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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento Disciplina: EGC9001 2007/2 Sociedade da Informação Resenha: GIBSON, William. Neuromancer. São Paulo: Aleph, 2003. Professor: Prof. Hugo Cesar Hoeschl Aluna: Alessandra Maria Ruiz Galdo Florianópolis Dezembro de 2007

Neuromancer, William Gibson

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RESENHA: GIBSON, William. Neuromancer. São Paulo: Aleph, 2003.

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Page 1: Neuromancer, William Gibson

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Programa de Pós-Graduação em

Engenharia e Gestão do Conhecimento Disciplina: EGC9001 – 2007/2

Sociedade da Informação

Resenha:

GIBSON, William. Neuromancer. São Paulo: Aleph, 2003.

Professor: Prof. Hugo Cesar Hoeschl Aluna: Alessandra Maria Ruiz Galdo

Florianópolis Dezembro de 2007

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Alessandra Galdo

NEUROMANCER Um romance de cybercowboys e metafísica

Case via uma centena de rostos da floresta de néon,

marinheiros, vigaristas e prostitutas, lá onde o céu é

prata envenenada, muito além do cais e da prisão do

crânio.

Precisaria de um “deck simstin” (transmissor de sensações humanas na ficção

do Gibson) para compartilhar a experiência da leitura de NEUROMANCER. O

romance sci-fi de 1984 que deu origem ao termo “cyberespaço” é como uma

viagem acelerada por caminhos tortuosos. Visual, seu ritmo é vertiginoso e por

vezes quase sensorial, acompanhando as percepções do personagem

principal, o cybercowboy, Case. Percepções geralmente alteradas pelo uso de

droga e pela falta de fronteira entre o cyberespaço e o mundo real. Aliás, o que

distingue um do outro? Essa é apenas uma das muitas questões levantadas

durante a trama.

Inicialmente a história transcorre em algum lugar em Chiba City, o "submundo

das operações obscuras de transferência de dados e da genética ilegal" aonde

Case vagueia após ter sido inoculado com uma “micotoxina” russa que

danificara seu sistema nervoso central. Era a punição do chefe de uma

organização “tecnocriminosa” por seu subordinado o ter roubado, desviando

informações a um receptador em Amsterdã. Conseqüências da vida de

“ladrão trabalhando para outros ladrões mais ricos que forneciam o

software necessário para penetrar as paredes reluzentes dos

sistemas corporativos, abrindo janelas para os ricos bancos de

dados.”

Case, o eficiente hacker acostumado a

“operar com uma taxa de adrenalina quase sempre alta, uma mistura

de juventude e competência, com sua consciência fora do corpo

projetada na alucinação consensual da Matrix por meio de um deck

cyberespacial customizado”,

havia deixado o “Strawl“(região compreendida entre Boston e Atlanta ou BAMA

– Boston-Atlanta Metropolitan Axis) atrás de cura no submundo da medicina

clandestina em Chiba City. Tendo gasto todo dinheiro sem encontrar solução

para sua saúde, vagava por Night City e o Ninsey, local parecido com um

faroeste tecnológico, terra sem lei mantida pela Yakuza e pela

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“noção de que as novas tecnologias necessitavam de zonas fora da

lei para florescer, e que, portanto, Night City existia como um

playground deliberadamente não supervisionado para a tecnologia

em si mesma”.

Ali, cowboys mistos de hacker e traficantes comercializam, além de códigos

crackeados, "extrato glandular sintético" no mercado negro. Em um dado

momento Case passa em frente a uma "butique cirúrgica" observando,

indiferente, "vatgrown flesh" traduzido como “carne de cultura” (no sentido de

tecido humano) exposta na vitrine. O tradutor explica em nota: “Carne crescida

em tanques. Segundo a ficção de Gibson, será possível cultivar porções de

tecido animal vivo, inclusive humano, a partir de amostras do DNA”.

Nesse ponto a leitora se pergunta: Alguma relação entre vatgrown flesh do

Gibson e a produção de tecidos animas a partir de células-tronco? Ou o que há

de real, hoje, nessa viagem do Gibson de mais de 20 anos atrás? A pergunta

se faz em relação exclusivamente à produção de tecidos humanos porque todo

o conteúdo do romance conduz a inevitáveis comparações em relação ao

mundo tecnológico de hoje. Em resposta à pergunta feita por e-mail, o diretor

médico da Genzyme no Brasil, empresa americana de biotecnologia e

engenharia genética, Carlos Ruchaud esclarece:

“Os vat são realmente tanques de cultura, onde se cultivam células/tecidos. Por enquanto é possível cultivar células modificadas geneticamente. Os genes da enzima humana são inseridos no núcleo de uma determinada célula (bactéria ou animal), a qual “acredita” que o gene é dela. Assim, as células ditas transfectadas conseguem sobreviver e se multiplicar em tanques de cultura ou biorreatores onde encontram os nutrientes necessários e as condições são rigorosamente controladas. Tais células, que contêm o gene da enzima humana expressam e produzem uma enzima igual à humana. Depois de uns oito meses de cultura, todo o conteúdo do biorreator é drenado e a enzima aí existente é extraída e purificada, num complexo processo bioquímico e biofísico.”

Continuando a saga de nosso anti-herói, Case é perseguido e caçado por uma

“samurai das ruas”. Molly, jovem de cabelos pretos, roupa justa de couro preto,

lentes de prata em formato de olhos de inseto implantadas na pele, unhas

artificiais cor de vinho tinto borgonha debaixo das quais recolhiam-se

deslizantes dez lâminas de bisturi com quatro centímetros de comprimento

cada.

Molly informa a Case que sua missão seria “recolhê-lo” para seu chefe, o

misterioso Armitage que lhe oferece uma solução cirúrgica para retirar-lhe as

“micotoxinas” em troca de serviços cujo objetivo não é explicado e só se revela

no desenrolar da trama. Armitage dá a Case, um novo pâncreas, o livra da

infecção mas o mantém refém através da inoculação de outras toxinas.

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Problema para o qual só ele possui a solução que só será dada depois que o

cowboy realizar os serviços exigidos na “Matrix”, entidade que se originou nos

jogos eletrônicos do passado e nas experiências com conectores cranianos,

ligando todos ao cyberespaço...

“uma alucinação consensual vivida diariamente por bilhões de operadores autorizados, em todas as nações, por crianças aprendendo altos conceitos matemáticos... Uma representação gráfica de dados abstraídos dos bancos de todos os computadores do sistema humano. Uma complexidade impensável. Linhas de luz abrangendo o não-espaço da mente; nebulosas e constelações infindáveis de dados”.

A saga continua com Case e Molly se envolvendo em investigações paralelas e

outras cybergangs na tentativa de desvendar os mistérios que cercam

Armitage. Para tanto, precisam roubar o “constructo” de Linha Plana, ou seja,

uma cópia eletrônica da memória, e algo da personalidade de Dixie, amigo e

mentor morto de Case. O constructo é propriedade da Sense-Net, a rede de

comunicação que transmite programas de entretenimento através dos decks

simsits, equipamentos com os quais o espectador tem acesso às sensações

físicas e psicológicas dos personagens.

Na seqüência da trama, Molly e Case, ainda sem conhecer a extensão ou os

objetivos de seu trabalho, são levados a uma das ilhas de um arquipélago

orbital chamada “Freeside”. A essa altura percebem que o chefe Armitage, por

sua vez, segue ordens de “alguém” superior. Freeside é uma colônia espacial

de luxo “palácio de prazer e zona franca”, uma cidade que é “Las Vegas e os

jardins suspensos da Babilônia, uma Genebra em órbita”, um contraponto a

Chiba City:

“A luz filtrava-se pelas camadas da vegetação fresca que caía de jardineiras suspensas e das varandas sobre eles. O sol...Em algum lugar, em cima, havia um rasgo branco, brilhante, talvez brilhante demais, e o azul gravado do céu de Cannes. Case já sabia que o sol brilhava ali graças a um sistema Lado-Acheson [...] brilhando como uma imitação abstrata do pôr-do-sol nas Bermudas, atravessado por fiapos de nuvens gravadas.”

No caminho o grupo pára em Zion, uma colônia rastafári fundada por rebeldes,

ex trabalhadores na ilha orbital de luxo que se recusaram a voltar à terra. Zion

“cheirava a legumes cozidos, a humanidade e a maconha” e lá encontram

novos personagens que os ajudará a esclarecer os mistérios da trama.

Em Freeside, finalmente entram em contato o com o clã industrial de Tessler &

Ashpol, uma grande corporação de origem familiar. Seus conflitos existenciais

e familiares e a busca pela imortalidade dão origem a experiências de criogenia

e aos investimentos nas Inteligências Artificiais (IAs).

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Nesse ponto da trama, toma força o embate entre os humanos do romance de

Gibson e as IAs através de disputas, questionamentos metafísicos, ricos

diálogos e surpresas do final do livro.

Humanos e IAs. Afinal, quem controla quem? O que é real, o que não é? O que

é a imortalidade? Seria Deus, uma IA?

São algumas das questões que o autor lança ao final da leitura entrecortada de

ação, romance, perversões, ficção científica e suspense.