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Que mistura: as histórias curiosas da química Conheça as histórias mais curiosas da química e saiba como algumas substâncias foram inventadas, como funcionam e como podemos usá-las melhor. Fonte: Revista Superinteressante n º 181, outubro, 2002. Tudo é composto por substâncias químicas. O ser humano, por exemplo, é um amontoado de carbono, oxigênio, hidrogênio e outros 18 elementos. Assim como nós, todos os objetos são feitos de átomos que interagem entre si e formam uma infinidade de substâncias com propriedades diferentes. “É impossível ignorar a química porque ela está presente em todas as nossas atividades, das comidas que fazemos até o banho que tomamos”, afirma o químico Joe Schwarcz, da Universidade McGill, Canadá. Manipulando os diferentes elementos, o homem consegue – muitas vezes por acaso – formular remédios, melhorar alimentos e descobrir como a natureza funciona. Também faz coisas fantásticas como transformar pessoas em zumbis ou urina em palitos de fósforo. Nas páginas a seguir, você verá do que a química é capaz e alguns dos capítulos mais curiosos, engraçados ou úteis que essa ciência nos trouxe. A ciência vai ao banheiro Em 1669, o alquimista alemão Hennig Brandt começou a destilar urina humana. Ele tinha esperança de que o líquido fosse um remédio capaz de curar todas as enfermidades e que, por ser amarelo, pudesse conter ouro. Ferveu a urina e a deixou condensar, mas é claro que não encontrou nenhum metal precioso. Conseguiu apenas uma pasta branca que, quando esquentada, entrava em combustão. Brandt havia descoberto o elemento fósforo. A urina é uma combinação de vários detritos do corpo. Entre eles estão substâncias orgânicas e fosfatos – compostos que pegam fogo facilmente quando em contato com carbono. Ao aquecer, as substâncias orgânicas se transformaram em carvão – que nada mais é do que carbono – e fizeram a mistura pegar fogo. Brandt percebeu que a descoberta era importante, mas ainda foi preciso muitas outras pesquisas antes que ela pudesse ter alguma função prática. Os palitos atuais, por exemplo, são feitos de uma massa com clorato de potássio, que reage com o fósforo presente na lixa da caixa e inicia o fogo. A experiência de Brandt não foi, no entanto, a primeira a utilizar urina. Essa substância é há milênios misturada a tintas para que elas consigam “pegar” melhor em tecidos e tornar as cores mais vivas. Algumas mulheres no Império Romano, por exemplo, pintavam o cabelo de amarelo com um extrato de folhas de verbasco misturado com urina. Essa propriedade começou a intrigar os cientistas no século XIX, quando foi preciso criar substâncias sintéticas que tivessem o mesmo efeito (afinal, não era fácil transportar centenas de barris de urina até as tinturarias). As pesquisas cumpriram seu objetivo e ainda trouxeram outros benefícios. Em uma das experiências, o químico alemão Adolph von Baeyer transformou o ácido úrico – um dos componentes da urina – em um novo composto, que ele chamou de ácido barbitúrico. A descoberta de Baeyer deu origem a uma série de derivados, os barbitúricos, que fizeram sucesso durante muito tempo como remédio para insônia e até hoje são usados como anestésicos em cirurgias. A urina foi responsável por uma revolução ainda maior na química. Até o século XIX, acreditava-se que todos os materiais se dividiam em duas categorias: os inorgânicos, como rochas e metais, e os orgânicos, que eram produzidas por seres vivos e, segundo a crença da época, possuíam forças vitais que os tornavam impossíveis de serem copiados. Essa ideia caiu por terra em 1828, quando o químico alemão Friedrich Wohler misturou duas substâncias inorgânicas: cianato de prata e cloreto de amônio. A experiência resultou em cristais de ureia, um dos principais componentes da urina e que, por ser produzida por animais, era considerada uma substância orgânica. Wohler conseguiu assim mostrar que não existem diferenças entre substâncias sintéticas e naturais. A teoria da “força vital” estava derrubada, o que abriu a porta para a síntese de outras substâncias orgânicas, como vitaminas e fertilizantes. Lembre-se disso na próxima vez que for ao banheiro. Dos celeiros ao campo de guerra Em algum momento entre os séculos IX e X, um grupo de chineses tentava descobrir o segredo da imortalidade. Eles acreditavam que era possível atingi-la quando os princípios opostos da filosofia taoísta Yin e Yang entrassem em equilíbrio no corpo. Substâncias como o carvão e o enxofre eram tidos como ricos em Yang, enquanto o nitrato de potássio, também chamado de salitre, possuía características Yin. Não se sabe até que ponto a lenda é verdadeira, mas o produto que resultou da mistura chinesa se tornou famoso. Ao juntar essas três substâncias, o salitre fornece oxigênio para que os outros dois queimem de forma explosiva. Estava inventada a pólvora. Não se sabe como a substância chegou à Europa, mas no século XIII já existiam estudos de como se poderia montar a mistura perfeita. Depois de muitas pesquisas, chegou-se à fórmula ideal, com 75% de salitre, 15% de carvão e 10% de enxofre.

Que mistura: as histórias curiosas da química

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Fonte: http://super.abril.com.br/ciencia/quimica-mistura-443424.shtml

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Page 1: Que mistura: as histórias curiosas da química

Que mistura: as histórias curiosas da química Conheça as histórias mais curiosas da química e saiba como algumas substâncias foram inventadas, como funcionam

e como podemos usá-las melhor.

Fonte: Revista Superinteressante n º 181, outubro, 2002.

Tudo é composto por substâncias químicas. O ser

humano, por exemplo, é um amontoado de carbono,

oxigênio, hidrogênio e outros 18 elementos. Assim como

nós, todos os objetos são feitos de átomos que interagem

entre si e formam uma infinidade de substâncias com

propriedades diferentes. “É impossível ignorar a química

porque ela está presente em todas as nossas atividades,

das comidas que fazemos até o banho que tomamos”,

afirma o químico Joe Schwarcz, da Universidade McGill,

Canadá. Manipulando os diferentes elementos, o homem

consegue – muitas vezes por acaso – formular remédios,

melhorar alimentos e descobrir como a natureza funciona.

Também faz coisas fantásticas como transformar pessoas

em zumbis ou urina em palitos de fósforo. Nas páginas a

seguir, você verá do que a química é capaz e alguns dos

capítulos mais curiosos, engraçados ou úteis que essa

ciência nos trouxe.

A ciência vai ao banheiro

Em 1669, o alquimista alemão Hennig Brandt

começou a destilar urina humana. Ele tinha esperança de

que o líquido fosse um remédio capaz de curar todas as

enfermidades e que, por ser amarelo, pudesse conter ouro.

Ferveu a urina e a deixou condensar, mas é claro que não

encontrou nenhum metal precioso. Conseguiu apenas uma

pasta branca que, quando esquentada, entrava em

combustão. Brandt havia descoberto o elemento fósforo.

A urina é uma combinação de vários detritos do

corpo. Entre eles estão substâncias orgânicas e fosfatos –

compostos que pegam fogo facilmente quando em contato

com carbono. Ao aquecer, as substâncias orgânicas se

transformaram em carvão – que nada mais é do que

carbono – e fizeram a mistura pegar fogo. Brandt percebeu

que a descoberta era importante, mas ainda foi preciso

muitas outras pesquisas antes que ela pudesse ter alguma

função prática. Os palitos atuais, por exemplo, são feitos de

uma massa com clorato de potássio, que reage com o

fósforo presente na lixa da caixa e inicia o fogo.

A experiência de Brandt não foi, no entanto, a

primeira a utilizar urina.

Essa substância é há milênios misturada a tintas

para que elas consigam “pegar” melhor em tecidos e tornar

as cores mais vivas. Algumas mulheres no Império Romano,

por exemplo, pintavam o cabelo de amarelo com um

extrato de folhas de verbasco misturado com urina. Essa

propriedade começou a intrigar os cientistas no século XIX,

quando foi preciso criar substâncias sintéticas que tivessem

o mesmo efeito (afinal, não era fácil transportar centenas

de barris de urina até as tinturarias). As pesquisas

cumpriram seu objetivo e ainda trouxeram outros

benefícios. Em uma das experiências, o químico alemão

Adolph von Baeyer transformou o ácido úrico – um dos

componentes da urina – em um novo composto, que ele

chamou de ácido barbitúrico. A descoberta de Baeyer deu

origem a uma série de derivados, os barbitúricos, que

fizeram sucesso durante muito tempo como remédio para

insônia e até hoje são usados como anestésicos em

cirurgias.

A urina foi responsável por uma revolução ainda

maior na química. Até o século XIX, acreditava-se que todos

os materiais se dividiam em duas categorias: os inorgânicos,

como rochas e metais, e os orgânicos, que eram produzidas

por seres vivos e, segundo a crença da época, possuíam

forças vitais que os tornavam impossíveis de serem

copiados. Essa ideia caiu por terra em 1828, quando o

químico alemão Friedrich Wohler misturou duas

substâncias inorgânicas: cianato de prata e cloreto de

amônio. A experiência resultou em cristais de ureia, um dos

principais componentes da urina e que, por ser produzida

por animais, era considerada uma substância orgânica.

Wohler conseguiu assim mostrar que não existem

diferenças entre substâncias sintéticas e naturais. A teoria

da “força vital” estava derrubada, o que abriu a porta para

a síntese de outras substâncias orgânicas, como vitaminas e

fertilizantes. Lembre-se disso na próxima vez que for ao

banheiro.

Dos celeiros ao campo de guerra

Em algum momento entre os séculos IX e X, um

grupo de chineses tentava descobrir o segredo da

imortalidade. Eles acreditavam que era possível atingi-la

quando os princípios opostos da filosofia taoísta Yin e Yang

entrassem em equilíbrio no corpo. Substâncias como o

carvão e o enxofre eram tidos como ricos em Yang,

enquanto o nitrato de potássio, também chamado de

salitre, possuía características Yin. Não se sabe até que

ponto a lenda é verdadeira, mas o produto que resultou da

mistura chinesa se tornou famoso. Ao juntar essas três

substâncias, o salitre fornece oxigênio para que os outros

dois queimem de forma explosiva. Estava inventada a

pólvora.

Não se sabe como a substância chegou à Europa,

mas no século XIII já existiam estudos de como se poderia

montar a mistura perfeita. Depois de muitas pesquisas,

chegou-se à fórmula ideal, com 75% de salitre, 15% de

carvão e 10% de enxofre.

Page 2: Que mistura: as histórias curiosas da química

O problema é que o principal ingrediente só era

encontrado em minas na Índia e na Espanha. Os exércitos

do século XVIII, que dependiam cada vez mais da pólvora,

precisavam encontrar outras fontes de salitre. Por sorte, a

solução estava em qualquer celeiro.

Cientistas descobriram que um pó branco que se

incrustava nas paredes dos abrigos de animais era salitre,

produzido pela decomposição da matéria orgânica ali

presente. Surgiram então vários esquemas para produzir a

substância preciosa, como depósitos repletos de lixo e

esterco, molhados com urina, que eram deixados para

apodrecer. Napoleão chegou a fazer uma lei ordenando

que as pessoas urinassem nesses depósitos e, na Prússia,

fazendeiros eram obrigados a empilhar dejetos orgânicos e

guardá-los para a guerra. Essa sujeira só terminou no século

XX, quando os alemães inventaram o salitre sintético.

Terror químico

A crença de que pessoas podem ser transformadas

em zumbis – entidades sem alma trazidas de volta à vida

depois de mortas – é muito difundida entre os praticantes

do vodu no Haiti. Mais assustadores do que esses seres, no

entanto, é o fato de que a química pode explicar o

fenômeno.

Em 1962, o haitiano Clairvius Narcisse morreu e foi

enterrado, mas reapareceu vivo 18 anos depois. Afirmou

que havia tomado uma poção que o fez morrer, mas foi

depois ressuscitado e forçado a trabalhar como escravo em

plantações, onde era mantido sob efeito de drogas. O

antropólogo americano Wade Davis investigou o caso e

analisou algumas dessas “poções de zumbi” feitas pelos

sacerdotes da região. Percebeu que o único ingrediente

comum a todas elas era um tipo específico de baiacu. Esse

peixe possui no fígado e nos órgãos sexuais um potente

veneno, chamado tetrodoxina, que paralisa o sistema

nervoso central e pode fazer as pessoas parecerem mortas.

Ele também analisou a substância usada para manter os

zumbis em estado de estupefação e percebeu que eles

eram feitos da Datura stramonium, uma planta com fortes

substâncias psicoativas. A imagem de uma pessoa que

ressuscita para andar tonta e cambaleante pelas plantações

não era, portanto, tão fora de propósito.

Ninguém sabe se a descoberta de Davis é a

resposta definitiva ao mistério. Por via das dúvidas, o

código penal do Haiti determina que fazer uma pessoa

parecer morta a ponto de ela ser enterrada é considerado

assassinato, não importa o que aconteça depois.

O ovo perfeito

Nenhum lugar da casa se parece tanto com um

laboratório de química quanto a cozinha, onde diversos

ingredientes são misturados, queimados, fermentados e

submetidos a processos dignos de experiências científicas.

Assim como no laboratório, ter noções de química é

essencial para que o cozinheiro consiga preparar

corretamente os pratos, até os mais simples. Veja, por

exemplo, como levar à perfeição a arte de cozinhar ovos.

A clara possui água, gordura e colesterol. Também

tem muitas proteínas que mudam de forma quando

aquecidas. Elas se desenrolam e deixam expostas regiões

na superfície que as ligam a outras proteínas, formando um

emaranhado que transforma a clara no material sólido e

branco que conhecemos. O ovo também tem bolhas de ar

para que o filhote comece a respirar. Elas se tornam um

problema quando cozinhamos porque, além de deixar o

fundo do ovo chato, ainda podem aumentar a pressão

interna e fazê-lo rachar. Para resolver o problema, basta

furar o fundo da casca com uma agulha antes de cozinhar e

colocar sal ou limão na água. Os dois ingredientes

conseguem tampar o buraco porque agem sobre a clara da

mesma forma que o calor: fazem as proteínas se juntarem e

endurecerem antes que o ovo vaze na panela.

Há também outras maneiras pelas quais o ovo

pode explodir. A casca é irregular e, ao aquecer, cada uma

das partes começa a se expandir de forma diferente, o que

pode levar a rachaduras. É preciso controlar a forma como

ele esquenta para que isso não aconteça. Coloque o ovo em

água fria, aqueça até ferver, reduza o fogo por mais 10

minutos e jogue em outro recipiente com água fria. Esse

último procedimento também ajuda a eliminar aquela

substância esverdeada que se forma em volta da gema. Ela

surge quando o sulfeto de hidrogênio presente na clara

esquenta e se expande.

O aumento de pressão o faz migrar para as regiões

mais frias do ovo, como a gema, onde ele reage com o ferro

e forma sulfeto de ferro, o material verde. Quando jogamos

o ovo em água fria, a casca diminui de temperatura e atrai

o sulfeto para longe da gema.

Finalmente, é bom saber que, quanto mais velho

um ovo, mais fácil ele descasca. Ao envelhecer, ele se torna

menos ácido, o que faz com que a membrana interna da

casca se enfraqueça e não grude na parte branca.

É recomendável deixar os ovos ao menos uma

semana na geladeira, com cuidado para que eles não

estraguem.

Seguindo todas as dicas, o ovo terá formato,

aparência e gosto perfeitos.

Pérolas comestíveis

No século I a.C., a rainha egípcia Cleópatra apostou

com seu amante, o general romano Marco Antônio, que ela

poderia dar o jantar mais caro da história. Na hora

marcada, tudo o que havia sobre a mesa era uma taça cheia

de vinagre. Cleópatra retirou cuidadosamente seus brincos

de pérolas, esmagou-os e jogou os restos na vasilha, onde

se dissolveram. A rainha egípcia não só ganhou a aposta

como inventou um novo produto: os suplementos de cálcio.

Page 3: Que mistura: as histórias curiosas da química

Pérolas são compostas de carbonato de cálcio,

uma substância que pode ser encontrada em muitas das

pílulas vitamínicas vendidas nas farmácias. O cálcio é o

mineral mais abundante no corpo humano. Ele é necessário

na renovação dos ossos, na coagulação do sangue, no

funcionamento dos tecidos nervosos e na contração dos

músculos. Todas essas funções são prejudicadas pela falta

desse mineral, mas uma de suas consequências mais graves

é a osteoporose, doença em que os ossos se enfraquecem.

Repor cálcio é importante, não importa a fonte: pode ser

desde pérolas até pedaços de giz. É mais fácil, no entanto,

ingerir em laticínios, vegetais como o brócolis e sucos.

Os benefícios desse mineral são tantos que há

quem acredite que ele pode até diminuir a violência. O

cálcio dificulta a absorção de ferro e manganês pelo

cérebro. Um estudo feito no Dartmouth College, Estados

Unidos, afirmou que altos índices desses elementos no

sangue aumentam as chances de a pessoa cometer roubos

e assassinatos. É evidente que a solução para o crime não é

tão simples, mas se a hipótese for mesmo comprovada,

alguns litros de leite poderão ajudar a diminuir a violência

em nossas cidades. Cada comida é uma reunião de

químicos que estimulam de forma diferente o olfato e o

paladar. São eles que, junto à textura que sentimos ao

mastigar, dão a cada alimento seu gosto único. No queijo

camembert, por exemplo, grande parte do cheiro e do

sabor vêm do ácido butírico e do metil-mercaptan que ele

libera.

Esses compostos são, curiosamente, encontrados

também no insuportável cheiro que o pé humano emite em

seus piores momentos. O motivo é que tanto o queijo

quanto os calçados fedorentos estão infectados de fungos.

Eles foram parar nos queijos por acaso e continuam lá até

hoje porque, apesar do cheiro, transformam proteínas e

gorduras nas diversas substâncias que dão gosto a esses

petiscos.

A origem do sabor

Todos os queijos são feitos de modo parecido. O

leite é aquecido com substâncias capazes de fazê-lo

coagular (como o coalho), depois secado e deixado para

envelhecer. Originalmente, alguns deles – que hoje

recebem nomes como brie, camembert e roquefort – eram

guardados em cavernas, onde sofriam a ação dos fungos

que se proliferam nesses lugares. Cada região possui

espécies diferentes desses microrganismos, que agem de

modo distinto sobre os alimentos que estão lá. As cavernas

de Roquefort, na França, são infestadas pelo Penicillium

roquefortii, o fungo que dá a esse queijo seu gosto único.

Atualmente, o efeito desses microrganismos se tornou tão

desejado que eles passaram a ser exportados de suas

cavernas originais para diversas partes do mundo, dando

origem a “roqueforts” feitos em diversos países.

Mas nenhuma discussão sobre sabor é completa se

não falarmos do chocolate. A fascinação que ele causa é tão

grande que, segundo uma pesquisa do Instituto Gallup, a

maioria das mulheres britânicas deixaria de fazer sexo em

troca de alguns bombons.

Vários motivos contribuem para que o chocolate

seja tão desejado.

O primeiro é que ele possui anandamida, uma

substância que o cérebro produz para sinalizar prazer e que

é quimicamente semelhante ao THC, o princípio ativo da

maconha. Como a quantidade é muito pequena – seria

preciso comer quilos para sentir algum efeito – alguns

cientistas defendem que o chocolate também estimule a

liberação de endorfinas, substâncias sintetizadas pelo

cérebro e que podem levar a efeitos similares aos do ópio.

Uma outra explicação é que os bombons são ricos em

carboidratos, que aumentam no cérebro a quantidade de

serotonina, uma substância antidepressiva.

Apesar de toda essa química cerebral, o motivo mais

provável para tanta fascinação é a combinação exata de

gorduras, açúcares e outros agentes de sabor que derretem

na temperatura exata da boca. Dessa forma, ele consegue

estimular como poucos o olfato, o paladar e a sensação de

mastigar.

O nascimento do plástico

Os plásticos, que hoje estão presentes em

centenas de objetos à nossa volta, foram inventados por

causa dos jogos de bilhar. No século XIX, esse passatempo

era uma das principais atrações entre as poucas opções de

lazer da época. Ele havia se tornado tão popular que já

trazia problemas: o único material capaz de produzir bolas

de bilhar era o marfim, retirado dos dentes de elefantes,

que estavam cada vez mais raros. Na tentativa de resolver o

problema, uma companhia americana ofereceu um prêmio

de 10000 dólares – na época, uma quantia gigantesca –

para quem conseguisse produzir bolas sintéticas.

O americano John Hyatt foi uma das pessoas a

tentar a sorte no concurso. Há uma lenda de que ele cortou

seu dedo em uma experiência e tentou curá-lo com colódio,

um líquido feito de nitrato de celulose que tornava as

feridas impermeáveis. Só que o vidro de Hyatt havia vazado

e virado uma massa sólida. Ele analisou a substância e,

depois de anos de pesquisa, descobriu que uma mistura de

colódio com cânfora, submetida a temperatura e pressão

altas, transformava-se em uma substância moldável que ele

chamou de celuloide. Foi o primeiro plástico.

A descoberta deu a Hyatt o prêmio do concurso. O

material também foi utilizado em talheres, brinquedos,

escovas, colares, instrumentos musicais e em centenas de

outros produtos domésticos, além de dar origem aos

primeiros negativos utilizados no cinema. Ele tinha o grave

problema de pegar fogo facilmente, o que o levou a ser

substituído por outros plásticos mais seguros e eficientes.

Page 4: Que mistura: as histórias curiosas da química

Curiosamente, nunca funcionou de forma perfeita em bolas

de bilhar, mas está presente até hoje nos salões de jogos:

não há material melhor para fazer bolas de pingue-pongue

do que o celuloide.

Falando pelo nariz

Os seres humanos conseguem transmitir

mensagens por sinais, gestos e palavras. Para muitos

espécies, no entanto, utilizar químicos é a principal forma

de comunicação. Essas substâncias – chamadas de

feromônios – podem alertar para situações de perigo,

demarcar territórios, aproximar a fêmea de um macho e

indicar um caminho a ser seguido. “Ao longo da evolução, é

relativamente fácil para as espécies adaptarem o

maquinário celular à produção de químicos para

comunicação, guerra e outros fins”, afirma Wiliam Agosta,

autor do livro sobre bioquímica Thieves, Deceivers and

Killers (Ladrões, Impostores e Assassinos, inédito no Brasil).

Muitas formigas identificam outro membro de seu

grupo tocando suas antenas e trocando químicos com ele.

Há também espécies como a americana Protomognathus

americanus, que utiliza químicos para atacar e escravizar

outra formiga, a Leptothorax curvispinosus. Elas organizam

batalhas nas quais conseguem facilmente a vitória graças a

uma toxina que carregam. Outra estratégia é espalhar o

cheiro de um predador pelo território inimigo para que eles

saiam correndo. Uma vez que os adultos foram derrotados,

as invasoras vão até onde estão os filhotes dos adversários

e sequestram todos os ovos e pupas que conseguem. Serão

essas formigas que, ao crescer, trarão comida para o

formigueiro e farão todos os trabalhos. Sem os escravos, a

espécie de Protomognathus não conseguiria sobreviver.

Plantas também possuem um enorme arsenal químico para

lidar com animais. A nicotina, por exemplo, é a defesa

exclusiva do tabaco e de seus semelhantes para evitar

ataques de herbívoros. Existem também diversas

substâncias utilizadas para atrair bichos que transportam

pólen entre as plantas e permitem que elas se reproduzam.

A principal delas é o néctar – uma mistura de água, açúcar,

aminoácidos e outros nutrientes. Abelhas o utilizam para

fazer o mel, mas precisam viajar mais de 37000 vezes entre

a colmeia e a planta para produzir 1 quilo desse doce. Além

das abelhas, existem mais de 289000 espécies de insetos

que polinizam plantas, cada uma a seu modo. “Estamos

ainda começando a entender como os químicos

determinam as relações entre os diversos seres vivos”, diz

Agosta.

Frases

Exércitos da época de Napoleão tiravam das fezes de

animais os ingredientes para fazer pólvora

O elemento fósforo foi descoberto por acidente quando um

cientista alemão destilou urina e a viu pegar fogo

Praticantes de vodu acreditam que as pessoas podem virar

zumbis. A explicação está em algumas poções

A química ajuda a preparar refeições melhores e também

explica por que alguns alimentos são tão gostosos

Os micróbios que dão gosto a alguns tipos de queijo são

muito semelhantes aos que causam o chulé

Para saber mais

NA LIVRARIA

Radar, Hula Hoops, and Playful Pigs, Joe Schwarcz, W. H. Freeman and Company, 2001

Thieves, Deceivers and Killers, William Agosta, Princeton University Press, 2001

NA INTERNET

www.quimica.matrix.com