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FIES E O EMPREENDEDORISMO Ronan Ramos Júnior INTRODUÇÃO A educação brasileira avança na universalidade do ensino, na mensuração dos índices de aprendizagem e na educação infantil. Tendo em vista que há pouco tempo a educação infantil ainda era questão de assistência social, ou seja, a preocupação principal girava em torno do cuidar da criança em prejuízo ao binômio cuidar-educar; que apenas recentemente o país começou a adotar índices de referência para a mensuração da qualidade do ensino; e que ter todas as crianças e jovens na escola parecia um esforço quase impossível, tem-se que as conquistas educacionais são importantes passos galgados no processo da política pública brasileira e uma vitória inalienável do povo brasileiro. Entretanto, muito ainda há que se fazer. Além do dever de continuar avançando e aprimorando o processo educacional, diversas questões aguardam ações mais consistentes e duradouras por parte do governo, das empresas e da sociedade civil. Dentre os atuais desafios destacam-se a necessidade de expansão do ensino profissionalizante, da melhoria na eficiência do ensino em geral e no alargamento de acesso ao ensino superior. É sobre este terceiro desafio que o artigo discorrerá. Entre os novos avanços no âmbito educacional e o respectivo salto no desenvolvimento econômico ainda encontram-se pessoas com dificuldades na complementação dos estudos, seja por falta de ensino técnico com vistas ao mercado de trabalho, seja por dificuldade de acesso e permanência nas universidades, além de outras razões. Iniciativa governamental que merece atenção nesse sentido é a criação de mecanismos para viabilizar a entrada e a permanência de alunos nas universidades. O Programa Universidade para Todos, conhecido como ProUni, é uma realização do Ministério da Educação MEC, que democratiza o acesso ao ensino superior por meio da concessão de bolsas de estudos a alunos de baixa renda em instituições de ensino superior privadas. Outra louvável iniciativa que se junta ao ProUni e outras dezenas de ações do MEC é o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior - FIES. Tendo em mente este pano de fundo sublinha-se uma frase e uma pergunta: Um ano a mais de escolaridade no Brasil aumenta o salário em cerca de 15%. 1 Se a educação é algo tão bom em termos privados, por que 1 Conforme dados do movimento Todos pela Educação.

Fies e o Empreendedorismo

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Fies e o Empreendedorismo - Ronan Júnior.

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FIES E O EMPREENDEDORISMO Ronan Ramos Júnior INTRODUÇÃO A educação brasileira avança na universalidade do ensino, na mensuração dos índices de aprendizagem e na educação infantil. Tendo em vista que há pouco tempo a educação infantil ainda era questão de assistência social, ou seja, a preocupação principal girava em torno do cuidar da criança em prejuízo ao binômio cuidar-educar; que apenas recentemente o país começou a adotar índices de referência para a mensuração da qualidade do ensino; e que ter todas as crianças e jovens na escola parecia um esforço quase impossível, tem-se que as conquistas educacionais são importantes passos galgados no processo da política pública brasileira e uma vitória inalienável do povo brasileiro. Entretanto, muito ainda há que se fazer. Além do dever de continuar avançando e aprimorando o processo educacional, diversas questões aguardam ações mais consistentes e duradouras por parte do governo, das empresas e da sociedade civil. Dentre os atuais desafios destacam-se a necessidade de expansão do ensino profissionalizante, da melhoria na eficiência do ensino em geral e no alargamento de acesso ao ensino superior. É sobre este terceiro desafio que o artigo discorrerá. Entre os novos avanços no âmbito educacional e o respectivo salto no desenvolvimento econômico ainda encontram-se pessoas com dificuldades na complementação dos estudos, seja por falta de ensino técnico com vistas ao mercado de trabalho, seja por dificuldade de acesso e permanência nas universidades, além de outras razões. Iniciativa governamental que merece atenção nesse sentido é a criação de mecanismos para viabilizar a entrada e a permanência de alunos nas universidades. O Programa Universidade para Todos, conhecido como ProUni, é uma realização do Ministério da Educação – MEC, que democratiza o acesso ao ensino superior por meio da concessão de bolsas de estudos a alunos de baixa renda em instituições de ensino superior privadas. Outra louvável iniciativa que se junta ao ProUni e outras dezenas de ações do MEC é o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior - FIES. Tendo em mente este pano de fundo sublinha-se uma frase e uma pergunta: “Um ano a mais de escolaridade no Brasil aumenta o salário em cerca de 15%’.1 “Se a educação é algo tão bom em termos privados, por que

1 Conforme dados do movimento Todos pela Educação.

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as pessoas não investem mais nela?”2 Com esse desafiador paradoxo “benefícios do estudo” versus a “ausência de educação”, o artigo prossegue. ESBOÇANDO ALGUMAS SOLUÇÕES De início pode parecer que falta a informação de que o estudo é bom para as pessoas - como o fato da educação impactar diretamente na empregabilidade, no salário e na saúde. É verdade. Acontece que como tudo na vida, esta situação não pode ser analisada apenas por partes. As condições sociais, as circunstâncias econômicas, geográficas e as motivações subjetivas de cada pessoa interferem e interagem em um emaranhado de informações e práticas. A partir desta primeira reflexão, enxerga-se que há falha em comunicar as potencialidades da educação e que algum cuidado deve ser tomado ao tentarmos compreender as motivações das pessoas que não investem na própria educação. Marcelo Neri, PhD em economia, sugere alguns caminhos de análise. Ele aponta que falta ao pai de família e ao jovem estudante brasileiro tomar ciência do poder transformador da educação. Às vezes, como no caso da saúde, o fato de estudar repercute na velhice - fase distante no horizonte de planejamento do jovem. Segundo Neri, precisamos entender como as informações chegam às pessoas e como elas transformam as informações recebidas em decisões. Ele conclui que precisamos, acima de tudo, que se eduque a população sobre a importância da educação. Nesse sentido, mesmo não sendo a solução mágica para resolver todas as dificuldades da educação brasileira, percebe-se que ações de difusão de informação são bem vindas. O FIES Ao pegar carona na difusão de informações sobre a importância da educação, coloca-se em evidência o FIES. Ele é um programa do governo federal (a cargo do MEC) destinado a financiar a graduação na educação superior de estudantes matriculados em instituições não gratuitas. A princípio, é uma ação de estímulo ao estudante por fornecer condições para a conclusão do ensino superior. Contudo, além do benefício lógico de um financiamento com juros de 3,4% ao ano - condição financeira absolutamente única - o FIES pode ser encarado também sob o prisma do empreendedorismo. O estudante 2 Essa pergunta foi levantada por Marcelo Neri em seu capítulo “O paradoxo da evasão e as motivações

dos sem escola”, no livro Educação Básica no Brasil.

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beneficiado pelo FIES participa ativamente de todo o processo de contratação do financiamento, fazendo, por meio do site do programa, que, aliás, é todo informatizado, a simulação de sua conta futura. Ou seja, o estudante toma a decisão consciente de quanto e quando terá que pagar e como irá liquidar o empréstimo recebido via FIES antes de assinar o contrato. O programa pode ser descrito sinteticamente da seguinte maneira: durante a graduação, período de utilização do financiamento, que pode corresponder a 100% da mensalidade ou ser parcial, o estudante paga apenas R$50,00 reais por trimestre. Concluído o curso superior inicia-se o período de carência, tendo o aluno mais de dezoito meses para iniciar o pagamento. Encerrada a carência o estudante terá um prazo três vezes maior que a fase de utilização do financiamento para pagar o saldo devedor. O FIES E O EMPREENDEDORISMO Um diferencial do FIES em relação aos outros programas estatais reside no fato de se basear na capacidade do estudante em honrar seu contrato, quebrando um possível paternalismo governamental. Ao invés de doação ou entrega gratuita, o FIES parte da premissa de que com o estudo financiado aquela pessoa, que se encontrava em dificuldade financeira para pagar os estudos, terá plena condição de arcar com os custos quando estiver estabilizada profissionalmente - após a conclusão da graduação e do período de carência. É por este motivo que o FIES pode ser encarado sob o prisma do empreendedorismo. Em outros países este tipo de financiamento é muito comum justamente pela crença na capacidade das pessoas e no dever público de geração de oportunidades, em contraponto ao assistencialismo. Segundo definição do dicionário Sacconi, empreendedor é “aquele que é ativo, cheio de iniciativa e vontade de iniciar novos projetos..., tomando as decisões que irão nortear o futuro do negócio e assumindo riscos pessoais e de terceiros”. Ao partir do pressuposto do doutor em educação Robert Lamp de que “a aprendizagem como a vida, é uma constante, os estudantes aprendem o que fazem.” Tem-se o FIES como uma real prática de empreendedorismo. O estudante acredita na própria capacidade, corre o risco de um contrato e ao final honra seu compromisso de formação superior sem dever nada a ninguém e com o orgulho do esforço próprio. A faculdade de se governar por si mesmo - denominada autonomia - é um dos atributos do FIES. Logo, o FIES deixa uma singular contribuição para o debate sobre a educação brasileira: o avanço do diálogo para além do lugar comum ao evidenciar a possibilidade de políticas públicas priorizarem ações de estímulo ao empreendedorismo ao invés de manter em voga o paternalismo e a crença na incapacidade das pessoas de custear a própria educação.

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A educação constitui o investimento com maior retorno social e, sendo possível que esse investimento venha acompanhado de prática que possibilite ao estudante se responsabilizar e desonerar o financiamento público do estudo, enorme avanço para a construção de um país inovador, empreendedor e de economia saudável estará dado. PARA OS PROFESSORES DA REDE PÚBLICA Recente divulgação da revista Nova Escola expôs que a alteração na legislação facilitou as condições de pagamento dos empréstimos do FIES para aqueles que cursam licenciatura. Segundo a revista (Março/2010) “Uma novidade importante beneficia os estudantes de licenciatura. Os recém-formados que ingressarem na rede pública ou que já atuem nela podem abater 1% do saldo devedor a cada mês trabalhado. Na prática, com 100 meses, o docente quita seu financiamento sem desconto salarial. Outras mudanças valem para todas as graduações. A taxa anual de juros do empréstimo tomado no banco, por exemplo, caiu de 6,5% para 3,5%. Já o prazo de quitação da dívida aumentou para três vezes o tempo de financiamento. A estimativa é de que o Fies contemple 200 mil estudantes este ano.” QUADRO RESUMO FIES3 Informação Geral O FIES custeia o estudo de 560 mil alunos

em mais de 1,5 mil instituições de Ensino

Superior e tem inscrições abertas o ano todo.

O que é

Programa destinado a financiar cursos de

graduação (prioritariamente) e cursos de pós-

graduação e de Educação profissional em

nível técnico (havendo disponibilidade de

recursos e a critério do MEC).

Porcentagem de financiamento 50, 75 ou 100% do valor do curso.

Número de vagas para 2010 200 mil (estimativa).

Como se candidatar Período de inscrição: o ano todo no site

www.mec.gov.br.

Pré-requisito financeiro

Para requerer a bolsa de 100%, comprovar

que 60% da renda familiar bruta está

comprometida com gastos fixos. Estudantes

de licenciatura ou bolsistas parciais do ProUni

estão livres dessa exigência.

Pré-requisito acadêmico Estar matriculado numa graduação em

3 Quadro construído com base em ilustração no site da revista Nova Escola.

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instituição que tenha aderido ao FIES e que

possua conceito maior ou igual a 3 no

Sistema Nacional de Avaliação da Educação

Superior - Sinaes. (Vide quadro abaixo com a

listagem de algumas instituições participantes

do FIES em BH).

Formas de pagamento

Em dinheiro

A cada três meses o estudante paga uma

taxa de 50 reais ao Fundo. Depois de

formado, ele tem carência de 18 meses

(pagando nesse período apenas os 50 reais

trimestrais) para começar a quitar o

financiamento. No início da quitação, ele arca,

em prestações mensais, com o custo do

último semestre cursado. Após esse período,

o valor restante é dividido em parcelas iguais

por até três vezes o período de duração do

financiamento.

Com trabalho

Graduandos de licenciatura que ingressem na

rede pública ou professores que já atuem

nela por pelo menos 20 horas semanais

podem pagar o financiamento com trabalho,

abatendo 1% do saldo devedor a cada mês.

Exigências durante o curso Renovação Semestral.

Aproveitamento acadêmico

No mínimo 75% nas disciplinas cursadas no

período letivo.

Instituições em BH participantes do FIES Para informações atualizadas, consulta de cursos e instituições em outros municípios clique em: http://sisfiesportal.mec.gov.br/pesquisa.html

Centro Universitário de Belo Horizonte

Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix

Centro Universitário Newton Paiva

Centro Universitário UNA

Escola Superior Dom Helder Câmara

Faculdade Anhanguera de Belo Horizonte

Faculdade COTEMIG

Faculdade de Ciências Gerenciais Padre Arnaldo Janssen

Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais

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Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Belo Horizonte

Faculdade de Direito Padre Arnaldo Janssen

Faculdade de Estudos Administrativos de Minas Gerais - FEAD/MG

Faculdade de Estudos Superiores de Minas Gerais

Faculdade de Minas Belo Horizonte

Faculdade de Tecnologia INED - Unidade Lagoa da Pampulha

Faculdade Estácio de Sá - Belo Horizonte

Faculdade IBMEC

Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia

Faculdade Metropolitana de Belo Horizonte

Faculdade Minas Gerais

Faculdade Novos Horizontes

Faculdade Pitágoras de Belo Horizonte

Faculdade Promove de Minas Gerais

Faculdade São Camilo

Instituto Belo Horizonte de Ensino Superior

Instituto Santo Tomás de Aquino

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Universidade FUMEC

Universidade José do Rosário Vellano

Universidade Vale do Rio Verde

Universidade Salgado de Oliveira

NÚMEROS Com o intuito de ilustrar parte do universo atendido pelo FIES vale sublinhar alguns números. De acordo com o portal do MEC, o FIES em BH conta com 21.928 alunos beneficiados e o ProUni com 3.152 alunos participantes em 2008. O número total de alunos beneficiados pelo programa ultrapassa 560 mil. Em relação à taxa de inadimplência do FIES tem-se uma situação peculiar. O FIES foi criado em 1999 e passou por uma série de alterações no decorrer do tempo até chegar ao formato atual com os juros de 3,4% ao ano. Portanto, uma taxa de inadimplentes de quase 30% em anos passados, deve sofrer abrupta alteração com as modificações recentes. Vale ressaltar uma curiosidade relacionada com a estratégia governamental de incentivar a adimplência das contribuições previdenciárias das instituições de ensino credenciadas e participantes do FIES, pois o governo repassa o recurso por meio da emissão de certificados financeiros do tesouro série E (CFT - E). Tendo em vista que para a melhor eficácia de uma política pública no âmbito escolar os pais e estudantes devem ter a consciência, a concordância e agir; que a faixa dos 15 a 17 anos de idade corresponde à maioria das pessoas em idade escolar fora da escola; que as principais intervenções de políticas

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públicas buscam incentivos, informação e participação, temos, de modo a corroborar os entendimentos expostos acima, que o FIES representa ferramenta útil de superação das desigualdades educacional e de renda no país. O FIES passa a ser uma ponte e uma luz de futuro para aqueles que abandonam a escola e pensam em desistir da graduação. “É na combinação da oportunidade agregada de trabalho com a necessidade de os adolescentes pobres suprirem sua renda que encontramos o terreno mais fértil para o precoce abandono escolar”, diz Marcelo Neri. CONCLUSÃO Resta o entendimento de que a conveniência deste programa de crédito educativo é bastante pertinente e que o FIES atende a dois importantes aspectos em se tratando de programas governamentais, quais sejam a transparência do sistema (todo informatizado e com informações de fácil acesso) e a credibilidade das regras, elencadas nos contratos firmados pelos estudantes e acessível no portal do MEC. Conclui-se que o FIES é uma interessante possibilidade, não a única nem a melhor, mesmo porque cada estudante apresenta singularidades, uns buscam o ensino superior em universidades públicas e gratuitas, outros preferem universidades privadas, outros se encaixam melhor em programas de bolsas, uns precisam de oportunidade em determinado momento para arcar com os custos do estudo etc. As informações acerca do FIES devem ser divulgadas, o acesso ao site do programa (http://sisfiesportal.mec.gov.br/) deve ser garantido a todos e especialmente a difusão nas faculdades e escolas do ensino médio precisa ser estimulada de modo que este financiamento seja amplamente conhecido e atenda o maior número possível de estudantes que buscam uma oportunidade de empreender sua própria carreira, a começar pelo investimento em sua própria educação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS http://portal.mec.gov.br/mec/index.htm, acessado em 23/08/2010. http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-inicial/financiamento-estudantil-para-cursos-ensino-superior-fies-graduacao-licenciatura-539162.shtml, acessado em 31/08/2010. http://sisfiesportal.mec.gov.br/, acessado em 31/08/2010. Revista Dois Pontos - Vol. I, nº 11 - outubro/91 SACCONI, Luiz Antonio. Grande Dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Nova Geração, 2010.

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VELOSO, Fernando. PESSÔA, Samuel. HENRIQUES, Ricardo. GIAMBIAGI. Fabio/organizadores. Educação básica no Brasil: construindo o país do futuro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.