Tese de Doutorado. Velhice Bem Sucedida e Percepção de Controle

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  • 1. Controle primrio e controle secundrio: relao com indicadores de envelhecimento bem-sucedido Hilma Tereza Trres Khoury Braslia/DF 2005 Universidade de Braslia Instituto de Psicologia Programa de Ps-graduao em Psicologia

2. Controle primrio e controle secundrio: relao com indicadores de envelhecimento bem-sucedido Hilma Tereza Trres Khoury Orientadora: Isolda de Arajo Gnther, PhD Braslia/DF Janeiro/2005 Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de Braslia, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Doutor em Psicologia. Universidade de Braslia Instituto de Psicologia Programa de Ps-graduao em Psicologia 3. Sucede e isso ainda me acontece que uma obra de arte plstica me desagrada ao primeiro olhar porque ainda no amadureci para ela. Porm, se tenho um lampejo de que nela existe qualquer mrito, procuro voltar a ela e ento inundam-me as mais exultantes descobertas: nas coisas dou-me conta de novas propriedades; em mim, dou-me conta de novas aptides (Goethe). 4. Aos idosos e aos envelhescentes que freqentaram a Universidade da Terceira Idade (UNITERCI), em Belm do Par, no perodo de 1994 a 1999, com quem muito aprendi. A todos aqueles que envelhecem ou j envelheceram neste mundo chamado Brasil. queles idosos ligados a mim por estreitos laos de afeto, em especial memria de Edmundo Limeira Khoury, meu pai, Maria do Cu Alves Trres Khoury, minha me, e Olga Limeira Khoury, minha tia-me, cujos processos de envelhecimento me inspiraram a dedicao a este campo de estudos. 5. AGRADECIMENTOS Prof Dr Isolda de Arajo Gnther, orientadora desta Tese, por conduzir o trabalho com um profissionalismo mpar, misto de firmeza e afeto, onde, paralelo ao rigor cientfico e metodolgico, estiveram sempre o respeito pela pessoa do orientando e por suas idias. Obrigada pelo seu exemplo! A todos os idosos que gentilmente colaboraram para o xito desta pesquisa, seja concedendo entrevista para a coleta dos dados, seja indicando outros potenciais entrevistados. Ao Prof. Dr. Hartmut Gnther, pelo incentivo constante e pelas sbias orientaes, especialmente quanto s variveis ambientais investigadas e anlise estatstica dos dados. Ao Prof. Dr. Luiz Pasquali, por todos os preciosos ensinamentos acerca da construo de instrumentos de medida e pelas orientaes quanto anlise fatorial para esta pesquisa. Prof. Dra. Suely Sales Guimares, por todos os valiosos ensinamentos e orientaes acerca da metodologia de investigao e de divulgao cientficas. Banca Examinadora desta Tese, pelas importantes e prestimosas contribuies e sugestes, instigando continuidade desta pesquisa e sua aplicao prtica. A todos os colegas do Laboratrio de Psicologia Ambiental da UnB, que direta ou indiretamente contriburam para que este trabalho se tornasse realidade. Agradeo, em especial, a Fabio Iglesias, Abelardo Vinagre da Silva, Ludmila Fernandes da Cunha, Zenith Delabrida, Larissa Medeiros e Carolina Vilela. A todos aqueles que me honraram com sua amizade sincera e que, mesmo sem o saber, proporcionaram-me o equilbrio emocional necessrio para me manter forte, confiante e chegar ao fim desta jornada, a despeito das adversidades enfrentadas ao longo desses anos. 6. Resumo Investigou-se a relao entre controle primrio (esforos para adaptar o ambiente a si), controle secundrio (esforos para adaptar-se ao ambiente) e indicadores de envelhecimento bem-sucedido. Adotou-se como critrio de envelhecimento bem-sucedido a manuteno do potencial para o controle primrio. A amostra, no-probabilstica, constituiu-se de 315 (105 M; 210 F) participantes, residentes em Braslia/DF, com idades entre 60 e 92 anos, tendo, em mdia, 11,1 anos de escolaridade e R$5.043,64 de renda familiar mensal; 18,4% ainda trabalhavam; 61,3% sustentavam suas famlias; 88,6% saam sozinhos; e 40% dirigiam o prprio automvel. Os dados foram coletados por meio de entrevistas individuais, no domiclio do idoso, utilizando-se instrumentos desenvolvidos pela autora para esta pesquisa. Os resultados mostram que, com a idade, o controle primrio diminui, mas o controle secundrio no sofre variao. Os achados sugerem que o envelhecimento bem-sucedido est associado a: 1) independncia; 2) persistncia; 3) sade; 4) engajamento em diferentes atividades; 5) amplas e diversificadas redes de relaes sociais; 6) flexibilidade frente a mudanas; 7) sentir- se mais jovem do que se ; 8) disposio para solicitar ajuda; 9) nvel educacional e nvel scio-econmico elevados; 10) residir em ambiente de baixa densidade social. Prope-se que pesquisas futuras prossigam verificando a adequao da teoria a contextos semelhantes e testem os instrumentos com outras amostras. Palavras-chave: controle primrio, controle secundrio, envelhecimento bem- sucedido. 7. Abstract Primary control (attempts to change the world) and secondary control (attempts to fit in with the world) were examined in relation to indicators of successful aging. The criterion of successful aging was the maintenance of primary control potential. The non-probabilistic sample were 315 participants (105 M; 210 F), between 60 and 92 years of age, living in Brasilia/DF. In the average, the participants had 11,1 years of schooling and R$5.043,64 of monthly income; 18,4% of the participants had an occupation; 61,3% sustained his/her families; 88,6% went out home alone, and 40% drove his/her car. Data-gathering procedure was individual interview, at the elderly s home, with instruments designed by the author for this research. The results indicate that primary control decrease with age, but secondary control shows no variation with age. The findings suggest that successful aging is associated with: 1) independence; 2) persistence; 3) health; 4) engagement in different activities; 5) large and diversified social networks; 6) flexibility to changes; 7) to feel younger than he/she is; 8) disposal to ask for help; 9) high educational level and socioeconomic status; 10) living in low social density home setting. Future investigations should verify the adequacy of the theory in similar contexts and test the instruments with others samples. Key-words: primary control, secondary control, successful aging. 8. SUMRIO INTRODUO 01 Captulo 1 REFERENCIAL TERICO 09 1. Controle primrio e controle secundrio 10 2. O modelo SOC de desenvolvimento bem-sucedido 27 3. O modelo OPS de desenvolvimento bem-sucedido 32 A teoria do controle no curso de vida 34 Critrios para o envelhecimento bem-sucedido 43 4. Pesquisas empricas sobre controle primrio e secundrio em idosos 48 5. Objetivo 56 6. Definio de variveis 57 7. Perguntas de pesquisa 60 8. Hipteses 61 Captulo 2 METODOLOGIA 66 1. Mtodo 66 2. Populao e amostra 66 3. Instrumentos de coleta de dados 72 3.1. Construo dos instrumentos 72 3.1.1. Construo dos itens componentes das escalas 74 3.1.2. Estudo piloto 76 3.1.3 Anlise fatorial das escalas de controle e de funcionalidade 85 3.1.3.1. Anlise fatorial da escala de controle primrio e secundrio 87 3.1.3.2. Anlise fatorial da escala de funcionalidade 100 9. 4. Procedimento e coleta de dados 110 Captulo 3 RESULTADOS 117 1. Primeira pergunta de pesquisa 117 2. Segunda pergunta de pesquisa 117 3. Terceira pergunta de pesquisa 117 4. Quarta pergunta de pesquisa 123 5. Quinta pergunta de pesquisa 127 Captulo 4 DISCUSSO 143 1. Controle primrio e controle secundrio em funo da idade 143 2. Controle primrio e indicadores de envelhecimento bem-sucedido 145 2.1. Independncia, engajamento em atividades e rede de relaes sociais 146 2.2. Estado de Sade 150 2.3. Funcionalidade na administrao de estratgias de controle 153 2.3.1. Persistncia e diversificao de atividades e relacionamentos 153 2.3.2. Adaptao a mudanas 154 2.3.3. Adequao de atividades idade 156 3. Controle primrio, controle secundrio e variveis demogrficas 157 3.1. Gnero e nvel scio-econmico 157 3.2. Ambiente de moradia 160 3.3. Religiosidade 163 4. Funcionalidade, sade, nvel educacional e rede de relaes sociais 165 5. Consideraes Finais 167 Referncias 172 Anexo A: Questionrio para dados demogrficos e folha de respostas 179 10. Anexo B: Escala para medir controle primrio e controle secundrio 180 Anexo C: Escala para medir funcionalidade na administrao de estratgias de controle 182 Anexo D: Resultado da primeira anlise semntica dos itens 183 Anexo E: Resultado da segunda anlise semntica dos itens 189 Anexo F: Itens das escalas de controle e de funcionalidade, tal como apresentados aos participantes 196 Anexo G: Escada utilizada na coleta dos dados 198 Lista de Tabelas Tabela 1 - Distribuio da populao com 60 anos e acima no Distrito Federal 68 Tabela 2 - Distribuio da populao de idosos em Braslia, por faixa etria e sexo 70 Tabela 3 - Distribuio da amostra, por faixa-etria e sexo 71 Tabela 4 - Matriz padro com 8 fatores e coeficientes alfa correspondentes 88 Tabela 5 - Matriz de correlaes entre os 8 fatores 89 Tabela 6 - Matriz padro com 5 fatores e coeficientes alfa correspondentes 90 Tabela 7 - Matriz de correlaes entre os 5 fatores 91 Tabela 8 - Matriz padro com 3 fatores e coeficientes alfa correspondentes 95 Tabela 9 - Matriz de correlaes entre os 3 fatores 96 Tabela 10 - Matriz padro com 7 fatores e coeficientes alfa correspondentes 101 Tabela 11 - Matriz de correlaes entre os 7 fatores 101 Tabela 12 - Matriz padro com 4 fatores e coeficientes alfa correspondentes 102 Tabela 13 - Matriz de correlaes entre os 4 fatores 103 11. Tabela 14 - Matriz padro com 6 fatores e coeficientes alfa correspondentes 104 Tabela 15 - Matriz de correlaes entre os 6 fatores 105 Tabela 16 - Correlao entre variveis de controle e indicadores de envelhecimento bem-sucedido 118 Tabela 17 - Correlao entre variveis de controle e variveis demogrficas 125 Tabela 18 - Correlao entre indicadores de envelhecimento bem-sucedido e variveis demogrficas 132 Tabela 19 - Correlao entre variveis de funcionalidade e outros indicadores de envelhecimento bem-sucedido 137 Lista de Figuras Figura 1 - Processos de controle primrio e secundrio. Extrado de Rothbaum et al. (1982, p.12) 14 Figura 2 - Modelo bi-dimensional de seleo/compensao e de controle primrio/secundrio. Extrado de Heckhausen e Schulz (1993, p.296) 40 Figura 3 - Soluo fatorial da escala para controle primrio e secundrio 98 Figura 4 - Soluo fatorial da escala para funcionalidade na administrao de estratgias de controle 110 12. 1 INTRODUO O envelhecimento da populao um fenmeno demogrfico internacional. Dados da Organizao Mundial da Sade (OMS) apontam que em 2000 havia aproximadamente 600 milhes de pessoas com 60 anos ou mais e que em 2025 a estimativa de crescimento de 100%. A OMS define como idoso as pessoas a partir de 60 anos de idade. Isto para os pases em desenvolvimento, onde vivem cerca de 60% de todas as pessoas com 60 anos ou mais. Nos pases desenvolvidos, este limite sobe para 65 anos, sendo que a populao com 80 anos e acima a que mais cresce. No Brasil, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), em 1980 as pessoas com 60 anos e acima representavam 6,1% da populao total. Em 1991 este percentual saltou para 7,3%, e em 2000 atingiu 8,6%. De 1980 para 1991, a populao de idosos cresceu 48,4% enquanto a populao total cresceu 23,4%. De 1991 para 2000 esse crescimento foi de 35,6% para o grupo de idosos e de 15,6% para a populao total. Verifica-se, portanto, que a cada dcada, a populao de idosos aumenta numa proporo bem maior que a populao total e que o percentual de idosos na populao aumenta progressivamente. Estes dados apontam para a necessidade da produo de conhecimentos, tecnologia e servios direcionados a esta faixa da populao, num esforo orientado para sua compreenso e para a melhoria de sua qualidade de vida. A psicologia, ao longo de sua histria, produziu um volume considervel de conhecimentos sobre a criana e o adolescente. Todavia, a psicologia do adulto e, mais ainda, a psicologia do envelhecimento, s a partir dos anos 70 do sculo XX passou a ser mais freqentemente investigada. 13. 2 A literatura sobre psicologia do desenvolvimento na abordagem do curso de vida tem tratado do desenvolvimento bem-sucedido e, dentro deste, do envelhecimento bem- sucedido e qualidade de vida na velhice, os quais dependem de diversos fatores, inclusive o grau de controle que o indivduo idoso consegue manter sobre si mesmo e seu mundo (Baltes & Baltes, 1990; Neri, 1993). O termo controle aparece na literatura psicolgica sob diferentes denominaes como, por exemplo, senso de controle, locus de controle, controle pessoal e controle percebido. Alguns desses rtulos tm sido utilizados para significar construtos semelhantes, outras vezes, o mesmo termo utilizado para nomear construtos diferentes, produzindo confuso terica acerca dos limites deste tpico e das inter-relaes entre os construtos relacionados a controle (Skinner, 1996). Neste estudo, controle conceituado nas dimenses de controle primrio e controle secundrio (Rothbaum, Weisz & Snyder, 1982; Heckhausen & Schulz, 1995). Os dois grupos de autores diferem, tanto em sua definio do controle primrio e secundrio, quanto em sua viso de como esses processos se relacionam ao desenvolvimento humano e adaptao (ver Captulo 1). Rothbaum et al. (1982) distinguem controle primrio e secundrio em termos da meta do indivduo, mudar o ambiente, no primeiro caso, ou adaptar-se ao ambiente, no segundo. Para Heckhausen e Schulz (1995), a distino entre controle primrio e secundrio se d por meio do alvo ao qual o indivduo se dirige, mundo externo, no primeiro caso, ou self, no segundo. Neste estudo, controle primrio e controle secundrio foram definidos com base em Rothbaum et al. Assim, o controle primrio refere-se ao esforo do indivduo no sentido de produzir mudanas no ambiente, a fim de adapt- 14. 3 lo s suas necessidades. O controle secundrio refere-se ao esforo do indivduo para adaptar-se ao ambiente. No que diz respeito relao do controle primrio e secundrio com o desenvolvimento humano, Rothbaum et al. (1982) concebem adaptabilidade como equilbrio entre os dois processos de controle. Heckhausen e Schulz (1995) avaliam o desenvolvimento bem-sucedido pela manuteno do controle primrio ao longo do ciclo de vida. Como esses autores desenvolveram uma teoria do controle no curso de vida (Heckhausen & Schulz, 1995) e um modelo de desenvolvimento bem-sucedido fundamentado nessa teoria (Schulz & Heckhausen, 1996), o presente estudo investigar o envelhecimento bem-sucedido com base nesses pressupostos tericos. O modelo de desenvolvimento bem-sucedido desses autores foi elaborado a partir de Rothbaum et al. (1982) e do modelo otimizao da seleo com compensao, proposto por Paul e Margret Baltes, tendo adotado o construto de controle como tema central para a caracterizao do desenvolvimento humano da infncia velhice. Ao longo do ciclo de vida os indivduos encontram desafios, oportunidades e restries ao seu desenvolvimento. De um lado, os principais desafios incluem a necessidade de ser seletivo na escolha de trajetrias a seguir e a tendncia falhas do comportamento humano, de outro, as principais restries so de ordem biolgica e social. O indivduo precisa administrar os desafios ao seu desenvolvimento no ciclo de vida, conforme as oportunidades e restries a ele colocadas, podendo intensificar a seletividade, por meio do investimento em recursos, ou recorrer a compensaes, quando perdas so experimentadas ou antecipadas (Heckhausen & Schulz, 1993, 1995). 15. 4 A seleo e a compensao podem ser favorecidas pelos dois modos de controle, primrio e secundrio, resultando em quatro tipos de estratgias de controle: controle primrio seletivo, controle secundrio seletivo, controle primrio compensatrio e controle secundrio compensatrio (Heckhausen & Schulz, 1993, 1995; Schulz & Heckhausen, 1996). A exceo do controle secundrio compensatrio, todas as outras estratgias de controle visam a modificao do ambiente para o alcance de metas, portanto, ao controle primrio. At mesmo a estratgia denominada de controle secundrio seletivo, j que sua funo aumentar o comprometimento do indivduo para com metas escolhidas e mant-lo focalizado na meta a fim de alcan-la. Portanto, em ltima instncia, essa estratgia visa ao controle primrio. Por essa razo e com base em argumentos apresentados nos Captulos 1 e 2, este estudo investigar o que definiu como controle primrio seletivo, controle primrio compensatrio e controle secundrio. As estratgias de controle primrio seletivo incluem o esforo prprio do indivduo no sentido de produzir mudanas no ambiente, fsico ou social, e realizar suas metas, independentemente desse esforo se dirigir ao self ou ao mundo externo. As estratgias de controle primrio compensatrio incluem o esforo auxiliado do indivduo, ou seja, com ajuda de outras pessoas ou de tecnologias, no sentido de produzir mudanas no ambiente, fsico ou social, e realizar suas metas. As estratgias de controle secundrio so compensatrias em si mesmas e incluem o esforo do indivduo no sentido de adaptar-se s situaes em que metas no foram alcanadas, tornaram-se difceis ou impossveis de alcanar. Tanto Baltes e Baltes (1990), quanto Schulz e Heckhausen (1996) conceberam o envelhecimento bem-sucedido como parte inerente do 16. 5 desenvolvimento bem-sucedido. Porm, a viso que Baltes e Baltes oferecem do envelhecimento bem-sucedido mais ampla e flexvel, enquanto que a viso de Schulz e Heckhausen centrada no controle primrio. O critrio de bem-sucedido de Baltes e Baltes (1990) se baseia no conceito de adaptabilidade ou plasticidade comportamental, a qual se refere prontido para lidar com uma variedade de demandas. Minimizar perdas (por compensao), e maximizar ganhos (por seleo e otimizao) so, para estes autores, estratgias adaptativas indicadoras de sucesso no envelhecer, uma vez que na velhice o equilbrio entre ganhos e perdas se torna mais precrio. Para Schulz e Heckhausen (1996), o envelhecimento bem-sucedido depende da manuteno do potencial do indivduo para o controle primrio em longo prazo, quer dizer, da preservao de sua capacidade para modificar o ambiente e satisfazer suas necessidades, mesmo que no se engaje diretamente em aes que, de fato, o levem a exercer o controle primrio. Isto possvel, conforme os autores, graas ao controle secundrio, conseguido pela modificao de si prprio. Heckhausen e Schulz (1995) argumentam que o incio da vida adulta caracterizado por crescentes nveis de controle primrio e secundrio. Porm, durante a ltima fase da meia idade e na velhice, as estratgias de escolha se inclinam mais em direo elaborao e ao uso crescente de estratgias de controle secundrio. O aumento dos desafios biolgicos e sociais ao controle primrio coloca uma importncia sobre as estratgias de controle secundrio como meios de manter o potencial do indivduo para o controle primrio. Na medida que a proporo de ganhos/perdas no controle primrio se torna cada vez menos favorvel, o indivduo crescentemente recorre aos processos de controle secundrio. 17. 6 Durante o ciclo de vida, a administrao dos desafios colocados ao desenvolvimento pode ser efetuada de maneira funcional ou disfuncional (Heckhausen & Schulz, 1993; Schulz & Heckhausen, 1996). funcional na medida em que favorece o potencial do indivduo para o controle primrio em longo prazo. Assim, o envelhecimento bem-sucedido implica na manuteno do potencial para o controle primrio que, por sua vez, pressupe funcionalidade na administrao dos desafios ao desenvolvimento. As publicaes sobre controle primrio e controle secundrio, relacionando esses construtos ao desenvolvimento bem-sucedido, so recentes e ainda escassas. A busca no banco de dados PsycINFO, em todos os perodos disponveis (1887 a 2004), procurando-se as palavras-chave control e successful aging em qualquer lugar, registrou 40 ttulos, publicados entre 1981 e 2004. Restringindo-se a busca ao objetivo proposto, procurou-se as palavras-chave primary and secondary control e aging, no assunto (subject), tendo sido encontrados somente 10 ttulos. Quando a as palavras-chave primary and secondary control foram associadas palavra-chave successful aging, o resultado da busca foi ainda mais restrito, tendo acusado somente 3 publicaes. Associando-se as palavras-chave primary and secondary control palavra-chave life-span, foram encontrados 11 ttulos. No banco de dados Scielo, realizou-se busca em peridicos das reas de cincias humanas e da sade, com palavras-chave nas lnguas portuguesa, inglesa e espanhola. Foram encontrados 23 artigos relacionando o envelhecimento a algum aspecto psicolgico ou psicossocial, todos em peridicos nacionais. Porm, nenhum deles versava sobre controle e envelhecimento. Somente um deles mencionava o tema envelhecimento bem-sucedido (Silva & Gnther, 2000). 18. 7 Ainda no mbito nacional, efetuou-se uma pesquisa na pgina da internet do Ncleo de Estudos Avanados em Psicologia do Envelhecimento (NEAPE), da Universidade de Campinas (UNICAMP). Foi constatada uma linha de pesquisa denominada Velhice bem-sucedida: aspectos cognitivos e de personalidade, que investiga, entre outros assuntos, crenas de controle e de auto-eficcia, autonomia e dependncia. Foram encontradas 33 referncias bibliogrficas nessa linha de pesquisa, algumas trazendo a expresso envelhecimento bem-sucedido no ttulo (Goldstein, 1995; Neri, 1995, 1996, 1997), porm, nenhuma delas trata especificamente do controle primrio e secundrio. As pesquisas empricas sobre controle primrio e controle secundrio comparando populaes de adultos jovens com adultos de meia idade e idosos confirmam o pressuposto terico de que com o aumento da idade h uma tendncia maior para o controle secundrio (McConatha & Huba, 1999; Heckhausen, 1997; Wrosch, Heckhausen & Lachman, 2000; Peng, 1996). No entanto, o pressuposto terico de que o controle primrio se manteria estvel pelas faixas etrias no encontra sustentao emprica. Algumas pesquisas mostram que o controle primrio diminui com a idade (Brandtstdter & Renner, 1990; McConatha & Huba, 1999), outras revelam que o controle primrio se mantm estvel pelas faixas etrias (Heckhausen, 1997; Peng, 1996). O presente estudo investiga a percepo do controle primrio e do controle secundrio em idosos e sua relao com indicadores de envelhecimento bem- sucedido, inclusive funcionalidade, comparando-se algumas variveis demogrficas. De conformidade com a reviso de literatura efetuada, espera-se que o controle primrio seletivo diminua com a idade e que o controle secundrio aumente com a 19. 8 idade. Esperam-se tambm relaes positivas entre o controle primrio seletivo e os indicadores de envelhecimento bem-sucedido a ele associados, tais como independncia, engajamento em atividades, ampla rede de relaes sociais, sade e funcionamento fsico. Esperam-se relaes positivas entre o controle primrio seletivo e os indicadores de funcionalidade na administrao de estratgias de controle: persistncia, diversificao de atividades e relacionamentos, adequao de atividades idade e adaptao a mudanas de costumes e mudanas tecnolgicas. Esperam-se, ainda, diferenas quanto idade, gnero, nvel educacional, nvel scio- econmico, religiosidade e ambiente de moradia. Para este estudo foram construdos: (1) um questionrio para dados demogrficos, incluindo informaes acerca de indicadores de envelhecimento bem- sucedido; (2) uma escala para medir a percepo de controle primrio e secundrio; e (3) uma escala para medir a funcionalidade na administrao de estratgias de controle nessa populao. O presente trabalho est organizado em quatro captulos. O primeiro, apresenta e discute a literatura, define os conceitos e as variveis, concluindo com as perguntas de pesquisa e as hipteses a serem investigadas. O segundo, trata da metodologia empregada, incluindo a anlise fatorial dos instrumentos de medida. O terceiro, apresenta a anlise estatstica dos resultados obtidos. Finalmente, o quarto captulo discute os resultados luz da literatura e apresenta as concluses e direcionamentos para futuras investigaes. 20. 9 CAPTULO I: Referencial Terico O referencial terico adotado neste estudo baseou-se no conceito de controle primrio e controle secundrio (Rothbaum et al., 1982), na teoria do controle no curso de vida (Heckhausen & Schulz, 1995) e em seu correspondente modelo de desenvolvimento bem-sucedido (Schulz & Heckhausen, 1996). A teoria do controle no curso de vida e o modelo de desenvolvimento bem-sucedido que lhe pertinente foram criados a partir de dois plos tericos. De um lado, o modelo de dois processos do construto de controle e os conceitos de controle primrio e controle secundrio que o integram, concebidos por Rothbaum et. al. (1982). De outro lado, o modelo de desenvolvimento bem-sucedido - otimizao da seleo com compensao - criado por Paul e Margret Baltes (Baltes, 1987; Baltes & Baltes, 1990). Heckhausen e Schulz (1995) revisaram o modelo de dois processos do construto de controle, com nfase nos conceitos de controle primrio e controle secundrio, e propuseram a primazia do controle primrio sobre o controle secundrio. Analisaram o modelo otimizao da seleo com compensao (selective optimization with compensation - SOC) e apontaram algumas limitaes, particularmente a carncia de especificidade e a nfase nas perdas relacionadas ao envelhecimento em detrimento de outras fases da vida (Heckhausen & Schulz, 1993; Schulz & Heckhausen, 1996). Elaboraram a teoria do controle no curso de vida (Heckhausen & Schulz, 1995) e propuseram seu prprio modelo de desenvolvimento bem-sucedido (Schulz & Heckhausen, 1996), denominado de otimizao nos controles primrio e secundrio por meio da seleo e compensao (optimization by selection and compansation in primary and secondary control - OPS). 21. 10 Considerando o objetivo proposto e visando facilitar a compreenso do referencial terico, a reviso da literatura ser organizada em quatro partes. Em primeiro lugar, far-se- uma abordagem sobre os construtos de controle primrio e secundrio, confrontando as posies tericas de Rothbaum et al. (1982) e de Heckhausen e Schulz (1995). Em seguida, ser sumarizado o modelo SOC (Baltes, 1987; Baltes & Baltes, 1990; Baltes, 1997). Prossegue-se com a exposio do modelo OPS de desenvolvimento bem-sucedido (Heckhausen & Schulz, 1993; Schulz & Heckhausen, 1996), abordando-se sua fundamentao, a teoria do controle no curso de vida (Heckhausen & Schulz, 1993, 1995). Finalmente, sero analisadas pesquisas empricas sobre controle primrio e secundrio envolvendo populao idosa. 1. Controle Primrio e Controle Secundrio Os termos controle primrio e controle secundrio referem-se a formas de controle pessoal percebido. Os conceitos de controle primrio e secundrio aparecem originalmente em Rothbaum et al. (1982). Estes autores elaboraram o modelo de dois processos do construto de controle como alternativa aos modelos de processo nico, tal como o do desamparo aprendido de Seligman (1977) e o do locus de controle (Lefcourt, 1976). Contrariando os modelos de processo nico, onde comportamentos de passividade, afastamento e submisso so interpretados como manifestaes de abandono da motivao para controle, Rothbaum et al. propuseram que tais comportamentos podem estar refletindo um outro tipo de controle. Assim, distinguiram entre controle primrio e controle secundrio. O controle primrio definido como um processo que envolve esforos 22. 11 para modificar o ambiente, de forma a adapt-lo s necessidades do indivduo (Rothbaum et al., 1982, p.8). O controle secundrio definido como um processo que envolve esforos para adaptar-se ao ambiente e fluir com a corrente (p.8). De acordo com Rothbaum et al. (1982), os tericos do modelo de processo nico enfatizaram, por um lado, a capacidade para mudar o ambiente e, por outro, a ausncia de esforos para mudar o mundo e de motivao para controle. Assim, teriam equiparado o controle ao controle primrio e ignorado um segundo processo, aquele que os autores definem como controle secundrio. Rothbaum et al. argumentam que a motivao para sentir-se no controle pode ser expressa no apenas em comportamentos que esto claramente controlando, mas tambm sutilmente, em comportamentos que no esto (p.7). Assim, esses autores admitem concordar com os tericos do modelo de processo nico no sentido de que experincias de fracasso conduzem a comportamentos de passividade, afastamento e submisso. Sustentam, entretanto, que nem sempre tais comportamentos estariam refletindo abandono da motivao para controle. Esses comportamentos seriam freqentemente motivados (p.27) e, em muitos casos, podem ser iniciados e mantidos em um esforo para manter percepes de controle (Rothbaum et al., 1982, p.7). Tal motivao e esforo para obter controle secundrio seriam evidenciados, conforme os autores, em vrias formas de comportamento persistente caracterizado por um generalizado esforo no sentido de adaptar-se efetivamente ao ambiente (p.27). Rothbaum et al. (1982) criticam os tericos do modelo de processo nico por no terem considerado a persistncia de alguns desses comportamentos introvertidos ou subordinados, a qual seria evidente, por exemplo, nos pensamentos e 23. 12 aes perseverantes de obsessivo-compulsivos. Conforme os autores, tal persistncia sugere que o comportamento satisfaz algum propsito subjacente e que no reflete meramente um deficit na motivao (p.7). Uma outra evidncia da existncia de motivao para controle nesses comportamentos aparentemente indicadores de ausncia dessa motivao, segundo os autores, seriam as impresses subjetivas dos benefcios do controle secundrio (Rothbaum et al., 1982, p.27) as quais admitem ser limitadas nas pesquisas que analisaram. Contudo, citam como exemplo o fato de pessoas com lcus de controle externo perceberem a sorte como uma disposio pessoal e como uma capacidade (p.28). Em defesa do modelo de dois processos, Rothbaum et al. (1982) afirmam que o controle to valorizado que a procura por ele raramente abandonada; ao invs disso, os indivduos provavelmente mudam de um para outro mtodo de buscar controle (p.7). Alm disso, os autores sustentam que o esforo para modificar coisas que oferecem resistncia, caracterstico do controle primrio, tende a produzir alguma satisfao por sucessos, mas tambm algum desapontamento por falhas. J o esforo para ajustar-se s resistncias, caracterstico do controle secundrio, tende a ser experimentado como mais seguro e a conduzir a menos extremos de altos e baixos (p.8). Por esta razo, sugerem que a busca do controle secundrio pode representar um esforo para manter a crena na eventual efetividade do controle primrio (p.9). Argumentam os autores que a tendncia a modificar-se de forma a adaptar-se mais efetivamente ao ambiente protegeria a tendncia a modificar o ambiente de forma a adapt-lo s necessidades do indivduo (p.11). Entretanto, Rothbaum et al. (1982) ressaltam que nenhum dos dois 24. 13 processos de controle existiria em forma pura. Ambos estariam freqentemente inter- relacionados, como quando as pessoas negociam e entram em um acordo (p.8). Ressaltam, tambm, que h oscilao freqente entre os dois processos de controle como quando as pessoas alternam entre fases de luta e fuga em lidar com uma incapacidade fsica (p.8). Concluem, assim, que as diferenas entre controle primrio e controle secundrio deveriam ser pensadas como diferenas em nfase (p.8). Apesar de reconhecerem inter-relao e oscilao freqentes entre os dois processos de controle, e de afirmarem que a diferena entre eles de nfase, Rothbaum et al. (1982) assumem outra diferena entre esses dois processos de controle. Haveria uma diferena de seqncia temporal: o controle secundrio mais provvel de ocorrer depois que tentativas de controle primrio fracassaram (p.8). Em apoio a esta afirmao, citam diversos exemplos indicativos de que os comportamentos que refletem controle secundrio (passividade, afastamento e submisso) so um ltimo estgio de reao ao estresse; tipicamente so precedidos por um estgio de raiva e protesto comportamentos que ns associamos a controle primrio (p.8). Contudo, admitem que tais evidncias esto longe de ser claras e reafirmam a oscilao entre as duas formas de controle. Todas essas colocaes a respeito de inter-relao e oscilao entre os dois processos de controle, no entanto, parecem dizer respeito dinmica desses processos no dia-a-dia dos indivduos. Mais adiante em seu trabalho, Rothbaum et al. (1982) estabelecem a diferena bsica entre controle primrio e controle secundrio, a qual sustenta a definio desses construtos: a diferena-chave entre controle primrio e secundrio que, no primeiro caso, a meta mudar o ambiente enquanto 25. 14 que no ltimo caso, a meta adaptar-se ao ambiente (p.11). Para ilustrar o seu modelo de dois processos e marcar esta diferena-chave, Rothbaum et al. (1982) escolheram quatro formas de controle preditivo, ilusrio, vicrio e interpretativo e descreveram como os processos de controle primrio e secundrio se manifestam em cada uma delas (ver Figura 1). Tipos de Controle Processo Evidente Descrio Preditivo Primrio Esforo para prever eventos de forma a ter xito. So provveis de ocorrer: comportamento ativo e atribuies ao prprio esforo e capacidade, especialmente em tarefas de dificuldade moderada. Secundrio Esforo para prever eventos de forma a evitar desapontamentos. So provveis de ocorrer: comportamento passivo e de afastamento, especialmente em tarefas de dificuldade moderada. Comportamento ativo e persistente em situaes extremamente fceis ou extremamente difceis. Atribuies capacidade seriamente limitada. Ilusrio Primrio Esforo para influenciar resultados determinados pelo acaso. So provveis de ocorrer: comportamento ativo em situaes em que os resultados no podem ser influenciados pelo sujeito e em situaes cujos resultados dependem do sujeito, bem como atribuies ao prprio esforo e capacidade. Secundrio Esforo para associar-se sorte. So provveis de ocorrer: comportamento ativo em situaes em que os resultados no podem ser influenciados pelo sujeito, mas comportamento passivo e de afastamento em situaes cujos resultados dependem do sujeito. Atribuies sorte. Vicrio Primrio Esforo para manipular outros poderosos ou imitar seu poder ou habilidade. So provveis de ocorrer: comportamento submisso instrumental ou comportamento manipulador, bem como atribuies ao prprio esforo e capacidade. Secundrio Esforo para associar-se a outros poderosos. So provveis de ocorrer: comportamento submisso no instrumental e atribuies a outros. Interpretativo Primrio Esforo para compreender problemas de forma a ser capaz de resolve-los ou, por outro lado, domin-los. So provveis de ocorrer: comportamento ativo e atribuies ao prprio esforo e capacidade. Secundrio Esforo para compreender problemas de forma a derivar significado deles e aceit-los. So provveis de ocorrer: comportamento passivo, de afastamento e submisso, bem como atribuies capacidade seriamente limitada, sorte, e a outros poderosos. Figura 1. Processos de Controle Primrio e Secundrio. Extrado de Rothbaum et al. (1982, p.12). Rothbaum et al. (1982) empenharam-se em mostrar a existncia de controle secundrio em cada uma dessas quatro formas de controle. No controle preditivo, a previsibilidade, segundo os autores, permite ao indivduo ajustar-se ao evento 26. 15 incontrolvel, tornando-o desta forma, em um sentido secundrio controlvel. (...) Esta tendncia a ajustar as prprias expectativas e comportamentos para faze-los compatveis com um ambiente difcil um exemplo de controle secundrio (p. 15- 16). Este tipo de controle seria mais comum naquelas pessoas com baixa auto-estima e nas que repetidamente experimentaram fracassos. No controle ilusrio, a sorte vista como uma propriedade do indivduo (p.11); as pessoas dizem que tm sorte ou que nasceram com sorte, vendo-a como um aliado em quem podem confiar (...) aparentemente considerando a sorte como um tipo de controle (p.11). E, nesse sentido, um controle secundrio. Os autores afirmam que pessoas com lcus de controle externo, bem como aquelas com histria de fracassos acentuados, podem sentir-se motivadas a ver a sorte como algo estvel e controlvel. Prosseguindo, no controle vicrio a pessoa se ancora em outros poderosos a fim de tomar parte em suas vitrias e seus talentos, ou seja, compartilhar de seu controle. Porm, segundo os autores, tornar-se aliado ou fazer parte do grupo de mais poderosos, implica em que o indivduo deve submeter-se. Este tipo de controle seria evidenciado, por exemplo, na associao de crianas e adolescentes com heris, dos quais derivam senso de poder, assim como no fenmeno religioso, quando o crente acredita ganhar poder atravs de sua devoo a Deus, santos e outras entidades. O controle interpretativo, segundo Rothbaum et al. (1982), relaciona-se s outras trs formas de controle. A considervel energia devotada interpretao, bem como o senso de poder associado ao entendimento de eventos aversivos e capacidade para aceit-los, leva os autores a afirmar que a interpretao constitui um tipo secundrio de controle percebido (p.24). Este tipo de controle seria mais freqente em situaes onde h pouco controle primrio. A descoberta de significados faria as 27. 16 pessoas se sentirem mais efetivas. Rothbaum et al. (1982) admitem que sua noo de controle interpretativo baseia-se parcialmente na pesquisa acerca de estratgias de enfrentamento, onde o estresse diminui quando as pessoas interpretam positivamente uma situao dolorosa. Os autores sugerem que a diminuio do stress reflete a obteno bem-sucedida de um tipo de controle secundrio a descoberta de significados e, por meio disso, a capacidade para aceitar eventos potencialmente aversivos (p.26). Finalmente, os autores relacionam adaptabilidade com controle primrio e secundrio. Marcando a diferena entre seu modelo de dois processos e o modelo de processo nico afirmam que, diferentemente deste, onde adaptabilidade definida em termos do nvel absoluto de controle (primrio), o modelo de dois processos define adaptabilidade em termos dos nveis relativos de controle primrio e controle secundrio (Rothbaum et al, 1982, p.29). Segundo os prprios autores, a mudana de um enfoque do timo grau de controle para um enfoque do timo equilbrio entre diferentes processos de controle uma das mais significativas implicaes do modelo de dois processos (p.29). Contudo, os autores dizem que seria muito difcil determinar que equilbrio seria mais adaptativo, pois isso envolveria valores e dependeria das circunstncias. Por essa razo, propem que adaptabilidade ou bom ajustamento seja conceitualmente definida como um conhecimento de como e quando aplicar os dois processos de controle e como integr-los (Rothbaum et al., 1982, p.30). Citam como exemplo da importncia dessa integrao o caso de vtimas de paralisia que, por um lado, empreendem esforos para descobrir significados e aceitar aspectos dessa situao irreversvel e, por outro, esforam-se para dominar a habilidade de 28. 17 solucionar novos problemas em reas onde o controle primrio ainda possvel. Estas colocaes acerca da adaptabilidade por meio do equilbrio na aplicao dos processos de controle primrio e secundrio conforme as circunstncias da vida, bem como da integrao entre esses dois processos de controle no sentido de enfrentar situaes adversas e irreversveis, remetem questo do envelhecimento e suas implicaes biolgicas, sociais e psicolgicas. Heckhausen e Schulz (1993, 1995) e Schulz e Heckhausen (1996) tambm teorizaram acerca da adaptabilidade, via controle primrio e secundrio, no processo de desenvolvimento humano. No entanto, Heckhausen e Schulz (1995) revisaram os conceitos de controle primrio e secundrio e propuseram uma definio diferente daquela proposta por Rothbaum et al. (1982). Argumentam que, definir o controle primrio como alinhar o ambiente com as necessidades do indivduo, e o controle secundrio como alinhar a si mesmo com o ambiente tem duas implicaes: primeiro, a ao dirigida ao exterior, para o mundo externo no controle primrio, e ao interior, em direo ao indivduo no controle secundrio; segundo, os processos de controle primrio envolvem ao direta sobre o ambiente, enquanto que os processos de controle secundrio so basicamente cognitivos (Heckhausen & Schulz, 1995, p.285). Desta forma, prosseguem os autores, poder-se-ia pensar em definir as caractersticas do controle primrio e secundrio em termos de dois atributos ortogonais, cada qual com dois nveis: alvo (mundo externo x self) e processo (ao x cognio) (p.285). Heckhausen e Schulz (1995) afirmam reconhecer o valor heurstico desses dois nveis para a distino dos construtos de controle primrio e secundrio. No entanto, sustentam que tal distino pode trazer muitas dificuldades quando se tenta 29. 18 classificar comportamentos especficos ou cognies como exemplos de controle primrio ou secundrio. Para ilustrar esta assertiva, citam o caso da comparao social com outros para elevar a prpria auto-estima, tratado na literatura como exemplo de controle secundrio. Observam que um processo cognitivo dirigido ao self (p.285). No entanto, chamam ateno para o anlogo comportamental desse processo procurar outros para comparao social e aumento da auto-estima (p.285) que seria mais difcil de classificar. Este comportamento, dizem, envolve ao e cognio, seu ltimo alvo o self e envolve, ainda, engajamento com o mundo externo (p.285). Assim, propem que a chave para distinguir entre controle primrio e controle secundrio seja o alvo (isto , self x mundo externo) ao invs do processo envolvido (ao x cognio), uma vez que, na prtica, cognio e ao esto com freqncia to estreitamente inter-relacionadas que se torna difcil separar uma da outra (p.285). Com base nessa interpretao da obra de Rothbaum et al. (1982), Heckhausen e Schulz (1995) fazem a seguinte distino entre controle primrio e controle secundrio: o controle primrio tem como alvo o mundo externo e esfora- se para produzir efeitos no ambiente imediato, externo ao indivduo, enquanto que o controle secundrio tem como alvo o self e esfora-se para produzir mudanas diretamente no indivduo (p.285). Embora Heckhausen e Schulz (1995) admitam que ambos, controle primrio e controle secundrio, podem envolver cognio e ao (p.285), restringem o controle primrio ao e o controle secundrio cognio. Isto fica claro quando complementam esta afirmao observando: ainda que o controle primrio seja quase sempre caracterizado em termos de comportamento ativo, engajado no mundo 30. 19 externo, enquanto que o controle secundrio seja predominantemente caracterizado em termos de processos cognitivos localizados no indivduo (p.285). E se o quase sempre caracterizado suscita alguma dvida, esta se dissipa logo adiante no texto, quando sentenciam: a distino bsica entre controle primrio e secundrio que o controle primrio envolve comportamentos dirigidos ao mundo externo enquanto que o controle secundrio envolve atividades internas ao indivduo (p.286). Krause (2001) j havia feito crtica semelhante a esses autores, quando afirmou que os mesmos viram o controle secundrio somente em termos de cognies internas (p.275). Quando Heckhausen e Schulz (1995) abordam os construtos de controle primrio e secundrio em termos de alvo e processo, propondo uma distino um tanto quanto mecnica de ambos por meio do alvo, isto , mundo externo ou self, parecem perder de vista o propsito de Rothbaum et al. (1982) de distinguir estes construtos em termos de meta, ou seja, mudar o ambiente ou adaptar-se a ele. O que est em jogo para Rothbaum et al. no o alvo ou o processo, mas a motivao do indivduo de submeter o ambiente a si ou submeter-se a ele. Alm disso, quando Heckhausen e Schulz (1995) associam o controle primrio ao e o controle secundrio cognio, parecem ignorar o fato de que quando Rothbaum et al. (1982) falam do esforo para mudar o ambiente e do esforo para adaptar-se a ele, incluem nesse esforo tanto elementos cognitivos atribuies quanto elementos de ao comportamentos (ver Figura 1). O que importa para Rothbaum et al. no se o esforo vai demandar ao ou cognio, mas o objetivo do sujeito, mudar o ambiente ou adaptar-se a ele. Alis, para cada um dos quatro tipos de controle abordados por estes autores preditivo, ilusrio, vicrio e 31. 20 interpretativo - so apontadas como caractersticas tanto atribuies, quanto comportamentos (ver Figura 1). A manifestao dessas quatro formas de controle ocorre tanto por meio de comportamentos, quanto de atribuies. Portanto, por meio de aes e de cognies. Rothbam et al. no fazem qualquer referncia no sentido de uma ter peso maior que a outra em quaisquer dos tipos de controle. Para eles, o que permite determinar o processo em evidncia no sujeito - controle primrio ou secundrio - o conjunto de comportamentos e atribuies em um dado contexto. A distino que Heckhausen e Schulz (1995) fazem dos construtos de controle primrio e secundrio por meio do alvo (mundo externo ou self), aliado a esta nfase - um na ao e outro na cognio modifica o sentido originalmente atribudo a estes construtos por Rothbaum et al. (1982). Considerando-se toda a discusso at aqui efetuada, neste estudo controle primrio e controle secundrio sero definidos com base em Rothbaum et al. (1982). Controle primrio todo esforo do indivduo no sentido de produzir mudanas no ambiente, fsico ou social, a fim de adapt-lo s suas necessidades. Controle secundrio todo esforo do indivduo no sentido de adaptar-se ao ambiente. Alm do conceito de controle primrio e secundrio, Heckhausen e Schulz (1993, 1995) analisam tambm o valor funcional ou adaptativo destes dois construtos para o indivduo. Entendem que na concepo de Rothbaum et al. (1982) os processos de controle primrio e secundrio tm valor funcional similar para o organismo e advogam em favor da primazia funcional do controle primrio sobre o secundrio. Argumentam Heckhausen e Schulz (1993, 1995) que os indivduos preferiro e se esforaro pelo controle primrio mais que pelo controle secundrio; 32. 21 que o esforo por agir frente aos eventos parte do acabamento determinado pela evoluo das crianas recm nascidas; e que o controle primrio a referncia bsica no apenas nos humanos, mas nos mamferos em geral. Assim, defendem a primazia do controle primrio como uma caracterstica universal do comportamento humano, que seria invarivel atravs das culturas e da histria. Heckhausen e Schulz (1995) afirmam que, por ser o controle primrio dirigido para fora, capacita os indivduos a moldar seu ambiente de forma a adapt-lo s suas necessidades particulares e potencial de desenvolvimento (p.286) e que, sem o engajamento no mundo externo, o potencial de desenvolvimento do organismo no pode ser realizado (p.286). Por isso, o controle primrio seria preferido e teria maior valor adaptativo para o indivduo (p.286). Para marcar a posio de que o controle primrio mais importante que o controle secundrio, estes autores sustentam que a principal funo do controle secundrio minimizar perdas, manter e expandir nveis existentes de controle primrio (Heckhausen & Schulz, 1995, p.286). De fato, Rothbaum et al. (1982) no discutem controle primrio e secundrio em termos do grau de importncia funcional de cada um. Estes autores concebem adaptabilidade em termos dos nveis relativos de controle primrio e secundrio ou do equilbrio timo (p.29) entre os diferentes processos de controle. A grande preocupao de Rothbaum et al. foi, sem dvida, mostrar que o controle pessoal no um processo de mo nica, cuja ausncia implica necessariamente em falta de controle. Mas que um processo de mo dupla - primrio e secundrio. Se no possvel ao indivduo obter controle por uma via, ele tenta consegui-lo pela outra. Assim, mostraram com dados experimentais que, onde aparentemente h falta 33. 22 de controle, pode estar atuando um outro tipo de controle, o secundrio. A despeito da crtica que fizeram a Rothbaum et al. (1982) quanto a atribuir valor funcional equivalente aos controles primrio e secundrio, a meta a que Heckhausen e Schulz (1995) se propem em sua teoria do controle no curso de vida descrever o equilbrio timo entre as estratgias de controle primrio e secundrio ao longo do curso de vida e as maneiras pelas quais este equilbrio pode ser alcanado (p.290). Ao propor a primazia do controle primrio sobre o secundrio, Heckhausen e Schulz (1995) parecem ter encontrado uma posio conciliadora entre aquela que defende adaptabilidade em termos de nveis absolutos de controle (Seligman, 1977) e aquela que defende adaptabilidade em termos de equilbrio entre dois processos de controle primrio e secundrio (Rothbaum et al., 1982). Alm de modificar os conceitos e de propor a primazia do controle primrio sobre o secundrio, Heckhausen e Schulz (1995) propem ainda a ampliao das funes do controle secundrio, o qual, alm de funes compensatrias, teria tambm funes ligadas seleo. Quanto funo compensatria, os autores criticam a literatura existente sobre o assunto, a qual teria enfatizado seu uso apenas no sentido de proteger o bem-estar emocional e a auto-estima (p.286) do indivduo em caso de falha no controle primrio. Propem uma outra funo, a de manter o potencial do indivduo para exercer o controle primrio no futuro. Assim, em caso de perda ou ameaa ao controle primrio, as estratgias de controle secundrio podem ajudar a minimizar perdas ou manter o controle primrio, bem como expandir o potencial para o controle primrio sem que o indivduo tenha que se engajar fisicamente no ambiente (p.286). 34. 23 Embora Heckhausen e Schulz (1995) no faam referncia, vale ressaltar que esta funo do controle secundrio j havia sido vislumbrada por Rothbaum et al. (1982) quando estes autores compararam a negao do fracasso na literatura da teoria da atribuio, vista como defesa para manter a auto-estima, com a noo de controle secundrio por eles proposta: ns consideraramos a proteo da auto- estima por meio da negao como um esforo para manter a crena na eventual efetividade do controle primrio a capacidade para modificar o ambiente (p.9). A novidade que Heckhausen e Schulz (1995) introduziram, alm da redefinio dos construtos de controle primrio e secundrio e da nfase na primazia do primeiro sobre o segundo, uma noo de controle secundrio que extrapola a funo compensatria, adquirindo funes ligadas seleo. Alm de ajudar a lidar com falhas e de auxiliar na preservao do potencial do indivduo para o controle primrio, o controle secundrio tambm favorece diretamente o controle primrio, dirigindo sua seletividade (p.286). Os autores argumentam que, ao longo de seu desenvolvimento, os indivduos devem fazer escolhas quanto s metas a perseguir, ou seja, realizar selees, focalizar-se nas metas selecionadas para atingi-las e, ao mesmo tempo, ignorar ou inibir alternativas no escolhidas. Assim, o controle secundrio desempenharia um papel essencial no sentido de capacitar o organismo para selecionar e focalizar-se em metas que expandem nveis existentes de controle primrio (p.286). Isto, segundo os autores, seria conseguido de vrias maneiras, tais como elevar a atratividade de metas escolhidas, desengajar-se de alternativas de ao no escolhidas, ou superestimar competncias pessoais (286). Este esforo de Heckhausen e Schulz (1995) no sentido de afirmar a funo seletiva do controle secundrio, conduz a algumas reflexes. Primeiramente, este 35. 24 empenho reflete a posio dos autores de ligar o controle primrio estritamente ao e o controle secundrio, cognio. Rothbaum et al. (1982) concebem as atribuies ao prprio esforo e capacidade como parte do esforo do indivduo para obter controle primrio (ver Figura 1). Uma vez que Rothbaum et al. conceberam o controle primrio e o controle secundrio como processos que envolvem tanto ao quanto cognio, sem colocar nfase em um ou outro, provavelmente incluiriam a tal funo seletiva do controle secundrio de Heckhausen e Schulz como funo do controle primrio, j que dirigida seleo e, como tal, faz parte do esforo do sujeito para modificar o ambiente. Em segundo lugar, Heckhausen e Schulz (1995) se referem s estratgias de ignorar ou inibir alternativas no escolhidas ou de desengajar-se de alternativas de ao no escolhidas (p.286) como controle secundrio diretamente ligado seletividade, ou seja, com funo de elevar o comprometimento do indivduo para com as metas selecionadas. Assim, estes autores parecem no atentar para a forte carga auto-protetora, portanto, compensatria, de tais estratgias, conduzindo confuso conceitual. Vale lembrar que Rothbaum et al. (1982) afirmam que nenhum dos dois processos de controle existe em forma pura, que ambos esto freqentemente inter-relacionados como, por exemplo, quando as pessoas negociam e entram em um acordo. Assim, o que parece ocorrer no caso dessa estratgia classificada por Heckhausen e Schulz como controle secundrio seletivo que o indivduo lana mo dela concomitantemente a um processo de controle primrio, a escolha. Desta forma, entende-se que seria mais adequado classificar a estratgia desengajamento de alternativas de ao no escolhidas como controle secundrio, no havendo necessidade ou razo para cham-lo de seletivo. 36. 25 Heckhausen e Schulz (1995) consolidam sua concepo da funo seletiva do controle secundrio quando afirmam que uma das principais funes do controle secundrio servir de apoio ao controle primrio em termos de direcionamento meta-motivacional e meta-volicional da ao (p.287). Para argumentar em favor desta afirmativa, os autores agregam sua noo de controle secundrio ao modelo Rubico das fases da ao (H. Heckhausen, 1991 citado por Heckhausen & Schulz, 1995) - uma aluso travessia do rio Rubico pelos Romanos - o qual identifica a ao como um processo envolvendo quatro fases: motivao pr-deciso, volio pr-ao, volio da ao e motivao ps-ao. De acordo com o modelo Rubico, a fase de motivao pr-deciso refere- se avaliao dos prs e contras das vrias alternativas de ao, antes da tomada de deciso. A fase de volio pr-ao diz respeito espera do momento apropriado para executar a ao, cuja realizao j constituiria a fase de volio da ao. Finalmente, a fase de motivao ps-ao diz respeito avaliao do resultado da ao. As fases motivacionais so consideradas deliberativas; alm da deciso pela ao, a avaliao da ao inclui atribuies causais e inferncias para aes futuras. As fases volitivas, por sua vez, so consideradas de implementao. Heckhausen e Schulz (1995) discutem o valor adaptativo das chamadas estratgias de controle secundrio em cada uma dessas fases da ao. Nas fases pr- decisria e ps-ao, o controle secundrio utilizado no sentido compensatrio. Porm, nas fases volitivas, utilizado no sentido seletivo. Na fase pr-decisria, as estratgias de controle secundrio seriam utilizadas principalmente em resposta a perdas antecipadas no controle primrio (p.288), o que corresponde ao controle secundrio preditivo de Rothbaum et al. (1982), fato que os autores reconhecem. Na 37. 26 fase ps-ao, as estratgias de controle secundrio seriam utilizadas especialmente em caso de falha no controle primrio, ajudando o indivduo a lidar com essa situao. Os autores relacionam esta ltima estratgia ao que Rothbaum et al chamaram de controle interpretativo. Nas fases volitivas - pr-ao e ao - as estratgias de controle secundrio ajudariam o indivduo a iniciar uma seqncia de aes e leva-la a cabo at que se complete (Heckhausen & Schulz, 1995, p.288). Nas fases volitivas, os autores do nfase especial s estratgias classificadas como meta-motivacionais, ou seja, aquelas que aumentam o valor da meta escolhida e/ou exageram a probabilidade de sucesso no alcance da meta. Ressaltam que tais estratgias somente incluem processos de auto-regulao dirigidos realizao da vontade. Desenvolver um plano de ao especfico dirigido ao alcance de uma certa meta, seria classificado como controle primrio (Heckhausen & Schulz, 1995, p.288). Esta colocao dos autores refora a caracterizao predominantemente cognitiva que atribuem ao controle secundrio, por um lado, e predominantemente comportamental ao controle primrio, por outro. As estratgias meta-motivacionais, ento, seriam estratgias de controle secundrio seletivo, uma vez que dirigem a ao, portanto, o controle primrio. Considerando-se que tais estratgias fazem parte do esforo do sujeito para alcanar as metas selecionadas, portanto para submeter o ambiente sua vontade, estas estratgias provavelmente fariam parte do processo de controle primrio na concepo de Rothbaum et al. (1982). Com base em sua elaborao dos construtos de controle primrio e secundrio, e no modelo SOC de desenvolvimento bem-sucedido (Baltes, 1987; Baltes & Baltes, 1990), Heckhausen e Schulz (1993, 1995) e Schulz e Heckhausen 38. 27 (1996) desenvolvem o modelo OPS de desenvolvimento bem-sucedido. Como dito anteriormente, precedendo a abordagem do modelo OPS ser sumarizado o modelo SOC. 2. O Modelo SOC de desenvolvimento bem-sucedido Os autores partem da psicologia do desenvolvimento no ciclo de vida, concebida no como teoria, mas como uma perspectiva terica. De acordo com esta perspectiva, o desenvolvimento ontogentico um processo ininterrupto, do nascimento at morte, que consiste na ocorrncia conjunta de ganhos (crescimento) e perdas (declnio) em todos os seus estgios, podendo variar substancialmente conforme as condies scio-culturais existentes em um dado perodo histrico, bem como pela evoluo destas ao longo do tempo. H considervel diversidade na direo das mudanas que constituem a ontognese. O desenvolvimento psicolgico permeado de muita plasticidade intra-individual (suscetibilidade mudana intrapessoal), podendo seu curso tomar muitas formas. O curso do desenvolvimento de um indivduo o resultado das interaes entre trs sistemas de influncias - nivelamentos da idade; histricos; e no normativos. O desenvolvimento psicolgico precisa ser estudado em um contexto multidisciplinar, envolvendo a antropologia, a biologia e a sociologia (Baltes, 1987). Baltes e Baltes (1990) propuseram o modelo do envelhecimento bem- sucedido. Os autores chamam a ateno para o crescente corpo de conhecimentos acerca das reservas no exploradas da velhice e de seu potencial para a mudana (p.4) afirmando que a discusso sobre envelhecimento bem-sucedido converge para a busca por fatores e condies que ajudem a entender o potencial do envelhecimento 39. 28 e, se profcua, a identificar formas de modificar a natureza do envelhecimento humano tal como existe hoje (p.4). A procura por indicadores de envelhecimento bem-sucedido, dizem Baltes e Baltes (1990), uma tarefa complexa, que envolve valores e que exige uma perspectiva sistmica e ecolgica. Os autores propem uma definio abrangente de envelhecimento bem-sucedido, a qual deve basear-se em um critrio mltiplo, envolvendo indicadores objetivos e subjetivos, tais como a durao da vida, a sade biolgica, a sade mental, a eficcia cognitiva, a competncia social e a produtividade, o controle pessoal, o auto-conceito, a auto-estima, e a satisfao com a vida. Propem, tambm, que tais indicadores sejam considerados dentro de um determinado contexto cultural com suas demandas ecolgicas e contedos particulares (p.7), bem como, em termos de sua relativa importncia, e no como concorrentes ou como critrio de resultado de desenvolvimento. Baltes e Baltes (1990) argumentam que, entre as vertentes de critrios objetivos para o envelhecimento bem-sucedido, a que se baseia no conceito de adaptabilidade ou plasticidade comportamental mais genrica e flexvel do que aquela baseada em definies normativas de um estado ideal, que descrevem resultados de desenvolvimento (p.ex. sade mental e metas de vida) como padres de sucesso. O envelhecimento bem-sucedido, neste modelo, no seria diferente de desenvolvimento bem-sucedido em geral. Ambos significam a maximizao e obteno de resultados positivos desejados - e a minimizao e esquiva de resultados negativos no desejados (Freund & Baltes, 1998). A concepo de envelhecimento bem-sucedido de Baltes e Baltes (1990) 40. 29 est assentada em uma estrutura de proposies acerca da natureza do envelhecimento humano, a partir de um ponto de vista psicolgico, a qual est de acordo com a perspectiva terica proposta para o desenvolvimento no curso de vida, acima exposta. Cabe destacar algumas dessas proposies. O envelhecimento caracterizado por grande variabilidade interindividual no nvel, taxa e direo da mudana. Essa variabilidade influenciada por fatores genticos e condies ambientais - que agiriam cumulativamente ao longo da ontognese -, pela maneira como cada pessoa influencia seu prprio curso de vida e, especialmente nas ltimas dcadas da vida, por diferentes padres de patologias que podem alterar o curso do envelhecimento normal. Prosseguindo, o equilbrio entre ganhos e perdas se torna crescentemente menos positivo na velhice. Entretanto, pessoas idosas, assim como pessoas jovens, possuem considervel capacidade de reserva que pode ser ativada via aprendizagem, exerccios ou treinamento. Mas, h limites para a plasticidade, especialmente em tarefas que exigem habilidades de memria, que envolvem tempo de reao e outros indicadores relacionados velocidade. Contudo, o self permanece resiliente durante a velhice, podendo favorecer avaliaes positivas em relao satisfao com a vida, controle pessoal e auto-eficcia. Alm disso, o conhecimento e a tecnologia desempenham importante papel no sentido de compensar certas perdas na capacidade de reserva. Por tudo isso, Baltes e Baltes (1990) afirmam que o envelhecimento um processo altamente individual (p.21). O modelo SOC se pretende uma estratgia-modelo de envelhecimento eficiente que conduza auto-eficcia e crescimento no contexto de crescente 41. 30 vulnerabilidade biolgica e reduzida capacidade de reserva (Baltes & Baltes, 1990, p.21). O conceito de otimizao da seleo com compensao descreve um processo geral de adaptao (p.21) no qual os indivduos se engajam ao longo da vida. Contudo, afirmam os autores, esse processo adquire um novo significado e dinmica na velhice por causa das perdas nas reservas biolgica, mental e social (p.21). Segundo Baltes (1997) na arquitetura da ontognese humana, os benefcios resultantes da seleo evolutiva (filognese) mostram uma correlao negativa com a idade, havendo um aumento da necessidade ou demanda pelos produtos da cultura. Com a idade, tambm, h perdas na efetividade ou eficincia de fatores e recursos culturais. Cultura, para o autor, refere-se totalidade dos recursos psicolgicos, sociais, materiais e simblicos que os humanos produziram ao longo de sua histria e que, medida que foram sendo transmitidos atravs das geraes, fizeram o desenvolvimento humano possvel tal como o conhecemos hoje. Por causa da arquitetura da ontognese humana, diz Baltes (1997), h uma mudana sistemtica na relativa alocao de recursos para as trs funes gerais do desenvolvimento humano crescimento, manuteno e regulao de perdas ao longo do ciclo de vida. Na infncia, a alocao primria dirigida para o crescimento (atingir nveis cada vez mais altos de funcionamento). Na vida adulta, os recursos so predominantemente dirigidos manuteno e recuperao. Na velhice, mais e mais recursos so dirigidos regulao ou gerenciamento de perdas. medida que os indivduos envelhecem, mais necessitam de compensaes baseadas na cultura (material, tcnica, social, econmica, psicolgica) para gerar e manter altos nveis de funcionamento (Baltes & Baltes, 1990; Baltes, 1997). Neste sentido, conforme os autores, o modelo SOC uma estratgia efetiva para lidar com 42. 31 a arquitetura do ciclo de vida. O modelo SOC compe-se de trs elementos e processos que interagem entre si seleo, otimizao e compensao. A seleo se refere crescente restrio do ambiente de vida de um indivduo a cada vez menos domnios de funcionamento. Assim, para ser adaptativo, o indivduo e a sociedade precisam selecionar domnios de alta prioridade, para onde convirjam as demandas do ambiente e as motivaes, habilidades e capacidade biolgica do indivduo (Baltes & Baltes, 1990, p.22). A seleo pode envolver ainda domnios e metas de vida novos ou transformados, de forma a permitir a experincia subjetiva de satisfao bem como controle pessoal (p.22). A otimizao se refere ao engajamento do indivduo em comportamentos que enriqueam e aumentem suas reservas gerais, bem como maximizem seus cursos de vida selecionados, visando quantidade e qualidade (Baltes & Baltes, 1990). Isto pode incluir, por exemplo, conhecimento, estado fsico, compromisso com metas, prtica e esforo (Baltes, 1997). A compensao, assim como a seleo, resulta das restries no escopo do potencial adaptativo. Entra em ao quando capacidades especficas so perdidas ou reduzidas a um nvel abaixo do padro requerido para funcionamento adequado. A compensao envolve aspectos da mente e da tecnologia (Baltes & Baltes, 1990), tais como estratgias para memorizao e aparelho de surdez. Para ilustrar a dinmica do modelo SOC, Baltes e Baltes (1990) e Baltes (1997) citam diversos exemplos, entre os quais o caso do pianista Arthur Rubinstein, com 80 anos na ocasio em que foi entrevistado por uma rede de TV: perguntaram- lhe como fazia para continuar tocando piano to bem. Ele respondeu que havia 43. 32 reduzido seu repertrio e atualmente tocava poucas peas (seleo); que agora praticava essas peas mais freqentemente (otimizao); e que comeava tocando devagar, antes de segmentos rpidos, para produzir um contraste, de tal forma que estes parecessem mais rpidos para os expectadores (compensao). Embora o processo de otimizao da seleo com compensao seja genrico em suas caractersticas, bastante diverso em suas manifestaes particulares (Baltes & Baltes, 1990). Os autores sustentam que, utilizando estratgias de seleo, otimizao e compensao, os indivduos podem contribuir para o seu prprio envelhecimento bem-sucedido (p.27). 3. O Modelo OPS de desenvolvimento bem-sucedido Segundo Heckhausen e Schulz (1993), o modelo OPS constitui-se em uma verso mais especfica do modelo SOC, a qual integra este modelo teoria do controle no curso de vida (Heckhausen & Schulz, 1995). Heckhausen e Schulz (1993) reconhecem que o modelo SOC parece perfeito para acomodar a dinmica entre ganhos e perdas do desenvolvimento, no entanto apontam limitaes a este modelo que justificam a elaborao do modelo OPS. Schulz e Heckhausen (1996) demonstram que a maioria das teorias existentes sobre envelhecimento bem-sucedido focaliza apenas sobre a compensao para falhas e declnio. Reconhecem que os grupos de pesquisa coordenados por Jocher Brandtstdter e por Paul e Margret Baltes que desenvolveram uma estrutura mais elaborada, enfatizando tanto a compensao quanto a seleo. Schulz e Heckhausen observam, tambm, que os modelos de desenvolvimento bem-sucedido 44. 33 foram muito teis em chamar a ateno para o fenmeno do desenvolvimento na segunda metade do ciclo de vida. Contudo, notam os autores, como estes modelos se centraram no declnio da meia idade e velhice, contriburam pouco para a compreenso da regulao do desenvolvimento nos primeiros estgios, quando a nfase na expanso e crescimento de habilidades funcionais. Schulz e Heckhausen (1996) reconhecem que somente Paul e Margret Baltes e sua equipe estenderam sua teoria para englobar o desenvolvimento da infncia velhice, com foco na administrao de oportunidades e limites de recursos no ambiente de vida, em todas as idades. Contudo, dizem os autores, o modelo SOC considera a seleo e a compensao predominantemente como processos psicolgicos em resposta s perdas relacionadas ao envelhecimento, apesar de se propor a descrever o processo geral de adaptao em que os indivduos se engajam ao longo da vida (Heckhausen & Schulz, 1993, p.295). Baltes e Baltes (1990) teriam reconhecido, mas no elaborado a noo de que a seleo e a compensao esto envolvidas em todo o ciclo de vida. Schulz e Heckhausen argumentaram que a compensao, por exemplo, seria requerida no apenas em caso de declnio, como na velhice, mas tambm em caso de imaturidade ou habilidade insuficiente, como na infncia. Segundo os autores, o modelo SOC teria enfatizado o envelhecimento, carecendo de aplicao e especificao para outras fases da vida. Heckhausen e Schulz (1993) tambm consideram que o modelo SOC, pelo menos em suas primeiras verses, envolve poucas especificaes que possam torn- lo acessvel a operacionalizaes e, assim, investigao emprica. Segundo estes autores, tal carncia de especificidade se aplicaria particularmente s relaes funcionais - hierrquicas ou paralelas - entre os trs componentes, seleo, 45. 34 compensao e otimizao (Heckhausen & Schulz, 1993, p.294). Heckhausen e Schulz conceituam a otimizao como um processo de ordem superior, o qual regula os processos de seleo e compensao de forma a maximizar o potencial do indivduo para controle primrio em longo prazo. A maximizao do potencial para controle em longo prazo concebida como o critrio bsico para a capacidade adaptativa. Alm disso, Heckhausen e Schulz (1993) avaliam que o modelo SOC de Baltes e Baltes (1990) considera a seleo e a compensao apenas como funcionais e advogam que esses dois processos tambm podem ser disfuncionais (Heckhausen & Schulz, 1993; Schulz & Heckhausen, 1996). Como mencionado anteriormente, o modelo de regulao do desenvolvimento destes autores se baseia na teoria do controle no curso de vida, apresentada a seguir. 3.1. A Teoria do Controle no Curso de Vida Esta teoria prope o construto de controle como tema central para a caracterizao do desenvolvimento humano, da infncia a velhice. Alm dos aspectos j abordados na seo que tratou dos construtos de controle primrio e secundrio, a teoria do controle no curso de vida parte do pressuposto de que o esforo para obter controle primrio inerente aos mamferos e que os humanos, desde o nascimento, j so capazes de exerce-lo (Heckhausen & Schulz, 1995), por exemplo, quando procuram o seio materno para a alimentao. No entanto, argumentam os autores, se comparados a outras espcies animais, os humanos possuem variabilidade bem maior no seu comportamento e, em particular, nas trajetrias percorridas ao longo de seu ciclo de vida, alm de serem menos 46. 35 previsveis, isto , menos regulados pelas predisposies genticas (Heckhausen & Schulz, 1993). A grande variabilidade obrigaria os humanos a selecionar uma trajetria de desenvolvimento e requereria fora de vontade para nela permanecer. A carncia de previsibilidade exigiria dos humanos a aprendizagem de quase todas as suas competncias, conferindo ao comportamento humano uma tendncia maior a falhas do que nas outras espcies animais. Schulz e Heckhausen (1996) identificam trs tipos potenciais de falhas: a) Falhas no desenvolvimento normativo, encontradas quando os indivduos tentam ampliar suas competncias via aprendizagem. Por preferirem tarefas de nvel intermedirio de dificuldade, ao invs daquelas que podem realizar facilmente ou que esto fora de seu alcance, os humanos tm de lidar com falhas regulares e freqentes; b) Falhas devido aos declnios do envelhecimento, que afetam a habilidade dos indivduos para fazer algumas das coisas que j foram capazes de fazer; e c) Falhas devido a eventos negativos no-normativos ou randmicos, envolvendo ampla gama de eventos negativos que acontecem aos humanos em suas vidas dirias (p. ex. doenas, perda de emprego). De acordo com os autores, as experincias de falha podem gerar frustrao em relao ao alcance de metas, bem como percepes negativas acerca de si prprio, podendo afetar o senso de controle do indivduo e sua auto-estima, vindo a solapar seus recursos motivacionais e suas competncias. Por tudo isto, o indivduo necessitaria de estratgias especificamente adaptadas para compensar experincias de falha que possam prejudicar seu potencial para controle primrio. A auto-estima, o equilbrio afetivo e as expectativas otimistas de resultado precisam ser protegidos, 47. 36 pois o potencial para o controle primrio em longo prazo depende destes recursos motivacionais e emocionais (Heckhausen & Schulz, 1993). Isto justificaria a necessidade do controle secundrio. O controle secundrio emergiria ainda na primeira infncia e auxiliaria o indivduo a enfrentar os dois inevitveis desafios ao seu desenvolvimento a seletividade e a tendncia falhas (Heckhausen & Schulz, 1995). Atravs de uma extensa reviso de literatura, os autores mostram que muito cedo, ainda em idade pr-escolar, as crianas desenvolvem estratgias de controle secundrio, tanto para auxiliar no alcance de metas, como para lidar com experincias de fracasso. Conseguem perceber-se como fortes ou inteligentes e utilizar esses atributos como importantes recursos motivacionais da ao, no sentido de antecipao de incentivos. So capazes tambm de enfrentar falhas por meio da reduo do nvel de aspirao, negao, atribuies egostas e re-interpretao de metas. Heckhausen e Schulz (1995) argumentam que, tanto o controle primrio como o controle secundrio, se desenvolvem na criana atravs da mediao do adulto que dela cuida, no contexto da interao social, evoluindo de formas simples para complexas. medida que o indivduo avana em seu ciclo de vida, seu potencial para controle primrio passaria por importantes mudanas. Durante a infncia e a adolescncia haveria um crescimento do potencial para controle primrio. O controle primrio permaneceria estvel durante toda a vida adulta e velhice. Porm, medida que o indivduo se aproxima da velhice, a manuteno do controle primrio dependeria cada vez mais dos processos de controle secundrio; portanto, este cresceria com o avano da idade (Heckhausen & Schulz, 1995, p.295). 48. 37 O fato de pessoas idosas passarem por situaes em que tm pouco controle (p.ex. problemas de sade), favoreceria a utilizao de estratgias de enfrentamento focalizadas mais na regulao de emoes que na ao sobre o ambiente. Por exemplo, a flexibilidade no ajustamento de metas, reavaliaes positivas e religiosidade (Heckhausen & Schulz, 1995). Embora os autores admitam a situao de ausncia total de controle, como apontada por Seligman (1977), afirmam que somente quando os indivduos experimentam declnio absoluto no controle primrio, o qual no pode ser compensado cognitivamente, que experimentam estresse e depresso (Heckhausen & Schulz, 1995, p.297). De acordo com esses autores, durante o ciclo de vida o indivduo encontra oportunidades e restries seletividade, portanto, ao desenvolvimento de seu potencial para controle primrio. As restries ao desenvolvimento de um indivduo, em cada etapa do ciclo de vida, so determinadas por duas grandes classes de fatores, os biolgicos e os sociais (Heckhausen & Schulz, 1993, 1995). As mudanas biolgicas universais, bem como os sistemas sociais com suas normas, determinariam o que um indivduo pode fazer e quando pode faz-lo, produzindo uma estrutura de oportunidades e de desafios ampliao e manuteno do controle, ordenada pelo tempo (Schulz & Heckhausen, 1996). O potencial de recursos biolgicos cresceria durante a infncia e a adolescncia, estabilizar-se-ia na vida adulta, e declinaria a partir da meia idade, podendo afetar, na velhice, o funcionamento normal cotidiano. As sociedades estabeleceriam estratificaes conforme a idade, as quais se refletiriam tanto no nvel das instituies sociais, quanto no nvel das representaes individuais. Tais 49. 38 estratificaes, que dizem respeito idade para educao e formao profissional, casamento e aposentadoria, por exemplo, tornariam mais previsveis as trajetrias de ciclos de vida individuais. Por essas razes, a fim de desenvolver seu potencial para controle primrio de forma otimizada, o indivduo precisaria levar em considerao seus recursos e limites em cada fase do ciclo de vida. Assim, Schulz e Heckhausen (1996) estabelecem parmetros bsicos para o desenvolvimento no curso de vida: a) A vida finita e a aquisio de habilidades, conhecimentos e altos nveis de especialidade exigem tempo. Assim, preciso decidir cedo sobre que caminhos seguir e, a partir de um certo ponto, conformar-se com o que se tem, ao invs de alimentar idias sobre possveis mudanas (p. ex. na carreira profissional); b) Apesar da considervel variabilidade interindividual, o fato que a totalidade dos recursos biolgicos declina invariavelmente com o passar dos anos; c) Todas as sociedades definem idades normativas para importantes eventos e transies na vida, embora haja variaes atravs das culturas. Assim, o indivduo deveria estar atento para o relgio biolgico e social; d) Certos domnios de atividades exigem caractersticas determinadas pela gentica (p. ex. alguns esportes). Assim, seria desejvel uma boa parceria entre a composio gentica do indivduo e a trajetria de vida selecionada. Heckhausen e Schulz (1993) reconhecem outras restries de ordem scio- estrutural, tais como classe social e gnero. No entanto, trabalharam apenas com as restries scio-estruturais colocadas pela idade. Isto talvez se deva ao objetivo dos autores, o estudo do desenvolvimento psicolgico no ciclo de vida. Pode tambm ter sido conseqncia do contexto scio-econmico e cultural em que viviam os autores, a Repblica Democrtica Alem, onde as desigualdades sociais eram teoricamente 50. 39 bem menores que em pases como o Brasil, por exemplo. Isto, porm, parece colocar limitaes ao modelo terico desses autores, quando se tenta utiliz-la no contexto de sociedades onde as desigualdades sociais so flagrantes. Nesses contextos, a classe social reconhecidamente um fator crucial no sentido de abrir ou fechar portas, de tal forma que o indivduo pertencente a uma classe scio-economicamente desfavorecida no tem um leque amplo de oportunidades para seleo e desenvolvimento dos domnios selecionados. A fim de lidar com as restries ao seu desenvolvimento e de enfrentar os desafios a ele impostos de forma otimizada, o indivduo precisaria encontrar o equilbrio entre controle primrio e secundrio (Heckhausen & Schulz, 1995, p.290). O controle primrio e o controle secundrio so identificados tanto pela seleo como pela compensao, resultando em quatro tipos de estratgias para a administrao do curso de vida individual: controle primrio seletivo, controle primrio compensatrio, controle secundrio seletivo, controle secundrio compensatrio (Figura 2). O indivduo teria de ativar essas estratgias e mant-las em equilbrio, conforme as demandas especficas encontradas em um dado perodo do ciclo de vida, de forma a otimizar seu desenvolvimento. Os autores assumem que a situao descrita na Figura 2 se refere s exigncias funcionais da otimizao, quando o indivduo j escolheu uma determinada meta (Heckhausen & Schulz, 1993). Esta assertiva conduz a dois pontos. Primeiramente, parece mostrar que as quatro estratgias de controle devem ser estudadas levando-se em conta situaes especficas. Em segundo lugar, leva a perguntar se h otimizao que no seja funcional, questo que ser discutida mais abaixo. 51. 40 Seleo Compensao Controle Primrio Investimento de Recursos Internos Esforo, Tempo, Capacidades, Habilidades inerentes atividade. Uso de Recursos Externos Auxlio tcnico, Assistncia de outras pessoas, Habilidades externas atividade. Controle Secundrio Meta-volio Aumento do comprometimento com metas, Permanecer focalizado na meta, a fim de evitar distraes. Amortecimento dos efeitos negativos de falhas Mudana de metas, Comparao social estratgica ou Atribuio. Figura 2. Modelo bi-dimensional de seleo/compensao e de controle primrio/secundrio. Extrado de Heckhausen e Schulz (1993, p.296). As quatro estratgias de controle so assim definidas (Schulz & Heckhausen, 1996): 1) Controle primrio seletivo: refere-se ao investimento focalizado de recursos tais como esforo, tempo, capacidades e habilidades requeridos para o alcance de uma meta escolhida. Por exemplo, o desenvolvimento de capacidades e habilidades pelos processos de aquisio e prtica; 2) Controle primrio compensatrio: refere-se ao uso de recursos externos ao indivduo, como sejam a assistncia de outras pessoas ou auxlio tcnico tipo cadeira de rodas, aparelho de surdez, e assemelhados, requeridos quando as capacidades fsicas ou cognitivas do indivduo so insuficientes para atingir uma meta escolhida; 3) Controle secundrio seletivo: refere-se a representaes internas relevantes do ponto de vista da motivao para a persecuo de uma meta escolhida. Por exemplo, o valor atribudo meta escolhida, o controle pessoal percebido em 52. 41 relao ao alcance da meta; 4) Controle secundrio compensatrio: refere-se a estratgias que tm como finalidade amortecer os efeitos negativos de falhas ou perdas sobre a motivao do indivduo para controle primrio. Por exemplo, atribuio causal auto- protetora, comparaes estratgicas intra-individual e social. Os autores reconhecem semelhana entre seu conceito de controle secundrio compensatrio e o conceito de resilincia de Baltes e Baltes (1990). Conforme anteriormente discutido neste captulo, a estratgia denominada de controle secundrio seletivo vista com reservas. Uma vez que faz parte do esforo do sujeito para alcanar uma meta selecionada, o contedo deste tipo de controle seria mais bem classificado como controle primrio seletivo. No precisaria ser chamado de secundrio s porque se trata de um recurso cognitivo, ligado motivao do sujeito para a ao. Por essa razo, e com base no resultado da anlise fatorial da escala de controle construda para esta pesquisa (Captulo 2), neste estudo sero investigados somente trs tipos de estratgias de controle: controle primrio seletivo, controle primrio compensatrio e controle secundrio, a serem definidos adiante, na seo de variveis. semelhana da anlise efetuada por Baltes (1997) acerca da mudana na relativa alocao de recursos para as trs funes gerais do desenvolvimento humano (crescimento, manuteno e regulao de perdas), Heckhausen e Schulz (1993) analisam as estratgias de controle no contexto da dinmica ganhos/perdas do ciclo de vida. Assim, o controle primrio seletivo, utilizado para favorecer ganhos potenciais nas primeiras fases do ciclo de vida, nas ltimas fases seria utilizado para 53. 42 prevenir perdas potenciais e manter nveis anteriores de funcionamento. Como a dinmica ganhos/perdas requer nveis de aspirao apropriados idade, o controle secundrio seletivo tambm sofreria transformaes. O controle primrio compensatrio seria requerido tanto em funo de imaturidade, como na infncia; de inexperincia em um certo domnio, em algum ponto do ciclo de vida; quanto de declnios relacionados ao envelhecimento. O controle secundrio compensatrio seria essencial para amortecer os efeitos negativos das perdas relacionadas ao envelhecimento sobre os recursos motivacionais e emocionais do indivduo para controle primrio em longo prazo. De acordo com Heckhausen e Schulz (1993), diante das oportunidades e recursos, bem como dos obstculos e restries, o indivduo teria que administrar o uso das quatro estratgias de controle de forma equilibrada, a fim de maximizar seu potencial para controle primrio em longo prazo, o critrio para a funcionalidade da otimizao (p.298). Heckhausen e Schulz (1993) abordam a funcionalidade vs. disfuncionalidade da seleo e da compensao (p.299), bem como das estratgias de controle primrio e secundrio (p.293). A funcionalidade de uma e de outra depende do quanto elas favorecem o potencial do indivduo para controle primrio em longo prazo. Se este potencial enfraquecido, ento elas so disfuncionais. Os autores tambm concebem a seleo e a compensao como timas e no-timas (p.295). So timas quando maximizam o potencial para controle primrio em longo prazo e no-timas quando solapam este potencial. Assim, parece que timo e funcional so sinnimos, assim como no-timo e disfuncional. Desta forma, considera-se que falar de funcionalidade da otimizao (p.298) seria uma redundncia. 54. 43 Conclui-se, assim, que o desenvolvimento timo ou adaptativo de um indivduo dependeria da sua capacidade para administrar, de maneira funcional, o emprego de estratgias de controle primrio e secundrio, conforme as oportunidades e restries encontradas no ambiente, ao longo de seu curso de vida, de forma a maximizar seu potencial para controle primrio em longo prazo. Por tudo isso, neste estudo sero adotados os termos funcional e disfuncional, no lugar de otimizado e no otimizado. 3.2. Critrios para o envelhecimento bem-sucedido Assim como Baltes e Baltes (1990), Heckhausen e Schulz (1993, 1995) e Schulz e Heckhausen (1996) analisam o envelhecimento bem-sucedido como parte do processo de desenvolvimento bem-sucedido, o qual concebido como possvel ao longo de todo o ciclo de vida, da infncia a velhice. Diferentemente de Baltes e Baltes (1990), que afirmam a importncia relativa dos indicadores objetivos e subjetivos de sucesso e advogam em favor do critrio mais genrico e flexvel da plasticidade comportamental, Schulz e Heckhausen (1996) afirmam sua preferncia por critrios de sucesso externamente mensurveis, que incluam domnios de funcionamento valorizados pelas culturas atravs dos tempos, quais sejam o funcionamento fsico; o funcionamento cognitivo, intelectual, afetivo e criativo; e as relaes sociais. Contudo reconhecem que intercmbios com avaliaes subjetivas tm que ser feitos, na tentativa de maximizar o funcionamento em um ou vrios domnios, mas, enfatizam, o critrio subjetivo no tido como principal. Provavelmente os autores esto se referindo aqui aos modos de controle primrio e secundrio e primazia do primeiro sobre o segundo. Schulz e Heckhausen (1996) distinguem entre desenvolvimento bem- 55. 44 sucedido no ciclo de vida e funcionamento timo (p.705) em um domnio particular, em um dado perodo cronolgico. Afirmam que mais fcil determinar se uma pessoa teve bom desempenho em um domnio particular que determinar se ela viveu uma vida bem-sucedida. Os autores sugerem quatro princpios gerais para a construo de um curso de vida bem-sucedido, so os seguintes: 1) Diversidade: deve haver diversidade na oportunidade para experimentar diferentes domnios de desempenho. O investimento de recursos em uma nica rea torna o indivduo vulnervel, pois se h perdas na rea selecionada, no h como compens-las pelo deslocamento de recursos para outros domnios alternativos. Por exemplo, investir exclusivamente em metas profissionais e, depois, ter que lidar com a aposentadoria. 2) Seletividade: o indivduo deve investir em trajetrias de desenvolvimento consistentes com as oportunidades genticas e scio-culturais. A seletividade seria uma necessidade, devido amplitude de opes e s restries biolgicas e sociais. 3) Compensao para falhas e declnios: o indivduo deve compensar e lidar com as falhas medida que as diferentes metas so perseguidas e com os declnios associados ao envelhecimento. 4) Administrao de intercmbios entre domnios e fases do ciclo de vida: seria desejvel investir em habilidades e capacidades que possibilitem permuta com outros domnios de funcionamento em fases subseqentes do ciclo de vida. a seletividade andando lado a lado com a diversidade. Um dos maiores desafios, dizem os autores, avaliar as possibilidades de intercmbios existentes em um certo domnio e tomar decises a respeito de continuar investindo ou desviar-se para outro. 56. 45 Em sociedades como a brasileira, onde as desigualdades sociais so enormes, boa parcela da populao no escolhe suas trajetrias de vida, no dispe de tantas opes para seleo, muito menos de condies para selecionar aquelas mais adequadas ao seu potencial gentico, ou que lhes permitam intercmbios com outros domnios mais tarde. Seguem pelos caminhos que lhes possvel seguir a partir do lugar que ocupam nestas sociedades, tendo, em geral, perspectiva de futuro muito limitada. Neste contexto, portanto, talvez a diversidade e a seletividade tenham de ser pensadas de outra forma. No como algo decidido nas primeiras fases da vida ou, no mximo, no incio da vida adulta, para ser depois administrado pelo resto do ciclo de vida. Mas como algo a ser construdo em cada fase do ciclo de vida. Talvez outras selees ou mesmo um conjunto de selees no to decisivas quanto a carreira profissional (muito enfatizada pelos autores) possam produzir o mesmo efeito benfico proporcionado pela escolha de uma carreira profissional potencialmente generalizvel, principalmente quando se trata do desenvolvimento de idosos. Por exemplo, a busca de atividades e relaes sociais diversificadas. Schulz e Heckhausen (1996) afirmam que o controle primrio proporciona a base para a diversidade e a seletividade por todo o curso de vida, mas, dizem os autores, enquanto a seletividade crescente em todo o curso de vida, a diversidade decresce com o envelhecimento, devido s limitaes na capacidade do indivduo e s restries externas, exigindo compensaes. Segundo os autores tanto os processos de seleo quanto os de compensao so motivados pela necessidade do controle primrio. Por isso, consideram que o envelhecimento bem-sucedido inclui o desenvolvimento e a manuteno do controle primrio por todo o curso de vida. 57. 46 O envelhecimento bem-sucedido seria avaliado por meio de trs critrios, considerados em ordem decrescente de importncia (Schulz & Heckhausen, 1996): 1) Sobrevivncia e funcionamento fsico: Refere-se a estar vivo e ter capacidade fsica para engajar-se no ambiente. Assim, comportamentos que favorecem a longevidade e o potencial para funcionamento fsico deveriam receber elevada prioridade ao longo do curso de vida. 2) Habilidades cognitivas, intelectuais e de relaes sociais, generalizadas: Essas habilidades, junto com o estado fsico ou biolgico, definem o potencial do indivduo para controle primrio e constituem o aspecto central de nossa idia de desenvolvimento bem sucedido (Schulz & Heckhausen, 1996, p.711). Os autores arriscam a hiptese de que os indivduos que possuem essas habilidades bem desenvolvidas teriam maiores reservas de resilincia para lanar mo do que aqueles com nveis menos desenvolvidos dessas habilidades. Quando confrontados com os desafios do desenvolvimento, esses indivduos seriam mais capazes de manter ou intensificar nveis existe