Upload
contra-pedagogia
View
43
Download
1
Embed Size (px)
Citation preview
Zumbis: da esquerda ao conservadorismoAs histórias de zumbi nos anos 1960 e 70 seguiam uma agenda de esquerda, mas The Walking Dead
assume ares conservadores
Rodrigo Belinaso Guimarães
The Walking Dead é uma série em quadrinhos norte-americana
publicada pela Image Comics, da Califórnia. A primeira edição foi lançada
em outubro de 2003. Desde essa época, há quase 15 anos, a revista vem
sendo publicada mensalmente, em preto e branco, numa história contínua
que ainda não chegou a um final. A revista foi criada e ainda é
desenvolvida por Robert Kirkman e gira em torno da sobrevivência e da
liderança de Rick Grimes, um ex-policial de uma pequena cidade norte-
americana, próxima a Atlanta, chamada de Cynthianna. A história inicia
com Rick sendo ferido por criminosos que fugiam de uma prisão, num tiroteio antes da infestação, e acorda do coma em um mundo repleto de zumbis. Os quadrinhos
ganharam forte popularidade entre os mais jovens, no rastro do renascimento das histórias de zumbis
no século XXI em diferentes formatos de mídia.
As criaturas de The Walking Dead seguem o padrão inventado por George A. Romero em
1968 no filme Night of the Living Dead: eles se agrupam em bandos, são famintos por pessoas vivas
e se transformaram depois de mortos. Além disso, a história gira em torno das relações entre os
sobreviventes em diferentes grupos, seguindo o modelo também inventado por George A. Romero no
filme Dawn of Dead de 1978. Mas as semelhanças terminam nisso, a minha impressão é que
politicamente eles seriam bem diferentes. Os zumbis de Romero nos anos de 1960 e 70 estavam
visivelmente alinhados a uma agenda de esquerda: crítica à guerra do Vietnã, ao consumismo, à
manipulação da mídia, ao racismo, ao colonialismo, etc. A meu ver, The Walking Dead não segue
explicitamente uma agenda política, embora eu não saiba se há alguma intenção nesse sentido de
seus criadores, mas acredito que os quadrinhos ao enfatizarem o empenho de Rick para refundar
princípios civilizacionais e não apenas sobreviver, assumiria ares conservadores.
Então, a cultura popular do Ocidente, nessas duas primeiras décadas do século XXI, foi
recheada de narrativas de zumbis. Assim, foram feitos vários lançamentos cinematográficos com
grandes orçamentos que contrastavam com as produções baratas do século XX. Além dos
quadrinhos, foram produzidos seriados de televisão, literatura, jogos de videogame e, até mesmo,
produções caseiras feitas por fãs e divulgadas na internet. Essa proliferação gerou até uma crítica
especializada nos EUA sobre o subgênero zumbi. Os críticos afirmam que houve um renascimento da
monstruosidade zumbi nas primeiras décadas deste século, após duas décadas de desaparecimento da
mídia entre os anos de 1980 e 90. Dizem que esse renascimento só ocorreu pela capacidade do zumbi
de cristalizar no imaginário popular uma série de angústias presentes no tecido social do Ocidente,
principalmente, após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 ao World Trade Center em
Nova York.
Como entendo a situação, a principal angústia para o imaginário coletivo do ocidente talvez
seja a possibilidade real de destruição de sua civilização, resultado de um processo contínuo de
desconstrução dessa cultura. Isso inclui, o distanciamento das tradições religiosas e morais judaico-
cristãs; a negação das potencialidades do conhecimento da verdade da filosofia grega clássica; a
relativização da modelagem institucional, legal e normativa herdadas do Império Romano; a crítica a
qualquer exercício do poder mesmo que por uma casta aristocrática fundamentada no dever, na
honra e no mérito; o abandono da liberdade individual assentada na propriedade privada. O sucesso
no século XXI de narrativas apocalípticas como as de zumbi configuraram, na minha hipótese, uma
reação emocional e reativa a todo um trabalho de crítica negativa e de desconstrução da cultura
ocidental. As bases culturais do ocidente agonizam e é nesse processo de dissolução civilizacional
que o sucesso das narrativas de zumbi estão assentadas.
Na atualidade, é assunto constante da mídia uma série de ameaças reais ou imaginárias às
sociedades ocidentais que, de alguma forma, ajudam a impossibilitar a reprodução de suas bases
culturais. Isso tudo, na minha hipótese, é um processo de engenharia social que deixa o indivíduo
ocidental desarmado culturalmente e, assim, mais fácil de ser controlado e manipulado pelo aparato
governamental. Então, numa lista de catástrofes possíveis pode ser incluído: crises econômicas,
mudanças no mercado de trabalho, envelhecimento da população; miséria; violência; grupos
terroristas; narcotráfico; alterações no clima; epidemias, etc. Tudo isso é utilizado pela esquerda
globalista ou comunista para justificar o aumento do poder e da centralização do Estado. Ao mesmo
tempo, observa-se processos reais de dissolução da família; de islamização do ocidente; de introdução
de novas tecnologias para o gerenciamento da população, restrições na linguagem, manipulação da
vida biológica, mudanças no corpo e na naturalidade da vida humana. Todos esses processos recaem
sobre o indivíduo em particular, moldando sua conduta e predispondo-o a aceitar discursos
revolucionários e centralizadores.
The Walking Dead, em uma primeira aproximação, narra a alteração drástica das condições
sociais no Ocidente, revolucionada por seres numericamente preponderantes, que se agrupam em
massas/multidões e que seguem hipnoticamente propósitos violentos em si mesmos. Confrontados
com o meio social hostil gerado repentinamente por esses seres, forma-se um agrupamento humano
que, em última instância, está investido do desejo de preservar os valores básicos da tradição cultural
do ocidente. Dessa forma, sem qualquer possibilidade de incluir o outro hostil (zumbi) nesses
resquícios de civilização, os personagens assumem uma postura pragmática e militarizada, baseada
numa ética da sobrevivência de suas vidas e de seus valores.
Em outras palavras, a partir da leitura dos quadrinhos de The Walking Dead e da crítica
especializada norte-americana das narrativas de zumbis, formulei algumas impressões: as histórias
de zumbis, ao longo do século XX, sempre foram relacionadas aos debates políticos mais amplos na
sociedade norte-americana; em The Walking Dead, ela perde sua áurea esquerdista e
antiamericana presente nos filmes de George Romero, para narrar a possibilidade de conservar
valores ocidentais; essa série em quadrinhos pode estar alinhada à defesa dos princípios
civilizacionais do ocidente judaico-cristão num contexto de dissolução destes valores por inimigos
internos e externos.
Por fim, gostaria de indicar um elemento importante presente nas primeiras edições de The
Walking Dead em Days Gone Bye: a discussão se o grupo de sobreviventes deve ou não esperar
ajuda governamental centralizada. Percebe-se que o apocalipse zumbi ocorreu numa sociedade já
efetivamente centralizada pelo governo e que opta por seguir suas instruções. Quando Rick acorda
do coma e vê sua cidade e casa abandonadas é porque às pessoas foi dito para procurarem as grandes
cidades. Assim, Rick encontra Morgan e seu filho Duane, apenas por ele não ter obedecido a ordem
governamental e considerado mais seguro permanecer onde estava. Rick, então, toma o caminho de
Atlanta atrás de sua família e a encontra num acampamento nas proximidades da cidade. Estas
pessoas têm em comum o fato de demorarem a saírem de onde estavam, fato fundamental para sua
sobrevivência, pois Atlanta pela concentração de zumbis se tornara altamente perigosa. Daí se
estabelece uma disputa entre Rick e Shane, este último ainda acreditava na intervenção
governamental e queria roubar a esposa de Rick. Por sua vez, Rick considera que o grupo precisava
agir por conta própria e procurar um local mais seguro. Shane não aceita a volta de seu ex-parceiro
de polícia e arma uma emboscada para o matar, porém Carl, filho pequeno de Rick, salva o pai
atirando em Shane. Portanto, a não confiança na intervenção centralizadora do estado e a
internalização de valores morais constituem o início da caminhada do grupo liderado por Rick e dão
um tom conservador para essa série em quadrinhos.