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Educação e sustentabilidade

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Page 1: Educação e sustentabilidade

SUSTENTABILIDADE E EDUCAÇÃOGregório Benfica1

Palavras-chave: Educação – Sustentabilidade – Ecopedagogia

INTRODUÇÃO

Tornou-se um pressuposto consensual a idéia de que existe uma estreita relação entre

educação e desenvolvimento. Isso é de tal forma que, determinados modelos de

desenvolvimento e/ou objetivos econômicos direcionam políticas educacionais. Sendo

assim, a articulação entre educação e desenvolvimento não é novidade, no entanto, quando

se pensa um novo tipo de desenvolvimento, o desenvolvimento sustentável ou

simplesmente sustentabilidade, o outro pólo do binômio, a educação, necessariamente deve

ser adjetivado. O desenvolvimento sustentável exige um novo modelo educacional.

Esse artigo pretende discutir a concepção de sustentabilidade, mais objetivamente as

perspectivas de Altvater e Sachs e se perguntar sobre o modelo educacional exigido pelo

atual momento de crise ecológica. Sabemos que as questões históricas, teóricas e éticas

envolvendo o desenvolvimento e a diferenciação entre países pobres e ricos são complexas,

no entanto, podemos, sem escamotear o problema, abordar com proveito a questão tanto do

desenvolvimento como da educação a partir das potencialidades dos modelos de um e de

outro.

1 Historiador (UFBA), Mestre em Educação e Contemporaneidade (UNEB), Professor da Universidade do Estado da Bahia. Endereço para correspondência: UNEB - Departamento de Educação, BR 110, km 03, Alagoinhas – BA, CEP: 48.000-000. Fones: (075) 3421-4986; (75) 99714403; (71) 91031903; [email protected].

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OS LIMITES E AS POSSIBILIDADES ATUAIS

Vivemos uma situação limite. Pela primeira vez na história da humanidade - não por força

de armas nucleares, mas pelo modelo de desenvolvimento, podemos destruir todas as

formas de vida sobre o planeta. Podemos dizer que o modo de produção dominante é o

modo de destruição. Por isso, em todos os países, seja nos pobres ou nos ricos, vemos

manifestações questionando o atual modelo de desenvolvimento e chamando a atenção para

questões ambientais como o aquecimento global.

Mahatma Gandhi, há 50 anos na índia, dizia que a terra era suficiente para todos, mas não

para a voracidade dos consumistas. De fato, 42% das florestas tropicais do planeta já foram

destruídas. O que vemos claramente hoje é que a nossa evolução econômico-industrial está

em contradição com a natureza como fundamento de nossa vida e a velha crença na

ilimitada capacidade do homem em resolver os impasses do desenvolvimento pelo

incremento tecnológico já não encontra tantos seguidores.

Enquanto estruturalmente avança um modelo predatório, conjunturalmente, vivemos na era

da informação em tempo real, da globalização da economia, da realidade virtual, da quebra

de fronteiras entre nações, dos escritórios virtuais, da robótica e dos sistemas de produção

automatizados. Essas transformações afetam tanto o mundo da produção e do trabalho

como também o mundo da educação e da formação de tal sorte que ambos os mundos

começam a se interpenetrar. Gadotti resume assim o nosso contexto atual:

“O cenário está dado: globalização provocada pelo avanço da revolução

tecnológica, caracterizada pela internacionalização da produção e expansão

dos fluxos financeiros; regionalização caracterizada pela formação de blocos

econômicos; fragmentação que divide globalizadores e globalizados, centro e

periferia, os que morrem de fome e os que morrem pelo consumo excessivo de

alimentos, rivalidades regionais, confrontos políticos, étnicos e confessionais,

terrorismo.” (GADOTTI, 2000, p. 34)

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É nesse contexto, que devemos pensar sustentabilidade e educação. Um dos caminhos, é se

interrogar sobre as categorias que podem explicá-las. No que diz respeito a educação, não

podemos negar a atualidade de certas categorias freireanas e marxistas na discussão sobre a

educação, contudo, necessitamos de novas categorias explicitadoras da realidade

(GADOTTI, 2000, p. 34). Quanto ao termo sustentabilidade, ele sofreu um grande desgaste,

pois se tornou a própria expressão do "absurdo lógico": desenvolvimento e sustentabilidade

seriam logicamente incompatíveis (ALTVATER, 1995, p. 305).

Porém, se considerarmos a sustentabilidade na perspectiva de muitos autores atuais, onde

sustentabilidade é mais do que um qualificativo do desenvolvimento, ou seja, uma

perspectiva que vai além da preservação dos recursos naturais e da viabilidade de um

desenvolvimento sem agressão ao meio ambiente, implicando em integração harmônica

consigo mesmo, com o outro e com o ambiente, podemos fecundar a compreensão da

educação com o novo conceito de sustentabilidade.

SUSTENTABILIDADE

O conceito de desenvolvimento sustentável foi utilizado pela primeira vez na Assembléia

Geral das Nações Unidas em 1979, indicando que o desenvolvimento poderia ser um

processo integral que inclui dimensões culturais, éticas, políticas, sociais, ambientais, e não

só econômicas. Esse conceito foi disseminado mundialmente pelos relatórios do

Worldwatch Institute na década de 80 e particularmente pelo relatório “Nosso Futuro

Comum”, produzido pela Comissão das Nações Unidas para o Meio Ambiente e

Desenvolvimento, em 1987.

Muitas foram as críticas feitas posteriormente a esse conceito, geralmente pelo seu uso

reducionista e sua trivialização, apesar de aparecer como “politicamente correto e

“moralmente nobre”. Há outras expressões que têm uma base conceptual comum e se

complementam, tais como: “desenvolvimento humano” (PNUD, 1993), “desenvolvimento

humano sustentável” (CORRAGIO, i996, p. 10) e “transformação produtiva com eqüidade”

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(CEPAL/PNUD, 1990). A expressão “desenvolvimento humano” tem a vantagem de situar

o ser humano no centro do desenvolvimento. O conceito de desenvolvimento humano,

cujos eixos centrais são “eqüidade” e “participação” está ainda em evolução, e se opõe à

concepção neoliberal de desenvolvimento. Concebe a sociedade desenvolvida como uma

sociedade eqüitativa, possível somente pela participação das pessoas.

Como o conceito de desenvolvimento sustentável, o conceito de desenvolvimento humano

é muito amplo e, por vezes, ainda vago. As Nações Unidas, nos últimos anos, passaram a

usar a expressão "desenvolvimento humano" como indicador de qualidade de vida fundado

nos índices de saúde, longevidade, maturidade psicológica, educação, ambiente limpo,

espírito comunitário e lazer criativo, que são também os traços de uma “sociedade

sustentável”, isto é, uma sociedade capaz de satisfazer as necessidades das gerações de hoje

sem comprometer a capacidade e as oportunidades das gerações futuras.

As criticas ao conceito de desenvolvimento sustentável e à própria idéia de sustentabilidade

vêm do fato de que o ambientalismo trata separadamente as questões sociais das

ambientais. O sucesso da luta ecológica dependerá muito da capacidade dos ecologistas em

convencerem a população mais pobre de que se trata não apenas de limpar os rios,

despoluir o ar, reflorestar os campos devastados para vivermos num planeta melhor num

futuro distante, mas, também, de dar uma solução simultânea aos problemas ambientais e

aos problemas sociais. Os problemas de que trata a ecologia não afetam apenas o meio

ambiente. Afetam o ser mais complexo da natureza, o ser humano.

Elmar Aitvater considera a teoria do “desenvolvimento sustentável” do Relatório

Brundtland – “um desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem colocar

em risco a possibilidade de satisfação das necessidades das gerações futuras” - uma

“fórmula vazia” (1995, p. 282). Via de regra, uma questão é deixada de lado no debate

sobre um desenvolvimento sustentável: as pessoas fazem de conta que seria possível cingir,

no plano nacional, uma economia que poupa o meio ambiente, eficiente e voltada para o

futuro, e que, simultaneamente, corresponda às restrições orçamentárias do fordismo

internacional” (idem P. 282-3).

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Altvater concorda que o desenvolvimento “deve ser economicamente eficiente,

ecologicamente suportável, politicamente democrático e socialmente justo", mas não vê

como isso pode ser feito sob o modo de produção fordista, intrinsecamente insustentável.

Essa é a maior contradição da proposta do desenvolvimento sustentável: a organização das

estruturas econômicas e sociais só permitem ser sustentável apenas de modo condicional -

somente enquanto não se colide com as restrições sistêmicas externas, sobretudo o

princípio do lucro. A conclusão é simples e realista: ser sustentável constitui norma digna

de ser efetivada, mas que só se pode converter em realidade na medida em que as

instituições básicas da sociedade sejam modificadas. (p. 295-6).

Na perspectiva de Altvater, o sonho de um capitalismo ecológico é insustentável. O

conceito de “desenvolvimento” não é um conceito neutro. Ele tem um contexto bem preciso

dentro de uma ideologia do progresso, que supõe uma concepção de história, de economia,

de sociedade e do próprio ser humano. O conceito foi utilizado numa visão colonizadora,

durante muitos anos, na qual os países do globo foram divididos entre “desenvolvidos”,

“em desenvolvimento” e “subdesenvolvidos”, remetendo-se sempre a um padrão de

industrialização e de consumo. Ou seja, existe uma incompatibilidade de princípios entre

sustentabilidade e capitalismo. O fracasso da Agenda 21 o demonstra.

Levado às suas últimas conseqüências, a utopia ou projeto do “desenvolvimento

sustentável” coloca em questão não só o crescimento econômico ilimitado e predador da

natureza, mas o modo de produção capitalista. Ele só tem sentido numa economia solidária,

numa economia regida pela compaixão e não pelo lucro. A compaixão deve ser entendida

aqui na sua concepção etimológica original de “compartilhar o sofrimento”. Na produção

de sua existência, o ser humano divide o peso da dor de forma iníqua: para muitos, a dor e

para uma minoria, o máximo de prazer e consumo (GADOTTI, p. 60-61).

Uma outra perspectiva tem Ignacy Sachs. Ele faz suas as palavras de M. S. Swaminathan

quando este afirma: “Uma nova forma de civilização, fundamentada no aproveitamento

sustentável dos recursos renováveis, não é apenas possível, mas essencial.”(SACHS, 2000,

p. 29). Segundo Sachs, para criar essa nova forma de civilização é necessário transformar o

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conhecimento dos povos antigos dos ecossistemas em um ponto e partida e não de chegada.

A questão não é retornar a um passado orgânico, mas inventar o futuro da civilização da

Biomassa. Como realizar essa proposta? A resposta é explorar o paradigma do “B ao cubo”,

ou seja, bio-bio-bio: biodiversidade-biomassa-biotécnicas.

Sachs se pergunta como planejar a sustentabilidade múltipla e desenhar uma estratégia onde

conservação e aproveitamento racional da natureza andem juntos. Uma da indicações de

Sachs é a proposta de Jyoti Parikh, o qual propôs o diagrama dos “5-F”: food, feed, fuel,

fertilizers e feedstock.(alimento, suprimento, combustível, fertilizantes e ração animal

industrializada) no qual a combinação certa dos “5-F” pode gerar uma otimização no uso da

biomassa (ídem, p. 32-33). Nesse processo de otimização, as bioctenologias terão papel

fundamental, ao aumentar a produtividade da biomassa e aumentar o número de produtos

dela derivados.

Para Sachs dois mitos devem ser derrubados: a natureza in natura (sem pessoas e suas

influências) e a reserva pela reserva. A base de seus argumentos é a inevitável simbiose

homem natureza que sempre existiu, ambos co-evoluem e biodiversidade deve se referir à

natureza e as diversas culturas. Sachs demonstra que o social, o cultural, o meio ambiente,

o econômico e a político, interna e externa, devem ser pensados juntos para uma efetiva

sustentabilidade.

A questão agora é o como. A proposta de Sachs é trina: identificar possibilidades

sustentáveis, conscientizar as pessoas e envolve-las no processo. Em outras palavras,

avaliação e educação ambiental. Sobre esta, falaremos agora.

POR UMA ECOPEDAGOGIA

Reproduzimos aqui a cronologia sintética de Gadotti que nos localiza historicamente na

relação sustentabilidade e educação:

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“A Unesco patrocinou em 1997 na Tessalônica (Grécia) uma conferência

internacional sobre ‘meio ambiente e sociedade’, centrada no tema da

educação. A Conferência da Tessalônica seguiu os passos das reuniões

anteriores da Unesco - Tbilisi (1977), Jomtien (1990), Toronto (1992),

Istambul (1993) - e a série de conferências das Nações Unidas iniciada em

1992 com a Rio-92, seguida pelas de 1994 no Cairo (população), em 1995

em Copenhague (desenvolvimento social) e Beijing (sobre a mulher) e de

1996 em Istambul (assentamentos humanos). Três anos antes, a Unesco

havia lançado a iniciativa internacional sobre ‘educação para um futuro

sustentável’, reconhecendo que a educação era a ‘chave’ do

desenvolvimento sustentável e autônomo.” (GADOTTI, 2000, p. 87)

O desenvolvimento sustentável tem um grande componente educativo: a preservação do

meio ambiente depende de uma consciência ecológica e a formação da consciência depende

da educação. É aqui que entra em cena a ecopedagogia. Ela é uma pedagogia da vivência

cotidiana com o outro, portanto, democrática e solidária. A pedagogia tradicional centrava-

se na espiritualidade, a pedagogia da escola nova, na democracia e a tecnicista, na

neutralidade científica. A ecopedagogia centra-se na relação entre os sujeitos que

aprendem juntos “em comunhão” na expressão de Paulo Freire.

A ecopedagogia é um movimento que ocorre muito mais fora da escola do que dentro dela,

tentando suprir uma lacuna que a educação ambiental deixou ao se limitar ao ambiente

externo, ao deixar de confrontar os valores sociais e ao não por em questão o aspecto

político da educação e do conhecimento.

Como se traduz na educação o princípio da sustentabilidade? Ele se traduz por perguntas

como: até que ponto há sentido no que fazemos? Até que ponto nossas ações contribuem

para a qualidade de vida dos povos e para a sua felicidade? A sustentabilidade é um

princípio reorientador da educação e principalmente dos currículos, objetivos e métodos.

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Colocada neste sentido, a ecopedagogia não é uma pedagogia a mais, ao lado de outras

pedagogias. Ela só tem sentido como projeto alternativo global, em que a preocupação não

está apenas na preservação da natureza (ecologia natural) ou no impacto das sociedades

humanas sobre os ambientes naturais (ecologia social), mas num novo modelo de

civilização sustentável do ponto de vista ecológico (ecologia integral) que implica uma

mudança nas estruturas econômicas, sociais e culturais. Ela está ligada, portanto, a um

projeto utópico: mudar as relações humanas, sociais e ambientais que temos hoje. Aqui está

o sentido profundo da ecopedagogia, ou de uma pedagogia da Terra, como a chama

Gadotti.

Foi durante a realização do Fórum Global 92, no qual se discutiu muito a educação

ambiental, que se percebeu a importância de uma pedagogia do desenvolvimento

sustentável ou de uma ecopedagogia. Hoje, porém, a ecopedagogia tornou-se um

movimento e uma perspectiva da educação maior do que uma pedagogia do

desenvolvimento sustentável. Ela está mais para a educação sustentável, para uma eco-

educação, que é mais ampla do que a educação ambiental. A educação sustentável não se

preocupa apenas com uma relação saudável com o meio ambiente, mas com o sentido mais

profundo do que fazemos com a nossa existência, a partir da vida cotidiana. A

ecopedagogia não se opõe à educação ambiental. Ao contrário, para a ecopedagogia a

educação ambiental é um pressuposto. A ecopedagogia a incorpora e oferece estratégias,

propostas e meios para a sua realização concreta.

CONCLUSÃO

Reconhecemos que a educação sozinha não pode enfrentar os fatores mais determinantes da

insustentabilidade: o rápido crescimento da população mundial, a persistência da pobreza

generalizada, a expansão de processos industriais predatórios em todo o mundo, a negação

da democracia econômica e a violação dos direitos humanos. De maneira simples e direta, o

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fato de que atualmente, 25 % da população do mundo consome 75% dos recursos naturais

do planeta.

No entanto, a educação concebida não como escolarização pode, e deve, ter um peso na luta

pela sustentabilidade econômica, política e social. Processos não formais, informais e

formais já estão conscientizando muitas pessoas e intervindo positivamente. Reformas

educacionais como as de Toronto, no Canadá, já introduzem mudanças na forma de

conceberem os conteúdos curriculares, buscando novos elementos para uma alfabetização

ambiental. As pedagogias tradicionais, fundadas no princípio da competitividade, da

seleção e da classificação, não dão conta da formação de um cidadão que precisa ser mais

ativo, cooperativo e criativo. A sensibilização e a formação ético-política de setores, cada

vez maiores da opinião pública, são essenciais para deslanchar um processo mais sólido e

criar as condições sociais mais propícias que possibilitem a sustentabilidade social e

econômica. E essa é a tarefa da ecopedgogia.

BIBLIOGRAFIA

ALTVATER, Elmar. O preço da Riqueza: pilhagem ambiental e a nova (des)ordem mundial. São Paulo: UNESP, 1995.

CEPAL/PNUD. Transformación productiva com equidad. Chile, Santiago: CEPAL, 1990.

CORAGGIO, José Luiz. Desenvolvimento Humano e Educação. São Paulo: Cortez/IPF, 1996.FURTADO, Celso. O Mito do Desenvolvimento Econômico, Rio de Janeiro: Paz e terra, 1996. (versão da primeira edição de 1974)

GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra. São Paulo: Peirópolis, 2000.

INSTITUTO Paulo Freire. Resumos do Primeiro Encontro Internacional da Carta da Terra na Perspectiva da Educação. São Paulo: IPF, 1999.

SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento Sustentável. Rio de janeiro: Garamound, 2000.

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