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Resposta à crítica oito ensaios que não precisa de ler de gonçalo mira

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Resposta à crítica “Oito ensaios que não precisa de ler” de Gonçalo Mira

A pequena arrogância de um “crítico”

Gonçalo Mira deu-se ao trabalho de ler e fazer uma recensão crítica do livro por

mim organizado sobre “Psicologia dos comportamentos online”, na edição do jornal

Público de 30 dezembro. Devo agradecer-lhe o esforço que fez por ter perdido horas da

sua existência a ler oito ensaios que foram de muita má digestão, tendo em conta o título

e ´conteúdo do artigo.

Começa por desprezar a escrita académica que, como qualquer forma de escrita,

tem as suas regras. Na condição de professora universitária, que convidou outros

colegas a participar neste projeto, quis deliberadamente respeitar. O livro não foi feito

em moldes jornalísticos, para isso existem os respetivos profissionais, nem pensado para

um público pouco informado e que gosta de textos descritivos, que se podem

compreender no intervalo entre dois post no Facebook. Uma das condições impostas aos

autores foi a de seguirem uma das normas da escrita científica (neste caso as da APA –

American Psychological Association) e terem investigação própria no âmbito de cada

um dos oito ensaios que fazem parte do livro.

A intenção foi fazer uma súmula da investigação produzida sobre os tópicos que

integram o livro. Foi planeado deste modo e os autores escreveram propositadamente os

textos para integrar este volume. Esta prática é habitual noutros países, com a produção

de Handbooks e Readers, que fazem a interface entre a literatura primária, que sai nas

revistas científicas e é de difícil compreensão por não especialistas, e a divulgação

jornalística, que se destina a um público generalista. Este livro pode ser lido por todos

os que o desejarem, como é óbvio, mas foi pensado para um público com alguma

cultura científica, sobretudo profissionais e estudantes universitários.

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Gonçalo Mira, que desconhecia até à data de leitura desta crítica, e não por falta

de leitura assídua de jornais e revistas, pode não ter gostado do estilo e mesmo do

conteúdo de todos ou alguns dos oito ensaios. Reconheço que alguns são um pouco

maçudos mas outros não o são e mesmo os primeiros têm informação pertinente sobre

os tópicos em análise. Uma coisa é reconhecer que não se gosta do estilo de escrita e de

organização do livro outra é ter este tom acintoso de que não vale a pena ler porque não

há nada de novo nem de importante em cada um dos oito ensaios. Claro que há e quem

ler o livro verá que tenho razão. Este tipo de argumento é similar aos dos visitantes de

exposições que ao olharem para certos quadros comentam “eu também fazia isto”, a que

apetece responder “então porque não o fez?”. Ou como referia Jerome Bruner a

propósito de certos comentários aos resultados de algumas das suas investigações: tanto

trabalho para chegar a estas conclusões. Não quero nem posso comparar-me com este

grande psicólogo norte-americano, que fundou o departamento de Psicologia Cognitiva

na Universidade de Harvard, mas tão só salientar o tipo de argumentos que usa o autor

da crítica.

Esta arrogância é ainda mais evidente no modo como Gonçalo Mira se refere aos

três ensaios escritos pelos autores estrangeiros que são, não por acaso, dos mais

reconhecidos internacionalmente na interpretação dos fenómenos que analisam nos seus

textos. A argumentação utilizada é que estes ensaios foram escritos numa altura em que

não existia o Facebook e o Twitter. Claro que não existiam estas redes sociais mas

existiam outras, como o MySpace, o Hi5, ou o OrKut, e as pessoas que fizeram parte

das investigações que integraram os estudos citados e desenvolvidos pelos autores eram

utilizadores habituais dessas redes. Mais importante ainda, algo que Gonçalo

desconhece, usarem grelhas concetuais e teorias científicas para analisar os

comportamentos dos utilizadores destas redes, para ver até que ponto estas inovações

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tecnológicas teriam o poder de modificar mecanismos psicológicos antiquíssimos. E, se

tivesse lido com a atenção e cuidado que se exige a quem faz crítica, teria verificado

que há muita informação pertinente nestes três ensaios sobre questões importantes do

comportamento humano. Por exemplo, sobre a mentira e porque é que as pessoas

mentem e o papel da mentira nas relações sociais, sobre a ‘revelação do eu’ e a

construção de identidades virtuais, sobre os determinantes da ação coletiva e sobretudo

o que foi alterado nestes comportamentos, para o bem e para o mal, com o uso massivo

das tecnologias digitais e das redes sociais.

Por curiosidade, já que o argumento principal para criticar negativamente estes

três ensaios é a não existência do Facebook e do Twitter à data da sua escrita, fui ver se

o Gonçalo tinha um perfil no Facebook. Para minha surpresa, quando naveguei na sua

página, reparei que dissimula a sua identidade visual (pelo menos para os não-amigos) o

que contraria o que afirma: “As constantes referências ao anonimato da Internet são

bolorentas e evocam tempos remotos de salas de chat do IRC. Hoje vivemos uma era

em que cada vez mais se incentiva (no caso do Facebook, cada vez mais se impõe) que

as identidades virtuais sejam as mesmas que as reais”. Se tivesse lido com atenção os

ensaios escritos por Katelyn McKenna e Jeffrey T. Hancock teria compreendido porque

tem necessidade de dissimular a sua identidade visual, tornando-a irreconhecível e de

ter ferramentas analíticas para explicar porque existem tantos comentários vergonhosos

aos posts e artigos que não agradam à massa anónima que existe no mundo virtual.

Para terminar, pois esta contestação já vai longa, termino parafraseando Roland

Barthes: a tecnologia desenvolve-se de modo exponencial mas as mentalidades não.

Guilhermina Lobato Miranda

9 janeiro 2016

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