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ISSN 2176-1396
IMPLANTAÇÃO DE CURSOS SEMIPRESENCIAIS USANDO A
METODOLOGIA DA SALA DE AULA INVERTIDA: LIMITES E
POSSIBILIDADES A PARTIR DO OLHAR DOS PROFESSORES
ENVOLVIDOS
Inge Renate Fröse Suhr1
Grupo de Trabalho – Metodologias para o Ensino e a Aprendizagem no Ensino Superior
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Este artigo é fruto de uma pesquisa realizada numa Instituição de Ensino Superior que vive
um processo de inovação curricular e metodológica, implantando cursos que, embora sejam
legalmente educação a distância, ocorrem num regime semipresencial. Estes cursos são o que
podemos chamar de “Blended Learning”, conciliando elementos das modalidades presencial e
a distância num único curso. A metodologia de trabalho em tais cursos segue a lógica da sala
de aula invertida (flipped classroom), o que exige uma postura de professor e de aluno
bastante diferenciada daquela que tradicionalmente se vê. Ao invés de ser o responsável pela
transmissão do conhecimento, o professor atua como catalizador, mediador, orientador de
estudos. Cabe-lhe propiciar, por meio de estratégias que priorizem a aplicação, a relação
teórico-prática dos conteúdos. Os conceitos são disponibilizados aos alunos por meio dos
vários recursos tecnológicos presentes no ambiente virtual de aprendizagem. O aluno, por sua
vez, precisa ter maior autonomia intelectual, assumindo de maneira bastante efetiva o papel de
sujeito desua própria aprendizagem. A pesquisa se configurou como um estudo de caso e
objetivou delinear as percepções dos docentes envolvidos na implantação dos referidos
cursos, apontando alguns limites e possibilidades deste processo segundo a ótica destes
interlocutores. A coleta de dados se deu por meio de questionários, entrevistas
semiestruturadas e estudo de documentos da instituição relativos aos cursos semipresenciais.
Foram coletadas as impressões dos docentes em relação aos limites e possibilidades em
relação a três pontos: dinâmica de implantação dos cursos, papel do professor e papel do
aluno. Evidenciaram-se nas percepções dos sujeitos de pesquisa, a importância da discussão
prévia das propostas de inovação com os docentes, a compreensão da lógica e da
fundamentação teórica da mesma, a necessidade do estabelecimento de processos de reflexão
conjunta e formação continuada para que ações inovadoras como esta se mantenham e
avancem.
1 Doutora em Educação: Trabalho, Tecnologia e Educação pela UFPR. Professora de Ensino Superior III do
Centro Universitário Internacional – Uninter, instituição na qual atua também como coordenadora pedagógica da
graduação. E-mail: [email protected]
32714
Palavras-chave: Inovação no ensino superior. Blended learning. Sala de aula invertida.
Formação de docentes.
Introdução
Vários estudos2 têm apontado tendências de mudanças na organização do ensino
superior em nosso país, com o objetivo de se adequar melhor às demandas formativas de
públicos cada vez mais diversos. Em todos estes estudos, a utilização massiva das TICs
(Tecnologias de Informação e Comunicação), a constituição de redes de estudo e de pesquisa,
bem como a superação das barreiras formais entre o ensino presencial e a Educação a
Distância, são citados.
Estes mesmos estudos indicam que, embora as condições tecnológicas para uma nova
forma de organização do ensino superior já estejam dadas, é preciso vencer o paradigma que
ainda concebe este nível de ensino como “local sagrado”, onde o saber é transmitido pelos
“doutos” aos “incultos”. Urge pensar e estruturar novas formas de organizar o currículo e a
metodologia de ensino nos cursos superiores.
Ressaltamos, porém, que se o processo de repensar o papel do ensino superior e as
possibilidades de transformar sua estrutura e funcionamento não atingir os professores, não
alcançará êxito. Um processo restrito a gabinetes ou aos gestores não basta, embora ele possa
ser o desencadeador da mudança. Isso porque é o professor que vai operacionalizar a proposta
e a adesão a ela implica em compreensão de seus princípios. Importa ter claro também que
muitas vezes é preciso iniciar as mudanças mesmo que nem todas as condições estejam dadas
e, no caminhar, construir o caminho.
Partindo desse pano de fundo, este texto objetiva apresentar os resultados de um
estudo de caso realizado numa IES privada, que propôs, a partir de 2012, a criação de cursos
superiores de tecnologia “semipresenciais”3 utilizando a sala de aula invertida como lógica
de organização do trabalho pedagógico.
2 Sobre estes estudos acesse os seguintes sites
http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/6-tendencias-da-educacao-superior-para-os-proximos-15-anos
http://porvir.org/porpensar/relatorio-aponta-tendencias-para-ensino-superior/20140131
http://www.desafiosdaeducacao.com.br/dez-principais-tendencias-ensino-superior-latino-americano/
http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,tecnologias-tendencias-e-desafios-no-ensino-superior-ate-
2018,1026859
3 A rigor os cursos semipresenciais são Educação a Distância, mas esta denominação foi utilizada pela IES
pesquisada com o objetivo de diferenciá-los dos cursos EAD e dos cursos presenciais, também oferecidos por
ela.
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O objetivo do estudo ora apresentado foi delinear as percepções dos docentes
envolvidos na implantação de cursos semipresenciais na lógica da sala de aula invertida, num
momento em que as primeiras turmas concluíam seus cursos.
A questão norteadora da pesquisa pode ser assim formulada: quais os limites e
possibilidades da implantação de cursos semipresenciais na lógica da sala de aula invertida
segundo a percepção dos docentes envolvidos?
A coleta de dados se deu por meio de entrevistas semiestruturadas com o coordenador
geral dos cursos semipresenciais da IES, além de aplicação de questionário e posteriores
entrevistas semiestruturadas aos professores que atuam nos referidos cursos.
Para que o leitor possa compreender as percepções dos entrevistados, o texto foi
organizado de modo a apresentar, inicialmente, um breve referencial teórico sobre sala de aula
invertida, já que os cursos foram organizados segundo esta metodologia. A seguir, será
relatado o processo de implantação dos cursos na IES pesquisada e, finalmente, as percepções
dos professores acerca deste processo.
Sala de aula invertida: conceito basilar dos cursos semipresenciais da IES pesquisada
Para Schneider et al. (2013, p. 71) o termo sala de aula invertida é, na verdade, uma
livre tradução de flipped classroom, metodologia que
surgiu em escolas do ensino médio americano, quando os professores Jonathan
Bergman e Aaron Sams precisaram lançar mão de estratégias diferenciadas para
atender alunos que precisavam se ausentar por longo tempo das aulas regulares para
jogos (muitos deles eram atletas).
Ainda segundo estes autores, os professores Bergman e Sams passaram a gravar suas
aulas e disponibilizá-las para que os alunos ausentes pudessem acompanhar a turma regular,
mesmo estando em viagem. Estes estudantes foram orientados a assistirem aos vídeos
gravados pelos professores, e, no regresso, trazer suas dúvidas e contribuições, para
momentos de discussão e aplicação dos conceitos na sala de aula. Daí o sentido da inversão:
ao invés de aulas nas quais o foco é a transmissão do conhecimento pelo professor, elas se
tornaram momentos de debate, discussão, aplicação dos conceitos estudados de maneira
autônoma.
Com o sucesso desta primeira experiência, Bergman e Sams, resolveram ampliar esta
forma de organizar o processo ensino-aprendizagem, disponibilizando-a a todos os alunos,
invertendo a lógica das aulas:
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os alunos, por conta própria, nos locais e horários em que eles mesmos decidirem,
assistem aos vídeos, que tem o papel de levar o conteúdo teórico das disciplinas,
apresentado conceitos, autores e diferentes proposições a respeito do tema de estudo.
A partir daí e com o estudo de vários materiais de apoio os alunos se reúnem com os
professores não mais para a aula expositiva, mas sim para a aplicação do conteúdo
explorado nos vídeos e estudado previamente. (SCHNEIDER et. al. 2013, p.72)
Bergman e Sams (2012) se apoiam em Bloom4 e sua Taxionomia de Objetivos
Educacionais para justificar sua proposta. A Taxionomia original foi revista várias vezes,
sendo ampliada e/ou sofrendo pequenas alterações por autores que participaram do grupo
inicial, liderado por Bloom. De todo modo, para este grupo de autores, a educação deve ser
planejada e avaliada a partir do estabelecimento de objetivos educacionais e estes se dividem
em três domínios: cognitivo, afetivo e psicomotor. O domínio cognitivo se refere à
capacidade intelectual; o afetivo a sentimentos, emoções e comportamentos; o psicomotor a
habilidades manuais, ao “fazer”. Estes três domínios foram descritos de maneira separada
com a intenção de salientar o papel e as características de cada um, mas eles se inter-
relacionam e se completam na formação dos sujeitos.
Bloom et al. (1972) descreveram para cada uma das três dimensões, níveis crescentes
de comportamento. No caso do domínio cognitivo, a categoria mais simples é conhecimento,
relativa aos comportamentos de relembrar ou reconhecer informações. A segunda categoria,
compreensão, se refere a entender o significado, interpretar. Já a terceira, aplicação, como o
próprio nome diz, se refere a usar o conhecimento em resposta a circunstâncias reais. A quarta
categoria é análise e objetiva a interpretação dos elementos, dos princípios aprendidos,
necessária para que se dê o próximo passo: a síntese. Esta categoria se refere ao pensamento
criativo, ao desenvolvimento de novos modelos e estruturas. A última categoria, avaliação
busca a análise de resultados, a revisão, o julgamento baseado em critérios externos.
Também no domínio afetivo são elencadas 5 categorias em nível crescente de
exigência: recepção, resposta, valorização, organização ou conceituação de valores,
interiorização de valores. Finalmente, no domínio psicomotor, as categorias são: imitação,
manipulação, precisão, articulação e naturalização5.
Bergman e Sams (2012), tomando a Taxionomia de Bloom, consideram que as ações
de pensamento consideradas mais básicas, tais como recordar e compreender, necessárias à
aquisição do conhecimento, são realizadas individualmente pelo aluno, a partir de materiais
4 Benjamin Bloom liderou, na década de 1950, um grupo de pesquisadores ligados à Associação Norte
Americana de Psicologia com o objetivo de discutir, definir e criar uma taxonomia dos objetivos de processos
educacionais. 5 Para saber mais sobre estas categorias, consulte BLOOM, B. S. et al. Taxonomy of educational objectives. New
York: David Mckay, 1956. 262 p. (v. 1)
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disponibilizados para este fim, geralmente utilizando a mediação das Tecnologias de
Informação e Comunicação (TICs). As ações intermediárias, como analisar, aplicar, passam a
ocorrer por meio da interação do aluno com colegas, professores e o próprio ambiente virtual.
Já as ações de pensamento mais elaboradas, como por exemplo avaliar e criar, deverão
realizadas coletivamente, em momentos presenciais, nos quais se valorize a resolução de
problemas e o relacionamento interpessoal.
A proposta de estruturação dos cursos na IES pesquisada
A proposta da sala de aula invertida, embora tenha surgido no ensino presencial,
oferece para a EAD, a possibilidade de romper com a transposição da proposta “tradicional”
de ensino – também advinda do ensino presencial. Em muitos casos, apesar da multiplicidade
de recursos que tem à sua disposição, a EAD se estrutura como mera transmissão de conceitos
pelo professor, esperando do aluno a postura de receptor de informações prontas e acabadas a
serem posteriormente avaliadas desta mesma forma: reprodução do que foi estudado de
maneira acrítica.
A lógica sala de aula invertida possibilita a organização das sequências de atividades
de maneira mais adequada às necessidades do aluno, conciliando momentos de auto estudo –
autônomo, respeitando o ritmo individual – com momentos de interação presencial. Segundo
o Coordenador Geral dos Cursos Semipresenciais da IES, dentre os alunos da EAD há uma
parcela que se ressente da falta de contato mais próximo com os colegas e com os professores.
Por outro lado, nos cursos presenciais há quem não se adapte à EAD nos moldes até então
oferecidos pela IES, mas, por outro lado, tem dificuldades para estar presente 5 dias por
semana no campus.
Com base nestes dados – levantados pela CPA (Comissão Própria de Avaliação) junto
aos alunos –, a equipe que ficou à frente da elaboração da proposta dos cursos
semipresenciais,
buscou construir um currículo misto, que concilie as positividades do ensino
presencial e da EAD, assim como refletir criticamente sobre os elementos a serem
mantidos e aqueles que precisam ser aprimorados , já que é, para nós, um novo
jeito de fazer, diferente de tudo o que fazíamos até aqui. (Coordenador Geral dos
cursos semipresenciais)
A proposta de IES vai em direção do que Bartolomé Pina (2011), Hinojo-Lucena,
Aznar-Diaz e Cáceres-Reche (2009) intitulam “blendedlearning”, expressão que ainda não
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tem tradução exata em português, mas significa a união, a mistura de elementos das
modalidades presencial e a distância num único curso.
A decisão de ofertar este tipo de curso partiu da Reitoria e o primeiro passo foi a
constituição de uma equipe composta pelo atual Coordenador Geral dos Cursos
Semipresenciais (então coordenador de graduação presencial), duas Coordenadoras de cursos
que passariam a funcionar segundo esta metodologia e Coordenadora Pedagógica da IES, com
a tarefa de estruturar a proposta.
As principais premissas da proposta, são as seguintes:
Os cursos funcionam em sistema modular, sendo que cada módulo tem quatro
disciplinas, mas sua oferta se dá por fases. Na primeira fase, são oferecidas duas disciplinas e
na segunda, mais duas, de modo a favorecer a organização do aluno na atividade de auto
estudo.
a) O conteúdo conceitual das disciplinas é disponibilizado ao alunos por meio do
Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) utilizando linguagens diversas: vídeo,
imagem, som, aulas gravadas, textos, jogos, etc. O aluno realiza o auto estudo no
local e horário que melhor lhe aprouver. Precisa, no entanto, dar conta de estudar
os temas definidos em calendário, para que possa contribuir efetivamente para as
atividades realizadas presencialmente.
b) Ocorrem dois encontros presenciais (de duas horas cada um) durante a semana.
No primeiro encontro o foco é o aprofundamento e a aplicação dos conceitos
disciplinares, utilizando, principalmente, o Estudo de Casos como estratégia. No
segundo, as atividades são interdisciplinares e tem como foco a criação de ideias
de negócios utilizando o BMG Canvas6.
c) O papel do professor muda completamente nesta organização, cabendo-lhe o
papel de articulador, orientador de estudos, catalizador das discussões, mas não o
de transmissão de conhecimento, o que é feito pelo material de estudo.
d) Sempre que possível as atividades realizadas no segundo encontro presencial
(interdisciplinar) deverão ocorrer em equipes de trabalho, de modo a desenvolver
habilidades e competências interpessoais, tais como argumentação e negociação.
6 Para uma primeira visão sobre o BMG Canvas sugerimos a leitura da seguinte obra: OSTERWALDER,
Alexander; PIGNEUR, Yves. Business Model Generation: inovação em modelos de negócios: um manual para
visionários, inovadores e revolucionários. Rio de Janeiro: Alta Books, 2012.
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e) Haverá avaliações processuais e somativas, intercalando atividades realizadas no
AVA, provas objetivas e discursivas, e com ênfase nos resultados da atividade
prática presencial (interdisciplinar).
Limites e possibilidades da implantação dos cursos semipresenciais segundo os docentes
envolvidos
No segundo semestre de 2014, período em que as primeiras turmas semipresenciais
adentravam ao último semestre de seus cursos, buscou-se ouvir as impressões dos docentes
em relação à proposta e à sua implantação. Para isso foi aplicado um questionário, respondido
por todos os 12 professores envolvidos no projeto e, posteriormente, entrevistas
semiestruturadas com os mesmos docentes.
Para melhor compreensão das percepções dos docentes organizaremos suas
contribuições sempre apontando as dificuldades relatadas e os avanços percebidos, segundo
os seguintes temas: implantação da proposta, papel do professor, papel do aluno.
Implantação da proposta
Os sujeitos da pesquisa consideram que a implantação dos cursos ocorreu de maneira
um tanto precipitada, sem tempo para estudos mais aprofundados do referencial teórico que a
embasa. Afirmam que a compreensão da proposta foi se dando apenas na medida em que
foram vivenciando o trabalho com as turmas, sentindo as dificuldades e buscando formas de
resolvê-las. Todos os professores afirmam que foram informados de qual é a proposta destes
cursos quando foram convidados a atuar neles, mas que não participaram da formulação
inicial do projeto.
O professor 3 relata:
No final de 2012 o coordenador me chamou e disse: ano que vem você vai trabalhar
no semipresencial. É diferente, mas é legal! Chamei você porque confio no teu
trabalho e sei que você gosta de projetos novos, inovadores. Eu me animei, mas na
verdade não tinha a mínima noção de como ia ser. Acho que nem a faculdade tinha
tudo decidido, por que algumas coisas foram mudando no decorrer desses anos. Ele
me deu uma explicação inicial e fomos tentando fazer, aprendendo... acho que a
primeira turma foi um pouco cobaia, a gente foi melhorando com o retorno que eles
davam.
A professora 6 resume esta percepção desta forma:
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A maior dificuldade foi em relação a modalidade ser nova e o curso estar iniciando,
a cada aula era algo novo para nós e para os alunos, e que estávamos aplicando
algo sem saber seguramente o resultado, pois era totalmente novo!
Quando indagada sobre a validade da proposta, a mesma docente diz:
hoje já estou mais firme, mais segura, já se situei, mas no começo não foi fácil. Hoje
acredito que o semipresencial é o futuro, gosto de trabalhar no semi, acho que
empurra o aluno a ser mais ativo e com isso ele aprende melhor. Mas fui
aprendendo na prática, no começo não tinha tanta certeza...
Todos relatam que a compreensão da lógica da sala de aula invertida não é difícil, mas
sua real efetivação não é assim tão simples. A principal razão apontada para isso é a mudança
do papel do professor e do aluno, que serão abordados na sequência.
Embora considerem simples a compreensão do conceito de sala de aula invertida,
apenas dois professores já tinham ouvido falar sobre ela antes de serem convidados a atuar
nestes cursos, e, segundo eles, sem aprofundamento. A estruturação dos momentos
presenciais, que tem por referência o Problem Based Learning7 (Aprendizagem Baseada em
Problemas), também foi citada como novidade pouco conhecida, já que apenas 4 docentes
afirmaram ter tido algumas leitura prévia sobre o tema.
O Coordenador Geral dos Cursos Semipresenciais corrobora a percepção dos docentes
no que se refere à necessidade de aprofundar teoricamente a compreensão da proposta com os
docentes. Segundo ele, como os cursos são da área de gestão, a maioria dos professores tem
pouco interesse e mesmo acesso a informações da área pedagógica, cabendo à IES oferecer
momentos de formação continuada com este objetivo. Diz ele:
Realmente, a implantação foi meio corrida, mas a gente tem que começar, senão
não sai nunca. E na medida em que as coisas acontecem a gente vai mudando,
melhorando, ajeitando...Todos os professores receberam explicações de como
funcionam os cursos, mas poucos foram atrás de mais informações. Eles se baseiam
principalmente no que eu explico, no que eles vivenciam e no que trocam com os
colegas. Uma dificuldade é, por exemplo, elaborar bons estudos de caso para os
alunos resolverem na atividade presencial: a maioria se bate! Neste segundo
semestre vamos ter uma capacitação, vai durar o semestre inteiro, uma vez por
semana...
O relato do coordenador se refere a melhorias, mudanças que se tornam necessárias à
medida que os cursos avançam, o que também foi percebido pelos docentes. Há várias
referências às mudanças realizadas, tais como a eliminação da obrigatoriedade de presença no
7 Sobre o Problem Based Learning (PBL), sugerimos a leitura de: RIBEIRO, L. A aprendizagem baseada em
problemas (PBL): uma implementação na educação em engenharia na voz dos autores. Tese de doutorado.
UFSCAR, 2005, disponível em http://www.bdtd.ufscar.br/htdocs/tedeSimplificado/tde_arquivos/8/TDE-2005-
05-16T12:29:32Z-668/Publico/TeseLRCR.pdf
32721
campus para assistir às tele aulas (a pedido dos alunos) e substituição deste momento por
outro: ampliação do conhecimento.
Outra categoria de análise no que se refere à implantação da proposta diz respeito à
sua operacionalização prática. Do total de 12 professores entrevistados, 5 se referem a
dificuldades relativas à logística de funcionamento dos cursos: acesso aos recursos
disponíveis no AVA8, dificuldades para contatar com o professor que gravou as tele aulas e
trocar ideias com ele, desconhecimento da estrutura de apoio ao aluno oferecida pela EAD,
acostumar-se com a estrutura mais rígida da EAD, etc.
Pode parecer estranho ao leitor que os docentes manifestem este tipo de dificuldades.
Acontece que, por decisão da Reitoria, os professores envolvidos no semipresencial são todos
oriundos da graduação presencial, embora vários atuem também na EAD, mas como
professores conteudistas9.
Segundo o Coordenador Geral do Cursos Semipresenciais esta foi uma opção
estratégica da IES, buscando aproximar as duas modalidades – EAD e presencial – partindo
do presencial, e com a intenção de favorecer que os cursos presencias, indiretamente, por
meio da influência destes professores, passem a se beneficiar mais das várias possibilidades
oferecidas pela EAD da IES e que estão à disposição. Vale ressaltar que na IES pesquisada a
EAD e o ensino presencial funcionam em espaços físicos e sob gestões diferentes e para a
Reitora os cursos semipresenciais são uma estratégia privilegiada para promover maior
aproximação entre estas modalidades.
Papel do professor
O papel do professor é diferente nos cursos semipresenciais se comparados com o
presencial. Como a etapa de transmissão de conceitos se dá por meio dos materiais
instrucionais, cabe-lhe mediar os encontros presenciais, agindo como organizador e orientador
dos trabalhos realizados, que têm caráter interdisciplinar. São outras, portanto, as habilidades
que dele se espera, num perfil mais generalista, de aprendizagem constante, com habilidade
para gerenciar grupos e os conflitos que porventura neles surjam.
Compreender e adaptar-se a esta forma de agir foi um ponto bastante citado pelos
docentes como sendo, ao mesmo tempo, um dificultador e um avanço.
8 Ambiente Virtual de Aprendizagem 9 O professor conteudista, na estrutura de EAD da instituição pesquisada é o que produz o material e/ou as aulas,
mas não necessariamente conhecem toda a estrutura de apoio existente à disposição do aluno.
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É considerado dificultador porque tanto eles quanto os alunos estavam acostumados ao
papel tradicional do docente como alguém que transmite o conteúdo, determina todas as
atividades a serem realizadas pelos alunos, avalia os progressos da turma. Este paradigma
precisou ser vencido pelos docentes e também trabalhado exaustivamente com os alunos.
Outro ponto apontado como dificultador foi a percepção que para mediar as atividades
coletivas é preciso um conhecimento mais amplo do conteúdo do curso, superando as
barreiras da disciplinaridade e os docentes consideram que sua formação inicial nem sempre
os preparou para isso. O relato do professor 3 é exemplar nesse sentido: “acho legal esse
negócio de orientar a relação entre teoria e prática, mas para isso, preciso saber muito mais.
Se eu não trabalhasse na área de gestão, só com o que aprendi na graduação ou no mestrado,
eu estaria perdido”.
Por outro lado, é apontado como avanço porque estes professores sentem maior
efetividade no trabalho realizado desta forma. A professora 9 nos conta que nesta
metodologia o professor é
orientador de atividades, esclarecedor de dúvidas e dificuldades. Voltado para
formação acadêmica dos alunos, mas também procurando relacionar o campo do
conhecimento com a atividade prática. Com isso ele se aproxima mais do aluno,
conversa, interfere na relação teoria-prática, que era algo que me faltava quando
eu trabalhava só no presencial.
Nesta mesma direção, o professor 10 relata: “provoco reflexões em relação aos temas
trabalhados nas disciplinas das tele aulas. Isso é bem legal, mas tenho que ler todos os livros,
assistir às aulas, então nosso trabalho não é só aqui, nos encontros presenciais...”
Evidencia-se nas contribuições destes professores que o fato de estarem sendo
instigados a atuar numa metodologia até então desconhecida, que altere a já tradicional
relação aluno-professor-conhecimento, vem contribuindo para sua formação profissional em
serviço e para a ampliação das estratégias de trabalho coletivo. Há vários relatos ao apoio
oferecido pela coordenação de curso e pelos professores com mais experiência na
metodologia como peças-chave para os que iniciam as atividades.
É importante relatar ainda que 60% dos professores se referem positivamente à
atividade “ampliação do conhecimento”, momento em que, a partir do auto estudo dos alunos,
é promovida a sistematização do conteúdo de maneira presencial. Segundo os entrevistados,
como o aluno com o qual lidam tem limites no que se refere às habilidades de leitura e
interpretação, assim como lhe faltam conceitos básicos para compreensão do conteúdo, este
momento é peça-chave para o sucesso da proposta.
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Papel do aluno:
Assim como o professor, o aluno precisa ter outra postura num curso semipresencial.
Autodisciplina, organização, curiosidade, autonomia intelectual, além de domínio da leitura,
interpretação, escrita e da matemática básica são elementos imprescindíveis, mas nem sempre
presentes no alunado.
A totalidade dos entrevistados se refere ao papel autônomo do aluno, mas também
percebem que entre os ingressantes não é este o perfil encontrado. O professor 7 considera
que
é preciso esclarecer o papel do aluno frente ao curso semipresencial, suas
responsabilidades, direitos e deveres. O fato de não comparecer todos os dias da
semana na Instituição de Ensino, não significa que não tenha aula e compromissos
acadêmicos a cumprir. Alguns ainda não tem isso claro, acham que é um curso
facilitado, o que não é verdade e eles caem do cavalo!
O professor 3 amplia esta reflexão afirmando que
os calouros ainda esperam realizar todas as atividades com ajuda do professor.
Têm dificuldade para realizar as atividades propostas no AVA, pois acabam não
explorando esta ferramenta. Muitos acham que o tempo que passam nos encontros
presenciais é o suficiente para que ocorra a aprendizagem. Mas, basta passar o
primeiro módulo e eles percebem que não funciona assim. Quem não estuda, quem
não se dedica, não aguenta o tranco e acaba desistindo.
Apesar das dificuldades relatadas em relação à falta de autonomia por parte dos
alunos, 70% dos docentes considera que a metodologia dos cursos semipresenciais incentiva e
mesmo força a construção desta autonomia. O relato da professora 6 exemplifica bem isso:
Quando o semi está bem estruturado, quando os estudos de caso são bem
planejados, acaba forçando o aluno a estudar em casa, senão ele não consegue
fazer as atividades presenciais. E como elas são em grupo, nem precisa a gente
reclamar, cobrar. O próprio grupo cobra do colega que não estudou, porque ele
não vai poder contribuir. E como cada atividade vale nota, eles não querem saber
de carregar nas costas. Isso é muito legal, livra o professor do peso de ficar
pegando no pé do aluno que não faz as coisas.
A Atividade Presencial Prática, ao propiciar maior relação teórico-prática e, portanto,
permitir uma aprendizagem mais significativa, também é apontada como elemento
favorecedor da autonomia do aluno. Ao perceber claramente esta relação o aluno tende a se
sentir mais sujeito do seu próprio aprender, o que causa uma motivação extra para o estudo
individualizado.
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Considerações Finais
O estudo que originou este texto teve por objetivo analisar os limites e as
possibilidades da implantação de cursos semipresenciais na IES pesquisada utilizando a
metodologia da sala de aula invertida, segundo o olhar dos docentes envolvidos. Trata-se de
um estudo de caso e, por isso mesmo, as conclusões apresentadas têm a característica de não
poderem ser generalizadas, mas sim, de apontar tendências. Em outras instituições de ensino,
com processos de implantação diferentes, possivelmente as percepções dos docentes se
diferenciem do que pudemos trazer à baila. De todo modo, há alguns pontos que merecem
atenção, até mesmo no sentido de facilitar processos semelhantes em outros espaços.
Inicialmente, em relação à implantação da proposta, evidencia-se a importância da
apresentação e discussão prévia da mesma com os docentes como estratégia favorecedora do
sucesso. A fundamentação teórica acerca dos pressupostos da proposta e sua
operacionalização favoreceriam uma ação docente mais segura e dirigida ao objetivo da IES,
evitando ou minimizando alguns problemas na implantação da proposta.
Por outro lado, a falta de conhecimento sobre sala de aula invertida, relatada pelos
docentes trouxe, neste grupo específico, um movimento muito rico de construção coletiva.
Compreender e adaptar-se a esta forma de agir foi um ponto bastante citado pelos docentes
como sendo, ao mesmo tempo, um dificultador e um avanço e, ante aos desafios do dia-a-dia,
de maneira informal, foi se criando uma rede entre os professores, que se apoiavam uns nos
outros para realizarem seu trabalho. Evidencia-se o papel do docente como profissional que
busca soluções para os problemas enfrentados no dia-a-dia, iniciando ou fortalecendo, por
conta do desconhecido e dos desafios que ele traz, uma ação mais coletiva. É interessante
observar, no entanto, que nenhum entrevistado se referiu a busca de apoio teórico, que poderia
ser de grande valia para a compreensão da prática e para a solução dos impasses vivenciados.
Fica claro também que esta metodologia implica em um conhecimento mais amplo do
docente em relação à área de atuação do curso, não bastando o domínio de uma disciplina
especifica. A relação todo-partes e partes-todo é central para que o professor possa
encaminhar as atividades presenciais, principalmente a interdisciplinar.
Os pontos acima abordados nos indicam que a formação continuada para os docentes
poderia ser uma estratégia privilegiada, principalmente se levarmos em conta que novos
profissionais se somarão ao grupo aqui pesquisado à medida que mais cursos passem a
funcionar desta forma. Vale ressaltar que a formação continuada precisa ser um processo na e
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para a instituição, tomando a vivência como ponto de partida, trazendo as situações relatadas
para uma discussão coletiva, para a qual se faz necessário tomar como base um referencial
teórico. No caso da IES pesquisada, estudos sobre Blended learning, sala de aula invertida,
Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL) seriam de grande valia.
Como todos os professores envolvidos na implantação do projeto são docentes
também da graduação presencial é possível inferir que as vivências e aprendizagens pelas
quais passaram tendem a ser expandidas para esta modalidade, o que pode significar um
avanço na superação do modelo de “aula magistral” que ainda tem força no ensino superior.
Neste mesmo sentido, o relato dos docentes afirmando que a metodologia dos cursos
semipresenciais incentiva e mesmo força a construção da autonomia do estudante demonstra
que é possível construir outro tipo de relação do estudante com sua própria aprendizagem,
menos dependente do docente. Vale ressaltar ainda, a importância de momentos como o de
ampliação do conhecimento para o desenvolvimento desta autonomia, dado ao histórico de
dificuldades dos alunos na leitura e na interpretação, elementos essenciais para o auto estudo.
Finalmente, salientamos a clareza do grupo participante no que se refere ao fato de que
mudanças e ajustes precisarão ser feitos em relação ao projeto inicial, tomando a avaliação do
processo de implantação como referência. Qualquer projeto pedagógico é uma carta de
intenções que pode e deve ser revista e adequada aos objetivos traçados à medida em que a
realidade concreta indica a necessidade.
Encerramos a reflexão enfatizando, mais uma vez, a necessidade de manter encontros
de discussão da proposta e sua implementação, bem como de formação dos docentes para que
a proposta realmente se fortaleça e avance.
REFERÊNCIAS
Bartolomé PINA, Antonio-Ramon (2004). Blended Learning. Conceptos básicos. Pixel-Bit.
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