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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NA RESSOCIALIZAÇÃO DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI Por: Andréa do Val Amorim Orientador Prof. Celso Sanches Rio de Janeiro 2006

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NA RESSOCIALIZAÇÃO DO

ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

Por: Andréa do Val Amorim

Orientador

Prof. Celso Sanches

Rio de Janeiro

2006

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2UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NA RESSOCIALIZAÇÃO DO

ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Terapia da

Família.

Por: Andréa do Val Amorim.

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3

AGRADECIMENTOS

... em primeiro lugar a Deus e aos meus

pais, pois sem eles isso não seria

possível, às minhas colegas de turma de

Terapia de Família e ao meu namorado

que muito me ajudou na produção desse

trabalho.

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4DEDICATÓRIA

.....dedico este trabalho aos meus pais e a

meu namorado pois sem eles este

trabalho não seria possível.

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5RESUMO

Este trabalho tem como objetivo central evidenciar a importância da

família no processo de ressocialização do adolescente em conflito com a lei

que cumpre medida sócio-educativa. Já que não adianta realizar um trabalho

sócio-educativo apenas com os jovens, mas também com suas famílias. Para

discorrer sobre o tema recorreremos a referências bibliográficas.

A escolha desse tema ocorreu por já ter havido uma vivência

anteriormente acerca dessa questão do adolescente em conflito com a lei e ter

constatado, dentre outras coisas, a falta de um trabalho a ser realizado com as

famílias desses adolescentes que cumprem medida socioeducativa em

unidades de internação, já que estas são de suma importância para o processo

de ressocialização desses jovens e para que este tenha êxito.

Deveria haver nas unidades de internação programas que trabalhassem

com essas famílias, pois são elas que irão receber o adolescente quando este

deixar a unidade e estas famílias devem estar preparadas para isso.

Sendo assim, pretendemos estar mostrando a longo deste trabalho a

importância que a família tem na vida do adolescente e como ela influencia

este nessa fase da vida. Pretendemos também, ao final deste trabalho, propor

um programa que atendesse a essas famílias e suas necessidades para que

esta possa ajudar o adolescente nesse processo de ressocialização, para que

esta se sinta apta para lidar com essa fase tão conturbada tanto para o próprio

adolescente como para ela mesma, e para que tenha condições de estar

recebendo esse adolescente.

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6METODOLOGIA

Este trabalho será desenvolvido através de consultas bibliográficas de

obras elaboradas por autores, tais como Maria Clara Jost, Philippe Áries, Maria

do Carmo Brant de Carvalho, entre outros. Assim, como fonte de coleta de

dados a pesquisa bibliográfica de doutrinas que tratam da história da família,

da fase da adolescência e do adolescente em conflito com a lei. A proposta de

seleção das leituras se dá de forma crítica e comparada com a prática.

Teremos como referências bibliotecárias, a Biblioteca Nacional, biblioteca da

Universidade Veiga de Almeida – Tijuca, biblioteca da Universidade Federal do

Rio de Janeiro (UFRJ) e biblioteca da Universidade do Estado do Rio de

Janeiro (UERJ), dentre outras.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

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7 CAPÍTULO I 10

A família

CAPÍTULO II 16

A adolescência

CAPÍTULO III 27

Códigos de regulamentação da infância e adolescência no Brasil

CAPÍTULO IV 35

A importância da família na ressocialização do adolescente

em conflito com a lei

CONSIDERAÇÕES FINAIS 41

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 44

ANEXOS 46

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo evidenciar a importância da família

no processo de ressocialização dos adolescentes que cumprem medida sócio-

educativa. Sendo este de grande relevância, uma vez que não adianta

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8desempenhar um trabalho sócio-educativo apenas com os jovens, mas

também com suas famílias. Utilizando-se referências bibliográficas a fim de

fundamentar a pesquisa.

Primeiramente, discutiremos o conceito de família. Dessa forma,

analisaremos, não só o do surgimento da família nuclear burguesa, tida ainda

como modelo familiar a ser alcançado como também as transformações que

ocorreram com a mesma ao longo do tempo, acarretando o aparecimento de

novos arranjos familiares.

Posteriormente, adentraremos na questão da adolescência, enfatizando

que o jovem em conflito com a lei é antes de tudo um adolescente,

apresentando todas as características presentes nesse momento da vida, com

suas rebeldias, contradições e ambivalências, porém com o agravante de que

seu conflito se estende para além dele mesmo e de sua família, pois está em

conflito também com a lei.

Ademais, será falado acerca dos códigos de regulamentação da infância

e adolescência no Brasil, com o surgimento do 1º Código de Menores, em

1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social

emergente da infância e adolescência, até a formulação do estatuto da Criança

e do Adolescente, em 1990, que se define como lei de proteção integral da

criança e do adolescente e além de positivar os direitos e garantias individuais

e regular a proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos,

define e regula as políticas de atendimento desses direitos, normatizando tanto

a proteção quanto a sócio-educação.

Em última análise, abordaremos a importância de se realizar um trabalho

sócio-educativo com as famílias dos adolescentes em conflito com a lei, a fim

de ajudar no processo de ressocialização desses jovens, uma vez que o bem

estar deles continua dependendo do vínculo que mantém com suas famílias,

em sua condição para propiciar afeto, bens materiais, valores éticos,

humanitários e culturais necessários à formação de cidadãos.

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9 Logo, será proposto um trabalho sócioeducativo junto às famílias desses

adolescentes que cumprem medida sócio-educativa com o objetivo de auxiliá-

las na compreensão de sua dinâmica familiar, de suas dificuldades; na relação

com a conduta do adolescente; e na busca de serviços adequados que possam

suprir suas necessidades, na tentativa de aproximar as famílias no processo de

ressocialização do adolescente, a fim de que este se torne eficaz.

CAPÍTULO I

A FAMÍLIA

Para se entender o conceito de família é preciso primeiro, se ter em

mente que a família é um fato cultural historicamente condicionado, ou seja, a

família não é algo natural, ela foi construída. Esta idéia está respaldada em

contribuições de vários autores de diferentes áreas do conhecimento (Mioto,

1997).

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10 Segundo Lévi-Strauss (1976), a família surgiu do embricamento entre a

natureza e a cultura, com a invenção do tabu do incesto. Para ele:

“a proibição não é tanto uma regra que proíba casar com

a mãe, com a irmã ou com a filha, mas, sobretudo uma

regra que obriga a ceder aos outros a mãe, a irmã e a

filha”(p.190).

O modelo de família monogâmica patrilinear foi criado para que os

homens pudessem deixar seus bens para seus filhos legítimos e para isso

precisavam ter certeza de que eram seus filhos verdadeiros, assim deveria

haver uma fidelidade principalmente por parte da mulher (Mioto, 1997).

Para Bourdieu (1993), a família é um conjunto de indivíduos

aparentemente ligados entre si, seja pela aliança (casamento), pela filiação, ou

pela adoção, e vivendo sob o mesmo teto.

Contudo, Szymanski (2002) num conceito mais recente, compreende

como família, “uma associação de pessoas que escolhe conviver por razões

afetivas e assume um compromisso de cuidado mútuo” (p.09).

Nesse sentido Kaslow (2001) cita nove tipos de composição familiar que

podem ser consideradas “família”:

1) Famílias extensas, incluindo duas gerações, com filhos biológicos;

2) Famílias extensas, incluindo três ou quatro gerações;

3) Famílias adotivas temporárias;

4) Famílias adotivas, que podem ser bi-raciais ou multiculturais;

5) Casais;

6) Famílias monoparentais, chefiadas por pai ou mãe;

7) Casais homossexuais, com ou sem crianças;

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118) Famílias reconstruídas depois do divórcio;

9) Várias pessoas vivendo juntas, sem laços legais, mas com forte

compromisso mútuo.

Para Mioto (1997), a família deve ser entendida como um fato cultural,

historicamente condicionado, que não se constitui, a prior, como um “lugar de

felicidade”.

De acordo com ela a formação mais comum e tradicional de família é

fundada na biologia, parte de uma relação sexual e é ainda a que oferece

ilusoriamente maiores garantias de felicidade. Porém a família nuclear, modelo

inspirador da sociedade ocidental, é cada vez mais uma experiência

minoritária, embora ainda alimente os ideais de família.

A idéia de que a família é o lugar da felicidade está justamente vinculada

ao ocultamento de sue caráter histórico, o que permitiu pensa-la como um

grupo natural, naturalizando suas relações e enaltecendo os sentimentos

familiares como o amor materno, o amor paterno, o amor filial. O amor

materno, por exemplo, na forma com é entendido hoje, é um produto da

evolução social a partir do século XIX, pois anteriormente as crianças eram

normalmente entregues desde o nascimento às amas, para serem criadas por

estas, só retornando ao lar depois dos cinco anos (quando sobreviviam).

Dentro desse processo de construção, a família pode se constituir no

decorrer de sua vida, ou em alguns momentos dela, tanto num espaço de

felicidade, como num espaço de infelicidade, ou seja, tanto num espaço de

desenvolvimento para si e para seus membros, como num espaço de

limitações e sofrimentos.

Para Mioto (1997), a família deve ser entendida como uma instituição

social historicamente condicionada e dialeticamente articulada com a estrutura

social na qual está inserida.

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12Segundo a autora, as mudanças na configuração das famílias brasileiras

têm sido compreendidas como decorrentes de uma multiplicidade de aspectos,

como:

• A transformação e liberalização dos hábitos e costume principalmente

aqueles relacionados à sexualidade e à nova posição da mulher na sociedade;

• O desenvolvimento técnico-científico, com a invenção dos

anticoncepcionais e o avanço dos meios de comunicação em massa;

• O modelo de desenvolvimento econômico adotado pelo Brasil que teve

como conseqüência o empobrecimento acelerado das famílias na década de

80, a migração exarcebada do campo para a cidade e um grande contingente

de mulheres e crianças no mercado de trabalho. Deve-se ressaltar também a

perda gradativa da eficiência do setor público na prestação de serviços que

contribui ainda mais para a deterioração das condições de vida da população.

As mudanças ocorridas com a família tiveram profundas implicações na

configuração familiar, como a possibilidade de uma convivência maior entre

gerações, devido ao aumento da expectativa de vida; as transformações

ocorridas na relação homem/mulher, assim como a reprodução e o cuidado dos

filhos, que deixaram de ser a razão de viver das mulheres para ser apenas uma

etapa de suas vidas (Mioto, 1997).

Na segunda metade do século XX, a família “hierárquica”, organizada em

torno do poder patriarcal, começou a ceder ligar a um modelo de família onde o

poder é distribuído de forma mais igualitária entre o homem e a mulher e

também, aos poucos, entre seus filhos.

Com o pátrio poder abalado as mulheres passaram a ter mais poder,

começando pelo ingresso no mercado de trabalho, com a conseqüente

emancipação financeira daquelas mulheres que foram, durante décadas,

dependentes do “chefe de família”, assim como as crianças geradas pelo casal.

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13Com isso no número de separações começaram a aumentar, da mesma

forma, começa a aumentar a idade em que as mulheres decidem se casar,

devido ao aumento dos índices de escolaridade feminina.

O número de relações conjugais “experimentais”, ou seja, não legalizadas

entre jovens, também começa a aumentar, em função não apenas da maior

independência das moças, mas também em função da liberdade sexual

conquistada há quase meio século pelas mulheres com a descoberta e

democratização das técnicas anticoncepcionais.

Ainda segundo a autora, razões de mercado fizeram abrir oportunidades

profissionais para mulheres e diminuíram os salários dos pais de família,

eliminado em grande parte a dependência econômica feminina que sustentava

o casamento patriarcal. Além disso, a perda do poder aquisitivo também

contribuiu para diminuir o poder dos homens dentro de casa. Mas o que foi

mais decisivo, do ponto de vista da estabilidade conjugal, foi a democratização

das técnicas anticoncepcionais o que possibilitou às mulheres diversificar suas

experiências sexuais, desvinculando a sexualidade feminina da idéia de que

era única e exclusiva à procriação. Sendo assim, as mulheres passaram a

incluir a satisfação sexual entre os requisitos para a escolha do cônjuge.

A independência sexual das mulheres e a possibilidade de separar a vida

sexual da procriação, de acordo co a autora, fizeram com que alguns

conservadores e nostálgicos da ordem patriarcal atribuíssem ao novo “poder

das mães” a responsabilidade pela dissolução da família e dos costumes. As

mulheres não foram as únicas responsáveis pela desarticulação dessa ordem

familiar patriarcal, contudo, a renúncia destas à liberdade sexual e à vida

pública era condição estrutural para que esta ordem se mantivesse estável.

A partir daí, os filhos deixaram de ser a finalidade, ou a conseqüência

inevitável, dos encontros eróticos. As separações e as novas uniões efetuadas

ao longo da vida foram formando, aos poucos, um novo tipo de família, que a

autora denomina de família tentacular. Na confusa árvore genealógica dessa

família, irmãos não-consangüíneos convivem com “padrastos” ou “madrastas”,

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14às vezes já de uma segunda ou terceira união de um de seus pais, cumulando

vínculos profundos com pessoas que não fazem parte do núcleo original de

suas vidas.

A família tentacular contemporânea traz consigo as marcas de sonhos

frustrados, projetos abandonados e retomados, esperanças de felicidade das

quais os filhos, se tiverem sorte, continuam a ser portadores, pois cada filho de

um casal separado é a memória viva do momento em que aquele amor fazia

sentido, em que aquele casal apostou na construção de um futuro o mais

parecido possível com os ideais da família do passado.

Assim, de acordo com Mioto, “não é possível falar de família, mas sim de

famílias” (p.120), devido à diversidade de arranjos familiares existentes hoje na

sociedade brasileira. Sendo assim, para a autora:

“a família pode ser definida como um núcleo de pessoas

que convivem em determinado lugar, durante um lapso de

tempo mais ou menos longo e que se acham unidas (ou

não) por laços consangüíneos. Ele tem como tarefa

primordial o cuidado e proteção de seus membros, e se

encontra dialeticamente articulado com a estrutura social

na qual está inserido” (p.120)

No que diz respeito à inserção das famílias na estrutura social é

importante destacar que apesar da “universalidade” de uma vivência familiar,

esta não é homogênea, pois além de estar profundamente marcada pelas

especificidades históricas e culturais, tal vivência está intensamente

condicionada pelas diferenças sociais.

Vale ressaltar também, que a capacidade e proteção dos grupos

familiares depende diretamente da qualidade de vida que eles têm no contexto

social nos quais estão inseridos. As famílias brasileiras, principalmente as de

camadas populares não têm assegurado as condições mínimas (renda,

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15emprego, segurança, serviços públicos) que são fontes geradoras de estresse

familiar (Mioto, 1997).

Em última análise, podemos destacar a importância da família na fase da

adolescência uma vez que é nela o momento em que o indivíduo forma sua

personalidade, ocorrendo assim, naturalmente muitos conflitos consigo mesmo

e com a família. Assim, discutiremos o tema com maior abrangência no

capítulo subseqüente.

CAPÍTULO II

A ADOLESCÊNCIA

O adolescente em conflito com a lei é antes de tudo um adolescente,

apresentando todas as características presentes nesse momento da vida, com

suas rebeldias, contradições e ambivalências, como veremos a seguir, porém

com um agravante, tendo em vista que seu conflito se estende para além dele

mesmo e de sua família, pois está em conflito também com a lei. Esse

posicionamento vem de encontro a uma abordagem histórica do problema, que

sempre percebeu esses adolescentes como se assim não os fossem, e sim

infratores, menores abandonados, delinqüentes, pivetes, e termos afins, idéia

reforçada pela mídia e pela opinião pública.

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16Contudo, vem aumentando o número de profissionais da área que

procuram caracteriza-los pelo o que realmente são: adolescentes, não

incorporando a prática do ato infracional à sua identidade, mas sim acentuando

o caráter circunstancial dessa situação da vida que, como tal, pode ser

modificada.

O conceito de adolescência, apesar de ser explorado exaustivamente na

sociedade contemporânea, é uma idéia relativamente nova, diferenciando-se,

portanto, do termo puberdade, que é mais antigo, pois está historicamente

reservado para as modificações biológicas surgidas no corpo como resultado

das ações hormonais. Sendo assim, nem sempre o início da adolescência

coincide com o da puberdade, podendo tanto precede-la como sucede-la.

Há pouco tempo atrás a adolescência era considerada apenas uma etapa

de transição entre a infância e a idade adulta. Porém, nas últimas décadas, a

adolescência vem sendo considerada o momento crucial do desenvolvimento

do indivíduo, que marca não só a aquisição da imagem corporal definitiva como

também a estruturação final da sua personalidade.

O fenômeno da puberdade é universal e seu início é cronológico,

coincidindo, em condições normais, em todos os povos. Contudo, a

adolescência é um termo utilizado para designar as transformações

psicossociais que acompanham as mudanças físicas e a transformação da

imagem corporal, que terá características peculiares conforme o ambiente

sociocultural do indivíduo (Osório, 1992, citado por Jost, 2006).

As fases da adolescência, segundo Jost (2006), citando Griffa e Moreno

(2001) podem ser divididas em:

• Adolescência inicial ou baixa adolescência, que inclui a puberdade,

fase caracterizada pela transformação brusca do corpo infantil, com o

aparecimento dos caracteres sexuais primários e secundários, provocando a

necessidade de uma reestruturação do esquema corporal e a conquista da

identidade;

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17• Adolescência propriamente dita ou média, que é o estágio no qual se

constrói a identidade sexual definitiva e se desenvolve a identidade pessoal,

período caracterizado pelo distanciamento afetivo da família, pela busca pela

independência e pela forte valorização do grupo formado por seus pares, o que

leva à procura de conformização com as normas, os costumes e a “ideologia”

desse grupo, trazendo muitas vezes, uma rebeldia aos valores estabelecidos

pelos pais ou pela sociedade, num conflito entre a independência desejada e a

dependência ainda não rompida;

• Adolescência final ou alta adolescência, que coincide com a inserção

no mundo do trabalho, com a responsabilidade legal, a conquista da

independência dos pais, o período da escolha e decisão profissional e,

principalmente, com a aptidão de estabelecer vínculos de intimidade, período

em que o adolescente já conhece suas possibilidades e limitações,

favorecendo a aquisição de uma consciência de responsabilidade com o

próprio futuro.

• Juventude ou segunda adolescência, que se caracteriza pela

estabilização afetiva, pelo ingresso na vida social plena e muitas vezes pelo

início da vida matrimonial, ou seja, caracteriza-se pelo auto-sustento social,

psicológico e econômico.

Entretanto, de acordo com Jost (2006), uma das características da

sociedade moderna é a maturação física precoce, provocada por inúmeros

fatores, sem a experiência psíquica correspondente, provocando um

desenvolvimento unilateral, que se realiza de forma irregular, ocasionando uma

adolescência cada vez mais prolongada. Assim, o adolescente, embora

desenvolvido fisicamente, ainda não tem condições psíquicas de planejar a

vida, de acordo com um sistema de valores pessoais e orienta-la com

segurança, para assumir compromissos profissionais e afetivos, condições

apontadas pelos autores como sinais de término da adolescência.

Segundo Erikson (1976), citado por Jost (2006), no processo de

desenvolvimento a criança passa por conflitos básicos e na adolescência, fase

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18privilegiada para o estabelecimento da identidade, o conflito será o da

identidade com a confusão dela. Para o autor, a adolescência, ainda é marcada

por duas preocupações básicas: a primeira, caracterizada pela preocupação

que os adolescentes têm do que podem parecer aos olhos dos outros, em

comparação à maneira com se julgam; e a segunda, que se caracteriza pela

preocupação de associar os papéis e aptidões anteriores às novas

possibilidades que se abrem à sua frente.

Nessa fase o adolescente quer decidir sobre a própria vida e procura uma

oportunidade para isso, porém, ao mesmo tempo, ele tem medo de se expor a

uma situação que o faça parecer ridículo aos olhos de seus pares e

conseqüentemente aos seus próprios olhos. Ele procura ídolos com os quais

pode se identificar e tem necessidade de associar os papéis e suas habilidades

aos modelos do momento, a tal ponto que podem aparentar uma perda

completa da própria individualidade (Jost, 2006).

Assim, o amor adolescente e a dedicação extraordinária a uma causa ou

um grupo são uma tentativa de se chegar a uma definição da identidade

própria, mediante a projeção de si mesmo no outro. Da mesma forma, a

adesão a um grupo, de maneira a excluir violentamente, às vezes, aqueles que

“não são do grupo”, é uma defesa contra o perigo sentido pelo adolescente da

perda da identidade (Erikson, 1976).

Nesse momento da adolescência, o pertencimento a um grupo de iguais,

fornece ao adolescente um suporte para o enfrentamento dessas dificuldades,

ao mesmo tempo em que testa suas capacidade de ser leal e constante a um

ideal ou a uma causa, capacidade essa importante diante dos inevitáveis

conflitos de valores que os adolescentes, principalmente na sociedade

contemporânea, têm que enfrentar.

A adolescência é um momento de busca de identidade, onde o indivíduo

recorre às situações que se apresente mais favoráveis a ele. Nessa busca pela

identidade, pode ocorrer a ligação à “identidades negativas”, que irão levar o

adolescente à um mundo de anormalidades e transgressões, agindo assim,

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19diretamente em sua conduta, como também no desenvolvimento de sua

personalidade. Assim, uma tendência anti-social como a delinqüência pode se

apresentar num adolescente “normal” relacionada com dificuldades inerentes

ao desenvolvimento emocional.

Essa fase representa para o indivíduo, um momento de tormenta, de

crise, pois se trata do momento em que este se despede da infância para

ingressar na vida adulta. Contudo, a idade adulta, ao mesmo tempo em que é

desejada, é temida, o que aponta para um conflito existencial humano, o que

reflete no contexto familiar e social do indivíduo que vive esta fase.

No entanto, esse momento de crise é necessário tanto para o

desenvolvimento do indivíduo como para as suas instituições, contribuindo para

o acúmulo de experiências e uma melhor definição de objetivos. Pra Knobel

(1981), citado por Jost (2006), ela é denominada “síndrome normal da

adolescência”, apesar de sua feição sintomática, ela é uma condição normal

por ser evolutiva.

A síndrome normal da adolescência é dividida por Knobel em dez

categorias de acordo com as características básicas de cada momento: 1) a

busca de si mesmo e da identidade, estabelecimento do verdadeiro

conhecimento de si mesmo como um todo psicossocial; 2) a tendência grupal,

deslocamento do sentimento de dependência dos pais para o grupo de

companheiros; 3) a necessidade de intelectualizar e fantasiar, fuga para o

interior, que leva à preocupação com temas éticos, filosóficos, sociais,

implicando o estabelecimento de um plano de vida, que surge como resposta à

percepção das novas exigências do seu ser; 4) as crises religiosas, ateísmo e

misticismo extremados; 5) a deslocalização temporal, convertendo o tempo em

presente e ativo, as urgências são enormes e as postergações são irracionais;

6) a evolução sexual (do auto-erotismo à heterossexualidade), época do amor

apaixonado, muitas vezes platônico, como uma substituição ao amor dos pais;

7) a atitude social reivindicatória, quando o adolescente, sentindo-se restringido

em sua possibilidade de transformação da sociedade, encontra muitas vezes

como saída as façanhas heróicas do crime e da delinqüência; 8) as

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20contradições sucessivas em todas as manifestações da conduta, aparecem na

instabilidade permanente e normal do adolescente; 9) a separação progressiva

dos pais, tarefa básica desse período; 10) as constantes flutuações de humor e

estados de ânimo, ocasionadas pela ansiedade e pressão que acompanham

todo o estabelecimento da identidade.

Esse período é vivido como um momento de profunda desestabilização e

desequilíbrio, implicando uma conduta em certo grau “patológica”, porém,

inerente à evolução “normal” dessa etapa de vida. Pois é um período

caracterizado por contradições, confusões, ambivalências, muitas vezes

agravado por conflitos com o meio familiar e social e, por isso mesmo,

confundido com estágios patológicos.

A psicanalista Anna Freud não apenas concebe a adolescência no mundo

moderno como um período de perturbações, transtornos e rebelião, como

também afirma que as tensões e alterações nos jovens devem ser

consideradas como indícios de desenvolvimento normal e de que,

ajustamentos interiores estão ocorrendo. Para ela, o fato do adolescente não

se rebelar é que pode ser uma anormalidade.

Nesse processo o adolescente deve elaborar as perdas dessa fase, como

a perda do corpo infantil, que á a base biológica do processo do adolescer, o

adolescente deseja mudar, mas tem medo da mudança, o que acaba gerando

uma instabilidade emocional. Essa perda também afeta os pais, pois eles estão

perdendo o seu próprio corpo jovem e começam a viver a crise da meia idade,

além disso, perdem o corpo infantil dos filhos gerando perplexidade e orgulho.

Outra perda dessa fase é a da identidade infantil, que obriga o

adolescente a renunciar à confortável dependência e a aceitar as novas

responsabilidades que desconhece, ele busca uma identidade adulta e tem que

renunciar a dependência protetora. Há também a perda dos pais idealizados da

infância, onde o pai era visto com aquele que tudo pode, tudo faz e a mãe era

onipresente e onisciente, que passam a ser vistos na sua verdadeira dimensão

humana, como seres humanos falíveis, o que causa uma desilusão.

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21Essa situação também é muitas vezes penosa para os pais, é um

momento de dor e revolta, de auto-avaliação, de revisão dos sucessos e

fracassos, há uma tentativa de evitar a perda do poder/controle. Os pais

relutam em aceitar o seu próprio envelhecimento e em aceitar a perda dos

filhos-crianças, antes tão dóceis e afáveis. Dessa forma, o adolescente

provoca, no enfrentamento do seu “adolescer” uma verdadeira revolução

familiar e social, criando um problema de gerações nem sempre bem resolvido.

A adolescência é uma crise paralela, ou seja, é uma crise dos filhos, dos pais e

do sistema familiar.

De acordo com Bühler (1980), citada por Jost (2006), essa inquietude e

agitação, que surge já na pré-puberdade (dos 10 aos 13 anos), caracteriza-se

por um estado generalizado de negatividade, de agressividade, numa

insatisfação interior que se descarrega sobre o mundo, numa mistura de ódio

de si mesmo e aversão ao mundo, que não o compreende. Isso pode levar o

adolescente a buscar o distante, o proibido, o secreto, algo que seja fora do

comum, que escape do cotidiano, numa sensação de que a solução para essa

inquietação pode ser o desobedecer, o transgredir, o fazer errado, como se

isso fosse lhe trazer um apaziguamento, porém, o limite desse transgredir irá

depender das influências que ele receber nessa fase.

Ainda segundo a autora, a formação do ideal na adolescência passa pela

ligação pessoal a alguém. Assim, para que o adolescente supere essa fase de

negativismo, é necessário que ele encontre seus próprios valores e se

empenhe num ideal pelo qual lutar, o que só se torna possível quando ele

descobre pessoas que possa admirar, respeitar e imitar, sabendo que a

perfeição é percebida e experimentada pelo adolescente numa personalidade,

são valores encarnados em alguém, pois um adolescente jamais lutará por

objetivos abstratos. Assim, o adolescente confia naquele que ele escolheu para

modelo, dessa forma, sua conduta é muitas vezes inconsciente e contraditória.

Erikson (1996) enfatiza ainda, a força do ego do jovem adolescente como

portador de novas energias, capazes de transformar, reformar e revolucionar a

sociedade. Esse é o momento de sua vida em que ele mais se sente chamado

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22a pertencer, a se integrar e a se sentir necessário à sua sociedade e

comunidade. Este é um período de descoberta de um mundo de possibilidades,

até da possibilidade de diante de um destino imutável, tomar uma atitude

diferente diante dele.

Segundo Jost (2006), alguns autores pontuam a dificuldade de se

vivenciar o período conturbado da adolescência diante das transformações

aceleradas da vida. Uma das características da adolescência atual é o seu

tempo alongado e a aceleração da maturação sem a experiência psíquica

correspondente a esse crescimento, como já foi dito anteriormente, que se dá

devido à alimentação, a superestimulação proveniente dos meios de

comunicação em massa, juntamente com uma maximização do raciocínio.

Além disso, ainda temos o aumento do período de escolaridade, principalmente

nas classes mais favorecidas, ocasionando uma adolescência que se estende

pelos longos anos de estudo dos jovens.

A fase da adolescência é o momento do despertar da consciência da

própria responsabilidade, da descoberta, da irrepetibilidade e do caráter único

da própria existência. Sendo assim, a adolescência é também o momento de

abertura para a vida, em que múltiplas possibilidades estão esperando para

serem realizadas. Este é um momento crucial da existência, quando toda a

força e energia do jovem estão canalizadas para a realização de algo que dê

sentido à sua existência.

2.2. O adolescente em conflito com a lei

Os adolescentes em conflito com a lei apenas experimentam a

puberdade, como um inevitável processo de transformações corporais, porém,

não lhes é dado o espaço/tempo necessário para vivenciar esse processo de

elaboração da passagem da vida infantil para a adulta, que é o que caracteriza

a adolescência do ponto de vida psicológico (Osório, 1992, citado por Jost,

2006).

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23A situação de risco a que esses adolescentes estão sujeitos tem uma

influência negativa no seu crescimento e na sua constituição como sujeito, pois

o ambiente hostil no qual, estão inseridos, junto às significações de conflito e

rebeldia atribuídos à adolescência, aumenta a sua vulnerabilidade pessoal,

causando sofrimentos de ordem física e psíquica.

O adolescente em situação de risco, sentindo-se e significando-se como

um excluído da sociedade, acaba se identificando ora como oprimido, ora como

opressor, adotando comportamentos de mendicância ou de violência. Assim, a

violência passa a ser um fator determinante de sua tentativa desesperada de

inclusão, quando ele passa a ser o que a sociedade espera que ele seja,

assumindo assim, o significado de marginais, delinqüentes e desumanos que a

sociedade lhes atribui, expressando seu sentimento de abandono por meio de

relações violentas, que parecem lhes possibilitar a inclusão social, mas que

perpetua sua condição e exclusão (Ozella, 2003, citado por Jost, 2006).

Os esteriótipos que esses adolescentes carregam, de “marginal”,

“incapaz”, “fracassado”, “revoltado”, e outros, fazem surgir a marca que os

discriminam dos outros “normais”, excluindo-os, tanto social como

psicologicamente, o que provoca neles uma reação de ódio: aos “normais”, que

são os que os excluem; aos “anormais”, ou seja, ao seu grupo, que confirmam

sua exclusão; e a si mesmo, pois não conseguem não se identificar com esse

grupo, que não querem para si. Sendo assim, é nesse desespero de pertencer

que ele agride, inserindo-se no status de delinqüente, ocupando um lugar e se

incluindo (Violante, 1989, citado por Jost, 2006).

Fatores com a impossibilidade de acesso da grande maioria das classes

populares a bens e valores largamente publicizados, a incapacidade do poder

público de atender às necessidades básicas da população pobre e as

aparentes gratificações sociais associadas ao mundo do crime, estimulam a

adesão de parte desses jovens à transgressão.

Contudo nem todos os jovens pobres são criminosos, pois o fato da

percepção da injustiça e da desigualdade social não implica necessariamente a

Page 24: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …‰A DO VAL AMORIM.pdf · 1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social emergente da infância e adolescência,

24escolha do caminho do crime, como meio de vida, uma vez que nem todos o

fazem. Mesmo que a pobreza possa aumentar os riscos de desvio, mesmo que

existam tendências culturais que colaborem para a formação de atitudes que

justifiquem certos comportamentos irracionais ou desviantes – como a cultura

do poder e da força, da onipotência, do negativismo, a cultura da aparência, da

esperteza, da indiferença política – é preciso contar com a capacidade de

resiliência desses jovens e com suas potencialidades para a superação das

situações de risco.

É necessário ressaltar, porém, que a afirmação inversa também é

verdadeira, pois nem todos os jovens ricos, bem-sucedidos e educados são

necessariamente cidadãos de bem.

É preciso se ter em mente que muitas crianças e adolescentes vítimas da

violência passam a viver na rua, onde as estratégias de sobrevivência são o

trabalho, a mendicância, além da prostituição e da prática de delitos. Sendo

assim, o confronto com a violência está presente em várias esferas da vida da

criança e do adolescente, e eles não estão instrumentados para sobreviver

neste confronto.

Com isso essas crianças e adolescentes respondem com condutas

também violentas (como o delito), a estas situações de extrema violência em

que vivem (Teixeira, 1994), o que também resulta numa banalização da

violência, pois para eles, tanta violência passa a ser algo natural, constitui o

dia-a-dia.

Além disso, a própria sociedade estimula essa banalização, no momento

em que faz uso da força para reprimir, ação considerada normal e até

necessária, esse fato está diretamente ligado ao histórico dessa sociedade,

que está acostumada a reprimir e ser reprimida, por isso acha natural e correto

a reprodução dessa repressão. Por fim as instituições destinadas a acabar com

a violência são violentas, o que também acaba gerando essa banalização.

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25As infrações/violências não estão ligadas necessariamente à pobreza ou

à miséria, mas, sobretudo, à desigualdade social e à falta de políticas de

proteção à criança e ao adolescente. Os principais alvos do delito juvenil são

roupas, objetos de marca, tênis, relógio e tudo o que representa status de

consumo.

Há grupos de crianças e adolescentes, cujo ato infracional está

estritamente ligado à sobrevivência (rouba para comer, para se vestir), ou

quando a pobreza não é o condicionante do ato infracional são as razões de

ordem psicológica (exibicionismo, desafio à autoridade, auto-afirmação e

afirmação de lugar no grupo de pares) e educacional (ausência de valor do

bem coletivo, por exemplo). Já do outro lado há aqueles envolvidos com atos

infracionais graves (homicídio, estupros, latrocínio, tráfico de drogas, assalto).

Contudo, como sinaliza Teixeira (1994), estudos de caso deste grupo mostram

que muitos desses jovens considerados perigosos iniciaram sua trajetória no

primeiro grupo.

Com isso tendo o Estado o papel de assistir o comportamento dos

adolescentes, foram estabelecidos ao longo do tempo códigos, a fim de

regulamentar tal comportamento. Dessa forma, no próximo capítulo falaremos

acerca dos códigos de regulamentação da infância no Brasil.

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26

CAPÍTULO III

CÓDIGOS DE REGULAMENTAÇÃO DA INFÂNCIA E

ADOLESCÊNCIA NO BRASIL

No séc. XIX, de acordo com o código Criminal de 1830 (Império) e com o

Código Penal de 1890 (1ª República), os procedimentos a serem adotados

para pessoas de até 17 anos, em caso de “ação criminosa” era a ação

coercitiva legal (penalização do delito) e institucional (Instituições Totais1 de

Reclusão) obedecendo à mesma lógica destinada aos infratores adultos.

O 1º Código de Menores é estabelecido em 1927, até então não havia

diferenciação no tratamento à criança e ao adulto “delinqüente”. Este Código

vem para consolidar no âmbito legal o olhar específico para o “problema” social

emergente da infância e adolescência.

Com este Código as crianças pobres passaram a ser denominadas

menores2, subdivididos em três categorias: abandonados, para os que não

tinham pais; moralmente abandonados, para os que eram oriundos de famílias

que não tinham condições financeiras e/ou morais; e delinqüentes, para os que

praticavam atos “criminosos”.

Enquanto na teoria a criança e o adolescente eram entendidos para o

Juízo como sujeitos que têm necessidades psicológicas, afetivas, físicas,

educacionais, morais, sociais e econômicas, na prática, de acordo com Rizzini

(1993), os chamados menores eram aqueles:

1 Instituições totais são instituições que possuem um grau máximo de restrição. 2 Apesar de a Constituição de 1988 e o ECA terem abolido o termo menor, vamos mantê-lo em alguns momentos para ressaltar a carga de preconceito segregador que incorpora.

Page 27: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …‰A DO VAL AMORIM.pdf · 1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social emergente da infância e adolescência,

27“provenientes de família desorganizada, onde imperam os

maus costumes, a prostituição, a vadiagem, a frouxidão

moral e mais uma infinidade de características negativas,

tem a sua conduta marcada pela amoralidade e pela falta

de decoro, sua linguagem é de baixo calão, sua aparência

é descuidada, tem muitas doenças e pouca instrução,

trabalha nas ruas para sobreviver e anda em bandos com

companhias suspeitas” (pág.96).

Contudo não havia um local adequado para “tratar” o menor. Diante disso

os juízes propuseram a criação de uma instituição de assistência aos menores.

Assim, em 1941, é criado, pelo governo Vargas, o Serviço de Assistência a

Menores (SAM), servindo como local adequado e específico para a realização

do atendimento ao menor.

O SAM tinha como objetivo sistematizar e orientar os serviços de

assistência aos menores abandonados e delinqüentes internados em

estabelecimentos oficiais e particulares, além de estudar as causas do

abandono e da delinqüência, bem como a responsabilidade pelos tratamentos

prestados aos menores.

O atendimento do SAM ao jovem em conflito com a lei era fundamentado

no modelo correcional repressivo. O SAM se estruturou sob a forma de

reformatórios e casas de correção para adolescentes infratores e de

patronatos3 agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos para

menores carentes e abandonados.

Para a população de baixa renda, o SAM se tornou a “única” possibilidade

de uma boa educação para crianças e adolescentes. Sendo que, era

claramente observado que, a maioria dos estabelecimentos possuía condições

físicas piores do que a dos lares dos quais foram retiradas as crianças.

3 Estabelecimentos onde se abrigavam e educavam os menores.

Page 28: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …‰A DO VAL AMORIM.pdf · 1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social emergente da infância e adolescência,

28O SAM é fechado no governo Jânio Quadros, após uma Comissão de

Inquérito instalada para averiguar as condições das instituições

governamentais que aconselha sua extinção, propondo a criação de um órgão

que tivesse características mais integradoras do que repressoras.

Com a tomada de poder pelos militares em 1964 é implantada, durante a

ditadura, a Política de Bem-Estar do Menor (PNBEM), procurando fazer um

amplo e profundo reordenamento institucional. Assim, foram criadas a

Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) e a Fundação

Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM).

A FUNABEM foi criada a partir das lutas de organismos não

governamentais contra a ineficácia do SAM. Entretanto, criada com o objetivo

de “corrigir” as distorções do SAM, na prática a FUNABEM termina se

consolidando com a mesma lógica carcerária com a qual dizia querer romper.

As unidades de atendimento direto da FUNABEM mantiveram o mesmo padrão

correcional-repressivo herdado do SAM. O que se percebeu é que esta política

foi um fracasso em relação à melhoria da atenção direta ao adolescente

infrator.

A FUNABEM herdou do SAM as péssimas condições de higiene,

instalações precárias, ensino deficiente, nenhuma orientação pedagógica,

alimentação insuficiente e muito castigo físico. Os discursos e documentos da

FUNABEM contêm as mesmas características como a culpabilização das

famílias pobres pela situação da infância e o entendimento da questão da

criança e do adolescente como uma “doença” que necessita de tratamento.

Questões como distribuição de renda, bem-estar social, emprego, educação,

hospitais não oferecidos a todas as crianças igualmente, não eram pontos de

discussão.

Em 1979 é estabelecido o Novo Código de Menores, consagrando a

Doutrina da Situação Irregular, mediante o caráter tutelar da legislação e a

idéia de criminalização da pobreza. Seus destinatários foram às crianças e os

jovens considerados em situação irregular, caracterizados como objeto

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29potencial de intervenção do sistema de justiça, os Juizados de Menores, que

não faziam qualquer distinção entre menor abandonado e delinqüente, pois na

condição de menores em situação irregular enquadravam-se tanto os infratores

quanto os menores abandonados.

O Novo Código de Menores de 1979 definia o “menor em situação

irregular”, como: I) os que estão privados de condições essenciais de

sobrevivência, saúde e instrução; II) vítimas de maus-tratos ou castigos

imoderados; III) em perigo moral; IV) privados de representação ou assistência

legal; V) com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar e

comunitária; VI) autor de infração penal (Código de Menores de 1979, art. 2º).

Ao citar as razões de tais privações (I), estrategicamente se omite o Estado,

figurando os pais e/ou responsáveis como possíveis causadores destas

irregularidades. A “irregularidade” da situação criaria as condições de

“marginalização” e “infração”. O que reforçaria a preocupação em resguardar a

sociedade e a propriedade.

Nesta época, a medida especialmente tomada pelo Juiz de Menores, sem

distinção de menores infratores e menores vítimas da sociedade ou da família,

costumava ser a internação, por tempo indeterminado, nos grandes institutos

para menores. Como é inerente às instituições totais, o objetivo

“ressocializador”, porém, permanecia distante da realidade.

Neste tempo, de vigência do Código de Menores, a grande maioria da

população infanto-juvenil recolhida às entidades de internação do sistema

FEBEM no Brasil, em torno de 80% era formada por crianças e adolescentes,

menores, que não eram autores de fatos definidos como crime na legislação

penal brasileira.

Este Novo Código traz um dispositivo de intervenção do Estado sobre a

família, o que abriu caminho para o avanço da política de internatos-prisão. O

princípio de destituição do poder familiar baseado no estado de abandono,

através da sentença de abandono, possibilitou ao Estado recolher crianças e

Page 30: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …‰A DO VAL AMORIM.pdf · 1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social emergente da infância e adolescência,

30jovens em “situação irregular” e condená-los ao internato até a maioridade,

quando eram encaminhados ao serviço militar ou aos serviços públicos.

Quanto aos adolescentes autores de ato infracional, o Código de 1979

previa medidas de advertência; entrega aos pais ou responsáveis ou a pessoa

idônea, através de termo de responsabilidade; colocação em lar substituto;

regime de liberdade assistida; semiliberdade; internação em estabelecimento

educacional, ocupacional, psicopedagógico, hospitalar, psiquiátrico ou outro

adequado, levando em conta estudos de especialistas. A lei previa ainda a

preferência pela integração sócio-familiar e a excepcionalidade das medidas de

internação. Porém, na prática, muitos jovens foram internados em instituições

precárias e contrárias aos próprios dispositivos legais, estabelecendo a

massificação da internação.

O início do processo de transição democrática do país foi o cenário de

uma mobilização popular por uma assembléia constituinte, que foi instalada em

1987. A própria convocação da Assembléia Nacional Constituinte obrigou a

sociedade a organizar-se para o alcance de suas metas através da elaboração

de propostas e de emendas de iniciativa popular articuladas por entidades

legalmente constituídas e subscritas por no mínimo 30 mil leitores. A

oportunidade aberta para emendas populares criou espaço para a atividade de

diversas minorias, e formou o contexto sobre o qual se constituiu a chamada

“Constituição Cidadã”.

Sendo assim, o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, em

conjunto com grupos comunitários, setores da Igreja Católica, universidades,

ONG’s de estudos, investigações, atendimento direto e defesa de crianças e

adolescentes, liderou a campanha para recolher assinaturas para emendas

populares referentes aos direitos das crianças na nova Constituição.

Dessa maneira é introduzida na Nova Constituição, promulgada em 1988,

o artigo 227, que trata dos deveres da família, da sociedade e do Estado de

assegurar, com prioridade absoluta, os direitos das crianças e adolescentes,

propondo, assim, a elaboração de uma nova legislação para a infância,

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31assumindo a criança e o adolescente como cidadãos de direitos. Sendo assim,

a FUNABEM é extinta em 12 de Abril de 1990, e em Julho do mesmo ano entra

em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O ECA é a lei federal que dispõe sobre os direitos de todas as crianças e

adolescentes do Brasil. Não é uma lei somente dirigida às crianças

desamparadas, mas a todos os meninos e meninas, enquanto sujeitos de

direitos fundamentais e da garantia da prioridade absoluta em sua defesa. O

ECA se define como lei de proteção integral da criança e do adolescente, e

situa a criança como pessoa até 12 anos incompletos e o adolescente entre 12

e 18 anos incompletos, sendo aplicável, excepcionalmente, na faixa dos 18 aos

21 anos. Além de positivar os direitos e garantias individuais e regular a

proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos, define e regula

as políticas de atendimento desses direitos. Normatisa tanto a proteção como a

sócio-educação.

O ECA não é uma lei destinada apenas a essas crianças e adolescentes

que estão em situação de risco, que estão abandonadas ou que cometeram ato

infracional, o ECA é destinado a todas as crianças e adolescentes sem

qualquer distinção, de todas as classes sociais. Além disso, não é uma lei que

só protege como também aplica sanções.

O ECA considera como ato infracional a conduta descrita com crime ou

contravenção penal, sendo penalmente inimputáveis os menores de 18 anos,

sujeitos às medidas previstas, considerando a idade do adolescente à data do

fato (art. 103 e 104 do ECA, vide anexo).

Sendo que, ao ato infracional praticado por criança corresponderão a

medidas específicas de proteção como: encaminhamento aos pais ou

responsáveis, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e

acompanhamento temporários; matrícula e freqüência obrigatórias em

estabelecimento de ensino fundamental; inclusão em programa comunitário ou

oficial, de auxílio à família, à criança e ao adolescente; requisição de

tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou

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32ambulatorial; inclusão e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; abrigo em

entidade; e colocação em família substituta (art. 101 do ECA). Estas medidas

também podem ser aplicadas aos adolescentes, com exceção das duas últimas

(vide anexo).

Em relação aos adolescentes em conflito com a lei o Estatuto da Criança

e do Adolescente dedica diversos artigos com a finalidade de dispor ou regular

sobre a prática do ato infracional e das garantias individuais e processuais, e

cuida das medidas sócio-educativas, detalhando os procedimentos de cada

uma delas (art. 106 ao 125 do ECA, vide anexo).

Estas medidas sócio-educativas se dividem em dois grupos: 1) aquelas

não privativas de liberdade (advertência, reparação do dano, prestação de

serviço à comunidade e liberdade assistida), e; 2) aquelas que submetem o

adolescente infrator à restrição ou privação de liberdade (semiliberdade e

internação, com ou sem atividades externas). A aplicação dessas medidas

sócio-educativas deve levar em conta não apenas a natureza do ato infracional

praticado, mas também, as circunstâncias e as características do indivíduo que

o praticou (art. 112 ao 125 do ECA, vide anexo).

Diversos documentos internacionais influenciaram a redação do Estatuto

no que diz respeito à privação de liberdade dos adolescentes em conflito com a

lei. As recomendações internacionais dão preferência à permanência da

criança e do adolescente em seu meio de origem, sendo a sanção privativa de

liberdade adotada apenas em última instância. Segundo as Regras Mínimas

para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade, o sistema de justiça da

infância e juventude não deve economizar esforço para abolir, na medida do

possível, a prisão de jovens e que a privação de liberdade de um jovem deverá

ser decidida apenas em último caso e pelo menor espaço de tempo possível.

Essas recomendações também defendem a mobilização de todos os

recursos comunitários disponíveis (família, escola, associações privadas,

entidades filantrópicas) com o objetivo de reduzir ao mínimo a necessidade e

oportunidade de intervenção legal, ou seja, elas apontam para a redução do

Page 33: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …‰A DO VAL AMORIM.pdf · 1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social emergente da infância e adolescência,

33raio de intervenção estatal como contrapartida da expansão do espaço de

atuação da sociedade (Sérgio Adorno, 1993).

Assim como os documentos internacionais, o ECA diz que “em nenhuma

hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada” (art.122,

§ 2º). A internação só poderá ser aplicada quando se tratar de ato infracional

cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; de cometimento

reiterado de infrações graves, ou de descumprimento reiterado e injustificável

de medida imposta anteriormente.

As normas internacionais e o próprio ECA dizem que o adolescente só

pode ser internado em último caso, deve-se priorizar o convívio familiar. As

recomendações internacionais advogam a mobilização de todos os recursos

comunitários disponíveis (família, escola, associações privadas, entidades

filantrópica) com o objetivo de reduzir ao mínimo a necessidade e oportunidade

de intervenção legal. Sendo assim, a família tem papel de suma importância no

processo de ressocialização do jovem em conflito com a lei, assunto que será

analisado a seguir.

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34CAPÍTULO IV

FAMÍLIA E O PROCESSO DE RESSOCIALIZAÇÃO

Vale destacar a importância da família como espaço privilegiado de

socialização, garantia de suportes afetivos e materiais necessários ao

desenvolvimento e bem-estar de seus membros bem como lugar privilegiado

de absorção dos valores éticos e da construção da identidade.

Entretanto, as famílias contemporâneas têm estado expostas a novos

arranjos familiares, aumentando a desestruturação do núcleo familiar original,

com o conseqüente aumento das famílias monoparentais, questões que afetam

o entorno familiar, sobretudo daquelas famílias caracterizadas pela situação de

pobreza e vulnerabilidade. Sendo assim, pode-se afirmar que por trás da

criança excluída da escola, nas favelas, no trabalho precoce urbano e rural e

em situação de risco4, está a família desassistida que fica à margem da

sociedade e de suas políticas de atendimento social, favorecendo a

desestruturação familiar.

Vicente (1998) dá uma grande ênfase ao vínculo afetivo vital que liga a

criança a seus pais, ressaltando a necessidade, para a sobrevivência biológica

da criança, de encontrar um ambiente de acolhimento e afeto, pois o conflito

dos pais e sua instabilidade produzem uma relação de ambivalência que pode

levar a problemas de toda ordem, inclusive de comportamento, pois de acordo

com o autor:

“em condições sociais de escassez, de privação e de falta

de perspectiva as possibilidades de amar, de construir e

respeitar o outro ficam bastante ameaçadas. Na medida

em que a vida a qual está submetido não o trata enquanto

4Entende-se por crianças e adolescentes em situação de risco, aquelas cujas características de vida (trabalho, saúde, habitação, escolarização, lazer) as colocam entre a legalidade e a ilegalidade, em situação de dependência em relação às instituições de amparo assistencial e de intervenção legal. (Adorno, 1993).

Page 35: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …‰A DO VAL AMORIM.pdf · 1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social emergente da infância e adolescência,

35homem, suas respostas tendem à rudeza da sua mera

defesa da sobrevivência” (pag.55)

Segundo o perfil traçado pelos trabalhadores de Liberdade Assistida da

FEBEM em São Paulo, os jovens atendidos em sua maioria pertencem a

famílias de trabalhadores assalariados com uma inserção instável no mercado

de trabalho passando com freqüência pela situação de desemprego e

subemprego.

São famílias que possuem uma organização, onde é frequente a ausência

do pai ou responsável do sexo masculino e dependem quase sempre da renda

obtida pelo jovem para compor a renda da família.

De acordo com os técnicos é frequente a falta de apoio ou resistência

familiar para o trabalho junto aos jovens em Liberdade Assistida. Segundo eles,

existem três tipos de famílias desses adolescentes:

• Aquelas que possuem interesse pelo adolescente e disponibilidade para a

intervenção técnica de orientação;

• Aquelas que apenas cumprem as formalidades requeridas pela medida,

como a apresentação do jovem no programa;

• Aquelas que são totalmente ausentes, nunca comparecem ao programa,

nem mesmo quando convocadas. (Teixeira, 1994).

Ainda há famílias, cujos adultos a partir do contato do programa buscam

um atendimento pessoal. Essas famílias não só querem, como necessitam de

atendimento em aconselhamento, orientação e encaminhamentos diversos

(como emprego, saúde, habitação, etc.).

Porém, existe uma porcentagem significativa em Liberdade Assistida, cuja

origem social os situa nos grupos mais privilegiados sócio-economicamente.

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36Portanto, as explicações que reduzem o fenômeno do adolescente com

prática de delitos aos determinantes socioeconômicos não se mostram

suficientes para a compreensão dessa conduta.

Além da determinação econômica, existe na sociedade brasileira, hoje,

um clima cultural de banalização da violência, de relativização de valores,

como o da vida (própria e do outro) e uma supervalorização da capacidade de

consumo dos indivíduos. Isso acaba se produzindo e reproduzindo no interior

da família (de todas as classes sociais), onde o adolescente forma sua

identidade e se educa.

Deve-se levar em conta também que a instituição família passa por

profundas alterações na sua estrutura e dinâmica, com separações e novos

casamento; a ausência de um dos genitores; a ausência prolongada de ambos

os pais pela exigência do trabalho o que provoca conseqüências na criança e

no adolescente, sendo o efeito mais claro o pouco contato e conhecimento

deste filho e a ausência de controle sobre as rotinas e hábitos dele, o que pode

ser vivido pela criança ou adolescente de inúmeras formas, inclusive como falta

de cuidado e afeto.

Assim, quando a mãe ou o pai diz não saber o porquê do filho praticar o

delito, uma vez que não lhe falta nada, eles estão se referindo a bens materiais

e de consumo. Todavia, o delito no sentido psicológico, denuncia uma falta.

Logo, algo muito importante ele não teve e/ou não tem, e isso é dito na sua

conduta. Dessa forma, este algo importante da ordem do subjetivo, para esse

adolescente em sua história de vida particular e, portanto, de relações sociais e

familiares.

Existem ainda, alguns aspectos psicológicos que podem determinar a

prática do delito, como a perda de uma experiência boa que o adolescente

viveu no início da vida e não conseguiu manter enquanto “memória consciente”

(o roubo, muitas vezes, revela a busca desse algo bom que perdeu); como a

ausência ou depreciação da função paterna (que pode não ser,

necessariamente, a figura do sexo masculino) que estabelece o controle

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37externo, a lei que funciona como “inibidora” dos impulsos, no caso a

destrutividade, que será, no processo de construção da subjetividade,

internalizada, “dispensando” a autoridade externa; ou como quando o

adolescente repete com o ato infracional uma situação de violência física,

psicológica (um trauma) que viveu como vítima. Ele atua (age) aquilo que não

elaborou (compreendeu) e enquanto não elaborar, irá repetir.

Contudo, estes e outros aspectos se configuram de um modo

absolutamente peculiar na história de vida e na constituição da dinâmica

psicológica de cada adolescente que vive em grupos, em uma sociedade em

um determinado momento histórico. Portanto, não se trata de uma pré-

disposição para a prática de delito ou de “algo” constitutivo do indivíduo

independente da sua história.

4.2. Intervenção profissional na família

Para se trabalhar com família é preciso se ter em mente que esta é uma

unidade e como tal, os problemas apresentados por ela devem ser analisados

dentro de uma perspectiva de totalidade, na qual o grupo familiar tem um papel

decisivo na estruturação e desencadeamento das dificuldades de seus

membros.

Reconhecer a família com totalidade implica também reconhecê-la dentro

de um processo de contínuas mudanças que são provocadas por inúmeros

fatores, como aqueles referentes à estrutura social em que as famílias estão

inseridas e aqueles colocados pelo processo de desenvolvimento de sues

membros.

Quando a ação profissional se volta apenas para o problema individual, a

tendência é exigir das famílias determinadas mudanças. Porém, dado o

comprometimento da estrutura familiar, o grupo não tem condições de efetuar

as mudanças, e, além disso, tais exigências podem sobrecarregar ainda mais a

dinâmica familiar e nesses casos a intervenção profissional pode se

transformar em mais de uma fonte de estresse familiar.

Page 38: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …‰A DO VAL AMORIM.pdf · 1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social emergente da infância e adolescência,

38Essas mudanças devem ocorrer no processo de intervenção, que ao

invés de se pautar na busca de soluções para um problema localizado, este

deve se desenvolver no sentido de ajudar a família a identificar suas fontes de

dificuldades e a realizar mudanças para que possam alterar sua situação.

Essas alterações almejadas, com intervenções dessa natureza vão muito

além da resolução dos problemas individuais. Elas pressupõem mudanças nas

relações familiares bem como nas relações da família com a sociedade na qual

será inserida, sendo esta última extremamente importante num contexto de

Brasil onde uma das principais fontes de estresse familiar vêm do meio extra

familiar, ou seja, das políticas econômicas que expõem, cada vez mais, as

famílias ao desemprego, migrações e empobrecimento. Essa situação faz com

ela tenham cada vez menos condições de desempenhar suas tarefas e arcar

com as exigências de desenvolvimento de seus membros.

De acordo com Mioto (1997), quando aparecem os “membros-problema”

numa família, ela já tem os seus processos relacionais comprometidos.

As políticas sociais do modo com estão organizadas não incluem a idéia

de família como uma totalidade, ao contrário, elas são implementadas em

função do indivíduo. Além disso, elas não incluem nenhuma previsão dos

impactos que terão sobre as famílias e nas suas avaliações também não são

considerados indicadores de análise sobre os efeitos que as práticas têm na

vida familiar. A setorização das políticas sociais e a inexistência de canais de

integração entre elas têm gerado uma inoperância em relação às famílias.

Dentro delas a família é sempre vista pelo retrovisor, e não com foco de

atenção.

Deve-se ressaltar a importância que as políticas sociais, principalmente as

públicas, têm no cotidiano da vida familiar, pois são elas que, num contexto de

pobreza como o brasileiro, podem garantir condições objetivas de

sobrevivência, pois como vimos, as condições externas dadas pela política

econômica vigente são uma fonte importante do estresse familiar. Por isso, a

viabilização de políticas assistenciais deve ser priorizada.

Page 39: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …‰A DO VAL AMORIM.pdf · 1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social emergente da infância e adolescência,

39Alguns dados estatísticos associam diretamente o fenômeno da

delinqüência a lares desfeitos considerando que a discórdia familiar e a falta de

harmonia, que precedem a desestruturação dos lares são ainda mais

significativas do que a ausência provocada pelo falecimento de um dos

membros do casal.

Porém, a família está inscrita em um contexto social mais amplo, sofrendo

as pressões impostas pela cultura e seus sistemas de valores, assim como

sofre a influência das forças socioeconômicas. Essas forças influem não só no

plano material, como também na media em que produzem modificações

societárias como a ausência de vida familiar ou da figura paterna, por exemplo.

Assim, aumenta o número de crianças expostas a situação de rua pela

impossibilidade de estarem em cãs, aumentando os riscos de se envolverem

com a delinqüência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como objetivo ressaltar a importância da família no

processo de ressocialização dos adolescentes em conflito com a lei que

cumprem medida socioeducativa, evidenciando que de nada adiantaria

Page 40: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …‰A DO VAL AMORIM.pdf · 1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social emergente da infância e adolescência,

40desempenhar um trabalho apenas com os jovens, uma vez que as famílias

desempenham um papel relevante no processo de ressocialização.

Procuramos demonstrar ao longo do trabalho que a família continua

sendo um lugar de bem-estar para o adolescente, principalmente daqueles que

se encontram em conflito com a lei, como nos mostra Irandi Pereira que em

sua tese de doutorado, “o adolescente em conflito com a lei e o direito à

educação”, derruba o mito de que a maioria das crianças e adolescentes que

cometem infrações vive abandonada na rua e sem família. Pelo contrário,

segundo ela, antes do ato infracional, 81% dos adolescentes viviam com a

família. Acrescenta também, que dados de 2002 revelam que 85% deles

consideram a família como fator de bem-estar; seguido da escola (40%); das

igrejas (24%); da comunidade (23%); do governo (20%); da polícia (16%) e dos

partidos políticos com 5%, segundo artigo publicado na internet.

Ocorre que a participação da família no processo de recuperação do

adolescente internado, embora prevista pelo ECA, não é respeitada, uma vez

que deixam o adolescente trancado de um lado e a família de fora. Quando o

adolescente é internado, já houve um rompimento de relações de respeito e é

neste momento em que ele está fragilizado que o mais importante é a família. É

a oportunidade de reavaliar o que não deu certo e construir uma proposta de

vida melhor.

Quando o adolescente chega na unidade de internação, ele deixa a

realidade de uma comunidade permeada pela violência, pelo tráfico de drogas,

onde muitas vezes os pais estão desempregados e na unidade de internação

ele recebe muito pouco para que seus valores mudem dessa forma, quando é

liberado e volta para casa encontra tudo da mesma forma que deixou, ou até

pior. É o pai que virou alcoólatra, o irmão que foi preso, por exemplo. Mesmo

que se conseguisse modificar os valores desse jovem e ao voltar para sua

comunidade e nada tiver mudado, de nada irá adiantar o trabalho realizado na

instituição. Porém se fosse implementado nessa comunidade políticas públicas

de qualidade, sem serem assistencialistas, onde o pai pudesse receber um

tratamento para o alcoolismo, pudesse ser inserido no mercado de trabalho,

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41talvez, quando esse adolescente voltasse não encontraria a mesma realidade e

veria que a delinqüência não é o melhor caminho.

Em pesquisa no Padre Severino, unidade de internação provisória, os

adolescentes só têm contato com a família nos dias de visitas e ela só é

permitida a pai e mãe consangüíneos. Caso o adolescente não tenha pai e

mãe, ele não tem visita.

Por exemplo, de acordo com relatório da Organização Não-

Governamental Human Rigths Watch, sobre as condições das unidades de

internação do Rio de Janeiro, o padrasto de um jovem de 16 anos de idade,

não podia visitar seu enteado que estava internado no Padre Severino, mesmo

sendo padrasto deste há 13 anos. Ademais, alguns desses jovens já

constituíram sua própria família com esposas e filhos que também não podem

visitá-los.

Concluiremos propondo um trabalho sócioeducativo que poderia ser feito

no sentido de auxiliar as famílias no processo de ressocialização desses

jovens. Este programa teria como objetivos:

• estabelecer com a família um contrato de ajuda mútua em torno das

necessidades do adolescente e os limites do auxílio que o programa

poderá oferecer;

• auxiliar a família na compreensão de sua dinâmica familiar, dificuldades e

a relação com a conduta do adolescente;

• auxiliar a família na busca de serviços adequados que possam suprir suas

necessidades ou de membros da família;

• obter um diagnóstico psicossocial da família no sentido de facilitar a

compreensão do adolescente em atendimento.

A fim de alcançar tais objetivos seria utilizada uma estratégia de

abordagem grupal, que no caso das famílias se torna importante porque

Page 42: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …‰A DO VAL AMORIM.pdf · 1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social emergente da infância e adolescência,

42favorece a desmistificação do “problema do filho”, desenvolve laços de

solidariedade e ajuda mútua, o que se torna mais significativo quando as

famílias têm proximidade de moradia. Neste sentido a nuclearização, isto é, o

estabelecimento de locais de atendimento, próximo ao local de moradia dos

adolescentes tem inúmeras vantagens.

Além disso, seriam realizados grupos de orientação o qual deverá conter

toda a problemática familiar que, inclusive, pode ter determinado o adolescente

em conflito com a lei. O trabalho com este grupo poderá ser norteado na

direção da discussão das práticas de educação dos filhos. Os casos com

maiores prejuízos deverão ser encaminhados para serviço especializado de

saúde.

Este trabalho com as famílias deveria ser realizado em todas as unidades

de internação onde os jovens cumprem medidas socioeducativas a fim de

facilitar a ressocialização dos mesmos, já que a família é a fonte do bem-estar

desses jovens.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

• RIZZINI, Irma. O Elogio do Científico – A construção do “Menor” na

Prática Jurídica. In: RIZZINI, Irene (org). A criança no Brasil hoje: desafio para

o Terceiro Milênio. Rio de Janeiro, Ed. Universitária Santa Ursula, 1993, pp.81

– 100.

Page 43: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …‰A DO VAL AMORIM.pdf · 1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social emergente da infância e adolescência,

43• ADORNO, Sérgio. Criança: A Lei e a Cidadania. In: RIZZINI, Irene (org).

A criança no Brasil hoje: desfio para o Terceiro Milênio. Rio de Janeiro, Ed.

Universitária Santa Úrsula, 1993, pp. 101 – 112.

• JÚNIOR, Almir Pereira. Um país que mascara seu rosto. In: JÚNIOR, A.

P., BEZERRA, J.L e HERINGER, R (org). Os impasses da cidadania: Infância

e Adolescência no Brasil. Rio de Janeiro, IBASE, 1992, pp. 13 – 35.

• TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Liberdade Assistida – Uma

polêmica em aberto. São Paulo, Instituto de Estudos Especiais da PUC/SP,

1994.

• JOST, Maria Clara. Por trás da máscara de ferro – as motivações do

adolescente em conflito com a lei. Bauru, SP:Edusc, 2006.

• ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro:

LTC, 1981, pp. 10-27.

• CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. O lugar da família na política

social. In: CARVALHO, M.C.B (org). A família contemporânea em debate. São

Paulo: Cortez, 2002, pp. 15-22.

• UZIEL, Anna Paula. Homossexualidade e parentalidade: ecos de uma

conjugação. In: HEILBORN, Maria Luiza (org). Família e sexualidade. FGV, pp.

87-117.

• LÉVI-STRAUSS, C. As estruturas elementares do parentesco.

Petrópolis: Vozes, 1982.

• MIOTO, Regina Célia Tamaso. Família e Serviço Social – contribuições

para o debate. In: Serviço Social e Sociedade, nº 55, Ano XVIII/97: Cortez,

pp.114-129.

• SZYMANSKI, Eloísa. Viver em família como experiência de cuidado

mútuo: desafios de um mundo em mudança. In: Serviço Social e Sociedade, nº

71, Ano XXIII/2002: Cortez, pp. 09-25.

Page 44: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …‰A DO VAL AMORIM.pdf · 1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social emergente da infância e adolescência,

44• DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara, OLIVEIRA, Thales Cézar de.

Estatuto da Criança e do Adolescente (série leituras jurídicas: provas e

concursos, v. 28). São Paulo: Atlas, 2003.

• www.hrw.org/potuguese. Human Rights Watch, acessado em 23/05/05.

ANEXOS

Índice de anexos

Page 45: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …‰A DO VAL AMORIM.pdf · 1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social emergente da infância e adolescência,

45Anexo 1 >> Estatuto da Criança e do Adolescente – Capítulo II – Das Medidas

Específicas de Proteção;

Anexo 2 >> Estatuto da Criança e do Adolescente – Título III – Da Prática do

Ato Infracional;

Anexo 3 >> Comprovantes das Atividades Culturais.

ANEXO 1

Estatuto da Criança e do Adolescente

Capítulo II

Das Medidas Específicas de Proteção

Page 46: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …‰A DO VAL AMORIM.pdf · 1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social emergente da infância e adolescência,

46Art. 99. As medidas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas

isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo.

Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as

necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento

dos vínculos familiares e comunitários.

Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a

autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes

medidas:

I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de

responsabilidade;

II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de

ensino fundamental;

IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à

criança e ao adolescente;

V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em

regime hospitalar ou ambulatorial;

VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e

tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

VII - abrigo em entidade;

VIII - colocação em família substituta.

Parágrafo único. O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável

como forma de transição para a colocação em família substituta, não

implicando privação de liberdade.

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47

ANEXO 2

Estatuto da Criança e do Adolescente

Título III

Da Prática de Ato Infracional

Capítulo I

Disposições Gerais

Page 48: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …‰A DO VAL AMORIM.pdf · 1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social emergente da infância e adolescência,

48Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou

contravenção penal.

Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos,

sujeitos às medidas previstas nesta Lei.

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade

do adolescente à data do fato.

Art. 105. Ao ato infracional praticado por criança corresponderão as

medidas previstas no art. 101.

Capítulo II

Dos Direitos Individuais

Art. 106. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em

flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade

judiciária competente.

Parágrafo único. O adolescente tem direito à identificação dos

responsáveis pela sua apreensão, devendo ser informado acerca de seus

direitos.

Art. 107. A apreensão de qualquer adolescente e o local onde se

encontra recolhido serão incontinenti comunicados à autoridade judiciária

competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada.

Parágrafo único. Examinar-se-á, desde logo e sob pena de

responsabilidade, a possibilidade de liberação imediata.

Art. 108. A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo

prazo máximo de quarenta e cinco dias.

Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em

indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade

imperiosa da medida.

Page 49: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …‰A DO VAL AMORIM.pdf · 1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social emergente da infância e adolescência,

49Art. 109. O adolescente civilmente identificado não será submetido a

identificação compulsória pelos órgãos policiais, de proteção e judiciais, salvo

para efeito de confrontação, havendo dúvida fundada.

Capítulo III

Das Garantias Processuais

Art. 110. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o

devido processo legal.

Art. 111. São asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes

garantias:

I - pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante

citação ou meio equivalente;

II - igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas

e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa;

III - defesa técnica por advogado;

IV - assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma

da lei;

V - direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente;

VI - direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em

qualquer fase do procedimento.

Capítulo IV

Das Medidas Sócio-Educativas

Seção I

Disposições Gerais

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente

poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

Page 50: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …‰A DO VAL AMORIM.pdf · 1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social emergente da infância e adolescência,

50I - advertência;

II - obrigação de reparar o dano;

III - prestação de serviços à comunidade;

IV - liberdade assistida;

V - inserção em regime de semi-liberdade;

VI - internação em estabelecimento educacional;

VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua

capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.

§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a

prestação de trabalho forçado.

§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental

receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas

condições.

Art. 113. Aplica-se a este Capítulo o disposto nos arts. 99 e 100.

Art. 114. A imposição das medidas previstas nos incisos II a VI do art.

112 pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e da materialidade

da infração, ressalvada a hipótese de remissão, nos termos do art. 127.

Parágrafo único. A advertência poderá ser aplicada sempre que houver

prova da materialidade e indícios suficientes da autoria.

Seção II

Da Advertência

Art. 115. A advertência consistirá em admoestação verbal, que será

reduzida a termo e assinada.

Seção III

Page 51: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …‰A DO VAL AMORIM.pdf · 1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social emergente da infância e adolescência,

51Da Obrigação de Reparar o Dano

Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a

autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a

coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o

prejuízo da vítima.

Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá

ser substituída por outra adequada.

Seção IV

Da Prestação de Serviços à Comunidade

Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de

tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses,

junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos

congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.

Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do

adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas

semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não

prejudicar a freqüência à escola ou à jornada normal de trabalho.

Seção V

Da Liberdade Assistida

Art. 118. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a

medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o

adolescente.

§ 1º A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso,

a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento.

§ 2º A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses,

podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra

medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor.

Page 52: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …‰A DO VAL AMORIM.pdf · 1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social emergente da infância e adolescência,

52Art. 119. Incumbe ao orientador, com o apoio e a supervisão da

autoridade competente, a realização dos seguintes encargos, entre outros:

I - promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes

orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário

de auxílio e assistência social;

II - supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar do

adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula;

III - diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua

inserção no mercado de trabalho;

IV - apresentar relatório do caso.

Seção VI

Do Regime de Semi-liberdade

Art. 120. O regime de semi-liberdade pode ser determinado desde o

início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a

realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial.

§ 1º São obrigatórias a escolarização e a profissionalização, devendo,

sempre que possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade.

§ 2º A medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que

couber, as disposições relativas à internação.

Seção VII

Da Internação

Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos

princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de

pessoa em desenvolvimento.

§ 1º Será permitida a realização de atividades externas, a critério da

equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário.

Page 53: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …‰A DO VAL AMORIM.pdf · 1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social emergente da infância e adolescência,

53§ 2º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua

manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a

cada seis meses.

§ 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a

três anos.

§ 4º Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente

deverá ser liberado, colocado em regime de semi-liberdade ou de liberdade

assistida.

§ 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.

§ 6º Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de

autorização judicial, ouvido o Ministério Público.

Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:

I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou

violência a pessoa;

II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida

anteriormente imposta.

§ 1º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não

poderá ser superior a três meses.

§ 2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra

medida adequada.

Art. 123. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para

adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida

rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da

infração.

Parágrafo único. Durante o período de internação, inclusive provisória,

serão obrigatórias atividades pedagógicas.

Page 54: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …‰A DO VAL AMORIM.pdf · 1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social emergente da infância e adolescência,

54Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros,

os seguintes:

I - entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério

Público;

II - peticionar diretamente a qualquer autoridade;

III - avistar-se reservadamente com seu defensor;

IV - ser informado de sua situação processual, sempre que solicitada;

V - ser tratado com respeito e dignidade;

VI - permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais

próxima ao domicílio de seus pais ou responsável;

VII - receber visitas, ao menos, semanalmente;

VIII - corresponder-se com seus familiares e amigos;

IX - ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal;

X - habitar alojamento em condições adequadas de higiene e

salubridade;

XI - receber escolarização e profissionalização;

XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer:

XIII - ter acesso aos meios de comunicação social;

XIV - receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que

assim o deseje;

XV - manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro

para guardá-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em

poder da entidade;

XVI - receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais

indispensáveis à vida em sociedade.

Page 55: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO …‰A DO VAL AMORIM.pdf · 1927, que consolidou no âmbito legal o olhar para o “problema” social emergente da infância e adolescência,

55§ 1º Em nenhum caso haverá incomunicabilidade.

§ 2º A autoridade judiciária poderá suspender temporariamente a visita,

inclusive de pais ou responsável, se existirem motivos sérios e fundados de

sua prejudicialidade aos interesses do adolescente.

Art. 125. É dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos

internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e

segurança.

ANEXO 3

COMPROVANTES DAS ATIVIDADES CULTURAIS