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1 Pero Vaz de Caminha (escrivão da frota de Cabral, que chegou ao Brasil em 22 de abril de 1500). Escreve sobre a terra: “Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul vimos, até à outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa. Traz ao longo do mar em algumas partes grandes barreiras, umas vermelhas, e outras brancas; e a terra de cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é toda praia... muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande; porque a estender olhos, não podíamos ver senão terra e arvoredos -- terra que nos parecia muito extensa. Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!” Sobre os habitantes dela: “A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo de roque de xadrez. E trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem lhes põe estorvo no falar, nem no comer e beber. Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta antes do que sobre-pente, de boa grandeza, rapados todavia por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte, na parte detrás, uma espécie de cabeleira, de penas de ave amarela, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena por pena, com uma confeição branda como, de maneira tal que a cabeleira era mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar.” Relato de Cristóvão Colombo, navegador italiano, que chegou às Américas em 1492, em nome da coroa espanhola. “Segunda, 10 de setembro (1492). – Entre o dia e a noite, percorreu sessenta léguas, a dez milhas por hora, o que vem a dar duas léguas e meia; mas só registrava quarenta e oito, para que ninguém se assustasse se a viagem fosse longa. Terça, 11 de setembro. – Nesse dia se mantiveram na rota, que era para o oeste, e percorreram mais de vinte léguas, e viram um grande pedaço do mastro de uma nau, de cento e vinte tonéis, que não puderam recolher. À noite percorrera cerca de vinte léguas, mas registrou apenas dezesseis, pelo motivo já apontado.” (Cristóvão Colombo. Diário da descoberta. Porto Alegre: L&PM , 1998. p. 34-5.) Colombo descreve os habitantes que encontrou na ilha de “Guanahani” (Bahamas – Watlings): “Depois vieram nadando até os barcos dos navios onde estávamos, trazendo papagaios e fio de algodão em novelos e lanças e muitas outras coisas, que trocamos por coisas que tínhamos conosco, como miçangas e guizos. Enfim, tudo aceitavam e davam do que tinham com a maior boa vontade. Mas me pareceu que era gente que não possuía praticamente nada. Andavam nus como a mãe lhes deu à luz; inclusive as mulheres, embora só tenha visto uma robusta rapariga. E todos os que vi eram

Material de apoio 1º ano

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Relatos que documentam as visões dos descobridores e viajantes europeus sobre a América e os índios, no século XVI.

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Pero Vaz de Caminha (escrivão da frota de Cabral, que chegou ao Brasil em 22 de abril de 1500).

Escreve sobre a terra:

“Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul vimos, até à outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa. Traz ao longo do mar em algumas partes grandes barreiras, umas vermelhas, e outras brancas; e a terra de cima toda chã e muito cheia degrandes arvoredos. De ponta a ponta é toda praia... muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande; porque a estender olhos, não podíamos ver senão terra e arvoredos -- terra que nos parecia muito extensa.Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!”

Sobre os habitantes dela:

“A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo de roque de xadrez. E trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem lhes põe estorvo no falar, nem no comer e beber. Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta antes do que sobre-pente, de boa grandeza, rapados todavia por cima das orelhas. E um deles trazia

por baixo da solapa, de fonte a fonte, na parte detrás, uma espécie de cabeleira, de penas de ave amarela, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena por pena, com uma confeição branda como, de maneira tal que a cabeleira era mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar.”

Relato de Cristóvão Colombo, navegador italiano, que chegou às Américas em 1492, em nome da coroa espanhola.

“Segunda, 10 de setembro (1492). – Entre o dia e a noite, percorreu sessenta léguas, a dez milhas por hora, o que vem a dar duas léguas e meia; mas só registrava quarenta e oito, para que ninguém se assustasse se a viagem fosse longa.

Terça, 11 de setembro. – Nesse dia se mantiveram na rota, que era para o oeste, e percorreram mais de vinte léguas, e viram um grande pedaço do mastro de uma nau, de cento e vinte tonéis, que não puderam recolher. À noite percorrera cerca de vinte léguas, mas registrou apenas dezesseis, pelo motivo já apontado.” (Cristóvão Colombo. Diário da descoberta. Porto Alegre: L&PM , 1998. p. 34-5.)

Colombo descreve os habitantes que encontrou na ilha de “Guanahani” (Bahamas – Watlings):

“Depois vieram nadando até os barcos dos navios onde estávamos, trazendo papagaios e fio de algodão em novelos e lanças e muitas outras coisas, que trocamos por coisas que tínhamos conosco, como miçangas e guizos. Enfim, tudo aceitavam e davam do que tinham com a maior boa vontade. Mas me pareceu que era gente que não possuía praticamente nada. Andavam nus como a mãe lhes deu à luz; inclusive as mulheres, embora só tenha visto uma robusta rapariga. E todos os que vi eram

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jovens, nenhum com mais de trinta anos de idade: muito bem-feitos, de corpos muito bonitos e cara muito boa; os cabelos grossos, quase como o pêlo do rabo de cavalos, e curtos, caem por cima das sobrancelhas, menos uns fios na nuca que mantêm longos, sem nunca cortar. Eles se pintam de preto, e são da cor dos canários, nem negros nem brancos, e se pintam de branco, e de encarnado, e do que bem entendem, e pintam a cara, o corpo todo, e alguns somente o nariz. Não andam com armas, que nem conhecem, pois lhes mostrei espadas, que pegaram pelo fio e se cortaram por ignorância”. (OP. Cit. p. 47).

Terra encontrada:

“Esta ilha é imensa e muito plana, de árvores verdíssimas e muitas águas, com uma vasta lagoa no meio, sem nenhuma montanha, e tão verde que dá prazer só em olhá-la;” (p. 48).

Seres fantásticos:

“Entendeu também que longe dali havia homens de um olho só e outros com cara de cachorro, que antropófagos e que, quando capturavam alguém, degolavam, bebendo-lhe o sangue e decepando as partes pudendas.” (Op. Cit. p. 62).

“Ontem (08/01/1493), quando o Almirante ia ao Río del Oro, diz que viu três sereias que saltaram bem alto, acima do mar, mas não eram tão bonitas como pintam, e que, de certo modo, tinham cara de homem.” (p. 95).

Religião no Novo Mundo:

“Tenho certeza, sereníssimas Majestades – diz o Almirante -, que sabendo a língua e orientados com boa disposição por pessoas devotas e religiosas, logo todos se converteriam

em cristãos; e assim confio em Nosso Senhor que Vossas Majestades se determinarão a isso com muita diligência para trazer para a Igreja tão grandes povos, e os converterão, assim como já destroçaram aqueles que se recusaram a professar a fé no Pai e no Filho e no Espírito Santo.” (p. 64).

Metais preciosos:

“E eu estava atento, me esforçando para saber se havia ouro, e vi que alguns traziam um pedacinho pendurado num furo que têm no nariz e, por sinais, consegui entender que indo para o sul ou contornando a ilha naquela direção, encontraria um rei que tinha grandes taças disso e em vasta quantidade.” (Op. Cit. p. 48).

O viajante alemão Hans Staden esteve no Brasil por volta de 1548, ele descreve o perigo pelo qual passou, quando foi capturado pelos índios:

“No dia anterior tinha eu mandado o meu escravo para o mato a procurar caça, e queria buscá-la no dia seguinte para ter alguma coisa que comer, pois naquele país não há muita coisa mais, além do que há no mato.

Quando eu ia indo pelo mato, ouvi dos dois lados do caminho uma grande gritaria, como costumam fazer os selvagens, e avançando para o meu lado. Reconhecei então que me tinham cercado e apontavam flechas sobre mim e atiravam. Exclamei: “Valha-me Deus!” Mal tinha pronunciado estas palavras quando me estenderam por terra, atirando sobre mim e picando-me com as lanças. Mas não me feriram mais (graças a Deus) do que em uma perna, despindo-me completamente. Um tirou-me a gravata, outro o chapéu, o terceiro a camisa etc., e começavam a disputar a minha posse, dizendo um que tinha sido o primeiro a chegar a mim, e o outro, que me tinha

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aprisionado. Enquanto isso se dava, bateram-me os outros com os arcos. Finalmente, dois levantaram-me, nu como estava, pegando-me um em um braço e o outro, no outro, com muitos atrás de mim e assim correram comigo pelo mato até o mar, onde tinham suas canoas. Chegando ao mar vi, à distância de um tiro de pedra, uma ou duas canoas suas, que tinham tirado para terra, por baixo de uma moita e com uma porção deles, em roda. Quando me avistaram trazido pelos outros, correram ao nosso encontro, enfeitados com plumas, como era costume, mordendo os braços, fazendo com isso compreender que me queriam devorar. Diante de mim, ia um rei com o bastão que serve para matar prisioneiros.

(Hans Staden. Viagem ao Brasil. São Paulo: Martin Claret, 2010. p. 68-9).

Relato de Jean de Léry (1577) sobre um lagarto brasileiro:

“(…) vendo sobre a encosta um lagarto muito maior que o corpo de um homem, e longo de seis a sete pés, o qual parecia coberto de escamas esbranquiçadas, ásperas e rugosas como conchas de ostras, uma das patas à frente, a cabeça erguida e os olhos cintilantes, parou imediatamente para nos observar. Vendo isto e não tendo nenhum de nossos arcabuzes nem pistolas, mas somente nossas espadas e, ao modo dos selvagens, cada um arco e flechas na mão (armas que não nos seriam muito úteis contra este furioso animal tão bem armado) temendo também se fugíssemos que ele corresse mais que nós, e que tendo- nos alcançado ele nos abocanhasse e devorasse...”

Poema do século XIX expressa o imaginário europeu, o medo do oceano e a coragem dos marinheiros que ousavam enfrentar os riscos do mar:

Monstrengo (Fernando Pessoa)

O mostrengo que está no fim do marNa noite de breu ergueu-se a voar;A roda da nau voou três vezes,Voou três vezes a chiar,

E disse: «Quem é que ousou entrarNas minhas cavernas que não desvendo,Meus tectos negros do fim do mundo?»E o homem do leme disse, tremendo:

«El-Rei D. João Segundo!»«De quem são as velas onde me roço?De quem as quilhas que vejo e ouço?»Disse o mostrengo, e rodou três vezes,

Três vezes rodou imundo e grosso.«Quem vem poder o que só eu posso,Que moro onde nunca ninguém me visseE escorro os medos do mar sem fundo?»

E o homem do leme tremeu, e disse:«El-Rei D. João Segundo!»Três vezes do leme as mãos ergueu,Três vezes ao leme as reprendeu,

E disse no fim de tremer três vezes:«Aqui ao leme sou mais do que eu:

Sou um povo que quer o mar que é teu;E mais que o mostrengo, que me a alma teme

E roda nas trevas do fim do mundo,Manda a vontade, que me ata ao leme,De El-Rei D. João Segundo!»

Fontes iconográficas

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• Além do oceano havia um abismo para o inferno, segundo o imaginário medieval à época das grandes navegações.

• Ritual antropofágico praticado por índios do Brasil (século XVI). Ao fundo está o viajante alemão Hans Staden.

• No Novo Mundo demônios e dragões devoram os seres humanos. (gravura publicada no livro de Léry, viajante francês que esteve o Brasil em 1558).