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ENSINO NÃO-FORMAL NO CAMPO DAS CIÊNCIAS ATRAVÉS DOS QUADRINHOS Francisco Caruso, Mirian de Carvalho e Maria Cristina de Oliveira Silveira A s atividades do Projeto de Educação de Ciências Atra- vés de Histórias em Quadrinhos (EDUHQ) são de- s e n volvidas numa Oficina de Ensino localizada na sala 3017 do Bloco F, 3º - andar, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro(UERJ), contando com a participação de pesquisadores, professores, licenciandos e alunos do ensino médio, sob coordenação de Francisco Caruso (1). O projeto multidisciplinar tem como meta principal o ensino das ciências atra- vés de procedimentos didáticos não-formais, que articulam conteú- dos cognitivos e produção artística, através de uma raiz comum: a ênfase na criatividade operando no campo pedagógico. O material didático produzido pode ser utilizado em sala de aula, em ensino à distância e, em particular, serve também como suporte para vencer os desafios da “alfabetização” científica (2). Esse projeto fundamenta-se no pensamento de Gaston Bachelard, filósofo que valorizou a razão e a imaginação como forças propulso- ras de significados e sentidos do mundo, no campo das ciências e das artes, ao enfatizar o pensamento criativo como ponto fundamental nos processos inova d o res, quer na ciência, quer na arte. Ba c h e l a rd refletiu sobre a importância da liberdade do homem ao produzir ciência, tecnologia e arte, como bens a serem partilhados pela huma- nidade. Nessa confluência de produções diferenciadas, ele deu igual valor ao conhecimento e à poética relacionando-os aos planos da razão e da imaginação, como instâncias psíquicas capazes de produ- zir mudanças cognitivas, e transformações no mundo e no próprio homem (3). Embora as artes se cristalizem no plano sensível, e as ciências no plano do pensamento formal, é preciso não perder de vista que ambas advêm de um pensador criativo que desconstrói a natureza para construir e estudar, respectivamente, fenômenos for- malizados na instância cognitiva ou expressos no mundo da expe- riência estética. Desse modo, valorizando a perspectiva pedagógica implícita ao pensamento de Ba c h e l a rd, pôde-se atualizá-la para contemplar o espírito da Lei de Di re t r i zes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96), no âmbito do ensino médio. E com fundamentação e o b j e t i vos articulados à LDB, tornou-se possível, através desse pro- jeto, criar condições para refletir e enfrentar o desafio contido na afirmativa de H.G. Wells de que “ e n t ramos numa corrida entre a educação e a catástro f e” (4) – corrida cada vez mais real e impera- t i va, em larga escala, a partir da imposição de um projeto neo-libe- ral ao mundo globalizado, observamos. Nessas circunstâncias, como afirma, de modo crítico, Paulo Fre i re “atualmente, não se entende mais a educação como form a ç ã o, mas apenas como tre i n a- m e n t o ”(5). Assim, através dos fundamentos e da prática, inserimos no projeto EDUHQ uma perspectiva crítica e transformadora com relação à mencionada catástrofe, atitude que assumimos como meta político-filosófica, voltada para a produção de conhe- cimento e para a invenção no campo da arte, atuando no espaço e no tempo de hoje, como ação questionadora do projeto neoliberal, no que se re f e re ao Brasil. De acordo com esse quadro da “catástro f e”, em uma sociedade onde a informação é veiculada com velocidades cada vez maiore s , fazem-se re l e vantes, atuais e necessárias ao projeto EDUHQ as idéias de Paulo Fre i re sobre o ensinar, que podemos sintetizar na frase: “ensinar é substantivamente formar” (6). A esse mundo que se vislumbra nessa proposição, acrescentamos outras idéias desen- volvidas em texto de nossa autoria, no qual se argumenta que “ e d u - car é fazer sonhar” (7). Embora, “formar” e “informar” não sejam metas excludentes, en- tendemos que é possível informar sem formar, mas o ato de formar, por sua vez, pressupõe o ato de informar. Constatamos, assim, uma relação a ser estudada – uma articulação entre formar e informar – relação essa que é considerada no projeto EDUHQ, o qual, tendo como alvo o ensino da ciência através da descoberta, nos leva a definir metas voltadas para o questionamento do diferencial e n t re “f o r m a r” e “informar”. Uma vez que ambos pressupõem c o m p o rtamentos e va l o res da parte do educador e do educando, no referido projeto as linhas pedagógicas – através da valorização da educação não-formal – equacionam esse diferencial, com vistas à descoberta científica e não à mera repetição de conhecimentos consagrados institucionalmente. RESPALDO E O DESAFIO DA LDB O projeto EDUHQ traz uma pro- posta de ensino não-formal.Segundo nossos propósitos, localizamos como fundamental sua relação com os princípios da LDB, quanto à viabilização do ensino quer formal quer não-formal, haja vista que o ensino não-formal em nossa sociedade se torna diverso do que se ve i- culanas sociedades tribais, alémde apresentar uma enorme potencia- lidade ainda pouco explorada. As sociedades ditas primitivas pos- suem uma característica única que, via de regra, tem sido usada para rotulá-las de “mais atrasadas”: são sociedadespré-escolares. Nelas,“a prática educativa consistia naaquisição de instrumentos de trabalhoena interiorização de valores e comportamentos, enquanto o meio ambiente em seu conjunto era um contexto permanente de form a ç ã o ”(Harper et al., 2000). Pa r a d oxalmente, esse comentário, referente à prática edu- cativa de uma sociedade primitiva, reflete anseios atuais dos países d e s e n volvidos e em desenvolvimento, no tocante à cultura popular regional e urbana, contemplados pela LDB. Em nossa LDB, por exemplo, afirma-se que o “ensino será minis- trado com base [no princípio da] vinculação entre a educação esco- lar, o trabalho e as práticas sociais” (LDB, Art. 3o, inciso XI). Exce- tuando-se a diferença entre o princípio e a prática, nem sempre desprezível, é notável a semelhança do conteúdo das duas citações. Por outro lado, a questão de “um contexto permanente de forma- ção”, ou, em outras palavras, a questão da contextualização do ensino, se impõe cada vez mais e é um dos pontos centrais no debate 3 3 EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL / ARTIGOS

Ensino não formal no campo das ciências através dos quadrinhos

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ENSINO NÃO-FORMAL NOCAMPO DAS CIÊNCIASATRAVÉS DOS QUADRINHOS

Francisco Caruso, Mirian de Carvalhoe Maria Cristina de Oliveira Silveira

As atividades do Projeto de Educação de Ciências Atra-vés de Histórias em Qu a d r i n h o s (EDUHQ) são de-s e n volvidas numa Oficina de Ensino localizada nasala 3017 do Bloco F, 3º- a n d a r, da Un i ve r s i d a d eEstadual do Rio de Janeiro(UERJ), contando com a

participação de pesquisadores, professores, licenciandos e alunos doensino médio, sob coordenação de Francisco Caruso (1). O projetomultidisciplinar tem como meta principal o ensino das ciências atra-vés de procedimentos didáticos não-formais, que articulam conteú-dos cognitivos e produção artística, através de uma raiz comum: aênfase na criatividade operando no campo pedagógico. O materialdidático produzido pode ser utilizado em sala de aula, em ensino àdistância e, em particular, serve também como suporte para venceros desafios da “alfabetização” científica (2). Esse projeto fundamenta-se no pensamento de Gaston Ba c h e l a rd ,filósofo que valorizou a razão e a imaginação como forças propulso-ras de significados e sentidos do mundo, no campo das ciências e dasartes, ao enfatizar o pensamento criativo como ponto fundamentalnos processos inova d o res, quer na ciência, quer na arte. Ba c h e l a rdrefletiu sobre a importância da liberdade do homem ao pro d u z i rciência, tecnologia e arte, como bens a serem partilhados pela huma-nidade. Nessa confluência de produções diferenciadas, ele deu igualvalor ao conhecimento e à poética relacionando-os aos planos darazão e da imaginação, como instâncias psíquicas capazes de produ-zir mudanças cognitivas, e transformações no mundo e no própriohomem (3). Embora as artes se cristalizem no plano sensível, e asciências no plano do pensamento formal, é preciso não perder devista que ambas advêm de um pensador criativo que desconstrói anatureza para construir e estudar, respectivamente, fenômenos for-malizados na instância cognitiva ou expressos no mundo da expe-riência estética. Desse modo, valorizando a perspectiva pedagógica implícita aopensamento de Ba c h e l a rd, pôde-se atualizá-la para contemplar oespírito da Lei de Di re t r i zes e Bases da Educação Nacional (LDB9.394/96), no âmbito do ensino médio. E com fundamentação eo b j e t i vos articulados à LDB, tornou-se possível, através desse pro-jeto, criar condições para refletir e enfrentar o desafio contido naa f i r m a t i va de H.G. Wells de que “e n t ramos numa corrida entre aeducação e a catástro f e” (4) – corrida cada vez mais real e impera-t i va, em larga escala, a partir da imposição de um projeto neo-libe-ral ao mundo globalizado, observamos. Nessas circ u n s t â n c i a s ,como afirma, de modo crítico, Paulo Fre i re “a t u a lmente, não seentende mais a educação como form a ç ã o, mas apenas como tre i n a-

m e n t o”(5). Assim, através dos fundamentos e da prática, inserimosno projeto EDUHQ uma perspectiva crítica e transformadoracom relação à mencionada catástrofe, atitude que assumimoscomo meta político-filosófica, voltada para a produção de conhe-cimento e para a invenção no campo da arte, atuando no espaço eno tempo de hoje, como ação questionadora do projeto neoliberal,no que se re f e reao Brasil.De acordo com esse quadro da “c a t á s t ro f e”, em uma sociedadeonde a informação é veiculada com velocidades cada vez maiore s ,f a zem-se re l e vantes, atuais e necessárias ao projeto EDUHQ asidéias de Paulo Fre i re sobre o ensinar, que podemos sintetizar nafrase: “ensinar é substantivamente formar” (6). A esse mundo quese vislumbra nessa proposição, acrescentamos outras idéias desen-volvidas em texto de nossa autoria, no qual se argumenta que “e d u-car é fazer sonhar” (7).Embora, “f o r m a r” e “informar” não sejam metas excludentes, en-tendemos que é possível informar sem formar, mas o ato de formar,por sua vez, pressupõe o ato de informar. Constatamos, assim, umarelação a ser estudada – uma articulação entre formar e informar– relação essa que é considerada no projeto EDUHQ, o qual,tendo como alvo o ensino da ciência através da descoberta, nos levaa definir metas voltadas para o questionamento do difere n c i a le n t re “f o r m a r” e “informar”. Uma vez que ambos pre s s u p õ e mc o m p o rtamentos e va l o res da parte do educador e do educando, noreferido projeto as linhas pedagógicas – através da valorização daeducação não-formal – equacionam esse diferencial, com vistas àd e s c o b e rta científica e não à mera repetição de conhecimentosconsagrados institucionalmente.

R ES PALDO E O DESAFIO DA LDB O projeto EDUHQ traz uma pro-posta de ensino não-formal. Segundo nossos propósitos, localizamoscomo fundamental sua relação com os princípios da LDB, quanto àviabilização do ensino quer formal quer não-formal, haja vista que oensino não-formal em nossa sociedade se torna diverso do que se ve i-culanas sociedades tribais, alémde apresentar umaenormepotencia-lidade ainda pouco explorada. As sociedades ditas primitivas pos-suem uma característica única que, via de regra, tem sido usada pararotulá-las de “mais atrasadas”: são sociedades pré-escolares. Nelas, “aprática educativa consistianaaquisiçãode instrumentos de trabalhoenainteriorização de va l o res e comportamentos, enquanto o meio ambienteem seu conjunto era um contexto permanente de form a ç ã o”(Harper e ta l ., 2000). Pa r a d oxalmente, esse comentário, re f e rente à prática edu-c a t i va de uma sociedade primitiva, reflete anseios atuais dos paísesd e s e n volvidos e em desenvolvimento, no tocante à cultura popularregional e urbana, contemplados pela LDB.Em nossa LDB, por exemplo, afirma-se que o “ensino será minis-trado com base [no princípio da] vinculação entre a educação esco-lar, o trabalho e as práticas sociais” (LDB, Art. 3o, inciso XI). Exce-tuando-se a diferença entre o princípio e a prática, nem sempredesprezível, é notável a semelhança do conteúdo das duas citações.Por outro lado, a questão de “um contexto permanente de forma-ç ã o”, ou, em outras palavras, a questão da contextualização doensino, se impõe cada vez mais e é um dos pontos centrais no debate

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sobre educação escolar hoje em dia, com reflexo evidente, por exem-plo, nos vestibulares, que já mudaram seus programas e seus objeti-vos, enquanto as escolas não. Mas quando nasce o problema danecessidade de contextualizar o aprendizado? É esse um pro b l e m acaracterístico apenas da sociedade pós-moderna? Esse problema não é novo e nasce exatamente com a institucionali-zação da escola na Idade Média, quando a educação tornou-se ump roduto da escola (8) e a atividade de ensinar passou a ser desenvo l-vida por profissionais em um espaço físico específico, isolado doresto do mundo, e desvinculado das exigências da vida quotidiana:o espaço da escola, no qual se valoriza, de forma crescente ao longodos séculos, o ensino formal e formalizante, deixando de lado, pore xemplo, a experiência extra-escolar do aluno. A esse re s p e i t o ,Moacir Carneiro (9), comentando o Art. 3o, inciso X, da LDB, quetrata da valorização da experiência extra-escolar como princípiobásico do ensino, afirma que esta é “uma das desafiadoras questões doensino bra s i l e i ro. Nossa tradição escolar, radicalmente formal e form a-lizante, tem impedido o desenvolvimento de uma cultura pedagógicaque va l o r i ze o patrimônio de conhecimentos que o aluno construiu econstrói fora do espaço de sala de aula. No fundo, esta dificuldade tra-duz a relevância absoluta que se dá à qualidade for-mal do conhecimento (...). O extra-escolar re p re s e n t aum canal importante para abrir espaços de art i c u l a-ção escola/comunidade, pela possibilidade de cons-t ruir um conteúdo de ensino capaz de ‘s a t i s f a zer asnecessidades de apre n d i z a g e m’.” Ac rescenta ainda ocomentarista da lei que “o extra-escolar não é a sube-d u c a ç ã o. Pelo contrário, o extra-escolar é o tra b a l h o,a convivência, o laze r, a família, o amor, a festa, ai g reja, (...), a vida, enfim” (9).Reconhecemos a relevância do pensamento desseautor quanto à valorização do extra-escolar que, emcerta escala, corresponde ao ensino não-formal, porisso o mencionamos como comentarista da LDB. Mas no caso doprojeto EDUHQ, cria-se uma perspectiva diversa, capaz de integraro formal e o não-formal, permitindo que um transforme o outro.

O B J E T I VOS DO PROJ E TO A oficina EDUHQ reúne pesquisadore s ,p ro f e s s o res de ensino médio, alunos de licenciatura e alunos doensino médio, de diversas instituições de ensino e pesquisa do Rio deJaneiro, criando uma rede dedicada à produção de novas tecnologiaseducacionais, a partir de uma análise crítica da atual situação doensino básico, médio e universitário (licenciaturas). Seus objetivosgerais podem ser resumidos assim:

Priorizar uma pedagogia que contemple articulações entre ensino-aprendizagem e conhecimento-sociedade, integrando metodologi-camente os conteúdos das disciplinas curriculares, através da produ-ção artística.

Contribuir para que o aluno possa ser um ator importante nadifusão do conhecimento a partir de um processo que se inicia nosp rocessos didáticos e culmina com seu ato criativo, processo esseque deverá lhe dar uma nova dimensão dialógica do pro c e s s oe n s i n o - a p re n d i z a d o.

Contribuir para o aprimoramento dos professores que participa-rão do projeto, no tocante às técnicas e metodologias de ensino, bemcomo daqueles que, fora da oficina, posteriormente, terão contatocom o material ali produzido, como agentes desencadeadores deoutros processos criativos em situações diversas.

Enfatizar e incentivar a produção artística não apenas como ins-trumento didático, mas como produção estética autônoma inseridana cultura e na sociedade.

Criar e desenvolver técnicas e metodologias facilitadoras da trans-ferência de conhecimentos na própria oficina, em sala de aula, atra-vés do ensino à distância e na vida prática, imprimindo à produçãodo conhecimento um aspecto lúdico e estético.Alguns objetivos mais específicos estão relacionados abaixo:

In c e n t i var os alunos participantes a traduzirem em linguagemartística (tirinhas e charges) os conteúdos trabalhados pelos profes-sores em sala de aula e na oficina.

Produzir material didático lúdico, utilizando a linguagem dosqua-drinhos,para o segundo segmentodo ensino fundamental (de5aa8a

séries) e para o ensino médio.Contribuir para a formação dos futuros pro f e s s o res (licencian-

dos) a partir do aprimoramento de conteúdosespecíficos, preparando-os para estar sempre aber-tos ao novo.

Buscar a interdisciplinaridade tanto na confecçãodos materiais, como na utilização dos mesmos.Foi com esses objetivos que o projeto foi concebidoe a prática do dia-a-dia da oficina EDUHQ temsido pautada neles, com frutos muito positivos, quenos encorajam a continuar o trabalho.

V I A B I L I DA D E Do ponto de vista didático, nossap roposta vislumbra o ensino não-formal, mas sep rojeta numa crítica da formalização do ensino

através do conhecimento dos conteúdos, tendo como meta transfor-mar o ensino das ciências, viabilizando-o através da prática artística.Valorizamos o não-formal como método para transformação do for-mal, e viabilizamos uma aproximação entre ambos que permita aoeducando brasileiro, enquanto habitante de um país em desenvolvi-mento, lançar-se ao conhecimento formal através do não-formal,sem o que não teremos voz ante a globalização.Na oficina EDUHQ, a ação pedagógica – com base nos pro c e d i-mentos informais – tornou-se chave-mestra para as condições essen-ciais do ensino como criatividade e ação para a liberdade, propostaque se coaduna com a seguinte idéia de Skinner: “Educação é o quesobrevive quando o que foi aprendido foi esquecido” (10). Através desseprojeto, nossa meta é a sobrevivência dos conteúdos formais atravésdo ensino não-formal, que se inicia como mundivisão e cosmovisãoabrangendo os direitos humanos, quer no campo, quer na urbe, querna Aldeia Global.Assim sendo, torna-se oportuno lembrar que aquilo que nos é infor-mado pode ser esquecido, mas os valores assimilados passam a con-tribuir para a transformação de outros va l o res, em escala social,embora, é claro, os valores possam ser pensados e transformados his-

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“ E D U CAÇÃOÉ O QUE

S O B R E V I V EQ UANDOO QUE FO I

APRENDIDO FO IE S Q U E C I D O ”

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toricamente. E esta é uma das metas desse projeto: deixar para quempassou pela oficina EDUHQ a consciência de quanto é negativo tra-tar a informação como produto descartável, como vem sendo feitono processo de globalização. Deixar também o gosto pelo sonho, poraquele sonho transformador do próprio homem e de seu entorno.Nesse sentido, foi muito gratificante para o grupo da oficinaEDUHQ receber por escrito as impressões de Gleidson de CastroAraújo, aluno do ensino médio do CIEP 169 de São João de Meriti,que escolheu referir-se ao que estava aprendendo na oficina com asseguintes palavras: “É gostoso escre ver e imaginar./ Os desenhos nosf a zem sonhar./ As palavras nos faze m p e ns a r./ As histórias nos faze mviajar por um mundo desconhecido.” E como diria Ba c h e l a rd, “osonhador não consegue sonhar diante de um espelho que não seja ‘-profundo’’” (11). O que, no início, pareceu ser uma opinião indivi-dual, mostrou-se ter sido assimilado pela enorme maioria dos alunosque passaram pela EDUHQ. De fato, um estudo mostrou que esteg rupo compreende o quanto é essencial que o professor mude seumodo de dar aula para que a escola se torne mais motivadora (12), oque não foi apontado pelo gru p o - c o n t role (formado de alunos damesma faixa etária e das mesmas escolas que participam do projeto),corroborando a nossa tese de que é possível ensinar e transformar oformal a partir do ensino não-formal. En t retanto, para se chegarrealmente a começar a construir a escola do futuro, onde a criativi-dade desempenhe um papel central e transformador, é preciso rees-t ruturar nossas licenciaturas (13). Enquanto isso, insistamos nasexperiências pontuais.Quanto ao fim último do projeto EDUHQ, elegemos a criativi-dade e a liberdade de produzir conhecimento e objetos de arte. Um al i b e rdade que coloca em primeiro plano o reconhecimento dosd i reitos humanos como o legado maior da ciência e das artes. Po rúltimo, para dar uma noção da produção da Oficina, podemosd i zer que em seus primeiros dois anos de funcionamento foramp roduzidas cerca de 700 tirinhas em diversas áreas do conheci-m e n t o. Mais detalhes sobre o projeto podem ser encontrados emw w w. c b p f . b r / e d u h q .

Francisco Ca ru s o é doutor em física pela Un i versidade de Turim, pesquisador titular do Ce n t roBra s i l e i rode Pesquisas Físicas, professor adjunto do Instituto de Física da UERJ. Foi editor cien-tífico da Ciência Ho j e, e é editor da revista Di a l o g h i.Atualmente é superintendente de divulga-ção científica da Se c retaria de Ciência, Tecnologia & In ovação do Estado do Rio de Ja n e i ro.Mirian de Carvalho é doutora em filosofia pela UFRJ. Vice-presidente da Associação Brasilei-ra de Críticos de Arte e membro da Associação Internacional de Críticos de Arte.Maria Cristina de Oliveira Silveira é pedagoga, tendo pós-graduação lato sensu na Uerj so-bre “Dificuldade de aprendizagem”, professora da rede pública do estado do RJ e do municípiode Caxias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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divulgação de ciências através dos quadrinhos”, Ciência & Sociedade

CBPF-CS-008/02. 2002.

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CBPF-CS-010/03. 2003.

3. Bachelard, G. O novo espírito científico. Rio de Janeiro: Tempo Brasi-

leiro, p 12. 1968.

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Fronteira, Rio de Janeiro. 1995.

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2001.

6. Fre i re, P. Pedagogia da autonomia – Sa b e res necess á r i os à prática

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Princípios.

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edição. 2000.

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11. Bachelard, G. A Terra e os devaneios do repouso. Martins Fontes, São

Paulo. 1990.

12. Fre i ta s, M.C . S. “Da mot i vação e de sua re l evância no pro cesso de

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13. Caruso, F. “Em defesa da licenciatura”. Scientia (São Leopoldo) vol. 6,

no. 1, pp. 93-98. 1995.

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