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93 Resumo A compreensão dos processos e mecanismos macroevolutivos que levaram ao surgimento dos grandes grupos de organismos multicelulares fica difícil quando vista como mera extensão de processos microevolutivos. Muitos destes problemas foram resolvidos nas últimas décadas com os avanços das pesquisas em Biologia e Genética do Desenvolvimen- to. A análise de diferentes genes reguladores na embriogênese de Drosophila melanogaster e de camundongos mostrou grande número de genes homólogos, não apenas pela sua similaridade na seqüência de nucleotídeos, mas também na sua fun- ção. Muitos destes genes, como os genes Hox, são genes reguladores-mestres que integram complexas redes gênicas. Assim definem a identidade de segmen- tos ao longo do eixo ântero-posterior do corpo, ou, no caso de Pax6, induzem a formação de estruturas altamente complexas, tais como as dos olhos. A conservação observada na estrutura e função da maioria dos genes reguladores da embriogênese dos metazoários e o fato de que todos os filos deste grupo surgiram em curto espaço de tempo, de poucos milhões de anos, no início do Cambriano, sugerem uma base comum na “bagagem genética” ou “ferra- mentas genéticas” que regulam os processos de desenvolvimento. Outrossim, pequenas mutações nas regiões cisregulatórias destes genes podem alterar os seus domínios de expressão e assim gerar uma grande variedade nos planos do corpo dos metazoários. Palavras chave: eixos embrionários / homeobox / plano do corpo / ontogênese / filogênese 1. Introdução Entender a interação recíproca dos mecanismos do de- senvolvimento e a evolução dos grandes grupos é um ve- lho sonho de biólogos, desde as vívidas discussões da Academie Française do final do século 18, que emergi- ram com o surgimento de idéias evolucionistas. Essas dis- cussões se intensificaram ainda mais com a publicação da “Origem das Espécies” de Charles Darwin e a provocativa formulação da lei biogenética (ontogênese é a recapitulação da filogênese) por Ernst Haeckel, con- temporâneo e grande defensor de Darwin. Em poucas palavras, o sonho é entender os mecanismos da macroevolução, isto é, quais mecanismos e fatores regem não só a conservação como também a transformação dos planos do corpo no reino animal. De forma mais precisa, é necessário responder às seguintes perguntas: Como se definem geneticamente os planos do corpo? Quais são as redes gênicas garanti- doras de que um organismo multicelular forme-se corretamente a partir de um óvulo? Como evoluíram es- tes mecanismos? Qual é o potencial evolutivo destes me- canismos, ou, como surgiram, apartir de formas mais sim- ples e em processos de ramificação evolutiva, os diferen- tes planos do corpo dos atuais 35 filos do reino animal? Nos últimos 25 anos, a identificação e caracteri- zação de genes que regulam processos de desenvolvimento em organismos-modelo, tais como Drosophila melanogaster e o nematódeo Caenorhabditis elegans, bem como a comparação destes genes com os seus homólogos presentes em outros organismos têm contribu- ído muito e modificado significativamente a maneira de se pensar sobre a interação e dependência mútua entre de- senvolvimento de um organismo (ontogênese) e a evolu- ção de grupos de organismos (filogênese). GENÉTICA DO DESENVOLVIMENTO E EVOLUÇÃO DOS GRANDES GRUPOS DE ANIMAIS Klaus Hartfelder Departamento de Biologia Celular e Molecular e Bioagentes Patogênicos Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo Avenida Bandeirantes 3900, 14049-900 Ribeirão Preto, SP email: [email protected] 01.02, 93-100 (2006) www.sgb.org.br

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ResumoA compreensão dos processos e mecanismosmacroevolutivos que levaram ao surgimento dosgrandes grupos de organismos multicelulares fica difícilquando vista como mera extensão de processosmicroevolutivos. Muitos destes problemas foramresolvidos nas últimas décadas com os avanços daspesquisas em Biologia e Genética do Desenvolvimen-to. A análise de diferentes genes reguladores naembriogênese de Drosophila melanogaster e decamundongos mostrou grande número de geneshomólogos, não apenas pela sua similaridade naseqüência de nucleotídeos, mas também na sua fun-ção. Muitos destes genes, como os genes Hox, sãogenes reguladores-mestres que integram complexasredes gênicas. Assim definem a identidade de segmen-tos ao longo do eixo ântero-posterior do corpo, ou,no caso de Pax6, induzem a formação de estruturasaltamente complexas, tais como as dos olhos. Aconservação observada na estrutura e função damaioria dos genes reguladores da embriogênese dosmetazoários e o fato de que todos os filos deste gruposurgiram em curto espaço de tempo, de poucosmilhões de anos, no início do Cambriano, sugeremuma base comum na “bagagem genética” ou “ferra-mentas genéticas” que regulam os processos dedesenvolvimento. Outrossim, pequenas mutações nasregiões cisregulatórias destes genes podem alterar osseus domínios de expressão e assim gerar uma grandevariedade nos planos do corpo dos metazoários.

Palavras chave: eixos embrionários / homeobox /plano do corpo / ontogênese / filogênese

1. IntroduçãoEntender a interação recíproca dos mecanismos do de-senvolvimento e a evolução dos grandes grupos é um ve-lho sonho de biólogos, desde as vívidas discussões daAcademie Française do final do século 18, que emergi-ram com o surgimento de idéias evolucionistas. Essas dis-cussões se intensificaram ainda mais com a publicaçãoda “Origem das Espécies” de Charles Darwin e aprovocativa formulação da lei biogenética (ontogêneseé a recapitulação da filogênese) por Ernst Haeckel, con-temporâneo e grande defensor de Darwin. Em poucaspalavras, o sonho é entender os mecanismos damacroevolução, isto é, quais mecanismos e fatores regemnão só a conservação como também a transformação dosplanos do corpo no reino animal.

De forma mais precisa, é necessário responderàs seguintes perguntas: Como se definem geneticamenteos planos do corpo? Quais são as redes gênicas garanti-doras de que um organismo multicelular forme-secorretamente a partir de um óvulo? Como evoluíram es-tes mecanismos? Qual é o potencial evolutivo destes me-canismos, ou, como surgiram, apartir de formas mais sim-ples e em processos de ramificação evolutiva, os diferen-tes planos do corpo dos atuais 35 filos do reino animal?

Nos últimos 25 anos, a identificação e caracteri-zação de genes que regulam processos de desenvolvimentoem organismos-modelo, tais como Drosophilamelanogaster e o nematódeo Caenorhabditis elegans,bem como a comparação destes genes com os seushomólogos presentes em outros organismos têm contribu-ído muito e modificado significativamente a maneira de sepensar sobre a interação e dependência mútua entre de-senvolvimento de um organismo (ontogênese) e a evolu-ção de grupos de organismos (filogênese).

GENÉTICA DO DESENVOLVIMENTO E EVOLUÇÃO DOS GRANDESGRUPOS DE ANIMAISKlaus HartfelderDepartamento de Biologia Celular e Molecular e Bioagentes PatogênicosFaculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São PauloAvenida Bandeirantes 3900, 14049-900 Ribeirão Preto, SPemail: [email protected]

01.02, 93-100 (2006)www.sgb.org.br

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2. Embriologia – a descrição das fases e processosde desenvolvimentoCada organismo multicelular do reino animal, das maissimples esponjas até os mais complexos artrópodos e ver-tebrados, surge a partir de um óvulo. O óvulo é sempreuma estrutura de geometria aparentemente simples, re-donda ou elipsóide. Por inferências baseadas em obser-vações meticulosas dos processos de desenvolvimentochegou-se à conclusão de que os eixos embrionáriosântero-posterior, dorso-ventral, e, conseqüentemente, oeixo direito-esquerdo são estabelecidos logo no início dodesenvolvimento por quebra de simetria. Na maioria doscasos, isto ocorre no zigoto, que é o produto imediato dafusão dos gametas masculinos e femininos, na reprodu-ção sexual. Nos anfíbios, por exemplo, é o ponto de contatodo espermatozóide com o óvulo que determina o eixo dor-so-ventral do embrião. Já nos insetos, os eixos embrioná-rios são definidos ainda mais cedo, durante a ovogênese.

O primeiro passo no desenvolvimento embrioná-rio, após a formação do zigoto, é a sua subdivisão pormitoses rápidas em um processo denominado clivagem.Estas divisões mitóticas têm como resultado uma blástula,que é aproximadamente do tamanho do óvulo, pois as di-visões de clivagem ocorrem sem crescimento das res-pectivas células, os blastômeros, quando a blástula atingeum número alto de células (geralmente entre 500 e 5.000)e formou-se um espaço oco no seu interior, a blastocele.Neste momento, algumas células posicionadas em regi-ões específicas da blástula deslocam-se da camada ex-terna e começam a ingressar na blastocele. Através des-te processo, denominado gastrulação, formam-se os trêsfolhetos embrionários, o ectoderma (que gerará a epidermee sistema nervoso), o mesoderma (a futura musculatura,sistema cardiovascular e sistema urogenital) e oendoderma (futuro trato gastro-intestinal). A maioria dosmetazoários tem três folhetos embrionários, sendo por-tanto denominados triblásticos, o que os distingue dos gru-pos mais primitivos dos metazoários, as esponjas e cnidáriosque são diblásticos, isto é, sem mesoderma (a questão domesoderma, em relação aos cnidários, está atualmenteem discussão).

Nos séculos 18 e 19, embriologistas mostraram,em análises meticulosas, que a gastrulação não se iniciaem posição aleatória sobre blástula. No caso dosequinodermas, tendo os ouriços-do-mar como modeloembriológico e dos cordados (incluindo os peixes, anfíbi-os, répteis, aves e mamíferos), a gastrulação, e assim aformação do arquêntero (intestino primordial), inicia-se nopólo posterior (região anal presumível) do futuro intestino.Conseqüentemente, estes dois filos foram agrupados noclade dos Deuterostômios. Na maioria dos outros filos(anelídeos, moluscos, artrópodos, platelmintos) agastrulação inicia-se no pólo anterior (região bucalpresumível) do futuro intestino, recebendo assim, a deno-minação de Protostômios para estes filos.

Após a gastrulação, as células que compõem osfolhetos embrionários passam por processos de diferenci-ação que dependem da sua respectiva posição no corpo.Assim se formam, em processo chamado organogênese,os órgãos característicos para cada filo, sendo, no casodos vertebrados, o tubo neural com as vesículas cefálicase as suas respectivas estruturas sensoriais (nariz, olho,ouvido), a musculatura segmentar a partir dos somitos, asextremidades (nadadeiras, pernas ou asas), o coração naregião ventral do corpo, e os arcos branqueais na regiãobucal.

3. O plano do corpo e a fase filotípicaAs características já mencionadas são apresen-

tadas por todos os vertebrados durante uma determinadafase da organogênese e é nesta fase, portanto, que umembrião de peixe é muito parecido com um embrião degalinha ou porco. Nos vertebrados esta fase foi denomi-nada faríngula. Esta fase, que caracteriza o filo comoum todo, é considerada a fase filotípica. Posterior a estafase, a diferenciação dos órgãos progride e os embriõesdos diferentes vertebrados gradualmente exibem as suascaracterísticas de família, gênero e espécie. Vista destaforma, a fase filotípica de qualquer grupo do reino animalpode ser interpretado como o gargalo de uma ampulhetapelo qual os embriões de um filo devem passar.

Esta imagem comparativa é bastante ilustrativapois implica que os embriões dos respectivos grupos po-dem exibir diferenças consideráveis não somente após afase filotípica, mas também antes de sua passagem porela. Estas fases iniciais da embriogênese são, na maioriados casos, determinadas pelo tamanho e estrutura do óvulo.No caso de alguns vertebrados, por exemplo, o óvulo dosrépteis e aves, devido à grande quantidade de vitelo, nãosofre uma clivagem total e, ao longo do eixo dorso-ven-tral, pode-se detectar a formação do sistema segmentardos gânglios do sistema nervoso central. O intestino estáem fase de formação, o lado dorsal está em processo defechamento e tem início a formação do coração.

Obviamente, em termos puramente descritivos,pelo simples fato de a diferenciação espécie-específicainiciar-se mais cedo nos artrópodos do que nos vertebra-dos, a fase filotípica dos artrópodos representa uma faseda organogênese bem mais inicial do que a faríngula dosvertebrados. Mesmo assim podem ser comparadosdiretamente os dois grupos quando se consideram os genesexpressos durante esta fase filotípica. Os genes que têmrelevância, nesta comparação, não são genes estruturais,que, geralmente, são genes codificadores de enzimasmetabólicas ou de actina, tubulina, canais de sódio e ou-tros, mas sim genes que definem o destino de segmentosinteiros do corpo, portanto, genes reguladores, cuja fun-ção é desencadear cascatas de outros genes nos proces-sos de diferenciação.

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4 Genes reguladores do desenvolvimentoAté poucos anos, os únicos organismos-modelo,

abrangentes no que diz respeito a cascatas ou redes deexpressão gênica durante o desenvolvimento embrioná-rio, eram a mosca das frutas, Drosophila melanogaster- que continua a ser a campeã nestas pesquisas - e onematódeo Caenorhabditis elegans. Mais recentemen-te, os estudos de genética do desenvolvimento e expres-são estenderam-se para dois modelos em vertebrados, opeixe Danio rerio (o paulistinha dos nossos aquários) e ocamundongo, Mus musculus. O rastreamento extenso paragenes reguladores de processos do desenvolvimento em-brionário foi realizado através da saturação dos seuscromossomos por mutações induzidas, seguida pela análi-se em milhares de embriões dos fenótipos resultantes. Umavez mapeados, os respectivos genes e as suas regiõesreguladoras podiam ser seqüenciados. Desta forma con-seguiu-se distinguir duas grandes classes de genes, a pri-meira correspondente aos genes codificadores de fatoresmaternos e, a segunda, aos genes zigóticos.

Genes codificadores de fatores maternos sãotranscritos durante a formação do ovócito, isto é, antesque o óvulo seja fecundado. Os seus respectivos mRNAssão posicionados em determinadas regiões do ovócito.Minutos após a fecundação, estes mRNAs são traduzi-dos em proteínas que ocuparão o mesmo lugar no zigoto.Por exemplo, o eixo ântero-posterior do embrião deDrosophila melanogaster é definido pelo posicionamentodas proteínas Bicoid (anterior) e Nanos (posterior).

Além do eixo ântero-posterior, os fatores mater-nos também definem o eixo dorso-ventral, marcado pelaexpressão de uma bateria de genes (incluindo, emDrosophila, os genes pipe, easter, spätzle). As proteí-nas codificadas por estes mRNAs têm uma meia vidamuito curta e o seu papel principal é o de controlar a ex-pressão de genes do próprio embrião. Estes, subseqüen-temente, refinam esta informação posicional. No caso doeixo dorso-ventral, a presença da proteína Spätzle, no ladoventral do embrião de Drosophila, tem como conseqüên-cia a expressão de genes marcadores do lado ventral (twiste snail, por exemplo) nas células ventrais do embrião esão justamente estas células que posteriormente iniciam oprocesso da gastrulação. A ausência do fator Spätzle, nolado dorsal do ovo, por sua vez, permite que neste lado doembrião seja expresso o gene decapentaplegic.

Ao longo do eixo ântero-posterior, o estabeleci-mento da organização segmentar do corpo e aespecificação de cada segmento requerem uma cascatareguladora mais complexa para que o segmento antenal,por exemplo, torne-se diferente do mandibular, este domaxilar, e assim por diante, até o último segmento abdo-minal. Os fatores maternos supramencionados, Bicoid eNanos, têm a função de ativar (ou inibir) a expressão deum grupo de genes zigóticos iniciais (dos quais os princi-pais são os genes hunchback, Krüppel e knirps) que

definem domínios grandes ao longo do eixo ântero-poste-rior. Estes genes controlam então a expressão de genesque, por sua vez, definem elementos repetitivos corres-pondentes a módulos de dois segmentos. Por isto, estesgenes receberam o nome “genes regra de pares” (evenskipped, hairy, paired, fushi tarazu, etc.). Por fim, es-tes “genes regra de pares” estabelecem o padrão seg-mentar do corpo e, em combinação com os produtos dosgenes hunchback, Krüppel e knirps, informam cadasegmento sobre a sua posição relativa ao longo do eixoântero-posterior do embrião. A expressão de todos estesgenes é transitória e, em Drosophila, inicia-se e tambémtermina dentro das primeiras duas horas da embriogênese,sendo esta a fase de clivagem.

No final da clivagem, as células que passarampor todos estes passos de expressão gênica já receberama informação necessária sobre a sua posição e, logo apósestas, começam a expressar um conjunto de geneshomeóticos que permitem que os segmentos do corpomantenham a sua identidade e expressem adequadamen-te as suas características. Estes genes homeóticos, quesão também conhecidos como genes Hox devido a umelemento característico na sua seqüência de nucleotídeos,a homeobox, são genes de grande importância pois cadaum destes controla a expressão de milhares de outrosgenes. Os genes Hox são verdadeiros genes-mestres naconstrução do corpo e mutaçôes nestes genes, geralmen-te, acarretam conseqüências gravíssimas. Um exemploclássico é ilustrado na Figura 1, uma Drosophila mutanteem um gene homeótico (Ultrabithorax). Esta sofreu umatransformação completa do terceiro segmento do tórax,passando a ter todas as características de um segmentomesotorácico (o segundo segmento do tórax).

A descoberta destes genes-mestres da organiza-ção do corpo da Drosophila, e o fato de que a organiza-ção segmentar do corpo, com elementos característicosem cada segmento, pode ser observada em muitos gruposde animais, inclusive nos mamíferos, possibilitou pesqui-sas sobre genes com funções parecidas nos demais ani-mais pertencentes à clade Bilatéria. A resposta era tantochocante quanto de grande beleza, pois se demonstrounão somente a existência de genes homólogos aos Hoxde Drosophila em todos os Bilateria, como também aconservação do seu padrão de expressão ao longo do eixoântero-posterior. Mais surpreendente ainda foi a desco-berta de que não somente existem homólogos destes geneshomeóticos em quase todos os grupos de animais, masque também a sua organização gênica foi mantida ao lon-go da evolução dos grupos. Nos genomas de todos osgrupos, os genes Hox ficam agrupados em clusters, e ogene que ocupa a primeira posição no cluster quase sem-pre é o gene que é expresso em uma posição mais anteri-or no eixo do corpo; o segundo gene do cluster apareceem seguida no corpo, e assim por adiante. Chama-se estefenômeno de colinearidade entre a posição cromossômica

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dos genes Hox e os seus respectivos domínios de expres-são ao longo eixo ântero-posterior do corpo.

Além destes genes-mestres da identidade de seg-mentos, foram descobertos outros genes com caracterís-ticas similares, isto é, genes que ocupam o topo da hierar-

quia em cascatas gênicas, e que assim regulam a expres-são de milhares de outros genes reguladores e estrutu-rais. Um destes é o gene Pax6 que é capaz de induzir aformação completa de olhos. Como os Hox, os genes Paxtambém mostram alto grau de conservação evolutiva, tantoque foi possível substituir funcionalmente o gene eyeless(o homólogo de Pax6) em uma Drosophila pelo genePax6 de camundongo. Quando tal Drosophila, recebeuo gene Pax6 de camundongo por transformação gênicapara expressão ectópica (expressão gênica fora do lugarnormal), podia-se observar a formação correta de um olhonormal (de Drosophila, é claro, e não de camundongo)pelo disco imaginal da asa e também da antena. A conclu-são tirada a partir destes experimentos, portanto, foi a deque o gene Pax6 é essencial para ativar uma bateria degenes que, por sua vez, são responsáveis para formar umolho em uma determinada região do corpo. Porém, seriaum engano chamar o gene Pax6 de “gene do olho”, pelofato de Pax6 ser expresso também em outros tecidos ondeexerce funções totalmente diferentes. No pâncreas, porexemplo, o mesmo gene, em conjunto com Pax4, progra-ma as células endócrinas, nas ilhotas de Langerhans, a sediferenciar e produzir insulina ou glucagona. Portanto, di-ferentemente dos genes homeóticos, os genes do grupoPax estão envolvidos em uma série de cascatas gênicasque definem o destino e o caminho de diferenciação decélulas em diferentes locais do corpo.

5. Dorsal em vertebrados é ventral em insetos?Esta questão não é apenas intrigante mas tam-

bém bastante antiga – a mesma foi levantada em 1830durante as debates na Academie Française entre ÉtienneGeoffroy Saint-Hilaire e Georges Cuvier. Por inferência,a partir dos planos básicos de corpo, Saint-Hilaire propôsque a organização do eixo dorso-ventral do corpo dosanelídeos e artrópodos pode ser facilmente comparada àdos vertebrados quando se invertem os respectivos eixos.Esta visão também concordava com a respectiva locali-zação do blastóporo nestes grupos, isto é, o local onde seinicia o processo da gastrulação. Nos anelídeos eartrópodos, que são membros do grande grupo dosProtostômios, a gastrulação inicia-se no pólo anterior doeixo embrionário e coincide com a futura região bucal. János vertebrados, que pertencem ao grupo dosDeuterostômios, tal processo é iniciado na região posteri-or do embrião que corresponde à futura região anal. Du-rante a gastrulação, o mesoderma ingressa e posiciona-seentre o ectoderma e endoderma. O mesoderma dará ori-gem a uma série de tecidos diferentes, entre outros, àmusculatura segmentar do corpo, às vértebras, ao siste-ma cardiovascular, e, em interação com o endoderma, tam-bém originará uma série de órgãos internos do corpo como,por exemplo, os pulmões, o fígado e o pâncreas.

Sem confirmação experimental, esquemas desse tipoeram, por muitas décadas, considerados como simples“biologia de papel e lápis” pela maioria dos pesquisadoresinteressados em entender mecanisticamente o desenvol-vimento animal. A grande surpresa, porém, veio quandoforam descobertos e estudados os genes que organizam oeixo dorso-ventral nos diferentes grupos dos Bilateria(Fig.2).

Era realmente surpreendente observar genes, con-siderados como homólogos (ortólogos) pela sua seqüêncianucleotídica, serem expressos também em locais corres-pondentes ao longo do eixo dorso-ventral dos dois grupos.Aparentemente, estes genes exercem as mesmas funçõesou, pelo menos, funções similares nos dois grupos. Porexemplo, decapentaplegic dos artrópodos tem BMP4como homólogo nos vertebrados e ambos são expressosem posição similar, no lado oposto ao sistema neuraltorácico/abdominal. Aliás, em testes verdadeiramente fun-cionais, realizados em drosófilas transgênicas, foram de-monstrados que os respectivos genes dos vertebrados sãocapazes de substituir os genes correspondentes da mos-ca. Considerando-se que a separação entre protostômiose deuterostômios deve ter acontecido já nas fases iniciaisda evolução dos Bilateria, há mais de 500 milhões de anos,durante o Cambriano, este grau de conservação estrutu-ral e funcional nos genes do eixo dorso-ventral está muitoalém do que os embriologistas imaginavam vinte anos atrás.

6. A conservação de módulos de regulação gênica

Figura 1: Mutação homeótica em Drosophila melanogaster.Mutação tripla na região cisregulatória do gene Ultrabithoraxcausou a transformação completa da identidade do segmentometatorácico em uma repetição do segmento mesotorácico. Oresultado é uma mosca com quatro asas anteriores. (Fotografiade E.B. Lewis)

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no desenvolvimentoNa discussão sobre os genes reguladores dos ei-

xos ântero-posterior e dorso-ventral ficou claro que selida com elementos altamente conservados na evoluçãodos metazoários, porém trata-se de dois modos diferentesde conservação. No primeiro exemplo, a dos geneshomeóticos, trata-se de genes que são expressos de for-ma persistente ao longo do eixo ântero-posterior a partirda fase filotípica (a banda germinativa segmentada nosartrópodos e a faríngula, nos vertebrados) até a fase adul-ta. Assim, cada região do corpo ao longo desse eixo rece-be, como estampa, um “código Hox”, que é nada mais,nada menos do que a somatória dos genes Hox expressosem uma determinada região do corpo (Fig. 3). As proteí-nas codificadas pelos genes Hox funcionam todas comofatores de transcrição que regulam, em cada região docorpo, um grande conjunto de genes estruturais.

Em contraste, os genes do grupo Pax e os genesapresentados como elementos organizadores do eixo dor-so-ventral são expressos apenas transitoriamente durantedeterminados períodos da organogênese. Muitos destesgenes codificam proteínas sinalizadoras e os seus respec-tivos receptores e, assim, representam módulos integra-dos que constituem verdadeiras redes de sinalização intere intracelular. Exemplos interessantes são as proteínasmorfogenéticas dos ossos (bone morphogenetic proteins,as BMPs). Esta família de proteínas tem funções muitoalém das de regular o crescimento ósseo, onde foram pri-meiramente descritas. Um membro destas BMPs, aBMP4, já foi mencionado como fator importante na orga-nização do eixo dorso-ventral. Funcionalmente, BMP4,quando secretada, liga-se ao seu receptor (tipotirosinaquinase, RTK) nas células vizinhas e lá inicia umacascata de reações intracelulares através de proteínassinalizadoras (Smads). Este módulo sinalizador é empre-

Figura 2: Similaridade e paralelos na organização do eixo dorsoventral em vertebrados e invertebrados (por exemplo,anelídeo). A similaridade fica aparente quando são invertidas as posições dorsal e ventral, respectivamente, já foi notada nosséculos dezoito e dezenove, principalmente pelos morfologistas franceses (painel superior). Interessantemente, tal similaridadenão é apenas um produto virtual, abstraído de formas reais pelos biólogos, mas tem uma base genética na organização dosdomínios de expressão de vários genes reguladores ao longo do eixo dorsoventral (painel inferior). Entre os genes homólogosnos vertebrados e invertebrados destacam-se o complexo achaete-scute (as-sc) e o sistema Notch-Delta (N-D), envolvidos nadeterminação do sistema neural. Os genes BMP4 e decapentaplegic (dpp) estão envolvidos na diferenciação de estruturaslatero-dorsais e de estruturas derivadas da interação ectoderma-mesoderma. Desta interação também participam os genessonic hedgehog (shh) e hedgehog (hh). No mesoderma ventral, os genes Csx e tinman determinam a diferenciação do sistemacardiovascular nos vertebrados e invertebrados, respectivamente (modificado de Gerhart e Kirschner, 1997, Development,Genes and Evolution, Blackwell - copyright).

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gado em uma série de funções que especificam o desen-volvimento de células embrionárias em diferentes contex-tos, e conforme disso, o padrão de expressão de BMP4muda de local ao longo da embriogênese,

Tais exemplos de conservacionismo no desenvol-vimento embrionário dos proto- e deuterostômios servempara ilustrar como módulos funcionais de regulação gênicae da comunicação entre células podem ser utilizados emdiversos contextos. Portanto, em termos evolutivos, esteconservacionismo, além de refletir uma descendência co-mum nos grandes grupos, também pode ser visto como amaneira mais econômica e segura (pois evolutivamente játestada) para os metazoários estarem organizados em seudesenvolvimento ontogenético.

7. Flexibilidade em processos de desenvolvimentoe evolução de espéciesEntão, com tanta conservação, como foi possível gerartanta biodiversidade e modos diferentes de desenvolvi-mento? A resposta foi dada de forma bastante clara porEric Davidson, um dos pesquisadores atualmente mais

influentes na área de biologia do desenvolvimento. Estepesquisador considera como fundamental a estrutura cis-regulatória das redes de genes do desenvolvimento. Ele-mento chave neste modelo é o entendimento da arquiteturada região controladora de cada gene, sendo esta um do-mínio de DNA localizado geralmente antes de um gene.Tal região contém uma série de seqüências nucleotídicasonde proteínas reguladores (por exemplo, fatores de trans-crição) podem se ligar ao sítios específicos no DNA. De-pendendo da arquitetura desta região, tais proteínas regu-ladoras podem estimular ou reprimir a expressão do geneem consideração. Um exemplo interessante foi encontra-do recentemente quando se comparou a arquitetura regu-ladora, cis, do gene Ultrabithorax (Ubx), um genehomeótico que está envolvido na definição dos segmentosportadores de pernas em insetos e crustáceos. O gene éextremamente conservado entre insetos e crustáceos, masuma pequena diferença na sua região controladora res-tringe a expressão de Ubx aos segmentos torácicos nosinsetos, assim impedindo a formação de pernas nos de-mais segmentos, enquanto nos crustáceos a expressão deUbx é “permitida” em regiões mais posteriores, garantin-do a formação de apêndices também nos segmentos ab-dominais.

Além desta flexibilidade genética evolutiva nas re-giões controladoras de genes relevantes ao desenvolvi-mento podem também ser citados exemplos de flexibili-dade epigenética. O exemplo mais informativo encontra-se provavelmente na formação dos vasos sanguíneos dosvertebrados. No processo da vasculogênese apenas aposição dos grandes vasos, como a aorta dorsal, é geneti-camente especificada, enquanto os vasos periféricos ra-mificam-se de forma quase aleatória, bastando para istoverificar os percursos das veias nos braços, esquerdo edireito. Os vasos ramificam-se conforme as necessida-des de oxigenação dos tecidos pelos quais passam. Ostecidos liberam fatores angiogênicos que induzem divisão

Figura 3: Domínios espaciais da expressão de geneshomeóticos (Hox) em artrópodos (Drosophila melanogaster) evertebrados (camundongo). O painel superior mostra a relaçãoentre os genes homeóticos dos clusters Antennapedia eBithorax com os respectivos segmentos. No painel médio podeser observada a colinearidade na expressão dos geneshomeóticos (os respectivos domínios de expressão estãomarcados por barras) com a arquitetura cromossômica. Omesmo princípio, de colinearidade na expressão e arranjocromossômico dos genes, encontrado nos artrópodos, ficoupreservado também nos vertebrados. Nestes, o padrão ântero-posterior dos domínios Hox pode ser observado com maisclareza no tubo neural. Além disso, os vertebrados apresentamquatro conjuntos quase completos de genes Hox (HoxA, HoxB,HoxC, HoxD), cada cluster com até 13 genes (modificado deGerhart e Kirschner, 1997, Development, Genes and Evolution,Blackwell - copyright).

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localizada nas células endoteliais e desta forma atraemvasos que possam providenciar oxigênio e nutrientes aosrespectivos tecidos em desenvolvimento.

Um outro exemplo de flexibilidade encontramos nocrescimento axonal, isto é, no estabelecimento dasprojeções neuronais. Os cones de crescimento nos termi-nais axonais contêm múltiplos receptores para fatores decrescimento neural. Estes fatores encontram-se na lâmi-na basal das células sobre as quais os axônios migram.Tais sinais , porém, são apresentados apenas durante umtempo restrito, assim restringindo, em tempo e espaço, aspossibilidades do crescimento das projeções neuronais.

Sem dúvida, o exemplo mais ilustrativo da flexibili-dade no desenvolvimento, é a crista neural dos vertebra-dos. As células da crista neural, localizadas inicialmentenas bordas das pregas neurais, tornam-se células migra-tórias e saem do contexto epitelial quando o tubo neuralse fecha. No tórax, as células da crista neural podem se-guir duas rotas principais. Na primeira, as células da cris-ta neural atravessam as unidades segmentares do corpo,os somitos enquanto, na segunda, as mesmas migram maisperifericamente entre o ectoderma e o dermomiótomo.Conforme a rota migratória, as células da crista neuraltêm destinos diferentes e contribuem para o desenvolvi-mento de uma série de tecidos, desde estruturas ósseas,musculares e nervos do viscerocrânio, elementos dos ar-cos branquiais, inclusive dentes, partes do timo, cartila-gem do ouvido interno, até os gânglios dorsais e simpáti-cos, a medula adrenal, gânglios parassimpáticos intesti-nais e, por fim, até os melanócitos e alguns elementoscardíacos. Devido a este grande potencial de flexibilidadeontogenética, a crista neural é capaz de produzir fenótiposbastante diferenciados nos vertebrados como, por exem-plo, nas raças de cães, que são resultantes da seleçãohumana sobre certas características faciais e de colora-ção. Essencialmente, todos estes fenótipos dos caninospuderam ser selecionados devido a variabilidade genotípicano número e nos padrões migratórios das células da cristaneural.

8. A “explosão cambriana”Voltando às observações sobre o conservacionismo

nos padrões de desenvolvimento embrionário e nos genesenvolvidos, pode-se refletir agora sobre as possíveis ori-gens destes padrões. Ao se tentar relacionar os diferen-tes padrões de desenvolvimento à história fóssil, é possí-vel notar que a evolução destes padrões de desenvolvi-mento não pode ter seguido um percurso gradual, comlenta transição de um padrão para outro, uma vez que aevolução de todos os grandes grupos dos Bilateria apa-rentemente ocorreu em apenas 35 a 40 milhões de anos,na transição da época proterozóica (Vendiano) para oCambriano, entre 560 e 520 milhões de anos. A fauna demetazoários vendianos de 580 milhões de anos era com-posta quase exclusivamente de animais diblásticos, isto é,

de organismos estruturalmente similares aos cnidários.János principais depósitos fossilíferos do cambriano, data-dos entre 530 a 520 milhões de anos, encontram-se repre-sentantes de todos os atuais filos triblásticos, além de exem-plares cujo plano do corpo não se adequou a nenhum dosfilos atuais. A fauna presente no início do cambriano, queera exclusivamente marinha, aparentemente sofreu umaradiação explosiva, devido a condições favoráveis (tem-peratura e conteúdo de oxigênio nas encostas marinhasrasas), gerando todos os planos corporais atuais, além deoutros “experimentais” que aparentemente não passarampelo teste da seleção natural.

Obviamente, tais formas novas não podem ter sur-gido do nada e, portanto, as pesquisas que tentam elucidaro surgimento dos metazoários triblásticos concentram-sesobre duas perguntas. A primeira é se os módulos regula-dores, nos quais as diferentes ontogêneses dos triblásticosestão baseados, podem ser encontrados também nosdiblásticos. A segunda pergunta reflete sobre as possíveisformas ancestrais dos triblásticos no pré-cambriano. Pararesponder a primeira pergunta é necessário entender aevolução dos genes reguladores supramencionados pre-sentes nos representantes atuais dos diblásticos etriblásticos primitivos. Genes tipo Hox e Pax foram en-contrados também nos hidrozoários onde exercem apa-rentemente as mesmas funções na organização dos eixosdo corpo e na formação de fotorreceptores, o que fazcrer que estes módulos da regulação gênica são elemen-tos realmente antigos, possivelmente até herdados dosprotozoários. Nos triblásticos, porém, estes módulos di-versificaram-se e os seus diferentes membros foram or-ganizados em complexas redes gênicas capazes de geraruma grande variedade de planos corporais.

A segunda pergunta supramencionada foi respon-dida pelos paleontólogos, uma vez que entre os poucosfósseis do Vendiano não foram encontrados triblásticos.As pesquisas sobre o fato concentraram-se sobre os cha-mados fósseis-traço, sendo estes as “pegadas fósseis” que,para os paleontólogos, têm o mesmo significado que aspegadas de uma onça têm para o biólogo estudioso dafauna atual. Entre os fósseis-traço do pré-cambriano des-tacam-se pequenos túneis escavados no sedimento mari-nho. Estes túneis, que ganham em complexidade duranteo pré-cambriano, não poderiam ser produzidos pordiblásticos pois estes jamais vivem enterrados nos sedi-mentos. Acredita-se que estes fósseis-traço foram pro-duzidos pela atividade escavadora de vermes que possuí-am um celoma, sendo este a cavidade corpórea secundá-ria encontrada na grande maioria dos triblásticos. Supos-tamente, estes vermes cavadores do pré-cambriano po-dem representar triblásticos ancestrais que passaram poruma radiação explosiva em planos de corpo na primeirametade do cambriano. Também, acredita-se que os eixoscorporais destes Bilateria ancestrais já teriam sido orga-nizados por genes Hox, no eixo ântero-posterior, e por

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genes tipo decapentaplegic/BMP4 no eixo dorso-ven-tral, além de possuírem genes tipo Pax6, responsáveis pelaorganização de fotorreceptores.

9. ConclusõesO casamento entre as disciplinas Biologia

Evolutiva e Biologia de Desenvolvimento, que (re) iniciou-se há cerca de 25 anos promoveu um novo impulso nabiologia, uma vez que conseguiu abrir caminhos para res-ponder às grandes perguntas e dúvidas formuladas pelosbiólogos, especialmente os evolucionistas dos séculos de-zoito e dezenove, como Etienne Geoffroy Saint Hilaire,Jean Baptiste Lamarck, Charles Darwin, Arthur Wallace,Ernst Haeckel e outros, sobre a evolução dos organis-mos. A “Síntese Moderna da Biologia Evolutiva” formu-lada nos anos trinta do século vinte (Ronald A. Fisher,John B.S. Haldane, Sewall Wright e outros) conseguiuexplicar de forma matemática os processos evolutivosatuando nas populações das espécies, que são processosconsiderados como microevolutivos. Estes ocorrem poralterações em freqüências gênicas em populações, espe-cialmente quando as mesmas passam por períodos de iso-lamento. A macroevolução, isto é, surgimento dos gran-des filos, caracterizados por estruturas complexas e semaparentes fases de transição, permaneceu um enigma. Umexemplo clássico deste problema macroevolutivo eram aslongas e pouco construtivas discussões sobre a evoluçãodos olhos dos vertebrados. Por décadas, a teoria evolutivadarwiniana não era capaz de explicar, de forma contun-dente e mecanística, como estruturas tão complexas po-dem surgir sem que estas passem por longas “fasesintermediarias” quando tais olhos ainda seriam pouco úteis,devido às próprias imperfeições.

A genética do desenvolvimento, elaborada a partirde Drosophila, mostrou claramente que pequenas alte-rações na expressão tempo-espacial de poucos genes re-guladores, como os da família Hox e o Pax6, podem le-var a modificações dramáticas na organização do planodo corpo que podem ser rapidamente selecionados. Umavez evoluídos, tais módulos de redes gênicas podiam serutilizados em contextos diferentes como, por exemplo, osgenes pró-neurais achaete-scute de moscas-da-fruta, quedefinem o tamanho do sistema neural nas fases iniciais dodesenvolvimento e que, posteriormente, são implicadas nadeterminação das cerdas sensoriais do corpo dasdrosófilas. A posição e o número de tais cerdas são utili-zados pelos taxonomistas para distinguir as espécies dedrosofilídeos. Pode-se concluir que, quando consideradodo ponto de vista de regulação gênica, a aparentementegrande diferença entre macro- e microevolução simples-mente desaparece. A grande contribuição da genética dodesenvolvimento para a biologia evolutiva portanto foi ade permitir explicações contundentes sobre amacroevolução de estruturas e dos grandes grupos deanimais e plantas.

Sugestões para leituraWolpert L., Bedington, R., Brockes, J., Jessell, T.,Lawrence, P., Meyerowitz, E. (1998) Princípios de Biolo-gia de Desenvolvimento. Artmed, Porto Alegre

Gilbert S.F. (2006) Developmental Biology. 8a edição,Sinauer, Sunderland, MA, EUA

Gerhart, J., Kirschner M. (1997) Cells, Embryos and Evo-lution. Blackwell, Malden, MA, EUA

Carroll, S., Grenier, J., Weatherbee, S. (2004) From DNAto Diversity: Molecular Genetics and the Evolution ofAnimal Design (2a ed. Blackwell, Malden, MA, EUA