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NEGRO UNIVERSO Número 1, maio 2010 A essência dos afrodescendentes, hoje e sempre Samba Lenço de Mauá Foto: Ana Luiza Frari

Revista NEGRO UNIVERSO n° 1, maio 2010

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Page 1: Revista NEGRO UNIVERSO n° 1, maio 2010

NEGRO

UNIVERSO

Número 1, maio 2010

A essência dos afrodescendentes,

hoje e sempre

Samba Lenço de MauáFoto: Ana Luiza Frari

Page 2: Revista NEGRO UNIVERSO n° 1, maio 2010

Revista

NEGRO UNIVERSO

Número 1, maio de 2010Editor: Carlos Rogerio

Caixa Postal 73Ribeirão Pires, SP

CEP 09400 970

[email protected]

Além do caráter informativo, histórico e cultural que desejamos imprimir nas páginas da revista NEGRO

UNIVERSO, também queremos que ela se torne uma mídia popular, integrativa e interativa. Para tanto

estaremos propondo várias ações paralelas. E a primeira delas é o

Concurso visual “AfroCorpoBrasileiro”

Estaremos recebendo até o dia 31 de outubro, fotos e desenhos para compor uma edição especial do mês da

Consciência Negra. A imagens podem vir acompanhadas de pequenos poemas, frases ou textos.

Com o material recebido organizaremos também algumas exposições itinerantes.

Não deixe de participar!!!

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ConteudoConteudo

Como vamos, Como vamos, como estamos.............4como estamos.............4

O negro universo.........5O negro universo.........5

A iminência de uma A iminência de uma AFROESCOLA...............6AFROESCOLA...............6

Afrosticker / Afrosticker / Afrograffiti...................6Afrograffiti...................6

Referências..................7Referências..................7

Um LAROIÊ em tom de Um LAROIÊ em tom de protesto....................8/9protesto....................8/9

25 de maio, 25 de maio, Dia de África................9Dia de África................9

QuebrantoQuebranto – – AMANDLA..................10AMANDLA..................10

Ingoma convoca negoIngoma convoca negodança, canto, seu apelodança, canto, seu apelotradição, cultura, zelotradição, cultura, zelo

para nunca mais chorar...para nunca mais chorar...

Já chega o momento de Já chega o momento de contarmos nossas histórias contarmos nossas histórias

por nós mesmos. Como diz o por nós mesmos. Como diz o ponto cantado em várias rodas ponto cantado em várias rodas

de Jongo “levanta povo, de Jongo “levanta povo, cativeiro acabou”...cativeiro acabou”...

E se é difícil conhecer nossas E se é difícil conhecer nossas Histórias por causa das Histórias por causa das

estratégias racistas para a estratégias racistas para a eliminação de nossas matrizes, eliminação de nossas matrizes,

de nossas raízes, que pelo de nossas raízes, que pelo menos as recriemos / as menos as recriemos / as

reinventemos nós mesmos, de reinventemos nós mesmos, de acordo com nossos anseios e acordo com nossos anseios e

nossas necessidades.nossas necessidades.

É só acreditar que a memória É só acreditar que a memória segue viva em nossos corpos. segue viva em nossos corpos.

E deixar os batuques E deixar os batuques nos guiarem...nos guiarem...

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Como vamos, Como vamos, como estamos?como estamos?

Pelo que vejo / sinto, Pelo que vejo / sinto, continuamos em desvantagem. continuamos em desvantagem.

E não falo aqui somente de E não falo aqui somente de desvantagens econômicas: desvantagens econômicas:

seguimos inferiorizados nos seguimos inferiorizados nos aspectos políticos, educacionais, aspectos políticos, educacionais,

ambientais, sanitários, etc.ambientais, sanitários, etc.É nítida a situação de exclusãoÉ nítida a situação de exclusão

dos afrodescendentes, dos afrodescendentes, principalmente nas grandes principalmente nas grandes

cidades. Nem mesmo os ditos cidades. Nem mesmo os ditos “redutos de nego” – terreiros, “redutos de nego” – terreiros,

rodas de samba e de capoeira – rodas de samba e de capoeira – resistem ao voraz processo de resistem ao voraz processo de intervenção / limpeza étnica. intervenção / limpeza étnica.

Isso porque ainda somos Isso porque ainda somos 50,5% da população...50,5% da população...

A seguir faço uso de alguns A seguir faço uso de alguns dados recentes apresentados pelo dados recentes apresentados pelo

professor Marcelo Paixão do professor Marcelo Paixão do Instituto de Economia da UFRJ Instituto de Economia da UFRJ

(Universidade Federal do Rio de (Universidade Federal do Rio de Janeiro) que ajudam a Janeiro) que ajudam a

escurecerescurecer a realidade brasileira. a realidade brasileira.

●Negros brasileiros vivem seis Negros brasileiros vivem seis

anos menos que os brancos;anos menos que os brancos;

Os analfabetos negros são o Os analfabetos negros são o

dobro dos brancos;dobro dos brancos;

A renda dos negros é a metade A renda dos negros é a metade

da renda dos brancos;da renda dos brancos;

Os negros ficam dois anos a Os negros ficam dois anos a

menos na escola que os brancos;menos na escola que os brancos;●Entre 2003 e 2009 foram Entre 2003 e 2009 foram

libertados 40 mil brasileiros (que libertados 40 mil brasileiros (que

viviam em fazendas sob o regime viviam em fazendas sob o regime

servil – não recebiam nada por servil – não recebiam nada por

seu trabalho) – destes, 73,5% seu trabalho) – destes, 73,5%

eram negros.eram negros.●

““Aqui, somos brasileiros Aqui, somos brasileiros de origem africana, ainda de origem africana, ainda

marginalizados, expostos à marginalizados, expostos à violência – quem nos violência – quem nos

protege da polícia, por protege da polícia, por exemplo?” exemplo?”

““Se desmontarmos os números do IDH, Se desmontarmos os números do IDH,

índice do desenvolvimento humano da índice do desenvolvimento humano da

ONU, veremos que se o Brasil fosse só ONU, veremos que se o Brasil fosse só

dos brancos (O SONHO DA ELITE dos brancos (O SONHO DA ELITE

BRASILEIRA) ficaria na 40ª posição do BRASILEIRA) ficaria na 40ª posição do

IDH. O Brasil está na 70ª. Mas, se fosse só IDH. O Brasil está na 70ª. Mas, se fosse só

de negros, seria um país pobre africano e de negros, seria um país pobre africano e

ficaria na 104ª posição”ficaria na 104ª posição”

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Tudo foi imaginado para ser uma grande e sincera homenagem. Não apenas um evento pontual qualquer mas algo que celebrasse figuras e feitos intimamente ligados à essência das Áfricas espalhadas pelo mundo.

Primeiramente, uma lembrança cheia de orgulho por nossos antepassados diretos, aqueles que nos criaram, que nos ensinaram os caminhos a trilhar, que nos mostraram como driblar os feitores e os capatazes que ainda existem, que nos fizeram dançar e cantar nossas passagens de tristeza e de alegria.

Curtindo uma DOMINGUEIRAFRO, confeccionando bonecas pretas, improvisando versos para outras loas, mostrando indignação através de faixas em estabelecimentos comerciais, apreciando lendas de orixás, jogando mancalas, degustando acaçás, recitando Solano Trindade, vestindo panos da costa, vamos conhecendo, reconhecendo, preservando, valorizando o melhor que temos, o melhor que somos.

No centro de toda essa motivação, a presença ainda marcante de Antonieta Eustachio, fundadora do Abaçá da Oxum. Ou simplesmente a inesquecível DADA, minha querida avó...

E assim estamos em tributo permanente desde 2002 com o NEGRO UNIVERSO. Às vezes com atividades singelas durante os meses de maio e de novembro – por conta de suas datas oficiais e seus significados – às vezes nos multiplicando pelos outros períodos do ano. Estamos aqui, ali, acolá, sempre experimentando formatos, jeitos, tamanhos, cores, a diversidade que nos caracteriza.

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Afrosticker / Afrograffiti

No meio de todas as experiências artísticas e

educativas que temos realizado, uma que tem

nos motivado bastante é a do Afrosticker /

Afrograffiti. Ideia simples de fundir os grafismos e

símbolos africanos e afrobrasileiros à ação de pintar e “decorar” muros, paredes e outros espaços públicos, está atraindo a

atenção de diferentes interessados. Numa única intervenção

fomentamos discussões / reflexões sobre História, Religião, Arte, Política,

Meio Ambiente, além das próprias relações

humanas – estas que estão profundamente

desgastadas e corrompidas.

A iminência de uma AFROESCOLA

Ainda é apenas um sonho e já está gerando inúmeros debates. Isto prova que a proposta tende a afetar estruturas estabelecidas e a favorecer a partilha de poderes historicamente concentrados...

O desejo de construir, literalmente, uma AFROESCOLA veio de uma constatação bastante primária: numa sociedade como a nossa será impossível viver sem a Educação formal e já que ela está aí para nos formar – ou formatar – que ao menos seja mais prazerosa, portadora de significados e referências que valorizem o considerado diferente (nesse caso o elemento negro). Em síntese, que seja exatamente o oposto do que é hoje.

E por que uma AFROESCOLA? Porque mesmo após a admissão dos afrodescendentes pelo sistema educacional tradicional, ficamos sem contatar nossas raízes e o que nos é ensinado está longe de nos tornar seres livres e com autoestima. A escola condiciona, molda para reproduzir e cristalizar os valores postos e disseminados como verdades únicas e absolutas: individualismo, hierarquia, consumismo, erotização, alienação, etc. A busca desse novo formato é por sentimentos contrários aos elencados acima.

E o que seria uma AFROESCOLA? Parafraseando Freire “Escola é um lugar onde se faz amigos, não se trata só de prédios, salas, quadros, programas, horários, conceitos...”. Um momento no qual se vive a vida prática, de acordo com as necessidades pessoais e comunitárias de indivíduos e de coletivos e que se estende para além. Em nossa cabeça por ora, a imagem de um aprendizado múltiplo e mútuo, calcado no que é base para a existência, acompanhado de um pensamento crítico sobre os parâmetros para ser um cidadão.

Uma boa aula de Matemática seria construindo uma casa, confeccionando o próprio vestuário, etc. Uma inesquecível de Língua Portuguesa, criando canções, revistas, propagandas. Uma significativa de Geografia, caminhando por montanhas e planícies, nadando em rios, viajando. Uma eficiente de Biologia, cuidando da terra e de animais, preparando os próprios alimentos. E assim por diante. Educar-se é vivenciar. Não contemplar abstratamente...

Aparentemente utópica, a proposta se torna sim viável se descartamos os padrões impostos e iniciamos um processo de resignificação do mundo ao redor. Um processo que pode ser bem longo mas que certamente será saboroso e mágico.

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Tia Gracina é mais que uma mãe, que tem alimentado e Tia Gracina é mais que uma mãe, que tem alimentado e acolhido a trajetória de tantos ao longo da sua, uma vida de acolhido a trajetória de tantos ao longo da sua, uma vida de integridade e de superações. Enfrentou as várias integridade e de superações. Enfrentou as várias discriminações impostas a negros, mulheres e pobres e hoje discriminações impostas a negros, mulheres e pobres e hoje compartilha sua sabedoria adquirida com o afeto e o respeito compartilha sua sabedoria adquirida com o afeto e o respeito típicos de uma ekede de Nanã.típicos de uma ekede de Nanã.

““Bença tia” Bença tia” e longa existência / resistênciae longa existência / resistência

Referências são essenciais. Referências são essenciais. São elas que nos influenciam na composição de nossa São elas que nos influenciam na composição de nossa

personalidade, nos estimulam personalidade, nos estimulam a buscar nossos ideais. Aqui então a buscar nossos ideais. Aqui então

destaco uma das grandes referências destaco uma das grandes referências da iniciativa NEGRO UNIVERSO: tia Gracina.da iniciativa NEGRO UNIVERSO: tia Gracina.

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Um LAROIÊ em tom de protesto

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A data de 25 de maio faz referência à criação da

Organização da UnidadeAfricana, que ocorreu em 1963, na Etiópia. Nesse ano reuniram-

se, de 22 a 25 de maio, 32 países africanos independentes para traçar uma estratégia deunidade do continente. Em

1972, a Organização das Nações Unidas instituiu o25 de maio como Dia da

Libertação Africana e em 2002, em Durban, África do

Sul, 53 países instituíram a União Africana (UA).

POEMA DE AMOR

Adoro-te, África semente, amor profundo, nobre fruto do meu eu vivente. Adoro a calidez das tuas tranças, manta preta do meu primeiro calafrio. E o dorso largo em que dormi o sono infantil e acordei já homem feito.

Jorge Macedo, escritor angolano

Notícias de hoje e de sempre: no Rio Grande do Sul, os atabaques tem de tocar mais baixo por conta de uma ordem judicial... Em Salvador, seguidamente jovens negros são executados pela polícia... No Rio de Janeiro, intolerantes religiosos se vangloriam por terem invadido um terreiro e destruído suas imagens... Em São Paulo, um museu dedicado à memória afro é ameaçado de fechar as portas por conta da “crise”... Quase nulos são os avanços nos campos da Educação (mesmo existindo uma lei que obriga o ensino da História e Cultura de nossos antepassados) e dos direitos cidadãos da população negra (o Estatuto da Igualdade Racial)... Para contrapor, internacionalmente nossas etnias ganham destaque por agora ocupar o “cargo mais importante do planeta” – o de presidente dos Estados Unidos – e pela realização, em 2010, da Copa do Mundo na África do Sul... Afinal, estamos regredindo ou progredindo?

Finalmente numa pesquisa recente de um veículo de grande circulação paulista – portanto, cuidado ao manuseá-lo – os próprios entrevistados se colocam como preconceituosos. Em minha humilde compreensão, o preconceito (o não entender o que é e assim mesmo criar definições) é um impulsionador da discriminação (o apartar por enxergar diferenças) e o melhor nutriente para o racismo (se não compreendo e é diferente, é inferior). E se agora assumimos abertamente o desejo de não conviver com certas características é sinal que perdemos totalmente a noção de humanidade e de solidariedade.

E nós minorias (social, política e economicamente representadas pois somos a maioria numérica), os alvos preferidos dos preconceitos / preconceituosos, que podemos e / ou queremos fazer? Não será o momento exato de entoar o Laroiê, saudação calorosa ao orixá Exú (mensageiro e articulador de iniciativas nas mitologias iorubás), como grito amplificado para difundir nossas ideias e práticas revolucionárias? Começar um boicote a tudo que não nos diz respeito, criar serviços e produtos específicos para as diversidades, apoiar quem valoriza o plural, o étnico, o nacional, o regional, o local. Reconhecer nossa história – mesmo que essa tenha sido quase totalmente destruída – no outro, próximo e simples, que também tem a dúvida do que é / pode ser. Denominar-se pret@ e acreditar que nós podemos sim ser autossuficientes, principalmente por sermos diferentes.

Nos falta, sinto, mais tempo, dedicação e coragem para olhar nos olhos, chamar de irmão e repetir dezenas de vezes AXÉ, tornando essas ações costumes de massa.

25 de maio, Dia de África

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Se você tiver interesse em participar como colaborador da Revista NEGRO UNIVERSO, faça contato. A proposta é lançá-la a cada 2

meses – a próxima no início de julho. Pode também sugerir temas, fazer entrevistas, reportagens, divulgar seu trabalho e tudo mais o

que puder imaginar relacionado ao universo negro.

ACÃO / AXÉ!!!

AMANDLAQUEBRANTO às vezes sou o policial que me suspeitome peço documentose mesmo de posse delesme prendoe me dou porrada às vezes sou o zeladornão me deixando entrar em mim mesmoa não serpela porta de serviçoàs vezes sou o meu próprio delitoo corpo de juradosa punição que vem com o veredito às vezes sou o amor que me viro o rostoo quebrantoo encostoa solidão primitivaque me envolvo com o vazio às vezes as migalhas do que sonhei e não comioutras o bem-te-vi com olhos vidrados           tinando tristezasum dia fui abolição que melancei de supetão no espantodepois um imperador depostoa república de conchavos no coração

e em seguidauma constituição que me promulgo

a cada instante

também a violência dum impulsoque me ponho do avesso

com acessos de cal e gessochego a ser

 às vezes faço questãode não me ver

e entupido com a visão delesme sinto a miséria

concebida como um eterno começo

 fecho-me o cerco

sendo o gesto que me negoa pinga que me bebo

e me embebedoo dedo que me aponto

e denuncioo ponto em que me entrego

 às vezes...

Amandla Aweto…De origem zulu (África do Sul) significa PODER PARA O POVO. Entoada e cantada em diversas ocasiões: políticas, culturais (e muitas vezes guerrilheiras) em várias partes da Àfrica, tornando-se símbolo de luta e resistência contra o Apartheid e colonialismo europeu.AMANDLA AWETO!!! Canta os africanos e seus descendentes espalhados pelo mundo. Dos Black Panthers ao Hip Hop, dos Quilombos ao Movimento Negro contemporâneo, a valorização da cultura negra e a luta contra o racismo se fazem presente.Contato: [email protected]