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Transformando o ICMS em um tributo ambiental Tese a ser apresentada no XXXVII Congresso Nacional de Procuradores do Estado 2014

Tributação ambiental (icms -tese )

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Transformando o ICMS em um tributo ambiental

Tese a ser apresentada no XXXVII Congresso Nacional de Procuradores do Estado

2014

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Transformando o ICMS em um tributo ambiental

A tributação ambiental é uma política pública que pretende reestruturar o

sistema tributário, de forma a permitir que os tributos sejam utilizados para proteger

o meio ambiente. Essa técnica já foi amplamente utilizada nos países europeus, no

que se convencionou chamar de green tax reform. Através dessa reforma, há a

substituição de tributos incidentes sobre fatores produtivos e trabalho por tributos

incidentes sobre produtos com efeitos nocivos ao meio ambiente1.

No Brasil, até a presente data, houve a criação pontual de tributos ou

incentivos fiscais vinculados à proteção ambiental, tais como o ICMS Ecológico, mas

o sistema tributário como um todo ainda não passou por uma “reforma tributária

verde”. Está tramitando no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda

Constitucional que insere a variável ambiental em todo o Sistema Tributário

Nacional2. Contudo, essa proposta não sugere nenhuma reformulação do ICMS para

graduar esse tributo de acordo com o impacto ambiental.

No presente trabalho, se pretende demonstrar a viabilidade e a utilidade

de um ICMS seletivo de acordo com a variável ambiental. Principia-se o trabalho

apresentando o conceito teórico de tributo ambiental, com suas duas variáveis: o

tributo ambiental em sentido lato e o tributo ambiental em sentido estrito. A seguir,

serão analisadas as possibilidades de utilização de tributos ambientais por parte dos

Estados Federados. Em especial, será conceituado o ICMS Ecológico, expondo-se

no quê consiste essa técnica de destinação de recursos financeiros, e será exposta

a proposta de seletividade do ICMS de acordo com a variável ambiental.

1 A Agência Européia do Ambiente identificou, já em 1996, três modelos de tributação ambiental: a

tributação que se limitava a cobrir os custos do dano ambiental, extensamente adotada nas décadas de 1960 e 1970; a combinação de incentivos fiscais com tributos ambientais, usada nas décadas de 1980 e 1990; e o modelo mais evoluído, chamado de green tax reform, que propõe uma extensa reforma tributária, buscando tributar produtos com efeitos nocivos, como a poluição, desonerando produtos positivos, como o trabalho. (European Environmental Agency. Environmental Taxes: Implementation and Environmental Effectiveness. 1996. Disponível em <http://reports.eea.eu.int/92-9167-000-6/en/gt.pdf>. Acesso em 17/07/2011).

2 PEC 353/2009, que “estabelece diretrizes gerais para a Reforma Tributária Ambiental. Altera a

Constituição Federal de 1988” (disponível em <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=430593>. Acesso em 17/07/2011).

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Conceito de tributo ambiental

Conforme mencionado na introdução desse trabalho, tributação ambiental

é a política pública que vincula a tributação a uma finalidade ambiental. Ela

freqüentemente é sugerida como um complemento às políticas de licenciamento e

fiscalização ambiental – também chamadas de políticas de comando-e-controle,

numa adaptação da terminologia inglesa – por ser considerada mais flexível do que

o comando-e-controle. Nesse sentido, Fernando Magalhães Modé afirma que:

Enquanto a tributação ambiental garante ao agente econômico uma

margem de manobra para adequação de sua atividade, a regra de comando

(proibitiva) lhe nega qualquer possibilidade de ajuste. O caráter inflexível

das normas de comando e controle acaba por valorizar a opção pela via

tributária por consistir um incentivo permanente ao agente econômico, para

que busque, segundo sua maior conveniência, o meio mais adequado para

a redução do potencial poluidor da atividade.3

Percebe-se, pela transcrição apresentada, que os tributos ambientais

seriam um estímulo à prática menos nociva ao meio ambiente, permitindo uma

adaptação gradual por parte do poluidor, que, aos poucos, pode desenvolver

práticas adequadas à proteção ambiental, tendo como contrapartida a redução da

carga tributária. Uma ferramenta de comando-e-controle, por outro lado, não permite

essa adaptação gradual: negando-se uma licença ambiental, aquele produtor que

pretendia ter seu produto licenciado se vê impedido de produzi-lo.

Do ponto de vista da proteção ambiental, um tributo ambiental tem por

objetivo principal redistribuir os custos da poluição, que passam a ser arcados, ainda

que indiretamente, pelos consumidores do produto nocivo ao meio ambiente. Seu

objetivo secundário é o de efetivamente garantir que o dano ao meio ambiente não

acontecerá4. Esse objetivo secundário não é assegurado quando da implementação

de um tributo ambiental, ao contrário do que ocorre quando se implementa uma

medida de comando-e-controle. No estabelecimento de medidas de comando-e-

3 MODÉ, Fernando Magalhães. Tributação Ambiental: A Função do Tributo na Proteção do Meio Ambiente. Curitiba: Juruá, 2003. p. 84-5.

4 SADELEER, Nicolas de. Environmental Principles: from political slogans to legal rules. Oxford: OUP, 2002. p. 36.

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controle, como uma licença ambiental, se demanda do contribuinte a mudança de

comportamento (a obediência às condicionantes da licença), sob pena de ser

responsabilizado civil, administrativa ou mesmo criminalmente. Dessa forma,

assegura-se a proteção ambiental.

O mesmo não ocorre com o estabelecimento de um tributo ambiental,

através do qual o contribuinte pode escolher entre poluir, e arcar com carga tributária

mais elevada, ou não poluir, e se beneficiar com a carga tributária reduzida. Caso o

tributo esteja bem mensurado, passará a ser mais barato ao contribuinte diminuir os

níveis de poluição, tendo em vista a redução do valor do tributo, de modo que a

alternativa mais benéfica ao meio ambiente será voluntariamente escolhida5.

Dessa forma, nota-se que os tributos ambientais têm uma clara função

extrafiscal, pois estimulam uma mudança comportamental por parte da sociedade.

Na lição de Alfredo Augusto Becker, a função extrafiscal dos tributos é aquela pela

qual se busca como resultado não o aumento da arrecadação, mas uma intervenção

estatal no meio social e na economia privada, estimulando-se uma alteração no

comportamento dos contribuintes. O autor afirma, ainda, que as funções fiscal e

extrafiscal podem coexistir em um mesmo tributo6.

Contudo, existe sim uma oposição entre a função fiscal e a extrafiscal dos

tributos, na medida em que os tributos primordialmente fiscais são formulados

buscando a estabilidade da arrecadação, enquanto os extrafiscais têm sua finalidade

atingida com o decréscimo desta7. Essa oposição pode ser apontada como um

limitador ao estabelecimento em grande escala de tributos ambientais, pois a

eficácia destes, ao estimular a diminuição do impacto ambiental, importaria em

redução da arrecadação8.

5 WOOD, Stepan. Voluntary Environmental Codes and Sustainability. In RICHARDSON, Benjamin (ed). Environmental law for sustainability: a critical reader. Oxford: Hart, 2006. p. 235.

6 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998. p. 589.

7 SOARES, Cláudia Dias. O Imposto Ambiental. Apud MODÉ. Tributação Ambiental... p. 72-3.

8 SANTANA, Heron José de. Meio Ambiente e Reforma Tributária: Justiça fiscal e extrafiscal dos tributos ambientais. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, ano 9, nº 33, jan-mar 2004. p. 21.

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Percebe-se, pelo exposto, que a função extrafiscal dos tributos ambientais

não seria a de punir aqueles que poluem, mas a de garantir a “liberdade de escolha

do agente econômico” 9, pois o tributo internalizaria o custo da poluição na produção,

de modo a tornar o contribuinte apto a escolher entre poluir ou não poluir. Com um

tributo bem estruturado, a opção por não poluir, arcando com os custos da

tecnologia necessária para diminuir os níveis de poluição, seria economicamente

mais benéfica ao contribuinte.

Por outro lado, a extrafiscalidade dos tributos ambientais pode ser

alcançada não só pela criação de novos tributos ou majoração da alíquota dos

tributos já existentes, como também pela concessão de incentivos fiscais. Parte da

doutrina considera esses incentivos fiscais verdadeiros tributos ambientais. Outros

autores defendem que tributo ambiental é somente aquele que é majorado em

decorrência do impacto ambiental. Criam-se, dessa forma, dois conceitos de tributos

ambientais: os tributos ambientais em sentido amplo, e os tributos ambientais em

sentido estrito, conforme se passa a expor.

Conceito lato sensu de tributos ambientais

Nos termos apresentados acima, o conceito de tributo ambiental lato

sensu engloba toda e qualquer política de tributação que leve em conta, para a

configuração da hipótese de incidência, a variável ambiental. Assim, considera-se

tributo ambiental não só o tributo que incide de forma majorada sobre um produto

com elevado impacto ambiental, como também o tributo que tem sua alíquota

reduzida em decorrência dos benefícios ambientais.

Seguindo-se o conceito de tributos ambientais lato sensu, a função

extrafiscal de proteção ao meio ambiente poderia ser atingida pela concessão de

subsídios às indústrias que apresentam baixos níveis de poluição e investem em

tecnologias verdes de produção, por exemplo. Os subsídios (tomados em sua

9 OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Proteção Ambiental e Sistema Tributário – Brasil e Japão:

Problemas em Comum? In: MARINS, James. Tributação e Meio Ambiente. Curitiba: Juruá. 2002. p. 107.

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acepção lata, equivalendo tanto ao efetivo pagamento de dinheiro, quanto à

concessão de benefícios e isenções fiscais) são defendidos por parte da doutrina10

como mais adequados à proteção ambiental do que a criação de um novo tributo,

por não onerar – e, mesmo, desonerar – a cadeia produtiva. Nesse sentido,

Alejandro Altamirano:

Opino que una política tributaria que utiliza instrumentos económicos para

mejorar el impacto ambiental, debe privilegiar los estímulos tributarios e

incentivos económicos frente al propósito modificar el comportamiento de

los agentes mediante la aplicación de tasas o impuestos. No sólo se

alentará a optimizar el impacto sino que estas medidas son, por lo general,

anteriores o a lo sumo concomitantes con la degradación ambiental razón

por la cual resultarán menos costosas que los intentos de corregir dicha

degradación posteriormente.11

A concessão de incentivos fiscais, por outro lado, tem merecido severas

críticas por não ser adequada ao princípio do poluidor-pagador, de modo que a

doutrina especializada em direito ambiental prefere denominar como “tributos

ambientais” exclusivamente aqueles tributos que têm suas alíquotas majoradas em

função do impacto ambiental, conforme será exposto a seguir.

Conceito stricto sensu de tributos ambientais

Como indicado na seção anterior, a corrente teórica que defende uma

definição stricto sensu de tributos ambientais mostra-se contrária à concessão de

incentivos fiscais para os produtos menos poluentes, pois essa prática violaria o

princípio do poluidor-pagador. Esse princípio, que propõe a internalização dos custos

ambientais no processo produtivo, foi consagrado no Princípio nº 16 da Declaração

sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento do Rio de Janeiro de 1992, e também está

previsto no artigo 4º, inciso VII, da Lei 6.938/81.

10 BONALUME, Wilson Luiz. Isenção tributária na defesa ambiental. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 85, nº 731, p. 48-55, setembro 1996; FIGUEIREDO, Marcelo. In: XIII Congresso Brasileiro de Direito Tributário. Mesa de debates “C” – Tributação, Ecologia e Meio Ambiente. Revista de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, nº 78, p. 85, 2000.

11 ALTAMIRANO in MARINS, Tributação e... p. 79.

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O princípio do poluidor-pagador nada mais é do que a determinação de

que os poluidores arquem com os custos da poluição. Conforme defende Fábio

Nusdeo, essa exigibilidade decorre de “os bens ambientais terem ganho a natureza

de bens econômicos”12 a partir do momento em que, por sua exploração

desmesurada, os mesmos se tornaram escassos (ou, na imagem que o autor adota,

a partir do momento em que a esfera do sistema econômico passou a ter

aproximadamente o mesmo tamanho da esfera do sistema ecológico). Como se

transformaram em bens econômicos, os bens ambientais deveriam ter um preço, o

qual “como todo e qualquer preço, [...] exercerá a sua função de racionalizar e

racionar o uso do bem a que se refere” 13.

Uma das formas que se encontrou para cobrar o custo gerado pelo

consumo dos bens ambientais é a elaboração de um sistema de tributação, na qual

o tributo tenha valor correspondente ao do dano ambiental, como proposto por

Fernando Magalhães Modé:

A aplicação da tributação na defesa do meio ambiente se dá, no mais das

vezes, mediante a internalização compulsória dos custos ambientais não

diretamente ligados a determinada atividade produtiva ou produto (princípio

do poluidor pagador). [...]

Ao não se atuar, pela via tributária, na internalização compulsória dos

custos ambientais, está-se ratificando situação de total ineficiência de todo o

sistema econômico sob o aspecto da defesa do meio ambiente.14

Portanto, para os autores que consideram a concretização do princípio do

poluidor-pagador um aspecto central na formulação de tributos ambientais, é

inadmissível a concessão de incentivos fiscais para as atividades menos nocivas ao

meio ambiente, exatamente porque essa concessão de incentivos fiscais contraria a

ótica da internalização dos custos ambientais.

12 NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. São Paulo: RT, 1997. p. 428.

13 Ibidem, loc. cit.

14 MODÉ, Tributação Ambiental... p. 71.

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Pelo até aqui exposto, percebe-se que os tributos ambientais são tributos

que têm a finalidade de estimular a proteção ambiental, podendo consistir em

majoração da carga tributária sobre produtos nocivos ao meio ambiente, ou em

incentivos fiscais aos produtos ambientalmente adequados. A concessão de

incentivos fiscais, contudo, somente é aceita pelos teóricos que adotam um conceito

amplo de tributos ambientais.

A utilização de tributos ambientais pelos Estados Federados

Como exposto na introdução, a Proposta de Emenda à Constituição nº

353//2009 estabelece diretrizes para uma Reforma Tributária Ambiental. Na

justificativa dessa Proposta15 se revela a intenção de inserir a variável ambiental em

todo o sistema tributário brasileiro, utilizando-se um conceito amplo de tributo

ambiental, pois se propõe a concessão de imunidades para setores ambientalmente

adequados.

Especificamente no que toca aos tributos de competência dos Estados

Federados, a PEC torna constitucional o ICMS Ecológico, técnica de destinação de

receitas tributárias que será exposta em mais detalhes a seguir; e determina a

graduação do IPVA de acordo com o consumo energético e a emissão de gases

poluentes por veiculo.

Em nenhum momento, contudo, a PEC propõe a seletividade do ICMS de

acordo com o impacto ambiental, o que se mostraria extremamente útil para a

“reforma tributária ambiental”, conforme demonstrado adiante.

15 Disponível em

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=430593>. Acesso em 19/07/2011.

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O ICMS Ecológico

O ICMS Ecológico é um instrumento financeiro de proteção ambiental16,

que vincula a algum elemento ambiental a destinação de parcela das receitas

repassadas pelos Estados para os Municípios.

Nos termos do art. 158, IV, da Constituição Federal, 25% do produto da

arrecadação do ICMS pertence aos Municípios. Esse percentual é distribuído entre

os Municípios seguindo-se os parâmetros estabelecidos pelo parágrafo único do

mesmo artigo, segundo o qual três quartos do valor serão distribuídos de acordo

com o valor adicionado nas operações de ICMS ocorridas dentro do território

municipal, e um quarto será distribuído conforme dispuser lei estadual.

Dessa forma, a maior parte dos repasses financeiros feitos pelos Estados

aos Municípios obedece à lógica de que deve receber mais o Município que mais

produz, e que, portanto, adiciona mais valor à arrecadação de ICMS. Por outro lado,

um quarto do valor repassado pelos Estados pode ser utilizado para induzir o

desenvolvimento de áreas menos produtivas, pois a Constituição outorga aos

Estados liberdade para definir como distribuir esse valor17

.

Nos Estados que implementaram o chamado ICMS Ecológico, parcela

das receitas financeiras obtidas pela arrecadação de ICMS e que podem ser

livremente distribuídas pelos Estados é repassada aos Municípios de acordo com

algum critério de proteção ambiental. Geralmente, o critério utilizado relaciona-se à

proporção de áreas de preservação permanente e reservas florestais em relação à

área total do Município18.

O ICMS Ecológico, por conseqüência, privilegia Municípios com áreas

maiores de preservação permanente, em uma tentativa de compensar o prejuízo

econômico destes. Isso porque áreas de preservação permanente têm severas

16 SANTANA, Meio Ambiente e Reforma Tributária… p. 23.

17 SCAFF, Fernando Facury; TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Tributação e Políticas Públicas: O ICMS Ecológico. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, ano 10, nº 38, abr-jun 2005. p. 106- 107.

18

Para uma relação dos principais critérios utilizados pelos Estados que adotam o ICMS Ecológico, vide SANTANA, Meio Ambiente e Reforma Tributária… p. 25-26.

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restrições de utilização, de modo que dificilmente geram renda à população do

Município. Ao instituir o ICMS Ecológico, os Estados passam a não só compensar

essa limitação econômica, como também a estimular a implementação de áreas de

reserva florestal por parte dos Municípios, como forma de aumentar o percentual de

verbas repassadas19.

Deve ser mencionado, ainda, que a PEC 353/2009 propõe a inserção do

ICMS Ecológico na Constituição Federal. Através de uma alteração do já citado

parágrafo único do art. 158, o um quarto das receitas repassadas pelos Estados aos

Municípios, que hoje é repassado de acordo com critério livremente estabelecido em

legislação estadual, passaria a ser repassado, conforme determinado em lei

estadual, seguindo-se “critérios ambientais como manutenção de mananciais de

abastecimento e unidades de conservação, existência de terras indígenas, serviço

de saneamento ambiental, reciclagem e educação ambiental”. Assim, o legislador

constitucional estaria estimulando uma utilização mais ampla do ICMS Ecológico.

Portanto, percebe-se que o ICMS Ecológico não é um tributo ambiental,

mas um instrumento de direito financeiro que vem sendo utilizado pelos Estados

para incentivar a proteção ambiental. Hoje, é o principal – se não o único –

mecanismo que vincula o ICMS ao meio ambiente. É possível ampliar essa relação

entre tributação estadual e meio ambiente, com a adoção da “seletividade ambiental”

do ICMS, conforme segue.

A seletividade do ICMS em função da qualidade ambiental da mercadoria

Na primeira seção desse trabalho foi demonstrada a utilidade dos tributos

ambientais, na medida em que estimulam o contribuinte a proteger o meio ambiente,

sem obrigá-lo a modificar seu comportamento. No início da segunda seção, por outro

lado, se mencionou que a PEC 353/2009, que propõe uma “reforma tributária

ambiental”, não insere a variável ambiental no principal tributo de competência

19 SCAFF e TUPIASSU, Tributação e Políticas Públicas… p. 108-109.

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estadual, o ICMS. Contudo, o ICMS pode e deve ser seletivo de acordo com a

qualidade ambiental do produto.

A seletividade do ICMS está prevista no art. 155, § 2º, III, da Constituição

Federal, que dispõe que o ICMS “poderá ser seletivo, em função da essencialidade

das mercadorias e dos serviços”. Hugo de Brito Machado ensina que “seletivo é o

mesmo que selecionador, aquilo que seleciona. Imposto seletivo é aquele que onera

diferentemente os bens sobre os quais incide”20.

Ao discorrer sobre a seletividade, Roque Antônio Carrazza afirma que o

ICMS deve necessariamente ser instrumento de extrafiscalidade, pois o legislador

infraconstitucional teria o dever, e não uma mera faculdade, de instituir tributos

seletivos21. Outros autores, contudo, entendem que não há obrigação, por parte dos

Estados, de implementar a seletividade do ICMS22

.

A essencialidade do serviço é critério chave para a instituição do ICMS

seletivo, nos termos da já citada norma constitucional do art. 155, § 2º, III. Ricardo

Lobo Torres menciona que a seletividade é um subprincípio da capacidade

contributiva, pois o ICMS deve incidir progressivamente, na razão inversa da

essencialidade do produto23

. A doutrina especializada é categórica ao afirmar que

um produto deve ser considerado essencial quando é consumido por toda a

população, devendo ser beneficiado com alíquotas reduzidas de ICMS. Por outro

20 MACHADO, Hugo de Brito. O ICMS no Fornecimento de Energia Elétrica: Questões da Seletividade e da Demanda Contratada. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº 155, agosto-2008. p. 49.

21

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 105.

22 MARTINS, Ives Gandra, e BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. 6º vol, tomo I, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 457; MELO, José Eduardo Soares de. ICMS – Teoria e Prática. 5ª ed. São Paulo: Dialética, 2002. p. 263; CONTINENTINO, Marcelo Casseb. A Seletividade do ICMS Incidente sobre Energia Elétrica e a Constitucionalidade da Graduação de Alíquotas segundo o Princípio da Capacidade Contributiva. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº 141, junho-2007. p. 112-113.

23

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 385.

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lado, pode-se majorar a alíquota dos produtos considerados supérfluos, ou seja,

aqueles consumidos exclusivamente pelas classes mais altas da população24

.

Henry Tilbery, citado por Ives Gandra Martins, apresenta um conceito

mais detalhado de essencialidade, classificando os bens em três categorias, de

acordo com sua essencialidade:

Para os bens de consumo se estabelece a seguinte classificação: a) bens

de primeira necessidade, dos quais precisam todos, mas que são os únicos

produtos ao alcance daqueles que se mantém no nível míninio de

subsistência; b) bens não necessários, que são consumidos por um número

bastante grande de pessoas, que vivem em diversos graus da escala

econômica, porém todos acima do nível mais baixo; e) artigos de luxo,

disponíveis, principalmente, para as pessoas em nível mais elevado de

bem-estar.25

Assim, os bens de primeira necessidade são aqueles sobre os quais deve

haver uma redução da carga tributária, em função da seletividade do ICMS. Sobre

os bens não necessários, por outro lado, pode haver a incidência de diversas

alíquotas do tributo, de forma seletiva. Por fim, em relação aos artigos de luxo,

recomenda-se a incidência do tributo de forma majorada. Em classificação

semelhante, José Afonso da Silva divide os graus de essencialidade em produtos

necessários, úteis e supérfluos26

.

Dentre os bens não necessários, como graduar a alíquota de ICMS? Será

que os produtos mais consumidos devem se beneficiar com alíquotas menores do

que as incidentes sobre os produtos não essenciais menos consumidos? A resposta

parece ser negativa, na medida em que há produtos que são consumidos por boa

parte da população – como cervejas e cigarros, por exemplo – e que

indiscutivelmente não podem ser considerados essenciais. Portanto, o critério de

24 CARRAZZA, Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 106-107; PALUSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 6ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 339; CÔELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 344.

25 MARTINS e BASTOS. Comentários à Constituição… p. 456.

26 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 718.

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essencialidade é mais complexo do que um simples quantitativo numérico, devendo

levar em conta a efetiva relevância do produto para a população como um todo.

Além disso, e como bem pontuado por Carrazza27

, a seletividade decorre

da extrafiscalidade do ICMS. Através da seletividade, o legislador ordinário exerce a

função extrafiscal de induzir o consumo de determinados produtos, em detrimento

de outros. Mas, dentre os produtos não essenciais, quais devem ter seu consumo

estimulado, e quais não devem receber referido estímulo?

Parece claro que o legislador estadual não pode graduar as alíquotas do

ICMS de forma arbitrária, sem quaisquer parâmetros constitucionais para tanto28

.

Esta graduação de alíquotas deve ser adequada aos princípios gerais da ordem

econômica, devido à necessidade de interpretar o sistema constitucional como um

todo29

. Isso porque a seletividade do ICMS pode ter um forte impacto na ordem

econômica, tornando mais caros alguns produtos, em detrimento de outros.

Dentre os princípios gerais da ordem econômica, por sua vez, está

previsto o princípio de defesa do meio ambiente30

. Sobre esse princípio

constitucional, é interessante transcrever a opinião de Eros Roberto Grau, que o

relaciona à existência digna da pessoa humana:

O princípio da defesa do meio ambiente conforma a ordem econômica

(mundo do ser), informando substancialmente os princípios da garantia do

desenvolvimento e do pleno emprego. Além de objetivo, em si, é

instrumento necessário – e indispensável – à realização do fim dessa

27 CARRAZZA, Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 105.

28 Nesse sentido, vide a lição de Bottallo, citado por Hugo de Brito Machado (O ICMS no Fornecimento de Energia Elétrica, p. 51): “Embora não se negue que o legislador ordinário possa atuar dentro de certa margem de discricionariedade na manipulação da seletividade em função da „essencialidade dos produtos‟, o conteúdo mínimo desta expressão sempre possibilitará que se verifique, em concreto, se o princípio se fez presente.”

29

ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 22-23; BALEEIRO, Aliomar; DERZI, Misabel Abreu Machado (atualizadora). Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 593.

30 O artigo 170, inciso VI, da Constituição, determina como princípio geral da atividade econômica a "defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação (Redação dada pela EC nº 42, de 19.12.2003)”.

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ordem, o de assegurar a todos existência digna. Nutre também, ademais, os

ditames da justiça social. Todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo – diz o art. 225,

caput.31

Portanto, parece ser viável a implementação do ICMS seletivo, dentre os

produtos não essenciais, de acordo com a qualidade ambiental desses produtos,

como forma de estimular o consumo de bens de reduzido impacto ambiental, em

detrimento de seus similares, com impacto ambiental maior.

De fato, na primeira seção desse trabalho se demonstrou que tributos

ambientais têm a finalidade extrafiscal de proteger o meio ambiente. E, conforme se

expôs acima, a seletividade decorre da extrafiscalidade tributária. Dessa forma, a

graduação das alíquotas de acordo com o impacto ambiental do produto seria uma

técnica extrafiscal de concretizar um dos princípios gerais da ordem econômica, o de

proteção ambiental.

Por todo o exposto, parece viável o estabelecimento de alíquotas

seletivas de ICMS, levando em conta, para os produtos não essenciais, o impacto

ambiental. Isso porque a essencialidade de um produto deve ser definida de acordo

com os princípios fundamentais estabelecidos pelo legislador constituinte para

conduzir a ordem econômica, na medida em que o ICMS seletivo tem a função

extrafiscal de induzir o comportamento dos contribuintes. E, conforme exposto, a

proteção ao meio ambiente é um princípio fundamental da ordem econômica.

Conclusões

Diante do exposto, chega-se às seguintes conclusões articuladas:

os tributos ambientais são instrumentos para o exercício da extrafiscalidade

tributária, servindo de complemento às técnicas clássicas de proteção do meio

ambiente – chamadas de comando-e-controle;

31 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 220.

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os tributos ambientais podem ser definidos em sentido estrito, englobando

exclusivamente a majoração da carga tributária sobre produtos prejudiciais ao meio

ambiente, ou em sentido amplo, englobando também os incentivos fiscais;

há uma Proposta de Emenda à Constituição, que sugere uma “reforma

tributária ambiental”, mas esta não propõe a adequação do ICMS à tributação

ambiental;

a experiência dos Estados na tributação ambiental está limitada ao

estabelecimento do ICMS Ecológico, que é instrumento de direito financeiro, e não

de direito tributário; e

é possível a formulação de ICMS seletivo, de acordo com o impacto ambiental

da mercadoria, na medida em que essa seletividade atenderia aos princípios da

ordem econômica estabelecidos pela Constituição.

Referências bibliográficas

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