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Página 1 de 22 LER+MAR=SER “PALAVRAS DO MUNDO” A tua voz Angola Nos tribos e assobios dos pássaros bravios ouço a tua voz Angola. dos fios esguios em arrepios de mulembas sólidas escorre a tua voz Angola. nas ondas calmas barcos e velas dongos traineiras âncoras e cordas freme a tua voz Angola. em rios torrentes regatos marulhentos lagoas dormentes onde morrem poentes brilha a tua voz Angola. no andar da palanca no chifre do olongo no mosqueado da onça no enrolar da serpente inscreve-se a tua voz Angola. no acordar dos quimbos nos cúmulos e nimbos nos vapores tímidos em manhãs de cacimbo flutua a tua voz Angola. na pedra da encosta no cristal de rocha na montanha inóspita no miolo e na crosta talha-se a tua voz Angola. do chiar dos guindastes do estalar dos braços do esforço e do cansaço emerge a tua voz Angola. no ronco da barragem no camião da estrada no comboio malandro nos gados transumantes ecoa a tua voz Angola. dos bongos e cuicas concertinas apitos que animam rebitas

Palavras do mundo 10 ct8 prof.ª fátima carvalho

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LER+MAR=SER

“PALAVRAS DO MUNDO”

A tua voz Angola Nos tribos e assobios dos pássaros bravios ouço a tua voz Angola. dos fios esguios em arrepios de mulembas sólidas escorre a tua voz Angola. nas ondas calmas barcos e velas dongos traineiras âncoras e cordas freme a tua voz Angola. em rios torrentes regatos marulhentos lagoas dormentes onde morrem poentes brilha a tua voz Angola. no andar da palanca no chifre do olongo no mosqueado da onça no enrolar da serpente

inscreve-se a tua voz Angola. no acordar dos quimbos nos cúmulos e nimbos nos vapores tímidos em manhãs de cacimbo flutua a tua voz Angola. na pedra da encosta no cristal de rocha na montanha inóspita no miolo e na crosta talha-se a tua voz Angola. do chiar dos guindastes do estalar dos braços do esforço e do cansaço emerge a tua voz Angola. no ronco da barragem no camião da estrada no comboio malandro nos gados transumantes ecoa a tua voz Angola. dos bongos e cuicas concertinas apitos que animam rebitas

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farras das antigas salta a tua voz Angola. a flor da buganvília a rosa e o lírio cachos de gladíolos o gengibre e a cola perfumam a tua voz Angola. ouve-se e sente-se e brilha a tua voz Angola inscreve-se nos seres talha-se nas rochas a tua voz Angola. vai com o vento goteja com o suor a tua voz Angola. por toda a parte por toda a parte a tua voz angola que voz é essa tão forte e omnipresente Angola? que voz é essa omnipresente e permanente Angola? é a voz dos vivos e dos mortos de Angola é a voz das esperanças e malogros de Angola é a voz das derrotas e vitórias de Angola é a voz do passado do presente e do porvir de Angola

é a voz do resistir de Angola é a voz dum guerrilheiro de Angola é a voz dum pioneiro de Angola. Antero Abreu (22 de fevereiro de 1927, Luanda, Angola)

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Voz do sangue Palpita-me os sons do batuque e os ritmos melancólicos do blue. ó negro esfarrapado do harlem ó dançarino de chicago ó negro servidor do south ó negro de áfrica negros de todo o mundo eu junto ao vosso magnífico canto a minha pobre voz os meus humildes ritmos. eu vos acompanho pelas emaranhadas áfricas do nosso rumo. eu vos sinto negros de todo o mundo eu vivo a nossa história meus irmãos. Agostinho Neto (17 de setembro de 1922 - 10 de setembro de 1979, Ícolo e Bengo, Angola)

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A flor da chuva ... e a flor da chuva no capim tem mais perfume abertas bem abertas estão as mãos para abraçar esta manhã sem nuvens ontem (não importa já o pôr do sol nas buganvílias) ontem (murchas estão agora as flores das coisas que eram coisas nada mais) ontem havia medo até no caminhar das rolas sobre a areia. a poesia de hoje é a voz do povo todo o mundo o mundo até de algum silêncio persistente quer romper a mancha que da noite inda nos fala. oh admirável sangue a pulsar em cada estrela o sol é negro e ilumina a imensidão deste perfume que nos traz a flor da chuva o sol é negro e brilha dos vulcões de cada peito independente. madrugada de fevereiro. sou angolano!

Costa Andrade

(1936, Lépi, Huambo, Angola)

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“Quando o tio Victor chegava de Benguela, as crianças até ficavam com vontade de fugar à escola só para ir lhe buscar no aeroporto dos voos das províncias. A maka é que ele chegava sempre a horas difíceis e a minha mãe não deixava ninguém faltar às aulas. Então era em casa, à hora do almoço, que encontrávamos o tio Victor. E o sorriso dele, gargalhada tipo cascata e trovão também, nem dá para explicar aqui em palavras escritas. Só visto mesmo, só uma gargalhada dele já dava para nós começarmos a rir à toa, alegres, enquanto ele iniciava umas magias benguelenses. – Isto vocês de Luanda nunca viram – abria a mala onde tinha rebuçados, chocolates ou outras prendas de encantar crianças, mais o baralho de cartas para magias de aparecer e desaparecer o ás de ouros, também umas camisas posteradas que nós, «os de Luanda», não aguentávamos. À noite deixávamos ele jantar e beber o chá que ele gostava sempre depois das refeições. Devagarinho, eu e os primos, e até alguns amigos da rua, sentávamos na varanda à espera do tio Victor. É que o tio Victor tinha umas estórias de Benguela que, é verdade, nós os de Luanda até não lhe aguentávamos naquela imaginação de teatro falado, com escuridão e alguns mosquitos tipo convidados extra. Eu já tinha dito ao Bruno, ao Tibas e ao Jika, cambas da minha rua, que aquele meu tio então era muito forte nas estórias. Mas o principal, embora ninguém tivesse nunca visto só uma foto de admirar, era a piscina que ele disse que havia em Benguela, na casa dele: – Vocês de Luanda não aguentam, andam aqui a beber sumo Tang! Ele ria a gargalhada dele, nós ríamos com ele, como se estivessem mil cócegas espalhadas no ar quente da noite. – Nós lá temos uma piscina enorme – fazia uma pausa dos filmes, nós de boca aberta a imaginar a tal piscina. – Ainda por cima, não é água que pomos lá – eu a olhar para o Tibas, depois para o Jika: – Não vos disse? O tio Victor continuou assim numa fala fantasmagórica: – Vocês aqui da equipa do Tang não aguentam…, a nossa piscina lá é toda cheia de Coca-Cola! Aí foi o nosso espanto geral: dos olhos dos outros, eu vi, saía um brilho tipo fósforo quase a acender a escuridão da varanda e assustar os mosquitos, nós, as crianças, de boca aberta numa viagem de língua salivada, outros a começarem a rir de espanto, de repente todos gargalhámos, o

A piscina do tio Victor para o tio Victor que nos dava prendas-do-dia. Para a «Buraquinhos».

Angola 1977

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tio Victor também, e rebentámos numa salva de palmas que até a minha mãe veio ver o que se estava a passar. Agora já ninguém me perguntava nada, falavam directamente com o tio Victor, queriam mais pormenores da piscina e ainda saber se podiam ir lhe visitar um dia destes. – Vai todo mundo – o tio Victor riu, olhou para mim, piscou-me o olho. – Vem um avião buscar a malta de Luanda! Preparem a roupa, vão todos mergulhar na piscina de Coca-Cola, nós lá não bebemos desse vosso sumo Tang… – Ó Victor, pára lá de contar essas coisas às crianças – a minha mãe chegou à varanda. Ele piscou-lhe o olho e continuou ainda mais entusiasmado. – Não tem maka nenhuma, pode ir toda malta da rua, temos lá em Benguela a piscina de Coca-Cola… Os cantos da piscina são feitos de chuinga e chocolate! Nós batemos palmas de novo, depois estreámos um silêncio de espanto naquelas quantidades de doce. – A prancha de saltar é de chupa-chupa de morango, no chuveiro sai fanta de laranja, carrega-se num botão ainda sai sprite… – ele olhava a minha mãe, olhos doces apertados pelas bochechas de tanto riso, batemos palmas e fomos saindo. Quando entrei de novo em casa, fui lá para cima dizer boa noite a todos. Passei no quarto do tio Victor, ele tinha só uma luz do candeeiro acesa. – Tio, um dia podemos mesmo ir na tua piscina de Coca-Cola? Ele fez assim com o dedo na boca, para eu fazer um pouco-barulho. – Nem sabes do máximo… No avião que vos vem buscar, as refeições são todas de chocolate com umas palhinhas que dão voltas tipo montanha-russa, lá em Benguela há rebuçados nas ruas, é só apanhar – e ficou a rir mesmo depois de apagar a luz, até hoje fico a perguntar onde é que o tio Victor de Benguela ia buscar tantas gargalhadas para rir assim sem medo de gastar o reservatório do riso dele. Fui me deitar, antes que a minha mãe me apanhasse a conversar àquela hora. No meu quarto escuro quis ver, no tecto, uma água que brilhava escura e tinha bolinhas de gás que faziam cócegas no corpo todo. Nessa noite eu pensei que o tio Víctor só podia ser uma pessoa tão alegre e cheia de tantas magias porque ele vivia em Benguela, e lá eles tinham uma piscina de Coca-Cola com bué de chuínga e chocolate também. Vi, também no tecto, o jeito dele estremecer o corpo e esticar os olhos em lágrimas de tanto rir. Foi bonito: adormeci, em Luanda, a sonhar a noite toda com a província de Benguela.” Turma: 10º CT8 Alunas: Ana Cláudia Mendes; Helena Lima; Maria Inês Freitas

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António Agostinho Neto

SINFONIAS A melodia crepitante das palmeiras lambidas pelo furor duma queimada Cor estertor angústia E a música dos homens lambidos pelo fogo das batalhas inglórias Sorrisos dor angústia E a luta gloriosa do povo A música que a minha alma sente. Turma: 10º CT8 Aluna: Ana Clara Peixoto Ferreira

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Antigamente era Antigamente era o eu- proscrito Antigamente era a pele escura- noite do mundo Antigamente era o canto rindo lamentos Antigamente era o espírito simples e bom Outrora tudo era tristeza Antigamente era tudo sonho de criança. A pele o espírito o canto o choro eram como a papaia refrescante para aquele viajante cujo nome vem nos livros para meninos Mas dei um passo ergui os olhos e soltei um grito que foi ecoar nas mais distantes terras do mundo Harlem Pekim Barcelona Paris Nas florestas escondidas do Novo Mundo E a pele o espírito o canto o choro brilham como gumes prateados Crescem. belos e irresistíveis como o mais belo sol do mais belo dia da Vida Agostinho Neto Turma: 10º CT8 Aluno: Pedro Gabriel

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António Agostinho Neto1

AMANHECER

Há um sussuro morno sobre a terra; degladiam-se luz e trevas pela posse do Universo; sente-se a existência a penetrar-nos nas veias vinda lá de fora através da janela;

Cresce a alegria na alma a Vida murmura-nos doces fantasias.

Tangem sinos na madrugada vai nascer o sol.

Turma: 10º CT8 Aluna: Ana Sofia Fernandes Moreira 1 1922-1979

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Tomaz Kim

Antes da metralha…

Antes da metralha e do dedo da morte… Antes de um corpo jovem, anônimo, apodrecer, esquecido, à chuva… Ou singra, boiando nas águas mansas… Ou se despedaçar contra o céu indiferente…

Antes do pavor e do pranto e da prece… Um adeus longo e triste

E às noites calmas e ao sonho inacabado… Antes da morte sem mistério… Um adeus longo triste À luta de que não se partilhou!

Turma: 10º CT8 Aluno: Diogo Fernandes

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AS BELAS MENINAS PARDAS As belas meninas pardas são belas como as demais. Iguais por serem meninas, pardas por serem iguais. Olham com olhos no chão. Falam com falas macias. Não são alegres nem tristes. São apenas como são todos dos dias. E as belas meninas pardas, estudam muito, muitos anos. Só estudam muito. Mais nada. Que o resto, trás desenganos>>> Sabem muito escolarmente. Sabem pouco humanamente. Nos passeios de domingo, andam sempre bem trabajadas. Direitinhas. Aprumdas. Não conhecem o sabor que tem uma gargalhada (Parece mal rir na rua!...) E nunca viram a lua, debruçada sobre o rio, às duas da madrugada. Sabem muito escolarmente. Sabem pouco humanamente. E desejam, sobretudo, um casamento decente...

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O mais, são histórias perdidas... Pois que importam outras vidas?... outras raças?... , outros mundo?... que importam outras meninas, felizes, ou desgraçadas?!... As belas meninas pardas, dão boas mães de família, e merecem ser estimadas...

Alda Lara (1930-1962)

Turma: 10º CT8 Aluno: João Ferreira da Cunha Ribeiro

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PRELÚDIO Pela estrada desce a noite Mãe-Negra, desce com ela... Nem buganvílias vermelhas, nem vestidinhos de folhos, nem brincadeiras de guisos, nas suas mãos apertadas. Só duas lágrimas grossas, em duas faces cansadas. Mãe-Negra tem voz de vento, voz de silêncio batendo nas folhas do cajueiro... Tem voz de noite, descendo, de mansinho, pela estrada... Que é feito desses meninos que gostava de embalar?... Que é feito desses meninos que ela ajudou a criar?... Quem ouve agora as histórias que costumava contar?... Mãe-Negra não sabe nada... Mas ai de quem sabe tudo, como eu sei tudo Mãe-Negra!... Os teus meninos cresceram, e esqueceram as histórias

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que costumavas contar... Muitos partiram p'ra longe, quem sabe se hão-de voltar!... Só tu ficaste esperando, mãos cruzadas no regaço, bem quieta bem calada. É a tua a voz deste vento, desta saudade descendo, de mansinho pela estrada…

Alda Lara

Turma: 10º CT8 Aluno: Bruno António Batista Cardoso

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Monangamba Naquela roça grande não tem chuva é o suor do meu rosto que rega as plantações. Naquela roca grande tem café maduro e aquele vermelho-cereja são gotas do meu sangue feitas seiva. O café vai ser torrado pisado, torturado, vai ficar negro, negro da cor do contratado. Negro da cor do contratado! Perguntem às aves que cantam, aos regatos de alegre serpentear e ao vento forte do sertão: Quem se levanta cedo? Quem vai à tonga? Quem traz pela estrada longa a tipoia ou o cacho de dendém? Quem capina e em paga recebe desdém fuba podre, peixe podre, panos ruins, cinquenta angolares "porrada se refilares"? Quem? Quem faz o milho crescer e os laranjais florescer — Quem? Quem dá dinheiro para o patrão comprar máquinas, carros, senhoras e cabeças de pretos para os motores?

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Quem faz o branco prosperar, ter barriga grande – ter dinheiro? — Quem? E as aves que cantam, os regatos de alegre serpentear e o vento forte do sertão responderão: — "Monangambééé..." Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras Deixem-me beber maruvo, maruvo e esquecer diluído nas minhas bebedeiras — "Monangambééé..." António Jacinto in Na Noite Grávida de Punhais – Antologia Temática de Poesia Africana, Mário de Andrade (org.), Sá da Costa Ed., 1975 Turma: 10º CT8 Aluna: Inês Pastor Oliveira

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O meu tempo é outro

Envio-te flores: Rosas, tulipas, margaridas e narcisos, Neste tempo de neve e luz. É que a minha festa É outra - a festa do corpo Ausente e vivo como o fogo Das lareiras deste tempo. E, afinal, o meu tempo Também é outro: É o tempo do sol, O tempo das acácias, É o tempo do barro Trabalhado pelas mãos Do oleiro. É o tempo da fruta madura O tempo da fecundação, O tempo do amor.

E. Bonavona

Turma: 10º CT8 Aluno: Tiago Gonçalves

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BETO VAN-DÚNEM2

Aquela Negra

Que me surgiu nas trevas da fantasia Com olhar excelso d' escrava adormecida Causou em mim clara e pura alegria Seus olhos radiando turbação Vincavam no rosto tristeza e dor Pela constante sofreguidão Causada por olhares cortantes de rancor E com encanto e estranha melancolia Deixando-me no olhar doce candura

Como a noite, nas trevas se sumia Levando nos pomos a ventura Quem és, donzela que encantas? Quem és, jovem negra que matas? Quem em minha alma deixaste noite escura Provocando-me a insânia e a tortura.

Turma: 10º CT8 Aluno: Carlos Guimarães

2 Nasceu em Luanda ao 28 de julho de 1935.

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DAVID MESTRE3

PORTUGAL COLONIAL

Nada te devo nem o sítio onde nasci nem a morte que depois comi nem a vida repartida p'los cães nem a notícia curta a dizer-te que morri nada te devo Portugal colonial cicatriz doutra pele apertada

Turma: 10º CT8 Aluno: António Vila-Chã

3 Poeta e contista. Cidadão angolano, mas nasceu em Loures, Portugal, em 1948 e faleceu em Lisboa, 1998.

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ANA BRANCO4 Chovia simplesmente Saí... E meu corpo sacudiu estonteante Ao embate do vento E da chuva na pele Sangrava violentamente o espírito desesperado Que lutava pelo escasso espaço a circular pelas artérias, Lutava para me manter à tona. Os pulmões vomitavam os sons lindos da morte. Estava a morrer Enquanto o mundo fugia devagar Por toda aquela maré. Já todos tinham ido embora, Tinham todos fugido da chuva E do vento Gritando os nomes sonantes dos parentes Já falecidos lá longe pelas velhas matas do Maiombe. Estava a morrer, Mas ecoei os ecos dos mortos Enquanto lutava para chegar ao único sítio Onde seria feliz à sombra da minha árvore. Despertei, Não choveu Eram as lágrimas de uma criança que me molhavam.

Turma: 10º CT8 Aluno: João Lopes

4 Ana Maria José Dias Branco nasceu na Lunda Norte a 24 de maio de 1967.

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Ruy Duarte de Carvalho5

Abertura

Silêncio mas por que e não apenas vento

até que a pedra se arredonde enfim e a água se expanda raiada no verde?

Um sono que se estenda obliquamente entre a murada construção da idade e as veredas ordenadas pelo passado.

Uma memória a ter-se mas não aquela que o futuro impeça.

O sal, por toda a parte. Então pequenos lagos se acrescentam a partir de alguma fenda original. E são taças de mar que dão contorno ao continente agreste. Turma: 10º CT8

Aluna: Catarina Machado

5 Ruy Duarte de Carvalho foi um escritor, cineasta e antropólogo angolano. Nasceu a 1941 e faleceu a 2010.

Ruy Duarte de Carvalho

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LUÍS KANDJIMBO6

O SENTIDO DA PENÚRIA Um pássaro desolador habita esta cidade Como uma vaga de poeira imobiliza Corpos vivos Nesta cidade o deserto enxerta Sua semente e o sentido espiritual da penúria Agreste parece Quase uma mulher infecunda Aceita a fatalidade e rejeitada para sempre. Turma: 10º CT8

Aluno: Henrique Oliveira

6 1960 Benguela, Angola