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IMAGENS SONS E MEMÓRIAS DE MINAS - CÉLIO BALONA DANIELLE PÂMELA DE ARAÚJO CRISTIANE FERNANDA DA SILVA MARIANA REIS VIEIRA RENATO FARIA VIEIRA THAMIRES LOPES MARTINS DA COSTA

Imagens Sons e Memórias de Minas

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Livro-reportagem sobre a trajetória e carreira musical do músico Célio Balona, e como “pano de fundo”, o alvorecer da música na capital . No livro Imagens Sons e Memórias de Minas o leitor, tem acesso, através de relatos e imagens do acervo pessoal do músico, a história do cenário cultural de Belo Horizonte a partir de 1950.

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IMAGENS SONS E MEMÓRIAS DE MINAS - CÉLIO BALONA

DANIELLE PÂMELA DE ARAÚJO

CRISTIANE FERNANDA DA SILVA

MARIANA REIS VIEIRA

RENATO FARIA VIEIRA

THAMIRES LOPES MARTINS DA COSTA

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© 2011 Projeto experimental para obtenção do título de Bacharel em Jornal-ismo na Área de Comunicação Social do Centro Universitário Newton Paiva.

Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e que não seja para venda ou qualquer

fim comercial.

OrientaçãoJuniele Rabêlo de Almeida

Textos Cristiane Fernanda da SilvaDanielle Pâmela de AraújoMariana Reis VieiraRenato Faria VieiraThamires Lopes Martins da Costa

Revisão dos textosCristiane Fernanda da SilvaDanielle Pâmela de AraújoMariana Reis VieiraRenato Faria VieiraThamires Lopes Martins da Costa

Projeto GráficoThamires Lopes Martins da Costa

Tiragem 1ª edição - 2011 - 10 exemplaresImpresso no Brasil | Printed in Brazil

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Copyright©2011

Projeto Gráfico Thamires Lopes Martins da Costa

RevisãoRenato Faria Vieira

CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA Av. Presidente Carlos Luz, 800 - Caiçara - CEP: 31230-010

Belo Horizonte / Minas Gerais – Brasil

ReitorLuis Carlos de Souza Vieira

Pró-Reitor AcadêmicoSudário Papa Filho

Pró-Reitor de Planejamento e GestãoEduardo Eterivick

Coordenador do Curso de JornalismoMarialice Nogueira Emboava

Ficha Catalográfica - Biblioteca do Centro Universitário Newton Paiva

Imagens Sons e memórias de Minas: Célio Balona / Cristiane Fernanda da Silva, Danielle Pâmela de Araújo, Mariana Reis Vieira, Renato Farias Vieira, Thamires Lopes Martins da Costa – Belo Horizonte: Centro Universitário Newton Paiva, 2011.

110 p.: il.

Inclui referências. 1. Célio Balona. 2. Comunicação. 3. Música mineira.

CDU: 070

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, para qualquer finalidade, sem permissão expressa do autor lei nº. 9.610, de 04/02/98).

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IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona

O grupo gostaria de agradecer, principalmente, ao personagem retratado neste livro. Sem a generosi-dade de Célio Balona, não teríamos conseguido escrever este trabalho. Não podemos esquecer dos professores: Juniele Rabelo, nossa orientadora, de fundamental importância para que pudéssemos discernir e adaptar nossas pretensões às formas acadêmicas. Carla Mendonça, Cláudia Fonseca e Juliana Duran deram dicas valiosas para que o tra-balho tomasse forma. Sem deixar de mencionar Eustáquio Trindade, pelas conversas informais em relação ao projeto, nos ouvindo com atenção e fa-zendo sugestões. Agradecemos também a Augusto, do blog Toque Musical, que cedeu algumas capas e discos em mp3 para que ouvíssemos a obra de Ba-lona, principalmente os álbuns lançados somente em vinil. Por fim, agradecemos a Deus e a nossas famílias. Sem a bênção Dele e do apoio dos famil-iares, não teríamos chegado nesta etapa final, tanto do curso quando do projeto.

AGRADECIMENTOS

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Caros amigos,

a vida tem me proporcionado grandes alumbra-mentos... Um deles quando descobri que a música tinha me escolhido para viver ao lado dela para sempre... Foi amor à primeira vista! E através dela vieram tantos outros, para fazer de minha existên-cia uma escola de vida. Com ela aprendi a ser doce sem ser açucarado, simples sem ser simplório e humilde para saber de minhas limitações. A cada dia aprendo um pouco mais e entendo que é uma arte e um grande desafio viver ao lado dessa mul-her chamada música!

Ao longo desses cinquenta anos de convivência com ela, passaram por mim grandes mestres, que desde o inicio de minha carreira me ensinaram e me deram meios para que eu pudesse realizar o meu sonho maior,o de ser músico de verdade! Mas preciso dizer, que sem o apoio total de meu pai Lourival Passos e minha mãe Maria Balona Passos nada disso teria acontecido... Naquela épo-ca as famílias queriam seus filhos médicos, engen-

PREFÁCIO

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IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona

heiros, advogados, arquitetos ou no mínimo fun-cionários do Banco do Brasil... Músico nunca! No entanto, meus pais fugindo a regra me apoiaram e me incentivaram sempre orgulhosos do filho que tocava acordeom... Isso me fez ter desde cedo um senso de responsabilidade e dignidade muito grande com a profissão que escolhi. Assim pro-curei nortear meus atos e atitudes... Agora me de-paro com esse grupo de jovens contando minha história e pedaços da minha vida... Foi para mim motivo de emoção e alegria saber que tudo o que fiz e realizei ao longo dessa minha caminhada vai ficar registrado para sempre. Obrigado a to-dos vocês meus queridos amigos por mais esse ALUMBRAMENTO!

Com o meu carinho e eterno agradecimento,

Célio Balona

Belo Horizonte 20 de maio de 2011

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SUMÁRIO

Apresentação

1. Encontro: histórias e sociabilidades

2. Experiências e memórias

3. Discografia: sons e narrativas

4. Alumbramentos: mineiridade musical

Conclusão

Referências bibliográficas

Dados do CD anexo

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APRESENTAÇÃO

Escrever um livro sobre determinada pessoa é complicado. Especialmente quando ela está viva, trabalhando, participando ativamente daquilo que sempre lhe foi comum. Sempre se pensa: será que está tudo bem apurado? Ele vai gostar? O livro corre o risco de ficar desatualizado? Além dessas preocupações, a generosidade de Célio Balona nos obriga a fazer um trabalho digno de sua obra, não só por ele nos ter aberto todos os canais para que fizéssemos este livro, mas por uma frase que co-moveu a quem esteve presente na primeira entrev-ista. Eu quero dar esse livro que vocês estão fazendo para os meus netos, vai ser um documento pra eles. Ao dizer isso, ele nos motivou e fez com que a luz se acendesse: é um documento, um vestígio da sua trajetória. Tentamos dimensiona-la por meio da análise de narrativas que expressaram os “lugares da memória” de Célio Balona.

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Quem conhece música brasileira sabe que há liv-ros contando a vida de seus principais expoen-tes. Vários desses artistas são mineiros. Há os que nasceram antes da eclosão da bossa nova e se con-sagraram principalmente no samba. Ary Barroso, Ataulfo Alves e Geraldo Pereira são exemplos. De-pois, há uma “segunda geração mineira” que vai se aglutinar no clube da esquina. Balona se inclui entre esses dois pólos. Aprendeu com os mestres que ouvia na infância e formou o embrião do que seria um dos principais acontecimentos da MPB. Ele não tinha uma ligação direta com a estética clubeira, mas deu a primeira oportunidade profis-sional a alguns dos principais músicos mineiros que alcançariam destaque em meados dos anos 60. Sem deixar de mencionar a importância cultural de seu conjunto de baile na década de sessenta, como meio de sociabilidade e de representação de uma metrópole em ascensão.

Célio Balona sabe como é viver de música desde sempre, num país em que poucos instrumentis-tas conseguem prestígio do público. Ao contrário da frase atribuída a Maurício Einhorn (A saída para o músico brasileiro é o aeroporto do Galeão) e de outros músicos que foram trabalhar no eixo

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IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona

Rio-São Paulo, Balona, sem nenhum arrependi-mento, preferiu ficar em Belo Horizonte quando seus contemporâneos daqui saíam. Apesar de se mudar para Santa Catarina na década de noventa, seus sentimentos, retratados nas entrevistas real-izadas para esse livro, se atrelam à cidade que ele adotou quando criança. Os quatro capítulos ten-tam demonstrar todas as facetas de Célio Balona: o músico, o mineiro e o fomentador musical de uma metrópole ainda em desenvolvimento. Espe-ramos ter conseguido.

Este livro é dedicado àqueles músicos que apesar de nunca terem desfrutado do prestígio público, ajudaram a construir a música brasileira.

Renato Vieira

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Mariana Reis

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IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona

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1º Capítulo

Natural da cidade de Visconde do Rio Branco, na Zona da Mata de Minas Gerais, Célio Balona, 73 anos, nasceu com um dom especial: a música. E é justa-mente ela a base de nosso livro-reportagem, inspirada no personagem a quem dedicamos esse livro. Nas pá-ginas a seguir narraremos o cenário cultural de Belo Horizonte a partir da década de 1950, remontado por meio das memórias do multinstrumentista.

ENCONTROS: HISTÓRIAS E SOCIABILIDADES

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Encontros: histórias e sociabilidades

Escolhemos o músico como personagem pelo seu trabalho artístico e pelo valor cultural que seu ofí-cio oferece, tornando-se fonte de inspiração para outros artistas mineiros. Optamos pela história oral, como metodologia de pesquisa, por recon-hecer as várias dimensões da memória indicando as influências do tempo presente na construção de lembranças e esquecimentos. Por meio de en-trevistas, registramos instigantes aspectos da tra-jetória de vida do nosso colaborador. A trajetória de Célio Balona demarca importantes lugares identitários: cenário artístico-cultural belo-hor-izontino, indústria fonográfica mineira, bailes e shows que marcaram os anos 1960. Ouvi-lo con-tar sua história foi imprescindível para saber das impressões sobre sua vida e obra, e o que aconte-cia paralelamente ao seu trabalho como músico.

No final do ano de 2010 tivemos o primeiro con-tato com o músico, através da rede social Orkut, onde ele nos passou email e telefone para contato. Célio, extremamente solicito, agendou a primei-ra entrevista para o ano seguinte, concretizada em 15 de fevereiro de 2011. Às quinze horas do dia 15, Balona já estava pronto para nos receber

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IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona

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no Studio HP, localizado em Belo Horizonte, no bairro Lourdes, onde trabalha ocasionalmente. Recebeu-nos para a entrevista com simpatia, mas de braços cruzados (sinal de desconfiança e desconforto), na sala onde são realizadas grava-ções musicais. Despojado, trajava uma camisa cinza escura, calça jeans e tênis.

O ambiente era confortável: o recanto onde o músi-co guardava fotografias e posters que o inspiravam pessoalmente e profissionalmente. A sala é am-pla, organizada, com ar condicionado, um quadro do músico Miles Davis na parede de frente para a porta da entrada e na parede ao lado esquerdo um quadro com dois poemas da Madre Teresa de Cal-cutá: “A Receita da Vida” e “Paz e Prosperidade”.

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Encontros: histórias e sociabilidades

Célio Balona no Studio HP, local onde o músico recebeu o grupo para a primeira entrevista

Mariana Reis

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Estimulamos o colaborador a narrar suas histórias. Balona rememorou momentos da sua infância, o surgimento da música em sua vida e o início da carreira em Belo Horizonte. Durante a entrevista, Balona gesticulava muito, mas conse-guimos deixá-lo à vontade, em alguns momentos da entrevista, ao lembrar-se de passagens da sua vida, Balona se emocionou. Na ocasião, o artista presenteou os entrevistadores com um CD, auto-grafado, do último álbum, Alumbramentos, lan-çado em 2010.

Bem mais tranquilo e confortável Balona conce-deu a segunda entrevista no dia dois de março. Nós o contatamos no dia 24 de fevereiro, pedindo uma entrevista para que ele comentasse sua discografia. Levamos uma planilha com a capa de cada disco e o respectivo repertório, facilitando a lembrança das gravações. Na entrevista anterior, quem levou discos, fotos de sua infância e documentos foi o músico, que deixou esse material à disposição do grupo. Conseguimos estabelecer uma relação de troca, que fez com que ele confiasse em nós, para que pudéssemos realizar o trabalho. A entrevista durou cerca de 50 minutos.

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Encontros: histórias e sociabilidades

Balona, agora mais a vontade, durante a segunda entrevista realizada no dia 24 de fevereiro de 2011

Mariana Reis

A metodologia da história oral possibilitou uma forma diferente de fazer jornalismo. Queríamos ouvir o que ele tinha a dizer, suas impressões, sua “construção narrativa”. Buscamos sua perspectiva em relação ao próprio trabalho e sua trajetória. Des-sa forma, contamos com a metodologia de história oral aliada às técnicas de apuração e reportagem para a construção do livro.

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Considerando o que exemplifica Meihy e Holanda (2007, p.15) a história oral é um conjunto de pro-cedimentos: “não se trata apenas de um ato ou pro-cedimento único. História oral é a soma articulada, planejada, de algumas atitudes pensadas como um conjunto. Não é apenas a entrevista ou outra fonte oral”. A literatura consagrada de história oral en-globa textos gerais, trabalhos pioneiros e trabal-hos temáticos, como os de Bosi (1987), Thompson (1992), Meihy (1996), Ferreira (1994) e Simson (1997). A história oral destaca as visões dos atores sociais, permitindo desenvolver e fundamentar análises históricas a partir da constituição de fontes e arquivos orais que desempenham papel funda-mental na relação entre memória e história.

A memória, segundo Pollack (1989), é marcada pelo tempo presente em sua dinâmica social, reve-lando lembranças e esquecimentos em múltiplas dimensões. A história oral busca, assim, registrar a memória viva, construindo uma imagem abran-gente e dinâmica do vivido a partir de um processo de pesquisa. Dessa forma, de acordo com Meihy (1996, p. 15), o trabalho de história oral se inicia com a elaboração de um projeto e continua com a definição do entrevistado “com o planejamento

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Encontros: histórias e sociabilidades

da condução das gravações, com a transcrição, com a conferência do depoimento, com a autorização para o uso, arquivamento e, sempre que possível, com a publicação dos resultados”.

A entrevista em história oral, segundo Ferreira e Amado (1996), representa o diálogo entre entrev-istado e entrevistador, que acaba por registrar as preocupações de, no mínimo, dois sujeitos dife-rentes. Em decorrência, a história oral mostra-se fruto do diálogo de diferentes identidades. Bus-camos, assim, transformar a entrevista de Célio Balona em um texto trabalhado. Para a história oral, assim como no Jornalismo, a entrevista é fundamental: “É preciso entender qual a função da entrevista, especificar do que trata esse in-strumento tão caro à História Oral e fundamen-tal para o Jornalismo. Poucas matérias de jornal apresentam-se sem a entrevista. Por menor que seja a nota, ela foi captada por uma entrevista” (ROUCHOU, 2000, p. 182).

Entretanto, existem diferenças entre as duas áreas de estudo: enquanto o jornalismo está atre-lado com as contingências da presentificação, na história oral procura-se dimensionar o tempo

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— relação passado/presente. De acordo com Ma-ciel (2007), o jornalismo tem como foco a atuali-dade, e a entrevista aparece, muitas vezes, como fonte imediata para uma matéria a ser redigida. Sendo assim, permite-se entrevistas pelo telefone ou email. Já o oralista (pesquisador que utiliza a história oral) deverá partir para uma entrevista após a elaboração de um projeto.

O contato face a face foi fundamental para o esta-belecimento da entrevista entre Célio Balona e o grupo de pesquisa. Realizamos a transcrição das entrevistas, transformando o oral em escrito para a constituição das fontes documentais da pesquisa.

Nas redações, na maioria dos casos, não é possível aplicar a história oral, pois o tempo é curto e o deadline não possibilita que o jornalista escreva, minuciosamente, tudo o que apurou. Essa é uma relevante diferença entre o jornalista e o oralista — que possui o “tempo acadêmico” para organi-zar acervos e empreender análises a partir da doc-umentação produzida. Assim, nosso trabalho de história oral revelou as memórias de Célio Balo-na. Suas memórias individuais se interrelacionam com as memórias coletivas do cenário artístico-

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cultural da cidade de Belo Horizonte: “na maior parte às vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado. A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que es-tão, agora, a nossa disposição” (BOSI, 1994, p. 55). As expressões de subjetividade nas narrativas de Célio Balona coincidem com uma multiplicidade de construções coletivas. No que se refere às memórias coletivas que en-volvem Célio Balona, vale observar sua rede de sociabilidade. Afinal, não foi por acaso que Mil-ton Nascimento e Fernando Brant escreveram a canção “Nos Bailes da Vida”. Participantes ativos da cultura de Belo Horizonte na década de 1960, eles esquadrinharam na música a vida de quem saía por aí, tocando. Mas, principalmente, aventu-rando-se pela música e aproveitando o fervilhante cenário cultural de Belo Horizonte. Sabe-se que a partir dos anos 1950, Belo Horizonte começou a criar um cenário cultural próprio, tendo a música como principal expoente, onde havia desde boates com música ao vivo tocando os sucessos do mo-mento até cineclubes onde se discutia Michelan-gelo Antonioni e Jean-Luc Godard.

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Os bailes eram a principal atração, e uma opor-tunidade para os artistas mostratem o talento que tinham. Entre vários conjuntos musicais, havia um que estava sempre presente em eventos sociais de Belo Horizonte e era o preferido dos belo-hori-zontinos. O Conjunto Célio Balona caiu no gosto de quem era jovem na virada dos anos 1950 para 1960. A região centro-sul de da cidade, na década de 1950, reunia jovens músicos que partilhavam ideias e compartilhavam música. A Savassi, palco de diversas manifestações artísticas, viu surgir no cenário da musica brasileira artistas como Pacífico Mascarenhas, que, em 1958, gravou seu primeiro disco, independente, e revelou ser o precursor do movimento da bossa nova de Minas.Nesse cenário, tem início a ascensão de Balona e seu conjunto.

Nesse período, Belo Horizonte era conectada com o que havia de novo, com casas especializadas em música ao vivo, lugares que Célio Balona e out-ros músicos freqüentavam como a casa de shows Oxalá, no edifício Maletta, na Avenida Augusto de Lima, no centro de Belo Horizonte. Havia todo um contexto que beneficiava a proliferação de ambien-tes musicais. Além dos cinemas e dos parques da cidade jardim, havia a opção de locais com música

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ao vivo: “a casa era especializada em jazz e ficava na sobreloja do Edifício Archangelo Maletta. (...) A Berimbau, a bem da verdade, era vanguarda. Só Jazz. Era decorada com fotos de Jorge Ben, Modern Jazz Quartet e Coltrane” (BORGES, 1996, p. 45-46).Durante as entrevistas, percebemos aspectos de mineiridade no artista. Antes de nos encontrarmos pessoalmente, por telefone, ele foi muito atencio-so. Mas na primeira entrevista, quando membros do grupo foram ao seu encontro, notamos uma desconfiança atribuída aos mineiros. Os braços cruzados e certa timidez por ser objeto de estudo contrastavam com o jeito despojado. Essa constata ção faz todo sentido visto que ele é mineiro de uma cidade interiorana(Visconde do Rio Branco) e con-seguiu sucesso profissional na capital do estado.

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Sobre o “mito da mineiridade” Alceu Amoroso Lima (no ensaio Voz de Minas, de 1946) traça o perfil social do mineiro: “É moderado em tudo, desde o aperto de mão, rápido e sem pressão, até o olhar que não é nele senão um reflexo remoto dos sentimentos. (...) Medido na alegria, como no sofrimento, governando sempre as suas expressões com o cuidado de não se deixar dominar por elas, temendo sempre o exagero e a exuberância, há nos geralistas, como outrora se chamavam os mineiros, a expressão do valor íntimo”.

Célio Balona durante apresentação na Casa do Baile-1966

Arquivo pessoal - Célio Balona

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(LIMA, 1946, p. 18). Tal mineiridade foi expressano primeiro disco do artista, Música 18 Kilates, lan-çado em 1962. A capa trazia a inscrição: (Gravadora) MGL apresenta uma seleção das jazidas musicais de Minas. Abaixo uma foto com um Diamante e uma etiqueta atrelada a ele por um barbante, com os dizeres: 18 kilates: procedência: M. Gerais.

O repertório de Música 18 Kilates, só com com-posições de músicos mineiros, foi imposto pela gravadora para facilitar a produção do disco no es-tado. O repertório tem compositores variados; em comum apenas a mineiridade: os consagrados sam-bistas Ataulfo Alves e Ary Barroso, os bossanovistas Roberto Guimarães e Pacífico Mascarenhas, che-gando ao desconhecido Fredy Chateaubriand, so-brinho de Assis Chateaubriand. Isso é uma demon-stração do paroxismo mineiro, de tentar equilibrar fazendo escolhas conciliadoras: “pelo contraste e através do paradoxo, Minas encontra sua coerência (...) vislumbra-se uma totalidade conflitual, una e dilacerada”. Assim, Célio Balona se expressa: pleno, retraído, expansivo e recatado.

O encontro entre os músicos da cidade era fre-quente, formando uma rede de contatos. O maior

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exemplo disso é o Ponto dos Músicos, onde eles se encontravam para conseguir trabalho, trocar par-tituras e discos. O interesse comum desses profis-sionais denota o conceito de sociabilidade. A so-ciabilidade representa “estar um com o outro, para o outro, contra o outro que, através dos impulsos ou dos propósitos, forma e desenvolve os conteú-dos e os interesses materiais ou individuais” (SIM-MEL, 1983, p.169). Para Maffesoli (1984), as re-lações sociais apresentam-se em uma “harmonia diferencial”, pois só há troca se houver diferença, possibilitando a interação. Por meio das entrevis-tas de história oral, realizadas com Célio Balona, percebemos uma intensa rede de sociabilidade artístico-cultural.

De acordo com Maffesoli (1984), inspirado por Simmel (1983), a sociabilidade liga os sujeitos a partir da afinidade, do sentimento de proximidade na vida cotidiana — a partir das experiências e re-lações intersubjetivas. O partilhar de ideias, aspi-rações e anseios em comum resultam na aproxi-mação e troca de conhecimento. Desse modo, as relações contribuem para a construção de sociabi-lidade, a interação permite mais oportunidades de acesso a diferentes pontos de vista. Por meio da so-

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Encontros: histórias e sociabilidades

ciabilidade, essa interação pode manifestar-se por troca de gestos, palavras, olhares, trajes e cores. Segundo Maia (2002), a sociabilidade pode ser classificada como parte da interação social: “So-ciabilidade é uma forma pura, forma espontânea de interação, livre de qualquer interdependência entre os indivíduos. Sociabilidade é a forma de in-teração social que não possui um fim definitivo, nem conteúdo e nem resultado fora dela mesma” (MAIA, 2002, p. 5-6).

As redes de sociabilidade narradas por Célio Balo-na definem espaços e lugares sociais. Com as idas e vindas pelo Brasil, principalmente em Minas Gerais, Balona colaborou para o aparecimento de novos músicos, que mais tarde se tornariam grandes nomes da música mineira. Todos queri-am trabalhar com Balona, que tocava em bailes no qual pessoas e músicos se conheciam e experen-ciavam um grande propósito: a música.

Célio com seu jeito simples continua fazendo, a cada dia, um pouco da história de Minas Gerais. Ele não quis se tornar celebridade recusou se a mudar para o Rio de Janeiro; bateu o pé para fi-car nas Gerais.

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Mariana Reis

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2º Capítulo

“O acordeom está colado no meu peito”. Frase dita pelo personagem deste livro, que recente-mente completou 50 anos de carreira, com shows comemorativos e lançando o CD Alumbramentos, através da lei estadual de incentivo à cultura. A música entra na vida do artista ainda na infância. Nascido em 17 de dezembro de 1938, Célio Pas-sos Balona via o pai escutar artistas que faziam bastante sucesso na época: o tenor italiano Tito Schipa e o “cantor das multidões” Orlando Silva. Ouvir música em família era um hábito naqueles tempos, como fala o próprio Balona.

BALONA:EXPERIÊNCIAS E MEMÓRIAS

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IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona

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Naquele tempo não tinha televisão nem nada. Depois que a gente chegava da escola e janta-va, o papai colocava aqueles discos pra gente ouvir. Sempre me acostumei em um ambiente assim, de muita música.

Uma dessas primeiras lembranças vem do carnaval de 1943, vestido de soldadinho, tocando tambor. Seu pai, que trabalhava em uma empresa de produ-tos químicos, é transferido no ano seguinte para Belo Horizonte. Uma infância feliz, mas três anos depois, nova mudança: o pai é transferido para Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira. É ali que ele tem o primeiro impulso para virar músico. A banda de música que tocava em um Batalhão de Guarda atrás da sua casa fascinava o garoto. Nesse período encontrou o instrumento com o qual começou a dar seus primeiros passos na música: o acordeom.

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Balona: experiências e mémorias

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Carnaval de 1943 - Vestido de soldadinho, toca tambor

Arquivo Pessoal - Célio Balona

Eu tava jogando (futebol) e vi um senhor tocan-do um acordeom, então quando vi aquilo e ouvi aquele som fiquei louco, parei do jogar fute-bol. Falei com o professor “vou ali e não volto”. Fiquei sentado o vendo tocar. Lembro que era um acordeom vermelho.

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IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona

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Não demorou muito para que o então artista mirim fosse parar na “coqueluche” da época: os programas de rádio. A estréia artística de Célio Balona acontece no programa do pianista Wilson Ouro. Todos os domingos, às onze da manhã, o músico cantava no programa.

Porém, mais uma vez, seu pai é transferido. Mas agora para um lugar que Balona conhece bem: Belo Horizonte. Ele tinha onze anos e sua família morava em uma casa próximo à Igreja da Boa Viagem. Na época, as academias de acordeom eram os princi-pais centros de música para ensinar rapazes a tocar um instrumento. O violão era considerado “instru-mento de vagabundo” e o piano eram ensinados às moças. Perto da casa do artista, havia uma dessas ac-ademias. Ele associou o som que saia do local com o que ouviu naquele dia do futebol em Juiz de Fora. A academia era da professora Zilah Guimarães e Célio pediu ao pai para ser matriculado.

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Balona: experiências e mémorias

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Papai foi lá e conversou com a Dona Zilah. Mas o meu pai tava com muita dificuldade, uns cinco filhos, aquela coisa toda. E a Dona Zilah falou que eu teria que ter um acordeom. Papai falou que não tinha condição de comprar o acordeom e ela falou “bom, então eu vou emprestar pro Célio, ele estuda em casa e quando puder com-prar um acordeom me devolve esse”.

Foi aí que um “sinal”, conforme o próprio, Balona diz, apareceu. O ano era 1956. A Rádio Nacional, princi-pal veículo de comunicação dos anos 1930 e 1940, ir-radiava o programa “Gente Que Brilha”, apresentado pelo radialista Paulo Roberto nas noites de segunda-feira. Um dos principais patrocinadores do programa era a esponja Bombril. O radialista fazia uma deter-minada pergunta a ser respondida na próxima ed-ição do programa. Quem mandasse uma carta com a resposta correta, junto com seis rótulos do produto e fosse sorteado, embolsava uma quantia em dinheiro.

O artista pensou na possibilidade de ganhar o prê-mio para comprar seu próprio instrumento. Até porque Balona sabia responder à pergunta que deveria ser respondida na semana seguinte. Paulo Roberto perguntou qual o verdadeiro nome do vio-lonista Garoto, que tocava na própria Nacional.

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IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona

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Eu sabia o nome dele todo. Falei com papai: “eu sei o nome dele” e pedi à mamãe: “mãe, a senhora me arranha seis rótulos de Bombril?” Ela arranjou e eu escrevi a cartinha. Meu pai falou assim: “acho que vou perder o dinheiro do selo, mas vou mandar.”

Na segunda-feira, dia do sorteio, lá estava Balona ouvindo a Nacional. O locutor disse que o pro-grama tinha recebido mais de 40 mil cartas do Brasil todo, o que fez seu pai olhar-lhe com aquele ar de descrença. Houve um primeiro sorteio, cujo prêmio foi para Teresina, no Piauí. Faltando pou-co tempo para terminar o programa, Paulo Ro-berto anunciou que iria sortear o primeiro prêmio da noite. Ele abriu uma carta e disse que ela veio de Minas Gerais, Belo Horizonte e foi enviada por Célio Balona Passos, que acertou o verdadeiro nome de Garoto: Aníbal Augusto Sardinha.

Os estudos de Célio na academia de Dona Zilah continuram (com acordeom próprio), até o dia em que ela lhe diz já não ter mais nada pra lhe ensinar, dando-lhe confiança para ir à Escola de Forma-ção Musical do Batalhão de Guardas, onde encon-traria músicos posteriormente consagrados e que se tornariam seus amigos, entre eles o saxofonista

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Célio com seu primeiro arcodeon - DATA

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Bal

ona

Nivaldo Ornellas e o violoncelista Márcio Mallard. Balona queria tocar saxofone, mas foi impedido e teve que tocar Caixa, instrumento de percussão. Durante apresentações com a orquestra, foi visto pelo maestro Delê de Andrade, que marcou época em Belo Horizonte, sendo homenageado ao virar nome de rua no bairro Santa Efigênia. Delê ficou impressionado com o garoto e perguntou se Balona queria tocar em sua orquestra.

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Eu falei pra ele conversar com o meu pai, porque era pra tocar a noite e ele foi lá em casa e con-versou com o meu pai. Ele me pegava em casa pra tocar nas horas dançantes do Minas I, de oito à meia noite. E me levava pra casa depois.

O conjunto de Delê vira uma vitrine para o virtu-ose Balona, que tocou em várias orquestras de BH, entre elas na de Rui Carneiro, que tocava no Iate Clube. O líder do conjunto se desentendeu com a direção do clube, mas o clube não queria que o con-junto saísse. A opção dos integrantes foi manter o conjunto no local sem Rui, tendo como líder o bat-erista Bié Prata, mais velho do grupo. Mas Bié se recusou, e de acordo com o próprio Balona, “num ato de generosidade pouco comum”, virou e disse que o conjunto tinha que ter o nome de Célio.

Antes de chegar à maioridade, mesmo sob a tu-tela de Delê, Balona foi apreendido cinco vezes pelo juizado de menores. Quando chegava dez da noite, o juiz, que achava um absurdo o pai de Ba-lona permitir que o filho tocasse em clubes, fazia um sinal para o artista sair do palco. Ele era de-tido, mas liberado logo em seguida. Mas em um baile específico, a história foi diferente.

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Eu estava fazendo um baile no DCE, onde hoje é o cine Belas Artes, duas horas da manhã, sat-isfeito, tocando alegre da minha vida, chegou esse cara e disse assim pra mim: não falei que ia te levar preso? Você tá preso agora e vou te levar para o juizado mesmo Você tá preso ag-ora e vou te levar para o juizado mesmo”. Que às vezes que ele me prendia, eu chegava lá e ele me soltava né, mas dessa vez eu fiquei lá e ele ligou para o meu pai, era 3h da manhã.

Ás três e meia da manhã, o pai de Balona chegou ao juizado para conseguir sua liberação. Seu Lourival perguntou “você quer ser músico, mes-mo?”. Diante da resposta afirmativa, disse “então vou te emancipar amanhã.”

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Aos dezesseis anos, Balona considera que sua rsponsabilidade aumentou com essa decisão. E, em 1960, é formado o Conjunto Célio Balona, tendo o próprio no acordeom, Nazário Cordeiro na guitarra, Helvius Vilela no piano, Ildeu Lino Soares no contrabaixo, Anthony Chan Chan Chan cantava e tocava congas, Paco no Pandeiro, Nival-do Ornellas no sax. Cesinho no trompete Afonso Maluf no tambor e Bié Prata na bateria.Nessa ép-oca, acontece a transição das grandes orquestras,

Churrascaria Camponesa - DATA Célio, seu pai e xxxxxxxxxxxxxxx

Arquivo Pessoal - Célio Balona

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com integrantes com anos de experiência, para pequenos grupos de jovens, cujo público era de pessoas da mesma idade. Mesmo assim, se tocava de tudo: Bolero, Samba, Cha Cha Cha e o que mais fizesse sucesso. E havia certo preconceito contra os músicos. As mães das meninas que iam assistir o conjunto de Balona tocar não deixavam-nas namorar nenhum músico, por causa da má fama que corria. Ele conta que as mães achavam que músicos viviam de beber, de noitadas. E ele diz que, com a facilidade da noite, os artistas acabavam de tocar e iam para um bar tomar cerveja. Mas o artista alega que o seu conjunto conseguiu mudar essa visão.

Isso eu te falo com tranquilidade, que eu acho que de uma forma ou de outra, o nosso con-junto ajudou e muito a modificar esse pensa-mento em relação aos músicos, sabe? Muito, muito pelo comportamento no palco, pela forma de se trajar, pela forma de tratar as pes-soas e não que os outros músicos não fizes-sem isso, não, faziam também, mas eu acho que da nossa parte nos fizemos o que foi pos-sível pra que a imagem cada vez mais melho-rasse e fosse mais respeitada.

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Nesse cenário, surgem vários outros conjuntos liderados por grandes instrumentistas. Aécio Flávio, Gilberto Santana, entre outros. O ambiente era de camaradagem. E não faltava trabalho para ninguém. Isso por causa da efervescência cultural e também por causa de um local chamado Ponto dos Músicos. Localizado no cruzamento entre a Avenida Afon-so Pena e a rua Tupinambás, em frente a Sapataria Americana, o local servia como ponto de encontro dos músicos. Trocas de partituras e discos eram co-muns. E propostas de trabalho sempre apareciam.

(..)os caras que fechavam as festas, chegavam e fa-lavam assim “tem serviço aí sábado”? não tem não, então.. “Bem, você vai tocar no Camp Club Camp-estre, quem mais vai”? “Ah vai o Teleco na bateria, vai o Paulinho Horta de contrabaixo..” Entendeu? Então eram os conjuntos surpresas. Você chegava ao lugar e pensava “você vai tocar também aqui” (risos). E não tinha ensaio, não tinha nada.

A noite e o baile são considerados pelo músico sua “universidade”, onde ele aprendeu tudo. Aprender a tocar de tudo para todos, tocando o que gostava e, principalmente, o que não gostava, fizeram Balona ter uma percepção musical ampliada, que desem-bocaria em seus trabalhos a partir dos anos 80.

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Para facilitar a divulgação dos conjuntos da cidade, era necessário criar uma gravadora local, já que as grandes casas discográficas se localizavam no eixo Rio-São Paulo. Os irmãos Cheib (Dirceu, Afrânio e Célio) resolveram arriscar e montar a MGL, Minas Gravações Limitadas. Para iniciar o catálogo, foi chamado o maestro paulista Edmundo Peruzzi, gravando discos instrumentais. Depois, inaugu-rando a série de artistas mineiros a gravar pelo selo, vem o Conjunto Célio Balona, que lançou em 1959 o LP “Música 18 Kilates”, com sucessos da época.

Nós gravamos em São Paulo. Aí eles gravaram o segundo nosso, lá em São Paulo também e resolveram fazer um estúdio no bairro Caiçara, na Avenida Frei Orlando. Realmente fizeram um estúdio de primeira, enorme, com uma máquina Ampex que veio dos Estados Unidos, então foi ali começou a grande virada da in-dústria fonográfica aqui em Minas Gerais.

A MGL mudaria seu nome para Palladium e de-pois Bemol. Até hoje a gravadora é referência de gravação dentro do estado. O próprio Balona re-conhece sua importância.

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Acredito que a BEMOL é a gravadora mais importante para nós. É a gravadora que tem o maior acervo de artistas mineiros, a BEMOL foi para nós a redenção. Porque era muito difícil gravar no Rio de Janeiro e São Paulo. O assé-dio lá era imenso, porque era gente do Brasil in-teiro querendo fazer sucesso por lá. A partir do momento em que nós tivemos gravadora aqui, pronto, acabou isso.

Os discos eram distribuídos por todo Brasil e tam-bém em países fronteiriços. Balona gravava por en-comenda. Ele recebia da direção da gravadora uma lista de músicas, geralmente sucessos, para gravar. Balona arregimentava os músicos, ensaiava com eles 3 ou 4 vezes e gravava o disco de uma tacada só.

Dentro desse contexto, aparece um novo ritmo, um outro jeito de fazer música, com o nome de Bossa Nova. A batida do violão de João Gilberto e as músi-cas de Tom Jobim também influenciaram aqueles músicos que, mesmo morando numa cidade sem mar, se identificaram com a estética sal-sol-sul da Bossa. O músico Pacífico Mascarenhas foi o respon-sável por trazer os grandes nomes do estilo para Belo Horizonte. O hoje recluso João Gilberto fez um show no Iate Clube, onde Balona teve a oportunidade de

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conhecê-lo. Ele fala sobre o impacto que o estilo teve em sua carreira e faz uma análise sobre as diferenças musicais pré-bossa nova e pós-bossa nova.

(...) modificou a música brasileira, a melódica, a harmônica e em termo de literatura também. Quer dizer, a palavra modificou a forma de dizer as coisas, mesmo dizendo que esta so-frendo por amor, não precisava dizer que tava no bar tomando cachaça e que a mulher é isso, aquilo, ou aquilo outro. Foi uma forma bonita de dizer as coisas (...) antes da Bossa Nova, a música brasileira tinha uma coisa de dramal-hão, de a mulher que enganou o cara, o cara vai pro bar e enche a cara, entendeu? Era um negócio assim, era uma letra pesada.

Carlos Lyra, Sérgio Mendes, Dom Um Romão e outros expoentes da bossa realizaram shows na cidade, em festivais de bossa nova, que notada-mente aconteciam na secretária de Saúde e As-sistência, onde hoje se localiza o Minascentro. Os músicos locais se enturmavam com os cariocas, já que, como o próprio Célio diz, estavam tentando fazer o mesmo que eles em termos musicais.

Por volta de 1962, Célio conhece dois rapazes que fariam história na MPB. Milton Nascimento e Wag-

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ner Tiso. O primeiro foi apresentado por Pacífico Mascarenhas, que gostou do crooner Bituca e foi contar a descoberta a Célio.

Pacífico Mascarenhas chegou lá em casa e fa-lou assim “oh, Célio tem um menino aí de Três Pontas, cantando lá no Oxalá, no Maletta, que eu acho que valia a pena você pelo menos ir lá para conhecer o cara”. Eu falei com ele “vamos lá hoje à noite?”. Chegamos lá, tava lá o Bituca com o violão cantando sozinho. Quando eu vi o Bituca cantando, ele acabou de cantar, o Pacífico falou com ele “tem um Conjunto aí, é um conjunto de baile, mas nós temos um pro-grama de televisão também, se você quiser en-trar para o Conjunto está na hora”.

Bituca aceitou o convite e permaneceu por quase três anos. Wagner entrou em substituição a Hel-vius Vilela, que foi para o Rio de Janeiro tocar com Elizeth Cardoso.

Outro fator muito importante para o sucesso do Conjunto Célio Balona foi a TV Itacolomi. Inaugu-rada em 1955 por Assis Chateaubriand, presidente dos Diários Associados, foi o primeiro canal de TV de Minas Gerais. Célio foi contratado pela emissora em 1956. Na época, todos os canais de TV tinham

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o seu próprio cast de músicos, cantores e artistas. Como ainda não havia o sistema de canais em rede, era preciso contratar músicos locais para preench-er o espaço musical nas emissoras, especialmente aqueles que apresentavam calouros.

Tinha um programa chamado Confiança no Sucesso, em 1957, patrocinado pela Casa Con-fiança (casa de móveis). Esse programa ele ia ao ar toda semana. (...)um amigo meu que falou “ah, se eu fosse você, acho que você de-veria se candidatar, porque é uma boa coisa, vão precisar de músicos lá para tocar, fazer os programas musicais e tal”. Aí eu fui. Passei na primeira eliminatória, na segunda e ganhei o concurso. Ai fui contratado.

Balona conta um caso que exemplifica bem como funcionava a estrutura televisiva da época.

Quando tinha um intervalo de um programa para o outro eles colocavam um que se chamava “Musical”, entrava assim “atenção (batendo pal-mas), tal músico vai tocar com Célio Balona, ah vai tocar Blue Moon”. Então a gente entrava e começava “Musical” ai pronto, nós tocávamos.

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A Itacolomi lhe deu um programa, chamado “Ba-lona Bem Bolado”, exibido aos sábados, seis da tar-de. Ele se apresentava acompanhado do conjunto, tocando musicas que os telespectadores pediam através de cartas. Como a estação era recebida em quase todo o estado, o grupo fez várias viagens pelo interior de Minas.

Nos anos 60 e 70, os cantores não tinham banda própria. Quando iam cantar em alguma cidade, eram acompanhados por algum músico local ex-periente. Como Balona era a referência musical da cidade, ele acompanhou vários artistas consa-grados que se apresentaram em Belo Horizonte. Cauby Peixoto, Elizeth Cardoso, Dorival e Nana Caymmi, Jair Rodrigues, Benito di Paula, Eli-ana Pittman, Elza Soares e até o mexicano Lucio Gatica. Histórias curiosas dessa época não faltam. Em 1976, ele acomapanhou Cauby Peixoto em um show na Casa do Baile, onde as mulheres eram recebidas com uma rosa com um bilhete escrito “com um beijo do Cauby”. Uma mulher alta, loira, jogava pétalas de rosa no cantor. O resto, quem conta, é o próprio Balona

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TV Itacolomi - XXXXCélio Balona e

XXXXXX antes de se apresen-

tar no programa XXXXXXXXXX

TV Itacolomi - XXXXCélio Balona se apre-sentando no programa XXXXXXXXXX

Acervo Carlos Fabiano Braga

Acervo Carlos Fabiano Braga

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TV Itacolomi - XXXXCélio Balona nos bas-

tidores do programa XXXXXXXXXX

Topo do edifício daTV Itacolomi - 1957

Acervo Carlos Fabiano Braga

Acervo Carlos Fabiano Braga

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Quando acabou o show e o Cauby acabou de dar o bis, nos acompanhando, ele “pá”, saiu fora pela cozinha. E a loira levantou e saiu correndo atrás dele. Ai o Cauby sumiu, o empresário dele, Levi Freire, saiu com a gente lá fora, para levar o Cauby para o hotel e a gente para despedir dele. E cadê o Cauby? Nada.(...)Nós procuramos e procuramos. Quando chegamos perto do (bar) Redondo, o Cauby com aquele paletó dele, todo dourado, estava agachado atrás de uma árvore, parado, e o Levi falou “Uai Cauby, o que houve”? Ai ele virou e falou com aquela voz dele “Profes-sor, essa mulher é louca, ela quer me pegar”.

No início da década de 1970, os grandes músicos mineiros saem de Belo Horizonte e vão para o Rio de Janeiro, em busca de maior visibilidade, espe-cialmente porque Milton Nascimento, segundo lugar no Festival Internacional da Canção de 1967, conseguiu grande sucesso e era conhecido de to-dos. Balona também embarcou nesse trem. Mais especificamente, no Vera Cruz, que levava ao Rio. Ele foi convidado pelo pianista Laerte Vaz de Melo para se apre sentar na boate carioca Fred´s. Ele se apresentou por uma semana e a boate queria que ele continuasse, mas ele desistiu. Célio queria ficar perto dos pais.

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No domingo eu peguei o Vera Cruz, quando eu cheguei na estação, que é hoje o Museu de Artes e Ofícios, eu pus o pé ali e disse daqui eu não saio, daqui ninguém me tira (risos). E fui para a casa do meu pai e da minha mãe, feliz da vida. Convivi com eles a época que eu pude conviver. Não me arrependo um minuto de ter vindo. Acho que independe geograficamente de você poder mostrar seu trabalho, fazer suas coisas, por mais difícil que possa ser. Mas acho que o reconhecimento que eu tenho aqui em Belo Horizonte me basta(..)Belo Horizonte me deu tudo o que eu tenho.

Célio e sua mãe XXXX - DATA

Arquivo Pessoal - Célio Balona

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A grande febre da segunda metade dos anos 70 eram as discotecas. Com o advento das fitas cas-setes, os músicos que tocavam ao vivo nas boates começaram a perder o emprego e raramente eram chamados para tocar. Para se adaptar a novidade, Célio decidiu virar uma “banda de um homem só”. Comprou um órgão da Yamaha com ritmo, que fazia tudo. Balona se adaptou tão bem com o instrumen-to que participou de uma competição da Yamaha, o Electron Festival, para selecionar dois organistas que disputariam um concurso na América Latina, e posteriormente participar de um festival não com-petitivo no Japão. Na primeira eliminatória, em São Paulo, ficou em segundo lugar, se classificando para a próxima fase, em Bogotá. Com a passagem paga pelos Diários Associados, conseguiu o primeiro lugar e foi representar a América Latina em Tóquio.

O mundial foi uma apresentação de quinze músicos representando diversas regiões do planeta. Eu fiquei feliz de estar entre os quinze. A partir daí comecei a compor mais, comecei a mexer mais com instrumento eletrônico e de-ixei o acordeom um pouco de lado.

Nos anos oitenta, ele se dedicou à música instru-mental de vanguarda, gravando discos como Voo

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Noturno (1986). Pouco tempo depois, é convi-dadopara fazer uma trilha sonora de um longa-metragem em Santa Catarina, sobre Madre Pau-lina. Ele iria ficar um mês e acabou ficando dez anos, trabalhando com cinema e televisão. Mas sempre batia a saudade e fazia visitas esporádicas à cidade. De acordo com ele, se sentia “igual a um boi quando vai pro matadouro” na hora de ir em-bora. Ao chegar à conclusão de que voltaria, foi direto para um local em Belo Horizonte bastante especial pra ele.

“A primeira coisa que eu fiz logo quando sai do aeroporto foi vir aqui para a Rua Alagoas e fiquei passeando pela rua sentindo o cheiro daquelas árvores. Porque o cheiro daquelas arvores ali é o cheiro mais característico de Belo Horizonte. Só quem sai daqui é que sabe disso. Na hora que você chega ali, você vê que é uma árvore que dá uma frutinha vermelhinha. É o trecho entre Cristovão Colombo e Avenida Brasil. A coisa é ali. Vai até lá para os lados da Igreja da Boa Viagem, mas é ali. E aquilo me deixava assim, porque eu acredito que tudo começou em Belo Ho-rizonte e que tudo vai acabar aqui.”

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Rua Alagoas - Local onde o músico diz ter cheiro caracteristico da capital mineira

Mariana Reis

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Mar

iana

Rei

s

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3 Capítulo

A discografia de Célio Balona se divide em duas fases. A primeira é estabelecida com os discos dos anos 1960, contendo repertório de outros compositores, com sucessos de então. A segun-da começa a partir de 1983, tendo como início o disco Imagens, primeiro álbum só com músicas de Balona. Neste capítulo, o artista comentará disco a disco feito por ele, analisando repertório e contando curiosidades das gravações.

DISCOGRAFIA:SONS E NARRATIVAS

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Com a permissão do artista, incluímos junto ao liv-ro um cd com grande parte de sua discografia, es-pecialmente os discos só disponíveis no formato de vinil e fora de catálogo há mais de quarenta anos. Através de sua audição, o leitor poderá verificar com clareza as circunstancias que permeiam a obra de Balona: a qualidade do instrumentista ao executar qualquer tipo de música, o conceito de cada álbum e também sua ousadia, registrando faixas como o tema do seriado Batman e seu impulso para obras próprias, a partir dos discos da década de oitenta.

Música 18 Kilates, primeiro LP de sua carreira, foi gravado em 1962. Lançado pela então nascente gra-vadora MGL (Minas Gravações Limitadas), a capa e o título faziam alusão ao passado colonial de Minas, com ênfase na extração do minério e de pedras pre-ciosas. No canto superior da capa, há a inscrição MGL apresenta uma seleção das jazidas musicais de Minas . Isto porque no disco estão presentes músi-cas de compositores mineiros, alguns consagrados, como Ary Barroso e Ataulfo Alves, amigos de Ba-lona, como Pacífico Mascarenhas e Nazário Cor-deiro, que tocava no conjunto do músico. No canto esquerdo da capa, uma foto de um diamante com uma fita, simulando uma inscrição de preço, com

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os dizeres: 18 kilates-Procedência M.Gerais. Balona conta como foi a gravação do disco.

Nós gravamos em São Paulo (...) A MGL queria começar a gravar com músicos mineiros e nessa época o meu conjunto estava muito em evidên-cia, porque tinha programa na TV Itacolomi e eles resolveram gravar esse disco com a gente.

Capa do disco Música 18 Kilates - Célio Balona - 1962

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Uma dupla de compositores salta aos olhos de quem vê o nome dos autores gravados no disco: Fredy Chateaubriand e Vinicius de Carvalho. Com-positores desconhecidos, seis músicas da dupla em paceria forma o repertório do disco. A inclusão dessas canções no álbum tem um sentido que elu-cida as engrenagens da indústria fonográfica.

Fredy era um dos diretores da TV Itacolomi, sobrinho de Assis Chateaubriand, gostava de fazer música. Na verdade fomos muito impos-tos a gravar isso aí. “Vamos gravar porque vai ter uma divulgação nos Diários Associados todo”. As músicas deles eram boas. E ai, como a BEMOL e a MGL tinham feito esse trato de divulgação se a gente gravasse as músicas deles, nós gravamos.

Capa da reedição do disco Música 18 Kilates - Célio Balona - XXXX

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O grande sucesso do disco é Jingle Cha-Cha-Cha, uma adaptação feita por Balona de jingles que fa-ziam sucesso na época.

É o seguinte, na época os jingles se tornaram um sucesso, então as pessoas na rua escutavam e cantavam, essa coisa toda. Por exemplo, na TV Itacolomi as crianças quando viam o comer-cial dos Cobertores Paraíba, que passava a oito e meia da noite. Assim, “já é hora de dormir, não espere a mamãe mandar, um consolo para você e um alegre despertar. Cobertores Paraíba”. Então isso marcou muito, como mais um monte de outros jingles que a gente gravou (...)

O disco foi bem recebido pelo público e pela crítica, levando a MGL, que depois tornaria-se Palladium e logo em seguida Bemol, a investir em Balona e seu conjunto. O álbum foi relan-çado em meados dos anos 1960, com uma capa diferente, tendo apenas um fundo branco com o título e o crédito ao conjunto do artista. A gra-vadora chamava Balona e seus músicos para faz-erem discos com outros artistas e também gravar músicas por encomenda, como jingles e spots.

No ano seguinte, é lançado Balona é o Sucesso, as-sim como o primeiro, teve os créditos atribuídos à

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“Célio Balona e seu conjunto”. A capa mostra um artista galã, pronto para ser venerado pelas moças. Mas é um trabalho que mostra a sintonia do ar-tista com um estilo que era modismo à época e com o qual ele se identificava.

Capa do disco Balona é o sucesso - Célio Balona - 1963

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Foi exatamente quando a Bossa Nova chegou a Belo Horizonte. As notícias da outra música brasileira estavam aqui. Então nós fomos assistir um show do Sérgio Mendes, no antigo Kart Club, no Vale do Sereno, onde é hoje o Belvedere. E foi pela primeira vez que eu escutei Garota de Ipanema, nós fomos os ter-ceiros a gravar Garota de Ipanema. Pery (Ribeiro) foi o primeiro, depois não sei se o próprio Sérgio Mendes. E pelas con-tas da Palladium nós estávamos sendo os terceiros a gravar essa música.

No disco aparecem outros clássicos da Bossa Nova, como Insensatez, também de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, Céu e Mar de Johnny Alf e a pré-bossa novista Duas Contas, de Garoto, o violonista que “fez” Balona ganhar o prêmio na Rádio Nacional. Há ecos musicais ainda mais longínquos, como Aurora, de Mário Lago e Roberto Roberti. Mas há espaço para repertório inédito. Como Amor que Vem, de Nazário Cordeiro, guitarrista do grupo, em parceria com João Medeiros Filho, poeta que escreveu o texto de contracapa do disco, Balanço 63, tema do pianista Helvius Vilela, e duas faixas

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compostas por Nelsinho, famoso maestro e trom-bonista. Uma delas, Balonadas, é uma homena-gem feita por ele a Balona. O conjunto teve liber-dade para escolher o repertório, diferentemente do primeiro disco.

Esse LP também foi gravado em São Paulo, tendo uma reedição posterior, com o título Garota de Ipanema, lançado pelo selo Paladium. A foto de Cé-lio foi substituída por uma capa branca com o título em rosa e azul e a figura de uma mulher desenhada.

Capa da reedição de Balona é um sucesso - Célio Balona - XXXX

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Balona faz o seu disco mais híbrido em termos de repertório em 1966. Um Homem, Uma mulher, trazendo na capa a fotografia de uma moça com-portada, mas, emulando sensualidade, recostada numa pedra com um cobertor em volta.

Esse disco, primeiro gravado nos estúdios da Be-mol no Caiçara, tem como eixo principal, a grava-ção de músicas de cinema. Um Homem, Uma mulher, também era o título de um filme francês, dirigido por Claude Lelouch. A história de amor de um piloto de corridas e uma roteirista fez bas-tante sucesso nos cinemas, junto com a trilha composta por Francis Lai.

No filme, aparecia até uma versão de Samba Da Benção, de Baden Powell e Vinicius de Moraes, na voz de Pierre Barouh, também compositor da tril-ha. O disco de Balona trazia os dois temas princi-pais desse filme: Um Homem, Uma mulher e Plus Fort que Nous. Havia também The Shadow Of Your Smile, do filme Adeus Às Ilusões, de Vincent Mi-nelli. Composta por Johnny Mandel e Paul Web-ster, ganhou o Oscar de melhor canção. Também inclui o Tema de Lara, composto por Maurice Jarre para o filme Dr. Jivago, e clássicos america-

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nos como Bye Bye Blackbird e Once in a While. Ha-via apenas três músicas genuinamente brasileiras, já que Trevo de Quatro Folhas era uma versão, gra-vada inclusive por João Gilberto no seu clássico álbum Chega de Saudade. O Caderninho, sucesso da Jovem Guarda composto por Olmir Stockler, Quem te Viu, Quem te Vê, de Chico Buarque e Triste Madrugada, sucesso de Jair Rodrigues com-posto por Jorge Costa são músicas que estavam na parada de sucessos.

Afrânio (Cheib) tinha falado comigo que queria um disco que tivesse músicas de cinema, e Um Homem, Uma Mulher era o filme da vez, a bola da vez. Eu gravei to-cando órgão elétrico, o Rubinho bateria, o Mauricio Scarpelli contrabaixo e o An-thony Cha Cha Cha fazendo percussão. Foram nós quatro. Com dois dias nós gra-vamos esse disco, Bye bye Blackbird é uma das musicas mais tocadas pelos músicos de jazz. O caderninho também na época fa-zia um sucesso muito grande. A música do Chico também.

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Reedição de Um

homem

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ulher - Célio Balona - X

XX

X

Capa de Um homem e uma mulher - Célio Balona - 1966

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O disco vendeu bem “de sul a nordeste”. A agora Pal-adium tinha filiais em São Paulo e Rio, e vendedores autônomos que vendiam os discos pelo Brasil e por países vizinhos. Com esse repertório internacional, o disco agradou principalmente a jovens, que tin-ham todos os sucessos do momento em um disco só.

Essa mesma estratégia continuou com o LP Balona Espetacular. Lançado em 1967, era um desfile de sucessos do ano. Canções do Segundo Festival Interna-cional da Canção, promovido pela TV Globo naquele ano, como Travessia e Carolina, do Segundo Festival da Record, realizado em 1967 (Maria Carnaval e Cin-zas e Alegria, Alegria) e grandes sucessos de Wilson Simonal (como Vesti Azul) e do “queijinho de Minas” Martinha (Eu te Amo Mesmo Assim). Mas quem apa-rece com força no disco é Roberto Carlos. Além da referida Maria Carnaval e Cinzas, composta por Luiz Carlos Paraná e interpretada por ele no Festival da Re-cord, Roberto era o compositor de Meu Grito, sucesso com Agnaldo Timóteo e interprete de Só Vou Gostar de Quem Gosta de Mim, de Rossini Pinto. Havia ainda espaço para Manifesto, canção de protesto de Marioz-inho Rocha e Guto Graça Mello. Segundo Balona:

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Capa do disco Balona Espetacular - Célio Balona - 1967

Os festivais estavam em alta, então todas es-sas músicas foram grandes sucessos nos festi-vais. Então eles falaram comigo “nós precisa-mos disso aqui”. E eu fiz. (...) A gente já tava gravando aqui no estúdio da Bemol no bairro Caiçara, mas foi um disco também que não de-morou muito, porque a gente estava com tudo ensaiado. Então foi entrar dentro do estúdio e liquidar fatura.

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O álbum contava com Nazário Cordeiro na gui-tarra, Hélvius Vilela no piano, Ildeu no contra-baixo, Celinho no Trompete, Nivaldo Ornellas no Saxofone, Alfonso Maluf na percussão e Miltinho na Bateria são os músicos do disco.

No ano seguinte sai o LP Bem Bolado. O disco não foi creditado a Balona, mas o estilo do disco e a chancela do selo Paladium dão pistas de que é um disco do artista. O próprio tinha um programa na TV Itacolomi chamado Balona Bem Bolado. O repertório mescla Dorival Caymmi, Beatles, Do-menico Modugno (incluindo o estrondoso sucesso Dio, Como Ti Amo) e The Boogoloo Dance, tema do próprio Balona. Há ainda uma faixa secreta: Something´s Gotta Give, que não constava na lista de musicas do disco e não foi creditada. De acordo com o blog Toque Musical, pertencente a um pes-quisador musical que postou o disco na internet, ela só não entrou na lista impressa porque no dia da produção do disco ninguém sabia o nome da música. De acordo com Balona, o LP foi gravado em uma boate:

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Esse disco foi gravado numa boate que fez um grande sucesso, uma boate que nós fizemos, chamava boate Uai, era ali na Av. Brasil com Rua Rio Grande do Norte. A Paladium queria um disco ao vivo, com aquele clima de festa, um clima de boate e tal, de show de boate. Aquela coisa toda. Então conversaram comigo e a gente gravou na boate algumas coisas e a maioria a gente gravou no estúdio mesmo, mas querendo fazer aquela ambientação da boate.

Capa do disco Bem Bolado - Célio Balona - 1968

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O disco não continha créditos, mas contava com a participação de outros artistas. Um deles é de Roberta Lombardi, fundadora da grife Vide Bula, que ainda canta esporadicamente. O percussioni-sta Anthony Cha Cha Cha, velho companheiro de Balona nos estúdios, dá uma canja nos vocais.

Encerrando a década, Balona grava um com-pacto simples (uma música de cada lado) que renderia frutos ao artista mais de quarenta anos depois. De um lado, Tema de Batman escrito por Neal Heasf para o seriado televisivo do heroi dos quadrinhos. Com muitos efeitos sonoros, o disco dialogava com o que era feito na época no campo da psicodelia. No outro lado estava o Tema de Ônibus, feito pelo músico Dino Granfo. O próprio Balona é quem conta como esse dis-quinho foi concebido.

Meus filhos na época, um tava com oito anos e outro tava com quatro. Nessa época passava muito aquela série do Batman e eles eram fasci-nados com aquilo. Um dia, brincando, cheguei perto deles e falei “olha, eu sou muito amigo do Batman, eu falei outro dia com ele que eu vou gravar uma aventura dele para vocês”. Eles ficaram com os olhos arregalados e tal.

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Durante uma folga em uma sessão no estúdio Be-mol, Balona sugeriu fazer “uma brincadeira”, to-cando o tema do super-heroi. Criou uma história contada ao longo da música, simulando uma in-vasão de marcianos à Terra. Um foguete em di-reção à Lua cruza com os marcianos. Batman então é chamado quando um foguete em direção a Lua encontra os invasores. Todas as vozes, de Bat-man, dos Marcianos e dos astronautas no foguetes são feitas pelo próprio Balona.

O Afrânio riu tanto com a brincadeira e falou que iríamos fazer um compacto simples disso. Como não tinha nada do outro lado fizemos o Tema de ônibus, porque o pessoal chegou de ônibus. Isso é do Dino. Aí gravamos, o Dino estava lá também no dia. Isso foi uma grande brincadeira que a gente fez. Bom, eu cheguei em casa e levei uma fita cassete e mostrei para os meus filhos. Eles ficaram assim: “pai, você conseguiu falar com o Batman”! Eu falei: tô te dizendo que ele é meu amigo! Ai os meninos ficaram quietos. O disco não vendeu nada, porque aquilo ali ficou mais como catalogo lá da Palladium, Bemol.

Joel Stone, brasileiro dono de uma loja de discos em Nova York, a Tropicália in Furs, lançou em 2010

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a coletânea Brazilian Guitar Fuzz Bananas em LP e CD. A coletânea compilava compactos psicodé-licos feitos no Brasil entre as décadas de 60 e 70, a maioria de artistas obscuros. Mas a honra de abrir a coletânea, elogiada pela crítica especializada, ficou com Balona e sua versão para o Tema de Batman.

No ano passado minha irmã me ligou do rio e falou “Célio, você tá na capa do segundo cad-erno do O Globo”. Falei que não estava sabendo não e ela me falou que estavam falando sobre um disco Tema de Batman, que foi lançado nos Estados Unidos, e eu dizia que não estava sabendo. Aí comprei O Globo, era um cara chamado Joel Stone, brasileiro, que mora em Nova York, nos Estados Unidos. Esse cara veio aqui e foi procurando em alguns sebos do Rio de Janeiro e São Paulo discos da década de 60 e 70, que eram considerados psicodélicos (...) não estava sabendo de nada. Nem imaginava nada mais desse tema de Batman.(...). E eu nunca me considerei psicodélico (risos).

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Compacto simples, com o Tema de Batman e Tema de Ônibus - Célio Balona - XXXX

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É interessante analisar que o disco foi gravado em 69, ano que o homem vai à lua e o auge da corrida espacial entre Estados Unidos e União Soviética. A música brasileira já havia se referido a isso em can-ções como Lunik 9, de Gilberto Gil. Mas, de acordo com Balona, foi tudo uma coincidência: “ficou guar-dado lá no subconsciente e quando veio a conversa dessa história eu pensei em foguete, essa coisa toda”.

Outro compacto lançado por Balona continha uma versão de Dans Mon Ile, música de Henri Salvador, que faz parte da trilha do filme Europa de Noite, do italiano Alessandro Blasetti. O longa mostrava números de artistas em palcos europeus.

Capa do compacto Português com a música Sonho Lindo - XXXX

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Eu fui assistir esse filme e fiquei muito im-pressionado com a música do Henri Salvador chamado Dans Mon Ile. Eu assisti esse filme doze vezes e resolvi fazer uma versão em por-tuguês do Dans Mon Ile, que ficou sendo o Sonho Lindo. E gravei em compacto simples, do outro lado uma música do Marilton Borg-es, e esse compacto realmente ele fez muito sucesso aqui em Belo Horizonte, no interior de Minas Gerais.

Balona passa os anos 70 sem registrar nada em disco. Opção do próprio artista, que já não queria registrar obras de outros compositores, já com a vontade de fazer outro tipo de música. Nessa época, acompanha outros cantores e participa de um fes-tival de teclado da Yamaha, representando o Brasil.

Só em 1982 ele retorna aos estúdios com o LP Imagens, lançado no ano seguinte. Completamente diferente de tudo o que já havia feito, o disco con-ta somente com composições próprias. Abrindo com a faixa título, de quase nove minutos, Balona assume teclado, vibrafone, piano acústico, sin-tetizador e acordeom, junto a músicos mineiros de uma geração posterior a sua, como Marcus Viana, Neném, Mário Castelo, Juarez Moreira, Afonso Maluf, além de Pingo Balona, filho do artista.

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A capa do disco não mostra Balona com pose de galã, mas sim com a impressão de um homem mad-uro, bem diferente das capas que emulavam um as-tro de cinema. Era um disco há muito sonhado por Balona, que bancou todo o projeto, tendo a velha Be-mol como parceira na distribuição. As oito músicas trazem uma veia de experimentação conectada com a música instrumental feita na época, bastante influ-enciada pela tecnologia nos instrumentos musicais. Nesse disco, o artista queria mostrar que poderia fazer coisas diferentes e ter uma identidade própria. Teve a prova disso de uma forma bastante peculiar. Ao fazer o show de lançamento do disco no teatro Francisco Nunes, toda a parafernália de instrumen-tos utilizada no disco estava no palco, impression-ando antigos fãs do artista.

Eu fiquei sabendo o seguinte, por duas amigas minhas que estavam assistindo o show que na segunda música, tinha três senhoras sentadas atrás “nossa, acho que o Célio Balona enlouque-ceu porque ele tá tocando umas coisas muito loucas, muito doidas, isso aí não é ele não”.

Balona achou “a melhor coisa do mundo”, já que ele estava mostrando um novo tipo de trabalho. Apesar do baile e de gravações de músicas alheias terem sido

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seu principal sustento como profissional, ele queria mudar. E essa fala das duas senhoras, para o artista, foi um sinal de que ele estava no caminho certo.

Capa do disco Imagens - Célio Balona - 1982

Para o artista, apesar do amor e do “ódio” que o disco despertou, foi uma oportunidade de con-seguir mostrar um trabalho diferente, que era o que ele queria fazer. Contendo apenas oito faixas, é possível perceber que é um disco versátil, com a

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banda que o acompanha em cada fazendo experi-mentações harmônicas e construindo um som bem diferente daquele que os fãs de Balona es-tavam acostumados a ouvir.

O viés de Imagens continua no disco seguinte, Voo Noturno. Apesar de contar com outros instrumen-tistas, segue a linha de Imagens, com experimen-tações, faixas que ultrapassam o tempo de quatro minutos e até o mesmo número de faixas. A capa utiliza um quadro de Marco Antonio Moreira, músico e pintor amigo de Balona. Um pássaro em tons de azul e vermelho voando sobre uma tela escura. Na contra capa, o artista com seus vários sintetizadores. O disco simboliza um mergulho ai-nda mais profundo nos instrumentos eletrônicos, o que lhe identifica bastante com os anos oitenta, já que o eletrônico era uma nova opção para a música instrumental, caindo depois em desuso.

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Nessa época praticamente os tecladistas gra-vavam com quatro, cinco, seis sintetizadores, era uma época que o César Camargo e Mari-ano gravava com aquele monte de teclado. O Egberto Gismonti tinha um monte de teclado. Então todo mundo queria explorar ao máximo um universo sonoro cujo universo o ouvido humano não estava muito acostumado, com sons sintetizados, com sons criados em labo-ratórios, essa coisa toda.(...) Eu me joguei mui-to em cima disso aí.

Capa do disco Voo Noturno - Célio Balona - XXXX

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Posteriormente, nos outros trabalhos, onde o som do teclado era considerado datado, o artista retor-na aos instrumentos acústicos. Hoje, ele mescla o eletrônico com o acústico, já que considera que os instrumentos eletrônicos imprescindíveis, mas que devem ser usados em “doses homeopáticas”.

Voo noturno e Imagens são os únicos discos gra-vados nos anos 80. Poucos, mas que mostram um momento especial na carreira de Balona, por es-tar fazendo um novo tipo de trabalho, com o qual se identificava mais, assumindo as composições, tendo uma obra própria.

Em 1992, Batuquerê é lançado. Era um disco de despedida, já que Balona estava prestes a sair de Belo Horizonte, com convites para morar no Rio de Janeiro e Santa Catarina. Ele queria fazer o dis-co na capital mineira e pretendia que o trabalho tivesse algo bem brasileiro, mostrando sua inten-ção na capa do CD – primeiro registro em com-pact disc lançado por ele – e uma foto sua com uma pequena bandeira brasileira em seu peito. Músicas como Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, e Ponta de Areia, de Milton Nascimento e Fernan-do Brant, também estavam no repertório. Não há

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tom saudosista no álbum. Mas a própria iniciativa de gravar músicas alheias, de autores mineiros, aliada a capa com a bandeira do Brasil tem um simbolismo forte: conservar as raízes. Mas, afinal, porquê o titulo Batuquerê?

Esse nome foi até interessante, eu escolhi porque eu procurei saber no dicionário se tinha uma palavra que significava querer batucar. E não tem. Então eu criei essa palavra, batuquerê. Três anos depois que esse disco foi lançado apa-receu um grupo lá na Bahia chamado Batuquerê, mas eu criei essa palavra porque não tinha. Batuque, batucan-do, batucar, batucada, mas o de querer batucar, então foi por isso.

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(Mais) um hiato, desta vez de exatos dez anos, sem entrar em estúdio para gravar Morando em Santa Ca-tarina, fazendo trilhas para a RBS (Rede Brasil Sul, afiliada da TV Globo naquela região do país), Balona lança em 2002 o CD Cantigas de Roda para Ouvir e Sonhar. Sonho antigo do artista, com um pouco de referência a antigas lembranças, já que as canções que ele escolheu para o álbum lhe remetiam à infância e ao local onde nasceu. Estando longe, era uma forma de se conectar, mais uma vez, às suas origens.

Capa do disco Batuquerê - Célio Balona - 1992

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O Cantigas era uma idéia que eu tinha de fazer só instrumental. Então lá em Florianópolis, eu tinha um estúdio e comecei a pensar em fazer um disco. Esse disco foi gravado sozinho, eu, o estúdio e os teclados. É um disco que é uma ho-menagem aos anônimos que fizeram as musi-cas, porque não sei se você sabe, porque a maio-ria das cantigas de roda você não sabe quem compôs. Não tem o nome, isso já vem lá de trás.

Capa do disco Cantigas de Roda - Célio Balona - XXXX

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Cantigas é o estopim para a volta de Balona à ci-dade que o acolheu ainda criança. Em 2003, ele volta a morar em Belo Horizonte. Logo depois do retorno, o CD Trilhas é lançado. Uma compilação de músicas feitas para comerciais, curtas-metra-gens e televisão, quando o artista ainda morava em Florianópolis. Faixas pela primeira vez lança-das em disco e que aliavam a qualidade do artista a um trabalho feito sobre encomenda.

Eu trabalhei com cinema lá, fiz trilhas para um filme chamado Madre Paulina e oito curtas me-tragens para um projeto chamado Curta Santa Catarina, que é um projeto interessantíssimo. Os cineastas aprovados têm que pegar um livro de um catarinense e fazer um curta metragem contando a história do livro. Então eu fiz lá em Santa Catarina trilha para oito curtas metragens e para TV RBS, eu fiz a trilha de um seriado contando a vida de Anita Garibaldi.

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Logo na seqüência, sai Coletânea, uma “colcha de retalhos”, de acordo com o próprio artista, com várias regravações de músicas próprias lançadas desde Imagens.

Capa do disco Trilhas - Célio Balona - 2003

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Coletânea foi um disco que quando eu voltei para Belo Horizonte em 2003, o Rubinho da Status Café e Cultura falou que patrocinaria um monte de músicas que estava querendo colocar no CD. Então a Status patrocinou. E a música nova que tem no Coletânea é a que abre, uma musica chamada Tudo a ver com Nosotros. Que é uma mistura de música cu-bana com música brasileira e eu também tive a alegria de ter o Arthur Maia de gravar comigo no contrabaixo.

Capa do disco Coletânea - Célio Balona - 2003

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2006 é o ano do Projeto Brasil, iniciativa de Ba-lona que contava com o pianista Clóvis Aguiar e o baixista Milton Ramos. O disco foi o desdo-bramento de um convite para tocar em uma casa noturna na região metropolitana de Belo Hori-zonte. Quando retornou a Belo Horizonte, Fábio Campos, dono da livraria da Travessa, montou em Nova Lima o restaurante Capim Limão. Ele foi convidado pela esposa de Fábio, Dulce, para tocar no local uma vez por semana.

Eu falei que não queria ir com o meu nome. Eu estava querendo ir com um trio, mas fazer um trabalho diferente. Eu tinha conhecido o Clóvis e o Miltinho já era amigo meu há mais tempo, então demos o nome de Projeto Brasil e ficamos lá um ano, todas as quintas feiras.

Numa noite, Aluísio Vasconcelos, então presiden-te da Eletrobrás, estava presente no restaurante e se encantou com o trio. Sugeriu que o projeto fosse registrado em disco, patrocinado pela Eletrobrás. Em 2008, um show do projeto realizado no Teatro Sesiminas também virou DVD.

O disco era um panorama da música moderna brasileira feita a partir dos anos 50. Compositores

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como Chico Buarque, Edu Lobo e os homenagea-dos com o subtítulo do disco: De Antônio a Zé Keti estão presentes no repertorio, tendo Tom Jobim como principal eixo do disco.

Alumbramentos foi o ultimo disco lançado por Ba-lona. Mas aí já é uma outra história... Esse panora-ma discográfico mostra que Célio Balona sempre se manteve íntegro em seus objetivos musicais, fazendo aquilo que quis, com coerência, qualidade e amor.

Capa do disco Projeto Brasil - Célio Balona - 2006

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Capa CD Alumbramentos - Célio Balona - 2010

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4 Capítulo

Cinquenta anos de música não são para qualquer um. Quem se depara com o senhor de cabelos grisalhos, de notável simpatia, ao ouvir a sua voz acompanhada do acordeom, seu instrumento mu-sical preferido, se encanta com a voz grave. A per-severança, dedicação e amor pela música fazem a diferença na vida do músico Célio Balona. Artista que ao longo da sua carreira tem contribuído para o desenvolvimento do cenário cultural de Minas.

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Neste capítulo faremos um apanhado das atividades do músico após 50 anos de carreira e evidenciar sua contribuição artística para o cenário cultural mi-neiro, enquanto personagem que colaborou para fortalecer a identidade cultural de Minas. Em 2010, Balona comemorou 50 anos de carreira. Cinqüenta anos de música não são para qualquer um. Quem se depara com o senhor de cabelos grisalhos, de notável simpatia, ao ouvir a sua voz acompanhada do acordeom, seu instrumento mu-sical preferido, se encanta com a voz grave. A per-severança, dedicação e amor pela música fazem a diferença na vida do músico Célio Balona. Artista que ao longo da sua carreira tem contribuído para o desenvolvimento do cenário cultural de Minas.

Neste capítulo faremos um apanhado das atividades do músico após 50 anos de carreira e evidenciar sua contribuição artística para o cenário cultural mi-neiro, enquanto personagem que colaborou para fortalecer a identidade cultural de Minas. Em 2010, Balona comemorou 50 anos de carreira.

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Os 50 anos de música, para mim, passaram muito rapidamente. A música sempre foi uma grande musa na minha vida. Eu na verdade me casei com a música desde cedo. Cinqüenta anos é um passaporte bastante recheado de ex-periências e histórias para contar. Ao longo da minha carreira sempre busquei trabalhar com dignidade, profissionalismo, perseverança, humildade e não me render às tentações de sucesso fácil.

Para festejar cinco décadas de trabalho, em 2010, Célio Balona lançou o CD Alumbramentos que faz um apanhado da sua carreira. O álbum traz no en-carte um texto em que o músico relata o seu des-lumbramento na infância pela música e remonta o início de cinco décadas de dedicação e amor pela música. O cd Alumbramentos é também uma ho-menagem aos seus pais

Na verdade eu levei um susto quando eu me de-parei com os 50 anos pela frente, assim. Bateu na minha porta e falou assim olha, eu sou o 50 (risos). Falei assim o meu Deus do céu, estou fa-zendo 50 anos de música nessa cidade, a cidade que eu amo. Eu sou de Visconde do Rio Bran-co, mais na verdade minha mãe adotiva é Belo Horizonte, entendeu. Então tudo o que eu con-segui na minha vida foi em Belo Horizonte. A

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Em Alumbramentos, Balona conta com participa-ções especiais de Paulinho Pedra Azul, Carla Vilar e outros músicos mineiros. O lançamento do CD foi um sucesso e encantou os belo-horizontinos. Talvez isso se deva ao fato da produção do CD contar com a participação de velhos parceiros.

Vários músicos amigos e parceiros do artista fa-zem participação especial nesse álbum como Cris-tiano Caldas, Milton Ramos, Tino Dias e Pedro Alexandre. O lançamento do CD possibilitou ao músico apresentar-se também com Cleber Alves, amigo e parceiro musical.

Para celebrar tantos anos de música, o compositor, intérprete, arranjador, tecladista e acordeonista, presenteou os fãs realizando um show, no dia 18 de novembro, na Praça Floriano Peixoto, no bair-ro Santo Efigênia e no SESI Minas. No espetáculo, Balona apresentou suas novas canções e recordou músicas do passado.

Estiveram presentes na comemoração dos 50 anos vários companheiros de esquina. No palco estavam presentes parceiros de diversas gerações: Christiano Caldas (piano e teclados), Milton Ramos (contra-

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baixo acústico e elétrico), Hudson Vaz (bateria), Bill Lucas (percussão), Serginho Silva (percussão), Cle-ber Alves (saxofone tenor e soprano), Betinho Junior (saxofone barítono), Alaércio Martins (trombone), Juventino Dias (trompete e Flugelhorn) e Anderson de Oliveira (violoncelo). Ao lado de seu instrumento principal, o acordeom, Balona levou os fãs para um passeio pela história da música brasileira e pela sua própria história. Para ele, o show dos 50 anos foi um presente para a sua carreira e uma grande demonst-ração de carinho dos parceiros e amigos.

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Meus amigos me presentearam com o talento deles tocando comigo. Esse foi o maior presente. O maior presente foi tê-los comigo, com tanto carinho, com tanto amor, como tanta dedicação. Eu tenho os meus amigos como irmãos. Eu es-colhi a dedo os músicos que participaram desse CD. Um deles, o meu amigo e parceiro Murilo Antunes, um dos grandes letristas da MPB, me deu a honra de colocar letra em quatro canções. Participou também Paulinho Pedra Azul, que cantou Alumbramentos e Carla Villar cantando Só nos resta fazer canções. A música é um todo, cada um colabora com um pedacinho.

Paulinho Pedra Azul prestigiano o show do amigo Célio Balona na Status Café Cultura e Arte

Mariana Reis

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O artista é um dos respeitados instrumentistas mi-neiros da atualidade e hoje comemora 50 anos de carreira. Passados 50 anos de estrada, muito trab-alho e histórias pra contar, Célio afirma, “valeu a pena!”. Cheio de satisfação, assim se refere à sua trajetória artística.

Ainda na ativa e com muita disposição para apre-nder e experimentar, Célio Balona atualmente trabalha com shows, trilhas sonoras para filmes e documentários. O músico compôs uma trilha so-nora para um filme da cineasta Laine Milan, que foi premiada como melhor trilha sonora no Fes-tival de Cinema de Juiz de Fora, em 2009. Outra trilha sonora foi finalista do Grande Prêmio Vivo do Cinema Brasileiro, na categoria Trilha Sonora Original com a música composta para o longa-metragem Cinco frações de uma quase história, do diretor Guilherme Fiúza.

As comemorações dos 50 anos lhe possibilitaram realizar um show no museu Notórios, de Buenos Aires, no dia 18 de abril de 2010 e no dia 19 e 20, no Teatro Rolo, de Mar del Plata. Segundo Balona, o show reuniu músicas do CD Alumbramentos e músicas de artistas brasileiros.

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A turnê na Argentina foi uma grande opor-tunidade para a divulgação do meu trabalho de músico e compositor. Pretendo fazer o melhor possível para divulgar nossa música por lá. Agente procurou fazer a música de Minas e do Brasil.

Longe dos palcos e dos flashes, a agenda do músico continua lotada de compromissos. Focado nos pro-jetos que pretende realizar, Balona se esforça para manter o ritmo das criações de trilhas sonoras, os shows com o quinteto e divulgação do seu trabalho na internet. O estúdio HP, localizado no bairro San-

Célio Balona durante apresentação na Status Café Cultura e Arte

Mariana Reis

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to Agostinho, na capital é lugar onde o músico se reúne com o seu quinteto composto por Christiano Caldas (piano), Fabio Gonçalves (guitarra), Ramon Braga (bateria) e Milton Ramos (contrabaixista). Também no estúdio da Bemol, o quinteto se reúne pra ensaiar e gravar suas músicas. Segundo Balona, todo dia há uma lição diferente para aprender.

No meu trabalho atual, eu estou cercado de músicos jovens, muito talentosos! O que eu posso passar pra eles eu passo, eles me passam também. Eu aprendo todo santo dia. Vou mor-rer tentando aprender mais.

Balona no Studio HP durante a primeira entrevista

Mariana Reis

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A música de Balona agrada todo tipo de público. No auge da carreira, Célio continua fazendo da música seu horizonte. Dentre os trabalhos realizados re-centemente, Célio compôs uma trilha sonora para o diretor Helvécio Ratton, para o documentário em longa-metragem “O mineiro e o queijo”, que aborda as dificuldades enfrentadas pelos pequenos produ-tores de queijo artesanal em Minas. Entre com-posições e gravações ainda há espaço para outros projetos, como o lançamento de um CD com músi-cas de seresta, o que na opinião do músico faz parte da cultura mineira.

Tenho convites para apresentações em Festivais de Jazz aqui no Brasil e pretendo lançar um CD instrumental só com músicas de seresta. Nor-malmente esse gênero tão mineiro e brasileiro é gravado com as músicas cantadas, no meu caso vou gravar com piano, acordeon, contrabaixo, bandolim e um quarteto de cordas. Totalmente instrumental. A música mineira é única, não têm genéricos! “Os meus planos para o futuro são de tocar... tocar... compor... compor.”

O vivaz artista que se “casou” com a música, vive o presente com a certeza de vai fazer música hoje, amanhã e depois. Para músico, alguns gêneros musicais evidenciam a riqueza da música popular

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brasileira. Mas aos olhos de Balona, o trabalho dos artistas brasileiros é pouco valorizado.

Segundo Balona, a música brasileira está decadente, a qualidade das canções deixa a desejar. Balona faz uma avaliação sobre a qualidade da música “ven-dida” atualmente, e evidência sua preocupação so-bre os trabalhos dos artistas atuais. Para o músico muitos produtores se preocupam em tornar os ar-tistas ídolos, e não se preocupam em fazer música de qualidade. Resta aos fãs refletir sobre o trabalho de alguns artistas e avaliar criticamente o que con-sumem. Balona salienta que o ritmo e a harmonia da música são fundamentais para produzir um trabalho de qualidade e a fama é conseqüência desse trabalho.

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Eu procuro evidenciar o ritmo e a harmonia. Porque a música brasileira é riquíssima, se você pegar de Manaus ao Chuí, nós vamos ter muitos ritmos diferentes, quantas manifestações cult-urais diferentes, quantas possibilidades diferen-tes, que revelam um pouco de cada estado. No meu disco tem samba, tem maracatu, tem fre-vo, tem catopés. Então eu procuro sempre dar um colorido mesmo, sabe, da coisa brasileira e isso me dá muito prazer, me dá muita satisfa-ção. Acho que estou no caminho certo porque eu já tive várias manifestações de pessoas que gostaram do trabalho, que sentiram esse lado brasileiro da coisa, porque eu acho que não tem necessidade de importar coisas de fora se você tem o melhor aqui.

A musicalidade criada em Minas Gerais é muito rica, as composições carregam consigo sentimen-to, narram memórias que fazem menção aos vales, rios e suas montanhas. Balona entre outros músi-cos foram os precursores da música em Belo Hor-izonte, juntos os amigos da esquina provocaram uma revolução musical, freqüentadores de bares, restaurantes, se tornaram referência na ainda jo-vem capital mineira. Que desde então, vem tra-zendo inovações no cenário musical.

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Queríamos fazer música, tocar nossas canções. Tudo foi acontecendo naturalmente, durante as gravações mesmo”, conta. Para ele, o disco consegue ter unidade mesmo com as diferen-tes sonoridades propostas por ele e por Milton. “Agradeço por eles terem entendido o que eu queria dizer, meu novo jeito de compor e tocar que tinha uma clara inspiração nos Beatles. Eu fui um dos primeiros a compor baladas aqui no Brasil, afirma Lô.(site:Revista Época)

A mineiridade presente na música mineira ficaria evidenciada em músicos que atingiriam o auge das carreiras depois, como Wagner Tiso, ex-in-tegrante do conjunto de Balona, na voz marcante de Milton Nascimento, no jazz de Toninho Horta, o pop rock de Beto Guedes e Lô Borges e com a música instrumental de Célio Balona.

Refletindo sobre o sentimento e a cultura dos mineiros, o poeta Affonso Ávila diz que ‘somos um povo festivo, extremamente criativo, temos uma visão sensual da vida, mas ao mesmo tem-po somos recolhidos e conservadores do ponto de vista social e ideológico. É essa dualidade barroca, a meu ver, que caracteriza a chamada mineiridade. (ESTADO DE MINAS, caderno PENSAR, de 10 de março de 2007).

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Como já mostrado nos capítulos anteriores, Balo-na deu oportunidade a vários membros do Clube da Esquina, que se sedimentaria na virada de 60 pra setenta. Período em que a música popular brasileira começou a se transformar, a diversidade de novos artistas que surgiam na época se fez mais importante na história do Brasil, quando muitos deles tornaram-se referência e sinônimo de quali-dade na MPB, pelo alto nível de suas criações. Um momento em que estavam todos preocupados com a repressão política e a liberdade de expressão, as vozes serenas dos músicos ecoaram.

A diversidade é maior quando se fala em música instrumental, por ter desde o choro, música eru-dita e até o jazz, um marco na expansão da arte mineira, que adquiriu uma maior proporção com destaque em todo o cenário mundial na criação musical. Os músicos mineiros têm este diferen-cial, por ter essa qualidade que resulta em belas melodias e harmonias. E é essa afinidade que fez surgir um dos movimentos mais conhecidos de Minas, o Clube da Esquina.

Composto por amigos que tinham em comum o gosto pela música, o Clube da Esquina fez história

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em Belo Horizonte e foi um grande marco na música popular brasileira, trazendo inovações harmônicas para aquela época. Tantos talentos que começaram sua carreira aqui em Minas revelam um pouco da identidade cultural do estado.

A singularidade das músicas do Clube da Es-quina e a sua influência o transformaram em um dos mais importantes movimentos musicais de Minas Gerais. Mesmo ocorrendo outras mani-festações culturais na época, os garotos do bairro Santa Tereza foram também influentes em todo o Brasil, o trabalho dos garotos os tornou con-hecidos por apresentarem um repertorio musical que apresentava as peculiaridades de Minas e da música brasileira.

O que no início eram encontros sem compromisso, se transformou em amizade. Amigos de esquina, que pouco se conheciam, ao se cruzarem tornaram-se amigos da música. Provocando uma revolução artística, músicos freqüentadores de bares, res-taurantes, se tornaram referência na ainda jovem capital mineira. O local de preferência, que tinha a cara desses músicos eram as ruas Divinópolis e Paraisópolis, no bairro de Santa Tereza.

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Um grupo que não priorizava a quantidade e sim a qualidade do som, todos podiam dar sugestões, contribuições. Inicialmente composto por Milton Nascimento, Wagner Tiso, Fernando Brant, Nival-do Ornelas, Paulo Braga, Toninho Horta e Márcio Borges. Vários deles já citados ao longo do livro.

Retratar a vida desses compositores que fizeram par-te da história de Minas, cantando suas aspirações e anseios, artistas que faziam e fazem arte, e que revo-lucionaram a música popular brasileira, possibilita remontar e saudar o trabalho desses artistas que hoje são modelo e inspiração para os artistas que virão.

Posteriormente, surgem novos ritmos musicais e bandas que não pertenceram ao mesmo contexto e efervescencia cultural, mas que tinham em co-mum a afinidade pela música. E que mesmo sem sofrer influência direta daqueles músicos trilha-vam uma nova era, reescrevendo assim a história musical de Minas.

Como por exemplo “O Sagrado Coração da Terra”, liderado por Marcus Viana, que tocou com Balona e participou do disco Imagens. Com instrumentos eletroacústicos e baseado nas tradições da música

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erudita, com a inovação e com novos efeitos, a banda esteve presente em trabalhos gravados por Milton Nascimento e outros músicos da mesma época. O Uakti também é reconhecido, principal-mente por produzir seus próprios instrumentos na realização dos seus shows. Em 1979, o grupo lançou uma faixa que foi a trilha sonora de um filme, composta por Tavinho Moura. E em 1980 juntamente com Milton participou do disco “Sen-tinela” realizando seu primeiro show no Museu da Pampulha. Atualmente o grupo participa de pro-jetos com outros artistas como Milton Nascimen-to, Paul Simon, Ney Matogrosso, Maria Bethânia, Zélia Duncan.

Nessa mesma época, Balona utilizava os seus out-ros talentos de diretor artístico, na composição do disco “Travessia”, que traçava um panorama da música mineira feita naquela época. Partici-pam do disco alguns dos nomes mais importantes da música mineira, tendo a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, Marcus Viana, Marco Antonio Araújo, Yuri Popoff e outros.

O garoto que outrora fugia da polícia para can-tar na noite, o brincalhão e solicito músico até

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hoje compõe como o coração e não para de sur-preender. Ainda se dedica criteriosamente aos shows, gravações e composições. Na comemora-ção dos seus 50 anos de carreira o músico dividiu o palco com vários músicos renomados, compan-heiros de vários caminhos e estradas, ao lado do seu maior xodó, o arcodeon. Ele participou da gravação de vários discos e CDs, mais o que mar-cou foi a gravação do cd e DVD do Projeto Brasil de Antonio a Zé Kéti.

Balona na Status...

Mariana Reis

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IMAGENS: Sons e memórias de Minas - Célio Balona

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O sucesso do Clube da Esquina, movimento que deixou marcas na construção de uma identidade, dando a diversos contribuições culturais e que mobilizou a cultura brasileira tem o seu espaço garantido até hoje, e é visto em várias releituras das músicas do clube feitas por bandas atuais da nova geração, e por vários intérpretes dessa ge-ração da MPB, bem como músicos como na per-formance de músico como Célio Balona que em muito contribui para a construção e riqueza da música mineira. Freqüentemente noticiários re-portam lançamentos de livros e CD’s inéditos dos músicos do que ainda tem grande força do movi-mento junto ao seu público cativo. Como resul-tado de tanto sucesso a mídia vem repercutindo de forma positiva os trabalhos de Balona. Canais de TV, especialmente a Rede Minas, dão apoio ao seu trabalho.

Vou começar uma série de shows para divulgar o trabalho dos “Alumbramentos” e pretendo gra-var ano que vem um cd com música eletrônica, misturando sintetizadores com instrumentos acústicos e um DJ. Esses são os planos futuros. Quero agradecer a oportunidade, deixando um grande abraço para você e os amigos do Clube de Jazz! (site: www.clubedejazz.com.br)

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Com tanto talento mineiros como Balona, ultra-passaram as fronteiras e conquistaram o mundo. Aproximando as pessoas em uma única linguagem, a música, juntando a sonoridade os instrumentos que constroem suas canções.

Balona na Status xxxxx

Mariana Reis

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Conclusão

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A idéia do presente livro reportagem surgiu a partir da vontade de resgatar e evidenciar o valor cultural da atuação de artistas no cenário cultural. No final de 2010, contatamos o artista e o convidamos para ser o cerne desse projeto. A escolha do personagem se deu em função do seu trabalho, sua importância e notoriedade no meio musical, peculiaridades que o tornam referência para os outros músicos.

CONCLUSÃO

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No processo de produção optamos por utilizar a metodologia de história oral, que permitiu tam-bém a utilização fontes de pesquisa, contando também com a transcrição das entrevistas, o que nos possibilitou utilizar as experiências individ-uais e coletivas do músico. Este livro reportagem nos permitiu fazer um recorte do período no qual a música em Belo Horizonte estava em efer-vescência e, ao confrontá-lo com suas memórias, foi possível contextualizar e resgatar o cotidiano de então, o que nos permitiu conceber um retra-to daquele período, sendo possível arquitetar um registro na construção da narrativa e da identi-dade do cenário cultural da cidade.

No primeiro capítulo, mostramos os bastidores dos primeiros contatos entre o músico e nós, autores, evidenciando a partir de uma breve descrição as suas características genuínas. Neste capítulo narra-mos sua história de vida, o primeiro contato com a música e sua avassaladora paixão pelo acordeom, instrumento que tornou-o conhecido nos tradicio-nais bailes de Belo Horizonte. Na década de 1960, Belo Horizonte era palco de pequenos movimentos artísticos, a cidade vivia o novo. E nesse contexto de fervor cultural a cidade ganhou jovens músicos

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Conclusão

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talentosos que embalariam os bailes dos salões da cidade. Célio Balona e outros músicos são parte desses movimentos em que os músicos que tinham em comum o gosto pela música.

No segundo capítulo, Experiências e Memórias, o personagem narra toda sua vida, remontando as fases da sua trajetória artística, estabelecendo con-exões com diversos músicos contemporâneos, con-textualizando toda sua obra, através de uma nar-rativa em ordem cronológica.

No terceiro capítulo, Discografia: Sons e Narrativas comentamos a discografia do artista, os bastidores de cada disco, o contexto em que cada um foi pro-duzido e suas repercussões, incluindo comentários do artista, além de capas e detalhes de repertório. A discografia de Célio Balona é essencial para com-preender sua trajetória como músico, já que seus discos representam o seu modo de ver a música e trabalhar com ela durante todo esse tempo, espe-cialmente na transição dos discos com músicas de outros autores para suas próprias composições. No quarto capítulo, intitulado Alumbramentos: Mi-neiridades, estão presentes as comemorações dos

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50 anos de carreira, e as atuais atividades do artista. Neste capítulo, também traçamos um paralelo sobre os resquícios da música que outrora era referencial de trabalho para os artistas e a influência desse trab-alho na formação de artistas da contemporaneidade, Contribuição que revelou-se na formação artística dos músicos e bandas que estão nas paradas atual-mente escrevendo a história musical de Belo Hori-zonte e tornaram-se parte da identidade cultural da cidade e de Minas, cujo passado tentamos resgatar, a fim de corroborar para que esse valor cultural faça parte da vida de todos os belo-horizontinos e de quem crê que a cultura é essencial para que o ser hu-mano tenha uma boa qualidade de vida.

E agora, fique com Célio Balona e toda sua disco-grafia, no CD anexo ao livro. Viaje por uma BH de um passado que não volta mais, pelo que ela hoje representa no contexto cultural e tenha, através da obra do músico, uma ideia da música mineira do futuro. Balona transita por todo esse espaço tempo-ral. É por isso que, há mais de cinqüenta anos, ele se dedica a musica. Curta a viagem!

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Referências Bibliográficas

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