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EM ESTADO DE MINAS DOMINGO, 14 DE ABRIL DE 2013 EDITOR: João Paulo Cunha EDITORA-ASSISTENTE: Ângela Faria E-MAIL: [email protected] TELEFONE: (31) 3263-5126 Açafrão-da-terra é o nome popular da cúrcuma, tempero asiático que valoriza qualquer preparo. LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS degusta COM TODAS AS LETRAS Relação feita a partir da escolha de especialistas identifica entre os maiores escritores Machado de Assis e Dalton Trevisan e consagra Grande sertão: veredas como o grande livro de nossa literatura Ao longo de três semanas, com o objetivo de fazer um levantamento sobre o que de melhor a literatura brasileira produziu e tem produzido ao longo da história, nos campos da poesia e da ficção, o Estado de Minas entrou em contato com 50 intelectuais de vários estados e instituições ligadas à literatura, como universidades, revistas especializadas, cadernos de cultura de grandes jornais, centros de pesquisa e projetos literários e de incentivo à leitura. A eles foi pedido que indicassem, de acordo com suas preferências: a) os cinco melhores escritores vivos da literatura brasileira; b) os cinco melhores escritores da literatura brasileira de todos os tempos; c) os cinco melhores livros da literatura brasileira, ficção e poesia, de todos os tempos. CARLOS HERCULANO LOPES omo critério, optou-se por evitar o convite a escritores, candidatos naturais, para participar da pesquisa. Em al- guns casos, como no campo das letras muitas vezes os ofícios se sobrepõem, alguns ensaístas, professores e jor- nalistas que participaram da escolha são também auto- res de obras de ficção e poesia, mas sempre com nítida primazia da atividade crítica ou de pesquisa sobre a da literatura de invenção. O resultado, como todas as listas da mesma natureza, por um lado consagra o cânone, por outro revela interes- santes surpresas, que mostram a dinâmica que perpas- sa o setor cultural. Mesmo as mais consagradas escolhas carregam a marca do seu tempo. Além disso, o resulta- do, como se vai conferir nesta edição, acaba por consti- tuir um repertório variado, que vale por um projeto de leitura para quem busca conhecer a literatura brasileira. Ao analisar os resultados da enquete, Letícia Malard, professora emérita de literatura da UFMG, aponta para três tendências. A primeira seria a de dar prioridade à prosa, uma vez que, dentre os cinco melhores escritores vivos, consta um poeta apenas, o maranhense Ferreira Gullar. A segunda tendência apontada pela especialista foi a de os jurados prestigiarem, nos primeiros cinco lu- gares, autores vivos muito idosos: o mais novo, o ama- zonense Milton Hatoum, tem 60 anos, os outros estão com mais de 80. E a terceira observação apontada por ela diz respeito ao fato de parte dos jurados não incluírem escritores vivos nem livros deles entre os melhores de todos os tempos, apesar da grande vitalidade e de nomes de primeira categoria na literatura brasileira atual. Para o professor de literatura, romancista e crítico lite- rário Silviano Santiago, que não participou da pesquisa mas teve seu nome citado entre os melhores da literatu- ra brasileira contemporânea, não há como questionar esse tipo de lista, como não se questiona, no regime de- mocrático, a vitória de político por sufrágio universal. “Poderia dizer, no entanto, que talvez tenha faltado pai- xão amorosa para colocar entre os melhores da literatu- ra brasileira de todos os tempos nomes com o Mário e Oswald de Andrade, ao lado de José de Alencar. Talvez ti- vesse sido melhor substituir um segundo Graciliano, de Vidas secas, pelo comovente poema dramático Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto”, diz. Ainda de acordo com Santiago, talvez, se lembrado “o fervor à sustança clássica no pós-modernismo”, Au- tran Dourado tivesse sido eleito, e é provável que tam- bém tenha faltado “a grita da arraia-miúda nacional” pa- ra conduzir Lima Barreto ou Cruz e Sousa ao pódio. “Tal- vez tenha pesado preconceito de gênero, para não se le- var em conta um João do Rio ou Hilda Hilst, entre ou- tros. A unaminidade pensa a literatura de modo incons- ciente, simpático e feliz”, avalia. BRUXO E VAMPIRO Os escolhidos pela maioria de votos nas três categorias – melhor escritor brasileiro, melhor li- vro de todos os tempos e melhor escritor brasileiro vivo – consagram respectivamente Machado de Assis; Gran- de sertão: veredas, de Guimarães Rosa; e Dalton Trevisan. É um conjunto aparentemente heterogêneo, que vai de um escritor elegantemente clássico a um autor que se ca- racteriza pela secura extrema, passando pela obra mítica e barroca do escritor mineiro. De um século ao outro, não é exagero dizer que a centralidade da linguagem em Ma- chado prenuncia o modernismo de Rosa. Há um fio que foi puxado pelo próprio Dalton ao re- ceber, no ano passado, o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras. O Vampiro de Curitiba es- creveu em carta à direção da casa, referindo-se a Macha- do de Assis: “Ele nos incitou, o grande bruxo, no prazer secreto da leitura”. Rosa, de certa forma, foi um testemu- nho silencioso nessa conversa entre o vampiro e o bruxo. Conhecedor das manhas do diabo, ele sabia que o senti- do não estava no passado nem se esgotaria no futuro. Na literatura, como na vida, o que há é travessia. C Melhores livros da literatura brasileira Grande sertão: veredas Guimarães Rosa, 1956 Memórias póstumas de Brás Cubas Machado de Assis, 1880 Dom Casmurro Machado de Assis, 1899 Vidas secas Graciliano Ramos, 1938 São Bernardo Graciliano Ramos, 1934 Melhores escritores brasileiros de todos os tempos Machado de Assis (1839-1908) Guimarães Rosa (1908-1967) Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) Graciliano Ramos (1892-1953) Clarice Lispector (1920-1977) Melhores escritores brasileiros vivos Dalton Trevisan (1925) Ferreira Gullar (1930) Lygia Fagundes Telles (1923) Milton Hatoum (1952) Rubem Fonseca (1925) ESPECIAL ILUSTRAÇÃO: MARCELO LELIS LEIA MAIS SOBRE A ESCOLHA DOS LIVROS E AUTORES MAIS IMPORTANTES DA LITERATURA BRASILEIRA PÁGINAS 4, 5 E 6

Os melhores da literatura brasileira

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Page 1: Os melhores da literatura brasileira

E MESTADO DE MINAS ● D O M I N G O , 1 4 D E A B R I L D E 2 0 1 3 ● E D I T O R : J o ã o P a u l o C u n h a ● E D I T O R A - A S S I S T E N T E : Â n g e l a F a r i a ● E - M A I L : c u l t u r a . e m @ u a i . c o m . b r ● T E L E F O N E : ( 3 1 ) 3 2 6 3 - 5 1 2 6

★★ Açafrão-da-terra éo nome popular dacúrcuma, temperoasiático que valorizaqualquer preparo.

LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS

degusta

COM TODAS AS

LETRAS

Relação feita a partir da escolha de especialistas identifica entre osmaiores escritores Machado de Assis e Dalton Trevisan e consagraGrande sertão: veredas como o grande livro de nossa literatura

Ao longo de três semanas, com o objetivo de fazer um levantamento sobre o que de melhor a

literatura brasileira produziu e tem produzido ao longo da história, nos campos da poesia e da

ficção, o Estado de Minas entrou em contato com 50 intelectuais de vários estados e instituições

ligadas à literatura, como universidades, revistas especializadas, cadernos de cultura de grandes

jornais, centros de pesquisa e projetos literários e de incentivo à leitura. A eles foi pedido que

indicassem, de acordo com suas preferências: a) os cinco melhores escritores vivos da literatura

brasileira; b) os cinco melhores escritores da literatura brasileira de todos os tempos; c) os cinco

melhores livros da literatura brasileira, ficção e poesia, de todos os tempos.

CARLOS HERCULANO LOPES

omo critério, optou-se por evitar o convite a escritores,candidatos naturais, para participar da pesquisa. Em al-guns casos, como no campo das letras muitas vezes osofícios se sobrepõem, alguns ensaístas, professores e jor-nalistas que participaram da escolha são também auto-res de obras de ficção e poesia, mas sempre com nítidaprimazia da atividade crítica ou de pesquisa sobre a daliteratura de invenção.

O resultado, como todas as listas da mesma natureza,por um lado consagra o cânone, por outro revela interes-santes surpresas, que mostram a dinâmica que perpas-sa o setor cultural. Mesmo as mais consagradas escolhascarregam a marca do seu tempo. Além disso, o resulta-do, como se vai conferir nesta edição, acaba por consti-tuir um repertório variado, que vale por um projeto deleitura para quem busca conhecer a literatura brasileira.

Ao analisar os resultados da enquete, Letícia Malard,professora emérita de literatura da UFMG, aponta paratrês tendências. A primeira seria a de dar prioridade àprosa, uma vez que, dentre os cinco melhores escritoresvivos, consta um poeta apenas, o maranhense FerreiraGullar. A segunda tendência apontada pela especialistafoi a de os jurados prestigiarem, nos primeiros cinco lu-gares, autores vivos muito idosos: o mais novo, o ama-zonense Milton Hatoum, tem 60 anos, os outros estãocom mais de 80. E a terceira observação apontada por eladiz respeito ao fato de parte dos jurados não incluíremescritores vivos nem livros deles entre os melhores detodos os tempos, apesar da grande vitalidade e de nomesde primeira categoria na literatura brasileira atual.

Para o professor de literatura, romancista e crítico lite-rário Silviano Santiago, que não participou da pesquisamas teve seu nome citado entre os melhores da literatu-ra brasileira contemporânea, não há como questionaresse tipo de lista, como não se questiona, no regime de-mocrático, a vitória de político por sufrágio universal.“Poderia dizer, no entanto, que talvez tenha faltado pai-

xão amorosa para colocar entre os melhores da literatu-ra brasileira de todos os tempos nomes com o Mário eOswald de Andrade, ao lado de José de Alencar. Talvez ti-vesse sido melhor substituir um segundo Graciliano, deVidas secas, pelo comovente poema dramático Morte evida severina, de João Cabral de Melo Neto”, diz.

Ainda de acordo com Santiago, talvez, se lembrado“o fervor à sustança clássica no pós-modernismo”, Au-tran Dourado tivesse sido eleito, e é provável que tam-bém tenha faltado “a grita da arraia-miúda nacional” pa-ra conduzir Lima Barreto ou Cruz e Sousa ao pódio. “Tal-vez tenha pesado preconceito de gênero, para não se le-var em conta um João do Rio ou Hilda Hilst, entre ou-tros. A unaminidade pensa a literatura de modo incons-ciente, simpático e feliz”, avalia.

BRUXO E VAMPIRO Os escolhidos pela maioria de votosnas três categorias – melhor escritor brasileiro, melhor li-vro de todos os tempos e melhor escritor brasileiro vivo– consagram respectivamente Machado de Assis; Gran-de sertão: veredas, de Guimarães Rosa; e Dalton Trevisan.É um conjunto aparentemente heterogêneo, que vai deumescritorelegantementeclássicoaumautorqueseca-racteriza pela secura extrema, passando pela obra míticaebarrocadoescritormineiro.Deumséculoaooutro,nãoé exagero dizer que a centralidade da linguagem em Ma-chado prenuncia o modernismo de Rosa.

Há um fio que foi puxado pelo próprio Dalton ao re-ceber, no ano passado, o Prêmio Machado de Assis daAcademia Brasileira de Letras. O Vampiro de Curitiba es-creveu em carta à direção da casa, referindo-se a Macha-do de Assis: “Ele nos incitou, o grande bruxo, no prazersecreto da leitura”. Rosa, de certa forma, foi um testemu-nho silencioso nessa conversa entre o vampiro e o bruxo.Conhecedor das manhas do diabo, ele sabia que o senti-do não estava no passado nem se esgotaria no futuro. Naliteratura, como na vida, o que há é travessia.

CMelhores livrosda literatura brasileira

● Grande sertão: veredasGuimarães Rosa, 1956

● Memórias póstumas de Brás CubasMachado de Assis, 1880

● Dom CasmurroMachado de Assis, 1899

● Vidas secasGraciliano Ramos, 1938

● São BernardoGraciliano Ramos, 1934

Melhores escritores brasileirosde todos os tempos

● Machado de Assis (1839-1908)

● Guimarães Rosa (1908-1967)

● Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

● Graciliano Ramos (1892-1953)

● Clarice Lispector (1920-1977)

Melhores escritoresbrasileiros vivos

● Dalton Trevisan (1925)

● Ferreira Gullar (1930)

● Lygia Fagundes Telles (1923)

● Milton Hatoum (1952)

● Rubem Fonseca (1925)

ESPE

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ILUSTRAÇÃO: MARCELO LELIS

LEIA MAIS SOBRE A ESCOLHA DOS LIVROS E AUTORES MAIS IMPORTANTES DA LITERATURA BRASILEIRAPÁGINAS 4, 5 E 6

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CULTURA

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Num recanto, o mundo38 NOMES FORAMCITADOS ENTRE OS

MELHORES AUTORESBRASILEIROS DE TODOSOS TEMPOS. DESTES 33SÃO HOMENS E 5 SÃO

MULHERES

MAIORES ESCRITORES BRASILEIROSDE TODOS OS TEMPOS(POR ORDEM DE VOTAÇÃO)

1) MACHADO DE ASSIS, Rio de Janeiro (1839-1908)2) GUIMARÃES ROSA, Minas Gerais (1908-1967)3) CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, Minas Gerais (1902-1987)4) GRACILIANO RAMOS, Alagoas (1892-1953)5) CLARICE LISPECTOR, nascida na Ucrânia, viveuem Pernambuco e no Rio de Janeiro (1920-1977)6) JOÃO CABRAL DE MELO NETO, Pernambuco (1920-1999)7) CASTRO ALVES, Bahia (1847-1891)8) GREGÓRIO DE MATOS, Bahia (1636-1696)9) EUCLIDES DA CUNHA, Rio de Janeiro (1866-1909)10) CECÍLIA MEIRELES, Rio de Janeiro (1901-1964)11) CAIO FERNANDO ABREU, Rio Grande do Sul (1948-1996)12) ERICO VERISSIMO, Rio Grande do Sul (1905-1975)13) GONÇALVES DIAS, Maranhão (1823-1864)14) LIMA BARRETO, Rio de Janeiro (1881-1922)15) NELSON RODRIGUES, Pernambuco (1912-1980)16) OSWALD DE ANDRADE, São Paulo (1890-1954)17) CRUZ E SOUSA, Santa Catarina (1861-1898)18) JOSÉ DE ALENCAR, Ceará (1829-1877)19) MANUEL BANDEIRA, Pernambuco (1886-1968)20) DALTON TREVISAN, Paraná (1925)21) AUTRAN DOURADO, Minas Gerais (1926-2012)22) HILDA HILST, São Paulo (1930-2004)23) LÚCIO CARDOSO, Minas Gerais (1913-1968)24) JOÃO UBALDO RIBEIRO, Bahia (1941)25) JORGE DE LIMA, Alagoas (1895-1953)26) JOSÉ LINS DO REGO, Paraíba (1901-1957)27) LYGIA FAGUNDES TELLES, São Paulo (1923)28) RUBEM BRAGA, Espírito Santo (1913-1990)29) SOUSÂNDRADE, Maranhão (1832-1902)30) CARLOS PENA FILHO, Pernambuco (1929-1960)31) MÁRIO DE ANDRADE, São Paulo (1893-1945)32) MOACYR SCLIAR, Rio Grande do Sul (1937-2011)33) OSMAN LINS, Pernambuco (1924-1978)34) RACHEL DE QUEIRÓS, Ceará (1910-2003)35) RUBEM FONSECA, Minas Gerais (1925)36) VINICIUS DE MORAES, Rio de Janeiro (1913-1980)37) DALCÍDIO JURANDIR, Pará (1909- 1979)38) HUGO DE CARVALHO RAMOS, Goiás (1895-1921)

JOÃO PAULO

No soneto que escreveu para a mulher,Carolina, Machado de Assis (1839-1908) definiu em um verso o traba-lho de sua vida: “E num recanto pôsum mundo inteiro”. Nascido no Rio

de Janeiro, cidade da qual não se afastou mais de200 quilômetros, o escritor não apenas realizou amais importante obra de nossas letras como al-cançou um grau de universalidade único. Clássicona expressão, tudo em Machado parece ser atra-vessado pela ambiguidade. Talvez por isso, maisde um século depois de sua morte, ele não apenaspareça moderno como desafie a compreensão dacrítica e alimente a admiração de leitores em todoo mundo. Um grande autor reflete seu tempo. Osgênios criam sua posteridade.

Todos os leitores brasileiros passam pela expe-riência de ler Machado de Assis no colégio. Muitasvezes, ao retornarem à leitura na maturidade, fi-cam impressionados. Esse senso de estranhamen-to e descoberta, no sentido metafórico, acompa-nhou a sociedade brasileira em sua capacidade decompreensão de nosso maior escritor. Sua época,como um adolescente, reconheceu no autor deDom Casmurro os méritos da linguagem, da nar-ração e do sentido psicológico. No entanto, à medi-da que o tempo corria, a leitura de Machado foi en-contrando outros valores e sutilezas.

O retratista do Segundo Reinado foi tambémseu maior crítico e mais acurado intérprete de nos-

sas mazelas. No que seria mais uma ambiguidadedo escritor, o que pareceu a muitos certo distan-ciamento e alienação das questões sociais e políti-cas foi, na verdade, a invenção de um modo de ex-pressão próprio, marcado pela ironia, originalida-de e acurada leitura política, capaz de perceber odescompasso entre a realidade e as ideias que asustentavam. Vivíamos com a carne escravista epatriarcal uma sociedade em que a liberdade sóhabitava a mente das elites.

O estilo do escritor é mais um exemplo da ri-queza ambígua de sua presença em nossa cultu-ra. Mesmo tendo se tornado um modelo de ex-pressão, pela elegância e humor, o estilo macha-diano parece negar o tempo todo sua própria ori-gem. Mesmo se exprimindo prioritariamente pe-la ficção, tanto no romance como no conto, Ma-chado nunca o fez por mero entretenimento. Suaprosa reflexiva deixava sempre no ar “certas per-plexidades não resolvidas”, na expressão do crí-tico Antonio Candido.

Todos esses aspectos parecem se unir para darconta do projeto do escritor. Machado, no seu ar-caísmo aparente, sempre foi moderno; em seuclassicismo perfeito, abriu espaço para o experi-mentalismo com a linguagem. Mas nada disso émais importante que seu empenho em colocarem letra os grandes temas brasileiros e universaisque compõem sua obra. E é exatamente o fato denão se prender às modas (inventando outra ex-pressão a partir do molde clássico) e às demandaschinfrins de sua época (colocando em foco ques-

tões universais) que Machado de Assis garante olugar de interesse que hoje desperta no mundo,como comprovam a admiração de nomes comoSusan Sontag e Harold Bloom, entre outros.

Se o leitor do século 19 conheceu o estilista,o século 20 o filósofo e o psicólogo, ficou para onosso tempo a grande tarefa de um olhar amplosobre a obra do escritor. Seguindo a inspiraçãode Antonio Candido, as grandes provocações queemanam da obra machadiana talvez sejam aquestão da identidade (e da loucura), acerca darelação entre o fato real e imaginado, sobre osentido da ação no mundo, e em relação aos li-mites postos à realidade para a construção deuma sociedade mais justa e de homens mais li-vres. Machado de Assis tocou em todos esses te-mas, que parecem tão presentes no mundo dehoje, por meio de personagens como Brás Cubas,Capitu, Pestana e Bacamarte.

Machado é moderno por antecipação: pôs alinguagem acima do enredo, equilibrou imagina-ção e entendimento, criou uma narrativa emfractais, fez do diálogo irônico e do contato como leitor um modo de expressão que antecipouseus pares europeus em matéria de técnica. Oque é revolução na forma é ainda mais surpreen-dente na essência, sobretudo em seu caráter crí-tico das nossas usanças em política e organizaçãosocial. O monarquista Machado de Assis foi nos-so mais revolucionário adversário da alienação. Efez tudo isso sem sair do Rio de Janeiro. Num re-canto, o mundo inteiro.

DISTRIBUIÇÃO POR ESTADO DOS MAISIMPORTANTES ESCRITORES BRASILEIROSDE TODOS OS TEMPOS

QUEM VOTOU

DOS 38 INDICADOS, 13SÃO POETAS E 25

PROSADORES, SENDOQUE, ENTRE ESTES,ALGUNS TAMBÉM

PUBLICARAM LIVROS DEPOEMAS. APENAS UM SE

TORNOU CONHECIDOPRINCIPALMENTE PELAOBRA TEATRAL, NELSON

RODRIGUES (QUE FOITAMBÉM CRONISTA,

MEMORIALISTA ECONTISTA)

Armando Antenore, redator-chefe da revista Bravo, SP; Aude-maro Taranto, professor de literatura da PUC/MG; Afonso Bor-ges, projeto Sempre um papo, MG; Aleilton Fonseca, professorde literatura da Universidade Estadual de Feira de Santana, BA;Angelo Oswaldo, jornalista, membro da Academia Mineira deLetras, MG; Benjamin Abdala Jr., professor titular de literaturabrasileira da USP, SP; Carlos Marcelo, editor-chefe do jornalEstado de Minas, MG; Cláudio Willer, jornalista e ensaísta, SP;Carlos Ribeiro, professor de jornalismo da Universidade Federaldo Recôncavo Baiano, BA; Claudiney Ferreira, jornalista e ge-rente de audiovisual do Itaú Cultural, SP; Ésio Macedo Ribeiro,ensaísta e crítico literário, DF; Eneida Maria de Souza, profes-sora emérita de literatura brasileira da UFMG; Edgard Murano,jornalista, editor da revista Metáfora, SP; Francisco Bosco, en-saísta e colunista de O Globo, RJ; Flávio Loureiro Chaves, pro-fessor de literatura brasileira da Universidade Federal do RioGrande do Sul, RS; Fernanda Coutinho, professora de literaturada Universidade Federal da Paraíba, PB; Ivety Walty, professorade literatura brasileira da PUC/MG; José Eduardo Gonçalves,Ofício da Palavra, MG; Jorge Pieiro, ensaísta e crítico literário,CE; João Paulo, editor de Cultura do Estado de Minas, MG;Jaime Prado Gouvêa, editor do Suplemento Literário de MinasGerais, MG; Josélia Aguiar, jornalista e crítica literária, SP; LigiaCademartori, doutora em teoria da literatura e ex-professorada Universidade de Brasília, DF; Lucília de Almeida Neves, pro-fessora dos cursos de pós-graduação em história e direitoshumanos da Universidade de Brasília, DF; Luciana Vilas-Boas,jornalista e agente literária, RJ; Letícia Malard, professoraemérita de literatura da UFMG; Leyla Perrone-Moisés, profes-sora de literatura da Universidade de São Paulo, SP; Luci Collin,professora de literatura da Universidade Federal do Paraná,PR; Luis Augusto Fischer, professor de literatura da Universida-de Federal do Rio Grande do Sul, RS; Lúcia Riff, agente literária,RJ; Márcia Marques de Morais, professora de literatura naPUC/MG; Maria Adélia Menegazzo, professora de teoria da li-teratura da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, MS;Nahima Maciel, do Correio Braziliense, DF; Ninfa Parreiras,professora de literatura da Estação das Letras/FNLIJ, RJ; NoemiJaffe, crítica literária e professora de literatura da PUC/SP;Paulo Paniago, jornalista e professor de literatura da Universi-dade de Brasília, DF; Piero Eyben, professor de literatura daUniversidade Federal de Brasília, DF; Paulo Goethe, do Diáriode Pernambuco, PE; Raquel Naveira, professora de literaturana Universidade Anhembi-Murumbi, SP; Ronaldo Cagiano,jornalista e crítico literário, SP; Rinaldo de Fernandes, profes-sor de literatura da Universidade Federal da Paraíba, PB; RuthSilviano Brandão, professora emérita da UFMG; Regina Zilber-man, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,RS; Selma Caetano, curadora do Prêmio Portugal Telecom deLiteratura, SP; Sonia Torres, professora de literatura e línguaportuguesa da Universidade Federal Fluminense, RJ; SuzanaVargas, produtora cultural da Estação das Letras, RJ; SuênioCampos de Lucena, ensaísta e crítico literário, BA; Sérgio deSá, professor da Faculdade de Comunicação da Universidadede Brasília, DF; Severino Francisco, do Correio Braziliense, DF;Wander Melo Miranda, professor de literatura da UFMG.

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CULTURA

E S T A D O D E M I N A S ● D O M I N G O , 1 4 D E A B R I L D E 2 0 1 3

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1) GRANDE SERTÃO: VEREDAS, de Guimarães Rosa, Minas Gerais 2) MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS, de Machado de Assis, Rio de Janeiro 3) DOM CASMURRO, de Machado de Assis, Rio de Janeiro 4) VIDAS SECAS, de Graciliano Ramos,Alagoas 5) SÃO BERNARDO, de Graciliano Ramos, Alagoas 6) A PAIXÃO SEGUNDO GH, de Clarice Lispector, nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira, viveu em Pernambuco e no Rio de Janeiro 7) A ROSA DO POVO, de Carlos Drummond de An-drade, Minas Gerais 8) MACUNAÍMA, de Mário de Andrade, São Paulo 9) EDUCAÇÃO PELA PEDRA, de João Cabral de Melo Neto, Pernambuco 10) CLARO ENIGMA, de Carlos Drummond de Andrade, Minas Gerais 11) OS SERTÕES, de Euclides daCunha, Rio de Janeiro 12) A HORA DA ESTRELA, de Clarice Lispector 13) ALGUMA POESIA, de Carlos Drummond de Andrade, Minas Gerais 14) O TEMPO E O VENTO, de Erico Verissimo, Rio Grande do Sul 15) A INVENÇÃO DE ORFEU, de Jorge de Lima,Alagoas 16) ANGÚSTIA, de Graciliano Ramos, Alagoas 17) LAÇOS DE FAMÍLIA, de Clarice Lispector 18) MORTE E VIDA SEVERINA, de João Cabral de Melo Neto, Pernambuco 19) MENINA MORTA, de Cornélio Pena, Rio de Janeiro 20) ROMANCEIRODA INCONFIDÊNCIA, de Cecília Meireles, Rio de Janeiro 21) CRÔNICA DA CASA ASSASSINADA, de Lúcio Cardoso, Minas Gerais 22) AVALOVARA, de Osman Lins, Pernambuco 23) CRÔNICA DO VIVER BAIANO SEISCENTISTA, de Gregório de Matos,Bahia 24) MEMORIAL DE AIRES, de Machado de Assis, Rio de Janeiro 25) RÚTILO NADA, de Hilda Hilst, São Paulo 26) A INVENÇÃO DO MAR, de Gerardo Mello Mourão, Rio de Janeiro 27) AS MENINAS, de Lygia Fagundes Telles, São Paulo 28) ESAÚE JACÓ, de Machado de Assis, Rio de Janeiro 29) ESPUMAS FLUTUANTES, de Castro Alves, Bahia 30) MEMÓRIAS DO CÁRCERE, de Graciliano Ramos, Alagoas 31) O ATENEU, de Raul Pompéia, Rio de Janeiro32) OS VELHOS MARINHEIROS E A MORTE E A MORTE DE QUINCAS BERRO D’AGUA, de Jorge Amado, Bahia 33) POEMA SUJO, de Ferreira Gullar, Maranhão 34) CONTOS DO IMIGRANTE, de Samuel Rawet (nascido na Polônia, viveu no Rio de Ja-neiro e Brasília) 35) CORPO DE BAILE, de Guimarães Rosa, Minas Gerais 36) ESTRELA DA VIDA INTEIRA, de Manuel Bandeira, Pernambuco 37) INCIDENTE EM ANTARES, de Erico Verissimo, Rio Grande do Sul 38) LIÇÃO DAS COISAS, de Carlos Drum-mond de Andrade, Minas Gerais 39) MENINO DE ENGENHO, de José Lins do Rego, Paraíba 40) OBRA REUNIDA, de Campos de Carvalho, Minas Gerais 41) O GUESA ERRANTE, de Sousândrade, Maranhão 42) O MEZ DA GRIPPE, de Valêncio Xavier,São Paulo 43) O QUINZE, de Rachel de Queirós, Ceará 44) PERTO DO CORAÇÃO SELVAGEM, de Clarice Lispector 45) POEMAS NEGROS, de Jorge de Lima, Alagoas 46) PRIMEIROS CANTOS, de Gonçalves Dias, Maranhão 47) SENTIMENTO DO MUN-DO, de Carlos Drummond de Andrade, Minas Gerais 48) SINOS DA AGONIA, de Autran Dourado, Minas Gerais 49) VIVA O POVO BRASILEIRO, de João Ubaldo Ribeiro, Bahia 50) CATRÂMBIAS, de Evandro Afonso Ferreira, Minas Gerais 51) CRÔNICASREUNIDAS, de Rubem Braga, Espírito Santo 52) ELES ERAM MUITOS CAVALOS, de Luiz Ruffato, Minas Gerais 53) EU, de Augusto dos Anjos, Paraíba 54) GABRIELA, CRAVO E CANELA, de Jorge Amado, Bahia 55) GALÁXIAS, de Haroldo de Campos,São Paulo 56) MAÇÃO NO ESCURO, de Clarice Lispector 57) O PIROTÉCNICO ZACARIAS, de Murilo Rubião, Minas Gerais 58) PELO FUNDO DA AGULHA, de Antônio Torres, Bahia 59) RELATO DE UM CERTO ORIENTE, de Milton Hatoum, Amazonas 60)ROMANCE DA PEDRA DO REINO, de Ariano Suassuna, Paraíba 61) SAGARANA, de Guimarães Rosa, Minas Gerais 62) ESTRELA DA MANHÃ, de Manuel Bandeira, Pernambuco 63) LAVOURA ARCAICA, de Raduan Nassar, São Paulo 64) MEMÓRIASSENTIMENTAIS DE JOÃO MIRAMAR, de Oswald de Andrade, São Paulo 65) O ALBATROZ AZUL, de João Ubaldo Ribeiro, Bahia 66) O CÃO SEM PLUMAS, de João Cabral de Melo Neto, Pernambuco 67) O ENCONTRO MARCADO, de Fernando Sabino,Minas Gerais 68) SÍTIO DO PICA-PAU AMARELO, de Monteiro Lobato, São Paulo 69) TODA POESIA, de Paulo Leminski, Paraná 70) TU, NÃO TE MOVES DE TI, de Hilda Hilst, São Paulo

OS LIVROS ELEITOS

O sertão espiritualCARLOS HERCULANO LOPES

Momento único na literatura brasilei-ra, no qual exercício estético e filosófico semistura a uma genial recriação da lingua-gem e erudição, Grande sertão: veredas, deJoão Guimarães Rosa, mineiro de Cordis-burgo, foi publicado em 1956, ano dosmais profícuos para a literatura brasileirado século 20.

No romance, que colocou seu autor en-tre os grandes da literatura universal – e foiescolhido como o melhor romance brasi-leiro de todos os tempos –, um jagunçoaposentado, Riobaldo Tatarana, narra a umouvinte oculto, que o visita em sua fazen-da, suas peripécias como ex-chefe de umbando de guerreiros que fez e aconteceunos sertões de Minas Gerais, numa épocanão especificada, mas provavelmente nasprimeiras décadas do século passado. Tam-bém se mostra, no correr da narrativa – eeste é um dos seus maiores dramas –, ob-cecado pela existência ou não do diabo,por ele nomeado de várias maneiras.

Como pano de fundo, mola mestraque sustenta a história, o amor proibido,e nunca realizado, do narrador por outrojagunço, Reinaldo, por ele chamado deDiadorim. Personagem-chave dessa his-tória trágica e épica, cujo desfecho, queencerra um grande segredo, só será co-nhecido nas últimas páginas, os dois fica-ram se conhecendo por acaso, quandoainda eram crianças, e atravessaram oSão Francisco numa pequena canoa, pilo-tada por outro menino.

“Carece de ter coragem, carece de termuita coragem”, diz Diadorim a Riobaldo,amedrontado pela imensidão das águasque se ampliam aos seus olhos, quandoiniciam a travessia. Desde então, até a der-radeira batalha travada contra um gruporival, num local denominado Paredão deMinas, que marcou também o final dasaventuras de Riobaldo como jagunço, osdois tiveram os seus destinos ligados.

Na visão de Benedito Nunes, crítico li-terário paraense, Grande sertão: veredasultrapassa o âmbito regional. “No dramado sertanejo ou do jagunço, irrompem osgrandes problemas humanos – seja a lutado homem contra a natureza que o esti-mula e o abate ao mesmo tempo, seja oímpeto do jagunço que se põe em armaspara defender uma causa indefinível, ado-ta a lei da guerra menos pela rudeza de seuespírito do que pela necessidade de viver ede realizar seu destino”, escreveu.

Em Grande sertão: veredas se mesclamvárias dimensões da arte e do conheci-mento. É romance de aventuras e históriafeita de pura linguagem; expressão do mi-to em sua forma mais primitiva e reflexãofilosófica profunda e erudita; narrativa deamor e painel histórico e sociológico querevela o Brasil profundo.

Para Walnice Nogueira Galvão, umadas mais importantes estudiosas da obrado escritor, Guimarães Rosa, com seu ro-mance, conjuga as vertentes mais mar-cantes da literatura do período, o regio-nalismo e o espiritualismo, para criaruma síntese ainda insuperada em nossahistória literária: “Um regionalismo comintrospecção, um espiritualismo em rou-pagem sertaneja”.

Traduzido para diversas línguas, moti-vo de centenas de estudos acadêmicos,transformado em peças de teatro, filmes eminissérie de TV, Grande sertão: veredas,ainda que alguns insistam em afirmar ocontrário, é também, sem dúvida, o gran-de livro já escrito na América Latina. Só poressas inexplicáveis razões, tão comuns nomundo das artes, Guimarães Rosa não foiganhador do Prêmio Nobel de Literatura.

ESCRITORES QUE TIVERAM MAIS DE UM LIVROENTRE OS MELHORES DA LITERATURA BRASILEIRA

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE■ 5 (Rosa do povo, Claro enigma, Lição das coisas, Sentimento

do mundo e Alguma poesia)

CLARICE LISPECTOR■ 5 (A paixão segundo GH, A hora da estrela, Perto do coração

selvagem, A maçã no escuro e Laços de família)

MACHADO DE ASSIS■ 4 (Memórias póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro,

Esaú e Jacó e Memorial de Aires)

GRACILIANO RAMOS■ 4 (Vidas secas, São Bernardo, Memórias do Cárcere e Angústia)

GUIMARÃES ROSA■ 3 (Grande sertão: veredas, Sagarana e Corpo de baile)

JOÃO CABRAL DE MELO NETO■ 3 (Educação pela pedra, O cão sem plumas

e Morte e vida severina)

ERICO VERISSIMO■ 2 (O tempo e o vento e Incidente em Antares)

HILDA HILST■ 2 (Rútilo nada e Tu não te moves de ti)

JOÃO UBALDO RIBEIRO■ 2 (Viva o povo brasileiro e O albatroz azul)

JORGE AMADO■ 2 (Velhos marinheiros e Gabriela, cravo e canela)

JORGE DE LIMA■ 2 (A invenção de Orfeu e Poemas negros)

MANUEL BANDEIRA■ 2 (Estrela da vida inteira e Estrela da manhã)

DOS 70 LIVROS CITADOS ENTRE OSMELHORES DE TODOS OS TEMPOS:

■ O século 20 domina, com 59 títulos

■ Um foi publicado no século 17: Crônica do viverbaiano seiscentista, de Gregório de Matos

■ Seis foram publicados no século 19: Primeiroscantos, de Gonçalves Dias; O guesa errante, deSousândrade; O ateneu, de Raul Pompéia;Espumas flutuantes, de Castro Alves; DomCasmurro e Memórias póstumas de Brás Cubas, deMachado de Assis

■ Quatro foram publicados no século 21: O albatrozazul, de João Ubaldo Ribeiro; Catrâmbrias, deEvandro Affonso Ferreira; Eles eram muitos cavalos,de Luiz Ruffato; e Pelo fundo da agulha, de AntonioTorres (trilogia encerrada em 2006)

DOS 70 LIVROS CITADOSENTRE OS MELHORES

DE TODOS OS TEMPOS,60 FORAM ESCRITOS

POR HOMENS E10 POR MULHERES

FORAM ESCOLHIDOS46 LIVROS EM PROSA

E 24 DE POESIA

ARLINDO DAIBERT/REPRODUÇÃO

DISTRIBUIÇÃO POR ESTADO DOS LIVROSMAIS VOTADOS PELOS ESPECIALISTAS

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NA INTERNET

Page 4: Os melhores da literatura brasileira

DISTRIBUIÇÃO POR ESTADO DOSMAIS IMPORTANTES ESCRITORESBRASILEIROS VIVOS

CULTURA

E S T A D O D E M I N A S ● D O M I N G O , 1 4 D E A B R I L D E 2 0 1 3

6

OS MAIORES ESCRITORES VIVOS

A lâmina do vampiroFORAM CITADOS 51NOMES, SENDO 39

HOMENS E 12 MULHERES

A MAIS NOVA É ANAMARTINS MARQUES,

NASCIDA EM 1977, EMMINAS GERAIS

O MAIS VELHO ÉMANOEL DE BARROS,

NASCIDO EM 1916, EMMATO GROSSO

1) DALTON TREVISAN, Paraná (1925)2) FERREIRA GULLAR, Maranhão (1930)3) LYGIA FAGUNDES TELLES, São Paulo (1923)4) MILTON HATOUM, Amazonas (1952)5) RUBEM FONSECA, Minas Gerais (1925)6) JOÃO UBALDO RIBEIRO, Bahia (1941)7) MANOEL DE BARROS, Mato Grosso (1916)8) ARIANO SUASSUNA, Paraíba (1927)9) RADUAN NASSAR, São Paulo (1935)10) ADÉLIA PRADO, Minas Gerais (1935)11) SÉRGIO SANT’ANNA, Rio de Janeiro (1941)12) LUIZ RUFFATO, Minas Gerais (1961)13) AUGUSTO DE CAMPOS, São Paulo (1931)14) BERNARDO CARVALHO, Rio de Janeiro (1960)15) LUIS F. VERISSIMO, Rio Grande do Sul (1936)16) JOÃO GILBERTO NOLL, Rio Grande do Sul (1946)17) NÉLIDA PIÑON, Rio de Janeiro (1937)18) CRISTÓVÃO TEZZA, Santa Catarina (1952)19) SILVIANO SANTIAGO, Minas Gerais (1936)20) AFFONSO R. DE SANT’ANNA, Minas Gerais (1937)21) PAULO HENRIQUES BRITTO, Rio de Janeiro (1951)22) ALBERTO MUSSA, Rio de Janeiro (1961)23) ARMANDO FREITAS FILHO, Rio de Janeiro (1940)24) CARLOS HEITOR CONY, Rio de Janeiro (1926)25) EVANDRO AFONSO FERREIRA, Minas Gerais (1945)26) GLAUCO MATTOSO, São Paulo ( 1951)27) IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO, São Paulo (1936)28) RUI MOURÃO, Minas Gerais (1929)29) ANGELA LAGO, Minas Gerais (1945)30) EDNEY SILVESTRE, Rio de Janeiro (1950)31) ANTONIO TORRES, Bahia ( 1940)32) CHICO BUARQUE, Rio de Janeiro (1944)33) FRANCISCO ALVIM, Minas Gerais (1938)34) FRANCISCO AZEVEDO, Rio de Janeiro (1951)35) LUIZ VILELA, Minas Gerais (1942)36) LYA LUFT, Rio Grande do Sul (1938)37) ANA MIRANDA, Ceará (1951)38) JOÃO ALMINO, Rio Grande do Norte (1950)39) RAIMUNDO CARRERO, Pernambuco (1947)40) ZULMIRA RIBEIRO TAVARES, São Paulo (1930)41) ANTONIO CÍCERO, Rio de Janeiro (1945)42) ANA MARTINS MARQUES, Minas Gerais (1977)43) BEATRIZ BRACHER, São Paulo (1961)44) CINTIA MOSCOVICH, Rio Grande do Sul (1958)45) MARIA ESTHER MACIEL, Minas Gerais (1963)46) MIGUEL SANCHES NETO, Paraná (1965)47) PAULO COELHO, Rio de Janeiro (1947)48) REINALDO DE MORAES, São Paulo (1950)49) RUTH ROCHA, São Paulo (1931)50) RUY ESPINHEIRA FILHO, Bahia (1942)51) SEBASTIÃO NUNES, Minas Gerais (1938)

CARLOS MARCELO

– Não fale, amor. Cada palavra, umbeijo a menos.

Dalton Trevisan não é homem defloreios ou digressões. Maneja frases,remove adjetivos, arranca verbos, in-sere vírgulas com destreza de cirur-gião. Revolve a nervura da escrita atéchegar à carne e ao osso. Aí ele não he-sita; perfura. Médico, não. Monstro.

A escolha de Trevisan como omais importante escritor brasileiro daatualidade pode surpreender os queacompanham a (tentativa de) sobre-vivência da literatura no mundo dascelebridades. Afinal, o curitibano nãoestá nas redes sociais, nunca foi à Flip,não promove noites de autógrafosnem dá entrevistas. Ao contrário docomportamento ambíguo de RubemFonseca, convenientemente arredioapenas no Brasil, Dalton não se expõeem lugar algum. Preserva a própriaimagem, desvia as luzes para os livros.A postura foi destacada pelos juradosdo Prêmio Camões, que assim justifi-caram a escolha de Trevisan para re-ceber em 2012 a mais importante pre-miação da língua portuguesa: “Ele fezuma opção radical pela literatura en-quanto arte da palavra”.

Radicalidade e arte caminhamjuntas há décadas na obra do Vampi-ro de Curitiba, alcunha que nunca fezquestão de renegar – ao contrário, atéa cultua, com ajuda das ilustrações dePoty, onipresentes nas edições de suacasa literária, a Record. Personagemmítico da “cidade verde” (até há pou-co tempo saudada como modelo dedesenvolvimento urbano e qualidadede vida), avança contra o seu habitat,revestido pela autoridade só conferi-da pela íntima convivência: “Cin-quenta metros quadrados de verdepor pessoa/ de que te servem/ seuma em duas vale por três chatos? (…)não Curitiba não é uma festa/ os diasda ira nas ruas vêm aí” (“Em busca deCuritiba Perdida”).

Os textos longos sobre a capitalparanaense, alguns em tom apocalíp-tico, são exceção. Usualmente o escri-tor não utiliza mais do que três pági-nas para engendrar obras-primas co-mo o conto “Uma vela para Dario”, deCemitério de elefantes (1964). Umadécada antes de Chico Buarque erguera sua Construção, Trevisan descreve aindiferença coletiva diante da mortede um transeunte (e a pilhagem do ca-dáver) na rua de uma grande cidade:“Dario em sossego e torto no degrauda peixaria, sem o relógio de pulso (…).Apenas um homem morto e a multi-dão se espalha”. Não há tempo nempara carpideiras nem para elegias: avida segue e atropela quem fica pelocaminho, adverte o escritor. Comopercebeu o crítico e poeta José PauloPaes (1926-1988), a literatura de Trevi-san é “arte impiedosa, mas não desu-mana”, baseada na “presentificaçãodo assombro de viver”.

*Na hora de assinar, todo soberbo o

velhote, no seu oclinho torto:– O meu nome, qual é? Quem mes-

mo sou eu?*Desilusão e desconcerto são as en-

grenagens que movem a prosa elípticade Trevisan. Ele também costuma re-correraodiminutivoemcenasdeextre-ma violência (“Não com o facão, paizi-nho”) para amplificar o grito oculto nascasasdefamília.Dispensaverbos(“Ago-ra feliz numa casinha de madeira noCristo-Rei”, em “A guerra conjugal”, ou-traobra-prima,adaptadaparaocinemaem 1975 por Joaquim Pedro de Andra-de) e exerce a síntese ao extremo nasnarrativas mais recentes: duas, no má-ximo três frases. Haicais nada “poéti-cos”, que perturbam em vez de enlevar:

*A velhinha meio cega, trêmula e

desdentada:– Assim que ele morra eu começo

a viver.*Ao expor a brutalidade infiltrada

entre quatro paredes, a temática de Tre-visan tangencia a obra de outro gigantedo século 20, Nelson Rodrigues. Mas, seno dramaturgo o trágico e o patético semisturam, no contista não há aceno pa-ra a farsa. Aqui a escrita é de uma facasó lâmina. Urge. Arde. Sangra. O reservado Dalton Trevisan, em foto rara, da década de 1970, feita para reportagem da revista O Cruzeiro

O CRUZEIRO/ARQUIVO EM