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CADERNO DE TRABALHOS E DEBATES 11 Pensando o Brasil A VANÇOS DO MARCO LEGAL DA PRIMEIRA INFÂNCIA Centro de Estudos e Debates Estratégicos Frente Parlamentar Mista da Primeira Infância

Avancos do Marco Legal da Primeira Infância

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  1. 1. CADERNO DE TRABALHOS E DEBATES 11 Pensando o Brasil AVANOS DO MARCO LEGAL DA PRIMEIRA INFNCIA Centro de Estudos e Debates Estratgicos Frente Parlamentar Mista da Primeira Infncia
  2. 2. Primeira Infncia AVANOS DO MARCO LEGAL DA PRIMEIRA INFNCIA
  3. 3. Mesa da Cmara dos Deputados 55 Legislatura 2015-2019 2 Sesso Legislativa Ordinria Presidncia Presidente: Eduardo Cunha (Afastado) 1o Vice-Presidente: Waldir Maranho (Presidente em exerccio) 2o Vice-Presidente: Giacobo Secretrios 1o Secretrio: Beto Mansur 2o Secretrio: Felipe Bornier 3a Secretrio: Mara Gabrilli 4o Secretrio: Alex Canziani Suplentes de Secretrios 1o Suplente: Mandeta 2o Suplente: Gilberto Nascimento 3a Suplente: Luiza Erundina 4o Suplente: Ricardo Izar Diretor-Geral Rmulo de Sousa Mesquita Secretrio-Geral da Mesa Silvio Avelino da Silva
  4. 4. Cmara do Deputados Centro de Estudos e Debates Estratgicos Primeira Infncia AVANOS DO MARCO LEGAL DA PRIMEIRA INFNCIA Relator Deputado Federal Osmar Terra Equipe Tcnica Ivnia Ghesti-Galvo (Coordenadora) Consultores Legislativos Braslia 2016
  5. 5. CMARA DOS DEPUTADOS DIRETORIA LEGISLATIVA Diretor: Afrsio Vieira Lima Filho CONSULTORIA LEGISLATIVA Diretor: Luiz Fernando Carvalho Criao do projeto grfico Senado Federal Secretaria de Editorao e Publicaes SEGRAF Diagramao e adaptao do projeto grfico Senado Federal Secretaria de Editorao e Publicaes SEGRAF Capa Publicidade Cmara Reviso Senado Federal Secretaria de Editorao e Publicaes SEGRAF Centro de Estudos e Debates Estratgicos Presidente Deputado Lcio Vale Titulares Beto Rosado Carlos Melles Cristiane Brasil Jaime Martins Luiz Lauro Filho Osmar Terra Paulo Teixeira Remdio Monai Ronaldo Benedet Rubens Otoni Vitor Lippi Suplentes Capito Augusto Evair de Melo Flix Mendona Jnior Pedro Uczai Rmulo Gouveia Ronaldo Nogueira Valmir Prascidelli Secretrio Executivo Eduardo Fernandez Silva Coordenao de Articulao Institucional Paulo Motta Chefe de Secretaria Naia Mel dos Santos Bowen Coordenador de Secretaria Juliana Fernandes Camapum Juliana N. David de Almeida Washington Carlos M. da Silva Centro de Estudos e Debates Estratgicos Cedes Sala 9 a 11 -Trreo - Anexo III Cmara dos Deputados Praa dos Trs Poderes CEP 70160-900 Braslia DF Tel.: (61) 3215-8626 E-mail: [email protected] www.camara.leg.br/cedes
  6. 6. SUMRIO Apresentao Presidente da Cmara Prefcio Presidente do CEDES Introduo Deputado e Ministro Osmar Terra Autor do Projeto de Lei do Marco Legal PARTE i Fundamentos 1. POR QUE INVESTIR NA PRIMEIRA INFNCIA .......................................................................... 21 2. CENRIO MUNDIAL DAS POLTICAS DE PRIMEIRA INFNCIA .................................................. 24 3. TRAJETRIA DOS DIREITOS DA CRIANA NO BRASIL DE MENOR E DESVALIDO A CRIANA CIDAD, SUJEITO DE DIREITOS ............................................................................... 60 4. AS CRIANAS SO O BRASIL DE HOJE: ELAS NO PODEM ESPERAR ........................................ 76 5. Marco legal pela primeira infncia: UMA GRANDE OPORTUNIDADE .............................. 82 6. Os Desafios do Marco Legal para a Primeira Infncia ................................................ 86 7. Investindo em cincia para fortalecer as bases da aprendizagem, do comportamento e da sade ao longo da vida .............................................................. 89 8. EVIDNCIAS CIENTFICAS SOBRE A IMPORTNCIA DA PRIMEIRA INFNCIA: A ESTRATGIA DOS 1.000 DIAS ............................................................................................... 103 9. CUIDAR DOS CUIDADORES E RESPEITAR O RITMO DE DESENVOLVIMENTO INFANTIL: A CONTRIBUIO DE EMMI PIKLER ........................................................................................ 118 10. A SITUAO DA PATERNIDADE NO BRASIL CONTEXTO, IMPACTOS E PERSPECTIVAS ........... 125 11. O MARCO LEGAL DA PRIMEIRA INFNCIA: QUAIS INFNCIAS, QUAIS CRIANAS? .................. 133 12. UNICEF E A PRIMEIRA INFNCIA: um olhar sobre as crianas indgenas ..................... 142 13. A origem da Cultura na primeira infncia da humanidade: O que deixaremos aos arquelogos do futuro? ........................................................................................ 145 14. Brincar: Um direito e um dever ..................................................................................... 156 15. EDUCAO INFANTIL: UM DIREITO FUNDAMENTAL .............................................................. 163
  7. 7. 16. Primeira infncia: o papel das Universidades ............................................................ 170 17. FORMAO DE UMA NOVA CULTURA COM APOIO DOS MEIOS DE COMUNICAO ................. 172 18. MDIA E PRIMEIRA INFNCIA .............................................................................................. 174 19. ORAMENTO PRIMEIRA INFNCIA ...................................................................................... 182 PARTE iI Polticas Nacionais e Primeira Infncia 20. POLTICA NACIONAL DE EDUCAO INFANTIL: pelo direito das crianas de zero a seis anos Educao .................................................................................................... 187 21. MONITORAMENTO E AVALIAO: DESENHANDO E IMPLEMENTANDO PROGRAMAS DE PROMOO DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL COM BASE EM EVIDNCIAS ........................... 194 22. AS PRIORIDADES DA POLTICA NACIONAL DE ALIMENTAO E NUTRIO (PNAN) PARA A PRIMEIRA INFNCIA ........................................................................................................ 202 23. POLTICA NACIONAL DE ATENO SADE DA CRIANA: contribuies a partir do Ministrio da Sade ....................................................................................................... 216 24. PR-NATAL DO PARCEIRO COMO ESTRATGIA DA POLTICA NACIONAL DE ATENO INTEGRAL SADE DO HOMEM NA PROMOO DA PATERNIDADE E CUIDADO ..................... 225 25. Programas de Superao da Pobreza Iniciativas para a Primeira Infncia ........ 233 26. O DESAFIO DA INTERSETORIALIDADE: CONTRIBUIES A PARTIR DO MINISTRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE FOME ................................................................. 238 27. O DIREITO CONVIVNCIA FAMILIAR E COMUNITRIA: APONTAMENTOS SOBRE A TRAJETRIA BRASILEIRA E REFLEXES SOBRE AS ESPECIFICIDADES DA PRIMEIRA INFNCIA . 244 28. O Marco Legal da Primeira Infncia na perspectiva dos Direitos Humanos .......... 257 29. A Primeira Infncia no contexto do Sistema de Garantia de Direitos .................... 263 30. A PRISO DOMICILIAR COMO A MELHOR FORMA DE GARANTIR OS DIREITOS DOS FILHOS DE MES PRESAS NO PERODO DA PRIMEIRA INFNCIA ........................................... 277 PARTE iIi Iniciativas e Desafios Regionais 31. PLANO DISTRITAL PELA PRIMEIRA INFNCIA: DESAFIOS E OPORTUNIDADES DE UMA CONSTRUO COLETIVA ..................................................................................................... 285 32. PRIORIDADE ABSOLUTA? A PRIMEIRA INFNCIA NO PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL DO DISTRITO FEDERAL ....................................................................................................... 291 33. Educao Infantil: um desafio para os Municpios ................................................... 303 34. AUDITORIA CONTINUADA EM EDUCAO INFANTIL ............................................................. 314 35. PREVENO DE SADE MENTAL NA PRIMEIRA INFNCIA ..................................................... 316 36. O DIAGNSTICO E A INTERVENO PRECOCE EM BEBS EM RISCO DE AUTISMO E SEUS
  8. 8. PAIS ................................................................................................................................. 323 37. sade bucal na primeira infncia: A OdontopediatrIa nos Centros de Especialidades Odontolgicas .................................................................................... 333 38. A EMPRESA COMO PROTAGONISTA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL NA TICA DA UNITED WAY ................................................................................................................. 340 PARTE iV Programas de Apoio s Famlias na Primeira Infncia 39. VISITAS DOMICILIARES PARA A PROMOO DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL: LIES DO PROGRAMA NURSE-FAMILY PARTNERSHIP ..................................................................... 345 40. Pastoral da Criana: Vida plena para todas as crianas ........................................ 364 41. FORTALECENDO COMPETNCIAS FAMILIARES PARA O CUIDADO NA PRIMEIRA INFNCIA: PROJETO NOSSAS CRIANAS JANELAS DE OPORTUNIDADES ............................ 373 42. O PR-NATAL PSICOLGICO COMO PROGRAMA DE PREVENO DEPRESSO PS- PARTO E PROMOO DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL ....................................................... 382 43. PIONEIRISMO E INOVAO EM POLTICA PBLICA PARA A PRIMEIRA INFNCIA NO BRASIL: A EXPERINCIA DO PIM ......................................................................................... 390 44. Programa Me Coruja Pernambucana: Induzindo e Fortalecendo Polticas Pblicas .......................................................................................................................... 408 45. REDE ME PARANAENSE RELATO DE EXPERINCIA ........................................................... 422 46. PROGRAMA FAMLIA QUE ACOLHE: Relato de experincia em Boa Vista-RR .................... 432 47. Programa Cresa com Seu Filho: da reflexo ao em prol da Primeira Infncia da cidade de Fortaleza, Cear ....................................................................... 447 48. PROGRAMA SO PAULO PELA PRIMEIRSSIMA INFNCIA ..................................................... 453 49. OS DESAFIOS DA AVALIAO E DO MONITORAMENTO NAS POLTICAS PARA A PRIMEIRA INFNCIA ........................................................................................................... 462 50. O QUE GRANDES CIDADES E POLTICAS INTERSETORIAIS PODEM FAZER PELA PROMOO DA SADE E PELO DESENVOLVIMENTO INFANTIL INTEGRAL ............................... 469 51. Projeto Criana Fala na Comunidade ........................................................................ 480 ANEXOS LEI N 13.257, DE 8 DE MARO DE 2016 Marco Legal da Primeira Infncia .................... 491 INDICAO da Comisso Especial da Primeira Infncia .............................................. 504 Recomendaes Advindas do I Seminrio Internacional do Marco Legal da Primeira Infncia............................................................................................................ 505 Psteres apresentados no II seminrio Internacional do Marco Legal da Primeira Infncia ........................................................................................................... 514
  9. 9. Plano de trabalho 2016-2017 da Rede Hemisfrica de Parlamentares e ex-Parlamentares pela Primeira Infncia, elaborado no III Seminrio Internacional do Marco Legal da Primeira Infncia................................................. 515 Recomendaes da Rede Hemisfrica de Parlamentares ao executivo brasileiro e de outros pases........................................................................................ 521
  10. 10. 9APRESENTAO Apresentao H aproximadamente vinte milhes de crianas de at seis anos no Brasil. So elas, no tempo presente, as beneficirias do olhar mais atento sobre a primeira infncia que se disseminou na sociedade e no governo, e dos avanos na legislao nas ltimas dcadas. Para a construo do consenso da criana como cidad de pleno direito, foram muitos os passos, inmeros os debates, mltiplos os atores envolvidos no processo. O parlamento, justo reconhecer, foi um dos artfices dessa construo. Em 1988, a ento novssima Constituio Federal oferecia ao Pas, em seu art. 227, o mandamento de que o Estado deve assegurar prioridade absoluta criana, ao adolescente e ao jovem na efetivao de seus direitos. Como fruto das discusses da Assembleia Constituinte, prevaleceu a viso de que no aceitvel haver dicotomias entre o menor, oriundo das famlias mais desfavorecidas, e a criana, crescida no seio das famlias de classe mdia, ao tratar dos temas relativos infncia. Tambm ganhou espao a ideia de que a ao pblica deve fundamentar-se no no assistencialismo ou na benemerncia, mas sim no direito da criana como cidad. O novo paradigma orientou o legislador e as polticas pblicas que vieram depois de 1988. O Estatuto da Criana e do Adolescente, o ECA, de 1990, destaca a condio peculiar da criana e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. Nesse sentido, a condio peculiar de desenvolvimento impe prioridade na garantia de direitos e proteo integral. Mais recentemente, o Poder Legislativo tem buscado avanar nas condies normativas para garantir a efetividade dessa proteo integral criana, sobretudo na primeira infncia, pois a cincia vem demonstrando que os cuidados nos primeiros anos de vida so cruciais na formao humana. Em 2011, foi instituda a Frente Parlamentar da Primeira Infncia, integrada por mais de 200 parlamen- tares. No mesmo ano, vrios Deputados passaram a integrar a recm-criada Red Hemisfrica de Parlamentarios y Ex Parlamentarios por La Primera Infancia. Brotaram iniciativas de polticas pblicas municipais e estaduais para a Primeira Infncia, como o Programa Primeira Infncia Melhor do Governo Estadual do Rio Grande do Sul, em 2003 e o Me Coruja Pernambuca, em Governo Estadual de Pernambuco. Em 3 de outubro de 2012, foi sancionada a Lei n 12.722, que institua o Programa Brasil Carinhoso, com modificaes no Programa Bolsa Famlia e incentivos para ampliao da educao infantil. A iniciativa tambm iluminou a discusso sobre os desafios da intersetorialidade na ao governamental, caracterstica que deve ser fortalecida na formulao e implementao de polticas pblicas para a primeira infncia. Com o Marco Legal da Primeira Infncia mais um passo foi dado nessa caminhada. A Lei n 13.257, de 8 de maro de 2016, estabeleceu princpios e diretrizes para a formulao de polticas pblicas que visam atender de forma mais efetiva os direitos da criana na primeira infncia. O Marco Legal visa superar a seg- mentao de aes, aumentando a eficcia das polticas voltadas para a infncia e definindo estratgias de articulao intersetorial.
  11. 11. 10 O Marco Legal da Primeira Infncia agora Lei A proposta foi objeto de uma Comisso Especial na Cmara dos Deputados, contou com a liderana de vrios parlamentares comprometidos com a causa e com o engajamento dos movimentos e organizaes que atuam na defesa dos direitos da primeira infncia. A Lei n 13.257, de 2016, , portanto, uma obra coletiva, fruto do trabalho de muitas mos. Esta publicao do Centro de Estudos e Debates Estratgicos, em parceria com a Frente Parlamentar da Primeira Infncia, celebra a defesa dos direitos da primeira infncia acima de quaisquer disputas polti- co-partidrias, vem coroar a concluso do processo de construo do Marco Legal da Primeira Infncia e certamente oferece uma rica contribuio para que possamos continuar a dedicar s crianas o melhor dos nossos esforos. Presidente da Cmara dos Deputados
  12. 12. 11PREFCIO Prefcio A presento com orgulho esta publicao Primeira Infncia Avanos do Marco Legal da Primeira Infncia, que integra a Srie Cadernos de Trabalhos e Debates, do Centro de Estudos e Debates Estratgicos da Cmara dos Deputados. Com relatoria do Deputado Osmar Terra, a publicao rene artigos de especialistas nacionais e inter- nacionais sobre a primeira infncia, abrangendo um amplo espectro de temas, dos retornos econmicos dos investimentos realizados nessa etapa da vida valorizao da paternidade, passando por educao, sade, cultura, financiamento e outros. Os textos foram produzidos ao longo das discusses ocorridas na Cmara dos Deputados para apreciao do Projeto de Lei n 6.998, de 2013, de autoria do prprio Deputado Osmar Terra e outros parlamentares, que alterava o Estatuto da Criana e do Adolescente, o ECA, para dispor sobre a primeira infncia. Em maro de 2014, foi formada uma Comisso Especial para analisar a proposio, presidida pela Deputada Cida Borghet- ti. O grupo trabalhou a passo clere, realizou audincias pblicas, seminrios regionais e reunies tcnicas, recebeu contribuies da sociedade civil, do governo, de especialistas e de universidades. Vrias instituies disseminaram o debate em suas respectivas redes de atuao. Um ano depois, em maro de 2015, a matria foi remetida ao Senado Federal como Casa Revisora. O processo, que culminou com a sano da Lei n 13.257, em 8 de maro de 2016, seguramente hon- rou a democracia brasileira, vez que a tramitao legislativa foi permevel ao conhecimento acadmico do campo e s demandas dos atores que defendem os direitos da criana, e, ao mesmo tempo, foi responsvel e coerente com os condicionantes que a realidade impe s polticas pblicas. O processo teve sua legitimi- dade fortalecida com a ampla participao social. O relator, Deputado Joo Ananias, por sua vez, mostrou enorme sensibilidade s contribuies apresentadas a este Parlamento. Em sua maioria elas invocavam que a primeira infncia seja, de fato, tratada como prioridade nas intervenes de polticas, servios e programas governamentais e tenha garantido seu pleno desenvolvimento. Sobre o advento da Lei n 13.257, de 2016, que se convencionou chamar Marco Legal da Primeira Infncia, merece destaque um aspecto que consideramos o cerne da nova Lei. A novidade de trazer para a concepo e a normatizao das polticas pblicas uma cultura de cuidado integral e integrado com a criana, desde a concepo at os seis anos de idade, faixa etria abrangida pela legislao recm-sancionada. H dcadas a cincia vem acumulando evidncias sobre a importncia dos primeiros anos de vida no desenvolvimento do ser humano, desde os mais evidentes, como o crescimento fsico e a aquisio da lingua- gem, at a criao das bases sociais e culturais que fundamentaro sua vida adulta. Se por um lado o perodo da primeira infncia de grandes oportunidades para a plenitude da vida de uma pessoa, tambm de muitas vulnerabilidades e de extrema susceptibilidade s influncias e aes externas, como pobreza e violncia. Em especial, a primeira infncia no Brasil carece de uma ateno mais focada, de um olhar especfico, de uma ao sensvel s peculiaridades da idade.
  13. 13. 12 O Marco Legal da Primeira Infncia agora Lei Os argumentos sociais e econmicos sobre a urgncia de proteger e cuidar do desenvolvimento inte- gral da criana na primeira infncia tornaram-se incontestveis. Contudo, os textos aqui reunidos, tomados em conjunto, sugerem uma leitura mais abrangente dos conhecimentos disponveis, evidenciando um olhar alargado que compreende a criana como sujeito de direitos. frente, h o grande desafio de colocar em prtica as disposies do Marco Legal da Primeira Infncia. Acredito que esta publicao, que conta com a parceria da Frente Parlamentar da Primeira Infncia, pode oferecer uma contribuio para iluminar caminhos. Vem a pblico para ajudar a gerar ainda mais conscincia social e sensibilizao poltica sobre o significado e a importncia da primeira infncia. Presidente do CEDES
  14. 14. 13INTRODUO Introduo E m toda minha atividade pblica busquei responder pergunta: qual poltica pblica tem mais im- pacto transformador e repercute por mais tempo na sociedade? Essa questo levou-me a dedicar-me a polticas de promoo da sade e do desenvolvimento humano, em uma concepo de trabalho articulado, multiprofissional, intersetorial e alicerado em resultados comprovados. O Marco Legal da Primeira Infncia1 resulta de uma trajetria de 20 anos de trabalho dedicados a essa viso. uma lei pautada em evidncias cientficas e em resultados de programas bem-sucedidos, como o Primeira Infncia Melhor do Governo Gacho PIM. De 1993 a 1996, como Prefeito de Santa Rosa-RS, consegui reduzir a mortalidade infantil de 19 para 7 bitos por mil nascidos vivos at o primeiro ano de vida. Santa Rosa-RS tornou-se destaque nacional por esse indicador de sade, equivalente ao de pases do primeiro mundo, e pelo pioneirismo na criao de equipes de sade da famlia. Neste perodo, instalamos programas e servios de sade em todos os bairros e localidades rurais. Tambm quadruplicamos o nmero de creches na cidade. Em 2000, como Coordenador do Programa Comunidade Solidria, no Governo Federal, criamos o Comit de Desenvolvimento Integral da Primeira Infncia - CODIPI, que quando extinto, por meio de ini- ciativa de vrios de seus integrantes, deu origem Rede Nacional Primeira Infncia - RNPI. Nos ltimos anos, as descobertas cientficas de assistentes sociais, economistas, educadores, neurocien- tistas, nutricionistas, pediatras, psiclogos, psiquiatras, evidenciaram que o perodo mais estratgico para a promoo do desenvolvimento humano, social e econmico o perodo inicial da vida (Heckmann, 2006; Shonkoff e Phillips, 2000; Bowlby, 1998; Young, 2014; Victora, 2013; Tremblay, Gervais e Petitclerc, 2008; Barros e Mendona, 1999, entre outros). Com esta conscincia, criei na Cmara dos Deputados a Frente Parlamentar da Primeira Infncia, em 23 de maio de 2011, integrada por mais de 200 parlamentares. A partir do trabalho desta Frente, dezenas de parlamentares participaram de Programa de Liderana Executiva em Primeira Infncia, em Harvard, pela parceria entre Fundao Maria Ceclia Souto Vidigal, INSPER, Universidade de So Paulo que integram o Ncleo Cincia pela Infncia, e, na primeira edio, a Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul. Foi tambm realizado o I Seminrio Internacional: Marco Legal da Primeira Infncia, nos dias 16, 17 e 18 de abril de 2013, que reuniu aproximadamente 500 participantes, representantes de todo Brasil, da Argentina, Canad, China, Chile, Colmbia, Equador, EUA, Holanda, Mxico, Paraguai, Peru e da Red Hemisfrica de Parlamentarios y ex-Parlamentarios por la Primera Infancia. Em 18 de dezembro de 2013, foi apresentado o Projeto de Lei 6.998/2013 Projeto de Lei da Primeira Infncia, de minha autoria e outros representantes da Frente Parlamentar da Primeira Infncia: Dep. Nelson Marchezan Junior (PSDB-RS), Dep. Eleuses Paiva (PSD-SP), Dep. Raul Henry (PMDB-PE), Dep. Rosane 1http://marcolegalprimeirainfancia.com.br
  15. 15. 14 O Marco Legal da Primeira Infncia agora Lei Ferreira (PV-PR), Dep. Rubens Bueno (PPS-PR), Dep. Geraldo Resende (PMDB-MS), Dep. Gabriel Chalita (PMDB-SP), Dep. Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Dep. Mandetta (DEM-MS), Dep. Darcsio Perondi (PMDB -RS), Dep. Eduardo Barbosa (PSDB-MG) e Dep. Carmen Zanotto (PPS-SC). Para anlise do PL 6.998/2013, foi criada a Comisso Especial da Primeira Infncia, em 11 de fevereiro de 2014, instalada em 19 de maro, com a seguinte composio: Presidente: Cida Borghetti (PROS/PR) 1 Vice-Presidente: Jlio Cesar (PSD/PI) 2 Vice-Presidente: Nelson Marchezan Junior (PSDB/RS) 3 Vice-Presidente: Iara Bernardi (PT/SP) Relator: Joo Ananias (PCdoB/CE) A Comisso contou com a caracterstica especial de a maioria de seus membros terem participado do Programa de Liderana Executiva em Desenvolvimento da Primeira Infncia, na Universidade de Harvard, em 2012, 2013 e 2014. Assim, a Comisso Especial da Primeira Infncia contou com deputados qualificados sobre desenvolvimento infantil, conscientes da importncia estratgica do investimento nos primeiros anos de vida. Para promoo de uma ampla participao social no aprimoramento do PL 6.998/2013, a Comisso Especial promoveu no ano de 2014, o II Seminrio Internacional Marco Legal da Primeira Infncia (Audi- trio Nereu Ramos, em 7 de maio), em parceria com a Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica, a Red Hemisfrica de Parlamentarios, a Fundao Maria Ceclia Souto Vidigal e a Fundao Bernard Van Leer. Foram promovidos quatro Seminrios Regionais, aprovados pela Comisso Especial e organizados por um ou mais de seus membros, em conjunto ou articuladamente com deputadas, deputados e gestores estaduais e municipais, nas seguintes capitais: Porto Alegre-RS, no dia 28 de abril de 2014, sob a responsabilidade do Dep. Osmar Terra PMDB/RS e Dep. Nelson Marchezan Jr. PSDB/RS; Curitiba-PR, no dia 19 de maio, sob a responsabilidade da Dep. Cida Borghetti PROS/PR; So Paulo-SP, no dia 29 desse mesmo ms, sob a responsabilidade da Dep. Iara Bernardi PT/SP; Fortaleza-CE, no dia 06 de junho, sob a responsabilidade do Dep. Joo Ananias - PCdoB/CE e Dep. Gorete Pereira PR/CE. Registre-se que, nesses eventos, a Presidente da Comisso Especial e o Relator do PL 6.998/2013, bem como outros parlamentares membros da Comisso, fizeram-se presentes para colher as anlises e sugestes aportadas. A Comisso Especial aprovou, ainda, outros Seminrios: na Bahia, por requerimento do Dep. Nelson Pelegrino - PT/BA; em Tocantins, solicitado pela Dep. Profa Dorinha Seabra Rezende DEM TO; no Mato Grosso do Sul, requerido pelo Dep. Mandetta DEM/MS e em Rondnia, proposto pelo Dep. Marcos Rogrio PDT/RO. Esses Seminrios no foram realizados em razo da indisponibilidade de tempo. A Comisso Especial promoveu tambm duas Audincias Pblicas Interativas, realizadas na Cmara dos Deputados, nos dias 20 e 27 de maio de 2014. A I Audincia Pblica, em 20 de maio, teve como debatedores a Sra. Rosane Silva Pinto Mendona, Diretora de Programa da Subsecretaria de Assuntos Estratgicos da Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica; a Sra. Rita de Cssia Coelho, Coordenadora-Geral de Educao Infantil do Mi- nistrio da Educao; o Sr. Antnio Carlos Osrio Nunes, membro da Comisso da Infncia e Juventude do Conselho Nacional do Ministrio Pblico; a Sra. Gilvani Pereira Grangeiro, da Coordenao Geral de Sade da Criana e Aleitamento Materno do Ministrio da Sade; a Sra. Maria Izabel da Silva, Coordenadora-Geral de Convivncia Familiar e Comunitria da Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica e o Sr.
  16. 16. 15INTRODUO Marcelo Cabral Milanello, Diretor de Gesto e Acompanhamento do Plano Brasil sem Misria, do Ministrio de Desenvolvimento Social e Combate Fome. A II Audincia, em 27 de maio, ouviu representantes de organizaes da sociedade civil de expressiva atuao no campo dos direitos da criana na Primeira Infncia. Na primeira Mesa participaram a Sra. Ely Harasawa, Gerente de Programas da Fundao Maria Ceclia Souto Vidigal; a Sra. Isabella Henriques, Diretora de Defesa e Futuro, do Instituto ALANA; o Dr. Cesar Victora, Presidente da Sociedade Internacional de Epi- demiologia, com um currculo extenso de trabalhos para a OMS; a Dra. Cristina Albuquerque, Coordenadora do Programa de Sobrevivncia e Desenvolvimento Infantil do UNICEF. Na segunda Mesa participaram o Sr. Vital Didonet, representando a Rede Nacional Primeira Infncia; o Dr. Eduardo da Silva Vaz, Presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria e o Dr. Dioclcio Campos, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria. A Sra. Tnia Mara Dornellas, representante do CONANDA, foi convidada. Esses eventos foram organizados de forma a ouvir especialistas e autoridades sobre anlises e sugestes relacionadas ao Projeto de Lei como um todo e, em particular, sobre seus diferentes dispositivos, bem como debater experincias prticas de ateno criana que poderiam aportar novas ideias. Alm desses eventos oficiais da Comisso, diversos outros seminrios, reunies e sees de estudo, em vrios Estados e no seio de instituies que se interessam pelo tema, foram promovidos por iniciativa e coordenao da Rede Nacional Primeira Infncia - RNPI, ou por organizaes que a integram. Entre estas: Fundao Maria Ceclia Souto Vidigal realizou uma reunio de estudos, no dia 20 de maio, com a Presena do Dep. Osmar Terra e do Sr. Vital Didonet, com Procuradores do Ministrio Pblico de So Paulo; Rede Estadual Primeira Infncia do Cear, sob a coordenao do Instituto da Infncia IFAN, reuniu dezenas de organizaes locais, governamentais e no governamentais, entre as quais Secretarias de Estado e Municipais (Educao, Sade, Trabalho e Assistncia Social, Justia e Cidadania), o Conselho Estadual e o Conselho Municipal de Direitos da Criana e do Adolescente, Procurado- ria Geral, Defensoria Pblica, Sociedade de Pediatria do Cear, Universidade Federal do Cear, Faculdade Christus e outras organizaes e agncias multilaterais que compem a Rede Estadual Primeira Infncia do Cear REPI/CE; Rede Estadual Primeira Infncia da Bahia, coordenada pela AVANTE, Educao e Mobilizao Social, criou um Grupo de Trabalho sobre o Projeto de Lei e realizou duas oficinas (18 e 30 de junho). Delas participaram a Secretaria Municipal de Educao de Salvador (SMED), o Instituto de Radio Difuso do Estado da Bahia (IRDEB), o Frum Baiano 5 de Educao Infantil (FBEI), UNICEF-BA, alm da AVANTE-Educao e Mobilizao Social; Rede Estadual Primeira Infncia de Pernambuco, coordenada pelo Centro de Pesquisa em Psica- nlise e Linguagem CPPL, criou um GT composto por organizaes externas Rede e Fruns de Debate sobre Primeira Infncia, Desenvolvimento Infantil e Polticas Pblicas (abril de 2014). Realizou um Seminrio em novembro, com a participao do CPPL, da RNPI, da Coordenadoria da Infncia e Juventude de PE, do CEDCA, do Ministrio Pblico de Pernambuco e da Escola de Conselhos da Universidade Federal Rural de Pernambuco, especificamente para dar prosseguimento anlise do Projeto de Lei. Municpio de Forquilhinha-SC realizou o Seminrio Nacional de Polticas para a Primeira Infncia Um tributo Dra. Zilda Arns, nos dias 24 e 25 de abril. Nessa ocasio, houve oportunidade para
  17. 17. 16 O Marco Legal da Primeira Infncia agora Lei um proveitoso dilogo sobre este Projeto de Lei com a Presidente do CONANDA, Sra. Miriam Maria Jos dos Santos e participao da Frente Parlamentar da Primeira Infncia. Rede Estadual Primeira Infncia do Rio Grande do Norte, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e a RNPI, realizou em Natal-RN, dia 4 de junho, o Seminrio sobre Polticas Pblicas e planos municipais pela Primeira Infncia, com a participao de cinquenta municpios. O Projeto de Lei foi objeto de uma conferncia e esclarecimentos. Movimento Interfruns de Educao Infantil do Brasil Regional Centro-Oeste, durante Seminrio Regional que contou com a presena do Comit Diretivo, no ms de maio, em Braslia, destinou ho- rrio para uma palestra, debates, esclarecimentos sobre o Projeto de Lei e apresentao de sugestes. IV Seminrio Nacional de Educao Infantil, organizado pela Organizao Mundial para a Educao Pr-Escolar OMEP/Brasil/SP/Baixada Santista (24-27 de agosto), abrangendo nove municpios da Regio, debateu o tema da Prioridade Absoluta dos direitos da criana e sua incidncia especfica na Primeira Infncia, luz do que o PL 6.998/2013 est propondo. Rede Estadual da Primeira Infncia de Pernambuco realizou seminrio para debater o Projeto de Lei 6.998/2013, em 7 de novembro de 2014, com representantes de municpios, escolas, conselhos, Fundao Joaquim Nabuco, Coordenadoria de Infncia e Juventude do TJPE e Associao de Conselhos Tutelares de Pernambuco. Desses eventos foram colhidas sugestes que embasaram alteraes na Proposio do Marco Legal da Primeira Infncia. Alm dos seminrios, reunies, oficinas e grupos de estudo, a Rede Nacional Primeira Infncia in- centivou a apresentao de sugestes pela internet, recebendo uma expressiva contribuio, em anlises, posicionamentos, questionamentos e sugestes. Duas outras fontes que deram inestimveis contribuies foram o Poder Executivo e o Ministrio P- blico. Desde janeiro deste ano at final de setembro de 2014, foram realizadas sucessivas reunies e contatos com dirigentes e tcnicos de setores dos Ministrios da Educao, da Sade, do Desenvolvimento Social e Combate Fome, da Secretaria de Direitos Humanos e da Secretaria de Assuntos Estratgicos. Deles provie- ram valiosas contribuies, seja em forma de reflexes que levaram a ajustes ora de forma, ora de contedo, seja como sugestes pontuais de itens que foram modificados ou agregados. Uma importante reunio foi feita com a Mesa Diretora do CONANDA, em Braslia, no dia 2 de julho, para esclarecimentos e debate sobre algumas questes que preocupavam aquele Conselho. Naquela reunio, consideraram-se as alteraes que o texto do Projeto j havia sofrido e foram apresentadas sugestes pelos integrantes da Mesa Diretora, que levaram a Relatoria a novos ajustes e aperfeioamentos do Projeto. Em Audincia Pblica e reunies de trabalho, houve a participao do Conselho Nacional do Minis- trio Pblico CNMP, na pessoa do Dr. Antonio Ozrio Nunes. E do Ministrio Pblico de So Paulo, por meio de Procuradores de Justia especializados na rea dos direitos da criana e do adolescente, em especial, da rea da Educao: Dr. Paulo Afonso Garrido de Paula, Dr. Luiz Antnio Miguel Ferreira e Dr. Joo Paulo Faustinoni e Silva. Durante dez meses, houve uma intensa troca com pesquisadores, especialistas, dirigentes e tcnicos de instituies que atuam em diferentes reas dos direitos da criana. Essa colaborao expressa o interesse que a matria desperta na sociedade brasileira, a percepo de que muito se pode avanar nessa rea e o desejo de participar da definio dos avanos possveis e necessrios.
  18. 18. 17INTRODUO As anlises e sugestes apresentadas nas Audincias Pblicas e nos Seminrios Regionais da Comis- so Especial, bem como nos eventos promovidos pela RNPI, por Redes Estaduais Primeira Infncia ou por outras organizaes membros da RNPI, e aquelas encaminhadas por outros grupos de estudo e especialistas interessados na matria, foram analisadas criteriosamente sob a tica da adequao e pertinncia ao escopo do Projeto. A anlise desse farto material contou com a contribuio tcnica e altamente qualificada, no mbito da sociedade, da Secretaria Executiva da RNPI, na pessoa do Prof. Vital Didonet; e, nesta Casa, da Dra. Ivania Ghesti-Galvo, Secretria Parlamentar do Gabinete do Presidente da Frente Parlamentar da Primeira Infn- cia, Dep. Osmar Terra, de setores especializados da Consultoria Legislativa CONLE: Ana Valeska Amaral Gomes, da rea da Educao, Cultura e Desporto, Mrcia Bianchi, da rea do Direito Civil e Penal, ambas tambm assessoras da Comisso Especial; Paula Ramos Mendes e Luciana Botelho Pacheco, da rea de Di- reito Constitucional, Lisiane de Alcntara Bastos e Maria Auxiliadora da Silva, da rea Direito do Trabalho e Elisngela Moreira da Silva Batista, da Consultoria de Oramento. A intensa e extensa participao de especialistas, tcnicos, pesquisadores em diversas reas do desen- volvimento infantil e de um grande nmero de organizaes da sociedade civil e governamentais demonstram quo importante a temtica do Marco Legal da Primeira Infncia. O estabelecimento do Marco Legal da Primeira Infncia e a criao da Poltica Integrada pela Primeira Infncia, que inclui aes de intersetorialidade em todas esferas de Federao, com participao da sociedade para apoio s famlias e aos profissionais em prol de aes voltadas promoo do desenvolvimento infantil integral, esto entre as principais propostas que se tornaram Lei. O Relator Joo Ananias manifestou seu agradecimento contribuio do Governo Federal, que mo- tivou ajustes, acrscimos e aperfeioamentos em vrias partes da Proposio e nos d a certeza de que o PL 6.998/2013, na forma do Substitutivo que foi reapresentado e que expressa a vontade e a possibilidade real de ao manifestadas pelos mais diversos setores, organizaes e profissionais que atuam na efetivao dos direitos da criana na Primeira Infncia. Nessa trajetria, por ocasio da 15 reunio da Comisso Especial da Primeira Infncia, realizada no histrico dia 10 de dezembro de 2014 (Dia da Declarao dos Direitos Humanos), o PL 6.998/2013 foi apro- vado, com a participao expressiva de 22 membros titulares da Comisso Especial. Ao final, deliberou-se pela proposio de uma Lei de instituio de uma Poltica Integrada para a Primeira Infncia, em separado do Estatuto da Criana e do Adolescente, com alguns itens do Estatuto sendo atuali- zados no bojo do PL 6.998/2013. Dentre as proposies apresentadas, foram rejeitados os itens que previam aumento da licena maternidade, salas de amamentao nas empresas e proibio da publicidade infantil, embora o mrito dessas propostas no tenha sido questionado e sim sua possibilidade de implementao no atual contexto do pas. O aumento da licena-paternidade proposto por mais trinta dias, foi aprovado por mais quinze dias. No cerne, o projeto de lei manteve a aprovao dos princpios, programas e servios para organizao de polticas pblicas integradas intersetorialmente, participativas e com foco na promoo de aes de promoo da ateno integral populao de at seis anos de idade, que no Brasil de aproximadamente 20 milhes de crianas, com foco nas mais vulnerveis, mas sem discriminao entre todas as crianas. O Projeto foi apreciado pelo Senado Federal, sob a designao de PLC 014/2015, onde teve como Re- latora a Senadora Ftima Bezerra. Foi o primeiro projeto de lei aprovado pelo Senado no ano de 2016, com manifestaes de apoio de ilustres Senadores, aos quais manifestamos nossa admirao e apreo.
  19. 19. 18 O Marco Legal da Primeira Infncia agora Lei No dia 8 de maro de 2016, a Lei foi aprovada pela Presidncia da Repblica, sem vetos, colocando, assim, o Brasil na vanguarda internacional de legislao em prol dos direitos positivos. Na certeza de que a promoo de condies de crescimento e desenvolvimento saudvel no perodo que estruturante das demais fases da vida pode prevenir problemas de sade, aprendizagem e socializao, favorecendo uma cidadania plena, entregamos esse Marco Legal e os textos que compe esta obra, como nossa contribuio para a Nao Brasileira. Deputado Osmar Terra Fundador e Presidente da Frente Parlamentar da Primeira Infncia (2011-2014 e 2015-maio-2016) Autor do PL 6.998/2013 Marco Legal da Primeira Infncia
  20. 20. PARTE i FUNDAMENTOS
  21. 21. PARTE i FUNDAMENTOS 21 POR QUE INVESTIR NA PRIMEIRA INFNCIA1 Mary Young Ps-doutora e consultora snior do Centro de Desenvolvimento da Criana da Universidade de Harvard; co-lder do Early Childhood Initiative of the Human Capital and Economic Opportunity Global Working Group, Institute for New Economic Thinking da Universidade de Chicago; Diretora da Fundao China Development Research Professora Adjunta de Pediatria da Universidade do Hava C rianas que nascem em situao de pobreza, vivem em condies de falta de saneamento, recebem pouco cuidado ou pouca estimulao mental e uma nutrio empobrecida nos primeiros anos de vida tm maior probabilidade que seus contemporneos ricos de crescerem com defasagem corporal e mental. Estas crianas tendem a ter um desempenho fraco em sala de aula, repetir sries escolares e no alcanarem bons ndices de desenvolvimento. No campo profissional, eles so capazes de desempenhar apenas trabalhos que requerem menos habilidades e obter salrios mais baixos. Quando eles tm filhos, um ciclo de herana de pobreza recomea e isso se repete pelas geraes. Os primeiros anos de vida de uma criana so particularmente importantes. Evidncias dessa impor- tncia continuam a se mostrarem cada vez mais com os avanos tericos apoiados pelos dados empricos de muitas disciplinas por exemplo, Neurocincias, Cincias Sociais, Psicologia, Economia, Educao. O prmio Nobel James Heckman realizou um estudo de caso sobre a importncia dos primeiros anos de vida das crianas, evidenciando serem um perodo crtico para a formao de habilidades e capacidades e serem determinantes para os resultados do ciclo de vida. Segundo sua argumentao, a acumulao de capital humano um processo dinmico no ciclo da vida, no qual habilidades geram habilidades. Mas as polticas atuais de Educao e Treinamento para o Trabalho so mal concebidas, tendendo a focar nas habilidades cognitivas, mensuradas por resultados em testes de QI, negligenciando a importncia crtica das habilidades sociais, da autodisciplina, da motivao e de outras habilidades sutis que determinam o sucesso na vida. Talvez, trs ideias sejam chave para entender o Desenvolvimento Infantil Inicial (Desenvolvimento da Primeira Infncia). O poderoso papel da vida familiar e dos primeiros anos de vida na configurao das capacidades dos adultos. Os fatores familiares nos primeiros anos de vida desempenham um papel crucial no estabelecimento das diferenas nas habilidades cognitivas e no cognitivas. Heckman conclui que as capacidades no esto definidas ao nascer ou so apenas determinadas geneticamente, mas so afetadas causalmente pelo investimento dos pais em suas crianas e que uma medida apropriada de desvantagem est mais relacionada falta de qualidade do cuidado oferecido pelos pais, do vnculo, da consistncia e da superviso, que da renda familiar por si s. 1 Texto extrado do blog formulado para Human Development Report Office 2014 Occasional Paper intitulado: Addressing and Mitigating Vulnerability Across the Life Cycle. In: UNDPs HDDialogue: http://hdr.undp.org/en/content/case-investing-early-childhood
  22. 22. 22 O Marco Legal da Primeira Infncia agora Lei Mltiplas capacidades configuram a habilidade dos indivduos a funcionarem em sociedade. Ter um conjunto nuclear de capacidades (cognitivas ou no cognitivas) promove sucesso em muitos aspectos da vida. Intervenes na Primeira Infncia tm grande impacto essencial na promoo de habilidades no cognitivas. A formao de capacidades sinrgica, isto , uma capacidade favorece outra. Habilidades cognitivas e no cognitivas interagem dinamicamente para formar a evoluo de capacidades subsequentes. O desenvolvimento de habilidades cognitivas e no cognitivas nas crianas (por exemplo, conscien- tizao, autorregulao, motivao, cooperao, persistncia, preferncia de uso do tempo, viso a longo prazo) reflete os investimentos no capital humano feito pelos pais e crianas. Estudos sobre a formao de habilidades mostram que o retorno dos investimentos na escolarizao mais alto para as pessoas com habilidades mais altas quando estas habilidades so formadas mais cedo. A figura abaixo representa esta sinergia de competncias, que tambm inclui a sade. Quadro 1 Interao de competncias humanas Habilidades socioemocionais Habilidades cognitivas A criana consegue ficar sentada, prestar ateno, engajar-se na atividade, experimentar Sade Habilidades cognitivas A criana perde poucos dias de escola; tem habilidade de concentrao Habilidades cognitivas Produo de melhores prticas de sade; produo de mais motivao; maior percepo de recompensas A criana entende e controla melhor seu ambiente RESULTADOS Maior produtividade, maior renda, melhor sade, mais investimento familiar, ascenso social, custos sociais reduzidos Fonte: Heckman, J. A Economia da Desigualdade e o Desenvolvimento Humano. Apresentao realizada no I Seminrio Internacional do Marco Legal da Primeira Infncia, Cmara dos Deputados, em 16 de abril de 2013. Desse modo, o desenvolvimento humano um poderoso gerador de equidade. Os investimentos na Primeira Infncia conduzem a benefcios significativos em longo prazo, que reduzem a lacuna entre alta e baixa renda familiar. Investir em crianas novas em situao de desvantagem promove justia e equidade social e, ao mesmo tempo, promove produtividade na economia e na sociedade como um todo. Contudo, as polticas sociais frequentemente so remediativas e fragmentadas, focando em apenas um problema por vez. Heckman2 destaca: Com frequncia, os governantes desenham programas para as crianas como se elas vivessem suas vidas em compartimentos, como se cada estgio da vida da criana fosse independente do outro, desconectado do que veio antes ou do que vir depois. hora dos formuladores de polticas olharem para alm dos compartimentos, comearem a reconhecer que investimentos consistentes, com custo-efetivo nas crianas e jovens, podem se pagar por si mesmos. 2 HECKMAN, J. Beyond Pre-K: Rethinking the Conventional Wisdom on Educational Intervention. Education Week, Vol. 26, Issue 28, p. 40. March 19, 2007. Em: http://www.edweek.org/ew/articles/2007/03/19/28heckman.h26.html?tkn=PZMFDxnG36OMv7YlX%2FiKfOi35%2BLyvtqPNnbK&int- c=es
  23. 23. PARTE i FUNDAMENTOS 23 Pode-se perceber claramente que mais equitativo e tem melhor relao custo-benefcio investir em programas para a Primeira Infncia, que podem favorecer o potencial das crianas, ao invs de pagar mais tarde para tentar remediar o que podia ter sido prevenido. Ento, ns devemos comear uma abordagem mais compreensiva para os primeiros anos de vida isto , equidade desde o incio. Esforos para o desenvolvimento da Primeira Infncia devem convergir para quatro tarefas de uma agenda inacabada redirecionamento de polticas sociais para focarem nas crianas mais novas, incorporao do Desenvolvimento da Primeira Infncia em modelos de sade pblica, mensurao de resultados e vinculao desses aos programas e polticas, alm de comunicao da importncia do desenvolvimento de um crebro saudvel na idade de 0 a 6 anos. As crianas s podem ter um pleno desenvolvimento quando houver instituies fortes e todas as po- lticas corretas forem feitas. Ns devemos a elas e a ns mesmos algo melhor do que j tem sido feito.
  24. 24. 24 O Marco Legal da Primeira Infncia agora Lei CENRIO MUNDIAL DAS POLTICAS DE PRIMEIRA INFNCIA3 Gaby Fujimoto Doutora em Educao, Especialista em Primeira Infncia, Secretria Tcnica e de Assuntos Externos da Rede Hemisfrica de Parlamentares e ex-Parlamentares pela Primeira Infncia N os ltimos anos, em nvel mundial, foram realizados progressos e decises polticas transcendentes em matria legislativa sobre proteo, cuidado e educao das crianas na primeira infncia. Estes demonstram avanos sintonizados com as novas evidncias cientficas sobre o desenvolvimento humano, a importncia da ateno e educao de qualidade na primeira infncia e a aplicao da Conveno Internacional sobre os Direitos da Criana (CDC, 1989). Esta realidade reflete que se adotaram e se atualizaram normas e regulaes de grande impacto em benefcio da primeira infancia, ainda que persista o desafio em relao etapa que vai desde a gestao at os dois anos de idade, ou os 1000 primeiros dias de vida do ser humano, que, como demonstram as pesquisas, o perodo mais determinante no desenvolvimento humano. As experincias vividas nestes mil primeiros dias formam a base da aprendizagem socioemocional, cognitiva e fsica, que assegura o xito futuro na sociedade e durante a escolarizao. Neste contexto, existem pases cujos governantes tm a firme convico de que se deve garantir a for- mulao de polticas baseadas em evidencias. Por isso, as decises que adotaram nos trazem lies que podem servir de referncia aos pases da Amrica Latina e do Caribe em matria de legislao, polticas, programas e servios para a ateno e educao de qualidade da primeira infncia. A conjuntura para compartilhar e refletir sobre estes temas coincide com a oportunidade que o Governo brasileiro nos oferece de refletir acerca do Marco Legal das Polticas Pblicas sobre a Primeira Infncia, que tem essa mesma intencionalidade. Este documento contm as decises mais recentes que ocorreram no mundo para definir polticas e programas de primeira infncia. Est organizado em quatro partes: A primeira revisa argumentos e evidncias provenientes de diversas cincias e disciplinas que sustentam a importncia e fundamentam a interveno junto primeira infncia. Ela reitera a relevncia da participao dos pais para contribuirem no desenvolvimento pessoal das crianas, a extrema importncia dos mil primeiros dias de vida do ser humano para desenvolver aprendizagens significativas e outros fundamentos cientficos que reforam as polticas pblicas. A segunda parte apresenta a evoluo das medidas legislativas aprovadas pelos governos para aplicar a Conveno Internacional sobre os Direitos da Criana e seus 17 Comentrios Gerais. Analisa desde a Decla- rao de Jomtien (1990) e de Dakar (2000) at as Metas do Milnio 2000-2015 para demonstrar que a primeira infncia est presente nas agendas polticas e reitera a necessidade de alicerar aprendizagens desde o perodo 3 Traduo do original em espanhol por Ivnia Ghesti-Galvo. Verso original disponvel pelo site: marcolegal.co.
  25. 25. PARTE i FUNDAMENTOS 25 de gestao. Conclui analisando os compromissos regionais, como a Cpula de Presidentes das Amricas e de Ministros de setores sociais 2015, em que os temas de equidade, qualidade, incluso, participao se associam s 17 metas Ps Agenda de Desenvolvimento Sustentvel 2015-2030 (194 governos, com apoio do sistema das Naes Unidas se comprometeram com as novas metas). Em setembro de 2015, se definir o texto final da quarta meta (4.2), que ressalta a ateno integral primeira infncia e se relaciona com dez outras metas. A terceira parte enumera os avanos das medidas polticas, as experincias e lies que foram desen- volvidas tanto pelos governos como pela sociedade civil e que podem ser replicadas. Apresentam-se aqui as experincias que foram organizadas em nvel mundial para recriar os textos, desde a Unio Europeia que geralmente lidera as mudanas, at os avanos mais importantes que esto se desenvolvendo na Regio das Amricas. Finalmente, aps a anlise do estado da arte do marco legal das polticas pblicas da primeira infncia, prope-se um corpo de concluses e reflexes. E, em anexo, apresentam-se os 17 Comentrios da Conveno Internacional dos Direitos da Criana e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentvel. 1. Evidncias cientficas que fundamentam as polticas de primeira infncia A primeira infncia a etapa do ciclo vital que abrange desde o nascimento at os 8 anos4 . A Primeira Infncia importante porque nela se estruturam as bases fundamentais do desenvolvimento humano, tanto fsicas como psicolgicas, sociais e emocionais, as quais vo consolidando-se e aperfeioando-se nas etapas seguintes de desenvolvimento5 . Desde o nascimento, tem-se um perodo intenso de desenvolvimento, alta- mente sensvel, com potencial para se desenvolver e se educar com base nas experincias e oportunidades de aprendizagem que sejam oferecidas. Gardner (1987), em sua Teoria das Inteligncias Mltiplas, demonstra que cada criana pode desenvolver qualquer dos oito tipos de inteligncia, segundo a qual tenha maior po- tencialidade, o que contribui para a solidez de sua autoestima. As pesquisas da neurobiologia, da pedagogia, da sociologia e da economia, entre outras, e as lies de muitos pases demonstram que os estmulos que a criana recebe desde sua gestao so cruciais para seu desempenho na idade adulta, uma etapa de grande plasticidade cerebral (Mustard, 2002, 2010). A pro- teo me com ateno, cuidado da sade e alimentao adequada garantem a seu filho, desde a gestao at os primeiros mil dias de vida, bases slidas para construir todas as dimenses do desenvolvimento: fsicas, motoras, intelectuais socioemocionais, de personalidade, carter e apego positivo que contribuiro para sua segurana emocional, desenvolvimento da confiana bsica (Mustard, 2002; Goleman 1998) e demais bases sobre as quais se assenta todo o desenvolvimento ulterior (Nash, 1997). Alm da evidncia terico-cientfica da neurocincia sobre o desenvolvimento do crebro e a for- mao das conexes neuronais, a grande relevncia das interaes das crianas com seus pais e familiares para construir estruturas afetivas, sociais e cognitivas aumentam o impacto que estas experincias tem para a transio escolarizao. H uma srie de argumentos sociolgicos, econmicos, jurdicos, psicolgicos, pedaggicos, ticos e polticos que fundamentam a imperiosa prioridade de ateno e educao da primeira infncia (Gardner 1987; Armstrong 2008; Zuluaga, 2007). 4 No Brasil, considera-se primeira infncia o perodo at os seis anos de idade. 5 CRC/C/GC/7/Rev.1, OBSERVAO GERAL N 7 (2005). Definio da primeira infncia. () varia nos diferentes pases e regies, segundo suas tradies locais e a forma em que esto organizados os sistemas educacionais. Em alguns pases, a transio da etapa pr-escolar escolar ocorre pouco depois dos 4 anos de idade. Em outros pases, esta transio ocorre por volta dos 7 anos.
  26. 26. 26 O Marco Legal da Primeira Infncia agora Lei Quando o pai se inter-relaciona e brinca com seu filho ou filha pode alterar a funo cerebral para toda a vida e se essa influncia positiva permanente e com informao adequada, fortalecer sua capacidade de aprender (Goleman, 1998; Mustard, 2005). muito importante que os pais que tm alto impacto no desenvolvimento infantil como primeiros e principais educadores desfrutem de benefcios sociais como a licena-maternidade, amamentao, paternidade e parentalidade para que se inter-relacionem com seus filhos desde a gestao para alcanar resultados de qualidade. O Informe da OIT (2014, p.7) sobre as licenas-maternidade diz: ocorreu uma mudana mundial paulatina em relao sua durao, que considera como mnimo 14 semanas (De um total de 183 pases; 98 cumprem com a norma e 62 superam 18 semanas remuneradas). Por outro lado, diz ainda que: as disposies relativas licena-paternidade so mais comuns e refletem a evoluo da viso da importncia do cuidado pelos pais; em 78 pases apenas existe a licena-paternidade obrigatria e remunerada. Em fins de maro de 2015, uma equipe de neurocientistas dirigida por Kimberly Noble, da Universi- dade de Columbia, Nova Iorque e Elizabeth Sowel do Hospital de Los Angeles, California, investigaram os fundamentos biolgicos do impacto da pobreza e do status socioeconmico vinculado ao comportamento e s habilidades cognitivas dos seres humanos. Ao analisar as imagens dos crebros de 1.099 crianas, adoles- centes e adultos de vrias cidades dos Estados Unidos, seus resultados indicaram que o estresse da pobreza pode lesionar os crebros das crianas cujos pais tem rendimentos inferiores a US$ 25.000 anuais. Elas apre- sentam at 6% menos de superfcie cerebral que as crianas cujos pais ganham mais de US$ 150.000/ano. As disparidades se associaram com diferenas importantes na estrutura do crebro em reas associadas com linguagem, tomada de deciso, leitura e memorizao. Martha Farah, neurocientista cognitiva da Universida- de da Pensilvnia (Filadlfia), e outros pesquisadores encontraram resultados similares em outros estudos, e planejam continuar suas pesquisas para avaliar se esta realidade se modificar no curso de vida das crianas. Nash (1974) chegou mesma concluso: o estresse extremo por efeito da pobreza tambm tem efeito negativo nos neurnios relacionados com a aprendizagem e a memria. No entanto, comprovou-se que as crianas consideradas de alto risco por diversas patologias, mas que receberam ateno integral durante os primeiros seis meses de idade, reduziram o risco de retardo mental em at 80%. idade de 3 anos, estas crianas mostravan coeficientes de inteligncia de 15 a 20 pontos superiores a crianas com antecedentes e condies similares que no tinham participado destes programas. Os resultados se mantiveram at a idade de 15 anos, o que demonstra que os programas de ateno integral nos dois primeiros anos podem ter efeitos cumulativos de longa durao. Os pesquisadores Betty Hart e Todd Risley (2003), da Universidade de Kansas, avaliaram os intercm- bios dirios de linguagem e vocabulrio entre pais e filhos de diferentes procedncias socioeconmicas. Seus achados encontraram amplas disparidades depois de quatro anos de acompanhamento de 42 famlias. As diferenas de interaes entre pais e filhos produziram discrepncias significativas no nmero de palavras e no tipo de mensagens que se transmitiam. As crianas de lares com nvel socioeconmico alto, quando com- pletavam quatro anos de idade, estavam expostas a 30 milhes de palavras e as crianas de famlias de baixa renda alcanavam menos de um tero deste repertrio. Tais experincias tm efeitos duradouros e repercusses importantes no desempenho das crianas no futuro, em sua vida escolar e como cidados. Os distintos graus de desnutrio, especialmente de crianas que nascem e crescem em ambientes de pobreza e extrema pobreza, podem ser revertidos com uma nutrio adequada durante a gravidez e os dois primeiros anos de vida, a fim de obter o desenvolvimento normal do crebro. As prticas apropriadas de amamentao materna tambm podem contribuir para o desenvolvimento emocional e cognitivo saudvel da
  27. 27. PARTE i FUNDAMENTOS 27 criana. As pesquisas tm demonstrado que existe efeito sinrgico entre os cuidados de sade, a nutrio e a educao se so oferecidos de maneira oportuna e adequada desde a gestao; e que o padro de crescimento, determinado geneticamente, pode ser modificado por fatores exgenos, por exemplo a nutrio. Daniel Goleman (1998), da Universidade de Harvard, USA, afirmou que a influncia da inteligncia emocional crucial para o futuro da criana, que h necessidade de repensar as bases da educao. A vida emocional, diz Goleman, um mbito tal qual a matemtica e a leitura, pode-se manejar com maior ou menor destreza e requer um conjunto de habilidades. As pessoas com habilidades emocionais bem desenvolvidas tm maior probabilidade de sentirem-se satisfeitas, ser eficazes em sua vida e dominar os hbitos mentais que favoream sua prpia produtividade. Os pais e particularmente a me, de acordo com a sintonia ou a resposta que d a seu filho(a), modela as expectativas emocionais relacionadas com o compartihamento de sentimentos. A falta de sintonia predis- pe a um prejuzo emocional muito alto, no apenas para a criana. Os bebs de trs meses, diante de mes deprimidas, reagem com sentimentos de ira e tristeza, com menos curiosidade, interesse e espontaneidade. O enfoque transdisciplinar convincente para comprender o desenvolvimento humano (CDC, 1989). A re- lao entre lactantes e pais ou cuidadores primrios reveste-se de suma importncia para o desenvolvimento emocional, psicolgico e cognitivo da criana. Os problemas de desenvolvimento e conduta que muitas vezes perduran ao longo da vida derivam-se normalmente de conflitos nessa relao. De fato, os pais so os principais e mais importantes educadores do crebro. Entre outras coisas, eles podem ajudar os bebs a aprender adotando um estilo rtmico de linguagem e outras condutas. O ambiente importante, mas tambm depende da estimulao para que o beb observe, escute, toque e experimente repetidamente as emoes. Comprovou-se que algumas estruturas do crebro, tais como viso, audio, tato e em geral todos os sentidos se desenvolvem precocemente, enquanto outras, como a linguagem e o pensamento lgico-mate- mtico, se desenvolvem mais adiante, mas com uma alta probabilidade de receber influncia das experincias iniciais. Os estmulos recebidos pelo beb durante a gravidez ou pouco depois do nascimento so cruciais para seu desempenho na idade adulta (Mustard, 2002, 2010). A criana necessita do apoio de mltiplas reas: estimulao e experincias para facilitar numerosas conexes neuronais que aumentem a capacidade e funes do crebro; interao com os pais e cuidadores para enriquecer sua capacidade de aprendizagem; proteo, cuidado, boa sade, alimentao para seu bem-estar; e acesso a programas de educao de quali- dade para o desenvolvimento de competncias sociais, lingusticas e de preparao para a educao formal. Thomas Armstrong (2008) afirma que a genialidade da infncia demonstrada nos fatos do dia a dia, quando a criana demonstra traos de criatividade, diverso, curiosidade, espanto, sabedoria, alegria, criati- vidade, vitalidade, sensibilidade, imaginao e humor. A evidncia cientfica da genialidade da infncia pode ser neurolgica, j que o crebro da criana mais ativo, flexvel e rico em conexes. Assinala, entre outros achados, que a criana tem a capacidade de aprender uma lngua sem uma instruo formal. Sobre os fatores que reprimem a genialidade da infncia, acentua a existncia de influncias negativas no ambiente domstico (ansiedade, pobreza e alto nvel de estresse), influncias negativas da escola (exames, rotulao e planos de estudo inadequados) e influncias negativas da cultura popular (especialmente os meios de comunicao, violncia, mediocridade e modelos empobrecidos). Assegura que o apoio do pai ou do educador pode propor- cionar experincias simples que provocam deslumbramento, curiosidade, clima cordial, amvel, no crtico, centrado na criana e utiliza-se de teorias de aprendizagem como as de Howard Gardner, sobre inteligncias mltiplas, facilita-se a descoberta dos aspectos nicos de genialidade de cada criana.
  28. 28. 28 O Marco Legal da Primeira Infncia agora Lei Considerando que as crianas esto aprendendo muito rapidamente durante os primeiros oito anos de vida, o que lhes proporciona as bases fundamentais para progressos durante toda sua vida, o Instituto de Medicina (IOM) e o Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos (Institute of Medicine and National Research Council) foram encarregados de investigar as implicaes da cincia do desenvolvimento infantil nos profissionais e agentes educativos que trabalham com crianas dessas idades. Em abril de 2015 publicaram os resultados dessa investigao, ratificando que a funo dos adultos que oferecem cuidado e educao de grande responsabilidade para a sade, o desenvolvimento e a aprendizagem das crianas; que existe in- formao suficiente sobre as capacidades, aprendizagens e metodologias que os profissionais devem ter para apoiar esta etapa da infncia. No entanto, esse conhecimento ainda no se reflete nas capacidades e prticas dos trabalhadores, nas polticas, infraestrutura, contedos profissionais e na superviso dos setores a que per- tencem. O relatrio de pesquisa analisa os resultados da investigao e recomenda em detalhe a necessidade de preparar uma fora de trabalho que, desde as distintas disciplinas, unifique e use a mesma base cientfica para oferecer apoio consistente, de alta qualidade para o desenvolvimento e a aprendizagem das crianas desde o nascimento at os oito anos. O conceito de ensino tem sido reconceitualizado, h vrias dcadas, modificando o papel tradicional do professor. Na atualidade, o ensino concebido como um processo interativo em que as crianas realizam suas aprendizagens em interao com seu contexto, com outras crianas e com o objeto do conhecimento. O professor ou agente educativo asume aqui o papel de mediador no processo de aprendizagem. A presena do adulto fundamental para organizar situaes de aprendizagem, para interagir com as crianas e oferecer-lhes apoio. A bibliografia especializada assinala que no h um nvel de inteligncia fixo, que esta pode ser modificada pelas experincias e oportunidades que se ofeream pessoa, e que cada criana nica, com um ritmo e estilo de aprendizagem pessoal. Todos possuem capacidades diversas e um grande potencial de aprendizagem, tal como postulado por Gardner ao referir-se s inteligncias mltiplas. O brincar uma das caractersticas mais distintivas da primeira infncia, as crianas podem desfrutar das capacidades que tm quando podem coloc-las prova. O valor do jogo criativo e da aprendizagem ex- ploratria est amplamente reconhecido na educao na primeira infncia. E no planejamento das cidades e das instalaes de lazer e brincadeiras deve-se levar em considerao o direito das crianas de brincar e expressar suas opinies (CDC, art. 12), mediante consultas adequadas. Para enfrentar o mundo, que ser prspero, imprevisvel, incerto e desafiador, os pesquisadores do Centro de Pesquisa e Inovao Educacional da Organizao para a Cooperao Econmica e do Desenvolvimento (CERI/OECD) dizem que a educao pode preparar as crianas em suas habilidades cognitivas (cognitive skills), que compreendem a leitura, escrita, matemtica e soluo de problemas. Por outro lado, as habilidades sociais e emocionais (social and emotional skills) podem melhorar a educao com condutas de perseverana, autoestima, resistncia e comunicao. A evidncia sugere que as habilidades sociais e emocionais podem ser to poderosas como as habilidades cognitivas na promoo de xitos que se extendem para toda a vida, para alm da infncia. Estas concluses foram ratificadas no Frum de Polticas de Alto Nvel sobre Habilidades para o Progresso Social, realizado em So Paulo, Brasil, em maro de 2014. Foi organizado pelo Ministrio de Educao, pelo Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais Ansio Teixeira (INEP), pelo Instituto Ayton Senna, pelo Centro para Pesquisa e Inovao Educacional da Organizao para Cooperao Econ- mica e do Desenvolvimento (CERI-OECD), em que trataram das evidncias cientficas que demonstram que as habilidades emocionais e sociais contribuem para o xito das aprendizagens para a vida e a escolaridade.
  29. 29. PARTE i FUNDAMENTOS 29 A organizao do ambiente fsico e social, junto com as experincias, desempenham um papel central no desenvolvimento do crebro e das funes associadas nos primeiros anos de vida. A qualidade e a diversidade das experincias que se oferecem por meio de estratgias metodolgicas diversas que promovam a brinca- deira, a iniciativa, a explorao, a descoberta, a comunicao, a criatividade, a manipulao de materiais que estimulem o desenvolvimento sensorial e motor, orientados ao desenvolvimento da relao de causalidade, de soluo de problemas e a expresso de emoes, so fundamentais na educao infantil. Tambm h que se desenvolver experincias sociais, seja no grupo familiar ou em outros espaos, para que as crianas adquiram competncias pr-sociais que permitam atuar cada vez com maior autonomia e segurana para continuar a aprendizagem sobre o mundo que as rodeiam. James Heckman, prmio Nobel em Economia (2000), ao avaliar os dados sobre o desenvolvimento humano nos Estados Unidos, observou que a maneira mais eficiente de remediar problemas causados por ambientes familiares adversos investir nas crianas em seus primeiros anos de vida (Entrevista, junho de 2005). O projeto High Scope Perry Preschool demonstrou com um estudo longitudinal, que acompanhou as crianas desde os 3 at os 41 anos de idade, que o investimento de cada dlar em programas de alta qualidade com respostas apropriadas s demandas das crianas resulta em um retorno de mais de 17 dlares por cada 1 dlar investido em programas sociais. Heckman exps, em Conferncia realizada durante o I Seminrio Internacional do Marco Legal da Primeira Infncia, na Cmara dos Deputados, em 16 de abril de 2013, que: As polticas devem ser sbias, levar em conta os resultados das cincias para fundament-las e devem ser bem planejadas para transferir capacidades. O investimento em polticas pblicas para a primeira infncia desde as idades mais precoces previne e melhora o estado de bem-estar e a abordagem das potencialidades do ser humano, tem impacto na reduo das enfermida- des crnicas das crianas pequenas, em suas habilidades sociais, cognitivas, emocionais e no rendimento e produtividade por toda sua vida (Heckman, 2013). Atualmente, h poucas dvidas de que o investimento no desenvolvimento da criana em seus primeiros anos de vida proporciona um maior retorno sociedade que os investimentos em outros projetos. Jacques Van der Gaag, economista holands que trabalhou no Banco Mundial, concluiu que o desenvolvimento da criana na tenra idade afeta a educao, a sade fsica e mental, a qualidade de uma sociedade (o capital social) e a igualdade. O investimento no desenvolvimento da criana em idades iniciais um piv para o crescimento econmico e para o desenvolvimento e a manuteno das sociedades democrticas. Os polticos tm reconhecido que o acesso equitativo ao cuidado e educao infantil de qualidade pode reforar as bases da aprendizagem de toda a vida e apoiar as grandes necessidades educativas e sociais das famlias. A construo de bases mais slidas pode levar a uma maior equidade social e econmica (MUSTARD, 2006, p. 87). A ateno e educao para esta faixa etria, por ser crucial, requer un marco te- rico-conceitual que cubra todas as dimenses do desenvolvimento infantil. O enfoque a se adotar tanto para a formulao de polticas, como para o projeto de execuo de programas formais e no formais deve ter uma orientao cientfica clara. 2. EvoluO E tendncias das polticas de primeira infncia As polticas de primeira infncia, legislao, normas e regulaes definem o sistema legal e judicial sobre como operam os governos, seus papis desde o nvel nacional, a relao dos setores com as unidades
  30. 30. 30 O Marco Legal da Primeira Infncia agora Lei locais, responsabilidades, financiamento e alcance das regulaes, os parmetros de qualidade dos servios, os responsveis pela implementao, os argumentos cientficos, legais, sociais, princpios, metas de cobertura, cursos de ao, colaborao interinstitucional, planos que derivam dos marcos, previses de monitoramento, follow up e avaliao e detalhes especficos. Se as polticas contam com regulamentao detalhada dos man- datos aprovados, facilita-se sua implementao, follow up e avaliao. Um dos tratados universais que fundamenta as polticas de primeira infncia a Conveno sobre os Direitos da Criana (CDC6 ), aprovada em 1989 e ratificada at a presente data por 193 pases em nvel mundial. Sua aplicao, respaldada por inmeras pesquisas, est modificando substancialmente a concepo de criana, considerando-a como pessoa, sujeito social de Direitos desde a gestao, o que significa que ela tem capacidade para pensar, inter-relacionar-se, aprender, criar, tomar decises, eleger opes, expressar seus sentimentos, interagir com o meio ambiente, entre outros. A Conveno (CDC) estabelece o Comit dos Direitos da Criana com profissionais representantes de cada pas, encarregados de dar prosseguimento ao cumprimento da CDC e recomendar aos Estados Membros enriquecer, adaptar, melhorar ou criar legislao, servios ou programas que complementem os marcos jur- dicos e mecanismos de aplicao dos artigos da CDC. Foram elaborados 18 Comentrios Gerais (2001-2015) que trazem detalhes tcnico-polticos e pedaggicos com maior amplitude e profundidade. Desenvolvem temas sobre: finalidades da educao, sade, violncia, crianas portadoras de deficincias, primeira infncia, participao, infncia indgena, infncia e empresas, o direito ao brincar e lazer, o direito das mulheres, entre outros (Ver Anexo 1). O Comentrio Geral N 7/Rev.1, sobre Realizao dos Direitos da Criana na Primeira Infncia (2005) oferece uma maior compreenso acerca da primeira infncia. Advoga em favor da definio de polticas e planos de ao, leis, programas, prticas, capacitao profissional e investigao orientada ao melhor cumprimento dos Direitos. Argumenta que a educao comea antes que a criana nasa e um processo permanente. Tem uma seo completa sobre implicaes polticas da nova viso de primeira infncia, as responsabilidades da famlia e a assistncia do Estado para os pais, assim, indica como se pode proporcionar a assistncia apropriada no marco das polticas globais, incluindo sade, educao e cuidado nos primeiros anos, especialmente para a populao mais vulnervel. Junto com a CDC, fizeram-se outros compromissos polticos mundiais, entre eles, h quase 25 anos, na Tailndia, os governos aprovaram a Declarao de Jomtien (1900) ou Declarao sobre Educao para Todos (EPT), centrada em satisfazer as necessidades bsicas de aprendizagem de todos. Isto significa o pacto pela universalizao do ensino elementar e pela reduo drstica dos ndices de analfabetismo. Dez anos depois, no Frum Mundial sobre Educao (2000), em Dakar, aps avaliar resultados, lies e desafios de Jomtien, se estabeleceram oficialmente seis metas, na Declarao de Dakar sobre Educao para Todos (EPT). Estas abarcam todos os aspectos do Ensino Bsico, desde a aprendizagem na primeira infncia at a alfabetizao de adultos e a qualidade da educao. Aprovou-se o ano de 2015 como data limite para alcanar essas metas e explicitar o compromisso de Expandir e melhorar o cuidado e a educao da primeira infncia. Na Assembleia Geral das Naes Unidas, os representantes de governo se comprometeram com os Objetivos do Milnio (ODM). Estes so um marco de trabalho universal para o desenvolvimento no perodo 20002015, com oito objetivos focalizados em: i) luta contra a pobreza e a fome; ii) melhoria e universalizao 6A Declarao dos Direitos da Criana (1959) firmada pelas Naes Unidas o antecedente da CDC. Contm dez direitos e oito deveres das crian- as. Por sua vez antecedida pela Declarao de Genebra de 1924. Em: http://www2.ohchr.org
  31. 31. PARTE i FUNDAMENTOS 31 da educao bsica; iii) promoo da igualdade entre os sexos e autonomia da mulher, respeito aos Direitos Humanos, incluindo os Direitos das Minorias; iv) melhoramento da sade, reduo da mortalidade infantil; v) melhoria da sade materna; vi) Combate ao HIV/AIDS, malria e outras enfermidades; vii) interrupo da deteriorao ambiental e garantia da sustentabilidade do meio ambiente; viii); e fomento a uma associao mundial para o desenvolvimento. Quatro dos oito objetivos se associam ao tema da educao, cuidado e desenvolvimento infantil. O Programa de EPT e os ODM assumem que investir nas crianas pequenas uma deciso acertada e inteli- gente, j que h provas cada vez mais consistentes que demonstram que elas deveriam ser prioridade para se romper o ciclo da pobreza. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milnio (ODM) qualificam-se como a ferramenta mais exitosa na histria para se lutar contra a pobreza. Do ano de 2000 at setembro de 2015 representaram o horizonte, especialmente para 192 pases-membros das Naes Unidas, rumo ao qual o mundo projetou suas aspiraes, visando alcan-los junto com as 6 metas de Educao para Todos (EPT). Dado que se realizaram avanos no cumprimento dos ODMs, mas no se atingiram suas oito metas, as Naes Unidas e outros organismos vem mobilizando 193 pases do mundo para definir a Agenda das Polticas Gerais, do perodo posterior a 2015. E decidiram que, com base na experincia dos ODM, deve-se criar um programa de desenvolvimento com temas cruciais de bem-estar, dignidade, Direitos, educao inclusiva, sobrevivencia, consumo-produo e qualidade de vida do ser humano; tambm nico em termos de sustentabilidade do meio ambiente. 2.1. Metas para o Desenvolvimento Sustentvel 2015-2030 O informe do Secretrio-Geral da Assembleia Geral das Naes Unidas, A/69/700, de 4 de dezembro de 2014, prope uma agenda universal e transformadora para o desenvolvimento sustentvel, baseada em direitos, na qual as pessoas e o planeta ocupam um lugar central. Estabelece um conjunto integrado de seis elementos essenciais: Dignidade: acabar com a pobreza e lutar contra as desigualdades; Pessoas: assegurar uma vida saudvel, conhecimento e incluso de mulheres e crianas; Prosperidade: desenvolver uma economia slida, inclusiva e transformadora; Planeta: proteger nossos ecossistemas para todas as sociedades e para nossos filhos; Justia: promover sociedades seguras e pacficas e instituies slidas; Associao: catalizar a solidaridade mundial para o desenvolvimento sustentvel; Esses seis elementos constituem os insumos para as Metas, sendo compreendidos como os temas cruciais para o desenvolvimento sustentvel. Seu texto final foi aprovado em setembro de 2015 nas Naes Unidas e consta com 17 objetivos com uma perspectiva de execuo at 2030. Entre eles, o objetivo 47 se refere a Garantir uma educao de qualidade inclusiva e equitativa e promover oportunidades de aprendizagem permanente para todos e especifica, no item 4.2, at 2030, assegurar que todas os meninos e meninas te- nham acesso Educao, cuidado e desenvolvimento infantil de qualidade na primeira infncia, para que estejam preparados para a educao primria. (Ver Anexo 2 Transformar nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentvel, aprovada na Assembleia Geral da ONU, em 25 de setembro de 2015). 7http://nacoesunidas.org/pos2015/ods4/.
  32. 32. 32 O Marco Legal da Primeira Infncia agora Lei 2.2. Frum Mundial sobre Educao 2015-2030 Entre outras reunies mundiais, como as de Mudana Climtica, Financiamento, entre outras, que foram realizadas como parte da estratgia de construo das Metas para o Desenvolvimento Sustentvel, a UNESCO, juntamente com o Governo da Repblica da Coreia, convocaram os Ministros de Educao, gestores e autoridades da sociedade civil, bancos, universidades, entre outros, para celebrar, entre os dias 19 a 22 de maio de 2015, o Frum Mundial sobre a Educao 2015-2030, em que aprovaram a Declarao de Incheon8 : Educao at 2030 rumo a uma educao equitativa, de qualidade e com aprendizagens ao longo de toda a vida. Seus compromissos so coerentes e associados s outras 16 metas e objetivos para o desen- volvimento sustentvel. Inspira-se em uma viso humanista da educao e do desenvolvimento, baseada nos Direitos Humanos e na dignidade, justia social, incluso, proteo, diversidade cultural, lingustica e tnica e corresponsabilidade e prestao de contas. Outros temas substantivos so: Reconhece a educao como chave para alcanar o pleno emprego e a erradicao da pobreza; Centraliza os esforos no acesso, equidade e incluso, qualidade e resultados, dentro de um enfoque de aprendizagem permanente; Se compromete a facer as mudanas necessrias nas polticas educativas focalizando os esforos nos mais desfavorecidos, especialmente aqueles com deficincias, as polticas de gnero, planejamento e ambientes de aprendizagem; Assegura que os professores e educadores sero empoderados, bem capacitados, profissionalmente qualificados, apoiados em sistemas de recursos, eficientes e eficazmente regulados; Orienta-se no sentido de promover oportunidades de aprendizagem permanente de qualidade para todos, em todos os contextos e em todos os nveis da educao oferecidos em ambientes de aprendizagem seguros, solidrios e assegurando ambientes livres de violncia. Aqueles que subscreveram a Declarao aceitam que: A responsabilidade fundamental para a implementao com xito deste programa recai sobre os governos, decididos a estabelecer marcos legais e polticas que promovam a prestao de contas e a transparncia, assim como uma governana participativa e alianas coordenadas em todos os nveis e setores e a defender o direito participao de todos os interessados; Aumentaro os gastos pblicos na educao, conforme o contexto do pas; Solicitaro apoio a doadores para aumentar o financiamento educao; e Desenvolvero vigilncia nacional integral e sistemas de avaliao para a formulao de polticas, a gesto dos sistemas educativos e a prestao de contas. (Ver Declarao de Incheon: Educao 2030). Por outro lado, no Hemisfrio celebram-se as Cpulas das Amricas da Organizao dos Estados Americanos (OEA) com os Chefes de Estado e de Governo (Chile, 1998 at Panam, 2015); as reunies de Ministros de Educao da Organizao dos Estados Ibero-americanos (OEI) (2000-2021) e da OEA, que tambm aprovaram Declaraes e/ou Resolues regionais e subregionais onde consta legislao explcita 8 Declarao de Inchecon. Maio 2015. Disponvel em: http://unesdoc.unesco.org/images/0023/002331/233137POR.pdf.
  33. 33. PARTE i FUNDAMENTOS 33 sobre a importncia do desenvolvimento, cuidado e educao da primeira infncia. Entre eles, em 2007, na Colmbia, se aprovou o Compromisso Hemisfrico pela Educao da Primeira Infncia na V Reunio de Mi- nistros de Educao, que se inspira na Conveno (CDC) e nos Comentrios Gerais nos 7, 9.11, 12. Este foi retificado em 2009 no Equador e, em 2012, no Suriname, assim como nas Assembleias Gerais dos mesmos anos. Em fevereiro de 2015, se aprovaram compromissos polticos dos Ministros de Educao da OEA, como a Resoluo Construo de uma agenda educativa Interamericana: Educao com equidade para a prospe- ridade, na qual um dos trs temas prioritrios a Ateno Integral Primeira Infncia (junto com educao de qualidade, inclusiva e com equidade e fortalecimento da profisso docente). Sobre esta declarao em particular, foi elaborada uma Agenda Educativa Interamericana, com grupos de trabalho dos vrios pases, que ser apresentada em Bahamas, no ano de 2017. Todos os compromissos polticos assinalam que a maior dvida que se tem com a populao pobre marginalizada, da qual h que se melhorar a qualidade de vida, dando-lhe prioridade infancia, impulsionando a formulao, consolidao e colocao em prtica de polticas pblicas integradas, que articulem esforos com organismos financeiros e de cooperao e que se deve trabalhar partindo da famlia. Os compromissos polticos destacam argumentos slidos de economistas, neurocientistas e diferentes especialistas em nvel mundial que reiteram que muito importante a vontade poltica para investir no desenvolvimento infantil inicial. Dizem que se deve oferecer rentabilidade substancial a favor dos oramentos recolhidos pelos governos, e benefcios sociais, econmicos, de gnero, produtividade e melhoria do capital humano. Em resumo, estes compromissos polticos que esto em curso apresentam um panorama dinmico de preparao ou atualizao de compromissos polticos pela primeira infncia que so incentivados a partir de vrios eixos. Para isto, tornam-se favorveis a uma ao coordenada em prol dos Direitos da Primeira Infncia. Em 1 de janeiro de 2016 supe-se que iniciemos as novas agendas Ps-2015. 3. Avanos recentes da legislao, polticas e estratgias para a primeira infncia 3.1. Unio Europeia: Uma das mais significativas aplicaes da CDC a que foi decidida pela Comisso Econmica Euro- peia em 2001 e ratificada em 2006, segundo a qual, at 2012 em virtude da maior quantidade de mulheres que se incorporaro ao mercado de trabalho e em benefcio das populaes mais desfavorecidas , os pases devem oferecer servios de ateno, cuidado e educao infantil. De 20 pases, 33% ofereceram servios para crianas menores de 3 anos. Dinamarca, Holanda, Sucia, Noruega, Espanha ultrapassaram a meta; Itlia e Alemanha apenas 20% a 25%, os demais, menos. A Unio Europeia, dentro de sua direo de Emprego, Assuntos Sociais e Igualdade de Oportunidades promoveu legislao coerente entre o trabalho e a famlia, em especial das mulheres, por isso dispuseram para o ano de 2006 que a licena-maternidade no seja menor que 18 semanas, e que deve ser remunerada (pelo governo, seguro, empresa, outro). Oito anos depois (2014), a Organizao Internacional do Trabalho (OIT) publicou um informe sobre a legislao e a prtica das licenas maternidade e paternidade em 185 pases e citou como exemplos: Noruega, 45 semanas; Sucia, 34 semanas; Dinamarca, 22 semanas; Finlndia, 18 semanas. Em outros continentes os exemplos citados foram: Chile, 30 semanas; Brasil, 24 semanas; Cuba, 22
  34. 34. 34 O Marco Legal da Primeira Infncia agora Lei semanas; Austrlia, frica do Sul e Costa Rica, 18 semanas; Nova Zelndia, Japo, China, Colmbia, Uruguai, 14 semanas; EUA, Equador, Mxico, Paraguai, ndia, Zmbia, Peru, Bolvia, 12 semanas (OIT, 2014). Por outro lado, sobre as licenas-paternidade, o estudo da Organizao Internacional do Trabalho (OIT [ILO]) mostrou como progressos: Noruega, 16 semanas, Sucia, 10; Finlndia, 7.7; Dinamarca, 2. Em outros continentes: Austrlia e Nova Zelndia, 2 semanas; na Amrica Latina, apenas em dias, o benefcio da licena-paternidade concedido no Equador, Venezuela, Uruguai, 10 dias; Colmbia, 8; Brasil e Chile, 5-7; Peru, 4; na frica do Sul, Bolvia e Paraguai, 3 dias. Outros pases no mencionam a licena-paternidade. O Conselho sobre Educao Infantil e Ateno Infncia da Unio Europeia props para o ano de 2012 alcanar os objetivos da estratgia Europa 2020, sobre crescimento inteligente, sustentvel e integrador e legislou para que todos os Estados membros (36 pases) adotem medidas para oferecer acesso equitativo e de qualidade para a primeira infncia, entre elas: i) acesso equitativo, em particular s crianas que procedem de contextos socioeconmicos desfavorecidos, incluindo os portadores de deficincias; ii) conceber modelos de financiamento mistos: estatal-privados; iii) fomentar enfoques intersetoriais e integrados para os servi- os; iv) apoiar a profissionalizao do pessoal; v) promover planos e programas que fomentem capacidades cognitivas e no cognitivas, incluindo a brincadeira a aprendizagem das crianas; vi) apoiar os pais, que os servios trabalhem associados a eles; vii) promover a qualidade com participao de todos os responsveis, includas as famlias; viii) promover a investigao a fim de fortalecer a base de elaborao de polticas e a oferta de programas.9 Outra iniciativa na Unio Europeia a Eurochild, uma Rede de organizaes da sociedade civil composta por 176 membros de 32 pases, cofinanciada pela Direo Geral de Emprego, Atividades Sociais e Igualdade de Oportunidades da Comisso Europia10 . Trabalha para promover os Direitos da CDC, o bem-estar e o melhoramento da qualidade de vida de crianas e jovens. membro do Frum Internacional para o Bem-estar da Infncia e est associada Direo Geral de Educao e Cultura da Comisso Europeia. Em junho de 2014, aprovou a Declarao Eurochild, que recomenda o cumprimento das polticas para a ao dos Estados da Unio Europeia. Aceita que a primeira infncia o perodo mais crtico na vida humana, que est recebendo visibilidade poltica em nvel europeu; e defende um marco de qualidade dos servios de cuidado e educao da primeira infncia. Eurochild destaca sua contribuio sob cinco princpios da primeira infncia: i) deve ser entendida como um bem, junto com a educao e a ateno deve entender-se como uma responsabilidade e um bem pblico; ii) uma poltica integral requer o desenvolvimento holstico e integrado que afete a vida de suas crianas, famlias e comunidades. Os governos tm a responsabilidade de coordenar entre setores e considerar os efeitos de seu impacto nas crianas, famlias e comunidades, no centrar-se apenas em resultados educativos, nem esquecer os servios ps-natais, a ateno primria sade, promoo da nutrio, lactncia, moradia, desenvolvimento comunitrio, imigrao, bem-estar social, emprego, servios civis, legais, fiscais, planejamento urbano e regional, educao, outros; iii) uma poltica integral demanda apoiar fundamental- mente aos pais como principais cuidadores para criar condies de qualidade, significativamente importantes para o desenvolvimento da criana, em razo de que se deve proporcionar-lhes assistncia, assessoria, mate- rial etc.; iv) necessita uma fora de trabalho competente, diversificada, sistemas de profissionais de diversos setores (sade, educao, bem-estar) articulados com os sistemas de governo (municpios, estados), capazes de responder s complexas necessidades das crianas e suas famlias em contextos sociais mutantes; v) A primeira infncia necessita sustentar-se em avaliao e na pesquisa centrada em resultados reais presentes e 9 http://waece.org; Concluses sobre Educao Infantil e Ateno Infncia. Dirio Oficial da Unio Europeia (2011/C 75/03). Madri, Espanha. 10www.eurochild.org.
  35. 35. PARTE i FUNDAMENTOS 35 futuros, formulada por profissionais, transdisciplinar, a fim de ajudar aos sistemas que desenvolvem, mantm e controlam a qualidade dos servios. Em junho de 2014, o informe Nmeros Chave da Educao e Ateno Primeira Infncia na Europa exps a avaliao de resultados das polticas e prticas de acesso e qualidade dos servios educativos e de ateno primeira infancia (AEPI) na Unio Europia11 , que diz, entre outros: a. a primeira infncia a etapa em que a educao pode influir de maneira mais decisiva no desen- volvimento da criana, inteno da Unio Europeia facilitar o acesso e a ateno de mxima qualidade a todas as crianas; b. a maioria dos pases (25) garante por lei o direito AEPI, pelo menos a um curso ou programa antes de ingressar escola primria; c. em 2030 a populao menor de seis anos ter uma reduo de 7,6% em relao a 2012, sero apenas 32 milhes de crianas; d. a um custo muito baixo, oito pases garantem o direito legal AEPI, desde que oferecem licen- a-maternidade ou licena-paternidade remunerada (Alemanha, Dinamarca, Estnia, Eslovnia, Finlndia, Malta, Noruega, Sucia); em onze pases, um ou dois anos obrigatrios (Bulgria, Grcia, Chipre, Letnia, Luxemburgo, Hungria, ustria, Polnia, Sua; Repblica Tcheca e Liechtenstein). No resto dos pases, alm da licena-maternidade remunerada, existem servios financiados pelo governo, legalmente respaldados, para as crianas desde os trs anos ou antes (trs Comunidades da Blgica, Irlanda, Espanha, Frana, Luxemburgo, Hungria, Portugal e Reino Unido); e. a maioria dos pases divide a ateno e a educao em dois ciclos: na Blgica, Itlia, Repblica Tche- ca, Chipre, Luxemburgo, Polnia, Eslovquia, com centros e ministrios diferentes com idade de corte aos 3 anos e diferenas nos requisitos de qualificao dos profissionais, condies de acesso, orientaes educativas (mais para as idades maiores); na Blgica (Comunidade Flamenca), Frana, Hungria, Romnia e Reino Unido (Esccia), h tambm estratgias que facilitam a transio das crianas entre as distintas idades; f. a cobertura para crianas menores de trs anos reduzida, em parte porque as licenas-maternida- de so extensas. Aproximadamente em 50% dos pases, o servio gratuito a partir dos trs anos. A Dinamarca tem cobertura de 74% para crianas menores de trs anos e 93% das crianas so assistidas antes da educao primria, gratuitamente, pelo Estado. O Objetivo Europeu em 2020 que 95% das crianas tenham acesso educao infantil desde os 4 anos; g. os estudos internacionais (PISA12 ) sobre rendimento escolar revelam que as crianas da Unio Europeia que participaram da educao infantil superaram em 35 pontos s que no participaram. Nos resultados de competncia em leitura (PIRLS 2011)13 , as crianas que participaram da Educao Infantil por mais tempo demonstraram que esto melhor preparadas para iniciar e cursar com xito a escola primria; tm melhores resultados em leitura, maior permanncia e anos de escolaridade; e h. Sucia e Nova Zelndia (desde 1985-1984), Noruega, Finlndia, Inglaterra, Dinamarca Estnia, Malta, Eslovnia (desde 2005, aproximadamente), tem um sistema integrado com objetivos co- 11 Inclui 28 pases da Unio Europeia; 2 candidatos a ingressar e 3 da Associao Europeia de Livre Comrcio (37 sistemas educativos) http://europa. eu. 12 O PISA Programme for International Student Assessment, em portugus: Programa Internacional de Avaliao de Estudantes uma iniciativa de avaliao comparada, aplicada a estudantes na faixa dos 15 anos, idade em que se pressupe o trmino da escolaridade bsica obrigatria na maioria dos pases. desenvolvido e coordenado pela Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE), contando com uma coordenao nacional, que no Brasol o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (INEP). 13 Progress in International Reading Literacy Study (http://timssandpirls.bc.edu/pirls2011/international-results-pirls.html).
  36. 36. 36 O Marco Legal da Primeira Infncia agora Le