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Uma mãe tem que ser chata Por Isabel Stilwell Uma mãe tem que ser chata. Até à hora da morte. E até depois disso: mesmo quando já se tiver mudado de armas e bagagens para o Paraíso, uma progenitora digna desse nome continua a dar ordens e a mandar vestir um casaquinho nos dias em que ameaça chover. Uma mãe de jeito tem que pregar insuportáveis sermões, deve vender os seus valores e convicções sem medo de estar a ser politicamente incorrecta, confirmar se as unhas estão cortadas, apagar a televisão a meio de um episódio emocionante, desligando sem remorsos o computador se alguma das suas criaturas se recusa a ir para a cama, por se julgar na obrigação de pôr a conversa em dia com todas as amigas e inimigas. Uma mãe pode e deve mandar colocar a loiça na máquina, arrumar o quarto, e não se deve comover nem um bocadinho quando ele/ela lhe diz que «todos os outros pais deixam!». Tem também de aceitar que lhe chamem forreta – afinal o que é que lhe custava sacar vinte euros ao multibanco para a entrada numa discoteca – e que «não percebe nada de nada». As mães são velhas, ponto final. E de alguém que sobreviveu à Idade da Pedra não se podem esperar conselhos úteis ao século XXI. As mães, além de chatas, forretas, velhas e gagás, também estão sempre em falta: ou não marcaram uma consulta, ou foram (ou não foram) a uma reunião da escola, ou falaram alto de mais na rua, ou baixo de mais no supermercado. É que se as mães não forem chatas, nunca poderão tirar a prova dos nove. E a prova dos nove é ter filhos que refilam, protestam e se recusam a submeter-se à sua autoridade, ou seja, filhos dignos desse nome. Por isso, mães de todo o mundo, neste dia que é nosso, unam-se para lhes darem cabo do juízo. É uma obrigação patriótica, se não queremos um planeta invadido por atadinhos, mal- educados, que cospem na sopa e não ajudam as velhinhas a atravessar a rua.

Uma.mãe. tem.que.ser .chata

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Uma mãe tem que ser chata

Por Isabel Stilwell

Uma mãe tem que ser chata. Até à hora da morte. E até depois disso: mesmo quando já se tiver mudado de armas e bagagens para o Paraíso, uma progenitora digna desse nome continua a dar ordens e a mandar vestir um casaquinho nos dias em que ameaça chover. Uma mãe de jeito tem que pregar insuportáveis sermões, deve vender os seus valores e convicções sem medo de estar a ser politicamente incorrecta, confirmar se as unhas estão cortadas, apagar a televisão a meio de um episódio emocionante, desligando sem remorsos o computador se alguma das suas criaturas se recusa a ir para a cama, por se julgar na obrigação de pôr a conversa em dia com todas as amigas e inimigas. Uma mãe pode e deve mandar colocar a loiça na máquina, arrumar o quarto, e não se deve comover nem um bocadinho quando ele/ela lhe diz que «todos os outros pais deixam!». Tem também de aceitar que lhe chamem forreta – afinal o que é que lhe custava sacar vinte euros ao multibanco para a entrada numa discoteca – e que «não percebe nada de nada». As mães são velhas, ponto final. E de alguém que sobreviveu à Idade da Pedra não se podem esperar conselhos úteis ao século XXI. As mães, além de chatas, forretas, velhas e gagás, também estão sempre em falta: ou não marcaram uma consulta, ou foram (ou não foram) a uma reunião da escola, ou falaram alto de mais na rua, ou baixo de mais no supermercado. É que se as mães não forem chatas, nunca poderão tirar a prova dos nove. E a prova dos nove é ter filhos que refilam, protestam e se recusam a submeter-se à sua autoridade, ou seja, filhos dignos desse nome. Por isso, mães de todo o mundo, neste dia que é nosso, unam-se para lhes darem cabo do juízo. É uma obrigação patriótica, se não queremos um planeta invadido por atadinhos, mal-educados, que cospem na sopa e não ajudam as velhinhas a atravessar a rua.