Quando as coisas ficam mais difíceisTexto de Renato Cardoso

Filhos, não é que eu não queira, é que não consigo.

Quantas vezes são vividos momentos mais ou menos assim, com as dificuldades ficando evidentes nos mais velhos.

Nem de longe filhos, netos e especialmente genros e noras imaginam como tudo fica mais lento, mais distante dos olhos.

As letras dos livros ficam distorcidas e conjugar tudo nesta coisa nova chamada computador então, nem imaginam.

Somos do tempo do telefone tocado a manivela, despertador apenas desde que dado corda e televisão a vela, demorando pra pegar.

Nossos ídolos eram Francisco Cuoco e Tharciso Meira, que hoje fazem papel de vovôs com dificuldade em tudo em razão de problemas de saúde, bem apropriados às idades.

Ouvir canção da Emilinha Borba naquele tempo, apenas pelo rádio, e olha ... quanta dificuldade para sintonizar.

Desculpem pela dificuldade ao dirigir. Não tem como parar de dirigir o carro, pois tenho que levar seu avô à fisioterapia e só eu mesmo, já que todos vocês andam muito ocupados. Agora posso contar: as pessoas vivem a me xingar pelas ruas, tais as

“barbeiradas”.Outro dia dei um fechada numa jovem que parecia estar com muita pressa e por pouco

não batemos. Nem conto pra vocês o que ouvi da jovem. Coitada. Não sabe nada da vida.

Agora vocês reclamam pelo fato de terem que me escrever, acho que vocês têm razão... Eu é que tenho que me adaptar a vocês.

Claro, vocês têm compromisso, têm os trabalhos de escola, os casados têm os filhos pra cuidar, contas pra pagar e por cima têm que cuidar dos maridos e ou das esposas.

Prometo que vou facilitar as coisas. Estou tendo aula de computador.

Imaginem que a minha maior dificuldade está sendo assimilar os termos em inglês, pois como sabem, no meu tempo tudo era na base da máquina de escrever e era teclar as

letras e pronto, desde que tendo papel, o texto ia saindo.Não se preocupem porque minha professora disse que estou indo bem e já posso mandar e-mail. Imaginem que já posso mandar e-mail e meu nome na internet é

paciência@meame.com.br Minha professora disse que não pode ter acento, mas no meu caso Bill Gates abriu um

exceção.

Já mandei meu primeiro e-mail e espero tenha chegado até vocês. Vocês irão adorar, porque conto como foi o meu dia com o Olésio (meu marido para os que não se

lembram). Foi ótimo porque ele ficou indignado com a demora que tive ao digitar a mensagem. Olésio falou que na máquina de escrever ele era rápido e no cartório que trabalhava, fazia uma certidão de nascimento em menos de 20 minutos. Ótimo, não acham. E com nome da criança, nomes dos pais, avôs, testemunhas, mais data de nascimento, local e algumas coisas mais que a lei pedia. Ficou super orgulhoso.

Só riu bastante quando viu esta cena que o Lívio – meu filho - fotografou. Também eu, que coisa maluca, querendo passar corretivo na tela do computador. Mas fiquem

tranqüilos porque já sei como deletar uma palavra escrita errada e algumas delas sei que esse tal de world faz correção automaticamente. Que fantástico isso e que pena não

ter tido no meu tempo. Gente, agora estou na internet e estou adorando. Passo horas vendo os filmes do meu tempo e vejo como o tempo passou.

Assisti os “10 Mandamentos” e tudo era tão perfeito que fiquei com receio da internet ter reduzido para cinco os mandamentos, porque tudo agora é questão de tempo. “Time

is money”, como diz meu filho Aloysio.A Lívia veio no último final de semana, viu o computador dela ligado e não entendeu. Quis dar a bronca, mas de leve pedi para que ela permitisse eu mostrar o que já sei

fazer. Ficou super orgulhosa, sabem? Só não sei ainda essa coisa de mudar as fotografias. Como se chama? Fotoshop? É isso,

é assim que se escreve?

Nada não, é que queria dar uma retocada aqui na feição da velhota, para ficar mais linda para vocês e ver vocês mais felizes em nosso encontro do final do ano, quando

tudo é festa e ninguém dá bronca em nada. Queria ficar linda para vocês. Queria melhorar aquela foto que estou com seu avô e todos vocês. Estamos velhos,

principalmente ao lado de vocês, em plena juventude e com toda beleza da idade.Não quero dar trabalho, mas acho que gostaria de aprender esse tal de Fotoshop. Ah,

talvez seja Photoshop. Sei lá.

Desculpem filhos pelo tanto que estou escrevendo (já faz cinco horas). Tive que começar o texto várias vezes porque sempre apertava um botão que apagava tudo. Complicado

até que minha professora me ensinou essa coisa de salvar. Pronto, agora não perco mais nada, porque à cada palavra digitada, clico no quadradinho acima do lado

esquerdo e sei que o que fiz está salvo. Vocês acham que estou indo bem? Agora já estou pensando em por Olésio na aula, mas não sei se ele dará conta, porque tem mais

dificuldade que eu em razão da doença... aquela... alemã.

Bem filhos, filhas, genros, noras e netos, esta é minha primeira carta e escrita por computador. Vocês podem achar que é pouco, mas para mim, nem imaginam como

estou contente e confesso que até orgulhosa. Espero que sintam o mesmo.Sabem qual a razão da minha felicidade maior: poder conversar mais com vocês, mesmo

que à distância.Mas sinto que, de tanto empenho, parece que estou ao lado de todos. Vi a Lívia usar

uma câmera outro dia e quero aprender como ver vocês por ela. Sei que posso usar um tal de MSN (depois me informem do que se trata).

Sabendo usar esse tal de MSN, sei que poderei ver vocês sempre e a saudade em meu peito poderá ser amenizada. O casal de velhinhos aqui irá adorar.

Vou confessar uma coisa, mas não contem pra ninguém: tentei ver um filme do meu tempo... Aquele que, no escurinho, peguei na mão do Olésio pela primeira vez. O filme era com Sophia Loren mas não me lembro o nome. Não comentem com Olésio porque

ele poderá me chamar de assanhada. Sabem como eram as coisas naquele tempo.

Bem, meus queridos, era essa a novidade que queria contar a vocês. Hoje estou feliz da vida porque tenho uma possibilidade muito maior para me comunicar com vocês. Espero que me incluam aí na lista de pessoas que podem ingressar em seus computadores (que

nome vocês dão a isso?).Ah, quero fazer parte do grupo da Lívia, aquele de amigos, que a Rainha da Inglaterra

acabou de entrar. Ah, lembro agora, chama-se Facebook. Logo estarei nele e com vocês aqui bem pertinho de mim.

Meus queridos: embora a dificuldade em razão da idade, acho que meu coração está com tudo, porque até esqueci dos remédios. Aqueles que tomo para não me esquecer

que tenho que tomar remédios. E não senti tontura nem dor de cabeça.O Olésio me chamou por algumas vezes, mas estava tão entretida aqui que nem lhe dei

atenção.Mas agora, depois de mostrar a ele o que fiz e do que sou capaz, ele se encheu de

alegria.

É isso meus queridos e escrevam meu e-mail (escrevam, olha eu... escrevam é coisa do meu tempo) salvem aí meu e-mail para podermos conversar bastante.

Fácil de memorizar. Meu e-mail é paciência@meame.com.br .

E amem a mim e ao Olésio para sempre. Um beijo no coração de todos.

Texto e apresentação por Renato Cardoso.www.vivendobauru.com.br

Ouçam a música até seu final ou clique para sair.