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Vestibular 2012 a dimensão humana da demografia jornal unicamp

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Quais são os impactos sociais da migração?

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Nas redes do gol e da exploração

Estudo mostra como futebol é usado para cooptação

de bolivianos que trabalham em confecções

MARIA ALICE DA CRUZ

Histórias em comum se

multiplicam na Praça

da Kantuta, em São

Paulo, onde a presença

de bolivianos é

predominante. Muitos

com o sonho de atuar

em algum grande time

de futebol brasileiro,

outros com a proposta

de sobreviver com os

honorários de uma

confecção qualquer. O

perfil desses

imigrantes foi traçado

durante conversas

entre 72 pessoas do

grupo e o professor de

educação física

Ubiratan Silva Alves. O

relacionamento, que

teve início na

organização de um

torneio de futebol

entre equipes

bolivianas, na Kantuta,

resultou na tese de

doutorado: “Os imigrantes bolivianos em São Paulo: a praça Kantuta e o

futebol”.

O vaivém de “boleiros” jovens vestindo uniformes de time de futebol

chamou a atenção do professor, que decidiu se oferecer para organizar um

torneio, a partir do qual passou a conhecer melhor os tecelões bolivianos.

As conclusões do pesquisador, depois das conversas, não são de um povo

feliz e realizado, mas de pessoas que têm uma perspectiva de vida

imediata, em que se ganha de manhã para comer à noite e que já chega ao

Brasil com um endividamento gigantesco. Como pagar? Difícil saber, de

acordo com Alves, pois o dono da confecção é o dono da casa e,

geralmente, o dono da equipe de futebol defendida pelos jogadores (ou

seriam trabalhadores?).

O que Alves recebeu como resultado da curiosidade que o levou ao dia a dia

dessas pessoas foi um grupo de gente sofrida, que se comporta geralmente

como um cidadão ilegal, devendo grande parte de seu salário ao próprio

patrão, que é quem coopta jovens conterrâneos com a promessa de

emprego em sua confecção em São Paulo e uma vaga em sua equipe de

futebol. Diante da realidade encontrada, o futebol passou a ser somente a

porta de chegada para a pesquisa.

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O futebol em si não se inicia nem se termina dentro da quadra. Existe uma

rede de configurações que se formam a partir do esporte, explica o

professor. Como as equipes são formadas por funcionários e trabalhadores

do ramo da costura, os jogadores têm dupla obediência diante de seu

patrão, também conhecido como “delegado”. É ele quem banca a equipe

com uniforme, pagamento de inscrição e, às vezes, uma cervejinha ou um

refrigerante após o jogo. O “delegado” é um representante legal da equipe

nas reuniões, nas votações. Diante disso, o jogador não pode jogar onde

bem entender.

“Como o boliviano nem tem condições de vir, ele já chega com uma dívida

de transporte, alimentação e passa a ter uma dívida de moradia e de

emprego. Trabalha para pagar contas contraídas apenas para vir até o

Brasil. Ele fica praticamente algemado ao dono da confecção”, relata Alves.

R$ 0,15 por peça

O chão da fábrica é o mesmo do quarto em que se dorme para a maioria

das famílias, que se juntam num mesmo galpão. “A máquina está de um

lado e, atrás da cortina, estão o berço e a cama”, revela Alves. Já que

acordam no ambiente de trabalho, o dia começa cedo, com a expectativa de

finalizar o maior número de peças, pelas quais recebem, em média, R$ 0,15

a unidade. São quase 16 horas diárias na máquina de costura. “Nem dá

para dizer que tiram emprego de alguém. Que brasileiro dedicaria 16 horas

de seu dia numa máquina de costura para ganhar R$ 0,15 por peça de

roupa?”, pondera Alves.

O receio da deportação faz com que

sejam submissos ao patrão, segundo o

pesquisador, e por isso fazem tudo o que

lhes é imposto. “Jogam bola em seu time,

trabalham no fim de semana e pagam a

dívida. Eles preferem não trabalhar com

bolivianos, mas sim com os coreanos. Eles

acham o coreano mais sério no que diz

respeito ao pagamento. Sem documentos,

temem ser denunciados à Polícia Federal

e, em seguida, deportados, caso resolvam

reclamar seus direitos trabalhistas ao

empregador boliviano”, explica Alves.

A partir de suas conversas, Alves

descobriu que não há interesse dos

bolivianos em voltar para seu país. Poucos

guardam dinheiro para retornar à Bolívia

de forma definitiva. Praticamente, todos

querem juntar dinheiro para constituir

família no Brasil e mudar de casa. A discordância com algumas atitudes do

governo boliviano é um dos motivos. Nas eleições, são enviadas urnas para

que os bolivianos votem no país onde estão instalados, principalmente na

América do Sul. Além de não oferecerem gastos ao governo, os emigrantes

da Bolívia ainda mandam dinheiro para os parentes que usam esta renda

dentro do país.

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De acordo com a Polícia Federal, há cerca de 500 mil bolivianos vivendo no

Brasil de forma ilegal. Atualmente, na capital de São Paulo, estão

espalhados por toda a cidade, principalmente pelo centro, zona norte e zona

leste, mas com muitas ramificações por cidades da Grande São Paulo, de

acordo com Alves.

Mesmo tendo uma quantidade crescente de adeptos das anistias concedidas

pelo governo brasileiro aos imigrantes, os números estão bem aquém da

realidade existente no Brasil. Nas quatro últimas anistias, foram

beneficiados 27 mil estrangeiros em 1981, 30 mil em 1988, em torno de 39

mil em 1998 e mais de 40 mil em 2009, sendo mais de 40% bolivianos

(16.881), seguidos de chineses (5.492), peruanos (4.642), paraguaios

(4.135) e coreanos (1.129).

Em 2009, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a chamada Lei

da Anistia Migratória, a qual autoriza a residência provisória de cidadãos

estrangeiros em situação irregular no Brasil. A nova lei permite que todos

os estrangeiros que estejam em situação irregular e tenham entrado no

Brasil até o dia 1º de fevereiro de 2009 regularizem sua situação e tenham

liberdade de circulação, direito de trabalhar, acesso à saúde e à educação

públicas e à Justiça. Porém, a adesão não foi unânime.

Cidadania

Para ter qualquer tipo de direito, um dos caminhos dos bolivianos era gerar

um cidadão brasileiro e assim ser tornarem legalizados. Já as crianças que

vinham ilegais, permaneciam ilegais e os pais, sem documentação

brasileira, não conseguiam matricular os filhos no ensino brasileiro. Diante

disso e por reconhecer que com todos os problemas, segundo eles, a Bolívia

ainda oferece um ensino de melhor qualidade que o brasileiro, muitos casais

deixam os filhos sob cuidado dos avós, na Bolívia, a fim de assegurar-lhes o

direito a uma boa educação.

Mas a escola no Brasil não é o melhor local de convivência para os filhos de

bolivianos, principalmente para os collas, descendentes de indígenas, pois

são vítimas de bulling. Muitas das crianças entrevistadas por Alves

reclamaram que são alvo de chacotas no espaço escolar. Segundo o

professor, há especialistas estudando o fenômeno. Recentemente, de

acordo com o pesquisador, a mídia veiculou um caso de bulling contra uma

criança descendente de bolivianos. A característica física dos filhos dos

collas (cabelos negros, lisos e grossos, pele escura e olhos levemente

puxados) acaba chamando a atenção de outras crianças, e elas acabam

sendo vítimas de gozação e exclusão, segundo Alves.

Saúde

Por conta do pó gerado pelos tecidos, os bolivianos têm doenças

respiratórias. Queixas sobre problemas posturais também estão entre as

ouvidas por Alves durante as conversas. “Eles só levantam para ir ao

banheiro, pois trabalham na própria máquina”, relata.

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A anemia também atinge boa parte da população boliviana em São Paulo,

principalmente os que atuam nas oficinas. Segundo Alves, além de não se

alimentarem em horários regulares, o tipo, a qualidade e a quantidade de

alimentos por eles ingeridos nem sempre são adequados para suprir as

necessidades diárias do organismo. A falta de recursos para consumir carne

vermelha e feijão é uma das causas do alto índice de anemia entre eles. O

pesquisador acrescenta que, como a doença causa fadiga generalizada e

indisposição, os bolivianos anêmicos ficam privados de trabalhar e de gerar

renda.

O atendimento médico, porém, esbarra na falta de documentação brasileira.

E os bolivianos irregulares acabam contando com a boa vontade de alguns

profissionais da área de saúde e da Pastoral do Imigrante, na Igreja Nossa

Senhora da Paz, no bairro do Glicério, em São Paulo.

A situação só é melhor para uma minoria que conseguiu juntar algum

dinheiro e pode se dar o direito ao lazer. Mas a maioria se contenta com o

um “pedacinho da Bolívia” em São Paulo, que é a praça Kantuta, localizada

no bairro do Canindé, próxima à estação Armênia do metrô, onde, nas

feiras dominicais, podem se fartar da culinária de seu país, como a

saltenha, comprar artesanato típico da Bolívia, assistir a apresentações

musicais e culturais, procurar emprego e até namorar. A quadra de futsal,

principal palco da pesquisa de doutorado, em que Alves traçou toda a

logística do campeonato de futebol para a comunidade, já não faz mais

parte do cenário da Kantuta. Os mais favorecidos economicamente,

segundo o pesquisador, conseguem viajar, matar a vontade de conhecer o

mar e visitar famosos estádios de futebol, principal atividade de lazer de um

povo que buscou o Brasil com intenção de melhorar sua qualidade de vida

................................................

Publicação

Tese: “Imigrantes bolivianos em São Paulo: a Praça Kantuta e o Futebol”

Autor: Ubiratan Silva Alves

Orientadora: Maria Beatriz Rocha Ferreira

Unidade: Faculdade de Educação Física (FCM)

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Semana Daniel Hogan traz homenagem

e seminários sobre projetos do demógrafo

Eventos no Nepo marcam o 1º ano da morte do pioneiro

nos estudos associando população e ambiente

LUIZ SUGIMOTTO

O professor Daniel Hogan

orientou 67 trabalhos de

iniciação científica, 20

dissertações de mestrado e 21

teses de doutorado; escreveu

14 livros, 54 capítulos de livros

e 38 artigos em periódicos

científicos. Uma produção que

impressiona pela intensidade e

principalmente pela qualidade,

muito dela concentrada nas

dimensões humanas das

mudanças climáticas.

Entretanto, um ano após sua

morte, a característica mais

enaltecida por velhos e jovens parceiros, quase sempre com vozes

embargadas, é justamente a dimensão humana do próprio professor, a

generosidade para com todos que o cercavam.

A Semana Daniel Hogan, que vai de 26 a 29 de abril, será de homenagem e

também de apresentação e discussão de resultados das pesquisas que o

demógrafo vinha coordenando. Para isso, o Núcleo de Estudos de População

(Nepo) e o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp

promovem dois seminários internacionais: “Mobilidade espacial e

vulnerabilidade social: desafios teórico-metodológicos e resultados de

pesquisa”, nos dias 26 e 27; e “População e espaço na mudança ambiental:

cidades, escalas e mudanças climáticas”, de 27 a 29. O primeiro evento

acontece no auditório do Nepo e o segundo no auditório do Instituto de

Economia (IE).

A professora Regina Maria Barbosa, coordenadora do Nepo, informa que a

cerimônia em homenagem a Daniel Hogan está marcada para as 18 horas

do dia 27, exatamente no aniversário da sua morte, no Centro de

Convenções. “Se em vida já tínhamos clara a grandeza da sua contribuição,

como figura central da área de população e ambiente, neste ano de

ausência e de saudade também percebemos todo o seu legado: tanto nas

pesquisas que ele deixou em curso, como nos recursos humanos que

formou e que estão fazendo avançar o seu trabalho”.

Na mesma noite serão apresentados vídeos com entrevistas do professor

sobre as pesquisas que vinha desenvolvendo e, em paralelo, uma mostra

organizada pelo Siarq (Arquivo Central da Unicamp) com alguns itens do

acervo pessoal doado pela família à Unicamp e que recuperam sua

trajetória profissional e científica. Haverá ainda o lançamento dos livros

“População e mudança climática” e “População e ambiente: desafios à

sustentabilidade”, além do último número dos cadernos Nepo. “É uma

cerimônia singela, mas esperamos fazer jus à memória do professor Daniel

e a tudo que deixou para nós pesquisadores, do Nepo em especial e da

Unicamp de forma mais ampla”.

Page 7: Vestibular 2012 a dimensão humana da demografia jornal unicamp

O norte-americano Daniel Hogan já era

um pesquisador conceituado quando

chegou à Unicamp em meados da década

de 1970, depois de uma passagem pela

Cornell University, onde defendeu tese de

doutorado sobre migração interna com

foco na cidade de São Paulo. Ajudou a

consolidar o IFCH, formando várias

gerações de demógrafos, sociólogos e

geógrafos. Ele foi um dos primeiros

convidados a integrar o Nepo, onde

aceitou o desafio de criar a área de

população e ambiente quando ninguém

pensava em fazer esta associação no país.

População e ambiente

O professor Plínio Dentzien, um dos

velhos parceiros que marcarão presença na noite do dia 27, vinha da

Universidade de Michigan e ingressou no Departamento de Sociologia quase

ao mesmo tempo do que Hogan. “Como não sou da área, por várias vezes

me referia a ambiente deixando a população de fora. E ele pedia atenção:

„Não é bem assim‟. No seu ponto de vista, ambos se misturam e não há

como pensar o crescimento populacional sem levar em conta o território.

Hoje, nenhum pesquisador exclui a população do ambiente”.

Plínio Dentzien lembra que suas famílias se frequentavam muito,

juntamente com as de outros docentes da Unicamp, por conta também da

convivência entre os filhos de idades próximas. “Havia um grupo que se

encontrava sempre nos finais de semana. Foi Michel Debrun quem nos

avisou que, para frequentar o conjunto poliesportivo da Ponte Preta, não

era preciso se associar, só pagar uma mensalidade. O que nos interessava

era a piscina. Muitas vezes almoçávamos por lá, depois de uma caipirinha”.

A pouca paciência de Hogan para traduzir os textos que produzia em inglês,

levou Dentzien a acompanhar mais de perto e com interesse o trabalho do

amigo. “Traduzi muito material dele para o português. Diria que dentro da

área de ciências sociais na Unicamp, poucos terão feito pesquisa tão

relevante, de boa qualidade. Eram questões da ordem do dia na sociedade

brasileira. Como figura humana, o que me chamava atenção era a

serenidade. Nunca criava conflitos, ao contrário, era o mediador que os

resolvia. Esta característica tornava fácil o convívio com ele”.

O professor Roberto Luiz do Carmo, parceiro mais recente de Hogan no

Nepo, lamenta não estar presente na semana de homenagens ao mestre,

que o convidou a se juntar ao grupo quando soube de seu interesse por

meio ambiente. Hoje docente do Departamento de Demografia, Carmo faz

pós-doutorado na Brown University, nos EUA – e de lá vem uma das vozes

embargadas. “Devo passar o ano por aqui, cuidando da minha carreira

acadêmica para poder dar continuidade aos estudos que o professor Daniel

iniciou”.

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Na opinião de Roberto do Carmo, a maior

qualidade de Hogan era a generosidade

com as pessoas, aceitando-as como são.

“Ele tinha grande capacidade de reunir

pesquisadores de gênios completamente

diferentes e promover a convivência,

dando a mesma atenção tanto a um

iniciante como a um pós-doc. Lembro-me

que quando incentivou minha ida a um

congresso na Alemanha, em 2000, a

preocupação com as mudanças climáticas

era vista como folclórica na academia.

Antever o que vinha pela frente era outra

grande qualidade do professor e, dez anos

depois, temos uma área de estudos

bastante consolidada”.

A mostra e o último livro

A mostra preparada pelo Siarq, segundo o pesquisador Eduardo Marandola

Jr., traz algumas peças do acervo pessoal de Daniel Hogan que ainda vai

ser processado ao longo do próximo ano, antes de ser disponibilizado para a

comunidade científica. “São livros, periódicos, relatórios, teses e

dissertações, com destaque para o material bibliográfico da área de

população em ambiente que é único. Há ainda uma coleção significativa dos

clássicos da sociologia urbana e ambiental, além dos cadernos de anotações

em reuniões e eventos – como o professor ocupou inúmeros cargos, trata-

se de uma rica memória institucional da Universidade”.

“População e ambiente: desafios à sustentabilidade” é o último livro escrito

por Daniel Hogan, em co-autoria com os pesquisadores Marandola Jr. e

Ricardo Ojima. A obra é a primeira de uma série de dez volumes sobre

sustentabilidade, coordenada pelo professor José Goldemberg e lançada em

dezembro de 2010 pela Blucher Editora. “Estamos fazendo um

relançamento na Unicamp. Trata-se de uma revisão da questão

populacional e sua relação com o meio ambiente e um panorama deste

campo de estudos: mudança climática, urbanização, análise do espaço e

constituição desta área de pesquisa. Como o livro foi finalizado depois do

falecimento do professor Daniel, fazemos uma introdução uma deferência à

sua trajetória”, explica Ricardo Ojima.

Seminários internacionais

O seminário “Mobilidade espacial e vulnerabilidade social: desafios teórico-

metodológicos e resultados de pesquisa” é organizado pelo professor José

Marcos Pinto da Cunha e vai apresentar resultados de um projeto temático

Fapesp coordenado pelo próprio e que tinha Daniel Hogan entre os

pesquisadores principais.

No segundo seminário, “População e espaço na mudança ambiental:

cidades, escalas e mudanças climáticas”, organizado por Ricardo Ojima,

serão abordados dois subprojetos sobre mudanças climáticas lideradas pelo

professor Carlos Nobre, do INPE, e no qual Hogan era responsável pelas

dimensões humanas, especialmente sobre urbanização e cidades. A partir

deste encontro, será organizado um livro como pesquisadores de várias

instituições do país.

Page 9: Vestibular 2012 a dimensão humana da demografia jornal unicamp

Em relação ao evento sob sua responsabilidade, Ojima informa que os

palestrantes são vinculados aos subprojetos em pauta e ao grupo de

trabalho em População e Meio Ambiente da Associação Brasileira de Estudos

Populacionais (Abep). “Temos convidados de outras universidades do país e

também especialistas internacionais: Sébastien Oliveau, da Universidade de

Provence, e Alex De Sherbinin, da Columbia University, que é nosso

parceiro de longa data. As duas sessões temáticas também terão trabalhos

enviados do exterior, em resposta à divulgação internacional que fizemos

do evento. Quanto ao público, já temos mais de 300 inscrições, que são

gratuitas”.

No seminário dos dias 26 e 27, haverá sessões sobre “Mobilidade Espacial

da População: desafios teóricos e metodológicos”, “O estudo dos

movimentos migratórios no Brasil: avanços teóricos”, “Dados e técnicas de

análise da mobilidade espacial da população”, “Mobilidade, segregação

espacial e vulnerabilidade social: resultados de pesquisa” e “Família,

ambiente, mobilidade urbana e vulnerabilidade social: resultados de

pesquisa”.

Os trabalhos do segundo seminário começam efetivamente no dia seguinte

à homenagem a Daniel Hogan, 28, com a mesa-redonda matinal intitulada

“População e espaço: o desafio das escalas na compreensão da mudança

ambiental”, e a sessão temática da tarde, “Abordagens teóricas e

metodológicas em população, espaço e ambiente”; no dia 29, a sessão

“Mudanças climáticas e cidades: temas emergentes” e a mesa-redonda

“Urbanização e mudanças climáticas: entre mitigação e adaptação nas

políticas urbanas”.

Quais são os impactos sociais da migração?

Tese detalha componentes da mobilidade

espacial na Região Metropolitana de Campinas

CARMO DO GALLO NETTO

Temor, desconfiança ou

antipatia pelos que vêm de fora

constituem o que se denomina

de xenofobia. Paradoxalmente

às manifestações desses

sentimentos, estudos mostram

que a mobilidade espacial das

populações representa um dos

mais importantes componentes

do crescimento demográfico e

desenvolvimento econômico

das metrópoles, antigas ou

recentes, caso da Região

Metropolitana de Campinas

(RMC). Mestrado desenvolvido

no Núcleo de Estudos de

População (Nepo) por Ednelson

Mariano Dota analisa as

motivações da migração e sua

implicação para os migrantes

no âmbito da RM de Campinas.

Page 10: Vestibular 2012 a dimensão humana da demografia jornal unicamp

O estudo busca compreender a atuação das variáveis que interferem nas

modalidades migratórias e nos seus principais fluxos, de forma a explicar a

manutenção da região como o principal pólo atrativo de população do

Estado de São Paulo. O autor acredita, embora não seja objetivo explicitado

em sua proposta de estudo, que a dissertação – apresentada no Instituto de

Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp e orientada pelo professor

José Marcos Pinto da Cunha – possa contribuir para o entendimento de que

os migrantes não constituem problema, mas semelhantemente aos

“naturais”, buscam situações melhores.

O estudo considerou os vários tipos de migrações e principalmente se

deteve em caracterizar o migrante: quem é ele, motivações que

possibilitaram sua mobilidade, as razões que o levavam à escolha do novo

local. Estabelece também uma comparação inédita entre eles e os

moradores locais com perfil semelhante, mas que não se decidiram pela

migração. Procura explicar ainda as razões da escolha de determinados

centros pelos migrantes e porque certas cidades os atraíram apenas em

uma época.

Para Dota, a migração é um fenômeno que mantém estreita relações com a

conjuntura demográfica e econômica de determinado momento histórico e,

por isso, não pode ser entendida isoladamente sem que se considerem

essas conjunturas em nível local, regional e nacional – e até global no caso

da migração internacional. Lembra que na RMC os fluxos migratórios

alcançaram volumes relevantes desde a década de 70, embora

apresentassem importantes modificações ao longo destes quarenta anos,

adquirindo atualmente novas características devido aos empreendimentos

que se têm instalado na região. A propósito, ele afirma que a redução do

crescimento demográfico observado nos últimos anos, paralela à queda das

migrações de longa distância, coloca em evidência as modalidades

migratórias de curta distância, circunscritas aos municípios da RM e

diretamente associadas ao crescimento demográfico e expansão urbana.

Ele constata ainda que essa migração entre municípios não é aleatória, mas

direcionada pelo processo de produção do espaço urbano, entendido como a

forma em que a área urbana cresce e se estrutura. A delimitação e o

desenvolvimento do espaço urbano é que determina para onde as pessoas

se dirigem em função de anseios e possibilidades econômicas. Ao menos na

população pobre, esclarece ele, sua produção é determinada por amplos

fatores, que fogem do escopo social e da decisão em nível individual.

O desenvolvimento desse espaço e sua modelação estão atrelados

principalmente a três fatores: ações do Estado, atuação do mercado

imobiliário e participação dos agentes e movimentos sociais. A dissertação

analisa motivações e implicações das modalidades migratórias

intrametropolitanas – assim entendidas as que se dão entre os municípios

da própria RMC – e as externas, provenientes de outras regiões do estado

ou do país, ou até do exterior.

Para analisar o processo de crescimento e consolidação da RMC decorrente

da migração e à luz da produção do espaço urbano, o autor vale-se de

subsídios colhidos na geografia, no urbanismo, na demografia, na

economia, dos dados do Censo Demográfico de 2001 e da Pesquisa

Domiciliar do Projeto Vulnerabilidade, realizado pela equipe do Nepo em

2007, coordenada pelo professor José Marcos Pinto da Cunha e que contou

com apoio da Fapesp e do CNPq.

Page 11: Vestibular 2012 a dimensão humana da demografia jornal unicamp

Em vista disso, ele considera que o trabalho utilizou dados de certa forma

diferenciados em relação aos encontrados nas pesquisas tradicionais, como

o censo demográfico. “Neste contexto, poderia dizer que o estudo apresenta

inovação quando se aprofunda na busca da compreensão das motivações da

migração no âmbito de RM e, principalmente, porque enfoca diferentes

modalidades migratórias ao considerar os diferenciais que caracterizam as

migrações intrametropolitanas e externas e, ainda, o que é mais inovador,

ao explicitar as diferenças destes migrantes em relação aos que não

migram”. Em razão disto, o pesquisador analisou os fatores que

determinam a mobilidade e a imobilidade, pois considera que, como a

migração, a “não-migração” também é seletiva.

Conclusões

Geógrafo de formação, Dota enfatiza algumas contribuições decorrentes da

pesquisa. Constata que os migrantes intrametropolitanos apresentam

melhores condições em relação aos externos como, por exemplo, maior

acesso à aquisição da casa própria e menor dependência do aluguel.

Observa também a melhoria de condições entre os fluxos que partem de

Campinas em relação àqueles com origem nos municípios do entorno.

Outra conclusão é a de que a distribuição da população e dos vínculos

empregatícios na região é muito desigual, explicado pela forma como o

espaço urbano se configura, reproduzindo desigualdades ao direcionar

parcelas da população para os diversos subespaços. O pesquisador

considera particularmente interessante o acesso à infraestrutura. O menor

acesso a ela por parte dos migrantes intrametropolitanos decorre da

aquisição da habitação própria em regiões precárias, mas mais acessíveis

economicamente. Porém, com a consolidação dessas áreas, esse migrante

tende a atingir melhor situação em relação aos que continuam pagando

aluguel.

O que move os migrantes é a melhoria das condições de vida, ao passo que

os não-migrantes visam mantê-la, diz Dota. “Apresentando ao menos parte

das motivações que levam os migrantes a se colocarem em movimento, os

“não-migrantes” revelam razões que os impedem ao deslocamento”. O

autor do estudo esclarece que há os que não migram por estarem bem

situados na cidade (ricos) e os que apresentam condições propícias para

fazê-lo – habitação e trabalho satisfatórios –, mas são impedidos pela

organização familiar, principalmente pela alta proporção de dependentes,

na maioria jovem. Acrescenta que a mobilidade e a imobilidade territorial

estão atreladas fundamentalmente à necessidade de sobrevivência.

Estratégias

Lembrando que o trabalho nasceu do anseio de verificar se a migração na

RM de Campinas levaria à mobilidade social e procurando entendê-la à luz

dos processos de produção e reprodução do espaço urbano, afirma que o

processo altera as condições de vida para melhor ou no mínimo contribuem

para não deteriorá-la. Esclarece, entretanto, que “a migração constitui

estratégia de melhoria social, mas não representa mais mobilidade social”.

De outra forma, o desenvolvimento do espaço urbano, calcado em múltiplos

interesses desprovidos de preocupações sociais, faz com que parcelas da

população recorram a soluções emergenciais para sobreviver e as levam a

ocupações de áreas precárias. De outra forma, os mecanismos de

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valorização e desvalorização devido a mudanças de usos dos pontos

urbanos determinam a expulsão de uns e atração de outros. Em decorrência

desses mecanismos, restam, à população pobre, espaços “pré-

determinados”, com condições muitas vezes precárias em infraestrutura e

acesso, mas variáveis dependendo dos rendimentos disponíveis.

Essas constatações levam o autor a concluir que a migração na região, e

talvez de maneira geral no Brasil, não está associada à mobilidade social e

tem uma função muito mais de “adaptação” às condições vigentes em cada

momento, a partir das conjunturas econômicas ou sócio-demográficas que

influenciam o cotidiano dos indivíduos.

Segundo Dota, os fluxos relacionados ao mercado de trabalho evidenciam

que os migrantes buscam estabilidade econômica. Os que não apresentam

esta problemática, caso principalmente das migrações intrametropolitanas,

a exemplo de outros fluxos, buscam melhores condições de vida. Ele

destaca, entretanto, que a diferença entre esses migrantes e os externos

reside no conhecimento que os primeiros acumulam da região, o que os

possibilita mudarem de município sem deixarem o emprego.

Portanto, diz ele, a migração intrametropolitana apresenta forte ligação com

as questões habitacionais, com grande relevância na aquisição da casa

própria. Mas essa decisão muitas vezes os leva para situações ainda mais

precárias, visto que se direcionam para espaços não consolidados,

periféricos e com pouca infraestrutura.

Entre os migrantes externos é significativa a parcela dos que pagam aluguel

ou moram com outras famílias, o que os direciona geralmente para áreas

mais consolidadas e com melhores condições de acesso aos serviços.

Apesar dessas facilidades, Dota constatou que os migrantes

intrametropolitanos ostentam melhores condições econômicas que os

externos, o que se evidencia pela aquisição de habitação.

Para o pesquisador, os dados analisados, embora de forma ainda não

conclusiva, “indicam que a imobilidade, ao menos em parte da população,

pode estar condicionada pela organização familiar e não pela existência de

vida digna”.

Segundo Dota, os estudos permitem indicar que o crescimento horizontal da

mancha urbana metropolitana tende a continuar apresentando condições

precárias de habitação e acesso, principalmente nos locais de maior

acessibilidade econômica. E serão as leis de mercado que definirão a

ocupação desses espaços pelas populações mais pobres ou mais bem

aquinhoadas. Para ele, as estimativas indicam que os municípios que se

destacaram durante a década de 90 em relação à atratividade de migrantes

devem continuar nessa posição salvo pequenas modificações, previsão que

o Censo Demográfico de 2010 poderá confirmar.

................................................

Publicação

Dissertação: Migração na RM de Campinas: produção de espaço urbano e

impactos sociais

Autor: Ednelson Mariano Dota

Orientador: José Marcos Pinto da Cunha

Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH/Nepo)

Financiamento: Capes