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PRINCÍPIOS ESTÉTICOS: A OBRA DE DIEGO RIVERA Gabriela Ribeiro 1 RESUMO Das imagens que representaram a Revolução Mexicana, as dos muralistas estiveram entre aquelas que interpretaram esse momento com maior força e dramaticidade. Entretanto, essas obras aparecem normalmente como ilustração. Nesse artigo, restrito a Diego Rivera, falamos de princípios estéticos, ou seja, quais são os contextos históricos e quais são os debates político- estéticos impressos em cada pincelada? É um percurso na biografia estética de Rivera e sua compreensão de Realismo Socialista. Palavras-chave Diego Rivera - Muralismo - Realismo Socialista “O artista é um produto direto da vida. Ele é um aparato nascido para ser o receptor, o condensador, o transmissor e o refletor das aspirações, dos desejos, e das esperanças do seu tempo”. Diego Rivera 2 No mural Los explotadores (Fig.1), Diego Rivera mostra camponeses de tez e roupas indígenas na ceifa, trabalhando sob a vigilância do patrão, que cavalga acompanhado do seu esbirro. Este olha desafiadoramente, apontando sua arma para o único camponês que está em pé, o único que não mantém olhos fixos no chão, no trabalho. À esquerda, vê-se um mineiro negro, de uniforme, sendo revistado por um policial branco enquanto o outro observa com as pernas cruzadas, recostado à parede. Essa imagem está entre outras várias que ficaram para nós sobre a Revolução Mexicana. Entre os artistas que representaram na pintura essa revolução, Diego Rivera está, ao lado de José Clemente Orozco e David Alvaro Siqueiros, entre os mais famosos. Em qualquer referência a esse período da história mexicana, cabe imediatamente uma ligação com as cenas pintadas pelos três artistas. Suas obras estão espalhadas em várias cidades mexicanas bem como em outros países e se destacam até mesmo como uma atual atração turística irresistível, por não estarem tão somente em museus, mas estampadas em gigantescos murais que recobrem as paredes de palácios e universidades. Daí o nome muralismo. Para dizer a verdade, o nome não surge apenas do mural, ele é também um “ismo”. É fruto de propostas, constituiu uma escola artística.

Gabriela Ribeiro: Diego Rivera - princípios estéticos

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PRINCÍPIOS ESTÉTICOS: A OBRA DE DIEGO RIVERA

Gabriela Ribeiro1

RESUMODas imagens que representaram a Revolução Mexicana, as dos muralistas estiveram entre aquelas que interpretaram esse momento com maior força e dramaticidade. Entretanto, essas obras aparecem normalmente como ilustração. Nesse artigo, restrito a Diego Rivera, falamos de princípios estéticos, ou seja, quais são os contextos históricos e quais são os debates político-estéticos impressos em cada pincelada? É um percurso na biografia estética de Rivera e sua compreensão de Realismo Socialista.

Palavras-chaveDiego Rivera - Muralismo - Realismo Socialista

“O artista é um produto direto da vida. Ele é um aparato nascido para ser o receptor, o condensador, o transmissor e o refletor das aspirações, dos desejos, e das esperanças do seu tempo”.

Diego Rivera2

No mural Los explotadores (Fig.1), Diego Rivera mostra camponeses de tez e

roupas indígenas na ceifa, trabalhando sob a vigilância do patrão, que cavalga

acompanhado do seu esbirro. Este olha desafiadoramente, apontando sua arma para o

único camponês que está em pé, o único que não mantém olhos fixos no chão, no

trabalho. À esquerda, vê-se um mineiro negro, de uniforme, sendo revistado por um

policial branco enquanto o outro observa com as pernas cruzadas, recostado à parede.

Essa imagem está entre outras várias que ficaram para nós sobre a Revolução Mexicana.

Entre os artistas que representaram na pintura essa revolução, Diego Rivera

está, ao lado de José Clemente Orozco e David Alvaro Siqueiros, entre os mais

famosos. Em qualquer referência a esse período da história mexicana, cabe

imediatamente uma ligação com as cenas pintadas pelos três artistas. Suas obras estão

espalhadas em várias cidades mexicanas bem como em outros países e se destacam até

mesmo como uma atual atração turística irresistível, por não estarem tão somente em

museus, mas estampadas em gigantescos murais que recobrem as paredes de palácios e

universidades. Daí o nome muralismo. Para dizer a verdade, o nome não surge apenas

do mural, ele é também um “ismo”. É fruto de propostas, constituiu uma escola

artística.

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Quando coloco no título deste artigo “princípios estéticos” é justamente

porque tenho a intenção de ver a produção desse artista como uma criação que tem um

pensamento, uma proposta político-estética. A arte tomada como mera ilustração perde

todo o seu potencial reflexivo. Se torna a-histórica. Tudo o que é representado na arte e

a forma como é representado tem estreita relação com a sociedade que a produziu, ainda

mais quando se trata da arte produzida no início do século XX, cujas produções foram

geralmente acompanhadas de manifestos e de intensas discussões, pois o que se fazia

era superar radicalmente a forma de representação artística que vinha desde o

Renascimento.

A intenção aqui é, pois, discutir que pensamentos políticos e estéticos

acompanharam a obra de Rivera na produção de imagens entre as mais difundidas sobre

a história e a cultura mexicana. Entender o quê, como e por que Rivera pintou o México

da forma que o fez são questões elementares para a compreensão de sua obra.

Investigando a sua “biografia pictórica” deixamos de apreciá-lo pelo puro prazer

estético ou somente pelas mensagens que suas obras transmitem, mas compreendemo-

las em relação ao contexto em que foram produzidas, em relação às ideias que as

embasaram e em relação à trajetória de Rivera. A produção de murais é o ponto mais

marcante da trajetória de Rivera, mas não é somente sobre eles que vale a pena se ater,

pois ao observar suas pinturas e desenhos3 em sequência cronológica percebe-se uma

vida que se transforma ao mesmo tempo em que as posições artísticas e políticas se

transformam no mundo e no México.

Figura 1: Diego Rivera. Los explotadores, 1926

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Cabe ainda dizer que qualquer um dos três muralistas mereceria um estudo,

Rivera me parece mais ligado à tradição costumbrista no registro dos tipos mexicanos

do que Orozco e Siqueiros, mas no fim das contas é uma escolha arbitrária, Orosco e

Siqueiros são igualmente ricos, talvez até mais intrigantes.

Transformações estéticas: de 1898-1920

José Diego María Rivera nasce4 em 1883, na cidade de Guanajuato, ao norte

da capital. De 1898 a 1905, estuda arte na Academia de San Carlos, na Cidade do

México. Essa instituição, cuja reabertura data de 1847, serviu durante o século XIX

como parâmetro do que era oficialmente belo. Atada aos cânones neoclássicos, a pintura

e a escultura eram realizadas com domínio matemático sobre o espaço, baseado nas

proporções áureas, com a pretensão de atingir uma perfeição formal e uma imitação dos

modelos greco-romanos (Figura 2).

No período que segue a Independência mexicana, quando é forte o debate

sobre o que é o México e quando a produção de

símbolos nacionalistas é intensa, os artistas

acadêmicos representam, entre outros temas, “o

índio pré-colombiano”. Além da idealização

própria de uma arte com função de glorificar o

passado e criar mitos de origem para o recém

criado Estado mexicano, a representação dos

ameríndios é feita de forma que eles aparecem em

posturas da antiguidade e até as roupas lembram

mais togas romanas do que as vestimentas

indígenas. Rafael Durán diz em seu ensaio que

parecem mais cabeças de índios sobre corpos da

antiguidade. Afirma ainda:

[...] para nuestros artistas nacionalistas el Egipto de los faraones, la Atenas de Pericles, el

Renacimiento de Galileo y la Tula prehispánica son culturas igual de lejanas y desconocidas;

así, los mismos vicios y la misma falsedad con que pintan en su juventud cuadros de la

Antigüedad grecorromana se trasminan a sus cuadros sobre el México antiguo.”5

Figura 2. Diego Rivera. Esboço da cabeça de uma mulher, 1898.

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Muchos de los pintores mexicanistas [do século XIX] realizaron en su juventud cuadros

bíblicos y escenas de la vida de los santos, y sus cuadros prehispánicos están ejecutados con la

misma pasión y empeño con que pintaron antes escenas del Antiguo Testamento. Son los

mismos artistas, su oficio, su técnica, su habilidad es la misma, pero se ha modificado la

esencia de su fe: parece que cambiaron el fervor religioso por el fervor patriótico, ¿qué no es

esto, precisamente, lo que buscaban los liberales?6

Esse estilo naturalista, com pretensão a uma veracidade e fidelidade agrada aos

terratenentes e burgueses do México. A concepção individualista burguesa exige dos

retratos pintados a semelhança ao modelo, mas com uma percepção profunda da

personalidade. Os retratos não devem ser frios. O retratado não deve ser um tipo, mas

uma personalidade única, identificável, nominável. 7 Os professores da Academia San

Carlos estarão entre aqueles cujos retratos portarão maior prestígio. Algumas pinturas,

como a notável Los hacendados de Bocas (1896), de Antonio Becerra mostram o

significado que a representação pode ter para a poderosa classe terratenente. Essa

pintura mostra um terraço onde estão à mesa o fazendeiro Juan Farías, sua mulher e sua

filha, retratados sobre o fundo de uma paisagem a perder de vista: à riqueza das

vestimentas, à “nobreza” familiar se junta a evidente possessão de um enorme domínio

territorial. Um nome importante nesse gênero de retrato com paisagem é José María

Velasco, citado por Rafael Durán. Velasco é justamente um dos professores de Rivera.

Diego dominou com maestria a técnica

de pintura naturalista ensinada na Academia de

San Carlos (Figura 2). Entretanto, não tomou esse

estilo como modelo para suas pinturas. Ele estava

atento tanto às mudanças nas artes européias,

quanto a outros tipos de arte do México que

estavam muito longe da Academia de San Carlos.

Ao lado desse paradigma artístico oficial, o

México do século XIX viu surgir pinturas de

viajantes, com suas representações exoticizadas do

povo e dos vestígios pré-colombianos; as

estatuetas de cera feitas por artistas populares; as

caricaturas; e as hojas volantes de gravadores

como José Guadalupe Posada, uma das principais Figura 3. Diego Rivera. Notre Dame de Paris, 1909.

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referências de Rivera. Esse contraponto à arte acadêmica – e todo o seu significado

social no México – é central na pintura de Rivera, por isso apenas sinalizo aqui a sua

existência para retomá-lo depois quando discutir a proposição política de Diego Rivera

e a produção de sua pintura mural.

Entre meados do século XIX e início do século XX, surgiram na Europa vários

movimentos artísticos vanguardistas que provocaram um questionamento radical sobre

todos os modelos artísticos aceitos até então. O primeiro deles, o impressionismo,

abandonou a pintura naturalista para concentrar-se nos efeitos da luz sobre o ambiente e

tentou transpor esses estudos para a pintura tentando captar a luminosidade em

pinceladas que compunham desenhos distorcidos. Outros vários “ismos” surgiram, cada

um reforçando certos elementos, distorcendo o convencional. Pontilhismo,

expressionismo, primitivismo, cubismo, todos estavam acompanhados de incessantes

debates teóricos e manifestos. Eles propunham uma revolução estética que podia ou não

ser acompanhada de uma ação política. Ainda que vários artistas vanguardistas tenham

defendido a separação da arte das questões políticas, as vanguardas modernas

quebravam o padrão de verossimilhança que, como discutimos acima, tinha uma relação

com o status pessoal. Por outro lado, às vezes a proposta política era direta, como o

questionamento social dadaísta.

Rivera se aproxima dos modernistas

(Figura 3 e 4) e em 1906 expõe 26 trabalhos em

conjunto com um grupo chamado Savia

Moderna, que publicava também uma revista

sobre literatura com o mesmo nome e uma

outra de 1912-1914 chamada Nosotros, que

como o título mostra, além da preocupação com

o desenvolvimento de novas expressões,

também se preocupava com a expressão de uma

identidade nacional, similar ao Modernismo

brasileiro dos anos 20. No mesmo ano, 1906,

Diego Rivera obtém uma bolsa para estudar

durante quatro anos na Europa. Em 1907, fica

na Espanha onde estuda com o artista realista

Eduardo Chicharro y Agüera e em 1909 visita

Paris, Londres e Bruges. Retorna ao México em

Figura 4. Diego Rivera. La Castañeda, também conhecida como El Paseo de los melancólicos, 1904.

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1910 e após uma exposição de sucesso consegue financiar parcialmente uma segunda

viagem à Europa, onde estaria até 1921, ficando afastado do contato direto com a

Revolução Mexicana dos primeiros anos. Nas duas telas reproduzidas aqui (Fig 3 e

Fig.4), sobretudo na Notre Dame de Paris, de 1909 (Figura 3), Rivera explora as

possibilidades de expressão impressionistas, acompanhando o burburinho vanguardista.

Pelo ano de 1913, Rivera torna-se um pintor cubista, fazendo parte do mesmo círculo de

Juan Gris e Pablo Picasso.

Durante o período cubista, Diego Rivera desenvolveu tanto aspetos puramente

estéticos ao representar naturezas mortas e retratos (Figura 5) - absolutamente

divergentes da tradição da Academia de San Carlos - quanto temas sociais, saídos da

Revolução Mexicana (Figura 6), onde Rivera tenta falar da realidade mexicana se

distanciando do falso modelo neo-clássico da Academia e dos índios greco-romanos,

frutos de um nacionalismo estéril, completamente diferentes dos reais índios que

povoavam as cidades e os campos e que no momento pegavam em armas.

Realismo: princípios políticos e estéticos

A pintura muralista de Diego Rivera é a mais conhecida da sua extensa obra,

que inclui também ilustrações para revistas, óleos, desenhos, sem contar o seu material

escrito, que vai desde manifestos, artigos até a uma autobiografia. Os seus painéis

iniciam-se em 1922 impulsionados pelo então Secretário de Educação José

Figura 5. Diego Rivera. El Arquitecto (Jesús T. Acevedo), 1915.

Figura 6. Diego Rivera. Zapatista landscape - The Guerilla, 1915.

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Vasconcelos, cujas ações estão ligadas ao estabelecimento de políticas educacionais

nacionais, que incluíam uma política voltada aos povos indígenas8. Nesse ano, Rivera e

os outros dois muralistas, Orozco e Siqueros, são convidados a fazer a decoração da

Escuela Nacional Preparatoria (ENP) e publicam, em nome do Sindicato dos Técnicos,

Pintores e Escultores, um manifesto que sintetiza a proposta artística do grupo. Para

iniciarmos vejamos um extrato da Declaración de los principios sociales, políticos y

estéticos9, o manifesto muralista escrito por Siqueiros:

“We side with those who demand the disappearance of ancient, cruel system in which the farm

worker produces food for the loud-mouthed politicians and bosses, while he starves; in which

the industrial workers in the factories weave cloth and by the work of their hands make life

confortable for the pimps and prostitutes, while they crawl and freeze; in which the Indian

soldier heroically leaves the land he has tilled and eternally sacrifices his life in a vain attempt

to destroy the misery which has lain on his face for centuries.”10

Essa afirmação remete ao mural Los Explotadores, parece que o discurso

político já evidente na imagem se descortina diante dos olhos. O México está vivendo

um período revolucionário, não muito distante de 1922 estão os movimentos populares,

está fresca a memória de Zapata, Villa e Flores Magón.

Os muralistas encontram na própria realidade mexicana, nos anseios

populares, a inspiração de sua arte e de sua política. Entretanto o muralismo está

inserido em um amplo debate sobre a arte que se estende pelo mundo inteiro. As

questões são locais, a representação também. É uma resposta mexicana a questões que

estão colocadas local e internacionalmente.

Desde o fim da 1ª Guerra e, sobretudo com a Revolução Russa, as vanguardas

artísticas modernas estavam sendo questionadas. Na Rússia pós-revolução bolchevique

surgem debates sobre que tipo de arte corresponderia aos anseios da Revolução e, no

curso dos debates, a vanguarda como um todo – em particular o cubismo e a arte

abstrata – foi criticada. O próprio Rivera, no artigo The Revolutionary Spirit in Modern

Art11, de 1932, faz a crítica dessa arte quanto a seu aspecto de compreensibilidade

restrita.

Ele afirma que a teoria da “arte pela arte”, implica a apreciação por um

pequeno número de pessoas “superiores”, ou seja, ilustradas, as quais existiriam em

número ínfimo. Diz ainda, “this artistic theory which pretends to be a-political has

really an enormous political content – the implication of the superiority of the few [...]

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At the same time, this theory creates a legend which envelops art, the legend of its

intangible, sacrosanct, and mysterious character which makes art aloof and inaccessible

to the masses”.12 Outra crítica se refere a quando a burguesia se rende às vanguardas –

que de início eram produções marginais e extremamente encerradas em círculos

intelectuais. A arte de vanguarda entra no mercado, sujeita, como qualquer outra

mercadoria, às leis de oferta e procura e às vicissitudes da moda.

Contra essa arte, denominada pelos seus críticos de “arte de cavalete”, devido

a seu caráter privado – diferente da arte pública – surgem debates que vão tendendo a

compor um estilo com algumas características comuns, que vai sendo denominado

Realismo. É preciso fazer uma definição sobre o termo, pois comumente há uma

confusão entre esse movimento – um “ismo” – e o adjetivo realista, que se refere ao que

parece real, em oposição a abstrato, fantástico. Esse adjetivo pode ter como sinônimo

naturalismo, aquilo que representa com fidelidade o que o olho humano percebe. Basta

ter em mente as pinturas Renascentistas. O Realismo, como um movimento estético

tem, em suma, como definição, uma arte que tem uma preocupação social, que

ultrapassa os fins estéticos em si. Ela não tem, a princípio, um estilo que lhe representa,

o que lhe define é a função social, coletiva ou revolucionária. A forma como essa

preocupação teria de ser posta em tela – seja ela naturalista ou estilizada – dependeu de

discussões e de um jogo de forças – que na Rússia dos anos 1930-1940 culminou na arte

stalinista. Rivera entra nesses jogos de força e faz um realismo bem particular, que

discutiremos mais além.

Por essas críticas à “arte de cavalete”, de uma arte para poucos que vem sendo

chamada de burguesa, surge nos anos 1920 uma retórica de “proletarianismo”13,

segundo a qual várias “heranças culturais” vindas da burguesia deveriam ser

condenadas para a criação de uma cultura nova, revolucionária: uma cultura proletária

para uma revolução proletária. Para muitos artistas, essa procura de uma arte

especificamente “proletária” trazia consigo um gérmen de desconfiança, ainda que eles

pensassem um papel para a arte na revolução social.

O que estava em questão no conceito de “cultura proletária” era a definição dos

propósitos da arte e seu significado para as pessoas comuns e em consequência,

definição de estilos de arte, se mais próxima do naturalismo ou mais próxima das

vanguardas.

No início da Revolução Russa, várias correntes artísticas puderam coexistir, mas

à medida que a Revolução vai se institucionalizando, o Realismo figurativo vai

Page 9: Gabriela Ribeiro:   Diego Rivera - princípios estéticos

ocupando o posto de arte “mais adequada”, de arte oficial. O grupo Associação de

Artistas da Rússia Revolucionária (AKRR) vai se tornar o grupo dominante na década

de 20, chegando a ter apoio direto do governo, uma ala jovem, uma editora e, a partir de

1929 uma revista – Arte para as massas. Um trecho da Declaração da AKRR de 1922,

que acompanha a segunda exposição do grupo, aponta qual a sua concepção de

finalidade da arte:

“Nós vamos retratar o tempo presente: a vida do Exército Vermelho, os operários, os

camponeses, os revolucionários e os heróis do trabalho. Forneceremos um retrato verdadeiro

dos fatos, e não tramas abstratas desmerecendo a nossa Revolução diante do proletariado

internacional... O dia da Revolução, o momento da Revolução, é o dia do heroísmo, o momento

do heroísmo, e agora devemos revelar essas experiências artísticas nas formas monumentais do

estilo do realismo heróico” 14

Alguns pontos são importantes nesse trecho da Declaração. O primeiro é a

equiparação da figuração, ou seja, a representação com referência às coisas perceptíveis

no mundo, à Revolução. O conteúdo é o centro do quadro. Quando falávamos sobre o

início da trajetória de Diego Rivera na Academia de San Carlos observamos que o estilo

verossímil atendia a interesses sociais burgueses – a representação da auto-imagem

perante a sociedade – e em relação a isso, as vanguardas, antes de se tornarem

establishment, foram uma ruptura. Ora, essa defesa de um retrato verdadeiro pela

AKRR parece ser um retrocesso aos estilos da época czarista, tradicionalmente já

assimilados. (Figura 7) e isso será justamente um assunto polêmico.

Figura 7. Isaac Brodsky. Lenin no Smolny, 1930

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O segundo, é o termo “heróico”,

utilizado para resumir a própria proposta

da AKRR. Politicamente, o termo heróico

significa uma exaltação ao processo

revolucionário, daí fazem-se quadros de

trabalhadores nas indústrias, nas fazendas

coletivas, ou em reuniões do partido, mas,

também, retratam-se os heróis particulares

como Marx e Lenin. Esteticamente,

“heróico” está relacionado aos

sentimentos e os termos definidos pela

AKRR para suas pinturas são: “forma

sintética”, “severo”, “poderoso”, “forte”,

“preciso”. Comparando novamente com a

pintura nacionalista que estava sendo feita

no México, por exemplo, o termo “heróico” não seria inadequado para uma revolução?

O termo parece vir de uma sociedade estabelecida, que quer ficar estancada. Paul Wood,

no excelente artigo do qual retiramos todas essas informações sobre a AKRR, afirma

que além desses sentimentos evocados, o Realismo da AKRR se atém a algumas noções

centrais como a tipicidade e a generalização, as quais orientam o artista a criar

situações típicas/gerais, com elementos típicos, generalizáveis. Ou seja, o trabalhador da

fábrica, a bandeira, o trabalhador das fazendas...

Esse tipo de realismo vai ganhar durante os anos 30 o nome de Realismo

Socialista e vai ocupar o espaço de arte oficial do governo de Stalin – mas a elaboração,

como vemos, é anterior a esse governo. As críticas vão surgir no mundo inteiro, desde

aqueles que estão ligados às vanguardas – sejam eles revolucionários ou não – até entre

certos neoclássicos que estavam produzindo a arte nazista, o que cria uma atmosfera de

debate onde defender uma posição artística é necessariamente se alinhar.

A vanguarda construtivista russa, ao mesmo tempo em que o Realismo

Socialista se desenvolve nos anos 20 e 30, também apresenta a sua proposta

revolucionária ao mesmo tempo em que critica a tendência do Realismo Socialista a

considerar a “massa” incapaz de compreender o que não é naturalista, e critica o

engessamento do partido bolchevique. (Figura 8). As figuras 7 e 8, exemplos extraídos

Figura 8. Gustav Klutsis. A eletrificação do país inteiro, 1920.

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do ensaio de Wood ilustram o confronto que estava sendo travado na Rússia, no campo

da arte, e que se estendeu pelo mundo.

O realismo de Diego Rivera

Diego Rivera tece seus próprios comentários sobre a polêmica do Realismo

Socialista no seu artigo já citado anteriormente. Ele reconhece o esforço da vanguarda

russa em fazer sua arte acessível “às massas russas”, ele próprio esteve vinculado a ela

durante sua visita ao país em 1927-28, através do grupo Outubro, em cujo manifesto de

28 afirmavam: “Rejeitamos o realismo filisteu dos epígonos; o realismo de um modo de

vida estagnante e individualista; passivamente contemplativo, estático, o realismo

naturalista com sua infrutífera imitação da realidade.”15 Segundo Rivera, todavia, essas

massas elegeram a pintura de estilo acadêmico, naturalista, como mais adequada a uma

arte do proletariado. Ao oferecer suas razões para isso, Rivera inverte a noção de

modernismo: “It was not that the proletariat of Russia was telling these artists: 'You are

too modern for us.' What it said was: 'You are not modern enough to be artists of the

proletarian revolution'”16. Há uma tensão no pensamento do artista mexicano. Rivera

não poupa críticas no Revolutionary Spirit à tradição acadêmica ao mesmo tempo em

que tenta equacionar um lugar entre “compreensão do povo” e técnica de vanguarda:

“In Russia there exists the art of the people, namely peasant art. It is an art rooted in the soil. In

its colors, its materials, and its force it is perfectly adapted to the environment out of which it is

born [...] The better Russian painters working directly after the Revolution should have

recognized this and then built upon it, for the proletariat, so closely akin to the peasant in many

ways, would have been able to understand this art. Instead of this the academic artists,

intrinsically reactionary, were able to get control of the situation. Reaction in art is not merely a

matter of theme. A painter who conserves and uses the worst technique of bourgeois art is a

reactionary artist, even though he may use this technique to paint such a subject as the death of

Lenin or the red flag on the barricades.”17

Page 12: Gabriela Ribeiro:   Diego Rivera - princípios estéticos

A proposta de Rivera para uma arte

revolucionária reside na apreensão

dos elementos da arte popular, de

seus materiais, de suas cores. A

efetivação prática dessa proposta

para a realidade mexicana é, em

primeiro lugar, o mural, pois, como

diz Siqueiros no manifesto de 22, a

arte mural é pública, não

comerciável. Pertence a todos,

assim como a arte do povo

mexicano é compartilhada

coletivamente. Evidentemente esse

alcance coletivo também está

relacionado à propaganda, o próprio

Rivera critica a desconfiança que se

tem da arte para a propaganda e

expressa sinteticamente “Eu quero usar minha arte como uma arma”.

Quanto aos temas, vimos em Los explotadores a representação do povo

diretamente relacionada à luta de classes, remetendo a toda a discussão que fizemos

anteriormente sobre a polêmica do Realismo Socialista. Sem uma referência direta às

teses socialistas, em Día de Muertos, pintado no salão de festas da SEP (Figura 9)

vemos uma festa popular sendo representada – o ciclo de mural inteiro pinta vários

momentos dessa festa, como, por exemplo, as oferendas aos mortos. Nesse mural vemos

os mais variados tipos mexicanos, de mulheres à anos 20 aos índios e o próprio Rivera

está representado no meio da multidão. Essa captura de momentos que fazem parte da

vida do povo reflete a herança do costumbrismo na representação do povo mexicano. O

tema parte da percepção de um México que desfila pelas ruas e certamente, além da

intenção de ressaltar o “popular” chama a atenção pela presença das mulheres vestidas

com a moda européia (brancas ou não) misturada às índias, uma identidade comum

uniria esses seres diversos. Essa mistura do povo e, mais evidente, as calaveras,

remetem ao grafista popular José Guadalupe Posada, falecido em 1913, sobre o qual

Rivera e os muralistas reconheceram uma grande inspiração18. Além do conteúdo, a

forma reflete essa proposta de inspiração na “peasant art” - lembremos que o estilo a

Figura 9: Diego Rivera. Dia de Muertos: Festival de Calle, 1923-24. Mural. Detalhe da parede sul, Salón de Fiestas, Secretaría de Educación Pública, Ciudad de México.

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ser adotado para a representação foi matéria central na discussão do Realismo Socialista

e que as escolhas adotadas por esse artista, que passeou por tantos estilos não é

arbitrária. Assim, a forma arredondada dos personagens, a ausência de perspectiva –

traço acadêmico (Figura 2) – vão se aproximando da pintura naif, literalmente

“inocente”, aquela que se vê na produção artesanal popular.

A partir do

envolvimento de Rivera

nas pinturas murais, sua

obra divide-se na produção

de quadros de cavalete,

desenhos nos quais ele

manifesta repetidamente o

caráter costumbrista de sua

obra e os murais. No

primeiro tipo aparecem

várias cenas de

carregadores e vendedores

de flores, geralmente lírios, além disso, atividades quotidianas femininas como a

tecelagem e a fabricação de tortillas (Fig.10) – que reaparecem nos seus murais sobre o

mundo pré-hispânico, marcando a continuidade entre culturas pré-colombianas e

culturas populares do México contemporâneo – além dessas, outra larga quantidade de

ofícios: vendedora(e)s, agricultores, pedreiros, o cultivo do milho e camponeses nas

mais diversas atividades. Além disso, aparece um grande número de crianças indígenas,

das quais um dos retratos mais chocantes, Niña com muñeca, de 1954, representa uma

menina índia, bem escura, de trajes tradicionais que, sentada, carrega no colo uma

boneca de plástico de um branco contrastante, de roupas e cabelos que parecem

alienígenas àquela que a carrega.

Os murais

Algumas dificuldades aparecem ao tentar classificar e compreender a vasta obra

mural desse artista. Para ter uma visão completa sobre os murais é preciso primeiro

passar pela dificuldade de ter acesso a todas as imagens, já que há exemplos de ciclos

Figura 10. La Molendera, 1924. Museo de Arte Moderno, Ciudad de México.

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de murais, como são chamados, em que o número de quadros de um mesmo ciclo pode

ultrapassar a centena. Além disso, para um estudo completo seria necessário o estudo de

cada um dos ciclos isoladamente, pois estão cheios de referências, são complexos,

precisam de um conhecimento profundo da história mexicana. Mesmo assim, podemos

citar alguns desses ciclos com suas características gerais.

Além do primeiro mural, La creación – que faz um simulacro do nascimento de

Jesus, onde os presentes no nascimento observam e saúdam uma selva e indígenas no

centro do mural, no anfiteatro Bolívar da ENP19, há o Día de Muertos (de 1923-1924),

que já citamos acima, que conta com quadros mostrando vários aspectos dessa festa. A

Universidad Autónoma de Chapingo ganhou vários murais nos seus prédios como o El

Buen Gobierno (de 1924) no prédio administrativo, que brinca com o efeito “trompe

l'oeil”, uma ilusão que faz o mural parecer real. A mesma universidade possui o Los

explotadores (de 1926) e uma série de murais simbólicos como o Tierra Fecunda, con

las Fuerzas Naturales Controladas por el Hombre (de 1926) que recobrem um longo

corredor de imagens alegóricas.

Os murais que estão no México que mais chamam a atenção por sua

complexidade, genialidade e, muitas vezes, aspecto colossalmente caótico, são os

murais dos ciclos históricos. Há vários que se estendem pelo Palácio de Cortés,

representando cenas da conquista espanhola. Os murais com a história do teatro

mexicano, onde Rivera mescla temas específicos do teatro e temas da história

mexicana, como as imagens de Zapata. Impressionantes são os afrescos do Palácio

Nacional, que contam, entre outros, com Historia de México: de la Conquista al Futuro

1929-35, que junta num grande plano cenas de lutas desde os tempos pré-colombianos

até referências ao México contemporâneo como se as imagens disputassem não só as

lutas, mas o próprio espaço do mural, da história do México. Além desse mural, que

fica no Arco central do Palácio, há vários quadros, organizados temporalmente, onde

Rivera retrata várias civilizações pré-colombianas: Historia de México - El antiguo

Mundo Indígena (Figura 12), La Gran Tenochtitlán (de 1945-1952), Desembarco de

Españoles en Veracruz (de 1951).

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Figura 12. Diego Rivera. Historia de México - El antiguo Mundo Indígena, 1929-1935

No mural acima, El Antiguo Mundo Indígena, podemos observar novamente a

apropriação da estética do povo, no caso, das imagens pré-hispânicas. Não apenas a

imagem fala do mundo antigo, mas toda a composição segue a mesma estética das

estátuas e vestígios de povos pré-hispânicos. O vulcão, o sol e o deus na parte superior

são representados não com os valores ocidentais da pintura, mas com os valores

pictóricos pré-hispânicos. Sente-se o “mundo indígena” mais próximo, como se fosse

possível sentir o significado da pintura com os olhos dos pré-hipânicos, muito diferente

dos índios greco-romanos. Os observadores desse ciclo caminham pelo palácio e

encontram em cores vivas o relato de uma história do México que segue por

Tenochtitlán até a Conquista espanhola.

Como artista multiplo que foi, Rivera pintou quadros que não têm relação direta

com a discussão, nem com os objetivos da arte Realista, como os retratos de vários

mecenas que encontramos nos anos 1940, retratos em uma estética muralista, mas

privados, diferente da pintura de tipos, diferente da pintura pública. Há ainda os murais

que estão em cidades dos Estados Unidos20, extremamente complexos na criação,

alegóricos. Um desses ciclos de murais aumenta as facetas contraditórias do artista

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quando ele pinta a Fábrica de Detroit e o seu trabalho operário para o Centro

Rockefeller, um dos grandes capitalistas norte-americanos. O que poderia haver de

Realismo no lugar onde se fez o mural, e mais, ainda que se retrate os operários, o que

há de socialista em uma representação de uma fábrica limpa onde os operários

trabalham em movimentos simétricos, no mesmo espaço onde se homenageia Ford?

Paul Wood inicia seu ensaio sobre o Realismo com esse mural, pintura que

deixa atônitos aqueles que têm familiaridade com a discussão e deixa um iniciante

perdido, sem conseguir perceber o que foi o Realismo. Seria uma imagem-símbolo da

complexidade, do embate e das contradições no tipo de pintura rotulado “Realismo”.

Rivera teria sido capturado pelo comércio de arte ou o mural no Rockefeller estaria em

harmonia com seus ideais? Apenas o olhar mais minucioso sobre sua biografia

permitiria entender esse ponto obscuro no seu trajeto bio-pictográfico. Um homem é

muito mais complexo e maleável que aquilo que sobra de si e aqui não é o espaço para

percorrer sua biografia propriamente dita, lugar onde é possível entender suas decisões

e experiências, mas apenas um lugar para traçar notas para a apreciação de sua obra.

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1 Gabriela E. Amaral Ribeiro é graduada em História, pela Universidade Federal do Ceará. Para contatos escreva para [email protected].

2 “The artist is a direct product of life. He is an apparatus born to be the receptor, the condenser, the transmitter and the reflector of the aspirations, the desires, and the hopes of his age”. Diego Rivera. The Revolutionary Spirit in Modern Art. Publicado na antologia organizada por HARRISON e WOOD, Art in theory. 2002, p. 422.

3 As reproduções das pinturas de Rivera foram obtidas a partir dos textos presentes na bibliografia e nos sites: http://diegorivera.com/ [acessado em 15/11/2009 ], que contém extratos de vídeos, alguns artigos de Rivera publicados na revista Mexican Folkways, artigos sobre Rivera e uma seleção de pinturas de cavalete e murais; http://www.riveraexperts.com/ [acessado em 15/11/2009]; http://www.diego-rivera-foundation.org/ [acessado em 15/11/2009], que contém 175 reproduções; e http://www.dia.org/education/rivera/infoidx.htm [acessado em 15/11/2009], que contém imagens do ciclo de mural feito para o Instituto Rockefeller.

4 As informações biográficas sobre Diego Rivera foram retiradas do livro de. RASMUSSEN, Latin American Artists of the Twentieth Century, 1993, p.391-392.

5 Rafael DURÁN. “Retrato de un Siglo. ¿Cómo Ser Mexicano en el XIX?”. 2002, p. 158.

6 Rafael DURAN. Ibidem. p. 159.

7 Sobre o significado dos retratos para os terratenentes e burgueses mexicanos, veja o ensaio de Rafael Durán (DURÁN, 2002, p. 147-149) e o de Carlos Monsiváis (MONSIVÁIS, 2002, p. 179-221).

8 Sobre as políticas culturais e educacionais de Vasconcelos, bem como do México do século XX ver o livro que reune os artigos do IV Congresso Internacional de História do México: WILKIE e MEYER. Papers of the IV International Congress of Mexican History. Em especial ver o artico de Carlos Monsiváis. “La Cultura Mexicana en el Siglo XX”.

9 SIQUEIROS et al. “A Declaration of Social, Political and Aesthetic Principles”. Extrato do livro de Siqueiros, Art and Revolution, 1975, p.24-25, reproduzido no livro de HARRISON e WOOD Art in Theory, p.406-407.

10 “Estamos ao lado daqueles que exigem o desaparecimento de um sistema antigo e cruel, no qual o agricultor produz alimentos para políticos e patrões glutões, enquanto ele resta famélico; no qual os operários nas fábricas produzem tecidos e pelo trabalho de suas mãos fazem a vida confortável para cafetões e prostitutas, enquanto eles rastejam e congelam; no qual o soldado indígena heroicamente deixa a terra que arou e eternamente sacrifica sua vida em uma vã tentativa de destruir a desgraça que repousou sobre sua face por séculos.” [Tradução nossa]. SIQUEIROS. “A Declaration of Social, Political and Aesthetic Principles”. Reproduzido em HARRISON e WOOD. Art in Theory. p.406.

11 “O espírito revolucionário na arte moderna.” Publicado em Modern Quaterly. New York. vol.6 nº 3. Autumn 1932. Reproduzido das páginas 51-57 no livro de HARRISON e WOOD. Art in theory. p.421-423.

12 “Essa teoria artística que finge ser a-política tem na verdade um enorme conteúdo político – a implicação da superioridade dos poucos [...] Ao mesmo tempo, essa teoria cria uma lenda que envolve a arte, a lenda do seu intangível, sacrosanto, e misterioso caráter que faz a arte distante e inacessível às massas.” [Tradução nossa] RIVERA, Diego. “The Revolutionary Spirit in Modern Art”, p.422 (Reveja a nota 10)

13 Sobre o Realismo veja o ensaio de Paul WOOD. “Realismos e Realidades”. Sobre “proletarianismo” veja no mesmo ensaio a p.271. Na antologia de HARRISON e WOOD, Art in Theory veja sua vasta seleção de manifestos p.402-505.

14 AKRR, “Declaration”, 1922 p.266-267. Reproduzido em WOOD “Realismos e Realidades” p.275-276.

15 WOOD, p.314.

16 “O proletariado da Rússia não estava dizendo a esses artistas: 'Vocês são modernos demais para nós'. O que diziam era: 'Vocês não são suficientemente modernos para serem artistas da revolução proletária'”. [Tradução nossa]. RIVERA, Diego. “The Revolutionary Spirit in Modern Art”, p423.

17 “Na Rússia existe a arte do povo, isto é, a arte camponesa. É uma arte enraizada no solo. Em suas cores, seus materiais e sua força é perfeitamente adaptada ao meio do qual nasceu [...] Os melhores pintores russos trabalhando imediatamente após a Revolução deveriam ter reconhecido isso e então ter baseado-se nelas, pois o proletariado, tão aparentado aos camponeses em vários modos, teria sido capaz de compreender essa arte. Em vez disso os artistas acadêmicos, intrinsecamente reacionários, foram hábeis em tomar controle da situação. Reação na arte não é

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meramente uma questão de tema. Um pintor que conserva e usa a pior técnica da arte burguesa é um artista reacionário, mesmo que ele use esta técnica para pintar um assunto como a morte de Lenin ou a bandeira vermelha nas barricadas.” [Tradução nossa]. RIVERA, Diego. “The Revolutionary Spirit in Modern Art”, p423-424.

18 No mural Sueño de una tarde dominical en la Alameda Central, de 1947, onde Rivera mistura elementos biográficos com outros da história do México no centro do quadro, repleto de uma multidão de mexicanos célebres e desconhecidos, está representado Diego criança de mãos dadas com sua mãe, que toma a forma de uma caveira – la muerte Catrina – com a serpente emplumada, Quetzalcoatl da mitologia tolteca. Por sua vez, la Catrina, está de braços dados com seu criador, o gravador popular José Guadalupe Posada, falecido em 1913 e que representa o papel de pai de Rivera. O redescobrimento de Posada pelos muralistas faz parte dessa relação de proximidade com a arte do povo. Sobre esse mural, ver o artigo de Max KOZLOFF “Orozco and Rivera: Mexico Fresco Painting and the Paradoxes of Nationalism”. Além disso, a revista Mexican Folkways bem como outras referências como a autobiografia de Rivera fazem o elogio da obra de Posada.

19 ENP – Escuela Nacional Preparatoria.

20 Sobre o mural mais famoso de Rivera nos Estados Unidos, localizado no The Detroit Institute of Arts, Fábrica de Detroit, pode-se consultar o ensaio dee WOOD sobre os realismos. p.251-254. Além dele vale a pena ver o mural da Escola da Cidade de San Francisco, Unidad Panamericana, de 1940.

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REFERÊNCIAS DAS IMAGENS

Figura 1: Diego Rivera. Los Explotadores, 1926. Mural Parede oeste, Universidad Autónoma de Chapingo. [on-line]: http://diegorivera.com/murals/index.php 22ª imagem.

Figura 2: Diego Rivera. Esboço da Cabeça de uma Mulher, 1898. [on-line]: http://www.riveraexperts.com/ .

Figura 3: Diego Rivera. Notre Dame de Paris, 1909. http://www.riveraexperts.com/ .

Figura 4: La Castañeda, también conocida como "El Paseo de los melancólicos", 1904. Oleo sobre tela. Museo Franz Mayer, Ciudad de México http://diegorivera.com/gallery/index.php Galeria 1

Figura 5: El Arquitecto (Jesús T. Acevedo), 1915. Oleo sobre tela. Museo de Arte Alvar y Carmen Carrillo Gil, Ciudad de México. http://diegorivera.com/gallery/index.php Galeria 1

Figura 6: Diego Rivera. Zapatista landscape - The Guerilla, 1915. http://www.riveraexperts.com/ .

Figura 7: Isaac Brodsky. Lenin no Smolny, 1930. Óleo sobre tela, 190x287cm. Galeria Estatal Tretiakov, Moscou. Reproduzida no ensaio de WOOD, “Realismos e Realidades”. p.282.

Figura 8: Gustav Klutsis. A eletrificação do país inteiro, 1920, fotomontagem, 46x31cm. Coleção Costakis. Reproduzida no ensaio de WOOD, “Realismos e Realidades”. p.280.

Figura 9: Diego Rivera. Dia de Muertos: Festival de Calle, 1923-24. Mural. Detalhe da parede sul, Salón de Fiestas, Secretaría de Educación Pública, Ciudad de México. Reproduzida no ensaio de KOZLOFF, “Orozco and Rivera: Mexican Fresco Painting and the Paradoxes of Nationalism”. p.66.

Figura 10: Diego Rivera. La Molendera, 1924. Oleo sobre tela. Museo de Arte Moderno, INBA, Ciudad de México. http://diegorivera.com/gallery/index.php Galeria 4.

Figura 11: Diego Rivera. Historia de México: de la Conquista al Futuro, Detalle del Arco Central, 1929-1935. Afresco. Arco Central, Palacio Nacional, Ciudad de México. http://diegorivera.com/murals/index.php 10ª imagem

Figura 12: Historia de México - El antiguo Mundo Indígena, 1929-1935. Afresco. Muro Norte, Palacio Nacional, Ciudad de México.

http://diegorivera.com/murals/index.php 27ª img

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