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Historiando Prainha do Canto Verde

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  1. 1. Prainha do CantoVerde Alexandre Oliveira Gomes Joo Paulo Vieira Neto i n s t i t u t o Fortaleza/CE Dezembro de 2010 rede cearense de turism o com unitrio (Beberibe/CE)
  2. 2. Historiando Prainha do Canto Verde (Beberibe/CE) Relatrio de Pesquisa Autoria Alexandre Oliveira Gomes Joo Paulo Vieira Neto Projeto Grfico e Editorao Eletrnica Alessandra Guerra e Fernando Sousa Fotos da Capa Aline Baima, Arquivo Instituto Terramar e Leonardo Melgarejo Impresso Capa: Expresso Grfica Miolo: Eurocpia Grfica Rpida O contedo dessa publicao pode ser reproduzido, total ou parcialmente, desde que citada a fonte. Apoio Este material foi produzido pelo Instituto Terramar e pela Rede Cearense de Turismo Comunitrio (Rede Tucum) e corresponde a uma ao do projeto Turismo Comunitrio: afirmando identidades e construindo sustentabilidade, iniciativa aprovada em 2008 no edital doMinistriodoTurismodeApoioaIniciativasdeTurismodeBaseComunitria.
  3. 3. Apresentao 04 1. Manifestaes Culturais 06 2. Histrias e Lendas 19 3. Lugares de Memria 28 4. Saberes e Modos de Fazer 31 5. Sobre os Autores 40 6. Fotografias 41 Sumrio
  4. 4. ste relatrio fruto de uma parceria realizada entre o Projeto Historiando e a Rede Cearense de Turismo Comunitrio Rede ETucum, para a estruturao de espaos de memria e o desenvolvimento de processos museolgicos e de educao histrica em comunidades litorneas que participam desta proposta de desenvolvimentosustentvelatravsdeumturismodebaselocal. O Projeto Historiando surgiu em 2002, a partir da iniciativa de profissionais das reas de Histria e Patrimnio comprometidos com a educaoenquantoferramentadetransformaosocial;comoobjetivode pesquisarecontarahistriadecomunidadesapartirdaperspectivadeseus moradores, utilizando metodologias que estimulam a autonomia, buscando extrapolar os contedos escolares e experimentando maneiras diferenciadas de vivenciar o processo de ensino-aprendizagem atravs da educaoparaopatrimniocultural,nosentidodefortaleceraorganizao localapartirdaapropriaodamemriaenquantoinstrumentodelutaede inserir a importncia da discusso sobre a construo social da memria na ticadaslutasdosmovimentossociais. Como a memria se expressa em nossas comunidades? O que o nosso patrimnio? Qual a nossa histria? Como se escreve a histria? Quem escreve a histria? Quem escolhe o que importante ser lembrado? Aes como esta possibilitam a redescoberta de nossa comunidade, de nossa rua, de nosso meio ambiente, de nossa famlia, de ns mesmos: do que devemos cuidar e preservar no lugar em que nascemos e vivemos os dias mais felizes de nossas vidas. Quem, melhor que a comunidade, para escreverasuahistria? Durante o processo de pesquisa realizado na Prainha do Canto Verde, no segundo semestre de 2009, identificamos coletivamente o patrimnio cultural local e os seus significados atravs da organizao de aes Apresentao [1] Sobre o Projeto Historiando, acesse: http://www.iteia.org.br/projeto-historiando-historia-memor ia-e-antropologia-no-ceara1 [2] Para saber mais sobre a Rede Tucum, acesse www.tucum.org.br 04
  5. 5. educativas que dialogam com a memria local, tanto no sentido de buscar registros sobre a histria como tambm constru-los. A metodologia utilizada incentivou a participao e o fazer coletivo. Os ministrantes atuaram enquanto facilitadores da ao educativa, e os grupos de pesquisa foram organizados a partir das diversas oficinas de pesquisa histrica e das afinidades temticas e pessoais. Dentre estas oficinas, destacamos: a de oralidade, na qual se mapeia e entrevista os guardies da memria local; a dos objetos, que propiciaa formaoe a identificaode acervos; a dos lugares de memria, que realiza um inventrio da memria presente em importantes locais para a histria local. A oficina de pintura (mural e tecido), ministrada pelo artista plstico e professor Naigleison Santiago, so momentos de reelaborao do conhecimento, como tambm este relatrio e a exposio, feitasapartirdetodaapesquisarealizadaedosmateriaisconstrudosdurante oprocessodesuarealizao. Os pesquisadores, jovens e adultos da Prainha do Canto Verde, dividiram-se em quatro grupos temticos, que foram: histrias e lendas, saberes e modos de fazer, expresses culturais e lugares de memria. Tais grupos foram escolhidos durante a pesquisa, entre outros possveis, e partem deumaconcepoantropolgicaepluraldoconceitodecultura,patrimnioe memria. Esta iniciativa, se continuada e potencializada, pode originar um espao de memria comunitrio, pois forma um acervo de cultura material, se constitui enquanto um mapeamento do patrimnio local e inicia uma capacitao de jovens para o trabalho com o patrimnio cultural, enquanto vetordedesenvolvimentosociocultural. Agradecemos especialmente comunidade da Prainha do Canto Verde, pornosproporcionarumconhecimentodesuahistria. Este relatrio o resultado o resultado de uma seleo do material produzido durante o curso, uma leitura possvel da histria local, contada pelos prprios moradores. Junto a uma exposio organizada sobre e para a comunidade,soasaesquefinalizamocursoHistoriandoaPrainhadoCanto Verde. Boaleitura! Alexandre Oliveira Gomes e Joo Paulo Vieira Neto 05
  6. 6. Dana da Carrapeta A dana da carrapeta uma dana regular Que pe o joelho na terra E faz o corao chorar Maria levanta o brao Maria sacode a saia Maria tem d de mim Maria me d um abrao. diversidadede expressesculturaisidentificadasnaPrainhado Canto Verde (Beberibe/CE) demonstra a riqueza do patrimnio cultural Apresente na comunidade. So festas, danas, brincadeiras, cantigas de roda, msica, poesias e crendices ligadas religiosidade e ao modo de vida daspopulaesdolitoralcearense. Consideramos fundamental o registro destas expresses e manifestaes, para que possam ser compartilhadas com as prximas geraes. Existem pessoas na comunidade que conhecem profundamente estes aspectos da cultura local e suas prticas, algumas ainda fazem parte do dia-a-dia, outras esto adormecidas e outras, ameaadas de desaparecimento, devido s rpidas mudanas ocasionadas pelos efeitos da globalizaoedosmeiosdecomunicaodemassanocotidianolocal. Graas ao trabalho da escola e dos agentes culturais, algumas destas expresses so relembradas e reinventadas por crianas e jovens alunos. Dentre estas manifestaes vamos destacar algumas bem representativas da culturalocal. Brincadeiras Tradicionais e Cantigas de roda 1. Manifestaes Culturais Viuvinha Viuvinha da mata da lenha Ela quer se casar Mas no acha com quem No com voc No com ningum com uma pessoa Que eu quero mais bem. 06
  7. 7. Fui Espanha Fui Espanha Buscar o meu chapu Azul e branco Da cor daquele cu Olha palma, palma, palma Olha p, p, p Olha roda, roda, roda Caranguejo peixe Caranguejo s peixe Na enchente da mar Olha a dana criola Que vem da Bahia Pega as crianas E joga na bacia A bacia de ouro Ariada com sabo Depois de ariada Enxugada com roupo O roupo de seda Camisinha de fil Agora vamos v Quem vai ficar Pela vov! Terezinha de Jesus Terezinha de Jesus De uma queda foi ao cho Acudiram trs cavalheiros Todos de chapu na mo. O primeiro foi seu pai, O segundo seu irmo, O terceiro foi aquele Que a Tereza deu a mo. Da laranja quero uma banda, Do limo quero um pedao, Das meninas mais bonitas Quero um beijo e um abrao. Cai no poo Cai no poo gua onde No pescoo Quem tira? Meu amor esse? no! esse? ! Pra, uva, ma ou salada mista? 07
  8. 8. Eu sou pobre, pobre, pobre Que ofcio d a ela? De marr, marr, marr De marr, marr, marr Eu sou pobre, pobre, pobre Que ofcio d a ela? De marr dec. De marr dec. Eu sou rica, rica, rica Dou o ofcio de (nome do De marr, marr, marr ofcio) Eu sou rica, rica, rica De marr, marr, marr De marr dec. Dou o ofcio de (nome do ofcio) Eu queria uma de vossas filhas De marr dec. De marr, marr, marr Este ofcio me agrada (ou no)Eu queria uma de vossas filhas De marr, marr, marrDe marr, dec. Este ofcio me agrada (ou no) De marr dec.Escolhei a qual quiser De marr, marr, marr L se foi a (nome da menina)Escolhei a qual quiser De marr, marr, marrDe marr dec. L se foi a (nome da menina) De marr dec.Eu queria a (nome da menina) Eu de pobre fiquei ricaDe marr, marr, marr De marr, marr, marrEu queria (nome da menina) Eu de rica fiquei pobreDe marr dec. De marr dec. 08 Eu sou pobre Quadrilha A tradio das quadrilhas juninas foi revitalizada pela escola, com o Projeto Criana Construindo (1996), hoje continua forte na Prainha do Canto Verde. A animao do So Joo une pessoas de todas as idades, do mais novo ao mais velho. A quadrilha uma manifestao feita pela escola no ms de junho, na qual toda a comunidade participa de vrias noites de festa com comidastpicas,gincana,barraquinhasemuitomais.
  9. 9. 09 Dramas Os dramas eram uma das formas de divertimento da comunidade antigamente. Ensinado pela finada Maria Pimenta, de Fortim, era feito somente por mulheres, aos sbados, de quinze em quinzedias,juntandomuitosexpectadores. Dois cordes (fitas) de seis moas, puxados por uma animadora (a contra-mestre), entoavam msicas conforme o papel que desempenhavam na pea (dramas). Cada cordo, um da cor azul e outro vermelho, possua sua contra-mestre, uma baiana e as floristas, todas vestidas de longos vestidos, que carregavam uma faixa e uma coroa da cor do respectivo partido. As floristas, por sua vez, saam cantandoavenderflores(umlaodacordopartido),colocavamolao no bolso dos espectadores e, na msica, pediam um trocado. Ningumnegava. Os dramas eram apresentados durante aproximadamente dois meses, e no final o partido que mais tivesse arrecadado os lainhos era ovencedor.EntocoroadaarainhadoDrama,queacontra-mestre. OsDramassempreprecediamoforr. Bumba-meu-boi O Bumba-meu-boi uma brincadeira que une teatro, msica e dana. O seu enredo conta que Catarina, a mulher do vaqueiro, estando grvida deseja comer lngua de boi (em outra verso o corao). Para satisfazer o desejo da mulher, se mata o boi. E nisso se desenrola a histria. Vrios personagens entram em cena: o doutor, o curandeiro, o urubu. Para alegrar ainda mais a brincadeira, participam destahistriaoJaragueoZdeBibiu,queprovocammedo,obode,a burrinha e a ema, que causam riso. A mestra do boi, como se costuma chamar,nanossaregioaHosanadafinadaMariaPequena,masoSr. Iaga tambm conhece a brincadeira. Hoje, somente na escola local se brinca, no ms de agosto, o Bumba-meu-boi. A brincadeira puxada anualmentepelosjovensalunosquenodeixamoboiadormecer.
  10. 10. Festividades Ciclo Festivo da Semana Santa OciclodefestasdasemanasantariqussimonaPrainhadoCantoVerde. A queimao do Judas e os papangus so uma atrao parte, com uma interessante roupa feita de palha pelos prprios brincantes. Saem em dezenas nas ruas, animam a comunidade, num jogo de insulto e medo, onde todos se envolvem. Na sexta-feira santa acontece a via-sacra encenao do sofrimento e morte de Jesus. No sbado de aleluia acontece a queimao do Judas, que se constitui numa tradio bastante popular na localidade. noite, antes da queimadoJuda,lidootestamento,feitopelospoetasdacomunidadeque, em versos, relatam situaes engraadas envolvendo pessoas da prpria comunidade, a quem o Judas deixa por herana alguma coisa, que geralmente nem era dele. No domingo de Pscoa lembra-se a ressurreio de Cristo. Entre os catlicos, s se pode comer peixe. Essas tradies se renovam e permanecemvivasathoje. A Regata Ecolgica A Regata Ecolgica da Prainha do Canto Verde consiste numa corrida de jangadas que envolve muitas comunidades litorneas da regio. uma manifestao relativamente nova, mas que j se tornou uma tradio, acontece desde 1992 nos finais de ano e atrai pessoas de diversos lugares para assistir. Diferente das tradicionais regatas de jangadas do litoral do Cear, a Regata da comunidade dedicada a divulgar temas e programas de educao ambiental. Destinada a mostrar a vida humana e animal do litoral e chamar ateno para a necessidade de preservao das espcies e da zona costeira, incluindoaimportnciadaterraedomarparaascomunidadeslitorneas. 10
  11. 11. Temas das Regatas: 1992 - Regata experimental 1993 - Fauna Marinha 1994 - Fauna e Flora brasileira ameaadas de extino 1996 - Farmcia Viva: Plantas Medicinais 1997 - Tartarugas e Mamferos Marinhos 1998 - Dia Mundial da Pesca 1999 - O Fundo do Mar 2000 - A pesca no Planeta Terra 2001 - O Mar, a Criana e o Peixe Boi 2002 - Os Povos do Mar 2003 - 140 Anos de Histria da Prainha 2004 - A Historia da Pesca da Lagosta do Brasil 2005 - O Cdigo de Conduta para Pesca Responsvel 2007 - rea Marinha Protegida da Prainha do Canto Verde 2008 - rea Marinha Protegida de Beberibe 2009 - 30 anos de luta da Prainha do Canto Verde 2010 - Territrios Tradicionais, Conservao ambiental e Mudanas climticas Festa de So Pedro So Pedro o padroeiro da comunidade, protetor dos pescadores. A festa acontece na ltima semana de junho, se encerrando no dia 29. Oito dias antes realizada uma srie de novenas nas quais outras comunidades vm compartilhar o mesmo tema. No dia do encerramento, costuma-se fazer uma caminhada conduzindo o santo padroeiro at a praia de onde se sa em outra procisso, agora em jangadas e catamars, pelo mar. Na volta, encerra-se a festa com uma grande missa campal. Vale lembrar que, antes, o padroeiro da comunidade era So Jose de Ribamar. 11
  12. 12. Msica e Poesia Vivaamsicaeapoesiaproduzidanacomunidade,tobemproduzidase representadas por Geraldo Firmino do Nascimento (Sr. Iaga), Jos Firmino da Costa (Z da Nga), Jose Costa dos Santos (Valtcio), Geraldo Ferreira (Geraldinho) e Raimundo Abdon da Silva (Raimundo Bidonha). A seguir, algumascanesepoesiasdenossoscantadores: Comunidade Pai-d'gua (Z da Nga) Comunidade paidgua Que eu ainda no tinha visto no, no, no. Comunidade na luta enfrenta a guerra E na luta da terra no perdeu uma questo Mas quando estou perto da comunidade Eu sinto uma fora chegar perto de mim Ento eu digo vamos dar as nossas mos Unir nossos coraes, comunidade assim, Tem gente que vai ao juiz, vai com seu sorriso louco Vai cheio de sabedoria s para calar a nossa boca, Mas no cala no, no cala no. Comunidade na luta enfrenta a guerra E na luta da terra no perdeu uma questo, Mas quando estou zangado que eu me sinto preocupado Meto a cabea no mundo viro azavesso a cidade, Pode vir juiz e prefeito, mas no derruba a nossa comunidade. Libertao (Z da Nga) Al comunidade! Escute e preste ateno Porque a nossa luta da terra 12
  13. 13. A nossa terra esperada ganhou a libertao He He! H H! Quem sorria agora quem vai chorar. (bis) Vamos, vamos, vamos, vamos meu irmo Vamos lutar consciente Ajudando a Associao A Associao ela que vai trabalhar Mas ns trabalhando junto Nossa vida vai mudar He He! H H! Quem sorria agora quem vai chorar. (bis) Verso da Terra (Iaga) 13 Que a histria comeou Comearam a vender morro Que tinha muito valor A venderam a Prainha A um atravessador. Desse tempo em diante Comeou a confuso Ns, moradores descobrimos. E botamos na questo A levamos pra frente Pra ver quem tinha razo. O Bispo Dom Alusio Que estava ao nosso lado E logo constituiu O Andr advogado E pra Vencer a questo Que estava entusiasmado. Foi em 76 Ento muita gente aqui De ganhar perdeu a f A o advogado disse No pode ficar em p Ai veio pra ajudar na luta Silvinho e Antnio Jos. E o detetive Beto De lutar no se enfadava Sempre estava ao nosso lado Em todo passo que dava O tempo foi se passando E a luta continuava. Uma luta como essa J no se viu outra igual Comeou em Beberibe No cartrio municipal E foi findar em Braslia No Distrito Federal.
  14. 14. Outras Manifestaes Tertlia e Mazago Segundo o Sr. Iaga entre o final da dcada de 50 e o incio da dcada de 60,asfestaseram'bemfaladas',oforrcomradiolaerachamadodetertlia.A tertlia era feita na sala de casa a luz do lampio a gs ou do candeeiro a querosene, no havia sales de festas, os tertulheiros eram o Sr. Natinha e depois o Sr. Joaquim da Rosa. Depois o Dr. Quinim inventou o Mazago, um forrtocado'comumabocaderadiadora'queficoutofamosoqueDr.Quinim comeou a ser convidado para tocar fora. E a festa ganhou este nome porque nestapocatinhaumamsicaquetodomundogostava,chamadaoMazago. Coroao um evento realizado no ms de maio e constitui-se em uma homenagem a Maria. um musical onde vrias crianas e adolescentes oferecem flores a Nossa Senhora. Tambm so deixados aos ps de Maria a palma,acruzeancoraquerepresentam,respectivamente,acaridade,afea esperana.Essaexpressoestadormecidanacomunidadehalgunsanos. Coral OCoralInfantildaPrainhafoicriadoem1992.formadoporumgrupode crianas e adolescentes que cantam msicas populares de antigamente, ouvidaspelospaisequeestavamsendoesquecidaspelasgeraesmaisnovas. O trabalho do coral resgatou estas msicas e brincadeiras de rodas e incorporou outras, aprendidas com comunidades prximas. Esse trabalho se estendeu para a escola, com momentos de aulas de msica (musicalizao) tornando, assim, o espao da escola um ambiente mais agradvel para se aprender. 14
  15. 15. Reis Os Reis (magos) uma tradio que acontece todo dia 6 de janeiro quando alguns grupos de moradores, por volta das dez horas da noite, saem nas casas cantando e pedindo dinheiro. Por onde passam alegram as pessoas com as msicas cantadas em forma de versos. uma manifestao que lembra a visita dos trs reis magos ao meninoJesus.maisoumenosassimabrincadeira: Na chegada a casa senhor dono da casa Abra a porta e acenda a luz Venha ver os trs reis magos Trazendo o sinal da cruz. Quando v que o dono da casa no vai abrir a porta senhor dono da casa Com o seu lenol lavado Tenha pena de quem t fora O sereno est molhado. O sol entra pela porta O luar pela janela T pedindo uma esmola No saio daqui sem ela. Quando no se ouve barulho das chinelas, nem a luz se acendendo Ningum v porta se abrir Nem chinelo se arrastar T esperando sua esmola Que eu quero me retirar. Quando j esto zangados pela falta da esmola Estou aqui em vossa porta Em figura de macaco 15
  16. 16. Se no me der uma esmola Eu entro pelo buraco. Estou em vossa porta Em figura de jumento Se no me der uma esmola Eu meto a porta dentro. Quando recebem uma esmola Obrigado meu senhor Pela esmola que nos deu Gente boa como essa S sendo filho de Deus. Crendices As crendices so supersties que tm sido repassadas de uma gerao para outra, atravs de um sistema de crenas que medida que vo sendo apreendidas so incorporadas como referncias da cultura local. Dentre as muitas crendices conhecidas, citamos algumas das mais fortes na comunidade (principalmenteentreoscatlicos): Andardecostaestmandandoamadrinhaparaoinferno; Contarouapontarestrelacomodedo,criaverruganodedo; Dia de sexta-feira santa, a pessoa de nome Maria no pode tomar banho no marporquecriaescama; Mulhergrvidaseolharparaumeclipse,obebnascecommanchasnapele; Quebrarespelhoseteanosdeazarparaapessoaqueoquebrou; Passardebaixodeescadaeouvergatopretonasexta-feira13,dmuitoazar; Guardartesouraabertatrazazar; Ver muitas vacas na praia, o que no comum, sinal que est chegando muitovento; Quando a rolinha canta no p de uma casa sinal de que uma pessoa da casa vaimorrer; Se passar e sentir um cheiro muito forte de flor no se pode contar pra 16
  17. 17. ningum,porquesinaldequeumaalmaestsesalvando; Quandoogalocantaforadehora,moaquevaifugirdecasa; Deixar chinelo ou cadeira virada d azar, e a jangada do pescador da casapodevirarnomar; Plantarpinhoroxonafrentedacasaespantaazar; No dia de So Sebastio no se pode ir para o mar, pois s se vai encontrarcobra; Vassouraatrsdaportaespantavisitas; Assobiaranoiteatraicobra; Se uma pessoa passar por cima de outra com as duas pernas, no crescemais; Casca de alho correndo pela casa sinal de que o dinheiro est indo embora; Palmadamodireitacoando,sinalqueirreceberdinheiro; Se sua orelha esquentar de repente, porque algum est falando maldevoc; Guarda-chuvaabertodentrodecasatrazazar. Serenata A serenata era uma forma romntica das pessoas declararem seu amor, seu bem querer a pessoa amada ou a algum a quem se queira muito bem. Altas horas da noite saam o pretendente, um tocador e um cantor e iam at a porta da pessoa querida entoar canes de amor; geralmente, ningum costumava rejeitar uma serenata, mesmo que no quisesse corresponder ao afeto declarado aosomdovioloedeumabelacano. Segundo o senhor Geraldinho, um dos que entregou muitas canes, a serenata no passado foi um divertimento muito bom, principalmente para os romnticos, os bomios apaixonados. Uma pessoaiacantaroumandavacantarparaapessoaamada,enestahora podia ser acompanhada por at uma dezena de pessoas, mas um s cantava e tocava ou um cantava e outro tocava. Os demais faziam silncio absoluto. O mesmo tambm podia ser feito de um amigo para outro. Conforme fosse a msica e quem a cantava (e tocava) agradavamatmesmoomaiscaretapaidefamlia. 17
  18. 18. Quermesse A quermesse era outra forma de divertimento praticada na comunidade no incio da dcada de 60, era uma brincadeira animada por um 'som de radiadora', uma espcie de gincana com dois partidos, um azul e outro vermelho. Cada partido monta uma barraca onde sero vendidas comidas e bebidas.Asbarracassodecoradasesoescolhidasjovensparaserarainhade cada partido. Alm da rainha, os partidos tambm escolhem trs ou quatro moasparaajudaremnabarracaenavendadevotos;asmoassofantasiadas com a cor do partido e a rainha com uma faixa. A disputa est na venda de votos fitinhas da cor do partido e no apurado da barraca. Cinco ou seis mesesotempodeduraodasquermesses. A brincadeira se torna mais interessante quando a radiadora anuncia os recadinhosoumsicasoferecidasporalgumparaumapessoamuitoespecial; dessa brincadeira surgiram muitos relacionamentos. As rainhas so fundamentais para o bom desempenho do partido, principalmente quando oferecem os votos, por isso, no podem ser tmidas. Ao fim de cinco ou seis meses conta-se os votos (o apurado dos votos e das barracas) e o partido que mais tiver arrecadado o vencedor; e tem a sua rainha coroada pela organizaodaquermesse. Religiosidade A principal expresso religiosa da comunidade o catolicismo, cerca de 80% dos moradores da comunidade exercem a f catlica, que procura aproximar as pessoas de Deus, utilizando-se muitas vezes do culto aos santos para esta mediao. As principais formas de cultos so: a missa, a novena, o tero(eorosrio)eocultoaossantos. Os evanglicos surgiram somente a partir do ano de 2000. Sua crena esta fundamentada na obedincia ao evangelho de Jesus Cristo e na luta contra a 'ao do diabo' na vida das pessoas. A finalidade de seus cultos cultivaronomedeJesusCristocomonicoesuficientesalvadoreconstruirnas pessoasumaesperanadelibertaoesalvao. Encontramos alguns adeptos da Umbanda, mas no h nenhum terreiro 18
  19. 19. 19 nacomunidade.Entretanto,comumvirematoCantoVerdeumbandistasde outras localidades prximas por ocasio de festas como a de Iemanj comemorada no Cear no ms de agosto para fazer seus cultos e oferendas beira-mar,atraindomuitoscuriososdacomunidade. Histrias histria da Prainha do Canto Verde riqussima. Nesta cartilha, selecionamos acontecimentos marcantes para a comunidade, que ajudam a refletir sobre as mudanas ocorridas, asAconquistaseamelhoriadaqualidadedevidadosmoradoresdestelugar.Estas experincias demonstram a resistncia e a luta do povo da Prainha do Canto Verde. O processo de articulao e mobilizao poltica, que marca a histria de Canto Verde, desencadeou um processo de organizao comunitria, com base local e internacional, e o fortalecimento de um sentimento de pertencimento muito grande na comunidade, onde as pessoas se autodenominamcomo'prainheiros'. Dentre as histrias que marcam a memria local, destacamos: o arrombamento da Lagoa do Jardim, a casa da Cuca, a viagem SOS Sobrevivncia, o 'raid' 7 de setembro, a derrubada da Creche, o fim da mortalidade infantil, a conquista do entreposto de pesca, o incndio das casas de pescadores, a Escola dos Povos do Mar, a luta pela posse da terra, a criao da Reserva Extrativista (Resex), entre outros. Algumas destas histrias so contadas atravs de relatos dos prprios moradores, outras por meio de reportagens, fotos ou documentos de poca e de documentos produzidos pelacomunidade,comoumdeseusfolders,quetrazoseguinteregistro: 2. Histrias e Lendas
  20. 20. A primeira notcia documentada nos jornais sobre a comunidade o 'raid' de 1928, quando 3 pescadores na jangada Sete de SetembroresolveramnavegaratBelmdoPar.Aaldeiaoriginal ficava a oeste da vila atual. Com as grandes chuvas de 1974, a vizinha lagoa do Jardim rompeu-se levando a maioria das casas de taipa para o mar, provocando a mudana da comunidade. Em 1976, um grileiro em sociedade com uma empresa imobiliria entra em cena para acabar com a paz e a tranqilidade da comunidade, tentando se apoderar das suas terras. A reao dos moradores a luta pela terra. Em 1989, o Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDPDH) do cardeal D. Alosio Lorscheider ajudou a fundar a Associao dos Moradores da Prainha do Canto Verde. Em 1992 inicia-se o projeto para o desenvolvimento sustentvel da comunidade, com o apoio dos Amigos da Prainha do Canto Verde. Em 1993, acontece a famosa viagem de protesto da jangada SOS Sobrevivncia at o Rio de Janeiro, com 4 jangadeiros ao mar e 2 mulheres em terra, percorrendo de carro o trajeto para dar apoio logstico. Em 1995, nasce o Frum dos Pescadores do Litoral Leste em assemblia na Prainha do Canto VerdeemaistardeseampliaparatodooestadodoCear.Em2002 inauguradaaEscoladosPovosdoMarparaosjovenspescadores da comunidade e, em 2004, o Estaleiro Escola para a construo de uma nova embarcao a ser utilizada na pesca, o catamar. Em 14 de maro de 2006 a deciso do Superior Tribunal de Justia (STJ)anuloutodososdireitosdaImobiliriaeabriucaminhoparaa regularizaodapossedaterradosmoradores. 20 Esse importante processo de articulao e luta comunitria culminou com a criao, em junho de 2009, da Reserva Extrativista da Prainha do Canto Verde. (...) desde 2001 os moradores organizados lutam pela criao da RESEX. A comunidade da Prainha se fortaleceu ao longo dos anos, nas batalhas pela
  21. 21. O que uma Reserva Extrativista? A Reserva Extrativista uma rea utilizada por populaes extrativistas tradicionais, cuja subsistncia baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistncia e na criao de animais de pequeno porte, e tem como objetivos bsicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populaes, e assegurar o uso sustentvel dos recursos naturais da unidade (In: SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservao) 21 garantia do direito terra e de um futuro sustentvel. Exemplo disso, foi a vitria de uma batalha judicial, que se arrastou por longos 17 anos, contra uma imobiliria que tentou expulsar a comunidade das terras onde vivia. Esta batalha foi vencida em maro de 2006, quando do julgamento da ao da comunidade no STJ, que anulou o usucapio da imobiliaria, abrindo caminho para regularizao da posse e garantindo aos moradores o direito de permanecernasuaterra.Apartirde ento,foihorade caminharnosentidode transformaraPrainhanumaReservaExtrativista. Para Lindomar Fernandes (liderana comunitria da Prainha do Canto Verde) "a RESEX ir mudar a vida das pessoas que vivem na Prainha, pois a partir de agora ningum mais vai poder se apossar dessas terras. uma conquista muito importante pela qual tivemos que lutar durante muitos anos, mas o resultado chegou e agora seguir em frente tentando consolidar as estratgias desustentabilidadecomunitria".
  22. 22. Histria de Vida Casa da Cuca, contada por Dona Mirtes Ela sempre morou ali, conta D. Mirtes. Na frente da casa dela era o lugar que a comunidade havia escolhido para a construo de um posto mdico para atendimento da populao da Prainha do Canto Verde. Um senhor chamado Nilton, apoiado por Til, Joaquim da Rosa e outros amigos seus, construiu uma casa naquele local onde a comunidade havia escolhido para construir o posto mdico. Depois de construda a casa dele, desejou tirar a casa da Cleonice, a Cuca, dali. Ela, com o apoio da organizao da comunidade, resistiu a sair. O Til, que era contra a comunidade, foi Prefeitura e arranjou material para construir o posto mdico. Mandou construir os alicerces ao redor da casa da Cuca, que ficou cercada. O grupo que se reunia em torno da organizao comunitria, decidiu derrubar o alicerce que havia sido construdo. Em certo dia, ao final da aula, quando os trabalhadoresqueconstruamopostomdicojtinhamencerradooseudia de trabalho e haviam deixado o local, as crianas da escola se juntaram e derrubaram o que havia sido construdo. Pessoas que eram contra a organizao da comunidade, ao verem aquela cena, se manifestaram dizendo que denunciariam para o Til e Prefeitura. Ouvindo o que tais pessoas diziam, todos os que praticavam a ao gritaram dizendo: a comunidadeouno?!. Sr. Valtcio por ele mesmo ou Memrias do Sr. Valtcio Tenho 48 anos e me chamo Jos Costa dos Santos, mas sou conhecido na Prainha do Canto Verde como Valtcio. Os mais velhos contam que antigamente tinha muita vegetao por aqui, por isso comearam a chamar o lugar de Prainha do Canto Verde. Nasci aqui mesmo, e acho que descendo de ndios. A primeira famlia do Canto Verde foi a de Caboclo. As primeiras famlias se alimentavam de frutos da terra (troca de alimentos) e do mar (pesca). 22
  23. 23. A principal fonte de renda da comunidade era o pescado, mas alguns pescadores tambm plantavam. Aprendi a pescar com meu pai, ele me levava dentro do sambur pro mar. Pescava-se peixe da risca(biquara,canguloeoutros),numtipodejangadaqueerafeitade piba. Meu pai pescava nela, eu s cheguei a ver. Comprava-se anzol no Geraldo Carapina, que era o ferreiro da regio, que morava em Juazeiro; tinha que ter muito cuidado com esse apetrecho, pois era muito difcil de encontrar. A linha era feita de fio. Os nicos meios de transportequeexistiameramosanimais.Parapegarcarrotinhaqueir paraaParipueiraouJuazeiro(distritosprximos). Os remdios de antigamente eram caseiros, por exemplo, cortavam as ameixas e tiravam a goma para cicatrizar as feridas, ou remdios caseiros como casca de pau de laranja, aroeira e outros. As rezadeiras tambm curavam. Daquele tempo, lembro que rezavam, a minhaavDauziza,MarianaeMariaGrande.Morriammuitascrianas, e elas pensavam que era quebrante, por isso rezavam. No existia hospital,gotinhaseremdios.Oscurativoseramdepanos. Hojeascoisasficarammaisfceis,ostransportes,osapetrechos de pesca, as casas s de alvenaria. As escolas de antigamente eram pagas, funcionavam em uma colnia de pescadores na Caucaia. Os professores eram Zacarias e seu 'Raimundin'. Na minha lembrana, o primeiro professor foi seu Zacarias. Entre as coisas que permaneceram na nossa comunidade, ainda existe a luta pela terra e algumas casas de palhas e de taipas. Entre as nossas festas mais antigas esto festa do padroeiro So Pedro e as da Semana Santa. Lembrotambmquehaviammuitasprocisses. Em nossa histria, muito marcante foi a luta pela terra. A nossa organizao comunitria iniciou-se quando soubemos que o mundo tinha luz, a comeamos a nos reunir debaixo da latada do seu Dimilsim, para pensar uma forma de combater o grileiro. Nossa comunidade se reunia e batalhava contra homens muito ricos, e foram vitrias que me marcaram muito. Antes no existia especulao, o povo era livre pra fazer casas onde quisesse, no existia ambio. De l para c foram muitas conquistas, entre elas: entrepostoparaopescado,horta,materialdepescaeoutros. 23
  24. 24. Ateno caros leitores Para a viagem-protesto Para o que vou lhes contar Contra aquela situao. A faanha deste povo Que gosta de trabalhar O Mamede foi o mestre Da Prainha do Canto Verde Por ser mais experiente Litoral do Cear. Um dos lderes dessa luta Portanto, mais consciente No dia 4 de abril Homem corajoso e feito H dez anos j passados Pra enfrentar o batente. Saram de Canto Verde, Sendo eles por Deus guiados, A Marlene e a Michelle Rumo ao Rio de Janeiro Fizeram um papel importante Os quatros heris afamados. Acompanhando por terra Prestaram apoio constante Levavam duas bandeiras Durante toda a viagem, De resistncia e protesto A ajuda foi relevante. Ao conhecimento pblico Expor nosso manifesto A jangada SOS Em favor do pescador Com um destino certeiro Por um mundo mais honesto. Movida a ventos fortes Fez o percurso ligeiro Essas so as duas coisas Com setenta e trs dias Que marcaram nossa histria: Chegou no Rio de Janeiro. ESPECULAO IMOBILIRIA E a PESCA PREDATRIA A viagem SOS Sobre as quais mais desejamos SOBREVIVNCIA, ento Obtermos a vitria. Foi um ato de herosmo Daquela tripulao E foi muito emocionante Que admirou a todos O dia em que eles saram Do litoral ao serto. Vi muita gente chorando Na hora que eles partiram Um grito de pleno apelo Aquela fora e bravura Em prol da SOBREVIVNCIA Todos ali aplaudiram. Com o qual ns construmos Mamede e Chico Augusto, Toda nossa experincia. Edilson e Chico 'Sio' Depois de Deus o que Foram eles que toparam Sustenta a nossa existncia. Compor a tripulao SOS Sobrevivncia de autoria de Jos Maria (Ded). Trecho retirado do cordel 10 Anos de SOS Sobrevivncia, 24
  25. 25. Lendas As lendas da Prainha do Canto Verde so um conjunto de causos e histrias contadas pelos moradores, que as presenciaram e/ou ouviram dos mais velhos. So passadas de uma gerao a outra atravs da oralidade. Existem algumas que fazem parte do folclore brasileiro, como a do Lobisomem e a do Batato (Boitat), outras so especficasdolugar,comooCarrodaVisagem,oPaidoMar,oNeguim da Barra, o Cajueiro do Violo, entre outras. So narrativas dos mais velhos, testemunhos de pessoas que presenciaram ou estiveram envolvidascomtaissituaes. Batato O Batato um fogo que aparece s pessoas em locais com vegetao, podendo at segu-las. Ele como uma fasca, que vai se tornando uma tocha de fogo enorme. Nunca se soube o que ele faz com as pessoas, porque se aprendeu que para se defender dele basta 'avessar' uma pea de roupa ou dobrar o embainhado da cala ou da blusa. Ento ele segue outro rumo. Mas quando se apresenta em lugares com vegetao densa, s se v o 'fogaru' queimando. O curioso que no outro dia est tudo do mesmo jeito, nada est queimado. OSr.GerardoFerreiranoscontouoseguinte:certavez,sonze horasdanoiteeuvinhadoCampestrequandosubiomorroedoaltovi a casa da Nega, vi um fogo, como se jogasse uma ponta de cigarro, o vento era forte, e o fogo caiu longe. Depois ele subiu, quase da altura do ombro de uma pessoa. Lembrei logo do Batato. Fiquei olhando para no perder de vista, e ele seguia meu rumo. Quando cheguei na beira de um brejo que tinha no caminho, ele j vinha bem perto. Eu estava de cala e no podia passar ligeiro pela lama. Virei a manga da camisa, arregacei a cala. Riscava fsforos mais o vento apagava. Ento caminhei e quando ia no meio do brejo, ele j ia longe. Fiquei olhandoecomumtempoelesumiu. OBatatotambmvistoemoutrospontosdolitoralcearense, semprecomoumfogoquesemovimentarapidamente. 25
  26. 26. O Pai do Mar Trecho retirado do cordel O presente do Filho do Pai do Mar, de autoria de Jos Maria (Ded). Contam que o Pai do Mar Homem de muita destreza De to tamanha grandeza Vivia s de pescar Pela altura era notado A distncias elevadas Chegava em poucas passadas No pesqueiro desejado S pescava em gua funda A gua dando no peito O uru daquele jeito E a tarrafa na corcunda Uns chamavam Pai do Mar Porque vivia na mar Outros, no sei porque Chamavam de Gargantu E que morou por aqui Pela circunvizinhana Lhe digo com segurana Que viram-no por a. Neguins da Barra Os tais Neguinsso encantadosque costumamaparecerna barrado seu Diassis. Quem passava por l noite, era surrado pelos neguins, negcio feio era a 'peia' que eles davam, quando a pessoa reagia. Alguns que passavam armados eram enganados, atiravam e esfaqueavam pensando que atingiam os neguins. Mas, nada disso acontecia, pelo contrario, 'pense nuns negos' espertos e ligeiros, eles que surravam vrios, deixando-os assombrados; e ainda sorriam e zombavam das pessoas, grande era a acanalhao. Algumas vtimas,aoamanhecer,voltavamlnolugar,pensandoqueiamverosneguins 26
  27. 27. mortos por l. O rebolio era grande, mas nem se quer escavacado ficavaolugarondeeleshaviamaparecidonanoiteanterior. Carro da Visagem Neste tempo ainda no havia nem estrada na Prainha do Canto Verde, no caminho do p do morro at a Prainha, por volta da meia noite,apareciaumcarro,umjipe,muitoiluminado,tantoquealgumas pessoas o chamavam de carro de fogo. Era um carro que no fazia barulho e s era percebido pela sua grande iluminao e o mais sinistro que dentro dele, seus tripulantes, motorista e passageiros, eram caveiras, que faziam assombrao a quem fossem encontrando no caminho. As pessoas, ao verem a luz do carro aparentemente muito bonito e chamativo por sua intensidade aproximavam-se dele com muita curiosidade e, ao se deparar com as caveiras, assombravam-se e caam em terra, acordando-se s no dia seguinte. I.V.N.eM.C.F.contamqueviramestecarro. Cajueiro do Violo Htemposatrs,nopdomorro,existiamalgunscajueiros,que hoje no existem mais, pois as dunas os soterraram, cobrindo-os por completo. Havia tambm uma senhora conhecida por Zabel, que tinhaumacasanopdomorro;tododiaelavinhaparaaPrainha,onde tinha duas filhas, e se relacionava com outras pessoas. Esta senhora gostava muito de beber cachaa, tomar 'umas duas', como diziam naqueletempo.Conta-sequecertodia,na'boquinha'danoite,depois de tomar 'suas duas', ela saiu da Prainha em direo a sua casa e ao aproximar-se de um daqueles cajueiros, ouviu um som, como se fosse um toque de violo. Ela foi at l, entrou debaixo do cajueiro e ouviu mais forte o toque de violo e um barulho de dana. A senhora, ento, ps-se a danar, passando parte da noite danando ao som do violo, sem que houvesse algum l que tocasse. Desde ento, esse cajueiro passou a se chamar de cajueiro do violo. Outras pessoas contam que j ouviram o mesmo som e o barulho de dana naquele cajueiro, inclusivemulheresqueiamapanharlenhanomato. 27
  28. 28. 3. Lugares de Memria onsideramos lugares de memria os locais ou espaos significativos para a construo da histria e memria local. Constituindo-se no Capenas em marcos fsicos, mas tambm naturais, simblicos e/ou imaginrios. So referncias para a memria social da comunidade e permitem refletir sobre o que lembrado ou esquecido, numa relao com o passado que se expressa nos significados construdos nestes lugares de memria. Os coqueiros da Tia Boi A Tia Boi plantou cinco coqueiros, que se tornaram smbolos da comunidade, os primeiros a serem plantados no Canto Verde. Destes, hoje, restam apenas quatro, dizem que um corisco (raio) matou um deles. So de grande importncia para comunidade, servindo at como referncia espacial paraospescadoresseorientaremquandoestonomar. A Escola Velha A Escola Velha assim chamada porque foi a primeira sala de aula da comunidade, a partirdo seu funcionamentosurgiua organizaocomunitria nas novenas do sagrado corao de Jesus e do sagrado corao de Maria, por isso tem um sentido muito especial. Num destes momentos de reflexo comunitria,surgiuocomentriodequeasterrasdacomunidadetinhamsido vendidas para a imobiliria Antnio Sales Magalhes, desse encontro saiu uma comisso de pessoas para irem ao cartrio de Beberibe se informar da realsituao.Lfoiconstatadoqueeraverdade,queacompratinhasidofeita, e um dos argumentos era que a Prainha no tinha morador; e que o tal especulador j tinha um usucapio, que precisava ser anulado. Comeou, ento,alutapelaterra. 28
  29. 29. Os coqueirais do seu Dimilsim Seu Dimilsim plantou vrios coqueiros em um local perto de sua morada, mas as dunas enterraram a sua casa, e ele teve que se mudar paraoutrolocaldacomunidade. Um dos coqueiros mais famosos que seu Dimilsim plantou, conhecido como Coqueiro do seu Dimilsim, se encontra em frente aocentrocomunitrio.Essecoqueirocresceueadunaoenterrouuma poca, ficando s o 'olho' de fora. A duna passou e hoje ele est l novamente, servindo at como carto-postal da comunidade. Quando a lagoa enche, ele fica no meio, deixando a paisagem mais bonita. Guardamos uma grande lembrana de seu Dimilsim que alm de plantar e pescar gostava de calafetar jangadas e de Dona Alzira, suaesposa,tambmjfalecida,queforammoradoresmuitoantigose estiveramjuntosotempotodonalutacomunitriapelodireitoaterra. Felizmente, o coqueiral continua aos cuidados de seus filhos Geraldo e Telma, pois so uma lembrana viva de seu Dimilsim um dos eternos guardies da memria da comunidade alm de ser um espao j utilizado para vrios momentos importantes da comunidade, como: o primeiro encontro do Frum dos Pescadores, o lanamento da Caravana da Lagosta, os 'arrais' e as aulas de campo da escola; sem contar que um espao muito agradvel para se descansar. Jangada comunitria A jangada comunitria uma embarcao conseguida atravs da elaborao de projetos para captao de recursos, ela muito importanteparaorganizaocomunitria,poisospescadoressofriam muito por no ter sua prpria embarcao. Por ser uma jangada comunitria, seu uso era feito atravs de um rodzio entre os pescadores, que nela iam ao mar, garantiam suas pescarias e melhoravamosustentodesuasfamlias. 29
  30. 30. Hoje, esta jangada no mais utilizada para pesca, mas uma pea importante de memria da histria local, porque foi nela que quatro pescadores viajaram da Prainha do Canto Verde at o Rio de Janeiro pelo mar. Tratava-se da viagem-protesto que ficou conhecida na histria como S.O.S Sobrevivncia, que denunciou a pesca predatria e a especulao imobiliria, durou73diasemobilizoumeiosdecomunicaoeaopiniopblicanacionale internacional. A cruz do finado Z Dantas Esta cruz fica na praia e lembra um morador e pescador da Prainha do Canto Verde chamado Jos Dantas. Certa noite ele saiu para pescar na barra do Crrego do Sal, atividade que ele gostava de fazer com bastante freqncia, pois pescar de tarrafa para ele 'era tudo'. Mas nesta noite ventava e chovia muito e mesmo a famlia pedindo para que ele no fosse, o mesmo seguiu; a espera pela sua volta foi at altas horas da madrugada, como de costume, mas ele no chegou. Quando a famlia percebeu que no voltava, comeou a procura. Logo ao amanhecer, bem cedinho, quando outros pescadores iam pro mar encontraram na praia um corpo e a tarrafa ao lado. Quando chegou a notcia, todos j sabiam que se tratava do Z Dantas. A famlia e outras pessoas chegaramao local e confirmaramque era ele mesmo. No se sabe se morreu de frio ou afogado, s sabemos que foi fazendo o que maisgostavadefazer:pescar. Centro Comunitrio No incio da construo do Centro Comunitrio a inteno era que fosse uma igreja, mas como as instituies que iam ajudar financeiramente no puderam contribuir para construo do templo religioso, decidiu-se pela construo de um Centro Comunitrio. Em 1985, mesmo com a construo do Centro Comunitrio estando somente no alicerce, aconteceu o primeiro evento no local: o Seminrio Rural, que contou com a participao de representantes de comunidades de todo o Cear e com presena de Dom AlosioLorscheider,CardealeBispodeFortaleza. O Centro Comunitrio um espao de mltiplos usos na comunidade, j 30
  31. 31. 4. Saberes e Modos de Fazer onsideramos saberes e modos de fazer os conhecimentos tradicionais enraizados no cotidiano das comunidades que lhes permitem, a partir Cda experincia, produzir seus alimentos, construir suas moradias, fabricarobjetoseferramentasnecessriassuacomodidadeesobrevivncia. Esses saberes so compartilhados socialmente, transmitidos de gerao em gerao e constituem o patrimnio vivo de uma comunidade. Dentre os saberes e modos de fazer identificados na Prainha do Canto Verde destacamos: foi usado como creche e sala de aula, hoje utilizado para reunies de pais da escola e de pescadores, para as assemblias e reunies da Associao de Moradores da Prainha do Canto Verde, para festas da comunidade, para eventosdeturismocomunitrioe,tambm,paracelebraesreligiosas. AcasadofinadoJoaquimdaRosaeNazar Joaquim da Rosa e Nazar foram dois dos primeiros moradores que chegaram ao bairro Vermelho, a casa deles abrigava pessoas que chegavam e no tinham onde ficar. Por esse acolhimento, Seu Joaquim e Dona Nazar eram um casal do qual todos gostavam muito. Um grande desejo do Seu Joaquim era construir uma igreja, por ter ajudado na construo do centro comunitrio, quando a inteno era que fosse uma igreja. Hoje, nenhum dos dois vive mais com a gente, 'Deus os levou', mas a casa continua habitada por umdosnetos. AcasadoseuCcero Foi a primeira casa de alvenaria (tijolos) construda na Prainha do Canto Verde pela famlia do Sr. Z Amncio, que hoje mora na comunidade de Parajuru. O Sr. Ccero e a Dona Francisca, os atuais moradores, compraram a casaparamorar,preservandoaestruturadacasa. 31
  32. 32. As Construes Tradicionais As construes tradicionais para moradia na Prainha do Canto Verde eram as casas de taipa e palha, construdas de forma artesanal com a utilizao de materiais encontrados na prpria 'natureza' da regio: tocos de sabi e marmeleiros, barro molhado retirado do mar e palhas de carnaba para portas, janelas e telhado. Essas moradias tinham, na maioria das vezes, um carter provisrio, pois com pouco tempo tinham que ser abandonadas,poisoventocavavaousimplesmenteenterravaascasas Quase todos os moradores possuam os saberes necessrios para estas construes, aprendizado que era passado de pai para filho, ou seja, transmitido de gerao para gerao. Os antigos construam suas prprias residncias, cada uma do seu jeitinho, fazendo de suas moradas um lugar aconcheganteecaractersticodolitoral. A Renda de Bilro Dizem os mais idosos da Prainha do Canto Verde que a renda foi primeira tcnica de artesanato da comunidade, s depois de muito tempo surgiu o labirinto. Hoje existem pouqussimas pessoas que sabem fazer renda, Maria Salete, rendeira da comunidade, diz que a renda feita com linhasebilros,papeloealmofada,equeaprendeuafazerrendanoIguape, com sua cunhada, a cerca de vinte anos. O que produzem, geralmente exposto em barracas e pousadas para facilitar a venda, e esta atividade a principal fonte de renda dessas artess. A Chica do 'Veim' e a Rosa do Pedro do 'Turico' so as outras mulheres que ainda se dedicam a renda de bilro na comunidade. O Labirinto O Labirinto uma tcnica de artesanato de grande importncia na comunidade, se constituindo numa tradio muito antiga. A maioria das mulheres da Prainha do Canto Verde sabe fazer labirinto e dizem ter aprendido essa tcnica com as geraes passadas. Elas se renem para fazer o labirinto em frente de suas casas. Conversando e trabalhando com agulha, linha e pedaos de tecidos, vo criando lindas peas, como toalhas, 32
  33. 33. panos de prato, dentre outros. Para muitas, o labirinto se constitui como a nica fonte de renda, de onde tiram o sustento para suas famlias. A Costura Antigamente,aspessoasdaPrainhadoCantoVerdecosturavam suas roupas a mo, utilizando tecidos de sacos de acar, pedaos de algodozinho (que sobravam das velas das jangadas), sacos de estopas etc. Cortavam e costuravam os tecidos utilizando apenas tesoura, linha e agulha e em seguida tingiam com tinta da cor de sua preferncia. As roupas dos pescadores irem trabalhar no mar eram tingidas com tinta retirada da casca do cajueiro, que tornava a roupa maisdurvel. Smuitotempodepoisapareceumquinadecosturaeapartir desta inovao a maioria das pessoas no costura mais mo, s na mquina.Atualmente,oscostumesdesecomprartecidosefazersuas prprias roupas vo aos poucos se perdendo. Muitos j compram as roupas feitas, prontas e acabadas, de sacoleiras, bancas de feiras e pequenas lojas. Mas, ainda hoje na comunidade temos pessoas que costuram suas roupas a mo. Segundo dona Nega, todas as roupas que ela usa so ainda feitas mo, com ela mesma as cortando e costurando. As Parteiras O acompanhamento da gestao e o parto das mulheres eram feitos na prpria comunidade pelas parteiras. Detentoras de um conhecimento que era passado de me para filha, estas mulheres exerciam um papel importante na comunidade. Eram consideradas sbias pela comunidade, pois geralmente davam conselhos e muitas vezesserviamdemediadorasemconflitosfamiliares. Acompanhavam as grvidas desde o incio da gestao at o parto, com visitas de tempos em tempos; o acesso s parturientes era bemdifcil.Sairnomeiodanoiteparaatenderochamadodemaisuma 33
  34. 34. vida que est por chegar era, para essas mulheres, encarado com muito prazer e disposio. Iam muitas vezes a p, ou montadas em algum animal. Por isso, so tidas por todos como uma parenta muito prxima, afinal muitos dos moradores nasceram com a ajuda dos seus conhecimentos. Tratadas por madrinha, tia ou me de umbigo, muitos pedem a elas bno para receber sempreboasorte. Dona Maria de Lurdes do Bajurau, 55 anos, a nica parteira viva da comunidade, conta que aprendeu a fazer isso sozinha. Diz precisar de muita coragem para realizar seu trabalho, mas sente-se orgulhosa e tem muita satisfao, pelo importante papel desempenhado e pelo carinho que recebe de quem a respeita. Com o passar dos anos, cada vez maior o nmero de partos feitos nos postos de sade e esse saber vai aos poucos se perdendo. Nos dias de hoje, resta apenas D. Maria de Lourdes o ttulo de parteira da PrainhadoCantoVerde. O Mestre de Jangada Os mestres de jangada so os detentores dos saberes e modos de fazer destetipoparticulardeembarcao.Adquiremseusconhecimentosapartirda experinciaeostransmitemdegeraoemgerao. Antigamente, as principais embarcaes utilizadas para a pesca na comunidade do Canto Verde eram as jangadas feitas de piba, uma madeira vinda do Norte. As primeiras jangadas de piba do Canto Verde foram produzidaspelofinadoAntnioCorriademaneiracompletamenteartesanal. Estes barcos eram compostos de seis paus de piba, os dois do centro chamam-semeios,osdoisimediatosdebordos,eosdoisltimosdememburas, amarrados por uma corda formam o casco. Sobre o casco so colocados outros elementos: o banco da vela, carninga, salgadeira, banco de governo, calador, espeque, calos da bolina, tolete, forras, cavilhas, mastro, tranca, fateixadentreoutros.Nestetipodejangada,apescaficavamaisperigosa,pois no era uma embarcao segura. A jangada de seis paus, como tambm era chamada, fica em cima do mar, por isso tem pouca estabilidade, embora tivesse um lugar para os pescadores se protegerem das tempestades ou sentaremparadescansar. 34
  35. 35. A partir da dcada de 60, comeou a surgir outro tipo de jangada, a jangada de tbua, que feita de madeira de louro e piti do Par. Esta jangada, por ser mais pesada, oferece muito mais estabilidade e segurana nas manobras no mar, viaja mais rpido, tem espaoparasentar,cozinhareatpralevarpassageiros.Mesmoseela virar no mar, dois pescadores experientes conseguem desvir-la rapidamente. Depois do mestre Z Amncio, o senhor Antnio Corria comeou a construir jangadas. Hoje, quem detm esse saber o Dair, morador da comunidade, que j fez muitas jangadas, e acha muito importante o seu trabalho. A partir dessas embarcaes artesanais que vem o sustento e a principal fonte de renda do Canto Verde. O navegador Amyr Klink, que esteve na Prainha do Canto Verde na ocasio da sada da Jangada SOS Sobrevivncia para o Rio de Janeiro, atesta que a jangada a embarcao que oferece as melhores caractersticas de navegao entre todas as embarcaes vela. O casco do barco que ele desenhou para velejar na Antrtica inspirado najangada. A Pesca no Canto Verde Antigamente as jangadas eram feitas de Piba e as linhas usadas para a pesca de fio de algodo torcido, encerado e pintado com tinta dacascadecajueiro;damesmaformaeramconfeccionadasasredes. Os pescadores saam para o mar e passavam de quatro a cinco dias para voltar. Apesar do nmero dias que ficavam no mar, no precisavam explorar regies martimas muito afastadas da costa, pois havia grande fartura de peixes disponveis na parte mais prxima da praia. O pescado era salgado 'ao claro da lua' e quando as jangadas chegavam beira da praia, os peixes eram vendidos ali mesmo. Neste tempo,jpescavamlagostacomjerer,arcodecipcompanodefioe anzol, e as vendiam na quantidade, no no quilo. Isso era possvel porquenestapocatinhamuitafarturadepeixeselagostas. Hoje as jangadas so feitas de tbuas, as maiores so ocas e as 35
  36. 36. menores, chamadas de botes, possuem no isopor seu interior. As linhas, as redes e os rengalhos so feitos de nilon e, majoritariamente, produzidas em fbricas; j a cangalha e o manzu so confeccionados artesanalmente, gerandorendaparaoutrosmoradores,sobretudoosjovens. A pesca tambm mudou muito, os pescadores vo e vm no mesmo dia, pescam de linha, rede, manzu e rengalho e levam gelo para resfriar o pescado. Quando retornam a maior parte da produo entregue aos marchantes para ser vendida s pessoas de fora e o restante fica para ser comercializadonacomunidade. Os pescadores tambm conquistaram um entreposto de pescado para poder comercializar o pescado sem passar pelos atravessadores, que com o tempo passaram a controlar os preos. Hoje, o peixe e a lagosta so vendidos diretamente para os consumidores e os exportadores, o que permitiu estabelecerumpreojustoecomissomelhorararendadasfamlias. A comunidade inovou a realizao da pesca artesanal com a introduo de uma nova embarcao o Catamar, que apesar de ser mais conhecido como barco de passeio, lazer ou de regatas olmpicas, aps vrios testes e adaptaes tem colaborado muito com a melhoria da pesca. Essa experincia comeou em 1999, quando alguns moradores conheceram uma praia no Maranho onde um portugus chamado Manellis construa e pescava com barco do tipo Catamar. Encomendou-se, ento, o primeiro Catamar da Prainha, construdo no Maranho e batizado de Esperana. Os resultados dostestescomoEsperanaforamtobons,queem2006foifeitoumestaleiro para construir barcos na Prainha. O estaleiro se constituiu em um importante projeto que permitiu a aprendizagem da construo desse tipo de embarcao, adaptada as condies do estado do Cear. Participaram desse projetopescadoresecarpinteirosvindosdevriascomunidadesdoCear. O primeiro catamar construdo em canto Verde recebeu o nome de Gnesisefoiseguidopormaisquatrobarcos. Paraospescadores,oCatamar oferece:conforto,segurana,espaoparatrabalhar,altavelocidadeeenergia solar para poder usar os instrumentos eletrnicos de ultima gerao, como o GPS.OspescadoresdeoutraspraiaschamamocatamardeiatedaPrainha. 36
  37. 37. Modos de Comer: A Culinria UmdospratosmaistradicionaisdaculinriadaPrainhadoCanto Verde o piro de peixe, base da alimentao local, consumido diariamente desde os primeiros moradores da comunidade. Segundo relatos de pessoas mais idosas da localidade, tinha-se o costume de se trocar na praia o peixe pela farinha de mandioca, um dos ingredientes indispensveis no preparo do piro do peixe. Hoje esse produto de fcilacessonaregio. Com o passar do tempo alguns pratos tradicionais como o piro de 'grosar', a farofa de taioba, a farofa de aru e de pistoleta, dentre outros; esto ficando cada vez mais raros na alimentao da comunidade. Hoje em dia os pratos tpicos tradicionais mais consumidos so: grolado, ximbu de batata, beiju, mungunz, moqueca de arraia e lagosta, cuscuz, peixe assado, peixada, baio de dois. Muitas destas receitas so segredos de famlia, passados de geraoparagerao. Modos de Curar: As Rezadeiras Oqueeucuro?Carnetriado,ossorendidoenervotorto.Esse um dos trechos das oraes de Dona Nega, de 72 anos, uma das rezadeiras mais antigas da comunidade. assim e de vrios outros modos que elas colocam em prtica seus segredos de cura, aprendidos atravs da oralidade com familiares e antepassados. As rezadeiras so espcies de mdicos divinos da comunidade. No precisam de remdios para curar, utilizam-se apenas da f e de suas rezasfortes. Pra ser uma boa rezadeira tem que ter bom corao e muita f, assim fala Dona Altina, de 70 anos, que aprendeu a rezar aos 10 anosdeidade. Suasrezascuramquebrante,ventocado,malolhadoe muitomais.Eugostoeachomuitoimportanteserumarezadeira,me sinto feliz aqui no Canto Verde. Rezar pra mim uma forma de caridade, me sinto bem em poder ajudar aos outros com minhas rezas, afirma com orgulho Dona Nega, outra rezadeira da comunidade. So assim as rezadeiras do Canto Verde, que com seus saberes tradicionaisproporcionamacura. 37
  38. 38. 38 Modos de Curar: Remdios Caseiros H muito tempo, na comunidade da Prainha do Canto Verde, as famlias usam remdios caseiros como ch de ervas, lambedores, entre outros, extrados dos recursos disponveis na comunidade e feitos pelos moradores paratratardedoenas. Mel de Beterraba Ingredientes: beterraba, tomate, acar. Modo de fazer: pegue a beterraba e o tomate j cortados e coloque em uma panela com gua, leve ao fogo e deixe ferver; logo aps a fervura retire do fogo e passe em uma peneira deixando s o caldo, em seguida acrescente acar a gosto e leve ao fogo novamente pra ferver mais uma vez. Usado para: gripe e resfriado. Mel de Pepaconha Ingredientes: papaconha, casca de rom, casca de jatob, capim santo. Modo de fazer: junte os ingredientes j cortados em uma panela com gua e leve ao fogo, deixe ferver; ao ferver retire do fogo, passe na peneira deixando s o caldo; acrescente o acar a gosto e leve ao fogo novamente at que ferva outra vez. Usado para: gripe e inflamao no corpo. Ch de Arruda Ingredientes: arruda, gua, acar. Modo de fazer: lave as arrudas, coloque em uma panela, acrescente gua e acar a gosto; leve ao fogo e deixe ferver bastante. Usado para: dor de clicas e outras dores. Mel de Abelha Ingredientes: mel de abelha e rom. Modo de fazer: misture o mel da abelha com a rom e deixe conservar por cinco dias. Usado para: inflamao na garganta e gripe.
  39. 39. 39 Ch de Colnia Ingredientes: colnia, gua, acar. Modo de fazer: lave as colnias (folhas) rasgue em pedaos e coloque em uma panela, acrescente gua e acar a gosto; leve ao fogo deixe ferver bastante. Usado como: calmante e remdio para o corao. Ch de Hortel Ingredientes: hortel, gua. Modo de fazer: lave as folhas da hortel e coloque em um copo. Leve gua ao fogo para ferver, aps a fervura despeje a gua no copo onde est a hortel e abafe. Usado para: gripe e resfriado. Ch de Papaconha Ingredientes: papaconha, acar, gua. Modo de fazer: lave as papaconhas e coloque em uma panela, acrescente gua e acar a gosto; leve ao fogo e deixe ferver bastante. Usado para: gripe e resfriado. Ch de Boldo Ingredientes: boldo, gua, acar. Modo de fazer: lave as folhas de boldo, coloque em uma panela e acrescente gua e acar a gosto; leve ao fogo deixando ferver bastante. Usado para: dores no estmago. Ch de Capim Santo Ingredientes: capim santo, gua, acar. Modo de fazer: lave o capim santo, corte em pedaos e coloque em uma panela. Acrescente gua e acar a gosto; leve ao fogo e deixe ferver bastante. Usado como: calmante. Ch de Cidreira Ingredientes: cidreira, gua, acar. Modo de fazer: lave as cidreiras, quebre em pedaos e coloque em uma panela, acrescente gua a acar a gosto. Leve ao fogo e deixe ferver bastante at que fique douradinho (amarelinho). Usado como: calmante.
  40. 40. 5. Sobre os autores PossuigraduaoemHistriapelaUniversidadeFederaldoCear(UFC). Atualmente Mestrando do Programa de Ps-Graduao em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco (PPGA/UFPE), no qual desenvolve pesquisa sobre etnicidade, museus indgenas e colees etnogrficas no Cear. Esteve vinculado ao Museu do Cear entre 2001 e 2010, inicialmente como bolsista e posteriormente como pesquisador, gestor e tcnico do Sistema Estadual de Museus do Cear (SEM-CE). Tem experincia na rea de Histria e Patrimnio Cultural, com nfase em Histria e Antropologia indgena, atuando principalmente nos seguintes temas: histria e antropologia indgena no Cear, memria social, etnicidade, museus indgenas e comunitrios, polticas culturais, gesto museolgica, patrimnio eorganizao/movimentossociais. JooPauloVieiraNeto PossuigraduaoemHistriapelaUniversidadeFederaldoCear(UFC). Atualmente Mestrando em Patrimnio Cultural pelo Programa de Especializao em Patrimnio (PEP/IPHAN). Assessor do Instituto da Memria do Povo Cearense (IMOPEC) e atua nos seguintes temas: histria, patrimnio, cultura, memria, museus comunitrios, educao patrimonial, grupostnicosemuseologia. AlexandreOliveiraGomes 40
  41. 41. 6. Fotografias 41 Foto: gueda Coelho Foto: Arquivo Instituto Terramar Foto: gueda Coelho Foto: Arquivo Instituto Terramar Foto: gueda Coelho Foto: gueda Coelho