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UMA VISÃO ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL DA COMPULSÃO POR SEXO DA PERSONAGEM JOE DO FILME NINFOMANÍACA
Francisco Denilson Paixão Junior¹Aline G. Couto²
¹ NASF Camocim, Ceará – email: [email protected] ² Serviço de Psicologia, HUPES-UFBA, Salvador, Bahia – [email protected]
“O homem não é “escravo” de suas necessidades; ele não é “movido pela gula ou luxúria”. Se é que
tal afirmação pode ser parafraseada, ele seria escravo das coisas que gratificam suas necessidades.
Mas o termo “escravo” é forte demais; o problema está nas contingências. O homem guloso ou
libidinoso não sofre de privação (não taxamos de guloso um homem faminto); ele sofre de esquema
de reforço particularmente efetivo.” (SKINNER, 1969, p. 223)
INTRODUÇÃO
O filme Ninfomaníaca (2013), dirigido por Lars Von Trier, é um filme que apresenta a
história de Joe (Charlotte Gainsbourg), que relata sobre sua vida e experiências
sexuais a Seligman (Stellan Skargard). O filme apresenta o percurso pelo qual a
personagem Joe foi se tornando sexualmente ativa e a partir de seus relatos
buscaremos explicar quais contingências possibilitaram a aquisição de
comportamentos sexuais compulsivos e que contingências de reforço a mantinham.
A compulsão sexual ou exacerbação sexual pode ser definida por Lanoli (1997):
“a exacerbação sexual é caracterizada nos comportamentos sexuais desviantes com alteração na
frequência, no ambiente, no tempo, na escolha do parceiro e no contexto social.
Como avaliar comportamentos sexuais em excesso? Como exemplo, vamos analisar o
comportamento de masturbação:
- Quanto a frequência, quando ocorre em excesso competindo com outros comportamentos,
- quanto ao ambiente, quando ocorre em ambientes onde outros comportamentos deveriam
ocorrer.
- Quanto ao tempo, quando ocorre contingentemente ao tempo (por exemplo, todos os dias antes
de dormir.)” (p. 192)
A partir deste ponto, pode-se relembrar que Joe não teve um ambiente social familiar que
propiciasse modelos assertivos de habilidade social e modelos de afetividade saudável. Suas
principais brincadeiras de infância envolviam jogos sexuais, o que se estendeu até o período
da adolescência. Sua única relação social afetiva mais íntima se apaixonou por um garoto e
por este motivo se separaram. Com Jerôme, temos mais um contexto em que ao se
relacionar afetivamente ocorrem consequências aversivas.
Neste período, Joe começa a procurar no metrô estímulos visuais que lembrassem Jerôme
para que ela pudesse se masturbar. No entanto, com o tempo, tais estímulos iam perdendo
seu poder eliciador e o comportamento operante de lembrar iam perdendo função pela baixa
densidade de reforço. Com o tempo, ela para de ter desejos sexuais. Porém, quando seu pai
adoece e morre, Joe retoma a vida sexualmente ativa. Neste ponto, inferimos que é por meio
de contingências de reforçamento negativo de evitar a dor que o repertório
comportamental de compulsão sexual volta a ocorrer com frequência. É importante frisar que
este contexto é análogo ao dois anteriores em que Joe teve perda de relacionamentos
afetivos íntimos.
Sd R Sp+
Sd R Sp+
No final da primeira parte do filme, Joe reencontra Jerôme e passa a ter um
relacionamento estável com ele. No entanto, Joe relata que não sente mais prazer
no sexo junto a Jerôme. Podemos inferir que, de certo modo, não sentir prazer
sexual junto a ele é um modo pelo qual o organismo encontrou para se esquivar de
um contexto que envolva relacionamento interpessoal íntimo. Joe se declara para
ele pedindo que “preencha todos os seus buracos”, uma metáfora sexual, mas que
pode representar um tato distorcido sobre os sentimentos amorosos dela e a busca
de completude na relação amorosa. Tatos estão sujeitos às contingências que
afetam o controle de estímulos sobre ele, e a presença de reforços não
generalizados contingentes ao relato e/ou punição do comportamento verbal
podem resultar em tatos distorcidos (Barbosa e Marques, 2012).
Na segunda parte do filme, Joe conta a Seligman sobre as consequências da sua
compulsão nas suas relações mais íntimas. Jerôme a deixa levando o filho dos dois,
pois não consegue lidar com seu apetite sexual e ela busca prazer na relação com
homens que ela define como “perigosos”, tendo seu primeiro orgasmo em muito
tempo na relação sádica entre ela e um jovem que a espanca regularmente. Sua
relação com o filho é baseada na culpa – ela não se permite, novamente, entrar em
contato com sentimentos em relação a ele, definindo suas saudades como
“sentimentalismo”.
Sua compulsão assume traços de automutilação, com a esquiva experiencial
incluindo respostas de agressividade auto e heterodirigida (ela passa a cometer
crimes). Quando reencontra Jerôme, anos depois, sente novamente algo por ele e
pensa em fugir da cidade (segundo o padrão de esquiva), mas o encontra antes e é
agredida por ele, não reagindo (reforçamento negativo dos sentimentos amorosos,
com a punição física). Na última cena, após se abrir com Seligman e considerar,
emocionada, a possibilidade de mudar e de tê-lo como amigo, Joe sofre tentativa de
abuso sexual por ele (o que pode se deduzir que teve efeito de nova punição do
expressar sentimentos/buscar relações íntimas).
CONCLUSÃO
Os comportamentos de compulsão sexual apresentados pela personagem Joe são
emitidos principalmente em contextos aversivos, com função de esquiva
experiencial (evitação/diminuição de respostas emocionais aversivas), tendo sido
aprendidos através de uma história de reforçamento que também propiciou poucos
contextos onde a personagem poderia aprender a descrever (tatear
adequadamente) e entrar em contato com tais sentimentos obtendo reforço
positivo. A análise do filme é útil para ilustrar como mesmo o comportamento
sexual, a princípio fonte de reforço primário (Skinner, 1953), pode ter um papel de
destaque em contextos aversivos e causar sofrimento.
ANÁLISE DO FILME – PARTES I E II
Durante a infância, Joe teve um ambiente familiar que proporcionou poucos contextos de
desenvolvimento de habilidades sociais. Podemos verificar isso a partir das cenas e
descrições em que Joe fala que sua mãe era muito exigente e apresentava comportamento
agressivo e frio, enquanto seu pai era um médico de grande tendência a linguagem
erudita/científica e o único momento em que ele parecia afetuoso era quando se referia a
árvores. Os dois oferecem modelos de comportamento a ela, que cresce sem muitas
oportunidades de reforçamento da assertividade e da expressão de sentimentos – a forma de
se relacionar afetuosamente com o pai, mesmo na vida adulta, requeria metáforas e
repetidas histórias sobre a floresta.
Sd R Sr+
Neste período, ela tinha uma amiga com quem compartilhava brincadeiras de
estimulação genital (reforçamento positivo), em paralelo ao fato de brincarem
escondidas dos pais de Joe (selecionando os comportamentos/contextos de “fazer
coisas erradas” e “fazer atividades proibidas e escondidas”, por meio de
reforçamento negativo). Outros contextos que podem corroborar com esta análise
são os desafios sexuais propostos entre si, durante o período da adolescência, e a
criação de uma comunidade feminina de apoio a sexualidade ativa e libertina.
Nesse contexto, Joe tem o comportamento de tatear eventos privados relacionados
ao sexo presumidamente reforçados, relatando que contavam suas experiências e
se masturbavam juntas. Quando sua amiga (e único contexto social reforçador) se
apaixona contrariando a comunidade verbal criada por elas, Joe se afasta e
continua a ter vários parceiros sexuais.
Durante o inicio da vida adulta, Joe trabalha em tempo integral e no período da
noite relata ter em média entre sete e dez parceiros sexuais, como esquiva
experiencial dos contextos de solidão. A esquiva experiencial ocorre quando os
indivíduos evitam entrar em contato com contextos que eliciem eventos privados
aversivos. Porém, graças ao potencial de ampliação dos contextos através de
estímulos verbais, tal esquiva passa a afetar diversos comportamentos e contextos,
o que torna o repertório comportamental cada vez mais estrito, gerando sofrimento
(Moriyama e Amaral, 2007). Quando experimenta a solidão nesse período, Joe
folheia o herbário que fez na infância com o pai.
Neste período, ela reencontra Jerôme, que foi o garoto com quem teve sua primeira
relação sexual. Inicialmente, ela começa a se esquivar de se relacionar de modo
afetivo/sexual junto a ele, cedendo com o tempo. Quando ela decide declarar seus
sentimentos, Jerôme havia fugido com a secretária da empresa em que
trabalhavam e Joe fica sozinha novamente.
Árvores (SN)Companhia do pai
Perguntar sobre as árvores
Atenção do paiSentimentos positivos
Sentimentos amorosos por Jerôme
Procurá-lo para entregar uma carta
Fuga de Jerôme; tio encontrado em seu lugar
Sentimentos por B. (amiga)
Compartilha experiências sexuais (“clube”)
B. desfaz o clube ao se apaixonar
REFERÊNCIAS
Barbosa, J. I. C e Marques, N. S. O trabalho com relatos de emoções e sentimentos na clínica analítico-comportamental. In: Borges, N. B. e Cassas, F. A. Clínica analítico-comportamental: aspectos teóricos e práticos. Porto Alegre, Artmed, pp. 178-185.
Laloni, D. T. Exacerbação Sexual. In. Zamignani, D. R. (1997). Sobre Comportamento e Cognição: vol. 3. A Aplicação da análise do comportamento e da terapia cognitivo-comportamental no hospital geral e nos transtornos psiquiátricos . São Paulo, Artbytes, pp. 189 – 196.
Moriyama, J. de S. e Amaral, V. L. A. R. do. (2007) Transtorno dismórfico corporal sob a perspectiva da análise do comportamento. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, vol. 9, n. 1, pp. 11-25.
Skinner, B. F. (1953). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo, Martins Fontes.
Skinner, B. F. (1969/1984). Contingência de Reforçamento: uma análise teórica. Coleção “Os Pensadores”. São Paulo – SP, Abril Cultural.