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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIRO 1. As alterações trazidas pela Lei 12.683/2012. Grosso modo, três foram as principais mudanças trazidas pela lei 12.683/12: a) Supressão do rol taxativo de crimes antecedentes; b) Alterou o caput do art. 1.º, que passou a prever que a lavagem de capitais se caracteriza quando houver ocultação ou dissimulação de bens, direitos ou valores, provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal, incluindo, portanto, também as contravenções penais; c) Fortalecimento do controle administrativo sobre setores sensíveis à reciclagem de capitais; d) Amplicação das medidas cautelares patrimoniais; e e) Regulamentação expressa da alienação antecipada. 2. A expressão “LAVAGEM DE DINHEIRO”. Surgiu em 1920 quando lavanderias na cidade de Chicago teriam sido utilizadas por gangsters para despistar a origem ilícita do dinheiro. A metáfora simboliza na verdade a necessidade de o dinheiro sujo, cuja origem corresponde ao produto de determinada infração penal, ser lavado por várias formas na ordem econômica- financeira com o objetivo de conferir a ele uma aparência lícita (limpa), sem deixar rastro de sua origem espúria. 3. Conceito de LAVAGEM DE CAPITAIS. Em síntese é o ato ou o conjunto de atos praticados por determinado agente com o objetivo de conferir aparência lícita a bens, direitos ou valores provenientes de uma infração penal. Não se exige, para a caracterização do crime, um vulto 1

Lavagem de capitais correto

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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIRO1. As alterações trazidas pela Lei 12.683/2012.

Grosso modo, três foram as principais mudanças trazidas pela lei 12.683/12:

a) Supressão do rol taxativo de crimes antecedentes;

b) Alterou o caput do art. 1.º, que passou a prever que a lavagem de capitais se

caracteriza quando houver ocultação ou dissimulação de bens, direitos ou

valores, provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal, incluindo,

portanto, também as contravenções penais;

c) Fortalecimento do controle administrativo sobre setores sensíveis à

reciclagem de capitais;

d) Amplicação das medidas cautelares patrimoniais; e

e) Regulamentação expressa da alienação antecipada.

2. A expressão “LAVAGEM DE DINHEIRO”.

Surgiu em 1920 quando lavanderias na cidade de Chicago teriam sido utilizadas

por gangsters para despistar a origem ilícita do dinheiro.

A metáfora simboliza na verdade a necessidade de o dinheiro sujo, cuja origem

corresponde ao produto de determinada infração penal, ser lavado por várias formas na ordem

econômica-financeira com o objetivo de conferir a ele uma aparência lícita (limpa), sem deixar

rastro de sua origem espúria.

3. Conceito de LAVAGEM DE CAPITAIS.

Em síntese é o ato ou o conjunto de atos praticados por determinado agente

com o objetivo de conferir aparência lícita a bens, direitos ou valores provenientes de uma

infração penal. Não se exige, para a caracterização do crime, um vulto assustador de quantias

envolvidas, nem tampouco grande complexidade das operações transnacionais para reintegrar

o produto delituoso na circulação econômica legal, do mesmo ou de outro país.

4. Gerações de leis da Lavagem de Capitais.

Referem-se as ampliações que as legislações foram tendo pelo mundo, coibindo,

p. ex. primeiro a lavagem de capitais oriunda do tráfico ilícito de entorpecentes (primeira

geração). Posteriormente, foram sendo ampliados o rol dos crimes antecedentes e com isso

acrescentando-se “gerações”.

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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROA crítica que se põe quanto ás alterações trazidas pela lei de 2012 é que o rol

ficou aberto, permitindo, por exemplo, que uma infração de menor potencial ofensivo, cujas

penas são menos severas exatamente em virtude de sua menor lesividade, possa vir a

funcionar como antecedente da lavagem de capitais, o que claramente vem de encontro com o

princípio da proporcionalidade, já que haverá a aplicação de uma pena muito mais severa pela

lavagem – reclusão, de 3 a 10 anos, e multa – do que aquela prevista para o próprio delito-base

que se pretende coibir.

5. Bem jurídico tutelado.

Há quatro correntes doutrinárias acerca do bem jurídico tutelado pela lavagem

de capitais:

a) O mesmo bem jurídico tutelado pela infração penal antecedente:

É a corrente minoritária e decorre das legislações da primeira geração. Se a

lavagem de capitais tivesse como bem jurídico tutelado o mesmo bem jurídico da infração

antecedente, haveria bis in idem, pois, por exemplo, ao se punir o tráfico, já que combate a afronta

à saúde pública e ao se punir também a lavagem decorrente do tráfico, se estaria novamente

punindo pela afronta ao mesmo bem. Haveria ainda o princípio da consunção, que inviabilizaria a

punição da autolavagem, que ocorre quando o autor da lavagem também é o responsável pela

infração antecedente, porquanto, para ele, das duas uma, ou a lavagem seria mero exaurimento da

infração antecedente, ou esta seria absorvida pela lavagem em virtude da progressão criminosa.

b) Administração da Justiça:

Nos moldes do favorecimento real, previsto no art. 349 do CP, a prática de

lavagem de capitais torna difícil a recuperação do produto direto ou indireto da infração

antecedente, dificultando a ação da Justiça. Conclui-se, portanto, que o bem jurídico tutelado é a

administração da Justiça.

c) Ordem econômico-financeira:

De acordo com a doutrina majoritária, funciona a lavagem como obstáculo

à atração de capital estrangeiro, afetando o equilíbrio do mercado, a livre concorrência, as relações

de consumo, a transparência, o acúmulo e o reinvestimento de capital sem lastro em atividades

produtivas ou financeiras lícitas, turbando o funcionamento da economia formal e o equilíbrio

entre seus operadores. Representa, enfim, um elemento de desestabilização econômica. Trata-se,

portanto, de crime contra a ordem econômico-financeira.

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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROd) Pluriofensividade:

Há uma quarta corrente que entende que a lavagem de dinheiro ofende

mais de um bem jurídico. Porém, os defensores desta tese não chegam a um acordo a quais bens

seriam afrontados.

6. Da acessoriedade da lavagem de capitais.

O processo e julgamento dos crimes de lavagem de capitais independe do

processo e julgamento das infrações penais antecedentes (art. 2.º, II, da Lei 9.613/98). O crime

antecedente pode até mesmo ter ocorrido em outro país.

O crime antecedente e o de lavagem de capitais são relativamente

independentes. Isto quer dizer que não precisam ser julgados em um mesmo processo, mas que

também não estão completamente desligados um do outro. Isto porque, a tipificação do crime

parasitário, sucedâneo ou conseqüencial de lavagem de capitais está atrelada á prática de uma

infração penal antecedente que produza dinheiro, bem ou valor que seja objeto de ocultação ou

lavagem.

A expressão “infração penal” chega a ser uma elementar do crime previsto no

art. 1.º da Lei 9.613/98. Portanto, a ausência de infração penal antecedente, afasta a ocorrência do

crime de lavagem de capitais.

Apesar desta acessoriedade, a condenação pelo crime anterior é desnecessária

e o acusado de lavagem de capitais pode nem mesmo ter participado do crime antecedente. Na

verdade, a comprovação da ocorrência da infração antecedente afigura-se como uma questão

prejudicial homogênea do próprio mérito da ação penal relativa ao crime de lavagem. O juiz

precisa, na sentença, demonstrar estar convencido da existência do delito-base.

Assim, para fins de tipificação da lavagem de capitais, o fato anterior deve ser

típico e ilícito, não havendo necessidade de comprovação de elementos referentes à autoria, à

culpabilidade ou à punibilidade da infração antecedente. Neste sentido o § 1.º do Art. 2.º da Lei: “ a

denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo

puníveis os fatos previstos nesta lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a

punibilidade da infração penal antecedente” .

O fundamento de uma absolvição referente ao crime antecedente pode ou não

excluir o crime de lavagem de capitais, pois este depende, repita-se, que o crime antecedente seja

típico e ilícito. Assim, uma absolvição calcada na inexistência do fato (art. 386, I, CPP), não houver

prova da existência do fato (art. 386, II, CPP), não constituir o fato infração penal (art. 386, III, CPP),

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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROou quando existirem circunstâncias que excluam o crime ou mesmo se houver fundada dúvida

sobre a existência de causas excludentes de ilicitude, acabam por afastar a existência do próprio

crime de lavagem de capitais, pois afastada a tipicidade ou ilicitude do crime antecedente.

Se excludentes de ilicitude tem a força para afastar o crime de lavagem de

capitais, o mesmo não se pode dizer das excludentes de culpabilidade, pois o crime antecedente

não precisa ser culpável, bastando ser típico e ilícito. A título de exemplo, mesmo que o autor da

infração precedente seja absolvido em virtude de coação moral irresistível, circunstância que o

isenta de pena, continua sendo possível a tipificação do crime de lavagem de capitais.

No mesmo sentido, outras causas extintivas da punibilidade, imunidades

parlamentares, prescrição, morte do agente etc, não tem o condão de afastar o crime de lavagem

de capitais.

Quanto à anistia e abolitio criminis, o raciocínio é inverso. Se nova lei torna

atípica a conduta antecedente (antes criminosa), retira o seu caráter ilícito e portanto, afasta o

crime de lavagem de capitais. O mesmo ocorre com a anistia.

Outros incisos do artigo 386 do CPP não permitem excluir o crime de lavagem de

capitais. Assim, os incisos IV, V e VI não afasta o crime de lavagem de capitais, porque não afasta a

ilicitude e a tipicidade da conduta antecedente.

Por fim, no que tange à tentativa, é irrelevante para a configuração da lavagem

que a infração antecedente tenha sido apenas tentada, desde que, nesse processo, tenham sido

produzidos bens aptos a serem lavados. (Ex: homicídio mediante paga que não se consuma). Deve-

se atentar para as contravenções penais, que apesar de poderem ensejar lavagem de capitais, não

podem ser punidas quando na esfera da tentativa.

Quanto aos crimes materiais contra a ordem tributária como infração

antecedente, os Tribunais Superiores vem entendendo que é inviável a persecução penal em

relação a tais delitos enquanto não houver a constituição definitiva do crédito tributário no âmbito

administrativo. O mesmo raciocínio se aplica qunato ao crime de lavagem de capitais.

7. Sujeitos do crime.

É crime comum, não se exigindo qualquer capacidade especial do agente.

Quanto ao sujeito passivo, para aqueles que defendem que o bem jurídico

tutelado é a ordem econômico-financeira, o sujeito passivo é a coletividade. Se adotado o

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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROentendimento de que se trata de crime contra a Administração da Justiça, o sujeito passivo é o

Estado.

7.1. Autolavagem ou selflaundering.

O autor da infração antecedente pode responder também pelo crime posterior

de lavagem de capitais?

A doutrina nacional se divide quanto a esta possibilidade.

Para Delmanto, a punição do autor do crime antecedente pelo delito de

lavagem configuraria bis na in idem, pois a lavagem funcionaria como mero exaurimento do

delito precedente.

Outro argumento no sentido de se afastar a responsabilidade penal do autor da

infração antecedente pelo delito de lavagem de capitais seria o princípio que veda a

autoincriminação previsto no art. 5.º, LXIII, da CF/88. Em outras palavras, não se pode exigir

que o delinqüente se entregue à polícia ou à justiça. Assim, é natural que o agente, visando

fugir das implicações de seu ato criminoso, busque encobrir o mal feito. Não se pode, portanto,

exigir conduta diversa de quem cometeu um delito e pretende sua ocultação mediante o

encobrimento dos bens que daí derivam. Exigir o contrário seria exigir que o delinqüente

deixasse em aberto provas contra si.

Em sentido oposto, os defensores da possibilidade de que o autor do crime

antecedente também pode ser punido pelo crime parasitário, escoram-se, entre outros

argumentos, na ausência de impedimento legal para isso. Ao contrário do que se dá com a

receptação e o favorecimento real, nada impede que o sujeito ativo do crime antecedente

responda também pelo crime de lavagem de capitais.

Afirmam ainda que não se pode aplicar o princípio da consunção, incidente nas

hipóteses de pós fato impunível. A ocultação do produto da infração antecedente pelo autor

configura lesão autônoma, contra sujeito passivo distinto, através de conduta não

compreendida como conseqüência natural e necessária da primeira. Ainda, o bem jurídico

tutelado pela Lei 9.613/98, em regra é distinto do bem jurídico tutelado no crime antecedente.

Assim, não há que se falar em bis in idem.

Se são bens jurídicos diversos, não há como se aplicar o princípio da consunção.

Para isso é preciso que os bens jurídicos tutelados em ambos os delitos coincidam.

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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROÉ preciso atenção, todavia, para a figura típica do art. 1.º, § 1.º, II, da Lei

9.613/98, pois ela traz uma exceção à regra de que a lavagem de capitais pode ser praticada

pelo autor da infração antecedente. O tipo penal traz as modalidades adquirir, receber e

receber em garantia. A doutrina entende que, por uma questão de lógica, o sujeito ativo do

delito será obrigatoriamente pessoa diversa da que praticou a infração antecedente, porquanto

não se pode adquirir o que já é seu e nem receber algo a não ser que essa coisa pertença a

terceiro.

O STF tem precedentes no sentido de que o crime de lavagem de capitais não

funciona como mero exaurimento a infração antecedente.

Responderá em concurso material ou crime formal impróprio, conforme o caso.

Afastando a alegação de ofensa ao princípio nemo tenetur se detegere, é

importante ressaltar que, em virtude do princípio da convivência das liberdades, não se

permite que qualquer das liberdades seja exercida de modo danoso á ordem pública e às

liberdades alheias, do que se infere que o direito à não autoincriminação não pode ser

entendido em sentido absoluto.

7.2. Desnecessidade de participação na infração antecedente.

Desde que tenha conhecimento quanto á origem ilícita dos valores, é

perfeitamente possível que o agente responda pelo crime de lavagem de capitais, mesmo sem

ter concorrido para a prática da infração antecedente.

7.3. Participação por omissão.

O artigo 9.º da Lei 9.613/98 traz uma lista de pessoas físicas e jurídicas que

desempenham uma série de atividades comumente usadas para o branqueamento de valores. Tais

pessoas se obrigam a uma série de atos e controles elencados nos artigos 10 e 11 da mesma lei.

Apesar de haver certa controvérsia na doutrina sobre a possibilidade de um

profissional no exercício de suas atribuições próprias, responder por ter participado de forma

omissiva do crime de lavagem de capitais (não informando as autoridades, p.ex), prevalece o

entendimento de que a Lei 9.613/98 não impõe às pessoas relacionadas no art. 9.º o dever de

abstenção de conduta que possa caracterizar lavagem de capitais. Deve limitar-se a cumprir as

determinações trazidas nos artigos seguintes, mantendo registros e documentos.

8. Tipo objetivo.

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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROArt. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos

ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

I a VII (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

§ 1o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de

infração penal: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

I - os converte em ativos lícitos;

II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;

III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.

§ 2o Incorre, ainda, na mesma pena quem: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal; (Redação dada

pela Lei nº 12.683, de 2012)

II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é

dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.

Ocultar expressa o ato de esconder a coisa, subtrair da vista. É atividade com

que se procura impedir ou dificultar o encontro de algo. Consuma-se com o simples encobrimento

da coisa através de qualquer meio, desde que o agente o faça com a intenção de, no futuro,

converter o bem em ativo lícito. Pode ocorrer de forma omissiva e comissiva.

Dissimular significa encobrir, disfarçar, tornar invisível ou pouco perceptível. A

dissimulação funcionada como uma segunda etapa do processo de lavagem, já que o agente visa

garantir a ocultação, proporcionando tranqüilidade na fruição dos valores ocultados. Pode-se

interpretar a dissimulação em dois sentidos: ocultação com fraude ou garantia de ocultação. Só

pode ocorrer de forma comissiva.

O art. 1.º da lei em estudo é de ação múltipla ou de conteúdo variado.

No que tange aos elementos normativos trazidos no caput, temos que natureza

representa a própria especificidade ou as características estruturais do bens, direitos e valores,

enquanto a origem liga-se a procedência ou a forma de obtenção desses bens, direitos e valores.

Por localização entende-se onde possam esses bens, direitos ou valores ser encontrados, e

disposição o local em que estariam metodicamente colocados, utilizados ou a situação em que se

encontram. No tocante à movimentação, servem os atos de deslocamento, aplicação, circulação ou

mudança de posição de tais bens, direitos ou valores. A propriedade corresponde à titularidade e 7

LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROdomínio de bens, direitos ou valores que integrem o patrimônio proveniente de crime

antecedente.

Como distinguir entre o exaurimento da infração anterior e o crime de

lavagem de capitais?

O simples escamoteamento do produto da infração antecedente, por si só, não

é o suficiente para a tiptificação do crime de lavagem de capitais. A título de exemplo, por mais

que, sob o ponto de vista objetivo, o ato de esconder dinheiro debaixo do colchão perfaça a

ocultação a que se refere o art. 1.º, caput, da Lei 9.613/98, tal conduta somente poderá ser

tipificada como lavagem de capitaisi se a ela se somar a intenção do agente de reintegrar aquele

numerário ao círculo econômico com aparência lícita. É preciso portanto, demonstrar elementos

subjetivos inerentes ao tipo penal em questão, quais sejam, a consciência e a vontade de limpar o

capital sujo e reintroduzi-lo no sistema financeiro com aparência lícita.

Natureza instantânea ou permanente.

A Lei 9.613/98 sofreu profunda alterações com a Lei 12.683/12, que entrou em

vigor no dia 10/07/2012, permitindo que qualquer infração antecedente servisse de base para o

crime de lavagem de capitais. Questão a ser respondida é saber o tratamento a ser dado nas

hipóteses em que a infração penal antecedente tiver sido praticada antes do dia 10 de julho de

2012, perpetuando-se a ocultação ou dissimulação de tais valores na vigência da nova lei. Ex:

suponha-se que determinado indivíduo tenha praticado contravenção penal de jogo de bicho entre

os anos de 2010 e 2011, pondo fim a esta atividade delituosa no início de 2012. A fim de ocultar a

origem dos valores obtidos a partir da contravenção, o agente mantém em depósito no exterior

uma conta corrente em nome de “laranjas” desde 2010, sendo que essa ocultação prolonga-se

prolonga-se até a entrada em vigor da Lei 12.683/12. Neste caso, é possível enquadrar a conduta

em lavagem de capitais utilizando-se da infração cometida entre 2010/2011 como crime

antecedente?

Para a resposta é preciso distinguir a natureza jurídica do crime de lavagem de

capitais, a saber:

a) Crime instantâneo de efeitos permanentes: quem assim entende, diz que o

crime de lavagem consuma-se com a ação de esconder, funcionando a manutenção da ocultação

como um efeito permanente do comportamento inicial. A consumação cessa no instante do ato, mas

seus efeito perduram no tempo. Por este entendimento, no exemplo acima não houve crime de lavagem de

capitais, porque a ocultação/dissimulação ocorreu antes da entrada em vigor da lei alteradora.

8

LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROb) Crime permanente: os verbos utilizados ocultar e dissimular denotam a

existência de crime de natureza permanente, com a continuação criminosa enquanto o bem

permanecer escondido. Se compreendida a lavagem de capitais como crime permanente, mesmo

que a infração penal antecedente tenha sido cometida em momento anterior à entrada em vigor

da Lei 12.683/12, responderá o agente normalmente pelo crime do art. 1.º da Lei 9.613/98, caso a

ocultação venha a se protrair no tempo após a vigência das alterações da Lei de Lavagem.

A Súmula 711 do STF dá base para este entendimento e a maioria da doutrina

entende que o crime de lavagem é de natureza permanente. O STF ainda não se posicionou sobre a

natureza do crime de lavagem de capitais – se permanente ou se instantâneo de efeitos

permanentes.

9. Tipo subjetivo.

No Brasil não se admite a punição do branqueamento de capitais a título de

culpa. O elemento subjetivo é o dolo, considerado como consciência e vontade de realizar o tipo

objetivo. A lei não exige o conhecimento específico acerca dos elementos e circunstâncias da

infração antecedente. O dolo deve abranger apenas a consciência de que os bens, direitos ou

valores objeto da lavagem são provenientes direta ou indiretamente, de uma infração penal.

O dolo eventual também é admitido, haja vista a redação dos dispositivos. Alias,

a única modalidade que só permite o crime a título de dolo direto é o disposto no art. 1.º, § 2.º II,

que traz expressamente os termos “tendo conhecimento”.

Esse conhecimento acerca da origem espúria dos bens deve se manifestar no

momento da execução do ato de lavagem. A eventual ocorrência de um dolo subseqüente não

permite concluir pela presença do elemento subjetivo, salvo quando se tratar de crime

permanente.

Na hipótese de agir o agente com erro, afastada está a lavagem, já que tanto o

erro escusável como o inescusável, exclui o dolo.

Apesar da omissão, tanto o caput como o § 2.º do art. 1.º, exigem o fim especial

nas condutas de ocultar ou dissimular. É justamente este fim especial (branquear o dinheiro) que

difere os dispositivos do art. 349 do CP.

Prova indiciária do dolo

Tarefa ingrata é a prova do dolo do agente. Não há como se descobrir o que se

passava no íntimo do agente e como este não é obrigado a produzir prova contra si mesmo, jamais

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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROpoderia ser constrangido a confessar sua real intenção ao praticar o fato criminoso. Daí se inferir

seu estado anímico das condições fáticas objetivas externas de seu comportamento.

O crime de lavagem de capitais geralmente não deixa provas diretas de sua

existência. O elemento subjetivo deve ser apurado com base em dados externos e objetivos, tais

como aumento de patrimônio injustificado, operações financeiras anormais, inexistência de

atividades legais que justifiquem o incremento patrimonial, ligação com atividades como o tráfico

de drogas, por exemplo.

Com a adoção pelo processo penal brasileiro do princípio do livre

convencimento motivado ou persuasão racional do juiz, não se pode descartar a possibilidade de

utilização exclusiva de prova indiciária para a comprovação do estado anímico do agente, sob pena

de se reduzir à impraticabilidade a persecução penal eficiente da lavagem de capitais. Ex: cunhada

de Luiz Vaccari, tesoureiro do PT que comprou um apartamento por 200.000,00 e quando desistiu

da compra, recebeu da empreiteira 432.000,00 como devolução. O mesmo apartamento foi

vendido semanas depois por 330.000,00.

Teoria da cegueira deliberada (instruções da avestruz).

Como o tipo penal da lavagem de capitais traz como elementar a infração penal

antecedente, depreende-se que, na hipótese de o agente desconhecer a procedência ilícita dos

bens, faltar-lhe-á o dolo de lavagem, com a consequente atipicidade de sua conduta, ainda que o

erro de tipo seja evitável, porquanto não admite a punição da lavagem a título culposo. Por isso, é

extremamente comum que o terceiro responsável pela lavagem de capitais procure,

deliberadamente, evitar a consciência quanto à origem ilícita dos valores por ele mascarados.

É a denominada teoria da cegueira deliberada (willful blindness) – também

conhecida como doutrina das instruções da avestruz (ostrich instructions) ou da evitação da

consciência (conscious avoidance doctrine). O agente tem consciência da possível origem ilícita dos

bens por ele ocultados ou dissimulados, mas, mesmo assim, deliberadamente cria mecanismos que

o impedem de aperfeiçoar sua representação acerca dos fatos.

Esta teoria funda-se na premissa de que o indivíduo que, suspeitando que pode

vir a praticar um crime, opta por não se assegurar dos fatos, reflete certo grau de indiferença em

face do bem jurídico tutelado comparável ao daquele que age com dolo eventual.

É criação norte-americana já usada no Brasil no processo criminal

2005.81.00.014586-0, relativo à subtração da quantia de R$ 164.755.150,00 do interior do Banco

Central do Brasil, agência de Fortaleza/CE. A teoria em questão serviu para condenar dois

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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROempresários do ramo de veículos por lavagem de capitais em virtude de terem recebido a quantia

de R$ 980.000,00 na compra de 11 veículos. A questão foi o dinheiro estar em sacos de náilon e

serem todas notas de R$ 50,00. Ainda outros R$ 250.000,00 foram deixados a título de

adiantamento para futuras compras.

Esta decisão foi reformada posteriormente pelo TRF 5.

10. Objeto material.

Objeto material é a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta delituosa. Não

se confunde com o bem jurídico tutelado.

No caso do crime de lavagem de capitais, o objeto material são os bens, direitos

ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

Bens podem ser definidos como qualquer elementos material ou imaterial,

representando uma utilidade ou uma riqueza, integrado no patrimônio de alguém e passível de

apreciação monetária. Diversamente da receptação, que somente admite como objeto coisas

móveis ou mobilizadas, o objeto da lavagem de capitais é mais amplo, atingindo também os

imóveis.

Produto do crime (producta sceleris) – é o resultado direto da operação

criminosa.

Produto indireto ou proveito da infração (fructus sceleris) – é o resultado

mediato do crime, ou seja, trata-se do proveito obtido pelo criminoso como resultado da

transformação, substituição ou utilização economica do produto direto do delito. Integra o produto

do crime o valor recebido por alguém para cometer um crime.

11. Conflito aparente de normas.

Art. 180 do CP – receptação.

Diferenças: A) segundo a corrente majoritária, o bem jurídico tutelado pela

lavagem de capitais é a ordem econômica-financeira, ao passo que a receptação é crime contra o

patrimônio. B) o branqueamento pode ser praticado pelo mesmo autor da infração antecedente; a

receptação, não. C) a lavegem tem como objeto material bens móveis ou imóveis, direitos ou

valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal, enquanto a receptação tem como

objeto apenar coisas móveis. D) a lavagem exige que a ocultação e dissimulação tenham por fim de

conferir aparência lícita a esses bens. A receptação não exige o fim especial e possui outros verbos.

Art. 349 do CP – favorecimento real.

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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIRONão se confunde com o crime de lavagem de capitais, (A) porque este é crime

contra a ordem econômico-financeira e o favorecimento real é contra a Administração da Justiça.

B) a lavagem pode ser realizada pelo autor do crime antecedente (autolavagem) e o favorecimento

real não. C) o favorecimento real não exige o elemento subjetivo de tornar lícito o produto do

crime antecedente.

Lei 7.492/86, art. 22 – evasão de divisas.

O crime do art. 22 da Lei 7.492/86 (efetuar operação de câmbio não autorizada,

com o fim de promover evasão de divisas do País) assemelha-se ao crime descrito no art. 1.º, § 1.º,

III da Lei de Lavagem de Capitais (importa ou exporta bens com valores não correspondente aos

verdadeiros para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de

infração penal)

A distinção deve se firmar em dois pontos. O primeiro, a existência de crime

anterior, requisito essencial para a existência do crime de lavagem de capitais. O segundo, que a

operação de câmbio ou remessa indevida de valores para outro país tenha por finalidade

branquear valores de origem ilícita.

12. Tipos de conversão ou transferência e de aquisição e posse.

É crime formal, já que apesar da lei prever um resultado naturalístico (ocultação

ou dissimulação), não exige a sua ocorrência para efeitos de reconhecimento da consumação. Para

a consumação do § 1.º do art. 1.º não é necessária a produção do resultado “ocultação ou

dissimulação”, como se exige para a consumação do caput. Basta que o agente pratique qualquer

uma das condutas enumeradas em seus incisos com o especial fim de ocultar ou dissimular a

utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos crimes antecedentes.

Exige o dispositivo o especial fim de “ocultar ou dissimular a utilização de bens,

direitos ou valores provenientes de infração penal”. Portanto, a simples aquisição de bens para uso

próprio com os proventos de determinada infração penal não caracteriza o crime de lavagem de

capitais na modalidade “conversão em ativos lícitos”.

O inciso I do § 1.º da Lei 9.613/98 (conversão de produtos ilícitos em ativos

lícitos) é nítido exemplo de tipo subsidiário (soldado de reserva), na medida em que, se

efetivamente obtida a ocultação ou dissimulação por meio de conversão dos produtos ilícitos em

ativos lícitos, a conduta não mais tipificará esse delito, mas sim a figura do caput do art. 1.º.

O inciso II do § 1.º da Lei 9.613/98 pune a figura do receptador de bens, direitos

e valores provenientes de infração penal, que os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em

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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROgarantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere com o objetivo de ocultar ou

dissimular sua origem ilícita.

O terceiro inciso pune quem importa ou exporta bem com valores não

correspondentes aos verdadeiros. Estes bens importados ou exportados não necessitam serem

produtos da infração antecedente.

13. Utilização do produto da lavagem na atividade econômica ou financeira.

A conduta descrita no inciso I do § 2.º pode ser realizada tanto a título de dolo

direto como eventual. Todavia, para sua configuração é necessária que a utilização de valores

provenientes da infração penal na atividade econômica ou financeira seja acompanhada da

vontade de ocultar ou dissimular a origem ilícita dos bens ou valores.

14. Associação para fins de lavagem de capitais.

O crime de associação para fins de lavagem vem descrita no inciso II do § 2.º, só

admitindo a figura do dolo direto, substanciada na expressão “tendo conhecimento”.

Segundo William Terra de Oliveira, a tipificação do inciso em questão depende

do preenchimento dos seguintes requisitos: a) demonstração de que o grupo realmente existe: seja

ele a reunião de pessoas, um escritório, uma associação ou simplesmente uma pessoa jurídica; b)

presença de uma mínima estabilidade associativa (não eventualidade e pluralidade de crimes); c)

que existam finalidades concretas voltadas aos crimes descritos na lei; d) que a conduta individual

seja penalmente relevante. Se a conduta do agente em nada podia influir sobre os destinos e

mantença do grupo, ou nada contribuía para a atividade de lavagem de dinheiro, não existirá

responsabilidade penal alguma. Ex. Office boy.

15. Consumação e tentativa.

Como o crime de lavagem de capitais é plurissubsistente, afigura-se possível a

tentativa. Ex: logo após receber o preço de um resgate decorrente de uma extorsão mediante

seqüestro, o agente é interceptado em flagrante no momento em que tentava depositar os valores

na conta de um “laranja”.

A aplicação da tentativa dar-se-á na forma prevista no artigo 14 do CP, com a

redução da pena entre 1 e 2/3 terços.

A consumação ocorre quando houver o primeiro ato de mascaramento dos

valores ilícitos, porquanto o tipo penal em questão não reclama nem êxito definitivo da ocultação,

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LEI n.º 9.613/98 – LAVAGEM DE DINHEIROvisado pelo agente, nem grande vulto e complexidade. A incorporação dos bens na economia

formal com aparência lícita é mero exaurimento.

16. Causa de aumento de pena.

Descrito no § 4.º. o aumento de pena varia entre um e dois terços quando os

crimes forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa.

Não há bis in idem entre a majorante do § 4.º do art. 1.º da Lei 9.613/98 e a

condenação por associação criminosa, uma vez que se está diante de duas objetividades jurídicas

distintas.

17. Colaboração premiada.

18. Procedimento comum ordinário.

19. Autonomia relativa do processo.

20. Competência criminal.

21. Justa causa duplicada.

22. Suspensão do processo e prescrição – art. 366, CPP.

23. Liberdade provisória.

24. Recolhimento à prisão para apelar.

25. Medidas assecuratórias previsas na lei de lavagem de capitais.

26. Alienação antecipada.

27. Ação civil de confisco.

28. Ação controlada.

29. Administração de bens.

30. Efeitos da condenação.

31. Colaboração internacional e reciprocidade.

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