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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIRO1. As alterações trazidas pela Lei 12.683/2012.
Grosso modo, três foram as principais mudanças trazidas pela lei 12.683/12:
a) Supressão do rol taxativo de crimes antecedentes;
b) Alterou o caput do art. 1.º, que passou a prever que a lavagem de capitais se
caracteriza quando houver ocultação ou dissimulação de bens, direitos ou
valores, provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal, incluindo,
portanto, também as contravenções penais;
c) Fortalecimento do controle administrativo sobre setores sensíveis à
reciclagem de capitais;
d) Amplicação das medidas cautelares patrimoniais; e
e) Regulamentação expressa da alienação antecipada.
2. A expressão “LAVAGEM DE DINHEIRO”.
Surgiu em 1920 quando lavanderias na cidade de Chicago teriam sido utilizadas
por gangsters para despistar a origem ilícita do dinheiro.
A metáfora simboliza na verdade a necessidade de o dinheiro sujo, cuja origem
corresponde ao produto de determinada infração penal, ser lavado por várias formas na ordem
econômica-financeira com o objetivo de conferir a ele uma aparência lícita (limpa), sem deixar
rastro de sua origem espúria.
3. Conceito de LAVAGEM DE CAPITAIS.
Em síntese é o ato ou o conjunto de atos praticados por determinado agente
com o objetivo de conferir aparência lícita a bens, direitos ou valores provenientes de uma
infração penal. Não se exige, para a caracterização do crime, um vulto assustador de quantias
envolvidas, nem tampouco grande complexidade das operações transnacionais para reintegrar
o produto delituoso na circulação econômica legal, do mesmo ou de outro país.
4. Gerações de leis da Lavagem de Capitais.
Referem-se as ampliações que as legislações foram tendo pelo mundo, coibindo,
p. ex. primeiro a lavagem de capitais oriunda do tráfico ilícito de entorpecentes (primeira
geração). Posteriormente, foram sendo ampliados o rol dos crimes antecedentes e com isso
acrescentando-se “gerações”.
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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROA crítica que se põe quanto ás alterações trazidas pela lei de 2012 é que o rol
ficou aberto, permitindo, por exemplo, que uma infração de menor potencial ofensivo, cujas
penas são menos severas exatamente em virtude de sua menor lesividade, possa vir a
funcionar como antecedente da lavagem de capitais, o que claramente vem de encontro com o
princípio da proporcionalidade, já que haverá a aplicação de uma pena muito mais severa pela
lavagem – reclusão, de 3 a 10 anos, e multa – do que aquela prevista para o próprio delito-base
que se pretende coibir.
5. Bem jurídico tutelado.
Há quatro correntes doutrinárias acerca do bem jurídico tutelado pela lavagem
de capitais:
a) O mesmo bem jurídico tutelado pela infração penal antecedente:
É a corrente minoritária e decorre das legislações da primeira geração. Se a
lavagem de capitais tivesse como bem jurídico tutelado o mesmo bem jurídico da infração
antecedente, haveria bis in idem, pois, por exemplo, ao se punir o tráfico, já que combate a afronta
à saúde pública e ao se punir também a lavagem decorrente do tráfico, se estaria novamente
punindo pela afronta ao mesmo bem. Haveria ainda o princípio da consunção, que inviabilizaria a
punição da autolavagem, que ocorre quando o autor da lavagem também é o responsável pela
infração antecedente, porquanto, para ele, das duas uma, ou a lavagem seria mero exaurimento da
infração antecedente, ou esta seria absorvida pela lavagem em virtude da progressão criminosa.
b) Administração da Justiça:
Nos moldes do favorecimento real, previsto no art. 349 do CP, a prática de
lavagem de capitais torna difícil a recuperação do produto direto ou indireto da infração
antecedente, dificultando a ação da Justiça. Conclui-se, portanto, que o bem jurídico tutelado é a
administração da Justiça.
c) Ordem econômico-financeira:
De acordo com a doutrina majoritária, funciona a lavagem como obstáculo
à atração de capital estrangeiro, afetando o equilíbrio do mercado, a livre concorrência, as relações
de consumo, a transparência, o acúmulo e o reinvestimento de capital sem lastro em atividades
produtivas ou financeiras lícitas, turbando o funcionamento da economia formal e o equilíbrio
entre seus operadores. Representa, enfim, um elemento de desestabilização econômica. Trata-se,
portanto, de crime contra a ordem econômico-financeira.
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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROd) Pluriofensividade:
Há uma quarta corrente que entende que a lavagem de dinheiro ofende
mais de um bem jurídico. Porém, os defensores desta tese não chegam a um acordo a quais bens
seriam afrontados.
6. Da acessoriedade da lavagem de capitais.
O processo e julgamento dos crimes de lavagem de capitais independe do
processo e julgamento das infrações penais antecedentes (art. 2.º, II, da Lei 9.613/98). O crime
antecedente pode até mesmo ter ocorrido em outro país.
O crime antecedente e o de lavagem de capitais são relativamente
independentes. Isto quer dizer que não precisam ser julgados em um mesmo processo, mas que
também não estão completamente desligados um do outro. Isto porque, a tipificação do crime
parasitário, sucedâneo ou conseqüencial de lavagem de capitais está atrelada á prática de uma
infração penal antecedente que produza dinheiro, bem ou valor que seja objeto de ocultação ou
lavagem.
A expressão “infração penal” chega a ser uma elementar do crime previsto no
art. 1.º da Lei 9.613/98. Portanto, a ausência de infração penal antecedente, afasta a ocorrência do
crime de lavagem de capitais.
Apesar desta acessoriedade, a condenação pelo crime anterior é desnecessária
e o acusado de lavagem de capitais pode nem mesmo ter participado do crime antecedente. Na
verdade, a comprovação da ocorrência da infração antecedente afigura-se como uma questão
prejudicial homogênea do próprio mérito da ação penal relativa ao crime de lavagem. O juiz
precisa, na sentença, demonstrar estar convencido da existência do delito-base.
Assim, para fins de tipificação da lavagem de capitais, o fato anterior deve ser
típico e ilícito, não havendo necessidade de comprovação de elementos referentes à autoria, à
culpabilidade ou à punibilidade da infração antecedente. Neste sentido o § 1.º do Art. 2.º da Lei: “ a
denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo
puníveis os fatos previstos nesta lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a
punibilidade da infração penal antecedente” .
O fundamento de uma absolvição referente ao crime antecedente pode ou não
excluir o crime de lavagem de capitais, pois este depende, repita-se, que o crime antecedente seja
típico e ilícito. Assim, uma absolvição calcada na inexistência do fato (art. 386, I, CPP), não houver
prova da existência do fato (art. 386, II, CPP), não constituir o fato infração penal (art. 386, III, CPP),
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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROou quando existirem circunstâncias que excluam o crime ou mesmo se houver fundada dúvida
sobre a existência de causas excludentes de ilicitude, acabam por afastar a existência do próprio
crime de lavagem de capitais, pois afastada a tipicidade ou ilicitude do crime antecedente.
Se excludentes de ilicitude tem a força para afastar o crime de lavagem de
capitais, o mesmo não se pode dizer das excludentes de culpabilidade, pois o crime antecedente
não precisa ser culpável, bastando ser típico e ilícito. A título de exemplo, mesmo que o autor da
infração precedente seja absolvido em virtude de coação moral irresistível, circunstância que o
isenta de pena, continua sendo possível a tipificação do crime de lavagem de capitais.
No mesmo sentido, outras causas extintivas da punibilidade, imunidades
parlamentares, prescrição, morte do agente etc, não tem o condão de afastar o crime de lavagem
de capitais.
Quanto à anistia e abolitio criminis, o raciocínio é inverso. Se nova lei torna
atípica a conduta antecedente (antes criminosa), retira o seu caráter ilícito e portanto, afasta o
crime de lavagem de capitais. O mesmo ocorre com a anistia.
Outros incisos do artigo 386 do CPP não permitem excluir o crime de lavagem de
capitais. Assim, os incisos IV, V e VI não afasta o crime de lavagem de capitais, porque não afasta a
ilicitude e a tipicidade da conduta antecedente.
Por fim, no que tange à tentativa, é irrelevante para a configuração da lavagem
que a infração antecedente tenha sido apenas tentada, desde que, nesse processo, tenham sido
produzidos bens aptos a serem lavados. (Ex: homicídio mediante paga que não se consuma). Deve-
se atentar para as contravenções penais, que apesar de poderem ensejar lavagem de capitais, não
podem ser punidas quando na esfera da tentativa.
Quanto aos crimes materiais contra a ordem tributária como infração
antecedente, os Tribunais Superiores vem entendendo que é inviável a persecução penal em
relação a tais delitos enquanto não houver a constituição definitiva do crédito tributário no âmbito
administrativo. O mesmo raciocínio se aplica qunato ao crime de lavagem de capitais.
7. Sujeitos do crime.
É crime comum, não se exigindo qualquer capacidade especial do agente.
Quanto ao sujeito passivo, para aqueles que defendem que o bem jurídico
tutelado é a ordem econômico-financeira, o sujeito passivo é a coletividade. Se adotado o
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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROentendimento de que se trata de crime contra a Administração da Justiça, o sujeito passivo é o
Estado.
7.1. Autolavagem ou selflaundering.
O autor da infração antecedente pode responder também pelo crime posterior
de lavagem de capitais?
A doutrina nacional se divide quanto a esta possibilidade.
Para Delmanto, a punição do autor do crime antecedente pelo delito de
lavagem configuraria bis na in idem, pois a lavagem funcionaria como mero exaurimento do
delito precedente.
Outro argumento no sentido de se afastar a responsabilidade penal do autor da
infração antecedente pelo delito de lavagem de capitais seria o princípio que veda a
autoincriminação previsto no art. 5.º, LXIII, da CF/88. Em outras palavras, não se pode exigir
que o delinqüente se entregue à polícia ou à justiça. Assim, é natural que o agente, visando
fugir das implicações de seu ato criminoso, busque encobrir o mal feito. Não se pode, portanto,
exigir conduta diversa de quem cometeu um delito e pretende sua ocultação mediante o
encobrimento dos bens que daí derivam. Exigir o contrário seria exigir que o delinqüente
deixasse em aberto provas contra si.
Em sentido oposto, os defensores da possibilidade de que o autor do crime
antecedente também pode ser punido pelo crime parasitário, escoram-se, entre outros
argumentos, na ausência de impedimento legal para isso. Ao contrário do que se dá com a
receptação e o favorecimento real, nada impede que o sujeito ativo do crime antecedente
responda também pelo crime de lavagem de capitais.
Afirmam ainda que não se pode aplicar o princípio da consunção, incidente nas
hipóteses de pós fato impunível. A ocultação do produto da infração antecedente pelo autor
configura lesão autônoma, contra sujeito passivo distinto, através de conduta não
compreendida como conseqüência natural e necessária da primeira. Ainda, o bem jurídico
tutelado pela Lei 9.613/98, em regra é distinto do bem jurídico tutelado no crime antecedente.
Assim, não há que se falar em bis in idem.
Se são bens jurídicos diversos, não há como se aplicar o princípio da consunção.
Para isso é preciso que os bens jurídicos tutelados em ambos os delitos coincidam.
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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROÉ preciso atenção, todavia, para a figura típica do art. 1.º, § 1.º, II, da Lei
9.613/98, pois ela traz uma exceção à regra de que a lavagem de capitais pode ser praticada
pelo autor da infração antecedente. O tipo penal traz as modalidades adquirir, receber e
receber em garantia. A doutrina entende que, por uma questão de lógica, o sujeito ativo do
delito será obrigatoriamente pessoa diversa da que praticou a infração antecedente, porquanto
não se pode adquirir o que já é seu e nem receber algo a não ser que essa coisa pertença a
terceiro.
O STF tem precedentes no sentido de que o crime de lavagem de capitais não
funciona como mero exaurimento a infração antecedente.
Responderá em concurso material ou crime formal impróprio, conforme o caso.
Afastando a alegação de ofensa ao princípio nemo tenetur se detegere, é
importante ressaltar que, em virtude do princípio da convivência das liberdades, não se
permite que qualquer das liberdades seja exercida de modo danoso á ordem pública e às
liberdades alheias, do que se infere que o direito à não autoincriminação não pode ser
entendido em sentido absoluto.
7.2. Desnecessidade de participação na infração antecedente.
Desde que tenha conhecimento quanto á origem ilícita dos valores, é
perfeitamente possível que o agente responda pelo crime de lavagem de capitais, mesmo sem
ter concorrido para a prática da infração antecedente.
7.3. Participação por omissão.
O artigo 9.º da Lei 9.613/98 traz uma lista de pessoas físicas e jurídicas que
desempenham uma série de atividades comumente usadas para o branqueamento de valores. Tais
pessoas se obrigam a uma série de atos e controles elencados nos artigos 10 e 11 da mesma lei.
Apesar de haver certa controvérsia na doutrina sobre a possibilidade de um
profissional no exercício de suas atribuições próprias, responder por ter participado de forma
omissiva do crime de lavagem de capitais (não informando as autoridades, p.ex), prevalece o
entendimento de que a Lei 9.613/98 não impõe às pessoas relacionadas no art. 9.º o dever de
abstenção de conduta que possa caracterizar lavagem de capitais. Deve limitar-se a cumprir as
determinações trazidas nos artigos seguintes, mantendo registros e documentos.
8. Tipo objetivo.
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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROArt. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos
ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
I a VII (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 1o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de
infração penal: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
I - os converte em ativos lícitos;
II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;
III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.
§ 2o Incorre, ainda, na mesma pena quem: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal; (Redação dada
pela Lei nº 12.683, de 2012)
II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é
dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.
Ocultar expressa o ato de esconder a coisa, subtrair da vista. É atividade com
que se procura impedir ou dificultar o encontro de algo. Consuma-se com o simples encobrimento
da coisa através de qualquer meio, desde que o agente o faça com a intenção de, no futuro,
converter o bem em ativo lícito. Pode ocorrer de forma omissiva e comissiva.
Dissimular significa encobrir, disfarçar, tornar invisível ou pouco perceptível. A
dissimulação funcionada como uma segunda etapa do processo de lavagem, já que o agente visa
garantir a ocultação, proporcionando tranqüilidade na fruição dos valores ocultados. Pode-se
interpretar a dissimulação em dois sentidos: ocultação com fraude ou garantia de ocultação. Só
pode ocorrer de forma comissiva.
O art. 1.º da lei em estudo é de ação múltipla ou de conteúdo variado.
No que tange aos elementos normativos trazidos no caput, temos que natureza
representa a própria especificidade ou as características estruturais do bens, direitos e valores,
enquanto a origem liga-se a procedência ou a forma de obtenção desses bens, direitos e valores.
Por localização entende-se onde possam esses bens, direitos ou valores ser encontrados, e
disposição o local em que estariam metodicamente colocados, utilizados ou a situação em que se
encontram. No tocante à movimentação, servem os atos de deslocamento, aplicação, circulação ou
mudança de posição de tais bens, direitos ou valores. A propriedade corresponde à titularidade e 7
LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROdomínio de bens, direitos ou valores que integrem o patrimônio proveniente de crime
antecedente.
Como distinguir entre o exaurimento da infração anterior e o crime de
lavagem de capitais?
O simples escamoteamento do produto da infração antecedente, por si só, não
é o suficiente para a tiptificação do crime de lavagem de capitais. A título de exemplo, por mais
que, sob o ponto de vista objetivo, o ato de esconder dinheiro debaixo do colchão perfaça a
ocultação a que se refere o art. 1.º, caput, da Lei 9.613/98, tal conduta somente poderá ser
tipificada como lavagem de capitaisi se a ela se somar a intenção do agente de reintegrar aquele
numerário ao círculo econômico com aparência lícita. É preciso portanto, demonstrar elementos
subjetivos inerentes ao tipo penal em questão, quais sejam, a consciência e a vontade de limpar o
capital sujo e reintroduzi-lo no sistema financeiro com aparência lícita.
Natureza instantânea ou permanente.
A Lei 9.613/98 sofreu profunda alterações com a Lei 12.683/12, que entrou em
vigor no dia 10/07/2012, permitindo que qualquer infração antecedente servisse de base para o
crime de lavagem de capitais. Questão a ser respondida é saber o tratamento a ser dado nas
hipóteses em que a infração penal antecedente tiver sido praticada antes do dia 10 de julho de
2012, perpetuando-se a ocultação ou dissimulação de tais valores na vigência da nova lei. Ex:
suponha-se que determinado indivíduo tenha praticado contravenção penal de jogo de bicho entre
os anos de 2010 e 2011, pondo fim a esta atividade delituosa no início de 2012. A fim de ocultar a
origem dos valores obtidos a partir da contravenção, o agente mantém em depósito no exterior
uma conta corrente em nome de “laranjas” desde 2010, sendo que essa ocultação prolonga-se
prolonga-se até a entrada em vigor da Lei 12.683/12. Neste caso, é possível enquadrar a conduta
em lavagem de capitais utilizando-se da infração cometida entre 2010/2011 como crime
antecedente?
Para a resposta é preciso distinguir a natureza jurídica do crime de lavagem de
capitais, a saber:
a) Crime instantâneo de efeitos permanentes: quem assim entende, diz que o
crime de lavagem consuma-se com a ação de esconder, funcionando a manutenção da ocultação
como um efeito permanente do comportamento inicial. A consumação cessa no instante do ato, mas
seus efeito perduram no tempo. Por este entendimento, no exemplo acima não houve crime de lavagem de
capitais, porque a ocultação/dissimulação ocorreu antes da entrada em vigor da lei alteradora.
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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROb) Crime permanente: os verbos utilizados ocultar e dissimular denotam a
existência de crime de natureza permanente, com a continuação criminosa enquanto o bem
permanecer escondido. Se compreendida a lavagem de capitais como crime permanente, mesmo
que a infração penal antecedente tenha sido cometida em momento anterior à entrada em vigor
da Lei 12.683/12, responderá o agente normalmente pelo crime do art. 1.º da Lei 9.613/98, caso a
ocultação venha a se protrair no tempo após a vigência das alterações da Lei de Lavagem.
A Súmula 711 do STF dá base para este entendimento e a maioria da doutrina
entende que o crime de lavagem é de natureza permanente. O STF ainda não se posicionou sobre a
natureza do crime de lavagem de capitais – se permanente ou se instantâneo de efeitos
permanentes.
9. Tipo subjetivo.
No Brasil não se admite a punição do branqueamento de capitais a título de
culpa. O elemento subjetivo é o dolo, considerado como consciência e vontade de realizar o tipo
objetivo. A lei não exige o conhecimento específico acerca dos elementos e circunstâncias da
infração antecedente. O dolo deve abranger apenas a consciência de que os bens, direitos ou
valores objeto da lavagem são provenientes direta ou indiretamente, de uma infração penal.
O dolo eventual também é admitido, haja vista a redação dos dispositivos. Alias,
a única modalidade que só permite o crime a título de dolo direto é o disposto no art. 1.º, § 2.º II,
que traz expressamente os termos “tendo conhecimento”.
Esse conhecimento acerca da origem espúria dos bens deve se manifestar no
momento da execução do ato de lavagem. A eventual ocorrência de um dolo subseqüente não
permite concluir pela presença do elemento subjetivo, salvo quando se tratar de crime
permanente.
Na hipótese de agir o agente com erro, afastada está a lavagem, já que tanto o
erro escusável como o inescusável, exclui o dolo.
Apesar da omissão, tanto o caput como o § 2.º do art. 1.º, exigem o fim especial
nas condutas de ocultar ou dissimular. É justamente este fim especial (branquear o dinheiro) que
difere os dispositivos do art. 349 do CP.
Prova indiciária do dolo
Tarefa ingrata é a prova do dolo do agente. Não há como se descobrir o que se
passava no íntimo do agente e como este não é obrigado a produzir prova contra si mesmo, jamais
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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROpoderia ser constrangido a confessar sua real intenção ao praticar o fato criminoso. Daí se inferir
seu estado anímico das condições fáticas objetivas externas de seu comportamento.
O crime de lavagem de capitais geralmente não deixa provas diretas de sua
existência. O elemento subjetivo deve ser apurado com base em dados externos e objetivos, tais
como aumento de patrimônio injustificado, operações financeiras anormais, inexistência de
atividades legais que justifiquem o incremento patrimonial, ligação com atividades como o tráfico
de drogas, por exemplo.
Com a adoção pelo processo penal brasileiro do princípio do livre
convencimento motivado ou persuasão racional do juiz, não se pode descartar a possibilidade de
utilização exclusiva de prova indiciária para a comprovação do estado anímico do agente, sob pena
de se reduzir à impraticabilidade a persecução penal eficiente da lavagem de capitais. Ex: cunhada
de Luiz Vaccari, tesoureiro do PT que comprou um apartamento por 200.000,00 e quando desistiu
da compra, recebeu da empreiteira 432.000,00 como devolução. O mesmo apartamento foi
vendido semanas depois por 330.000,00.
Teoria da cegueira deliberada (instruções da avestruz).
Como o tipo penal da lavagem de capitais traz como elementar a infração penal
antecedente, depreende-se que, na hipótese de o agente desconhecer a procedência ilícita dos
bens, faltar-lhe-á o dolo de lavagem, com a consequente atipicidade de sua conduta, ainda que o
erro de tipo seja evitável, porquanto não admite a punição da lavagem a título culposo. Por isso, é
extremamente comum que o terceiro responsável pela lavagem de capitais procure,
deliberadamente, evitar a consciência quanto à origem ilícita dos valores por ele mascarados.
É a denominada teoria da cegueira deliberada (willful blindness) – também
conhecida como doutrina das instruções da avestruz (ostrich instructions) ou da evitação da
consciência (conscious avoidance doctrine). O agente tem consciência da possível origem ilícita dos
bens por ele ocultados ou dissimulados, mas, mesmo assim, deliberadamente cria mecanismos que
o impedem de aperfeiçoar sua representação acerca dos fatos.
Esta teoria funda-se na premissa de que o indivíduo que, suspeitando que pode
vir a praticar um crime, opta por não se assegurar dos fatos, reflete certo grau de indiferença em
face do bem jurídico tutelado comparável ao daquele que age com dolo eventual.
É criação norte-americana já usada no Brasil no processo criminal
2005.81.00.014586-0, relativo à subtração da quantia de R$ 164.755.150,00 do interior do Banco
Central do Brasil, agência de Fortaleza/CE. A teoria em questão serviu para condenar dois
10
LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROempresários do ramo de veículos por lavagem de capitais em virtude de terem recebido a quantia
de R$ 980.000,00 na compra de 11 veículos. A questão foi o dinheiro estar em sacos de náilon e
serem todas notas de R$ 50,00. Ainda outros R$ 250.000,00 foram deixados a título de
adiantamento para futuras compras.
Esta decisão foi reformada posteriormente pelo TRF 5.
10. Objeto material.
Objeto material é a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta delituosa. Não
se confunde com o bem jurídico tutelado.
No caso do crime de lavagem de capitais, o objeto material são os bens, direitos
ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
Bens podem ser definidos como qualquer elementos material ou imaterial,
representando uma utilidade ou uma riqueza, integrado no patrimônio de alguém e passível de
apreciação monetária. Diversamente da receptação, que somente admite como objeto coisas
móveis ou mobilizadas, o objeto da lavagem de capitais é mais amplo, atingindo também os
imóveis.
Produto do crime (producta sceleris) – é o resultado direto da operação
criminosa.
Produto indireto ou proveito da infração (fructus sceleris) – é o resultado
mediato do crime, ou seja, trata-se do proveito obtido pelo criminoso como resultado da
transformação, substituição ou utilização economica do produto direto do delito. Integra o produto
do crime o valor recebido por alguém para cometer um crime.
11. Conflito aparente de normas.
Art. 180 do CP – receptação.
Diferenças: A) segundo a corrente majoritária, o bem jurídico tutelado pela
lavagem de capitais é a ordem econômica-financeira, ao passo que a receptação é crime contra o
patrimônio. B) o branqueamento pode ser praticado pelo mesmo autor da infração antecedente; a
receptação, não. C) a lavegem tem como objeto material bens móveis ou imóveis, direitos ou
valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal, enquanto a receptação tem como
objeto apenar coisas móveis. D) a lavagem exige que a ocultação e dissimulação tenham por fim de
conferir aparência lícita a esses bens. A receptação não exige o fim especial e possui outros verbos.
Art. 349 do CP – favorecimento real.
11
LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIRONão se confunde com o crime de lavagem de capitais, (A) porque este é crime
contra a ordem econômico-financeira e o favorecimento real é contra a Administração da Justiça.
B) a lavagem pode ser realizada pelo autor do crime antecedente (autolavagem) e o favorecimento
real não. C) o favorecimento real não exige o elemento subjetivo de tornar lícito o produto do
crime antecedente.
Lei 7.492/86, art. 22 – evasão de divisas.
O crime do art. 22 da Lei 7.492/86 (efetuar operação de câmbio não autorizada,
com o fim de promover evasão de divisas do País) assemelha-se ao crime descrito no art. 1.º, § 1.º,
III da Lei de Lavagem de Capitais (importa ou exporta bens com valores não correspondente aos
verdadeiros para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de
infração penal)
A distinção deve se firmar em dois pontos. O primeiro, a existência de crime
anterior, requisito essencial para a existência do crime de lavagem de capitais. O segundo, que a
operação de câmbio ou remessa indevida de valores para outro país tenha por finalidade
branquear valores de origem ilícita.
12. Tipos de conversão ou transferência e de aquisição e posse.
É crime formal, já que apesar da lei prever um resultado naturalístico (ocultação
ou dissimulação), não exige a sua ocorrência para efeitos de reconhecimento da consumação. Para
a consumação do § 1.º do art. 1.º não é necessária a produção do resultado “ocultação ou
dissimulação”, como se exige para a consumação do caput. Basta que o agente pratique qualquer
uma das condutas enumeradas em seus incisos com o especial fim de ocultar ou dissimular a
utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos crimes antecedentes.
Exige o dispositivo o especial fim de “ocultar ou dissimular a utilização de bens,
direitos ou valores provenientes de infração penal”. Portanto, a simples aquisição de bens para uso
próprio com os proventos de determinada infração penal não caracteriza o crime de lavagem de
capitais na modalidade “conversão em ativos lícitos”.
O inciso I do § 1.º da Lei 9.613/98 (conversão de produtos ilícitos em ativos
lícitos) é nítido exemplo de tipo subsidiário (soldado de reserva), na medida em que, se
efetivamente obtida a ocultação ou dissimulação por meio de conversão dos produtos ilícitos em
ativos lícitos, a conduta não mais tipificará esse delito, mas sim a figura do caput do art. 1.º.
O inciso II do § 1.º da Lei 9.613/98 pune a figura do receptador de bens, direitos
e valores provenientes de infração penal, que os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em
12
LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROgarantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere com o objetivo de ocultar ou
dissimular sua origem ilícita.
O terceiro inciso pune quem importa ou exporta bem com valores não
correspondentes aos verdadeiros. Estes bens importados ou exportados não necessitam serem
produtos da infração antecedente.
13. Utilização do produto da lavagem na atividade econômica ou financeira.
A conduta descrita no inciso I do § 2.º pode ser realizada tanto a título de dolo
direto como eventual. Todavia, para sua configuração é necessária que a utilização de valores
provenientes da infração penal na atividade econômica ou financeira seja acompanhada da
vontade de ocultar ou dissimular a origem ilícita dos bens ou valores.
14. Associação para fins de lavagem de capitais.
O crime de associação para fins de lavagem vem descrita no inciso II do § 2.º, só
admitindo a figura do dolo direto, substanciada na expressão “tendo conhecimento”.
Segundo William Terra de Oliveira, a tipificação do inciso em questão depende
do preenchimento dos seguintes requisitos: a) demonstração de que o grupo realmente existe: seja
ele a reunião de pessoas, um escritório, uma associação ou simplesmente uma pessoa jurídica; b)
presença de uma mínima estabilidade associativa (não eventualidade e pluralidade de crimes); c)
que existam finalidades concretas voltadas aos crimes descritos na lei; d) que a conduta individual
seja penalmente relevante. Se a conduta do agente em nada podia influir sobre os destinos e
mantença do grupo, ou nada contribuía para a atividade de lavagem de dinheiro, não existirá
responsabilidade penal alguma. Ex. Office boy.
15. Consumação e tentativa.
Como o crime de lavagem de capitais é plurissubsistente, afigura-se possível a
tentativa. Ex: logo após receber o preço de um resgate decorrente de uma extorsão mediante
seqüestro, o agente é interceptado em flagrante no momento em que tentava depositar os valores
na conta de um “laranja”.
A aplicação da tentativa dar-se-á na forma prevista no artigo 14 do CP, com a
redução da pena entre 1 e 2/3 terços.
A consumação ocorre quando houver o primeiro ato de mascaramento dos
valores ilícitos, porquanto o tipo penal em questão não reclama nem êxito definitivo da ocultação,
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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROvisado pelo agente, nem grande vulto e complexidade. A incorporação dos bens na economia
formal com aparência lícita é mero exaurimento.
16. Causa de aumento de pena.
Descrito no § 4.º. o aumento de pena varia entre um e dois terços quando os
crimes forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa.
Não há bis in idem entre a majorante do § 4.º do art. 1.º da Lei 9.613/98 e a
condenação por associação criminosa, uma vez que se está diante de duas objetividades jurídicas
distintas.
17. Colaboração premiada.
18. Procedimento comum ordinário.
19. Autonomia relativa do processo.
20. Competência criminal.
21. Justa causa duplicada.
22. Suspensão do processo e prescrição – art. 366, CPP.
23. Liberdade provisória.
24. Recolhimento à prisão para apelar.
25. Medidas assecuratórias previsas na lei de lavagem de capitais.
26. Alienação antecipada.
27. Ação civil de confisco.
28. Ação controlada.
29. Administração de bens.
30. Efeitos da condenação.
31. Colaboração internacional e reciprocidade.
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