” a essa demanda, havendo crescimento de grupos a elasdedicadas, idealizando novas formas de ensino-aprendizagem deciência, criando e revitalizando museus voltados para a divulgaçãocientífica, organizando e atuando não só em eventos integrados a umasemana dedicada nacionalmente à C&T (ciência e tecnologia) comoem muitas outras frentes de trabalho articulado com outros museus ecom instituições de ensino.

Em tal situação educacional ampla, profissionais capazesde fazer a mediação entre o museu e seu público se tornam figurasimportantes e seus saberesmerecem estudo, uma vez que amediaçãorequer um saber com dimensões peculiares: o saber da mediação.Em pesquisas anteriores (QUEIROZ et al. 2002 e 2003) feitas a partirde análise de visitas vídeo-gravadas mediadas por universitários/estagiários no museu e professores da escola básica, participantesde curso de formação continuada, identificamos 4 categorias destesaber: saberes compartilhados com a escola, saberes compartilhadoscom a educação em ciências, saberes mais próprios dos museus esaberes da relação museu-escola. Os saberes da relação museu-escola indicaram claramente uma complementaridade adotada porprofessores entre atividades realizadas na escola e a visita ao museu.Um saber dos projetos foi identificado nos discursos de 3 professorescomo o “saber realizar projetos pedagógicos que incluam ações nomuseu como parte destes, dando assim um sentido à visita em funçãodo alcance dos objetivos a serem atingidos com esse trabalho”.

Uma possibilidade decorrente do que foi aqui apresentadoé o de subsidiar a formulação de políticas públicas que evitem afragmentação de recursos em fomentos para a educação formal epara a não formal, favorecendo a produção de uma sinergia entreesses campos educacionais em prol de uma situação educacional queveja os currículos como práticas culturais que lancem mão de projetospolítico-pedagógicos.

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VISITAS A MUSEUS E O ENSINO DEHISTÓRIAAntonia Terra de Calazans FernandesFFLCH – USP

“São bem conhecidas as dificuldades de apreensãodo contemporâneo. Afirma-se com freqüência que sóse pode obter e aproveitar o conhecimento sobre ascoisas de alguma maneira acabada e encerrada. (...)Essa formulação baseia-se num sentido da separaçãoinerente entre experiência e conhecimento, uma crençade que, quando experimentamos a vida, só podemoscompreendê-la parcialmente e de que, quando tentamoscompreender a vida, deixamos de experimentá-la defato. De acordo com esse modelo, o ato de conhecerestá sempre condenado a chegar tarde demais à cenada experiência.”

Steven Connor. Cultura Pós-Moderna, 1993.

Esse texto defende a idéia de que a relação entre experiênciae conhecimento arquiteta as situações escolares, e, portanto, cabe oexercício de expor suas referências históricas. Assim, a concepçãode museu em transformação ao longo do tempo, e as diferentespropostas educacionais envolvendo ações conjuntas entre museu eescola, precisam ser identificadas, para clareza dos rumos seguidospelas proposições contemporâneas.

Em distintas épocas, a relação entre escola e museus temsido diferente. Retrocedendo no tempo, e no esforço de identificar asprimeiras propostas no século XX no Brasil, encontramos algumasproposições educativas que derivavam dos princípios da “EscolaNova”, que pregava um ensino ativo e preocupado com a interação daescola comavida social e natural. Umadelas incentivava aorganização

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de “museus escolares”, principalmente com a criação de coleções decoisas (da natureza ou da sociedade local) e de experiências ligadasàs ciências naturais.Aomesmo tempo, decorrente domesmo princípio,outra tendência sugeria visita a museus como atividade ativa para osestudos históricos.

Já, hoje em dia, na formação de um professor de história,as visitas aos museus estão sempre presentes, contando com umaampla bibliografia, que inclui a preocupação com a definição do queé um museu, quais suas funções, qual sua história, sua relação como trabalho com documentos históricos, especialmente com culturamaterial, e seus vínculos com a educação patrimonial.

Nesse artigo, então, a idéia é recuperar historicamente algumasproposições envolvendo omuseu e a escola, principalmente no que dizrespeito ao ensino de história, pontuando como as vivências escolaressão subsidiadas pelo conhecimento que a sociedade de cada épocadispõe a respeito dos museus, da educação e do papel que ela devedesempenhar na sociedade.

PRIMEIRAS PROPOSTAS

Ao longo das décadas de 1920 e 30, nos estados de Sergipe,Bahia, Piauí, Pernambuco, Minas Gerais, Distrito Federal, São Paulo,Maranhão, foram regulamentados dispositivos orientando professoresa organizar, com a cooperação de seus alunos, pequenos museusnas escolas, para auxiliar o ensino. Leontina Silva Busch, no seu livroOrganização de museus escolares, de 1937, explica que o propósitode introduzir museus escolares nos estabelecimentos de ensino era“tornar o ensino intuitivo, pratico, experimental, no sentido de facilitara compreensão de todas as matérias do programa escolar”.

Segundo a autora, foi na obra de Everaldo Backheuser,Thecnica da Pedagogia Moderna, que encontrou os fundamentos doque seria um museu escolar, que eram decorrentes das instruçõeselaboradas para o magistério carioca, na administração de Fernandode Azevedo, entre 1926 e 1930. A proposição dizia:

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“I – Os museus escolares, de acordo com os princípiosda nova pedagogia, são exposições permanentes decaráter prático e não simples coleções de objectos rarosou scientifcamente curiosos.

II – Sem restringir o seu objectivo a tal ou qual ramo desaber,deverãoosmuseusescolares ter feiçãonitidamentesocial, cívica, sem prejuízo da parte scientifica e artística.

III –O caráter pratico dosmuseus escolares deverá ser talque permitta aos alumno aprender por si, vendo, tocandoe até manipulando os objetos expostos, reduzido o papeldos mestres ao mínimo indispensável de orientação.

(...)

V – Haverá três typos de museus: o museu da classe, omuseu da escola e o museu pedagogico central.

(...)

XVI –Omuseu da escola obedecerá a umplano educativoe não será mero amontoado de coisas desconexas.

XVII – Cada um dos objetos será etiquetado, comindicações precisas e claras que tornem dispensaveis asexplicações verbaes dos guias.

XVIII – Em cada escola o museu terá physionomiaprópria, peculiar ao seu ambiente social, de sorte quenos districtos ruraes predominem os objectos relativos áagricultura; próximo ao litoral os que relacionem com omar e junto ás fabricas os que estas produzem.”.

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É preciso considerar que as propostas de museus escolares,naquele contexto das primeiras décadas do século XX, concebiam-noscomo um conjunto de coleções, mesmo que essas coleções fossementendidas como decorrentes de processos didáticos e dinâmicosda sala de aula e da escola. Leontina Silva Bush explica que, alémde estimular hábitos de investigação e um aprendizado ativo, e deincluir experimentos e produções educativas, a organização domuseu propiciaria aos alunos o hábito de colecionar em ordem, fichar,escriturar, manipular e conservar com zelo.

Essa concepção de museu como um conjunto de coleções nãopertencia apenasàesfera escolar. SegundoMarleneSuano, osmuseusem diferentes momentos históricos sempre tiveram, de alguma forma,com seus objetos e coleções, uma função pedagógica, em um sentidomais amplo, seja na perspectiva de favorecer o acesso à ciência e àsartes a um grupo mais restrito de artistas, filósofos e estudantes, sejacom a intenção de influenciar o espírito dos visitantes com a celebraçãodos objetos expostos ou dos princípios pelos quais eram classificados,ou ainda com valores para alimentar a identidade nacional. Seguindoprincípios iluministas, os museus também agregavam a possibilidadede lazer e instrução cultural.

No início do século XX, também o ensino de história, na suarelação com os museus escolares, decorria do que se entendia,naquela época, por História e por conteúdos históricos próprios para aescola. Entre os materiais sugeridos por Leontina Silva Bush, para osmuseus escolares da década de 1930 em São Paulo, predominavamobjetos de exaltação da história política paulista e nacional, comocópia de quadros históricos e retratos de vultos como Pedro AlvaresCabral, Thomé de Souza, Padre Anchieta, João Ramalho, Tiradentes,Princesa Isabel e presidentes da República. E para o que se poderiaconsiderar como acervo que contemplasse dimensões mais cotidianasda vida social, a sugestão era os museus conterem miniaturas demeios de transportes.

Em outra tendência, no início do século XX, também sob

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orientação das novas propostas educacionais escolanovista,apareceram, nos documentos oficiais, orientações para visitas amuseushistóricos por professores e estudantes das séries iniciais. O Programade Ciências Sociais editado pelo Departamento de Educação do DistritoFederal, em 1934, sob a direção de Delgado de Carvalho, contemplavaconteúdos e atividades para o ensino de história, geografia e civismo,e trazia indicações de museus e temas para trabalhos nas aulas. Oprograma para o 4º. ano, por exemplo, sugeria:

“uma visita ao Museu Nacional dará a conhecer ostrabalhos de tecelagem e de cerâmica indígenas.Estabelecer comparação entre os processos empregadospelos indígenas e pelos colonos, à vista de produtosautênticos”;

“Visita ao Museu Nacional e ao Museu Histórico paraobservar alguns dos meios de transporte da épocacolonial”;

“Visitar o Museu Nacional, a Quinta da Boa Vista, MuseuHistórico, à Candelária, a Casa Rui Barbosa, a BibliotecaNacional e qualquer outro lugar que ofereça ensejo paraa educação do aluno relembrando fatos ou episódiosda história nacional, sob o aspecto político, social ouartístico.”

Nessa mesma perspectiva, Jonathas Serrano em seu livroComo se ensina história, de 1935, defendia a idéia de que o estudoda História deveria se integrar à realidade viva, para não se tornar“algo de morto, estéril e enfadonho”. E, para isso, entre inúmeras depossibilidades, ele sugeria visitas, excursões, passeios e viagens.Segundo ele, “a visita a locaes históricos, a museus, archivos esobretudo bibliothecas é de extraordinária efficacia...” . “Não é apenasdentro de uma sala de aula, diante de um compendio ou do quadro

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negro que o estudante pode fazer idéa do que é a história sciência:impõe-se a visão directa dos sítios e das fontes de informação”.

Os dados e reflexões a respeito de como essas propostasforam concretizadas nos cotidiano dos museus e escolas ainda estãopara serem coletados e organizados. O que sabemos é que ao longodo século XX, permaneceram as sugestões de atividades de visitas amuseus, como situações formais e que se adequavam aos contextospolíticos, sociais e culturais das localidades e da história nacional.

Na esfera das proposições, é possível identificar que asrecomendações da década de 1930 incluíam preocupações com umtrabalho didático que considerasse uma relação direta do estudantecom fontes documentais, principalmente na perspectiva do contato,da observação direta dos objetos históricos e de procedimentos deidentificação e classificação, sem, contudo, existirem explicitações decomo deveria ser realizado esse trabalho de análise de documentoscom alunos.

As sugestões de visitas a museus permaneceram ao longo doséculo XX na bibliografia pedagógica. Todavia, até a década de 1970,ela não incluía orientações de como um professor devia procedermetodologicamente durante a visita, para a construção de umaformação histórica. Por exemplo, noGuia Metodológico para Cadernosde História doMEC, de 1971, essas visitas estavam classificadas comoatividades fora da escola, e recebiam as seguintes recomendaçõesformais: “entram aqui todos os aspectos de qualquer excursão quantoao planejamento, motivação, estabelecimento de obrigações culturais,disciplina, sociabilidade, conhecimentos dos responsáveis etc.”

Aintrodução de orientaçõesmetodológicasmais detalhadas, decomo um professor de história deveria proceder em visitas a museuscom seus alunos, começou a aparecer na produção bibliográficada década de 1980 no Brasil. Algumas experiências inovadoraspassaram a ser realizadas por iniciativa de profissionais dos museus,atentos ao papel educativo desses espaços institucionais. Os Anaisdos Encontros Perspectivas do Ensino de História, de 1988 e de 1996,são fontes que assinalam essas novas produções. Nos dois casos,

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foram publicados textos de museólogos que apresentaram, paraprofessores e estudantes universitários de história, seus experimentosna construção de atividades envolvendo o museu e a escola. NosAnais de 1988, um texto escrito por profissionais da ação educativado Museu do Índio do Rio de Janeiro, apresentou os potenciaispedagógicos dos acervos de Etnologia Indígena daquela instituição.E nos Anais de 1996, um grupo de trabalho chamado de RelaçãoMuseu/ Escola: realidade e perspectivas, coordenado unicamentepor pesquisadores de museus históricos e antropológicos brasileiros,apresentou um histórico do esforço dos setores pedagógicos dosmuseus, no sentido de construir mudanças nas suas atividadeseducativas. Entre as proposições existiam preocupações específicascom os procedimentos didáticos de como trabalhar com objetos dacultura material, de dar a eles um tratamento de documentos históricose de criar vivências mais interativas, questionadoras e lúdicas para osestudantes no seu envolvimento com as exposições e suas temáticas.

O diálogo entre os museus e as escolas repercutiu nasorientações didáticas voltadas para o ensino de história, principalmentea partir da década de 1990. Em um livro que formou gerações deprofessores para o ensino de história e geografia, nas séries iniciais daescola básica, escrito por Heloísa Dupas Penteado (1991), é possívelencontrar como sugestão de atividade, com o tema culturas indígenas,situações de visita a museus, nos quais a autora inclui, mesmo quepreliminarmente, sugestão de trabalho com objetos como documentoshistóricos:

“Visita a um museu com peças da cultura indígena,onde isto for possível, é uma atividade muito rica, cujaorientação deve envolver:

um roteiro para registro das observações feitas: o queviu? (nome da peça observada e descrição); para queserve?

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uma conversa em classe sobre as observações feitas, asimpressões experimentadas, as dúvidas, as conclusõestiradas.

Se o professor julgar oportuno, tal visita poderá culminarcom uma redação feita em classe sobre o tema: O queaprendemos sobre a cultura indígena na visita aomuseu”.

Nos últimos trinta anos

“A galeria é construída de acordo com preceitos tãorigorosos quanto os da construção de uma igrejamedieval. O mundo exterior não deve entrar, de modoque as janelas geralmente são lacradas. As paredes sãopintadas de branco. O teto torna-se a fonte de luz. O chãode madeira é polido, para que você provoque estalidosausteros ao andar, ou acarpetado, para que você andesem ruído. A arte é livre, como se dizia, ´para assumirsua própria vida´. Uma mesa discreta talvez seja a únicamobília. Nesse ambiente, um cinzeiro de pé torna-sequase um objeto sagrado, da mesma maneira que umamangueira de incêndio num museu moderno não separece com uma mangueira de incêndio, mas com umacharada artística.”

Brian O´Doherty. No interior do cubo branco, 2007.

A partir da década de 1980, e hoje em dia cada vez mais,podem ser encontradas publicações pontuando propostas de comotrabalhar com objetos de museus no ensino de história, produzidas porprofissionais dos setores educativos dos museus e por professores.Ummuseu com uma proposta educativa em expansão, por exemplo, éo Museu de Arqueologia e Etnologia – MAE-USP, que tem publicadoscadernos de suas exposições, com orientações para atividadeseducativas, além de oferecer curso para professores, produzir vídeos

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e organizar e emprestar kits com objetos arqueológicos e etnográficospara docentes desenvolverem atividades nas escolas. Em especial,do ponto de vista didático, para sistematizar as especificidades dosobjetos como documento histórico, criou o Roteiro de Análise deObjetos, para os kits temáticos, como relata a educadora do MAE,Judith Mader Elazari. O Museu Paulista também colocou à disposiçãodos docentes inúmeros textos, vídeos, guias, cursos e materialeducativo, aprofundando questões sobre o que é um museu, qual suafinalidade, a especificidade de um museu histórico, a interferência dahistória do museu na organização de seu acervo e exposições etc.

Nos textos de Ulpiano Bezerra de Meneses (1992), que foidiretor do Museu Paulista, o professor encontra orientações para estaratento ao trabalho com documentos nos museus. Segundo ele, “nomuseu os objetos transformam-se, todos, em documentos, isto é,objetos que assumem como papel principal o de fornecer informação,ainda que, para isso, tenham de perder a serventia para a qual foramconcebidos ou que definiu sua trajetória. É por isso que um relógio,numa coleção, deixa de ser um artefato que marca a hora: ninguémcoleciona relógios para cronometrar o tempo com maior precisão.Numa coleção (a coleção institucionalizada domuseu), o relógio, aindaque funcione, passa a ser um artefato que fornece informação sobreos artefatos que marcam a hora. Naturalmente, esse esvaziamento dovalor de uso, em benefício do valor documental, não é o mesmo paratodo tipo de objeto. Ele é reduzido nos museus de arte (...) Nummuseuhistórico, nenhum objeto é utilizado segundo seus objetivos práticosoriginais (...)”. É nessa transformação de objetos em documentoshistóricos, que o autor conceitua o que é um museu: “(...) é o lugarpróprio organizado para coletar objetos, preservá-los e os classificar,estudar, expor, publicar, etc.”.

Como fruto dessa bibliografia produzida nas décadas de1980 e 90, nos Parâmetros Curriculares de História (MEC,1998), emseus objetivos e nas orientações didáticas, foram inseridas questõespertinentes à difusão de valores de preservação do patrimôniohistórico, de atividades de uso de documentos históricos no ensino,

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de cuidados necessários com as dimensões simbólicas e materiaisdos documentos, de difusão de visitas a museus, exposições e sítiosarqueológicos, propostas de estudos sobre as extensões da memórianos acervos preservados etc.

Como conseqüência, hoje em dia, diante da ampliação denovas referências teóricas e práticas, uma das responsabilidades deprofessores de prática de ensino de história tem sido estudar comseus alunos, futuros professores, algumas alternativas pedagógicasde visita a museus. Para isso, a bibliografia atual apresenta umasérie de premissas inerentes a esse tipo de atividade. Uma delas dizrespeito a como explicitar didaticamente o que são os museus, paraque isso também reflita no trabalho didático que irão desenvolver comseus futuros estudantes.

Uma das alternativas pedagógicas nesse sentido, na formaçãode professores, tem sido programar visitas a variados espaçosmuseológicos, com funções e acervos distintos, com a intenção deevidenciar suas semelhanças e, ao mesmo tempo, suas diferenças.Afinal, o que é um museu? Será que podem ser diferentes entresi? Questões como essas podem desencadear visitas a diferentesinstituições. Uma visita com os alunos ao Museu Paulista, que expõeprincipalmente uma memória oficial da elite cafeeira e seus elos coma história nacional, junto com uma visita ao Museu do Bixiga, repletode objetos doados por moradores de um bairro operário, favorecemum trabalho de confrontação de acervos, dos espaços organizados,das histórias e memórias preservadas, possibilitando reflexões maisinstigantes e críticas.

Como explica Ulpiano Bezerra de Menese (1992), o museufaz parte de uma sociedade que “para afirmar e reforçar suaidentidade, procura construir uma memória, de preferência unificadae homogeneizada. A memória, assim, aparece como operaçãoideológica, formadora de imagens, representação de si próprio quereorganiza simbolicamente o universo das coisas e das relaçõese produz legitimações”. Assim, a possibilidade de perceber umaperspectiva heterogênea de museus, de seus acervos e de suas

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memórias, revela também aspectos importantes para estudos dadiversidade social, assim como das conquistas dos grupos antessubmetidos às versões históricas das elites dominantes. Reflete aindaa ampliação, nas últimas décadas, nas concepções de história e dedocumentos históricos, que passaram a atribuir valor também à vidacotidiana e às pessoas comuns.

Outra preocupação do professor de prática de ensino dizrespeito à explicitação da função social e política do museu e desuas exposições. Por exemplo, em 2009 foi aberta uma exposiçãono Centro Cultural Solar Ferrão, em Salvador na Bahia, com o títuloFragmentos: Artefatos populares, o Olhar de Lina Bo Bardi, comobjetos do artesanato nordestino (utensílios emmadeira, objetos debarro, pilões, ex-votos, santos, objetos de candomblé), que seriamexpostos na Galeria de Arte Moderna, em Roma, na Itália, em 1965.Naquela ocasião, durante o regime militar, a exposição que receberiao título “Nordeste do Brasil”, foi proibida pelo Itamarati. Hoje, essamesma exposição está aberta ao publico sem restrição.

Outro exemplo da importância de se estar atento às funçõespolíticas dos museus foi a “Grande Exposição deArteAlemã”, de 1937.Naquela ocasião, por conveniências políticas de Hitler, foi construídoem Munique um museu no estilo neoclássico, estética oficial donazismo, para abrigar obras da arte aprovada pelo regime. Erampinturas de estilo acadêmico versando sobre heroísmo, dever familiar etrabalho da terra, que foram expostas como obras que representavamo verdadeiro espírito alemão. Simultaneamente, também emMunique,foi inaugurada outra exposição, chamada de “Arte Degenerada”, queincluía quase todos os artistas da arte moderna do início do século XX,tanto alemães como estrangeiros. Sobre essa outra arte, que incluíapinturas de Mondrian, Max Ernst, Paul Klee, Marc Chagal, Kandinsky,Muche, Lasar Segal, Hitler discursou: “(...) em nome do povo alemão,quero proibir que esses infelizes, que obviamente sofrem de doençados olhos, tentem impor esses produtos de sua interpretação errônea àépoca que vivemos, oumesmo que os apresentem comoArte.” (CHIPP,1999). As obras recolhidas pelo nazismo como arte degenerada foi

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parte dela vendida no exterior para financiar os preparativos da guerra,e a outra parte foi destruída.

No contexto da expansão dos ideais nazistas, as duasexposições foram organizadas com finalidades políticas. A primeirapara indicar os valores desejados pelos governantes naquele contexto,e a segundo para desqualificar estéticas e valores indesejados. Ouseja, tanto o museu, as exposições e os acervos não são neutros. Aocontrário, expressam escolhas e compromissos com o contexto emque foram organizados. Assim, nesse olhar reforçado pela bibliografia,professores e estudantes devem ter a preocupação com a história dosmuseus visitados, assim como com suas finalidades sociais, culturaise políticas.

Outra preocupação importante é formar professores para queconsidere a especificidade do tipo de museu que pretende visitarcom seus alunos, já que existe uma tipologia de museus, que precisaser considerada. Há museus histórico, de arte, de antropologia(arqueológico, etnográfico, folclórico, artes populares), geologia,zoologia, ciência e tecnológico, da imagem e do som, além dosmuseus com temas específicos (do telefone, transporte, brinquedo,museu do bairro, de uma empresa...) etc... Em São Paulo há ummuseu do futebol, no Rio de Janeiro um museu do carnaval, em PortoVelho um museu ferroviário, em Barbacena um museu da loucurae, assim por diante, há uma grande variedade de opções. É precisoainda atentar para o fato de que um professor de história não precisanecessariamente visitar com seus alunos somente museus históricos.É possível estudar história também através da arte, das invençõescientíficas, de comportamentos culturais ou de registros imagéticos.

Ainda sem escolher o museu onde irá realizar a visita, odocente precisa estar atento ainda para uma bibliografia ampla, quesolicita dele ir além do tema de estudo histórico especifico do planocurricular. Além de estudar um tema como, por exemplo, a vida dosbandeirantes, indo visitar com seus alunos um museu com acervocolonial paulista, a bibliografia provoca o educador para o trabalhocom documentos (em muitos casos um exercício de interpretação de

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objetos), e ainda com educação patrimonial, políticas públicas ligadasà cultura, a história dos museus em geral, suas funções em diferentescontextos históricos, o prédio que abriga a instituição, sua arquitetura,as atividades lá desenvolvidas, como as exposições são organizadasetc.

Como lembra Peter Burke, “a próxima vez que você entrar nummuseu, seja ele o Museu do Ipiranga, o Louvre ou British Museum,reserve algum tempo para observar o próprio museu. Os museus sãomuito mais do que meros recipientes para os objetos nele exibidos.Eles têm sua própria história e podem nos dizer muito sobre a épocaem que foram construídos” (1996).

Diante de bibliografias que tratam da relação entre museu eeducação, as preocupações com a formação de um professor nãodevem parar por aí. Depois de sensibilizá-lo para a escolha de qualmuseu visitar com seus alunos, é preciso ainda propor que ele procureconhecer a peculiaridade do museu que escolheu. Se optou por ummuseu de arte, ou um museu histórico, terá que considerar em seusplanejamentos quais os acervos que podem ser encontrados emcada um deles e quais deverão ser os procedimentos para que osestudantes saibam questionar historicamente as obras que lá serãoencontradas. Terá também que se preocupar em conhecer a históriado museu que irá visitar, desde quando existe, por que foi organizado,com qual intenção, quais as peças que estarão expostas e com qualfinalidade, se poderá contar com um setor educativo e qual a propostaque esse setor desenvolve.

Diante das escolhas possíveis, o professor de históriaprovavelmente deverá considerar as obras como documentoshistóricos, sejam elas pinturas, esculturas, móveis, ferramentas,vestimentas ou materiais escritos. Em todo caso, também precisaponderar que, no caso, por exemplo, de um museu de arte, o acervopossui, além de importância histórica, também valor artístico queprecisa ser levado em consideração durante a visita. Em outros casos,a atenção pode estar voltada para a técnica, ou para a tecnologia, ouainda para a possibilidade de grupos sociais disporem de espaço para

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difusão de sua cultura.Uma das particularidades dos estudos atuais é o fato de

orientar para um tratamento didático do acervo como objetos dacultura material. Encaminham, então, no sentido de particularizar essetipo de documento histórico - o objeto -, para organizar proposiçõesdidáticas envolvendo a coleta de dados de sua materialidade, com opropósito de revelar sua relação com determinada cultura humana.As propostas contemplam a preocupação em ensinar a interrogar oobjeto, para colher dados sobre sua inserção histórica em determinadasociedade, tempo e espaço, e assim, dos indícios materiais, descobrirsua função e uso - de qual material foi feito, qual sua forma, como estádecorado..., e como era usado, para que servia, quem produziu, comquais técnicas e ferramentas foi feito.... Ángela Garcia Blanco (1994),lembra a importância ainda de não isolar o objeto em si mesmo, mas,procurar sua relação com outros objetos pertencentes ao seu contextocultural e histórico.

Em uma visita ao Museu de Arte de São Paulo, estudando comos alunos as obras do Renascimento europeu, seguindo a orientaçãoda bibliografia, seria preciso, então, além de providências paralocomoção, ingresso e autorização para saída da escola, o professorconsiderar:

• o museu em si - o que é um museu de arte, qual a história dacriação do MASP, sua arquitetura e qual a inserção dessa construçãona cidade, qual era seu projeto inicial, qual o projeto que vigora agorano presente...;

• o que nele pode ser encontrado - que tipo de acervo,exposições, textos explicativos...;

• onde e como estão expostas as obras renascentistas - se háum único espaço para elas, se estão dispostas por data, por autor, porpaís, por temas, por estilos, por escolas artísticas, se a disposição éprovocativa ou não...;

• quais são essas obras e quem são seus autores - quais suasprocedências, características, diálogos com a história da arte...;

• como são materialmente constituídas as obras - tamanho, do

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que são feitas, como são suas molduras, o que expressam da suaépoca...;

• o que as obras contam sobre as técnicas - suportes, tintas,pinceladas, verniz...;

• o que contam sobre os estilos - temas, recorrências, cores,tamanho, composição...;

• o que a relação entre as obras na exposição querem contarsobre a arte daquele período - uma evolução, uma descontinuidade,a semelhança nos estilos, suas diferenças, as tradições por ateliês depintores ou por local... - e se elas poderiam estar dispostas de outromodo e sugerir outras histórias;

• quais os diálogos entre as obras expostas - aproximações edistanciamentos de temas, cores, materiais...;

• quais seus vínculos políticos e sociais com a sociedade daépocaemque foramproduzidas - custo, financiamentos,encomendas...etc.

Além de todas essas observações, a demanda para oprofessor seria preparar atividades para todas essas questões (oualgumas delas), sem esquecer que a visita é também um momentode socialização e apreciação do espaço visitado e de suas obras. Esem perder de vista a apreensão síntese do tema de estudo, ou seja,a compreensão pelos alunos do que se denomina arte renascentistaeuropéia, suas especificidades e transformações históricas, e, aomesmo tempo, como o museu visitado, com seu acervo, permite queela possa ser entendida.

Preocupações como essas não são em vão. Se a visita a essetipo de acervo não provocar alguns questionamentos, o professorperde seu papel de orientar os estudantes para além da coleta deinformações. Só para se ter um exemplo como referência, é possívelcitar como, em 2008, estavam organizados os quadros renascentistasno MASP. Eles estavam expostos no andar do acervo permanente,arranjados no espaço por ordem cronológica, sendo separados porpaíses. Primeiro os quadros do renascimento italiano, que progrediampara o barroco, e depois para a pintura francesa dos séculos XVII

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e XVIII. Só existia a possibilidade de conhecer algumas obrasrenascentistas flamengas e francesas, para serem comparadas comas italianas, por conta de uma exposição temporária presente dooutro lado do salão. Como a escolha do tema era do professor, cabiaa ele conhecer as potencialidades do museu, localizar as obras quefavoreciam os estudos comparativos, e criar um roteiro alternativo.Consultado, o setor educativo do MASP tinha seus próprios roteiros,outros temas, e outras perspectivas de análise das obras.

É nessa situação que se coloca a importância do trabalhodocente na preparação das visitas. O tema escolhido, e adequado aocurrículo escolar, não estava pré-organizado. A disposição das obrastinha outra intenção. Assim, cabia ao professor conhecer a exposição,fazer suas escolhas temáticas e didáticas, para dar conta de trabalharum tema histórico escolar específico.

Só para contraponto, é importante lembrar que o acervodo MASP, diferente da escolha atual do curador de dispô-locronologicamente, tinha na década de 1960 um projeto diferente.Na proposta original da arquiteta Lina Bo Bardi, todas as pinturasestavam expostas num vão livre, aberto, viradas para o visitante queentrava no ambiente, sem qualquer indução de evolução no tempo. Asobras eram compostas em painéis de cristal, apoiadas em blocos deconcreto, viradas em uma única direção perpendicularmente à rua, demodo a permitir que a luz das janelas de vidro atravessasse a sala,e o prédio e as obras não interrompessem a vista do Parque Trianonaté o centro da cidade. Todas organizadas de modo que o visitantepodia ver, simultaneamente, um Renoir, um Manet, um Portinari, umMantegna, um Botticceli, um Picasso e as esculturas de Degas,sem uma classificação por períodos históricos, sem uma ordenaçãopor espaços europeus, o que já possibilitava outra concepção para asobras de arte e para o conjunto que se apresentava. O visitante podiaapreciar ainda os quadros sem qualquer interferência de legendas,pois as informações estavam no verso das pinturas. Conhecer, assim,as propostas distintas para dispor um mesmo acervo faz diferença.Abre a possibilidade de exercitar um outro olhar para o museu e suas

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exposições. Significa também ensinar para as novas gerações comopodem encontrar alternativas para conhecer a realidade e experiênciá-la.

Como vimos, muitas orientações dos trabalhos teóricosrecentes, propondo atividades envolvendo museus e escolas, partemde alguns pressupostos:

• a necessidade de conhecer o que são museus, a história dosmuseus, sua diversidade e suas funções dentro dos contextos ondeestão inseridos;

• identificar a especificidade dos acervos expostos em cadamuseu, reconhecendo a existência de uma diversidade de tipos demuseus..;

• ter em conta que os acervos expostos são transformados emdocumentos históricos e que, na perspectiva do ensino, eles são transformados em material didático;

• conhecer as razões fornecidas pelo próprio museu queexplicam a presença de determinadas peças na exposição e nãooutras – seu valor histórico, artístico, científico...;

• conhecer a história específica do museu a ser visitado edo espaço arquetetônico que o abriga, no esforço de entender suafinalidade, seu contexto e as intencionalidades sobrepostas ao longode sua história;

• identificar as propostas das exposições e como estãomaterializadas na organização do espaço, na disposição das obras enas narrativas dos textos e falas de monitores;

• conhecer procedimentos de como colher e interpretar dadosde objetos de cultura material, e/ou como analisar obras de arte, etc...;

• relacionar os objetos materiais procurando construir hipótesese interpretações possíveis, a partir do conjunto de peças relacionadas,que indiquem possíveis contextos históricos de pertencimento – suasociedade, tempo e espaço; e se possível, utilizar material didáticojá existente ou organizado especialmente para determinada visita,que contribua para leitura das obras expostas e das propostas daexposição.

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REFERÊNCIAS

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AS SEDUÇÕES DA MEMÓRIA NO ENSINODE HISTÓRIA.Francisco Régis Lopes RamosProfessor do Departamento de História da UFC.Coordenador do Programa de Pós-Graduação em História da UFC.

O PASSADO ENTRE A MEMÓRIA E A HISTÓRIA.

Em seu mais recente livro traduzido para o português, Chartierfaz um balanço sobre algumas questões que, nas últimas décadas,apareceram, muitas vezes, sob o clichê “crise da história”. Como nãopoderia deixar de ser, há um tópico a respeito das diferenças entrehistória e memória. Enquanto a memória é tratada como produçãovinculada às demandas existenciais das comunidades, a história éinscrita na ordem de uma reflexão crítica “universalmente aceitável”(Chartier, 2009, p. 24).

Em seu parecer, as distâncias entre história e memória forammedidas com maior clareza com a publicação do livro de Paul RicouerA história a memória e o esquecimento. De fato, essa é uma obrade referência, destinada a permanecer por muito tempo no rankingdas notas de rodapé. Por outro lado, não deixa de ser significativoperguntar-se sobre a eleição desse divisor de águas. Por que Chartiernão preferiu citar o já conhecido trabalho de Pierre Nora? Afinal, adistinção entre história e memória veiculada por Nora é, também, umponto saliente no espaço historiográfico.

Suspeita diante da história, a memória é tratada por Pierre Noracomo objeto de estudo. É por isso que ele adverte: “não se celebramais a nação, mas se estudam suas celebrações” (Nora, 1993, p. 09).Os “lugares de memória” existem porque, no mundo contemporâneo,não há mais a rede mnemônica que havia nas sociedades tradicionais.Sem essa memória vivida no cotidiano, os processos de modernizaçãocriaram lugares para lembrar, já que o próprio existir em sociedade não

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carregava mais a potência da recordação coletiva e compartilhada.Daí o excesso recordativo, identificado como característica de ummundo fragmentado, perdido e em busca de um sentido para o tempo.Os “lugares de memória” são, portanto, “rituais de uma sociedade semritual; sacralizações passageiras numa sociedade que dessacraliza”(Nora, 1993, p. 11). Museus, arquivos, cemitérios e coleções, festas,aniversários, tratados, processos verbais, monumentos, santuáriosassociações, são “fidelidades particulares de uma sociedade queaplaina os particularismos” (Nora, 1993, p. 11).

No Brasil, como em outras partes do mundo, o termo fezsucesso e passou a ser usado não mais como recurso teórico, mascomo solução conceitual para explicarmuseus,monumentos, arquivos,comemorações. Ora, nem é preciso dizer que a potência analítica daproposta entrou em declínio, na medida em que passou a freqüentarexplicações institucionais de variadas maneiras. Ignorou-se que Noranão pretendia criar uma teoria universal.

De qualquer modo, salta aos olhos a segurança de Chartierquando proclama a independência da história. Isso, ao meu ver,não vem apenas por um suposto aperfeiçoamento de técnicas outeorias, mas através de tensões constituídas pelo lugar que o termomemória vem ocupando no mundo contemporâneo. A “defesa damemória” assumiu proporções tão inesperadas que o tema passoua ser tratado de outra maneira. Afinal, historiador gosta de identificarcoisas naturalizadas, não propriamente para “desnaturalizar”, maspara estudar as vias através das quais foram se constituindo certasnecessidades ou certas demandas que passaram a se apresentar naqualidade de valores imprescindíveis.

Chartier avalia que a nossa conexão com o passado “estáameaçada pela forte tentação de criar histórias imaginadas ouimaginárias...”. Daí vem a necessidade de estabelecer a reflexão sobreas condições que dão à escrita da história um poder de estruturarexplicações e “representações” em torno da “realidade que foi”: “...essa reflexão participa do longo processo de emancipação da históriacom respeito à memória e com respeito à fábula, também verossímel”

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(Chartier, 2009, p.31).“A necessidade de afirmação ou de justificação de identidades

construídas ou reconstruídas, e que não são todas nacionais, costumainspirar uma reescrita do passado que deforma, esquece ou ocultaas contribuições do saber histórico controlado” (Chartier, 2009, p.30). Controlado, nesse sentido, significa metodicamente pesquisado,com base em discussões teoricamente orientadas e debates sobre aética dos que produzem saber. Mas não é proposta apenas lançar ahistória contra a memória. O que se quer passa por uma postura bemmais complexa diante do desvio mnemônico realizado como parteintegrante de muitos movimentos sociais: “Esse desvio, impulsionadopor reivindicações frequentemente muito legítimas, justifica totalmentea reflexão epistemológica em torno de critérios de validação aplicáveisà ‘operação historiográfica’ em seus diferentes momentos.” (Chartier,2009, p. 30.)

A referência ao termo “operação historiográfica” tem, nessesentido, um valor central. Há, em toda obra de Chartier, uma declaradafiliação à Michel De Certeau, uma apropriação rigorosa e, ao mesmotempo, afetiva, em um movimento criativo e propositivo. Não se podedizer o mesmo sobre a obra de Paul Ricoeur, mas a respeito de seulivro há pouco citado, a situação assemelha-se: De Certeau emergecomo base confiável para se pensar as tramas envolvidas na escritada história. Refiro-me a isso de maneira mais detalhada porque é emDe Certeau, penso eu, que a teoria da história encontrou mais forçapara se tornar passível de investidas historiográficas, tornando-se,também, objeto de crítica.

Seria uma tarefa longa inventariar as posições que, nasúltimas décadas, fazem essas fronteiras entre história e memória,com argumentos mais ou menos semelhantes. Cito, apenas comoexemplo, Jean-Pierre Rioux, em seu texto sobre a moda da “emoçãopatrimonial” que dá existência ao “self-service da celebração”:

É verdade que a memória sempre foi imperiosa eprovocadora. Mas hoje ela desnuda e trespassa mais

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do que nunca. Causa também arrepios, jogandoalternadamente com a nostalgia e a inquietação. OsGregos haviam-no pressentido: a pequena Clio, filha deMnemósina e de Zeus, distrairá os deuses e conviverácom os poetas. O seu sopro, dizia Hesíodo, há de afagarpara sempre os mortais, anunciando-lhes “o que será e oque foi”. (Rioux, 1998, p. 307)

Seguindo a mesma argumentação de Pierre Nora, Rioux tentamostrar que, apesar da rede de seduções, não há união possível entreos procedimentos do saber histórico e a produção social dasmemórias:“colocar esta incompatibilidade de humor entre filha e mãe, entre Clioe Mnemósina, é um primeiro dever para o historiador” (Rioux, 1998,p. 307).

O livro de Beatriz Sarlo Tempo Passado, inexplicavelmenteausente da bibliografia de Chartier, é certamente uma leitura quetem lastro e abertura para nutrir a renovação dos debates. Suaargumentação gira em torno do perigo que reside na supervalorizaçãode relatos dos oprimidos por ditaduras recentes. E o que estariaem perigo? A própria história, em seu intuito de fazer pensarhistoricamente. Logo se vê que esse é um livro corajoso, sobretudoporque mexe em algo demasiadamente delicado: a memória dostorturados. Seu destemor concentra-se precisamente em afirmar quea história é um conhecimento necessário e indispensável. Sem meiaspalavras, a autora não faz concessões às conveniências das políticasacadêmicas: “o espaço de liberdade intelectual se defende atémesmodiante das melhores intenções” (Sarlo, 2007, p. 20). O olhar é certeiroe o alvo é o clã dos intelectuais. Como pensadora atuante, ela sabeque a sobrevivência da intelectualidade nos dias atuais passa peloexercício de cortar a própria carne, ritual de inquietação criativa queme faz lembrar o protesto que o prof. Maurício Tratemberg havialançado no final dos anos de 1960 e que continua atual. Refiro-me aoque ele chamava de “delinquência acadêmica”.

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A delinqüência acadêmica caracteriza-se pela existênciade estruturas de ensino em que os meios (técnicas) setornam fins, os fins formativos são esquecidos; a criaçãodo conhecimento e sua reprodução cedem lugar aocontrole burocrático de sua produção como supremavirtude, em que “administrar’ aparece como sinônimode vigiar e punir - o professor é controlado medianteos critérios visíveis e invisíveis de nomeação; o aluno,mediante os critérios visíveis e invisíveis de exame. Issoresulta em escolas que se constituem em depósitos dealunos, como diria Lima Barreto em Cemitério de vivos.(Tratenberg, 2004, p. 18).

Não há, portanto, separação entre produção de saber e lugaronde se produz. O lugar da história hoje, penso eu, está em situaçãoinconciliável com a memória. Nesse sentido, é preciso saber que“não há equivalência entre o direito de lembrar e a afirmação de umaverdade da lembrança; tampouco o dever de memória obriga a aceitaressa equivalência.” (Sarlo, 2007, p. 44). Ora, há nessa observaçãode Beatriz Sarlo uma crítica à volta do valor absoluto do documento.Documento que, nesse absolutismo ontológico da memória, aparecenão somente como uma fonte autêntica, mas como o próprioconhecimento. Ou pior: passa a funcionar na qualidade de critério daautenticidiade a respeito do pretérito. Em outros termos, aquilo queera objeto de interpretação histórica transforma-se no próprio ato deconhecer, como se o passado fosse algo meramente revelado.

A partir da diferença entre o individual e o específico (PaulRicoeur), Beatriz Sarlo adverte sobre “o primado do detalhe”, quecostuma ser manipulado como fonte de “credibilidade da narrativa”.Assim, caberia ao juízo crítico o trabalho com o específico e nãopropriamente com indivíduos (ou grupos), supostamente portadores doinquestionável: “O específico histórico é o que pode compor a intriga,não como simples detalhe verossímil, mas como traço significativo; nãoé uma expansão descritiva da intriga, mas um elemento constitutivo

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submetido à lógica.” (Sarlo, 2007, p. 51).Os museus, nesse caso, tornar-se-iam lugares de ensino de

história na medida em que a memória fosse tratada como fonte deconhecimento e não simplesmente como algo já conhecido. É claroque não dá para eliminar a memória, isso seria como esvaziar o serhumano, tirar-lhe a sua condição de ser cultural. Também não dá,como ressalta Fernando Catroga, para desligar todos os fios entrememória e história, assim como é impossível entender que a históriaestá livre das armadilhas mnemônicas (Catroga, 2001, p.65). Mas,se um museu pretende ser educativo, necessariamente deve existiro cultivo da crítica historicamente fundamentada. Afinal, não se trataapenas de promover o reconhecimento, mas o próprio conhecimento,que incomoda na medida em que conhecer não é confirmar o que sesabe.

Tempo Passado, explica Beatriz Sarlo, inspira-se em umaobservação de Susan Sontag: “Talvez se atribua valor demais àmemória e valor insuficiente ao pensamento”. Mas, nada é tão simplesassim. Ao concluir que “é mais importante entender do que lembrar”,a autora adverte que, para entender, “é preciso lembrar” (Sarlo, 2007,p. 22). No final das contas, está se compondo não uma condenaçãoà memória, mas uma reflexão sobre a defesa da memória, aqueladefesa que só sabe se defender, sobre a qual não se pode exercero pensamento e através da qual o poder repressivo exerce controle,seja nas instituições ou nas relações cotidianas.

Nessa mesma direção, não se deve confundir tema de estudocom defesa de um tema. Pensar que estudar os índios é defenderos índios é a mesma coisa que imaginar que estudar o nazismo édefender o nazismo. Se fosse possível transpor o conceito do prof.Maurício Tratemberg para uma situação bem específica, poder-se-iaimaginar que inserir no âmago do ensino de história um tribunal dedefesa e ataque é uma espécie de “delinqüência epistemológica”.

Aliás, nunca é demais repetir que a qualidade de uma pesquisanão se mensura pelo tema e sim pela articulação entre problema,teoria, métodos e fontes. Articulação, vale destacar, que se torna

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densa na medida em que é criadora e criatura da reflexão crítica,feita na liberdade e para a liberdade de se pensar sobre as relaçõesentre passado, presente e futuro. Essas noções, tão elementares paraquem pesquisa com critérios e compromisso com o saber, precisamser evidenciadas não somente no ato de pesquisar, mas tambémquando são observadas as maneiras pelas quais as políticas públicaspartem em defesa do dito “patrimônio histórico” ou de outras categoriasnaturalizadas pela repetição das assessorias de imprensa.

Sendo assim, o debate sobre o ensino de história nãodeveria amenizar a diferença entre história e memória. Mesmocom as muitas semelhanças, uma não se confunde com a outra. Oconhecimento histórico pressupõe um trabalho teoricamente orientadoe constantemente submetido a critérios publicamente discutidos econstantemente passíveis de crítica e autocrítica. A memória é algomuito mais abrangente, vincula-se ao modo pelo qual as culturasfazem relações entre passado, presente e futuro. Enquanto a históriacriou o hábito de pensar sobre suas fontes e suas considerações, amemória encarrega-se de lembrar, com a crença de trazer ao presenteo que se passou ou ainda se passa, a partir de certos valores quepodem, ou não, reivindicar validade universal. A história, sobretudonas últimas décadas, trata a memória como objeto de estudo, comofonte para reflexões sobre o modo pelo qual as sociedades lembram,como documento sobre o papel das recordações nas várias dimensõesda vida cotidiana, como a religião, a política, a família, a festa etc. Ocontrário não se dá, ou seja, a memória não estuda a história, assimcomo a saúde não estuda a medicina. Desse modo, cabe perguntarsobre as responsabilidades da história diante da memória.

Transformada em bandeira de luta, dentro e fora das salas deaula, a atual “defesa damemória” vemgerando uma confusão que deveser melhor discutida. Refiro-me à volta de narrativas que identificamo passado com a “testemunha”, com base na própria legitimidade damemória. Urge, então, o debate sobre a chamada “diversidade damemória”, que, em princípio, não tem (ou não deveria ter) relação desemelhança com escrita da história. Depois do longo século XX, pelo

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menos uma conclusão parece ser mais ou menos consensual entre osteóricos: a história não é escrita com o intuito de exibir as variaçõesmnemônicas e sim no vínculo inegociável com problematizações sobreas relações que o presente estabelece com o passado, incluindo aías maneiras de lembrar socialmente compartilhadas, em jogos deacordos e disputas.

O tempo mudou, mudando também a contagem do tempo. Nasúltimas décadas, e por muitos meios, “identidade”, “memória” e “etnia”transformaram-seempalavrasdeordem.Repito:deordem.Oqueantesparecia ser embenefício da reflexão historicamente fundamentada vemse transformando, muitas vezes, em selo de qualidade para projetosoficiais (ou alternativos) supostamente participativos. O passadopassa a ser “resgatado” para servir de alimento aos movimentos de“reconstrução de identidades” e “valorização étnica”.

E, sobre isso, os PCNs de História têm motivado uma práticapedagógica que ainda não conseguiu se livrar de antigos estereótipos,sobretudo no que se refere às confusões entre defesa da memória edefesa da história. Cito, então, um trecho do PCN para o Ensino Médio,que tem gerado repercussões didáticas explicitamente hesitantes arespeito do caráter crítico da escrita da história diante dos documentos:

Um compromisso fundamental da História encontra-se nasua relação com a Memória, livrando as novas geraçõesda “amnésia social” que compromete a constituição desuas identidades individuais e coletivas.

O direito à memória faz parte da cidadania cultural e revela anecessidade de debates sobre o conceito de preservação das obrashumanas. A constituição do Patrimônio Cultural e sua importânciapara a formação de uma memória social e nacional sem exclusões ediscriminações é uma abordagem necessária a ser realizada com oseducandos, situando-os nos “lugares de memória”, construídos pelasociedade e pelos poderes constituídos, que estabelecem o que deveser preservado e relembrado e o que deve ser silenciado e “esquecido”.(BRASIL, 1999, p. 54)

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Há aí uma ambigüidade: o ensino de história deve livrar asnovas gerações da “anmésia social” e, ao mesmo tempo, deve trataros “lugares de memória” no sentido crítico. Em geral, o que se vê é aescolha do professor pela primeira opção. O que prevalece é o direitoà memória e não o direito à história. Ou melhor: o que predomina é aconfusão entre esses direitos, transformando a história em acúmulode memória ou dando à memória a qualidade de história verdadeira.

USOS E UTILIDADES DO PASSADO

Adefesade identidadepressupõeadefesadopassado.Quandoum grupo de pessoas se define em um espaço cultural com fronteirasdefinidas, há necessariamente requerentes de acontecimentosfundadores. O passado é assediado e funciona como deferimentopara as lutas do presente, legitimando-as de uma maneira radical,porque o termo “história” assume a condição de sentido do tempo,que se realiza nas pessoas, mas está para além delas, na medida emque evidencia uma ordem transcendental.

Jay Winter, em suas investidas em torno dos usoscontemporâneos da recordação, conclui que “a criação e adisseminação de narrativas sobre o passado surgem de e expressampolíticas de identidade”. Como exemplo, ele cita o Memorial Nacionaldo Holocausto no Mall de Washington, feito para expressar o “orgulhojudeu-americano”: “Emprestando uma notação de um crítico literário,feita em um contexto totalmente diferente, o museu expressa umahistória sem medida em uma gramática que vive em um hífen, o hífenda política-étnica”. O sucesso do museu foi e é estrondoso, chamandogrande e variada quantidade de visitantes. O efeito de uma estruturacuidadosamente montada, conforme Winter, não é de pouca monta:“... nos inscreve desde o começo em uma família de enlutados, que,entre outras coisas, é uma família judia”. E o apelo para o público nãoé de menor proporção: “Orgulho e tristeza étnicos estão presentes láem partes iguais” (Winter, 2006, p. 71).

O caso citado por Winter é particular, mas também é indício

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de um movimento mais geral de valorização da memória e podeservir para inspirar estudos sobre situações diferenciadas. Assim,vale questionar a respeito do modo pelo qual as recordações fazemparte da construção de identidades e, portanto, da diversidade culturalconvocada na qualidade de “direitos culturais”, que não podem serentendidos simplesmente como o direito de ser diferente.

É por isso que Alain Tourane adverte que os direitos culturaisnão devem ser considerados como uma extensão dos direitos políticos.Enquanto os direitos políticos são concedidos a todos os cidadãos,os direitos culturais protegem populações específicas: “É o caso dosmuçulmanos, que exigem o direito de fazer o ramadã; é também o casodos gays e lésbicas, que reclamam o direito de casar”. Não se trata,simplesmente, do “ direito de ser como os outros”. O que se reivindicaé a possibilidade de “ser outro”. O multiculturalismo entra em colisãocom o universalismo abstrato das Luzes. Além de visar à proteção dadiversidade, afirma que “cada um, individual ou coletivamente, podeconstruir condições de vida e transformar a vida social em função desua maneira de harmonizar os princípios gerais da modernização comas “ ‘identidades’ particulares”. O “direito à diferença”, segundo AlainTourane, é um termo incompleto e mesmo perigoso, pois a “diferençacultural” não pode ser vista de maneira isolada na medida em quese relaciona com uma economia cada vez mais mundializada. Assimpensado, o multiculturalismo “exclui a ideia de que a modernidadereina acima de todos os atores sociais, e igualmente a de que umaúnica cultura seria capaz de responder às exigências da modernidade”(Tourane, 2006, p.171).

Se, por um lado, a própria afirmação cultural se institucionalizae se legitima como resistência aos sistemas opressivos, não se podenegligenciar, por outro lado, o exercício de análise sobre a proliferaçãoda intolerância e dos preconceitos que nascem e crescem exatamenteno chão adubado pelo “direito à diferença”. Conflitos no presente, nessaperspectiva, não são somente do presente, porque estão calçados emdireitos supostamente adquiridos em dívidas que se acumulam notempo. O re-sentimento alimentado pela memória passa a impedir o

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re-pensar sobre a convivência.Como bem ressalta Teixeira Coelho, a tão falada “busca

das raízes” foi e é uma “operação que sempre cobrou seus tributosem sangue”. Mas não é fácil cultivar o debate sobre as muitasdesigualdades e as várias injustiças cometidas em nome de certas“identidades”, as grandes como as nações ou as menores, como asetnias e outras “minorias”. É por isso que tal perspectiva de análise nãoé bem recebida pela rigidez intelectual de certos meios universitários.E, como era de se esperar, “não é uma ideia nada oportuna para oideólogo de partido que deve gerar chavões cuja finalidade primeiraé ajudar seu grupo a conquistar o poder e, uma vez no poder, ali seperpetuar” (Coelho, 2008, p. 15)

Por outro lado, mas nessa mesma direção de crítica àontologia da identidade, David Rieff chega a dizer que a liberdadedo multiculturalismo, defendida pelos acadêmicos e pelas “ONGs”,acabou incentivando o “multiculturalismo do mercado”. A demandapelo consumo diferenciado ficou “cada vez mais ansiosa por deixarentrar mulheres, negros, gays e outros grupos marginalizados”.Yúdece conclui, com muita pertinência, que é esvaziado o sentidocontestatório do multiculturalismo na medida em que “o capitalismolucra com as novas mercadorias da diversidade” (Winter, p. 78)

O historiador da economia britânica, Alan Milward, queatualmente ensina em Florença, apontou para os ecosmateriais dessas duas palavras culturais: “herança”e “patrimônio”. (...) A transformação da memória emmercadoria valeu a pena, houve um enorme “boom” deconsumo do passado X em filmes, livros, artigos e, maisrecentemente, na internet e na televisão. Há toda umaindústria dedicada a “exibições de grande impacto” emmuseus, cujos visitantes parecem responder cada vezmaisashowsespetaculares.Históriavendeespecialmentebem como biografia, ou como autobiografia, ou, naspalavras de Milward (e de Pierre Nora): como história doego (Winter, p. 78).

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Nada garante que as boas intenções do multiculturalismopermanecem no decorrer do percurso, como alerta Alain Touraine:“acontece que os movimentos sociais se degradam até setransformarem no contrário deles mesmos”. Afirmações de crítica àviolência contra as minorias descamba para afirmações de violênciassem crítica contra outras minorias, consideradas na qualidade decisma ou heresia: “Quando o movimento de libertação nacional setransforma em nacionalismo, quando a luta de classe se reduz aum corporativismo, quando o feminismo se limita à supressão dasdesigualdades entre homens e mulheres deixam de ser movimentossociais e sucumbem à obsessão da identidade” (Tourane, 2006, p.177).

Se a “defesa da memória” anda sempre de mãos dadas comoa “defesa da identidade”, caberia, então, propor estudos (públicos eindependentes) sobre as “defesas da memória”; quer dizer, uma linhade pesquisa preocupada com história das muitas formas de lutar pelopassado no decorrer do tempo. Estaria em pauta o estudo em torno dasapropriações do pretérito na constituição das identidades. Obviamente,o desempenho do conhecimento historicamente fundamentado não sefaria nas campanhas de pacificação nem nas convocações de guerra.O importante seria fornecer meios através dos quais as lembrançasfossem inseridas em um campo de pensamento apto a entender aprópria construção histórica das tensões socialmente constituídas.Nessa linha de raciocínio, teríamos uma compreensão mais amplasobre aquilo que os “gestores da cultura” veem chamando de “defesade memórias das minorias”.

O ensino de história na atualidade, com sua precariedadeconclusiva e sua vocação para a interdisciplinaridade, pode dar algumacontribuição a esse debate na medida em que a memória passe a sertratada como manifestação de indivíduos ou grupos que se fazem emtensões sociais, com interesses que nem sempre são explicitados.Assim, memória perde sua redoma de sacralidade e começa a integraro campo de investigações sobre a mudanças e permanências dassociedades. Além disso, a memória torna-se passível de ser avaliada,

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não em tom jurídico ou laudatório, mas a partir de éticas publicamenteexplicitadas e valores que apontam para o campo do devir. Devirnão como pagamento de dívida, nem dever do destino, mas campopossível, enredado em passados que poderiam ter sido e assumirama condição de utopia. Todorov lançou um desafio que não pode serignorado por aqueles que pensam sobre essa dinâmica entre passadoe futuro:

O passado poderá contribuir tanto para a constituiçãoda identidade, individual ou coletiva, quanto para aformação de nossos valores, ideais, princípios - desdeque aceitemos que estes últimos sejam submetidos aoexame da razão e à prova do debate, em vez de quererimpô-los simplesmente porque eles são os nossos. (...)O passado pode alimentar nossos princípios de açãono presente; mas nem por isso nos revela o sentidodesse presente. O racismo, a xenofobia, a exclusão quehoje atingem os outros não são idênticos àqueles decinqüenta, cem ou duzentos anos atrás, não têm nem asmesmas formas nem as mesmas vítimas. A sacralizaçãodo passado o priva de toda eficácia no presente; masa assimilação pura e simples do passado ao presentenos deixa cegos diante dos dois, e por sua vez provocaa injustiça. Pode parecer estreito o caminho entresacralização e banalização do passado, entre servir aopróprio interesse e fazer exortações morais aos outros; eno entanto ele existe. (Todorov, p. 207)

É ingenuidade acreditar que o passado tem como destinodirigir-se ao presente. Pelo contrário, o presente é que insiste emse vincular a um suposto passado passível de ser apreendido, quedaria continuidades e diferenças em relação ao que se tem ou aoque se deveria ter, em conexão com o que se quer. A identificaçãodo esquecimento por aqueles que são assediados pelo desejo de

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lembrar, portanto, é a denúncia da memória que se vê sempre demaneira positiva e bem-vinda. O esquecimento esquecido (quer dizer,não percebido) é a transformação, a mudança, a presença do presenteque se livra efetivamente do pretérito, não como ruptura radical, mascomo movimento que abre espaço para o devir e não dá cabimentoaos planos do destino. O esquecimento denunciado, nessa lógicanarrativa do cultivo mnemônico, é sempre o vilão, que também temsuas memórias, seus interesses em produzir o passado.

História e memória estão no mesmo terreno de construçãode sentido para o tempo. Ambas são facas de dois gumes: cortamo presente e o futuro, ao mesmo tempo. A diferença estaria nosprocedimentos que regem o uso dos cortes e na maneira de fazeras costuras. A memória, ao contrário da história, não pensa sobre simesma de maneira sistemática, não aceita, em princípio, a memóriados outros, porque o direito a ter outras memórias já pressupõe, dealguma maneira, um exercício metódico que caracteriza a história.Mas a história não é simplesmente um saco de gatos. Também estálonge de inventários da diversidade, das sínteses conciliatórias ourelativismos da charmosa preguiça que delineia a pós-modernidade.

A memória, sempre pronta para se defender de outraslembranças, faz parte da própria existência de indivíduos e grupossociais, apresenta soluções de continuidade e rompimento,fundamentais em qualquer configuração cultural. A história não estálivre dessas vinculações, afinal o historiador não é (ou não deveriaser) um E.T.. Dependendo das filiações, há maior ou menor peso nasalianças com a memória, mas sempre emerge uma diferença, atravésda qual são estabelecidas as fronteiras: a missão da história está emapresentar problemas, não só como fundamento do próprio saber,mas como princípio ético de validação do ato de conhecer.

Nisso tudo, fica claro que o exercício do pensamento livre nãoé aleatório, não esmorece com o marketing pesado do relativismo quetudo justifica. Ao pensar sobre a liberdade, o pensamento deve serlivre, em uma busca incessante pelas vias de validação dos váriossentidos que o pensar pode ter.

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O ser humano é o ser que pode levantar a questãoda validade de sua própria práxis, o que significatranscender a facticidade na direção da tematizaçãoda esfera normativa, a qual lhe abre a possibilidade deafirmar que o que é não deveria ser, e que algo queainda não é deve ser. É isso precisamente que manifestao caráter paradoxal de nosso ser: sempre determinadoe sempre para além de qualquer determinação, poissempre capaz de levantar a questão da validade dequalquer determinação e assim de iniciar o processode sua superação. Nenhum mundo histórico é capazde determiná-lo de modo definitivo, pois a pergunta,em sua radicalidade, mostra que o homem é capaz detranscender qualquer imediatidade, qualquer dado. Elenão está preso a nenhum mundo, mas é transcendênciaconstante, tarefa permanente, portanto futuro comorealidade a ser construída. (Oliveira, 2001, p. 09).

A saída não seria o esquecimento, ou simplesmente aguçaros combates mnemônicos, mas a história atenta a esse processosocial e conflitivo dos modos pelos quais as recordações circulam oudeixam de circular. História e memória, nesse sentido, até podem seramigas, mas nem tanto, nem por muito tempo, na medida em quepossuem meios e fins que não combinam. Em seus apetites pelopassado, história e memória até sofrem a sedução da via conciliatóriae não é raro encontrar essa diplomacia, mas, nesses acordos, o quese vê é a diluição das fronteiras e a conseqüente mistura que passa ajustificar sem argumentar, que afirma a diferença sem afirmar o direitoà igualdade, criando outras discriminações sociais. Não dá, portanto,para ceder aos apelos impunemente. As cooperações nesse sentidopossuem um preço, quase sempre escondido, como se preço nãotivessem. Nunca é demais ressaltar que o compromisso do saberhistórico tem determinadas exigências, sem as quais o saber deixa deser historicamente definido.

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Enfim, o debate é longo, sobretudo porque é difícil admitirque, apesar de tantas mudanças, continua a valer o etnocentrismo e,portanto, o preconceito discriminador, que procura saldar dívidas dopassado com caridades no presente, eliminando noções básicas deanálise, como é o caso da luta de classes. Essa penitência mnemônica,com forte apelo sentimental, tem servido muito mais ao mercado dasociedade de consumo do que propriamente para uma transformaçãorealmente efetiva nas relações de dominação cultural.

O tom institucional (estatal ou privado), quase sempre atentoaos termos que fazem sucesso, vem cada vez mais realizando fórunsque saem do nada e vão para o nada ao quadrado. O mais grave éque a “defesa da memória” acaba caindo em disputas que, ao invés depromoverem o “direito à diferença”, acabam acirrando os ânimos depreconceitos excludentes e o fechamento da percepção diante daquiloque não se adequa a certos padrões. A questão, sempre carente demais diálogo, torna-se um desafio para a interpretação sobre as lutassociais e os modos pelos quais a memória assume papel de destaquenas afirmações de grupos em disputa. Cito um caso, descrito ecomentado pelo prof. Ulpiano Bezerra de Meneses, para mostrar adiferença entre colocar “a identidade como objetivo” ou fazê-la emergircomo “objeto do museu”:

Há alguns anos, na gestão de Jaime Lerner comoprefeito de Curitiba, projetou ele a criação de ‘portaisetnicos’ (espaços, nas entradas da cidade, dedicados àsdiversas colônias de imigrantes que integram a populaçãoparanaense). Não conheço detalhes do projeto poisfui apenas consultado de improviso, numa reunião demuseólogos, sobre dificuldades que estavam surgindo noentendimento das diversas comunidades entre si. Apósreuniões iniciais cheias de cordialidade e expectativas,logo entraram em ação os mecanismos de fronteirase estabeleceu-se a Torre de Babel pela valorizaçãoidentitária, às custas da desqualificação uns dos outros.

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Em resposta à solicitação que me foi feita, respondique o curso que o projeto havia tomado era previsívele que a única maneira de mudar o rumo era substituira auto-representação narcisística que de si gerariam ospoloneses, os ucranianos, os italianos, os portuguesesetc. pela representação que cada comunidade fazia deseu alter ego, ou mesmo de seu “outro situacional”: porexemplo, os poloneses dos ucranianos e vice-versa, ositalianos dos portugueses e vice-versa e entrecruzando osfocos. Embora a receita fosse drástica, seria excepcionaloportunidade de trazer à luz o que são, para que serveme como funcionam as identidades. (Bezerra de Meneses,2004, p. 266).

Nessa direção, o autor também cita o Tower Museum, nacidade de Derry, Irlanda do Norte. Diante de uma comunidade dividida(protestantes e católicos), o museu aberto em 1972 não teve comomissão trazer a paz e sim “prover as comunidades daquilo de que elasnão dispunham: distância para ver o quadro todo das experiênciasvividas”. Não foi trilhado o caminho da preguiça mental que geralmenteronda as exposições e, no final das contas, foram constituídosinstrumentos de diálogo. Não foi fácil, porque a experiência exigiapesquisa e segurança teórica: “A exposição Divided history, dividedcity (1995) foi uma iniciativa honesta e corajosa, que permitiu expor(...) a história mitificada de ambos os adversários, registrando versõesalternativas e permitindo comparação e análise”. O resultado nãopoderia ser mais alvissareiro: “... provocou muita discussão, mas nãofoi rejeitada por nenhuma das comunidades em contenda”. (Bezerrade Meneses, p. 267).

Atualmente, os grupos classificados de “minorias”, que buscamdelimitar fronteiras a partir das diferentes pretéritos, estão exercitandodeterminadas maneiras de construir sentido para a vida e para a lutapela vida, mas o próprio conceito de “minoria” pode levar ao jogoperverso da “maioria”. Assim, a memória assume o tom bélico de

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auto-afirmação e, ao mesmo tempo, de negação autoritária de tudoaquilo que compromete aquilo que se afirma. O movimento a favorda diferença descamba para uma cruzada contra a igualdade. Ora,“ser igual” se definiria, em plano ideal, em dar a cada um, de maneiraigualitária, o direito de ser diferente, na medida em que a distinção nãose transformasse em rebaixamento dos outros.

O multiculturalismo pressupõe, portanto, o multimemorialismo.Muitas memórias para a afirmação de muitas culturas, na medida emque as lembranças convocam legitimidades no decorrer do tempo.Assim afirma-se, de algum modo, alguma continuidade: se é maisou menos aquilo que os ancestrais já foram e não deixaram de serporque deixaram descendentes. A memória, nesse sentido, vive deacreditar em heranças, veladas ou reveladas. É assim que o presentese vê ligado ao passado. Sem passado, é como se a cultura nãotivesse força para se afirmar diante das outras. Por outro lado, asculturas querem exatamente romper com o passado, denunciando-oe afastando-o como formas de estabelecer relações justas e em péde igualdade. É assim que movimentos indígenas querem, ao mesmotempo, romper com o passado de massacres e recuperar o passadodos costumes massacrados. Não é linear o que se quer do pretérito.Ora emergem herdeiros convictos, apesar da falta de testamentos.Ora se insurgem herdeiros que se deserdam, mesmo com os paisainda vivos. Na construção das “identidades”, os usos do passado sãoabsolutamente necessários, mas não se fazem em linha reta.

Pascal Bruckner adverte, nesse sentido, que o tão falado“dever da memória” não pode ficar somente no eterno reclamar devítimas e na repetição de argumentos judiciários, acompanhado poruma querela sem fim entre os descendentes dos descendentes. Nãoesquecer nunca, isso seria perpetuar ressentimentos e alimentarnovos sofrimentos, sobretudo na pele dos que já sofreram. Amemória,além de se dirigir ao passado, deveria fazer alianças com um futurodiferente, livre do re-sentimento e, portanto, livre para re-pensar. Re-avaliar os critérios que orientaram as denúncias, os julgamentos, asréplicas, as tréplicas, as culpas e as punições.

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Comprometer-se com a circulação da crítica da história deveriaser a tarefa dos herdeiros de catástrofes traumáticas, como é o casoda escravidão ou dos regimes autoritários. Estaria no desafio de cadadia o instável e difícil equilíbrio entre afirmação e negação do passado.O dever da memória seria desvinculado do dever de penitência e oconhecimento sobre o passado passaria a ser responsabilidade(primordial, mas não isolada) do conhecimento histórico, que não seconfunde com tribunais, mas não se desvincula de seu fundamentoético de anúncio e denúncia sobre os modos pelos quais os sereshumanos se relacionam.

A melhor vitória sobre os exterminadores, torturadores,negreiros de ontem, é a coexistência, doravantepossível, de populações, de etnias que os preconceitos,as mentalidades decretavam no passado incompatíveis,é o acesso dos antigos dominados à categoria desemelhantes, seu engajamento em uma aventuracoletiva. (Bruckner, p.179).

Antes de “lugares de memória”, o que se precisa, para aconstrução democrática de um mundo igualitário, com direitos àdiferença, é a construção de “lugares de história”. Monumentos?Museus? Talvez não, mesmo com a boa vontade das muitas evariadas renovações. Talvez sim, se as maneiras de indagar saíremde certas amarras. Precisamos, certamente, de outras perguntas,como mostra Hugo Achugar, pensador uruguaio que vem dando novotom aos estudos das relações entre memória e ética: “Existe umajustiça do monumento? É possível uma justiça em nossas sociedadesdemocráticas que dê conta da tensão entre esquecimento ememória?”(Achugar, 2006, p. 183).

Assim, caberia duvidar não só dos monumentos autoritários,mas da própria ação de dar a algo, a qualquer coisa, o sentido dematerialidade memorável. Colocar-se-ia em campo de investigaçãonão somente a memória, mas o movimento do lembrar. Quando se

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vive em uma sociedade que procura questionar os usos do poder, emnome de práticas alternativas, a indagação criativa, historicamentefundamentada, precisa de substância argumentativa para enfrentar(não digo eliminar) as seduções da memória. É por isso que HugoAchugarpergunta comoseria “ummonumentodemocrático”, aomesmotempo que em se questiona “qual seria a memória não autoritária”: “Épossível essa memória, esse monumento democrático? Democracia ésinônimo de consenso? É desejável omonumento consensual? Talvez,a pergunta chave seja: as democracias contemporâneas necessitamde monumentos? (Achugar, p. 169).

A luta pelas “memórias das minorias” seria, então, umnacionalismo em miniatura? Em certos casos, tudo indica que sim.E, em algumas situações, a defesa mnemônica tem se tornado tãoautoritária quanto os nacionalismos em tamanho natural, de direita oude esquerda. A situação, portanto, não é simples. Solicita intervençõesurgentes, porém pacientes, em um longo trabalho de pesquisa sobreos movimentos de reivindicação que buscam no passado formas edesejos de luta do presente.

Sendo assim, a história dos negros, dos índios ou de outrosgruposquenopassado sofreramalgum tipodedominaçãooumassacrenão deveria simplesmente ceder aos apelos damemória em seu desejode “resgatar o passado”, dando-lhe o caráter estereotipado que eliminacontradições e comparações. No Brasil, esse debate vem ganhandocorpo e alma, mas ainda há uma considerável imprecisão teórica,inclusive nutrida pela própria lei que estabelece a obrigatoriedade doensino de “História e Cultura Afro-Brasileira”.

Se fosse possível resumir a multiplicidade de desafios queo ensino de história enfrenta ao se sentir envolvido pelas seduçõesda memória, poder-se-ia afirmar que, apesar dos inegáveis avançospromovidos pelos PCNs, permanece em voga a legitimidade autoritáriado passado em função de uma liberdade messiânica do presente.Na aparente mudança a favor das diferenças, fica intacta a ideiado passado essencialmente autêntico, simplesmente a espera doresgate. A chamada “visão crítica” transforma-se em “crítica da visão”.

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Ao invés de problematizar o modo pelo qual “vemos” ou deixamos de“ver” os muitos indícios que o passado deixou ou destruiu, o papel doconhecimento se resume ao ato de criticar a “visão”, com o objetivo deencontrar o ângulo certo e a lente adequada.

Não se trata, portanto, de apenas inventariar contraposiçõesentre história e memória. É preciso compreender que os usos dopassado configuram-se em muitas dimensões da vida humana, pormeio de carências e suprimentos variáveis no tempo e no espaço,dependendo dos modos pelos quais os poderes estabelecem táticase estratégias de negociação. Se hoje se percebe a distinção entrehistória e memória, não se pode ignorar questionamentos sobre osmotivos e os motes dessa necessidade que antes não havia, atéporque as noções de passado, presente e futuro ajeitavam-se deoutras maneiras. De qualquer modo, estão em pauta não somente oscritérios do conhecimento, mas também o conhecimento dos critérios.

Não é fácil questionar os portadores dememória.Antes de tudo,a lembrançacarregaconsigoumforte recursode legitimidadequeafastae nega outras possibilidades de narrar o passado. Exatamente porisso o desafio do saber histórico diante das construções menmônicascarrega muitas dificuldades, do ponto de vista teórico, no campo dosprocedimentos interpretativos e na predisposição que transforma oensino de história em “ensino de memória”. Como bem ressalta DurvalMuniz, cabe ao historiador a trabalhosa tarefa de “violar memórias egestar a História”:

As memórias falam de outros apenas enquanto caminhopara falar do próprio indivíduo; a História é trabalho deindivíduos que querem conhecer o outro, interpretá-lo. As memórias nascem de uma relação consigomesmo; a História nasce de uma relação com o outro,com a alteridade. As memórias, portanto, constroemidentidades; a História violenta identidades para descobri-las diferentes internamente. (Albuquerque Junior, 2007,p. 207).

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Se a história violenta a memória, fazendo aparecer diferenças,a identidade monolítica de uma estátua é questionada na medida emque a pesquisa histórica abre espaço para a interpretação das váriasmemórias. Não somente para evidenciar diversidades, mas tambémpara perceber como essas diversidades funcionam, legitimam-se eproduzem relações de poder em várias dimensões da vida. Assim,o desafio está em perceber que os particularismos das lutas dereivindicação da memória impedem visões comparativas e avaliaçõesmais amplas e profundas no tempo e no espaço (recurso básico emqualquer procedimento investigativo da escrita de história).

A partir da análise de Durval Muniz é plausível afirmar que odireito de “ser outro” aparece na interpretação, quer dizer, emerge notrabalho crítico para se compreender que as lembranças se constituemde tensões sociais, em situações vinculadas aos conflitos de valorese perspectivas. Ao labor do ensino de história não caberia, portanto,a aderência a uma causa específica das reivindicações mnemônicas,exatamente porque sua contribuição estaria na capacidade de proporconhecimento sobre a sociedade, explicitando questões e problemasque a sociedade, muitas vezes, não quer mostrar ou simplesmentenão deseja saber.

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ARBÍTRIO E SENSIBILIDADE NAAPRENDIZAGEM HISTÓRICAATRAVESSADA PELOS MUSEUSJúnia Sales PereiraUniversidade Federal de Minas Gerais

Este texto reúne reflexões sobre as relações entre educação,memória e história. Privilegia reflexões relativas aos arbítrios urdidosno processo museal, com ênfase nos desafios de promoção deuma educação estética e das sensibilidades históricas. Pretendeproblematizar o pressuposto de neutralidade implicado nas narrativasmuseais e na educação para o patrimônio, concebendo a educaçãoestética como formação sensível, ética e política. Nessa medida,compreende os deslocamentos provocados pela noção ampliada depatrimônio histórico, também evidenciando as escolhas expressas nosrituais educativos de apropriação cultural da vida social em que seinserem os museus.

Palavras-chave: sensibilidade histórica; educação para opatrimônio; instituições de memória; museus; educação estética.

NEUTRALIDADES E DESLOCAMENTOS

Colecionar objetos não é um ato neutro. Expô-los, num tributoà memória, tampouco. Gestos arbitrados, os museus colecionam eiconizam história e sombras conceituais, expondo-os muitas vezessob véu de totalidades arbitrárias no trato com o passado.

O museu não é, deste ponto de vista, depositário de umpassado único, sólido ou de uma história inteiramente salva. Podemospensá-los, o museu e o seu trabalho sobre a história, a partir da finatensão entre a desconcertante suposição de totalidade pressupostanas coleções e a pluralidade de vivências e salvaguardas da vidasocial influentes também na estruturação de museus. Além disso,podemos tornar visíveis os múltiplos significados que emergem da

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relação museu-públicos, uma relação aberta ao des-limite à subversãodos sentidos originalmente supostos no plano museal.

Se concebida em sua face processual, a história no museu nãocomportará narrativas totais: se o passado não é tela fixa ou estável, e,mesmo, se a memória não é revivenda, mas refazenda, não haveria omuseu de perscrutá-los a não ser por aproximações falíveis, mutáveise instáveis.

Esta nova hospitalidade situa os objetos em rotas denomadismo: o processo museal se desdobra em desterritorializaçãode sentidos unívocos. Falamos, então, daqueles sentidos supostospela sede de totalização que a imagem de museu herdou de suahistória e tradição, abrindo-se, contemporaneamente, à medida docontato qualificado e reflexivo com seus públicos, sempre diversos e acada dia mais abrangentes.

Por estes desconcertos figura o museu como lugar tenso deintermédio e confronto, de transmissão e de sacralização. Mas étambém e, sobretudo, um lugar de morada de objetos, um sítio (oucercania), chão descoberto.

Mas os habitantes deste novo sítio, os objetos musealizados,estão eles cercados, sitiados pelo trabalho com a memória. Asinstituições de memória fabricam os objetos como acontecimentosnotáveis, singularizando-os, conferindo-lhesnovose instáveis sentidos.Chão descoberto: se é assim o solo em que estão os objetos museais,como haveríamos de supor aprendizagens da história reduzidas àtransmissão de informações?

Qualquer objeto é, diríamos então, um elo arbitrado numacomplexa teia de relações que se (re)organiza no museu e para alémdele, em diálogo com a cultura e os ares modificados ou supostamenterenovados de cada tempo.

A abertura à visitação escolar, fundamentalmente curiosae investigativa, pressupõe que regras de recepção codificadas noplano museal sejam postas em apreciação, por vezes em suspenso:as condições mudam e as pessoas refletem, surgem, então, novasformas de recepção, também mutáveis.

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Não poderia o museu instaurar a história pela pretensareencenação fidedigna, se o que expõe são fragmentos; se o quefabrica nas exposições são tramas discursivas - nas quais estãoobjetos, luzes, silêncios, conversas, disposições, palavras, distâncias...- e não exatamente narrativas conclusivas sobre a história. Adiciona-se ao que é fundamentalmente dispersão e arbítrio, a face labirínticada instituição museal.

“O que sobretudo importa é o que o Labirinto significa. Éa imagem de um espaço sem referências visíveis, ondequalquer caminho mostra-se ilusório, onde cada saída éfalsa; um espaço fechado que não traz em si nenhumainformação que permita dele sair. (...) É a viagem iniciáticaque dá ao mito sua solução, que ata o fim e o começo,e faz da inteligência que liga a inspiradora que revela asaída e permite escapar do inexplicável.” (BALANDIER,1999, p. 34).

A criação e o paradoxo incorporado por Dédalo, inventor míticodo Labirinto do Minotauro, permitem ao museu a dilatação ao limite desuas possibilidades de percursos e significação, também de implosão.O Labirinto de Dédalo é idealizado de forma a que o Minotauro nuncaconsiga escapar. Mas a história dirá que a impenetrabilidade seráquebrada; a punição de Dédalo é a clausura, com seu filho, no mesmoLabirinto de sua criação. Releituras deste mito permitem conceber omuseu como um labirinto com inúmeras linhas de fuga. O contato cadavez mais ampliado com os diferentes públicos permite abrir novasportas de entrada, também novas de saída. Mas o labirinto ao infinitodesenha-se no espaço fechado, sem saída, já nos alerta Borges,1976.... nessa acepção, quanto mais o museu permite sua exploraçãoao limite - provocando seus públicos à invenção de novas entradase saídas - menos labiríntico se torna, ou se formam outros labirintos,pois a inquietude sobre ele acompanha o visitante mesmo depois deencontro com o portal de saída...

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Se é assim paradoxalmente mais ou menos labiríntico odiscurso museal sobre a história, o momento da visita ao museu émenos de encontro com a história tal como o real acontecido e mais deinquirição às ranhuras arbitrariamente eleitas para dizer à posteridade.

A certeza de que a plenitude está inscrita nos objetos “nosanula ou nos fantasmagoriza”, parafraseando novamente Jorge LuisBorges. Assim concebida, a exposição museal é movimento, conviteà fruição dos deslocamentos, dos infinitesimais gestos de significação(BRUNER, 1997), ela, que será sempre uma narrativa supõe a lidacom memórias (também plurais), jogos de som e sensibilidades(TEIXEIRA, 2004).

O visitante exerce neste Dédalo sua função andarilha,desterritorializa-se, migra e faz migrar o museu e os discursos sobre ahistória que o atravessam - operação que não é racional/consciente,pois está fincada no terreno da fruição, algo próprio a cada um coma sua carga sensível. Suas andarilhagens compõem mapas designificação instáveis (PEREIRA, 2008). Situado no deslocamento, omuseu enseja e provoca gestos, por vezes silêncios e rememorações,transfigurando-se a cada dia e a cada vez empalco de estranhamentos.

O visitante é conduzido neste chão descoberto para exercersua função migratória. Essa condição-sem-raiz é mote para um semfim de significações e vadiagens: este lugar é feito de mapas, trilhasde passagem, território de nomadismos e das inconstâncias do desejoe do olhar. Palco de transumâncias, realiza a sua função anfitriã: noconvite à caminhada e à reconstrução de roteiros. Em que medida sealtera a forma de olhar ao alterarem-se os percursos espontâneos quefariam os visitantes?

EXPERIÊNCIA DO DIVERSO

Se o deslocamento funda a função-visitante, o museu éum suposto ambiente de partilha com o diverso, de experiência deaprendizagem com a alteridade. Trata-se de uma aprendizagemimplicada no incômodo percurso dos mapas de deslocamento, em que

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sempre há, à espreita, questionamentos ao passado e concepçõesflutuantes sobre o futuro, consideradas as contingências e os arranjosdo tempo presente. Não seria possível reproduzir preconceitos paracom o diverso nessa morada museal em que são ali habitantesa dispersão de línguas e o confronto de pessoas. Mas será esse oprincípio que rege os códigos de fruição, de sensibilização estética ede vivência da cultura nos usos que as escolas fazem das instituiçõesde memória?

É importante lembrar que a educação em museus não deveriaser compreendida desvinculando-se o que tradicionalmente seconvencionou chamar de estética e fruição à formação política, ética eculturalmente vivenciada.

Distanciamo-nos, então, de concepções que ligavam aeducação estética à sua histórica face platônica. Compreendemosque as questões referentes à percepção e à sensibilidade, que seconstituem objeto da estética, situam-se no campo da subjetividade aomesmo tempo em que no campo das relações sócio-culturais. Diz-seaqui de uma sensibilidade encarnada: a carne, no sentido de que nosfala Merleau-Ponty é a morada do sensível. E por que somos assimsensíveis,corporeidadeecultura indissociáveis,podemoscompreendera educação estética orientada pela abertura a todas as manifestaçõeshumanas, desde as preferências variadas e às múltiplas maneiras deser-no-mundo (MERLEAU-PONTY, 2005). Assim, não custa dizer queesta seria fundamentalmente uma educação que enseja a crítica àshierarquias e sujeições. Nessa medida, trata-se de uma educaçãoestética orientada pelo princípio da alteridade radical, capaz de fazerfrente a concepções monolíticas de beleza e de perfeição e que, pelocontrário, orienta-se pelo primado da diferença.

É o pressuposto da alteridade que informa uma educaçãoestética orientada pela manifestação de pontos de vista opostos. Essaeducação estética requer o acolhimento de concepções díspares arespeito do belo, do bom e do admirável. Nessa medida poderíamosdizer que o labirinto, mesmo com mil portas de entrada e saída serealiza plenamente na extensão mesma da pluralidade humana.

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Diríamos por isso que uma educação estética realizada nosmuseus contemporâneos requer a ampliação também ao limitemarco sempre histórico ou temporal do ideal de beleza, incluindo adescontinuidade, o horror e o útil, facilitando por isso não apenas acontemplação, mas, sobretudo, a inquirição do “ser-no-mundo”.

Trata-se então de uma história dos corpos e artefatos, deseus aspectos físicos (como sua procedência ou técnicas e formasde trabalho que lhe deram origem); e, ao mesmo tempo, das redesde pertencimento de um ou outro objeto à sociedade do consumo,à história da descartabilidade ou durabilidade dos corpos, aos usossociais diferenciados dos artefatos no tempo, às formas de sujeiçãosocial e de exclusão. Trata-se neste caso de uma educação estéticaque compreende a fruição orientada para encantamento, imaginaçãoe descoberta, também para a consciência de estar no mundo,compreendendo posições assumidas pelos objetos e narrativas -ambos arbitrados - no tempo-espaço e circunstância - e isso valendopara qualquer que seja a temática da exposição do acervo museal.

Além do que, sempre haverá fruição, lembremos, em qualquerseleção expositora e, também, na ausência dos objetos. Nãohaveremos de reproduzir a ilusão fetichista da exposição de corposcomo pré-requisito para enunciação discursiva.

Beatriz Sarlo, 2007, nos diz de objetos que foram destruídosporque enunciavam dores tão fortes que não podem ser lembrados.Há aqueles que simplesmente não resistiram ao tempo. Há aquelesobjetos sepultados em fundos de baús. Em que medida os museusexpõem os objetos supondo (ou enunciando) alguns sentidos detotalidade de salvaguarda histórica?

Há tambémhistória ondenãoháouquandonãopodehavermaiscorpos. Há histórias que repicam luto e silenciamento. Não é semprepossível expor o terror, a humilhação e a barbárie - em alguns casoslimítrofes, como no exemplo terrível do Holocausto, não é sensível oudigno trazer os objetos para corporificar a história (HUYSSEN, 2000,p. 96). Neste e em outros casos há uma função pedagógica do vazio,do luto, do silêncio forjado pela violência que não pode ser novamente

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corporificada.Poderíamos também dizer que os objetos produzem efeitos

simbólicos a partir de sua localização cultural, dos diversos usos quedele fazemos na cultura, no tempo, e dos diversos usos que delefazem também e privilegiadamente os museus. Nesse caso, trata-sede uma educação que se volta tanto para o conhecimento dos objetosquanto para o conhecimento da “fabricação” dos objetos pelo museu.

O museu pode ser compreendido dessa maneira como umadas formas pelas quais a nossa sociedade responde aos apelosde memória e à dissolução do passado. Em que medida o que sechama de “mania preservacionista” (SARLO, 2007, p. 11), sentida, porexemplo, emMinas Gerais - onde abundam tanto osmuseus - pode serobjeto de discussão na escola? Dito de outro modo, uma das questõesmais instigantes a serem debatidas no processo de sensibilizaçãohistórica é a insistência no procedimento de musealização da cultura,sobretudo pela transformação dos objetos históricos em ícones dosrepiques de uma história celebrativa, mas, em grande medida, poucoafeita às inquietações. O museu é, nessa medida, também uma dasrespostas compensatórias aos apelos de rememoração, em algumamedida também dos ecos de um passado glorioso, quase sempre,sabemos, marcado por violências.

Os objetos e mesmo os museus, assim, não existemgloriosamente para si como insinuam, mas se ligam a uma históriasocial da cultura implicada em cada momento com valores, disputassimbólicas, negociações de códigos, hierarquias e gostos. Tambémpor estas razões, está igualmente implicada a história, posta a seuserviço, com manipulações, tensões, violência e com a supressãoe o redimensionamento da memória. A educação estética assimcompreendida liga-se fundamentalmente aos seus já pressupostosprincípios éticos: é a educação estética uma face da educação política.Mesmo que uma estética da sensibilidade nem sempre correspondaà formação para autonomia, poderá por vezes até mesmo impedirde pensar as desigualdades ou poderá, ainda, reforçar hierarquiassociais, raciais e de gênero, para falar de apenas algumas.

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Trata-se então de uma postura contrária a usos padronizadosde instituições de memória: àqueles que naturalizam o trabalho dememória pela eleição de objetos a serem revelados - e outros a serem“naturalmente” silenciados. Por isso, essa educação seria capazde propor e de fazer romper com a suposição de serem os museusinstituições totais, afeitos à ideia de que há tratamento neutro dahistória para legá-la às gerações posteriores e de que o museu expõenaturalmente o que há de “melhor” na vida social. Trata-se, nestecaso, de uma educação ética contra o esquecimento. Mas também deresistência contra a violência.

Para dizer da experiência de refugiados, povos deslocadose errantes em diferentes pontos do mundo Eugénia Vilela convida afilosofia (talvez também a nós) à tarefa de “afrontar o real, pensar o malonde ele subsiste”. É a mesma autora quem nos alerta: “O passadonão pode ser aceito como inalterável; é necessário opormo-nos a estepassado desde o presente - que é o acontecimento no qual o lastro dopassado consome e recria todos os sentidos possíveis. A resistência éuma ética dos que estão vivos” (VILELA, 2001, p. 253).

Acriação é o fundamento da resistência. Emquemedida poderáa educação das sensibilidades históricas favorecer a recomposiçãode passados ampliando os horizontes de visada história? Em quemedida será possível ensejar práticas educativas que cultivem afractalização das formas de ver a cultura e também formas ampliadasde significação?

Nessa acepção os objetos são tanto adoráveis quantoabordáveis. Mas esses são abordáveis de forma “segmentada”,desencaixada, como se faz geralmente em rituais educativosligeiros, ou diga-se, de maneira a se tornarem “eficazes”: os objetosobservados na escola, os objetos observados pelas visitas escolaresa instituições e a demais ambientes de memória. Podemos dizer quehá quase uma “economia” da visita escolar e mesmo quando essa érotineira: com os imperativos de tempo, de produtividade e atémesmode formação profissional, que fazem com que estejam fragmentadosos esquemas culturais (SAHLINS, 2003) traduzidos em objetos e

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exposições paradoxalmente singularizados - embora reunidos nummesmo espaço.

Há objetos curiosamente neutralizados nos museus, postosapenasemrelaçãoasimesmos,como ilhassemsignificação.Dispostosno vácuo anódino de vitrines-cemitérios: mumificados. Perdem-se osvínculos dos objetos e deles com as pessoas, mas se ganha em forçana produção de um discurso sobre a “saga” do próprio museu em fazersobreviventes um ou outro registro único que estaria perdido parasempre. Nessa medida o museu produz o que seria um objeto que“funciona” para um visitante que tem pouco tempo ou que não está emcondições de se ater às relações mais complexas desta teia em quese embaralham sempre vida, história, morte e rememoração.

Os visitantes estão assim em algumas situações apartadosdo que seria um esquema mais complexo, que inclui usos de objetosno tempo e no espaço, além dos significados produzidos a partir eatravés deles. Em alguns casos estão silenciadas as cadeias que seligam aos objetos: em situação de uso, os mesmos objetos ligam-seàs mãos ou aos pés humanos, compõem-se de múltiplos materiais ouainda prestam-se a reelaborações simbólicas variadas, no tempo. Há,portanto, uma infinidade de práticas e usos postos em sociedade. Emque medida o museu pode ser atravessado pelas diferentes formas devivência da cultura, tambémconfrontadas comasmúltiplas concepçõessimbólicas elaboradas pelos visitantes em sua experiência no museue também traduzidas de sua experiência pessoal e social?

O que conhecemos numa visita a museus refere-se não a umarealidade ontológica propriamente “objetiva”, mas às circunstânciasparticulares em que a visitação se dá, ou seja, ao mundo organizadopelas experiências dos sujeitos de um determinado tempo-lugar enaquele contexto de interações - digamos, fugaz. Não nos esqueçamosdas expectativas prévias que incitam alunos e professores a visitaremum museu e, também, às repercussões posteriores, na escola e emgrupos de convívio dos alunos e professores, mesmo que de umaúnica visita a museu ao longo da vida escolar.

Nessa medida, afirma-se a potencialidade de abertura para

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educar na exploração sem limites de possibilidades de elaboração devariadosesquemasculturaisque fazemreunir, tambémarbitrariamente,objetos, pessoas e múltiplos significados. Em que medida é possívelfazer reverberar experiências criadoras que podem ligar a vida socialaomuseu e omuseu à vida social? Trata-se de uma educação estéticaque não começa no museu tampouco se encerra no seu portal desaída e tem fundamentalmente na descontinuidade o seu fundamento.

É essencial também de alguma maneira problematizar opapel dos gestores de museus na contemporaneidade, lançandoo desafio de entendimento e ultrapassagem dos imperativos quasesempre limitantes das lógicas de produtividade que obliteram osprojetos educativos mais reflexivos. De que forma o museu incorporademandas, mantendo seus pressupostos educadores e de formaçãocidadã?

ARBÍTRIOS E SENSIBILIDADES

Diz-nos Benjamin que “articular historicamente o passado nãosignifica conhecê-lo como ele de fato foi. Significa apropriar-se deuma reminiscência, tal como ela relampeja num momento de perigo”(BENJAMIN, 1994, p. 224). Se essa história é constituída mais porinquirições do que por verificações, de que forma se pode fazê-laexposta como relampejo em ambientes rigidamente estruturados semperder de vista os fios que ligam o museu à vida e a vida ao museu?De que forma fazer emergir interpretações sobre a cultura em suadispersão através tanto do discurso das exposições quanto da vidaem comum?

Admitamos que todo museu seja, em suma, museu histórico.Admitamos que todo museu teça urdiduras na história, elaborandonarrativas a partir de sua inquietante coletânea de objetos, palavras erecursos de exposição. Se for assim, hoje, podemos fazer aproximartambém as narrativas museais não apenas daquelas da vida social,mas também daquelas propriamente historiográficas, compreendendoa face interpretativa de seu trabalho expositivo e educativo, movimento

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relativamente recente, mas freqüente em museus contemporâneos.

“O conhecimento histórico torna-se, assim, a invenção deuma cultura particular, num determinado momento, que,embora se mantenha colado aos monumentos deixadospelo passado, à sua textualidade e à sua visibilidade,tem que lançar mão da imaginação para imprimir umnovo significado a estes fragmentos. A interpretação emHistória é a imaginação de uma intriga, de um enredopara os fragmentos de passado que se têm na mão.Esta intriga para ser narrada requer o uso de recursosliterários como as metáforas, as alegorias, os diálogos,etc. embora a narrativa histórica não possa ter jamaisa liberdade de criação de uma narrativa ficcional, elanunca poderá se distanciar do fato de que é narrativae, portanto, guarda uma relação de proximidade com ofazer artístico, quando recorta seus objetos e constrói,em torno deles, uma intriga. “(ALBUQUERQUE JÚNIOR,2007, p. 63).

Se o que o museu produz são urdiduras sobre fragmentos,suas tramas podem ser elementos significativos principalmente na suaexperiência educativa. Em outras palavras, é possível tornar evidentesna visita educativa o quanto há de intriga no trabalho do museu. Trata-se aqui de fazer aparecer na educação museal o trabalho do museusobra a memória social, oferecendo ao visitante a oportunidade deaprender a usar o museu também compreendendo de que maneira elefunciona, como se organiza, que seleções realiza e que critérios utilizapara reunir ou separar objetos e narrativas.

Alguns museus perseguem o mesmo fetichismo documentalque atormentou e que ainda atormenta alguns historiadores, sobretudono século XIX: quanto maior for o número de objetos mais completoestará a história... à ilusão documental pode-se opor a compreensãotanto da inevitável e salutar impureza do testemunho que diz ser o

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objeto seu porta voz máximo (afinal nenhum objeto carrega uma talpureza probatória histórica, todos eles têm suas ranhuras, sendo quesua textura também é mutável no tempo), quanto à inevitabilidade doarbítrio da história e isso na composição de suas próprias narrativas.

Há ainda os interesses do presente nos atos de rememoração.Os atos de memória não são ingenuamente produzidos; aocontrário, artesanalmente tecidos, os atos de memória podem seguircompromissos com agendas políticas, com condenação de culpadose com ruptura com uma história só sentida, mas não oficializada. Àtradicional pergunta “o que foi o passado?” para acionar a memória,Beatriz Sarlo opõe a inquietante pergunta: “O que foi o presente?”,revelando que todo ato de rememoração incorpora questões vivenciais,por vezes anacrônicas. (2007, pp. 56-61). Sobre o anacronismo damemória, diz-nos Sarlo

“o anacronismo nunca poderia ser totalmente eliminado,e só uma visão dominada pela generalização abstrataseria capaz de conseguir aplainar as texturas temporaisque não apenas armam o discurso da memória e dahistória, como também mostram de que substânciatemporal heterogênea são tecidos os ‘fatos’. Reconhecerisso, porém, não implica que todo relato do passado seentregue a essa heterogeneidade como a um destinofatal, mas que trabalhe com ela para alcançar umareconstrução inteligível, ou seja: que saiba com que fibrasestá construída e, como se se tratasse da trama de umtecido, que as disponha para mostrar da melhor maneirao desenho pretendido.”(SARLO, 2007, p. 59-60).

É o presente lugar de encontro e significação, capaz deprovocar à enunciação de problemas e dilemas da experiência culturale da vida social. Matéria privilegiada dos rituais educativos, o presentecompõe-se nas teias relacionais: no centro onde repousam objetos,(por vezes mumificados por vezes viventes em museus) e também

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em suas bordas onde pululam outros tantos artefatos e toda sorte demigrações.

Lembrar-se, nessa medida, não é exatamente reviver ou trazerà tona o que estava oculto, oumesmo resgatar o passado, mas refazer,a partir do presente, o que nos estimula ou obriga a relembrar. (BOSI,1994).

Nessa medida é significativa a compreensão da história comoconstrução arbitrada, da memória como vívida refazenda social e daestética como cultivo da experiência humana sem subterfúgios. Essasoperações permitemadesnaturalizaçãodo trabalho domuseu, aferidastambém neste caso as noções de patrimônio, coleção e preservação.

“O ‘Catador’ de pregos de Manoel de Barros é um indíciode como se constitui a imaginação museal ou patrimonial.Ele (o ‘Catador’) coleta um acervo de coisas que já nãotêm mais a mesma função que tinham antes. Coletando‘pregos enferrujados’ e marcados pela memória dotempo - pregos que ‘ganharam o privilégio do abandono’e que ‘já não exercem mais a função de pregar’ - aquelehomem que se exercitava na ‘função de catar’, quase quese identifica com os pregos nessa função aparentementeinútil. Mas, ao catar pregos o homem constitui umpatrimônio. Não importa que seja um ‘patrimônio inútilda humanidade’, importa a sua condição de patrimônioadjetivado”. (CHAGAS, 2007)

Todo museu é, em alguma medida, museu dos pregos dosquais nos diz poeticamente Manoel de Barros. Seus arbítrios, nemsempre admitidos, podem ser problematizados desde a curadoria, masfundamentalmente pelos educadores, fazendo com que os visitantes-alunos possam conhecer e revisitar a dinâmica de criação do trabalhomuseal sobre a memória, a história e a vida. Nem sempre comportadasnos discursos museais, as escolhas museais estão comumentesilenciadas ou ocultadas na exposição dos “pregos” transfigurados

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em patrimônio adjetivado, sob o disfarce - não sem armadilhas - deexposição de uma história gloriosa celebrada por meio de privilégios eatos de salvaguarda.

DESDOBRAMENTO E MULTIDIRECIONALIDADE

Este é um trabalho em aberto, o de uma educação cujossignificados permanecem instáveis, pressupondo o diverso implicadona caminhada errante dos públicos, fazendo pluralizar sentidos nouniverso estático dos museus. O museu é assim um sistema instávele penetrante em que “cada um [vai] se dobrando, mas tambémdobrando outros ou se deixando dobrar, engendrando retroações,conexões, proliferações, na fractalização desta infinidade infinitamentedesdobrada” (DELEUZE, 2000).

Trata-se de uma educação sensível para compreensãoexpandida da história e da dinâmica social que se opera através dadissipação do sentido unidirecional das percepções, fazendo eclodirformas interpretativas unívocas postas como condição de permanênciado museu como instituição total. Por isso, ela poderá vir a desdobrarexperiências além do limite de expectativas predefinidas, sendo, alémdisso, condição de ultrapassagem de uma educação estética reduzidaà leitura neutra dos objetos ou da memória encenada como vitóriade uma história mais verdadeira que outra. Cria-se oportunidade paradesdobramento de uma cadeia infinita de enunciados (atos de fala,gesto, silêncio e enunciação), em que uma dúvida pode levar a outrainquietude, e esta a outra: também desdobrável.

Nessa medida, altera-se a noção de patrimônio, um ser vivo,encarnado, vivente nas práticas culturais em curso e que se realizaatravés de uma história em processo. Esse pressuposto requer umaformação docente que contemple a história no sujeito, e não comoconteúdo de outro tempo-lugar, sem repercussões.

A título de nota, algumas questões relacionadas ao recente einconcluso debate sobre os limites emaus usos da chamada “educaçãopatrimonial” postas por pesquisas recentes nos possibilitam indagar

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em que medida a abordagem do patrimônio de pedra e cal ao invésde potencializar acabou obliterando os processos educativos maissensíveis às práticas sociais de usufruto e reconstrução da cultura.Nesse caso também valeria a pena ampliar os horizontes postos àinvestigação proposta pela tradicional educação patrimonial para osobjetos da cultura, amplificando as noções de patrimônio e mesmode significação nos processos de fruição que supõe, no limite, atémesmo que na ausência dos objetos venhamos a refletir sobre amemória, a história e as políticas de salvaguarda. Nessa medida,podem ser objetos de reflexão sobre o patrimônio e uma educaçãosensível em sala de aula, por exemplo, os já conhecidos furtos debens patrimoniais (como fotos, imagens, objetos e documentos) deinstituições de memória no país.

E há muitos desafios postos na consolidação de umaagenda amadurecida e reflexiva de ações educativas que de fatocompreendam o patrimônio em processo, as práticas de memória naescola e no museu - em trânsito e transformação e os desafios decontribuição para uma educação sensível, ao mesmo tempo tambéme fundamentalmente uma educação comprometida com a amplificaçãoda experiência de viver a cultura, em sua dispersão e pluralidade.

Por que razões alunos da cidade de Sabará conhecem,como patrimônio, apenas a cidade de Ouro Preto e não, também,a de Sabará? Por que razões supõem alguns alunos, ao viajarem aOuro Preto, estarem como num túnel de volta ao “legítimo passadomineiro”? Por que razões, na outra ponta, alunos de Ouro Pretoacham que o patrimônio ouro-pretano é direito de visitantes, não,exatamente, direito pertencente também ao habitante da cidade? Porque razões um estudante do distrito de Fidalgo (Pedro Leopoldo/MG)supõe que a história é a história do centro daquela cidade? E por querazões um aluno que estuda no centro da cidade jamais caminhoupor este centro - suposto palco histórico - para compreender/sentir eproblematizar essa narrativa? Falo, então, de uma formação docentefundamentalmente atenta à história encarnada no sujeito mesmo,capaz de cultivar o estranhamento também no que é também familiar,

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não só no que lhe é diverso, com aprendizagem do olhar distante e doolhar pertencente, para ver o outro e o familiar com olhos de sentir eestranhar.

Esta é então uma viagem encarnada: aquela que se realizano encontro do sujeito com o que é lhe pulsante, não exatamenteuma viagem primariamente dirigida ao que lhe é desconhecido. Quesentido terá uma orientação educativa que no limite configure umaagenda preconceituosa, embora curiosa? Por isso a reflexão sobrepercepção nos processos de educação estética se aplica tambémpara experiências sociais nas quais não há propriamente museus -mas há gestos de salvaguarda, práticas culturais de memória e usosdiversos dos registros culturais destruídos, conservados ou somentelembrados quando o que há são apenas ruínas. Está incluída, nestareflexão, toda sorte de discriminação provocada pela memória social.

Têm os museus, nesse sentido, várias portas e janelas,dispostas em cada ponto instável de significação; e têm bordas, nasquais residem - não calmamente - as linhas de fuga, as divergências eo sem-sentido com que se faz a história nos tempos.

Posto que esta educação seja concebida de maneiramultidirecional e relacional, será possível imaginar que a escola seabrirá à ambigüidade revelada pela polaridade salvaguarda/destruiçãoprópria às práticas de memória, às coleções e às exposições esobretudo aos arbítrios da experiência social.

Octávio Paz nos convida a refletir sobre a suposta “eternidaderefrigerada” dos museus, opondo a isso os objetos de “artesania”(jarras de vidro, cestas de vime, huipil de manta de algodão, vasilhade barro cozido, panela de madeira...). Segundo o autor,

“a artesania não quer durar milênios nem está possuídapela pressa de morrer em breve. Decorre com os dias,flue conosco, gasta-se pouco a pouco, não procura amorte nem a nega: aceita-a. entre o tempo sem tempodo museu e o tempo acelerado a técnica, a artesaniaé o latido do tempo humano. É um objeto útil mas que

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também é formoso; um objeto que dura mas que tambémse acaba e se resigna a acabar-se: um objeto que não éúnico como a obra de arte e que pode ser substituído poroutro objeto parecido mas não idêntico. A artesania nosensina a morrer e assim nos ensina a viver” (1996, p.11).

Teriam sido os museus “desrefrigerados” após o ingresso dasartesanias em suas coleções? Ou, do contrário, essa entrada teriapermitido a muitos museus contemporâneos que sintam - eles e seusvisitantes - a temperatura da vida em curso? Que outras polaridadessurgem desta nova concepção de coleção que inclui não apenasos chamados objetos de arte, mas aqueles da vida corrente dentreeles os objetos artesanais? Em que medida refaz-se o diálogo detemporalidades quando as artesanias - objetos viventes - adentram osportais dos museus?

Estamos diante de novas questões na contemporaneidade.Alteraram-se os acervos museais, sobretudo pelo advento davida comum na elaboração de uma nova concepção de relíquiae salvaguarda. Mudam, em sentido multidirecional, também, asmaneiras de sentir e experienciar a história através das instituiçõesde memória. Entram em cena novos e silenciados sujeitos, amplia-se o espectro social figurado à posteridade. Entraram nos museus ascuias, cabaças, rendas, colheres de pau, o muro de adobe, a panelade barro, o modo de fazer o queijo de Minas, o som das mãos ariandotacho de cobre...

Estes novos cenários expositivos religam duas dimensões quepareciam apartadas em instituições de memória: beleza e utilidade.Religa também história e memória. Essas religações corporificamnovas maneiras de sentir, narrar, questionar e apreciar história.

Alteram-se também as formas de educar, com criação detrilhas interpretativas experimentais, com exploração do museupelos professores, com diálogo ampliado com públicos semprediversos. Alteram-se os modos de uso do museu pela escola, comexperimentações, diálogos e construção de agendas educativas

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partilhadas.Em que medida alteram-se as relações com a história e o seu

conhecimento e sensibilidade?De uma concepção de passado estático e de futuro como

predição ou teleologia glorificante, salta-se para uma concepçãohistórica autocrítica e movente, pluralizada, em que futuro e passadosão ao limite interrogáveis, interrogantes. Uma história que é tantoo que se revela nas exposições museais quanto o que é urdido nacomplexa trama vivencial e discursiva da sociedade, mas agoraimbricadas; são os objetos assim ícones de salvaguardas e, ao mesmotempo, simbolizam o luto, tudo o que falta.

Trata-se enfim de uma educação estética em que hádesnovelamento da fragmentação histórico-cultural, com expansão dotrato com a memória. Neste caso, mesmo quando a memória é plenade ruína e violência ou ainda quando reverbera a lembrança, tambémsem neutralidade alguma, sob a roupagem da glória, da narrativaépica ou da sedução do belo em que por vezes espreita, disfarçado,o preconceito.

OBSERVAÇÕES

Este texto contou com apoio da Fundação Amparo à Pesquisade Minas Gerais, Fapemig. Agradeço a leitura generosa e crítica destetexto feita pela colega Mariza Guerra de Andrade.

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PARTE IV

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA:CONVERGÊNCIAS E TENSÕES NO CAMPO DA

FORMAÇÃO E DO TRABALHO DOCENTE

Maria da Conceição Ferreira FonsecaOrganizadora

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APRESENTAÇÃO

“Convergências e tensões no campo da formação e do trabalhodocente: políticas e práticas educacionais”: esse é o tema geral doXV ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino,realizado em Belo Horizonte, em abril de 2010. Essa formulaçãoconferida a um conjunto de angústias e esperanças que permeiamas práticas no campo educacional serviram de provocação para asreflexões de educadoras e educadores matemáticos que assinam ostextos reunidos neste volume.

Sea referênciaqueaelaseaeles faço refere-seprioritariamentea seu lugar de educadores não é, por certo, por desconsiderar suavocação para a pesquisa, cuja produção temoferecido às comunidadesacadêmica e educacional tantas e tão relevantes contribuições, dasquais os textos aqui apresentados serão mais um exemplo. Minhaescolha foi ditada pelo modo como li os posicionamentos assumidosnas teceduras de seus textos, marcados pelo engajamento num projetode Educação comprometido com o acolhimento e a potencializaçãoda diversidade, na produção de instrumentos e alternativas para asuperação das desigualdades.

A essas educadoras e a esses educadores foi proposto umexercício de reflexão em que deveriam também considerar o tema dorespectivo simpósio do qual foramconvidados a participar:Formaçãoedesenvolvimento profissional de professores deMatemática; ouOensino de Matemática e as avaliações sistêmicas: convergênciase tensões; ou Perspectivas do ensino da Matemática. Emboratodos tenham elaborado seus textos orientados pela proposição deseu simpósio, uma corrida d’olhos pelo sumário deste livro evidenciaráque não foi a organização por esses simpósios que orientou osagrupamentos que me permiti fazer dos artigos que aqui trazemos.

Resolvi agrupá-los pelas dimensões da formação e do trabalhodocente que a leitura que deles fiz me levou a ver ali contempladas, demodo privilegiado, ao refletirem as preocupações e as contribuiçõesdos projetos de investigação e de intervenção desenvolvidos por seus

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autores e pelos grupos que coordenam ou dos quais participam.Assim é que reuni, numa primeira seção, intitulada Formação

e trabalho docente: tramas históricas, o texto de Maria LauraMagalhães Gomes e o de Antônio Vicente Marafioti Garnica,originalmente apresentados para os simpósios Perspectivas doensino daMatemática e Formação e desenvolvimento profissionalde professores de Matemática, respectivamente.

A dimensão histórica dos processos que envolvem a formaçãoe o trabalho docente é, de alguma forma, considerada em todos osartigos deste livro, mas em Dimensões históricas na formação deprofessores que ensinam Matemática, Maria Laura marca posiçãoem relação às contribuições da História para a discussão da temáticacentral doXVENDIPE, edeste livro, dedicando-seaodelicadoexercíciode procurar entender um pouco mais as questões da formação e dotrabalhodocentedequemensinamatemática,que “opresentebrasileirotem insistido em nos colocar como problema”, a partir da análise detrês momentos da História da Educação Matemática. A formação deprofessores proposta por Condorcet (1743-1794) no ambiente daRevolução Francesa, o problema da preparação de professores paraensinar Matemática no Brasil do século XIX, e a proposta de formaçãode professores de Matemática na Universidade do Distrito Federal(UDF) no período 1935-1939 são, portanto, exemplos que a autoraescolheu e sobre os quais exercita sua análise histórica, não paraproceder a um “julgamento do passado” ou para tentar “dele extrairlições para o presente e para o futuro”, mas “para destacar algumasconvergências e tensões que têm, historicamente, imprimido suamarca no campo da formação docente”.

Presentificando ausências: a formação e a atuação dosprofessores de Matemática, o outro texto que compõe essa seção,por sua vez, aposta na contribuição da perspectiva histórica parauma compreensão da formação e da atuação daquelas e daquelesque ensinam matemática em distintos tempos e espaços que possa“alicerçar as atuais políticas públicas do campo da Educação e, emespecial, da Educação Matemática”. É nessa perspectiva que Antônio

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Vicente apresenta alguns resultados parciais do mapeamento daspráticas de formação e atuação de professores de matemática noBrasil, que está sendo empreendido pelo Grupo de Pesquisa “HistóriaOral e Educação Matemática”, coordenado pelo autor. A análiseproposta mobiliza a “presentificação das ausências” como uma dasfunções da História da Educação Matemática, convidando-nos arefletir sobre como “nossos desconhecimentos, nossos esquecimentose nossas negligências – aspectos da ausência – se vivificados(tornados conhecimento, lembrança e apelo à atenção e à ação) –presentificados – poderiam nos ajudar a redimesionar práticas atuaise gerar interferências significativas”.

Abre a segunda seção deste livro, o texto Desenvolvimentoprofissional e comunidades investigativas, de Dario Fiorentini.Escrito para subsidiar sua participação no Simpósio Formação edesenvolvimento profissional de professores de Matemática,o artigo defende a constituição de “comunidades investigativasconstituídas por formadores de professores da universidade,professores da escola básica e futuros professores como alternativapara o desenvolvimento profissional de professores e de produção deum repertório de práticas educativas fundamentadas em investigaçõessobre a prática de ensinar e aprender matemática”. Tal defesa apóia-seem contribuições da teoria social de aprendizagem em Comunidadesde Prática (CoP) e nos processos, tanto quanto nos produtos, depesquisas desenvolvidas pelo Grupo de Estudos e Pesquisa sobreFormação de Matemática (GEPFPM); apóia-se, ainda, nas práticasreflexivas e investigativas desenvolvidas pelo Grupo de Sábado (GdS)da FE/Unicamp que problematizam as relações “tradicionalmenteestabelecidas entre as práticas das comunidades acadêmicas e aspráticas das comunidades docentes” e instauram a possibilidade denovas relações.

O texto de Marilena Bittar, A parceria escola x universidadena inserção da tecnologia nas aulas de Matemática: um projetode pesquisa-ação, que compõe com o de Dario a segunda seçãodo livro, foi escrito para o Simpósio: Perspectivas do ensino da

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Matemática. Mais uma vez, a dimensão coletiva dos processos deformação e de desenvolvimento docente é tomada como eixo dareflexão, apontando “parcerias entre a universidade e a escola” comouma alternativa que pode “efetivamente, contribuir com uma mudançade prática pedagógica do professor de matemática visando melhoriada aprendizagem matemática”. O argumento desse texto referenda-senuma pesquisa realizada com “professores que ensinam matemáticanos diversos níveis de escolaridade na cidade de Campo Grande”,cujo objetivo era “investigar a inserção da tecnologia nas aulas dematemática” e que, fundamentando-se na teoria da instrumentação,adotou como metodologia a pesquisa-ação “por acreditar quemudanças na prática só ocorrem se o professor for parte ativa doprocesso”.

A descrição que faço dos dois artigos da segunda seção,embora breve, permite que se aventem hipóteses bastante razoáveissobre os motivos que me fizeram reuni-los numa mesma seção,intitulada Formação e trabalho docente: processos coletivos.Com efeito, ainda que não seja exclusividade da discussão propostapor esses textos – todos os demais textos deste livro, assim comoacontece com a dimensão histórica, também contemplam, de algumaforma, a dimensão coletiva da formação e do trabalho docente –, areflexão sobre as possibilidades dos espaços de interação em quese forjam os processos de formação de quem ensina matemáticaexplicita, nas abordagens de Dario e Marilena, a complexidade dasrelações, dos propósitos e das práticas que ali se estabelecem, e deixaantever a diversidade de perspectivas sob as quais se pode analisá-la.Talvez o debate entre as perspectivas desses dois artigos não tenhaoportunidade de se realizar diretamente nas sessões do ENDIPE, jáque as apresentações estão previstas em simpósios diferentes. Folgoem saber que a organização que pude conferir a este livro poderáoportunizar, em outros fóruns, o diálogo que a leitura desses doistrabalhos, que foram colocados em solidariedade e confronto aocomporem uma mesma seção, poderá incitar.

Apenas a terceira seção, aqui nomeada Formação e trabalho

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docente: opções político-epistemológicas, reúne textos produzidospara o mesmo simpósio: O ensino de Matemática e as avaliaçõessistêmicas: convergências e tensões. No título dessa seção, tomeia expressão usada por Antonio Miguel e Anna Regina Lanner deMoura, que assinam o último dos três artigos que a compõem, porentender que, sob perspectivas diversas, os três textos destacamos mecanismos pelos quais concepções sobre a epistemologia dosconhecimentos matemáticos (e sobre sua repercussão na seleção doque será ensinado e como o será, e, enfim, sobre o que será avaliado,com que instrumentos e com que intenções) informam as decisõespolíticas que definem não apenas os processos de avaliação, mastambém a produção, a interpretação, a divulgação e o uso de seusresultados.

O texto de Maria Tereza Carneiro Soares, EducaçãoMatemática e as políticas de avaliação educacional: hásinalizadores para o ensino de matemática nas escolas ouâncoras a serem levantadas?, inaugura neste livro a abordagem daquestão das relações da Educação Matemática com as AvaliaçõesSistêmicas. Apontando a escassez de trabalhos sobre avaliaçãonesse campo, a autora defende o confronto e a complementaridadeentre estudos quantitativos e qualitativos, que abordam diferentesdimensões dos processos de avaliação e dos resultados, comentáriose intervenções quegeram.Para isso,MariaTereza se dispõeesclarecerum pouco melhor a proposta do PISA – Programa Internacional deAvaliação de Alunos – e a participação brasileira nesse programa,apresentando aquilo que reconhece como perspectiva e possibilidadesepistemológicas do desenho dessa avaliação e como instânciaspolíticas e pedagógicas dessa participação.

Maria Isabel Ramalho Ortigão, autora do texto O ensino deMatemática e as avaliações sistêmicas: o desafio de apresentaros resultados a professores, também contempla a questãoda divulgação dos resultados das avaliações em larga escala,problematizando as possibilidades de apropriação desses resultadospelos professores e professoras que atuam na Educação Básica. A

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autora propõe, ainda, o exercício de interpretação dos resultados deuma turma na Prova Brasil como um exemplo da dimensão formadoradessa prática interpretativa na preparação e no desenvolvimentoprofissional de quem toma a responsabilidade de ensinar matemáticano contexto escolar.

OtextodeAntônioMigueledeAnaRegina,Avaliaçãosistêmicaem matemática: alterando focos, concepções e intenções para sedimensionar tensões, entretanto, faz exatamente o que promete emseu título: narrando a experiência de sua participação na equipe queplanejou o processo e produziu o relatório do Projeto de Avaliaçãoconhecido como Prova Campinas, os autores enfatizam a naturezaético-política das opções que orientaram as decisões metodológicase operacionais relativas a tal processo; é a partir desse ponto de vistaque apresentam possibilidades não triviais de análise das respostasproduzidas por estudantes nas situações de avaliação, por meiodas quais somos convocados a redimensionar problemas e tensõesrelativas a essas situações, seus instrumentos, seus resultados e suasconsequências para ações e políticas educacionais.

A última seção deste livro, Formação e trabalho docente:convergências e tensões, abriga apenas o texto de Plínio CavalcantiMoreira: Formação matemática do professor da escola básica:qual matemática?. Escrito originalmente para o simpósio Formaçãoe desenvolvimento profissional de professores de Matemática, oartigo retoma convergências e tensões de alguma forma contempladasnos textos que neste livro o antecedem, ao abordar uma questãorecorrente, embora antiga, nas discussões sobre a formação docente,a que o autor se refere como a “dicotomia formação-prática”. ParaPlínio, a necessidade da superação dessa dicotomia parece seruma “convergência” nos discursos das pessoas e das instituiçõesque se ocupam da formação de professores e professoras queensinam matemática, incluindo aí os discursos das professoras e dosprofessores que se formam. As divergências em relação aos modospelos quais essa superação poderia ser alcançada ou as restrições nadisposição para os deslocamentos que seriam necessários para isso

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é que instauram as tensões que nos desafiam a buscar alternativas,apoiando-nos nas investigações e estudos, e abrindo-nos ao diálogo,do qual este livro quer ser uma oportunidade.

Nessa breve apresentação, muito aquém das contribuiçõesque a leitura dos artigos poderá trazer, espero ter cumprido aqui omeu papel de apontar “convergências e tensões na formação e notrabalho docente” contempladas pelos autores e pelas autoras queaqui reunimos, bem como sugerir tensões e convergências dessasabordagens.

Mas, principalmente, gostaria de ter cumprido aqui a honrosamissão de convidar à leitura de cada um desses textos, à reflexãoque eles suscitam, ao diálogo que eles alimentam e a transformaçõesdas práticas que eles inspiram – porque também foram forjados empráticas generosamente dialógicas, reflexivas e transformadoras deformação e trabalho docente.

Maria da Conceição Ferreira Reis FonsecaPresidente daComissãoCientífica doSubtemaEducaçãoMatemática

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DIMENSÕES HISTÓRICAS NA FORMAÇÃODE PROFESSORES QUE ENSINAMMATEMÁTICAMaria Laura Magalhães GomesDepartamento de Matemática e Programa dePós-Graduação em Educação da UFMG

Aquele que quiser se circunscrever ao presente, ao atual,não compreenderá o atual.

(Jules Michelet)

Ser membro de uma comunidade humana é situar-seem relação ao seu passado (ou da comunidade), aindaque apenas para rejeitá-lo. O passado é, portanto, umadimensão permanente da consciência humana, umcomponente inevitável das instituições, valores e outrospadrões da sociedade humana.

(Eric Hobsbawm)

Noconviteparaestesimpósio, intitulado “Perspectivasdoensinoda Matemática”, informa-se que, no interior do subtema EducaçãoMatemática, é a partir do tema do XV ENDIPE – “Convergências etensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas epráticaseducacionais”–,queossimposistasdevemtecersuasreflexõese considerações. Essa indicação, ao mesmo tempo em que ofereceum direcionamento claro para o tema do evento, centrado no campoda formação e do trabalho docente e por si próprio muito amplo, fazcrescer imensuravelmente o número de possibilidades de abordagemdospalestrantes, que semovimentamno tambémextremamente amplouniverso da Educação Matemática. Fica sugerido, pela orientação doconvite, que somos livres para falarmos do que quisermos quanto a

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questões da formação e do trabalho docente ligadas ao ensino daMatemática, selecionando uma ou mais perspectivas entre as muitassob as quais tais questões podem ser focalizadas. Cada um de nósescolherá, naturalmente, os caminhos que lhe são mais familiares esignificativos, e no meu caso, opto por focalizar algumas dimensõeshistóricas particulares dessas questões.

Neste mesmo Encontro Nacional de Didática e Práticade Ensino, outros trabalhos provavelmente tocarão em pontospróximos aos que aqui procurarei focalizar; é possível anteveressa possibilidade em um simpósio do subtema Trabalho Docentedenominado “História da profissão docente: rupturas e continuidades”.Ademais, parece-me difícil que, no subtema Educação Matemática, osimpósio “Formação e desenvolvimento profissional de professores deMatemática” deixe de problematizar aspectos históricos. No entanto,para mim, particularmente, o convite para participar deste simpósiosignificou uma oportunidade para pensar sobre os aportes que aHistória poderia oferecer num contexto tão candente como o dasperspectivas do ensino da Matemática postas em relação com o temadas convergências e tensões no campo da formação e do trabalhodocente na atualidade brasileira. É possível que tanto os idealizadoresquanto os participantes deste simpósio se façam a mesma pergunta:para que serviria a História aqui? Em resposta à pergunta sobre alegitimidade da História, vale recordar o que Marc Bloch escreveu:

Sem dúvida, ocorre com esse problema o mesmo quecom quase todos os que concernem às razões de serde nossos atos e de nossos pensamentos: os espíritosque lhes permanecem, por natureza, indiferentes, ou quevoluntariamente decidirem por tal postura, dificilmentecompreendem que outros espíritos vejam nisso o temade reflexões apaixonantes (BLOCH, 2001, p. 41).

Com efeito, quando refletimos sobre as contribuições daHistória, é oportuna a observação de Lopes e Galvão (2005) de que

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a História, do ponto de vista pragmático, é um saber inútil, que hámuito tempo renunciou ao julgamento do passado e à tentativa dedele extrair lições para o presente e para o futuro. Entretanto, ela vem,sem dúvida, contribuindo para que entendamos um pouco mais o queo presente insistentemente nos coloca como problema. E o presentebrasileiro tem insistido em nos colocar como problema a formação e aprofissão do professor que ensina Matemática...

Feita esta introdução, na qual afirmominha opção pelo enfoquehistórico neste simpósio, anuncio intenções mais específicas. Meupropósito não é o de tentar o empreendimento irrealizável de sintetizaro percurso da formação de professores que ensinam Matemáticano decorrer do tempo ou o de procurar reconstituir esse trajeto nopassado ainda curto da preparação institucional desses docentesem nosso país. Quero, antes, apenas apresentar e comentar trêsexemplos relacionados ao ensino da Matemática, para destacaralgumas convergências e tensões que têm, historicamente, imprimidosua marca no campo da formação docente. Tratarei inicialmente, daformação de professores proposta por Condorcet (1743-1794) noambiente da Revolução Francesa. Em seguida, enfocarei brevementeo problema da preparação de professores para ensinar Matemáticano Brasil do século XIX e a questão da seleção de professores deMatemática para as escolas brasileiras durante esse período. Paraesse último aspecto, tomarei como referência o trabalho de Soares(2007). Finalmente, abordarei a proposta de formação de professoresde Matemática na Universidade do Distrito Federal (UDF) no período1935-1939, fundamentando-me em Dassie (2009), Lopes (2009) eMendonça (2007).

NO CONTEXTO DA REVOLUÇÃO FRANCESA: CONDORCET E AFORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA

O estabelecimento de instituições com o objetivo específicode preparar professores está ligado à institucionalização da instruçãopública, após a Revolução Francesa, momento em que os princípios

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de universalidade, laicidade e obrigatoriedade passam a compor aescola pública como ainda hoje a pensamos. O problema da instruçãopopular levou o Estado a concretizar a ideia de prover escolas normaisque formassem professores para a escola primária; porém, o processode criação dessas escolas teve seu desenvolvimento somente nodecorrer do século XIX, inclusive no Brasil (LOPES, 2008; TANURI,2000; SAVIANI, 2009).

Parece haver umacordo dahistoriografia daeducaçãoemsituara configuração da formação institucional de professores no momentoda organização dos sistemas nacionais de ensino, que, pensadoscomo um conjunto de muitas escolas vinculadas a um mesmo padrão,precisaram encarar o problema de preparar professores, em grandeescala, para ensinar nessas escolas (SAVIANI, 2009).

Contudo, antes mesmo desse momento de organização dossistemas de ensino no século XIX, no próprio seio da RevoluçãoFrancesa, a obra de Condorcet já explicitava a necessidade de oEstado se responsabilizar pela formação de professores para ainstrução pública. O que nos interessa particularmente aqui é o fato deque, no contexto maior da elaboração das diretrizes para a formaçãogeral do cidadão na instrução pública da França Revolucionária, essepensador e homem de ação tenha formulado ideias específicas para apreparação daqueles que ensinariam os conhecimentos matemáticosna escola primária a que teriam acesso todos os cidadãos.

As Cinco Memórias sobre a Instrução Pública, publicadasem 1791, estabelecem as bases teóricas da escola republicana,constituindo a matriz filosófica da instrução pública e subsidiandoteoricamente o plano do deputado Condorcet apresentado àAssembleia Legislativa em 1792, o qual não somente propunha umainstrução universal totalmente laica, sob a responsabilidade do Estado,como também estabelecia legalmente o primado da Matemática e dasciências nesse ensino. Nas palavras de Condorcet:

“... a instrução deve ser universal, isto é, estender-se atodososcidadãos.Deve-sereparti-lacomtodaa igualdade

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que permitem os limites necessários dos gastos, dadistribuição dos homens sobre o território e o tempo quelhe podem dedicar as crianças. Deve abarcar, em seusdiversos graus, o sistema completo dos conhecimentoshumanos, e garantir aos homens, em todas as idades davida, a facilidade de conservar seus conhecimentos oude adquirir outros novos” (CONDORCET, 1997, p. 253).

É essencial à filosofia das Luzes e central no pensamentocondorcetiano a ideia do poder do impresso na transmissãointegral dos conhecimentos, e o mais perfeito símbolo desseposicionamentoéa importânciaconferidaao livro,particularmentena instrução pública. O livro, porém, nesse contexto, além de seconstituir como um recurso a ser colocado nas mãos do alunoda escola elementar, aquela que seria frequentada por todos,deveria ser um instrumento de formação dos professores. Oprojeto de formação de professores da Revolução não se referia,portanto, à organização de instituições especializadas para essefim, e sim à produção e publicação de manuais dirigidos aosdocentes que acompanhariam os livros para os estudantes.Na segunda das Cinco Memórias sobre a Instrução Pública,Condorcet propõe como conteúdo desses livros:

1º observações sobre o método de ensinar; 2º osesclarecimentos necessários para que os mestrespossam responder às dificuldades que os alunospodem propor, às perguntas que eles possam fazer; 3ºdefinições, ou, sobretudo, análises de algumas palavrasempregadas nos livros colocados nas mãos das crianças,e sobre as quais é importante lhes dar ideias precisas(CONDORCET, 1994, p. 115).

Posteriormente, Condorcet escreveu um livro didático dearitmética (Moyens d’apprendre à compter sûrement et avec facilité)no qual buscou concretizar sua proposta em relação aos conteúdos

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nele contemplados: a representação dos números no sistema decimalindo-arábico e os algoritmos das quatro operações que aproveitam asvantagens desse sistema. Embora esse livro tenha ficado inacabado,porque o autor faleceu enquanto o escrevia, durante o período em quese escondia da perseguição do Terror, o que Condorcet nos deixou foiuma obra composta por duas partes: a primeira, constituída por textosdirigidos aos alunos, e a segunda, por orientações aos professores.O texto do aluno estrutura-se em doze lições e a parte destinada aoprofessor lhe oferece recomendações relativas a cada uma delas; omestre é remetido a tais recomendações a partir do livro do aluno.Essas recomendações têm duas vertentes principais. De um lado,são muitas as considerações sobre os conhecimentos matemáticosenvolvidos no funcionamento do sistema de numeração decimal e nosfundamentos dos algoritmos da adição, da subtração, da multiplicaçãoe da divisão sobre os quais o professor precisaria ter segurança; deoutro lado, revelam-se diversos cuidados de ordem pedagógica aserem observados pelo docente, considerando-se particularmenteas dificuldades de ensinar a muitos e diferentes alunos. Não é meuintuito expor aqui os detalhes do esforço condorcetiano de formarprofessores mediante o impresso representado por seu manual (umaanálise minuciosa do livro de aritmética pode ser encontrada emGomes, 2008); o que pretendo é apenas chamar a atenção para o fatode que, já no século XVIII, bem antes do estabelecimento dos sistemasnacionais de educação, a proposta de Condorcet para a formaçãode professores para a instrução pública envolver simultaneamenteo aspecto cultural-cognitivo-epistemológico e o aspecto didático-pedagógico da educação matemática escolar. Passemos ao segundode nossos exemplos, remetendo-nos, agora, ao passado brasileiro.

A FORMAÇÃO E A SELEÇÃO DE PROFESSORES PARAENSINAR MATEMÁTICA NO BRASIL DO SÉCULO XIX

Segundo Saviani (2009), foi somente com a promulgação daLei das Escolas de Primeiras Letras, em 15 de outubro de 1827, que

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se manifestou no Brasil a preocupação explícita com a questão daformação de professores. A partir de 1834, a instrução primária foicolocada, pelo Ato Adicional, sob a responsabilidade das provínciasimperiais, que passaram a criar escolas normais para a preparação deprofessores para a escola de primeiras letras. Saviani enfatiza o fato deque essas instituições tiveram como principal meta fazer com que osprofessores aprendessem os próprios conteúdos a serem ensinadosàs crianças, pois seu currículo era constituído por esses mesmosconteúdos. Tanuri (2000, p. 64) afirma que as escolas normais secaracterizaram por “um ensino apoucado, estreitamente limitado emconteúdo ao plano de estudos das escolas primárias”, e Saviani refere-se à desconsideração do preparo didático-pedagógico do professornessas instituições, que, apesar de formarem poucos mestres eterem funcionado de maneira intermitente, constituíram-se no modelode formação docente brasileiro no período 1827-1890. É preciso terem mente que nas escolas de primeiras letras os conhecimentosmatemáticos estão incluídos, abrigados no terceiro componenteda célebre tríade “ler, escrever e contar”; desse modo, faziam partedos programas das escolas normais conteúdos matemáticos, queaparecem identificados de várias maneiras. Por exemplo, na lei decriação da primeira escola normal brasileira, a do Rio de Janeiro, em1835, consta o currículo a ser ministrado aos futuros professores:“ler e escrever pelo método lancasteriano; as quatro operações eproporções; a língua nacional; elementos de geografia; princípiosde moral cristã” (TANURI, 2000, p. 64, grifos nossos). O currículo daprimeira escola normal pública instalada na Corte, em 1880, incluía,em um elenco com muitas matérias, aritmética, álgebra, geometria,metrologia e escrituração mercantil (TANURI, 2000).

Leonor Tanuri chama a atenção para aspectos importantesrelativos às escolas normais do período imperial: as deficiênciasdidáticas, a falta de interesse da população pela profissão docente,acarretada pelo seu desprestígio e baixa remuneração, e a “ausênciade compreensão acerca da necessidade de formação específica dosdocentes de primeiras letras” (p. 65). Essa autora destaca tambémque,

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mesmo durante o funcionamento das escolas normais, as provínciasrecorreram a um instrumento economicamente mais interessantepara recrutar os professores – os exames ou concursos, limitados àsmatérias do ensino primário e aos chamados “métodos principais deensino”.

Se a criação de instituições formadoras de professores para aescola primária no Brasil se deu, apenas, e precariamente, no decorrerdo século XIX, as preocupações com a preparação específica de umprofissional para a docência no nível secundário teriam que esperaraté depois do fim da Primeira República, em 1930, para se traduzirna implementação de instituições com essa finalidade. A maior partedos professores da escola secundária, no Império e na PrimeiraRepública, era composta por profissionais formados no ensinosuperior então existente no país, que conviviam com os egressos dasescolas normais, os bacharéis diplomados pelos Ginásios dos estadose os autodidatas que, mediante a comprovação de conhecimentos emprovas de concursos, recebiam autorização para lecionar (VICENTINI;LUGLI, 2009). O caso particular da docência em Matemática erasolucionado principalmente pelos engenheiros, que atuavam emescolas públicas ou particulares sem que qualquer cuidado com temasdidático-pedagógicos tivesse sido contemplado em sua formação noensino superior (DIAS, 2002).

O Brasil oitocentista fez amplo uso, no recrutamento deprofessores para o magistério primário e secundário, da realizaçãode concursos constituídos por provas orais e escritas. A pesquisade doutorado de Flávia Soares (2007) teve como problema central oestudo da seleção de docentes para a escola primária e secundária doRio de Janeiro no século XIX, até 1879, com o objetivo de conheceros conteúdos valorizados para o exercício da profissão de professorde Matemática. A documentação analisada pela autora mostra opredomínio de itens dissertativos nas provas exigidas, isto é, deênfase em questões nas quais o candidato teria que discorrer sobreum tema sorteado de uma lista de pontos elaborada pela comissãoorganizadora do concurso.

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Para o exercício da profissão de professor primário, oscandidatos precisariam ser aprovados em uma série de exames emvárias disciplinas, entre as quais estavam a Aritmética e os Pesose Medidas. A investigação de Soares revela que, mesmo não tendoum bom desempenho nessas disciplinas, alguns candidatos eramselecionados com base no que haviam apresentado nos exames dasoutras disciplinas que compunham os concursos. A autora mostraque as questões propostas em Aritmética e Pesos e Medidas eramproblemas, cálculos ou perguntas que requeriam apenas informações,como, por exemplo, as seguintes, selecionadas de provas de Pesose Medidas aplicadas no Rio de Janeiro entre 1855 e 1879: Como sedivide o tempo? (Isto é, os séculos, os anos)? Quais são as unidadesque servem amedida de extensão? Não havia questões relacionadas aaspectos metodológicos do ensino dos conteúdos matemáticos, aindaque os candidatos ao cargo de professor de primeiras letras tivessemde prestar um exame referente a métodos de ensino, dissertandosobre o método mútuo e o método simultâneo.

Para o ensino secundário, realizavam-se concursos parao exercício da docência nas diferentes disciplinas matemáticas –Aritmética, Álgebra, Geometria e Trigonometria. Na seleção deprofessores para o Colégio Pedro II, sorteavam-se pontos extraídosdos próprios programas de ensino da instituição. É interessantemencionar, também, que a documentação investigada por FláviaSoares registra que, antes de prestar os exames, por vezes, oscandidatos, ao requererem sua inscrição nos concursos, precisavamapresentar papéis assinados por autoridades eclesiásticas atestandoseu pertencimento à religião católica apostólica romana e sua boaconduta moral, bem como comprovação de não serem acusados ouculpados de crimes. A pesquisadora relata, ainda, que sua análisede muitas provas escritas por candidatos ao magistério primário esecundário revelou “o pouco preparo dos candidatos, apesar demuitos se identificarem em seus requerimentos como engenheiros,formados em ciências matemáticas, ou aprovados pela InspetoriaGeral da Instrução Primária e Secundária da Corte nas matérias que

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compunham a cadeira de Matemáticas” (SOARES, 2007, p. 134).Depois de 1879, quando houve a última reforma imperial de

ensino, promovida por Leôncio de Carvalho, os concursos do PedroII continuaram a se basear em tópicos dos programas para o nívelsecundário, mas às provas escritas e orais acrescentou-se a defesade uma tese, que “seria composta por uma dissertação escritasobre um ponto sorteado e de pelo menos duas proposições queconteriam questões controversas sobre cada um dos outros novepontos restantes, dentre os dez organizados pela comissão julgadora”(SOARES, 2007, p. 137). Na concorrência à cadeira de Matemática,teses desse tipo chegaram a ser expostas na presença do imperadorD. Pedro II.

O que o trabalho de Soares evidencia é que, não existindouma preparação institucional de professores no período imperial, osconcursos acabaram por se constituir efetivamente como a instânciade aferição da qualificação dos docentes. Como procuramos mostrar,essa qualificação era avaliada a partir do desempenho em examesque versavam sobre conteúdos matemáticos.

Prevaleceu, portanto, naquele contexto de sociedadeescravocrata, com acesso restrito à escolarização, e no qual o ColégioPedro II configurou-se como um padrão para moldar o perfil e osconhecimentos dos professores para o ensino primário e secundário,a concepção de que o trabalho docente em Matemática seria bemdesenvolvido desde que o mestre satisfizesse a requisitos de naturezacientífico-cultural, estando ausentes as preocupações com aspectosdidático-pedagógicos. Dediquemo-nos agora ao último de nossosexemplos, uma experiência institucional brasileira de formação deprofessores para ensinar Matemática na qual se visou a integraçãodos componentes culturais-cognitivos e pedagógico-didáticos – trata-se do trabalho idealizado por Anísio Teixeira na Universidade doDistrito Federal (UDF) no período 1935-1939, no qual teve papel dedestaque o educador Euclides Roxo.

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A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA ENSINARMATEMÁTICA NA UDF

Enquanto em São Paulo foi com a criação da Faculdade deFilosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo(USP), em 1934, que se estabeleceu o primeiro curso superior paraa formação de professores secundários, no Rio de Janeiro, a UDFfoi o primeiro espaço institucional orientado para a formação superiorde professores de todos os níveis de ensino. Anísio Teixeira, à frenteda Diretoria Geral da Instrução Pública do Distrito Federal no período1931-1935, após empreender a transformação da Escola Normalem Instituto de Educação, incorporou à UDF, criada em 1935, essainstituição. A Escola de Professores, parte do Instituto de Educação,passou a se chamar Escola de Educação, e seu papel, além do deformar docentes para a escola primária, era o de prover a formaçãopedagógica dos professores secundários, que se formariam nasrespectivas especialidades nas outras escolas da Universidade(LOPES, 2009). No caso dos professores de Matemática, essaformação seria feita na Escola de Ciências da UDF.

O que chama a atenção no projeto de formação de professoresda UDF é, como caracterizaMendonça (2007), o seu caráter integradorsob vários aspectos: a integração da formação de professoresprimários e secundários no âmbito da universidade; a integração entreconhecimento pedagógico e disciplinar específico na preparação doprofessor primário por meio das chamadas “matérias de ensino”, queprocuravam trabalhar integradamente conteúdo e metodologia; avisão integrada do ensino e da pesquisa na universidade segundo asconcepções de Anísio Teixeira. Na formação dos professores para oensino secundário, de acordo com Lopes (2009), eram previstos trêsanos, com um programa estruturado em cursos de conteúdo (matériasespecíficas do curso), cursos de fundamentos (matérias de culturageral indispensáveis ao professor, ministradas para todas as áreas) ecurso de integração profissional (estudos de educação propriamenteditos). Para os futuros docentes emMatemática, os três anos, divididos

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em três períodos letivos, se organizavam, segundo Dassie (2009), doseguinte modo:

1º ano: a) cursos de conteúdo: Matemática e Física; b)cursos de fundamentos: Inglês ou Alemão e Desenho;

2º ano: a) cursos de conteúdo: Matemática e Física; b)cursos de fundamentos: Biologia Educacional, SociologiaEducacional, Filosofia;

3º ano: a) cursos de conteúdo: Matemática e Históriae Filosofia da Matemática; b) cursos de integraçãoprofissional: Introdução ao ensino, Filosofia da Educação,Psicologia do Adolescente, Medidas Educacionais,Organização e programas do ensino secundário, Práticade Ensino.Os cursos de conteúdo matemático eram compostos pelas

cadeiras de Geometria Analítica, Análise Matemática e Mecânica.Observa-se que as disciplinas educacionais já compareciam nosegundo ano da formação, e que o curso incluía conhecimentoshistórico-filosóficos sobre a Matemática, o que revela a atribuição deimportância a esses conteúdos para formar o professor. Bruno Dassiebuscou ir além da simples análise da estrutura curricular do curso paracompreendera formaçãododocenteemrelaçãoàsquestõesdoensino-aprendizagem da Matemática nos cursos de integração profissional,valendo-se de documentos do APER-Arquivo Pessoal EuclidesRoxo, organizado pelo GHEMAT-Grupo de Pesquisa de História daEducação Matemática, atualmente sediado em Osasco, no estadode São Paulo. Euclides Roxo era professor da Escola Secundária doInstituto de Educação e lecionou Prática de Ensino de Matemática naUDF. Documentos de seu arquivo pessoal referem-se a essas aulasde Prática de Ensino, que contemplariam exercícios de observação, deplanejamento e de participação no ensino desenvolvido em classes daEscola Secundária regidas pelo próprio professor de Prática (DASSIE,2009). Nota-se, assim, que a formação docente desenvolvida na UDF

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envolvia a articulação direta com a Escola Secundária da mesmauniversidade.

Contudo, durou pouco tempo essa experiência: a UDF foiextinta e seus cursos foram transferidos para a Universidade do Brasilem janeiro de 1939; em abril do mesmo ano, organizou-se a FaculdadeNacional de Filosofia (FNFi) a partir da já existente Faculdadede Filosofia, Ciências e Letras do Rio de Janeiro. A formação deprofessores de Matemática para a escola secundária passou a serrealizada nessa faculdade, no modelo que ficou conhecido como “3 +1”, com as disciplinas de Matemática e Física concentradas nos trêsprimeiros anos do curso que formava o bacharel e a presença dasdisciplinas pedagógicas (Didática geral, Didática especial, Psicologiaeducacional, Administração escolar, Fundamentos biológicos daeducação e Fundamentos sociológicos da educação) exclusivamenteno último ano que seria necessário para complementar a formaçãodo futuro professor (DASSIE, 2008). Esse modelo, também adotadona Universidade de São Paulo, tornou-se hegemônico no Brasil, jáque tanto a FNFi como a FFCL-USP exerceram grande influênciana constituição dos cursos de formação de professores nos demaisestados do país. Consolidou-se com ele a dissociação entre formaçãoespecífica e pedagógica do professor, sempre referida nos trabalhosacerca das licenciaturas no Brasil. Ao mesmo tempo, de acordo comMendonça (2007), a extinção da UDF assinalou, no momento emque se deu, a separação institucional entre a formação do professorprimário e a do professor secundário.

CONVERGÊNCIAS E TENSÕES NA FORMAÇÃO DEPROFESSORES QUE ENSINAM MATEMÁTICA: PASSADO EPRESENTE

Os três exemplos apresentados, colhidos no passado, abordamquestões diretamente conectadas ao campo da formação docente,referindo-se particularmente a aspectos relativos à preparação dosprofessores que ensinam Matemática. O trabalho sistemático de

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periodização da história da formação de professores em geral noBrasil proposto por Saviani (2009), que procura articular a questãoda preparação docente às transformações sócio-político-econômicasa partir de 1827, evidencia que o problema da formação pedagógica,de início uma preocupação ausente, penetrou gradativamente no paísaté ocupar uma posição de destaque na década de 1930, no momentoda organização dos Institutos de Educação de São Paulo e do Rio deJaneiro.Pudemosconstataressamudançaespecificamenteemrelaçãoà formação do professor que ensinaria Matemática mediante um brevetrajeto pelos concursos para o magistério primário e secundário no Riode Janeiro do século XIX e pela proposta da Universidade do DistritoFederal.

Analisando os percursos da formação de professores no Brasil,Dermeval Saviani (2009) assinala a configuração de dois modelos –1) o cultural-cognitivo, para o qual a formação do docente consiste“na cultura geral e no domínio específico dos conteúdos da área deconhecimento correspondente à disciplina que irá lecionar” (p. 145);2) o pedagógico-didático, que, em contraposição ao anterior, concebecomo indispensável o preparo pedagógico-didático. O autor salienta,ainda, o fato de que a universidade brasileira continua convergindopreferencialmente, em que pesem as diretrizes curriculares maisrecentes, para o primeiro modelo, acreditando que “a formaçãodidático-pedagógica virá em decorrência do domínio dos conteúdosdo conhecimento logicamente organizado, sendo adquirida na própriaprática docente ou mediante mecanismos do tipo ‘treinamento emserviço’” (p.149). Saviani aponta, como um dos dilemas importantesda formação de professores, o confronto entre o modelo cultural-cognitivo e o modelo pedagógico-didático, que se expressa na buscada articulação dos dois aspectos de modo adequado no processo deformação de professores. Para ele, não representam solução para odilema nem a proposta de situar institucionalmente a formação nasinstâncias específicas do ensino universitário (as faculdades ou osinstitutos) – para priorizar o modelo cultural-cognitivo –, nem localizá-la nas instâncias dirigidas explicitamente para os aspectos didático-

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pedagógicos (as faculdades de educação) – para privilegiar o modelopedagógico-didático.

A raiz do dilema está precisamente na dissociação, permeadahistoricamente, a nosso ver, de tensões, entre os dois aspectosque caracterizam a função docente. Superar esse dilema, aindade acordo com Saviani (2009), envolveria investir na ligação entreesses aspectos, “evidenciando os processos didático-pedagógicospelos quais os conteúdos se tornam assimiláveis pelos alunos notrabalho de ensino-aprendizagem” (p. 152). O autor propõe, então,como caminho, a consideração do ato docente tal como ele se dáefetivamente no interior das escolas, e apresenta, como uma bússolapara percorrê-lo, a ideia de que a análise dos livros didáticos escolaresnos cursos de Pedagogia e licenciatura constituiria uma alternativasignificativa para a construção de uma compreensão sintética do futuroprofessor acerca da relação entre forma e conteúdo no processo deensino-aprendizagem. É bastante interessante notar que, no projetoiluminista e particularmente na proposta de Condorcet para o ensino-aprendizagem da aritmética na instrução pública, o livro didático tenhasido o instrumento proposto para integrar forma e conteúdo (nostermos de Saviani) na formação do professor.

Pesquisas atuais no campo da Educação Matemática têmcontribuído especialmente no esforço por efetuar a ultrapassagem dadicotomia entre o específico e o pedagógico pormeio das investigaçõessobre o chamado, entre outras denominações, conhecimentomatemático para o ensino (BASS, 2005). No Brasil, é indispensávelmencionar o trabalho de Moreira e David (2005), que, em buscada articulação do processo de formação matemática inicial com asquestões da prática docente escolar, defendem o desenvolvimento deestudos em direção a uma concepção de formação “de conteúdo” queconsidere o destino profissional do licenciando e tome como referênciacentral a matemática escolar.

Contudo, esforços como esses parecem estar ainda restritosa algumas esferas acadêmicas especializadas, uma vez que váriasexperiências de formação de professores deMatemática recentemente

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registradas e analisadas nas publicações do campo da EducaçãoMatemática continuam a assinalar a fragmentação da formaçãoe a separação entre a preparação matemática e a pedagógica.Poderíamos dizer, talvez, que as tensões entre aqueles que concebemformações que dialoguem mais proficuamente com as práticasdocentes, mesmo quando reconhecidas nos debates acadêmicospara a realização de reformas curriculares, têm sido vencidas pelasconvergências na direção do modelo cultural-cognitivo caracterizadopor Saviani. Ao mesmo tempo, a formação dos professores queensinam Matemática nos primeiros anos da escolarização prosseguesendo realizada institucionalmente em separado da preparaçãodaqueles que lecionarão a partir do 6º ano na atual organização doensino básico brasileiro. Esse isolamento produz identidades sociaisdistintas e separadas (não somente para o ensino da Matemática),o que continua reforçando a fragmentação histórica entre os anteschamados professores primários e secundários, e que, de resto, não éuma prerrogativa do Brasil.

Finalizando, vale observar que, dos três exemplos do pretéritotrazidos à cena neste texto, o primeiro e o terceiro, nos quais vimossinais de concepções de formação de professores que convergem nabusca de articulação entre os conhecimentos matemáticos e a açãodocente, foram efêmeros. No segundo exemplo, em que a formação éconcebida, essencialmente, como domínio, atestado pelo desempenhoem exames, de conteúdos matemáticos relacionados nos programasa serem cumpridos na atuação do professor, podemos ver as marcasdo modelo cultural-cognitivo prevalecente na formação de professoresque ensinam Matemática no Brasil desde, pelo menos, o século XIX.

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REFERÊNCIAS

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PRESENTIFICANDO AUSÊNCIAS:A FORMAÇÃO E AATUAÇÃO DOSPROFESSORES DE MATEMÁTICA1Antonio Vicente Marafioti GarnicaUNESP-Bauru/Rio Claro

O QUE A HISTORIOGRAFIA TEM A VER COM ISSO?

Há uma questão que recorrentemente aparece ou se insinuaquando afirmo trabalhar comHistória da EducaçãoMatemática: “O quese pretende com isso?”. Esses interlocutores, via-de-regra, pensama historiografia como uma prática acadêmica legítima mas, tambémvia-de-regra, pensam a historiografia como algo sem vínculo com opresente, como que uma “ciência do passado”. O passado – e essa éumadas linhas de argumentação que uso quando essa pergunta ocorre– é uma ausência em-si, e precisa ser preenchido ontologicamentepara que possa ser objeto da historiografia. Não se trata de estudaro passado, mas “algo” do passado ou, como sintetizou Bloch numaafirmativa que até hoje ecoa plena de sentido: a História é o estudodos homens, vivendo em sociedade, numa trama temporal. A Históriada Educação Matemática, então, seria o estudo de uma gama deelementos (estratégias, práticas, experiências, políticas etc) vinculadosao ensino e à aprendizagem de Matemática, focando os cenários(momentos, locais, situações, contingências, circunstâncias etc) emque esses elementos se manifestam e os atores que protagonizam acena nessa grande variedade de cenários. De um modo mais geral,Antonio Miguel sintetiza a perspectiva historiográfica de Bloch eFebvre afirmando que “A História é uma prática social interpretativae problematizadora, e não deveria ser propriamente vista como umaciência do passado, mas como aquela que procuraria estabelecer um‘diálogo do presente com o passado, no qual o presente tomaria econservaria a iniciativa’”.

1 O autor agradece ao CNPq pelo apoio às pesquisas que possibilitaram a elaboração destetexto.

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Mesmo quando o vínculo da historiografia com o presente nãoé de todo alheio ao interlocutor, freqüentemente circula no espaçoda interlocução a noção de progresso, como se o passado fosse olugar da origem de “coisas” que, num processo de aperfeiçoamento,atingiriam formas mais adequadas (mais densas, mais vigorosas,melhor definidas, úteis...) ao trafegarem nessa linha contínua queligaria o passado ao presente. As “coisas” do mundo vestem-se deindependência e não se deixam dominar facilmente por critériosabsolutos definidos por quemquer que seja; não se dobram docementenem se deixam prender em linhas indefectivelmente continuas que, seseguidas, levariam ao melhor – ou ao pior – dos mundos possíveis.Tudo ocorre entre alterações e permanências. Nada se desenvolvelinearmente e nada pode ser explicado de modo definitivo. Assim,a historiografia é o modo de compreender essa dinamicidade, essavariação entre momentos de estabilidade e momentos de caos;momentos que tendem à preservação surgidos em meio a momentosque tendem à ruptura; momentos de ruptura que surgem dentro demomentos de estagnação.

O historiador2 não é um daguerreotipista dos resíduos do tempo– o objeto do daguerreótipo posta-se inerte para que uma imagemdele seja registrada –; talvez nem mesmo esteja próximo do cineastaque dinamiza as situações a partir de uma série de retratos estáticostendo em mãos seu roteiro, guia prévio segundo o qual a narrativadeve se configurar com seu início, seu desenvolvimento e seu final.A função de retratar “o passado” como um instantâneo, construindouma narrativa (estática) da dinamicidade dessa captura talvez sejaa função do historiador, uma função que Herman Hesse já adjetivou:“Estudar história requer o conhecimento prévio de que com esseestudo se almeja algo impossível e importantíssimo. Estudar históriasignifica entregar-se ao caos, conservando a crença na ordem e nosentido. É uma tarefa muito séria. Talvez seja até uma tarefa trágica”.2 O termo “historiador”, aqui, deve ser usado com certa reserva, e nunca aplicado diretamenteao autor deste texto. Penso ser adequado diferenciar o historiador – aquele que tem como pro-fissão específica escrever história, praticar historiografia – dos que se valem da historiografia (oude aspectos da historiografia) – para apoiar ações e investigações em outros campos, como, porexemplo, o da Educação Matemática.

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O historiador, motivado por questões do presente, sistematiza,voltando-se “aopassado”.Historiadores, portanto, produzemnarrativasmenos ou mais motivadoras, causando menores ou maiores impactos,impondo matizes menos ou mais duradouros. A Historiografia é umconstructo ideológico e como tal é continuamente retrabalhada ereordenada por todos aqueles que, em diferentes graus, são afetadospelas relações de poder – pois os dominados, tanto quanto osdominantes, têm suas próprias versões do passado para legitimarsuas respectivas práticas.

UM PROJETO E AS MÚMIAS DE POMPÉIA

Se hoje perguntam a mim o que pretendo ao estudar Históriada Educação Matemática, respondo que minha intenção é agir comoum arqueólogo de Pompéia3, cuja prática com as múmias do Vesúvioé uma metáfora dessa proposta historiográfica que defendo: uma dasfunções que proponho à História da Educação Matemática é a depresentificar ausências. Tal presentificação se faz arbitrando origense lançando mão de fontes várias, de diversas naturezas, visando àconstituição de narrativas que possam dar conta de conhecer práticasque desconhecíamos, estratégias de formação que esquecemos,políticas educacionais cuja existência negligenciamos. Nossosdesconhecimentos, nossos esquecimentos e nossas negligências– aspectos da ausência – se vivificados (tornados conhecimento,lembrança e apelo à atenção e à ação) – presentificados – poderiamnos ajudar a redimensionar práticas atuais e gerar interferências3 O único registro escrito sobre a destruição de Pompéia e Herculano – cidades italianas daregião da Campânia – pela erupção do Vesúvio no ano 79 d.C. é de Plínio, o Jovem. Seus es-critos dão conta da dimensão da tragédia observada desde Roma, a 200 km daquela região. Asaltíssimas temperaturas, as enormes pedras expelidas da cratera do vulcão e os gases letaisdizimaram em poucas horas tudo o que havia nas imediações, cobrindo cidades e campos comuma espessa camada de cinzas que se solidificaram com a ação das chuvas e do tempo, pre-servando intactos utensílios, construções e corpos. As escavações em Herculano e Pompéiacomeçaram em meados do século XVIII criando um protocolo arqueológico para recuperaçãode esqueletos. Durante a erupção, os cadáveres soterrados na cidade ficaram sob uma camadaúmida de cinzas, moldadas perfeitamente ao formato dos corpos. Com o processo de decom-posição restaram moldes ocos, detectados nas escavações pelo surgimento repentino de umvácuo emmeio ao extrato sólido. Tais cavidades – uma ausência que indicava a existência préviade corpos – eram preenchidas com gesso líquido, material que reconstituía os corpos extintos.

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significativas? Creio que sim. Essa é uma das principais intenções daHistória da Educação Matemática que tenho tentado ajudar a escrever.

Nesse sentido, oGrupodeHistóriaOral eEducaçãoMatemática(GHOEM)4, do qual sou coordenador, desenvolve um projeto de amploespectro cuja intenção principal é elaborar um mapeamento (histórico)sobre a formação e atuação do professor de Matemática no Brasil.“Amplo espectro”, aqui, diz respeito

a) à longa duração5 (o projeto foi iniciado em meados de 2001e não tem previsão de encerramento);

b) à variedade de espaços geográficos e culturais que sepretende considerar (os inúmeros subprojetos vinculados a esteprojeto de mapeamento procuram tecer narrativas sobre a formaçãoe atuação de professores de Matemática de regiões distintas e dediversos matizes socioculturais – por exemplo, temos trabalhos sobreos Estados de São Paulo, Santa Catarina, Maranhão, Paraná, Goiás,Tocantins, Mato Grosso, Paraíba; escolas urbanas, rurais, técnicas,escolas de nível fundamental, médio, superior; antigas escolas deprimeiras letras etc);

c) à opção por focar diversos períodos históricos e momentosda História da Educação e da Educação Matemática (com ênfase noséculo XX, dada a opção central – mas não exclusiva – pelo métododa História Oral);

d) ao estudo e adoção de diferentes técnicas de composiçãonarrativa (mais especificamente relacionadas às formas deapresentação de relatórios científicos);

e) à tematização de várias faces do processo educativo(estudam-se livros didáticos, práticas de formação e atuação deprofessores, políticas – públicas ou não – de organização escolar,espaços arquitetônicos, uniformização nos modos de vestir e agir no4 Não tratarei, aqui, do que é História Oral, dos vínculos entre História Oral e historiografia, dosprocedimentos próprios à História Oral, dos princípios que regem a utilização da História Oralpraticada pelo GHOEM, dos tipos de fonte que temos recuperado e utilizado etc. Penso que es-ses temas estão suficientemente abordados em outros textos. Para um aprofundamento, remetoo leitor aos trabalhos disponibilizados em www.ghoem.com.5 No sentido usual, não no da Historiografia.

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ambiente escolar etc);f) à utilização de várias fontes, o que implica o cuidado com

levantamento, recuperação e estudo de acervos escritos, orais epictóricos, por exemplo;

g) à participação, no projeto, de pesquisadores em diferentesníveis de formação (graduação, mestrado, doutorado, pós-doutorado);e

h) ao cuidado – constante e contínuo – com a fundamentaçãometodológica. Nossos esforços têm implicado, por exemplo, umaapropriação da História Oral – abordagem já bastante familiar a outrasáreas – para a Educação Matemática: num processo de importaçãocriativa (inspirada no que propunha a Antropofagia em relação àprodução artística), tentamos criar “uma outra História Oral” de modoa responder mais propriamente às expectativas e demandas daEducação Matemática.

MAPEANDO CENÁRIOS: UM PROJETO

Esboçar um “mapeamento” – termo inspirado nos fazerescartográficos – é elaborar, em configuração aberta, um registrodas condições em que ocorreu/ocorre a formação e atuação deprofessores de Matemática, dos modos com que se deu/dá a atuaçãodesses professores, do como se apropriam/apropriavam dos materiaisdidáticos, seguiam/seguem ou subvertiam/subvertem as legislaçõesvigentes. Tal mapeamento não se faz, de modo pleno, nem por umúnico pesquisador, nem num curto período de tempo. São necessáriosesforços vários e devem ser chamadas à cena diversas áreas doconhecimento e suas abordagens, posto que o retraço históricopressupõe a conjugação de diferentes perspectivas e enfoques, apossibilidade de entender centros e margens, ouvindo professores,alunos, funcionários e administradores cujas vozes, via-de-regra, sãosilenciadas ou inaudíveis. Nas pesquisas brasileiras, as fontes sobreas vidas dos principais atores em mapeamentos similares ao quepropomos têm sido, majoritária e usualmente, os estáticos registros

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escolares (diários de classe, boletins de supervisores de ensino,registros de exames, atas e livros de presença) que, embora tambémsejam materiais importantíssimos em nossos estudos, pouco ou nadafalam sobre as expectativas desses atores sobre a profissão, seusencantamentos e desencantamentos, suas ansiedades, seus motivose justificativas para terem desenvolvido suas experiências docentescomo as desenvolveram, as imposições a que foram sujeitos, asformas de subversão que implementavam (ou não), as possibilidadesde formação a que recorreram, as limitações políticas, geográficas etc.Para a configuração de um cenário, certamente, fontes de naturezaarquivística são importantes, tanto quanto o são os grandes vultos, ossecretários de educação, os acadêmicos, os ministros, presidentes eos responsáveis pelas políticas públicas. Fontes assim têm nos dadocontribuições fundamentais, mas é importante ressaltar a necessidadede focar também os que efetivamente freqüentaram os corredores epátios, conviveram com os alunos, prepararam as merendas, viveramo dia-a-dia das escolas e não apenas uma sua idealização. Não setrata de ouvir apenas os “excluídos” ou os casos desviantes, mas deTAMBÉM ouvi-los e ressaltar suas perspectivas nesse cenário emque, mais freqüentemente, o foco na prima-donna tem apagado o coroe a orquestra.

Julgamos que, na composição de nosso mapeamento, umarica pluralidade de aspectos pode ser resgatada a partir da narrativados professores, relatos que imprimem vida ao traçado histórico,preenchem as infinitas e profundas entrelinhas dos registros escolares.Tais narrativas têm sido registradas e interpretadas por nós comoverdades que os sujeitos enunciam como suas, sendo assim aceitas. Amemória filtra, reordena, fantasia. Amemória interpreta, redimensiona,inventa, complementa. A memória nos permite constituir textos –como o são aqueles que compõem o nosso mapeamento – nos quaistambém nós, como pesquisadores, reordenamos, interpretamos,fantasiamos, estabelecemos verdades que julgamos poder sustentar.É assim esse mapeamento coletivamente constituído: um outro textona procissão de textos possíveis, sem a pretensão de uma significação

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singular. Por isso a opção pelo termo “mapeamento” e a inspiraçãono que já foi chamado de “cartografia simbólica”: um mapa é umcenário de relevâncias, uma expressão de pontos de vista, um jogoentre presenças e ausências, não um retrato “do que está lá”, mas umregistro dos significados que atribuo ao que penso que lá esteja.

Este é, certamente, um projeto amplo e ousado, e oque impede que a amplitude da proposta nos paralise6 é a clareza quetemos sobre a impossibilidade de finalizá-lo de modo definitivo.

RETRATOS DO MAPEAMENTO

Omapeamento(histórico)da formaçãoeatuaçãodeprofessoresde Matemática no Brasil é – e sempre será –, portanto, um projeto emandamento, uma iniciativa inacabada que se configura em trajetória(aliás, como já defendemos ser o método da História Oral aplicado peloGHOEM no desenvolvimento de boa parte de suas investigações7).Até o momento temos pesquisas realizadas em várias das regiões dopaís, abordando distintos temas, períodos e modalidades de formaçãoe atuação. Do estado de São Paulo já foram estudadas as regiões6 A possibilidade – inerente ao projeto – de a cada momento ser aberta uma nova frente detrabalho que, por sua vez, conduz à abertura de outras várias perspectivas que podem abriroutras novas frentes... poderia facilmente levar à paralisação, visto que configurações parciais(visando, é claro, a uma perspectiva global que permita projetar, ainda que sem a intenção deplanificar, homogeneizar ou meramente generalizar), ao menos à primeira vista, se não parecemimpossíveis são, certamente, custosas7 Quando nos aproximando inicialmente do método da História Oral, buscávamos saber como ede que maneira selecionar colaboradores, quais os protocolos fundamentais para a coleta de de-poimentos, quais os procedimentos posteriores à coleta e, principalmente, se e como “analisar”os depoimentos coletados. A regulação dos procedimentos metodológicos efetivada nessa fasede nossas pesquisas foi desenvolvida ao mesmo tempo em que se desenvolviam sub-projetosespecíficos. Tratava-se, portanto, de uma busca a procedimentos metodológicos plasmada naação, ao que chamamos “metodologia em trajetória”. Não se pretendeu elaborar procedimentosa partir dos quais depoimentos seriam coletados, nem coletar depoimentos para posteriormentefundamentar essa coleta. Acreditávamos – o que acabou se revelando válido – que a ação dapesquisa segue estreitamente ligada aos mecanismos de elaboração metodológica, do que jáfalavam inúmeros autores ligados ao estudo das pesquisas de vertente qualitativa em Educação(e, em especial, em Educação Matemática). Obviamente, nunca pretendemos partir para o des-conhecido sem ferramenta alguma que nos desse uma margem de segurança, mas também nãopretendemos partir para a ação tendo procedimentos rígidos – espartilhos conceituais – com osquais quaisquer tentativas de liberdade e criatividade ver-se-iam engessados. Essa é a essênciado que chamamos de “regulação”, ao contrário de “regulamento”. Procuramos em tentativas jáformalizadas – notadamente aquelas de pesquisadores em História e em Psicologia Social –uma inspiração, e seguimos nossas intuições e compreensões a partir do que essas tentativasnos indicavam.

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da Baixada Santista8, a da Nova Alta Paulista9 e a região Oeste doestado10. Da região Oeste temos também estudos sobre a formaçãode professores de Matemática nas escolas rurais11, hoje em francoprocesso de extinção, e estudos sobre as escolas técnicas agrícolaspaulistas12. Desenvolvemos estudo sobre a constituição de gruposde estudos e pesquisas em Educação Matemática resgatando,especificamente, o Centro de Educação Matemática (CEM), da cidadede São Paulo, formado a partir de um núcleo vinculado à MatemáticaModerna com trabalhos subseqüentes em frentes diversas, visandoà formação continuada do professor de Matemática13. Bernardes14

analisou as possibilidades de um referencial foucaultiano para aHistória Oral elaborando um estudo sobre a profissionalização doprofessor de Matemática e, em 2009, finalizou trabalho realçandoas práticas vigentes na constituição e manutenção de instituiçõesparticulares de ensino superior de Maringá, no estado do Paraná(estado que Seara15 teve como foco ao estudar o NEDEM – Núcleode Estudo e Difusão do Ensino de Matemática – grupo responsávelpela implementação da Matemática Moderna naquele estado). Cury16

investigou a constituição dos cursos superiores para formação deprofessores no estado de Goiás e hoje estuda os cursos do estadodo Tocantins; Gaertner17 estudou as escolas alemãs da região deBlumenau (SC), pesquisa que Viviane Silva18 pretende aprofundarfocando professores do ensino fundamental e médio em atuação nomesmo estado. Lando investigou a formação e atuação de professores8 Trata-se do mestrado de Gilda Lúcia Delgado de Souza, defendido no Programa de Pós-graduação em Educação Matemática da UNESP de Rio Claro (PGEM-RC) em 1999.9 Trata-se do mestrado de Ivani Pereira Galetti, defendido na PGEM-RC em 2004.10 Trata-se do doutorado de Ivete Maria Baraldi, defendido na PGEM-RC em 2003.11 Trata-se de Projeto de Iniciação Científica de Maria Ednéia Martins, desenvolvido junto aocurso de Licenciatura em Matemática da UNESP de Bauru, finalizado em 2003. Atualmente, amesma autora estuda como ocorreu, a partir da década de 1960, a dispersão/distribuição doscursos de Licenciatura em Matemática pelo interior do Estado de São Paulo.12 Trata-se do mestrado de Maria Ednéia Martins-Salandim, defendido na PGEM-RC, em 2007.13 Trata-se do doutorado de Heloísa da Silva, defendido na PGEM-RC, em 2007.14 Trata-se do mestrado de Marisa Resende Bernardes, defendido no Programa de Pós-gradu-ação em Educação para a Ciência da UNESP de Bauru (PGEC-Ba), em 2003.15 Trata-se do mestrado de Helenice Fernandes Seara, defendido na UFPR, em Curitiba, noano de 2005, sob a orientação do professor Carlos Roberto Vianna.16 Fernando Guedes Cury, da PGEM-RC.17 Trata-se do doutorado de Rosinéte Gaertner, defendido na PGEM-RC, em 2004.18 Trata-se do doutorado de Viviane Clotilde da Silva, da PGEC-Ba, iniciado em 2010.

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no norte do estado de Mato Grosso19. Macena20 e Fernandes21

respectivamente, estudam a atuação e formação de professores deMatemática nos estados da Paraíba e Maranhão. Andrade22, Teixeira23

e Tatiane Silva24 dedicam-se à análise de livros vinculados à EducaçãoMatemática valendo-se de processo analítico estudado por Oliveira25,enquanto Giani26 estudou as concepções sobre a Matemática e seuensino quando professores escolhem livros didáticos. Rolkouski27

teve como depoentes professores de várias regiões brasileiras e seutrabalho pretendeu compreender como esses depoentes tornaram-se, em movimento, os professores que são. Baraldi e Gaertnerintensificam, nos anos de 2008 a 2009, estudos sobre a Campanhade Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES),analisando o material didático produzido à época, enquanto Souza28 –cujo trabalho de mestrado, de 2006, estudou as concepções vigentesno próprio GHOEM – desde 2007 estuda os Grupos Escolares – tematambém focado por Sossolote29, Lins30 e Pinto31 – em pesquisa quecuida também de higienizar, sistematizar e estudar antigos acervos ede estudar como a História Oral poderia ser utilizada com crianças doinício da escolaridade formal para desenvolver conceitos como o de“historicidade próxima”.

19 Janice Cássia Lando. Trata-se de trabalho de conclusão de curso de especialização reali-zado na Universidade Estadual do Mato Grosso, focando a Educação Matemática na cidade deSinop, finalizado em 2002.20 Trata-se de Marta Maria Maurício Macena, doutoranda da PGEM-RC. Projeto iniciado em2009.21 Trata-se de Dea Nunes Fernandes, doutoranda da PGEM-RC. Projeto iniciado em 2008.22 Mirian Maria Andrade, da PGEM-RC, estuda a obra Essai sur l’enseignement en général,et sur celui des mathématiques en particulier, de Lacroix. Projeto iniciado em 2009.23 Rafael Montoito Teixeira, da PGEC-Ba, estuda a obra Euclide and his modern rivals, deLewis Carroll. Projeto iniciado em 2009.24 Trata-se de iniciação científica de Tatiane Taís Pereira da Silva, desenvolvida junto ao Cursode Licenciatura em Matemática da UNESP de Bauru. Seu tema é a análise de como o conteúdo“Matrizes e Determinantes” aparece, em distintas épocas, nos livros didáticos de Matemática.25 Trata-se do mestrado de Fábio Donizeti de Oliveira, defendido em 2008 na PGEM-RC.26 Letícia Giani finalizou sua dissertação de mestrado em 2004, junto à PGEC-Ba.27 Trata-se do doutorado de Emerson Rolkouski, defendido em 2006 na PGEM-RC.28 Trata-se de Luzia Aparecida de Souza, cujos trabalhos de mestrado e doutorado foram de-senvolvidos junto à PGEM-RC.29 Iniciação de Lidiane Sossolote, do Curso de Licenciatura em Matemática da UNESP de Bau-ru, finalizada em 2008, tendo como tema o Grupo Escolar da cidade de Garça (SP).30 Iniciação Científica de Amanda Lins, do Curso de Licenciatura em Matemática da UNESP deBauru, iniciado em 2009, sobre escolas isoladas da região de Bauru.31 Thiago Pedro Pinto, doutorado iniciado em 2010 junto à PGEC-Ba.

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Por fim, passados dez anos de atuação do Grupo de Pesquisa“História Oral e Educação Matemática”, um projeto atualmente32 emdesenvolvimento trata de estudar todos os depoimentos coletadospara as pesquisas realizadas no GHOEM pretendendo verificar apossibilidade de (re)leituras a tais depoimentos. Cremos que umdepoimento está sempre aberto a interpretações. Ainda que, quandocoletado, o depoimento estivesse voltado a permitir compreensõessobre uma questão específica, uma apropriação dele pode fazer surgiroutras questões e permitir outras compreensões que não apenasaquelassurgidasnapesquisaparaaqual tal depoimento foi inicialmentecoletado33. Penso que talvez seja esse o projeto que vai nos permitir,com mais clareza e método, alinhavar todas as contribuições quetemos disponíveis, de modo a elencar algumas compreensões maisgerais acerca das práticas de atuação e formação dos professores deMatemática no Brasil.

APRESSANDO CONVERGÊNCIAS

Na urgência, e talvez insensatamente, esboço algumasdas compreensões que eu, como leitor (sem método algum alémda percepção de uma insistência com que algumas posições einformações se repetem nos depoimentos e uma questionável“experiência” e “familiaridade” com as entrevistas e pesquisas quegeraram os depoimentos), detecto nesse universo de perspectivasaberto pelas investigações acima elencadas. Que essa ousadia sirvaao menos para nortear algumas discussões sobre a “formação e odesenvolvimento profissional de professores de Matemática”, temadeste Simpósio proposto pelo XV ENDIPE.

32 Trata-se do projeto de Fábio Donizeti de Oliveira, iniciado em 2010, junto à PGEC-Ba.33 Em síntese, pensamos que, munido de uma pergunta, um pesquisador parte à coleta dedepoimentos para elaborar compreensões sobre o “campo” sugerido pela pergunta inicialmenteformulada. Disponibilizados esses depoimentos, outro(s) pesquisador(es) pode(m) voltar-se aosmesmos depoimentos para tentar compreender quais perguntas eles permitem formular alémdaquelas que os fizeram nascer, e quais encaminhamentos são possíveis a essas “novas” per-guntas. A interlocução com os depoimentos, pensamos, é uma estratégia inesgotável, pois cadaleitura permite novas e distintas compreensões. O trabalho de Oliveira pretende investigar avalidade dessa premissa, inventariando possibilidades de perguntas e respostas.

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“O” PROFESSOR E SEU “CICLO DE VIDA”

Nossos estudos nos permitiram compreender que umaidentidade é, ao fim e ao cabo, uma leitura. Não há uma coisa como“a” identidade de alguém. Admitimos que existe uma pluralidadede perspectivas segundo as quais “lemos” o outro e, nessa leitura,atribuímos a ele uma identidade. Cada sujeito é, em si, multi-identitário(do mesmo modo como o são as “coisas”). Segundo os óculos comque leio o mundo, atribuo determinada identidade a alguém. Assim,parece difícil reunir sob uma única alçada “o” professor de Matemática,essa identidade estável que poderia, exatamente por ser estável,estar sujeita a políticas globais e a pressões de mesma natureza eintensidade. Depoimentos de professores de várias regiões do Brasilmostram claramente a diversidade das dificuldades que enfrentam,dos sucessos que promovem, dos enfrentamentos que vivenciamno cotidiano das salas de aula. Cada região, cada cidade, cadaescola impõe condições bastante particulares às práticas de sala deaula, ao modo de atribuição de significado a tudo que cerca essaspráticas, ao modo de apropriação de textos didáticos, estabelecendocentros e periferias e, conseqüentemente, estabelecidos e marginais.Falar dO professor de Matemática, portanto, exige cautela, e maisprudente seria se especificássemos, a cada estudo, a cada pesquisa,a cada proposta de intervenção, sobre qual professor falamos, quaisprofessores pretendemos ter como interlocutores. Isso impediria,por exemplo, tomarmos como ponto de partida de nossos estudos,como a-priori das políticas públicas, um professor idealizado,despido de suas particularidades geográficas, sociológicas, políticas,econômicas, pessoais. Continuam na ordem do dia os estudos sobreos elementos/características comuns ao que chamamos professoresde Matemática, bem como estudos sobre formas de intervençãodiferenciadas (por exemplo, a elaboração tanto de textos didáticosque atentem para a diversidade geo-sócio-cultural quanto de diretrizescurriculares “mínimas” ou “comuns”) que dêem conta da multiplicidade

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de professores de Matemática que pretendemos atingir num sistemanacional de educação.

Conseqüentemente, o “ciclo de vida” do professor brasileiro éuma ficção inútil. Num passado não tão distante, essa expressão serviupara categorizar a atuação de professores do início ao fim da carreira,temporalmente e de forma linear, tendo causado bastante impacto napesquisa educacional – ainda que com algumas resistências.

SOB O SIGNO DA URGÊNCIA E DA CARÊNCIA

Não são atuais as propostas emergenciais para a formaçãode professores de Matemática. Um de seus modelos é a CADES,Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário,implantada no Brasil no início da década de 1950 visando a “formar”professores para dar conta da expansão do ensino secundárionum momento em que começa a se insinuar, no Brasil, um sistemanacional de Educação. Professores normalistas e profissionais dediversas áreas submetiam-se a cursos específicos durante o períodode férias escolares e, obtendo aprovação nos exames de suficiênciaadquiriam o direito de lecionar em escolas secundárias até que cursossuperiores de licenciatura surgissem em suas regiões. Posto queas poucas instituições universitárias existentes no país não eramsuficientes para formar os professores de modo a suprir a demandaimposta pela abertura das escolas secundárias (há registros daextrema falta de professores em boletins oficiais do final da década de1960, passados mais de trinta anos após a fundação da Universidadede São Paulo), a CADES foi, na realidade, um modelo de formaçãoem massa extremamente eficiente do ponto de vista quantitativo e porsua natureza ágil, ainda que não tenha tido sucesso na formação – emsentido estrito – de professores, posto que resumiu suas atividades auma “formalização” das práticas de docência, regularizando a situaçãodos profissionais em exercício mas promovendo uma continuidadede práticas herdadas da Escola Normal, pouco consistentes, porexemplo, frente às alterações curriculares que, com o correr do

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tempo, foram sendo impostas no país. A interrupção da Campanhacausou uma procura cada vez mais acirrada por cursos “vagos” nosquais se assentaram parte das novas instituições de ensino superiorparticulares surgidas à época.

Essemodelode“formação”,ditadopelaurgênciaecaracterizadopela carência, é até hoje desenvolvido – sob novas nomenclaturas –em vários estados brasileiros.

IGUALDADE DE CONDIÇÕES SEM IGUALDADE DEOPORTUNIDADES

Até onde podemos perceber, partindo do universo dosdepoimentos que temos disponível, várias vozes – com ênfase àquelasque determinam as políticas públicas, mas que ressoam nas salas deaula, nas vozes dos professores, que reproduzem certos “mantras”– defendem arduamente a igualdade tanto de condições de acessoe permanência na escola quanto da qualidade do ensino oferecidonas diversas modalidades de formação de professores e alunos. Taisdiscursos aparentemente desconhecem as diferenciações cravadasno solo das políticas educacionais, e a expressão “igualdade decondições” ecoa sempre de forma significativamente positiva: aosestudantes das escolas rurais eram dadas as “mesmas condições”que aos dos Grupos Escolares (urbanos); estudantes do ensinotécnico teriam as “mesmas condições” de enfrentar as imposiçõesda vida que os alunos do ensino médio regular, por exemplo. Nãohá, nesses discursos, valorização para menos na comparação entremodalidades de formação, conteúdos, métodos, prédios escolares.Nota-se, entretanto, que o discurso da igualdade de condições nuncafoi acompanhado pela implantação ou defesa de estratégias quepromovessem a igualdade de oportunidades. O estudante da escolarural tinha condições de integralizar o ensino de primeiras letrasDESDE QUE, para cursar o quarto ano (e às expensas de sua família)se deslocasse da zona rural em direção ao Grupo Escolar da cidademais próxima; o professor da escola rural ensinava em salas de aula

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com as mesmas condições das do Grupo Escolar, e tais condiçõeseram asseguradas DESDE QUE houvesse material no Almoxarifadodas Escolas Isoladas, mantido pelas professoras da região com oresultado de quermesses que organizavam, DESDE QUE a salade aula fosse reparada pela comunidade rural que, via-de-regra,mantinha essas escolas (malgrado a interpretação equivocada dealguns de nossos sociólogos, que afirmavam ser os caipiras avessosà educação); as crianças da zona rural eram avaliadas com o mesmorigor e profundidade que as crianças de escolas urbanas, pelosmesmos professores, EMBORA a porcentagem de retenção fosseincrivelmente superior no campo, EMBORA a seriação raramentefosse vencida pelos campesinos, EMBORA as autoridades urbanasnunca tenham considerado os diferentes “tempos” e “modos” de viverda zona rural...

Outras inferências – não fosse a limitação de laudas imposta aeste texto – poderiam ser feitas. Talvez fosse possível tratarmos

- do modo como os livros didáticos parecem ser apropriadospelos professores (fazendo-os ressoar suas concepções próprias, àrevelia de autores, tendências e políticas educacionais);

- do modo como dentro de nossas escolas há espaço paraconstituir formas de marginalização que freqüentemente vão muitoalém da escola;

- de como os poderes criam estratégias para manter ofuncionamento das escolas segundo as perspectivas que lhes sãomais convenientes;

- do modo como, no início das instituições formadoras, ogerenciamento parece mais flexível, impondo continuamente formasde controle que dificultam o trânsito pelos espaços escolares e,conseqüentemente, causando dificuldades extras à configuração doque seria a profissão docente etc.

Entretanto, cabe finalizar. E finalizamos reiterando que essasconsiderações todas são pontuais, baseadas nos depoimentos quetemos àmão e demodo algum esgotam as possibilidades de análise oupretendem ser categorias gerais inquestionáveis. Digamos, inspirados

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em Bosi, que são, se muito, “pontos de luz”: permitem discussões.Fundadas em terreno historiográfico, tais compreensões sobre

a formação e a prática dos professores de Matemática estariamincompletas se ocultássemos uma última constatação: a julgar pelosdepoimentos, nossos professores desprezam as potencialidades dasala de aula como locus poderoso de intervenção (e alteração) nummodelo que eles próprios não cansam de criticar.

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DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL ECOMUNIDADES INVESTIGATIVASDario FiorentiniFaculdade de Educação/Unicamp

INTRODUÇÃO

Tomando como referência o conceito de comunidade deprática (LAVE e WENGER, 1991), podemos considerar, no processode formação e aprendizagem profissional da docência, dois tipos decomunidades com características e funções sociais diferenciadas. Deum lado, temos as comunidades acadêmico-científicas, constituídaspor formadores-pesquisadores da universidade que tem como domínioas práticas de produzir e socializar conhecimentos para a formaçãoprofissional. De outro, temos comunidades profissionais, constituídaspor professores, formadores de professores e produtores de materialdidático, dentre outros, que têm como domínio as práticas de ensinar eaprendermatemática educativa.Tradicionalmente, tem-se consideradoque o campo científico é domínio exclusivo da comunidade acadêmica,enquanto que o campo profissional seria domínio dos que aplicamos conhecimentos advindos do campo científico, dentre os quaisdestacamos os professores da escola básica.

Considerando esse contexto e o processo de formaçãodocente, vejo três possibilidades de relacionamento entre o campocientífico e o campo profissional, tendo como mediação as práticassociais mobilizadas pelas respectivas comunidades:

1) Assumir que são mundos e campos de prática diferentes,não cabendo aos participantes do campo científico intervir no campoprofissional e vice-versa.

2) Assumir a perspectiva da racionalidade técnica (Schön,1992), isto é, que a comunidade acadêmica tem a função exclusivade produzir conhecimentos, de formar os profissionais do ensino e

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de desenvolver propostas curriculares PARA serem aplicadas pelosprofessores da Escola Básica.

3) Romper com a racionalidade técnica, assumindo que acomunidade acadêmica e a comunidade dos professores escolaressão distintas, possuindo práticas próprias e domínios diferentes desaberes demodo que não faz sentido uma colonizar a outra. Entretanto,por mobilizarem saberes matemáticos e didático-pedagógicos queperpassam as práticas dessas comunidades, podem desenvolverconjuntamente ou dialogicamente um tipo de prática que fertiliza eenriquece o desenvolvimento das práticas de ambas.

A seguir, tentarei analisar e discutir essas possibilidades.Antes, porém, esclareço que quando uso a palavra “prática(s)”, não autilizo no sentido oposto a de teoria. Ao contrário, a prática, segundoWenger (2001), é o modo como experienciamos o mundo, como nosrelacionamos com ele, produzindo sentidos e significados ao quefazemos. Nesse contexto de significação, toda prática é sempre umaprática social que inclui linguagem, conhecimentos, instrumentos,símbolos, regulações, convenções, normas escritas ou não, valores,propósitos e pressuposições - isto é, teorias - explícitas e implícitas.

Esclareço também que a expressão comunidade de prática(CoP), concebida originalmente por Lave e Wenger (1991, p. 99),designa a prática social de um coletivo de pessoas que comungam“um sistema de atividades no qual compartilham compreensões sobreaquilo que fazem e o que isso significa em suas vidas e comunidades”.A partir desse conceito fundante, Wenger (2001) desenvolveu,anos mais tarde, uma teoria social da aprendizagem que parte dopressuposto de que toda a aprendizagem é situada em uma práticasocial, a qual acontece mediante participação ativa em práticasde comunidades sociais e construção de identidades com essascomunidades. Ou seja, a aprendizagem social é concebida como umfenômeno social carregado de ideologias e valores e que emerge daparticipação direta em uma prática social, independentemente deser esta intencionalmente pedagógica, isto é, quer ela seja ou nãoorganizada com o propósito de ensinar algo a alguém. Para saber

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mais sobre essa teoria, ver Lave e Wenger (1991), Wenger (2001) eFiorentini (2009).

Os saberes de uma CoP, portanto, expressam-se através dasformas compartilhadas de fazer e entender dentro da comunidade, asquais resultam de dinâmicas de negociação envolvendo participaçãoativa e reificação da prática. A participação é um processo pelo qualos sujeitos de uma comunidade compartilham, discutem e negociamsignificados sobre o que fazem, falam, sentem, pensam e produzemconjuntamente. Participar em uma CoP significa, portanto, engajar-se na atividade própria da comunidade como membro atuante eprodutivo; apropriar-se da prática, dos saberes e dos valores do grupo– e, portanto, aprender – e também contribuir para a transformação e odesenvolvimento destes, tornando-se um sujeito reificador. Reificação,para Wenger (2001), significa “tornar em coisa”. Entretanto, isso nãosignifica ser “essa coisa” necessariamente algo concreto ou material.A reificação, por exemplo, pode ser também um conceito, isto é, algoabstrato; refere-se ao processo de dar forma e sentido à experiênciahumana mediante produção de objetos tais como artefatos, idéias,conceitos ou textos escritos. Essa é a razão pela qual Wenger (2001)afirmaqueaparticipaçãoea reificaçãosãoprocessos interdependentese essenciais à aprendizagem e à constituição de identidades de umaCoP (FIORENTINI, 2009).

LIMITES, DESAFIOS E POSSIBILIDADES DA COMUNIDADEACADÊMICA FORMAR PROFESSORES

No caso da formação do professor de matemática, sob aperspectiva da racionalidade técnica, as comunidades acadêmicas– particularmente a dos matemáticos, dos educadores matemáticosou dos educadores em geral - têm sido consideradas socialmente osúnicos agentes legítimos na prática de pesquisar, sistematizar, produzire transmitir conhecimentos e produtos tecnológicos PARA a formaçãode professores de matemática e PARA a prática de ensinar e aprendermatemática na escola básica. Esses conhecimentos são normalmente

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de natureza formal, conceitual, proposicional e didático-pedagógica esãoproduzidosapartir depesquisaseestudosgeralmentedistanciadosdas práticas profissionais de ensinar e aprender matemática na escolabásica.

De fato, ao tomar como referência o campo científico paraintervir nas práticas docentes, os porta-vozes da academia tendem afazer reduções, simplificações e idealizações da prática de ensinar eaprender e não levam em consideração a diversidade e complexidadedas práticas de sala de aula. Além disso, tendem geralmentea fazer leituras negativistas sobre as práticas dos professores,não reconhecendo que os professores são também sujeitos deconhecimento que produzem saberes experienciais, os quais nãopodem ser ensinados na formação formal ou inicial, mas resultam daaprendizagem situada (LAVE, 2001) na prática cotidiana.

Conforme Lave (2001), “as teorias convencionais daaprendizagem e do ensino apelam ao caráter descontextualizado decertos conhecimentos e formas de transmissão de conhecimento,enquanto em uma teoria da atividade situada, a ‘atividade deaprendizagem descontextualizada’ constitui um contra-sentido” (p.18). Isso porque, a aprendizagem situada “está presente em todasas atividades, ainda que com freqüência não seja reconhecida comotal. A atividade situada, além disso, implica sempre mudanças noconhecimento e na ação” (p.17).

A teoria da aprendizagem situada em CoP se apóia em quatropremissas referentes ao conhecimento e à aprendizagem na prática:

1) O conhecimento sempre se constrói e se transformaao ser usado.

2) A aprendizagem é parte integrante da atividade no/com o mundo em todos os momentos. Ou seja, produziraprendizagem não se constitui um problema.

3) O que se aprende é sempre complexamenteproblemático.

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4) A aquisição de conhecimento não é uma simplesquestão de absorver conhecimento. Pelo contrário, ascoisas que se supõem categorias naturais, como ‘corposde conhecimento’, ‘aprendizes’ e ‘transmissão cultural’,requerem reconceptualização como produtos culturais esociais (LAVE, 2001, p. 20).

Assim, com base em Lave (2001), podemos dizer que omodelo da racionalidade técnica, ao supervalorizar a transmissãode conhecimentos descontextualizados ou formais no processo deformação docente, desvaloriza as práticas e os saberes mobilizadose construídos pelos professores em suas práticas cotidianas e sequeros toma como objeto de estudo, problematização e sistematização.O estudo e problematização das práticas docentes são entendidaspor mim como um processo pelo qual os formadores analisam comos professores – ou futuros professores em disciplinas de práticade ensino e estágio – práticas de ensinar e aprender vigentes ouinovadoras. Esse processo de análise/problematização consisteem intepretar e questionar os conceitos/saberes mobilizados e ossentidos e finalidades subjacentes a alguma prática (ou episódio)de sala de aula narrada ou observada/registrada (em vídeo ou emtexto) pelos participantes. A nossa própria experiência de formaçãoe de pesquisa com professores tem evidenciado que as análises daspráticas vigentes são formativas aos professores, pois, tais práticas,por sua reincidência ao longo dos anos, pode ter-se tornado, aos olhosdo professor e da cultura escolar, naturais e válidas por si mesmas.

Continuando nossa análise sobre os limites da formaçãodocente baseada no modelo da racionalidade técnica, tomo comoreferência uma pesquisa realizada pelo GEPFPM junto a professorespaulistas de matemática que atuam em escolas públicas e privadas.Dentre as principais dificuldades e insatisfações apontadas pelosdocentes, destacam-se: a falta de trabalho em equipe na própriaescola, a indisciplina e a falta de interesse dos alunos e os problemasrelacionados às políticas públicas e à gestão escolar. Outro aspecto

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recorrente apontado pelos professores na pesquisa é a inadequaçãoda literatura vigente sobre o ensino de matemática nas escolas eprincipalmente dos cursos de formação inicial e continuada. Conformedepoimento de uma professora experiente, essa literatura e esseprocesso de formação docente não atende às necessidades práticasdos professores em serviço: “Tem momentos, no dia–a–dia da salade aula, que estou sozinha lutando para que meus alunos gosteme aprendam Matemática. Muitos cursos, artigos ou livros discutemassuntos que parecem ser baseados em alunos perfeitos, ideaise ficam distantes da realidade do adolescente da minha escola”(FREITAS et al., 2005, p. 104).

Em síntese, essa pesquisa desenvolvida na região mais rica doBrasil mostra que os professores de matemática vivem uma situaçãode degradação do trabalho docente. E isso está provocando uma crisede identidade profissional a qual é evidenciada pelo desmoronamento,segundo Dubar (2002, apud Lüdke e Boing, 2004, p. 1167-8), “de umamaneira de praticar seu ofício e de definir e estruturar sua vida a partirdele, de seus valores e maneiras de ser e fazer”.

O que os professores sabem fazer já não serve mais –necessitam mudar sem que seus saberes e práticas sejam tomadoscomo ponto de partida para a mudança. Aos docentes não se lhesautoriza fazer reformas a partir da escola... Os novos saberes vêm decima: dos especialistas e acadêmicos universitários, dos burocratas...O professor, nesse contexto, é levado a viver em um universo deobrigações implícitas, de investimento pessoal, cercado de incertezase dependente da criatividade individual e coletiva.

Essa crise do trabalho docente vem afetando também oscentros de formação inicial de professores. Os conhecimentos eprocessos privilegiados na formação inicial não dão conta de formaro professor para a realidade atual. Meus ex-alunos da licenciatura emMatemática da Unicamp têm questionado, conforme mostra estudode Rocha (2005), que a formação profissional que eles adquiriramna formação inicial, por mais sólida que tenha sido em termos deconteúdos matemáticos e didático-pedagógicos, não os têm habilitado

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a enfrentar os desafios e a realidade complexa da escola pública atual:

A academia é muito distante da realidade da sala deaula. Acredito que nenhum curso de graduação consigaensinar alguém a ser professor, apenas o mune deferramentas de ensino, mas como usar tais ferramentasé com o dia-a-dia. (...) A matemática que dá para ensinarpara esse povo, e como ensina... é... eu estou tentandodescobrir ainda. (...) Aqui eles jogam tudo, eles jogamcadeira, eles jogam carteiras, eles se jogam uns em cimados outros... As saídas para isso?... Até o final do ano euvou ter que achar (Professora Luiza).

Todos concordam que a teoria é importante, mas e a prática?Será que tudo funciona como estudamos na Universidade? Não, ascoisas não funcionam assim e, eu tive muitas dificuldades até entenderisso. A faculdade não nos prepara para enfrentar vários problemasque acabamos tendo de enfrentar depois que começamos a lecionar...(Professor Antonio).

Os resultados obtidos por essas pesquisas brasileiras nãodiferem muito do que mostram alguns estudos internacionais. Opesquisador canadense Tardif (2002), por exemplo, nos diz que aindaé muito grande a distância entre os conhecimentos universitários e ossaberes necessários à prática profissional. A prática profissional nãoé um campo de aplicação dos conhecimentos acadêmicos; na melhorhipótese, os professores os mobilizam e os transformam. Ou seja, aprática profissional “é um muro contra o qual vêm se jogar e morrerconhecimentos universitários inúteis, sem relação com a realidade dotrabalho docente diário e nem com os contextos concretos do exercícioda função docente” (p. 257).

O modelo de formação docente privilegiado pelas principaisuniversidades brasileiras parecem não dar mais conta dos desafiosatuais da prática profissional nas escolas. Hoje, questiona-se opapel da universidade como regente do conhecimento, do saber, da

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técnica e sua função catalisadora das mudanças sociais e culturais. Aevolução das tecnologias de informação e comunicação, as mudançassociais, a violência e a exclusão social, a complexidade das práticasescolares e as novas formas de gestão do trabalho não mais suportama formação universitária baseada apenas na qualificação teóricae aplicacionista. Este modelo “moderno” de universidade, no qualprevalece a especialização e a fragmentação dos saberes, exacerbouo distanciamento entre as práticas de formação (inicial e continuada)de professores e as práticas profissionais.

Embora muitos de nós formadores de professores tenhamosdedicação exclusiva à docência e à investigação em EducaçãoMatemática, e, no passado, tivéssemos vivenciamos práticas docentesnas escolas, já não podemos mais dizer que conhecemos a práticaescolar atual. Isso porque a escola hoje é outra, pois os alunos sãooutroseaculturadaescola tambémvemmudandocontinuamente.Umaforma de contornar esse problema seria investigar etnograficamentepráticas vigentes e inovadoras, mas isso não é o mesmo que viver aprática e a condição docente.

Assim, a pesquisa educacional gerada na universidade,segundo Charlot (2002, p. 90), “não entra ou pouco entra na sala deaula, porque os professores, na verdade, estão se formando maiscom os outros professores dentro das escolas do que nas aulas dasuniversidades ou dos institutos de formação.Os professores costumamdizer que a investigação não serve para eles...”.

Abrir espaço, na licenciatura, para a presença de formadores-práticos que atuam diretamente nas escolas atuais pode ser umaalternativa, mas depende da forma como essa interlocução entreuniversidadeeescolaéestabelecida.Porexemplo,seessa interlocuçãonão for mediada pela reflexão teórica e pela investigação, podemoscair num outro extremo: no ativismo ou pragmatismo pedagógico, oqual pouco contribui para a formação de uma comunidade profissionalreflexiva e investigativa; uma comunidade capaz de engendrar e gerira transformação curricular possível da escola atual, produzindo umacultura profissional interativa e em interlocução crítica com outras

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comunidades profissionais e científicas. Uma transformação curricularorientada por questões do tipo:

- Como promover mudanças curriculares que, ao mesmotempo, contemplem a diversidade social e cultural dos jovens ecrianças e possam promover de fato seu letramento, num sentidoamplo que inclui o letramento matemático e científico?

- Como promover uma prática escolar que autorize (permita)aos docentes e alunos a serem sujeitos ou protagonistas da renovaçãodo currículo e da cultura escolar?

- Como formar docentes competentes para planejar e atuarneste tipo de prática?

CONSTITUINDO COMUNIDADES COLABORATIVAS ENTREFORMADORES E PROFESSORES

As pesquisas desenvolvidas pelo GEPFPM, sobretudo ade Freitas et al., (2005), evidenciam que os professores sentem-se isolados em seu trabalho na escola e colocam esperança desolução para os problemas na união de esforços dos professores.Não reivindicam cursos de atualização presenciais ou à distância, emlarga escala, como preferem os governos neo-liberais. Preferem, aocontrário, serem protagonistas do processo demudança e da produçãodos saberes necessários para implementá-lo. Para isso, buscam apoioe parceiros interessados.

Essas pesquisas, na verdade, confirmaram um problemaque já vinha me perturbando há muito tempo. Desde final dos anosde 1990, passei a reconhecer que nem os professores da escolanem nós, formadores da universidade, possuíamos condições para,independentemente uns dos outros, dar conta do desafio de mudar aspráticas escolares e formar professores competentes para enfrentara realidade complexa da escola atual. Professores que, dianteda realidade e das demandas de seus alunos, possam planejar edesenvolver atividades educativas nas quais os jovens e crianças seengajem, desenvolvendo efetivamente seu letramento matemático e

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científico-cultural.Sabemos que o problema da escola atual não depende apenas

de uma mudança da prática didático-pedagógica dos professores.Depende também de políticas e de gestão públicas. Mas, por outrolado, como podemos esperar que as políticas públicas projetem outraconcepção de escola e de trabalho docente, sem ter como referênciaoutros modos de ensinar e aprender que sejam potencialmenteengajadores, inclusivos e formativos dos jovens e das crianças quefrequentam a escola atual?

Diante desse quadro, assumimos, então, como hipótesede trabalho, que os professores da escola e da universidade efuturos docentes podem, juntos, aprender a enfrentar o desafio daescola atual, negociando e construindo outras práticas de ensinare aprender matemática que sejam potencialmente formativas aosalunos, despertando neles o desejo de aprender e de se apropriardos conhecimentos fundamentais à sua inserção social e cultural. Issoimplica constituir comunidades críticas e colaborativas de docentes –uma aliança entre formadores, pesquisadores, professores e futurosprofessores - que assumam a pesquisa como postura e prática social.

Esta hipótese encontrou suporte teórico-metodológico em Carre Kemmis (1988), que afirmam que os professores, para superarsua principal limitação profissional – que é a sua reduzida autonomiaprofissional –, precisavam construir coletivamente uma teoria deensino por meio da reflexão crítica e da investigação sobre seu própriotrabalho e sobre seus conhecimentos. Esses autores, apoiados emStenhouse, defendem que “os professores devem ser usuárioscríticos e reflexivos do saber elaborado por outros investigadores eestabeleçam comunidades autocríticas de docentes-investigadoresque desenvolvam sistematicamente um saber educacional quejustifique suas práticas educativas” (p.199).

Essa hipótese me levou então a organizar, em 1999, umgrupo de estudo colaborativo (Grupo de Sábado – GdS) envolvendoprofessores da escola básica e acadêmicos e formadores dauniversidade. Ao perceber que essa CoP poderia ser um bom contexto

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de formação de futuros professores, passamos, mais tarde, a incluirtambém licenciandos, que passaram a desenvolver, junto aos docentesdo grupo, estágios colaborativos nas escolas, tendo como mediaçãoa reflexão e a investigação das práticas de sala de aula. Esse grupo,em pouco tempo, tornou-se uma comunidade reflexiva e investigativainteressada, de um lado, em ler, refletir, investigar e escrever sobre aprática docente de matemática nas escolas e, de outro, em investigaro processo de formação continuada e de desenvolvimento profissionalde professores em um contexto de trabalho colaborativo de reflexão einvestigação sobre a prática.

Entretanto, o que unia os representantes dessas duascomunidades de prática não eram propriamente nossas semelhanças,mas nossas diferenças, as quais não podem ser concebidas comocarências ou deficiências, mas como excedente de visão (BAKHTIN,2003) de um grupo em relação ao outro, tendo em vista o lugar ou acomunidade de referência de onde cada um falava ou se colocava nogrupo.

Bakhtin (2003, p. 21) diz que, quando eu contemplo alguém“situado fora e diante de mim, nossos horizontes concretosefetivamente vivenciáveis não coincidem”, pois, por mais próximo queeu possa estar em relação a ele, “sempre verei e saberei algo queele, da sua posição, não pode ver”. O mesmo acontece com o outroem relação a mim, qualquer que seja o lugar de onde ele venha e seposicione. Nesse sentido, o encontro dialógico com o outro diferente,no GdS, representa uma instância potencial de transformação edesenvolvimento para todos seus participantes.

De fato, os professores escolares, desde a formação do grupo,têm negociado significados e perspectivas com os formadores e osacadêmicos da universidade sobre questões da prática pedagógica emmatemática e do trabalho docente nas escolas públicas e privadas nocontexto atual. Embora os porta-vozes da academia tragam ao grupoquestões que ajudam a produzir estranhamentos e problematizações àprática dos professores escolares, estes, ao tomarem como referênciaseu lugar nas escolas, manifestam um excedente de visão sobre

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os acadêmicos, por possuírem práticas e saberes de experiênciarelativos ao ensino da matemática nas escolas públicas e privadas,sejam elas de centro ou periferia. Além disso, conhecem as condiçõesde produção do trabalho docente nessas escolas, vislumbrando o queé possível ou não realizar na prática escolar e denunciando os limitese as idealizações frequentes dos acadêmicos, que geralmente nãoconhecem por dentro – isto é, experiencialmente – a complexidade deensinar matemática na escola atual.

Deoutraparte,oexcedentedevisãodosacadêmicosemrelaçãoaos professores escolares é decorrente das análises, interpretações ecompreensões que esses estabelecem sobre as práticas, experiênciase saberes dos professores escolares. Análises essas feitas a partirde aportes teórico-científicos oriundos das ciências educativas e,em particular, dos estudos acadêmicos em educação matemática.Penso, porém, que o maior excedente de visão dos acadêmicos sejao domínio dos processos metodológicos de pesquisa. Nesse sentido,a presença dos acadêmicos no grupo torna-se importante, sobretudona fase inicial de constituição do grupo, pois estes podem colaborarna orientação e apoio às investigações dos professores que têm comofoco de estudo problemas e desafios da prática docente nas escolas.

Quando os futuros professores passaram, também, afazer parte do grupo, logo se destacaram pelo entusiasmo, vigor ecriatividade em relação às possibilidades de mudança das práticasescolares, apresentando, como excedente de visão sobre os demais,as possibilidades de uso e exploração das TICs no ensino damatemática.

A metodologia de trabalho colaborativo do grupo, entretanto,levaria um certo tempo para ser configurada e sistematizada. Surgiugraças aos estudos e leituras de processos de pesquisa-açãocolaborativa (CARR&KEMMIS, 1888) e co-generativa (GREENWOOD& LEVIN, 2000) e, sobretudo, mediante análises e sistematizaçãodesses processos junto ao grupo insterinstitucional GEPFPM (Grupode Estudo e Pesquisa sobre Formação de Professores de Matemática)que passou, a partir de 2006, a coordenar um Programa de Pesquisa e

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Ação que inter-relaciona formação de professores e desenvolvimentocurricular em matemática (PPA) e que vem sendo desenvolvido poruma rede constituída por quatro grupos de pesquisa em EducaçãoMatemática [PRAPEM (Unicamp); PFTDPM (Unesp-RC); GEM(UFSCar); GRUCOMAT (USF)].

Cada um desses grupos coordena grupos investigativos ecolaborativos formados por professores universitários, professores daescola básica, graduandos e pós-graduandos, os quais constituemcomunidades de aprendizagem profissional e de pesquisa sobrea prática de ensinar e aprender matemática nas escolas. Emcada grupo colaborativo os formadores, professores e futurosprofessores analisam e discutem os problemas e desafios trazidospelos professores, episódios de aula narrados e documentadospelos professores, e negociam conjuntamente significados e outraspossibilidades de intervenção em suas práticas escolares, sobretudotarefas e atividades exploratório-investigativas. A dinâmica do trabalhocolaborativo desses grupos é representada esquematicamente pelaFigura 1 (FIORENTINI et., 2008; GRANDO et al., 2009).

Cabe destacar, nessa metodologia de trabalho e pesquisa, quea teoria deixa de ser o ponto de partida para se tornar uma mediaçãoimportante e necessária em busca de entendimento dos problemastrazidos pelos professores.

Figura 1: Dinâmica de trabalho de estudo e pesquisa nos gruposcolaborativos

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Somente após estudar e compreender com algumaprofundidade os problemas e desafios trazidos pelos professores éque são negociadas e construídas possíveis intervenções na práticadocente. Mas o processo não termina aí. As interveções na práticapassam a ser objeto de pesquisa e análise do grupo, o que requer queos professores façam registros do que acontece nas aulas e coletemas produções dos alunos. Esses registros são geralmente organizadosem forma de narrativas, as quais passam a ser lidas, analisadas ediscutidas pelo grupo. Essas narrativas depois dão origem a narrativasde práticas e de pesquisa dos professores, podendo ser finalmentepublicadas em revistas, em anais de congresso ou em livros, tais comoos organizados por: Fiorentini e Cristovão (2006); Grando et al. (2008);Nacarato et al. (2008); Carvalho e Conti (2009).

A PARTICIPAÇÃO EM COMUNIDADES INVESTIGATIVASE O DESENVOLVIMENTO DE UMA PROFISSIONALIDADEDOCENTE REFLEXIVA E INVESTIGATIVA

Os motivos pelos quais os professores ingressam em umgrupo de estudo e pesquisa são múltiplos e variados. Alguns buscamno grupo apoio para enfrentar suas dificuldades como docentes.Outros pelo prazer de estudar e promover continuamente seupróprio desenvolvimento profissional. Outros veem o grupo como umtrampolim para ingresso no mestrado. Outros, ainda, são mobilizadospor convites dos formadores ou de colegas que já participam do grupo.Há também aqueles que se identificam com as práticas do grupo quesão narradas em encontros ou publicadas em revistas ou livros.

Entretanto, é a participação nas práticas reflexivas einvestigativas do grupo que os tornam membros legítimos dacomunidade profissional, sendo o desenvolvimento profissional e amelhoria de sua prática docente uma consequência dessa participação.Os futuros professores ingressam no grupo quando iniciam asdisciplinas de prática de ensino e estágio ou quando adquirem umabolsa de iniciação científica. Estes, além de observarem, registrarem

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e narrarem práticas de aulas dos professores do grupo, aprendema analisá-las e a perceber as dimensões educativas subjacentes.E, nesse processo, não aprendem apenas como lidar e promovertais práticas. Aprendem também a estabelecer uma relação maisexploratória e problematizadora dos conhecimentos escolares,desenvolvendo uma prática interativa e construtiva com os alunos emrelação à aprendizagemmatemática. Aprendem e desenvolvem outrassignificações aos conteúdos matemáticos, mudando do paradigma doexercício para o da exploração e da investigação. Desenvolvem umapostura investigativa em relação à sua própria prática, documentandoepisódios de aula, registros e produções dos alunos. Tornam-setambém professores escritores e produtores da cultura de seu campoprofissional. E, em pouco tempo de participação, já não se percebediferenças entre novatos e professores experientes no grupo.

Ao adotar a pesquisa como postura profissional, está implícita,segundo Cochran-Smith e Lytle (1999, p. 292),

uma concepção diferente de professor, que aprendeao longo de sua vida profissional, não cabendo umadistinção entre novatos e peritos. O aprendizado que seorigina no ensino através da investigação, ao longo davida profissional, presume que professores iniciantes eexperientes precisam participar de trabalhos intelectuaissemelhantes. Ao trabalharem juntos em comunidades,tanto os professores novatos quanto os mais experientes,apresentam problemas, identificam discrepânciasentre teorias e práticas, desafiam rotinas comuns, e sebaseiam no conhecimento de outros para construir umenfoque gerativo, e tentam tornar visível muito do que éconsiderado dado no ensino-aprendizagem. A partir deuma postura de investigação, os professores buscamquestões significativas à medida que se envolvem com aresolução de problemas. Contam com outros professorespara obter pontos de vista alternativos sobre seu trabalho.

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Em um sentido bem real, a conotação de “experiência” éincompatível com a imagem do professor como um eternoaprendiz e pesquisador. A experiência implica em certezae em uma prática avançada. O aprendizado da vida, poroutro lado, implica em tentativas e em uma prática que ésensível a histórias, culturas e comunidades locais.

O Programa de Pesquisa e Ação que vem sendo desenvolvidoGEPFPM, envolvendo os quatro grupos de pesquisa anteriormentecitados, pretende desenvolver, coordenar, sistematizar e teorizarpesquisas que têm como objeto de estudo o processo de ensinar eaprenderemcomunidades locaisde investigação relacionadasàpráticade ensinar e aprender matemática nas escolas. O foco de análisedessas pesquisas é: (1) o processo de aprendizagem profissional deprofessores que ensinam matemática em comunidades colaborativase investigativas; (2) o processo de aprendizagem matemática dosalunos desses professores, sempre que estes estudantes constituemsalas de aula como comunidades de aprendizagem em um cenárioexploratório-investigativo; (3) o desenvolvimento de um conjunto depráticas curriculares de ensinar e aprender matemática sob umaabordagem exploratório-investigativa e de inclusão escolar e social.

O primeiro estudo de sistematização desenvolvido pelo PPA(FIORENTINI et al., 2008) - e apresentado no ICME-11 - consistiunuma meta-análise de 5 pesquisas desenvolvidas por professoresda educação básica que puderam contar com o apoio e a reflexãode grupos colaborativos formados por professores da universidadee das escolas e futuros professores. Os indícios de desenvolvimentoprofissional evidenciados por esses cinco professores-pesquisadoresforam, em síntese, os seguintes:

1) mudanças na produção do currículo escolar, reconhecendooutras possibilidades mais efetivas de promoção da inclusãoescolar de alunos com dificuldades de aprendizagemda matemática como é caso das práticas exploratório-

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investigativas, rompendo, assim, com a concepção linear decurrículo e oportunizandoamudançadas crenças e concepçõesdos alunos em relação à matemática;

(2) aprendizagem de novos conhecimentos matemáticos, apartir da vivência desse ambiente exploratório-investigativo;

(3) mudança de atitudes em relação ao saber matemático e àatividade matemática em sala de aula, assumindo uma posturamais instigadora e questionadora com os alunos e abrindoespaço à produção e negociação de significados;

(4) tornaram-se mais críticos em relação a si mesmos e àspráticas vigentes de ensino de matemática nas escolas e aosprocessos de formação docente ancorados na racionalidadetécnica, reconhecendo, a importância daspráticas colaborativas– sobretudo da reflexão e da investigação compartilhada -para enfrentar os problemas e desafios da prática escolar(FIORENTINI et al., 2008, Apud GRANDO et al., 2009).Esses resultados iniciais nosmotivam, enquanto pesquisadores

e formadores de professores, a continuar a apostar na constituição decomunidades investigativas formadas por professores da universidade,professores da escola básica e futuros professores que assumama pesquisa das práticas de ensinar e aprender matemática nosdiferentes contextos escolares como postura e prática social. Emergenesse processo, um tipo de profissionalidade docente que podeser qualificada como interativa, reflexiva, investigativa e, portanto,deliberativa e que consiste no desenvolvimento da capacidade dosprofissionais do ensino trabalharem colaborativamente num ambientede diálogo e interação, onde discutem, analisam, refletem e investigamsobre seu trabalho, buscando compreendê-lo e transformá-lo (FULLANe HARGREAVES, 1997).

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CONCLUINDO

Em síntese, os professores, em comunidades investigativaslocais, não apenas se desenvolvem continuamente e aprendem a partirdo aprendizado dos alunos, produzindo conhecimentos da prática, nosentido de Cochran-Smith e Lytle (1999). Desenvolvem também umcampo científico próprio, interligado ao seu campo profissional, e umrepertório de práticas educativas fundamentadas na própria práticaprofissional. Isso habilita os profissionais do ensino a se constituírem,ao mesmo tempo, em formadores e aprendizes, com autonomiapara estabelecer interlocução com outras comunidades, como a dosmatemáticos e adoseducadores emgeral, apropriando-se criticamentedo que é pertinente e reinventando o que não atende às necessidadesformativas e emancipativas dos jovens e das crianças de sua escola.E, nesse sentido, aprendem e evoluem também as comunidadesdocentes à medida que os resultados dos estudos são publicados,discutidos e validados publicamente pela própria comunidade.

Os formadores da universidade também aprendem aoparticipar dessas comunidades investigativas, pois, ao investigaremo desenvolvimento dos professores em contextos de práticascolaborativas e investigativas, se apropriam de uma cultura profissionalconstruída a partir das práticas escolares e problematizam e re-significamseus saberes e concepções acerca das práticas de formaçãodocente e do modo como podem iniciar os futuros professores naspráticas investigativas com outros professores. Nesse sentido, ofoco privilegiado de pesquisa dos formadores pode ser sua prática deformador junto a essas comunidades ou em práticas de formação defuturos professores, sobretudo quando tentam proporcionar a eles asbases conceituais e metodológicas que os habilitam a se constituírempesquisadores de sua própria prática, tendo a colaboração de outrosprofessores. Ou seja, os formadores e os professores da escola,investigando juntos, constroem novos modos de ensinar e aprender,engajando os alunos da licenciatura e da escola como parceiros eco-responsáveis pela construção de novas práticas de aprendizagem.

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Esse empreendimento, entretanto, exige esforço, dedicaçãoe investimento pessoal e institucional, além de uma sólida formaçãoteórico-prática voltada ao seu campo profissional. Demanda, alémdisso, gestão de recursos públicos na contra-mão das políticasneoliberais, pois estas preferem investir na formação (des)contínuade professores em larga escala e no controle externo do trabalhodocente, através de avaliações.

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REFERÊNCIAS

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A PARCERIA ESCOLA X UNIVERSIDADENA INSERÇÃO DA TECNOLOGIA NASAULAS DE MATEMÁTICA: UM PROJETO DEPESQUISA-AÇÃOMarilena BittarUniversidade Federal de Mato Grosso do Sul

Preocupações comaaprendizagemmatemática não é privilégiodos últimos 20, 30 ou 40 anos. Desde o final do século dezenove einício do século vinte têm lugar ações mais formais relacionadas àárea da educação matemática.

Os passos que abrem essa nova área de pesquisa sãodevidos a John Dewey (1859-1952), ao propor em 1895,em seu livro Psicologia do número, uma relação contrao formalismo e uma relação não tensa, mas cooperativaentre o aluno e professor, e uma integração entre todasas disciplinas. (MIGUEL, A. at al, 2004, p. 71).

A partir dessa época, diversas ações foram realizadas, comoa criação do National Council of Teachers of Mathematics (NCTM)e dos Congressos Internacionais de Educação Matemática (ICME),e psicólogos passaram a se dedicar ao estudo de como o sujeitoaprende. Nos últimos 30 anos nota-se aumento de pesquisas voltadasà educaçãomatemática e isso nãomais concentrado emalguns poucospaíses. No Brasil, a quantidade de Programas de Pós-Graduação emeducação matemática ou áreas afins tem crescido. Alguns resultadosde pesquisas podem ser observados em projetos governamentaisvoltados à melhoria do ensino e da aprendizagem da matemática,como é o caso dos critérios estabelecidos para a aprovação dasobras do Plano Nacional do Livro Didático. Todo esse movimentopela educação matemática, com pesquisas realizadas nas diversastendências, tem permitido não somente a consolidação da área comoum campo específico de investigação, mas também resultados nos

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diversos níveis de ensino e diferentes conteúdos matemáticos.Passou-se um século desde os primeiros embriões da

preocupação com a educação matemática e desde a década de 1960esta começou a se consolidar como uma área de pesquisa. Entretanto,percebemos que, infelizmente, os resultados das pesquisas restam, namaioria das vezes, longe dos verdadeiros interessados: professores ealunos da educação básica (e do ensino superior). A interrogação quesegue então é: como realizar uma aproximação entre o que se passana academia e a escola de educação básica? Uma resposta podeser a produção de textos em linguagem acessível aos professorese com ideias realmente passíveis de serem utilizadas. Não sepretende aqui diminuir a capacidade dos professores, ao contrário.Entretanto, a maioria dos textos acadêmicos não interessam, e comrazão, ao professor que está atuando em sala de aula inclusive comuma carga horária excessiva. São, em sua maioria, textos teóricos,em linguagem específica do meio científico e com ideias difíceis deserem reproduzidas. Nesse sentido, percebe-se preocupação porparte de alguns pesquisadores da área de educação matemática coma publicação de obras destinadas também a professores da educaçãobásica (PIRES, CURI,e CAMPOS, 2001; LORENZATO, 2006;NACARATO., GOMES e GRANDO, 2008; NACARATO, MENGALI ePASSOS, 2009).

Outra resposta à preocupação anunciada anteriormente eque poder ser mais efetiva no que diz respeito à mudança na práticapedagógica do professor é seu envolvimento nas pesquisas sobreo processo de ensino e aprendizagem da matemática. Nesse textodefende-se esta proposta como formação continuada de professores;considera-se sua prática pedagógica e, a partir dela, constrói-se novosconhecimentos e práticas em uma proposta de parceria e não em algoimposto a ele.

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O EXEMPLO DA TECNOLOGIA

Todo esse movimento pela educação matemática, compesquisas realizadas nas mais diversas tendências tem permitidonão somente a consolidação da área como um campo específico deestudo e pesquisa, mas também o aparecimento de resultados nosmais diversos níveis de ensino relacionados a diferentes conteúdosmatemáticos. A aprendizagem matemática mediada por computadoré uma tendência com muita procura por parte de pesquisadores, oque tem resultado em muitos artigos, dissertações, teses e livros como relato das investigações que têm mostrado que o uso adequado deum software pode permitir melhor apreensão do conceito pelo aluno. Atecnologia pode ser usada por professores e pesquisadores como umaferramenta de auxílio no entendimento do funcionamento cognitivo doaluno, além de, com situações adequadamente elaboradas, favorecera individualização da aprendizagem e contribuir com a autonomia doaluno (BITTAR, 2010).

Entretanto, toda essa produção e seus resultados ainda estãolonge da prática do professor, ou seja, as aulas de matemática, emsua maioria, continuam sendo dadas sem o auxílio dessa ferramenta.Assim, é importante discutirmos como transformar esses resultados,nãosomentenaáreada informáticaeducativa,emproldaaprendizagemdo aluno. Este é o objetivo deste texto: discutir, a partir do exemplo datecnologia, possibilidades de trabalho com o professor, uma vez queesse é o agente que realiza o processo de ensino.

É importante esclarecer que, ao falar em processo de ensino,pensa-se, mais diretamente nas ações que envolvem o professor e,ao se falar em aprendizagem a atenção é centrada no sujeito que estáaprendendoalgo.Dessa forma, nesse textoprocura-sediscutir algumasquestões que apontam perspectivas no processo de organização doconhecimento pelo professor.Aqui é utilizada aexpressão “organizaçãodo conhecimento” de forma bastante proposital para não usar e nãoconfundir com “transmissão de conhecimento” uma vez que acredita-se que o conhecimento não se transmite, portanto, o professor não

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é o transmissor do conhecimento e sim o organizador das situaçõesque podem levar o aluno a adquirir o conhecimento. É a partir desteponto de vista que esse texto é escrito e, com essa perspectivateórica, objetiva-se discutir o processo de ensino da matemática, oque leva a focar a atenção no professor e em como as pesquisas querealizamos há, aproximadamente 10 anos, nos levaram à realizaçãode uma pesquisa-ação com professores que ensinam matemática nosdiversos níveis de escolaridade.

Trabalhando em diversos cursos de formação de professores,tanto continuada, quanto inicial, chegamos à conclusão de para queexista mudança, ou inovação nas ações do professor em sala de aularelacionadas ao processo de ensino, é necessário que o professoresteja de fato envolvido com o movimento que levou às mudanças.Parece-nos que esta tem sido uma das razões de as investigaçõesrealizadas por pesquisadores, mesmo com resultados promissores,não terem o reflexo desejado no que concerne a aprendizagem dosalunos. Acreditamos que isso somente será possível quando asmudanças não vierem de fora para dentro sem que o professor sejaagente ativo na preparação do que será feito, como temos visto comrelação, por exemplo, à tecnologia: escolas foram equipadas comcomputadores e laboratórios de informática, os professores, muitoconstantemente, devem levar seus alunos à sala de informática. É oque fazem, porém de formamajoritariamente desconexa relativamenteao que se passa na sala de aula. Para o próprio professor, não raro,esse é um instrumento alheio à sua prática, e ele não consegue vercomo influenciar, positivamente, a aprendizagem dos alunos. Porisso, acreditamos que a integração da tecnologia somente aconteceráquando o professor vivenciar o processo, ou seja, quando a tecnologiarepresentar um instrumento importante de aprendizagem para todos,inclusive, e, sobretudo, para o professor, agente fundamental doprocesso de ensino. Sobre isso Groenwald e Ruiz (2006, p. 5) afirmamque “A utilização das novas tecnologias, na educação, implica em umprocesso de inovação docente que justifique a necessidade destaincorporação, e que deve levar a uma melhora no processo de ensino

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e aprendizagem.”Por isso, estudar o uso da informática de forma a contribuir

com a melhoria do processo de ensino e aprendizagem exige levar emconsideração diversos aspectos desse processo. Do ponto de vistada aprendizagem, é necessário, inicialmente, ter claro quais são osparadigmas adotados: como acredito que o aluno aprende? Esta é umaquestão essencial que serve de fundamento para a organização detodo o processo de ensino. Adotamos as ideias de Piaget (1971) sobrea construção do conhecimento.Assim, é necessário elaborar situaçõesnas quais o aluno tenha papel ativo no seu processo de aprendizageme, para isso, a teoria das situações didáticas (BROUSSEAU, 1986;BROUSSEAU, 2008) fornece elementos que coadunam com oparadigma de aprendizagem preconizado por Piaget. Dessa forma,qualquer que seja o instrumento a ser utilizado no processo de ensinodeve servir a esses fins: permitir que o professor elabore situaçõesnas quais o aluno seja um agente ativo, co-responsável por suaaprendizagem. Não se trata, portanto, de situações artificiais, isoladasdo restante do processo de ensino que ocorre na sala de aula. Éfundamental deixar clara a distinção que fazemos entre inserir ouintegrar a tecnologia nas aulas de matemática, uma vez que é baseadanessa distinção que nossas investigações são realizadas e, portanto,a discussão realizada nesse texto.

O termo inserção da tecnologia na educação é empregado parafazer referência ao uso mais comum que tem sido feito da mesma: osprofessores utilizam o laboratório de informática para dar uma aula ououtra, mas esse uso não está relacionado ao restante do processo deensino e não provoca mudanças na aprendizagem do aluno. Dessaforma, esse uso parece, na maioria das vezes, artificial, desligadoda prática pedagógica do professor: as atividades funcionam comoatividades extra-classes, sem avaliação ou como um apêndice docurso habitual. Integrar a informática ao processo de ensino implicaem usar este instrumento da mesma forma como são usados, porexemplo, o giz ou o livro didático. O professor faz uso do giz quandosente a necessidade e o mesmo deve acontecer com a informática.

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Ao trabalhar determinado conteúdo, o professor utiliza as ferramentasque considera úteis para a aprendizagem de seus alunos e é nessemomento que o computador e suas possibilidades devem serconsiderados: assim, por exemplo, ao trabalhar determinado conteúdode geometria, o professor utilizará diversos materiais que podemlevar o aluno à construção do pensamento geométrico, seja materialde manipulação ou softwares educacionais. Portanto, dizemos queo professor integrou a informática à sua prática pedagógica quandoele faz uso deste instrumento em diversos momentos do processo deensino, sempre que considera necessário e de forma a contribuir como processo de aprendizagem do aluno. A integração da informáticanas aulas do professor revela, portanto, um processo complexo eenvolve desde algum conhecimento do funcionamento da máquina(computador) e do software até a elaboração de atividades, com essesoftware, que possam contribuir com a aprendizagem do aluno. Assim,para investigar a integração da informática na prática pedagógica deprofessores é necessário uma ferramenta teórica que permita estudarcomo o professor se apropria desse instrumento para fins didáticos:a teoria da atividade instrumentada (RABARDEL, 1998) pareceadequada, como mostrado no próximo parágrafo.

AABORDAGEM INSTRUMENTAL34

Essa teoria oferece elementos para investigar a ação cominstrumentos no campo social e no campo científico, ou seja, nãose aplica somente à Educação. Ao contrário, encontramos diversasaplicações no campo do trabalho e um exemplo é a investigaçãodesenvolvida por Ferreira (1995) sobre o uso de computadores noserviço bancário. Entretanto, essa teoria tem se mostrado muitoadequada para estudar também o uso da tecnologia em situaçõesescolares (GOMES, 2001). Nesse texto, abordaremos somente algunselementos da teoria que permitem compreender o uso de um software

34 Parte desse parágrafo faz parte do capítulo de um livro que está prelo (BITTAR, 2010), compublicação prevista para o primeiro semestre de 2010.

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nas aulas de Matemática.A teoria da instrumentação apóia-se em conceitos da

psicologia, em especial na ideia de esquema definida por Piaget eutilizada e ampliada por Vergnaud na Teoria dos Campos Conceituais(VERGNAUD, 1990). Segundo esse autor, um esquema comportasempre antecipações do objetivo que ele quer atingir, regras em ação(que vão gerar a ação do sujeito), inferências (que permitem que osujeito avalie suas ações) e invariantes operatórios (que são do tipoproposição, função proposicional ou argumentos)35. Assim sendo,quando falamos em esquemas na teoria da instrumentação tambémestamos pensando no sujeito que está agindo sobre alguma coisa emuma determinada situação. Um esquema tem uma característica dedinamicidade, o que é fundamental para a definição e diferenciaçãoentre artefato e instrumento feita por Rabardel.

Na teoria da atividade com instrumentos, um artefato podeser um meio material como um martelo, uma enxada, ou um meiosimbólico, como uma linguagem simbólica (linguagem algébricas,símbolos vetoriais, etc.). A partir desta definição um robô ou umsoftware podem ser artefatos. Por sua vez o instrumento consistedo artefato acrescido de um ou vários esquemas de utilização desteartefato, esquemas estes construídos pelo sujeito. A partir dessasdefinições, podemos concluir que a definição de instrumento dadapor Rabardel tem uma forte componente psicológica uma vez que elaconsidera fortemente o conceito de esquema. Além disso, segundoessa definição, cada sujeito pode construir esquemas diferentes nouso de um mesmo artefato o que leva à elaboração de diferentesinstrumentos por diferentes sujeitos. Ou ainda, um mesmo sujeito, àmedida que vai agregando novos esquemas ao, agora, instrumento,terá produzido novos instrumentos. Observa-se aqui o caráter dinâmicodo instrumento anunciado anteriormente.

Tomemos como exemplo, o caso de um professor que vaientrar em contato com um determinado software pela primeira vez.

35 Para o leitor menos familiarizado com a Teoria dos Campos Conceituais recomendamos aleitura de Vergnaud (1990) ou ainda (BITTAR, M. e MUNIZ, C.A., 2009).

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No primeiro contato, quando o sujeito começa a descobrir o material,este nada mais é do que um artefato para ele. À medida que eleexplora, conhece esse material e aprende a manipulá-lo ele estáagregando ao artefato esquemas de utilização deste material que estáse transformando então em um instrumento para este sujeito. E esseinstrumento pode ser usado pelo professor de maneiras diversificadas,de acordo com os esquemas elaborados por ele e com seus objetivosrelativamente ao ensino e aprendizagem do conteúdo com o qual estátrabalhando, conteúdo que o software permite abordar.

Apartir desse referencial, paraentender aação instrumentada,épreciso então estudar, com mais cuidado, os esquemas desenvolvidospelo sujeito no uso do artefato/instrumento. A teoria da instrumentaçãodistingue três tipos de esquemas: esquemas de uso, esquemas deação instrumentada e esquemas de atividade coletiva instrumentada.Os esquemas de uso são relativos às tarefas ligadas diretamente aoartefato e os esquemas de ação instrumentada são relativos às tarefasdiretamente ligadas ao objeto da ação. Vale salientar que o que éesquema de ação instrumentada para um sujeito em um determinadomomento pode se transformar em esquema de uso, para esse mesmosujeito em um momento posterior. Para caracterizar um esquema épreciso analisar seu estatuto na atividade do sujeito. Rabardel (1995,p. 114) ilustra essa afirmação com o exemplo da ultrapassagem deum veículo para um condutor que está aprendendo a dirigir e, depois,quando ele já é motorista experiente. No primeiro caso trata-se de umesquema de ação instrumentada e no segundo de um esquema deuso. Os esquemas de atividade coletiva instrumentada são relativosao uso por diversos sujeitos de um mesmo instrumento para atingir umobjetivo comum. Um grupo de professores trabalhando coletivamentee colaborativamente à busca de soluções para um mesmo problemapode desenvolver esquemas de atividade coletiva instrumentada.

No centro da teoria da atividade instrumentada está o conceitode gênese instrumental, que consiste no processo de elaboraçãodo instrumento pelo sujeito. Esse processo está no centro do nossointeresse na pesquisa sobre a integração da tecnologia pelo professor

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em sua prática pedagógica. Participam do processo de gêneseinstrumental duasdimensões: a instrumentalizaçãoea instrumentação.

“A instrumentalização concerne a emergência e aevolução dos componentes artefato do instrumento:seleção, reagrupamento, produção e instituição defunções, transformações do artefato [...] que prolongama concepção inicial dos artefatos. A instrumentação érelativa a emergência e a evolução dos esquemas deutilização: sua constituição, seu funcionamento, suaevolução assim como a assimilação de artefatos novosaos esquemas já constituídos.” (RABARDEL, 1998, p.210)

O instrumento não é, portanto, algo pronto e acabado. Ele émodificado, construído pelo sujeito ao longo das atividades realizadascom o artefato que é, agora, um instrumento uma vez que já sofreu aação do sujeito. Assim, ao estudarmos a integração da informática naprática pedagógica do professor estamos interessados em investigaros esquemas desenvolvidos por eles, o que nos permitirá analisar arelação do professor com o artefato ou instrumento.

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Como afirmado anteriormente, apesar de haver diversasinvestigações sobre o uso da tecnologia para a aprendizagem damatemática, de existirem projetos governamentais que incentivam ouso das salas de informática pelos professores, esse uso ainda nãoestá sendo feito de forma adequada, ou seja, de modo a contribuircom a melhoria da aprendizagem. Não se deve de forma algumaculpar o professor por essa situação, afinal ele faz somente o quelhe foi dado condições de fazer e para o uso crítico da tecnologia naeducação é necessário mais do que somente ensinar o professor ausar tal material. O que se defende nesse texto é que a integração datecnologia somente acontecerá quando, para o professor, a tecnologia

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representar efetivamente um instrumento que ele terá para usar comoum importantemeioparapromover aaprendizagemdeseusalunos.Porisso defende-se a formação continuada em serviço, com discussõesque sejam feitas a partir das necessidades didáticas do professor, emparceria com ele. Somente com experiências significativas para osprofessores essa integração poderá ocorrer. Não se trata de ensinaro professor o uso de um determinado software, mas de permitir queele desenvolva seus próprios esquemas de utilização o que o tornaráautônomo.

Em pesquisas anteriores e em trabalhos com a formação inicialde professores foi possível perceber que muitas vezes os futurosprofessores dominavam o conhecimento técnico da máquina, mas nãoconseguiamelaborar atividades significativas relativas à aprendizagemmatemática. Falta, ao futuro professor, a experiência que o professorque está atuando tem. Por sua vez, o professor em exercíciodesconhecemuitas possibilidades existentes e, a apresentação dessaspossibilidades a ele, em geral não é feita levando-se em consideraçãoa realidade na qual ele está inserido. Assim, essas experiências têmevidenciado a necessidade de um trabalho de formação que sejaefetivamente inserido na realidade da escola e desenvolvido dentrodela. Por isso é importante que a formação do professor seja feitaem serviço, se possível em seu local de trabalho, vivenciando suasdificuldades e problemas do dia a dia e durante um tempo que sejasuficiente para oamadurecimento das discussões acerca das situaçõesvivenciadas. Assim, não é possível pensar em mudanças na práticapedagógica a partir de situações isoladas da realidade do professor.Além disso, o professor não deve ser agente recebedor de práticas aserem repetidas: esse é um paradigma ultrapassado. Segundo Warde(2000, p. 17):

Com as fugas às abordagens althusserianas, osestudos etnográficos e da nova sociologia da educaçãoalimentaram – cada um a seu modo – investigações querepuseram o professor no centro das práticas escolares,

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como sujeito que as inaugura e as funda. Partindo dessaperspectiva, criou-se o campo propício para a reafirmaçãocontemporânea do professor como epicentro dastransformações da escola, das propostas curriculares,sendo ele a expressão da ‘nova-subjetividade’ ememergência.

Apartirdessespressupostosénecessáriopensaraproblemáticada formação de professores de forma que eles sejam também agentesativosdoprocesso.Nessesentidoapesquisa-ação (THIOLLENT,1986)surge como uma alternativa para o desenvolvimento de investigaçõescom professores, nas quais estes não são agentes recebedores dealgo vindo de fora do seu contexto.Aconstituição de grupos compostospor pesquisadores e professores deve trazer subsídios para umainserção crítica e significativa da tecnologia na Educação. Nessesentido, discutiremos alguns aspectos de uma pesquisa realizadaentre 2006 e 2008, financiada pelo CNPq, cujo objetivo foi “investigara integração da tecnologia na prática pedagógica do professor queensina Matemática na Educação Básica”. Para tanto foi constituído umgrupo formado por pesquisadores e professores atuantes nos diversosníveis de escolaridade e trabalhou-se com a metodologia da pesquisa-ação pelo fato de esta coadunar com os preceitos do grupo quanto aotrabalho a ser desenvolvido. Não se tratava, portanto, de uma pesquisade observação e análise da prática pedagógica de professores usandoa informática ou de ensinar o uso da informática a professores daeducação básica. A proposta era construir juntos uma nova práticaou o embrião de uma nova prática e isso a partir de questões trazidaspelos participantes do grupo, como propõe a metodologia adotada.

A coleta de dados foi feita de diferentes formas, sendo queas principais delas foram as anotações dos participantes durantesas reuniões em seus cadernos de bordo e as atas de cada reunião.Essas atas eram redigidas por ummembro do Grupo que, em seguida,submetia a todos os participantes para que opinassem sobre seuconteúdo. Esses são procedimentos consonantes com a metodologiada pesquisa-ação.

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DESENVOLVIMENTO DE UMA PESQUISA COM PROFESSORES:ALGUNS RESULTADOS

Apesquisa teve início emmarço de 2007. Os participantes eramlicenciados em Matemática e pedagogos, atuantes desde a EducaçãoInfantil até o Ensino Médio que tinham interesse em discutir o uso datecnologia nas aulas de matemática. Os encontros eram quinzenais,realizados na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) eno período noturno. Essas foram escolhas realizadas pelo grupo emfunção de suas necessidades e possibilidades.

Na primeira reunião, foi feita a apresentação do projetoprocurando deixar claro que não se tratava de um curso sobre o usode tecnologia. Foi também apresentada e discutida a metodologia dapesquisa-ação para que todos soubessem e pudessem discutir ospropósitos do grupo, como apresentado anteriormente nesse texto.Passou-se, em seguida, a discutir, de forma geral, questões ligadasà prática pedagógica dos professores e ao uso das tecnologias. Eesse foi o tema de mais algumas reuniões, com objetivo de levantaralguns dos problemas vivenciados nessa prática, buscando socializaras experiências vividas, com objetivo de elencar um tema para serestudado com mais detalhes, dentre os identificados e discutidos peloGrupo. Cabe salientar que as escolhas foram sempre realizadas portodos, por este motivo dizemos sempre nesse texto, pelo Grupo. Essafase inicial é considerada fundamental na constituição efetiva do Grupoquando se trabalha com a perspectiva da metodologia de pesquisa-ação. É nela que o Grupo começa a se assumir como tal e a criar asua identidade. A análise dos dados coletados nessa primeira fase dapesquisa permitiu concluir que alguns sujeitos não tinham nenhumafamiliaridade com o computador e outros sabiam manipulá-lo, usandoseus aplicativos. Assim, de acordo com a teoria da instrumentação,temos que os primeiros sujeitos não haviam desenvolvido esquemasde uso desse material que se constituía apenas em um artefato paraeles. Para o segundo grupo, alguns esquemas de uso haviam sidodesenvolvidos, porém o objetivo nas atividades que planejavam não

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era, efetivamente, uma mudança na relação com o saber do aluno.Tratava-se, muito mais, de um “uso pelo uso” da máquina. Poderíamosdizer que esses sujeitos estavam instrumentalizados, porém nãoinstrumentados.

Após as discussões iniciais, o Grupo percebeu que era precisodiscutir melhor, e de forma crítica, o que era um software educacionale assim decidiu-se pelo estudo, no laboratório de informática doSuperLogo. Esta escolha foi feita pelo fato de ser um softwareque pode ser utilizado em qualquer nível de escolaridade. Algunsparticipantes do Grupo desconheciam totalmente o software e outroso conheciam um pouco. Assim, o Grupo foi trabalhando, realizandosuas descobertas, uns ajudando os outros; não foi dado um cursosobre o SuperLogo. Cada participante foi, assim, desenvolvendo seusesquemas de uso relativamente a esse material. Nas discussõesprocurava-se observar como utilizar a informática para favorecer aaprendizagem do aluno. Assim, quando um professor pensava umaatividade, essa era compartilhada com o restante do Grupo paradiscussão, momento em que todos levavam em consideração asdiscussões realizadas anteriormente sobre o uso de um software nasaulas de matemática. As observações dos participantes do Grupoeram cada vez mais voltadas para algo que pudesse significar umdiferencial em sua prática pedagógica melhorando a aprendizagem deseus alunos. Nessa fase, uma professora das séries iniciais elaboroue aplicou uma atividade com seus alunos usando o SuperLogo,segundo ela “por ter gostado muito do software e achar que podiausá-lo”. Essa experiência foi relatada por ela no Grupo o que permitiuuma discussão sobre os objetivos didáticos da professora, sobre asatividades que ela propôs e, inclusive, sobre os conceitos matemáticostrabalhados. Essa e outras discussões levaram o Grupo a se decidirpor realizar um estudo do tema Espaço e Forma, dos ParâmetrosCurriculares Nacionais. Alguns não sabiam direito o que deve serdado em cada série, outros tinham algumas dúvidas relacionadas aalguns conteúdos. Percebe-se, relatado aqui de forma muito sucinta,que a tecnologia funcionou também como um impulsionador para

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discussões sobre a educação matemática, ou seja, discutiu-se tantoo conteúdo específico como a aprendizagem do conteúdo e isso,também utilizando sempre experiências dos participantes do Grupo.Nessa fase foi possível perceber a elaboração de esquemas de açãoinstrumentada por parte de alguns participantes, como ilustra a fala deum deles que mostra consciência das mudanças ocorridas.

Trabalhar com o computador era isso: que você usariao computador pra aplicar uma coisa que você já tinhaestudado...Nasaladeaula, no lápis epapel. Primeiro vocêfazia em lápis e papel e depois você ia pro computadorpra ver como que ficava lá dentro. Agora não. Agora naminha ideia você pode muito bem ir pro computador,construir o conhecimento e depois se precisar usar o lápise o papel. [...] Eu estou deixando de usar a ferramenta gize apagador pra usar mouse, teclado e software. Eu achoque isso aí... Eu acho que essa é a principal mudança.[...] Hoje eu estou mudando esse meu conceito. [...]Você pode trabalhar totalmente ao contrário: você podelevar os alunos pro laboratório, usar ali... Fazer com queeles [...] construam um conhecimento ali de uma novamatéria, de uma nova... De um novo conteúdo, e depoisvolta, pra, pra realizar as contas no, no papel e lápis. [...]Se a gente tivesse mais oportunidade de trabalhar dentrode um laboratório, eu mesmo ia procurar... Pra cada aulaia procurar um programa diferente... Eu ia procurar umacoisa diferente... (Pedro, 28/08/2007)36

Após essas etapas e alguns meses de estudo, o Grupo decidiuque queria preparar sequências didáticas a serem aplicadas em suasaulas para verem “como era” essa preparação e como seria o usodo material informatizado nas aulas. Queriam “colocar na prática”o que era discutido. Dividiu-se então o Grupo em três subgruposque passaram a elaborar atividades usando a calculadora, para as36 Excerto retirado de (SILVA, X. J. e BITTAR, M, 2010)

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séries iniciais, o Cabri-Géomètre, para o ensino médio e o SuperLogotambém para as séries iniciais. Os trabalhos de cada subgrupo eramsempre apresentados e discutidos no Grupo, mantendo a ideia decompartilhamento e colaboração que tinha sido encampada por todos.Nessa fase, foi possível observar com mais detalhes o surgimentode esquemas de utilização por parte dos participantes do Grupo. Amedida que o sujeito aprendia a manusear um software, ele passava,com as discussões e objetivos a serem alcançados, a tentar elaboraratividades que favorecessem a aprendizagem de seus alunos e comisso via-se o surgimento de esquemas de utilização desse material.Apesar de o trabalho ser coletivo, nem sempre criavam-se os mesmoesquemas de utilização, que tinham muita relação também com todaa história de vida do professor. Passou-se da fase de aprendizadoda máquina e do software para a discussão sobre como incorporaresse material nas aulas e isso, de forma prática uma vez que estavamsendo elaboradas, conjuntamente, atividades a serem aplicadas aalunos. Uma questão importante a salientar na dinâmica do processodesenvolvido é que o mesmo não acabava com a aplicação dasequência na sala de aula; ao contrário, essa aplicação era discutidano Grupo com objetivo não somente de compartilhar as experiências,mas também de avaliar o que foi desenvolvido.

Após dois anos de realização dessa pesquisa, foi possívelperceber a construção de alguns esquemas de utilização coletiva porseusparticipantes,oprincipal deles relativoàpreparaçãodasatividadesenvolvendo o software. Entretanto, para podermos afirmar categóricae detalhadamente os esquemas de ação coletiva desenvolvidos peloGrupo, é necessário uma análise mais profunda dos dados coletadoso que não foi o objetivo inicial da pesquisa aqui relatada.

Ainda relativamente ao trabalho coletivo e colaborativodesenvolvido no Grupo, cabe observar que os participantes do Grupotestemunhavam, sem exceção, gostarem do tipo de desenvolvimentorealizado, pois assim se sentiam à vontade para discutir questões desua prática pedagógica, mais seguros para o trabalho e com respaldopara as novas ações empreendidas. Ou seja, no tipo de trabalho

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proposto e realizado pelo Grupo, não se trata somente de discutir apreparação do que será feito pelos professores, mas sim os resultadosdo que foi feito e como dar continuidade ao trabalho iniciado. Alémdisso, desde as primeiras reuniões passou-se a estabelecer umambiente de trabalho no qual procurava-se respeitar as experiênciasde todos os participantes, partia-se sempre do princípio de que todos,pesquisadores experientes ou não, professores novatos ou não,atuando em qualquer nível de ensino, têm sempre algo para oferecerao Grupo. Nas avaliações periódicas realizadas estarem sempre umadas principais características ressaltadas por todos.

Enfim, acreditamos que estes são alguns dos pontos,consideradopornós, “chave”paraadiscussãosobre reaiscontribuiçõesdas pesquisas para o ensino da matemática, como discutido nopróximo parágrafo.

QUE PERSPECTIVAS PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA?

Como extrair ideias a partir dessa experiência? O que motivoua proposição de uma pesquisa do tipo pesquisa-ação na qual todosos participantes decidem junto o que querem fazer e todos têmresponsabilidade sobre o andamento do trabalho foi, essencialmente,a constatação de que os resultados das pesquisas passam longedos reais interessados. O ciclo de ação-reflexão-ação proposto nestametodologia é diferente de outros tipos de pesquisa nas quais seprocede a uma reflexão e, só após esta, há uma ação planejada naescola. De fato,

Os professores que vivenciam processos de pesquisa-ação têm a possibilidade de refletir sobre as suaspróprias práticas, sua condição de trabalhador, bemcomo os limites e possibilidades do seu trabalho. Nessesentido, ela se constitui em uma estratégia pedagógicade conscientização, análise e crítica e propõe, a partir dareflexãopropiciadanainterlocuçãocomospesquisadores-

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observadores e na participação nas discussões com ogrupo de pesquisa, alterações de suas práticas, sendodelas os autores. (GARRIDO, 2005, p. 527)

Assim, os professores são agentes ativos do processo gerandoconhecimento a partir de seus conhecimentos. Há um trabalhocoletivo entre pesquisadores e professores na busca da solução deproblemas e esses problemas não são impostos pelos pesquisadores,ou seja, não são problemas dos pesquisadores, mas problemas dosprofessores. É claro que esse tipo de investigação assim o exige.

Para visualizar melhorias no processo de ensino é preciso queos professores participem ativamente das investigações realizadas.Não se trata de transformar professores em exímios investigadores,mas de realizar pesquisas com os professores discutindo questõesque são, efetivamente, problemas ou indagações que estes têm.Além disso, voltando ao exemplo relatado neste texto, o que maisfoi apreciado pelos professores e parece ter permitido uma mudançaem sua prática pedagógica foi o contato permanente com o Grupo.Ou seja, levantavam-se questões que queriam estudar, problemasa resolver, escolhia-se coletivamente o que fazer, estudava-se oproblema elaborando sequências didáticas e após a realização destasem sala de aula voltava-se ao Grupo para novas discussões.

Nesse texto foi abordada a formação continuada do professore uma possibilidade de interação com a universidade. Porém, outrasformas são possíveis de serem vislumbradas, inclusive incluindofuturos professores, como é o caso do Programa de Bolsa Institucionalde Iniciação à Docência (PIBID) da CAPES: dessa forma tem-seprofessores recém formados em maior sintonia com a realidade quepassará a viver.

Por fim, acreditamos que a perspectiva que queremos para oensino da matemática é o de uma real parceria e aprendizado mútuoentre todos os interessados na aprendizagem matemática de nossascrianças e jovens.

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EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E AS POLÍTICASDE AVALIAÇÃO EDUCACIONAL: HÁSINALIZADORES PARA O ENSINO DEMATEMÁTICA NAS ESCOLAS OU ÂNCORASA SEREM LEVANTADAS?Maria Tereza Carneiro SoaresUniversidade Federal do Paraná

INTRODUÇÃO

Pesquisadores como Creso Franco, Heraldo Marelim Viana,Robert Verhine, Ruben Klein, Francisco Soares, entre outros, seuniram para formar a Associação Brasileira de Avaliação Educacional(ABAVE), fundada em 2006, em Belo Horizonte, com a expectativade congregar esforços para o desenvolvimento da pesquisa sobre aavaliação educacional no Brasil. A escolha da Avaliação Educacionalna Escola Básica como tema da primeira reunião parece não ter sidomero acaso. Tal tema tem ocupado, nos últimos anos, espaços cadavez maiores não apenas em ambientes acadêmicos e fundaçõesde pesquisa, mas principalmente em discursos políticos e na mídia,com amplo destaque aos maus resultados de alunos brasileirosnas avaliações de rendimento nos âmbitos internacional, nacional,estaduais e, mais recentemente, municipais.

Apesar disso, investigações temáticas no campo da EducaçãoMatemática brasileira que tomaram a avaliação educacional na escolabásica como objeto de pesquisa são em número tão pequeno e foramrealizadas em tão poucas instituições que até mesmo participantesdo Grupo de Trabalho - Avaliação em Educação Matemática (GT-8) da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM) sesurpreenderam ao realizarem levantamento a esse respeito, emtrabalho submetido ao III Seminário Internacional de Pesquisa emEducação Matemática (III SIPEM), em 2006. Naquele ano, dospoucos trabalhos enviados, apenas sete foram selecionados para

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serem apresentados, devido à exigência de que fossem decorrentesde pesquisa acadêmica. O curioso é que, dentre os sete trabalhosapresentados, apenas dois não foram realizados por pesquisadorespertencentes a um mesmo grupo de pesquisa.

Naquele SIPEM, SANTOS e CELESTE (2006) apresentaramestudo que consistiu em um primeiro levantamento das produçõesbrasileiras existentes relacionadas à avaliação em EducaçãoMatemática no período de 2000 a 2005, portanto anterior à criaçãoda ABAVE. As fontes de busca foram os sites das universidadesque possuíam cursos de mestrado e doutorado, reconhecidos erecomendados pela CAPES. Foram acessados os sites dos programasde pós-graduação emEducaçãoMatemática, Educação para Ciência eo Ensino de Matemática, Educação para Ciência, Ensino de Ciências,Ensino de Ciências e Educação Matemática, Ensino de Ciências eMatemática, Ensino de Ciências Naturais e Matemática, Ensino deMatemática, e o site dos programas em Educação.

Além dos sites das universidades que possuem cursos demestrado e doutorado reconhecidos e recomendados pela CAPES,também foi utilizado como fonte de busca o banco de periódicosda CAPES, sendo acessados os seguintes: Estudos em AvaliaçãoEducacional, Ensaio, Ciência e Educação da Faculdade de Ciênciasda UNESP de Bauru, Educação em Revista, Educação e Pesquisa,Educação e Foco, Educação e Realidade, Cadernos CEDES,BOLEMA, Zetetiké, Educação Matemática em Revista, BoletimGEPEM, Educação e Sociedade, Reflexão e Ação, Contrapontos(revista de Educação da Universidade do Vale do Itajaí), Educarem Revista, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, EspaçoPedagógico, Educação Matemática Pesquisa, Quaestio – Revistade Estudos de Educação, Revista Ciências Exatas e Naturais, Série-estudos (Periódico do Mestrado em Educação da UCDB), RevistaBrasileira de Educação (ANPED) e Ecos Revista Científica.

O percurso metodológico do estudo foi assim mencionadopelas autoras:

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“Nesse levantamento, para a seleçãodosmateriais, foramtomados como base os títulos, as palavras chaves e osresumos dos mesmos. Inicialmente, foram encontrados33 materiais, sendo 25 dissertações, 1 tese e 7 sãoartigos de revistas (...). Com a leitura dos resumosfoi possível organizar os materiais em focos temáticos.Para isso, identificou-se qual era o foco principal de cadatrabalho (...). Mesmo que alguns trabalhos possam terrelação com mais de um foco temático, optou-se porcolocá-los no que, aparentemente, melhor caracterizaa investigação. Os focos temáticos construídos foram:1)Estudos sobre avaliações nacionais e/ou estaduais:que fazem uma análise dos programas de avaliação degrandes contingentes de população; 2)Estudos sobrequestões teóricas e/ou metodológicas: dizem respeito adiscussões de idéias, teorias ou metodologias acerca daavaliação da aprendizagem em matemática; 3) Estudossobre a análise da produção escrita ou de procedimentose estratégias: referentes à análise da produção escritapresentes nas avaliações em matemática, assim como aidentificação e análise dos procedimentos e estratégiasutilizados para resolver questões das avaliações; 4)Análise estatística: estudos que fazem uma análiseestatística dos dados de avaliações em matemática; 5)Estudos sobre concepções, formação docente e práticaavaliativa: referentes às concepções de professores arespeito da avaliação, da avaliação em matemática e suaimplicação na formação docente e da prática avaliativade professores”(SANTOS e CELESTE,2006).

Sob o título ‘Distribuição dos trabalhos por foco temático”foram apresentados os resultados com a quantificação de estudos eidentificação dos autores em cada um dos cinco focos já mencionados,a saber: 1º - avaliações nacionais e/ou estaduais - 6 (seis) estudos:

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Costa (2000), Bosqueti (2002), Silva (2002), Christino (2003), Paiva(2003) e Batarce (2005); 2º - questões teóricas e/ou metodológicas- 5 (cinco) estudos: Afonso (2002), Buriasco (2002), Gomes (2003),Maciel (2003), Lopes (2004); 3º - análise da produção escrita ou deprocedimentos e estratégias - 5 (cinco) estudos: Ribeiro (2001), Souza(2004), Perego (2005), Segura (2005), Silva (2005); 4º - análiseestatística - 6 (seis) estudos: Souza (2000), Oliveira (2002), Rodrigues(2002), Andrade, Franco e Carvalho (2003), Ribeiro (2004), Simões eFerrão (2005); 5º- concepções, formação docente e prática avaliativa- 11 (onze) estudos: Carvalho (2000), Carlos (2002), Curi (2002),Kistemann Junior (2002), Pironel (2002), Freitas (2003), Menduni(2003), Fisher (2004), Nunes (2004), Rodrigues (2004), Rohloff (2004).

Tal levantamento permitiu constatar que, no períododelimitado, poucos foram os estudos no campo da Avaliação emEducação Matemática (33) e que a maioria deles concentrou-se nofoco temático referente às concepções, formação docente e práticaavaliativa. Neste contexto, pode-se afirmar que pesquisas no campoda avaliação da aprendizagem que tomam a análise da produçãodos estudantes manifestada na aplicação de instrumentos utilizadospara a avaliação do rendimento dos alunos matriculados em sistemasescolares, também denominadas avaliação de larga escala, podemser facilmente mapeadas, pois as fontes no Brasil são pouquíssimas eem geral pouco valorizadas e divulgadas.

EM TEMPO

Muitas questões poderiam ser desencadeadas a partir dessaconstatação, pois mesmo tratando-se de estudo preliminar, restrito aum período de cinco anos e com necessidade de continuidade para oaprimoramento, esse primeiro levantamento mostra a importância deestudos sobre o estado do conhecimento nas várias áreas e esse, emespecífico, contribuiu com a sugestão de uma primeira classificação,que, como anunciado no texto, necessita cautela, uma vez quealguns estudos poderiam ser classificados em mais de um dos focos

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especificados.É o que pode ocorrer, por exemplo, com estudos que utilizam

instrumentos elaborados para as avaliações de larga escala, queinicialmente poderiam ser situados no foco 1, : ENEM (4), SARESP(1) e Exame Nacional dos Cursos (ENC), o conhecido ‘Provão’.

No entanto, sabiamente, as autoras não classificaram osestudos paranaenses que tomam as provas realizadas no âmbito daAvaliação de Rendimento Escolar no Ensino Fundamental e no EnsinoMédio das escolas públicas do Paraná (AVA) como instrumentos paraa coleta de dados e que resultaram em dissertações de mestradorealizadas sob a orientação de Regina Luzia Corio de Buriasco, nofoco 1. Mas, por que criar um foco específico para tais estudos? Nãoestariam eles bem localizados nesse primeiro foco?

De acordo com os critérios estabelecidos por SANTOS eCELESTE (2006), os trabalhos classificados no foco 1 tomam paraobjeto de estudo os resultados dos programas de avaliação de grandescontingentes de população, tais como o ENEM, ENC, SARESP,enquanto os situados no foco 3 restringem-se à especificidade daanálise da produção do aluno ao ser confrontado com questões deprovas elaboradas para a avaliação de grandes contingentes dealunos, e, portanto, submetidas a processo de pré-teste com aferiçãoestatística prévia de sua possibilidade de resposta, o que de, certaforma, é uma garantia para a escolha de instrumentos de pesquisa.Portanto, tais estudos não são sobre os resultados de tais programase sim sobre as respostas dos alunos aos instrumentos elaboradospara a avaliação de grandes contingentes populacionais, que, nocaso dos estudos do grupo de pesquisa do Paraná, coletaram tantoas produções dos alunos obtidas em situação natural no dia emque se submeteram à prova do AVA, enquanto alunos regularmentematriculados no sistema público de ensino do estado do Paraná,como também as que foram coletadas em situações específicas depesquisa, em data e local combinados pelos pesquisadores. Assim,qualquer desses dados foram coletados para serem utilizados nessesestudos, não apenas para verificar quantitativamente o que os alunos

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acertam ou erram e sim para apreciar de que natureza é sua produçãomatemática, ao se disporem a responder o que lhes é perguntado emsituação de avaliação.

Essa diferença quantitativa e qualitativa entre a natureza dosestudos, é por nós considerada fundamental, não por entendermosser qualquer um deles menos importante que o outro, mas paraesclarecermos que as divulgações na mídia tomam resultados apenasquantitativos e, para nós (BURIASCO E SOARES, 2007), consideraressa dupla face é essencial na análise dos dados, pois uma podecomplementar a outra.

À HORA

Assim, é chegado o momento de demarcar o terreno, no qualse localiza a possibilidade de pesquisar os resultados da participaçãobrasileira com vistas à análise não somente do resultado final dodesempenho dos alunos no PISA (Programme for International StudentAssessment - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes),um programa internacional de avaliação comparada coordenado pelaOCDE (Organização paraCooperação eDesenvolvimento Econômico)e destinado à avaliação de estudantes de 15 anos de idade, fase emque, na maioria dos países, os jovens terminaram ou estão terminandoa escolaridade mínima obrigatória.

Infelizmente, apesar dos esforços empreendidos pelosresponsáveis no Instituto Nacional de Estudos e PesquisasEducacionais Anísio Teixeira – INEP, que coordenam nacionalmentea implementação desse programa desde 1998, não tem sido possívelevitar que apenas os resultados do desempenho dos alunos nasprovas sejam amplamente divulgados, o que pode levar autoridadeseducacionais e políticas a enxergarem de forma enviesada e alardeara catástrofe da educação pública brasileira sem se perguntarem porque o Brasil participa da prova, questão de política econômica quedemandaria um outro tipo de análise, a qual não nos propomos discutirneste trabalho.

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Defendo que, para além dessas questões que envolveminclusive questões de política externa e decisões de planejamentoeconômico, as quais não nos abordaremos diretamente nestetrabalho, é hora de aguçar o olhar naquilo que produzem os alunos,ao tentarem resolver os itens desse tipo de prova, bastante diferentedas que temos produzido, principalmente para avaliar alunos doEnsino Fundamental. Acredito que, dessa forma, ao utilizar a provae a metodologia desenvolvida minuciosamente pelos consultoresinternacionais do PISA, neste caso especificamente na área deMatemática, para aprimorar nossos conhecimentos sobre produçãoe análise de instrumentos utilizados na avaliação dos conhecimentosmatemáticos dos alunos e na codificação das respostas encontradas,já teremos uma participação qualificada na discussão de possíveisargumentos interpretativos. Afinal, nossos alunos, embora tenham ospiores resultados nas provas de matemática, foram os que, segundorelatórios da OCDE, proporcionalmente tiveram o mais alto índice demelhoria no desempenho na prova de matemática, em todo o ciclo2000, 2003 e 2006.

Por acreditarmos na avaliação como prática de investigação,na qual os alunos ao responderem o que lhes perguntamos, sejaoralmente ou por escrito, manifestam sua possibilidade de leiturae compreensão do que ouvem e lêem, quando se envolvem com oinstrumento, é que consideramos de inestimável importância que osprofessores aprendam a ler e compreender o que os alunos escrevem,como forma de conhecer o quê e como os alunos estão dando sentidoao que está sendo ou deveria estar sendo ensinado.

Assim, embora tenhamos clareza das questões políticasque estão presentes de forma explícita ou implícita nas decisõesgovernamentais sobre a participação ou não do Brasil nas provasoriundas de Programas de Avaliação Internacionais, o que está aquiem jogo é a questão específica do processo ensino aprendizagem deum objeto específico da cultura escolar, a disciplina Matemática, enesse caso caberia perguntar: Que matemática é avaliada na provado Programa Internacional de Avaliação de Alunos - PISA? Os itens

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que compõem as provas do SAEB ou a Prova / Provinha Brasil sãode mesma natureza dos que compõem as provas do PISA? E asdo ENEM? E as provas das Olimpíadas de Matemática da EscolaPública? Por que houve e ainda há interesse em participar dessetipo de prova, mesmo após nosso péssimo desempenho? Os objetosculturais matemáticos avaliados estão sendo ensinados e aprendidospor nossos alunos nas escolas? Os alunos brasileiros que fazem aprova do PISA aos 15 anos já terminaram o Ensino Fundamental,como ocorre na maioria dos países desenvolvidos? É interessantemanter alunos de 7ª série fazendo essa prova? Que conteúdos e queformas metodológicas são priorizadas na elaboração das questões?De que forma são codificadas as respostas?

Respostas a essas perguntas demandam pesquisas, algumasprovavelmente já iniciadas, outras em processo e algumas queprovavelmente não sairão do papel, mas todas dependentes dasdecisões que forem tomadas doravante em relação às políticas deavaliação do sistema escolar não somente brasileiro, mas dos paíseslatino americanos acrescidos de Portugal e Espanha, devido serem osque têm algumas características de proximidade, como, por exemplo,a língua falada, mas também um desempenho pífio se for observadoapenas o resultado das provas.

Mas, quais são mesmo as razões que nos levaram a participardo PISA? E desde então, que estratégias temos desenvolvido nessaparticipação?

Por decisões tomadas ainda no governo Fernando Henrique,o Brasil iniciou em 1998, como país convidado pela OCDE, suaparticipação no PISA, e, mesmo com a mudança de governo e deorientação política, nos dois últimos mandatos foi mantida essaparticipação, pois trata-se de política externa com vínculo queperpassa decisões do Itamaraty. Nesta conjuntura, uma iniciativabrasileira que ocorreu em setembro de 2005, no Rio de Janeiro,promovida e coordenada pelo INEP, parece ter sido decisiva paraque a OCDE decidisse que, no novo ciclo iniciado em 2009, fossemintroduzidas questões específicas para os países que participaram

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do Primer encuentro de países latinoamericanos participantes en elproyecto Pisa. Nessa ocasião, se fizeram presentes representantesdos seguintes países: Argentina, Chile, Colômbia, Uruguay:, México,Portugal e Espanha. Essa idéia de unir países com característicasque os aproximam, lançada pelo Brasil, frutificou e, após essa, muitasoutras reuniões já foram realizadas, a maioria sob a coordenaçãodo México, propiciando que esse grupo encaminhasse itens para asprovas de Leitura do PISA culturalmente situados.

Desde aquele primeiro encontro, consensualmente, foi decididoe registrado em documento a intenção de “constituir un grupo deayuda mutua de los países Iberoamericanos que participan en PISA,para ayudar al mejor desempeño de los trabajos que el proyecto PISAexige” (Grupo Iberoamericano de PISA, GIP).

O mesmo documento foi composto também por registrosdas manifestações de expectativas de cada país presente. A seguir,apresento o texto do Brasil elaborado no INEP:

“Se espera que PISA entregue indicadores e informaciónque pueda ser asociada con los resultados de lasevaluaciones nacionales; sea una medida efectiva paracomparar el desempeño de los estudiantes; entregueuna visión de conjunto sobre los factores que contribuyenal desarrollo de las habilidades de los estudiantesde 15 años y cómo éstos operan en los otros países;desarrollar análisis para subsidiar las decisiones referidasa política educativa; aprender nuevas metodologíaspara la evaluación de gran escala (instrumentos yprocedimientos); formar recursos humanos para el sigloXXI.

Para mejorar los conocimientos y habilidades de losestudiantes es necesario consolidar a PISA como unproceso de interés dentro de la agenda brasileña deevaluación educativa; difundir los resultados dePISAa los

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responsables de la educación básica, como profesores,padres y alumnos. Han tenido problemas con la difusión,así como ven la necesidad de mejorar la muestra delpaís.”

E AFINAL, POR QUE SIGO PARTICIPANDO DO PISA?

De acordo com a coordenação nacional responsável pelogerenciamento das atividades relacionadas a esse Programa deAvaliação localizado no INEP, os objetivos da participação do Brasilsão: identificar o perfil dos alunos ao final da escola obrigatória;disseminar as informações geradas pelo PISA, tanto em termos deresultados quanto de conceitos e metodologias, para diversos atoresdo sistema educacional; promover a apropriação de conhecimentose metodologias na área da avaliação educacional; promover aparticipação de especialista brasileiro em fóruns internacionais dediscussão; fomentar a discussão sobre indicadores de resultadoseducacionais comparados internacionalmente eadequadosà realidadebrasileira.

Nessa direção, o Brasil tem contado com a colaboração deprofessores universitários das áreas de conhecimento envolvidas,que têm contribuído na análise do arcabouço teórico, metodológicoe conceitual dos documentos produzidos por grupos internacionaisde especialistas das áreas de conteúdo avaliadas, que direcionam efornecem os referenciais que suportam esse Programa de Avaliação,assim como, participam também com a tradução e a adaptação dositens que compuseram os testes já realizados. Além disso, em parceriacom professores da rede de ensino fundamental e médio, têm sidoresponsáveis pela correção dos itens do pré-teste e do teste aplicadoem 2000, 2003 e 2006 por meio de oficinas de correção de itens.

Desde meados da década de 1990, tenho acompanhado eparticipado, de forma em alguns momentos esporádica e em outrossistematicamente, nas diferentes etapas de elaboração e aplicação

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de instrumentos para a avaliação do desempenho em matemática dosalunos da escola básica e superior brasileira, tanto nacionalmentequanto internacionalmente. Desde o ano de 1999, componho a equipede consultoria do PISA em Matemática e, desde então, tem sidoamplamente discutido pelo grupo de consultores o que poderíamosaprender desta avaliação, como também a inadequação da formade divulgação dos resultados do PISA, via imprensa, não somenteà população, mas especialmente aos estudantes e professoresbrasileiros.

Conforme consta no projeto básico construído pelo grupode consultores do PISA e apresentado ao INEP para demonstrara relevância de se garantir a elaboração e divulgação de relatóriosnacionais, destaca-se que os mesmos objetivam “interpretar osresultados do PISA no contexto institucional, social e econômicode cada país”. Assim, o relatório nacional não deve se limitar auma descrição de alunos e escolas brasileiras a partir dos dadosdo PISA, nem tampouco a uma análise da situação brasileira à luzdaqueles dados para o Brasil, pois, se o objetivo fosse o de focalizarexclusivamente o aspecto nacional, haveria bases de dados maisadequadas para esse fim (como o Sistema de Avaliação da EducaçãoBásica ou o Exame Nacional do Ensino Médio, entre outras avaliaçõesnacionais).

A especificidade do PISA concentra-se na possibilidade que apesquisa temde oferecer uma visão da situação brasileira em contrastecom outras realidades sociais e educacionais. Em primeira instância,essa visão é sugerida pelo relatório inicial internacional - organizadode modo a estabelecer um conjunto de indicadores comparativos dasituação internacional - que permite a maximização da comparaçãode indicadores, mas não oferece a adequada contextualização dassituações nacionais.

O relatório nacional vem precisamente preencher essa lacuna,estruturando-se de modo a fazer a mediação entre a perspectivade comparação de indicadores educacionais, o levantamento deinformações adicionais sobre o país e a reflexão sobre as condições

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de oferta da educação brasileira. O que se espera é que o contrastecom escolas e sistemas educacionais bastante distintos permita amelhor compreensão de nossa escola e das possibilidades para ocampo das políticas educacionais.

Já como programa de avaliação, a especif icidadedo PISA é possibi l i tar veri f icar o desempenho de alunospara além do currículo escolar. Os itens das provas das trêsáreas de conhecimento que compõem o Exame – Leitura, Matemáticae Ciências – avaliam se os estudantes desenvolveram, durantesua escolarização, competências necessárias à vida moderna,examinando sua capacidade para ler, analisar, explicar seu raciocínioe comunicar suas idéias, ao resolverem e interpretarem uma variedadede situações.

ParaoPISAaliteracia/letramentoemmatemáticaéacapacidadede leitura de um indivíduo ao identificar e compreender o papel que amatemática desempenha no mundo real, ao fazer julgamentos bemfundamentados e ao usar e se envolver na resolução matemática dasnecessidades da sua vida, enquanto cidadão construtivo, preocupadoe reflexivo (OCDE, 2003). Aportada nos pressupostos da EducaçãoMatemática Realística (de LANGE) implica no uso mais abrangente efuncional da matemática e assenta em um envolvimento que requera capacidade de reconhecer e formular problemas matemáticos emvárias situações.

As diretrizes curriculares de Matemática do PISA informamdiretamente as práticas de avaliação. Conforme de Lange, nosanos 80 na Holanda a chamada Educação Matemática Realísticafoi introduzida. O significado disto é que nessa concepção, entreoutras coisas, a matemática ensinada deve ser derivada da realidadepróxima e também ser aplicada a esta realidade. Situações realísticas(indicadas por problemas contextuais) seriam utilizados como umafonte e uma área de aplicação para a educação matemática.

Uma outra importante característica da Educação MatemáticaRealística diz respeito a como a matemática é aprendida. HansFreudenthal afirmou que a matemática é “uma atividade humana e que

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a pessoa aprende matemática fazendo matemática”. Os estudantesdevem assim, redescobrir partes da matemática e construir essaspartes por eles mesmos. Eles são estimulados a usar suas própriasestratégias nesse processo. Diferentes estratégias, muitas vezesrefletem diferentes níveis e podem ser provocadoras e usadasprodutivamente no processo de aprendizagem.

Entre o final de 2000 e início de 2002, um longo e cuidadosoprocesso de elaboração, discussão e revisão do documento queforneceu diretrizes teóricas e metodológicas para serem tomadascomo referência na elaboração dos itens que compuseram o pré-testeem 2002 e a prova de matemática em 2003, conduzido pelo GrupoInternacional de Especialistas de Matemática, coordenado por Jande Lange do Instituto Freudenthal da Holanda, foi desencadeado.Tendo iniciado em dezembro de 2000, em Berlim, foram realizadosfóruns durante os anos de 2001 e 2002, nos quais as diretrizes foramamplamente discutidas com os representantes de cada país.

Entendo terem tido essas diretrizes contribuição importantena elaboração de diretrizes brasileiras para programas nacionais,estaduais e municipais de avaliação do ensino de Matemática; ocaso exemplar parece ser o do ENEM, cuja prova era a que mais seaproximava da prova do PISA.

Daí, a opção por detalhar neste texto tópicos sobre osfundamentos que serviram de suporte para a elaboração de itens paraa prova de Matemática do PISA. São eles:

• os recentes estudos socioculturais, a definição deletramento (Gee, 1998) e matemática, com ênfase no uso funcionaldo conhecimento matemático em uma multiplicidade de diferentessituações e variados contextos, entre eles os puramente matemáticose os em que nenhuma estrutura matemática está aparente. O quepressupõe também conhecimento da sintaxe matemática, entendidacomo mais que conhecer os termos básicos, procedimentos padrão econceitos, comumente ensinados na escola,mas envolvendo conhecercomo essa sintaxe foi estruturada e como foi e vem sendo utilizada;

• o processo de matematização - horizontal e vertical –

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(Freudenthal, 1983; Romberg,1994), uma abordagem e organizaçãofenomenológica do conteúdo matemático (Freudenthal,1983;Devlin,1994) em “conceitos abrangentes”, entendidos como conjuntode fenômenos e conceitos que fazem sentido e que podem serencontrados no interior e ao longo de uma multiplicidade de diferentessituações.

As componentes-chave das diretrizes de matemática são:• as situações, entendidas como parte do mundo do estudante

naqual as tarefas estão situadasem: situaçõespessoais; educacionais;ocupacionais; públicas e científicas. E os contextos, entendidos comocenários específicos que podem ser reais ou hipotéticos, intra ou extra-matemáticos, nos quais os problemas que os estudantes lidarão estãolocalizados no interior de uma situação;

• os conteúdos matemáticos que serão usados na solução dosproblemas estão organizados de acordo com os seguintes “conceitosabrangentes” que serão utilizados no processo de matematização:quantidade; espaço e forma ; mudança e relações; e incerteza;

• as competências matemáticas (pensamento e explicaçãodo raciocínio matemático, argumentação matemática, comunicaçãomatemática, modelação, proposição e resolução de problemas,representação, uso da linguagem simbólica, formal, técnica eoperações, uso de materiais de apoio e instrumentos (Niss,1999)) quedevem ser ativadas no processo de conectar o mundo real (no qualos problemas são gerados) com a matemática – foram organizadasem três conjuntos: “reprodução”, envolvendo conhecimentos de fatosrepresentações de problemas comuns ou equivalentes e a busca deprocedimentos de rotina e de algoritmos padrão; “conexões”, requerque os estudantes usem elementos apropriados de diferentes áreasde conteúdo, ou de diferentes conceitos abrangentes, em combinaçãocom pensamento conceitual e raciocínio que possibilite a modelaçãode situação que envolva contextos familiares e quase-familiares; e“reflexão” que envolve não somente a matematização dos problemas,mas o desenvolvimento de estratégias originais de solução.

Além dessa participação, venho nos últimos dez anos,

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participando de grupo de pesquisa sobre a análise da produção dosalunos com o uso de instrumentos elaborados para serem utilizadosem situação de testes, (realizados em contextos específicos depesquisa que não o da avaliação em larga escala), no âmbito da áreada Psicologia da Educação Matemática.

No início dos anos 2000 participei também de pesquisacoordenada por pesquisadora da Universidade Estadual de Londrina(UEL- PR), realizando um tipo de análise da produção de alunosmanifestada nas provas de Matemática utilizadas na avaliação delarga escala desenvolvida pela SEED-PR sob a denominação AVA-PR.

A partir de 2007, sou colaboradora na pesquisa coordenadapela mesma pesquisadora anteriormente mencionada que tem comoobjetivo analisar a produção de alunos paranaenses nas questões daprova de Matemática do PISA2006 com projeto encaminhado ao INEPsob a coordenação da professora Regina Luzia Corio de Buriascoe recentemente aprovado pelo CNPq. A intenção do grupo é trazeruma contribuição ao debate sobre avaliação da aprendizagem emeducação matemática, decorrente de análise quantitativo–qualitativa,especificamente no que se refere aos conhecimentos de matemáticamanifestados de forma escrita pelos alunos, quando submetidos àprova de Matemática do PISA2006.

Concomitante a essa pesquisa, considero emergente anecessidade de tomar como objeto de estudo as diretrizes deMatemática que orientaram a elaboração de itens para as provas deMatemática do primeiro ciclo (2000, 2003 e 2006) e as que orientarão aelaboração de itens para a prova de 2012, quando o domínio principalserá a Matemática.

Análises preliminares permitem destacar que a concepção dematemática no primeiro ciclo de provas do PISA, a da matemáticarealística, sobreviveu graças a Jan de Lange do Instituto Freudenthal,coordenador da equipe de consultores e foi determinante na orientaçãodos elaboradores de itens. No entanto, a alteração da coordenaçãode matemática gerou na nova equipe outras diretrizes, que embora

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mantenham muito das características da concepção anterior, trazemconsiderações merecedoras de tomada de posição, pois quandoformuladas atendem apenas parcialmente o proposto anteriormente.Estaremos em tempo de içar velas, levantar âncoras e lançar-se aomar?

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O ENSINO DE MATEMÁTICA E ASAVALIAÇÕES SISTÊMICAS:O DESAFIO DE APRESENTAR OSRESULTADOS A PROFESSORESMaria Isabel Ramalho OrtigãoUniversidade do Estado do Rio de JaneiroPPG em Educação, Comunicação e Culturas

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, temos assistido o crescimento das iniciativasde avaliação da educação. No Brasil, em particular, essas iniciativas setraduziram na criação do Sistema Nacional de Avaliação da EducaçãoBásica (SAEB), do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), alémda participação no Programa Internacional deAvaliação de Estudantes(PISA). Mais recentemente, o INEP - Instituto Nacional de PesquisasEducacionais Anísio Teixeira - criou a Prova Brasil, que avalia de formacensitária o ensino público brasileiro. E ainda, em diversos estados emunicípios ocorreram implantações de sistemas de avaliação, muitosdos quais em parceria com o INEP. Com certeza, podemos constatarque vivemos em “tempos de avaliação” (BONAMINO, 2001).

Dentre os diversos significados dessas iniciativas, a literaturaeducacional tem ressaltado a importância e o papel desempenhadopela avaliação nos avanços em relação a aspectos metodológicose institucionais, no acompanhamento de políticas educacionais ea associação entre avaliação e promoção de políticas de eqüidade(FRANCO et al, 2007; SOARES, 2005). Tem ganhado força,ultimamente, a preocupação para que gestores e docentes seapropriem dos resultados das avaliações.

Nesse artigo busco problematizar a apropriação dos resultadosda avaliação em larga escala. Parto da crença de que o conhecimentodos processos constitutivos em uma avaliação desta natureza pode

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contribuir para o empoderamento dos professores, de forma conscientee crítica, ampliando seus olhares sobre a escola. Em especial, sobresua sala de aula, seus alunos e o próprio ensino por ele ministrado,mesmo que os resultados analisados não sejam diretamente de suasala de aula.

Um dos desafios enfrentados hoje pelos profissionaisresponsáveis por processos avaliativos é o de desenvolver estratégiasde divulgação, de forma a facilitar a compreensão e a apropriação dosresultados das avaliações pelas diferentes equipes das Secretarias deEducação e das escolas.

As avaliações de grande porte, como a Prova Brasil ou o SAEB,são, pela natureza dos seus propósitos, processos de avaliaçãobastante diferentes daqueles utilizados por professores para avaliar aaprendizagem de seus alunos nas escolas.

Essas diferenças se expressam, por um lado, pela utilizaçãode metodologias e técnicas estatísticas sofisticadas e ainda poucofamiliares aos professores de sala de aula. Por outro, estas avaliações,embora bastante populares em outros países, no Brasil são aindarecentes. As primeiras iniciativas ocorreram no início dos anos1990, com a implantação do SAEB. São comuns também críticas,muitas vezes infundadas e mesmo preconceituosas aos processosde avaliação em larga escala. E mais, há poucos grupos lidandocom avaliações desta natureza nas Universidades, em especial nasLicenciaturas, e nos Programas e Pós-Graduação em Educação,embora já seja possível dispor de uma literatura especializada que acada ano vem aumentando.

OLHANDO PARA TRÁS: UMA BREVE REVISÃO HISTÓRICA DAAVALIAÇÃO

Adécadade1960pode ser considerada comooponto departidade uma série de estudos sobre as desigualdades no acesso à escolae no desempenho dos estudantes (FORQUIN, 1995). Foi marcantenesta época o Relatório Coleman (1966), o qual abalou profundamente

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a imagem da escola meritocrática americana, desencadeando umaimensa produção de pesquisas que focalizaram a questão dasdesigualdades educacionais. Com a publicação de “AReprodução”, deBourdieu e Passeron, na França, em 1970, uma significativa produçãosociológica passou a questionar sistematicamente as implicações dosmecanismos escolares de discriminação e de dominação socioculturalcom as desigualdades sociais.

A obra de Luiz Antônio Cunha, “Educação e Desenvolvimentosocial no Brasil” (CUNHA, 1975), publicada emmeados dos anos 1970,teve o mérito de mostrar, a partir da investigação sobre a escolarizaçãodas crianças das classes trabalhadoras, o impacto dos mecanismosescolares no acesso e no desempenho escolar diferenciado dessesegmento social.

Na década seguinte, o interesse pelas questões dasdesigualdades escolares é renovado pelo contexto político e social daépoca e pela produção de importantes obras que passam a ressaltaras contradições da Educação e a dimensão transformadora daescola (MELLO, 1981; SAVIANI, 1983; CURY, 1983). Paralelamente,foram introduzidas modificações no sistema educativo brasileiroque focalizavam a melhoria da escola pública e incluíam reformascurriculares e mudanças na organização da escola básica (CUNHA,1995; FRANCO, 2001).

A partir dos anos 1990, a questão das desigualdades sociaisescolares permanece central nos debates educacionais, motivada,principalmente, pelos resultados do Sistema Nacional de Avaliaçãoda Educação Básica (SAEB). Os indicadores educacionais têmevidenciado avanços com relação à universalização da escola, econseqüentemente, na democratização da composição social dopúblico escolar. No entanto, revelam a persistência de disparidadespronunciadas entre as condições das escolas freqüentadas por alunosde diferentes origens sociais e étnicas, que estão relacionadas adesempenhos distintos e reforçam as diferenças sociais preexistentes.

Com relação ao acesso à escola, na faixa etária entre 7 e14 anos (correspondente ao Ensino Fundamental), podemos dizer

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que praticamente atingimos a universalização. Em todo o país, 97%das crianças dessas idades, independente do sexo, cor ou nívelsocioeconômico e cultural familiar estão nas escolas. De maneirageral, podemos concluir que os níveis de escolarização cresceram nonível fundamental de ensino; as políticas de expansão aumentarama freqüência escolar através da inclusão de estudantes das camadasmenos favorecidas da população, e estudos recentes indicam que osefeitos das características socioeconômicas sobre o acesso escolarforam reduzidos (LEON e MENEZES-FILHO, 2002).

O substancial crescimento absoluto das matrículas do EnsinoFundamental, verificado na década de 1990, repercutiu favoravelmentenoaumento daTaxadeEscolarização.Noentanto, o exame longitudinaldos resultados do SAEB (de 1995 a 2005) aponta para relativaestabilidade dos resultados escolares em Matemática de alunos de8ª série do Ensino Fundamental (atual 9º ano). De modo geral, osresultados do SAEB têm alertado para o baixo desenvolvimento dehabilidades matemáticas dos alunos brasileiros. Ao final do último anodo ensino fundamental cerca de metade dos estudantes brasileirossituam-se no estágio crítico na escala de habilidades em matemáticado SAEB, em todos os ciclos de avaliação. O que significa que

esses alunos não interpretam e nem resolvem problemasde forma competente e, portanto, não fazem o usocorreto da linguagem matemática. Ou seja, a maioriaapresenta apenas algumas habilidades elementares deinterpretação de problemas, mas não consegue transporo que está sendo pedido no enunciado para umalinguagem matemática específica. (BRASIL, 2005, p. 11).

Diante de constatações como estas, podemos nos perguntar:o que se pode fazer para modificar esse quadro? Embora reconheçaa importância desta pergunta, reconheço não se tratar de umapergunta fácil de ser respondida. No entanto, acredito que as equipespedagógicas das escolas (professores dematemática e coordenações)

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podem encontrar caminhos possíveis para lidar com a questão.Experiências neste sentido já podem ser encontradas na literaturaeducacional e podem servir como ponto de partida para a discussãodas equipes nas escolas (BRASIL, 2005 e APPLE e BEANE, 1997).

AAVALIAÇÃO E O DESAFIO DE ENSINAR MATEMÁTICAATODOS

Os dados disponibilizados pelo SAEB têm favorecido uma sériede investigações que buscam compreender os fatores associados àqualidade das escolas brasileiras (FRANCO, SZTAJN e ORTIGÃO,2007; FRANCO et al, 2007; ORTIGÃO, FRANCO e CARVALHO,2007; SOARES, 2005; entre outros). Nesses estudos, parte-se doprincípio de que as variáveis relacionadas com a composição socialdos alunos devem ser tomadas como controle e a investigação devebuscar compreender que características escolares estão associadasà eficácia escolar. Assim, esses estudos trazem uma diferençasignificativa em relação àqueles realizados na década de 1970, poiscarregam a idéia de que a escola faz diferença.

Sabemos que as escolas, mesmo as de uma mesma rede,produzem impacto diferenciado na vida escolar e no futuro dos seusalunos. Franco, Sztajn e Ortigão (2007), com base nos dados doSAEB 2001, mostraram, por meio de análise multinível, que, quandoos professores enfatizam resolução de problemas em suas aulasde Matemática, os estudantes tendem a apresentar desempenhosmelhores nesta disciplina, o que resulta uma apropriação melhor doconhecimento de Matemática pelos alunos. No entanto, segundo osautores,esseconhecimentonãoéapropriadopor todosdamesmaforma– os alunos que apresentam perfil socioeconômico acima da médiada escola beneficiam-se mais, porque obtêm melhores resultados,comparativamente aos seus colegas com nível socioeconômico maisbaixo.

Ross, Hogoboam-Gray e McDougall (2002) realizaram umaampla pesquisa em diversos periódicos da língua inglesa, com

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o objetivo de revisar os estudos empíricos que evidenciavam osefeitos da reforma do ensino de Matemática sobre o desempenhodos alunos. Todos os artigos revisados mencionavam característicasconsideradas fundamentais em um ensino que se pretende renovador.As mais importantes e que aparecem citadas nos documentos oficiaisamericanos são: (a) ampliação do campo de conteúdos matemáticosa serem ensinados (necessidade de se dar mais atenção aos aspectoscomumente menos ensinados como, por exemplo, probabilidade,em vez de focar exclusivamente números e operações); (b) todosos alunos precisam estar engajados em tarefas complexas deresolução de problemas e encorajados a investigar e a transmitiridéias matemáticas em suas classes; (c) os conhecimentos préviosdos alunos devem ser valorizados, respeitados e ampliados; (d) osalunos precisam ser expostos a problemas envolvendo mais de umasolução e cuja solução não seja imediata; (e) as classes devem serorganizadas de forma a encorajar a interação entre os estudantes;(f) o professor tem um papel relevante no sentido de ajudar o aluno adesenvolver sua autoconfiança (op. cit., p.125).

Para os autores, essa lista não constitui um conjunto decomportamentos a serem seguidos, mas é a totalidade dessasdimensões que se sobrepõem que parece indicar algumas dasdireções escolhidas pela Educação Matemática para lidar com oensino renovador (p.126).

Demodogeral, temsediscutidoquemodificaroensinonãoéumatarefa simples. Em geral professores modificam algumas atividades,mas mantêm práticas tradicionais de exposição e abordagem dosconteúdos. Algumas vezes, adotam práticas que conduzem os alunosà resolução de problemas, mas não possibilitam que eles discutame confrontem suas soluções. Em alguns casos, os professores sesentem menos eficazes em trabalhar com a agenda da reforma, poisacham que seus alunos aprendem mais com o ensino tradicional. Emoutros, acham que seus alunos, por pertencerem a famílias menosabastadas, não necessitam de alguns conhecimentos, que para elessão ‘sofisticados’ para seus alunos (CARVALHO e SZTAJN, 2007).

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A breve discussão apresentada acima nos leva a crer quepara se alcançar mudanças educacionais faz-se necessária umaprofunda compreensão da complexidade envolvida nos processosde ensino-aprendizagem. Estudos recentes têm evidenciadoalgumas características que contribuem com esses processos. Demodo geral, esses estudos mostram que o resultado obtido por umaluno na escola não é neutro, nem isolado, mas, é influenciado pordiversas características, tais como: características pessoais do aluno(sexo, idade, cor da pele), atitudes com relação ao estudo, trajetóriaescolar, condições socioculturais e econômicas de suas famílias econdições das escolas onde estudam (gestão da escola, recursospedagógicos, infra-estrutura, formação docente, currículo). Alémdestas, os resultados também recebem influência de característicasda sociedade, como por exemplo, legislação, políticas educacionais,valores e demandas sociais. Em anexo, apresento um quadro sintético(Figura 1) de características que, direta ou indiretamente, influenciamo desempenho dos alunos e têm sido evidenciadas em diversaspesquisas que fazem uso dos resultados das avaliações de grandeporte.

No meu entendimento, tais evidências apresentam novosdirecionamentos às respostas à pergunta: de quem é a culpa pelosresultados dos estudantes? Esta pergunta tem estado presente nosdiscursos e imaginários educacionais, desde os anos 1960 e, muitasvezes, suas respostas buscam culpar os docentes pelos fracassosescolares (SZTAJN, ORTIGÃO e CARVALHO, 1997). No entanto, adiscussão atual, travada a partir dos resultados dessas pesquisasevidencia, cada vez mais, que resultados escolares é responsabilidadede todos (BROOKE, 2006). Esta constatação, certamente, abreespaço para ampliar o debate educacional na busca de uma educaçãode qualidade para todos. Afinal, gestores, professores, estudantes esuas famílias precisam assumir a co-responsabilização no sentido degarantir que todas as crianças e jovens aprendam Matemática. Nasequência do texto, busco problematizar este debate com professoresde matemática que lecionam em escolas públicas, que participam da

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Prova Brasil. Antes, porem, faço uma breve descrição desta avaliaçãonacional.

A PROVA BRASIL

A Prova Brasil e o SAEB são dois exames complementaresque compõem o Sistema de Avaliação da Educação Básica. O SAEBvem ocorrendo de forma sistemática a cada dois anos e desde 1995avalia uma amostra nacional de alunos das séries finais do ensinofundamental e do ensino médio em escolas públicas e privadas. AProva Brasil foi criada em 2005, a partir da necessidade de se tornara avaliação mais detalhada, em complemento àquela que já vinhasendo realizada.

A Prova Brasil é uma avaliação de base censitária quefocaliza escolas públicas urbanas, com mais de 20 alunos e avaliatodos os estudantes de 5º e 9º ano do ensino fundamental. Por estarazão, expande o alcance dos resultados, porque oferece dados nãoapenas para o Brasil e unidades da Federação, mas também paracada município e escola participante. Uma vez que a metodologiadas duas avaliações é a mesma desde 2007, elas passaram a seroperacionalizadas em conjunto. Segundo o INEP, como são avaliaçõescomplementares, uma não implicará na extinção da outra.

Tanto o SAEB como a Prova Brasil fazem uso de dois tiposde instrumentos de coleta de dados: os instrumentos cognitivos e osinstrumentos contextuais. Os primeiros são as provas de Matemática(foco em resolução de problemas) e Língua Portuguesa (foco emleitura), aplicadas aos alunos. Já os instrumentos contextuais são osquestionários, aplicados aos estudantes, aos seus professores e aosdiretores de suas escolas. Ambos os instrumentos são construídoslevando-se em consideração pressupostos da Teoria da Resposta aoItem – TRI. Os itens que compõem as provas são elaborados a partirdas Matrizes de Referência.

Resultados dessas avaliações mostram que conseguimosmelhorar o fluxo escolar, mas ainda temos muito que avançar para

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garantir uma aprendizagem significativa para todos os alunos.Na seção que segue, apresento, a título de exemplo, os

resultados da Prova Brasil 2007 de uma escola pública municipalsituada na cidade do Rio de Janeiro, cidade onde a autora do textoreside. O acesso aos resultados é público e a escolha da escola foifeita de forma aleatória no site do INEP com o propósito de situar adiscussão a partir de uma realidade. Por questões éticas, preferi nãodivulgar aqui o nome da escola.

OLHANDO A PROVA BRASIL E PENSANDO A MINHA SALA DEAULA

Ao acessar os resultados da Prova Brasil de sua escola,o professor se depara com várias informações, sintetizadas emum documento com duas páginas. O primeiro desafio é o de ler ecompreender as informações ali contidas: número de alunos queparticiparam da avaliação, indicadores educacionais, as médiasobtidas nas provas e a distribuição percentual dos estudantes aolongo da escala utilizada. Várias dúvidas e questionamentos podemsurgir desta leitura. Na sequência, procuro tratar de algumas delas.

Oprimeiro aspecto a ser considerado refere-se ao absenteísmodiscente: todos os alunos da escola participaram da avaliação? Casoalgum tenha faltado, quais motivos contribuíram para esta ausência? Éimportante a participação do aluno na avaliação? E na aula? Perguntasdessa natureza podem servir para que a equipe pedagógica da escolafaça uma ampla reflexão sobre questões relacionadas ao absenteísmo.Esta característica influencia os resultados dos estudantes e estárelacionada ao clima disciplinar da escola. Pesquisas recentes têmalertado para o grande problema que a descontinuidade às aulas trazà aprendizagem. O estudo de Lee, Franco eAlbernaz (2004), baseadoem dados do PISA 2000, indicou o efeito regressivo do absenteísmodiscente tanto sobre a eficácia escolar quanto sobre a equidadeintraescolar. Em escolas onde o absenteísmo discente é problema,não só há evidencias de baixo desempenho médio dos alunos, mas

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também do aumento do efeito do nível socioeconômico dos alunos emseus resultados escolares.

O segundo aspecto refere-se aos indicadores educacionais:o que são indicadores educacionais? O que é o IDEB? Como ele écalculado? O governo agora quer transformar tudo em números? E amédia? O que sabe um aluno cuja média em matemática é 262? E areprovação? O aluno que não foi bem na prova pode ser aprovado?

Minha atuação na formação docente tem me possibilitadoparticipar de encontros e ministrar cursos, nos quais a temáticaavaliação em larga escala está no centro da discussão. Perguntascomo as citadas acima são frequentemente formuladas nessesespaços. Procuro encaminhar a discussão chamando a atenção dosparticipantes para o fato de que avaliações, como as conduzidaspelo INEP, têm a função primordial de oferecer à sociedade, de modogeral, um diagnóstico da situação educacional brasileira. Não devem,portanto, servir à rankeamentos, que na maioria das vezes geramsentimentos perversos.

Estão disponíveis, hoje em dia, vários indicadores educacionaisque, como o próprio nome diz, indicam uma determinada situação.O indicador fluxo escolar, obtido a partir do Censo Escolar, tem afunção de apresentar uma análise do comportamento da progressãodos alunos pertencentes a uma coorte, em determinado nível deensino seriado, em relação à sua condição de promovido, repetenteou evadido. Estudos recentes evidenciam que embora o fluxo escolardos alunos brasileiros tenha melhorado significativamente nas últimastrês décadas, ainda é alto o índice de reprovação dos estudantesbrasileiros, quando comparado com o de outros países (CARNOY,2009; CASASSUS, 2007; OCDE, 2006). Pesquisadores do assuntotêm ressaltado que noBrasil, aprovação e reprovação são, tipicamente,políticas de unidades escolares, decididas de modo relativamenteautônomo pelas escolas. Vem daí o alerta para que este tema estejapresente nas reflexões e discussões das reuniões pedagógicas naescola.

Deixo claro que não estou defendendo, aqui, a não reprovação.

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Apenas quero chamar a atenção da comunidade escolar, em especialequipe pedagógica, para os efeitos perversos que a reprovação podegerar.

Com relação aos resultados dos alunos, é importante que oprofessor saiba que a compreensão destes passa pela compreensãoda escala de desempenho de Matemática. Esta escala é a mesmautilizada pelo SAEB e por outros sistemas de avaliação estaduais e/ou municipais e, como mencionado anteriormente, é construída combase na Teoria da Resposta ao Item (TRI).

Desde 1995 o SAEB utiliza a Teoria da Respostaao Item (TRI) para obter as escalas de proficiências(também chamadas de escala de desempenho) dosalunos avaliados. As escalas de proficiências ordenamo desempenho dos alunos do menor para o maior emum continuum e elas são cumulativas. Ou seja, o queos alunos sabem, compreendem e são capazes de fazerquando seu desempenho situa-se em um nível da escala,são capazes também de demonstrar as habilidadesdescritas no(s) nível(eis) anterior(es) dessa escala.(FONTANIVE, ELIOT e KLEIN, 2007).

É importante ter clareza de que toda escala é o resultado deuma construção humana. E mais, de forma análoga ao que ocorrecom a escala de temperatura corporal medida pelo termômetro,as usadas nas avaliações educacionais também atribuem valoresnuméricos ao desempenho dos alunos, posicionando-os de acordocom suas habilidades nos testes. Na análise de uma escala, temos queconsiderar dois aspectos importantes: cumulatividade e ordenamento.

A cumulatividade e o sentido da ordenação de escalade proficiência são conceitos que também podem serilustrados com os níveis da temperatura, pois se umapessoa tem uma temperatura corporal medida em 38graus, significa que sua temperatura saiu dos níveisde aproximadamente 36.5 graus e chegou ao valor

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medido. A escala de proficiências do SAEB (ou de outrasavaliações de desempenho de alunos que utilizam aTRI) também apresenta valores numéricos para ordenaro desempenho dos alunos e quanto maior o ponto daescala, melhor o desempenho. (FONTANIVE, ELIOT eKLEIN, 2007).

Especificamente, a escola aqui tomada como exemplo, obtevemédia em Matemática de 262, 82, um pouco acima da média geral domunicípio do Rio de Janeiro que foi de 244,09. Esta escola situa-se,portanto, acima da média geral do conjunto de escolas dessa rede.Mas o que esse número significa? O que sabem esses alunos? Oumelhor, que habilidades eles já desenvolveram?

Primeiramente, é importante saber que a escala daProvaBrasil,assim como a do SAEB, bem como de outras avaliações educacionais,varia no intervalo de 0 a 500 pontos e não, no intervalo que estamosacostumados a lidar, qual seja de 0 a 10 ou de 0 a 100. O segundoponto a ser destacado é que, no meu modo de entender a questão, oaspecto mais importante da compreensão da escala de desempenhoé o entendimento acerca dos significados dos números da escala.Afirmo, aqui, que a Prova Brasil falha em não fornecer esta informaçãode forma explícita no documento disponível às escolas, exigindo dodocente a busca dessa informação em outros relatórios disponíveisno site do INEP. Na tabela 2, em anexo, apresento uma síntese dainterpretação da escala de Matemática para os alunos do 9º ano doensino fundamental. Apresento ainda a distribuição percentual dosestudantes da escola tomada como exemplo ao longo dos estágios daescala. Estes estágios representam um esforço de agrupamento dos10 níveis da escala de Matemática em 5 estágios de desenvolvimentocognitivo, a saber: muito crítico, crítico, intermediário, adequado eavançado.

Analisando os resultados de sua escola, o professor se deparacom o seguinte quadro: cerca de 90% dos estudantes chegam ao finaldo ensino fundamental sem desenvolver habilidades matemáticas

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consideradas adequadas para a série. O professor pode então seperguntar: o que se pode fazer para mudar esse quadro? Comoconseguir que os estudantes permaneçam na escola, avancem nasséries e aprendam Matemática? Essas são questões importantes epolêmicas e as resposta não são simples, principalmente considerandoque a aprendizagem é responsabilidade de todos os envolvidos, comocomentamos acima. Não quero com isso minimizar a atuação docente.Ao contrário, reconheço a centralidade do professor no processo deensino e aprendizagem, mas creio também que a responsabilizaçãodeve ser de todos os envolvidos. Por isso, cada vez mais, concordocom Candau (1997), quando ela afirma a noção da escola como locusde formação.

Uma experiência interessante de envolvimento dos professoresna busca para alcançar a melhoria da aprendizagem dos alunos vemocorrendo em escolas públicas da cidade de Sobral, no Ceará. Emcada escola, os professores são orientados a analisar os resultadosdas avaliações e, em equipe, estabelecem um plano de metas e ações(BRASIL, 2005).

O terceiro indicador com o qual o professor irá se deparar nodocumento é o IDEB - Indicador de Desenvolvimento da EducaçãoBásica. Esse indicador é resultado da combinação do fluxo escolar edos resultados na Prova Brasil. Assim, o IDEB carrega a ideia de quequalidade da educação pressupõe que o aluno aprenda e passe deano. O desempenho é medido por meio da Prova Brasil e a aprovação,por meio do Censo Escolar.

A análise comparativa dos IDEBs 2005 e 2007 mostram quena maioria das escolas houve melhora nesse indicador. No entanto,em estudo recente, Alves (2010) observou que o aumento observadodeve-se mais à melhoria do fluxo escolar do que propriamente àsmédias. O IDEB 2007 da escola tomada como referência é de 3,8enquanto o do município do Rio de Janeiro é de 4,2. Esses indicadoresinformam que ainda há muito que fazer no sentido de garantir que asmetas propostas no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)sejam alcançadas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quero concluir comentando do que continuamente (re)aprendocom os resultados das avaliações e de como tenho usado essas liçõesem minhas aulas ou nos cursos de formação continuada que tenhoministrado. Essas aprendizagens contribuíram para modificar minhaatuação com a formação de professores de matemática. De formasucinta, tenho clareza de que não basta trabalhar apenas conteúdospedagógicos ou matemáticos com os professores. Tenho certeza deque é preciso também discutir com eles as relações entre a educação eas desigualdades sociais. Os professores precisam refletir sobre essarede de fatores que, direta ou indiretamente, influenciam os resultadosdos estudantes.Acredito quemodificações no ensino são difíceis e nãoocorrem num curto espaço de tempo.Mas, tendo umolhar positivo paraos docentes e o ensino de matemática, acredito que uma educaçãopública de qualidade em que todos estejam aprendendo e passandode ano seja possível. Atualmente, em minhas aulas na graduação,tenho discutido com os alunos as lições que podemos extrair dosresultados dessas avaliações. Recentemente, duas de minhas alunasdo curso de Pedagogia realizaram suas monografias de conclusão decurso discutindo o currículo na escola a partir da leitura dos resultadosde avaliações de larga escala. Espero estar contribuindo para ampliarseus olhares sobre a escola e sobre a aprendizagem, fazendo-asacreditar que todos os estudantes podem aprender e, mais do queisso, eles têm direito a aprender.

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AVALIAÇÃO SISTÊMICA EM MATEMÁTICA:ALTERANDO FOCOS, CONCEPÇÕES EINTENÇÕES PARA SE DIMENSIONARTENSÕESAntonio MiguelAnna Regina Lanner de MouraDepartamento de Ensino e Práticas Culturais (DEPRAC)da Faculdade de Educação da UNICAMP

Tendo presente a temática geral do XV ENDIPE, qual seja, adiscussão relativa às convergências e tensões no campo da formaçãoe do trabalho docente, das políticas e das práticas educacionais, econsiderando ainda a temática mais específica deste simpósio,cujo foco é o ensino de Matemática e as avaliações sistêmicas, opropósito deste texto é contribuir para o referido debate através daapresentação das opções político-epistemológicas que orientaram asdecisões metodológicas e operacionais relativas a uma experiênciapor mim vivenciada no processo de avaliação em matemática doque foi denominado “Prova Campinas” pela Secretaria Municipalde Educação de Campinas (SP), bem como, com base em algunsresultados apresentados pelos estudantes nessa prova, dimensionarproblemas e tensões que atualmente se colocam à discussão relativaà avaliação em educação matemática escolar. A discussão simultâneaem torno de um processo de avaliação institucional da Rede EscolarMunicipal da cidade de Campinas (SP) e de um processo de avaliaçãode desempenho em Língua Portuguesa e Matemática, que culminoucom a aplicação, em maio de 2008, da chamada “Prova Campinas”37 a37 Do banco de questões constituído ao longo do processo, foram posteriormente selecionadasas 24 questões que, após sucessivas re-elaborações, constituíram a versão definitiva das provasde Língua Portuguesa e Matemática. Essas 24 questões foram distribuídas em dois cadernos,cada um contendo 12 questões, sendo 6 de Língua Portuguesa e 6 de Matemática. A aplicaçãodo Caderno 1 foi feita no dia 27 de outubro e a do Caderno 2 no dia 28 de outubro de 2008,simultaneamente, em todas as 118 turmas (aproximadamente 3688 alunos) de 4as. séries doEnsino Fundamental da Rede Municipal de Campinas, por professores e /ou equipes gestorasdas próprias unidades. Para a aplicação das provas, os diretores da rede municipal receberaminstruções das equipes e ficaram responsáveis por orientar os professores acerca do processo(MOURA et alli, p. 1-2 e p. 6).

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cerca de 3688 alunos de quartas séries do Ensino Fundamental, teveinício no ano de 2005. Particularidades em relação a esse processode avaliação de desempenho podem ser encontradas no documentode cerca de 158 páginas denominado “Relatório final da avaliação dedesempenho em Língua Portuguesa e Matemática - 2º ano do ciclo IIda rede escolar municipal de Campinas – SP - 2008”.

Uma primeira opção política que orientou esse processo tem aver com o cuidado que tomamos em relação aomodo como ele deveriaocorrer como um todo: desde o seu planejamento até a produção dotexto do relatório final, passando pela produção e aplicação das provaspropriamente ditas. A opção que fizemos foi a de garantir que talprocesso ocorresse com base em uma ação colaborativa efetiva entrea equipe coordenadora do mesmo e as demais instâncias, instituiçõese comunidades de profissionais nele envolvidas. Nesse sentido, apartir de certo momento desse processo, estabeleceu-se uma parceriaentre profissionais da secretaria e professores das áreas de EducaçãoMatemática e de Língua Portuguesa da Faculdade de Educação daUnicamp. Uma equipe formada por três professores de matemática eduas professoras de Língua Portuguesa da rede municipal, bem comopela Coordenadora de Avaliação Institucional da Secretaria Municipalcoordenou o processo praticamente desde o seu início até o seufinal. Além disso, as próprias professoras das quartas séries da rede,cujas classes passaram pela avaliação, formaram a equipe corretoradas provas, fato este que não só evidenciou a nossa preocupaçãoem envolver e comprometer a própria comunidade de professores noprocesso de avaliação, como tambémade se tentar colocar a avaliaçãoinstitucional simultaneamente a serviço da gestão democrática daescola e da formação da própria comunidade escolar. Nesse sentido,a avaliação, além de ter produzido um quadro analítico qualitativo dasformas de mobilização de cultura matemática e em Língua Portuguesana Rede Escolar do Município de Campinas, acabou tambémcumprindo um papel formativo dos vários segmentos que promovem,no dia a dia, a dinamização da cultura escolar, dentre eles, é claro, odos professores. Não se tratou, portanto, de um trabalho feito pela

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universidade e executado por profissionais da secretaria municipal deeducação, mas, em sua integralidade, pensado, planejado, produzido,realizado, interpretado e textualizado conjuntamente.

Uma segunda opção que fizemos tem a ver com aquilo queconsideramos ser a questão política de fundo de todo processode avaliação de desempenho escolar. Essa questão diz respeitoao papel social, político e econômico da escola básica no mundocontemporâneo, sobretudo no que diz respeito às finalidadesque permeiam e orientam as relações que se estabelecem entreprofessores, estudantes e as práticas culturais escolares. Em relaçãoa essa questão, poderíamos acusar aqui pelo menos dois tipos maissalientes de posicionamento político. O primeiro tendendo a defenderque o insucesso ou fracasso escolar deveria ser visto, interpretado eenfrentado dentro de um quadro de promoção e reforço de um projetoético-político assentado na meritocracia, que se pauta no lema do “acada um segundo os seus méritos e talentos pessoais”. Nesse caso,o desempenho escolar é quase sempre visto como um problema demaiores ou menores carências biológicas, cognitivas e/ou afetivasdos alunos e/ou como um problema de maior ou menor competênciaprofissional dos professores. Nesse sentido, quase sempre, esseposicionamento ético-político promove e reforça uma concepção deaprendizagem escolar como capacidade individual de estocagem deconhecimentos, informações, conceitos, etc. que são valorizados pelaescola. Por extensão, a tal tipo de posicionamento vincula-se umaconcepção de ensino escolar centrada namera difusão ou transmissãode conhecimentos, informações, conceitos, etc. valorizados pelaescola ou, em outras palavras, na transmissão dos tais “conteúdoscurriculares” sob a forma de “conteúdos disciplinares”. E daí, oposicionamento político meritocrático em relação às dificuldades deaprendizagem e ao fracasso escolar, quase sempre tende a explicá-los com base no “enfoque do deficit”: deficits individuais dos queestão tentando aprender ou, mais recentemente, deficits individuaisdos que tentam ensinar. Jamais colocam em questão, portanto, opróprio critério meritocrático da organização da sociedade, da divisão

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social do trabalho e da divisão da riqueza socialmente produzidae, por extensão, da organização curricular da escola e das práticassocioculturais escolares que reproduzem e reforçam esse critério.Esse ponto de vista é magnificamente ilustrado pelo relato de pesquisarealizada por McDermott, cujo título aparentemente estranho poderiaser assim traduzido: “Aposse de uma criança por uma incapacidade deaprendizagem”, no qual este autor narra a história deAdam - uma infelizcriança norte-americana tomada pela síndrome da incapacidade deaprendizagem - com o propósito de problematizar diversas explicaçõesrelativas aos fracassos de aprendizagem. O estranho título do relatose esclarece pelas palavras do próprio McDermott (2001, p. 320-321),a título de conclusão geral da investigação:

A cultura norte-americana faz da ausência deaprendizagem algo tão real como a presença. Antesmesmo que os professores entrem nas escolas a cadamês de setembro, o fracasso já se encontra instaladoem todas as aulas dos Estados Unidos. Nunca secoloca a questão de se todos terão êxito ou de se todosfracassarão; só se pensa em quem fracassará. Comonão é possível que cada um dos alunos se desempenhemelhor do que todos os seus companheiros, o fracasso éuma ausência tão real como a presença, e todos os anostoma posse de sua porção de crianças. O fracasso e oêxito se definem um ao outro em instâncias separadas,e as crianças se dividem igualmente, como em umacurva normal, em exitosos e fracassados. Dentre os quefracassam se encontram os que o fazem de um modotal que o sistema sabe como identificá-los com testes, eessas crianças recebem nomes especiais. É esse omodocomo a incapacidade de aprendizagem toma posse desua porção de crianças.

Por sua vez, um segundo tipo de posicionamento político –

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no qual nos inspiramos ao longo do processo de avaliação da ProvaCampinas - tende a defender que o desempenho escolar e o papelda escola deveriam ser vistos, interpretados e enfrentados dentrode um quadro de defesa de um projeto ético-político assentado nademocracia política, econômica e social, que se pauta no princípio dauniversalização do direito efetivo e igualitário de acesso ao trabalho,bem como a bens materiais e culturais socialmente produzidos,independentemente de nossos talentos ou méritos individuais eindependentemente de nosso maior ou menor sucesso escolar. Nessecaso, o desempenho escolar do aluno não é visto como dissociadoda natureza das práticas socioculturais intra-escolares produtoras dosucesso ou do fracasso, e nem é visto como dissociado das condiçõescontextuais de natureza política, econômica, cultural e social queinstituem, geram e dinamizam a vida da escola e interferem nasrelações que tanto professores quanto alunos estabelecem com aspráticas culturais. Para esse segundo tipo de posicionamento ético-político, que não vê a mobilização cultural escolar nem como tendo umfim em si mesma, nem como um meio de preparação para o trabalhoe nem como um meio de preparação antecipada de candidatos para adisputa futura de vagas para o ensino superior, os processos de ensino-aprendizagem são vistos como a capacidade coletiva e interativa deuma comunidade escolar de desconstruir de forma aberta e ilimitada,práticas socioculturais não escolares tomadas como unidadesbásicas de problematização indisciplinar ou transgressiva38.Sob essaperspectiva, “aprender” nada mais tem a ver com armazenamento ememorização de conhecimentos de qualquer natureza, e sim com amobilização de objetos culturais com o propósito de, sempre, comoressaltou Wittgenstein, “aprender a vê-los ou significá-los de outras38 Sob essa concepção antropológica de educação, o vínculo cultural que une e identifica osmembros de uma comunidade educativa escolar é, sob o nosso ponto de vista, o compromissocom a promoção da prática sociocultural de problematizar práticas socioculturais. E daí, a natu-reza desse compromisso acaba impondo a essa atividade, não propriamente um caráter cientí-fico, mas uma natureza ético-política desconstrutiva. Isso significa dizer que, com base em umaética política não etnocêntrica - mas combativa de todas as formas de sujeição, discriminação eexploração do homem pelo homem -, a educação escolar deveria ter como propósito preparar osindivíduos para a problematização transgressiva das práticas ou jogos discursivos constitutivosde todas as formas de vida pública, isto é, de todas as formas dos indivíduos se organizarempublicamente em comunidades constituídas por quaisquer tipos de vínculos de identificação.

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maneiras”, isto é, aprender a vê-los com olhos não-etnocêntricos, não-essencialistas. É claro que este segundo tipo de posicionamento ético-político nada tem a ver com formas neoliberais de capitalismo queinsistem em ver nos processos de escolarização e, mais amplamente,de educação, um meio de se desenvolver talentos individuais,indivíduos criativos, indivíduos autônomos, trabalhadores obedientes,consumidores inveterados e um número bem maior de indivíduosdescartáveis, “invertebrados”.

Dessemodo, a segunda opção política que fizemos no processode avaliação da Prova Campinas foi a que deu visibilidade ao nossoposicionamento em relação aos propósitos com que o orientamos.Enquanto que a maior parte das avaliações de desempenho correntesem nosso país tem visado à produção de dados quantitativos para o“ranqueamento” de estudantes e escolas - e/ou regiões e unidades dafederação - a fimde que o insucesso escolar sejamapeado,monitoradoe combatido - mas ainda dentro de um quadro de preservação e reforçoda organização meritocrática da sociedade -, na avaliação promovidapela ProvaCampinas, optamos explicitamente pelo não-ranqueamentoe pela não-hierarquização de alunos de uma mesma classe, ou declasses de uma mesma escola, ou ainda, de escolas de uma mesmaregião ou de regiões diferentes. Nesse sentido, trabalhamos com opropósito de produzir uma análise qualitativa situada da educaçãoescolar em Língua Portuguesa e Matemática que pudesse orientar aprodução de políticas educativas públicas pautadas em um padrãoeducativo de qualidade que fosse explícito, atualizado, inclusivo,negociado, não evolutivo, não concorrencial, não meritocrático e,portanto, conectado a um projeto ético-político de cunho efetivamentedemocrático, no sentido em que ressaltamos anteriormente.

Uma terceira opção política que diferenciou a nossa avaliaçãodas demais avaliações correntes no país foi o deslocamento quevoluntariamente operamos sobre o objeto de avaliação propriamentedito. Se as avaliações de cunho liberal correntes procuram avaliaro desempenho individual dos alunos em relação a competências,habilidades ou conteúdos escolares pré-estabelecidos, na da Prova

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Campinas, o desempenho individual das crianças, isto é, os modosidiossincráticos como os alunos mobilizam as práticas culturaisescolares de acordo com os seus recursos, propósitos e compreensão,não constituiu um fim em si mesmo, mas apenas um meio para seavaliar as características e os propósitos das próprias práticassocioculturais escolares. Esse deslocamento de foco dos conteúdospara as práticas não constitui uma mera formalidade ou artifícioretórico. E para que esse deslocamento possa ser compreendidodo modo como gostaríamos que ele fosse, passamos, em seguida,a esclarecer do que estamos falando quando falamos em “práticassocioculturais escolares”.

Uma primeira observação a esse respeito é que a palavraprática não está aqui sendo utilizada como o oposto de teoria e,nesse sentido, prática não significa uma ação irreflexiva, e nem teoriasignifica um pensamento sem ação. Prática também não está sendoaqui utilizada para se referir a “lugares” onde fazemos algo, onde“colocamos as mãos na massa”, como se costuma dizer, isto é, comoos “lugares” solidamente reais onde testamos nossas imponderáveisteorias ou conjecturas. Quando falamos em práticas socioculturaisestamos falando em ações, ou melhor, em conjuntos articulados, pré-interpretados e re-interpretáveis de ações. Não em qualquer ação ouconjunto de ações, mas em ações que, mesmo quando realizadaspor uma única pessoa, a fim de que possam ser significadas einterpretadas, devem ser conectadas a diferentes formas de atividadehumana constituídas no tempo e no espaço. Podemos, desse modo,falar em práticas de leitura, em práticas de escrita, em práticas dese calcular por escrito, em práticas de coleta de lixo, etc. E daí, aspráticas assim concebidas como conjuntos de ações não é sinônimode atividade, mas, ao contrário, podem ser realizadas em diferentesatividades humanas entendidas não como lugares, mas como formassituadas, abertas, regradas e fluentes de organização social visandoa propósitos definidos e compartilhados. Por exemplo, “bater palmas”é uma prática sociocultural que pode adquirir diferentes significações,dependendo do contexto de atividade humana em que é realizada.

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Por exemplo, podemos bater palmas em uma festa de aniversário,ou então, na frente de uma residência sem campainha para chamaro seu morador, ou ainda, dentro de uma sala de aula, para pedir aatenção dos alunos, ou num show musical a título de aclamação, bemcomo em diversas outras situações. E em cada uma delas, a práticade “bater palmas” adquire uma significação diferente.

Falando em um sentido mais detalhado, uma práticasociocultural é um conjunto coordenado e intencional de ações físicasque mobiliza simultaneamente objetos culturais, memória, afetos,valores e relações de poder produzindo nos sujeitos que a fazemcircular com propósitos diversos o sentimento, ainda que difuso ounão-consciente, de pertencimento a uma comunidade de práticadeterminada. A fim de melhor caracterizar esta noção indisciplinar deprática sociocultural, bem como para diferenciá-la, ainda que não poroposição, da noção de “conteúdo escolar”, vamos tomar aqui, a títulode exemplo, um breve filme mudo de 2 minutos e 29 segundos, quepode ser acessado pelo You Tube, com o comando de busca “comose multiplica na China”, no qual uma pessoa realiza, com lápis e papel,mas de um modo para nós atípico, as multiplicações de 21 por 13 ede 123 por 321.

Em nossa terminologia, essa pessoa do vídeo está praticandoum tipo de cálculo por escrito dentre um conjunto de práticassocioculturais de se realizar cálculos por escrito. O objeto cultural “maisvisível” que está sendo mobilizado pela prática sociocultural eleita éum algoritmo de multiplicação. Ao acompanhar o desenrolar do vídeo,é natural que queiramos compreender como essa multiplicação estásendo realizada, bem como as razões pelas quais ela nos conduz aum resultado correto. Nessa tentativa de compreensão, acabamosnos envolvendo em uma atividade interpretativa, de caráter simbólico-discursivo, que nos coloca em interação muda e remota com discursosescolares ou não, os quais, por sua vez, estão conectados a outrosdiscursos, cuja filiação e procedência poderíamos nem mesmo sabermuito bem identificar. Esse nosso esforço interpretativo nos impele aatribuir um significado para as ações físicas que as mãos da pessoa

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do vídeo estão realizando. Somos guiados por uma quase certezade que as mãos dessa pessoa não realizam ações físicas caóticas.Confiamos que são ações coordenadas e intencionais, isto é, que nãosãomeramente ações físicas que podem ser percebidas e observadas,mas sim, formas simbólicas que, por serem pré-interpretadas, clamampor uma re-interpretação ou re-significação. E nós, observadoresexternos, só conseguimos inferir que estas ações não são caóticas ouarbitrárias justamente porque reconhecemos nelas objetos culturaisque têm história; e que só ainda participam de nossa memória porqueo objeto cultural que essa prática mobiliza continua a ser amplamentevalorizado, isto é, valorizado por muitas comunidades de prática domundocontemporâneoquetentampreservaressamemória,praticando-a39. Dessemodo, as práticas socioculturais só podem ser reconhecidase diversamente interpretadas porque elas constituem as memórias deobjetos culturais não fixos, por elas postos em circulação em cada atoidiossincrático de mobilização cultural. E no vídeo a que estamos nosreferindo, embora o objeto cultural mais visível e saliente que estásendo mobilizado seja um algoritmo de multiplicação, há também outroobjeto cultural que está sendo mobilizado de um modo implícito, qualseja, o sistema numérico decimal hindu-arábico, invenção hindu doséculo VI depois de Cristo. Se não conhecêssemos minimamente asregras subjacentes a esse sistema, jamais poderíamos compreendero modo como essa multiplicação está sendo realizada, e nem por querazão ela conduz ao resultado correto. Uma criança, ou mesmo umadulto, que não tivesse passado por um processo - escolar ou não -39 É importante destacar aqui a maneira como estamos mobilizando, emnosso jogo de linguagem, as expressões “prática sociocultural” e “memória”de um modo intimamente interconectado. Isso porque, em nosso jogo delinguagem, memória não é concebida nem como uma capacidade mentalindividual e nem como um repositório limitado e neutro, de qualquer natureza,que comportaria objetos universalmente valorizados, imobilizados pela mate-rialidade arquitetônica dos museus ou pela biologia sensível e limitada doscérebros humanos, mas como algo em fluxo, ainda que não contínuo, isto é,como algo que se pratica socialmente de múltiplas formas. Pareceu-nos, por-tanto, legítimo falar em práticas sociais de reminiscência e de amnésia comopráticas sócio-discursivas fluentes, mas cujos fluxos podem ser interrompidose posteriormente retomados ou não.

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de numeramento, dificilmente atribuiria a essa prática de multiplicaçãoo mesmo significado que a ela estamos atribuindo, e que, também oautor do vídeo, está pondo em circulação. Isso não significa que essacriança ou adulto estivessem impedidos de atribuir algum significadopara essas ações. Uma criança poderia dizer, simplesmente, que asmãos da pessoa do vídeo “estão fazendo um desenho”, ou então,“fazendo o desenho de uma casinha”, ou algo do tipo. Um adulto nãoescolarizado poderia dizer que as mãos dessa pessoa “estão jogandoum jogo parecido com o jogo da velha”, etc. Isso significa, por outrolado, que os modos como mobilizamos as práticas socioculturais –sob os condicionamentos ou não do contexto da atividade educativaescolar – variam de pessoa para pessoa, não apenas em função deseus interesses, valores, motivações e recursos interpretativos, mastambém em função dos diferentes contextos que condicionam osmodos como os indivíduos fazem tais práticas circularem.

Nesse sentido, uma prática sociocultural é cultural porquesempre mobiliza objetos culturais, isto é, formas simbólico-semióticaspré-interpretadas por determinadas comunidades de prática, e quesão sempre idiossincraticamente re-significadas a cada ato individualou coletivo que a põe em circulação sob os condicionamentos decontextos diversos. Além disso, uma prática sociocultural é socialporque, mesmo quando posta em circulação por um único indivíduo,sempre mobiliza objetos culturais produzidos em resposta a problemasque emergem no âmbito de atividades humanas desenvolvidas porcomunidades humanas socialmente organizadas.

Uma prática sociocultural também mobiliza afetos, isto é,quando realizamos uma prática ou a pomos, de algum modo, emcirculação, agimos e reagimos como indivíduos situados, sensíveis,possuidores de motivações, estímulos, interesses, expectativas,intenções e desejos. No caso particular da prática posta em circulaçãopelo vídeo a que estamos aqui nos referindo, é muito provável quealguns de nós – ao mobilizá-la idiossincraticamente – tenhamosconseguido “decifrar” – digamos assim – o modo como a multiplicaçãoestá sendo realizada. Por outro lado, muitos de nós poderiam não ter

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tido o mesmo sucesso. É natural que, diante do êxito, a nossa auto-estima e a nossa autoconfiança em nossos poderes interpretativosse elevem. Eu fui capaz! Como me sinto feliz e gratificado! Por outrolado, para os que não obtêm o mesmo êxito, um sentimento contrárioacaba se manifestando, interferindo negativamente em nossa auto-estima e auto-confiança. Esse é um dos sentidos em que uma práticasociocultural mobiliza afetos. Além disso, sempre que posta emcirculação por um ou mais sujeitos, uma prática sociocultural instauraum jogo nem sempre explícito de relações assimétricas de poder entreos integrantes da comunidade que a põe em circulação, por algumarazão, bem como um jogo heterogêneo e diferencial de valorizaçõesou de resistências entre os integrantes dessa comunidade emrelação a essa prática. É nesse sentido que uma comunidade, aorealizar uma prática, isto é, ao pô-la em circulação, acaba, mesmoque involuntariamente, se dividindo entre aqueles que conseguiramse apropriar – por intermédio de modos considerados legítimos pelacomunidade – dos objetos culturais mobilizados por essa prática eaqueles que não o conseguiram ou, em outras palavras, entre aquelesque “aprenderam” e os que “não aprenderam”. E não só saber produzpoder, como também, poder produz saber, como nos advertiu Foucault,que chegou mesmo a afirmar que uma sociedade sem relações depoder não pode ser senão uma abstração.

Éprecisoassinalaraindaque,nocontextodaatividadeeducativaescolar de nosso país, o “algoritmo chinês” para a realização de umamultiplicação - do modo como realizado no vídeo a que estamos nosreferindo - constitui uma prática atípica, isto é, uma prática de realizaruma multiplicação por escrito que não costuma circular pela redeescolar de nosso país, o que não significa que ela não circule emoutras esferas de atividade humana como, por exemplo, na atividademidiática eletrônica. De fato, tal prática circula e pode ser acessadapela Internet e eu a recebi, em meu endereço eletrônico, no anode 2007, em um arquivo anexado a uma mensagem, com o nomeequivocado: “um algoritmo maia”.

Finalmente, uma vez operado o deslocamento do foco do

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processo de avaliação da Prova Campinas dos “conteúdos” paraas “práticas”, uma quarta opção de caráter mais propriamentemetodológico que orientou tal processo tem a ver com a opção quefizemos em avaliar os modos como as crianças lidavam, em contextode prova, com questões que mobilizavam objetos culturais usualmenteconsiderados “matemáticos”, não só através de práticas tipicamenteescolares como também através de práticas socioculturais atípicas,isto é, que não costumavam circular ou ser valorizadas no contexto daatividade educativa escolar da rede escolar municipal de Campinas. Opropósito de incluir questões atípicas na Prova Campinas foi o de setentar acumular registros que pudessem, de algummodo, caracterizar,por contraste, a “eficácia” da educação escolar intencional e disciplinar,para o caso específico da disciplina “matemática”, em relação aosmodos não intencionais de as crianças educarem-sematematicamenteem outras esferas de atividades humanas que também praticammatemática de modos e com propósitos distintos daqueles valorizadospela escola. A legitimidade de tal inclusão encontra apoio nas duasseguintes conjecturas de McDermott:

Em geral, se considera que a vida cotidiana é omenos exigente dos distintos ambientes nos quaistranscorre a nossa vida. [Isso porque, supõe-se que](...) na vida cotidiana, podemos nos sair bem, ainda queraciocinemos mal, esqueçamos coisas e não tenhamoscontinuidade no desempenho das tarefas, situação estaque nas escolas e em outros ambientes institucionaissimilarmente restritivos (como, por exemplo, os tribunais)jamais permitiriam (...) [e, desse modo], as sessões deadministração de testes se enquadrariam no extremooposto do contínuo relativo à vida cotidiana, porqueexigem precisão de cálculo e clareza de raciocínio.(...) Entretanto, a suposição de que a vida cotidianaé “mais fácil” carece de todo fundamento descritivo.Ninguém que tenha observado cuidadosamente filmes

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do comportamento humano afirmaria algo semelhante(McDermott, 2001, p. 303; p. 304).

(...) na vida cotidiana, as pessoas e as tarefas nuncapermanecem imutáveis; a brecha entre sujeito e objeto,entre estímulo e resposta, não pode ser preenchidapostulando modelos relativos ao que sucede dentro doorganismo, uma vez que nem o sujeito e nem o objeto,nem o estímulo e nem a resposta estão ao alcance daanálise. Na vida cotidiana, as tarefas podemser alteradas,re-enquadradas ou abandonadas em qualquer momento,de maneiras imprevistas e não sistematicamenteabordáveis por parte de um pesquisador. (...) Não sepode elaborar um raciocínio sistemático que permitapassar dos resultados experimentais a uma descriçãodos indivíduos que compartilham sua vida institucional(McDermott, 2001, p. 292-293).

.A fim de ilustrar o tipo de análise qualitativa que tomao desempenho individual das crianças, em situação de prova,exclusivamente como um meio para se avaliar as características eos propósitos de práticas que mobilizam cultura matemática de formaatípica ou tipicamente escolar, bem como os modos idiossincráticoscomo as crianças as mobilizam, transformando-as de acordo com osseus propósitos e recursos interpretativos e expressivos, passamos,em seguida, a realizar uma análise de algumas respostas dadas pelascrianças a questões propostas na Prova Campinas com o objetivode se investigar as características dos processos de circulaçãode práticas culturais de representação bidimensional de objetostridimensionalmente configurados nas séries iniciais da Rede EscolarMunicipal de Campinas. Seguem-se as questões da prova referentesa essa prática:

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Item a da Questão 1 do Caderno 1: Volpi nasceu em Lucca,na Itália, em 1896, e morreu aos 92 anos, em São Paulo. Filho deimigrantes, chegou ao Brasil com pouco mais de um ano de idade. Aos16 anos, pintava frisos, florões e painéis. A partir de final da décadade 1940, os seus quadros começaram a se tornar bem diferentesdaqueles que pintava anteriormente. O quadro denominado “Mogi dasCruzes”, que você vê abaixo e à esquerda, representa a primeira faseda pintura de Volpi. Já o quadro denominado “Casas”, que você vêabaixo e à direita, é um representante da segunda fase, posterior àdécada de 1940. Compare os dois quadros de Volpi acima. Quais sãoas diferenças que você observa neles que mostram a mudança deuma fase para a outra?

Mogi das Cruzes,1939

Casas, c. 1955

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Item b da Questão 6 do Caderno 2 - Observe, abaixo, odesenho do pintor brasileiro Cândido Portinari, denominado “Meninossoltando pipas”. Qual dos meninos do desenho está mais perto devocê: o que empina a pipa vermelha ou o que empina a pipa amarela?Justifique.

Cândido Portinari - Meninos soltando pipas – 1943 - Guachesobre papel – 16 cm x 11 cm

Questão 4 do Caderno 1 - Observe a figura abaixo:As duas primeiras questões acima podem ser consideradas

atípicas pelo menos por três razões. A primeira, por propor àcriança um problema de natureza geométrica mobilizado pelaprática cultural da pintura, o que parece ser pouco usual em aulasde matemática, ou mesmo de educação artística, nas séries iniciaisdo Ensino Fundamental. A segunda, por ser o próprio o problemada representação plana de cenas tridimensionais pouco exploradonas aulas dedicadas à geometria na escola. A terceira razão é quenão acusamos qualquer iniciativa pedagógica que intencionassemobilizar um tal tipo de prática geométrica conectada a algum tipo nãopropriamente escolar de atividade humana como é, por exemplo, a

a. Quantos lados essa figura possui?b. Quantos vértices ela possui?c. Essa figura é um polígono? Por quê

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atividade da pintura artística, no material fornecido pelos professoresda Rede Municipal Escolar de Campinas, que nos serviu de basepara a elaboração das questões da prova. Já exemplos análogosà questão 4 acima foram explicitamente acusados nesse mesmomaterial, ainda que com pouca freqüência. Embora esses exemplosnão garantam a tipicidade da questão 4, eles pelo menos atestamnão só a preocupação, ainda que restrita, de alguns professores darede com a mobilização de práticas de representação bidimensionalde objetos tridimensionalmente configurados nas séries iniciais, comotambém evidenciam a característica escolar mais fortemente típicadessa forma de mobilização, qual seja, a de se tratar uma práticasociocultural meramente como um “conteúdo escolar” desconectadode qualquer atividade humana não propriamente escolar.

Quando comparamos os desempenhos das crianças no item ada Questão 1 do Caderno 1 e no item b da Questão 6 do Caderno 2,verificamos que 56,0% das crianças forneceram respostas adequadasou mais elaboradas para o item a da Questão 1 do Caderno 1, aopasso que 49,5% delas forneceram respostas por nós consideradasadequadas ou parcialmente adequadas para no item b da Questão6 do Caderno 2. Tais índices percentuais, bastante próximos entre sie surpreendentemente elevados para questões atípicas, contrastamcom os índices de 37,2%, 32,9% e 11,8% relativos, respectivamente,aos itens a, b e c da Questão 4 do Caderno 1, por nós consideradamais tipicamente escolar. Essa discrepância entre os índices dedesempenho das crianças em práticas atípicas e tipicamenteescolares mobilizadoras de “um mesmo problema”, qual seja, o darepresentação plana de objetos e cenas tridimensionais, não poderiaser explicado meramente com base no argumento de uma supostacirculação de práticas escolares inadequadas, ou mesmo, no deuma suposta baixa freqüência de circulação de práticas escolaresadequadas de mobilização de um tal problema nas escolas da redemunicipal de Campinas.

Na realidade, tal discrepância poderia estar sugerindo quecertascrianças “aprendem”, poroutrosmeioseporoutras formas,a lidar

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satisfatoriamente com certos problemas considerados “matemáticos”,quando os mobilizam em práticas não escolares e que, até mesmo,“desaprendem”, ou mobilizam-nos de modos totalmente insatisfatóriosdevido a “interferências negativas” de práticas tipicamente escolaressobre práticas atípicas, ou então, de outras práticas atípicas sobre aprática atípica mobilizada no enunciado da questão da prova. Parailustrar a primeira parte dessa conjectura, ressaltamos o fato de que,no item a da Questão 1 do Caderno 1, constatamos, com surpresa,padrões elaborados de respostas fornecidas por algumas criançasque, mesmo não dispondo de uma “base pertinente de conteúdosescolares” ou de uma linguagem conceitual geométrica, conseguiramrealizar uma leitura geométrica personalizada dos quadros de Volpi,como atestam as respostas seguintes:

1) “No Mogi das Cruses tinha mais detalhes, poucascasas, bastente vegetação, e as casas tem apenas casasestranhas e muitas janelas estranha”.

2) “Cores mais claras pessoas trabalhando árvores eanimais, cores mais vivas e construções uma em cimadas outras”.

3) “No primeiro quadro as casas são muito diferentes. Jano segundo, ele é cheio de simetria”.

4) “Antes ele pintava mais embaçado e depois, elepintava claramente sem embaçar”.

Na primeira das respostas acima, na ausência deum vocabulário geométrico-conceitual específico, a criança,provavelmente, produz a noção geométrica de planicidade, isto é, deausência de perspectividade no quadro “As casas” de Volpi, através derecursos linguistico-expressivos personalizados, quais sejam, a maiordiversidade de detalhes do quadro de 1939 em relação ao de 1955 e oestranhamento das casas e das janelas das casas do quadro de 1955,

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todas desenhadas em um mesmo plano, o que contrasta com casase janelas reais, sempre vistas em perspectiva pelo olho humano, talcomo ocorre no quadro de 1939. O mesmo pode ser dito em relaçãoà segunda resposta acima, na qual a ausência de perspectividadeno quadro “As casas” é expressa de forma personalidada pela idéiade sobreposição espacial de objetos, constatada pela criança como“construções uma em cima das outras”. Na terceira resposta acima,a percepção da ausência de perspectividade no quadro “As casas” é,agora,expressaporumtermogeométrico típico- “simetria” -,mobilizado,porém, de uma forma personalizada, dado o desconhecimento, porparte da criança, dos significados tipicamente geométricos de noçõescomo “não estar em perspectiva” ou de “estar em um mesmo plano”.Já na última resposta acima, as idéias de “pintar mais embaçado” e de“pintar claramente sem embaçar” parecem ter sido respectivamenteutilizadas pela criança para expressar noções tais como “presençade perspectividade” e “ausência de perspectividade”, usualmentemobilizadas no contexto da geometria projetiva.

O mesmo tipo de recurso de produção de um repertórioconceitual personalizadoparece tambémter sidoacionadopor algumascrianças que tentaram realizar uma leitura geométrica do quadro dePortinari, denominado “Meninos soltando pipas”, para responderemao item b da Questão 6 do Caderno 2, que lhes perguntava qual dosdois meninos do quadro –o que empina a pipa vermelha ou o queempina a pipa amarela – estaria mais perto de quem o estivesseobservando. As respostas seguintes são ilustrativas desse fato:

1) “Quem está mais perto de mim é o que está com a pipaamarela”.

2) “O da pipa amarela porque ele é mais visível”.

3) “Os meninos a linha e o vento, porque todos estam namesma direção porque é um quadro”.

4) “Os dois estão perto porque o quadro é fixo”.

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As duas primeiras atestam que as crianças que produziram taisrespostas teriam, de algum modo, aprendido a ver perspectividadeem uma representação plana de uma cena tridimensional. Daí, nãohesitarem em afirmar que é o menino da pipa amarela que estariamais perto do observador. O argumento, presente na segundaresposta, de que o menino da pipa amarela estaria mais próximodo observador por ser ele “mais visível” sugere que a criança queproduziu essa resposta estaria utilizando a expressão “mais visível”para “abreviar um teorema” da geometria projetiva que afirma quequanto mais próximo do olho do observador se encontra um objetoem uma cena tridimensional, tanto maior ele deverá ser desenhadona representação plana, em perspectiva, dessa cena. Já as duasúltimas respostas acima - que colocam todos os objetos e pessoasda cena em um mesmo plano – também se mostram adequadas,ainda que elas possam sugerir que as crianças que as produziramnão teriam se dado conta da perspectividade que o pintor imprimeà cena. Mas é preciso que se diga que mesmo essa provável nãopercepção da perspectividade não poderia ser explicada por qualquerargumento de natureza psicológica, tais como: falta de maturidade oufalta de habilidade das crianças. Uma explicação a nosso ver maisadequada seria invocar o desconhecimento por parte dessas criançasdas convenções de natureza geométrica, historicamente produzidaspor pintores do Renascimento europeu, para a orientação do traçadode cenas tridimensionais em telas planas, sempre que a intenção dopintor fosse a de se produzir em um plano, com a máxima fidelidade,a ilusão de uma cena tridimensional real, tal como o olho humano apercebe quando a observa. Desse modo, mesmo que não acusema perspectividade - e exatamente por isso -, as respostas dessascrianças devem ser vistas como legítimas e adequadas, assim comoos seus argumentos. Isso porque, para um olhar que não acusa aperspectividade, os dois meninos do quadro de fato se encontram auma mesma distancia do observador, uma vez que, como afirma umadas crianças, “o quadro é fixo”. Com a expressão “o quadro é fixo”, estacriança estaria, na realidade, querendo sugerir que “todos os pontos

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do quadro estão em um mesmo plano” e que, portanto, todos estariama uma mesma distância do observador, uma vez que, a distância doobservador ao quadro é fixa. A legitimidade de se interpretar comoadequadas essas e outras respostas análogas tem apoio no pontode vista de McDermott, para quem a linguagem e a cultura que ascrianças consideradas “incapazes de aprender” encontram em seucotidiano “podem muito bem não ser o que a maioria de nós supomosque sejam”. Para este autor, quando se defende a ponto de vista deque a linguagem é “uma ferramenta neutra de expressão que nosajuda a dizer e escrever o que queremos e a interpretar o que outrosdisseram e escreveram”, é fácil concluir que as crianças consideradas“incapazes de aprender” necessitariam de mais linguagem, o que,para ele, não é falso. Contudo, pondera McDermott, sob outro pontode vista, seria também possível dizer que a linguagem dessas criançasé bastante completa. Isso porque, não sendo a linguagem neutra,ela nos chega carregada de estrutura social e de sensibilidade pelascircunstâncias em que se originou e se manteve em contatos prévios;chega a nós “distorcida pelos programas sociais de um sistema escolarque lança as crianças umas contra as outras em uma batalha peloêxito” (McDermott, 2001, p. 318).

Para ilustrar, por sua vez, a segunda parte de nossa conjectura,qual seja, a de que, no contexto da Prova Campinas, muitas criançasparecerem “desaprender”, ou mobilizar certos problemas de modostotalmente insatisfatórios em relação aos padrões tipicamenteescolares, devido a “interferências negativas” de práticas tipicamenteescolares sobre práticas atípicas, ou então, de outras práticas atípicassobre a prática atípica mobilizada no enunciado da questão da prova,vamos considerar as três seguintes respostas literalmente transcritas- e por nós consideradas igualmente inadequadas - dadas por trêscrianças diferentes ao item a da questão 1 do Caderno 1 acimaconsiderado:

1) “Ele vem correndo do seu cavalo e vem o seu pai atrásandando e gritando bem alto. -- “Meu filho me espere

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porfavor que senão eu vou morrer com sede meu filho”.-- E ele não escutava o seu pai e o seu pai não aguentoue cabou morrendo e o seu filho olhou para trais e via oseu pai caindo no chão”.

2) “As casas 1955 é para ser alugadas”.

3) “1939 + 1955 = 4884. Comprou 4884 casas”.

Emrespostasanálogasàprimeira,parecequealgunselementosfigurativos presentes na tela de Volpi (no caso, o homem andando acavalo seguido, a certa distância, por outro andando a pé, em umacena rural) teriam tido o poder de estimular a imaginação de certascrianças, e de provocar um conseqüente deslocamento afetivo de seuspensamentos (no caso, da prática de se andar a cavalo no contexto daatividade agrícola em uma cena rural pintada por Volpi na tela em foco)para outras esferas de suas experiências de vida e/ou para outroscontextos de atividade humana (no caso, para o domínio das práticasafetivas entre um pai, isto é, o homem que anda a pé na pintura, e seufilho, isto é, o homem sobre o cavalo na pintura com o qual a criançase identifica). Ainda que esse deslocamento afetivo tenha interferidonegativamente para a consideração do problema sob avaliação naquestão - uma vez que a criança parece simplesmente “ignorar” ou“desconsiderar” a pergunta que solicita-lhe comparar os dois quadros,e não fixar-se em um deles -, é claro que, considerar arbitrária ousimplesmente “errada a resposta dada pela criança, seria desastrosoemumcontexto educativo. Isso porque, na perspectiva emqueaqui noscolocamos, respostasarbitráriasou incorretasnãosignificamignorânciaou ausência de aprendizagem, mas transferência de aprendizagemde um contexto a outro de atividade humana. O mesmo poderia serdito em relação às duas últimas respostas anteriormente referidas.De fato, como se pode observar, para responder ao apelo atípico dese comparar quadros de duas fases da pintura de Volpi, a criançada resposta 3 realiza uma adição cujas parcelas são os respectivos

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anos em que o pintor produziu os dois quadros sob comparação noenunciado da questão, mobilizando, dessa maneira, tal enunciado deum modo tipicamente escolar, que não estava minimamente sugeridono enunciado da questão. Em outras palavras, por saber-se situadano contexto de realização de uma “prova de matemática”, ainda queo enunciado da questão em nada se assemelhasse a um “problemaescolar tipicamente matemático”, a criança o mobiliza e o “resolve”como um problema escolar tipicamente matemático. E como os únicoselementos do enunciado que lhe parecem propriamente matemáticossão as datas (isto é, números) em que os quadros foram pintados, elase vê obrigada a fazer com tais datas qualquer coisa que lhe pareçapropriamente matemática, isto é, somá-las. Neste caso, a criança agepressionada ou mesmo obrigada, não pelo contexto da atividade depintura artística sugerido pelo enunciado da questão, mas tão somentepelo contexto da atividade educativa escolar e do modo como a culturamatemática costuma ser tipicamente mobilizada nesse contexto.

Amagnitude da resposta dada pela criança tambémmerece umcomentário. Ela responde que o pintor “comprou 4884 casas”. Para darum tal tipo de resposta, a criança, inusitadamente, mobiliza as casasda pintura de Volpi, ou mesmo a palavra “casas” que dá titulo a umadas pinturas de Volpi presentes no enunciado como “casas a seremcomercializadas”, submetendo, desse modo, a uma transformaçãoatípica o próprio contexto da atividade de pintura artística sugerido peloenunciado da questão, e recontextualizando-o na esfera da atividadede comércio imobiliário. E “ignorando” completamente a artificialidadedessa recontextualização forçada, parece achar completamentenatural alguém comprar 4884 casas!!! Por outro lado, ela acabaerrando no resultado da conta da adição tipicamente escolar que lhepermitiu “resolver o problema”, isto é, erra em um tipo de algoritmoque deve ter realizado muitas e muitas vezes na escola. Seria possívelconjecturar, portanto, que a surpreendente resposta dada por essacriança atesta que, mesmo compreendendo o longo e textualmenteelaborado enunciado da questão, ela faz uma leitura dele que, mesmoque inadequada quando referida ao contexto da prova, não poderia ser

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considerada arbitrária, uma vez que se trata de uma leitura pautada eenquadrada no “gênero discursivo” de um tipo de educaçãomatemáticaescolar que, mesmo não sendo representativo do conjunto de escolasmunicipais de Campinas, nele ainda persiste. Esse tipo de respostailustra, portanto, um tipo de “interferência negativa” de uma práticatipicamente escolar - qual seja, a prática de realização de cálculos porescrito - sobre a prática atípica de comparação de estilos diferentes depintura artística. A consideração da questão 2 do Caderno 2 da ProvaCampinas parece reforçar esta nossa conjectura:

Questão 2 do Caderno 2 -A. Efetue as operações indicadas abaixo, armando as contas:54 x 72 =129 : 3 =2009 – 748 =B.Aprofessora Tereza pediu aos seus alunos que resolvessem

as duas adições seguintes: 982 + 253 e 178 + 439. A aluna Júliaresolveuessas contasdomodoabaixo.Qual é suaopinião, aprofessoradeve dar certo ou errado para os resultados de Júlia? Justifique suaresposta.

982

253__ +

1235

178

439 +

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Comose pode observar, o itemAdaQuestão 2 doCaderno 2se refere a uma prática tipicamente escolar, do tipo: “arme e efetue”. Oobjetivo que orientou a inclusão desse itemnaprova foi o de verificar emque medida as crianças estariam se apropriando, com correção, aindaque mecanicamente, de práticas algorítmicas típicas de realizaçãode cálculos por escrito, reiteradamente trabalhadas nas quatro sériesiniciais da Educação Básica. Já o item B da mesma questão foi pornós considerado atípico porque “transgride”, intencionalmente, uma

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“instrução didática” que, geralmente, costuma vir conectada à práticaescolar típica de se realizar, por escrito, o algoritmo de uma subtração,qual seja, a de que, no ato de se “armar a conta”, os algarismoscorrespondentes às diferentes ordens dos dois números envolvidos nasubtração (minuendoesubtraendo) sejamcolocados, respectivamente,um abaixo do outro. Entretanto, no contexto de nossa avaliação, essatransgressão da “instrução didática” típica não deve ser vista comouma “pegadinha”, ou como um ato intencional de indução ao erro. Aocontrário, o nosso propósito foi, justamente, o de se tentar verificar asmaneiras como as crianças responderiam a essa transgressão, bemcomo em quemedida as práticas escolares de operar com quantidadesinteiras por escrito estariam enfatizando uma efetiva apropriação, porparte das crianças, das regras básicas constitutivas do objeto cultural“sistema numérico hindu-arábico”, ou apenas uma mera mecanizaçãode ‘instruções didáticas” desconectadas de um trabalho pedagógicoefetivo em relação à necessidade de obediência a essas regras. Aavaliação das respostas das crianças mostrou que apenas 12% delasconseguiram resolver corretamente as 3 operações (multiplicação,divisão e subtração), e que cerca de 50,8% não conseguiram atingirum desempenho satisfatório em uma das práticas tipicamenteescolares sobre a qual ainda incidem, talvez, os maiores esforçosdos professores no que se refere à educação matemática escolarnas séries iniciais da educação básica. Essa avaliação nos mostratambém que apenas 2,6% das crianças responderam adequadamenteo item B da referida questão, fato este que revela que mesmo aquelascrianças que conseguiram realizar corretamente as três contas doitem A, as teriam, provavelmente, realizado mecanicamente, isto é,sem terem se apropriado, com significado e compreensão, das regrasconstitutivas básicas que orientam o cálculo algorítmico realizado nosistema numérico hindu-arábico.

Do pouco que nos foi possível dizer aqui sobre a análisequalitativa de respostas de estudantes em situação de prova dematemáticarealizadasoboscondicionamentosdeumsistemaeducativomeritocrático, pensamos ter sido possível explicitar possibilidades,

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limites e contradições que se apresentam para avaliações sistêmicasque intencionalmente se pretendam não-meritocráticas.

REFERÊNCIAS

McDERMOTT, R.P. La adquisición de un niño por una discapacidadde aprendizaje. In: CHAIKLIN, S.; LAVE, J. (Comps.). Estudiar lasprácticas: perspectivas sobre actividad y contexto. Buenos Aires:Amorrortu Editores, 2001, pp. 291-330.

MOURA, A. R. L; MIGUEL, A.; SILVA, L. L. M.; FERREIRA, N. S. A.Relatório final da avaliação de desempenho em Língua Portuguesa eMatemática - 2º ano do ciclo II da rede escolar municipal de Campinas– SP - 2008“. Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal deCampinas.

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ANEXOS:

RESULTADO

FamíliaRecursosEnvolvimentoEstrutura familiar

AlunoCaracterísticas pessoaisAtitudesTrajetória escolar

EscolaRecursosGestão / PPPClimaProfessorSala de aulaEnsino / Currículo

SociedadeLegislaçãoValoresPolíticas educacionaisDemanda social por

competência

Figura 1: Síntese das características associadas aos resultados dos estudantesem avaliações educacionais de estudantes

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Tabela 1: Estágios e competências de desempenho da ProvaBrasil e o percentual de alunos de do 9º ano do Ensino Fundamentalda escola tomada como exemplo, em cada estágio.

Estágios Habilidades

% dealunosdo 9ºano naescola

Muito crítico(125-175)

Não conseguem responder a comandos operacionaiselementares compatíveis com série (resoluçãode expressões algébricas com uma incógnita;características e elementos das figuras geométricasplanas mais conhecidas).

4,9

Crítico(175-250)

Desenvolveram algumas habilidades elementaresde interpretação de problemas, mas não conseguemtranspor o que está sendo pedido no enunciado parauma linguagem matemática específica, estando,portanto aquém do exigido para o 9º ano (resolvemexpressões com uma incógnita, mas não interpretamos dados de um problema fazendo uso de símbolosmatemáticos específicos; desconhecem as funçõestrigonométricas para resolução de problemas).

41,4

Intermediário(250-350)

Apresentam algumas habilidades de interpretação deproblemas, porém não dominam a linguagem matemáticaespecífica exigida para o 9º ano (resolvem expressõescom duas incógnitas, mas não interpretam dados de umproblema com símbolos matemáticos específicos nemutilizam propriedades trigonométricas).

44

Adequado(350-400)

Interpretam e sabem resolver problemas de formacompetente; fazemusocorretoda linguagemmatemáticaespecífica. Apresentam habilidades compatíveis com asérie em questão (interpretam e constroem gráficos;resolvem problema com duas incógnitas utilizandosímbolos matemáticos específicos e reconhecem asfunções trigonométricas elementares).

9,7

Avançado(acima de 375)

Demonstram habilidades de interpretação de problemasnum nível superior ao exigido para o 9º ano (interpretame constroem gráficos; resolvem problema com duasincógnitas utilizando símbolos matemáticos específicose utilizam propriedades trigonométricas na resolução deproblemas).

0

100Fonte: INEP/SAEB/Prova Brasil

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Tabela 2: Resultados do IDED, médias em Matemática naProva Brasil e taxas de aprovação no ensino fundamental, Brasil(2005-2007)

BRASILIDEB Média na Prova Brasil

Matemática

Taxa deaprovação(Em %)

2005 2007 2005 2007 2005 2007

5º ano do EF 3,8 4,2 4,6 4,9 83 86

9º ano do EF 3,5 3,8 4,5 4,7 77 80

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FORMAÇÃO MATEMÁTICA DO PROFESSORDA ESCOLA BÁSICA: QUAL MATEMÁTICA?Plínio Cavalcanti MoreiraDepartamento de Matemática da UFMG

INTRODUÇÃO

São muitos os pontos de convergência e de tensão no debatecorrente sobre a estruturação do processo de formação do professorde matemática na licenciatura. E cada um deles poderia servir de temapara um ou mais simpósios como esse de que estamos participandono XV ENDIPE. Alguns exemplos:

1) O papel das chamadas TIC (tecnologias de informaçãoe comunicação) na educação escolar e as formas de incorporaçãodestas na formação do professor da escola básica.

2)Comodesenvolver o trabalho comahistória damatemática naformação do professor? Como a história pode favorecer efetivamenteo ensino e a aprendizagem da matemática na escola?

3) Há certa convergência em torno da idéia de que o aluno(incluindo o da licenciatura) não pode mais ser pensado como umser puramente cognitivo/racional. Há que se levar em conta que aaprendizagem é movida fortemente também pela “afetividade”. Comocontemplar explicitamente essa dimensão afetiva no currículo deformação do licenciando, de modo a repercutir positivamente na suafutura prática docente?

4) O papel da avaliação no processo de formação escolar e aquestão, sempre correlata, da implementação de práticas avaliativas“adequadas” dentro da própria licenciatura. É possível avaliar aaprendizagem ou somos capazes apenas de avaliar o cumprimento ounão, por parte do aluno, de critérios gerais previamente estabelecidospara aprovação/reprovação nas diferentes disciplinas? Quais asdiferenças pedagogicamente relevantes entre avaliar a aprendizagem

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e aprovar/reprovar? De que maneira os critérios de aprovação/reprovação podem afetar o processo de ensino e de aprendizagem?

Mas, a meu ver, o grande ponto de convergência e de tensão,aquele que está subliminarmente vinculado a todos os aspectos edimensões do processo de formação do professor de matemática, éantigo e, no entanto, muito atual: trata-se da relação entre formaçãoe prática profissional docente. A grande convergência quanto a esseponto diz respeito à necessidade de superar a dicotomia formação-prática. E as tensões se manifestam quando se discutem as formascurriculares específicas que produziriam avanços no caminho dasuperação dessa dicotomia.

ALGUMAS DIFICULDADES

A importância de se buscar uma formação mais colada naprática parece consensual. Afinal, que professor de um curso delicenciatura em matemática nunca se perguntou coisas do tipo:para que serve isso que estou ensinando? Ou, qual deles nunca foiquestionado por algum aluno com a pergunta “fatal”: onde na minhafutura prática profissional vou utilizar isso que estou aprendendo?Entretanto, gostaria de chamar a atenção para alguns pontos queilustram o nível de dificuldade inerente ao tratamento da questão.Em primeiro lugar, me parece importante refletir um pouco sobre asvárias formas segundo as quais se poderia entender a superaçãoda referida dicotomia. Se a entendemos como uma separaçãoproblemática, como um fosso entre o que é discutido no curso delicenciatura e as questões que se colocam na prática profissional,então a sua superação deve significar a construção de aproximações,o estabelecimento de pontes, a criação de vínculos entre essas duasinstâncias. A título de ilustração, vou apresentar, reconhecendo que demaneira breve e simplificada, dois pontos de vista distintos a respeitodos vínculos possíveis entre formação e prática. No dizer de Tardif(2002), a superação da dicotomia formação-prática deve começarpor tomar a prática docente escolar como o centro de gravidade do

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processo de formação do professor, isto é, como a referência central,em torno da qual os vários componentes da formação se organizariame se equilibrariam. O sentido de estruturar o processo de formaçãotendo a prática como centro de gravidade seria o de estudar a práticado professor, conhecer melhor as questões que esse profissional temque enfrentar no seu trabalho concreto cotidiano para, a partir daí,organizar o processo de formação em termos da adaptação, produçãoe discussão de saberes relacionados às diferentes possibilidades delidar com essas questões no contexto da prática futura do licenciando.De um ponto de vista quase oposto, “trazer” a prática docente parao processo de formação na licenciatura poderia reduzi-lo a umapreparação profissional desqualificada, pois a prática efetiva atual nãopode ser vista como modelo de formação. Bem ao contrário, ela é umainstância que precisa de mudanças radicais, onde predomina o ensinode fórmulas prontas e a ênfase nos procedimentos algorítmicos,muito distante do que seria desejável, i.e., uma visão mais conceituale conectada da matemática. Correspondentemente, a formaçãodeveria ser projetada para alavancar um processo radical de mudançada prática e, portanto, ser concebida a partir de um ponto de vista“científico”, superior à prática escolar, que não se submeta a ela, mas,ao contrário, que a revolucione.

É claro que cada uma das possibilidades acima descritas seconstrói a partir de uma determinada leitura da prática e toda leituraé feita com pressupostos. Mas isso, como sabemos, é incontornável,qualquer outra forma de conceber a superação da dicotomia formação-prática carregará inevitavelmente uma leitura específica da prática ese construirá a partir de pressupostos.Assim, embora a proliferação dediferentes projetos possa, por um lado, implicar maiores dificuldades,vejo com bons olhos a emergência das tensões nessa matéria. Naminha experiência, tenho notado que o debate sobre o currículo daformação docente na licenciatura se desenvolve de forma tal que ospressupostos mais profundos permanecem “protegidos” pela cortinade fumaça que se levanta em torno de certas rusgas que são, a meuver, de natureza mais superficial, ainda que importantes. Assim, as

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tensões emergentes nesse debate podem ter um papel extremamentepositivo, na medida em que sejam canalizadas para a explicitaçãodos pressupostos em jogo. Por exemplo, em ambas as concepçõessimplificadamente descritas acima, estamos diante de diferentesposições a respeito, entre outras, da complicada questão que serefere à capacidade da formação de influenciar a prática. Nessesentido, um dos pressupostos que poderia permear a discussão é ode que toda prática tem uma razão de ser, ou seja, nenhuma práticaé gratuita, descondicionada. Assim, se queremos mudar, é precisoconhecer. Outro pressuposto seria aquele segundo o qual a inserçãode profissionais “bem preparados”, “tecnicamente competentes”,na prática docente é capaz de produzir mudanças substanciais noensino escolar da matemática. E isso é o que um curso de licenciaturade qualidade deveria buscar oferecer ao mercado: profissionaistecnicamente qualificados (i.e., com uma formação matemática“sólida”) para o ensino da matemática na escola. Cada um dessespressupostos pode conduzir a diferentes abordagens em termos dasuperação da dicotomia formação-prática.

Outra dificuldade em relação à eventual superação dessadicotomia é a seguinte: há uma distância “natural” entre as atividadesde formação e as da prática profissional. Estudos como os de Schön(1983) e Lampert (1985), por exemplo, mostraram quemuitas questõese dilemas da prática profissional são decididos a partir de “reflexões naação”. Isso significa que alguns dos saberes cruciais para as decisõesnem sempre são apenas evocados de um conjunto de conhecimentospré-adquiridos, muitas vezes são produzidos “na ação”, a partir dereformulações instantâneas e adaptações à situação e às condiçõesdo momento em que surgem esses dilemas e questões. Num certosentido, isso quer dizer que pelo menos uma parte significativa daprática profissional docente não pode ser planejada ou antecipada noprocesso de formação. É preciso freqüentemente adaptar ou mesmoreformular as teorias da formação em função das condições de umdado momento da prática profissional. Em outras palavras: as salas deaula, os alunos, as escolas, enfim, o contexto da prática profissional do

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professor nem sempre pode ser reduzido a uma generalidade teóricaa partir de abstrações. No entanto, ao mesmo tempo, a formaçãonão pode se debruçar sobre cada contexto concreto e condiçõesespecíficas possíveis. Esta contradição tem de ser levada em contaem qualquer desenho de currículo que vise a superação da dicotomiaformação-prática e isso constitui uma dificuldade que, a meu ver, nãopode ser minimizada.

Há que se levar em conta, no entanto, que as dificuldadesaparecem justamente em função dos estudos que identificam oproblema e sugerem a necessidade de sua superação no âmbitoda formação do professor. Como dissemos, essa dicotomia vemsendo historicamente apontada nos estudos mais amplos sobre aslicenciaturas no Brasil e, em particular, na licenciatura em matemática- conferir, por exemplo, Ludke (1994), Diniz Pereira (2000), Fiorentiniet al. (2002). Em termos práticos, são vários os exemplos de tentativasde reformulações curriculares, antigas e recentes, que se propõem“atacar” esse problema (conferir os discursos veiculados nos projetosde reformulação dos cursos de licenciatura de algumas universidadesbrasileiras, entre eles os da UFMG, UNESP/RC, UNICAMP). Com asdiretrizesparaas licenciaturas, opróprioCNE reconheceanecessidadede enfrentar o problema e propõe um currículo com as famosas 800horas de “estudos da prática”. Assim, tentar entender as origens e osfatores que contribuem para a permanência histórica dessa dicotomiana licenciatura em matemática é, para mim, o grande desafio porque,como já foi dito, ela condiciona todo o processo de formação inicialdo professor. Por exemplo, voltando aos quatro pontos citadosanteriormente (história da matemática, TIC, afetividade, avaliação):a referência da prática docente escolar, para a qual se quer formaro licenciando, é um elemento crucial a ser considerado em qualquerproposta curricular que venha a contemplar as questões ali colocadas.

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UM PONTO DE VISTA E UMA PERGUNTA

Como vimos, a dicotomia formação-prática percorre toda aestruturação do processo de formação na licenciatura, mas vou merestringir ao segmento deste processo que tenho estudado nos últimosanos e no qual ela se manifesta de forma particularmente aguda econtundente. Assim, tendo em conta as dificuldades e questõesanteriormente mencionadas, examino especificamente um segmentodo processo de formação inicial, usualmente designado de formaçãomatemática do (futuro) professor (designação que me parece bastanteimprecisa e inconveniente, por razões que, espero, fiquem claras até ofinal deste texto).

Minha experiência de trabalho em disciplinas como ÁlgebraLinear, Equações Diferenciais, Análise Real ou mesmo Geometriae Álgebra nos cursos de licenciatura indica que uma “sensação”de distanciamento da formação em relação às questões da práticadocente escolar vai se construindo no licenciando, ao longo docurso. Em algum momento, se há espaço, ele verbaliza essasensação perguntando sobre as conexões possíveis “desse tipo deconhecimento matemático” com o trabalho docente na escola. Poroutro lado, ainda que não questione explicitamente, não consegueesconder certa indisposição em relação a essas matérias, no todoou em parte, deixando transparecer que, muitas vezes, o esforçorealizado é suficiente apenas para “cumprir a obrigação”, que estudapara “passar” ou mesmo, em alguns casos, para “passar sem saber”,quando isso é possível. Tais indicadores denunciam, concretamente,uma rejeição a esse segmento do processo de formação, tal comoestá estruturado, em função desse distanciamento problemático emrelação à prática profissional que o aluno, de um modo ou de outro,identifica. É importante observar ainda que, embora variando de umainstituição para outra, a formação matemática costuma ocupar umgrande espaço curricular na licenciatura, o que acentua a necessidadede uma compreensão do fenômeno em questão nesse segmento doprocesso de formação docente.

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Um fato interessante é que ninguém quer que a formaçãomatemática na licenciatura se desenvolva descolada (ou, pelo menos,descolada demais) das necessidades da prática profissional doprofessor da escola: nem os matemáticos profissionais que trabalhamna formação de professores, nem os educadores matemáticos, nemos formuladores de currículo, nem os pesquisadores da formação doprofessor, nem o CNE, nem as diretrizes nacionais para a licenciatura.Enfim, está claro que ninguém gosta dessa dicotomia. Assim, aprimeira reflexão que proponho é a seguinte:

Ninguém gosta da dicotomia entre formação e práticadocente, mas ela atravessa a história dos cursos delicenciatura. Como se explica essa impermeabilidade àsmudanças curriculares, essa resistência histórica, essapermanência contra todos os desejos?

Aminha hipótese é que existe uma espécie de consenso ocultoentre os formuladores de currículo para as licenciaturas emmatemáticaque produz e mantém essa dicotomia. Há uma lógica implícita nasdiferentes concepções de formação do professor de matemática queparece reger a estruturação do processo de formação na licenciaturaà revelia dos desejos e dos embates. E como se poderia traduziressa lógica implícita nas mais diferentes concepções de currículo,esse algo tacitamente compartilhado pelos mais variados grupos deespecialistas, esse consenso oculto, não admitido? Correndo o riscoda simplificação exagerada, creio que poderia fazê-lo através doseguinte aforismo:

1) Quem vai ser professor de matemática vai ensinarmatemática.

2) Para ensinar matemática, o professor tem que sabermatemática.

3) Então... temos que ensinar matemática ao licenciando(futuro professor).

Há formas mais sofisticadas desse aforismo, mas preferi esta

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pela sua simplicidade e pelo fato de que, há relativamente pouco tempo,foi expressa exatamente assim, como argumento em uma reunião deum grupo de acadêmicos, cuja tarefa era propor os fundamentos parao novo currículo da licenciatura em matemática de uma universidadefederal. Mas gostaria de fazer referência a outras formas mais oumenos equivalentes, algumas até mais famosas. Por exemplo:

1. O professor precisa saber mais do que aquilo que ensina.2. O professor precisa conhecer a matemática acadêmica para

ter uma visão unificada da matemática escolar. Caso contrário esta setransforma num amontoado de regras e fórmulas desconexas.

3. A matemática científica é uma conquista da cultura humanae, portanto, deve ser universalmente socializada através da escola.

4. É preciso desenvolver o espírito científico nas novasgerações e, para isso, a matemática científica deve ser conhecida peloprofessor da escola.

5. O ensino da matemática na escola deve ter como objetivoúltimoaaquisiçãodoconhecimentoemsua formaabstrata, “objetivada”.A matemática acadêmica deve, portanto, servir de modelo para oprofessor.

A partir do momento em que se aceita a lógica subjacente aesse aforismo, em suas várias formas, as discussões sobre o currículoda formação matemática do professor passam a se desenvolver emtorno de um eixo “internalista” (matemática para aprendermatemática):se “entra” ou não série de Fourier, se a disciplina Análise Real vaiaté integral ou só até derivada, onde “parar” na Álgebra Linear etc.Os limites de se introduzir ou não uma determinada “matéria” nocurrículo passam a ser dados por parâmetros internos à matemática,o que, obviamente, vai tornar privilegiada a visão dos matemáticosprofissionais, que são os especialistas no assunto. O que é importante(do ponto de vista dos matemáticos) é, usualmente, a questãofundamental e as concessões vêm, por exemplo, em função do queé considerado inacessível, muito difícil ou impossível de ser ensinadopara licenciandos num determinado tempo curricular. E as questõesda prática docente escolar? Essas ficariam por conta da Faculdade de

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Educação. Afinal, para isso existem as outras instâncias de formação.Aqui se manifesta claramente a dicotomia que vimos comentando:o licenciando vai se tornar professor de matemática na escola. Ofato de que vai ser professor de matemática orienta as ações dosdepartamentos de matemática em relação ao curso. O fato de que vaiser professor deve orientar as ações das faculdades de educação emrelação ao curso. Para tentar costurar essas ações num todo orgânicoforjam-se disciplinas específicas (chamadas integradoras) que teriama responsabilidade de harmonizar as várias instâncias de formaçãoentre si e estabelecer os vínculos com a prática docente escolar. Masnão se desenvolvem critérios ou elementos conceituais relevantes quepermitam compreender o que deve ser entendido por “integração”,“harmonização” ou “vinculação” das instâncias de formação entre si edestas com a prática docente. O resultado líquido é que essa estruturagarante a completa autonomia da formação matemática dentro dalicenciatura. A partir daí, as outras instâncias se responsabilizam pelopedagógico em geral e pela vinculação deste segmento do processode formação com os problemas relativos a ensinar e aprendermatemática na instituição escola.

Essas são, a meu ver, algumas das conseqüências de seacatar o aforismo citado, em suas diferentes formulações. O grandeproblema é que a lógica subjacente a ele quase nunca está posta emquestão, quase nunca é objeto explícito e direto de discussão. Quandomuito, ela é tocada tangencialmente, de modo indireto, no contexto deuma mera disputa de espaço no currículo da formação do professor.Assim já aconteceu, ao longo da história das discussões sobre aslicenciaturas. Por exemplo, no final dos anos 1960 e início da décadade 1970, tomou certa força a tendência de pensar o professor comoum facilitador da aprendizagem do aluno. Esta, por sua vez, decorreria,em grande medida, da utilização correta de técnicas e de materiaisadequados, por parte do professor. Era o período da educação“tecnicista” com os estudos dirigidos ou programados, o uso intensivodo retro-projetor, a organização de estudos e trabalhos em grupoetc. Em função disso, desenvolve-se uma crítica ao “conteudismo”

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na formação do professor, afirmando-se que a ênfase exagerada noensino do conteúdo específico nas licenciaturas viria em detrimentode uma melhor preparação didático-pedagógica do futuro professor, aqual requeria o domínio das técnicas de ensino e do uso de diferentesmateriais instrucionais, de acordo com as teorias (behavioristas) daaprendizagem, então dominantes. Como se vê, em relação à lógicade fundo que nos importa aqui, o questionamento era tangencial e setraduzia basicamente numa disputa de espaço dentro do processo deintegralização curricular. O professor precisava conhecer e dominaras técnicas “modernas” e “eficientes” para o ensino da matemática e,para isso, a formação didático-pedagógica precisava de mais espaçono currículo.

Mais tarde, nos anos 80, essa lógica do “conteudismo” volta aser questionada, mas novamente de uma forma indireta e de um pontode vista “externo”. O professor passa a ser visto essencialmente comoum educador, na medida em que a educação escolar é entendidamais claramente como um processo de caráter sócio-político noqual repercute, de maneira importante, a luta de interesses que sedesenvolve globalmente na sociedade capitalista. Nesse contexto, aformação do professor precisa incorporar uma compreensão profundadessa dimensão política da educação escolar para que ele, comoeducador, possa desempenhar um papel de contraposição aosinteresses que pretendem colocar e/ou manter a escola a serviço dareprodução das condições capitalistas de produção. Nesse sentido,inverte-se, em certa medida, a perspectiva anterior e o “conteudismo”é que passa a ser identificado com uma proposta tecnicista/neutralistada formação do professor, em oposição a um projeto mais politizadoe engajado. Nessa perspectiva, espaços para uma formação doprofessor mais voltada para a sociologia e a história da educação,para a análise crítica das políticas educacionais etc. passam a serreivindicados, em detrimento dos espaços curriculares anteriormentedestinados à formação “de conteúdo”.

Embora essas discussões, ainda hoje, não possam serconsideradas completamente ultrapassadas, creio que não chegaram

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a desestabilizar essa lógica tácita expressa no aforismo citado. Detodo modo, pode-se dizer que os questionamentos “externos” não semostraram eficientes nesse sentido. A nosso ver, entretanto, as coisascomeçam a clarear quando nos permitimos questionar essa lógica demodo direto e frontal, embora preservando, naturalmente, o espaço dodiálogo e da investigação. O que temos proposto é um questionamentodessa lógica a partir de uma posição “interna” a ela, isto é, aceitando,em princípio, suas premissas e suas conclusões, mas avançando nosentido de qualificá-las analiticamente. Assim, concordamos que oprofessor de matemática da escola vai ensinar matemática e, portanto,precisa saber matemática. Mas, perguntamos:

1. Que matemática ele vai ensinar na escola?2. Que matemática ele precisa conhecer para ensinar

“bem” aquela que vai ensinar na escola?3. Uma pergunta que de certa forma inclui as anteriores e

as estende é a seguinte: Será que existe uma forma de conhecer osobjetos matemáticos que seja mais adequada ao trabalho do professorna escola básica do que aquela forma segundo a qual o matemáticoprofissional conhece esses objetos? Por exemplo, será que o professorde matemática, em sua prática, não precisa conhecer os números,as funções, a geometria (e suas conexões) de um modo específico,próprio, vinculado a um processo de largo prazo de formação deconceitos pela população escolar e diferente, portanto, do modo comoos matemáticos profissionais (aqueles cujo vínculo essencial com amatemática se situa na produção de “fronteira”) precisam conheceresses mesmos objetos?

O QUE DIZEM AS PESQUISAS?

As investigaçõeseasanálisesdaspráticasdessesprofissionais,das normas e dos valores a elas associados e da natureza dasquestões que se colocam, em suas respectivas práticas, para oprofessor da escola e para o matemático, nos tem fornecido indicaçõesde respostas positivas para essa última questão. Por exemplo,

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Shulman (1986, 1987), ao descrever o que chamou de Repertóriode Conhecimentos para o Ensino identifica um componente desserepertório que vai influenciar profundamente as respostas posteriores:o conhecimento pedagógico do conteúdo, que seria, nas palavras dopróprio Shulman, “aquele amálgama entre conteúdo e pedagogia quepertence demodo único ao campo de trabalho do professor, uma formaespecial e própria de compreensão da materia” (Shulman, 1987, p.8,tradução minha). Partindo das idéias de Shulman, Deborah Ball e suaequipe desenvolvem estudos cujas conclusões permitem afirmar quehá efetivamente uma forma específica de conhecimento matemáticopara o ensino. Em Ball, Bass, Sleep e Thames (2005), esboça-se uma caracterização teórica desse construto. Em Ball, Thames ePhelps (2008), os autores sintetizam a evolução das pesquisas dogrupo liderado por Ball e apresentam uma teoria já mais elaborada(e empiricamente validada) sobre o conhecimento matemático parao ensino. Segundo esses autores, são quatro os domínios em quese estrutura esse tipo de conhecimento: conhecimento comum doconteúdo (common content knowledge), conhecimento especializadodo conteúdo (specialized content knowledge), conhecimento doconteúdo e dos alunos (knowledge of content and students) e, porúltimo, conhecimento do conteúdo e do ensino (knowledge of contentand teaching). Numa descrição muito abreviada, o primeiro domínioincluiria o que vai ser ensinado diretamente na sala de aula da escola(operar com os números, calcular a área de um triângulo etc.); osegundo domínio envolveria o que o professor de matemática precisasaber para ensinar um determinado tópico, mas que não faz partedireta do que está efetivamente ensinando (conhecimento sobrediferentes formas de justificar a comutatividade da multiplicação denúmeros, sobre as interpretações quotitiva e partitiva da divisão etc.);o terceiro domínio diz respeito basicamente a conhecer os alunos emsuas relações com a aprendizagem da matemática (e.g., antecipar oque os alunos costumam achar “difícil” num determinado tópico) e oúltimo compreenderia o conhecimento sobre diferentes estratégiaspara ensinar um determinado tópico, com quais exemplos introduzir

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um conceito etc. Os autores destacam que se trata de conhecimentomatemático e não didático. É um conhecimento matemático específicoda profissão de professor da escola. Nessa mesma direção depesquisa e incorporando alguns resultados dos autores citadosacima, tenho desenvolvido, principalmente em parceria com ManuelaDavid, estudos nos quais explicitamos elementos de conflito e decontradição entre as formas científica e escolar de conhecer osobjetos matemáticos (ver, p.ex., Moreira, 2004; Moreira e David, 2005;Moreira e David, 2008). A identificação e análise desses conflitos noslevaram a propor uma distinção entre matemática acadêmica (corpode conhecimentos matemáticos tal como produzido e organizadopelos matemáticos profissionais) e matemática escolar (conjunto deconhecimentos matemáticos validados e especificamente associadosà docência escolar). A idéia relevante aqui é marcar posição a favor deuma distinção entre duas formas de conhecer os objetos matemáticos:aquela que se refere ao trabalho docente escolar em matemática eaquela apropriada ao trabalho de pesquisa científica na fronteira doconhecimento matemático. O sentido dessa distinção é contribuir paraummelhorentendimentodotrabalhodoprofessore,conseqüentemente,da organização da sua formação profissional. E o seu fundamentoimediato repousa na seguinte constatação: os matemáticos não sãoprofessores de matemática da escola e os professores de matemáticada escola não são matemáticos. São duas profissões diferentes. Ossaberes profissionais devem ser, naturalmente, diferentes.

Antes de prosseguir, cabe um esclarecimento importante:matemática escolar, para nós, não é “aquilo que se ensina na escola”,mas umconjunto de saberes profissionais associados à pratica docenteescolar em matemática. Esse conjunto é imenso. Para se ter umaidéia, ao fazer um levantamento da literatura especializada a respeitodos números racionais, uma busca no banco de dados da ERIC nosforneceu mais de 2000 trabalhos sobre o tema. Isso só sobre númerosracionais. Então, referenciar a formação do professor na matemáticaescolar ou no conhecimento matemático para o ensino (conferir aamplitude dos quatro domínios propostos por Ball e seus colegas) não

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implica “baixar o nível” da formação do professor. Essa associaçãocom “baixar o nível” resulta de uma concepção simplista do trabalhodo professor, segundo a qual este fica reduzido à mera “transmissão”de uma matemática “elementar”, desconsiderando-se a complexidadedas tarefas associadas a processos interativos, socioculturais, afetivose cognitivos, como a de ajudar crianças, adolescentes e adultos aeducar-se matematicamente, ensinando matemática na instituiçãoescola. O próprio termo “elementar” denuncia uma visão linear em quea matemática acadêmica “contém” a matemática escolar. Não é este,absolutamente, o nosso ponto de vista.

CONCLUSÃO

Concluimos retomando a questão da dicotomia e discutindobrevemente como os estudos e investigações relatados acima podemcontribuir para a prática da formação do professor de matemática.Cabe observar, em primeiro lugar, que essas pesquisas e seusresultados não resolvem, por si só, o problema da dicotomia naformação matemática do professor, mas abrem possibilidades paraa sua superação, na medida em que enfatizam a importância de seconsiderar as especificidades dos conhecimentos associados à práticada profissão docente no processo de formação do professor. Em outraspalavras, os resultados desses estudos “quebram” a lógica subjacenteao aforismo citado anteriormente: o professor de matemática daescola precisa conhecer a matemática, mas não necessariamente namesma forma que o matemático, que o engenheiro, que o biólogo etc.As pesquisas citadas demonstram concretamente que a matemáticaacadêmica não é suficiente para a formaçãomatemática do licenciando(alguns deles, mais do que isso, levantam a questão da necessidadede se investigar atémesmo se ela seria necessária e conveniente parao trabalho docente escolar). Por outro lado, os conflitos apresentadose discutidos em Moreira e David (2008) levantam uma perguntainquietante: como integrar, com um mínimo de organicidade, essasduas formas de saber matemático (a matemática acadêmica e a

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escolar) num corpo de conhecimentos que prepare adequadamenteo licenciado para o exercício profissional, de modo que ele possausufruir das contribuições de ambas?

Emsegundolugar,notamosqueessadistinçãoentrematemáticaescolar e matemática acadêmica e os esforços de caracterização deum conhecimento matemático específico para a educação matemáticaescolar colocam novos desafios, correspondentes a um novo patamarda relação formação-prática. Quais seriam esses novos desafios?Encerramos este texto com a descrição sumária de alguns deles:

• Organizar amatemática escolar e o conhecimentomatemáticopara o ensino em textos didáticos dirigidos ao futuro professor.Isso exige uma nova lógica de sistematização, em substituição àlógica axiomático-dedutiva dominante na matemática acadêmica.Concretamente, isso significa sistematizar os conhecimentos sobrenúmeros, sobre o desenvolvimento do pensamento algébrico ougeométrico, sobre os erros mais comuns dos alunos etc. a partir dasquestões que se apresentam ao professor em sua prática profissional,i.e., tendo em conta que a matemática relevante para o professorinclui, de alguma forma, a instituição escola e os alunos, não se reduza um “conteúdo” puro e simples. Observamos, por outro lado, queessa sistematização constitui um grande desafio, entre outras razões,porque precisa ser dinâmica, acompanhando as pesquisas na área,mas ao mesmo tempo não pode ser proposta como um instrumentode submissão do trabalho do professor às orientações das pesquisasacadêmicas. O texto de formação não é necessariamente o textodo professor em seu trabalho em sala de aula. O professor estáconstantemente submetido a dilemas e escolhas, em situações econdições específicas. A formação deve prover contribuições para astomadas de decisão que só a ele cabem, nas circunstâncias a eledadas.

• Desenvolver uma compreensão profunda e fundamentada dopapel da matemática acadêmica na formação do professor da escolabásica. Essa questão importante fica seguramente favorecida nessanova perspectiva em que se projeta uma concepção específica de

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formaçãomatemática “sólida” própria para o professor.Até agora, tendoem vista essa translação praticamente automática da matemática dosmatemáticos para a formação do professor, quase não se faz pesquisanessa direção. O que encontramos nesse terreno são, basicamente,opiniões fundadas no senso comum. A distinção entre matemáticaacadêmica e matemática escolar e os conflitos identificados podemestimular uma área de pesquisa que está praticamente inativa e que,no entanto, seria muito importante para o desenvolvimento profissionaldo professor desde a sua formação na licenciatura.

• Por último, o desafio permanente: se queremos formar umprofissional, no caso o professor de matemática da escola básica,temos que conhecer profundamente a prática desse profissional e asquestões que se apresentam a ele no exercício dessa prática. Essedesafio também toma novas dimensões se aceitamos a distinçãoentre matemática para o ensino e matemática acadêmica, pois apartir dessa distinção a investigação da prática docente acolhe novospressupostos e se põe novas perguntas. O que o professor não sabenão será visto necessariamente como falta de conhecimento damatemática acadêmica. E podem-se validar, nessas pesquisas, muitosdos saberes profissionais que os docentes criam e desenvolvem nasua prática, ainda que esses saberes não constituam conhecimentonovo e relevante, em termos do conhecimento matemático científico-acadêmico. Destacamos essa mudança de olhar no processo deconhecer a prática docente porque, apesar dos vários estudos jáproduzidos com outras orientações, uma tendência forte nesse campoainda é a de considerar que o saber produzido na prática do professorde matemática da escola não é conhecimento matemático, mas,para remediar o seu não-saber, a prescrição usual é a matemáticaacadêmica.

Sumarizando, podemos dizer o seguinte: apresentamos ediscutimosalgumas respostasoferecidaspela comunidadedepesquisano campo da formação de professores de matemática para a terceirae mais abrangente das questões propostas na seção “Um pontode vista e uma pergunta”. A questão é, a meu ver, muito importante

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para a discussão do problema da dicotomia formação-prática nalicenciatura em matemática e as respostas apresentadas certamentenão a esgotam. Entretanto, o conjunto dessas pesquisas, cada umacom seus fundamentos e seus pressupostos, acumula conhecimentosuficiente para sugerir a necessidade de se desenvolver um novodesenho para a formação do professor na licenciatura. Em particular,essas pesquisas apontam uma nova forma de pensar a relaçãoformação-prática: ao invés de tentar “integrar” o que foi concebido“desintegrado”, pensemos em construir um projeto de formaçãoem que o conhecimento matemático veiculado seja concebidojá intrinsecamente integrado às questões que se apresentam aoprofessor em sua prática docente escolar.

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