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Camarate

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CAMARATE – A Confissão de Fernando Farinha Simões

02/03/2017 tempusma Camarate, E.U.A., Portugal, Sá Carneiro

O assassinato do Primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro, do Ministro da Defesa Adelino Amaro da Costa e o envolvimento dos americanos

Eu, Fernando Farinha Simões, decidi finalmente, em 2011, contar toda a verdade sobre Camarate.

No passado nunca contei toda a operação de Camarate, pois estando a

correr o processo judicial, poderia ser preso e condenado.

Também porque durante 25 anos não podia falar, por estar obrigado ao sigilo por parte da CIA, mas esta situação mudou agora, ao que acresce

o facto de a CIA me ter abandonado completamente desde 1989.

Finalmente decidiu falar por obrigação de consciência.

Fiz o meu primeiro depoimento sobre Camarate, na Comissão de Inquérito Parlamentar, em 1995.

Cheguei a prestar declarações para um programa da SIC, organizado

por Emílio Rangel, que não chegou contudo a ir para o ar.

Em todas essas declarações públicas contei factos sobre o atentado de Camarate, que nunca foram desmentidos, apesar dos nomes que citei e

da gravidade dos factos que referi.

Em todos esses relatos, eu desmenti a tese oficial do acidente,

defendida pela Polícia Judiciária e pela Procuradoria-geral da Republica.

Devo também dizer que tendo eu falado de factos sobre Camarate tão

graves e do envolvimento de certas pessoas nesses factos, sempre me surpreendeu que essas pessoas tenham preferido o silêncio.

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Estão neste caso o Tenente Coronel Lencastre Bernardo ou o Major

Canto e Castro.

Estávamos ainda relativamente

próximos dos acontecimentos e não quis portanto revelar todos os pormenores, nem todas as pessoas envolvidas nesta operação.

Contudo, após terem passado mais de 30 anos sobre os factos, entendi

que todos os portugueses tinham o direito de conhecer o que verdadeiramente sucedeu em Camarate.

Não quero contudo deixar de referir que hoje estou profundamente arrependido de ter participado nesta operação, não apenas pelas pessoas que aí morreram, e cuja qualidade humana só mais tarde tive

ocasião de conhecer, como do prejuízo que constituiu, para o futuro do país, o desaparecimento dessas pessoas.

Naquela altura contudo, Camarate era apenas mais uma operação em

que participava, pelo que não medi as consequências.

Peço por isso desculpa aos familiares das vítimas, e aos Portugueses em

geral, pelas consequências da operação em que participei.

Gostaria assim de voltar atrás no tempo, para explicar como acabei por me envolver nesta operação.

Relativamente ao relato dos factos, gostaria de começar por referir que tenho contactos, desde 1970, em Angola, com um agente da CIA, que é

o jornalista e apresentador de televisão Paulo Cardoso (já falecido).

Conheci Paulo Cardoso em Angola com quem trabalhei na TVA – Televisão de Angola na altura.

Em 1975, formei em Portugal, os CODECO com José Esteves, Vasco Montez, Carlos Miranda e Jorge Gago (já falecido).

Esta organização pretendia, defender, em Portugal, se necessário por

via de guerrilha, os valores do Mundo Ocidental.

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Também a partir de 1975, passei a trabalhar

directamente para a CIA.

Contudo a partir de l978, passei a trabalhar como agente encoberto, no chamado “Office of Special Operations“.

Posso referir que a operação de Camarate, que a seguir irei transcrever custou a preços de 1980 entre 750.000 e 1 milhão de USD.

Só o Sr. José António dos Santos Esteves recebeu 200.000 USD.

Estas despesas, relacionadas com a operação de Camarate, incluiram os pagamentos a diversas pessoas e participantes, como o Sr. Lee Rodrigues.

CAMARATE – A Confissão – Parte II 05/03/2017 tempusma Camarate, E.U.A., Portugal, Sá Carneiro

Regressando contudo à minha actividade em

Portugal, anteriormente a Camarate e ao serviço da CIA, devo referir

que conheci Frank Carlucci, em 1975, através de duas pessoas: um

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jornalista Português da RTP, já falecido, chamado Paulo Cardoso de

Oliveira, que conhecera em Angola, e que era agente da CIA, e Gary Van Dyk, agente da BOSS (Sul Africana) que conheci também em Angola.

Mantive contactos directos frequentes com Frank Carlucci, sobretudo entre 1975 e 1982, de quem recebi instruções para vários trabalhos e operações.

Em Lisboa, também lidei e recebi ordens de William Hasselberg – antena da CIA em Lisboa, que além de recolher informações em Lisboa actuava como elo de ligação entre portugueses e americanos.

Tive inclusivamente uma vida social com William

Hasselberg, que inclui uma vida nocturna em Lisboa, em diferentes bares, restaurantes, e locais públicos. Neste âmbito, trabalhei em operações de tráfico de armas, e em infiltrações em organizações com o

objectivo de obter informações políticas e militares, “Billie” Hasselberg fala bem português, e era grande amigo de Artur Albarran.

Hasselberg e Albarran conheceram-se numa festa da embaixada da

Colômbia ou Venezuela, tendo Albarran casado nessa altura, nos anos 80, com a filha do embaixador, que foi a sua primeira mulher.

Da parte militar da CIA conheci o Coronel Wilkinson, a partir de quem conheci o coronel Oliver North e o Coronel

Peter Bleckley. O coronel Oliver North, militar mas também agente da CIA e o coronel Peter Bleckley, são os principais estrategas nos contactos internacionais, com vista ao tráfico e venda de armas,

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nomeadamente com países como Irão, Iraque, Nicarágua, e o El

Salvador.

Em meados de 1980, Frank Carlucci refere-me, por alto, e pela primeira

vez, que eu iria ser encarregue de fazer um “trabalho” de importância máxima e prioritária em Portugal, com a ajuda dele, da CIA, e da Embaixada dos EUA em Portugal, sendo-me dado, para esse efeito, todo

o apoio necessário.

Tenho depois reuniões em Lisboa, com o agente da CIA, Frank Sturgies, que conheço pela primeira vez. Frank Sturgies é uma pessoa de aspecto

sinistro e com grande frieza, e era organizador das forças anti-castristas, sediadas em Miami, e era elo de ligação com os “contra” da

Nicarágua.

Frank Sturgies refere-me então, que está em marcha um plano para afastar, definitivamente, (entenda-se eliminar) uma pessoa importante,

ligada ao Governo Português de então, sem dizer contudo ainda nomes.

Algum tempo depois, possivelmente em Setembro ou Outubro de 1980,

jogo ténis com Frank Carlucci quase toda a tarde, na antiga residência do embaixador dos EUA, na Lapa. Janto depois com ele, onde Frank Cartucci refere novamente que existem problemas em Portugal para a

venda e transporte de armas, e que Francisco Sá Carneiro não era uma pessoa querida dos EUA.

Depois já na sobremesa, juntam-se a nós o Gen. Diogo Neto, o Cor.

Vinhas, o Cor. Robocho Vaz e Paulo Cardoso, onde se refere novamente a necessidade de se afastarem alguns obstáculos existentes ao negócio

de armas.

Todos estes elementos referem a Frank Caducci que eu sou a pessoa indicada para a preparação e implementação desta operação.

Em Outubro de 1980, num juntar no Hotel Sharaton onde participo eu, Frank Sturgies (CIA), Vilfred Navarro (CIA), o General Diogo Neto e o

Coronel Vinhas (já falecidos), onde se refere que há entraves ao tráfico de armas que têm de ser removidos.

Depois há um outro jantar também no Hotel Sharaton, onde

participam, entre outros, eu e o Cor. Oliver North, onde este diz claramente que “é preciso limar algumas arestas” e “se houver necessidade de se tirar alguém do caminho, tira-se”, dando portanto a

entender que haverá que eliminar pessoas que criam problemas aos negócios de venda de armas. Oliver North diz-me também que está a ter

problemas com a sua própria organização, e que teme que o possam querer afastar e “deixar cair”, o que acabou por acontecer.

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Haviam também Portugueses que estavam a

beneficiar com o tráfico de armas, como o Major Canto e Castro, o Gen. Pezarat Correia, Franco Charais e o empresário Zoio.

Sabe-se também já nessa altura que Adelino Amaro da Costa estava a tentar acabar com o tráfico de armas, a investigar o fundo de desenvolvimento do Ultramar, e a tentar acabar com lobbies instalados.

Afastar essas duas pessoas pela via política era impossível, pois a AD tinha ganho as eleições.

Restava portanto a via de um atentado.

CAMARATE – A Confissão – Parte III

15/03/2017 tempusma Camarate, E.U.A., Portugal, Sá Carneiro

Afastar essas duas pessoas pela via política

era impossível, pois a AD tinha ganho as eleições. Restava portanto a via de um atentado.

Perguntam-me se já recrutei a pessoa certa para realizar este atentado, e se eu conheço algum perito na fabricação de bombas e em armas de fogo.

Respondo que em Espanha arranjaria alguém da ETA para vir cá fazer o atentado, se tal fosse necessário.

Quem paga a operação e a preparação do atentado é a CIA e o Major Canto e Castro. Canto e Castro colabora na altura com os serviços Secretos Franceses, para onde entrou através do sogro na época.

Tendo que organizar esta operação, falo então com José Esteves e mais tarde com Lee Rodrigues (que na altura ainda não conhecia). O elo de

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ligação de Lee Rodrigues em Lisboa era Evo Fernandes, que estava

ligado à resistência moçambicana, a Renamo.

Falo nessa altura também com duas pessoas ligadas à ETA militar, para

caso do atentado ser realizado através de armas de fogo.

Três semanas antes dos atentados, Canto e Castro e Frank Sturgies, referem pela primeira vez, que o alvo do atentado é

Adelino Amaro da Costa. Frank Sturgies pede-me que obtenha um cartão de acesso ao aeroporto para um tal Lee Rodrigues, que é referido como sendo a pessoa que levará e colocará a bomba no avião.

José Esteves recebeu então USD 200.000 pelo seu futuro trabalho. Eu não recebi nada pois já era pago normalmente pela CIA. José Esteves prepara então na sua casa no Cacém, um engenho para o atentado.

Conta com a colaboração de outro operacional chamado Carlos Miranda, especialista em explosivos, que é recrutado por mim, e que eu

já conhecia de Angola, quando Carlos Miranda era comandante da FNLA e depois CODECO em Portugal.

É marcado por Oliver North um jantar no hotel Sheraton. Nesse jantar

aparece e participa um indivíduo que não conhecia e que me é apresentado por Oliver North, chamado Penaguião.

Penaguião afirma ser segurança pessoal de Sá Carneiro. Oliver North

refere que Penaguião faz parte da segurança pessoal de Sá Carneiro e que é o homem que conseguirá meter Sá Carneiro no Avião.

Penaguião afirma, de forma fria e directa que Sá Carneiro também iria no avião, “pois dessa forma matavam dois coelhos

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de uma cajadada!” Afirma que a sua eliminação era necessária, uma vez

que Sá Carneiro era anti-americano, e apoiava incondicionalmente Adelino Amaro da Costa na denúncia do tráfico de armas, e na

descoberta do chamado saco azul do Fundo de Defesa do Ultramar, pelo que tudo estava, desde o início, preparado para incluir as duas pessoas.

Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa.

Fico muito receoso, pois só nesse momento fiquei a conhecer a inclusão de Sá Carneiro no atentado. Fico estarrecido com esta nova informação sobre Sá Carneiro, e decido ir, nessa mesma noite, à residência do

embaixador dos EUA, na Lapa, onde estava Frank Carlucci, a quem conto o que ouvi.

Frank Carlucci responde que não me preocupasse,

pois este plano já estava determinado há muito tempo. Disse-me que o homem dos EUA era Mário Soares, e que Sá Carneiro, devido à sua maneira de ser, teimoso e anti-americano, não servia os interesses

estratégicos dos EUA.

Mário Soares seria o futuro apoio da política americana em Portugal, junto com outros líderes do PSD e do PS.