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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DEPARTAMENTO DE DIREITO A INCIDÊNCIA DO ICMS E DO ISSQN NA COMERCIALIZAÇÃO ELETRÔNICA DO SOFTWARE Orientando: Jau Schneider von Linsingen Orientador: Prof. Dr. Aires José Rover FLORIANÓPOLIS 2001

A incidência do ICMS e do ISSQN na comercialização ... · serviços através da WWW – negociação esta que vem sendo denominada de comércio eletrônico, ... A tributação

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

DEPARTAMENTO DE DIREITO

A INCIDÊNCIA DO ICMS E DO ISSQN NA COMERCIALIZAÇÃO

ELETRÔNICA DO SOFTWARE

Orientando: Jau Schneider von Linsingen

Orientador: Prof. Dr. Aires José Rover

FLORIANÓPOLIS

2001

II

JAU SCHNEIDER VON LINSINGEN

A INCIDÊNCIA DO ICMS E DO ISSQN NA COMERCIALIZAÇÃO

ELETRÔNICA DO SOFTWARE

Monografia apresentada ao Curso de

Graduação em Direito do Centro de

Ciências Jurídicas da Universidade

Federal de Santa Catarina como requisito

parcial para a obtenção do título de

Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Aires José Rover

FLORIANÓPOLIS

2001

III

Com efeito, longe de ser um “dado” objetivo, impessoal, físico, a “distância” é um produto social; sua extensão varia dependendo da velocidade com a qual pode ser vencida (e, numa economia monetária, do custo envolvido na produção dessa velocidade). Todos os outros fatores socialmente produzidos de constituição, separação e manutenção de identidades coletivas – como fronteiras estatais ou barreiras culturais – parecem, em retrospectiva, meros efeitos secundários dessa velocidade1.

Zygmunt Bauman

1 BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. p. 19.

IV

RESUMO

A rápida disseminação da World Wide Web está modificando a economia das

sociedades que têm acesso à internet. Hodiernamente já é possível a negociação de bens e

serviços através da WWW – negociação esta que vem sendo denominada de comércio

eletrônico, e que movimenta valores cada vez maiores.

O advento de novos conceitos impõe modificações no orbe jurídico, que necessita

adequar-se à nova realidade. Durante esta adaptação, é curial o estudo dos reflexos no dos

novos institutos trazidos pela internet no ordenamento jurídico.

Dentre os diversos ramos do Direito que sofrem os impactos da internet, de grande

relevância é a análise da tributação da nova economia, pois o Estado vê no comércio

eletrônico uma grande fonte de arrecadação. Em face disto, deve-se harmonizar a notória

ânsia em arrecadar do Estado com as garantias conferidas aos cidadãos em sede de Direito

Tributário.

Esta monografia tem por escopo a análise da possibilidade de incidência do ICMS e do

ISSQN sobre as operações relativas à comercialização de programas de computador

intermediadas por via de comércio eletrônico.

1

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................................3

CAPÍTULO I - INTERNET, COMÉRCIO ELETRÔNICO E SOFTWARE ..............................7

1. Internet ...............................................................................................................................7

2. Comércio eletrônico .........................................................................................................11

2.1. Espécies de comércio eletrônico: direto e indireto....................................................12

3. Software ............................................................................................................................14

3.1. Tipos de software ......................................................................................................15

3.2. Natureza jurídica do software....................................................................................16

3.3. Contratos de software ................................................................................................17

3.3.1. Contrato de encomenda ......................................................................................18

3.3.2. Contrato de cessão..............................................................................................19

3.3.3. Contrato de licença de uso..................................................................................20

CAPÍTULO II - CONCEITOS DE DIREITO TRIBUTÁRIO ................................................22

1. Princípio constitucional da legalidade tributária ..............................................................22

1.1. Princípio da estrita legalidade tributária....................................................................24

2. Tributo ..............................................................................................................................27

3. Obrigação Tributária ........................................................................................................28

3.1. Obrigação tributária e fato gerador............................................................................29

4. A expressão “fato gerador” e suas duas acepções ............................................................30

5. Norma tributária ...............................................................................................................31

5.1. Hipótese de incidência da norma tributária ...............................................................32

5.2. Conseqüência da norma tributária .............................................................................33

6. Interpretação e Integração ................................................................................................35

6.1. Analogia ....................................................................................................................37

6.2. Princípios gerais de direito privado ...........................................................................38

7. Incidência e não-incidência ..............................................................................................39

2

CAPÍTULO III - A INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA NAS OPERAÇÕES RELATIVAS À

TRANSMISSÃO DE SOFTWARE PELA INTERNET ............................................................41

1. ICMS ................................................................................................................................41

1.1. Aspecto material da hipótese de incidência do ICMS...............................................42

1.2. Aspecto espacial da hipótese de incidência do ICMS ...............................................43

1.3. Aspecto temporal da hipótese de incidência do ICMS..............................................44

1.4. Aspecto pessoal da hipótese de incidência do ICMS ................................................45

2. ISSQN...............................................................................................................................47

2.1. Aspecto material da hipótese de incidência do ISSQN .............................................47

2.2. Aspecto espacial da hipótese de incidência do ISSQN .............................................49

2.3. Aspecto temporal da hipótese de incidência do ISSQN............................................49

2.4. Aspecto pessoal da hipótese de incidência do ISSQN ..............................................50

3. Os impostos e o software..................................................................................................50

3.1. O imposto do software “de base” ..............................................................................51

3.2. O imposto do software aplicativo..............................................................................52

3.2.1. Software por encomenda (à medida do cliente)..................................................52

3.2.2. Software adaptado ao cliente (customized).........................................................54

3.2.3. Software standard (padrão ou de prateleira) ......................................................54

4. Os impostos e a internet ...................................................................................................60

4.1. A tributação do software no comércio eletrônico indireto ........................................62

4.2. A tributação do software no comércio eletrônico direto ...........................................64

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................67

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................................................71

3

INTRODUÇÃO

A internet está operando uma série de mudanças no mundo fático. A Terceira

Revolução Industrial, protagonizada pela informática – especialmente pela internet –, está

provocando mudanças na economia, na sociedade e na política2. Conseqüentemente, torna-se

patente a necessidade de readequação dos postulados jurídicos a essa nova realidade. O

Direito Tributário, assim como as demais áreas do conhecimento jurídico, necessita adequar-

se às modificações impostas pela internet.

Dentre as modificações observadas, vislumbra-se uma revolução na economia. A

transição do capitalismo tradicional, centrado na circulação de bens materiais, para um novo

capitalismo, onde a informação e o conhecimento tornaram-se a moeda de maior valor, vem

operando mudanças drásticas no setor econômico.

Neste sentido, Gustavo Testa Corrêa observa que

a tecnologia da informação tem sido responsável pela crescente expansão de uma nova “fórmula econômica”, que vem excedendo em números a tradicional indústria de manufatura de bens em diversos países. Junto com o setor de serviços, a indústria virtual cresce na medida em que outros setores retraem ou estagnam3.

Atividades já consolidadas na sociedade, como a compra e venda de produtos, vêem-

se revestidas de uma nova conotação quando intermediadas por meios eletrônicos, em

especial pela internet. Neste contexto, discute-se hoje, no âmbito tributário, a possibilidade de

cobrança de impostos nas transações que envolvam a transmissão on-line de software.

As questões tributárias conexas à internet de maior relevância são aquelas oriundas do

e-commerce, ou comércio eletrônico. São nas relações jurídicas surgidas do intercâmbio

comercial de bens incorpóreos que surgem os maiores problemas de adequação das leis

tributárias à nova realidade trazida pela internet:

2 OLIVO, Luis Carlos Cancellier de. Aspectos jurídicos do comércio eletrônico. In: ROVER, Aires José (Org.). Direito, Sociedade e Informática: limites e perspectivas da vida digital. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2000. p. 59. 3 CORRÊA, Gustavo Testa. Aspectos Jurídicos da Internet. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 38.

4

algumas transações de comércio eletrônico não oferecem maiores dificuldades, tendo em vista que não existe nenhuma norma específica tributária aplicável somente pelo fato de a transação ter sido realizada pela Internet. Entretanto, em outras transações de comércio eletrônico envolvendo o comércio de bens incorpóreos e/ou meios eletrônicos para a liquidação da transação (como por exemplo, a de download de software com pagamento através de cartão de crédito) a aplicação dos correntes conceitos e definições se torna muito difícil4.

Diversas operações intermediadas pela internet não se chocam com a atual sistemática

tributária, por serem, em seu âmago, semelhantes às operações correntes nos sistemas

tradicionais. Assim, a compra de um bem corpóreo através de um site, não elide a aplicação

das leis tributárias vigentes, pois esta transação pode operar-se através do correio, do telefone,

fax, etc. São as transações ocorridas em meio exclusivamente eletrônico, com o intercâmbio

de bens incorpóreos, que merecem estudo, pois o sistema tributário atual foi concebido e

opera nos moldes de uma economia baseada na troca e circulação de bens corpóreos, o que

torna a sua aplicação se não impossível, ao menos muito difícil aos bens intangíveis

circulantes em meio virtual, transacionados através do e-commerce5.

A função precípua do tributo é a de arrecadar subsídios pecuniários para o Estado, que

redireciona este manancial financeiro para a consecução das suas finalidades, que visam o

interesse público. O tributo figura, pois, como uma troca: o contribuinte recolhe seus tributos,

e em contrapartida o Estado fornece segurança, saúde, educação, etc.

Ocorre que a nova economia vem movimentando valores cada vez mais expressivos,

fato que não passa desapercebido pelo Estado, que procura de todas as formas aumentar sua

arrecadação pecuniária. Assim, é visível o esforço estatal no sentido de tributar as operações

ocorridas em sede de comércio eletrônico, e em especial através da internet. Mas observa-se

que neste campo o Fisco, em alguns casos, vem desrespeitando princípios tributários, até

porque a internet trouxe situações novas, que causam perplexidade ao aplicador do Direito

Tributário. Portanto, faz-se necessária a correta observância da sistemática tributária vigente,

para que não se cometam desvarios tributários, prejudicando os contribuintes e atentando

contra o Estado Democrático de Direito.

4 NUNES, Esther Donio Bellegarde, GROTTI, Franco Musetti.Comércio eletrônico: onde estamos? Disponível em: <http://www.pinheironeto.com.br/anexo-bi-1603.htm>. Acesso em: 22 jun. 2000. 5 LUNA FILHO, Eury Pereira. Internet no Brasil e o Direito no Ciberespaço. Jus Navigandi. Disponível em: <http://www.jus.com.br/doutrina/netbrasil.html>. Acesso em: 13 jul. 2000.

5

A salvaguarda dos contribuintes relativamente à tributação desmesurada por parte do

Estado se dá principalmente pela aplicação do princípio de estrita legalidade tributária, o qual

preconiza que o Estado “somente poderá instituir tributos, isto é, descrever a regra-matriz de

incidência, ou aumentar os existentes, majorando a base de cálculo ou a alíquota, mediante

expedição de lei”6.

Desta forma, é necessária uma análise mais profunda da legislação tributária,

relativamente às operações ocorridas em sede de internet, para verificar-se a possibilidade de

incidência tributária nestas situações. Não ocorrendo explicitação legal para dada situação

fática, não há que se falar em imposição tributária, por expressa vedação legal. Como

salientam Hugo de Brito Machado e Hugo de Brito Machado Segundo, “(...) não é admissível

a utilização de interpretações extensivas para fazer incidir a norma tributária sobre operações

anteriormente não tributadas. Tal procedimento é evidentemente contrário a todos os

princípios de direito tributário”7.

Esta monografia procura analisar a aplicação da sistemática tributária vigente – mais

precisamente a incidência do ICMS e do ISSQN – às operações relativas à transmissão de

programas de computador por intermédio da internet.

Para alcançar este desiderato, estrutura-se o presente trabalho em três capítulos, assim

intitulados: Internet, Comércio Eletrônico e Software; Conceitos de Direito Tributário; e, por

derradeiro, A Incidência Tributária nas Operações Relativas à Transmissão de Software pela

Internet.

No primeiro capítulo, abordar-se-á questões relativas à informática jurídica. Assim,

internet, comércio eletrônico e software serão analisados, pois o estudo destes institutos é

imprescindível ao deslinde desta monografia, uma vez que o tema nela proposto funda-se na

aplicação do Direito Tributário ao comércio eletrônico, mais precisamente na transmissão de

software através da internet.

No segundo capítulo, estudar-se-á alguns conceitos de Direito Tributário importantes

para a correta aplicação das leis fiscais vigenpes às operações sob análise. Especial atenção

6 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário nos termos da Constituição Federal de 1988. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 98. 7 MACHADO, Hugo de Brito, MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Imunidade tributária do livro eletrônico. Jus Navigandi. Disponível em: <http://www.jus.com.br/doutrina/imunelet.html>. Acesso em 23 jun. 2000.

6

será dispensada ao estudo do princípio da legalidade, com ênfase no caráter estrito com o qual

este se manifesta em sede de Direito Tributário.

No terceiro capítulo, primeiramente analisar-se-á a hipótese de incidência do ICMS e

do ISSQN, para que se possa verificar a possibilidade de incidência destes impostos nas

operações relativas à transmissão do software. Por fim, estudar-se-á a incidência daqueles

impostos quando estas operações são intermediadas pela internet.

7

CAPÍTULO I

INTERNET, COMÉRCIO ELETRÔNICO E SOFTWARE

1. Internet

O desvario armamentista decorrente da “guerra fria”, protagonizada pelos países

capitalistas e os países socialistas, possibilitou o surgimento de um fenômeno que está

repercutindo fortemente na estrutura social e econômica mundial: a internet. Nas palavras de

Esther Dyson, a relevância da internet é patente

porque as pessoas a usam como um lugar para se comunicar, fazer negócios e compartilhar idéias, e não como uma entidade mística em si mesma. Ela é uma poderosa ferramenta para integrar economias locais na economia global e estabelecer sua presença no mundo8.

A iminência de um ataque nuclear soviético fez com que no final dos anos sessenta o

Departamento de Defesa dos Estados Unidos, mais precisamente sua Agência de Projetos

Avançados (ARPA9), encomendasse à Rand Corporation a viabilização da Arpanet, cujo

escopo era a “elaboração de um sistema de telecomunicações que garantisse que um ataque

nuclear russo não interrompesse a corrente de comando dos Estados Unidos”10. A solução se

deu através da

criação de pequenas redes locais (LAN), posicionadas nos lugares estratégicos do país e coligadas por meios de redes de telecomunicação geográfica (WAN). Na eventualidade de uma cidade vir a ser destruída por um ataque nuclear, essa rede de redes conexas – Internet, isto é, Inter Networking, literalmente, coligação entre redes locais distantes, garantiria a comunicação entre as remanescentes cidades coligadas11.

8 DYSON, Esther. Release 2.0: A nova sociedade digital. Traduzido por Sonia T. Mendes Costa. Rio de Janeiro: Campus, 1998. p. 18. Apud CORRÊA, Gustavo Testa. Questões Jurídicas Relacionadas à Internet. Monografia (Graduação). Faculdade de Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, dez. 1998. p. 14. 9 Do inglês “Advanced Research Projects Agency”. 10 PAESANI, Liliana Minardi. Direito e Internet. São Paulo: Atlas, 2000. p. 25. 11 Idem.

8

Este foi o embrião da internet como é conhecida hoje. A interconexão remota entre

redes, de cunho exclusivamente militar, passou a ser utilizada para o tráfego de mensagens

eletrônicas entre os funcionários do Departamento de Defesa norte-americana12, e a partir daí,

com o uso disponibilizado às universidades, possibilitou o desenvolvimento, em 1973, do

protocolo TCP/IP13.

Este protocolo, desenvolvido por Vinton Cerf14, viabilizou a interligação entre

diversas redes, pois estabeleceu a possibilidade de sistemas incompatíveis comunicarem-se

entre si, abrindo caminho para que a teoria desenvolvida por J. C. R. Licklider, responsável

pelo Departamento de Ciências do Comportamento da ARPA, se consolidasse. Esta teoria

aduzia

que computadores aumentariam a capacidade humana de pensar, otimizando suas aptidões de comunicação e intercâmbio de informações, como se, ocorrendo um fluxo de dados em escala macro-humana, as idéias compartilhadas pudessem resultar em uma unidade inatingível antes15.

Mas a internet começou a se tornar expressiva a partir da adoção do conceito de

hipertexto, através da World Wide Web.

O Hipertexto foi idealizado por Ted Nelson, pesquisador do MIT16, e consiste em uma

forma de interligação de informações: o usuário, ao acessar uma palavra ou um termo

destacados em um dado documento, é levado a um outro documento conexo àquela palavra ou

termo destacado.

A World Wide Web, WWW, ou simplesmente Web, é uma das formas17 de utilização

12 ALMEIDA, André Augusto Lins da Costa. A Internet e o Direito. Revista Consulex, Brasília, DF, ano 2, n. 24, dez. 1998, p. 52. 13 Protocolo de Controle da Transmissão/Protocolo Internet, do inglês “Transmission Control Protocol/Internet Protocol”. 14 Pesquisador do Departamento de Pesquisa avançada da Universidade da Califórnia. (PAESANI, Liliana Minardi. Op. Cit., p. 25). 15 LUNA FILHO, Eury Pereira. Internet no Brasil e o Direito no Ciberespaço, Cit. 16 Massachusetts Institute of Technology (Instituto Tecnológico de Massachusetts), EUA. 17 Outras formas de utilização da internet são a Usenet e o FTP (File Transference Protocol).

9

da internet, que se destacou das demais justamente por aplicar o conceito de hipertexto18,

facilitando o acesso às informações disponíveis na internet.

Criada em 1989 pelo Laboratório Europeu de Física de Altas Energias, sediado em

Genebra, Suíça, a WWW pode ser conceituada como

um conjunto de padrões e tecnologias que possibilita a navegação dentro da Internet através da utilização dos browsers, programas navegadores, que tiram todas as vantagens deste conjunto de padrões ou tecnologias através da utilização do hipertexto e suas relações com a multimídia, como som e imagem, trazendo ao usuário maior facilidade na utilização na rede e um resultado mais positivo19.

Em conjunto com a popularização dos computadores pessoais e do desenvolvimento

das telecomunicações, a WWW impulsionou um intercâmbio de informações sem precedentes,

e está reformulando os paradigmas sócio-econômicos vigentes, ampliando a mundialização da

economia e as relações interpessoais.

No Brasil, a primeira manifestação do ordenamento jurídico relativamente à internet

se deu com a publicação da Norma n. 4 do Ministério das Comunicações, aprovada pela

Portaria n. 148/95 de 31 de maio de 1995, que regula o uso dos meios da rede pública de

telecomunicações para o provimento e utilização de serviços de conexão à internet. Segundo

esta norma, a internet é o

nome genérico que designa o conjunto de redes, os meios de transmissão e comutação, roteadores, equipamentos e protocolos necessários à comunicação entre computadores, bem como o “software” e os dados contidos nestes computadores20.

Em junho de 1995, com a publicação da Nota Conjunta do Ministério das

Comunicações e o Ministério da Ciência e Tecnologia, que veio em resposta à necessidade

“de informar à Sociedade a respeito da introdução da Internet no Brasil”21, delinearam-se as

linhas de implementação da internet no Brasil.

18 Percebe-se claramente a aplicação este conceito nos hiperlinks (ou hipertext links), onde uma palavra destacada (hiperlink), uma vez acionada pelo internauta, leva-o a uma nova página da internet, com informações conexas àquele hiperlink. 19 CORRÊA, Gustavo Testa. Questões..., Cit., p. 16. 20 BRASIL. Ministério das Comunicações. Norma 004/95. Uso de meios da rede pública de telecomunicações para acesso à Internet. Aprovada pela Portaria n. 148, de 31 de maio de 1995. Disponível em: <http://www.ahand.unicamp.br/ahand/leis/disposicoes/p148.95.html>. Acesso em: 18 mai. 2001. 21 BRASIL. Ministério das Comunicações e Ministério da Ciência e Tecnologia. Nota Conjunta de Junho de 1995. Disponível em: <http://www.cg.org.br/regulamentacao/notas.htm>. Acesso em: 18 mai. 2001.

10

No primeiro tópico, intitulado “Aspectos Gerais”, a Nota Conjunta dispôs que “o

Governo considera de importância estratégica para o País tornar a Internet disponível a toda a

Sociedade, com vistas à inserção do Brasil na Era da Informação”22.

Em seguida, a Nota Conjunta definia o que é a internet:

a Internet é um conjunto de redes interligadas, de abrangência mundial. Através da Internet estão disponíveis serviços como correio eletrônico, transferência de arquivos, acesso remoto a computadores, acesso a bases de dados e diversos tipos de serviços de informação, cobrindo praticamente todas as áreas de interesse da Sociedade23.

Outra disposição importante da Nota Conjunta foi a previsão, no item 7, da criação do

Comitê Gestor Internet:

7.1 No sentido de tornar efetiva a participação da Sociedade nas decisões envolvendo a implantação, administração e uso da Internet, será constituído um Comitê Gestor Internet, que contará com a participação do MC e MCT, de entidades operadoras e gestoras de espinhas dorsais, de representantes de provedores de acesso ou de informações, de representantes de usuários, e da comunidade acadêmica. 7.2 O Comitê Gestor terá como atribuições principais: a) fomentar o desenvolvimento de serviços Internet no Brasil; b) recomendar padrões e procedimentos técnicos e operacionais para a Internet no Brasil; c) coordenar a atribuição de endereços Internet, o registro de nomes de domínios, e a interconexão de espinhas dorsais; d) coletar, organizar e disseminar informações sobre os serviços Internet24.

Hodiernamente, a internet já está amplamente disseminada no Brasil. Em número de

hosts25, o Brasil se posiciona em décimo primeiro lugar no âmbito mundial, em terceiro lugar

nas Américas – atrás somente dos Estados Unidos e Canadá – e é o primeiro colocado na

América do Sul26.

22 Idem. 23 Idem. 24 Idem. 25 “Computador ligado à Internet. Também chamado de servidor ou nó, por vezes”. (Glossário Internet. Disponível em: <http://www.mackenzie.com.br/macknet/ajuda/glossario.htm>. Acesso em: 18 mai. 2001). 26 Dados obtidos na página do Comitê Gestor Internet. Disponível em: <http://www.cg.org.br/indicadores/brasil-mundo.htm>. Acesso em: 18 mai. 2001.

11

2. Comércio eletrônico

A disseminação da internet operou uma importante mudança nas relações comerciais.

Com a crescente popularização da World Wide Web, são cada vez mais correntes os negócios

envolvendo bens e serviços efetuados por intermédio da internet.

A Web se tornou uma grande vitrine virtual, onde os mais variados produtos e serviços

são colocados à disposição dos internautas. O fato de congregar um amplo leque de potenciais

consumidores, em contínua ascensão, fez com que a internet não passasse desapercebida por

aqueles que pretendem realizar negócios:

devido ao seu grande espectro de abrangência, além de atrair usuários particulares, a Internet também vem atraindo um grande número de organizações comerciais que sabem das estimativas relativas a sua popularização, e a vêem como um grande negócio27.

Mas não são apenas as relações de consumo que vislumbram suas possibilidades se

expandirem e modificarem. Toda a nova economia está inexoravelmente atrelada aos bits:

“todas as indústrias, uma após a outra, olham-se no espelho e se perguntam sobre seu futuro;

pois bem, esse futuro será determinado em 100% pela possibilidade de seus produtos e

serviços adquirirem forma digital”28.

Citando Peter Drucker, “considerado o maior pensador contemporâneo do mundo dos

negócios”29, Marcelo de Luca Marzochi afirma que

o comércio eletrônico representa para a chamada Revolução da Informação o que a ferrovia foi para a Revolução Industrial: um avanço inesperado. E a razão disso é a eliminação da distância. Pois a concorrência se tornou global. Mesmo que uma empresa atue num mercado local ou regional necessita ter um padrão global de administração30.

No Brasil, embora ainda incipiente, o comércio efetuado pela internet já é

representativo. A “Nona Pesquisa Internet POP”, realizada em dezembro de 2000 pelo

Instituto IBOPE, constatou que “cerca de 15% dos Internautas das nove principais regiões

brasileiras fizeram compras pela Internet. Em números absolutos, isto representa quase um

milhão de compradores online”31.

27 CORRÊA, Gustavo Testa. Questões..., Cit., p. 12. 28 NEGROPONTE, Nicholas. A Vida Digital. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 18. 29 OLIVO, Luis Carlos Cancellier de. Op. Cit., p. 59. 30 MARZOCHI, Marcelo de Luca. Direito.br: aspectos jurídicos da internet no Brasil. São Paulo: Ltr, 2000. p. 45. 31 IBOPE. 9ª Pesquisa Internet POP. Disponível em: <http://www.ibope.com.br/digital/produtos/internetpop/index_analise.htm>. Acesso em: 16 mai. 2001.

12

Diante da incontestável importância que assume esta forma de comércio, o orbe

jurídico já se manifesta. Cabal constatação desta afirmativa se encontra nos projetos de lei que

se encontram em tramitação no Senado Federal e na Câmara de Deputados. No Senado32, o

projeto de lei n° 672/99, de 13 de dezembro de 1999, que de acordo com a ementa “dispõe

sobre o comércio eletrônico”; na Câmara33, o projeto de lei n. 1.483/99, que institui a fatura

eletrônica e assinatura digital nas transações de comércio eletrônico, e o projeto de lei n.

1.589/99, que dispõe sobre o comercio eletrônico, a validade jurídica do documento eletrônico

e a assinatura digital.

2.1. Espécies de comércio eletrônico: direto e indireto

Cumpre então, diante da expressiva relevância ao Direito, delimitar o que seja

comércio eletrônico. De acordo com Augusto Tavares Rosa Marcacini, a expressão “comércio

eletrônico” tem significado jurídico vago, e “tem sido utilizada para denominar todo o tipo de

contratação realizada por intermédio de computadores, nem sempre atividades tipicamente

comerciais, mas também abrangendo a prestação de serviços”34. Explicitando melhor o

conceito, Luis Carlos Cancellier de Olivo, citando Alexandre Libório Dias Pereira, diz que o

comércio eletrônico

traduz-se na negociação realizada por via eletrônica, através do processamento e transmissão eletrônicos de dados, incluindo texto, som e imagens. Entre tais negociações destacam-se as de bens e serviços, a entrega em linha de conteúdo multimídia, as transferências financeiras eletrônicas, o comércio eletrônico de ações, conhecimento de embarque eletrônico, leilões comerciais, concepção e engenharia em cooperação, contratos públicos, comercialização direta ao consumidor e serviços pós-vendas35.

Este mesmo autor realiza importante distinção, classificando o comércio eletrônico em

indireto e direto. O primeiro é “a encomenda eletrônica de bens, que devem ser entregues

fisicamente por meio de canais tradicionais, como os serviços postais ou de serviços privados

de correio expresso”36. Ou seja, é uma nova versão – com todas as melhorias que a tecnologia

32 BRASIL. Senado Federal. Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em: 17 mai. 2001. 33 BRASIL. Câmara dos Deputados. Disponível em <http://www.camara.gov.br>. Acesso em: 17 mai. 2001. 34 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Notas sobre o Projeto de Lei de Comércio Eletrônico, Documento Eletrônico e Assinatura Digital. Farol Jurídico. Disponível em: <http://www.faroljuridico.com.br/art-notasdigital.htm>. Acesso em: 22 jun. 2000. 35 OLIVO, Luis Carlos Cancellier de. Op. Cit., p. 61. 36 Idem.

13

permite – de formas consagradas de comércio à distância, como por exemplo, a tradicional

compra por catálogos.

Já o comércio eletrônico direto “consiste na encomenda, pagamento e entrega direta

(em linha) de bens incorpóreos e serviços, como programas de computador, conteúdo de

diversão ou serviços de informação”37.

O comércio eletrônico indireto guarda grande identidade com a mercancia

“tradicional”: a internet serve como um novo veículo para a realização do velho comércio.

Mas quando se analisa o comércio eletrônico direto, constatam-se implicações jurídicas

inéditas:

por exemplo, contratos ultimando a transferência de “bens” imateriais não são equivalentes aos que ultimam a transação de bens materiais. Contratos relativos a informações digitais dão ênfase a situações que criam relações jurídicas diversas dos contratos habituais. Estes últimos orientam-se pela materialidade do objeto, pela sua tangibilidade, enquanto os primeiros se orientam pela intangibilidade do bem em questão, pela sua imaterialidade. Para entendermos tais preceitos devemos ter em mente que softwares, bases de dados, sistemas de inteligência artificial e outras formas de informação computadorizada são governadas por leis de propriedade intelectual, direitos autorais e, mas especificamente, Lei do Software. É aí que surge o grande problema do comércio eletrônico, conciliar o comércio de bens materiais e imateriais dentro de um meio intangível38.

É justamente no campo do comércio eletrônico direto que existem repercussões

jurídicas que merecem uma análise mais aprofundada. O Direito Comercial vigente, cuja

espinha dorsal legislativa é constituída pelo vetusto Código Comercial de 1850,

complementado por farta legislação esparsa, já não se mostra compatível com as novas

formas de circulação de riquezas.

As relações comerciais que têm por objeto “transações ocorridas em meio

exclusivamente eletrônico, com o intercâmbio de bens incorpóreos”39, são as que demandam

maiores incertezas jurídicas. Como salienta Gustavo Testa Corrêa,

a economia está mudando. As transações de bens materiais continuam importantes, mas as transações de bens intangíveis, em um meio dessa

37 Idem. 38 CORRÊA, Gustavo Testa. Aspectos..., Cit., p. 39. 39 von LINSINGEN, Jau Schneider. Tributação na internet: considerações e possibilidades acerca da tributabilidade das operações envolvendo bens intangíveis. Caderno de Temas Jurídicos da Revista da OAB/SC. Florianópolis, n. 102, jan.-fev. 2001, p. 8.

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mesma natureza, são os elementos centrais da dinamicidade comercial contemporânea, do comércio eletrônico40.

Ao tema aqui proposto, é importante ressalvar a inaplicabilidade de conceitos de

Direito Comercial a um determinado tipo de bem incorpóreo, qual seja, o software. Produto

da nova economia, o programa de computador merece uma explanação mais acurada, em face

da proteção específica a ele conferida.

3. Software

Para definir software mister analisar o que é hardware. Hardware “é a máquina que

realiza as operações, um corpo físico onde operam os programas”41. É o computador, tangível

e concreto. Mas o hardware não tem nenhuma utilidade se dissociado do software, pois é este

que faz com que a máquina execute as funções desejadas: “o hardware constitui-se a

máquina, o instrumento através do qual se tem acesso à informação, e esta informação só

pode chegar até o usuário através do software”42.

O software possibilita “a comunicação do usuário com a máquina e que determine a

ela os procedimentos que esta deve realizar para chegar ao resultado almejado pelo usuário”43.

Ou seja, o software estabelece uma comunicação inteligível da máquina com o ser humano,

além de ser um complexo de informações e comandos que fazem com que o hardware

execute as funções às quais se destina. É um “tradutor” entre a linguagem humana e a

linguagem da máquina44, além de ser uma ferramenta que faz o hardware executar tarefas

específicas, pretendidas pelo usuário.

40 CORRÊA, Gustavo Testa. Aspectos..., Cit., p 38. 41 LUPI, André Lipp Pinto Basto. Proteção jurídica dos direitos de propriedade intelectual sobre softwares: eficácia e adequação. Monografia (Graduação). Faculdade de Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, nov. 1997. p. 8. 42 SANTOS, Maria Cecília de Andrade. Contratos informáticos: breve estudo. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 762, abr. 1999. p. 49. 43 Idem. 44 “O programa de computador é um conjunto de dados e instruções que são dirigidos à máquina computadora e por ela executados se transmitidos em linguagem de baixo nível, que é a linguagem de máquina. As linguagens são de alto ou de baixo nível de acordo com a sua proximidade à linguagem humana, sendo de alto nível as mais próximas e de baixo nível as mais distantes da linguagem do homem” (LUPI, André Lipp Pinto Basto. Op. Cit., p. 8).

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O termo software é utilizado como sinônimo de programa de computador45. A lei

9.609/98, em seu art. 1º, parágrafo único, estabelece o conceito legal de programa de

computador, além de definir o que é hardware:

programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento de informações, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou similar, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.

3.1. Tipos de software

Existem as mais variadas espécies de software: para processar textos, para realizar

cálculos, para gerenciar escritórios, enfim, incontáveis programas de computador que atendem

os anseios de uma larga gama de usuários. Um aspecto, contudo, é imutável: qualquer que

seja o software, ele será “um conjunto ordenado de instruções para a máquina, que faz com

que ela execute determinadas tarefas para se chegar a um resultado qualquer desejado pelo

usuário”46.

Com o fito de sistematização, pode-se fazer dois tipos de classificação a respeito do

software. Uma leva em consideração a sua função, e outra o seu grau de padronização47 (ou

“standardização”).

Quando se considera um software de acordo com sua função, ele pode ser de base ou

aplicativo. “O programa de base é aquele que está relacionado com o funcionamento do

hardware. É fundamental a sua existência na máquina, sem a qual o hardware não irá

funcionar”48. Já o programa aplicativo é aquele que executa uma função específica, pretendida

pelo usuário.

45 Mas o software, de acordo com o Projeto de Lei-Tipo da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), é composto de três elementos, quais sejam, o programa de computador, a descrição deste programa e o material de apoio. Criado em 1978, este Projeto de Lei-Tipo não foi adotado por nenhum país, mas, além de trazer ao mundo jurídico conceitos conexos ao tema, é um marco histórico, pois trouxe a lume a “necessidade de proteção do software pelo ordenamento jurídico”. (LUPI, André Lipp Pinto Basto. Op. Cit., p. 18). 46 OLIVEIRA, André da Silva de. A Tributação do Programa de Computador: ICMS ou ISS? Monografia (Graduação). Faculdade de Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, jun. 2000. p. 48. 47 Idem, p. 50. 48 Idem.

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Segundo Rui Saavedra, os softwares são subdivididos em três categorias quanto ao seu

grau de padronização: “standard”, “por encomenda” e “adaptados ao cliente” 49.

De acordo com este autor, os programas de computador standard (também

denominados de “padrão”, “de prateleira”, canned software, ou ainda off the shelf)

constituem, em regra, pacotes (packages) de programas bem definidos, estáveis, concebidos para serem dirigidos a uma pluralidade de utilizadores – e não a um utilizador em particular –, com vista a uma mesma aplicação ou função. (...) São programas fabricados em massa e, como são vocacionados a um vasto público, são até comercializados nos hipermercados – daí que também se fale aqui de software off the shelf50.

Já os programas de computador por encomenda (ou “à medida do cliente”) são

‘programas aplicacionais’, que geralmente não se mantém estáveis e acabados como os ‘programas standard’; pelo contrário, são continuamente adaptados, corrigidos e melhorados para responder aos requisitos internos e externos das empresas51.

Por sua vez, os programas de computador adaptados ao cliente (ou customized)

constituem uma forma híbrida entre os programas standard e os programas à medida do cliente. Baseiam-se em programas standard que são modificados para se adequarem às necessidades de um cliente particular (customization). Essa adaptação pode ser realizada tanto pelo fornecedor do programa como pelo próprio utilizador52.

3.2. Natureza jurídica do software

Tarcisio Queiroz Cerqueira aduz que “o software tornou-se uma entidade definida e

relevante, do ponto de vista jurídico-legal”53. Pode-se dizer que software é bem móvel,

intangível e com características de obra intelectual.

O programa de computador está sujeito ao mesmo regime de proteção dado aos

49 Apud BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Recurso Extraordinário n. RE-176626-3-SP. Recorrente: Estado de São Paulo. Recorrido: Munps Processamento de Dados Ltda. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. 1ª Turma. Julgado em 10 de novembro de 1998. Publicado no DJU de 11 de dezembro de 1998. fls. 318. 50 SAAVEDRA, Rui. A proteção jurídica do software e a Internet. Lisboa: Don Quixote, 1998. p. 29. Apud BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Recurso Extraordinário n. RE-176626-3-SP. Cit., fls. 318. 51 SAAVEDRA, Rui. Op. Cit., pp. 29-30. Apud BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Recurso Extraordinário n. RE-176626-3-SP. Cit., fls. 319. 52 Idem. 53 CERQUEIRA, Tarcisio Queiroz. Software e a Regulamentação: aspectos jurídico-legais acerca do software. Disponível em: <http://www.nts.com.br/tarcisio/artigos/software_e_a_regulamentacao.htm>. Acesso em: 23 jun. 2000.

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direitos autorais e conexos54. A Lei dos Direitos Autorais (n. 9.610/98), em seu art. 7º, inciso

XII, elenca o programa de computador no rol das obras intelectuais protegidas.

A Lei do Software (n. 9.609/98), reafirma a característica de propriedade intelectual

que tem o programa de computador, ressalvando, nos parágrafos do art. 2º, as peculiaridades

da proteção conferida. Esta proteção difere daquela dada às obras intelectuais agasalhadas

pela Lei dos Direitos Autorais, basicamente por adequar às características dos programas de

computador a tutela dada aos direitos morais e patrimoniais da obra intelectual.

Maria Cecília de Andrade Santos assim define estes direitos:

O direito de propriedade constitui o próprio direito patrimonial do autor de exploração econômica da obra, in casu, do programa de computador, com os poderes de utilizar, fruir e dispor da obra, através das modalidades de reprodução, edição, adaptação e distribuição. São direitos pela sua própria natureza, disponíveis. Os direitos de personalidade, ou os direitos morais do autor, estão relacionados aos poderes de reivindicar a autoria de sua obra e assegurar a sua integridade, com o intuito exclusivo de garantir a sua reputação e honra por qualquer ato de terceiro que possa vir a perturbá-las. São direitos relativos diretamente à pessoa do autor, e, por isso mesmo, inalienáveis e irrenunciáveis, havendo inclusive ressalva legal expressa neste sentido55.

Sobressai ao objetivo deste trabalho as peculiaridades do regime de proteção dos

direitos patrimoniais do autor do programa de computador, e os reflexos destas características

na exploração econômica do software. Para melhor tratar destes reflexos, insta traçar algumas

considerações sobre os contratos de programas de computador.

3.3. Contratos de software

Os contratos que têm por objeto o programa de computador revestem-se de algumas

particularidades. Por se tratar de bem protegido por legislação própria, com característica de

obra intelectual, o programa de computador sofre algumas restrições quanto à sua

comercialização.

Para melhor compreender tais restrições, forçosa é a análise dos contratos relativos aos

54 E não poderia ser de outra forma, pois “visto que a lei específica visa tão somente adaptar o sistema autoral à realidade dos programas de computador, a descrição terá por fundamento obrigatório também a lei dos direitos autorais (...), pois é sob a égide destes direitos que está construído o regime jurídico do software no Brasil” (LUPI, André Lipp Pinto Basto. Op. Cit., p. 19). 55 SANTOS, Maria Cecília de Andrade. Op. Cit., p. 55.

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softwares. Existem três tipos de contratos possíveis de serem efetuados em se tratando de

programas de computador: contrato de encomenda, contrato de cessão e contrato de licença de

uso.

3.3.1. Contrato de encomenda

Como já visto anteriormente, uma das espécies de programas de computador é o

programa de computador por encomenda ou “à medida do cliente”.

Para resolver dada necessidade, alguém procura outrem especializado em criar

softwares para satisfazer este desiderato. A partir deste contato, é acertado o desenvolvimento

de um programa de computador específico àquele problema apresentado. O resultado deste

acerto é o programa de computador por encomenda ou “à medida do cliente”.

Destarte, pode-se definir o contrato de encomenda de programa de computador como

“aquele por meio do qual uma empresa, ou pessoa interessada, solicita a outra pessoa (pessoa

ou empresa criadora, ou softhouse) determinado programa de computador, para fins próprios

e certos”56.

O art. 4º da Lei do Software dispõe que

salvo estipulação em contrário, pertencerão exclusivamente ao empregador, contratante de serviços ou órgão público, os direitos relativos ao programa de computador, desenvolvido e elaborado durante a vigência de contrato ou de vínculo estatutário, expressamente destinado à pesquisa e desenvolvimento, ou em que a atividade do empregado, contratado de serviço ou servidor seja prevista, ou ainda, que decorra da própria natureza dos encargos concernentes a esses vínculos.

Assim, pela leitura deste dispositivo legal, nos contratos de encomenda de programa

de computador o contratante é o titular dos direitos relativos ao software, sendo conferida a

ele a proteção prevista pela Lei n. 9.609/98, salvo estipulação contratual em contrário.

Não obstante, Maria Cecília de Andrade Santos observa que usualmente há estipulação

contratual para que a titularidade do programa de computador fique com a parte contratada:

o que se verifica na prática é que dificilmente há transmissão da titularidade do programa e a entrega do código fonte, e, quando isto ocorre, geralmente o preço aumenta ou dobra, havendo inclusive ignorância dos próprios adquirentes quanto à existência de tais direitos e do valor decorrente do potencial de exploração econômica. A prática

56 BITTAR, Carlos Alberto. Os Contratos de Comercialização de “Software”. In: BITTAR, Carlos Alberto (Coord.). Novos Contratos Empresariais. São Paulo: RT, 1990. p. 44.

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tem demonstrado que as partes limitam-se a celebrar um contrato de licença de utilização, e, dependendo do interesse, decidem se será temporário ou perpétuo57.

Assim, o contrato de encomenda resta por ser cindindo em duas etapas: uma composta

pelo contrato de encomenda propriamente dito, com reserva de titularidade à parte contratada;

e outra consistente em um contrato de licença de uso, até porque esta é a única forma admitida

em lei para o uso de programa de computador, como será visto mais adiante.

3.3.2. Contrato de cessão

A Lei do Software não prevê a cessão dos direitos do autor, mas em contrapartida não

veda esta possibilidade. Logo, é aplicável a Lei dos Direitos Autorais no que concerne à

cessão da titularidade dos programas de computador, em virtude do art. 2º da Lei do

Software58.

O art. 50 da Lei dos Direitos Autorais dispõe que a cessão de direitos autorais deve

sempre ser onerosa e realizada por escrito, dentre outras limitações, previstas nos incisos do

art. 4959 da lei em epígrafe.

Embora o contrato de cessão se aproxime do contrato de compra e venda, com ele não

se confunde, pois enquanto na compra e venda “ocorre a transferência da titularidade de uma

mercadoria em caráter perpétuo, na cessão há a transferência de direitos, em regra, a título

temporário”60. Ademais, os direitos morais do autor do programa de computador, embora

limitados, não são transferidos pela cessão. É um direito indisponível, e como tal não pode ser

vendido, comercializado.

57 SANTOS, Maria Cecília de Andrade. Op. Cit., p. 58. 58 “Art. 2º. O regime de proteção a propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.” 59 “Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito, obedecidas as seguintes limitações: I - a transmissão total compreende todos os direitos de autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei; II - somente se admitirá transmissão total e definitiva dos direitos mediante estipulação contratual escrita; III - na hipótese de não haver estipulação contratual escrita, o prazo máximo será de cinco anos; IV - a cessão será válida unicamente para o País em que se firmou o contrato, salvo estipulação em contrário; V -a cessão só se operará para modalidades de utilização já existentes à data do contrato; VI - não havendo especificações quanto à modalidade de utilização, o contrato será interpretado restritivamente, entendendo-se como limitada apenas a uma que seja aquela indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato.” 60 OLIVEIRA, André da Silva de. A Tributação do Programa de Computador: ICMS ou ISS? Cit., p. 83.

20

Assim, a única forma de transferir a titularidade de um programa de computador, com

as ressalvas já referidas, é através do contrato de cessão.

3.3.3. Contrato de licença de uso

Alexandre Libório Dias Pereira apresenta duas espécies de licenciamento: as relativas

à produção e distribuição e as de utilização. A primeira consiste no

contrato pelo qual o titular dos direitos concede a outrem, em certos termos, autorização para, durante um determinado período de tempo, e, mediante retribuição, produzir e comercializar, por conta própria, um determinado número de cópias de um programa de computador61.

Já a licença de utilização é o contrato de programa de computador típico, e é o

licenciamento previsto no art. 9º da Lei do Software, que dispõe taxativamente: “o uso de

programa de computador no País será objeto de contrato de licença”.

Esta forma de licenciamento pode ser definida como

um ato ‘inter vivos’, oneroso ou gratuito, pelo qual uma pessoa, o licenciante ou cedente, transfere a outrem, o licenciado ou cessionário, o crédito ou direito de uso de que é titular acerca de um bem fungível, de caráter intelectual ou imaterial. Recebe, como pagamento pelos direitos de autor, uma remuneração denominada “royalties”62.

A característica precípua do contrato de licença de uso é que esta forma contratual

“autoriza o consumidor a utilizar o programa, sem contudo transferir a ele a propriedade”63.

O programa de computador standard, ou padrão, é objeto por excelência do contrato

de licença de uso, somando-se a este a maioria dos programas por encomenda, cuja

titularidade fica com a parte contratada, licenciando-se o uso para a parte contratante.

Assim, o grande contingente de contratos efetuados em sede de programas de

computador é o de licenciamento. Os contratos de cessão e os de encomenda (quando

“puros”) são parcos. Não obstante a possibilidade destes contratos, a única forma de

comercialização do software é o contrato de licença de uso:

61 PEREIRA, Alexandre Libório Dias. Contratos de Software. Textos de apoio ao Curso de Direito da Comunicação no ano letivo de 1995/1996, Instituto Jurídico da Comunicação, Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, 1997. p. 136. Apud SANTOS, Maria Cecília de Andrade. Op. Cit., p. 56. 62 CERQUEIRA, Tarcisio Queiroz. Licença de Uso e Locação de Software: a fungibilidade do programa de computador. Disponível em: <http://www.nts.com.br/tarcisio/artigos/licenca_uso.htm>. Acesso em: 23 jun. 2000. 63 OLIVEIRA, André da Silva de. A tributação do programa de computador padronizado In: ROVER, Aires José (Org.). Direito, Sociedade e Informática: limites e perspectivas da vida digital. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2000. p. 163.

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a lei 9.609/98 estabelece, de forma inconfundível, em seus arts. 7º e 9º, que os programas de computador devem ser comercializados através de contratos de licença de uso. Não dispõe a lei de forma diferente, não admite expressamente qualquer outra alternativa de modalidade de comercialização64.

Deve-se entender comercialização como a maneira pela qual o titular do programa de

computador aufere benefícios econômicos de sua criação. O programa de computador, em si,

só cumpre sua destinação quando efetivamente utilizado, e é de sua utilização que o titular da

propriedade intelectual irá se beneficiar economicamente. Como o uso do software é adstrito

ao licenciamento, em se tratando de comercialização de software, a forma contratual possível

é a licença de uso, conforme determina o art. 9º da Lei do Software.

Em virtude disto, nunca ocorre venda – considerada em sua acepção técnica – de

programas de computador para o usuário final. A venda implica em transferência de

propriedade65, o que não ocorre no licenciamento. Esta constatação é de cabal importância ao

estudo da incidência tributária no âmbito das transações envolvendo programas de

computador.

64 CERQUEIRA, Tarcisio Queiroz. Não há fundamentação legal para a tributação de operações com programas de computador. In: ROVER, Aires José (Org.). Direito, Sociedade e Informática: limites e perspectivas da vida digital. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2000. p. 155. 65 Como já observado, a transferência de propriedade só se dá na cessão e na encomenda (quando não há disposição contratual reservando a titularidade para o criador do software). Mesmo assim, a transferência não é plena, pois ficam salvaguardados ao criador do programa de computador os direitos morais previstos pela Lei do Software em seu art. 2º.

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CAPÍTULO II

CONCEITOS DE DIREITO TRIBUTÁRIO

1. Princípio constitucional da legalidade tributária

O ordenamento jurídico é composto de várias normas, compostas hierarquicamente.

Sucessivamente, uma norma busca seu fundamento de validade em outra norma

imediatamente superior. Nas palavras de Hans Kelsen, as normas de uma ordem jurídica estão

dispostas em “uma construção escalonada de normas supra-infra-ordenadas umas às outras”66.

Galgando-se o escadório hierárquico, chega-se à norma fundamental, que confere o

fundamento de validade a todas as demais. Em um Estado de Direito, como o nosso, a norma

fundamental se materializa na Constituição, que “encarna a soberania do Estado que a

editou”67, porquanto as normas constitucionais integram o cume da pirâmide jurídica.

Dentro do ordenamento jurídico, encontramos normas que ocupam posição destacada:

os princípios. Roque Antonio Carrazza define princípio jurídico como

um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam68.

Os princípios exsurgem em diversas esferas do ordenamento jurídico, destacando-se

entre eles os princípios constitucionais, por integrarem o ático do edifício jurídico. Assim,

como os princípios informam e dirigem a urdidura jurídica, indubitável a proeminência dos

princípios constitucionais sobre todo o orbe jurídico.

Vários princípios constitucionais regem o Direito Tributário,

66 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. pp. 213-214. 67 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 28. 68 Idem. pp. 31-32.

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visando à preservação do regime político adotado, à saúde da economia, o respeito aos direitos fundamentais e à proteção de valores espirituais. Esses princípios expressos, juntamente com os implícitos, que decorrem dos primeiros, do regime federativo e dos direitos e garantias fundamentais, constituem o escudo de proteção dos contribuintes, atuando como freios que limitam o poder de tributação do Estado69.

São princípios que limitam o poder de tributar, e dentre eles, destaca-se o princípio da

legalidade, pois, como bem observa Sacha Calmon Navarro Coêlho,

Estado de Direito e legalidade na tributação são termos equivalentes. Onde houver Estado de Direito haverá respeito ao princípio da reserva de lei em matéria tributária. Onde prevalecer o arbítrio tributário certamente inexistirá Estado de Direito. E, pois, liberdade e segurança tampouco existirão70.

A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), em seu art. 5º, inciso II,

prescreve que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em

virtude de lei”. É o princípio da legalidade, do qual decorre logicamente o princípio da

legalidade tributária, que nem necessitaria ser explícito no texto constitucional, haja vista a

própria natureza dos tributos, que demandam total delimitação de sua atuação.

No entanto, o legislador constituinte preocupou-se em proteger o contribuinte da sanha

arrecadatória estatal, instituindo expressamente o princípio da legalidade tributária, exarado

no art. 150, I da CRFB71. Este dispositivo assegura que nenhum tributo poderá ser criado ou

majorado sem lei que o estabeleça, resguardando o contribuinte de uma possível tributação

desmedida por parte do Executivo.

Destarte, para a instituição ou incremento de tributos, há a imperiosa necessidade do

trâmite legislativo, graças à competência privativa do Poder Legislativo nesta seara. Tal

competência, segundo Aliomar Baleeiro, decorre do fato de que o princípio da legalidade

tributária

prende-se à própria razão de ser dos Parlamentos, desde a penosa e longa luta das Câmaras inglesas para efetividade da aspiração contida na fórmula “no taxation without representation”, enfim, o direito de os contribuintes consentirem - e só eles - pelo voto de seus

69 HARADA, Kyoshi. Direito Financeiro e Tributário. São Paulo: Atlas, 1995. p. 172. 70 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 194. 71 “Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.

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representantes eleitos, na decretação ou majoração dos tributos. As constituições, desde a independência americana e a Revolução Francesa, o trazem expresso, firmando a regra secular de que o tributo só se pode decretar em lei, como ato da competência privativa dos Parlamentos72.

No mesmo diapasão, entende Roque Antonio Carrazza que a competência exclusiva

do Legislativo para criar ou majorar tributos consagra a idéia de auto-tributação, que se

manifesta “a) no consentimento dos representantes das pessoas que devem suportar os

tributos; e b) na estrita vinculação à lei, seja do lançamento, seja da cobrança das exações”73.

Assim, o tributo reveste-se de legitimidade, pois em última análise aqueles que recolhem os

tributos autorizaram sua cobrança. Ademais, a estrita vinculação à lei confere segurança

jurídica à ordem tributária.

1.1. Princípio da estrita legalidade tributária

Mas vislumbra-se o princípio da legalidade tributária de modo mais abrangente. Ao

lado da acepção formal do princípio da legalidade tributária, que se materializa na

obrigatoriedade de estatuir ou incrementar o tributo mediante processo legislativo, exsurge o

aspecto material do princípio:

o conteúdo do princípio da legalidade tributária vai além da simples autorização do Legislativo para que o Estado cobre tal ou qual tributo. É mister que a lei defina in abstrato todos os aspectos relevantes para que, in concreto, se possa determinar quem terá de pagar, quanto, a quem, à vista de que fatos ou circunstâncias74.

O princípio da legalidade tributária sob o seu aspecto material, também chamado de

princípio da estrita legalidade tributária75, é constitucionalmente previsto no art. 146 da

CRFB, inciso III, alínea “a”, pelo qual a lei complementar deve:

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.

72 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 90. 73 CARRAZA, Roque Antonio. Op. Cit., p. 173. 74 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 110. 75 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 154.

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Corroborando o dispositivo constitucional supra aludido, o art. 97 do Código

Tributário Nacional (CTN) esmiúça os componentes obrigatórios da lei tributária,

prescrevendo que

Somente a lei pode estabelecer: I - a instituição de tributos, ou a sua extinção; II - a majoração de tributos, ou sua redução (...); III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal (...), e do seu sujeito passivo; IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo (...); V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

Em consonância com os dispositivos acima citados, a lei que cria ou exalta um tributo,

deve trazer em seu bojo:

a) a hipótese da norma tributária em todos os seus aspectos ou critérios (material, pessoal, espacial, temporal); b) os aspectos da conseqüência que prescrevem uma relação jurídico-tributária (sujeito passivo – contribuinte e responsável – alíquota, base de cálculo, reduções e adições modificativas do quantum a pagar, prazo de pagamento); c) as desonerações tributárias, como isenções, reduções, abatimentos, deduções de créditos presumidos, devolução de tributo pago e remissões; d) as sanções pecuniárias, multas e penalidades, assim como a anistia; e) as obrigações acessórias em seu núcleo substancial; f) as hipóteses de suspensão, exclusão e extinção do crédito tributário; g) a instituição e a extinção da correção monetária do débito tributário76.

Logo, a lei tributária deve prever e descrever rigorosamente o fato gerador e o dever

tributário, tipificando77 a relação jurídico-tributária78. “Tipificada, isto é, rigorosamente

legislada, deve ser a norma jurídico-tributária, por inteiro, envolvendo o descritor e o

prescritor”79.

76 BALEEIRO, Aliomar. Op. Cit., p. 622. 77 Não obstante a excelente crítica realizada por Mizabel Derzi em sua atualização à obra de Aliomar Baleeiro (Op. Cit., pp. 622-630), utilizar-se-á neste trabalho o termo “tipo”, ressalvando-se que em sede de Direito Tributário, a utilização desta terminologia já é revestida de conotação própria, mormente quanto ao aspecto “cerrado” da tipificação. Ademais, a noção de “tipicidade cerrada” não é utilizada aqui como sinônimo da acepção material do princípio da legalidade, e sim como decorrência imediata deste. 78 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. Cit., p. 200. 79 Idem, p. 200.

26

A estrita legalidade da tributação repercute mormente em dois aspectos. Primeiro, a lei

fiscal dá ao contribuinte certeza e segurança jurídicas relativamente aos seus encargos

tributários. Segundo, adstringe a arbitrariedade do aplicador da lei tributária, seja esta

aplicação de ofício, através do Executivo80, ou mediante jurisdição.

A segunda conseqüência da tipicidade da lei tributária importa em obtemperar que esta

é cerrada, que dizer, é estruturada de forma a não dar margem à analogia e à

discricionariedade, descrevendo de forma exauriente tanto o fato gerador quanto as

conseqüências tributárias da materialização deste no mundo fenomênico.

A necessidade de ser o tipo tributário cerrado se dá em face da disposição tripartite dos

Poderes, que conferiu a função de criar a lei ao Legislativo, de aplicá-la ao Executivo e a de

resolucionar conflitos dela oriundos ao Judiciário. Para evitar a desnaturação do princípio da

legalidade, através de ingerências por parte do Executivo e do Judiciário no momento da

aplicação da norma tributária, é necessária a completa delimitação, pelo Legislativo, de todos

os componentes da norma tributária, obstando desvarios na concretização da lei tributária.

Vale dizer, a lei fiscal deve ser “norma jurídica geral e impessoal, abstrata e obrigatória, clara,

precisa, suficiente”81.

Desta forma, limita-se o órgão aplicador da lei fiscal subsumir o fato tributável à

norma, elidindo-se quaisquer ingerências valorativas, como leciona Alberto Pinheiro Xavier82.

Portanto, o princípio da legalidade, no Direito Tributário, não exige, apenas, que a atuação do Fisco rime com uma lei material (simples preeminência da lei). Mais do que isto, determina que cada ato concreto do Fisco, que importe exigência de um tributo, seja rigorosamente autorizado por uma lei. É o que se convencionou chamar de reserva absoluta de lei formal (Alberto Xavier) ou de estrita legalidade (Geraldo Ataliba)83.

Assim, o princípio da estrita legalidade tributária confere ao princípio da legalidade

tributária, expressamente previsto, maior rigidez no que concerne à elaboração e aplicação da

norma tributária, conferindo segurança jurídica às relações tributárias, assim como

80 De acordo com o art. 3º do CTN, o tributo só poderá ser cobrado “mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. No mesmo sentido, § único do art. 142 do CTN: “A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional”. 81 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. Cit., p. 202. 82 CARRAZZA, Roque Antonio. Op. Cit., pp. 177; 179-180. 83 Idem, p. 177.

27

salvaguardando o contribuinte de desmandos tributários por parte dos Poderes, máxime do

Executivo.

2. Tributo

A atuação estatal visa à consecução do interesse público. Para tanto, se faz necessária

a captação de recursos financeiros, para que o Estado efetivamente possa atingir as metas

assumidas quando da assunção do múnus oriundo do Contrato Social.

A tributação é, sem sobra de dúvida, o instrumento de que se tem valido a economia capitalista para sobreviver. Sem ela não poderia o Estado realizar os seus fins sociais, a não ser que monopolizasse toda a atividade econômica. O tributo é inegavelmente a grande e talvez a única arma contra a estatização da economia84.

O tributo surge como forma de financiar a concreção dos fins sociais. Neste contexto,

o Estado repassa àqueles indivíduos que demonstrem capacidade contributiva o ônus de

sustentar financeiramente a manutenção do aparelho estatal, tributando as situações que sejam

indícios de capacidade econômica.

Por outro lado, a tributação se reveste de legitimidade ao aceitar-se a idéia de que os

próprios contribuintes, por intermédio do Poder Legislativo por eles constituído, consentem

com as exações.

Justifica-se o poder de tributar conforme a concepção que se adote do próprio Estado. A idéia mais generalizada parece ser a de que os indivíduos, por seus representantes, consentem na instituição do tributo, como de resto na elaboração de todas as regras jurídicas que regem a nação85.

O Código Tributário Nacional define tributo em seu art. 3o:

tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Em consonância com a definição legal transcrita supra, o tributo é a obrigação de levar

dinheiro para o Erário86, obrigação esta instituída por lei. Logo, tributo é a obrigação em

sentido estrito (vale dizer, o vínculo jurídico que obriga o sujeito passivo ao pagamento de

84 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 22. 85 Idem, p. 23. 86 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 3. ed. São Paulo: RT, 1984. pp. 19-21.

28

quantia em dinheiro aos cofres públicos) resultante do mandamento contido na norma

tributária.

3. Obrigação Tributária

Para o direito das obrigações, “obrigação é o vínculo jurídico em virtude do qual uma

pessoa fica adstrita a satisfazer uma prestação em proveito de outra”87.

Em Direito Tributário, a obrigação “não possui conceituação diferente da que lhe é

conferida no direito obrigacional comum”88, porquanto a obrigação tributária é o liame

jurídico formado entre o Fisco e contribuinte, consistente89 no tributo: dever atribuído por lei

ao sujeito passivo, qual seja, entregar ao sujeito ativo certa quantia em dinheiro, dever este

cuja gênese é o acontecimento de dada situação fática ou jurídica, prévia e legalmente

descrita.

Elemento de precípua relevância à obrigação tributária é a sua característica ex lege90,

ou seja,

a obrigação tributária nasce da vontade da lei, mediante a ocorrência de um fato (fato imponível) nela descrito. Não nasce, como as obrigações voluntárias (ex voluntate), da vontade das partes. Esta é irrelevante para determinar o nascimento deste vínculo obrigacional91.

A falta de relevância do componente volitivo na formação do liame obrigacional

tributário fica patente na constatação de que

não se requer que o sujeito passivo queira obrigar-se; o vínculo obrigacional tributário abstrai a vontade e até o conhecimento do obrigado: ainda que o devedor ignore ter nascido a obrigação tributária, esta o vincula e o submete ao cumprimento da prestação que corresponda ao seu objeto92.

87 GOMES, Orlando. Obrigações. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 17. 88 AMARO, Luciano. Op. Cit., p. 231. 89 Faz-se aqui observação no sentido que só há obrigação relativamente ao pagamento do tributo. As chamadas “obrigações tributárias acessórias” são de cunho administrativo, relativas a fazer ou não fazer algo, portanto não são propriamente obrigações, por inexistir nelas prestação susceptível de avaliação econômica. (CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da Norma Tributária. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 155). No entanto, fica ressalvada a opinião de Hugo de Brito Machado, para o qual “o adjetivo acessória, que qualifica essas obrigações, tem sentido inteiramente distinto daquele do direito privado” (Op. Cit., p. 87), porquanto a falta de cunho patrimonial não desqualificaria o caráter obrigacional das obrigações acessórias do CTN. 90 Embora Alfredo Augusto Becker faça ressalvas a esta característica, por considerar que todas as obrigações têm nascedouro na lei, pois por força dela são exigíveis, adota-se aqui o entendimento de Luciano Amaro, para o qual a característica ex lege se dá graças à instituição em lei da obrigação, independente da autonomia volitiva das partes. (AMARO, Luciano. Op. Cit., pp. 232-233). 91 ATALIBA, Geraldo. Op. Cit., p. 33. 92 AMARO, Luciano. Op. Cit., p. 232.

29

Reitera-se que a lei fiscal, em vista do princípio da estrita legalidade, tem que ser

completa e suficiente para indicar todos os elementos constitutivos e integrantes do vínculo

obrigacional. Deve descrever o fato ou ato que instaura a obrigação, assim como apontar

quem deve, a quem se deve pagar, quanto se deve pagar, como se deve pagar e onde se deve

pagar.

Em suma, somente por força de lei alguém fica obrigado a pagar ao Erário, observada

a ocorrência de todos os pressupostos previstos e descritos nesta mesma lei, respeitando-se

assim o aspecto material do princípio da legalidade.

A lei é a fonte formal da obrigação tributária; mas só ela não basta: “é preciso que

ocorra o fato descrito na hipótese”93.

3.1. Obrigação tributária e fato gerador

A obrigação tributária se instala ex lege, independentemente da vontade dos pólos

envolvidos94, quer dizer, “é heterônoma. Existirá toda vez que ocorrer no mundo fático o

evento jurígeno adrede previsto em lei”95.

O legislador, ao observar o universo fático do cotidiano, elege fatos que considera

relevantes ao ordenamento jurídico. Descreve tal fato, e imputa-lhe uma conseqüência

jurídica. O mesmo se dá no Direito Tributário, onde

adotou-se como técnica fazer nascer concretamente a obrigação de um fato qualquer, a que a lei atribui esta qualidade jurídica (fato jurígeno). Quer dizer: a lei atribui a certos fatos a virtude, a potencialidade, a força bastante para determinar o nascimento da obrigação tributária96.

O Código Tributário Nacional chama de “fato gerador” este evento jurígeno, como

exsurge da leitura do parágrafo primeiro do art. 113, o qual dispõe que “a obrigação principal

surge com a ocorrência do fato gerador”, que é “a situação definida em lei como necessária e

suficiente à sua ocorrência”, de acordo com o art. 114 do Código em epígrafe.

Assim, o vínculo obrigacional tributário se instaura no momento em que se vislumbra

a ocorrência, no mundo fenomênico, de um fato prévia e legalmente descrito como apto a

93 MACHADO, Hugo de Brito. Op. Cit., p. 88. 94 No entanto, vale ressalvar que o sujeito ativo é o Estado. Em última análise, também é o Estado, em sua função legislativa, que institui o tributo, o que importa em dizer que a obrigação tributária ocorre em virtude da vontade Estatal. 95 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. Cit., p. 581. 96 ATALIBA, Geraldo. Op. Cit., p. 29.

30

ensejar a constituição da obrigação referida em lei. Nas palavras de Geraldo Ataliba,

esta relação jurídica – que reveste todas as características estruturais da obrigação – por corresponder à categoria das obrigações ex lege, surge com a realização in concretu, num determinado momento, de um fato, previsto em lei anterior e que dela (lei) recebeu a força jurídica para determinar o surgimento desta obrigação. Assim, uma lei descreve hipoteticamente um estado de fato, um fato ou um conjunto de circunstâncias de fato, e dispõe que a realização concreta, no mundo fenomênico, do que foi descrito, determina o nascimento de uma obrigação de pagar um tributo. Portanto, temos primeiramente (lógica e cronologicamente) uma descrição legislativa (hipotética) de um fato; ulteriormente, ocorre, acontece, realiza-se este fato concretamente97.

4. A expressão “fato gerador” e suas duas acepções

A expressão “fato gerador”, adotada pelo Código Tributário Nacional, recebeu acerbas

críticas por parte da doutrina brasileira. Esta matéria foi discutida com tal ênfase por alguns

tributaristas, que Hugo de Brito Machado advertiu que se adstringir ao estudo do fato gerador

“é o mesmo que afirmar que todo o Direito Penal se resume ao estudo da tipicidade”98. De

qualquer sorte, não se deve descurar do estudo deste instituto de grande importância para o

Direito Tributário.

A crítica mais corrente se dá em virtude da ambigüidade do termo “fato gerador”.

Este termo é utilizado indistintamente pela lei para referir-se tanto à “descrição de uma

situação jurígena feita pelo legislador (fato gerador abstrato)”99, quanto à própria “situação

jurígena que ocorre no mundo real, instaurando relações jurídicas (fato gerador concreto)”100.

Quer dizer, “a expressão desencadeia a impressão errônea de que o fato ‘em si’ gera alguma

coisa, quando é a norma que atribui efeitos jurídicos à ocorrência daquele fato”101.

Para dirimir esta polissemia, várias sugestões foram postas pela doutrina. Para indicar

o fato gerador enquanto concreção, no mundo fenomênico, do fato hipoteticamente previsto

na norma, os doutrinadores utilizaram-se de termos como fato gerador in concreto, hipótese

realizada, fato imponível e fato jurídico. E para designar o “fato gerador”, enquanto

abstratamente descrito na norma, Alfredo Augusto Becker propôs a expressão “hipótese de

97 Idem, p. 50. 98 MACHADO, Hugo de Brito. Op. Cit., pp. 88-89. 99 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. Cit., p. 582. 100 Idem. 101 BALEEIRO, Aliomar. Op. Cit. p.705.

31

incidência”102, termo que é largamente utilizado, destacando-se das demais sugestões

nominativas feitas pela doutrina por sua maior congruência lógica.

Sem desmerecer as críticas feitas, o uso da expressão “fato gerador” para designar o

fato concretamente ocorrido não apresenta maiores problemas, desde que se esclareça que o

fato, por si só, não tem o condão de instaurar a obrigação. É a lei, através da descrição

hipotética do fato, que lhe confere conseqüências jurídicas. O que determina a instauração do

liame obrigacional tributário não é o fato concretamente ocorrido, e sim a incidência da lei

fiscal sobre ele103. Assim, ao se falar em fato gerador, deve-se entender que ele “gera” a

obrigação ao ser subsumido à norma tributária.

5. Norma tributária

A norma jurídica condiciona uma conseqüência a uma dada situação. É composta de

duas partes, quais sejam, a hipótese e o mandamento. Ocorrendo no mundo fenomênico a

situação prevista na hipótese, atua a norma, estabelecendo a relação jurídica prevista no

mandamento.

Existem normas tributárias que regem as chamadas “obrigações acessórias”, normas

que “fixam outras providências administrativas para a operatividade do tributo, tais como as

de lançamento, recolhimento, configuração de deveres instrumentais e relativas à

fiscalização”104. Estas normas, por não tratarem de relações obrigacionais – pois não têm

caráter pecuniário –, são diversas das normas tributárias que aqui se analisam, cujo cerne é o

tributo. Em vista disto, quando se falar neste estudo em norma tributária, entender-se-á esta

em seu sentido estrito, de cunho obrigacional e por isto de feição pecuniária.

Da mesma forma, a norma tributária “tem sua incidência condicionada ao

acontecimento de um fato previsto na hipótese legal, fato este cuja verificação acarreta

automaticamente a incidência do mandamento”105. Em outras palavras, a norma tributária em

sentido estrito “trata do tributo, na sua configuração e dinâmica, e rege o relacionamento que

o instituto enseja estabelecer entre os sujeitos da obrigação tributária”106.

102 Idem. 103 AMARO, Luciano. Op. Cit., p. 242. 104 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso..., Cit., p. 234. 105 ATALIBA, Geraldo. Op. Cit., p. 44. 106 Idem, p. 48.

32

Devido ao caráter cerrado da tipicidade em sede tributária, mister se faz a dissecação

das partes componentes da norma tributária, pois somente estabelecer-se-á a obrigação

prevista no mandamento – devidamente delimitada – caso haja a total identidade entre o fato

ocorrido e o fato descrito previamente na hipótese.

5.1. Hipótese de incidência da norma tributária

A hipótese de incidência “é a descrição de um estado de fato e não o próprio estado de

fato. Este é o objeto da descrição e não ela mesma”107. Esta “significa o estado de fato, dirige-

se a ele, mas com ele não se confunde”108. A descrição normativa de um fato não é um fato, é

algo hipotético. Fato é algo real, ocorrido, concreto. “Não se podem confundir as qualidades

de um fato material, com as qualidades de uma abstração, como o é o conceito em que a h.i.

consiste”109.

Portanto, equivocou-se etimológica e conceitualmente o legislador, que nomina de

“fato gerador” tanto o fato em si quanto a definição legal deste fato. A definição é hipotética,

e não se pode chamar uma hipótese de “fato”. Logo, o uso do termo “hipótese de incidência”

é mais adequado para designar o conjunto “de critérios que nos permitem reconhecer eventos

acontecidos no plano da realidade física”110.

Como já exposto aqui, a lei institui um desdobramento jurídico à ocorrência de dado

fato. Mas para que isto ocorra, mister é a perfeita identificação legal de quais fatos têm este

condão e quais aspectos destes fatos devem ser considerados pra fins de incidência da norma.

“Ao conceituar o fato que dará ensejo ao nascimento da relação jurídica do tributo, o

legislador também seleciona as propriedades que julgou importantes para caracterizá-lo”111,

propriedades estas que Paulo de Barros Carvalho denomina de critérios identificadores do

fato: material, espacial e temporal, que juntos compõem a hipótese.

Segundo este autor, o critério material é o “comportamento de alguém (pessoa física

ou jurídica), consistente num ser, num dar ou num fazer”112; o critério espacial precisa “os

elementos necessários e suficientes para identificarmos a circunstância de lugar que

107 Idem, p. 59. 108 Idem. 109 Idem, p. 58. 110 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria..., Cit., p. 148. 111 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso..., Cit., p. 250. 112 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria..., Cit., pp. 129-130.

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condiciona o acontecimento do fato jurídico”113; por fim, o critério temporal é “o grupo de

indicações (...) que nos oferecem elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante

acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e credor”114.

Sacha Calmon Navarro Coêlho acrescenta ainda o critério115 pessoal116, pois “o fato

jurígeno (um ‘ser’, ‘ter’, ‘estar’ ou ‘fazer’) está sempre ligado a uma pessoa, e, às vezes, os

atributos ou qualificações dessa pessoa são importantes para a delimitação da hipótese de

incidência”117.

A hipótese de incidência tributária, portanto, tipifica o fato gerador, delimitando quais

os aspectos que são considerados necessários e suficientes para que ocorra a conseqüência

prevista no mandamento da norma tributária. No entanto, é importante salientar que

tais aspectos não vêm necessariamente arrolados de forma explícita e integrada na lei. Pode haver e tal é o caso mais raro uma lei que os enumere e especifique a todos, mas, normalmente, os aspectos integrativos da hipótese de incidência estão esparsos na lei, ou em diversas leis, sendo que muitos são implícitos no sistema jurídico118.

Mas tal constatação não prejudica “o caráter unitário e indivisível da hipótese de

incidência”119, enquanto tipificadora de um dado tributo.

5.2. Conseqüência da norma tributária

Ocorrido o fato gerador descrito na hipótese de incidência, obrigatoriamente irromper-

se-á a relação obrigacional tributária prevista no mandamento da norma. Este vínculo

obrigacional, como já observado anteriormente, une os sujeitos ativo e passivo, sendo que

aquele terá um crédito – consistente no tributo – em face deste.

Da mesma forma que se dá com a hipótese, pode-se afirmar que a conseqüência,

entendida como o componente prescritor da norma tributária, é uma “conjugação de critérios

que tem por escopo dar-nos a identificar um vínculo jurídico que regerá comportamentos

humanos”120.

113 Idem, p. 130. 114 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso..., Cit., pp. 257-258. 115 Este autor diverge do termo “critério”, preferindo o vocábulo “aspecto” (Op. Cit., p. 383). 116 Faz-se aqui a ressalva de que o critério pessoal da hipótese é relativo ao contribuinte, e não aos sujeitos ativo e passivo da relação jurídica, estes integrantes do prescritor da norma jurídico-tributária. 117 Op. Cit., p. 384. 118 ATALIBA, Geraldo. Op. Cit., p. 73. 119 Idem. 120 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria..., Cit., p. 148.

34

No contexto ora discutido, o vínculo é o tributo, em virtude do qual o sujeito passivo –

que pode ou não ser o contribuinte referido no aspecto pessoal da hipótese de incidência –,

fica adstrito à exação pelo sujeito ativo, na forma e quantidade previstas no mandamento da

norma.

Assim, de acordo com a lição de Paulo de Barros Carvalho121, vislumbra-se dois

critérios que balizam a efetiva concretização do mandamento da norma tributária: o pessoal e

o quantitativo. O primeiro identifica os sujeitos – ativo e passivo – da relação, enquanto que o

segundo possibilita “determinar o conteúdo do dever jurídico a ser cumprido pelo sujeito

passivo”122.

É importante ressaltar-se aqui a distinção entre o critério pessoal da hipótese e o

critério pessoal da conseqüência. Aquele descreve a pessoa apta a realizar o fato gerador

previsto, naquelas normas em que tal contingência se mostra relevante, pois há fatos para os

quais o legislador só denotou interesse quando conjugados a certas qualidades de pessoas

determinadas. Por outro lado, na conseqüência normativa, o critério pessoal se manifesta ao

identificar aquele que efetivamente se subordinará à relação obrigacional, compondo o pólo

passivo da obrigação tributária. Em face desta distinção que Sacha Calmon Navarro Coêlho

incluiu o critério pessoal também na hipótese, a despeito da classificação de Paulo de Barros

Carvalho123.

O critério quantitativo reúne elementos que permitem precisar a prestação pecuniária

devida pelo sujeito passivo. Para tanto,

dois caminhos de abrem ao legislador, quando se propõe editar endonorma tributária: a) ou estabelece importância determinada, precisando, desde logo, o conteúdo do dever jurídico a ser cumprido pelo sujeito passivo (...); b) ou se preocupa em dimensionar a materialidade do fato jurídico tributário, estipulando uma grandeza que lhe seja ínsita e que, conjugada a outro fato numérico, possa determinar o “quantum” devido124.

No primeiro caso, não há maiores problemas: observada a instauração do liame

obrigacional, este se exaurirá na prestação da quantia previamente determinada no

mandamento da norma tributária. Já no segundo caso, atuam dois elementos para a apuração

do valor pecuniário da prestação: a base de cálculo e a alíquota.

121 Idem, p. 161. 122 Idem. 123 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. Cit., pp. 383-385. 124 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria..., Cit., p. 170.

35

A base de cálculo é a “grandeza instituída na conseqüência das endonormas tributárias

e que se destina, primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no

núcleo do fato jurídico”125. O legislador fiscal retira do aspecto material da hipótese de

incidência um determinado atributo126, que se possa dimensionar, e determina que sobre este

incida uma outra variável – a alíquota – para efeito de se compor o valor devido pelo sujeito

passivo.

Por se tratar de um atributo do aspecto material da hipótese, a base de cálculo também

tem por função confirmar este aspecto material. Não havendo a confirmação, a base de

cálculo determina a verdadeira natureza do tributo127.

De acordo com Paulo de Barros Carvalho, a alíquota é o outro componente do critério

quantitativo da conseqüência da norma tributária. Aplicada sobre a base de cálculo, determina

a “quantia que poderá ser exigida pelo sujeito ativo da relação”128.

Sacha Calmon Navarro Coêlho entende que além dos aspectos pessoal e quantitativo

da conseqüência das normas tributárias, “outros aspectos são encontradiços, todos pertinentes

à relação jurídica que se forma com a realização da hipótese de incidência: como, onde, de

que modo, quando, em que montante se vai satisfazer o débito em favor do sujeito ativo”.

Desta forma, todos os aspectos que identificam e informam a relação obrigacional tributária

devem estar contidos na conseqüência da norma, o que está perfeitamente de acordo com o

princípio da estrita legalidade. E não poderia ser de outra forma, como já se frisou no início

deste capítulo.

6. Interpretação e Integração

É cediço que a ocorrência, no mundo fático, de fato gerador descrito na hipótese da

norma estabelece o vínculo jurídico prescrito na conseqüência. No entanto, para aferir a

incidência – ou não – da norma tributária em um dado fato concreto e individualizado, é

necessária a ação intelectual do operador jurídico competente.

125 Idem, pp. 171-172. 126 ATALIBA, Geraldo. Op. Cit., p. 101. 127 “Por outras palavras, a ordem normal das coisas é que o pressuposto material ou jurídico da incidência defina a natureza do tributo e determine a escolha da sua base de cálculo. Mas, quando a base de cálculo adotada pela lei fiscal seja incompatível com o pressuposto material ou jurídico da incidência, então a ordem normal das coisas se inverte, e a natureza jurídica do próprio tributo passa a ser determinada pela base de cálculo, e não pela definição legal da incidência”. (SOUZA, Rubens Gomes de. Parecer. In: RT, vol. 227, pp. 65-66. Apud ATALIBA, Geraldo. Op. Cit., p. 105). 128 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria..., Cit., p. 177.

36

Embora sendo instantâneo o nascimento da obrigação, uma vez vislumbrada a situação

prevista na norma, impende ao aplicador desta a verificação da ocorrência de todos os

elementos necessários e suficientes para a existência do vínculo. Embora pré-existente ao

conhecimento do aplicador da lei fiscal, o vínculo irá efetivamente surtir seus efeitos após a

constatação de sua existência. E tal exame realizado pelo operador do direito129 denomina-se

interpretação:

a aplicação da lei (isto é, o enquadramento de um fato concreto no comando legal que lhe corresponda), (...) supõe que a lei seja interpretada, vale dizer, que seja identificado o seu significado e o seu alcance. Após a realização desse trabalho técnico (interpretação) é que se concluirá pela aplicação ou não da lei ao fato concreto130.

Não se utiliza, em sede tributária, critérios apriorísticos para interpretar a norma

tributária, conforme alguns doutrinadores chegaram a sustentar131:

o direito tributário, desdobrado em relações jurídicas onde o direito do Estado é balizado pelos direitos do indivíduo, interpreta-se consoante as regras e técnicas de interpretação aplicáveis ao direito em geral, sem que haja lugar para a aplicação de critérios apriorísticos132.

Existem, é verdade, os critérios interpretativos elencados no Capítulo IV do Título I do

Livro Segundo do Código Tributário Nacional, mas prevalecem as regras de interpretação do

direito em geral. Neste diapasão, Luciano Amaro obtempera:

dessa forma, a regra é justamente a submissão do direito tributário ao conjunto de métodos interpretativos fornecidos pela teoria da interpretação jurídica; por exceção, nas situações disciplinadas expressamente, o intérprete deve procurar (na medida em que isso seja possível) dar preferência aos critérios indicados pelo Código Tributário Nacional133.

Logo, para a interpretação da norma tributária,

o intérprete deve partir do exame do texto legal, perquirindo o sentido das palavras utilizadas pelo legislador (na chamada interpretação

129 Hugo de Brito Machado aduz que a interpretação é privativa da Ciência Jurídica, é realizada apenas pelo jurista, e que o aplicado da norma apenas adota esta ou aquela interpretação realizada pelo jurista. (Op. Cit., p. 83). No entanto, o autor deste trabalho entende que o aplicador da norma – que é o operador jurídico competente para tal –, obrigatoriamente interpreta a norma para poder aplicá-la. Mesmo que adote uma linha interpretativa já consolidada pela doutrina para balizar seu entendimento, na individualização da norma o aplicador exerce a exegese, verificando os elementos abstratamente previstos na norma e colacionando-os ao fato concreto. 130 AMARO, Luciano. Op. Cit., p. 195. 131 As teses fundavam-se tanto no interesse público quanto no direito à propriedade e liberdade: pelo primeiro fundamento, as dúvidas deveriam ser resolvidas em favor do fisco; pelos outros, as dúvidas se resolveriam em favor do contribuinte. (MACHADO, Hugo de Brito. Op. Cit., p. 76. e AMARO, Luciano. Op. Cit., p. 197). 132 AMARO, Luciano. Op. Cit., p. 197. 133 Idem, Op. Cit., p. 198.

37

literal ou gramatical); cumpre-lhe, porém, buscar uma inteligência do texto que não descambe para o absurdo, ou seja, deve preocupar-se com dar à norma um sentido lógico (interpretação lógica), que a harmonize com o sistema normativo em que ela se insere (interpretação sistemática), socorrendo-se da análise das circunstâncias históricas que cercaram a edição da lei (interpretação histórica), sem descurar das finalidades a que a lei visa (interpretação finalística ou teleológica)134.

No entanto, há situações onde o intérprete se depara com a falta de uma norma que

seja perfeitamente aplicável ao fato observado. Nestes casos, o Código Tributário Nacional

admite a integração, que “é a identificação de uma norma que, não tendo sido elaborada para

casos do tipo daquele que se tem a resolver, a ele se ajusta, em face de um critério autorizado

pelo legislador”135.

O legislador tributário adotou a teoria das lacunas, presente no art. 108 do Código

Tributário Nacional136. Este dispositivo admite que o aplicador, na falta de disposição legal

específica para o caso concreto, utilize os métodos integrativos previstos, com o fito de

resolver a lacuna. Frise-se, contudo, que a integração da norma tributária se submete ao

princípio da legalidade, portanto “a arte de preencher as lacunas da legislação não se faz à

margem do direito, embora se desenvolva fora dos limites do texto expresso da lei”137.

Dentre os métodos interpretativos e integrativos previstos no Código Tributário

Nacional, analisar-se-á somente a analogia, prevista no art. 108, e a utilização dos princípios

gerais de direito privado, prevista nos arts. 109 e 110, por revestirem-se de relevância ao

estudo em enfoque.

6.1. Analogia

A analogia “consiste na aplicação a um determinado caso, para o qual inexiste preceito

expresso, de norma legal prevista para uma situação semelhante”138. Mas, em virtude do

princípio da estrita legalidade, “a analogia tem, no direito tributário, pequeno campo de

atuação, pois o princípio da reserva de lei impede a utilização desse instrumento de integração

para efeito de exigência de tributo”139.

134 Idem. 135 MACHADO, Hugo de Brito. Op. Cit., p. 72. 136 Idem, p. 71. 137 AMARO, Luciano. Op. Cit., p. 196. 138 Idem, p. 201. 139 Idem, p. 202.

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Não se pode admitir que a analogia, por estar prevista no Código Tributário Nacional

como meio de integração da norma, é utilizável para a aplicação da norma tributária

instituidora da obrigação140. O Código Tributário Nacional, ao receitar a analogia como

método de integração, o faz em virtude das normas tributárias que instituem as chamadas

“obrigações acessórias”. Não é por outro motivo que há a ressalva do parágrafo primeiro do

art. 108: “o emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em

lei”. Em face do princípio da estrita legalidade, todos os aspectos da hipótese e da

conseqüência da norma tributária em sentido estrito devem estar anteriormente previstos na

lei tributária, o que não dá ensejo à analogia. O fato concreto que não se subsumir a quaisquer

hipóteses previstas na norma não tem o condão de desencadear o vínculo obrigacional

tributário. É caso de não incidência.

Valer-se da analogia para enquadrar um fato não previsto na hipótese de incidência

tributária é ir frontalmente contra o princípio da estrita legalidade. Usar a analogia para fazer

uma norma tributária (em sentido estrito) incidir sobre fato diverso do previsto na hipótese

correspondente é tributar fato não previsto em lei. Portanto, tal prática está em desacordo com

o parágrafo primeiro do art. 108 do Código Tributário Nacional.

Corroborando este entendimento, Sacha Calmon Navarro Coêlho afirma que “no

Direito Tributário material ou substantivo (obrigação tributária) não há espaço para a

analogia e nem tampouco para a eqüidade. Há, porém, vasto campo para a aplicação desses

institutos integrativos no Direito Tributário adjetivo e infracional”141.

Assim, entende-se aqui que não se pode utilizar a analogia para fins de integração de

norma tributária em sentido estrito. Não se subsumindo o fato ocorrido à hipótese prevista,

não pode o aplicador da lei fiscal socorrer-se da analogia para declarar a existência de um

vínculo obrigacional tributário.

6.2. Princípios gerais de direito privado

“O Direito é uno. Nenhum ramo do Direito é inteiramente autônomo, desvinculado

dos demais”142. Esta afirmação de Hugo de Brito Machado é feita em virtude de dissensão

doutrinária concernente à autonomia do Direito Tributário. Existem estudiosos que refutam o

140 Reitera-se que há normas tributárias, compreendidas na “legislação tributária”, que não instituem obrigação tributária (entendida como a que possui caráter pecuniário). 141 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. Cit., p. 570. 142 MACHADO, Hugo de Brito. Op. Cit., p. 77.

39

disposto no art. 109 do Código Tributário Nacional, repugnando a aplicação dos princípios

gerais e de conceitos do Direito Privado ao Direito Tributário.

Mas, “como assinala Becker, com apoio em Emilio Betti e Luigi Vittorio Berliri, o

direito forma um único sistema, onde os conceitos jurídicos têm o mesmo significado, salvo

se a lei tiver expressamente alterado tais conceitos, para efeito de certo setor de direito”143.

Assim, os conceitos de Direito Privado, quando utilizados pelo Direito Tributário, têm

o mesmo conteúdo e alcance observados em sua origem, porém com os efeitos fiscais

determinados na norma tributária. O art. 109 do Código Tributário Nacional “refere-se a

situações nas quais a norma tributária utiliza um instituto, um conceito ou uma forma jurídica

pertinente ao direito privado, e, a partir desse enunciado, estatui certos efeitos tributários”144.

Corroborando esta disposição, o art. 110 veda ao legislador a alteração da “definição,

o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados,

expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou

pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar

competências tributárias”. Sacha Calmon Navarro Coêlho assim se posiciona sobre este artigo

e seus efeitos em relação aos institutos, conceitos e formas de Direito Privado:

no art. 110 se proíbe possa o legislador infraconstitucional alterá-los para o fim de alargar pro domo sua os fatos geradores previstos na Constituição. É dizer, os institutos, conceitos e formas de Direito Privado utilizados pela Constituição Federal (e pelas Constituições dos Estados e Leis Orgânicas Municipais) para estabelecer e limitar competências tributárias não podem ser alterados. Tais conceitos, institutos e formas são recebidos pelo Direito Tributário tal qual são no Direito Privado145.

7. Incidência e não-incidência

Ao ocorrer dado fato no cotidiano, o aplicador da lei fiscal o interpretará.

Subsumindo-se o fato à hipótese de incidência da norma tributária, isto é, correspondendo

“completa e rigorosamente à descrição que dele faz a lei”146, dá-se a incidência da lei

tributária. O intérprete-aplicador da norma tributária verifica se há a subsunção, e caso haja,

externa a incidência do mandamento e a conseqüente relação obrigacional tributária.

143 AMARO, Luciano. Op. Cit., p. 208. 144 Idem, p. 207. 145 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. Cit., pp. 575-576. 146 ATALIBA, Geraldo. Op. Cit., p. 66.

40

Destarte, incidência é “o fenômeno especificamente jurídico da subsunção de um fato

a uma hipótese legal, com conseqüente e automática comunicação ao fato das virtudes

jurídicas previstas na norma”147. Em outras palavras, “diz-se que há incidência de tributo

quando determinado fato, por enquadrar-se no modelo abstratamente previsto pela lei, se

juridiciza e irradia o efeito, também legalmente previsto, de dar nascimento a uma obrigação

de recolher tributo”148.

Caso não haja a subsunção, ou seja, caso o fato ocorrido não se coadune perfeitamente

com a sua descrição legal, não incide a norma tributária. Devido ao princípio da estrita

legalidade tributária, como já foi repisado aqui, a norma tributária deve descrever todos os

elementos que, combinados, permitam a identificação do fato gerador. Não sendo possível

subsumir os aspectos do fato ocorrido com os aspectos constantes no descritor da norma, este

fato não é “gerador”, quer dizer, não inaugura um liame obrigacional tributário.

Em suma, a norma tributária ou incide ou não incide: “todos os fatos que não têm a

aptidão de gerar tributos compõem o campo da não-incidência (de tributo)”149.

147 Idem, p. 44. 148 AMARO, Luciano. Op. Cit., p. 262. 149 Idem, p. 263.

41

CAPÍTULO III

A INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA NAS OPERAÇÕES RELATIVAS À TRANSMISSÃO

DE SOFTWARE PELA INTERNET

1. ICMS

O Imposto Estadual sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e

Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) tem sua

regra-matriz insculpida no art. 155, inciso II, da Constituição da República Federativa do

Brasil:

Art. 155 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

O art. 146, inciso III, alínea “a”, também da Constituição, remete à lei complementar a

“definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados

nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes”. Esta

disposição constitucional foi satisfeita com a Lei Complementar n. 87, de 1996, que “é hoje o

texto básico que regra o ICMS com méritos e deméritos, de observância obrigatória pelos

Estados-Membros que convivem na Confederação”150.

O ICMS, como a nomenclatura sugere, incide sobre as operações relativas a: a) circulação de mercadorias; b) prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal (excluídos os municipais sujeitos ao ISS e os internacionais, imunes e isentos);

150 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. Cit., p. 495.

42

c) prestação de serviços de telecomunicações151.

Devido ao seu caráter plurivalente, ao escopo desta monografia insta destacar do

ICMS o estudo da incidência sobre as operações relativas à circulação de mercadorias.

Destarte, analisar-se-á tão somente as questões conexas a este aspecto do imposto.

1.1. Aspecto material da hipótese de incidência do ICMS

Como foi frisado, apenas analisar-se-á o ICMS quanto à circulação de mercadorias.

Assim, feita esta ressalva, tem-se que o aspecto material da hipótese de incidência do ICMS

consiste nas “operações relativas à circulação de mercadorias”. Para melhor compreender esta

locução, cumpre determinar aqui cada um dos elementos que a compõem.

Operações, de acordo com Geraldo Ataliba e Cleber Giardino, “são atos jurídicos; atos

regulados pelo Direito como produtores de determinada eficácia jurídica; são atos

juridicamente relevantes”152.

Para estes mesmos autores, “circular significa, para o Direito, mudar de titular”153.

Assim, circulação, para o ordenamento jurídico, não é sinônimo de movimentação, e sim de

transferência de titularidade. Em suma, “o imposto não incide sobre a mera saída ou

circulação física que não configure real mudança de titularidade do domínio”154.

Por fim, o conceito de mercadoria, para fins tributários, é o mesmo esposado pelo

Direito Comercial. Por força dos arts. 109 e 110 do Código Tributário Nacional, os institutos,

conceitos e formas de Direito Privado são recepcionados pelo Direito Tributário, sendo

vedado ao legislador tributário alterar a substância daqueles conceitos, institutos e formas.

Para o Direito Comercial, mercadorias são coisas corpóreas155, móveis156 e destinadas

151 Idem, p. 479. 152 ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. Núcleo da definição constitucional do ICM. In: RDT, São Paulo, vol. 24/26, pp. 105-106. Apud BALEEIRO, Aliomar. Op. Cit., p. 376. 153 Idem. 154 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. Cit., p. 483. 155 José Xavier Carvalho de Mendonça vê na palavra “mercadoria” duas acepções: uma ampla e uma restrita. Em seu sentido amplo, a mercadoria é todo e qualquer bem que possa ser suscetível de valoração econômica. Em sua conotação restrita, “aquela palavra limita-se ao conceito de cousa material, corpórea. É nessa acepção que a Constituição Federal e leis comerciais e fiscais de ordinário a empregam” (MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. 4 ed. vol. V. livro III. parte I. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1946. p.29). 156 José Xavier Carvalho de Mendonça afirma que “o nosso direito comercial excluiu da sua esfera as cousas imóveis, não podendo ser objeto de operações mercantis”. (MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Op. Cit., p. 9).

43

ao comércio157, e é este conceito de mercadoria que é utilizado em sede de Direito Tributário.

Quando a lei fiscal se refere à “mercadoria”, está se valendo da mesma acepção que este

conceito tem em Direito Comercial.

Destarte, o ICMS incide sobre atos jurídicos mercantis relativos à mudança da

titularidade de bens corpóreos, móveis e destinados ao comércio. Ou seja, sobre as operações

relativas à circulação de mercadorias.

É importante repisar que a CRFB delimita claramente o espectro de abrangência deste

imposto estadual, já explicitando em seu art. 155, inciso II, o aspecto material da hipótese de

incidência:

(...) a Constituição descreve a hipótese de incidência deste tributo como sendo a operação relativa à circulação em si mesma considerada. A ênfase posta no vocábulo ‘operação’ revela que a lei apenas pretendeu tributar os movimentos de mercadorias que sejam imputáveis a negócios jurídicos translativos da sua titularidade158.

Assim, é indubitável que o ICMS incide sobre as operações relativas à circulação de

mercadorias, e não sobre a mercadoria ou sobre a circulação. Todos os elementos plasmados

na locução constitucional são imprescindíveis, e são considerados em conjunto. Interpretar

diferentemente implica em deslocar “o cerne da hipótese de incidência do tributo, da operação

– aí posta pelo próprio Texto Magno – para seus aspectos adjetivos, com graves

conseqüências deletérias do sistema”159.

1.2. Aspecto espacial da hipótese de incidência do ICMS

O art. 11 da Lei Complementar n. 87/96 delimita o aspecto espacial da hipótese de

incidência do ICMS.

Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é: I - tratando-se de mercadoria ou bem: a) o do estabelecimento onde se encontre, no momento da ocorrência do fato gerador;

157 “A natureza mercantil do produto não está, absolutamente, entre os requisitos que lhe são intrínsecos, mas na destinação que se lhe dê. É mercadoria a caneta exposta à venda entre outras adquiridas para esse fim. Não o será aquela que mantenho em meu bolso e se destina a meu uso pessoal. Não se operou a menor modificação na índole do objeto referido. Apenas sua destinação veio a conferir-lhe atributos de mercadorias”. (CARVALHO, Paulo de Barros. A Regra Matriz do ICM. Tese. São Paulo, 1981 . Apud BALEEIRO, Aliomar. Op. Cit., p. 376). 158 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Empresarial. Pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 294. Apud BALEEIRO, Aliomar. Op. Cit., p. 375. 159 ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. Op. Cit., pp. 105-106. Apud COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. Cit., p. 483.

44

b) onde se encontre, quando em situação irregular pela falta de documentação fiscal ou quando acompanhado de documentação inidônea, como dispuser a legislação tributária; c) o do estabelecimento que transfira a propriedade, ou o título que a represente, de mercadoria por ele adquirida no País e que por ele não tenha transitado; d) importado do exterior, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física; e) importado do exterior, o do domicílio do adquirente, quando não estabelecido; f) aquele onde seja realizada a licitação, no caso de arrematação de mercadoria importada do exterior e apreendida; g) o do Estado onde estiver localizado o adquirente, inclusive consumidor final, nas operações interestaduais com energia elétrica e petróleo, lubrificantes e combustíveis dele derivados, quando não destinados à industrialização ou à comercialização; h) o do Estado de onde o ouro tenha sido extraído, quando não considerado como ativo financeiro ou instrumento cambial; i) o de desembarque do produto, na hipótese de captura de peixes, crustáceos e moluscos.

Da leitura deste dispositivo, tem-se que o “aspecto espacial do imposto sobre

circulação de mercadorias é, especificamente, o local onde ocorre a tradição da mercadoria,

exceto no caso da importação de mercadorias”160.

1.3. Aspecto temporal da hipótese de incidência do ICMS

Como o aspecto material da hipótese de incidência do ICMS reporta-se à circulação

das mercadorias, o aspecto temporal submete-se à efetiva tradição desta mercadoria. No

entanto, o legislador elencou uma série de situações, as quais configuram o momento em que

ocorre a tradição para efeitos de incidência do imposto ora tratado. Estas situações estão

dispostas no art. 12 da Lei Complementar n. 87/96:

Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: I - da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular; II - do fornecimento de alimentação, bebidas e outras mercadorias por qualquer estabelecimento; III - da transmissão a terceiro de mercadoria depositada em armazém geral ou em depósito fechado, no Estado do transmitente; IV - da transmissão de propriedade de mercadoria, ou de título que a represente, quando a mercadoria não tiver transitado pelo estabelecimento transmitente;

160 OLIVEIRA, André da Silva de. A Tributação do Programa de Computador: ICMS ou ISS? Cit., p. 32.

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(...) VIII - do fornecimento de mercadoria com prestação de serviços: a) não compreendidos na competência tributária dos Municípios; b) compreendidos na competência tributária dos Municípios e com indicação expressa de incidência do imposto de competência estadual, como definido na lei complementar aplicável; IX - do desembaraço aduaneiro das mercadorias importadas do exterior; (...) XI - da aquisição em licitação pública de mercadorias importadas do exterior apreendidas ou abandonadas; XII - da entrada no território do Estado de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização; (...)

Ressalve-se que o aspecto temporal deve ser considerado em conjunto com o aspecto

material, assim como com os demais aspectos da hipótese de incidência do imposto. Assim,

por exemplo, não se pode conceber que a simples saída da mercadoria de um estabelecimento

configure a ocorrência do fato gerador. Esta saída deve estar jungida à efetiva circulação da

mercadoria, isto é, à transferência da propriedade do bem.

Logo, o disposto no art. 12 da Lei Complementar n. 87/96 serve como referência para

fins de delimitar no tempo a ocorrência do fato gerador. Mas a incidência deste imposto

cinge-se à efetiva concretização do aspecto material da hipótese de incidência, assim como à

observância dos demais aspectos da norma tributária em apreço.

1.4. Aspecto pessoal da hipótese de incidência do ICMS

O art. 4º da Lei Complementar 87/96 define contribuinte como

qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria (...), ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

Em outras palavras, o contribuinte é comerciante. Comerciante é aquele que, com

habitualidade e profissionalidade, pratica atos de comércio, que nada mais são do que

operações relativas à circulação de mercadorias. Fala-se aqui de comerciante em seu sentido

mais amplo, não importando se está ou não regularmente inscrito na Junta Comercial. Para

efeitos de incidência de ICMS, o contribuinte pode ser comerciante irregular, que pratica a

mercancia mesmo não estando devidamente registrado junto ao órgão comercial competente.

46

Embora o comerciante seja o contribuinte, insta gizar que não é ele que suporta o

tributo. Este é repassado indiretamente, embutido no preço do bem, ao destinatário final da

mercadoria. Este, que manifesta capacidade contributiva, é quem efetivamente paga o

imposto. É o contribuinte de fato.

Em alguns casos, não se pode apurar o responsável pela operação de circulação de

mercadoria, ou seja, não se tem como indicar o contribuinte de direito. Em vista destas

situações, no parágrafo único do art. 4º o legislador complementar definiu como contribuinte

aquela pessoa jurídica ou física que, mesmo sem habitualidade,

I - importe mercadorias do exterior, ainda que as destine a consumo ou ao ativo permanente do estabelecimento; II - seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; III - adquira em licitação de mercadorias apreendidas ou abandonadas; IV - adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização161.

De acordo com Mizabel Derzi,

inexiste ofensa ao princípio da capacidade econômica, pois, na verdade, o encargo do ICMS não é de ser suportado pelo contribuinte de iure, como se sabe, mas sim pelo consumidor, que não é sujeito passivo da relação tributária162.

Ademais, saliente-se que contribuinte, segundo o inciso I do art. 121 do Código

Tributário Nacional, é aquele que tem “relação pessoal e direta com a situação que constitua o

respectivo fato gerador”.

Como as situações previstas nos incisos do parágrafo único do art. 4º da Lei

Complementar n. 87/96 – que são operações relativas à circulação de mercadorias – em face

de suas particularidades, não são intermediadas pelo contribuinte descrito no caput do artigo,

torna-se contribuinte aquele que, embora sem habitualidade, tem relação direta e pessoal com

o aspecto material da hipótese de incidência do ICMS.

161 Mizabel Derzi entende que o inciso IV é inconstitucional. Para esta autora, a inconstitucionalidade reside “no fato de que as operações interestaduais com lubrificantes e combustíveis líqüidos e gasosos derivados do petróleo são imunes, por força do art. 155, § 2º, X, b, da Constituição, quer sejam destinados à comercialização ou ao consumo, não importando que o adquirente seja comerciante ou não”. (BALEEIRO, Aliomar. Op. Cit., p. 448). 162 BALEEIRO, Aliomar. Op. Cit., p. 448.

47

2. ISSQN

A regra matriz do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) exsurge do

art. 156, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil:

Art. 156. compete aos municípios instituir impostos sobre: (...) III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II163, definidos em lei complementar.

O Decreto-Lei n. 406/68 foi recepcionado pela ordem constitucional vigente como Lei

Complementar164, atendendo assim ao disposto no art. 146, III, “a” da CRFB. De tal sorte, é

neste Decreto-Lei que estão dispostas as normas gerais a respeito da hipótese de incidência do

ISSQN.

2.1. Aspecto material da hipótese de incidência do ISSQN

O Decreto-Lei n. 406/68 define, em seu art. 8º, a hipótese de incidência do ISSQN:

Art 8º. O imposto, de competência dos Municípios, sobre serviços de qualquer natureza, tem como fato gerador a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço constante da lista anexa.

De acordo com este dispositivo, o imposto sob análise incide sobre a prestação dos

serviços constantes da lista de serviços. Tal lista é disposta, atualmente, na Lei Complementar

n. 56/87, e arrola cento e um serviços165.

Esta lista é taxativa166, o que importa em afirmar que apenas é passível de tributação

pelo ISSQN a prestação dos serviços dela constantes.

Ressalve-se que existem vozes contrárias à taxatividade da lista de serviços167. A

insurgência se escora principalmente no argumento de que a redação do art. 156, inciso III, da

CRFB, insere na órbita de tributação municipal todos os serviços, de qualquer natureza, com

exceção aos serviços previstos no art. 155, inciso II da CRFB168.

163 Os serviços compreendidos no art. 155, inciso II, são os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, que se submetem ao ICMS. 164 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. Cit., p. 522. 165 O 101º serviço foi acrescido pela Lei Complementar n. 100/99. 166 Segundo Mizabel Derzi (In BALEEIRO, Aliomar. Op. Cit., p. 503), este entendimento é esposado pela significativa maioria da doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores. 167 Mizabel Derzi aponta como contrários à taxatividade da lista de serviços Geraldo Ataliba, Souto Maior Borges, Sacha Calmon Navarro Coêlho e Roque Antonio Carrazza. (BALEEIRO, Aliomar. Op. Cit., p. 502). 168 Neste sentido: COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. Cit., pp. 521-522.

48

Não obstante ser significativa tal argumentação, este entendimento não prospera. A

parte final do inciso III do art. 156 da CRFB confere à lei complementar a tarefa de definir o

que sejam serviços de qualquer natureza. Tal comando constitucional é corroborado pelo art.

146, III, “a”, como já foi explanado.

O legislador do Decreto-Lei n. 406/68, decreto este que foi recepcionado como lei

complementar, optou por definir os serviços tributáveis através do arrolamento dos mesmos.

Tal solução não é a mais adequada, pois definir o que seja prestação de serviços implica em

formular conceito especificante e determinado, por meio da enumeração dos aspectos, características, notas essenciais do conceito de prestação de serviços, critérios que permitam a sua identificação em cada caso concreto169.

No entanto, a falta da formulação deste conceito não elide a vigência do texto legal

contido no Decreto-Lei n. 406/68, porquanto na atual ordem tributária o ISSQN incide sobre

aqueles serviços constantes da lista. O clamor daqueles estudiosos que não se conformam com

este entendimento é válido e consistente; porém, enquanto viger o Decreto-Lei em epígrafe,

este deverá ser observado.

No mais, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que a prestação dos serviços para

fins de incidência do ISSQN reveste-se das seguintes características:

1. a prestação de serviços configura uma utilidade (material ou imaterial), como execução de obrigação de fazer e não de dar coisa; 2. deve ser prestada a terceiro, excluindo-se os serviços que a pessoa executa em seu próprio benefício, como o transporte de mercadoria de um estabelecimento a outro da mesma pessoa; 3. executado sem vínculo de subordinação jurídica, mas em caráter independente, razão pela qual excluem-se os serviços prestados pelos empregados a seus empregadores e pelos servidores públicos; 4. deve ser habitual, e não meramente eventual; 5. assim como ser objeto de circulação econômica, executado com objetivo de lucro, excluindo-se os serviços gratuitos ou de cortesia, beneficentes ou a preços baixos, como alimentação servida a empregados gratuitamente ou a preço de custo; 6. finalmente, o serviço deve ser prestado em regime de direito privado (por pessoa física ou jurídica, empresa pública ou sociedade de economia mista); se público, haverá imunidade, exceto para aquele serviço dado em concessão ou permissão a terceiros170.

169 BALEEIRO, Aliomar. Op. Cit., p. 502. 170 Idem, p. 491.

49

Logo, tem-se que o aspecto material da hipótese de incidência do ISSQN é a prestação

daqueles serviços descritos na lista constante da Lei Complementar n. 56/87, com o serviço

acrescido pela Lei Complementar n. 100/99.

2.2. Aspecto espacial da hipótese de incidência do ISSQN

A definição do aspecto espacial da hipótese de incidência do ISSQN exsurge do art. 12

do Decreto-Lei n. 406/68:

Art 12. Considera-se local da prestação do serviço: a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador; b) no caso de construção civil o local onde se efetuar a prestação.

Não obstante o disposto no artigo supra transcrito, o Superior Tribunal de Justiça vem

consolidando o entendimento de que para fins de incidência do ISSQN, o local da prestação

do serviço é onde este efetivamente se concretizou171. Logo, quando há disparidade entre o

local do estabelecimento prestador (ou do domicílio do prestador) e o local onde o serviço foi

prestado, o município competente para proceder à arrecadação do ISSQN é aquele onde

houve a consolidação do serviço. Em face disto, o aspecto espacial da hipótese de incidência

do ISSQN traduz-se no local onde o serviço foi efetivamente prestado.

2.3. Aspecto temporal da hipótese de incidência do ISSQN

Não há, no texto constitucional ou no Decreto-Lei n. 406/68, quaisquer indicações

explícitas do aspecto temporal da hipótese de incidência do ISSQN.

No entanto, o aspecto temporal da hipótese de incidência do imposto ora analisado é

indissociável do aspecto material, porquanto se considera ocorrido o fato gerador no momento

da concretização da prestação de serviços.

171 “EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ISS. COMPETÊNCIA. LOCAL DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PRECEDENTES. I - Para fins de incidência do ISS – Imposto Sobre Serviços –, importa o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se releve o teor do art. 12, alínea “a” do Decreto-Lei n.º 406/68”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão em Embargos de Divergência no Recurso Especial n. ERESP 130.792-CE. Embargante: Corpo de Vigilantes Particulares Ltda. – CORPVS e outro. Embargado: Município de Juazeiro do Norte. Relator para Acórdão: Ministra Nancy Andrighi. Primeira Seção. Julgado em 07 de abril de 2000. Publicado no DJU de 12 de junho de 2000. p. 66). No mesmo sentido: ERESP 168.023-CE, RESP 115.279-RJ, EDRESP 115.338-ES, RESP 168.023-CE, RESP 115.337-ES, RESP 720-MA, RESP 54.002-PE, RESP 23.371-SP e RESP 41.867-RS.

50

Nos casos onde há uma prestação de serviços de execução continuada, o aspecto

temporal se materializa no momento em que há a contraprestação ao serviço – o

pagamento172.

2.4. Aspecto pessoal da hipótese de incidência do ISSQN

O art. 10 do Decreto-Lei n. 406/68 determina o aspecto pessoal da hipótese de

incidência do imposto sob exame:

Art 10. Contribuinte é o prestador do serviço. Parágrafo único. Não são contribuintes os que prestem serviços em relação de emprego, os trabalhadores avulsos, os diretores e membros de conselhos consultivo ou fiscal de sociedades.

3. Os impostos e o software

Preliminarmente, é necessário ressalvar-se que tanto o ICMS quanto o ISSQN não

incidem sobre um bem – no contexto aqui tratado, o software. Estes impostos incidem,

respectivamente, sobre as operações relativas à circulação de e sobre os serviços constantes da

lista da Lei Complementar n. 56/87. Assim, não se pode cogitar que estes impostos incidem

sobre o software, e sim sobre as atividades conexas à sua transmissão. Feita esta ressalva,

passa-se à análise dos impostos telados em relação à transmissão do programa de computador.

Software, conforme já demonstrado, é um bem móvel, incorpóreo, com características

de obra intelectual. Em relação à sua função, pode ser de base ou aplicativo. Relativamente ao

grau de padronização, o software pode ser standard (padrão, de prateleira), por encomenda (à

medida do cliente) ou adaptados ao cliente (customized).

Como já frisado, o objetivo precípuo do presente estudo é a análise da incidência do

ICMS e do ISSQN sobre as relações jurídicas que têm por objeto a distribuição do software

aos usuários finais deste. Para atingir este escopo, passa-se a analisar cada uma das espécies e

subespécies do programa de computador e as respectivas repercussões tributárias.

172 JUSTEN FILHO, Marçal. ISS no Tempo e no Espaço. In: Revista Dialética de Direito Tributário. vol. 2. p. 61. Apud OLIVEIRA, André da Silva de. A Tributação do Programa de Computador: ICMS ou ISS? Cit., p. 44.

51

3.1. O imposto do software “de base”

O programa de computador “de base” é aquele que está intrinsecamente ligado ao

funcionamento do hardware. Sem ele, a máquina computacional não realiza suas finalidades

básicas.

Para fins de tributação, é importante notar que este tipo de software pode se apresentar

de duas maneiras: disponível autonomamente173 ou integrado ao computador, de forma

indissociável deste.

Na primeira hipótese, a tributação da comercialização do software “de base” segue as

mesmas regras da tributação relativa à transmissão do programa de computador aplicativo,

que serão mais adiante analisadas.

No entanto, quando o software “de base” não puder ser separado da máquina

computacional, ou seja, quando ao computador já estiver integrado o programa de “base”, a

tributação da sua comercialização segue o regime observado para o computador.

O computador, enquanto cerne de uma operação comercial, indiscutivelmente é uma

mercadoria: é móvel, corpóreo e destinado ao comércio. Logo, a venda de um computador,

enquanto atividade comercial, é uma operação relativa à circulação de mercadorias, sujeita à

incidência de ICMS. Como neste caso o programa “de base” é acessório ao computador, por

ser indissociável deste, o imposto resta por atingir também o software, pois sempre que

software estiver integrado, de forma inseparável, à máquina, aplicar-se-á o princípio de que o acessório segue a regra do principal, porque nesta hipótese o essencial é a máquina e, então, poderá haver a incidência do tributo estadual (ICMS)174.

Assim, o ICMS cobrado nas operações comerciais cujo objeto é o computador, incide

também sobre o software “de base” – quando este não puder ser separado daquele. De tal

sorte, o ICMS será cobrado sobre o preço total, isto é, sobre a soma entre o preço do

hardware e do software “de base”, o que importa em afirmar que neste caso incide ICMS

sobre a comercialização de software.

173 É o caso, por exemplo, dos sistemas operacionais: eles podem ser atualizados, ou substituídos por outros, sem que para isto seja necessário trocar a máquina computacional. 174 AKSELRAD, Moisés. Teoria e Prática de Direito Tributário. São Paulo: J. de Oliveira, 1999. p. 13.

52

3.2. O imposto do software aplicativo

3.2.1. Software por encomenda (à medida do cliente)

O programa de computador feito sob encomenda é objeto de um contrato de prestação

de serviços. O interessado em obter um programa especificamente desenvolvido para as suas

necessidades contrata uma pessoa, jurídica ou física, que irá desenvolver um software que

atenda às finalidades pretendidas pelo contratante.

Nesta hipótese, constata-se que não há mercadoria: o programa de computador

desenvolvido por encomenda, resultado de uma prestação de serviço, não é mercadoria –

pelas razões já descritas. Por outro lado, como já visto, na contratação deste tipo de programa

não há transferência de domínio: ou o contrato de encomenda não prevê nada relativamente à

titularidade – caso em que os direitos de propriedade são do contratante –, ou há disposição

contratual para que a parte contratada (quem desenvolve o programa) fique na titularidade do

software, sendo que o uso deste é licenciado ao contratante.

Logo, não há de se falar em ICMS, pois não há circulação e nem mercadoria na

encomenda de desenvolvimento de um programa de computador.

Resta analisar se sobre esta encomenda incide o ISSQN.

Como já foi aqui tratado, a lista de serviços da Lei Complementar n. 56/87 (com o

serviço acrescido pela Lei Complementar n. 100/99) arrola os serviços cuja prestação é

passível de ser tributada pelo ISSQN. Por força do art. 8º do Decreto-Lei n. 406/68, que é o

dispositivo que regula o aspecto material da hipótese de incidência do Imposto Sobre

Serviços, a lista de serviços é taxativa, vale dizer, é tributável somente a prestação daqueles

serviços dela constantes.

Analisando-se a lista de serviços, dos cento e um ali presentes, sobressai ao tema aqui

proposto o item 24 da lista. Este item descreve o seguinte serviço: “Análises, inclusive de

sistemas, exames, pesquisas e informações, coleta e processamento de dados de qualquer

natureza”. Existem entendimentos equiparando o processamento de dados ao

desenvolvimento de programa de computador, portanto dando azo à cobrança do ISSQN na

encomenda de desenvolvimento de software. No entanto, o desenvolvimento de programas de

computador engloba várias atividades, entre elas o processamento de dados. Porquanto o

desenvolvimento de softwares não é sinônimo de processamento de dados; este é uma das

etapas da elaboração do produto final, qual seja, o programa de computador. Logo, o item 24

53

da lista de serviços não se coaduna com o desenvolvimento do programa de computador como

um todo.

Assim, como a lista é taxativa, e não há descrição de serviço dela constante que

comporte o desenvolvimento sob encomenda de software, existem entendimentos de que não

é possível a incidência de ISSQN sobre as operações ora analisadas.

Não obstante, é importante ressaltar aqui que embora a lista de serviços seja taxativa,

comporta uma interpretação mais abrangente175. Em diversos itens, o legislador reportou-se a

termos como “congêneres”, “serviços correlatos” e “operações similares”, o que configura

uma certa elasticidade da descrição dos serviços. Na verdade, isto é reflexo da impropriedade

da solução adotada para definir o aspecto material da hipótese de incidência. Por não definir

abstratamente o conceito de serviço, preferindo descrever os serviços tributáveis, o legislador

impingiu à lista uma certa flexibilização da descrição dos serviços dela constantes, pois

impossível seria definir todas as nuances dos serviços tributáveis. De tal sorte, a lista

conquanto seja taxativa quanto aos gêneros de serviços descritos, comporta uma interpretação

mais abrangente quanto às espécies concretas de serviços tributáveis. Indo mais além,

entende-se aqui que um serviço resultante da conjunção de dois ou mais serviços descritos na

lista, também é tributável pelo ISSQN.

O item 30 da lista descreve como serviço tributável a realização de “projetos, cálculos

e desenhos técnicos de qualquer natureza”. Combinando-se este serviço com o serviço do

item 24, há uma aproximação adequada do serviço consistente no desenvolvimento de um

software. Assim, a realização conjugada de projetos técnicos, cálculos e processamento de

dados conforma-se com a feitura de um programa de computador.

Na realidade, os itens 22 e 23 da lista de serviços, que foram vetados, melhor se

adequariam à descrição do desenvolvimento de programa de computador:

22. Assessoria ou consultoria de qualquer natureza, não contida em outros itens desta Lista, organização, programação, planejamento, assessoria, processamento de dados, consultoria técnica, financeira ou administrativa (vetado). 23. Planejamento, coordenação, programação ou organização técnica, financeira ou administrativa (vetado).

Não obstante estes itens terem sido vetados, o desenvolvimento de software, serviço

necessário à realização do objeto do contrato de encomenda de programa de computador, qual

175 BALEEIRO, Aliomar. Op. Cit., p. 501.

54

seja, o próprio software encomendado, pode ser considerado como serviço listado (pela

combinação dos serviços descritos nos itens 24 e 30), e, conseqüentemente, tributável pelo

ISSQN.

A concretização do fato previsto na hipótese de incidência do ISSQN se dá no

momento da concretização do serviço avençado, ou seja, no instante em que se o software tem

o seu uso disponibilizado ao contratante, disponibilização esta que se dá com a realização do

contrato de licença de uso176.

3.2.2. Software adaptado ao cliente (customized)

O programa de computador adaptado ao cliente nada mais é do que um programa

padrão que sofre modificações para atender a um anseio específico de um usuário. Estas

modificações podem ser realizadas tanto pelo próprio usuário – quando o software assim o

permitir –, quanto pelo desenvolvedor do programa.

Na primeira hipótese, isto é, quando o programa possibilita modificações pelo usuário,

este software não deixa de ser um programa de computador padrão. A possibilidade de

modificação faz parte do próprio programa, desenvolvido sem ter em mira um usuário

individualmente considerado. Destarte, a tributação deste tipo de programa segue as mesmas

diretrizes do software standard, que será adiante analisado.

Já as modificações impingidas pelo desenvolvedor do programa, a critério do usuário,

são acertadas por intermédio de um contrato que tem a mesma natureza do contrato de

encomenda de software. Logo, a tributação deste tipo de transação se dá da mesma forma que

na contratação de desenvolvimento de programa de computador.

3.2.3. Software standard (padrão ou de prateleira)

O programa de computador padrão é aquele desenvolvido para atingir um amplo

espectro de usuários. É o software “previamente desenvolvido de modo padronizado, visando

atender a necessidades genéricas de uma gama inexata de usuários potenciais”177. Este tipo de

176 A não ser naquelas hipóteses, já tratadas, nas quais o contratante fica com a titularidade do programa de computador resultante do contrato de encomenda. 177 OLIVEIRA, André da Silva de. A tributação do programa de computador padronizado In: ROVER, Aires José (Org.). Direito, Sociedade e Informática: limites e perspectivas da vida digital. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2000. p. 160.

55

programa é massivamente distribuído, sendo adquirido facilmente, até mesmo em

hipermercados178. Por isto a alcunha “de prateleira”.

Preliminarmente, é necessário discorrer-se acerca do posicionamento do Supremo

Tribunal Federal relativamente à tributação do software “de prateleira”. O Acórdão do

Recurso Extraordinário n. 176.626-3-SP, julgado por unanimidade em 10 de novembro de

1998 pela Primeira Turma, e cujo relator foi o Ministro Sepúlveda Pertence, estabeleceu as

diretrizes do STF em relação à matéria, porquanto insta examina-lo.

A ementa deste Acórdão assim dispõe:

Programa de computador ("software"): tratamento tributário: distinção necessária. Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de “licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador” – matéria exclusiva da lide –, efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo – como a do chamado ‘software de prateleira’ (off the shelf) – os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio179.

Com este Acórdão, o STF sinalizou para a possibilidade de incidência de impostos

distintos para o software por encomenda e o software padrão: nas operações envolvendo os

primeiros, cabe ISSQN; já sobre aquelas operações cujo objeto é o programa de computador

“de prateleira”, incide o ICMS.

Para fundamentar este entendimento, o Ministro Sepúlveda Pertence, relator do

Acórdão em análise, acolheu os argumentos de Rui Saavedra, para o qual existem dois

contratos distintos, embutidos no licenciamento do software “de prateleira”:

Quando o software standard é licenciado (...) há, na verdade dois contratos: por um lado, um contrato para que sejam fornecidas manifestações físicas do software; e por outro, um contrato para a atribuição de uma licença de uso do software. O contrato pelo qual o cliente é investido na posse do software será um contrato de compra e venda ou de doação se a propriedade sobre os meios físicos for

178 SAAVEDRA, Rui. Op. Cit., p. 29. Apud BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Recurso Extraordinário n. RE-176626-3-SP. Cit., fls. 318. 179 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Recurso Extraordinário n. RE-176626-3-SP. Cit., fls. 305.

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transmitida ao licenciado; se não houver essa transmissão, tratar-se-á de um contrato de locação ou, porventura, de comodato180.

Ao acolher a proposta doutrinária da dualidade implícita no contrato de licença de uso,

o STF afirmou:

O comerciante que adquire exemplares para revenda, mantendo-os em estoque ou expondo-os em sua loja, não assume a condição de licenciado ou cessionário dos direitos de uso que, em conseqüência, não pode transferir ao comprador: sua posição, aí, é a mesma do vendedor de livros ou de discos, que não negocia com os direitos do autor, mas com o corpus mechanicum da obra intelectual que nele se materializa. Tampouco, a fortiori, a assume o consumidor final, se adquire um exemplar do programa para dar de presente a outra pessoa. E é sobre essa operação que cabe plausivelmente cogitar da incidência do imposto questionado181.

Em suma, o STF entende que incide ICMS na comercialização do programa de

computador padronizado devido ao caráter dúplice desta negociação: o usuário final deste tipo

de programa, ao adquiri-lo em um estabelecimento, firma com este um contrato de compra e

venda, ao mesmo tempo em que licencia o uso com o desenvolvedor do software. Assim, o

STF resta por equiparar o software “de prateleira”, enquanto objeto de um contrato de compra

e venda, a uma mercadoria; porquanto sobre a operação relativa à “venda” de um programa de

computador padronizado incide ICMS.

Equivoca-se o STF.

A Lei do Software, como já foi afirmado aqui, condiciona o uso do software ao

contrato de licenciamento, não se referindo a nenhum outro tipo de contratação relativa ao

programa de computador. Por outro lado, para que seja possível a incidência do ICMS sobre

qualquer operação182, mister seja esta relativa à circulação de mercadorias. Ocorre que o

software não é mercadoria, e também não há circulação quando um cliente “compra” um

programa de computador, pois sua titularidade permanece com o seu desenvolvedor. Este

mesmo raciocínio, paradoxalmente, é adotado pelo STF no desenrolar da fundamentação do

Acórdão ora referido. Translada-se as palavras do Ministro Sepúlveda Pertence:

180 SAAVEDRA, Rui. Op. Cit., pp. 79-80. Apud BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Recurso Extraordinário n. RE-176626-3-SP. Cit., fls. 322. 181 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Recurso Extraordinário n. RE-176626-3-SP. Cit., fls. 322-323. 182 Repisa-se que nesta monografia, quando se faz alusão ao ICMS, trata-se somente da sua faceta afeta às operações relativas à circulação de mercadorias.

57

Estou, de logo, em que o conceito de mercadoria efetivamente não inclui os bens incorpóreos, como os direitos em geral: mercadoria é bem corpóreo objeto de atos de comércio ou destinado a sê-lo. Ora, no caso, o que se pretende é a declaração de inexistência de relação jurídica de natureza tributária entre a autora e o Estado, relativamente às operações de “licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador”: trata-se, pois, de operações que têm como objeto um direito de uso, bem incorpóreo insuscetível de ser incluído no conceito de mercadoria e, conseqüentemente, de sofrer a incidência do ICMS183.

Ademais, o STF interpreta erroneamente a doutrina acolhida neste Acórdão. Rui

Saavedra afirma, no trecho trasladado pelo Ministro Relator, que ocorrem dois contratos

“quando o software standard é licenciado (...): por um lado, um contrato para que sejam

fornecidas manifestações físicas do software; e por outro, um contrato para a atribuição de

uma licença de uso do software”184. Assim, na operação cujo objeto é “compra” de um

programa de computador padrão, ocorre concomitantemente um contrato de licença de uso e

um contrato de compra e venda quanto à veiculação física do software. Mas o contrato de

compra e venda ínsito, conquanto tenha a sua existência admissível, para fins de incidência

tributária torna-se irrelevante:

Ocorre que o valor da base física é ínfimo, praticamente desprezível, na composição final do preço do produto exposto à venda. Portanto, a incidência tributária deve ser dirigida para a parte predominante e substancial do “software de prateleira”, ou seja, os programas residentes nos arquivos magnéticos185.

Somando-se a este posicionamento, é relevante a manifestação de André da Silva de

Oliveira, que ao tratar deste assunto assim se expressou:

A transferência do exemplar fixado não é o objeto da contratação, e esta apenas ocorre porque sem a fixação no exemplar não é possível utilizar o programa. O exemplar somente é transferido para tornar possível a licença de uso. A transferência do exemplar não tem finalidade própria, ela é conseqüência do contrato de licença de uso. Entendemos que existe, em verdade, um contrato de licença de uso, que para se efetivar demanda a realização de algumas atividades. Assim, a licença de uso é uma atividade-fim e a entrega do exemplar

183 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Recurso Extraordinário n. RE-176626-3-SP. Cit., fls. 316-317. 184 SAAVEDRA, Rui. Op. Cit., pp. 79-80. Apud BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Recurso Extraordinário n. RE-176626-3-SP. Cit., fls. 322. 185 CASTRO, Aldemario Araújo. Os Meios Eletrônicos e a Tributação. Disponível em: <http://www.baccaro.com.br/tributario/doutrina/AACmeios_eletronicos_tributação.htm>. Acesso em: 28 mar. 2001.

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do programa uma atividade-meio. Para que a licença de uso possa efetivar-se é necessário que haja a fixação e a entrega do exemplar para o licenciado. Esta entrega é, portanto, uma atividade-meio. O usuário não objetiva o recebimento do exemplar, mas sim o uso da obra. Este uso, por sua vez, só será efetivado com a entrega do exemplar186.

Pode traçar-se um paralelo, embora em sentido inverso, com o que ocorre com a

tributação do programa de computador “de base”187: neste, a natureza jurídica do hardware

impera, a ela se submetendo o software “de base”. Em se tratando de programa de

computador padrão, o que prepondera é a natureza incorpórea do software, em detrimento da

materialidade de seu suporte físico; portanto, este suporte é acessório ao software nele

contido, seguindo o regime tributário deste último188.

Não se pode olvidar da hipótese de ser o software padrão adquirido por intermédio de

comércio eletrônico direto. Neste caso, o principal argumento do STF para justificar a

tributação pelo ICMS deste tipo de programa cai por terra. Realizando um download189 de um

programa de computador, inexiste um suporte físico intermediário entre o desenvolvedor e o

usuário final. Vale dizer, a cópia do programa de computador é transferida diretamente do

“estoque virtual”190 do distribuidor do software para o computador do usuário final, sem a

necessidade da fixação do programa em um meio físico intermediário. Sobre este aspecto da

comercialização do software, dissertar-se-á mais detidamente adiante.

Outro ponto a ser abordado diz respeito à forma pela qual o programa de computador

padrão é comercializado pelos estabelecimentos distintos do desenvolvedor do software. Este

tipo de transação não pode ser comparado com as formas tradicionais de comércio.

Realmente, em uma leitura perfunctória, pode-se até concluir que o comerciante que

disponibiliza o software “de prateleira” está realizando a mercancia. Ocorre que na

186 OLIVEIRA, André da Silva de. A tributação do programa de computador padronizado. Cit., p. 166. 187 Quando este não puder ser dissociado do hardware. 188 Ressalve-se que se discorre aqui acerca do programa de computador “de prateleira”, ou seja, daquele software “vendido” até em hipermercados, cuja exteriorização física se dá por intermédio de sua base física. 189 “Ato de transferir o arquivo de um computador remoto para o seu próprio computador, usando qualquer protocolo de comunicações. O processo de se transferir uma cópia de um arquivo em um computador remoto para outro computador através da rede; o arquivo recebido é gravado em disco no computador local. O computador de onde os dados são copiados é subentendido como ‘maior’ ou ‘superior’ segundo algum critério hierárquico, enquanto o computador para o qual os dados são copiados é subentendido ‘menor’ ou ‘inferior’ na hierarquia. O sentido literal é, portanto ‘puxar para baixo’”. (Glossário Internet. Disponível em: <http://www.mackenzie.com.br/macknet/ajuda/glossario.htm>. Acesso em: 30 mai. 2001). 190 Utiliza-se esta expressão metafórica para designar o servidor – o computador hospedeiro da “matriz” do software distribuído –, que toda vez que solicitado, envia uma cópia do programa pretendido ao usuário final, por intermédio da internet.

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comercialização do software padronizado, devido às suas particularidades, este comerciante

figura mais propriamente como intermediário,

que aproxima o detentor dos direitos sobre o programa de computador do usuário final. (...) Trata-se de um contrato que se aproxima do contrato de distribuição definido no Projeto de Código civil de 1975 (artigos 719 a 730)191.

Em virtude disto, o comerciante não adquire os exemplares do programa de

computador padronizado:

Os softwares em seu poder não são de sua propriedade, portanto, não compõem em nenhum momento seu ativo fixo ou imobilizado (...). Na verdade, conforme já esclarecido, os distribuidores de softwares são meros representantes dos seus titulares, com poderes para agir em seu nome, especificamente para a finalização dos contratos de licença de uso com o usuário final e manutenção do produto, durante o tempo de vigência do ajuste192.

Portanto, na comercialização do software por um estabelecimento distinto daquele que

desenvolveu o programa,

existe a pessoa do intermediário que angaria negócios para o detentor dos direitos sobre o programa. Para realizar esta atividade, o intermediário tem à sua disposição a coisa negociada, sem, contudo, adquirir a sua propriedade193.

De todo o exposto, é incontestável a não incidência do ICMS nas operações relativas à

comercialização do software “de prateleira”, pois estas não se coadunam com a hipótese de

incidência deste imposto. A aplicação do princípio da estrita legalidade tributária e das regras

de interpretação esposadas pelo Código Tributário Nacional, máxime as disposições contidas

nos arts. 109 e 110 deste Código, não autorizam a incidência do ICMS nas operações aqui

tratadas.

Resta analisar a possibilidade de incidência do ISSQN nestas operações.

Como já foi oportunamente tratado, este imposto incide na prestação dos serviços

arrolados na lista de serviços contida na Lei Complementar n. 56/87 (com o serviço acrescido

pela Lei Complementar n. 100/99).

191 OLIVEIRA, André da Silva de. A tributação do programa de computador padronizado. Cit., p. 167. 192 WEIKERSHEIMER, Deana. Comercialização de Software no Brasil: uma questão legal a ser avaliada. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 36. Apud OLIVEIRA, André da Silva de. A tributação do programa de computador padronizado. Cit., p. 167. 193 OLIVEIRA, André da Silva de. A tributação do programa de computador padronizado. Cit., p. 167.

60

O produtor do software padronizado não é contribuinte do ISSQN, pois no

desenvolvimento deste tipo de programa não há prestação de serviço. A prestação de um

serviço “configura uma utilidade (material ou imaterial), como execução de obrigação de

fazer”194. Ou seja, o núcleo jurídico de um serviço consiste em uma obrigação de fazer. Na

produção de um software padrão, não existe esta obrigação. Além disso, em relação ao

desenvolvedor do programa de computador “de prateleira”, o licenciamento não configura a

concretização de um serviço, como ocorre na prestação do serviço objeto de um contrato de

encomenda de software: aqui, o licenciamento apenas cumpre a sua função de possibilitar o

uso do programa pelo usuário final. Ademais, a lista de serviços é taxativa, e o licenciamento

não está arrolado dentre os serviços tributáveis, considerados estes isolada ou conjuntamente.

Mas o mesmo não ocorre com o intermediário que expõe e “vende” o software “de

prateleira”. Seguindo a linha de argumentação aqui proposta, o estabelecimento que

intermedeia o licenciamento do programa padrão, isto é, aquele “que aproxima o detentor dos

direitos sobre o programa de computador do usuário final”195, presta o serviço descrito no

item 47 da lista de serviços: “Agenciamento, corretagem ou intermediação de direitos de

propriedade industrial, artística ou literária”. O software, por expressa determinação legal196, é

equiparado à obra literária; destarte, a atividade desenvolvida pelo estabelecimento que

comercializa o programa de computador padronizado harmoniza-se perfeitamente com o

serviço previsto no item 47 da lista de serviços constante da Lei Complementar n. 56/87, e

conseqüentemente há a subsunção da operação aqui analisada à hipótese de incidência do

ISSQN.

Logo, o estabelecimento que expõe e vende programa de computador “de prateleira” é

contribuinte do ISSQN.

4. Os impostos e a internet

A internet, máxime por intermédio da World Wide Web, está operando uma série de

mudanças substanciais na estrutura sócio-econômica de substancial parte das sociedades

modernas.

O orbe jurídico não ficou indiferente a estas mudanças. A internet

194 BALEEIRO, Aliomar. Op. Cit., p. 491. 195 OLIVEIRA, André da Silva de. A tributação do programa de computador padronizado. Cit., p. 167. 196 Art. 7º, XII, da Lei 9.610/98; art. 2º da Lei 9.609/98.

61

entrou no mundo do direito despertando os atrasos, as cautelas, a perplexidade e as desconfianças que circundam os novos fenômenos. Podem ser evidenciadas duas reações típicas dos juristas: a desconfiança, característica do mundo fechado do Direito, quando se confronta com as inovações tecnológicas; e a defesa – típica do Direito –, que se fecha e procura expelir o elemento perturbador para neutralizar as forças invasoras197.

Em virtude destas características típicas do Direito, há uma tendência natural de

“adequação forçada” da nova realidade introduzida pela internet aos postulados jurídicos já

existentes, o que, tal como o Leito de Procusto, acaba por distender ou mutilar os novos

institutos, com fito de os amoldar à vetusta lógica jurídica vigente.

Relativamente à internet, Marco Aurelio Greco afirma:

O Direito Tributário não escapa a esta realidade. Ao contrário, a História mostra que, nos momentos de profunda transformação da sociedade, é este ramo do Direito um dos primeiros a sofrer os impactos do “novo”. Assim é, pois ele corresponde a um dos mais sensíveis campos do relacionamento entre cidadão e Estado, nele se configurando o contexto em que diretamente é necessário buscar o ponto de equilíbrio do binômio autoridade/liberdade198.

Com efeito, a postura do STF relativamente à tributação dos programas de computador

“de prateleira” demonstra cabalmente a perplexidade ocasionada pelos novos conceitos

introduzidos pela informática, e a inadequação da aplicação das normas vigentes a esse novo

paradigma.

Não obstante estes novos fatos realmente demonstrarem capacidade econômica e

circulação de riquezas, não se pode elidir a correta aplicação das normas tributárias vigentes.

Ocorre que a sistemática tributária atual não se coaduna com estes novos fatos: a internet

trouxe uma nova realidade, e o Direito Tributário não está preparado para recebê-los. Cumpre

aos operadores do sistema tributário respeitarem o princípio da legalidade, e mais, da estrita

legalidade tributária, na aplicação da norma tributária à esta nova realidade, e aceitarem a não

incidência tributária quando esta ocorrer.

Inexistindo lei que preveja um determinado fato da realidade como imponível, o fato não poderá ensejar consideração para fins de incidência tributária, de forma a que se estará diante de hipótese de não incidência, ainda que o fato exprima capacidade econômica do

197 PAESANI, Liliana Minardi. Op. Cit., p. 28. 198 GRECO, Marco Aurelio. Estabelecimento Tributário e Sites na Internet. In: DE LUCCA, Newton; SIMÃO FILHO, Adalberto (Coords.). Direito & Internet: aspectos jurídicos relevantes. São Paulo: Edipro, 2000. pp. 299-300.

62

agente ou se insira no ciclo de produção de bens e riquezas econômicas199.

4.1. A tributação do software no comércio eletrônico indireto

O comércio eletrônico indireto não se afasta do tradicional comércio praticado à

distância, às vezes denominado de telemarketing, onde mercadorias são encomendadas

através de fax, telefone, correio, etc. O comércio eletrônico indireto utiliza a internet como

um novo meio de efetuar pedidos de mercadorias. O estabelecimento comercial que se vale da

internet para receber pedidos os satisfaz mediante o mesmo procedimento adotado na entrega

dos bens encomendados pelo fax ou telefone. Assim, este comerciante efetua operação

relativa à circulação de mercadorias, sujeita ao ICMS.

O bem pretendido pelo consumidor que efetua pedido através da internet, no caso do

comércio eletrônico indireto, geralmente é móvel, corpóreo e destinado ao comércio. É

mercadoria, anunciada na WWW por um estabelecimento comercial, que tem o intuito de

vendê-la e auferir lucro, exercendo assim a mercancia. Ao realizar-se uma compra, ocorre a

efetiva mudança de titularidade do bem negociado através da tradição, que ocorre com a

remessa do produto objeto da transação.

A única exceção é o software, pois como já visto, este não é mercadoria.

A compra e venda de mercadoria intermediada pela internet não afasta a incidência do

ICMS sobre esta operação, pois presentes todos os elementos previstos no aspecto material da

hipótese de incidência deste imposto. Em suma, a tributação ocorrida em sede de comércio

eletrônico indireto não difere da tributação ocorrente no comércio tradicional, pelo menos no

que diz respeito às operações relativas à circulação de mercadorias, que no mais, são a

essência da mercancia.

Quanto ao software, aplicam-se às operações relativas à sua comercialização, mesmo

quando intermediado pelo comércio eletrônico indireto, as mesmas conclusões já obtidas

quando da análise da possibilidade de incidência do ISSQN ou do ICMS tendo em vista cada

espécie de software negociada.

199 LUNA FILHO, Eury Pereira. Limites Constitucionais à Tributação na Internet. O Neófito. Disponível em: <http://www.neofito.com.br/artigos/art02/inform28.htm>. Acesso em: 10 jun. 2000.

63

Em função do conceito de comércio eletrônico indireto aqui utilizado200, apenas dois

tipos de software são passíveis de sofrer a intermediação desta espécie de comércio: o

software “de base” e o “de prateleira”.

Assim, quando há a venda de um computador pelo comércio eletrônico indireto, o

programa de computador “de base” que o acompanha será indiretamente tributado pelo

ICMS; e, como já visto, a operação de intermediação do licenciamento do software padrão,

realizada pelo comerciante, sofre a incidência do ISSQN.

Em relação ao software “de prateleira”, em sede de comércio eletrônico indireto mister

traçar algumas considerações adicionais. Em primeiro lugar, em se tratando de comércio

eletrônico indireto, o software adquirido pelo comprador estará fixado em suporte físico. Em

nada difere daquela compra efetuada fisicamente pelo usuário em uma loja, salvo que ele não

terá a posse da manifestação física do software no exato momento da transação, e sim depois

de efetuada a entrega. Graças a esta condição, o estabelecimento que se utiliza da internet

para promover e comercializar programas de computador padronizados se equipara àquele

estabelecimento que expõe em prateleiras estes mesmos softwares. Portanto, a ele aplicam-se

as conclusões já obtidas, incidindo o ISSQN sobre o serviço de intermediação de direitos de

propriedade literária por ele prestado.

Na hipótese do próprio desenvolvedor do software utilizar-se da internet para

disponibilizar o programa de computador padronizado através de comércio eletrônico

indireto, não incide nem o ISSQN e nem o ICMS. Ao remeter para o comprador o exemplar

do programa, o desenvolvedor não está realizando aquele serviço previsto no item 47 da lista

de serviços da Lei Complementar n. 56/87. Não está intermediando direitos de propriedade

literária, pois como detentor destes direitos, licencia o uso do software diretamente ao usuário

final. Ademais, esta operação não consiste em nenhum dos serviços arrolados na lista de

serviços, o que elide a possibilidade de incidência do ISSQN, haja vista a taxatividade da

lista. E nem poderia ser de modo diverso, pois como já foi observado, o licenciamento não se

consubstancia em um serviço, graças à inexistência de obrigação de fazer.

Destarte, nas operações relativas à comercialização do software “de prateleira”,

ocorridas em sede de comércio eletrônico indireto, só incidirá o ISSQN quando se tratar de

200 “Encomenda eletrônica de bens, que devem ser entregues fisicamente por meio de canais tradicionais”. (OLIVO, Luis Carlos Cancellier de. Op. Cit., p. 61).

64

intermediação realizada por empresa diversa daquela que detém os direitos relativos ao

programa.

4.2. A tributação do software no comércio eletrônico direto

O comércio eletrônico direto é aquele que é realizado integralmente pela internet:

desde o pedido, passando pela entrega on-line do bem (ou do serviço) desejado, pagamento e

atendimento pós-venda.

Este tipo de comércio eletrônico representa uma grande mudança em relação ao

comércio tradicional, pois lida com bens que não podem ser considerados mercadorias, além

de lidar também com serviços “virtuais”. Os bens passíveis de serem objeto de comércio

eletrônico direto são necessariamente imateriais, revestidos de formato digital, o que

possibilita o tráfego pela internet. Os serviços também consubstanciam-se em bits, permitindo

ao internauta consumidor sua fruição instantânea – como é o caso dos bancos de dados on-line

–, ou ainda contratando serviços que possam ser prestados pela internet, tais como o

desenvolvimento de softwares.

Este tipo de comércio vem fomentando uma revolução na economia tradicional,

centrada em bens materiais. Primeiro, porque assim como o comércio eletrônico indireto, faz

com que as práticas comerciais “tradicionais” passem “por fantásticas transformações,

decorrentes da redução das distâncias físicas e do desaparecimento das fronteiras

territoriais”201. Segundo, porque é uma das manifestações mais importantes da mudança do

capitalismo, operada pela nova realidade sócio-econômica, que é baseada no conhecimento e

na informação202. Como já se observou,

a economia está mudando. As transações de bens materiais continuam importantes, mas as transações de bens intangíveis, em um meio dessa mesma natureza, são os elementos centrais da dinamicidade comercial contemporânea, do comércio eletrônico203.

Os softwares passíveis de serem transacionados por meio de comércio eletrônico

direto são os feitos sob encomenda, os adaptados ao cliente e os “de prateleira”.

Os programas de computador feitos sob encomenda, em se tratando de comércio

eletrônico direto, apenas se diferenciam daquilo que já foi tratado sobre eles em um único

201 OLIVO, Luis Carlos Cancellier de. Op. Cit., p. 59. 202 Idem. 203 CORRÊA, Gustavo Testa. Aspectos... Cit., p. 38.

65

aspecto: têm a contratação de seu desenvolvimento e a sua entrega intermediados

exclusivamente pela internet. Assim, aplica-se a mesma conclusão já alcançada: sobre esta

operação incide o ISSQN.

Da mesma forma, a comercialização eletrônica direta dos programas de computador

adaptados ao cliente seguem as regras já observadas: caso sejam realizadas as modificações

pelo próprio usuário, a tributação da operação cujo objeto é o programa adaptado segue as

mesmas disposições da tributação da comercialização do programa padronizado; caso sejam

realizadas adaptações pelo desenvolvedor do programa, a tributação se dá da mesma forma

que na encomenda de desenvolvimento de software.

O software padronizado, quando objeto de comércio eletrônico direto, só pode ser

veiculado através da internet. Vale dizer, não é comercializado em um suporte físico

intermediário. A cópia é disponibilizada pela internet, eletronicamente estocada no servidor

do estabelecimento que a oferece para o internauta. Este, interessando-se pelo programa e

“comprando-o”, realiza o download da cópia diretamente para o seu computador, sem que em

nenhum momento este exemplar tenha se materializado em um suporte físico possível de ser

exibido em uma prateleira. Este mesmo programa poderia ser gravado em um disquete ou em

um CD-ROM, embalado e distribuído para hipermercados que disponibilizariam este

programa para a “venda” ao usuário final.

É neste contexto que o principal argumento do STF para justificar a incidência do

ICMS sobre a comercialização do programa padronizado mostra-se inadequado. Segundo o

STF, sobre a comercialização do programa de computador padronizado, fixado em uma base

física e exposto à venda em um estabelecimento, incide o ICMS, pois o comerciante estaria

negociando com o corpus mechanicum da obra intelectual, tal como ocorre com a

comercialização de discos ou livros. Mas este mesmo estabelecimento, comercializando este

mesmo software pela internet, disponibilizando cópias através de download, não transaciona

com o corpus mechanicum da obra intelectual. Abstraindo-se o elemento físico, tem-se a

mesma operação: o usuário fruirá do uso do programa de computador, e o estabelecimento

comercial auferirá lucro com a venda. Da mesma forma que aconteceria se o software

estivesse fixado em uma base física.

Esta constatação reforça a falta de fundamentação para a incidência de ICMS sobre as

operações relativas à comercialização do programa de computador padrão fixado em meio

físico. E muito menos sobre as operações de comércio eletrônico direto envolvendo este tipo

66

de software. Em quaisquer das hipóteses, o único imposto cabível é o ISSQN, pois o

comerciante estará intermediando direitos de propriedade literária, portanto realizando o

serviço previsto no item 47 da lista de serviços da Lei Complementar n. 56/87.

Caso seja o próprio desenvolvedor do programa padronizado que esteja promovendo a

venda dos exemplares através de comércio eletrônico direto, não incide nem o ISSQN e nem

o ICMS sobre a operação, pois não há prestação de quaisquer serviços e muito menos a

circulação de mercadoria.

67

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A nova realidade econômica trazida pela Terceira Revolução Industrial fez com que a

internet adquirisse grande importância na circulação de riquezas do mundo hodierno.

A disseminação da internet, principalmente através da World Wide Web, operou uma

importante mudança nas relações comerciais. São cada vez mais correntes os negócios

envolvendo bens e serviços efetuados por intermédio da internet. Em face disto, o Estado não

se queda inerte, e almeja, através da tributação da nova economia, um substancial reforço na

arrecadação.

O tributo grava as manifestações de capacidade econômica, com o fito de fornecer ao

Estado subsídios pecuniários para a realização de suas finalidades; e, inegavelmente, existem

operações que ocorrem na internet que manifestam a capacidade contributiva das partes

envolvidas nestas transações, o que autorizaria a exação.

Ocorre que o Direito Tributário é regido por vários princípios constitucionais

explícitos e implícitos, que em conjunto com os direitos e garantias fundamentais, protegem

os cidadãos de uma tributação desmedida do Estado. São princípios que limitam o poder de

tributar, e dentre eles, destaca-se o princípio da estrita legalidade tributária, que vai além da

simples obrigatoriedade de lei para instituir ou majorar tributos: a lei fiscal deve conter todos

os elementos identificadores do fato tributável – assim como as conseqüências jurídicas de

sua ocorrência –, tipificando-o e adstringindo o Fisco a subsumir o fato tributável à norma,

elidindo-se quaisquer ingerências valorativas. Conseqüentemente, o contribuinte é

resguardado de um desvario tributário por parte do Estado, sendo conferidas aos cidadãos

certeza e segurança jurídicas acerca dos seus encargos tributários.

Destarte, para que incida determinado tributo sobre dado fato que manifeste

capacidade econômica, mister seja este perfeitamente descrito em lei; lei esta que deverá

fornecer todos os elementos necessários para que se identifique, dentre os fatos ocorridos

diariamente no cotidiano, aqueles que são passíveis de serem tributados.

68

Ao conjunto de transações intermediadas de alguma forma pela internet, dá-se o nome

de comércio eletrônico, que se divide em duas espécies: o direto e o indireto. Este não difere

muito do comércio tradicional: a internet como uma nova forma de realizar-se encomendas de

bens. Aquele é o tipo de comércio eletrônico “puro”: a contratação, a entrega e o pagamento

de um bem incorpóreo são inteiramente feitas pela internet.

Das transações ocorridas em sede de comércio eletrônico, analisou-se nesta

monografia a possibilidade de incidência do ICMS e do ISSQN sobre a comercialização de

softwares.

O ICMS é o imposto que incide sobre as operações relativas à circulação de

mercadorias, ou seja, incide sobre atos jurídicos relativos à transferência de propriedade de

bens móveis, corpóreos e destinados ao comércio.

Como foi frisado, a lei fiscal, ao utilizar-se de conceito de Direito Privado, não pode

modificar a substância deste conceito. Assim, ao utilizar-se do conceito de mercadoria na

hipótese de incidência do ICMS, a norma tributária vale-se de um conceito consagrado pelo

Direito Comercial. Para este, mercadoria é bem móvel, corpóreo e destinado ao comércio;

portanto, a lei tributária, ao referir-se à mercadoria, está valendo-se do conceito de mercadoria

esposado pelo Direito Comercial.

O ISSQN incide sobre a prestação dos serviços arrolados na lista de serviços constante

na Lei Complementar n. 56/87, com o serviço acrescido pela Lei Complementar n. 100/99.

Esta lista é taxativa, pois o art. 8º do Decreto-Lei n. 406/68 descreve o aspecto material da

hipótese de incidência como a prestação de serviço constante da lista, ou seja, somente é

tributável a prestação daqueles serviços dela constantes.

O software é um bem móvel, incorpóreo, com características de obra intelectual.

Graças às suas particularidades, é agasalhado sob a égide de legislação específica.

O programa de computador “de base” pode se apresentar de duas maneiras: disponível

autonomamente ou integrado ao computador, de forma indissociável deste. Caso for

transmitido desvinculado do computador, a tributação de sua comercialização segue as

mesmas regras da tributação relativa à transmissão do programa de computador aplicativo.

Caso apresente-se de forma indissociável do hardware, é considerado bem acessório ao

computador, porquanto segue o regime tributário deste. Sobre a venda de um computador,

enquanto atividade comercial, incide o ICMS, uma vez que o computador é mercadoria.

69

Assim, quando o software “de base” é intimamente atrelado ao computador, o ICMS resta por

atingir também o software.

O programa de computador feito sob encomenda é objeto de um contrato de prestação

de serviços, pelo qual uma softhouse compromete-se a desenvolver um software específico às

necessidades do contratante. Sobre esta prestação de serviços incide o ISSQN, pois pela

combinação de dois itens da lista de lista de serviços da Lei Complementar n. 56/87, tem-se a

descrição do serviço aqui tratado. O item 24 descreve como tributável o serviço de

processamento de dados de qualquer natureza, que em conjunto com o item 30, que descreve

como serviço “projetos, cálculos e desenhos técnicos de qualquer natureza”, demonstra a

possibilidade de incidência do ISSQN no desenvolvimento do software feito sob encomenda.

O programa de computador adaptado ao cliente é um programa padrão que sofre

modificações para atender a um anseio específico de dado usuário. A incidência tributária

sobre as transações envolvendo o software adaptado depende de como se dá a personalização

deste programa: caso o próprio software permita ser adaptado pelo cliente, este programa é

padronizado, pois a possibilidade de personalização faz parte do próprio programa,

desenvolvido sem ter em mira um usuário individualmente considerado. Portanto, observam-

se aqui as mesmas disposições relativas à tributação das operações que envolvam software

padrão.

Por outro lado, caso seja o desenvolvedor do programa que efetue as modificações

desejadas pelo usuário, tem-se prestação de serviços, tal qual ocorre com o software à medida

do cliente. Logo, verifica-se o mesmo regime de tributação das transações deste tipo de

programa de computador.

O programa de computador padrão é aquele desenvolvido sem ter em vista as

necessidades específicas de um usuário individualmente considerado: são feitos para um

amplo espectro de potenciais usuários.

O STF, por força do Acórdão em Recurso Extraordinário n. 176.626-3-SP, estabeleceu

o entendimento jurisprudencial de que sobre as operações que envolvam a “venda” de

softwares padronizados, incide o ICMS, por equipara-los a mercadorias. Esta conclusão se dá

principalmente porque o STF vislumbra na compra e venda do suporte físico do programa

padronizado fato gerador do ICMS. Pode admitir-se a existência de contrato de compra e

venda do suporte físico na comercialização do programa de computador padrão, mas a base

física é mero veículo do software em si, além de ter valor ínfimo em relação ao programa. É

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acessória, logo segue a tributação do principal. Assim, não incide ICMS, pois a transmissão

do software não configura uma circulação de mercadoria.

O ISSQN somente é exigível caso exista intermediação, por um terceiro, entre o

desenvolvedor do software e o usuário final. O item 47 da lista de serviços arrola como

tributável a intermediação de direitos de propriedade literária. O software é equiparado à obra

literária, portanto resta concretizada a hipótese de incidência do ISSQN quando um

estabelecimento intermedeia o licenciamento de uso de um programa padrão.

Caso o desenvolvedor do software padronizado licencie o uso diretamente ao usuário

final, sem intermediação, não incide nem o ICMS – pelos motivos já expostos –, nem ISSQN,

pois não há, neste caso, prestação de quaisquer serviços previstos na lista, que é taxativa.

A principal conclusão da análise da possibilidade de incidência do ISSQN e do ICMS

sobre a comercialização do software em sede de comércio eletrônico é a de que a tributação

das operações relativas à transmissão de software por intermédio da internet não difere da

tributação destas operações enquanto ocorridas sem a intermediação da internet.

Outro ponto relevante deste estudo é a corroboração do entendimento esposado pela

maioria dos autores pesquisados, no sentido de que o STF equivoca-se ao julgar possível a

incidência do ICMS sobre a comercialização do software “de prateleira”.

Não é admissível o entendimento de que sobre a comercialização de um software

padronizado fixado em disquete, ou em CD-ROM, incide ICMS, uma vez que sobre a

transmissão deste mesmo programa através de download não se pode cogitar na possibilidade

de incidência do ICMS, por falta de um corpus mechanicum.

Não se nega aqui a aplicabilidade dos conceitos jurídico-tributários adequados à

internet e aos seus desdobramentos. Da mesma forma, é compreensível a perplexidade que

estes novos temas trazem ao operador do Direito Tributário.

O que se critica é a tendência de procurar adequar estes novos fatos a uma sistemática

que não os comporta; melhor seria procurar adequar esta sistemática aos novos fatos.

Enquanto isto não ocorre, não se pode subverter a lógica do ordenamento jurídico-

tributário vigente com a intenção de harmonizar forçadamente duas realidades distintas. Aqui

urge que o princípio da estrita legalidade tributária se imponha, não permitindo a tributação de

situações não previstas na estrutura normativa atual.

Mesmo aquelas que, cada vez mais, representam uma realidade que se impõe com uma

velocidade assustadora: a economia digital.

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