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Literatura e Whatsapp: o uso das redes sociais virtuais como ambiente de mediação de leitura e escrita colaborativa no contexto escolar.
Aluísio Ribeiro Amaral Cavalcante – ONG Casa da Árvore [email protected]
Leila Dias Antônio – ONG Casa da Árvore [email protected]
RESUMO: Nosso trabalho busca refletir sobre as possibilidades de integração entre as aprendizagens
informais das mídias digitais e as necessidades didáticas de ensino de literatura no contexto escolar.
Para isso observamos três turmas do ensino médio de Palmas-TO, durante a leitura obrigatória do
clássico “O Guarani”, que teve sua mediação realizada de forma colaborativa entre alunos e
professores através de um grupo no Whatsapp. Neste percurso acompanhamos uma participação
efetiva dos jovens caracterizada, sobretudo, pela intensa troca de mensagens de texto redigidos em
grupo, com reflexões sobre a obra e a própria experiência de leitura. As características desta
interação social, motivada pela literatura, nos sugerem que, trazer demandas curriculares para estes
ambientes informais de aprendizagem podem se configurar como uma alternativa viável para
ressignificar práticas de incentivo à leitura no contexto da cultura digital.
TRANSCRIÇÃO DA APRESENTAÇÃO no 6° Simpósio Hipertexto e Tecnologias na Educação - 2° Colóquio Internacional de Educação Com Tecnologias. Universidade Federal de Pernambuco / Recife – PE 07 de dezembro de 2015 Boa tarde, meu nome Aluísio Cavalcante, eu coordeno alguns projetos da ONG Casa da Árvore. Uma instituição fundada no Tocantins, em 2007, com o intuito de explorar as novas possibilidades de aprendizagem, expressão artística e de participação social no contexto da cultura digital. E buscamos fazer isso por meio do desenvolvimento e realização de projetos sociais. O relato que trago hoje é fruto de atuação da ONG junto a rede pública de ensino de Palmas, através do projeto "E se eu fosse o autor?", que busca auxiliar comunidades escolares a desenvolverem sua vocação para inovação em práticas de incentivo à leitura e ao letramento digital. Mais do que tentar trazer respostas ou modelos prontos para o enfrentamento dos inúmeros dilemas que envolvem a escola, a leitura e as novas tecnologias, nossa ideia é compartilhar com vocês o pouco do caminho que temos percorrido nesta busca, e ressaltar algumas perguntas que ainda permeiam nossas inquietações. 1- Relato e seu contexto O que trazemos aqui é um pouco da experiência sobre a mediação de leitura literária e a produção colaborativa de textos a partir das redes sociais, vivenciadas recentemente por um grupo formado por três turmas de 2° ano do Ensino Médio do Colégio Estadual São José, em Palmas-TO, durante os meses de abril e maio deste ano. Trata-se de uma breve investigação sobre o projeto de leitura: O Guarani na Rede, concebido pela professora de Literatura do Ana Paula Vianna e pela estudante de comunicação e educadora da ONG Casa da Árvore, Laura Pedrini.
Esse exercício de criação didática ocorreu durante o programa de formação continuada de professores, Laboratório de Inovação em Práticas Pedagógicas, mediado por mim supervisionado pela coordenadora geral Leila Dias. Para este artigo observamos as atividades mediadas em sala de aula, a participação dos estudantes no grupo virtual constituído no whatsapp, alem de entrevista com as educadoras que conceberam e realizaram o projeto. 2- O projeto O projeto O Guarani na Rede foi desenvolvido como uma alternativa para um conteúdo programático de Literatura, tendo como foco a leitura e a interpretação da obra O Guarani, de José de Alencar, e o estudo sobre o Romantismo Brasileiro. A inspiração para a criação deste projeto de leitura veio de reflexões que Ana Paula e Laura fizeram sobre suas próprias experiências informais de leitura, sobretudo por meio das redes sociais, durante a formação realizada pela ONG. O objetivo das professoras foi experimentar práticas de mediação de leitura que pudessem integrar as necessidades didáticas previstas no currículo, com as necessidades sociais que os jovens atribuem à leitura e escrita no espaço virtual. Assim esta atividade foi construída sob a perspectiva de uma mediação tecnológica como estratégia para integrar situações e ambientes formais e não formais de aprendizagem e para a construção de uma rede de influenciadores de leitura entre os próprios alunos. A sequência didática foi planejada para 10 encontros, com tempo em 45 e 90 minutos cada. O desafio para as turmas era: Criar booktrailers para o Livro O Guarani. Vale ressaltar que a atividade foi proposta avaliativa e valeria 50% da nota do bimestre. As professoras previram um itinerário básico que constituía-se de cinco etapas:
1) Construção desafio 2) Leitura da obra 3) Produção Literária 4) Produção Experimental Multimídia 5) Socialização (compartilhamento)
Para este trabalho nós nos concentramos somente na segunda etapa, que foi a mediação de leitura. Nosso objetivo foi tentar identificar os impactos das estratégias didáticas construídas para este momento e, através disso, refletir sobre as possibilidades de integração entre práticas de letramento digital com a formação de leitores na escola. 3 - Redes Sociais e Mediação de Leitura Após serem provocados pelo desafio de produzir booktralers do livro O Guarani os alunos discutiram
uma trajetória para superar esse desafio. Todas as turmas decidiram pela leitura do livro como
primeiro passo do trabalho, prosseguido da escrita de um roteiro e a produção do vídeo.
O primeiro problema encontrado era a falta de uma quantidade suficiente de exemplares do livro em
questão. Embora tivesse previsto no plano de aula, partiu dos alunos a proposta de “digitalizar” o livro
através de fotos, ou mesmo buscar uma versão digital do mesmo, para possibilitar a leitura pelo
celular ou tablet.
As professoras então apresentaram a proposta de aproveitar o uso do celular para, além da leitura do
texto, escrever e compartilhar as impressões que cada um teve da obra. A ferramenta sugerida foi o
Whatsapp, uma vez que, em etapa anterior do projeto, foi identificado que 87% dos alunos era
usuários dessa rede social.
A rotina proposta pelas professoras foi:
- Dividir o livro em quatro partes: Os aventureiros, Peri, Os Aimorés, A Catástrofe e fazer a
leitura de uma parte por semana;
- Cada semana os grupos tinham que postar texto de um parágrafo com um resumo da
compreensão do grupo sobre esse conjunto de capítulos, observando critérios mínimos da
linguagem formal;
- Ao final da quarta semana os grupos teriam que produzir um texto final a partir dos
fragmentos postados durante as semanas anteriores, que serviria de base para a escrita do
roteiro na etapa seguinte.
Esse momento contou com resistência de muitos alunos que alegavam que o grupo na rede social se
transformaria em uma bagunça e o foco da leitura seria perdido. Foi proposto então a criação coletiva
de algumas regras básicas, que foi materializada em uma imagem que, todas vez que alguém julgasse
necessário, poderia ser publicada no grupo como mecanismo para manter o objetivo do espaço.
Já com algumas versões em PDF do livro baixadas anteriormente e links para acesso online, as
professoras compartilharam a obra no grupo no Whatsapp, iniciando assim a etapa da mediação.
A cada semana os alunos dispuseram de dois encontros em sala de aula com tempo disponível para
realizar esta etapa. Durante as aulas, os grupos tiveram autonomia para organizar a leitura da forma
que achasse melhor, contando que todos participassem.
Fora da sala de aula, em ambiente virtual, a mediação ficou por conta da educadora Laura, da ONG.
Sua atuação foi marcada, sobretudo pela publicação de curiosidades sobre a obra (em diversas
mídias) e por reforçar questões acordadas com a turma, como prazos, formato e características das
postagens.
5 - Impactos da prática
Apesar de uma recorrente resistência dos alunos participantes ao livro escolhido para a sequência
didática, ao longo das duas primeiras semanas observamos um engajamento gradual dos alunos ao
projeto, que era percebido dentro da sala de aula e no ambiente virtual criado na rede social em
questão.
Observamos que, de uma maneira geral, os grupos de alunos encontram uma forma parecida de
passar por esta etapa do projeto:
- criar subgrupos no Whatsapp;
- redividir o conjunto de capítulos do livro que compunham cada parte, e distribuir a
responsabilidade de leitura entre os integrantes do grupo;
- escrever e compartilhar os textos individuais (cada capítulo) no subgrupo do whatsapp;,
- pré-edição do texto referente a experiência de leitura de cada parte do livro por parte de um
integrante;
- Submissão do texto editado ao subgrupo, alteração e aprovação;
- Publicação do texto no grupo geral do projeto no Whatsapp.
Na sala de aula podemos destacar um movimento de aprendizagem espontânea, construída a partir
do uso de recursos do celular e da internet.
Dificuldades enfrentadas pelos alunos, como a limitação de vocabulário, levou a descoberta partir,
por exemplo, do uso de aplicativos de dicionários digital.
Outro motivador para aprendizagens e processos não previstos foi o interesse pessoal de cada
participante por assuntos que permearam a leitura e compreensão do livro O Guarani. A exemplo de
frequentes pesquisas sobre a vida do autor, sobre o contexto histórico em que a obra foi escrita e o
movimento literário ao qual é relacionada.
Através do mesmo meio, o celular (whatsapp, bluetooth, memórias físicas) este conhecimento
circulava livremente entre os alunos, integrando ambientes físicos e virtuais.
Fora da sala de aula, ao todo foram registradas 823 interações no grupo do Whatsapp, com mais de
80% destas interações relacionadas à leitura e compreensão da obra. Paralelo a isso, a educadora
Laura, registrou cerca de 30 interações privadas entre ela e alunos participantes, 90% relacionadas à
experiência de leitura. Nessas interações os principais tema estavam relacionados aos textos
publicados pelos grupos, sua legitimidade enquanto conteúdo autoral (não plagio dos próprios
colegas) e sua relação com a obra original.
Na avaliação da professora Ana Paula, o projeto atingiu os objetivos curriculares, superando suas
expectativas em relação ao índice de alunos que concluíram a leitura do livro e conseguiram se
expressar de maneira clara, compartilhando essa experiência de leitura e, consequentemente,
atuando como influenciadores e motivadores de leitura entre os próprios colegas.
6 - Reflexões e novas perguntas
Com esta experiência da ONG Casa da Árvore através do projeto “E se eu fosse o autor?”, pudemos
enxergar algumas maneiras possíveis de se trazer para a prática de sala de aula, muitas das reflexões
contemporâneas que permeiam a discussão sobre sociedade, educação e novas tecnologias.
Reconhecemos nos processos de criação e articulação de redes para a aprendizagem, constituídos
espontaneamente pelos alunos, o surgimento de “novas maneiras de pensar e conviver, elaboradas
no mundo das telecomunicações e da informática”, como sugere Pierre Levy.
Os grupos virtuais criados durante o projeto de leitura podem ser caracterizados como locais coletivos
de aprendizagem, onde “as potencialidades sociais e cognitivas de cada puderam desenvolver-se e
ampliar-se de maneira recíproca”, como também nos provoca Lévy em sua obra.
Os adolescentes aprenderam e ensinaram a si mesmos, contando com a orientação das professoras,
que tiveram uma atuação como mediadoras e estimuladoras do conhecimentos e não detentora do
saber. Na busca de uma “pedagogia da parceria” como caracteriza Prensk.
Reconhecemos ainda, que o uso das redes sociais como ambiente para construção de práticas de
aprendizagem favoreceu a integração das funções didática e sociais da leitura, favorecendo também
um maior engajamento dos participantes na atividade escolar de leitura.
A mediação tecnológica colaborativa na construção do sentido da obra literária foi uma estratégia que
possibilitou o aluno entender esse contexto cultural, compreendendo também sua própria existência.
O que lhe forneceu formas de perceber e organizar o real, com as quais pôde constituir instrumentos
psicológicos que fazem a mediação entre esse aluno e o mundo.
No meio digital a escrita foi a representação utilizada pelos participantes para expressarem seus
pensamentos mais elaborados. No whatsap o alunos puderam escrever, pensar sobre o que
escreveram, perceber erros, reescrever coletivamente e depois socializar esse texto.
Ou seja, uma maneira de encarar a linguagem não apenas como representação do mundo e do
pensamento ou como instrumento de comunicação, mas sim, acima de tudo, como forma de inter-
ação social, como nos provoca Ingedore Villaça Koch.
Diante disso nos parece cada vez mais urgente refletir sobre algumas questões, entre elas:
Como a escola pode inspirar-se na cultura de aprendizagem autônoma, constituída espontânea e
informalmente por nós nessa constante interação com esse ecossistema de telas de conexões em que
estamos inseridos, para rever sua cultura de formação de leitores?
Como construir uma abordagem curricular para o letramento digital na educação básica que possibilite
à escola, abrigar um conjunto de aprendizagens significativas para o século XXI?
Obrigado!
Referências
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 2007.
LEVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Edições Loyola,
1999.
Prensk, MArck., http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI153918-15224,00-
MARC+PRENSKY+O+ALUNO+VIROU+O+ESPECIALISTA.html