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Z'7lc Zimerman, David E. Como trabalhâmos colììgruìlis . D:L\ irl E. ZtncfiÌì:1._.. L:iz Ciìrìos Osorio... [ct. al] - PorloAl.cr. : .\Írs \Íédì.â!. I99:. l. Técnicas psicoteÍápir$. L O\orio. L.C. IL TÍLrìo cDU 615.85 r Câtalogaçlio na publicâção: \Íôn i( r Baììcjo Canlo - CRB l0/ 1023 ISBN 35 7:07-212-2

Como Trabalhamos com Grupos - Osório, Zimerman

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Z'7lc Zimerman, David E.Como trabalhâmos colì ì gruì l i s . D:L\ ir l E. Ztncfi Ì ì :1._.. L: iz Ciìrìos

Osorio.. . [ct. al] - Porlo Al.cr. : . \ Írs \ Íédì.â!. I99:.

l . Técnicas psicoteÍápir$. L O\orio. L.C. IL TÍLrìo

cDU 615.85 r

Câtalogaçl io na publicâção: \ Íôn i( r Baììcjo Canlo - CR B l0/ 1023

ISBN 35 7:07-212-2

DAVID E. ZIMER]VIANLUIZ CARLOS OSORiO

H COLABORAI)ORES

COMO TRABALHAMOS COM

GRUPOS

PORTO ALEGRE, I997

õs-?, -ã-

Sumário

Pref4nin

Clqudio M. Martins

PrÁìnon

Davìd E. Zímerman

PARTE 1- REVISÃO GERAL SOBR-E GRUPOS

I Fundamentos teóricos .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .23David E. Zimerman

2 Fundamentos técnicos... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .33Dqvid E. Zimerman

3 Atributos desejáveis para um coordenador de grupo ............. .................41David E. Zímemun

4 A famíl ia como grupo primordial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .49Luiz CarLos Osorío

5 Grupos espontâneos: as turmâs e gangues de adolescentes....................59David E. Zímerman

ó Processos obstrutivos nos sistemas sociais, nos grupos enas inst i tuições. . . . . . . . . .69Luíz Carlos Osorío

7 Classi f icação gerâl dos grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .75David E. Zimerman

8 Como supervisionamos em grupoterapia .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .83Luiz Carlos Osorio

PARTE 2 - PRÁTICA COM GRUPOS OPERATIVOS E PSICOTER(PICOS

9 Como agem os grupos operativos? .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .95Janíce B. Fiscmann

l0 Grupos comunitários... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . l0lSalv,ador Celia

11 Grupos de auto-ajuda... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107Carlos A.S.M. de Barros

12 Como agem os grupos terapêuticos? .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119David E. Zìmennan

13 Grupoterapia psicânalít ica .. . . . . . . . . . . . . . .127Davìd E. Zimernnn

L4 Psicanál ise compart i lhada: atual ização.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143Gerqrdo Steín

15 Grupoterapia das configurações vinculares .. . . . . . . . . . . . . . .153Waldemar José Fernandes

16 Laboratór io terapêut ico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161Francísco BapÍista Neto

17 Psicodrama. . . . . . . . . . . . . .169Nedío Seminotti

PARTE 3. PRÁTICA COM GRUPOS ESPECIAIS

18 Grupoterapia com pacientes somáticos: 25 anos de experiência.......... 185Júlio de Mello Filho

19 Grupos com portadores de transtomos al imentares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .205Rubén Zukerfeld

20 Grupoterapia para alcoolistas. ...........219Sérgio de Paula Ramos

2l Grupos com drogadictos .. . . . . . . . . . . . . . . . . .229Sílvía Brasiliqno

22 Grupo com deprimidos .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .241Gilberto Brofman

23 Grupos com autistas... . . . . . . . . . . . . . . . . . , . . . . .249Soni Mariq dos Santos LewisViviane Costa de Leon

24 Psicoterapia com pacientes intemados e egressos .. . , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .269José Onildo B. Contel

PARTE 4. PRT(TICA COM GRTJPOS NA ÁREÁ DE FAMÍLIA

25Ocasal :umaent idadepsicanal í t ica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .283Janine Puseí

xvlIl

26A famíl ia como grupo e o gnÌpo como famíI ia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .293.lí. C ri s t itú Rav azzo lctSusana BarilariGastórt Mazieres

Grupos com gestantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .305Geraldiv Rantos Viçosa

Grupos com cr ianças.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .311Ruth Blay Levislq

. . . . .321Luiz Carlos Osorio

Grupos com idosos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Guite L Zimerman

PARTE 5 - PRÂTICA COM GRUPOS NA AREA DO ENSINO E DAAPRENDIZAGEM

27

28

t0

30 . . . . . . . . . . . .331

Luiz Carlos llLafont Coronel

32 Grupos de educação médicâ ...David E. Zímerman

33 O trabalho com gnìpos na escoIa.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .359José Ouoni Outeiral

J4 Grupos de or ientação prof issional com alunos adolescentes.. . . . . . . . . . . . . . .373Aidê Knijník Wainberg

PARTE 6 - PRÁTICA COM GRUPOS NA ÁREA INSTITUCIONAL

35 Terapia inst i tucional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .389Luiz Cqrlos Osorio

36 Formação de l íderes: o grupo é o fórum adequado.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .399Mauro Nogueíra de Olíveíra

37Atendimentoagruposeminst i tu ições.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .405Neidí Margareth Schneider

38 Laboratório: exercício da autoridade, modelo Tavistok .......................413Neidí Margareth SchneíderLuiz Carlos OsoríoMauro Nogueira de OlìveiraMônica Guazellí Estrougo

Epílogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .421Luiz Carlos Osorio

PARTE 1Revisão Geralsobre Grupos

Fundamentos TeóricosDAVIDE, ZIMERMAN

Coerente com a proposição geral deste livro, que é a de manter uma simplificação denatureza didática dos assuntos pertinentes aos grupos, o presente capítulo vai abordarunicamente alguns aspectos que fundamentam a teoria - tendo-se em vista a suaaplicabilidade prática -, sem a menor pretensão de esgotar ou de explorar toda acomplexidade de um aprofundamento teórico que a dinâmica de grupo permite, pro-picia e merece.

Inicialmente, a fim de situar o leitor que ainda não esteja muito familiarizadocom a área de grupos, mencionaremos e faremos uma breve referência a alguns dosautores mais citados na literatura e que mais contribuíram para o desenvolvimento domovimento grupalista. A seguir, será feita uma necessária revisão acerca da conce!tuação de grupo e, por último, uma abordagem dos aspectos psicológicos contidos nadinâmica do campo grupal.

ALGUNS AUTORES IMPORTANTES

J. Pratt. As grupoterapias estão comemorando o seu primeiro centenrírio de existên-cia. Isso se deve ao fato de que a inauguração do recurso grupoteriípico começou comeste tisiologista americano que, a partir de 1905, em uma enfermaria com mais de 50pacientes tuberculosos, criou, intüitivamente, o método de "classes coletivas", asquais consistiam em uma aula prévia, ministrada por Pratt, sobre a higiene e os pro-blemas da tuberculose, seguida de perguntas dos pacientes e da sua livre discussãocom o médico. Nessas reuniões, criava-se umclima de emulação, sendo que os pacien-tes mais interessados nas atividades coletivas e na aplicação das medidas higieno-dietéticas eram premiados com o privilégio de ocupar as primeiras filas da sala deaula.

Esse método, que mostrou excelentes resultados na aceleração da recuperaçãofísica dos doentes, está baseado na identificação desses com o médico, compondouma estrutura familiar-fratemal e exercendo o que hoje chamamos "função continen-te" do grupo. Pode-se dizerque essa se constitui naprimeira experiência gmpoterápicaregistrada na literatura especializada e que, embora tenha sido realizada em basesempíricas, serviu como modelo para outras organizações similares, como, por exem-plo, a da prestigiosa "Alcoólicos Anônimos", iniciada em 1935 e que ainda se man-tém com uma popularidade crescente. Da mesma forma, sentimos uma emoção fasci-nante que sentimos ao percebermos que na atualidade a essência do velho método de

24 . ZMERìaAN & osoRlo

Pratt está sendo revitalizada e bastante aplicada justamente onde ela começou, ouseja, no campo da medicina, sob a forma de grupos homogêneos de auto-ajuda, ecoordenada por médicos (ou pessoal do corpo de enfermagem) não-psiquiatras.

Freud. Embora nunca tenha trabalhado diretamente com grupoterapias, Freudtrouxe valiosas contribuições específicas à psicologia dos grupos humanos tanto im-plícita (petos ensinamentos contidos em toda a sua obra) como também explicita-mente, através de seus 5 conhecidos trabalhos: As perspectivas futuras da terapêu-tica psicanalítica (1910), Totetn e tabu (1913), Psicologia das massas e aruilise doego (1921), O futuro de uma ilusdo (1927) e Mal-estar na civilização (1930).

Já no trabalho de 1910, Freud revela uma de suas geniais previsões ao conceberque "... o êxito que 1 terapia passa a ter no indivíduo haverá de obtêla na coletivida-de". Em Totem e tabu, aÍravés do mito da horda selvagem, ele nos mostra que, porintermédio do inconsciente, a humanidade transmite as suas leis sociais, assim comoestas produzem a cultura. No entanto, o seu trabalho de 1921 ê considerado comoparticularmente o mais importante para o entendimento da psicodinâmica dos gru-pos, e nele Freud traz as seguintes contribuições teóricas: umarevisão sobre a psicolo-gia das multidões; os grandes grupos artificiais (igreja e exército); os processos iden-tificatórios (projetivos e introjetivos) que vinculam as pessoas e os grupos; as liderançase as forças que influem na coesão e na desagregação dos grupos. Nesse mesmo traba-lho, Freud pronuncia a sua clássica âfirmativa de que "a psicologia individual e asocial não diferem em sua essência", bem como aponta para as forças coesivas e asdisruptivas quejuntam e separam os indivíduos de um grupo. Esta última situação éilustrada por Freud com uma metáfora que ele tomou emprestada do filósofoSchopenaueq a qual alude à idéia de uma manada de porcos espinhos, no invemo,procura se juntar em um recíproco aconchego aquecedor; no entanto, a excessivaaproximação provoca ferimentos advindos dos espinhos e força uma separàção, numcontínuo e interminável vaivém.

J. Moreno. Em 1930, este médico romeno introduziu a expressão "terapia degrupo". O amor de Moreno pelo teatro, desde a sua infância, propiciou a utrlização daimportante técnica grupal do psicodrama, bastante difundido e praticado na atualidade.

K, Lewin. A vertente sociológica do movimento grupalista é fortemente inspi-rada em KuÍ Lewin, criador da expressão "dinâmica de grupo", com a qual ele subs-tituiu o conceito de "classe" pelo de "campo". Desde 1936, são relevantes os seusestudos sobre a estrutura psicológica das maiorias e das minorias, especialmente asjudaicas. Da mesma forma são importantes as suas concepções sobre o "campo grupal"e a formação dos papéis, porquanto ele postulava que qualquer indivíduo, por maisignorado que seja, faz parte do contexto do seu grupo social, o influencia e é por estefortemente influenciado e modelado.

S,H.Foulkes. Este psicanalista britânico inaugurou a prática da psicoterapiapsicanalítica de grupo a partir de 1948, em Londres, com um enfoque gestáltico, ouseja, para ele um grupo se organiza como uma nova entidade, diferente da soma dosindivíduos, e, por essa razão, as interpretações do grupoterapeuta deveriam ser sem-pre dirigidas à totalidade grupal. Foulkes introduziu uma série de conceitos e posnÌladosque serviram como principal referencial de aprendizagem a sucessivas gerações degrupoterapeutas, sendo considerado o líder mundial da psicoterapia analítica de gru-DO.

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I

COMOI RABAL}IAMOs COM ARUPOS . 25

Pichon Rivière. Trata-se de um psicanalista argentino altamente conceituado,tendo se tornado o grande nome na área dos grupos operativos, com contribuiçõesoriginais, mundialmente aceitas e praticadas. Este autor, partindo do seu "esquemaconceitual-referencial-operativo"(ECRO), aprofundou o estudo dos fenômenos quesurgem no campo dos grupos e que se instituem para a finalidade não de terapia, mas,sim, a de operar numa determinada tarefa objetiva, como, por exemplo, a de ensino-aprendizagem. A partir das postulações de Pichon Rivière, abriu-se um vasto lequede aplicações de grupos oper'Ìtivos, as quais, com algumas variações técnicas, sãoconhecidas por múltiplas e diferentes denominações.

W.R.Bion. Durante a década 40, este eminente psicanalista da sociedade britânicade psicanálise - fortemente influenciado pelas idéias de M. Klein, com quem se ana-lisava na época -, partindo de suas experiências com grupos realizadas em um hospi-tal militar durante a Segunda Guerra Mundial, e na Tavistock Clinic, de Londres,criou e difundiu conceitos totalmente originais acerca da dinâmica do campo grupal.

Entre as suas contribuições vale destacar a sua concepção de que qualquer gru-po se movimenta em dois planos: o primeiro, que eÌe denomina "grupo de trabalho",opera no plano do consciente e está voltado para a execução de alguma tarefa; subja-cente a esse existe em estado lâtente, o "grupo de pressupostos básicos", o qual estáradicado no inconsciente e suas manifestações clínicas correspondem a um primitivoatavismo de pulsões e de fantasias inconscientes. Bion formulou três tipos de supos-tos básicos: o de dependência (exige um líder carismático que inspire a promessa deprover as necessidades existenciais básicas), o de /ata e fuqa (de nafireza, paranóide,requer uma liderança de natureza tirânica para enfrentar o suposto inimigo ameaça-dor) e o de apareaìnento (também conhecido como "acasalamento", alude à forma-

ção de pares no grupo que podem se acasalar e gerar um messias salvador; portanto,é um suposto inconsciente que, para se manter, exige um líder que tenha algumascaracterísticas místicas). Além disso, Bion contribuiu bastante para o entendimentoda relação que um indivíduo portador de idéias novas (que ele chama de "místico" ou"gênio") trava com o establishnlent no qual ele está inserido. Esta úÌtima concepçãotem se revelado de imprescindível importância para a compreensão dos problemasque cercam as instituições.

Pela importância que Bion representa para o movimento grupalista, vale a penamencionar alguns dos aspectos que ele postulou:

. O grupo precede ao indivíduo, isto é, as origens da formação espontânea de gru-pos têm suas raízes no grupo primordial, tipo a horda selvagem, tal como Freud amenclonou.

. Os supostos básicos antes aludidos representam um atavismo do grupo primitivoque está inserido na mentalidade e na cultura grupal.

. A cultura grupal consiste na permanente interação entre o indivíduo e o seu gru-po, ou seja, entre o narcisismo e o socialismo.

. No plano tran ;-subjetivo, este atavismo grupal aparece sob a forma de mitosgrupais, como são, por exemplo, os mìtos de Eden (Deus versas Conhecimento,sob ameaças de punição); Babel (Deus versrs Conhecimento, através do estabele-cimento de confusão); Esfinge (tem o Conhecimento, porém luta pelo não-conhe-cimento, tal como aparece na clássica sentença "decifra-me ou te devoro", ou,"me devoro (suicídio) se me decifrares"); Edipo (castigado pela curiosidade ano-sante e desafiadora).

2ó . zlltERrlÂN & osoRlo

. Organizâção da cultura, através da instituição de normas, Ìeis, dogmas, conven-ções e um código de valores morais e éticos.

. O modelo que Bion propôs para a relação que o indivíduo tem com o grupo é o darelação continente-conteúdo, a qual compoÍa três tipos: parasitiírio, comensal esimbiótico.

. A relação ql'l.e o establÌshmeÌrÍ mantém com o indivíduo místico, sentido comoum ameçador portador de idéias novas, adquire uma dessas formas: simplesmen-te o expulsam, ou ignoram, ou desqualificam, ou co-optam através da atribuiçãode funções administrativas, ou ainda, decorrido algum tempo, adotam as suasidéias, porém divulgam-nas como se elas tivessem partido dos pró-homens dacúpula diretiva.

. A estruturação de qualquer indivíduo requer a sua participação em grupo.

Escola Francesa. Na década de 60, começam a surgir os trabalhos sobre a dinâ-mica dos grupos com um novo enfoque, a partir dos trabalhos dos psicanalistas fran-ceses D. Anzieu e R. Kàes, os quais, retomando alguns dos postulados originais deFreud, propõem o importante conceito de "aparelho psíquico grupal", o qual estádotado das mesmas instâncias que o psiquismo inconsciente individl:al, mas não dosmesmos princípios de funcionamento. Com as concepções teóricas desses dois auto-res, o edifício que abriga as grupoterapias começa a adquirir alicerces referenciaisespecíficos e representa uma tentativa no sentido de as grupoterapias adquirirem umaidentidade própria.

Escola Argentina. Os nomes dos psicanalistas argentinos L. Grinberg, M. Langere E. Rodrigué já são bastante conhecidos, porquanto o seu livro Psicoterapia delgrupo tornou-se uma espécie de bíblia para algumas gerações de grupoterapeutas emformação. Na atualidade, é necessário destacar: Geraldo Stein, com as suas concep-ções originais a respeito do que ele denomina "psicanálise compartida"; RubénZuckerfeld, com as suas importantes contribuições na utilização de técnicas grupaisno atendimento a pacientes portadores de transtornos de alimentação; e grupo deautores argentinos - no qual, entre outros, pontifica o nome de Janine Puget - quevêm estudando e divulgando a modema " psicanálise das configurações vinculares",notadamente com casais, famílias e grupos.

Brasil. No Brasil, a psicoterapia de grupo de inspiração psicanalítica teve co-meço com Alcion B. Bahia; outros nomes importantes e pioneiros são os de WalderedoIsmael de Oliveira e Wemer Kemper, no Rio de Janeiro; Bernardo Blay Neto, LuisMiller de Paiva e Oscar Rezende de Lima, em São Paulo, e Cyro Martins, DavidZimmermann e Paulo Guedes, em Porto Alegre. Na atualidade, há no Brasil umasérie de pessoas, em diversas e múltiplas áreas, trabalhando ativamente em busca denovos caminhos e de uma assistência mais ampla e abrangente com a aplicação dosrecursos da dinâmica grupal.

coNcErTUAçAO DE GRUPO

O ser humano é gregário por nâtureza e so.Iente existe, ou subsiste, em função deseus inter-relacionamentos grupais. Sempre, desde o nascimento, o indivíduo partici-pa de diferentes gÍupos, numa constante dialética entre a busca de sua identidadeindividual e a necessidade de uma identidade sruDâl e social.

COMO I'RÂBALHAMOS COM ORUPO5 '

27

Um conjunto de pessoas constitui um grupo, um conjunto de grupos constituiuma comunidade e um conjunto interativo das comunidades configura uma socieda-de.

A importância do conhecimento e a utilização da psicologia gmpal decorre jus-tamente do fato de que todo indivíduo passa a maior parte do tempo de sua vidaconvivendo e interagindo com distintos grupos. Assim, desde o primeiro grupo natu-ral que existe em todas as culturas - a família nuclear, onde o bebê convive com ospais, avós, irmãos, babá, etc., e, a seguir, passando por creches, escolas maternais ebancos escolares, além de inúmeros grupos de formação espontânea e os costumeiroscursinhos paralelos -, a criança estabelece vínculos diversificados. Tais grupamentosvão se renovando e ampliando na vida adulta, com a constituição de novas famílias ede grupos associativos, profissionais, esportivos, sociais, etc.

A essência de todo e qualquer indivíduo consiste no fato dele ser portador deum conjunto de sistemas: desejos, identificações, valores, capacidades, mecanismosdefensivos e, sobretudo, necessidades básicas, como a da dependência e a de serreconhecido pelos outros, com os quais ele é compelido a conviver. Assim, como omundo interior e o exterior são a continuidade um do outro, da mesma forma o indi-vidual e o social não existem separadamente, pelo contrário, eles se diluem,interpenetram, complementam e confundem entre si.

Com base nessas premissas, é legítimo afirmar que todo indívíduo é um grupo(na medida em que, no seu mundo interno, um grupo de personagens introjetados,como os pais, irmãos, etc., convive e interage entre si), da mesma maneira como todogrupo pode comportar-se como uma individualidade (inclusive podendo adquirir auniformidade de uma caracterologia específica e típica, o que nos leva muitas vezesa referir determinado grupo como sendo "um grupo obsessivo", ou "atuadoÍ", etc.).

É muito vaga e imprecisa a definição do termo "grupo", porquanto ele podedesignar conceituações muito dispersas num amplo leque de acepções. Assim, a pa-lavra "grupo" tanto define, concretamente, um conjunto de três pessoas (para muitosautores, umarelação bipessoaljá configuraum grupo) como também pode conceihraruma famflia, uma turma ou gangue de formação espontânea; uma composição artifi-cial de grupos como, por exemplo, o de uma classe de aula ou a de um grupoterapêutico; uma fila de ônibus; um auditório; uma torcida num estádio; uma multi-dão reunida num comício, etc. Da mesma forma, a conceituação de grupo pode seestender até o nível de uma abstração, como seria o caso de um conjunto de pessoasque, compondo uma'audiência, esteja sintonizado num mesmo programa de televi-são; ou pode abranger uma nação, unificada no simbolismo de um hino ou de umabandeira, e assim por diante.

Existem, portanto, grupos de todos os tipos, e uma primeira subdivisão que sefaz necessária é a que diferencia os grandes grupos (pertencem à iírea da macro-sociologia) dos pequenos grupos (micropsicologia). No entanto, vale adiantar que,em linhas gerais, os microgrupos - como é o caso de um grupo terapêutico - costu-mam reproduzir, em miniatura, as características sócio-econômico-políticas e a dinâ-mica psicológica dos grandes grupos.

Em relação aos microgrupos também se impõe uma necessária distinção entregrupo propriamenÍe dito e agrupamento. Por "agrupamento" entendemos um con-junto de pessoas que convive partilhando de um mesmo espaço e que guardam entresi uma certa valência de inter-relacionamento e uma potencialidade em virem a seconstituir como um grupo propriamente dito. Pode servir de exemplo a situação deuma "serialidade"de pessoas, como no caso de uma fila à espera de um ônibus: essaspessoas compartem um mesmo interesse, apesar de não estar havendo o menor víncu-

28 . ZMERMAN & (xoRlo

lo emocional entre elas, até que um determinado incidente pode modificar toda aconfiguração grupal. Um outro exemplo seria a situação de uma série de pessoas queestão se encaminhando para um congresso científico: elas estão próximas, mas comonão se conhecem e não estão interagindo elas não formam mais do que um agrupa-mento, até que um pouco mais adiante podem participar de uma mesma sala de dis-cussão clínica e se constituírem como um interativo grupo de trabalho. Pode-se dizerque a passagem da condição de um agrupamento para a de um gnrpo consiste natransformação de "interesses comuns" para a de "interesses em comum".

O que, então, caracteriza um grupo propriamente dito? Quando o grupo, querseja de natureza operativa ou terapêutica, preenche as seguintes condições básicasmínimas, está caracterizado:

. Um grupo não é um mero somatório de indivíduos; pelo contrário, ele se consti-tui como nova entidade, com leis e mecanismos própfios e específicos.

. Todos os integrantes do grupo estão reunidos, face a face, em tomo deuma tarefae de um objetivo comuns ao interesse deles.

. O tamanho de um grupo não pode exceder o limite que ponha em risco a indis-pensável preservação da comunicação, tanto a visual como a auditiva e a conceitual.

. Deve havera instituição de um enquadre (seÍing) e o cumprirnento das combina-ções nele feitas. Assim, além de ter os objetivos claramente definidos, o grupodeve levar em conta a preservação de espaço (os dias e o local das reuniões), detempo (horiários, tempo de duração das reuniões, plano de férias, etc.), e a combi-nação de algumas regras e outras variáveis que delimitem e normatizem a ativi-dade grupal proposta.

. O grupo é uma unidade que se comporta como uma totalidade, e vice-versa, demodo que, tão importante quanto o fato de ele se organizar a serviço de seusmembros, é também a recíproca disso- Cabe uma analogia com a relação queexiste entre as peças separadas de um quebra-cabeças e deste com o todo a serarÍnado.

. Apesar de um grupo se constituir como uma nova entidade, com uma identidadegrupal própria e genuína, é também indispensável que fiquem claramente preser-vadas, separadamente, as identidades específicas de cada urn dos indivíduos com-ponentes do grupo.

. Em todo grupo coexistem duas forças contraditórias peÍmanentemente emjogo:uma tendente à sua coesão, e a outra, à sua desintegração.

. A dinâmica grupal de qualquer grupo se processa em dois planos, tal como nosensinou Bion: um é o da intencionalidade consciente (grupo de trabalho), e ooutro é o da interferência de fatores inconscientes (grupo de supostos básicos). Éclaro que, na prática, esses dois planos não são rigidamente estanques, pelo contrá-rio, costuma haver uma ceÍa flutuação e superposição entre eles.

. É inerente àconceituação degrupo a existência entre os seus membros de algumaforma de interação afetiva, a qual costuma assumir as mais variadas e múltiplasformas.Nos gmpos sempre vai existir uma hierárquica distribuição de posições e de pa-péis, de distintas modalidades.É inevitável a formação de um campo grupal dinâmico, em que gravitam fantasi-as, ansiedades, rnecanismos defensivos, funções, fenômenos resistenciais e trans-ferenciais, etc., além de alguns outros fenômenos que são próprios e específicosdos grupos, tal como pretendemos desenvolver no tópico que segue.

coMo TRÂaALHAIVÍOS coM CRUPOS . 29

O CAMPO GRUPAL

Como mencionado anteriormente, em qualquer grupo constituído se fonna um cam-po grupal dinâmico, o qual se comporta como uma estrutura que vai além da soma deseus componentes, da mesma forma como uma melodia resulta não da soma dasnotas musicais, mas, sìm, da combinação e do arranjo entre elas.

Esse campo é composto por múltiplos fenômenos e elementos do psiquismo e,como trata-se de uma estrutura, resulta que todos estes elementos, tanto os intra comoos inter-subjetivos, estão articulados entre si, de tal modo que a alteração de cada umdeles vai repercutir sobre os demais, em uma constante interação entre todos. Poroutro lado, o campo grupal representa um enorme potencial energético psíquico, tudodependendo do vetor resultante do embate entre as forças coesivas e as disruptivas.Também é útil realçar que, embora ressalvando as óbvias diferenças, em sua essên-cia, as leis da dinâmica psicológica são as mesmas em todos os grupos.

Como um esquema simplificado, vale destacar os seguintes aspectos que estãoalivamente presentes no campo grupal:

. Uma permanente interação oscilatória entre o grupo de trabalho e o de supostosbásicos, antes definidos.

. Uma presença permanente, manifesta, disfarçada o\ oculta, depulsões- libidinais,agressivas e narcisísticas - que se manifestam sob a forma de necessidades, dese-jos, demandas, inveja e seus derivados, ideais, etc.

. Da mesma foma, no campo grupal ctrcúam ansiedades - as quais podem ser denatureza persecutória, depressiva, confusional, aniquilamento, engolfamento,perda de amor ou a de castração - que resultam tanto dos conflitos intemos comopodem emergir em função das inevitáveis, e necessárias, frustrações impostaspela realidade externa.

. Por conseguinte, para contrarrestar a essas ansiedades, cada um do grupo e essecomo um todo mobilizam mecanismos defensivos, que tanto podem ser os muitoprimitivos (negação e controle onipotente, dissociação, projeção, idealizaçío,defesas maníacas, etc.) como também circulam defesas mais elaboradas, a re-pressão, deslocamento, isolamento, formação reativa, etc. Um tipo de defesa quedeve mereceruma atenção especial porparte do coordenador do grupo é a que dizrespeito às diversas formas de negação de certas verdades penosas.

. Em particular, para aqueles que coordenam grupoterapias psicanalíticas, é neces-sário ressaltar que a psicanálise contemporânea alargou a concepção da estruturadamente, em relação àtradicional fórmula simplista do conflito psíquico centradono embate entre as pulsões do ld versas as defesas do ego e aprolÏsiçáo do superego-Na ahralidade, os psicanalistas aplicam na prática clínica os conceitos de: egoanxiliar (ê uma parte do superego resultante da introjeção, sem conflitos, dosnecessários valores normativos e delimitadores dos pais); ego recl (conespondeao que o sujeito reolmente é emcontraposição ao que ele imagina ser); ego ideal(herdeiro direto do narcisismo, corresponde a uma perfeição de valores que osujeito imagina possuir, porém, de fato, o sujeito não os possui e nem tem possi-bilidades futuras para tal, mas baseia a sua vida nessa crença, o que o leva a umconstante conflito com a realidade exterior); ideal do ego (o sujeito fica prisio-leiro das expectativas ideais que os pais primitivos inculcaram nele); alÍer-ego(é uma parte do sujeito que está projetada em uma outra pessoa e que, portanto.representa seÍ um "duplo" seu); contrã-ego ( é uma denominação que eu propo-nho para designar os aspectos que, desde dentro do sefdo sujeito, organizam-se

30 . znasru.aeN a osor.ro

de forma patológica, e agem contra as capacidades do próprio ego. Como ficaevidente, a situação psicanalítica â paÍir destes referenciais da estruhrra da men-te ganhou em complexidade, porém com isso também ganhou uma riqueza dehorizontes de abordagem clínica, sendo que a grupoterapia psicanalítica propiciao surgimento dos aspectos antes referidos.Um outro aspecto de presença importante no campo gmpal é o surgimento de umjogo ativo de identirtcações, tanto as projetivas como as introjetivas, ou até mes-mo as adesivas. O problema das identificações avulta de importância na medidaem que elas se constituem como o elemento formador do senso de idenúdade.A comunicação,nias suas múltiplas formas de apresentação - as verbais e as não-verbais -, representa um aspecto de especial importância na dinâmica do campogrupal.Igualmente, o desempenho de papáis, em especial os que adquirem uma caracte-ística de repetição estereotipada - como, por exemplo, o de bode expiatório -, éuma excelente fonte de observação e manejo por parte do coordenador do grupo.Cada vez mais está sendo valorizada a forma como os vínculos (de amor, ódio,conhecimento e reconhecimento), no campo grupal, manifestam-se e articulamentre si, quer no plano intrapessoal, no interpessoal ou até no transpessoal. Damesma maneira, há uma forte tendência em trabalhar com as configurações vin-cularcs, tal como elas aparecem nos casais, famílias, grupos e instituições.No campo grupal, costuma aparecer um fenômeno específico e típico: a resso-nâncìa, qu.e, como o seu nome sugere, consiste no fato de que, como um jogo dediapasões acústicos ou de bilhar, a comunicação trazida por um membro do gru-po vai ressoar em um outro; o qual, por sua vez, vai transmitir um significadoafetivo equivalente, ainda que, Fovavelmente, venha embutido numa naÍrativade embalagem bem diferente, e assim por diante. Pode-se dizer que esse fenôme-no equivale ao da "livre associação de idéias" que acontece nas situações indivi-duais e que, por isso mesmo, exige uma atenção especial por parte do coordena-dor do grupo.O campo grupal se constitui como uma galeria de espelftos, onde cada um poderefletir e ser refletido nos, e pelos outros. Particularmente nos grupos psicotera-pêuticos, essa oportunidade de encontro do sefde um indivíduo com o de outrosconfigura uma possibilidade de discriminar, afirmare consolidar a própria identi-dade.Um grupo coeso e bem constituído, por si só, tomado no sentido de uma abstra-

ção, exerce uma importantíssima função, qual seja, a de ser um continente dasangrístias e necessidades de cada um e de todos- Isso adquire uma importânciaespecial quando se trata de um grupo composto por pessoas bastante regressivas.Apesar de todos os avanços teóricos, com o incremento de novas corentes dopensamento grupalístico -ê a teoria sistêmica é um exemplo disso-, ainda não sepode proclamar que a ciência da dinâmica do campo grupal já tenha encontradoplenamente a sua autêntica identidade, as suas leis e referenciais próprios e ex-clusivos, porquanto ela continua muito presa aos conceitos que tomou empresta-do da psicanálise individual.Creio ser legítimo conjecturar que, indo além dos fatos, das fantasias e dos confli-tos, que podem ser percebidos sensorial e racionalmente, também existe no cam-po grup;l muitos aipectos que perÍnanecem ocultos, enigmáticos e secretos. Àmoda de uma conjectura imaginativa, cabe ousar dizer que também existe algocercado de algum mistério, que a nossa "vã psicologia ainda não explica", mas quemuitas vezes se manifesta por melhoras inexplicáveis, ou outras coisas do gênero.

COMO I'RABÂLHAMOS COM GRUPOS . 31

. Da mesma forma como, em termos de micropsicologia, foi enfatizada a relaçãodo indivíduo com os diversos grupos com os quais ele convive, é igualmenterelevante destacar, em termos macroscópicos, a relação do sujeito com a culturana qual ele está inserido. Uma afirmativa inicial que me parece importante é a deque o fator sócio-cultural somente altera o modo de agir, mas não a natureza doreagir.Explico melhor com um exemplo tirado da minhaprática como grupotera-peuta, para ilustrar o fato de que, diante de uma mesma situação - a vida genitalde uma mulherjovem e solteira - foi vivenciada de forma totalmente distinta emduas épocas distantes uns vinte anos uma da outra. Assim, na década 60, umajovem estudante de medicina levou mais de um ano para "confessar" ao grupoque mantinha uma atividade sexuaì com o seu namorado, devido às suas culpas eao pânico de que sofreria um repúdio generalizado pela sua transgressão aosvalores sociais vigentes naquela época. Em contrapartida, em um outro grupo,em fins da década 80, uma outra moça também levou um longo tempo até poderpoder partilhar com os demais o seu sentimento de vergonha e o temor de vir a serridicularizada e humilhada por eles pelo fato de "ainda ser cabaçuda". Em resu-mo, o modo de agir foi totalmente oposto, mas a natureza (medo, vergonha, cul-pa, etc.) foi a mesma. Cabe tirarmos duas conclusões: uma, é a de que costumahaver o estabelecimento de um conflito entre o ego individual e o ideal de egocoletivo; a segunda constatação é a de que o discurso do Outro (pais e cultura) éque determina o sentido e gera a estrutura da mente.

. Todos os elementos teóricos do campo grupal antes enumerados somente adqui-rem um sentido de existência e de validade se encontrarem um eco de reciproci-dade no exercício da técnica e prática grupal. Igualmente, a técnica também nãopode prescindir da teoria, de maneira que ambas interagem e evoluem de formaconjugada e paralela. Pode-se afirmar que a teoria sem a técnica vai resvalar parauma prática abstrata, com uma intelectualização acadêmica, enquanto a técnicasem uma fundamentação teórica corre o risco de não ser mais do que um agirintuitivo ou passional. Por essas razões, no capítulo que segue, tentaremos estabe-lecer algumas inter-Íelações entre â teoria e a técnica da prática grupal.

Fundamentos TécnicosDAVID E. ZIMERMAN

Conquanto os fundamentos teóricos e as leis da dinâmica grupal que presidem osgrupos, de forma manifesta ou latente. sempre estejam presentes e sejam da mesmaessência em todos eles, é inegável que as técnicas empregadas são muito distintas evariáveis, de acordo, sobretudo, com a finalidade para a qual determinado grupo foicriado. Em outras palavras: da mesma forma como todos os indivíduos que nos procu-ram - pacientes, por exemplo - são portadores de uma mesma essência psicológica,é óbvio que, no caso de um tratamento, para cada sujeito em especial igualmente vaiser necessário um planejamento de atendimento particular, com o emprego de umatécnica adequada às necessidades, possibilidades e peculiaridades de cada um deles.

Diante do fato de que existe um vasto polimorfismo grupalístico e que, porconseguinte, também há uma extensa e múltipla possibilidade de variação nas estraté-gias, técnicas e táticas, toma-se impossível pretender, em um único capítuÌo, esgotarou fazer um detalhamento minucioso de todas elas. Por essa razão, vamos nos limitara enumerar, de forma genérica, os principais fundamentos da técnica, que dizem respeito ao cotidiano da prática grupal, tentando rastreá-los desde o planejamento da forma-ção de um grupo, o seu funcionâmento durante o curso evolutivo, procurando acentu-ar algumas formas de manejo técnico diante dos diferentes aspectos e fenômenos quesurgem no campo grupal dinâmico.

Planejamento. Inicialmente, creio ser útil fazer uma discriminação entre osconceitos de logística, estratégia, técnica e tritica, termos que, embora provindos daterminologia da área militar, parecem-me também adequados ao campo da psicolo-gia. Por logística entendemos um conjunto de conhecimentos e equipamentos e umlastro de experiência que servem de suporte para o planejamento de uma ação (nocaso, o da formação de um grupo). Estratégia destgna um estudo detalhado de comoutilizar a logística para atingir e alcançar um êxito operativo na finalidade planejada(como hipótese, um grupo psicoterápico para pacientes de estrutura neurótica).Técnicase refere a um conjunto de procedimentos e de regras, de aplicabilidade prática, e quefundamentam a exeqüibilidade da operação (na hipótese que está nos servindo deexempÌo, poderia ser a utilização de uma técnica de fundamentação psicanalítica).Tótica alude às variadas formas de abordagem existentes, que, de acordo com ascircunstâncias da operação em curso e com o estìlo peculiar de cada coordenador,embora a técnica permaneça essencialmente a mesma (ainda no nosso exemplo hipoté-tico, é a possibilidade de que um grupoterapeuta prefira a interpretação imediata esistemática no "aqui-agora-comigo" da transferência, enquanto um outro grupotera-peuta i,qualmente capaz, e de uma mesma corrente grupanalítica, opte pela tática de

34 . ZMERMAN su osoRlo

evitaÍ o emprego sistemático e exclusivo dessa forma de interpretar, como uma táticacapaz de criar um clima mais propício de acessibilidade aos indivíduos e ao todogrupal).

Destarte, diante da resolução de criar e compor um gÍupo, devemos estâr aptosa responder a algumas questões fundamentais, como as seguintes: Quem vai ser ocoordenador? (Qual é a sua logística, Qual é o seu esquema referencial?, etc.).PaÍaoquè e para qual frnalidade o grupo está sendo composto? (E um grupo de ensino-aprendizagem? De auto-ajuda? De. saúde mental? Psicoterápico? De família?, etc.).Para quem ele se destina? (São pessoas que estão motivadas? Coincide com umanecessidade por pane de um conjunto de indivíduos e que o grupo em planejamentopoderá preencher? São crianças, adolescentes, adultos, gestantes, psicóticos, empre-siírios, alunos, etc.?). Como ele funcionará? (Homogêneo ou heterogêneo, aberto oufechado, com ou sem co-terapia, qual será o enquadre do número de participantes, onúmero de reuniões semanais, o tempo de duração das mesmas, será acompanhadoou não por um supervisor?, etc.). Onde, em quais circunstâncias, e com quais recur-sos? (No consultório privado? Em uma instituição e, neste caso, tem o apoio da cúpu-la administrativa? Vai conseguir manter a necessária continuidade de um mesmolocal e dos horários combinados com o grupo?, etc.).

Como uma tentativa de sintetizar tudo isso, vale afirmar que a primeira reco-mendação técnica para quem vai organizar um grupo é a de que ele tenha uma idéiabem clara do que pretende com esse grupo e de como vai operacionalizar esse seuintentoi caso contrário, é muito provável que o seu grupo patinará num clima deconfusão, de incertezâs e de mâl-entendidos.

Seleção e grupamento. Os grupoterapeutas não são unânimes quanto aos crité-rios de seleção dos indivíduos para acomposição deum grupo, quer esse seja operativo,quer seja terapêutico. Alguns preferem aceitar qualquer pessoa que manifestar uminteresse em participar de um determinado grupo, sob a alegação de que os possíveiscontratempos serão resolvidos durante o próprio andamento do grupo. Outros, noentanto, entre os quais particularmente me filio, preferem adotarum certo rigorismona seleção, ancorados nos argumentos que seguem:

É muito impoÍante e delicado o problema das indicações e contra-indicações.Uma motivação por demais frágil acarreta uma alta possibilidade de uma partici-pação pobre ou a de um abandono prematuro.Esse tipo de abandono causa um mal-estar e uma sensação de fracasso tanto noindivíduo que não ficou no grupo como também no coordenador e na totalidadedo grupo; além disso, este último vai ficar sobrecarregado, ao mesmo tempo,com sentimentos de culpa e.comum estado de indignação por se sentir desrespeita-do e violentado, não unicamente pelo intruso que teve acesso à intimidade dosparticipantes e fugou, mas também contra a negligência do coordenador.Um outro prejuízo possível é o da composição de um inadequado "grupamento"(esse termo não tem o mesmo significado de "agrupamento" e alude a uma gestalt,ou seja, a uma visão globalística, à forma como cada indivíduo interagirá com osdemais na composição de uma totalidade grupal singular).Além desses, podem acontecer outros incovenientes, como possibilidade de umpermanente estado de desconforto contratransferencial, assim como também po-dem oconer certas situações constrangedoras quando, por exemplo, muito cedofica patente entre as pessoas componentes um acentuado desnível de cultura,inteligência, patologia psíquica, etc.

col\lo 1RÂBÂLHAMOS COÌiÍ CRUPOS o 35

Pode servir como uma exemplificação mais completa do impoÍante processode seleção, particularmente para os leitores mais interessados em grupoterapia psica-nalítica, a exposição presente no capítuÌo específico, na Parte 2 deste livro.

Enquadre (seÍrng). Uma importante recomendação de técnica grupalística con-siste no estabelecimento de um enquadre e a necessidade de preservação do mesmo.O enquadre é conceituado como a soma de todos os procedimentos que organizam,noÍTnatizam e possibilitam o funcionamento grupaÌ. Assim, ele resulta de uma con-junção de regras, atitudes e combinações, como, por exemplo, o local das reuniÕes.os horários, a periodicidade, o plano de férias, os honorários (na eventualidade deque haja alguma forma de pagamento, a combinação desse aspecto deve ficar bemclaro), o número médio de participantes, etc.

Todos esses aspectos formam "as regras dojogo", mas não ojogo propriamentedito. O.retlirrg não se comporta como uma situação meramente passiva, pelo contrá-rio, ele é um importante elemento técnico porque representa as seguintes e imponan-tes funções:

. A criação de um novo espaço para reexperimentar e ressignificar fortes e antigasexperiências emocionais.

. Uma forma de estabelecer uma necessária delimitação de papéis e de posições,de direitos e deveres, entre o que é desejável e o que é possível, etc.

. Este último aspecto ganha relevância nos grupos com pacientes regressivos, como,por exemplo, os borderline, porquanto eles costumam apresentar uma "difusãode identidade" por ainda não estarem claramente delimitadas as representaçõesdo sefe dos objetos; portanto é imprescindível a colocação de limites, tal comoo settÌng pÍopicia.

. O enquadre está sob uma contínua ameaça de vir a ser desvirtuado pelas pressõesoriundas do interior de cada um e de todos, sob a forma de demandas insaciáveis,por distintas manobras de envolvimento, pela ação de algumas formas resistenciaise transferenciais, etc., e, por isso mesmo, o enquadre exige um manejo técnicoadequado, tendo por base a necessidade dele ser preservado ao máximo.

. Um aspecto que merece a atenção do coordenador se refere ao grau de ansiedadeno qual o grupo vai trabalhar, de rraneira a que não haja uma angústia excessiva,porém uma falta total de ansiedade deve ser discriminada do que pode estar sen-do um conformismo com a tarefa, uma apatia.

. Ainda um outro elemento inerente ao enquadre é o que podemos denominar "at-mosfera grupal", a qual depende basìcamente da atitude afetiva intema do coor-denador, do seu estilo pessoal de trabalhar e do emprego de táticas dentro de umdeterminado referenciaÌ técnico.

. Os principais elementos a serem levados em conta na configuração de um J?/Íilggrupal são os seguintes:- E um grupo homogêneo (uma mesma categoria de patologia, ou de idade,

sexo, grau cultural, etc.) ou heterogêneo (comporta variações no tipo e graude doença, no caso de um gÍïpo terapêutico; no tipo e nível de formação equalificação profissional, no caso de um grupo operativo de aprendizado.etc.)?

- E um grupo fechado (uma vez composto o grupo, não entra mais ninguém) ouaberto (sempre que houver vaga, podem ser admitidos novos membros)?

- A combinação é a de duração limitada (em reláìção ao tempo previsto para aexistência do grupo ou da permanêncìa máxima de cada indivíduo nesse sru-

36 . znamull, c osonro

po, como comumente ocorre nas instituições), ou ele será de duração ilimita-da (como pode ser no caso dos grupos abertos)?

- Quanto ao número de participantes, poderá variar desde um pequeno gmpocom três participantes - ou dois, no caso de uma terapia de casal -, ou pode setratar do grupo denominado "numeroso", que comporta dezenas de pessoas.

- Da mesma forma, também abrigam uma ampla gama de variações - confor-me o tipo e a finalidade do grupo - outros aspectos relevantes do enquadregrupal, como é o caso do número de reuniões semanais (ou mensais), o tempode duração de cada reunião, e assim por diante.

Manejo das resistências. O melhor instrumento técnico que um coordenadorde grupo pode possuir para enfrentar as resistências que surgem no campo grupal é ode ter uma idéia clara da função que elas estão representando para um determinadomomento da dinâmica de seu grupo. Assim, uma primeira observação que se impõe éa que diz respeito à necessidade de o coordenador discriminar entre as resistênciasinconscientes que de fato são obstrutivas e que visam a impedir a livre evoluçãoexitosa do grupo, e aquelas outras resistências que são benvindas ao campo grupal,porquanto estão dando uma clara amostragem de como o sefde cada um e de todosaprendeu a se defender na vida contra o risco de serem humilhados, abandonados,não-entendidos, etc.

Da mesma forma, é útil que o coordenador possa reconhecer contra quais ansi-edades emergentes no grupo uma determinada resistência se organiza: é ela de natu-reza paranóide? (medo da situação nova, de não ser reconhecido como um igual aosoutros e de não ser aceito por esses, do risco de vir a passar vergonha e humilhações,de vir a ser desmascarado, etc.), ou é de natureza depressiva? (no caso de umagrupoterapia psicanalítica, é comum surgir o medo de enfrentâr o respectivo quinhãode responsabilidade ou de eventuais culpas e o medo de se confrontar com um mundointemo destruído e sem possibilidade de repamções, o temor de ter que renunciar aomundo das ilusões, etc.,), e assim por diante.

Nos grupos operativos em geral (porexemplo, um grupo de ensino-prendizagem),um critério que o coordenador pode utilizar como sinalisador da presença de resis-tências é quando sucedem excessivos atrasos e faltas, aliados a um decréscimo daleiora dos textos combinados, acompanhados por uma discussão não mais do quemoma, caracterizando um clima de apatia. Um outro sinal preocupante, porque invi-sível na maioria das vezes, é quando o grupo elege os corredores como fórum dedebate de sentimentos, idéias e reivindicações. Da mesma forma, o condutor de umgrupo operativo deve estar alerta para a possibilidade de que os "supostos básicos"estejam emergindo e interferindo no cumprimento da finalidade da tarefa do "grupode trabalho". Nestes últimos casos, é recomendável que o coordenador da tarefaoperativa solicite ao grupo que façam uma pausa na sua tarefa a fim de poderementender o que está se passando.

Ainda em relação às resistências, mais duas observações são necessárias e ambasdizem respeito à pessoa do coordenador, qualquer que seja a natureza do grupo queele está conduzindo. A primeira é a possibiÌidade de que a resistência do grupo estejarepresentando uma natural, e até sadia, reação contra as possíveis inadequações docooordenador na sua forma de conceber e conduzir o grupo. A segunda, igualmenteimportante, diz respeito àpossível formação de um, inconsciente, "conluio resistencial"entre o coordenador c os demais, contra o desenvolvimento de certos aspectos datarefa na qual estão trabalhando.

coMo TRABALHAì!íoS cov cnupos . 37

Manejo dos aspectos transferenciais. Da mesma forma como foi Íeferido emrelação às resistências, é necessário frisar que, diante do inevitável surgimento desituações transferenciais, um manejo técnico adequado consiste em reconhecer e dis-criminá-las. Assim, cabe afirmar que o surgimento de um movimento transferencialestá muito longe de representar que esteja havendo a instalação de uma "neurose detransferência", ou seja, é legítimo dizer que no carnpo grupal, inclusive no grupana-lítïco, há transferência em tudo, mas nem tudo é transferência a ser trabalhada.

No campo grupal, as manifestações transferenciais adquirem uma compÌexida-de maior do que no individual, porquanto nele surgem as assim denominadas "transfe-rências cruzadas", que indicam apossibilidade da instalação de quatro níveis de iransfe-rência grupal: de cada indivíduo para com os seus pares, de cada um em relação àfigura central do coordenador de cada um para o grupo como uma totalidade, e dotodo grupal em relação ao coordenador.

Um aspecto que está adquirindo uma crescente importância técnica é o fato deos sentimentos transferencias não representarem exclusivamente uma mera repetiçãode antigas experiências emocionais com figuras do passado; eles podem tambémestar refletindo novas experiências que estão sendo vivenciadas com a pessoa real docoordenador e cada um dos demais.

Em relação aos sentimenÍos contratransferenciais, o impoÍante é que o coordena-dor saibaque eles são de surgimento inevitável; que o segredo do êxito técnico consisteem não permitir que os sentimentos despertados invadam a sua mente, de modo a setomarem patogênicos; pelo contrário, que eles possam se constituir como um instru-mento de empatia; e que, finalmente, o coordenador esteja atento para o risco de,inconscientemente, poder estar envolvido em algum tipo de "conluio inconsciente"com o grupo, o qual pode ser de natureza narcisística, sado-masoquista, etc.

Manejo dos dcÍr'rrgs. Todos os técnicos que trabalham com grupos reconhecemque a tendência ao acíing ("a açío") é de curso particularmente freqüente, e que aintensidade deles cresceráem uma proporção geométrica com a hipótese de que indiví-duos de caracterologia psicopática tenham sido incluídos na sua composição. Doponto de vista de ser utilizado como um instrumento técnico, é necessário que ocoordenador reconheça que os acllngs representam uma determinada conduta que seprocessa como uma forma de substituir sentimentos que não conseguem se manifes-tar no plano consciente. Isso costuma ocorrer devido a uma das cinco condiçõess€guintes: quando os seltimentos re!relados ig:espqndelrygos, fantasias e ansie-dades que estão reprimidas e que não são recoÈladas (como Freud ensinou), ou quenão são pensadas (segundo Bion), ou que não são comunicadas pela verbalização, ouque não conseguem ficar contidas dentro do próprio indivíduo e, finalmente, o impor-tante aspecto de que o acting pode estar funcionando como um recurso de comunica-

ção muito primitivo.As atuações adquirem um extenso leque de manifestações; no entanto, o que de

fato mais importa é a necessidade de o coordenador do grupo saber discriminar comsegurança quando se trata de actings benignos (como é o caso das conversas pré epós-reuniões, encontros sociais entre os participantes, às vezes acompanhados dosrespectivos cônjuges, ou o exercício de alguma ação transgressora, mas que, no fun-do, pode estar significando uma saudável tentativa de quebrar alguns tabus e este-reotipias obsessivas) e de quando se ÍaÌz de actings malignos, como são, por exem-plo, os de natureza psicopática. Há uma forma de atuação que, embora seja de apareci-mento comum, apresentauma repercussão deletéria, devendo, por isso, ser bem traba-lhada pelo coordenador: é a que se refere à divulgação, para fora do grupo, de alguma

38 . ãìíERMAN & osoRlo

situação muito sigilosa e privativa da intimidade deste. Não custa repetir qu" u.àadequada seleção e composição na formação de um gmpo minimiza o risco de atua-ções malignas.

Comunicação. Partindo da afirmativa de que "o grande mal da humanidade é oproblema do mal-entenlido", pode-se aquilatar a importância que os aspectos danormalidade e patologia da comunicação nos gmpos representa para a técnica e aprática grupalísticas. Dessa forma, o grupo é um excelente campo de observação decomo são transmitidas e recebidas as mensagens verbais, com as possíveis distoÍçõese reações por paÍe de todos. Um aspecto da comunicação verbal que merece atençãoespecial é o que aponta para a possibilidade de que o discurso esteja sendo usado defato não para comunicar algo, porém, pelo contrário, que ele esteja a serviço daincomunicação.

Por outro lado, não é unicamente a comunicação verbal que importa, porquantocada vez mais se toma relevante a importância das múltiplas formas de linguagemnão-verbais (gestos, tipo de roupas, maneirismos, somatizações, silêncios, choros,actings, etc.).

Atividade interpretativa. Utilizo a expressão "atividade interpretativa" emlugar de "interpretação", pelo fato desta última ser de uso mais restrito às situaçõesque visam a uma forma psicanalítica de acesso ao inconsciente individual e grupal,enquanto a primeira expressão permite suporuma maior abrangência de recursos porparte do coordenâdor de um grupo, como é o uso de perguntas que instiguem refle-xões; claÍeamentos; assinalamentos de paradoxos e contradições; um confronto entrearealidade e o imaginário; a abertura de novos vértices de percepção de uma determi-nadaexperiência emocional, etc. Com "atividade interpretativa" tamMm estou englo-bando toda a paÍicipação verbal do coordenador que, de alguma forma, consiga pro-mover a integração dos aspectos dissociados dos indivíduos, da tarefa e do grupo.

Assim concebida, a atividade interpretativa no grupo constitui-se como o seuprincipal instrumento técnico, sendo que não existem fórmulas acabadas e "certas"de como e o que dizer, pois as situações práticas são muito variáveis e, além disso,cada coordenador deve respeitar o seu esfilo peculiar e autêntico de formular e deser.No caso de grupoterapia psicanalítica, a questão mais polêmica gira em tomo daque-les gnrpoterapeutas que preferem interpretar sempre se dirigindo ao grupo como umatotalidade gestáltica, enquanto outros advogam que a interpretação pode (ou deve) serdirigida aos indivíduos sepaÌadamente, desde que ela venha acompanhada de uma adi-culação com a dinâmica da totalidade do grupo. Esse assunto é paÍticularmente rele-vante e será abordado mais detidamente no capítulo sobre grupoterapias psicanalíticas.

Creio ser necessário sublinhar que, assim como existe a possibilidade de uma"violência da interpÍetaçãÕ ' (como é o caso de um grupoterapeuta pretender imporos seus próprios valores e expectativas, ou de apontar verdades doloridas sem umasensibilidade amorosa), também existe a "violência da imposição de preconceitostécnicos universais", sem levar em conta as peculiaridades de cada tipo de grupo, oude situações e circunstâncias especiais.

Funções do ego. A situação do campo grupal propicia o surgimento das funçõesdo ego, isto é, de como os indivíduos utilizam a capacidade depercepção, pensamen-to, conhecimento, juízo crítico, discrimínaçã.o, comunicação, açAo, etc.; por essarazão, trabalhar com esses aspectos é parte importante da instrumentagão técnica.Para dar um único exemplo, vale mencionar que a essência de uma terapia de casal,

ou de famflia, consiste basicamente em "ensinar" os participantes a usarem as fun-

ções de saber eJcrtdr o outro (é diferente de simplesmente "ouvir"), de cada um yero outro (é diferente de "olhar"), de po der pensar no que está escutando e nas experiên-cias emocionais pelas quais eles estão passando, e assim por dianle.

Papéis. Convém enfatizar que uma das caracteísticas mais relevantes que per-meiam o campo grupal é a transparência do desempenho de papéis por paíe de cadaum dos componentes. A importância desse fenômeno grupal consiste no fato de queo indivíduo também está executando esses mesmos papéis nas diversas áreas de suavida - como a familiar, profirssional, social, etc.

Eum deverdo coordenadordo grupo estar atento àpossibilidade de estar ocorren-do uma fixidez e uma estereotipia de papéis patológicos exercidos sempre pelas mes-mas pessoas, como se estivessem programadas para assim agirem ao longo de todavida. O melhor exemplo de como a atribuição e a assunção de papéis pode represen-tar um recurso técnico por excelência é o que pode ser confirmado pelosgrupoterapeutas de famíli4 que tão bem conhecem o fenômeno do "paciente identifica-do" (a família elege alguém para servir como depositário da doença oculta de todosos demais) e outros aspectos equivalentes.

Vínculos. Cada vez mais, os técnicos da área da psicologia estão valorizando aconfiguração que adquirem as ligações vinculares entre as pessoas. Indo muito alémdo exclusivo conflito do vínculo do amor contra o do ódia, na atualidade, considera-se mais importante a observação atenta de como se manifestam as diferentes formasde amar, de agrediÍ e as interações entre ambas. Além disso, Bion introduziu o impor-tantíssimo vínculo do conhecimento, que possibilita um melhor manejo técnico comos problemas ligados às diversas formas de "negação" que explicam a gênese demuitos quadros de psicopatolgia, assimcomo também favorece ao técnico uma maiorclareza na compreensão da circulação das verdades, falsidades e mentiras no campogrupal. Particularmente, tenho proposto a existência de um quarto vínculo, o do reco-nhecimento, através do qual é possível ao coordenador perceber o quanto cada indi-víduo necessita, deformavital, ser reconhecido pelos demais do grupo como alguémque, de fato, pertence ao grupo (é o fenômeno grupal conhecido como "pertencência"),e também alude à necessidade de que cadarmreconheça ao outro como alguém quetem o direito de ser diferente e emancipado dele.

Tendo por base esses quatro vínculos, e as inúmeras combinações e arranjospossíveis entre eles, a compreensão e o manejo dos mesmos tomam-se um excelenterecurso técnico no trato de casais, famílias, grupos ou instituições.

Término. Termo que designa duas possibilidades: uma é a de que o grupo termine, ou por uma dissolução dele, ou para cumprir uma combinação pÉvia, como é nocaso dos grupos "fechados"; a segunda eventualidade é a de que determinada pessoaencerre a sua participação, embora o grupo continue, como é no caso dos grupos"abertos". Saberte rminar algo, qu.epode ser uma tarcfa, um tratamento, um casamento,etc., representâ um significativo crescimento mental. Daí considerarmos que devehaver por parte do coordenador de qualquer grupo uma fundamentação técnica quepossibilite uma definição de critérios de término e um manejo adequado para cadasituação em particular, sempre levando em conta a possibilidade do risco de que osresultados alcançados podem ter sido enganadores. Isso vale especialmente paÍa osgrupos de frnalidade terâpêutica, embora na atualidade o grupoterapeuta possa con-tar com claros critérios de um verdadeiro crescimento psíquico.

coMo TRABALHAMoS cov cnuPos . 39

40 . zn .lgwaN E ..t.tt

Atributos de um coordenador de grupo. Decidi incorporaÍ este tópico comointegrante da fundamentação técnica, porque me parece impossível dissociarum ade-quado manejo técnico em qualquer modalidade de grupo, sem que haja uma simultâ-nea atitude intema na pessoa real do profissional.

Assim, além dos necessários crnliec imentos (provindos de muito estudo e leitu-ras), de habilidades (treino e supervisáo), as atitudes (üm tratamento de base psica-nalítica ajuda muito) são indispensáveis, e elas são tecidas com alguns atributos efunções como as mencionadas a seguir:

. Gostar e acreditar em grupos.

. Ser continente (capacidade de conter as angústias e necessidades dos outros, etambém as suas próprias).

. Empatia (pder colocar-se no lugaÍ do outro e assim manter uma sintonia afetiva).

. Discrìminação (para não ficar perdido no cipoal das cruzadas identificaçõesprojetivas e introjetivas).

. Novo modelo de identiJìcaçõo (contribui para a importante função de desidentifi-cação e dessignificação de experiências passadas, abrindo espaço para neo-identifi-cações e neo-significações).

o Comunìcação (tanto como emissoÍ ou receptor , com a linguagem verbal ou anão-verbal, com a preservação de um estilo próprio, e como uma forma de mode-lo para os demais do gnrpo).

. Sq verdadeiro (se o coordenador não tiver amor às verdades e Dreferir nãoenfrentá-las, não poderá servir como um modelo para o seu grupo, e o melhorserá trocar de profissão).

. Senso de humor (um coordenador pode ser firme sem ser rígido, flexível sem serfrouxo, bom sem seÍ bonzinho e, da mesma forma, pode descontrair, rir, brincar,sem perder o seu papel e a manutenção dos necessários limites).

. Integração e síntese (ê acapacidade de extrair o denominador comum das mensa-gens emitidas pelos diversos componentes do grupo e de integrá-las em um todocoerente e unificado, sem artificialismos forçados).

Ao longo da leitura dos capítulos da prática clínica dos diversos autores destelivro, nas suas entrelinhas, o leitor poderá identificar todos esses atributos, e outrosmais, como constituintes básicos da fi:ndamentação técnica.

Atributos Desejáveis paraum Coordenador de GrupoDAVIDE, ZIMERMAN

Ao longo de virtualmente todos os capítulos deste livro, de uma forma ou de outra,sempre há um destaque à pessoa do coordenador do grupo no tema que está sendoespecificamente abordado, como sendo um fator de fundamental importância na evo-lução do respectivo grupo, seja ele de que naturezâ for. Creio que basta essa razãoparajustificar a inclusão de um capítulo que aborde de forma mais direta, abrangentee enfática as condições necessárias, ou pelo menos desejáveis, para a pessoa quecoordena grupos. De certa forma, portanto, este capítulo é uma síntese de aspectos jásuficientemente destacados neste livro, tanto de modo explícito quanto implícito.

Inicialmente, é útil escÌarecer que o termo "coordenador" está aqui sendo empre-gado no sentido mais amplo do termo, desde as situações que se formam naturalmen-te, sem maiores formalismos (como pode ser, por exemplo, uma atendente com um_erupo de bebês de uma creche, ou com criancinhas de uma escolinha matemal;umgrupo de auto-ajuda, no qual sempre surgem lideranças naturais que funcionam comocoordenadores; um professor universitário em uma sala de aula, um empresário coma sua equipe de trabalho, etc.), passando por grupos especialmente organizados paraaÌguma tarefa, até a situação mais sofisticadae complexa de um grupoterapeuta coorde-nando um grupo psicanaÌítico.

Vale ressaltar que, indo muito além do importante papel de figura transferencialque qualquer condutor de grupo sempre representa, a ênfase do presente texto incidiráde forma mais particular na pessoa real do coordenador, com o seu jeito verdadeirode ser, e, por conseguinte, com os âtributos humanos que eìe possui, ou lhe faltam.

Fazendo a necessária ressalva de que cada situação grupal específica tambémeriee atributos igualmente especiais para a pessoa do coordenador, considero perfeita-m:nte legítimo ressaltar que a essámcia das condições intemas deve ser a mesma em:ada um deles. Uma segunda ressalva é a de que a discriminação em separado dosCiversos atributos a seguir mencionados pode dar uma falsa impressão de que estamos:resando uma enormidade de requisitos para um coordenador de grupo, quase que:..ntìgurando uma condição de "super-homem". Se realmente for essa a impressãoi:irada. peço ao leitor que releve, pois tudo se passa de forma simultânea, conjunta: :atural. e a quantidade de itens descritos não é mais do que um esquema de propósi-:-. didático.

Destarte, seguindo uma ordem mais de lembrança do que de importância, vale::ite.ar os seguintes atributos como um conjunto de condições desejáveis e, paraj i:r. !ituacòes. imoresc ind íveis:

42 . znasrM,c,N a osorro

. Gostar e acreditar €m grupos, E claro que qualquer atividade profissionalexige que o praticante goste do que faz, caso contrário ele trabalhará com um enoÍïnedesgaste pessoal e com algum grau de prejuízo em sua tarefa. No entanto, atrevo-mea dizer que, paÍicularmente na coordenação de grupos, esse aspecto adquire umarelevância especial, porquanto a gestalt de um grupo, qual um "radar", capta commais facilidade aquilo que lhe é "passado" pelo coordenador, seja entusiasmo ouenfado. verdade ou falsidade. etc

Cabe deixar bem claro que o fato de se gostar de trabalhar com grupos de modoalgum exclui o fato de vir a sentir transitóÍias ansiedades, cansaço, descrenças, etc.

. Amor às verdades. Não é exagero afirmar que essa é uma condiçâo sine quanon para um coordenadorde qualquer grupo - muito especialmente para os de propósi-to psicanalítico -, pois ninguém coniesta que a verdade é o caminho régio para aconfiaça, a criatividade e a liberdade.

E necessário esclarecer que não estamos aludindo a uma caça obsessiva embusca das verdades, até mesmo porque as mesmas nunca são totalmente absolutas edependem muito do vértice de observação, mas, sim, referimos-nos à condição docoordenador ser verdadeiro. O coordenador que não possuir esse atributo tambémterá dificuldades em fazer um necessário discemimento entre verdades, falsidades ementiras que correm nos campos grupais. Da mesma forma, haverá um prejuízo nasua importante função de servircomo um modelo de identificação, de como enfrentaras situações difíceis da vida.

No caso dos grupos psicoterápicos, o atributo de o coordenador ser uma pessoaveraz, além de um dever ético, também é um princípio técnico fundamental, poissomente através do amor às verdades, por mais penosas que elas sejam, os pacientesconseguirão fazer verdadeiras mudanças internas. Ademais, tal atitude dogrupoterapeuta modelará a formação do indispensável clima de uma leal franquezaentre os membros que partilham uma grupoterapia.

. Coerênciâ. Nem sempre uma pessoa verdadeira é coerente, pois, conforme oseu estado de espírito, ou o efeito de uma determinada circunstância exterior, é pos-sível que ele próprio se "desdiga" e modifique posições assumidas. Pequenas incoe-rências fazem paÍe da conduta de qualquer indivíduo; no entanto, a existência deincoerências sistemáticas por parte de algum educador - como são aquelas provindasde pais, professores, etc. - leva a criança a um estado confusional e a um abalo naconstrução dos núcleos de confiança básica. De fato, é altamente danoso para o psi-quismo de urna criança que, diante de uma mesma "arte", em um dia ela seja aplaudi-da pelos pais e, num outro, seja severamente admoestada ou castigada; assim como éigualmente patogênica a possibilidade de que cada um dos pais, separadamente, se-jam pessoas coerentes nas suas posições, porém manifestamente incoerentes entre asrespectivas posições assumidas perante o filho. Essa atitude do educador constituiuma forma de desrespeito à criança.

O mesmo raciocínio vale integralmente para a pessoa de coordenador de algumgrupo, porquanto, de alguma forma, ele também está sempre exercendo um certograu de função educadora.

. Senso de ética. O conceito de ética, aqui, alude ao fato de que um coordenadorde grupo não tem o direito de invadir o espaço mental dos outros, impondoìhes osseus próprios valores e expectativas: pelo contrário, ele deve propiciar um alarga-

C OMO'I RAEA LHAMOS COV CRUPOS '

43

mento do espaço interior e exterior de cada um deles, através da aquisição de umsenso de liberdade de todos, desde que essa liberdade não invada a dos outros.

Da mesma forma, falta com a ética o coordenador de grupo que não mantém ummínimo de sigilo daquilo que lhe foi dado em confiança, ou pelas inúmeras outrasformas de faltar com o respeito para com os outros.

. Respeito. Este atributo tem um significado muito mais amplo e profundo doque o usualmente empregado. Respeito vem de re (de novo) + specíore (olhar), ouseja, é a capacidade de um coordenador de grupo voltar a olhar para as pessoas comas quais ele está em íntima interação com outros oÌhos, com outras perspectivas, sema miopia repetitiva dos rótulos e papéis que, desde criancinha, foramJhes incutidos.Igualmente, faz parte deste atributo a necessidade de que haja uma necess âriadistân-cia ótima entre ele e os demais, uma tolerância pelas falhas e limitações presentes emalgumas pessoas do grupo, assim como uma compreensáo e paciência pelas eventu-ais inibições e pelo ritmo peculiar de cada um.

Tudo isso está baseado no importante fato de que a imagem que uma mãe ou pai(o terapeuta, no caso de uma grupoterapia) tem dos potenciais dos seus filhos (paci-entes) e da família como um todo (equivale ao grupo) se toma parte importante daimagem que cada indivíduo virá a ter de si próprio.

. Paciência. Habitualmente, o significado desta palavra está associado a umaidéia de passividade. de resignação, e o que aqui estamos valorizando como um impor-tante atributo deum coordenador de grupo é frontalmente oposto a isso. Paciência deveser entendida como uma atitude dtiva, como um tempo de espera necessi4rio para queuma determinada pessoa do grupo reduza a sua possível ansiedade paranóide inicial,adquira uma confiança basal nos outros, permita-se dar uns passos rumo a um terrenodesconhecido, e assim por diante. Assim concebida, a capacidade de paciência fazparte de um atributo mais contingente, qual seja, o de funcionar como um continente.

. Continente. Cada vez mais, na literatura psicológica em geral, a expressão"continente" (é original de Bion) amplia o seu espaço de utilização e o reconhecimentopela importância de seu significado. Esse atributo alude originariamente a uma capa-cidade que uma mãe deve possuir para poder acolher e conteÍ as necessidades e an-gústias do seu filho, ao mesmo tempo que as vai compreendendo, desintoxicando,emprestando um sentido, um significado e especialmente um nome, para só entãodevolvêJas à criança na dose e no ritmo adequados às capacidades desta.

A capacidade do coordenador de grupo em funcionar como um continente éimpoÍante por três razões:

l. Permite que ele possa cor,rter as possíveis fu que podem emergir nocampo grupal provindas de cada um e de todos e que, por vezes, são colocadas deforma maciça e volumosa dentro de sua pessoa.

3.

Possibilita que ele contenha as suas próprias angústias, como é o caso, por exem-plo, de não saber o que está se passando na dinâmica do grupo, ou a existência dedúvidas, de sentimentos despertados, etc. Essa condição de reconhecer e conteras emoções negativas costuma ser denominada capacidade negativa e será me-lhor descrita no tópico qne segue abaixo.Faz parte da capacidade de continente da mãe (ou do coordenador de um grupo)a assim denominada, por Bion, função alfa, que será descrita um pouco maìsadiante, em "Função de ego auxiliar".

2.

44 . ZMERMAN & osoRlo

. Capacidade negativa. Como antes referido, no contexto deste capítulo, estafunção consiste na condição de um coordenador de gnrpo de conter as suas própriasangrístias, que, inevitavelmente, por vezes, surgem em alguma forma e grau, de modoa que elas não invadam todo espaço de sua mente.

Não há porque um coordenador de um grupo qualquer ficar envergonhado, ouculpado, diante da emergência de sentimentos "menos nobres" despertados pelo todogrupal, ou poÍ determinadas pessoas do gÍupo, como podem ser, por exemplo, umsentimento de ódio, impotência, enfado, excitação erótica, confusão, etc., desde queele reconheça a existência dos mesmos, e assim possa conter e administrálos. Casocontriário, ou ele sucumbiná a uma contra-atuação ou trabalhará com um enorme desgaste.

. Função de ego auxiliar. A "função alfa" antes referida, originariamente, con-siste na capacidade de uma mãe exercer as capacidades de ego (perceber, pensar,conhecer, discriminar, juízo crítico, etc.) que ainda não estão suficientemente desen-volvidas na criança. A relevância deste atributo se deve ao fato de que um filhosomente desenvolverá uma determinada capacidade - digamos, para exemplificar, ade ser um continente para si aos demais - se a sua mãe demonstrou possuir essacapacidade.

Igualmente, um coordenador de grupo deve estar atento e disponível para, du-rante algum tempo, emprestar as suas funções do ego às pessoas que ainda não aspossuem, o que acontece comumente quando se trata de um grupo bastante regressi-vo. Creio que, dentre as inúmeras capacidades egóicas que ainda não estão suficien-temente desenvolvidas para determinadas funções, tarefas e comportamentos, e quetemporariamente necessitam de um "ego auxiliar" por paÍte do coordenador do gru-po, meÍecem um registro especial as funções de pensar, discriminar e comunicar.

. Função de pensar. É bastante útil que um coordenador de grupo, seja qual fora natureza deste, permaneça atento para perceber se os paÍticipantes sabem pensar âsidéias, os sentimentos e as posições que são verbalizados, e ele somente terá condi-ções de executar essa taÍefa se, de fato, possuir esta função de saber pensar.

Pode parecer estranha a afirmativa anterior; no entanto, os autores contempo-râneos enfatizam cada vez mais a importância de um indivíduo pensar as suas expe-riências emocionais, e isso é muito diferente de simplesmente "descarÍegar" os nas-centes pensamentos abrumadores para fora (sob a forma de um discurso vazio, proje-ções, actings, etc.) ou para dentro (somatizações). A capacidade para "pensar os pen-samentos" também implica escutar os outros, assumir o próprio quinhão de responsa-bilidade pela natureza do sentimento que acompanha a idéia, estabelecer confrontose correlações e, sobretudo, sentir uma liberdade para pensaÍ.

Vou me permitir observar que: "muitos indivíduos pensam que pensam, masnão pensam, porque estão pensando com o pensamento dos outros (submissão aopensamento dos pais, professores, etc.), pâra os outros (nos casos de "falso sef'),contra os outros (situações paranóides) ou, como é nos sujeitos excessivamente narci-sistas: "eu penso em mim, só em mim, a partir de mim, e não penso em mim com osoutros, porque eu creio que esses devem gravitaÍ em tomo do meu ego".

. Discriminação. Faz parte do processo de pensar. Capacidade de estabeleceruma diferenciação entre o que pertence ao próprio sujeito e o que é do outro, fantasiae realidade, intemo e extemo, presente e passado, o desejável e o possível, o claro eo ambíguo, verdade e mentira, etc. Particularmente para um cooÍdenador de grupo,este atributo ganha relevância em razão de um possível jogo de intensas identifica-

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col\ro 1R^BÀLH^Ì!Íos coM cRUPos . 45

ções projetivas cruzadas em todas as direções do campo grupal, o qual exige umaclara discriminação de "quem é quem", sob o risco do grupo cair em uma confusão depapéis e de responsabilidades. Acredito que os terapeutas que trabalham com casaise famflias podem testemunhar e concordar com esta última colocaçào.

. Comunicação, Para atestar a importância da função de comunicar - tânto noconteúdo quanto na forma da mensagem emitida - cabe a afirmativa de que a lingua-gem dos educadores determina o sentido e as significações das palavras e gerc asestruturas da mente.

O atributo de um coordenador de grupo em saber comunicar adequadamente épârticularmente importante no caso de uma grupoterapia psicanalítica, pela respon-sabilidade que representa o conteúdo de sua atividade interpretativa, o seu estilo decomunicá-la e, sobretudo, se ele está sintonizado no mesmo canal de comunicaçãodos pacientes (por exemplo, não adianta formular interpretações em termos de com-plexidade simbólica para pacientes regressivos que ainda permanecem numa etapade pensamento concreto, e assim por diante). Em relaçío ao estiLo, deve ser dado umdestaque ao que é de natureza narcisista, tal como segue logo adiante.

Um aspecto parcial dacomunicação é o que diz respeito à atividade interpretativa,e como essa está intimamente ligada ao uso das verdades, como antes foi ressaltado,torna-se necessário estabelecer uma importante conexão entre a formulação de umaverdade penosa de ser escutada e a manutenção da verdade. Tomarei emprestada deBion uma sentença que sintetiza tudo o que estou pretendendo destacar: anlor sentverdade não é mais do aue naixão, no entanlo, verdade sem amor é crueldade.

É igualmente impo.tont" qu. ,r .oordenrdor de grupo qualquer valorize o fatode que a comunicação não é unicamente verbal, porquanto tanto ele como o seugrupo estão continuamente se comunicando através das mais sutis formas de lingua-gem não-verbaì.

. Tfaços caracterológicos. Tanto meÌhor trabalhará um coordenador de grupoquanto melhor ele conhecer a si próprio, os seus valores, idiosincrasias e caracterologiapredominante. Dessa forma, se eÌe for exageradamente obsessivo (embora com aressalva de que uma estrutura obsessiva, não excessiva, é muito útil, pois determinaseriedade e organização), vai acontecer que o coordenador terá uma absoluta intolerân-cia a qualquer atraso, falta e coisas do gênero, criando um clima de sufoco, ou geran-do uma dependência submissa. Igualmente, uma caracterologia fóbica do coordena-dor pode determinar que ele evite entrar em contato com determinadas situaçõesangustiantes, e assim por diante.

No entanto, vale destacar aqueles traços caracterológicos que são predominan-temente de natnÍezà narcisìsta. Nestes casos, o maior prejuízo é que o coordenador_-estará mais voltado para o seu bem-estar do que para o dos demais. A necessidade dereceber aplausos pode ser tão imperiosa, que há o risco de que se estabeÌeçamconluiosinconscientes, com o de uma recíproca fascinação narcisista, por exemplo, onde ovalor máximo é o de um adorar o outro, sem que nenhuma mudança verdadeira ocor-ra. Uma outra possibilidade nociva é a de que o coordenador seja tão brilhante queeÌe deslumbra ("des" + "lumbre", ou seja, ofusca porque "tira a luz") às pessoas dogrupo, como seguidamente aconÍece entre plofessores e alunos, mas tambóin podeaconlecer com grupoterapeu(as e seus pacientes.

Neste último caso, o dogmático discurso interpretativo pode estar mais a servi-ço de uma fetichização, isto é, da manutenção do ilusório, de seduzir e dominar, do

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46 . zMsrÌ,r,aN a osoRro

que propriamente a uma comunicação, a uma resposta, ou a abertura para reflexões.A retórica pode substituir a produção conceitual.

Um outro inconveniente que decorre de um coordenador excessivamente narci-sista é que ele tem a sensação de que tem a propriedade privada sobre os ..seus pacien-tes", do futuro dos quais ele crê ter a posse e o direito de determinar o valoi deles.Nestes casos, é comum que este terapeuta trabalhe mais sobre os núcleos conflitivose os aspectos regressivos, descartando os aspectos mais maduros e as capacidadessadias do ego.

Da mesma forma, um grupoterapeuta assim pode ser tentado a fazer exibição deuma cultura erudita, de fazer frases de efeito que, mais do que um simples brilho quelhe é tão necessário, o que ele basicamente visa, no plano inconsciente, é manter umalarga diferença entre ele e os demais do grupo.

. Modelo de identiÍicação. Todos os grupos, mesmo os que não são especifica-mente de natureza terapêutica, de uma forma ou outra, exercem uma funçãopsicoterápica. Isso, entre outras razões, deve-se ao modelo exercido pela figuradocoordenadordo grupo, pela maneira como ele enfrenta as dificuldades, pensaos proble-mas, estabelece limites, discrimina os distintos aspectos das diferentes situações,maneja com as verdades, usa o verbo, sintetiza, integra e dá coesão ao grupo. Òomoutras palavras, o grupo também propicia uma oportunidade para que os paÍicipan-tes introjetem a figura do coordenador e, dessa forma, identifiquem-se com murtascaracterísticas e capacidades dele.

Nos casos de grupoterapia psicanalítica, vale acrescentar que a atividadeinterpretativa_do grupoterapeuta também deve visar a faz er desidentificações, ou seja,desfazer as identificações patógenas que podem estar ocupando um largo espaço namente dos pacientes, e preencher esse espaço mental formado com neo-idànifica-çõer, entre as quais pontifica as que procedem do modelo da pessoa real do grupote-rapeuta.

. Empatia.Todos os atributos antes discriminados exigem uma condição básicapara que adquiram validade, qual seja a de que exista uma sintonia emocional docoordenador com os participantes do grupo.

Tal como designa a etimologia desta palavra [as raízes gregas são: em (dentrode) + parhos (sofrimento)], empatia refere-se ao atributo do coordenador de um qru-po de poder se colocar no lugarde cadaum do grupo e entrar dentro do .,clima grupãt".Isso é muito diferente de simpatia (que se forma a partir do prefixo sfiz, que querdizer ao lado de e não dentro de).

A empatia está muito conectada à capacidade de se poder fazer um aproveita-mento útil dos sentimentos contratransferenciais que estejam sendo despertados den-tro do coordenador do grupo, porém, pâra tanto, é necessário que ele tenha condiçõesde distinguir entre os sentimentos que provêm dos participantes daqueles que perten-cem unicamente a ele mesmo.

. Síntes€ e integração. A função de síntese de um coordenador de grupo nãodeve ser confundida com a habilidade de fazer resumos. A conceituação de síntesealude à capacidade de se extrair um denominador comum dentre as inúmeras comu-nicações provindas das pessoas do grupo e que, por vezes, aparentam ser totalmentediferentes entre si, unificando e centralizando-as na tarefa prioritária do grupo, quan-do este for operativo, ou no emergente das ansiedades inconscienles, no caso de gru-po voltado ao ,r2s{g/rt. Por outro Íado, é a "capacidade sintética do ego" do grupotera-

peuta que lhe possibilita simbolizar significações opostas e aparentemente contraditó-rias entre si.

Assim, também é útil estabelecer uma diferença conceitual entre sintetizar ejunto.r: a síntese consiste em fazer uma totalidade, enquantojrínÍcr consiste em fazeruma nova ligação, isto é, em ligar de outro modo os mesmos elementos psíquicos.

Afunçáo de integraçõo, poÍ s\avez, designa uma capacidade de o coordenadorjuntar aspectos de cada um e de todos, que estão dissociados e projetados em outros(dentro ou fora do grupo), assim como também aqueles aspectos que estão confusos,ou, pelo_menos, pouco claros, porque ainda não foram suficientemente bem discrimi-nados. E particularmente importante a integração dos opostos, como, por exemplo, aconcomitância de sentimentos e atitudes agressivas com as amorosas que sejam cons-trutivas e repaÍadoras, etc.

Para que um coordenador de grupo possa exercer adequadamente as funçõesantes referidas, muito particularmente nas grupoterapias dirigidas ao insight, impõe-se a necessidade de que seu estado mental esteja voltado para a posição de que ocrescimento psíquico dos indivíduos e do grupo consisteemaprender com as experiên-cias emocionais que acontecem nas inter-relações grupais. Assim, ele deve comun-gar com o grupo que o que é realmente valioso na vida é ter aliberdade para fantasiar,desejar, a sentir, pensar, dizer, sofrer, gozar e estar junÍo com os outros.

Portanto, um importante critério de crescimento mental, embora possa parecerparadoxal, é aquele que, ao contrário de valorizar sobremaneira que o indivíduo este-ja em condições de haver-se sozinho, a terapia grupal deve visar que, diante de umadificuldade maior, o sujeito possa reconhecer a sua parte frágil, permita-se angustiar-se e chorar e que se sinta capaz de solicitar e aceitar uma ajuda dos outros.

Vale enfatizar que a enumeração dos atributos que foram referidos ao longodeste capítulo não pretende ser exaustiva. Os mencionados atributos comportam ou-tras variantes, permitiriam muitas outras considerações, foram descritos em terÍnosideais e não devem ser levados ao pé da letra, como se fosse uma exigência intimidadoraou u,ma constrangedora camisa de força. Antes, a descrição em itens separados visa adar uma amostragem da importância da pessoa do coordenador de qualquer tipo de_crupo.

A expressão "qualquer tipo de grupo" implica uma abrangência tal, que alguémpoderia objetarque os atributos que foram arrolados não constituem nenhuma origina-lidade específica, porquanto também devem valer para mil outras situações que nãorêm um enquadre grupal formalizado. A resposta que me ocoÍÌe dar aos hipotéticoscontestadores é que eles estão com a razão. Assim, em uma famíÌia nuclear é à duplaparental que cabe a função de coordenar a dinâmica do grupo familiar. Em uma salade aula, é o professor quem executa essa função. Num grupo de teatro, esse papel édo diretor do grupo. Numa empresa, cabe às chefias e diversas subchefías, e assimç'or diante.

Numa visualização macro-sociológica - uma nação, por exemplo -, as mesmas:onsiderações valem para a pirâmide que govema os destinos do país, desde a cúpulaJo presidente coordenando o seu primeiro escalão de auxiliares diretos, cada umJesses exercendo a função de coordenar os respectivos subescalões, em uma escala-ü progressiva, passando pelos organismos sindicais em direção às bases. Se nãohyer verdade, respeito, coerência, empatia, etc., por parte das cúpulas diretivas (como.r dos pais em uma família, a de um coordenador num gÍupo, etc.), é virtualmente::no que a mesma conduta acontecerá por parte dos respectivos grupos.

O que importa destacar é o fato de que o modelo das lideranças é o maior res-se.rri;ír'el pelos valores e características de um grupo, seja ele de que tipo for.

CoMoTRABALHAMOS COll CIUPOS r 47

A FamíIia como GrupoPrimordialLUIZCÀRLOS OSORIO

EM BUSCA DE UM CONCEITO OPERATIVO DE FAMILIA

Família não éum conceito unívoco. Pode-se dizer que a família não é uma expressãopassível de conceituação, mas tão somente de descrições, ou seja, é possível descre-ver as várias estruturas ou modalidades assumidas pela família através dos tempos,mas não defini-la ou encontrar algum elemento comum a todas as formas com que seapresenta este agrupamenlo humano.

Mesmo se a considerarmos apenas num dado momento evolutivo do processocivilizatório temos dificuldades em integrar o proteimorfismo de suas configuraçõesnuma pauta conceìtual. O que terá em comum nos dias atuais, por exemplo, umafamflia de uma metrópole norte-americana com a de um vilarejo rural da China? Oua de um kibbutz israelense com a de um latifundiário australiano? Que similitudeencontrar entre a de um retirante nordestino e a de um lapão da Escandinávia? Ou ade um porto-riquenho que vive num gueto nova-iorquino com a de um bem-sucedidoempresário suíço? Ou, ainda, como equiparar a de um siciliano mafioso com a de ummuçulmano paquistanense? Ou a de um bérbere norte-africano com a de um decadentelorde inglês?

São tantas as variáveis ambientais, socrars, econômicas, culturais, políticas oureligiosas que determinam as distintas composições das famílias até hoje, que o sim-pÌes cogitar abarcá-las num enunciado integrador já nos paralisa o ânimo e tolhe opropósito. Não obstante, como não podemos prescindir de uma definição, ainda queprecária e limitada, que nos facilite a comunicação e nos ajude a discriminar o funda-mental do perfunctório, vamos à procura de um conceito que possa ser operativo paraas finalidades deste capítu1o, valendo-nos para tanto das contribuições de outros autoresque se debruçaram sobre a ingente tarefa de encontrar umanoção de família suficiente-mente abrangente para servir-nos de parâmetro aqui e agora.

Dizer que a família é a unidade básica da interação social talvez seja a formanais _genérica e sintética de enunciá-la; mas, obviamente, não basta para situá-la:u1mo agrupamento humano no contexto histórico-evolutivo do processo civilizatório.

Escardó observa-nos que "a palavra /amílía nío designa uma instituição padrão,:-:re e invariável. Através dos tempos, a famíia adota forïnas e mecanlsmos sumamente::.. ersos, e na atualidade coexistem no gênero humano tipos de famflia constituídos so-::: princípios morais e psicológicos diferentes e ainda contraditórios e ilconciliáveis".

50 . znrmve,N a osonro

A estruora familiar varia, portanto, enormemente, conforme a latitude, as distin-tas épocas históricas e os fatores sócio-políticos, econômicos ou religiosos prevalentesnum dado momento da evolução de determinada cultura.

Segundo Pichon Rivtère,"a,família proporciona o marco adequado para a defini-gão e conservação das diferenças humanas, dando forma objetiva aos papéis distin-tos, mas mutuamente vinculados, do pai, da mãe e dos filhos, que constihlem ospapéis básicos em todas as culturas".

Para LéviStrauss, são três os tipos de relações pessoais qrue conírguram afamí-lia: aliança (casal),filiação (pais e Írlhos) e consangüinidade (irmãos).lsso nos con-duz a outro referencial intimamente vinculado à noção de famflia: o parentesco.

O parentesco consiste numa relação entre pessoas que se vinculam pelo casa-mento ou cujas uniões sexuais geram filhos ou, aind4 que possuam ancestrais co-muns. Nesta concepção, marido e mulher são parentes, independentemente de gera-rem filhos, assim como o são os pais de uma criança, embora não sejam legalmentecasados; por outro lado, dois indivíduos que vivam maritalmente sem que essa rela-ção seja oficializada legalmente ou que dela resultem filhos não são parentes.

Frcud, emTotem e taòu, assinala que o "parentesco é algo mais antigo do que avida familiar e, naìã-oria das sociedades primitivas que nos são conhecidas. a famí-lia continha membros de mais de um parôntesco. Como veremos mais adiante, pornão se conhecer o papel do pai na reprodução, n_os povo_sprimitivo-s o parentesco erarestrito à linhagem matema.

NÌo o6Bkúite ã no-çãóãa família repouse sobre a existência do casal qlLelhe dâorigem, considera-se que sua essência esteja representada na relaçã,o pais-filhns, jâtque a origem e o destino deste agrupamento humano coincidem no objetivo de gerare criar filhos.

. ,A,c,on(içã! neçtênica da espécie humana, ou seja, a impossibilidade de suadescendência sobreviver sem cuidados ao longo dos primeiros anos de vida, foi, semdúvida, responsável pelo surgimento do núcleo familiar como agente de perpetuaçãoda vida humana, o que igualmente ocorre com outras espécies animais, cuja proletambém necessita da provisão de alimentos e proteção por parte de indivíduos adul-tos, enquanto não pode fazêìa por seus próprios meios. A famflia toma-se, assim,tanto no homem como em outras categorias zoológicas, o modelo natural para asse-gurar a sobrevivência biológica da espécie; a par desta função básica, propicia simul-taneamente a matriz para o desenvolvimento psíçico dos descendentes e a aprendi-zagem da interação social.

Em realidade, não podemos dissociar a função biológica da função psicossocialda família; se é fato que a finalidâde biológica de conservar a eèpécie está na origemda formação da famíia, é igualmente pertinente dizer que a família é um-grupo espe-

- ctârrTaoo nallgguçao oe pessoas com vlnculos pecultares e que se consutul na celulaorimordial de toda e qualquer cultura.----- Cõm6seiãèmàntoi introdutórios já estamos em condições de formular umadefnição ad hoc, de cunho operativo, para os propósitos aqui presentes:

" Farnília é uma unidade grupal onde se desenvolvem três tipos de relações pessoais- aliança (casal), filiação (pais/filhos) e consangüinidade (irmãos) - e que a partirdos objertvos genéricos de preservar a espécie, nutrir e proteger a descendência efornecer-lhe condições para a aquisição de suas identidades pessoais desenvolveuatravés dos tempos funções diversificadas de transmissõo de valores éticos, estétïcos, religiosos e culturais".

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Consideraremos, ainda, que a família pode se apresentar, grosso modo, sob trêsformatos básicos: a nuclear (conjugal), a extensa (consangüínea) e a abrangente.

Por família nuclear entenda-se a constituída pelo tripé pai-mãe-filhos; por famí-lia extensa a que se componha também por outros membros que tenham quaisquerlaços de parentesco, e a abrangente a que inclua mesmo os não-parentes que coabitem.

Convencionaremos que doravante sempre que nos referirmos à famflia, a menosque se particularize a modalidade de agrupamento familiar considerada, o estaremosfazendo tendo em mente seu formato nuclear, prevalente na modema civilização oci-dental, que baliza o cotidiano existencial daqueles a quem se destina este livro.

{S ORIGENS DA FAMÍLIA

A família é uma instituição cujas origens remontam aos ancestrais da espécie huma-na e confundem-se com a própria trajetória filogenética.

A organização familiar não é exclusiva do homem; vamos encontrá-la em outrasespécies animais, quer entre os vertebrados, quer, mesmo sob formas rudimentares,entre os invertebrados.

Assim como na espécie humana, encontram-se distintas formas de organizaçãofamiliar entre os animais. Há famílias nas quais, após o acasalamento, a prole fica aoscuidados de um só dos genitores, geralmente, a fêmea; mas também poderá ser omacho quem se encarrega dos cuidados com os descendentes, como em certas espé-cies de peixes. Algumas espécies entre as aves vivem em família durante a época dareprodução e em bandos durante as demais épocas do ano. Os pais podem permane-cer junto aos filhotes pela vida toda, mas esses geralmenÍe deixam os pais antes quenasçam outras ninhadas. Há também entre os animais famílias ampliadas (ou exten-sas), onde os jovens ajudam a criar os irmãos. As abelhas operárias, que são filhasestéreis das abelhas rainhas, constituem entre si uma fratria ou comunidade de irmãscom funções de mútuos cuidados, proteção e alimentação.

Essa breve referência aos comportamentos familiares de certos animais tem opropósito de enfatizar o caráter universal dos agrupamentos familiares e chamar aatenção para suâ onipresença não só ao longo da evolução da espécie humana, mâs nade outros seres do reino animal.

Curiosamente, a origem etimológica da palavra família nos remete ao vocábulolatino famulus, qrl'e significa "servo" ou "escravo", sugerindo que primitivamente seconsiderava a família como sendo o conjunto de escravos ou criados de uma mesmapessoa. Parece-me, contudo, que essa raiz etimológica alude à natureza possessivadas relações familiares entre os povos primitivos, onde a mulher devia obedecer seumarido como se seu amo e senhor fosse, e os filhos pertenciam a seus pais, a quemdeviam suas vidas e conseqüentemente esses sejulgavam com direito absoluto sobreelas. A noção de posse e aquestão do poderestão, portanto, intrinsecamente, vinculadasà origem e à evolução do grupo familiar, conforme veremos mais adiante ao tratar-mos dos mitos familiares.

Há várias teorias sobre a origem da família: umas a fundamentam em suas fun-

ções biológicas; outras, em suas funções psicossociais. Foram formuladas as maisdiÏersas hipóteses, tendo como ponto de partida questões atinentes à parentalidade,ou seja, aos papéis patemo e matemo como estruturadores do grupo famiÌiar.

O vértice evolutivo - que considera que a família, tal qual os seres que a com-poem, necessita passar por etapas sucessivas no curso de seu desenvolvimento - temsido a pedra de toque na fundamentação das diversas teorias que tentam explicar a

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origem e a estruhlração do grupo familiar como o encontrâmos ao longo do processocivilizatório e nas distintas culturas.

As famílias originalmente se organizavam sob a forma matriarcal, ao que parecepelo desconhecimento do papel do pai na reprodução. Essa explicação, contudo, nãoé consensual entre os antropólogos. No entanto, é o que nos parece ocorrer em certassociedades ditas matrilineares ainda encontradas em nossos dias - tais como os mela-nésios estudados por Malinovski -, onde a autoridade patema recai sobre a figura dotio matemo (aúnculo), que, entre outras atribuições, tem a de "conceder a mão" dassobrinhas aos eventuais pretendentes a com elas se casarem. Essa "transferência" aotio matemo dos direitos e deveres habirualmente atribuídos ao pai provém, ao quetudo indica, do referido desconhecimento do papel do homem na reprodução emtempos idos. Esses hábitos milenares dos melanésios com relação ao papel avuncularteriam subsistido mesmo após a revelação da função reprodutora patema.

O matriarcado, segundo outras fontes, seria uma decorrência natural da vidanômade dos povos primitivos, pois, enquanto os homens - desconhecendo ainda astécnicas próprias ao cultivo da terra - tinham que sair à procura de alimento, asmulheres ficavam nos acampamentos com os filhos, que cresciam praticamente sob ainfluência exclusiva das mães, a quem cabia ainda fomecerum mínimo de estabilida-de social a estes núcleos familiares incipientes.

Como decorrência dessa preponderância da figura materna, em certas socieda-des matriarcais as mulheres tinham o direito de propriedade e certas prerrogativaspoÍticas, como entre os iroqueses canadenses estudados por Morgan no século passado.Entre eles, as mulheres possuíam as terras cultiváveis e as habitações, podendo vetara eleição de um chefe, embora não ocupar um cargo no conselho supremo.

Para os evolucionistas, o desenvolvimento da agricultura e o conseqüente adventodo sedentarismo foram os responsáveis pela instalação progressiva do patriarcado.

Em fins do século passado e princípios deste houve um verdadeiro boom deestudos antropológicos sobre populações primitivas, sustentando a emergência demúltiplas teses sobre o comportamento dos grupos familiares. No entanto, é algotemerário tirar-se conclusões sobre a origem da famflia a partir da observação dastribos primitivas, pois a noção de evolução cultural linear não ó mais aceita entre osantropólogos. Isso quer dizer que os povos ditos primitivos que nos são contemporâ-neos não necessariamente estão reproduzindo formas de agrupamento familiar en-contradas no passado remoto. Ainda assim, a constatação de que certos padrões sãoreiteradamente encontrados em tempos e lugares diversos permite que se tome comoválidas muitas das afirmações feitas com base nesses estudos.

Ao discutir-se a origem da família, uma pergunta inicial que insistentementenos ocorre é se a instituição familiar é universal.

Em 1949, o antropólogo norte-americano G.P. Murdock publicou seu estudotranscultural sobre parentesco, confirmando a hipótese da universalidade da família.Para Murdock não apenas a família em geral, mas a famflia nuclear, em particulaÍ, éuniversal, concluindo que nenhuma cultura ou sociedade pode encontrar um substi-tuto adequado para a família nuclear.

A famflia nuclear, segundo esse autor, apresenta quatro funções elementares: asexual, a reprodutiva, a econômica e a educativa. Essas funções seriam requisitospara a sobrevivência de qualquer sociedade. E baseando-se nesse fato que Murdockafirma ser a família nuclear universal.

Há quem possa objetar com a observação de que temos em nossos tempos estrutu-ras sociais que não incluem a famflia, como, por exemplo, os kibbutz de Israel. Noentanto, como observa Spiro, esta sociedade essencialmente voltada para a criança,

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embora do ponto de vista estrutural pareça constituir-se numa exceção à idéia dauniversalidade da família, serve para confirmáìa do ponto de vista funcional e psicoló-gïco.No kibbutz, acomunidade inteira passa a seruma grande família extensa. Somentenuma sociedade familial como o kibbutz, afirma Spiro, seria possível não haver afamília nuclear desempenhando suas funções indispensáveis.

A questão da origem da famflia conduz-nos naturalmente à discussão das ques-tões relativas ao pârentesco, as relações entre o tabu do incesto e a exogami4 e ainstituição do casamento.

L.H. Morgan, advogado noÍte-americano que na segunda metade do século passa-do se interessou vivamente pela observação da vida dos aborígenes que viviam nafronteira dos EUA e Canadá, tomou-se o fundador da modema antropologia comseus estudos pioneiros sobre as relações de parentesco. Embora seu enfoqueevolucionista possa ser contestado pelos avanços ulteriores da investigação antropoló-gica, sua tipologia familiar perÌnanece como ponto de referência para o estudo dasestruturas familiares e das teorias sociológicas sobre a família.

Segundo Morgan havia originariamente uma promiscuidade absoluta, sem qual-quer interdição para o intercurso sexual entre os seres humanos. Este teria sido opeíodo da família consangüínea, estruturada a partir dos acasalamentos dentro deum mesmo grupo.

A seguir, pelo surgimento da interdição do relacionamento sexual entre pais efilhos e posteriormente entre irmãos, através do tabu do incesto, surgiu a famfliapunaluana, onde os membros de um grupo casam com os de outro grupo, mas nãoentre si. Assim, os homens de um determinado grupo são considerados aptos a casarsomente com as mulheres de um outro determinado grupo, e esses dois grupos inteiros casam entre si. Essa estrutura familiar é também conhecida como família porgrupo.

Na famflia sindesmática ou de casal, o casamento ocorre entre casais que seconstituem respeitando o tabu do incesto, mas sem condicionar sua ligação à obriga-toriedade do casamento intergrupos. Essas famílias, encontradas entre os primitivospovos nômades, caracterizam-se pela coabitação de vários casais sob a autoridadematriarcal, responsável pela coesãò comunal atiavés da economia doméstica compar-tida.

A repartição de tarefas advindas do desenvolvimento da agricultura teria dadoorigem à família patriarcal, fundada sobre a autoridade absoluta do patriarca ou "che-fe de família", que em geral vivia num regime poligâmico, com as mulheres habitual-mente isoladas ou confinadas em determinados locais (gineceus, haréns).

Finalmente, temos a família monogâmica, paradigmática da civilização do oci-dente, cujas origens se vinculam ao desenvolvimento da idéia de propriedade ao lon-go do processo civilizatório. A fìdelidade conjugal como condição para o reconheci-mento de filhos legítimos e a transmissão hereditária da propriedade, bem como oestabelecimento da coabitação exclusiva demarcando o território da parentalidadesão os elementos emblemáticos desta que, ainda hoje, é o tipo de família prevalenteno mundo ocidental.

Engels, o colaborador de Marx na elaboração das bases programáticas do movi-mento comunista, apoiando-se nas idéias de Morgan, sustentou sua tese de que afamflia monogâmica teria sido a primeira famflia fundada não mais com base emcondições naturais, mas sociais,já que a monogamia para ele não seria uma decorrênciado amor sexual e, sim, do triunfo da propriedade individual sobre o primitivo comunis-mo espontâneo. A monogamia é visualizada sob a ótica do materialismo históriconão como uma forma mais evoluída de estrutura familiar. porém como a suieicão de

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um sexo ao outro a serviço do poder econômico. Como a inclinação natural do ho-mem seria a liberdade de intercâmbio sexual, a monogamia teria sido responsávelpelo incremento da prostituição e pela falência desse sistema familiar nos dias atuais.

Sobre as relações de parentesco, podemos considerá-las sob duas apresenta-ções: a consangüinidade em linha direta, que ocoÍTe entre pessoas que sejam umadescendente direta da outra, e a consangüinidade em linha colateral, que se dá entrepessoas que descendem de antepassados comuns, mas não descendem uma da outra.Enquanto essas relações de parentesco seriam as determinadas pela natureza, aquelasbaseadas no casamento seriam as estabelecidas peÌas convenções sociais. Marido emulher são parentes em função do contrato social que os uniu.

As relações de parentesco tidas como primárias ou fundantes das estruturasfamiliares seriam as seguintes: marido e mulher, pais e filhos, e irmãos.

Lévi-Strauss, antropólogo contemporâneo formado na escola sociológica france-sa, aplicou a perspectiva estruturalista à antropologia, descrevendo o que chama "asestÍuturas elementares do parentesco". Partindo da noção de que a estrutura é umsistema de leis que rege as transformações possíveis num dado conjunto, LévlStraussprocurou estabeÌecer as relações constantes na estrutura familiar que determinamnão só sua aparência fenomênica em determinado instante histórico, como suas pos-síveis modificações ao longo dos tempos.

Tomando como ponto de partida a teoria da "troca ritual do dom" de Mauss (umde seus mestres na escola sociológica francesa acima mencionada) e bebendo nasfontes da psicanálise e da lingüística, ramos do conhecimento apenas emergentes naépoca de seus primeiros estudos, Lévi-Strauss procurou determinar que elementossubjazem aos padrões relacionais que configuram a família desde suas fundaçõesmais arcaicas.

Cada elemento doado implica a obrigação de sua restituição pelo receptor, diz-nos a aludida teoria de Mauss. Assim, na famflia estruturalmente mais simples (esupostamente anterior ao conhecimento do papel do pai na reprodução), ao tio mater-no (avunculus) catseria a função de "doar" mulheres à geração seguinte. Ao atribuir-se tal função ao tio matemo estava-se simultaneamente criando a interdição do inces-to, pois a sobrinha só poderia ser doada pelo tio a quem não pertencesse ao círculoendogâmico (pai, irmãos).

A proibição do incesto então instalada é a regra da reciprocidade por excelên-cia, pois a troca recíproca de mulheres assegura a circulação contínua das esposas efilhas que o grupo possui. Com o tabu do incesto, a família marca a passagem do fatonatural da consangüinidade ao fato cultural da afinidade e a relação awncular é, porassim dizer, o elemento axial a partir do qual se desenvolverá toda a estruhrra socialdo parentesco.

O tabu do incesto e a exogamia que lhe é conseqüente estariam, segundo Lévi-Strauss, nas raízes da sociedade humana. A exogamia, ou seja, o casamento fora dogrupo familiar primordial, funda-se na "troca", que é a base de todas as modalidadesda instituição matrimonial. O laço de afinidade com uma família diferente assegura odomínio do social sobre o biológico, do cultural sobre o natural (por isso a afirmaçãode Lévi-Strauss de que com o tabu do incesto a família marca a passagem da naturezaà cultura).

A exogamia, como a linguagem, teria a mesma função fundamental: a comuni-cação com os outros. E dessa comunicação a possibilidade de que surja um novonível de integração no relacionamento humano. A partir desse propósito, é que aexogamia dá origem à instituição matrimonial.

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A instituição matrimonial nasceu vinculada aos ritos de iniciação que marca-vâm a passagem da infância para a idade adulta. Nos povos primitivos, tais ritosgeralmente culminavam com a cerimônia do casamento.

Os costumes ligados à instituição matrimonial variaram muito através dos tem-pos, mas desde o advento da noção de propriedade estiüeram de uma forma ou deoutra relacionados à idéia de uma "transação" ou "troca". Talvez a forma mais ele-mentar desta permuta tenha sido a de uma mulher por outra, onde o homem quequisesse casar-se ofereceria sua irmã, sobrinha ou serva em troca de uma noiva, de talsoÍte que o pai desta teria compensada a perda da filha pela aquisição de outra mulherque pudesse substituí-la nos afazeres domésticos. Posteriormente, essa troca físicafoi substituídâ por um equivalente em bens ou dinheiro.

A compra de uma noiva foi, portanto, a forma mais primitiva de contrato matri-monial. Essa modalidade de matrimônio, onde a mulher é tratada como mercadoria,prevaleceu sobretudo nas famflias de organização patriarcal referidas anteriormente.Um remanescente cultural deste consórcio em que a mulher é tida como propriedadedo marido está no costume ocidental de a mulher trocar o nome do pai pelo do marido(ou apor ao do pai o deste) por ocasião do contrato matrimonial. Nos países de línguaespanhola, essa condição é explicitada pela partícula "de" entre o nome próprio damulher (seguido ou não do sobrenome de solteira) e o sobrenome do marido, como aindicar a quem pertence doravante a nubente.

O dote é outro subproduto desta concepção do casamento como uma transaçãocomercial: sua instituição obedece ao propósito original de ressarcir o noivo (ou afamflia deste) pelos custos posteriores com a manutenção da esposa. E ainda hoje aaspiração, largamente difundida entre os pais, de um "bom partido" para seus filhosou filhas assinala a persistência deste referencial econômico para balizar a instituìçãodo matrimônio.

À medida que o casamento se subordinou a interesses ligados à propriedade debens materiais ou patrimoniais, sua instituição foi saindo da esfera místico-religiosapara a do direito civil. A partir da Idade Média e por muitos séculos houve no mundoocidental uma acirrada disputa entre o Estado e a Igreja para determinar a quemcaberia a prerrogativa de estabelecer o contrato nupcial. Só a partir do advento da EraContemporânea, o poder laìco e o religioso passaram a exercer sem maiores conflitossuas respectivas esferas de influência nas questóes atinentes à instituição dc matrimô-nlo.

O casamento sempre foi um terreno propício ao exercício do poder. Mesmoonde não existam interesses econômicos em pauta (como na classe proletária), ouonde não são os sentimentôs religiosos e tão apenas a força da tradição e da culturaque preside os ritos matrimoniais, o poder parental se faz presente, manifesta ousubrepticiamente, na determinação da escolha dos cônjuges. E até quando obje-tivamente o casamento se funda no amor e mútuo consentimento, sem a explícita ouimplícita interferência dos pais, pode-se supor que tal poder esteja atuante nas iden-tificações e motivações inconscientes que subjazem à eleição dos cônjuges.

É n muÍr,n o cRUPo PRIMoRDIAL?

Eis aí uma questão transcendental de Íesposta não tão fácil como seria de sesupor.Embora o senso comum e um raciocínio rudimentar nos levem a concluir quehomem, mulher e filho devam ter se constituído no mais elementar agrupamento

56 . ZMERMAN & OSORIO

humano, não há qualquer indício arqueológico ou inferência antropológica que nosassegure ter esta composição de seres humanos configurado o que se entende porfamflia, com os papéis e funções que lhe são pertinentes na concepção que foi adqui-rindo ao longo do processo civilizatório.

A simples coexistência primeva dessas três figuras representacionais da unida-de familiar básica não constitui argumento suficiente para que se os visualize com-poftando-se num contexto familiar. Talvez a verdadeira passagem da naturezaparr acultura tenha ocorrido quando esses três personagens de nossa proto-história revela-ram sua necessidade de inteÍação social e deram origem aos afetos cimentadores dasrelações familiares.

Se a família é o ponto de tangência ou intersecção entre a natureza e a cultura,conforme postulam os antropólogos, não podemos deixarde considerá-la, para podermelhor entendêla, a luz da evolução dos modelos culturais.

M. Mead considera tÉs tipos ou modelos culturais segundo os quais o homemse relaciona com seus aÍìtepassados ou descendentes.

O primeiro deles corresponde às denominadas culturas pós-figurativas, que ex-tnìem sua autoridade do passado, baseando-a num consenso acítico e na lealdadeinequívoca de cada geração que a precedeu. Nessas culturas, as crianças e os jovensapreendem primordialmente com os adultos, e o futuro é visualizado como um prolon-gamento do passado, ou seja, o passado dos adultos é o futuro de cada geração. Hánessas culturas uma falta de "consciência de mudança", e o mito prevalente é o doancião como fonte do saber e dos valores a serem preservados e transmitidos àsgerações futuras. Esse é o modelo cultural vigente até o advento da era contemporâ-nea e ainda hoje encontrável em agrupamentos humanos primitivos ou isolados e,portanto, à margem da onda civilizatória desencadeada pela revolução industrial.

O segundo desses modelos é chamado pela autora citadade culturas co-figurâti-vas, onde háuma reciprocidade de influências entrejovens e adultos. Pelo surgimentode novas formas de tecnologia, para as quais os mais idosos carecem de informação,as camadas mais jovens da população passam a deter uma significativa parcela dopoder de influência proporcionado pelo conhecimento. Nessas culturas, o presente éo que conta, e o mito nelas prevalente ê o do adulto produtivo. Esse é o modelopredominante no mundo atual e que, partindo do ocidente, tende a globalizar-se namedida em que as civilizações orientais são poÍ ele cooptadas.

Finalmente, temos o modelo das culturas pré-figurativas, onde o futuro não émais um simples prolongamento do passado, mas tem sua própria (e desconhecida)identidade, prevalecendo as expectativas futuras sobre as realizações passadas. Nes-sas culturas há uma exacerbação dos conteúdos revolucionários e das tendênciasiconoclastas e podemos encontrálas não apenas em nações que estão sofrendo mu-danças radicais em sua estrutura sócio-política, mas também sob a forma de "bolsões"culturais quer do ocidente como do oriente. Nessas culturas, o mito dominante é o dopoderjovem.

E no contexto das culturas pré-figurativas que apontam para a civilização doterceiro milênio que a famflia do futuro se insere e adquire seus contomos: umafamflia onde os jovens chamam a si o papel de mediadores entre seus membros maisidosos e a sociedade em processo de transmutação tecnol6gica.

Recolocando a questão sobre ser a família o grupo primordial e arregimentandoargumentos para confirmar tal assertiva, encontramos nas sagas mitológicas outroimportante subsídio para sustentar tal afirmação.

Na gênese dos mitos primitivos há sempre referência a situações que tomam ocontexto familiar como matéria-prima para sua elaboração temática, e os persona-

COMOTRAAALHAMOS COM CRUPOS '

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gens que neles se movem o fazem incorporando papéis familiares e desempenhandosua representação simbólica a partir deles.

Tomemos, por exemplo, a vertente mitológica greco-romana e acompanhemospor instantes sua versão da criação do universo e dos seres que o habitaram em seusprimórdios.

No princípio era o Ccos de onde originarum-se Erebo e sua irmã e esposa Noile(tal q,lal Adão e Eva na antropogênese bíblica).

Erebo e a Noite procriam e dão origem a Eter e ao Di o, que, por sua vez, são opai e a mãe do céu (Urano) e da tena (Gaia\.

Urano gera, entre outros, três filhos: 7Ìrã, Saturno e Oceano.Esses se revoltamcontra o pai, mutilam-no e o impossibilitam de ter filhos.

Satumo, frlho segundo de Urano e Gaia, obteve de seu irmão, o primogênito7itá', a permissão de reinar em seu lugar desde que sacrificasse todos os seus descen-dentes masculinos a fim de assegurar que a sucessão ao trono fosse reservada a seuspróprios filhos. Salarno desposou Rála, com quem teve muitos filhos e a todos devo-rou logo que nasciam, cumprindo o acordo feito com seu irmão (cumpre-se assim oritual cíclico do parricídio/infanticídio que mais tarde será o tema central do mito deEdipo). Uma nova aliança configura-se no universo mítico: a da mãe com o filhocontra o pai. Ráia consegue, através de um ardil (substituir o filho por uma pedra,então engolida por Satumo), salvar seu filho Jripiter de ser devorado pelo pai. Comidêntico estratagema, ela salva outros dois filhos, Nenno_e Plutão. Júpiter declaragueÍÍa a Satumo e vence-o, humilhando-o, tal qual este fizera com seu pai, Urano.Mais tarde, aconselhado por T/lis, a prudência, com quem casara ainda adolescente,Júpiter dâ uma beberagem a SaÍurno, e êste vomita, além das pedras engolidas, osfilhos anteriormente devorados. Depois, temeroso de sofrer o mesmo destino nasmãos dos filhos que resultassem dessa união, renuncia a seu amor por lálls. Casa-se,então, com Juno, sua irmã gêmea, com quem mantém um relacionamento que prelu-dia todos os conflitos das relações conjugais entre os mortais: Juno o apoquenta comseus ciúmes e contesta sua autoridade doméstica, enquanto Júpiter age como maridorabugento, por vezes violento , maltratando Juno.

Creio que será fácil aos leitores identificar neste fragmento da mitologia greco-romana a presença do contexto familiar como pano de fundo para as ações míticas.

Se é o conflito entre pai e filho ou entre marido e mulher que se toma manifestonessas concepções mitológicas da origem dos seres, na versão bíblica é a rivalidadeentre os irmãos Caim e Abel que comparece para aludir às vicissitudes da vida fami-liar; por outro lado, podemos interpretar a expulsão de Adão e Eva do paraíso comoexpressão do repúdio do pai aos filhos criados quândo estes não se comportam deacordo com as expectativas patemas.

De uma forma geraÌ, todas as mitologias, ao darem suas versões da antropogênese,logo que criam o homem o colocam numa situação relacional no seio do núcleofamiliar. E não só nos mitos de origem como também nos que retratam dramas ouconflitos do périplo existencial vamos encontrar os protagonistas imersos em suacircunstância familiar: o solitário Narciso, mirando-se nas águas, vê, mais além desua imagem refletida, as entranhas matemas para onde deseja retomar, e Édipo per-corre seu calvário balizado pelas culpas incestuosas num complexo interjogo de rela-

ções fil iais, conjugais e parentais.Ora, se as sagas míticas com tal reiteração universalizam a presença da família

em seus conteúdos e se são elas a proto-representação do mundo real, não se poderádaí inferir a condição primordial da família como agrupamento humano?

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Grupos Espontâneos:As Tirrmas e Gangues deAdolescentesDAVID E. ZIMERMAN

O ser humano é essencialmente gregário. Por essa razão, sempre haverá uma buscanatural das pessoas entre si, com a inevitável formação espontânea dos mais distintostipos de grupos.

O que importa consignar, no entanto, é que todo e qualquer grupo, quer tenhasido formado espontânea ou artificialmente, quer tenha um ou outro tipo de finalida-de, sempre estará sujeito a uma mesma série de fenômenos psicológicos, tanto cons-cientes como inconscientes, os quais se reproduzem de forma análoga em todos oscampos grupais formados, com algumas variantes específicas, é claro. Assim, é útillembrar a diferença que existe enlÍe os pequenos grupos, que pertencem à área dapsicologia, e os grandes grupas, como são os das comunidades, sociedades, nações,seitas e multidões, e que pertencem tanto ao campo da psicologia como da sociolo-gia.

A formação dos diferentes tipos de grupos. O grupofan i/lar nuclear pode serconsiderado o protótipo de todos os demais grupos. De fato, em qualquer família háa existência de um campo grupal dinâmico por onde circulam todos os fenômenos docampo grupal, tal como estes últimos foram descritos no capítulo referente aos fun-damentos teóricos.

Destarte, acompanhando a conceituação formulada para a caracterização do queé um grupo, pode-se dizer que uma família, muito mais do que uma soma isolada dosindivíduos que a compõem, constitui-se como uma novâ e abstrata entidade peculiar;existe uma vivência de experiências emocionais e uma interação afetiva entre todos(com os ingredientes da ambivalência: amol agressão), assim como também há umainteração comunicativa entre cada um e todos; existe uma hierarquia de posições,funções e desempenho de papéis; há um contínuo jogo de projeções e introjeções; eexiste, sobretudo, uma formação de identidades, resultantes das identificações comos valores, predições, proibições e expectativas dos pais, e destes com os seus respec-tivos pais, em uma combinação de, no mínimo, três gerações. De acordo com estesaspectos, as famflias estruturam-se com um perfil caracterológico variável de umapara outra, porém com uma especificidade típica de cada uma delas, que, por exem-plo, pode ser de natureza excessivamente simbiótica ou de características predomi-

60 . znreRMeÌ{ a osonro

nantemente obsessivas,psicóticas, psicopáticas,estruturadas e sadias.

narcisistas, paranóides, fóbicas, psicossomatizadoras,etc, ou, naturalmente, apresentam-se como famílias

A dinâmica psicológica das multüões obedece a um esquema diferente,quanto, conforme os estudos de Freud, diante de situações traumáticasde pulsões inconscientes - como, porexemplo, diante de um tumulto social,em recinto fechado, um estado de indignação coletiva, etc. -, os indivíduos perdemcontrole sobre os seus valores habituais e, ou entram em um caótico "salve-se oue:e como puder", ou seguem cegamente uma liderança forte. Um comprovante dassertiva ó o de grupos que se estruturam em moldes de fanatismo em tomo delíder de função altamente carismática, poÍador de um conteúdo ideacional deinspiração mística e messiânica.

Dois exemplos servem para clarear a dinâmica dos grupos fanáticos: o da Ale-manha hitlerista e o do episódio do suicídio coletivo ocorrido há alguns anos nasGuianas. Este último fato ilustra o quanto uma multidão de fiéis, fixados em um nívdde um predominante primitivismo no desenvolvimento biopsicossocial, podem, deforma ordeira e disciplinada, sacrificar a própria vida em troca de promesias ilusóri-as provindas de um líder psicótico (no caso, o pastor J. Jones), que dizia que a moÌterepresentava o ingresso em um mundo muito melhor, o paraíso celestial.

O exemplo do fanatismo ocorrido na Alemanha sob a liderança de Hitler é maissiqlificativo que o anterior, porquanto a multidão fanatizada não era composta poÍindivíduos, separadamente, primitivos; muito pelo contrário. O que ocorreu então?Através da montagem de uma fantástica máquina de propaganda que produzia comalta eficiência a ilusão coletiva de uma justa e nobre causa de reivindicação nacional(no mínimo discutível), a cúpula hitlerista conseguiu atingir o núcleo íntimo de cadaindivíduo que não tolerava injustiças, que queria resgatar o que perdeu ou lhe foiroubado, e assim eles mobilizaram uma indignação da totalidade da sociedade alemãda época. A partir daí, o passo seguinte foi o de escolher um bode expiatório quefosse o portador da projeção de toda a maldade, iniqüidade e sede de poder: a priniÉpj9, gssg papel foi depositado nos comunistas e, logo a seguir, aos judeus, que, seeliminados, abririam o caminho para uma raça superior, um arianismopuro que prome-tia ser um novo éden.

Essa louca organização fanática foi fortemente consolidada com o emprego derecursos que facilitam uma hipnose coletiva, como são os auditivos e visuais, atravésde comícios gigantescos, hinos marciais, bandeiras e faixas multicoloridas, um pa-lanque que ficasse numa posição alta, de forma que a multidão ficasse apequenadà einfantilizada, olhando de baixo para cima e com a forte luz dos holofotes nos olhos,enquanto a fala mística penetrando pelos ouvidos ía provocando um estado de des-lumbramento, ou sej4 quando uma luz é forte demais - tal como a de um farol alto deum carro que vem em direção contrária à nossa-, priva-nos ("des") da luz ("lumbre").

FORMAçÃO DE TURMAS E GANGUES

Como não cabe aqui esmiuçar com maior profundidade os grupos antes citados, va-mos nos ater, em particular, na formação dos grupos espontâneos, como o das turmase gangues, de modo mais restrito no âmbito dos adolescentes.

Antes de mais nada, cabe fazer uma breve revisão sobre as principais caracterís-ticas da adolescência normal.

1. A etimologia da palavra "adoÌescência", composta dos prefixos latinos ad(para a frente) + dolescere (crescer, com dores), designa claramente um período demutação, portânto, de crise.

2. A palavra "crise", por sua vez, deriva do étimo grego krinen, que quer dizer"separação" (daí o sentido de palavras como crivo, critério, discriminar, etc.). Defato, o adolescente está fazendo uma importante separação entre o seu estado decriança em dependência dos pais e a sua preparação para a condição de adulto eman-cipado. Além disso, ele está fazendo separações e modificações de seus valores, pro-jetos e de sua corporalidade e sexualidade.

O termo adolescência abrange três níveis de maturação e desenvolvimento: apuberdade, a adolescência propriamente dita e a adolescência tardia, cada uma delascom caracteísticas próprias e específicas.

Assim, a puberdade, no período dos l2 aos 14 anos, caracteriza-se pelas mudan-ças corporais, como, por exemplo, o aparecimento de pêlos pubianos (e, daí, o termo"púbere"). A adolescência propriamente dita se estende do período dos 15 aos 17anos e a sua característica mais marcante é a das mudanças psicológlcas. A adoles-cência tardia é a que vai dos l8 aos 2l anos e se caracteriza, sobretudo, pela busca deuma identidade própria, não só a individual e a grupal, mas também a da identidadesocial.

3. Essas inevitáveis mudanças normais comumente são acompanhadas das se-guintes manifestações:. Uma busca de "si mesmo" através dos processos de diferenciação, separação e de

individuação.. Uma testagem constante de como ele é visto e recebido pelos demais, devido ao

fato de que, como toda criatura humana, também eles se reconhecem através doreconhecimento dos outros. É importante assinalar que, muitas vezes, as condu-tas bizarras individuais ou grupais que tanto provocam preocupações nos famili-ares visam a essa testagem e à necessidade de serem reconhecidos como pessoasautônomas.

. Uma necessidade de fantasiar, intelectualizar e criar.

. Uma atitude de idealização tanto de pessoas como de crenças, assim como tam-bém de uma permanente contestação. As dificuldades para adaptar-se às mudan-ças do mundo intemo os levam a querer modificar o mudo fora de si mesmo, soba forma de querer reformar a humanidade, através da filosofia, religião, etc.

. Uma inconstância de humor e tomada de posições.

. Há uma certa confusão quanto à imagem corporal e não é raro que isso atinja umgrau de surgimento de sentimentos de despersonalìzação.

. Decorre daíuma supervalorização do corpo, a qual se traduz na busca do impactoestético ou, pelo contrário, pela antiestética. Tanto uma como a outra costumamse rnanifestar através de roupas, penteados, uso de espelhos durante horas, even-tuars tatuagens, etc.

. Incremento do estado de paixões, assim como o de uma ambivalência entre ossentimentos de amor e de ódro.

. Costuma haver um estado de taràulência com os pais. Isso se deve tanto ao fatode os adolescentes necessitarem testar a flexibilidade, a sensibilidade e o grau deinteresse dos seus pais por eles, assim como uma forma de se diferenciarem de-les. Portanto, é de importância fundamental o comportamento dos pais diante dascrises adolescentes quanto à determinação da qualidade estruturante oudesestruturante, na passagem para â condição de adulto.

coMo TRABALHAMoS coM cRUPos . 61

62 . ZMERMAN & osoF.lo

. O ponto principal da influência dos pais na formação da identidade de seu filhoconsiste no fato de que eles são os principais modelos de identificação.

. Nos casos patogênicos, as principais falhas dos pais residem em fatores como osde querer, à força, modelar os seus filhos segundo a sua imagem e feição, seguin-do o modelo dos seus respectivos pais, numa verdadeira compulsão à repetiçãoatravés das gerações. Um outro fator, muito comum e igualmente prejudicial,consiste no fato dos pais tentarem completar suas ambições não-realizadas atra-vés dos seus filhos, criando assim um clima de expectativas que, muitas vezes,são impossíveis de serem realizadas. Outros problemas equivalentes podem serode uma mãe muito simbiotizante ou deprimida, de um pai ausente ou super intole-rante, de pais incoerentes nadeterminação dos limites e das limitações, nadesigna-ção de papéis a serem estereotipadamente cumpridos ao longo da vida, na esco-lha de um filho como o bode expiatório ou porta-voz da patologia familiar, eassim por diante.

. Em função dos fatores até aqui apontados, é importante reconhecer que a típicaconduta desafiadora e provocativa por parte dos adolescentes pode dever-se aopropósito inconsciente de serem punidos, assim aliviando as suas culpas e fortifi-cândo a tese de que são vítimas, o que justificaria a sua posição agressiva, numcírculo vicioso que pode se tomâr crescente e intermirúvel.

. Outra conseqüência importante é que o adolescente pode preferir serumnada ouninguém a ter que assumir um feixe de identidades que lhe estão sendo impostasde formas contraditórias e fragmentadas.

. Por último, uma característica maÍcante da adolescência e que se constitui noprincipal enfoque deste capítulo é o que diz respeito à sua forte tendência à gru-palidade.

Desde logo, é necessário discriminar os três tipos básicos de grupos formadosespontaneamente por adolescentes: os normais, os drogativos e os delinqüentes.

Os gruposnonnais assumem as características típicas que conespondem à faixaetária da sua adolescência. Assim, no gntpo depúberes prevalece a linguagem corpo-ral e lúdica, de acordo com as suas mudanças corporais, como antes foi frisado. Porconseguinte, é comum que as meninas andem de mãos dadas e criem um espaço dejogos coleúvos, enquanto os meninos se notabilizam pela comunicação por meio deempurrões, socos e de espoíes mais agressivos.

Naadolescência propriamente dita e na íardia, prev alece a linguagem verbal detipo contestatório, e a não-verbal através das atuações nas atitudes e conduta. O pon-to de vista fundamental é que se leve em conta a diferença entre "agressividade" e"agressão". Explico melhor: o verbo "agredir" se origina dos étimos latinos ad (paraa frente) + gradior (movimento) e isso corresponde ao fato de que a agressividadenão só é natural, mas é indispensável para o ser humano, da mesma forma que noreino animal, como um recurso de luta pela sobrevivência e de uma melhor qualidadee sucesso na vida. O termo "agressão", por sua vez, designa a predominância dosintentos destÍutivos.

Como se observa, a agressividade construtivâ e a agressão destrutiva tanto po-dem se manifestar de forma claramente delimitada e diferenciada uma da outÍa comopodem tangenciar, altemar, confundir-se entre si e assumir formas que confundem oobservador extemo.

Um exemplo claro deste último aspecto pode ser dado pelâ costumeira contesta-ção veemente que um adolescente possa estar fazendo contra os valores habituais doestablishment dos pais, escola e sociedade. Estaní essa contestação, nas múltiplas

formas como pode se apresentar, a serviço de uma agressão destrutiva, ou ela podeestar significando movimentos importantes de uma agressividade voltada para o ob-jetivo de uma auto-afirmação na construção de sua identidade de adulto?

Transportando para um plano sociológico, creio ser válida uma comparaçãocom as guerras de independência das nações (como as do continente americano noséculo passado ou as africanas neste) contra os países colonizadores, quando elasatingem um grau adolescente de desenvolvimento e de identidade de cidadania.

Vale a pena insistir neste ponto, pois ele é de fundamental importância na discri-minação, nem sempre fácil de ser feita, entre a agressividade sadia dos indivíduosnos grupos e o da patologia da violência, tanto a auto quanto a hetero destrutiva. Porconseguinte, um cuidado especial que os educadores devem exercer é o de evitar umapressado rótulo depreciativo ao caráter belicoso do adolescente, pois a imagem quedevolvermos a eles é a que subsistirá e formará a sua própria imagem e, portanto, asua identidade.

Cabe uma outra analogia, agora com uma queda d'água: a força avassaladora damesma tanto poderá destruir tudo o que ela atingir como poderá ser utilizada parafins benéficos - por exemplo, quando a energia mecânica é devidamente drenada ecanalizada, ou é transformada em alguma outra forma de energia, como, por exem-plo, a térmica ou a luminosa. Aliás, essa paridade entre energia construtiva e destrutivaestá bem expressa nas palavras "vigor" e "violência", ambas originadas do mesmoétimo latino vrs, qu.e qu'er dízer força.

Da mesma maneira, em grande parte, compete aos educadores a responsabilida-de pelo destino construtivo ou destrutivo da energia do adolescente. O passo inicial éa de que os educadores - pais, mestres, etc. - entendam o porquê da formação degrupos em condições normais e sadias, ainda que aparentemente doentias. Para tanto,vamos listar alguns pontos mais relevantes:

. O grupo é o àabitat naf:'l,ral do adolescente. Nos casos sadios, vamos denominarturmas, e nos que são destrutivos, Bangues.

. O grupo funciona como um objeto e um espaço transicional, ou seja, ele permitea saudável criação de uma zona imaginária onde ainda existe uma mescla do realcom um forte sentimento, ilusão e magia onipotente. A diferença é que, nas tur-mas, essa onipotência é transitória, e, nas gangues, peÍÍnanece mais intensa epermanente.

. Dessa forma, a turma propicia a formação de uma nova identidade, intermediáriaentre a família e a sociedade, com a assunção e o exercício de novos papéis.Igualmente, a turma cria um novo modelo de superego ou de ideais de ego quan-do os adolescentes sentem que não podem, ou não querem, cumprir com os valo-res e ideais propostos e esperados pelos pais.Costuma haver - por vezes com um colorido manifestamente histérico - umabusca por ídolos que consubstanciem uma imagem - não importa se fabricadapela mídia- de alguém que seja portador e porta-voz dos ideais dos adolescentestanto sob a forma de beleza quanto de prestígio, talento, riqueza ou de contesta-

ção libertária.A tendência a se agruparem também se deve ao fato de que: sentem-se menosexpostos às críticas diretas; discriminam-se dos adultos; confiam mais nos valo-res de seus pares; diluem os sentimentos de vergonha, medo, culpa e inferiorida-de quando convivem com outros iguais a eles; reasseguram a auto-esÍima atravésda imagem que os outros lhe remetem.

c'Mo TRAaALHAM'' co" c*r"os . 63

64 . z-"*na*l a osonro

O grupo propicia um jogo de projeções e introjeções, de idealizações ementos, de múltiplas dissociações e integrações. Da mesma forma, oestá ancorado na fantasia de que a "união faz a forçt", e com isso ele semais forte, e a sua voz ressoa mais longe e mais potente. Ao mesmo tempo,turma possibilita que cada um reconheça e seja reconhecido pelos outros,alguém que, de fato, existe como um indivíduo, e que tem um espaço próprio.

. A turma orooicia o fortalecimento da identidade sexual ainda não definida.fácil entender que a "turma do Bolinha", cuio lema é o de "meninas não entram"ou a contraDarte na "turma da Luluzinha" atestam não uma holatente que um juízo mais apressado poderia pressupor, mas, sim, comoforma de fugir do sexo oposto. Essa fuga tanto serve para marcaras diferenças entre os gêneros sexuais, e assim consolidar a sua identidadeal, como também para proteger-se dos riscos inerentes às renascentes efantasias ligadas à reativação hormonal-libidinal.

. Uma outra forma de as turmas firmarem a sua diferenciação com os adultospela via da obtenção de um reconhecimento propiciado com sinarscomo são as roupas-uniformes, o uso de motos potentes, a exibição dede surf, o uso de insígnias, os penteados aìgo bizarros, um tipo de músicamoda, etc. Nesses casos, pode-se dizer que, muitas vezes, as "modas" tomamlugar das identidades, enquanto estas ainda não estão claramente definidas.

. Nas turmas que denominamos drogativos - é diferente de drogadictos -,estar acontecendo que se trate de um grupo normal, no qual a droga estámente servindo como um modismo, uma espêcie de grffi de coragem eçãojunto aos respectivos pares. Nesse caso, as drogas estariamna atualidade, o mesmo papel que a proibição rigorosa do cigarropara as gerações mais antigas. Assim, paradoxalmente, a droga pode estarum fetiche que une e integra a turma.

. Dessa forma. é imDortante assinalar que a tendência antissocial da turmacente referido anteriormente, a princípio, não é preocupante. Os indivíduos egrupo assim espontaneamente formado necessitam apenas serem contidosseus excessos nas transgressões das leis que regem a sociedade, semlos para uma orientação adulta.

A FORMAÇAO DE GANGUES

Tal como antes foi consignado. o aspecto mais característico de uma gangue é opredominância das pulsões agressivo-destrutivas, muitas vezes com requintes deversidade e de crueldade. Por oue isso? A resoosta não é fácil. oois asdeterminantes não são únicas e nem simples, pelo contrário, são múltiplas, comple-xas e abrangem fatores tanto da natureza do psiquismo intemo como aquelesdizem respeito às circunstâncias da família, os aspectos sócio-culturais, econômicogoolíticos e também a influência da mídia.

Sabemos que existe uma constante interação entre o indivíduo e a sua socieda-de, e que a identidade do sujeito - especialmente a do adolescente - fica seriamentcameaçada quando há um incremento de angústias, quer as provindas de dentro dele'quer aquelas que, vindas de fora, abatem-se sobre ele com exigências e privações detoda ordem.

COMO TRABAL}IAMOS COM GRUPOS . 65

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Assim, uma primeira e óbvia razão é a de que uma gangue agressiva representavn grito de desespero e de protesto contra uma sociedade que não só não osentende, como ainda os desampara, humilha, mente, corrompe e degrada. Valeassinalar que, nessa busca desesperada por uma libertação, forma-se um grandeparadoxo, porquanto a organização da gangue segue um tão rígido codigo de leal-dade aos seus valores, que ele próprio acaba por se constituir num novo cativeiro.Como a maioria das gangues se forma no seio das classes mais humildes, temosuma tendência em aceitar essa explicação de natureza sócio-econômica comosuficiente para entender o porquê da conduta predatória dessas gangues contra asociedade burguesa. No entanto, em classes mais favorecidas, esse fenômenotambém não âcontece raramente, o que comprova que o extravasamento de senti-mentos de ódio, inveja destrutiva e ímpetos de vingança cruel não é exclusivida-de de classes e de pessoas economicamente carenciadas. A carência é mais pro-funda e séria do que aquela unicamente econômica e diz respeito às privações deordem afetiva e do caos emocional de certas famílias.Outra causa explicativa da empáfia arrogante e onipotente que caracteriza cadaum dos indivíduos que pertencem à gangue consiste no fato de que, muito refor-

çada pela antes aludida idéia de que a união faz a força, exacerba-se uma sensa-

ção de onipotência e prepotência. Sabemos todos que, muitas vezes, o sujeitonecessita recorrer ao recurso mágico da onipotência como uma forma de fugir dadepressão subjacente, do reconhecimento da sua fragilidade e da dependênciados outros. Da mesma forma, um grupo favorece a diluição do fardo de responsabi-lidades e de culpas de cada um, separadamente, em relação aos danos causadosaos outros.Um aspecto importante a ser levado em conta é o fato de que, assim como, nasturmas sadias, a supervalorização do tipo de vestimenta, penteado, gosto musi-cal, etc., pode estar sendo o emblema designativo da sua diferenciação com oestablishment - ou, nas turmas drogativas o fetiche supervalorizado e diferenciadorseja representado pela droga nas gangues deliquenclals, a violência, por si mes-ma, pode se constituir como insígnia principal. Dessa forma, o ideal da gangue seorganiza em tomo daidealização da violência, a qualnáo só não é criticada pelospares, como ainda o seu propósito antisocial é significado por eles como umademonstração de audácia e valentia e, portanto, como um passaporte para a acei-tação e â admiração dos demais.Modelo de uma cúpula diretiva corrompida, seja no âmbito familiar, seja no nívelgovemamental.A influência da mídia como um fator modelador da formação de gangues nãodeve ser exagerada por parte dos estudiosos do assunto, porém também não deveser depreciada e está por merecer um estudo mais profundo.Por último, um aspecto muito importante é aquele que diz respeito à dificuldadeem se conseguir modificar a progressiva expansão, numérica e destrutiva, dasgangues nascidas nas classes marginalizadas. Prendem-se ao fato de que os indiví-duos nascem e crescem em um ambiente que tem uma cultura própria, com ocultivo de valores outros que não aqueles habitualmente considerados por nóscomo sendo os construtivos e saudáveis. Eles se organizam em uma sociedadeparalela e, por isso, a regra é que eles não se sentem como marginalizados, mas,sim, como orgulhosos portadores de uma cultura diferente, umâ anticultura, comum código de valores morais, éticos e jurídicos inteiramente à parte dos valoresvleentes.

66 . zrt.,tenr,aeL a osonro

COMO EMRENTAR O PROBLEMA?

Esta é a parte mais difícil do presente capítulo, especialmente no que tange aosves problemas das gangues deliquenciais. Talvez nenhum outro problema deconseqüênciÍìs sociais e econômicas tenha merecido tantos estudos, conferências,gressos e divulgação em todos veículos da imprensa e tanto tenhamobilizado apação nacional como este que se refere às crianças marginalizadas e abandonadas,como conseqüência direta, à formação de bandos predatórios cada vez maisApesar de tudo isso, o problema continua crescente, sem solução definitiva à vista.

No entanto, alguma coisa pode ser dita e feita.Assim, em relação às lrrmas que tanto costumam preocupar os pais, a primei

medida que se impõe é a de propiciar instrumentos que possibilitem umados valores e dos problemas dos "mal-entendidos" entre as gerações, de modo agatar o diálogo entre pais e Íìlhos.

Uma forma de favorecer esse intercâmbio afetivo e atenuar o crucialdo mal-entendido na comunicação consiste na promoçáo de grupos de reflexão,denados por técnicos bem preparados, não necessariamente grupoterapeutas.grupos podem ser compostos exclusivamente por adolescentes, ou apenas pelos paiou ainda serem constituídos iuntamente oor diferentes adolescentes epais. Os problemas são comuns, e a troca de experiências pode clarear muitareduzir culpas e temores exagerados, bem como abrirum espaço para a tolerância erespeito recíproco.

Um dos aspectos mais importantes em relação às atitudes dos pais consisteque estes tenham condições de perceber que, muitas vezes. a aparência dedesaforo e desafio por parte dos filhos representa um saudável intento dede sua personalidade instável e que a bizarria da turma do seu filho se comportaum espaço intermediário entre o seu mundo familiar e o mundo social adulto.outras palavras, os pais devem entender que os conflitos inerentes às mudançasnas são projetados e atuados sob a forma de mudanças extemas.

Em relação às tanz as dro gativas com adolescentes, antes de mais nada é

estão sendo consumidas não pela compulsoriedade de um vício (em cujo caso, jáestabeleceu um círculo vicioso entre o organismo e o psiquismo, de sorte que arequer uma saciedade urgente e irrefreável), mas, sim, o adolescente da turma experimenta a droga como um ilusório ritual de passagem à condição de adulto livrereconhecido pelos seus pares.

A pergunta mais provável que deve estar ocorrendo ao leitor costuma serNão há o risco de um adolescente drogativo passar à condição de drogadicto?responderia que sim e que não, tudo dependendo da estrutura emocional básicacadã adolescèntes em particular. É a meì-a coisa que perguntar por que a maioridas pessoas bebe cerveja ou vinho, socialmente, e somente algumas delaspara o alcoolismo? Por que, entre tantas pessoas quejogam cartas por lazer,delas se tomam jogadores compulsivos? E assim por diante.

A estrutura básica de cada adolescente, por sua vez, dependede como foi e como continua sendo foriado na sua família nuclear. Como oda relação grupal entre pais e filhos é muito extenso, não cabe aqui o seumento, mas basta dizer que um fator de primeira importância é o tipo de modeloconduta transmitido pelos pais. Assim, é muito comum encontrarmos uma

sável estabelecer a diferença conceitual entre as expressões "drogadiqto 'e "drogativolNo primeiro caso. trata-se de uma adicção químic-a, ponanto. de uma dóença altamentpreocupante. No segundo caso, trata-se do uso de drogas ativas, as quais. porém

cia entre o que os pais dizem, Íazem, e o que, de fato, eles rdo. Por exemplo, os paispodem pregar verdadeiros discursos de alerta contra os vícios, ao mesmo tempo queostensivamente cultivam o seu vício ao cigarro, à comida, ou a remédios, etc.

O que essencialmente diferencia â existência de uma turma e de uma gangue éque, na primeira, além deuma busca sadia por emancipação, prevalecem os sentimentosamorosos, ainda que esses estejam camuflados por uma capa de onipotência e depseudo-agressão. A turma se dissolve ao natural, porquanto os seus componentescrescem, tomam diferentes caminhos na vida e ficam absorvidos pelo eslúlishment.

É diferente nas gangues: neste câso, há a predominância dos sentimentos deódio e vingança, com a ausência manifesta de sentimentos de culpa e de intentosreparatórios, ancorados que aqueles estão na idealização de sua destrutividade. Emcaso de dissolução da gangue, os seus membros seguem a mesma trilha de delinqüên-cia ao longo da vida, tanto porque os conflitos sócio-econômicos estão continuamen-te reforçando e justificando a violência como porque o processo de separação entreeles não foi devido a um Drocesso natural de crescimento. mas. de

um foco infeccioso, cada um deles vai inoculando o vírus naso

ter a violência provinda das gangues organizadas em tomo de líderes que fazem dacrueldade o seu ideal de vida. Mesmo em países do primeiro mundo, com todos osrecursos econômicos e com técnicos especializados à disposição das autoridades, odesafio do problema deliqüencial não está sendo vencido; pelo contrário.

Não se pode esquecer, no entanto, que, melhor do que simplesmente cruzar osbraços ou fazer o inútil jogo da retórica bonita - é efetivar uma real tomada de inici-ativas que se dirijam não tanto unicamente à necessária ação repressiva dirigida isola-damente a indivíduos ou algumas gangues, mas sim ao investimento em processoseducacionais, de tal sorte que, desde muito cedo, a criança marginalizada possa respei-tar, admirar, e assim incorporar novos modelos de valores provindos de técnicos,educadores.

É desnecessário esclarecer que a ênfase aqui tributada à educação de formanenhuma exclui a necessidade simultânea de uma ação repressiva por parte das autori-dades competentes, especialmente porque a melhor maneira de mostrar amor poruma criança ou adolescente é saber impor limites adequados à sua onipotência.

As outras medidas que idêalmente poderiam solucionar o problema das ganguesviolentas são utópicas e totalmente inviáveis para a nossa realidade atual, porém nãocusta fazer algumas cogitações:

. Uma mudança na mentalidade das classes dirigentes e na elite econômica, de talsoÍe que o modelo que vem de cima para baixo não viesse impregnado com osvalores da hipocrisia e da comrpção.

. Uma profunda modificação na distribuição de renda, de maneira que se propici-asse condições de vida, no mínimo dignas, principalmente para as crianças.

. Uma participação mais profunda do Estado junto às comunidades, de forma apropiciar a disseminação de grupos operativos educativos dirigidos a crianças,adolescentes, pais e educadores em geral.

Embora a já mencionada obviedade de que as duas primeiras cogitações sãototalmente inalcançáveìs em nosso meio, a terceira delas é bastante viável e talvezpossibilitasse, mais precocemente, uma mudança de mentalidade nas classes sociaismais desfavorecidas, no sentido de substituir a idealização da violência por outrosvalores e por uma outra ética de convívio grupal e social.

COMO TRABALHAMOS COM CRUPOS . 67

Processos Obstrutivos nosSistemas Sociais, nos Gru-pos e nas InstituiçõesLUIZ CARLOS OSORIO

Qualquer sistema social, seja um casal, uma famíia, um gmpo terapêutico ou umainstituição, não é um mero somatório de individualidades. Isso o sabemos todos nós,mas tê-lo em conta na práxis de nossas atividades gnpais nem sempre é tão óbvioquanto se poderia supor.

Sabemos, portanto, que um sistema (no caso, o sistema grupal) não é a soma desuas paÍes. E o chamado princípio da não-somatividade, uma das pedras angularesda teoria dos sistemas, mencionado por Watzlawick (1967). O conceito psicológicode "gestú" deriva-se deste princípio e sinaliza a importância de considerÍìr-se o gÍu-po como uma entidade peculiar, cujo perfìl psicodinâmico não pode ser simplistamentereduzido à resultantê dos vetoÍes psicológicos de seus componentes.

Logo, os grupos têm sua dinâmica própria e leis inerentes a seu funcionamento.Não podemos compreendê-los tão somente a partir da dinâmica intrapsíquica de seusmembros. Não obstante, sendo meu vértice de aproximação ao estudo dos gnrpos opsicanalítico, é a partir de certas caracteísticas psicológicas dos seres humanos e quese manifestam em suas interaçõs sociais que procuro entender o funcionamento grupal.Se fiz a ressalva inicial é para que não se suponha que ingenuamente tenho a preten-são de abarcar todo o universo das manifestações e vicissitudes das atiüdades grupaisapenas sob a ótica da psicanáIise: essa, como as demais abordagens propostas pelosestudiosos do comportamento social dos seres humanos, é apenas uma das inúmerasvias de entrada à compreensão dos processos grupais.

O fenômeno que centraliza a atividade de qualquer agrupamento humano é ainteração entre seus componentes. Na dinâmica dessa interação é que temos que focarnosso interesse especulativo, independentemente do vértice teórico sob o qual nosposicionamos, para compreender tanto os aspectos construtivos como os obstrutivosda atividade grupal dos indivíduos.

Diz-se que o Homem é um ser gregário, aludindo-se com isso à sua inata tendênciaa agrupar-se para íuisegurar sua identidade e sobrevivência como espécie. Mas, aocontrário de outras espécies animais, o Homem náo se agrupa apenas píua defender-se dos perigos naturais ou para multiplicar sua capacidade de prover sustento e prote-ção para a prole. O Homem também se agrupa para instrumentalizar seu domínio epoder sobre seus iguais, mesmo quando este domínio não está vinculado a questõ€s

70 . zuenurNaosonlo

de sobrevivência ou preservaçâo da espécie. E é quando isso ocorre que nos defron-tamos com os mecanismos obstrutivos nos sistemas sociais, grupos ou instituições.

Os sistemas sociais, as instituições e os grupos em geral são sempre - a par deseus objetivos específicos - instrumentos de busca e manutenção do Poder (assimmesmo, maiusculado, para enfatizar sua magnitude e inadjetivado para caracterizarsua abrangência). Essa aspiração ou desejo de Poder está ligado às origens da condi-ção humana e é o substrato dinâmico para as vicissitudes dos indivíduos na sua vidade relação.

Sabemos que os seres humanos são capazes de inibir seu desenvolvimento psíqui-co e comprometer seriamente a realização de seus projetos de vida a partir de mecanis-mos autodestrutivos, que vão desde as "inofensivas" somatizações que afetam osindivíduos em geral até condutas francamente suicidas.

De forma análoga, poderíamos dizer que também os sistemas sociais "aniqui-lam-se" ou "suicidam-se". Aí está a desintegração do Leste Europeu como evidêriciacontemporânea desses processos autodestrutivos num sistema social. Em escala me-nor, os gmpos também se autoflagelam, como nas dissidências ou fragmentaçõesinstitucionais.

Porém não é a essas formas extremas de aniquilação institucional que vamosnos referir neste texto e, sim, aos processos obstrutivos lentos, insidiosos, crônicos,nem sempre perceptíveis e que estão contínua e reiteradamente debilitando os organis-mos grupais e minando seus objetivos imanentes. Tais processos seriam companíveisàs detenções no desenvolvimento, ou aos fenômenos regrgssivos nos indivíduos. E s€quiséssemos continuar na analogia, diríamos que se estendem numa gama que vaidesde as fronteiras da normalidade até o nível psicótico, que não contempla as exi-gências da realidade e acaba constituindo-se numa "morte em vida" pela impossibilid+de de dar curso a um projeto existencial. Para lhes dar uma idéia mais clara daquilo aque me refiro aqui, preciso recorrer a alguns conceitos e noções, aparentemente es-parsas e desconexas, mas que aos poucos serão articuladas para dâr sustentação aesta exposição.

Para um psicanalist4 falar em processos obstrutivos ou autodestrutivos é evo-car inevitavelmente a idéia de um instinto ou pulsão de morte, tal como originalmen-te a formulou Freud (1920). Esse é sabidamente um dos mais controversos conceitosda teoria psicanalítica e há quem afirme que nem mesmo Freud se convenceu comsua própria aÍgumentação a favor de sua existência. O- saggggqpsicanalistas que oadotaramçqnó ferramênta epistemológica - M. Klein èìÍlóçlõ:ìãfr guraãÍn-node tal sorte que Douco lembra a forma coúo Freud inicialmente o concebeu.-Èì:meìa

meómílibèidãdè dé transTorm-raÇão õo èonieito ilara aÌtíptáJo aosobjetivos deste capítulo. Tomarei, então, o instinto de moÍe não como um hipotéticoimpulso ao auto-aniquilamento, mas como uma forma de inércia ao movimento emdireção à vida, ao crescimento, à evolução e suas exigências de diferenciação e reconhe-cimento dapresença do Outro - como algo, enfim, que boicota ou sabota o desenvolvimento psíçico do indivíduo.

Sirvo-me da intuição dos poetas - esses sutis antecipadores do conhecimentocientífico - para dadhes uma sintética idéia do instinto de morte como o visualizo eapresento _aqui. Diz-nos M. Quintana (1973): " A única morte possível é não ternascido". E a esta recusa às vicissitudes da existência e ao desejo demanler ad aeternoo estado de onipotência original que estou aludindo aqui quando me refrro ao instintode morte.

COMO TRABALHAMOS COM CRUPOS . 71

\ÍAS O QUE VEM A SER O ESTADO DE ONIPOTENCIA ORIGINALA\TES REFERIDO?

Suponhamos, para melhor entendê-lo, que o bebê dentro do útero matemo tem de sie do que o rodeia a idéia de um todo fusionado e indissociável. Se um feto pensasse,diria:;'O Universo sou Eu". Essa fórmula solipsista resume a essência psicoiógica doestado de indiferenciação inicial do ser humano na vida intra-uterina. Essa fórmulatransforma-se, pela contingência do nascimento, na premissa "O Universo(Mãe) existeem função de Mim", que será mantida ao longo dos primeiros meses de vida do bebê,em razáo de sua condição neotênica, ou seja, sua incapacidade de sobreviver semcuidados extemos (maternagem).

A cisão primordial do nascimento e a conseqüente necessidade de adaptar-se àsexigências de uma realidade que confronta o ser humano com a evidência de suaincompletude (e, posteriormente, com sua finitude) o levam a anelaÍ o retomo ao quechamamos estado de onipotência original, representação mental do paraíso nirvânico,sem angústias, sem conflitos, sem desejos a demandar satisfações e, conseqüente-mente, o corolário da negação da vida e suas vicissitudes. O impulso que se opõe àvida e às suas manifestações, tais como o desejo de crescer e aceitar os desafios dopériplo existencial, é o que aqui entendemos por instinto de morte, e seu objetivoseria, portanto, o retomo ao estado de onipotência original, cujo paradigma é o narci-sismo primário do bebê no "nirvana" uterino.

Narcisismo, noção intimamente relacionada e articulada com as anteriores, énossa próxima referência conceitual. Narcisismo que não é o amor a si próprio comopostulou-se inicialmente, fundamentando-se na expressão plástica da lenda que oinspirou como conceito metapsicológico, mas, sim, q incapacidade de amar até_a sipróprio, conteúdo que transcende a imagem de Narciso mirando-se no espelho daságuas para evocar o aspecto autodestrutivo subjacente na representação alegórica davoltâ ao estado onipotente original, pela fusão com a Mãe, simbolizada nas águasonde se deixa afogar.

Outra vez os poetas vêm em meu auxílio para me adequar à necessidade de serbreve. Desta feita é V. de Moraes quem nos alerta que "quem de dentro de si não saivai morrer sem amar ninguém". Narcisismo é, pois, como aqui o estamos consideran-do, esta impossibilidade de sair de dentro de si para a interação com o Outro, estejaesse Outro externalizado no seu mundo de relações pessoais ou intemalizado sob aforma de representações de objetos afetivos no aparelho psíquico.

O narcisismo seria, então, a expressão da libido represada e que no contextogrupal se evidencia por uma menor disponibilidade às interações afetivas e a umamenor consideração pelos direitos alheios, alimentando, dessa forma, os processosobstrutivos pelo estancamento da cooperação grupal indispensável à consecução datarefa a que o grupo se propõe, seja qual for esta. Por outro lado, a libido represadaimpede a admiração, porque esta implica o reconhecimento do valor alheio. Destarte,as posturas narcísicas ensejam a eclosão de sentimentos invejosos.

A inveja lança suas raízes no solo que lhe é propício, o narcisismo, medra regadapela hostilidade e se espalha, qual erva daninha, no pasto da mediocridade. Outros-sim, a inveja articula-se com o instinto de morte por ser um sentimento paralisante,impeditivo do progresso de quem o alberga e que o deixa à margem dos movimentosevolutivos de qualquer grupo do qual participe, aos quais irá sabotar, pois a emergên-cia da criatividade grupal exarcerba o mal-estar do indivíduo invejoso que, via deregÍa, pertence à parcela menos talentosa ou criativa dos grupos ou instituições. Como

72 . zIt,lrnulN a osonlo

sói acontecer que o invejoso não tenha consciência da pr6pria inveja (porque paralo é preciso ter acesso ao processo criativo a que chamamos lnsrgftl e este estádo pela ação deletéria do instinto de morte enquanto agente bloqueador doou evolução) põe-se ele a atacar os movimentos construtivos do gmpo, ias práticas sabotadoras das transformações criativas.

Outros sentimentos ou emoções humanas comparecem e causamna malha interativa dos processos grupais, gerando ou exarceúandoobstrutivos a seu funcionamento. Entre tantos que deixaremos de mencionar etir para não exceder os limites convenientes a esta exposição, destacaremos, porrelevância para o tema em pauta, a arrogância (outro subproduto narcísico) econtrapartida, o servilismo interesseiro, uma forma de mimetismo com as opiniõesintenções das lideranças grupais e que consiste em abrir-se mão da dignidadepara a obtenção das benesses do poder circulante no gmpo e ao qual o postulantese supõe capaz de ter acesso a não ser pelo expediente da bajulação.

Tais condutas, decorrentes quer da arrogância de quem narcisicâmente sebui um valor que não tem e desqualifica o mérito alheio, quer do peleguismo dese humilha para contemplar seu triunfo narcísico espelhado no Outro, têmestagnantes sobre a evolução do processo grupal e, conseqüentemente, podemarroladas como elementos obstrutivos dos sistemas sociais.

A hipocrisia é outro agente obstrutivo grupal que não podemos deixardenar. Como sugerem suas raízes etimológicas, é a hipocrisia o reduto das atitudessubvertem a mudança social por manter abaixo do nível crítico (hipo-crisis) acia dos aspectos conflitivos inerentes a qualquer agnrpamento humano.

Ao impedir-se, pela viacínica ou intermediação hipócrita, que venham à tonasentimentos conflitantes, tamponam-se artificialmente as crises institucionais etam-se as iniciativas paÍa promover as mudanças capazes de assegurar ade dos processos grupais e, conseqüentemente, a manutenção da saúde

Recorde-se, en passanl, que a expressão crise (do grego kri.ris - ato ou facude de distinguir, escolher,decidir e./ou resolver), como lembra Erikson (1968), jánão padece em nossos dias do significado de catástrofe iminente que em certochegou a constituir-se em obstáculo à compreensão do real significado doAtualmente, aceita-se que crise designa um ponto conjuntural necessário aovimento tanto dos indivíduos como de suas instituições. As crises mobilizam asriências acumuladas e ensejam uma melhor (re-) definição de objetivos pessoais oncoletivos.

Todo e qualquer sistema social é uma caixa de ressonância que amplifica asemoções humanas e as reverbera na trama interpessoal que lhe serve de sustentação.Como, então, apresentam-se e interagern, na práxis societária, grupal ou institucionaLelementos como os mencionados instinto de morte, narcisismo, busca e manutençãode estados de poder, inveja, anogância, servilismo, hipocrisia e outros tantos apenassugeridos e não explicitamente mencionados no texto? E como se exteriorizam emprocessos obstrutivos?

Vamos nos valer a seguir de uma situação fictícia que nos permita, através dailustração, preencher as lacunas da digressão teórica. Apenas descreveremos a aludi.da situação, deixando aos leitores a tarefa de correlacioná-la com os conteúdos sobreos quais estivemos a dissertar até agora.

Imaginemos que estamos reunidos num grupo informal pzrÍa estudÍtÍ os proces-sos obstrutivos nas instituições sociais em geral. A motivação que nos aproximou é acuriosidade compartida sobre esses fenômenos e o desejo de compreendêJos em

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maior profundidade. Também compartilhamos a convicção de que é num grupo mul-tidisciplinar que maior proveito advirá nosso intercâmbio de idéias.

Eis quando alguém repentinamente propõe: " - E se fundássemos uma socieda-de para estudar os processos obstrutivos nos sistemas sociais e pudéssemos atravésdela veicular nossa contribuição a tão relevante questão nos dias que conem? Ponho-me desdejá à disposição do grupo para tomar as primeiras providências cabíveis". (Oproponente trai assim seu inefreável anseio de liderar tal sociedade.) Ato contínuo,outro membro do grupo, salientando sua prévia experiência como comunicador, su-gere uma sigla para a nascente instituição: " - Chamemo-la SPEPOS (Sociedade parao Estudo dos Processos Obstrutivos Sociais)", ao que um terceiro, vocacionado prag-maticamente para a codificação informática, contrapõe: " - Muito extensa.Condensemo-la para SPOS. E suficiente para identificá-la e soa melhor".

Entrementes, outro aspirante à liderança do grupo sugere que se cogitem nomespara compor a diretoria, e vai logo indicando dois ou três para cargos de secretiírio,tesoureiro e relações públicas, deixando estrategicamente vacante o de presidente,logo preenchido com seu próprio nome por proposta do secretário recém-indicado,antigo companheiro de lutas políticas noutros anaiais. O tesoureiro, confirmando oacerto da proposição de seu nome para o caÍgo, vai logo calculando e sugerindo ovalor de uma contribuição inicial para os sócios e... pronto! Lá se foi por água abaixoo objetivo original do grupo, carregado pelo desejo coletivo de abrir espaço para oexercício dos jogos de poder, a serviço dos núcleos narcísicos de cada um dos com-ponentes. E não há como a promessa de um cargo diretivo para acionar as vaidadescirculantes e preencher as valências narcísicas sempre disponíveis para uma novatentativa de resgate do estado onipotente original.

O grupo institucional passa a ser, então, o continente propício a esta busca irre-freável de restauração do poder original perdido e que, no registro existencial de cadaum de seus membros, jaz no passado arcaico que remonta ao estado de indiferenciaçãoinicial do bebê, onde impera soberana a condição narcísica primordial, que não reco-nhece a existência do outro porque isso implica revelar a si próprio sua fragilidade eincompletude.

Abstraindo-se o caráter caricatural do exemplo proposto, pode-se imaginar me-lhor caldo de cultura do que a institucionalização de um grupo como foi descrito parao florescimento da inveja, da arrogância, do mimetismo servilista, da hipocrisia aco-modatícia, da desqualificação do valor alheio e outros tantos elementos pemiciosos àintegidade e ao progresso de um sistema social? São esses alguns dos mecanismosobstrutivos que sabotam o crescimento de um grupo e erosam seus objetivos origi-nais, trazendo como conseqüência a inércia e a estagnação que identificam a presen-

ça do instinto de morte, na acepção em que o consideramos.Se quisermos correlacionar tais eventos com a teoria psicanalítica dos grupos'

conforme enunciada por Bion (1961), poderíamos acrescentar, a esta altura, que osprocessos obstrutivos se instalam na vigência dos supostos básicos de dependência,iuta-e-fuga e acasalamento messiânico; ou seja, um grupo deixa de cumprir seusobjetivos e apresenta um movimento de detenção evolutiva ou regressão sempre queabandona a condição de grupo de trabalho para tomar-se um grupo de supostos bási-cos, segundo a terminologia bioniana.

Uma última reflexão à guisa de conclusão:Quando um grupo institucionaliza-se a serviço do poder e do culto ao narcisis-

mo de seus membros e desvia-se de seus objetivos originais, ele esclerosa-se, perdevitalidade, e, mesmo que não venha a se aniquilar e desaparecer por inteiro, sofre umlento, insidioso e gradativo processo de degradação' Se este processo de instituciona-

coMo TRABALHAM'' co" o*u"or . 73

74. r* t t*nto* a oto^ 'u

l ização antioperativa for muito precoce, o grupo pode chegar à extinção, aprisionadcpela carapaçâ constritiva das estruturas narc ísicas de seus membros componentes, ta.qual o cérebro dc um infante esmagado pela ossificação prcmatura do crânio.

Então - aÌguém poderá indagar-se, fazcndo ulna leitura parcializada ou equivo-cada do que estou dizendo - todo o processo de institucionalização ó nocivo?

Obviamente, não. A instituição seja ela a família, o clube esportivo, o partidipolítico ou a sociedade científica - é o arcabouço, o esqueÌeto do corpo societário. Eo que o sustenta c possibilita sua estruturação. Sem dúvida, contudo, a instituiçãcsofre um inevitável processo de pauliìtina arÌtodestnÌição na medida em que se afast:de seus objetivos precípuos para servir aos intcresses narcísicos de seus membros, ouse restringe a opcrar como mero instrumento para o exercício do poder.

A aceitação da premissa de que os gÌxpos, como os indivíduos, são limitados efinitos e que não podem sujeitar-se a sacrificar suas finalidades espccíficas para aten-der às demandas narcísicas de seus componentes e à sua aspiração de resgatar urpoder ilusório é condítìo sürc quír /ralÌ pariì que se atenuem os pÍoccssos obstrutivo:que possam vir a ameaçar a sobrevivôncia operativa de qualquer grupo, instituição oLsistema social.

Em outras palavras, não são as ideologias e sim os indivíduos que fracassam er,suas tentativas de construir um mundo melhor, porque na sua pri'txis institucional estemundo não ultrapassar as fronteiras de seus próprios egos.

Penso que adquirir rnslgÀt desses mccanismos obstrutivos vinculados à busca emanutenção de estados de poder a serviço de pressupostos naÍcísicos que solapam cfuncionamento das instituições humanas e âmeâçam sua continuidade e existência éde suma impoíância para todos nós quc trabalhamos com grupos. E preciso identificr-los coneta e precocemente para, então, podermos introduzir as mudanças necessária:à remoção dos pontos de e strangulamcÌ'Ìto que impedem o fluxo criativo dos proces-sos grupais. Sem isso, os sistemas sociais tornam-se antioperativos e contribuerÌ:para o mal-estar existencial dos que neles convivem.

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Classifïcacão Geral dos)

GruposDAVID E. ZIMERMAN

E válido partir do princípio de que, virtualmente, a essáncra dos fenômenos grupais éa mesma em qualquer tipo de grupo, e o que determina óbvias diferenças entre osdistintos grupos é a finalidade para a qual eles foram criados e compostos.

Assim, em algumas circunstâncias, os fenômenos psíquicos de um campo grupalestão em estado latente, subjacente, e, em outras situações, é inerente à natureza dogrupo em questão que haja a emergência de ansiedades, resistências, transferências,etc., e que as mesmas possam ser interpretadas e trabalhadas. Conforme fora finalidadeprecípua do grupo, diferente também será a camada das pessoas que o compõem, anatureza das combinações dosetting, o esquema referencial teórico adotado e o proce-dimento técnico empregado.

É amplo o leque de aplicações da dinârnica grupal, vasta a possibilidade de fazerarranjos combinatórios criativos entre os seus recursos técnicos e táticos, e, igualmen-te, há uma certa confusão semântica na área da grupalidade; portânto, denominaçõesdiferentes podem estardesignando um mesmo tipo de atividade grupal e, em contrapar-tida, uma mesma denominação pode estar referindo distintas aplicações práticas. To-dos esses fatos, acrescidos de tantas outras variáveis fáceis de serem imaginadas, po-dem gerar uma confusão conceitual, inclusive com um prejuízo na comunicação relati-va ao necessário intercâmbio de experiências e idéias entre os diferentes profissionais.

Para atenuar esse estado de coisas, impõe-se a necessidade de uma classificaçãodas distintas e múltiplas modalidades de grupos. Como não tenho conhecimento denenhuma classificação mais abrangente e que seja de utilização consensual, vou mepermitir propor um modelo classificatório das modalidades grupais, com a evidenteressalva de que não há a pretensão de que ela seja completa ou rigorosamente certa.Da mesma forma que qualquer outro intento de classificação, também este poderiapartir de muitos pontos de vista, como, por exemplo: a possibilidade de tomar asvertentes teóricas como base para uma classificação; o tipo de serllng que foi instituí-do e que preside o grupo (grupos homogêneos, grupos abertos e fechados, etc.); afinalidade a ser alcançada; o tipo das pessoas componentes; â área em que o gÍupoestá sendo aplicado; o tipo de vínculo estabelecido com o coordenador; o tipo detécnica empregada, e assim por diante.

A classificação que aqui está sendo proposta se fundamenta no critério dastnali-dcdes a que se destina o grupo, e ela parte de uma divisão genérica nos dois seguintesgrandes ramos: operalivos e psicotertipìcos.

Lemeste

caemo

[ca-lnasces-uem

t976.

rmpo

76. znrEnvar a osorto

Cada um dcsses ramos, por sua vez, subdividc-se em outras ramificações, con-forme o esquema simplificador que segue adiante, o qual visa unicamente a dar um:informação sumaríssima, a fim de situar o leitor no contexto geral, visto que todas a:modalidades grupais a seguir mencionadas serão objeto, separadamente, de capítulo:específicos, por parte de colegas especialistas nas respectivas áreas.

GRUPOS OPERATIVOS

E tão ablangente a conceituaçiro da expressão "gl'upo opcrativo" e ó tão cxtensa.gama de suas apÌicaçõcs práticls, que muitos preferem considerá-los como sendcgenericamentc, um continente dc todos os demais grupos, inclusive os terapêutico\.mesmo os especificamcnte psicanaÌíticos. A conceituação, a divulgação e a aplica-

ção dos grupos operativos devenr muito ao psiclnalista argentino Pichon Rivière.que, desde 1945, introduziu-os c os sisteÌnatizou. Esse autor construiu o seu "esque-ma conceitual referenc ial operativo ' considcrando uma série de fatores, tanto consci-entes como inconscientcs. que regem a dinâmica de qualquer campo grupal, e que s:manifcstam nas três áre.rs: mentc. aorDo c mundo exterior.

É útil enÍììtizar quc u ativi.l.tde dó coordenrtìor dos grupos opcrativos deve fica:centralizada unicamente na tarefa proposta. sendo que, somente nas situações em qü.os fatores inconscìen1Ès inter-rclrcionais ameaçarem a intcgração ou evolução exitos:do grupo, é quc caberlo eventLriÌis intcrvenções de ordenr interpretâtiva, por veze:dir ig idrs ao plrrr to do ìncon.cicr l t .

Em linhas gerais, os gnÌpos operativos propriamente ditos cobrem os seguinte.quatro càmpos: ettsíno<tprentlizugent, ittslitttciortois, conruníttirios e terapêutìcos.

Ensino-aprendizagem, A ideologia fundamental deste tipo de gÍupo é a de quio essencial é "aprender aprendcr", e que "mais importante do que encher a cabeça deconheciÌnentos é formar cabeças". Incontáveis são as modalidades de aplicação do.grupos operativos, sendo que muitas vezes, sob múÌtipÌas denominações distintas.eles designam um funcionamento similar.

Especificamente cm relação à tarefa de aprendizagem e treinamento, são conheci-dos os grupos T (truíníng-groups); os grupos F (essa letra é a inicial de free e de

fonnatiort, o que diz tudo acerca da característica de tais gmpos); os grupos Ballr:(nome de um renomado psicanalista inglês que realizava uma atividade sistemáticrcom grupos de médicos não-psiquiatras, visando a dar-lhes condições de desenvolve-rem uÌna atitude emocional empática para que elcs pudessem exercer uma ação psi-coterápicâ com os seus pacientes clínicos); e entre outros mais, os "grupos de refle-xão", os quais, por sua crescente relevância, serão objeto de um capítulo especial.

Institucionais, Cada vez mais esta atividade operâtiva está sendo utilizada nasinstituições em geral. Assim, as escoÌâs estão promovendo reuniões que congregampais, mestres e alunos com vistas a debaterem e encontraÍem uma ideologia comumpara uma adequada formação humaníslica. O mesmo pode acontecer nas diversasassociações dc classe, como, por exemplo, nos sindicatos, na igreja, no exército e nasempresas. Especialmente, estas últimas estão montando serviços dirigidos por psicólo-gos organizacionais, que se destinam a rìumentar o rendimento de produção de umaemprcsa, investindo no pessoaÌ da mesma, atrâ\,és de grupos operativos centrados nitarefa de obtencão de um clima de harmonia entre os seus diversos escalões.

COMO I I {ABALHAMOS COM GRUPOS '

77

Comunitários. O melhor exemplo deste tipo de grupo é o de sua crescenteaplicação em programas voltados para a saúde mental. Partindo da definição que aOMS deu à saúde como sendo a de "um completo bem-estar físico, psíquico e soci-al", ê fâcil entender porque as técnicâs grupais encontram (ou deveriam encontrar)uma ampla área de utilização, sobretudo em comunidades sociais. Pode servir comomodelo disso o trabalho com grupos que, há muitos anos, vem sendo aplicado na VilaSão José do Murialdo, em Porto Alegre, RS, comunidade com uma população emtorno de 30.000 habitantes, que se beneficia com a utilização de diversos tìpos degrupos - por exemplo, os realizados com gestantes, crianças, pais, adolescentes sadi-os, líderes naturais da comunidade, etc.

Técnicos de distintas áreas de especialização (além de psiquiatras, também ou-tros médicos não-psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, sanitaris-tas, etc.) podem, com relativa facilidade, ser bem treinados para essa importante tare-fa de integração e de incentivo às capacidades positivas, desde que eles fiquem uni-camente centrados na tarefa proposta e conheçam os seus respectivos limites.

Terapêuticos. Tal como a denominação indica, os grupos operativos terapêutìcosvisam fundamentalmente a uma meÌhoria de aÌguma situação de patologia dos indivÊduos, quer seja estritamente no plâno da saúde orgânica, quer no do psiquismo, ou emambos ao mesmo tempo.

A forma mais utilizada desta modalidade grupal é conhecida sob o nome degrupos de auto-ajuda e ela consiste no fato de comumente ser um grupo de formaçãoespontânea entre pessoas que se sentem identificadas por algumas caracteísticassemelhantes entre si, e se unificam quando se dão conta que têm condições de ajuda-rem reciprocamente. Outras vezes, estes grupos se formam a partir do estímulo inte-grador de algum profissional que coordena o grupo até que este sinta ter chegado omomento certo de caminhar sozinho, então o profissional se afasta definitiva ou transi-toriamente, mantendo-se disponível para o grupo que ele ajudou a formar. Podemoscitar como exemplo a disseminação de grupos que, na maioria das vezes, formam-seespontaneamente e que são conhecidos sob o rótulo de "Anônimos" (AÌcoólicos,Fumantes, Neuróticos, etc.)

A utilização terapêutica do grupo de auto-ajuda, o qual também começa a serconhecido comÕ "grupo de mútua ajuda", merece ser destacada tanto pela razão desua indiscutível eficácia como também pelo largo âmbito das áreas beneficiadas epela sua incrível expansão, muito particularmente no campo da medicina. Os gruposde auto-ajuda são, portanto, compostos por pessoas portadoras de uma mesma cate-goria de prejuízos e de necessidades e que, de uma forma geral, podem ser enquadra-dos nos seguintes seis tipos: Adictos (tabagistas, obesos, drogadictos, aÌcoólicos,etc.), cuidados primários de saúde (programas preventivos de saúde, como um supor-te para pacientes hìpertensos, diabéticos, reumáticos, etc.), reabilitação (infartados,colostomizados, espancados, mutilados, etc.), sobrevivência social (estigmatizados,como os homossexuais, os portadores dc defeitos físicos, etc.), suporte (pacientescrônicos, físicos ou psíquicos, pacientes terminais, etc.), problemas sexuais e conju-gais (mais utilizados nos Estados Unidos).

Cada um desses seis subgrupos pcrmite novas ramificações, e dai é fácil con-cluir o número quase infinito de possíveis modalidades grupais dessa naturezâ e,portanto, do extenso número de pessoirs que pode ser at ingido. E necessário enfatizar,entretanto, que essas múltiplas e distintas ramificações de grupos operativos, naprática,não são perfeitamente delimitadas; aÌltes, elas muitas vezes se interpõem, compÌe-

!

78 . ZIMERMAN & osoRlo

mentam-se e se confundem. Por exemplo: os gÍïpos operativos costumamum benefício psicoteriípico e, da mesma forma, os grupos psicoter,'ápicos sedo esquema referencial operativo.

GRUPOS PSICOTERAPICOS

Embora, como anteriormente explicado, os gÌupos operativos também tenhamindiscutível ação psicoterápica, é útil reservar a terminologia de "grupo psicoterápicoestritamente para aquelas formas de psicoterapias que se destinam prioritariamenteaquisição de insight, notadamente, dos aspectos inconscientes dos indivíduos etotalidade grupal.

Não há um específico e acabado corpo teórico-técnico que dê uma sólidamentação a todas as formas de grupoterapias. Enquanto isso, elas vão sede outras fontes, das quais merecem um registro à parte as quatro a seguira p sicodranuitica, a da teorin sistêmica, a da correntee, naturalmente, a de inspiração psicanalítica. Alémgrupoterapia de abordagem múltipla holística, a qualcerta combinação das anteriores.

Psicodramática. A corrente Dsicodramática vem sanhando umespaço em nosso meio. Criado por J. Moreno, na década de 30, o psicodramaconserva o mesmo eixo fundamental constituído pelos seis elementos a seguir:rio, protagonista, diretor, ego auxiliar, públíco e a cena a ser apresentada.

A dramatização pode propiciar areconstituição dos primitivos estágiosdo indivíduo. Assim, uma primeira etapa da dramatizaçáo (técnica da dupla) visareconhecimento da indiferenciação entre o "eu" e o "outro". Numa segunda(técnica do espelho), o protagonista sai do palco e, a partir do público, assisterepresentação que uma outra pessoa, no papel de ego auxiliar, faz dele, e issolita que ele reconheça a si próprio, assim como na infância ele percorreu fasesreconhecer a sua imagem no espelho. A terceira etapa (técnica da inversão devai permitir que o sujeito possa colocar-se no lugar do outro, então desenvolassim o sentimento de consideração pelos demais. Deve ficar claro que, no cursotratamento, essas etapas não são estanques. Também é útil que fique clara aentre "psicodrama", tal como foi antes resumido, e o emprego de "dramatizações",quais podem ser eventualmênte utilizadas como um recurso auxiliar, no decursooutÍas formas grupotenápicas.

Teoria sistêmica. Os praticantes dessa corrente partem do princípio de quegrupos funcionam como um sistema, ou seja, que há uma constante interação,plementação e suplementação dos distintos papéis que foram atribuídos e queum de seus componentes desempenha. Assim, um sistema se comporta comoconjunto integrado, onde qualquer modificação de um de seus elementosmente irá afetar os demais e o sistema como um todo.

A terapia de família tem apresentado uma relevante expansão em nossosendo que, fundamentalmente, seus referenciais específicos são alicerçados nasistêmica. No entanto, isso não impede que muitos terapeutas de famíliautilizem o respaldo oferecido pelos conhecimentos psicanalíticos, assim como oprego intercalado de técnicas de dramatizaçáo.

dessas, deve ser incluídaconsiste no emprego de

Cognitivo-comportamental. Essa corrente fundamenta-se no postulado de quetodo indivíduo é um organismo processador de informações, recebendo estímulos edados, e gerando apreciações. Trata-se de uma teoria de aprendizagem social, naqual, sobretudo, são valorizadas as expectativas que o sujeito se sinta na obrigação decumprir, a qualificação de seus valores, as significações que ele empresta a seus atose crenças, bem como a sua forma de adaptação à cultura vigente.

O tratamento preconizado pelos seguidores da corrente comportamentalista(behavioristas) parte do fato de háuma necessidade de uma clara cognição dos aspec-tos antes referidos e, a partir daí, a técnica terapêutica visa a três objetivos principais::uma reeducação - em nível consciente - das concepções errôneas, um treinamentode habilidadei comportamentais e uma modificaçõo no estilo de viver' É uma técnicaque está sendo bastante utilizada no tratamento de drogadictos em geral, ou nos casosde adicção sem drogas, como é, por exemplo, o tratamento em grupo com obesos.Nesses casos, é de fundamental importância que haja o desenvolvimento de funçõesdo ego consciente, tais como a de antecipar, prevenir, modificar, além de lidar com assituações que implicam risco de reincidência.

Psicanalítica. A conente psicanalítica, por sua vez, abriga muitas escolas: freu-diana, teóricos das relações objetais (inspirados principalmente em M. Klein, Bion eWinnicott), psicologia do ego (Hartmann, M. Mahler, etc.), psicologia dosef(Kohut),estruturalista (Lacan, entre outros). No entanto, apesar da óbvia (e sadia) divergênciana conceituação da gênese e do funcionamento do psiquismo, e da fundamentaçãodos postulados da metapsicologia, teoria, técnicae prática da psicanálise, essas diferen-tes escolas convergem no que há de essencial relativamente aos fenômenos provin-dos de um inconsciente dinâmico.

Particularmente em relação às grupoterapias psicanalíticas, não há um únicoreferencial teórico{écnico, o importante é que o grupoterapeuta tenha uma formaçãopsicanalítica, de preferência de natureza múltipla, isto é, de conhecer muito bem osfundamentos básicos de todas as escolas, e, a partir daí, construir o seu estilo próprioe autêntico de trabalhar psicanaliticamente, fazendo as necessárias adaptações àspeculiaridades do campo grupal, com as suas leis dinâmicas específicas.

O fato de que o grupoterapeuta trabalhe com um referencial de fundamentaçãopsicanalítica não significa que ele deverá visar, sempre, a um objetivo rigorosamentepsicanalítico, no sentido restrito desse termo. Assim, da mesma forma como naspsicoterapias individuais, também as grupoterapias podem funcionar por um períodode tempo longo ou cuÍo, podem ter uma finalidade precípua de lnsigÀr destinado amudanças caracterológicas, ou podem se limitar a benefícios terapêuticos menos pre-tenciosos, com a simples remoção de sintomas, alívio de angistias ou resolução decrises. Além disso, essas grupoterapias também podem limitar-se à busca única deuma melhor adaptabilidade nas inter-relações familiares, profissionais e sociais, oupodem objetivar a manutenção de um estado de equilíbrio psíquico (como, por exem-plo, com psicóticos egressos), ou ainda, a de despeÍar as ocultas capacidades positi-vas (como no caso de grupos com pacientes borderline, depressivos), e assim pordiante.

Um exemplo de como o referencial psicanalítico pode estender-se a outras aplica-

ções grupais que não somente as do clássico sztling com pacientes neuróticos consis-te no emprego da "psicanálise das configurações vinculares", que, além dos grupos einstituições, encontra a sua grande importância no atendimento a casais e a gruposfamiliares.

COMO TRABALHAMOS COI!| Cnu"OS . 79

80 . zr,rmuer a oso*to

Todas as altemativas até aqui levantadas requerem uma variabilidade dedres, como será exposto ao longo do livro, inclusive com um capítulo dedicadocialmente à prática com grupoterapia psicanalítica propriamente dita, dirigidainsifl, com o propósito precípuo de obtenção de mudanças caracterológicas.

ESTADO ATUAL DAS DIVERSAS FORMAS DE GRUPOS

Seguindo o esquema de classificação proposto neste capítulo, pode-se dizer queatual panorama é o seguinte:

Os grupos operativos - como, por exemplo, os "grupos de reflexão" - tantoárea de ensino-aprendizagem como nas diversas instituições, em distintas áreasmanísticas, em programas comunitários de saúde mental, etc., têm mostradocrescimento visível, embora pareça que ainda estão muito aquém do que poderiamdeveriam estar. Cabe um registro especial aos grupos de auto-ajuda e mútuapois eles vêm revelando, nos últimos anos, uma notável expansão e inquestibenefícios, sobretudo em inúmeras aplicações na área da medicina, como são ospos homogêneos realizados com pacientes diabéticos, hipertensos, aidéticos, reumáticos, colostomizados, pós-infartados, mastectomizados, deficientes ffsicos, etc.,um leoue ürtualmente sem fim de benefícios teraoêuticos.

Em relação às gnrpoterapias, constata-se um significativo desenvolvimentouma progressiva demanda de áreas como a de casais e a de família, o empÍegotécnicas psicodramáticas, grupos com psicóticos egressos, diversos tipos dehomogêneos (com pacientes depressivos, borderline, drogadictos, transtomosmentares, etc.). Quanto às grupanálises, em nosso meio pelo menos, após o iníciosua aplicação na década de 50 e o seu vigoroso crescimento na década de 60,décadas de 70 e 80 foram marcadas por um progressivo declínio, e a de 90 aindaestá claramente defi nida.

À guisa de conclusão final deste capítulo, cabem algumas sugestões:

. Em atenção às peculiaridades de um país pobre e populoso como é o nosso,utilização do recurso grupoterápico tem tudo para ser uma alternativa deperspectivas, até agora não suficientemente exploradas. O aproveitamentoserviços já existentes, ou a criação de clínicas de grupoterapia para pessoasmédia e baixa renda, atenderia a uma inquestionável necessidade da

. As instituições formadoras de profissionais da área da saúde biopsicossocialos médicos em geral, psiquiatras em especial, psicólogos, assistentes sociais,po de enfermagem, deveriam dedicar um maior espaço ao ensino da dinâmicagmpo, inclusive com uma eventual utilização de técnicas grupais de ensino,damente nos primeiros anos de formação profissionâ|.

. A continuidade na promoção de encontros entre todos os técnicos, muitasanônimos, das mais diferentes áreas de especialização que, de uma formaoutÍa, estão empregando algum recurso de atividade gnrpal, em seuscampos profissionais. Não resta a menor dúvida quanto à importância - comoponto de partida, para uma necessária integração - de se saber quem é quem, eque cada um pensa, faz, por que e como faz, etc.

Finalmente, deve-se dar todo apoio aos institutos formadores dede grupos e às entidades representativas, em suas tarefas de, entre outras,cursos, programas, jomadas, algumas formas de intercâmbio de experiências,

COMO TRABALHAMOS COM CRUPOS . 81

quisa e produção de trabalhos científicos, estímulo ao estabelecimento de convênioscom órgãos estatais de assistência médica, empresas, sindicatos, instituições de en-saio, entidades congêneres a essas e, sobretudo, promover alguma forma consistentede diwlgação e esclarecimento ao grande público.

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Como Supervisionamos emGrupoterapiaLUIZ CARLOS OSORIO

O ensino sob a forma de trabalho supervisionado é t^lvez a mais antiga forma detransmissão de conhecimentos. Embora, com um pouco de imaginação, seja possívelsituar seu surgimento no estágio tribal do processo civilizatório - onde os mais ve-lhos "supervisionam" os mais jovens na aprendizagem de formas rudimentares desobrevivência através da caçâ, pesca e obtenção de elementos nutritivos do reinovegetal -, foi durante a Idade Média que a supervisão se institucionalizou através dadinâmica peculiar à relação do mestre-de-ofício e seus aprendizes.

No campo das ciências psicológicas, foi apsicanálise que introduziu em sua práxisformativa a supervisão como um dos pilâÍes do treinamento de novos psicanalistas.

Kusnetzoff (Groisman, 1984), após assinalar a ausência significativa de umadefinição sobre o termo, na literatura sobre supervisão, define-a como "um sistemade auditoria-assessoria, onde um estudante adquire as habilidades e os conhecimen-tos necessários para um desempenho adequado na tarefa psicotenápica".

Tendo a supervisão da prática psicoterápica se originado - como se assinalouantes - do modelo de treinamento psicanalítico, não seria de se estranhar que ela seapoiasse na relação dual supervisor-supervisionado e privilegiasse o relato verbaldas sessões. No entanto, em se tratanto de grupos - como se verá adiante -, essemodelo obsolesceu e se tomou insuficiente para a desejável transmissão de conheci-mentos.

Como as distintas técnicas de supervisão atualmente empregadas em grupo.terapias estão estreitamente vinculadas a suas modalidades, elas serão apresentadasno contexto de cada uma dessas modalidades.

MODALIDADES DE ATENDIMENTO GRUPAL: SUAS PECULIARIDADESE CORRESPONDENTES TÉCNICAS DE SUPERVISÃO

É tarefa extremamente complexa tentar qualquer forma de sistematização das distin-tas modalidades de atendimento grupal: ora se pode referilas às linhas teóricas quelhes dão sustentação (psicanrílise, psicodrama, teoria dos sistemas, teoria do campogrupal, teoria da comunicação humana), ora à faixa etária que tem como alvo (crian-ças, adolescentes, idosos), ora ao tipo de pacientes em questão (pacientespsicossomáticos, pacientes terminais, drogadictos, psicóticos), ora ao contexto grupal

(casais, famílias, instituições), ora às dimensões do grupo (micro ou macrogrupos),ora aos objetivos a que se destinam (ensino, terapia, realização de tarefas institucio-nais), e assim por diante. Como se vê, nada fácil. Optou-se, então, por referir apenasaquelas modalidades grupais em cujo contexto se desenvolveram os modelos ou téc-nicas de supervisão prevalentes nos dias atuais no campô (!as grupoterapias em geral.

Grupoterapia analítica

A grupoterapia analítica é também referida como psicoterapia analítica de grupo,psicanálise de grupo, psicoterapia grupal de orientação analítica.

Se nos ocupamos dela inicialmente, é porque cronologicamente a psicanálisefoi o primeiro marco referencial teórico para o estudo e a compreensão dos agrupamen-tos humanos, visando a instrumentar seu atendimento. Embora, a rìgor, o psicodramaa tenha antecedido como método de abordagem grupal, não a precedeu como estÍutu-ra teórica a partir da qual se pudesse entender os mecanismos grupais e pressuporuma ação psicoterápica sobre os indivíduos que compõem um grupo.

A grupoterapia analítica, introduzida em nosso meio em meados da década de50, experimentou rápida expansão em toda a América Latina, a partir de seu póloirradiador em Buenos Aires, tendo, no entanto, apresentado um acentuado declínionos aÌÌos 70 - para alguns, pela deserção dos pioneiros em função das pressões dainstituição psicanalítica contra a psicoterapia coletiva, sob a alegação de que psicaná-lise só é possível numa relação dual e, para outros, em decorrência dos sistemaspolíticos autocráticos vigentes no continente sul-americano nôs anos 60-70, todoseles obviamente antagonizando quaisquer modalidades de práticas grupais, por supô-las fermento de atividades subversivas. Só mais recentemente a grupoterapia analíti-ca voltou a representar uma alternativa psicoterápica de peso, no contexto global dasgrupoterapias em geral, mas já agora experimenÍado um afastamento gradual dosdelineamentos técnicos originais, muito comprometidos com a mera extrapolaçãodos eventos inerentes à relação dual do processo analítico para a situação grupal.Atualmente, a grupoterapia analítica vem incorporando a sua prática e se deixandofecundar, em sua sustentação teórica, por elementos oriundos de outras vertentes, taiscomo a dinâmica de grupo, a teoria dos grupos operativos, a teoria da comunicaçãohumana, a teoria sistêmica, o psicodrama e outras mais. Isso, ao que tudo indica,deverá afetar singularmente a práxis das novas gerações de grupoterapeutas de linha-gem psicanalítica e, conseqüentemente, a prática da supervisão, já não mais agoraapenas calcada no clássico modelo do relato verbal das sessões, mas enriquecendo-secom a utilização do role-playÌng (contribuição das técnicas psicodramáticas), do em-prego do espelho unidirecional e do vídeo (de uso corrente nas supervisões das tera-pias familiares sistêmicas) e da utilização do próprio gÍupo em supervisão comomatriz do aprendizado (como nos grupos de reflexão sobre a tarefa, oriundos da práticacom grupos operativos).

Como a imensa maioria, para não dizer a totalidade, dos que praticam a grupo-terapia analítica em nosso meio possui treinamento prévio em psicanálise ou psicote-rapia analítica de grupo', sua práxis clínica é supervisionada segundo os cânones da

'Esta não é, contudo, uma p€culiaridade de nosso meio. Foulkes (1972) assinala que, num levnntamento estatístico realizado p€la

Associação Americaiâ de PsicoteÍâpia dc Crupo em 1961, 86% dos Srupotcmpeu(âs haviam sido previamente feinados commodalidâdes de âtendimenlo individual.

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supervisão psicanalítica, onde o supervisionado traz o relato verbal das sessões, e osupervisor discute com ele aspectos da compreensão dinâmica do grupo, da técnicaempregada, do emprego e adequação das interpretações e do manejo dos sentimentostransferenciais e contratransferenciais. Não existindo entre nós, até recentemente,uma formação sistematizada de psicoterapeutas de grupo, o trabalho assim supervisi-onado se constituía na quase exclusiva forma de transmissão de conhecimentos. Aprimeira geração de grupoterapeutas analíticos (décadas de 50-60), como sói aconte-cer com os pioneiros, foi de formação basicamente autodidática, embora alguns te-nham recebido treinamento não-sistematizado noutros centros (MaÍins, 1986). Asegunda geração (década de 60-70), ainda que na aquisição dos conhecimentos teóri-cos continuasse em moldes autodidáticos, pôde enriquecer suas vivências gmpais,seja como pacientes de grupos analíticos de colegas da geração precedente, seja comoseus supervisionados. A par disso, a experiência institucional subjacente a seu treina-mento psicoterápico, cada vez mais impregnada pelas técnicas ambientoterápicas,fomeceu-lhe subsídios apreciáveis para a familiarização com o atendimento de individuos em grupos. A terceira geração que ora surge (década de 80), além dos elementosde aprendizagem já mencionados, passa a contar com a possibilidade de sistematizarseus conhecimentos teóricos e enriquecer a prática supervisionada com outras modali-dades oriundas de distintos referenciais teóricos, conforme supracitado.

Por razões que não cabe aqui discutit não se tornou entre nós prática corrente -a exemplo do que ocorreu noutros centros - o emprego doobsenador de grupo coÍnouma modalidade de treinamento. Embora, a rigor, não se possa consideráJo propria-mente uma forma de supervisão do trabalho grupal, pois seria o supervisor e não osupervisionando que estaria atendendo o gÍupo, o aprendizado do atendimento grupalatravés da prática de observar a forma como o grupo é conduzido porum profissionalmais experiente apresenta-se, por assim dizer, como o "negativo" da supervisão tradi-cional e, portanto, enseja vivências qve, lato sezsu, permitem incluílo como umamodalidade de supervisão. Supõe-se que, pelo caráter anômalo de se manter no gru-po um membro institucionalizado como periférico e não-paÍicipante, isso criariauma distorção da dinâmica grupal que toma bastante discutível o método de aprendiza-gem em questão. Para alguns, só a inclusão do supervisionando como co-terapeuta,com direito implícito à iniciativa na condução do grupo e sem distingui-lo funcional-mente do supervisor perante o grupo, permitirá manter-se o equilíbrio homeostáticopara que decorra produtivamente o processo grupal. A co-terapia, ainda que levan-do-se em conta, no caso, a defasagem no nível de experiência dos coordenadores,propiciaria, então, um veículo mais adequado para a aprendizagem supervisionada,por respeitar a estrutura funcional do grupo.

A supervisão em grupoterapia analítica pressupõe - a par das distintas maneirasde conduzi-la - que se inicie já com a seleção e o agrupamento dos pacientes, umavez que a constituição do grupo é momento crucial para sua futura viabilização comoadequado continente psicotenípico. Há quem afiance que em nenhuma outra fase doprocesso gmpal a supervisão tenha papel tão prepoderante a desempenhar como nes-ses instantes prévios ao funcionamento propriâmente dito do grupo, o que metaforica-mente se expressa neste aforisma de Anthony (1968): "cada terapeuta tem o grupoque merece". E mister, então, selecionar e agrupar convenientemente seus membros,respeitando não só a compatibilidade dos indivíduos que devem compô-lo como asidiossincrasias contratransferenciais do terapeuta.

Para finalizar essas considerações sobre a supervisão em grupoterapia analítica,consigne-se que, numa visão prospectiva, esta tarefa está cada vez mais impregnadados modelos de supervisão empregados em outras formas de atendimento grupal;

CoM0TRABALHAMoS Cor.,l OnUPos . 85

86. ZIMERMÀN & OSORIO

isso, contudo, náo compromete a utilização do referencial analítico para sustentar acompreensão e o manejo dos grupos, mas apenas instrumenta a transmissão de conhe-cimentos, via utilização de procedimentos cuja eficácia tenha sido comprovada, sobre-tudo pela desmitificação da figura do supervisor como agente emissor de conhecimen-tos e detentor do saber institucionalizado para trazê-lo à sua real dimensão de merocatalisador do processo de auto-aprendizagem, a pârtir da experiência clínica a serdesenvolvida pelo supervisionando.

Psicodrama

O psicodrama, como instrumento psicoterápico, desenvolveu-se a partir do "teatro daespontaneidade" e do sociodrama morenianos. Alicerça-se na "teoria dos papéis", ouseja, no conjunto de posições imaginárias assumidas peÌo indivíduo desde seusprimórdios, na relação com os demars.

Para Moreno ( 1986), a psicoterapia grupal é um método para tratâr, consciente-mente, e na fronteira de uma ciôncia empírica, as relações interpessoais e os proble-mas psíquicos dos indivíduos de um grupo.

O método psicodramático ìJSa a representação dramática (a cena) como centrode sua abordagem dos conflitos humanos, essa representação une a ação à palavra,privilegiando a expressão corporal, ao lado da comunicação verbaÌ. Daí decorre queo método de supervisão por excelêncìa utilizado na formação e no treinamento dosque a empregam - o role-pkrying consiste em procedimentos em que o relato verbalda supervisão analítica é substituído pela experiência revivenciada do processo psi-coterápico através do "jogo de papéis".

Em que consiste o role-playíng?Muito sumarìamente diríamos qtl'e o role-pktying é um "como se" da sessão

psicoterápica, no qual, por exemplo, supervìsor e supervisionando, assumìndo altema-damente os papéis de terapeuta e pacieÌ'ìte, possam juntos compor as várias altemati-vas do processo psicoterápico através do revivenciar psicodramático de situaçõesoconidas na(s) sessão(ões) prévia(s) ou ensaiar os passos fìturos de sessões vindou-ras. Assim, não s6 o role-playr)rg serviria para preencher as lacunas compreensivasdo material de sessõesjá ocorridas, como possibilitaria a antecipação imaginária doseventos possíveis ou prováveis no devir grupal, ensejando ao supervisionando o dominio das ansiedades frente ao novo e desconhecido, que tantas vezes o paralisa em suafunção psicoterápica.

Ao dramatizar uma sessão já ocorrid a, o role-playhg permite ao supervisionan-do revivenciá-la, experimentando distintos ângulos de (auto-)observação do papelque desempenhou, bem como ampliar o enfoque compreensivo do material aportadopelo grupo, através de sua observação especulaq pela rotatividade de papéis inerenteà própria natureza desta técnica de aprendizado.

Por outro lado, a representação, através do "como se" dramático, de uma sessãofutura, oferece-lhe a oportunidade de testar previamente suas atitudes e reações fren-te a eventuais emergentes grupais, assim como lhe permite o confronto com as vicissi-tudes da târefa, sem a sobrecarga ansiogênica da realidade factual

O caráter experimental dessa modalidade de supervisão confereìhe, analogicamente,a função de retroaprendizagem que a pesquisa enseja a toda e qualquer ação terapêutica.E, portanto, um cadinho de nuances e possibilidades da prática da supervisào.

O role-playing mostra-se de extremo valor no treinamento prévio, ao início dotrabalho psicoterápico com grupos; numa compitriìção quiçá um tanto inadequada,

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dir-se-ia que equivâle à realização de condições simuladas de práticas cinÍrgicas an-tes de efetivá-las em determinado paciente.

Grupos operativos

Os grupos operativos foram introduzidos na práxis grupal pelo psicanalista argentinoPichon Rivière, na sua famosa "experiência Rosário", em 1957. Trata-se, sinteticamen-te, da inclusão do vértice psicanalítico na leitura dos processos grupais, feita anterior-mente por Kurt Lewin, no que se convencionou denominar "dinâmica dos grupos".

Como assinala Tubert-Oklander ( 1986),"grupo operarlvo não é um termo utili-zável para se referir a uma técnica específica de coordenação de grupos, nem a umtipo determinado de grupo em função de seu objetivo, como poderia ser 'grupoterapêutico', 'grupo de aprendizagem'ou 'grupo de discussão', mas se refere a umaforma de pensar e operar em gÍÌpos que se pode aplìcar à coordenação de diversostipos de grupos".

Em nosso meio, institucionalizou-se uma príüica equivocada de se contrapor ogrltpo operativo ao analítìco, como sendo este todo grupo manejado com a técnicainstrumental da interpretâção dos conteúdos inconscientes, e aquele um grupo onde,ainda que empreguemos o referencial analítico para compreender os fenômenos quenele ocorrem, não se utilizam interpretações atnlíticas em seu manejo. Esta leituraequivocada dos conceitos de grupo operotivo e analítico se deriva ou está a serviçode uma compartimentzlïzaçío do poder terapêúico: os grupos analíticos seriam, nestaconcepção, território de ação exclusiva dos psicanalistas; todos os demais gruposcoordenados por não-psicanalistas, de acordo com esta ótica distorcida, cairiam navala comum dos grupos ditos operativos. Destarte, só os psicanalistas deteriam opoder de realizar ações psicoterápicas em gÍupos com o referencial psicanalítico,circunscrevendo-se a ação dos demais à prática nos grupos operativos, entendidosassim como não-analíticos.

Como supracitado, tal concepção é errônea, poisjustamente os grupos operativosse propõem a vincular as noções oriundas da dinâmica dos grupos ao referencialpsicanalítico. E, conforme sugere a observação de Tubert-Oklander transcrita anterior-mente, um grupo analítico é um grupo operativo que se destina a tratar indivíduos emgrupo com o referencial psicanalítico. Além dos grupos operativos terapêuticos, existi-riam grupos operativos de aprendizagem, de reflexão sobre uma determinada tarefagrupal, de discussão de objetivos institucionais, e assim por diante.

Feito este esclarecimento conceituaÌ indispensável, face ao emprego inadequa-do da expressão grupo opemtivo, vejamos qual sua contribuição para a práxissupervlsora.

Ainda citando Tubert-Oklander ( 1986): "Nos grupos operativos, a tarefa internaexige que os membros realizem uma permanente indagação das operações que serealizam no seio do grupo, em função da relação com a tarefa extema, vista comoorganizadora do processo grupal". Esta atitude de "re-fletir(se)" sobre a experiênciado próprio grupo enquanto grupo é o ponto de partida dos assim chamados grupos dereflexão, contnbuição da teoria e da técnica dos grupos operativos à aprendizagemsupervisionada em grupos.

Esses grupos, onde os supervisionandos utilizam a própria experiência de par-ticipar com membros de um grupo de ensino-aprendizagem como parte de seu treina-mento, derivam-se dos chamados gruposT (training grorrps), introduzidos a partir de1949 nos laboratórios sociais de dinâmica de grupo inspirados nas idéias de Lewin.

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88 . ZMERMAN & osoRlo

Os grupos T - por sua vez uma modificação dos grupos BST (àcslc skill taininggroups), cujo objetivo primordial era adestrar para a ação operativa em grupos -

lassâram a õentrJizar o aprendizado na indagação do que ocoÍre aos próprios partici-

pantes enquanto membros de um grupo de treinamento, revertendo a perspectiva de

ãdestramento, pois já não seria um saber institucionalizado externo ao próprio grupo

a fonte de aprèndizagem, mas, sim, os próprios fenômenos intragrupais focados a

partir da e em dÌreçõo â taÍefa inerente a tal modalidade grupal: o treinamento emtÉnninac onrnrìs

Na AmÈrica Larina, a primeìra experiência sistematizada com tal forma de apren-

dizagem grupal ocorreu em Buenos Aires, a partir dos anos 70, conforme descrito por

um de seus mentores, A. Dellarosa ( I 979).Resumidamente, os gntpos tle reJlexão oporttnizam a aprendizagem das técni-

cas grupais através do própno grupo de aprendizado involucrado na experiência de

treiúmènto, de tal sorte que a práxis supervisora inclua as vivências do supervisor

com seus supervisionados, e destes entre si, como elemento nuclear do processo de

aprendizagem,- E miiter assinalar que, embora seja objetivo dos grupos de reflexão lidar com a

patologia do processo de transmissão-aquisição de conhecimentos, mediante a elabo-

iaçao ãas ansiedudes inerentes ao pÍocesso de aprendizagem e às relações humanas

neie involucradas, está interditada, por óbvias razões, qualquer utilização do material

emergente nesses grupos para assinalamentos ou interpretações que se dirijam à vida

privada dos participantes.^ Os grupos de reflexão Íèm por finalidade precípua desenvolver as habilidades

dos partiõipántes de "pensar" o próprio grupo a partir de umaexperiência compartilha-

da de apróndizagem, mantendo-se, contudo, uma cuidadosa discriminação entre apropost; de utilizar os sentimentos emergentes no grupo para compreender os fenôme-

nos grupais, simultaneamente desenvolvendo as habilidades de seus componentes equal-queì outra intenção de cunho psicoterápico dirigida a seus membros Esta inten-

ção, ie*pre que estiver presente, seja na mente do(s) coordenador(es) como na dos

ãemais pãrticìpantes, será entendida como uma interferência indesejável e que com-prometé a eficlência do grupo de reflexão enquanto instrumento de aprendizagem'

Terapia do grupo familiar

A terapia do grupo familiar é também designada como terapia familiar, terapia de

família e gruPoteraPia familiar.A teiapia do grupo familiar experimentou, nas últimas décadas, um grande in-

fluxo, a partir de sua fundamentação na teoria sistêmica. Ainda que a família possae

tenha sião anteriormente abordada segundo o referencial de outras correntes teóri-

cas, tais como a psicanalítica e a comportamentalista, em verdade foi a abordagem

sistêmica a responsável por sua definitiva incorporação às modernas técnicaspsicoterípicas de maior expressão.

E em que consiste essa abordagem sistêmica?A ruptura epistemológica oconida a partir das pesquisas de Bateson e colaborado-

res, no chamado grupo de Palo Alto, na década de 50, nos Estados Unidos, causou

uma mudança substancial no enfoque das doenças mentais, visualizadas a partir de

então não màis como uma decorrência dos conflitos intrapsíquicos, mas da interação

dos indivíduos no contexto do grupo familiar.

cOMo tRA|ìÂLHAMoS Cor,l Cnupos o 89

l l f i t / r : A cibemética, a teoria da comunicação humana e a teoria geral dos sistemas sãoos três grandes vértices teóricos a partir dos quais se passou a consìderar o funciona-mento do psiquismo humano em terÌnos interacionais, e não mais intrapsíquicos. Ametáfora central deste enfoque é o registro da cnria negra dos sistemas eletrônicos,onde o importante a considerar não é o que está no "cérebro" do sistema, mas simseüs inputs e outpLús, o\ seja, as informações aferentes e eferentes.

Ao considerar a família como um sistema, o doente mental ou paciente identifi-cado (PI) passa a ser visualizado como um emergente ou porta-voz da "doença" sistê-mica, o que muda o enfoque psicoterâpico do intrapsíquico para o interacional, origi-nando-se aquela que talvez tenha sido a maior revoÌução na abordagem dos conflitoshumanos desde o advento da psicanálise.

Ao retirar do foco diagnóstico e terapêutico o paciente individual e privilegiar oestudo de seu grupo de origem, a terapia familiar foi responsável, indiscutivelmente,pela revitalização do estudo, compreensão e metodologia das abordagens terapôuti-cas dos grupos em geral e, como não poderia deixaÍ de ser, introduziu novas e revo-lucionárias técnicas de supervisão.

O uso do espelho unidirecional e do videoteipe, já empregados anteriormentede forma tímida e quase clandestina na supervisão das psicoterapias "clássicas", foiinstitucionalizado entre nós pela terapia familiar. A par do emprego dos recursos damodemâ tecnologia, outras técnicas auxiliares foram sendo inseridas: o uso do inter-fone, permitindo a comunicação direta do supervisor com o supervisionado durante aprópria sessão; a solicitação da presença do supervisor durante a sessão, como umaespécie de consultor ativo; a eventual substituição do terapeuta por seu supervisor nacondução de determinada sessão (ficando o supervisionando na sala ou no outro ladodo espelho, quando isso ocorrer); a ocorrência de uma inversão de papéis, funcionan-do ocasionalmente o terapeuta como "supervisor" de seu superviso( e assim pordiante.

Todas essas variantes do modelo de supervisáo alicerçado na prática da sessãoobservada ao vivo e/ou gravada em vídeo trouxeram uma mudança fundamental narelação hierárquica supervìsor-supervisionando, além de desmitificar a figura do te-rapeuta, outrora narcisicamente entricheirado no segredo da prática de seu ofício,prática essa agora ostensivamente revelada pela observação simultânea, podendo ospassos do terapeuta, suas inseguranças, titubeios, erros ou acertos, seu estilo, enfim,revelar-se por inteiro ao supervisor, do outro lâdo do espelho ou napantalha televisiva.

Com tais inovações, certas questões éticas foram suscitadas, como a decorrenteda necessidade de se apresentar à família o supervisor e de notificá-la da presençados demais eventuais membros do íeíÌr? psicoterápico presentes no outro lado doespelho.

O sigilo profissional - que antes, quem sabe, servia mais aos propósitos deproteger o terapeuta, no expor seus equívocos, do que ao próprio paciente em revelarseus conflitos - precisou ser rediscutido neste novo contexto.

Podemos questionar, aceitando ou não, tais modalidades de supervisão introdu-zida pela terapia familiar, mas indubitavelmente não podemos mais deixar de reconhe-cer sua vigência e a contemporaneidade de suas propostâs.

E possível imaginar-se que, ao longo do tempo, o uso do espelho unidirecionale o emprego do videoteipe se generalizarão nas supervisões de todas as formas depsicoterapias, individuais ou grupais, e - heresia das heresias ! - na própria práticapsicanalítica.

Infelizmente, a extensão prevista para este capítulo não permite que se vá alémda simples menção dessas modalidades de supervisão, das quais já são íntimos, no

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90. ZIMERMAN & osoRlo

seu cotidiano profissional, os terapeutas de famílias e às quais poderão ter acesso osdemais, através da consulta à bibliografia especializada.

UMA EXPBRIÊT.ICU, PNSSOAL NA SUPERVISÃO DEGRUPOTERAPEUTAS

Como ó de conhecimento geraÌ, a Íbrmação de grupoterapeutas em nosso meio, inicial-mente levada a cabo de forma não-sistematizada e de cunho predominantementeautodidát ico, surgiu entre os psicanal istas locais que também se dedicavam àgrupoterapia, seja em instituiçõcs, seja em seus consultórios particulares. A supervi-são dos mais jovens pelos colegas mais experientcs, segundo o modelo clássico dorelato visuaÌ das sessões, foi quiçít a pedra de toque desses primeiros tempos, queremontam à década de 60. Desde então, com a paulatina desativação da Sociedade dePsicoterapia Analítica de Grupo de Porto Alegre, entidade que congregava ospsicoterapeutas de gntpo em nosso n]eio, a prítica gnrpoterápica supervisionada desÌo-cou-se para outras Yertentes teóricns, tais como o psicodrama, a análise existenciaÌ, agestalterapia e, ÌÌìais recentementc, a terapia familiar.

Num esforço para Íesgatar iì nratriz de origem da formação grupoterápica entrenós, e em função dc crescentes solicitações dc colegas maìs jovens interessados napríticr com grupos, criou-se uma entidade'destinada, entre outros objetivos, a de-senvolver um nrodelo de treinamento de novos grupoterapeutas. Este modelo é baseadono tripé conhecimentos-habilidades-atitudes, e sua estruturt inspirou-se nos progrl-mas de educação continuada patrocinados pela Associação Médica do Rio Grande doSul, nos anos 70-80, nos quais cada módulo de ensino consta de uma parte teórica,outra prática e um grupo de reflexão sobre a tarefa em questão.

Ainda que muito recentc, os delineamentos bÍsicos deste programa de forma-

ção de grupoterapeutas estão claramente esboçados e neles se privilegia o trabalhosupervisionado. Consideramos supervisão não apenas o trabalho dos alunos com seusrespectivos grupos sob a orientação do supervisor, mts igualmente o aprendizado naparte prática, em que os temas teóricos são ilustrados a partir das vivências clínicasdos alunos, como também a experiência nos gnrpos de reflexão, onde, como vimosno item correspondente aos grupos operativos, o próprio grupo collstituído por alu-nos e coordenadores é um instrumento de aprendizagcm, através das vivências com-partidas e do pensâr cooperante em tomo da tarefa de ensino-aprendizado comum atodos os membros do grupo.

Pretendemos gradativamente ir introduzindo Ìleste programa as práticas super-visionadas a que alude o presente artigo, colocando a tônica na srTervisão coletivtt,pois é em gnÌpo que se aprende a trabaÌhar com grupos.

Independentemente da modalidade de atendimento grupal que se queira ensi-nar, as técnicas supervisionadas em qtestío (t olelkryin g, grupo de reflexão, acompa-nhamento de sessões ao vivo no espelho unidirecional, discussão do registro em vi-deoteipes) enriquecem sobremaneira o treinamento dos supervisionandos, e por issoas preconizamos como indispensáveis a qualquer programa contemporâneo de forma-

çio de gÍupoterrpeutalComo foi assinalado anteriormente, esta expcriência com supervisão de grupo-

terapeutas em formação é bastante recente e não permite ainda que dela se extraiam

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COMO TRADALHAMOS COM CRUPOS . 91

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elementos conclusivos ou que se retroalimentem os pressupostos enunciados; se a elaaqui é feita referência, é pelo caráter de atualização deste livro. Num futuro próximo,poder-se-á retomar a essa experiência pessoal para então focá-la apenas do ângulodas expectativas ainda por cumpriq mas submetendo-a a uma análise crítica.

CONSIDERAÇOES FINAIS

A super-vistio, como a etimologia do termo sugere, pressupõe a existência de umprofissional mais experiente que lance um olhar soàre o trabalho de seu colega -menos experiente e geralmente mais jovem - e que, da posição privilegiada de quemdetém o saber desejado, o oriente p eternoListÌcdnrcnte nos meandros da prática pro-fissional em queslào, no caso a grupoterapiJ.

A evolução da grupoterapia através das modaÌidades técnicas resenhadas nesteartigo ensejou, conforme vimos, profundas mudanças na concepção e na metodologiado trabalho supervisionado. A primeira e mais importante conseqüência dessas mu-danças foi a desmitificação do supervisor como portador do saber gmpal e seurealinhamento no processo de aprendizagem como modelo identificatório e catalisadordo saber a ser buscado pelo supervisionando. Uma segunda - e não menos significa-tiva - conseqüência, foi a desmitificação da própria figura do terapeuta como habitante de uma "torre de marfim", profissional a que só dá acesso através do relatoverbal (consciente ou inconscientemente incompleto ou dìstorcido) de sua experiên-cia pessoal ao supervisor: ele agora é despojado da maÌha protetora de seus relatos,pela exposição integral de seu trabalho na transparência da observação simultânea domesmo. Um terceiro efeito, intimâmente vinculado aos anteriores, é o câmbio daspróprias atitudes do grupoterapeuta diante de seus pncientes, a quem não mais seapresentaria como detentor dâ verdade e como líder inconteste do grupo, mas comoum de seus participantes, cuja hierarquia é determinada na medida em que formulahipóteses compreensivas consensualmente validadas pelo grupo. Como conseqüên-cia, a super-visao transforma-se numa co-visão, onde o olhar mais experiente neces-sariamente não é o que melhor percebe ou discrimina, mas tão-somente o que apontaos caminhos já palmilhados.

A função do supervisor - denominação que conservamos por consagrada pelouso, ainda que divergindo de sua concepção orìginal - é basicamente se oferecercomo modelo de identificação profissional e, para tanto, deve permitir que o supervi-sionando tenha acesso, na própria experiência grupal de ensino-aprendizado compar-tilhada, à observação direta de seu modo de sentir, pensar e rgir.

Concluindo, queremos enfatizar uma vez mais a contribuição das grupoterapiasà própria técnica da supervisão do trabalho psicoterápico com pacientes individuaisou em grupo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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. 198ó.

PoÍto

PARTE 2Prática com GruposOperativos ePsicoterápicos

Como Agem os GruposOperativos?JANICE B, FISCMANN

Sempre que ouvimos falar em grupos operativos, imediatamente surgem alguns con-ceitos a respeito dos mesmos que não traduzem o seu significado e/ou abrangência, edemonstram o quanto eles ainda são pouco conhecidos em nosso meio. A perguntamais ouvida é: os grupos operativos são terapêuticos? Muitos fazem essa distinçãoentre os mesmos, o que revela a desinformação sobre esse tema.

Todo grupo operativo é terapêutico, mas nem todo grupo terapêutico é operativo.Para Pichon Rivière, "o grupo operativo é um instrumento de trabalho, um método deinvestigação e cumpre, além disso, uma função terapêutica". Todo grupo que tiveruma tarefa a realizar e que puder, através desse trabalho operativo, esclarecer suasdificuldades individuais, romper com os estereótipos e possibilitar a identificaçãodos obstáculos que impedem o desenvolvimento do indivíduo e que, além disso, oauxilie a encontrar suas próprias condições de resolver ou se enfrentar com seusproblemas é terapêutico

IIISTÓRICO

Os grupos operativos foram introduzidos por H. Pichon Rivière na década de 40 naArgentina. Acho importante para a compreensão de sua teoria sabermos algo a res-peito de seu autor: Pichon nasceu na Suíça, em Genebra mais precisamente, em 1907.

Quando tinha 4 anos, sua família estabeleceu-se na Argentina, na região doChaco, habitada por uma cultura indígena primitiva. Pichon desde cedo enfrenta osprimeiros choques de culturas. Aos 8 anos, vai com sua família para Corrientes cur-sar o ginásio, e aos l8 anos muda-se para Rosário para estudar medicina.

Desde o ginásio, Pichon identifica-se com a psicanálise e a busca da desocultaçãodos mistérios e questionamentos que motivavam a conduta dos grupos que vinha serelacionando. Pichon refere no prólogo de seu clássico livro,O processo grupal (1988):"meu contato com o pensamento psicanalítico foi anterior ao ingresso na faculdadede medicina e surgiu como o achado de uma chave que permìtiria decodificar aquiloque era compreensível na linguagem e nos níveis de pensamento habituais".

Pichon (1986)considera o indivíduo "como um resultante dinâmico no interjogoestabelecido entre o sujeito e os objetos intemos e extemos, e sua interação dialéticaatravés de uma estrutura dinâmica que Pichon denomina de vínculo". Ele define o

96 . znreruaer r osonro

vínculo "como uma estnrtura complexa que inclui um sujeito, um objeto, e sua mútuainter-relação com processos de comunicação e aprendizagem ' ( 1988): aproximando-se da psiquiatria social, é levado à estudar o indivíduo não como um ser isolado, masincluído dentro de um grupo, basicamente o familiar.

A partir de sua observação e experiência com pacientes hospitalizados, perce-bia que havia um interjogo evidente na relação entre o paciente, o grupo familiar quese originava e a relação com a instituição que estava se tratando. Pichon começaentão a delinear conceitos como o de porta-voz, depositário, depositante e deposita-do, construindo, assim, a sua teoria, tendo como premissa principal o indivíduo incluídonum gmpo, percebendo a intersecção entre sua história pessoal até o momento de suaafiliação a esse gmpo (verticalidade) com a história social desse próprio gmpo até omomento (horizontalidade). "A verticalidade e a horizontalidade do grupo se conju-gam no papel, necessitando a emergência de um a mais porta-vozes, que, ao enunciarseu problema, reatualizando seus acontecimentos históricos, denuncia o conflito dasituação grupal em relação à tarefa." (Osorio, 1991). Isso determina o que nós chama-mos de horizontalidade, que pode ser entendidacomo o denominador comum compar-tido pelo grupo, de maneira consciente ou inconsciente (fantasias básicas universaisdo grupo).

Na minha prática clínica com grupos operativos, quando um paciente introduzalgum assunto no grupo, costumo me perguntar "Por que esse assunto está aparecen-do aqui-agora-comigo com este exercício de pensar?", e então investigo viírios pon-tos de intersecção entre a verticalidade do sujeito que enuncia o problema e a hori-zontalidade do grupo. Ao fazer uma colocação que pode ser entendida como umatransferência, o paciente introduz uma possibilidade de explicitação das fantasiasque estão bloqueando sua atividade grupal.

E impoÍante compreender que, para que um grupo evolua no propósito da resolu-ção de tarefa, é fundamental explicitaÍ essas fantasias universais para permitir que oprocesso de mudança ocorra. Essamudança vai caracterizar o grau de saúde ou patolo-gia desse grupo. Quanto mais plásticos forem os papéis, mais saudável é o grupo, equanto mais estereotipados forem esses mesmos papéis, mais patológico ele se tornapor não possibilitar a rupturados mecânismos estereotipados de delegação e assunçãode papéis.

Temos como experiência em nossa prática clínica alguns grupos que precisamse manter estereotipados para preservar a estabilidade do grupo que estão inseridos.Há aproximadamente 16 anos, numa unidade de interação psiquiátrica, coordenei umgrupo denominado "grupo operativo de limpeza". Após viírias sessões, percebi que aunidade se mantinha limpa, mas que o processo que se dava para que esse objetivofosse alcançado não se enquadrava no enfoque operativo. O grupo reunia-se semanal-mente para "combinar" as atividades de limpeza. Fui percebendo que, na verdade,daqueles 12 integrantes que participavam do grupo, apenas 1 realizava a faxina naunidade. Isso era devido, certamente, às suas características pessoais obsessivas, masque "estavam à serviço" do interesse da unidade que ele estava baixado, porque sa-bia-se que a unidade "se manteria limpa".

Quando tal mecanismo foi identificado, começou-se a trabalhar, terapeutica-mente no grupo, a redistribuição de papéis, a divisão do trabalho e a explicação dessefuncionamento. A unidade começou a ficar suja, e a equipe começou a reclamar queo grupo operativo não estava funcionando bem.

Percebe-se, nesse exemplo, que a forma previsível que o grupo vinha se desen-volvendo "servia" para a instituição manter seus objetivos implícitos de controluobsessivamente os aspectos mobilizados pela situação de intemação de psicóticos.

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Se a unidade estivesse limpa, os aspectos "loucos" de cada um dos elementos nãoapareceriam. Se formos pensâr em termos de objetivos explícitos, reconheceremos aimportância do aprendizado de atividades laborativas no sucesso do tratamento apsicóticos, no entanto, com o exemplo anterior percebemos que nem sempre os obje-tivos explícitos têm ligação direta com os implícitos. Voltemos ao conceito de grupooperativo de Pichon Rivière ( 1988): "Caracteriza o grupo como um conjunto restritode pessoas, que, ligadas porconstantes de tempo e espaço e articuladas por sua mútuarepresentação intema, propõe-se, em forma explícita ou implícita, a uma tarefa queconstitui sua finalidade, interatuando através de complexos mecanismos de assunçãoe adjudicação de papéis".

A tarefa vai depender do campo operativo do grupo, ela trata de resolver odenominador comum de ansiedade do grupo que adquire em cada membro caracteís-ticas particulares. Por exemplo, se for um grupo ensino-aprendizagem, a tarefa será aresolução das ansiedades ligadas à aprendizagem dessa disciplina se o grupo for tera-pêutico propriamente dito, a tarefa será a cura da enfermidade através da resoluçãodo denominador comum da ansiedade do grupo que vai variar de indivíduo paraindivíduo dependendo de sua história pessoal e suas características particulares.

"O grupo é o agente da cura, e a tarefa se constitui num organizador dos processos depensamento, comunicação e ação que se dão entre os membros do grupo." (Osorio,r991)

Podemos entender como cura a mudança de pautas estereotipadas de funciona-mento e a integração do sentir, do pensar e do agir. Não podemos esquecer que todamudança implica o surgimento dos medos básicos de perda e ataque (ansiedadesdepressivas e persecutórias) que podem funcionar como obstáculos nesse processode mudança. Dessa forma, identificamos três momentos de um grupo operativo: pré-tarefa, tarefa e projeto.

Na pré{arefa se concentra a resistência à mudança; é c4ai que observamos nosgntpos o predomínio das ansiedades e medos basicamente frente ao desconhecidoque obstaculizam o "entrar na tarefa". Encontramos também o predomínio da disso-ciação entre o agir, o sentir e o pensar.

Vamos tomar como exemplo de pré-tarefa um grupo operativo que trata obesi-dade: esse grupo reúne-se semanalmente e tem como objetivo comum o emagrecimen-to.

Sabemos que o emagrecimento é uma tarefa extema, explícita e comum a todos.Para que se emagreça, é necessário modificar hábitos: alimentares, familiares, so-ciais, etc.; isto é o que denominaremos de tarefa interna, pois consiste nos movimen-tos que os indivíduos devem realizar conjuntamente para obter essa mudança. Então,semana após semana, cada membro do grupo vem atingindo seu objetivo explícito deemagrecer.

Um dos elementos consegue um emâgrecimento notadamente superior aos de-mais e essa pessoa é admirada e/ou invejada pelos outros membros do grupo. Umaoutra integraÌìte, por sua vez, não apresenta a mesma "performance" na balança, masrelata e vivencia as profundas modificações que estão ocorrendo em sua vida devidoà sua paÍicipação no grupo. O grupo pega esses elementos e questiona suas verbali-zações, uma vez que ela não "perde peso". Reforçam o colega anterior que está dimi-nuindo progressivamente o peso na balança.

A seguir, criam-se e são lançados no gÍupo desafios e metas que objetivam aperda de peso. Todos, na semana seguinte, "perdem peso", mas não conseguem sentir

coMo 'RÂBALHAM''

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98 . ZNERMAN & osoRro

nem observar que mudanças de atitudes estão obtendo. Isso pode ser entendido comoum momento de préìarefa, pois o "perder peso" impede que reflitam sobre seushábitos, atitudes e sentimentos.

Nesse momento, ocorre a clara dissociação do pensar, sentir e agir. O grupo atuapara não pensar nem sentir.

O momento da tarefa consiste na elaboração da ansiedade provocada pela mu-dança e na integração do pensar, scntir e agir E nr tarefa que se consegue abordar oobjeto de conhecimento de forma a romper com as pautas estereotipadas que estan-cam a mudança e bloqueiam a comunicação. Aqui se dã o insighí atÍavés da elabora-ção dos medos básicos. O projeto é o que aparece emergindo da tarefa e que permiteo planejamento para o futuro.

No exemplo anterior, o gÍupo entraria na tarefa no momento em que ao planejaro emagrecimento pudesse verbalizar, clarificar e esclarecer o processo em que cadaum, de acordo com suas caracteÍísticas pessoais, alcançaria esse objetivo. Trabalhan-do o significado do emagrecimento para cada um, bem como as motivações que têmpara atingir o objetivo, poderiam dessa maneira, chegar ao projeto.

O papel do coordenador no grupo operativo é o de "coopensor", que Pichondesigna como aquele que pensr junto conì o grupo. ro mesmo tempo que integra cpensamento grupal, facilitando a dinâmica dâ comunicação grupal. A interpretaçãcno grupo operativo possibilita a emergência da fantasia básica do grupo através dacompreensáo do existente (explícito).

Serão apresentados, a seguiç alguns exemplos de situações de grupos operati-vos que ilustram o material abordado até aqui.

Exemplo 1

Trata-se de um grupo operativo. cujl tlrefa e refletir sobre a formação de terapeutasfamiliares, com alunos de um curso de formâção de terapia familiar. Ë terceira sess;rodo grupo, onde os terapeutas estão se conhecendo como grupo, logo após uma ativi,dade docente de laboratório onde havia sìdo rcalizado e filmado um atendimentcfamiliar que o grupo assistiu pela câmera de TV No primeiro encontro após a filma,gem, percebe-se que compârecem âpenas três participântes no horário combinado.Começa-se o grupo falando sobre a pontualidade e assiduidade no curso e das possiveis razóes para as faltas naquele dia.

Enquanto se discone sobre esse teríÌ4, cada um trazendo suas justificativas pes,soais, uma das integÍantes começâ dizendo que estava muito mobilizada com a expe-riência que tinha tido no dia anterior com o gÍupo. Referiu que ficou muito ansiosa acassistir a um entendimento de família e que havia se sentido incomodada com o fatcde estarem sendo filmadas. Esse assunto é então colocado ao grupo, e começam afalar de seus temores em não "conseguir entender" as famílias quando tiverem queatendê-las, receios de não conseguirem concluir o curso por não terem condiçõespara tal. Lentamente, vai emergindo no grupo a fantasia grupal de não poderem seexpor para não revelar suas fantasias de incapacidade para a tarefa que estavam sepropondo. A coordenadora mostra que tiìlvez também estejam falando do receio dese exporem no grupo, temendo não podcrenr concluir o curso de terapeutas familíaresou de não compreenderem seu papel naquele grupo.

No momento em que essa fantasia ó expÌicitada, o grupo alivia-se e conseguientrar na tarefa de forma mais tranqtiila.

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COMO TRABALHAMOS COM CRUPOS . 99

Exemplo 2

Trata-se de um grupo de egressos num serviço público de saúde mental, que se reúnehá muitos anos e tem como características principais a participação de pacientes quesofrem de doença mental e quejá tiveram pelo menos uma internação psiquiátrica. Éum grupo heterogêneo quanto ao diagnóstico, mas homogêneo quanto à cronicidadeda doença. Seu objetivo é evitar a reagudização da sintomatologia psicótica e evitar areintemação, e auxiliá-los a se ressocializarem através da vivência do grupo operativo.

Neste grupo há um paciente que não é muito valorizado pelos demais participantespor apresentar um defeito esquizofrênico persistente de fuga de idéias. Sempre que omesmo fala alguma coisa, o grupo faz que não ouve e não valoriza sua verbalização.Ao conversarmos sobre o assunto do dia, ou seja, a dificuldade que os mesmos sen-tem de serem aceitos no seu grupo familiar e social em função do estigma que caÍre-gam por sua doença, eles dizem que se sentem rechaçados e mal-compreendidos,inclusive por seus próprios familiares. Então, o paciente citado corta o assunto ecomeça a falar de que "os gatos têm sentimentos, que devem sentar à mesa, nascadeirinhas" (gesticulava com a mão em círculos, dirigindo-se para aquele círculoque estávamos sentados). Os demais integrantes se olham, alguns se calam como senão entendessem ou ignorando esse membro.

Um outro paciente corta o assunto, dirigindo-se ao psiquiatra do grupo ecomeçan-do a falar sobre a medicação, interrompendo, assim, a verbalização do colega.

A partir desses acontecimentos, a coordenadora passa a mostrar ao grupo que oque aconteceu naquele momento foi uma demonstÍação do assunto que eles estavamtrazendo. Ali eles também estavam revelando o quanto era difícil entenderem as dife-renças que existiam entre si, no curso da doença de cada um. O paciente rechaçadodenuncia que a conflitiva abordada no grupo estava acontecendo ali no grupo tam-bém. Fala, então, de sua necessidade de ser bem aceito como os demais. O falar sobreo remédio, que é um assunto conhecido por todos, serve como um impedimento deapaÍecer seus sentimentos com relação a esse tema e os temores de não serem com-preendidos e aceitos pelos terapeutas e o grupo, e dessa forma modificar o problema.

Exemplo 3

Trata-se de um grupo operativo que trata a depressão, em um serviço público desaúde mental. Este grupo tem uma história de 5 anos de tratamento com a mesmacoordenadora, que está para sair da instituição que trabalha, mas não havia aindacolocado nem trabalhado tal assunto no grupo. Naquela sessão, estava iniciando umapaciente nova que tinha como fator desencadeante de sua depressão o afastamento deseu filho que fora fazer um curso no exterior. A paciente permanece queixosa e cho-rosa no grupo. O tema perda é comum a todos, os demais pacientes a recebem tentan-do tranqüilizá-la e contam sobre suas próprias perdas e os motivos que os trouxerama esse tratamento, bem como o quanto estavam podendo elaborar melhor tais perdasali no grupo. Recebem-nacom muita receptividade, verbalizando que "devemos apren-der a deixar nossos filhos fazerem suas escolhas na vida". Dizem enfaticamente queela não estava perdendo o filho, mas, sim, ganhando um filho mais satisfeito e reali-zado por estar podendo crescer em sua vida profissional. Esse processo permitiu aocoordenador introduzir o assunto de sua saída, pois o grupo demonstrava que estavacomeçando a "aprender a lidar melhor com suas perdas".

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COMENTÁRIOS

Podemos resumir as finalidades e objetivos dos grupos operativos dizendo que "suaatividade está centrada na mobilização de estruturas estereotipadas, nas dificuldadesde aprendizagem e comunicação devido ao montante de ansiedade despertado portoda mudança". (Temas, 1984)

Com isso pode-se entender que tal mobilização é terapêutica, e os gruposoperativos são terapêuticos por promoverem mudanças nos indivíduos que os com-põem.

Voltemos, então, à pergunta título deste capítulo: Como agem os gruposoperativos? "Um grupo, diz Taylor, apresenta dados observáveis em seus difdrentesmomentos e que emergem de forma simuÌtânea ou consecutiva da complexa condutano diálogo e na açáo dos indivíduos que atuam em pares, trios ou outras configura-çóes inteçessoais sobre outros indìvíduos ou sobre outras confìgurações interpessoais,sobre o grupo como totalidade ou sobre o analìsta, ou reagem contra eles próprios."(Pichon. 1988)

O processo terapêutico do qual o grupo operativo é instrumento consiste, emúltima instância, na diminuição dos medos básicos através da centralização na tarefado grupo que promove o esclarecimento das dificuldades de cada integrante aos obstá-culos.

O grupo operativo age de forma a fomecer aos participantes, através da técnicaoperativa, a possibilidade de se darem conta e explorar suas fantasias básicas, crian-do condições de mobilizar e romper suas estruturas estereotipadâs.

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10Grupos ComunitáriosSALVADORCELIA

O mundo em que vivemos sempre apresentou características próprias de cada tempoou de cada época, sendo interessante vermos algumas tradições que, apesar de tudo,conseguiram permanecer, enquanto outras se perderam, sofreram transformações, ounovos valores foram introduzidos no jeito de nos relacionarmos ou de convivermos.

Nunca houve, por certo, em todos os tempos, uma dinâmica de acontecimentostão rápidos, e com acesso a uma grande parte da população mundial. Refiro-me aoextraordinário avanço tecnológico da assim chamada "Era das Comunicações", emque a mídia televisiva, falada ou escrita, tomou-se mais acessível.

Igualmente, a vida hoje - praticamente dependendo do computador - trouxeuma série de novidades aos nossos costumes, muitas delas, inclusive, acarretandoconseqüências psicossociais a todas as idades e camadas sociais das populações denosso planeta.

A assim chamada "Aldeia Global", que é o nosso mundo, muitas vezes não é tãoglobalizada, pois a sociedade vive atualmente dificuldades imensas de comunicação,de convivência, apesar de todos os meios de informação e acessos estarem disponí-vels.

De certo modo vivemos um paradoxo, pois todas essas novidades ainda nãocontribuíram para um melhor relacionamento entre os seres humanos. Pelo contrário,muitas vezes tudo isso contribuiu para uma desintegração maior da convivência dosgrupos, entre eles, o principal de todos, a família.

Muito da crise de valores de referência, de saúde mental, para mim, passa peladesagregação familiar em todos os sentidos. Fatores psicossociais, culturais e econô-micos foram trazendo novas formas de convivência, sendo atualmente comum ver-mos a existência de numerosas famílias monoparentais, onde, por exemplo, no Brasilde hoje, 647o das mesmas têm mulheres como chefe da casa e de seu grupo familiar.Ora, isso modifica toda uma situação dos papéis psicoÌógicos de uma famflia, ondeiremos observar as conseqúências, por exemplo, da falta do pai na criação e no de-senvolvimento da personalidade dos filhos.

A diminuição da grande famflia, o distanciamento dos avós, tios e outros, fudoisso gera uma nova identidade, um novo padrão referencial de convivência e de de-senvolvimento.

Em função desses aspectos, todas as sociedades sofrem, assim como sofremtambém com um fenômeno universal charnado "Violência Social" que, atingindo atudo e a todos, não perdoa seus efeitos no comprometimento do desenvolvimento debebês, crianças e adolescentes que vivem nas áreas menos desenvolvidas de algumascidades. Essa "Violência Social" decorre de vários fatores, porém leva a um grande e

rÌo Dr H.

comum problema, a ruptura ou perda dos vínculos que se iniciam dentro de casa,dentro da própria família.

Assim - nos EUA por exemplo, um país conhecido como do Primeiro Mundo -,encontramos, em algumas áreas urbanas das grandes cidades, crianças e adolescentescom problemas psicopatológicos, e, conseqüentemente, de desenvolvimento, simila-res aos de Porto Alegre, ião Paulo, Montevideo, Buenos Aires, entre outros. De fato,a diferença está na forma como isso acontece e na sua intensidade. Por exemplo, serámais raro encontrar em alguns países, como no Brasil - onde 307o das crianças até 6anos de idade sofrem de desnutrição - se comparadas com as crianças americanas,que quase não passam fome, mas que, tal como no Brasil, sofrem de outras formas deviolência que também acanetam problemas no seu desenvolvimento. Refiro-me, porexemplo, à violência urbana existente tanto nos EUA como no Brasil, que poderáincidir de uma forma crônica, trazendo fatores comulativos que irão prejudicar lenta-mente a personaÌidade da criança e do adolescente de hoje e o futuro cidadão adultodo amanhã.

Diante de um quadro tão ameaçador e de perspectivas tão sombrias, vale a penareferenciar aqui os estudos feitos por alguns pesquisadores, como Rutter, We.ner,Garmezy e Haggerty, que estudaram a correlação entre os fatores protetores e a tussimchamada "Capacidade de Resistência". (Parker, 1995) Esses autores investigaram edescobriram que algumas pessoas, crianças e adolescentes, apesar de toda uma situ-ação problemática, são capazes de "resilir", de enfrentar os desafios, de crescer e semostrarem competentes e saudáveis, inclusive na sua vida adulta.

"Resiliência" é uma força, uma perícia, uma habilidade que algumas pessoaspossuem de se mostrarem corajosas, de poderem enfrentar "os desafios normais davida" e mesmo outros que terminam por deixar o indivíduo com mais autoconfiança,mais auto-estima, porque construíram um "ego resiliente". Ser maìs ou menos"resiliente", todavia, não é apenas uma questão de mágica, mas, sim, uma questãoque tem a ver com o potencial de cada um que poderá ser reforçado, melhorado, e nãosó deixar que o mesmo ocorra e se desenvolva pelo acaso. Pois esse é o grande desa-fio do profissìonal das áreas humanísticas, como a da saúde, educação e direito, quemuito poderão contribuir, através da compreensão e desenvolvimento de atitudesfavorecedoras à melhor capacitação da resiliência das crianças.

Os resilientes são crianças e adolescentes que intrinsecamente possuem fatorescomo temperamento mais flexível, curiosidade, auto-estima, senso de que são capa-zes de modificar seu ambiente, têm um controle intemo, boa saúde, inteligência,acreditam que as novas situações ou mudanças representam uma oportunidade paramelhorarem e se adaptarem, em vez de perda de esperança e expectativas.

Extrinsecamente, a estabilidade conjugal ou pelo menos uma "aliança" entre ocasal que respeite as funções de parentalidade; sentimentos de competência dos pais;integração e suporte familiar entre os membros; famílias formadas por até 4 pessoas,com intervaÌo de não mais de 2 anos entre os irmãos; fortes vínculos pelo menos como pai ou a mãe; estrutura e predicabilidade das rotinas diárias; possibilidades de su-porte fora da família como avós, babás, igreja, professores, entre outros, são fatoresfamiliares que possibilitam o desenvolvimento da resiliência.

Entre os fatores extrafamiliares, tais como a cultura e a vida na comunidade,prevalecem aqueles que valorizam as crianças, nas quais aparticipação comunitária éintensa, seja social, política ou religiosa, no bom sentido. Refiro-me aqui ao modo decompreender, entender e oferecer apoio, suporte e inclusive locais para reuniões,práticas, atividades sociais, recreativas e culturais.

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Nesse sentido, também a atividade política propriamente dita é fundamental nosentido de se oferecer espaço físico e psicossocial para as crianças e adolescentesdesenvolverem seus potenciais (algumas cidades americanas com área de violênciaurbana, como Chicago e Nova Iorque, apresentaram bons indicadores de saúde quan-do várias poÌíticas psicossociais foram introduzidas em alguns bairros).

Assim, reforçar, fomentar e potencializar os indivíduos e suas comunidades sãoforças poderosas para se diminuir o estresse e a violência social que abatem nossomundo.

Gostaria de lembrar algumas vivências comunitárias dos últimos l5 anos, quan-do estive participando comó profissional da equipe de Saúde Mental da Secretaria daSaúde do Govemo do Estado do RS, como assessor govemamental da área social(Projeto Vida) e (Centro do Adolescente), e como cidadão voluntiírio participante doConselho Comunitário da Cidade de Canela.

Em todas essas atividades que tinham a ver com "o humano", com o psicossocial,a participação comunitária foi fundamental.

Participação comunitária envoÌve um grupo de pessoas que se reúnem em buscade algo comum, que tem a ver com seus desejos, suas necessidades, para exercerem eviverem melhor seu estado de cidadanìa, sua quaÌidade de vida. Dessa reunião, desteencontro de idéias, valores e cultura, nasce uma força que deriva da própria emergên-cia de seus potenciais, pois, não fosse assim, essas famílias desfavorecidas não con-seguiriam sobreviver. Produz-se uma "energia social" que é o somatório das partici-pações individuais e que quando bem direcionada deixa esses grupos mais "ego-resilientes", pois conseguem se situar melhor e se adaptar nas suas interações.

Essa energia social é a mesma que também é encontrada nos assim chamadosgrupos de convivência, com fins terapêuticos, os mesmos podendo ser formados poradolescentes, pais, idosos, gestantes, entre outros.

No Projeto Vida, com a criação do Vida Centro Humanístico, localizado naZona Norte de Porto Alegre, RS, um espaço físico privilegiado para acolher, principal-mente, uma comunidade carenciada como a de bebês, crianças, adolescentes, mulhe-res e idosos em situação de risco, no sentido de lhes oferecer apoio e suporte paradesenvolverem sua cidadania, a participação coletiva foi fundamental, além do dese-jo govemamental de implementar o Projeto.

No coletivo, quero enfatizar a participação das entidades comunitárias daquelazona, como Associação de Moradores, Clube de Mães, organizações recreativas eculturais que terminaram por formar o Conselho Comunitário, que reuniu 60 entida-des com o poder de participar numa co-gestão com a administração geral indicadapelo Govemo.

Igualmente, a participação comunitiíria dos funcionários do Centro, em média130 para atender quase 15.000 pessoas, às vezes, por mês, foi decisiva.

Uma proposta nova e inovadora só teria êxito se realmente fosse construídaapós ter sido idealizada, se contasse com o apoio e a colaboração de todos, no sentidoda correção necessiíria para a realidade da dinâmica que é a convivência comunitárianos seus aspectos sociais, políticos e culturais.

Dentro desse aspecto, o êxito obtido refletiu-se na melhora da auto-estima, doseu EU, de sua cidadania para os que puderam absorver e viver essa filosofia, confor-me a própria comunidade manifestou reiteradamente. Tudo isso foi mais que umapolítica de ação social compensatória, pois proporcionou a muitos o espaço psicológiconecessário para o seu crescimento como "gente" que tem direitos e responsabilida-des.

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A co-gestão resolveu discutir os planos, apresentaÍ sugestões e ter o poderdecisório sobre as atividades realizadas no Centro, além de atingir a possibilidade degerir uma série de atividades e decisões comunitárias válidas não só para a clienteÌado mesmo, mas também para as suas associações de bairros.

Vários grupos de atividades foram criados no Centro Humanístico, alguns cha-mados "Convivência", como os das mulheres, crianças, adolescentes e idosos, naverdade, todos no seu funcionamento se assemelhando a grupos terapêuticos de Saú-de Mental.

Na verdade, a "fiÌosofia comunitária" do Centro - que era acompanhada deatividades integradas nas áreas da saúde, educação, lazer, cultura, esporte, ciência etecnologia, além dos direitos humanos e o oferecimento de possibilidades de interaçãohumana entre viírias gerações - viu-se acrescida da formação e das vivências dosgrupos assim chamados de convivência, com fins delimitados e claros para cada eta-pa ou situação de vida.

Para se ter um exemplo do funcionamento no grupo de gestantes, as mulheresparticipavam, além do gnìpo psicológico, de ginástica especializada, atividades cul-turais e possibilidade de receber apoio jurídico para sua situação especial, como oreconhecimento de leis protetoras que muito lhes poderiam ajudar, e também a seusfilhos futuros ou já existentes.

Nas atividades fora do Centro, ou seja, nas vilas, um dos programas mais necessá-rios para a realidade brasileira, o da "Recuperação de Bebês Desnutridos", a participa-

ção da Associação Comunitária ocorreu também de uma maneira expressiva parrmelhorar a saúde mental das mães e bebês do programa.

Foi observado que, numa área situada não longe do Centro, mais de 207o dascrianças até os 4 anos sofriam de desnutrição. No estudo feito pelos técnicos do Vida,notou-se que uma série de fatores psicossociais acompanhava o estado de desnutri-ção. Encontrou-se também que os bebês desnutridos viviam com mães em estadodepressivo, o que tomava a interação mãe-bebê-mãe disfuncional. Entre os fatoresque levavam à depressão, estava a migração (perda de raízes), o abandono e a negli-gência na infância das mães, o tempo de aleitamento curto, a falta do esposo oucomDanheiro. entre outros.

É interessante notar que, no grupo controle, entre as mães pobres da Vila quenão tinham filhos desnutridos, a perda das raízes era compensada por terem parentespróximos e por freqüentarem ou peftencerem à Associação dos Moradores local.Sentiam-se apoiadas, podiam interacionar com a possibilidade da Associação desen-volver o programa junto com o "Vida", colaborando com o crescimento daspotencialidades da entidade, tornando-se mais forte e podendo contribuir decisiva-mente para o programa integrado de recuperação de crianças desnutridas. As mãesdepressivas sentiam-se acolhidas, protegidas, participantes, melhorando sua depres-são e a interação com seus bebês.

Eis aqui um claro exemplo de como se pode politicamente ajudar e potencializara capacidade de resiliência de determinados gn.rpos sociais. (Celia, 1992)

Um outro exemplo, muito signifìcatìvo, é o da participação comunitária no Fes-tival de Teatro de Canela. Essa cidade, conhecida pelo seu potencial turístico, passoua ser também um pólo cultural de referência não só estadual, mas nacional e interna-cional, a partir de iniciativas tomadas com a participação comunitriria. Tal iniciativamobilizou a comunidade canelense, a ponto de reforçar sua auto-estima, passando,após os primeiros eventos teatrais, a ser realizadora de outros acontecimentos, dereferências educacionais, esportivas e ecológicas.

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O Festival surgiu há uma década, mais precisamente em 1987, num momentoem que se vivia a idéia de que nessa cidade, quando comparada com a vizinha Gra-mado, tudo era diferente. Em Canela, as coisas não aconteciam por muito tempo.

Num trabalho realizado com vários canelenses, sugerimos a criação de um "Fes-tival de Teatro Comunìtário" que abrigasse as várias manifestaçóes da comunidade,as associações de bairros, dos adolescentes e seus professores que já se reuniam emfestivais nas escolas, entre outros exemplos.

Aliado à espera inconsciente da "alma da cidade" em busca de sua "encantaria"ou referência, a mobilização grupal que possibilitou as artes cênicas, o esforço con-junto da comunidade, trouxe o Festival, a continuidade do mesmo e a permanência damotivação e mobilização comunitárias em várias áreas das atividades humanísticas.

Havia grupos naturaÌmente formados que necessitavam ser apoiados e reforça-dos para potencializarem suas ações, pois Canela reunia em sua comunidade belosexemplos de lideranças associativas, como grupos de professores, união de morado-res, união de jovens e outros que necessitavam buscar espaços para a mostra de seustalentos e possibilidades. (Celia, 1990)

Nesses exemplos referidos de participação comunitária, desde sua própria orga-nização e desempenho nas atividades, ou mesmo passando pelos grupos de convivên-cia, de apoio, de auto-ajuda, entre outros, podemos avaliar as possibilidades decor-rentes das várias interações humanísticas que envolvem a área educativa, de expres-são cultural, de favorecimento da saúde, de proteção dos indivíduos, enfim a luta naconstrução de sua cidadania pela melhora da qualidade de vida, formando todos es-ses componentes o que chamamos "Potenciais de Saúde"

É na observação, na escuta, no auxílio em forma de apoio, oferecendo espaçosfísicos e psicológicos, que se podem preparar estratégias para potencìalizar as ativi-dades individuais e coletivas existentes nos grupos humanos, para buscarem sua auto-realização.

É função do profissional de saúde ter essa visão ampla, social, ecológica,sistêmicada sociedade, dos indivíduos e de suas organizações;é pela visão humanísticainterativa, integradora, que ele poderá agir, favorecendo a "resiliência" dos grupospara que se preparem melhor para os desafios do dia-a-dia e do próximo milênio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CELIA, S. O teatro como lator de mobilização da comunidade. In: ORSOLIN, C. fualra, leÍlos e rotei-ros, RS: IGEL, 1990.

CELIA, S.: ALVES, M.ì BEHS, B.; NUDELMANM, C.: SARAIVA, J.; SARAM, J.: Relatório daPlenária do IV Congresso WAIPAD. Chicago, EUA, 1992.

FELDMAN, R.; SïFFMAN, A.i JUNY, K. Children at risk.EUA': Rutgers University Press, 1987.PARKER, S.; ZUCKERMAN, B. Belnvioral and developnerttal pediatrics. EUA: Little Brown and

Company, 1995.

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11Grupos de Auto-ajudaCARLOS A.S.M. DE BARROS

"..- isto é a diütica da vida."

(lídeÍ de um grupo)

Desavisadamente, podemos, num primeiro momento, não reconhecer a amplitude daagão e o valor suportivo dos grupos de auto-ajuda pelas finalidades educacionais e deapoio mútuo, porque o ceme da ação terapêutica nesses grupos é a sugestão, sugestãoessa que foi necessária e adequadamente diferenciada no início deste século pelo Paida Psicanálise, que postulou um cientificismo na terapêutica. Toma-se oportuno escla-recer que este capítulo é resultado de observações realizadas em grupos de auto-ajuda.

Esta modalidade grupal é amplamente difundida e faz parte do "Projeto Saúdepara Todos no Ano 2000', da OMS. São os denominados self-help, com seus ma-nuais operacionais de fundamento heurístico (conjunto de regras que conduzem àsolução de problemas) com valorização do fenômeno da sugestão para auxiliar aspessoas a resolverem seus problemas de saúde e educacionais, decorrentes de umevento desestruturador da qualidade de vida.

FUNDAMENTOS TEÓRICOS SOBRE GRUPOS DE AUTO-ÂJUDA

O gmpo de auto-ajuda, self-help, de auto-sugestão, procura auxiliar as pessoas aresolver seus problemas relacionados a eventos traumáticos deconentes do acometi-mento de doengas de natureza agudae, em especial, crônica; aos transtornos aditivos;às incapacitações, a situações de causas existenciais e a traumas. São gmpos homogê-neos no sentido de que seus participantes passam pelo mesmo sofrimento.

Rootes e Aanes (1992) conceituam o grupo de auto-ajuda baseados em setecritérios: são de apoio mútuo e educacional, a liderança vem do interior do grupo,reporta-se somente a um único evento desestruturador de vida, os membros do grupoparticipam voluntariamente, não têm interesses financeiros ou fins lucrativos,objetivam o crescimento pessoal dos integrantes, têm caníter anônimo e confidencial.Os autores citados caracterizam oito princípios básicos de funcionamento dos gruposde auto-ajuda: experiência compartilhada, educação, auto-administração, aceitaçãode responsabilidade por si próprio, objetivo único, participação voluntária, concordân-cia na mudança pessoal, anonimato e confidência.

108 r zrraenrvrm a osonro

Zukerfeld (1992), enfatizando a mudança psíquica no próximo século, atravésdapsicanálise e da auto-ajuda, valorizaos grupos self-help, dizendo que"o comparti-lhar experiências comuns proporciona aos seus integrantes uma enorme energia quepode ser destinada para as exigências da vida, a ressocialização e a recuperação"(p.77). O autor estabelece três hipóteses básicas para compreender o funcionamentode auto-ajuda. Na h ipítese da homog eneidade, por mecanismos de identificação ocorrea coesáo grupal, com o surgimento de alianças fratemais e a correspondente açãotransformadora. A segunda hipótese é a chamadamodelizaçõo, onde o mecanismo deauto-ajuda será mais eficaz quanto maior for o compromisso emocional com paradig-mas ou propostas explícitas de mudança ou de alguma ação determinada. Essas duashipóteses - a da lr omogeneidade e a da modelização - caracterizam, clinicamente, ofuncionamento das três anças: "a partir das semelhanças se gera a esperançâ e aumentode confiança dos indivíduos em suas próprias capacidades" (p.80).

A terceira e última hipótese básica para compreender o funcionamento da auto-ajudaê a daconfrontação, qüe é anecessidade dos membros do grupo de pôr à prova,de confrontar sua subjetividade com os dados objetivos oriundos darealidade biológica, psicológica e social. Por isso, quanto maior é o enfrentamento com a realidade,maior a possibilidade de condutas saudáveis entre os membros do grupo de auto-ajuda.

Zimerman (1993) assinala, quanto à formação dos grupos de auto-ajuda, queeles podem ser do tipo espontâneo ol incentivado por algum técnico, com liderançatransitória ou eventual, ou com participação não-diretiva ou em disponibilidade paraquando o grupo necessitar. O funcionamento desses grupos homogêneos é de caracte-ística autônoma.

Caracterizados os grupos de auto-ajuda, é necessário citar que os AlcoólicosAnônimos (AA) nortearam todos os demais grupos com a filosofia de irmandade.Essa filosofia se refere à informalidade nas reuniões, trocas de experiências entreseus membros e o uso da confrontação, com um conseqüente aleÍa para os prejuízosdo consumo alcoólico e identificação dos mecanismos defensivos usados parajusti-ficar o continuar bebendo. A filosofia da irmandade leva â uma atitude de auto-refle-xão, dentro de um clima em que os membros participantes se sentem compreendidos,apoiados e respeitados pelos seus pares, com a melhora da auto-estima.

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oBSERVAçAO DOS GRUPOS DE AUTO.AJUDA

Três grupos de auto-ajuda - de pacientes artríticos, de mulheres mastectomizadas ede pessoas soro-positivas para HIV - foram observados durante cerca de 2 meses. Ascaracteísticas, o funcionamento e os mecanismos de auto-ajuda são descritos a se-guir. Inicialmente, foi feito um contato com os coordenadores destes grupos de auto-ajuda, esclarecendo-se os motivos da observação com a preservação dos preceitoséticos. A proposta foi apresentada pelo coordenador aos demais membros dos gru-pos, que a aceitaram prontamente'.

'Agmdecemos aos gnrpos observados, à$ p€ssoãs participantes em seu anoniÍÌÌato e, em especial, às coordenadoÍâs, pela ajuda empermitir qüe o observador divulgue os benefícios dos gÍupos de lulo-ajuda. Também agmdecemos aos assessoÍes dos Íespectivosgrupos, aos médicos Íeumâtologistâs Femando Appel da Silva e Cârlos Albeío Von Mühlen, do GRUPAL, à enfeÍmeirâ ElianeColgberg Rabin, do gÍupo de Ínastectomizâdas, e à psicóloga Cláudia Oliveirâ Domelles, do EncontÍo Positivo.

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Grupo de Pacientes Artríticos de Porto Alegre (GRUPAL)

O GRUPAL é um grupo de auto-ajuda fundado em 3l de maio de I 98-1 por iniciativade dois médicos reumatologistas. Inicialmente, funcionor: na sala de espera de unrconsultório médico e, posteriormente, na sede da Associação Médica do Rio Grandedo Sul. Este grupo é o pioneiro em auto-ajudâ com artríticos, no Brasil.

De forma simplificada podemos caracterizar os artríticos como portadores dcum tipo de doença auto-imune, com umâ etiologia ainda indeterminada. Na maiorparte dos casos, a evolução da doença é crônica, tendo como característica a inflama-

ção articular. A conseqüência dessa inflamação irá se exprcssar através de dificulda-de funcional, seja para deambular ou até para segurar pequenos objetos. A dor é unraqueixa muito freqüente, mas há também os sinais extemos de caÌor, rubor e inchaçoarticular. A artrite reumatóide é uma das formas de aÌlrite e costuma atingir pessoasde qualquer ìdade, manifestando-se com mais frcqüência entre as do sexo feminino,que necessitarão de tratamento multidisciplinar por período longo e, geralmente, usan-do medicamentos.

Conforme o Informativo GRUPAL n" 5, de maio de 1991, o grupo tem comometa, em seus encontros, "a troca de informação e o relato de experiências pessoaisdos membros do grupo, bem como a divulgaçiro de soluções cÍiativas encontradaspara amenizar o problema e atingir uma vida normal. Nos encontros, os grupos de-vem reforçar recomendações como não fazer automedicação, comparecer reguÌârmenteao reumatologista e não tÍocar receituário sem prévia autorização do médico".

As reuniões são semanais, com duas horas de duração e participação de 8 a l0pessoas, em média. O clima é descontraído e alegre. Cada participante usa um crachácom o seu nome e o logotipo do GRUPAL. Algumas usam pulseiras metálicas, consi-deradas, por elas, energéticas. Ao clregar, as piìrticipantes depositam, na mesa, pc-quenas sacolas que contêm doces ou salgados parzr a hora do Ìanche. Na mesa dacoordenadora se encontram livros de auto-ajuda, de orações e de letras de músicas,além de gravador e pequenos objetos (artefatos utilizados para estimulação sensório-motora do paciente, com o objetivo de diminuir ir dor e melhorar a função) para arealização de exercícios com as mãos durante as reuniões.

Após os cumprimentos, a coordenadora inicia a reunião indagando a cada uma,nominalmente, como foi a semana. Informalmente, passam a reÌatar situações de suarotina de vida: família, tarefas domésticas, visitas, assim como o uso de pomadas qucajudam nas dores, o uso de outros medicamentos e as consuÌtas médicas.

Na reunìão após um domingo de Páscoa, os presentes de chocolate foram oassunto predominante. Algumas fizeram comentários sobre os prejuízos acarretadospela ingestão exagerada de chocolate. Uma disse que, na próxima reunião, faria osorteio de um ovo de chocolate, o que deixa todas em alegre expectativa. Comple-mentando, ela reforça que o ovo será dado por sorteio e não para qucm for a mais velha.

Podemos compreender, pela observação, que o fato de ser por sorteio e não peloprivilégio da idade caracteriza a semelhança e igulldade entre eÌas. Em seguìda, untasenhora comunicou a ausência de outra por tcr ido à coÌlsìilta médica. Outra comentaque o seu fim-de-semana foi maravilhoso, tomando chimarrão debaixo da paineira.:omendo "arroz de mãe, tão bom que é!", e que lbi muito fcliz na Páscoa. Sem interrom-per. uma vai passando ìì outÍa os artefatos de massagear com as mãos. Este movimen-to gmpal caracteriza a informalidade e a interaçaÌo. A coordenadora diz: "Esse grupoeleva o ânimo das pessoas vítimas da dor, através da dcscontração, da informação,'ientífica, da troca de idéias, das atividades manuais e do lazer c. em espccial. peloi:sabafo. isto é. a didática da vida".

110 . ZMERMAN & osoRlo

Neste momento, é realizada, pela coordenadora, a leitura científica de um artigosobre a maturescência feminina. Ao finalizar, indaga o que acharam da leitura. E umamaneira estimulante para compartilhar suas experiências. Um aspecto importanteobservado é que as pacientes vincularam ao tema lido fatos rotineiros relatados noinício da reunião e a sua própria história feminina.

Uma das participantes ressalta a importância do convívio familiar, mas observaque também é importante ter a sua privacidade e ficar sozinha. Assim, evita o dese-quilíbrio. "É muito importante paraìós receber afeto, exercer uma atividade e ajudaÍos outros."

Uma senhora, ao relataÍ a sua semana para as demais, conta um sonho comsituações traumáticas com crianças. Após, indaga sobre o que fazer com os sonhosruins. Uma diz que "não deve ficar ligada ao passado; procurar preencher o tempo emcasa, ocupâr-se é muito importante". Outra complementa a sua "interpretação dosonho": "Tudo fica arraigado em ti, por isso, voltar ao passado é uma fase da vida,depois passa". E um arranjo sugestivo, levando a prevalecer a razão e a ocupaçãopara não pensar no trauma. O grupo continua falante, todas opinando sobre os assun-tos, fazendo exercícios com os "instrumentos fisioterápicos". Em seguida, é relatadauma crônica de jomal: "A moça que chorava na sinaleira". Logo, uma senhora co-menta que "o temporal (alusão à doença acometida) muda o rumo da vida; tambémsou chorona, até ao ouvir o hino nacional aprendido no colégio". Várias citam situa-

ções com as quais se emocionam e enveredam pelos temas escolares. O assunto écomentado por todas, comparando com o ensino atual, dos filhos e netos.

É realizada, pela coordenadora, a leitura de uma crônica que aborda as diferen-

ças entre as pessoas. Os comentários, após a leitura, são norteadores do funcionamentogrupal: "É importante conversarmos sobre o grupo, para evitar fofocas; somos pesso-as e cada uma é diferente, temos qualidades e defeitos e podemos aprender comtodas; devemos ver o lado bonito das pessoas, por isso sentimos falta uma da outra,para nos complementarmos".

A coordenadora dirige o olhar para o observador e relata que todas têm umalista com o nome, telefone, endereço e a data de aniversário. Uma liga para a outraquando sente saudades. Uma participante diz: "O nosso grupo é homogêneo e sensacio-nal; por essa ajuda mútua, somos energia circulante; quando uma está pm baixo eoutra mais pra cima, ocone o equilíbrio; assim a peteca não cai; muitas chegam aogrupo com a dor nas juntas, com o tempo essa dor desaparece; é a distração da dor".

A coordenadora encerra a primeira parte da reunião. Segue-se a hora do recreio,do lanche. Todas se movimentim e alrumam a mesa com doies e salgados. É feita alista para o pedido de refrigerantes, que são pagos individualmente.

Inicia a segunda paÍe da reunião. A coordenadora diz ser a hora da música. Ocaderno de letras de músicas é distribuído, sendo então escolhida uma música com aaquiescência de todas. São cantadas com entusiasmo e alegria por todas, inclusive oobservador. No final de uma música, chega uma senhora que é cumprimentada portodas. A coordenadoÍa ressalta que esta senhora é filha de uma ex-participante dogrupo, já falecida, e que "veio matar as saudades, visitando". Neste instante a coorde-nadora indica nova letra de música, a conhecida "não posso ficar mais um minutosem você...". É expressiva a receptividade, a coesão grupal e a facilidade de lidarcom a dor. Depois das músicas populares, foi ligado o gravador com canto religioso.Ocorre um movimento grupal em que âs participantes voltam para si, numa atitudereflexiva.

É iniciado um exercício de visualização, segundo a orientação de um livro sobre"A imagem que cura". É um método de relaxamento proprioceptivo e sugestivo de

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melhora dos problemas e das dores, à medida que as partes do corpo são tocadaspelos próprios dedos, com os olhos fechados.

Dando seguimento, é solicitado que apaguem as luzes e fechem as coninas-Com a Ave Maria de Gounod como fundo musical, é repetida, por todiìs. uma oraçãochamada "a benção da saúde", retirada de um livro que estava sobre a mesa da coor-denadora. E feito um agradecimento nominal "aos médicos que assistem as pessoaspresentes, às ausentes, à reunião e às falecidas que pertenciam ao grupo".

Na segunda reunião observada, a coordenadora traz núm eros do jomal lrtfonnati-vo Grupal, com artigos esclarecedores sobre a doença e o tratamento, além de umacoluna de perguntas dos leitores, que são respondidas pelos médicos assessores doGRUPAL. Nessa reunião, a primeira parte foi uma palestra informal de um médicoresidente em reumatologia, que despertou muito interesse, provocando inúmeras per-guntas.

A coordenadora esclarece que essa atividade é realizada quinzenalmente porum médico que vem falar sobre um tema previamente combinado. Recebo o aviso deque a reunião é suspensa quando chove ou faz muito frio no dia em que costuma serrealizada (às segundas-feiras). Justificam que o frio e a chuva são prejudiciais aoartrítico. Nessas ocasiões, o contato é telefônico.

Na terceira reunião observada, as participantes contam sobre a importância dapalestra médica, quando chega uma adolescente, membro do grupo. A coordenadora,com o objetivo de não dificultar o andamento dos trabaÌhos, diz para a jovem: "Dáum beijo geral". E esclarecido que ela é a maisjovem do grupo, é a mascote. O grupofala das dores, das dificuldades ao deambular, ao realizar as tarefas diárias e da dorpersistente. Quando citam as deformidades e as dificuldades em segurar objetos pararealizar tarefas diárias apontam para os pós, joelhos, braços e mãos. No intuito doartrítico poder realizar a apreensão de colheres, facas, escovas de cabelo, etc., é ne-cessário que esses objetos tenham mais volume do que comumente têm. Existe umaparelho especial para enfiar os botões nas casas das roupas. Para as deformidadesdos pés, casas ortopédicas fabricam sapatos personalizados.

E Ìembrada, de forma enfática, uma frase expressa por uma senhora do grupo,que realizava bonitos trabalhos manuais, mesmo com as deformidades: "Não importao que as mãos mostram, mas sim o que elas fazem". Esta senhora com artrose tinhavergonha das deformidades das mãos e no grupo fez uma reflexão da sua vida, recor-dando do cumprimento de seu papel como mãe, professora e pessoa, deixando delado a vergonha e se mostrando.

Uma senhora participante diz que quanto mais informações o artrítico e seusfamiliares possuírem, mais possibilidades existirão para que as relações pessoais se-jam mais harmoniosas, e a vida, mais digna de ser vivida.

Nesta reunião, o observador lembra da combinação do término de sua participa-

ção e agradece. E lembrado que, para o GRUPAL, "você não está sozinho, suas dorese seus problemas são nossos também".

Grupo de Auto-ajuda de Mulheres Mastectomizadas

Este é um grupo de auto-ajuda que funciona no Serviço de Mastologia do Hospital deClínicas de Porto Alegre (HCPA), desde setembro de 1983, por iniciativa de umaenfermeira, que mantém uma participação não-diretiva no funcionamento grupal. Asreuniões são semanais, com uma hora de duração, realizadas na sala do ambulatório.As mulheres participantes passam por um processo de triagem feito pela enfermeira

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responsável. As pacientes são oriundas do Serviço de Mastologia do HCPA, e tan-bém de outras instituições, encaminhadâs, nesse caso, pela Legião Assistencial c:Apoio ao Paciente de Câncer (LAAPAC) ou pelos próprios pacientes do grupo cì.auto-ajuda. O tempo de permanência no grupo varia de 6 meses a 3 anos. As pacier-tes realizam controle de saúde ambulâtorial periódico e recebem apoio e ajuda d:voÌuntárias da LAAPAC, desde o diagnóstico do nódulo até o pós-operatório e, se fc:o caso, na fase terÍninal, juntamente com os familiares. As voluntárias prestam apo:afetivo e ajuda na aquisição de medicamentos, próteses mamárias, roupas e orient.-

ção sobre trabaÌhos manuais.O grupo de auto-ajuda das mastectomizâdas, através da troca de experiêncir.

entre as participantes e de informação adequada, tem como objetivos: oportunizar.expressão dos medos e fantasias sobre o câncer, superar os problemas da mutilaça:com a retirada da mama doente, estimular a aderência ao tratamento com os diversc,procedimentos e recomendações, cultivar a espcrança, valorizar a vida.

Antes das reuniões do gmpo de auto-ajuda, as participantes reaÌizam durant:uma hora, sob coordenação das voluntárias, âtividades de trabalhos manuais diver-sos, os quais são expostos fora do HCPA e vendidos pelas próprias.

Eventualmente, atendendo às necessidades do gmpo, são convidados profissir'nais de saúde para prestar informações e dar orientação técnica às participantes.

Quanto à participação não-diretiva da enfermeira, esta se conceitua como "urn.mola propulsora de ânimo". Uma voluntária da LAAPAC participâ do grupo, auxiìr-ando com informações necessárias e facilitando o movimento grupal.

Foram observadas três reuniões consecutivas, no mês de abrilde 1996. O grup:ocorre na mesma sala onde são feitos os trabalhos manuais com as voluntárias. A,cadeiras são dispostas em círculo. A minha presença na condição de observador:recebida com alegria e curiosidade. E feita a apresentação nominal de todas e mencic-nado o tempo de mastectomia. A participante com l8 anos de cirurgia diz, alegremente.que está bem e dirige seu olhar para qìiatro ìniciantes no grupo. Uma deÌas esclarec-quc ainda não realizou a extirpação dâ mama, está em quimioterapia e foi recomendadrpor seu médico a participar do grupo como uma forma de preparação.

O tema centra-se nos depoimer'ìtos das novatas, que é o do impacto emociona.com a descoberta do nódulo e a indicação da cimrgia. O rnedo de morrer foi grandeUma jovem senhora diz que "estava na praia quando percebeu o nódulo e nunc:imaginou ser câncer". Após breve pausa, diz: "Vê como é a vida; bronzeada pelo soÌ.bonitinha e logo passando por tudo isso".

O assunto é angustiante, as veteranas do grupo ficam se olhando, e uma delas.com dois nleses de mastectomia, levanta o braço e diz: "Eu já estou assim; antes, nã.podia levantar os braços, nem fazer quase nada por causa da dor; fiz os exercícios ejiestou bem melhor". Várias senhoras levantam e movimentam os braços, olhandcpaÍa as novatas, como se dissessem "vão melhorar", dando uma mensagem de esperan-

ça. A enfermeira complementa com informações técnicas sobre as complicações ósteo-musculares da mastectomia, a impoÍtância da prática dos exercícios e a visualizaçacdas que já passaram por essa fase do tretamento. E mlrclnte o alívio das novatas.expresso em tímidos sorrisos ao saber do tempo de sobrevida das outras e do resgatedas relações pessoais. Uma delas já assinala para a novata em quimiolerapil qutainda não rcalizou a mastectomia que, sabendo como será depois, sua dor é aliviad:e que terá todo o apoio no grupo. E enfatiza: "O grupo ó maravilhoso". Com o movi-mento da cabeça e sorrisos, todas âs veteranas concordam. Aqui já observamos cfenômeno das três anças: semelhança, esperança e confiança.

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O grupo silencia em atitude reflexiva, a enfermeìra estimula a verbalização:"Vamos lá, pessoal". Uma inicia contando quejá sabia do diagnóstico de câncer pelamamografia. Decidiu fazer consulta a outro serviço para a cirurgia. Entregou os exa-mes para o doutor, que olhou, chamou outro médico e ficaram afastados, cochichan-do. Ela disse: "Doutor, não é preciso cochichar, eu sei que tenho câncer, o senhorpode falar alto". Aceitou a indicação ciúrgica e no dia seguìnte foi operada e "Aquiestou, no grupo, e bem". Com rápido movimento aproxima a mão do seio "que estácom prótese". Uma observação: todas âs mastectomizâdas presentes usam uma próteseque, na maioria, é confeccionada pelas voluntárias em pano com painço (grãos deuma gramínea, alimento para aves), e que, pela visualização, não se consegue identi-ficar qual a mama ausente.

Cada uma procura verbalizar o impacto com a descoberta do câncer, uma doen-ça potencialmente fatal, e com a extirpação do seìo - órgão sensível e carregado deafeto -, acompanhada da fantasia da perda do sentimento de feminilidade. Umasenhora mastectomizada diz "que ficou torta, sem o peso da mama e, por vezes,ficava segurando no local". Quando começou a usar a prótese de painço melhorou depostura e fica de sutiã o tempo todo, tirando apenas para o banho. Outra diz quedorme com a prótese, sentindo-se melhor das dores nas costas. Todas valorizam o usoda prótese e os exercícios para movimentar o braço do ìado operado. Uma relata que'lá antes da cirurgia ficava treinando os exercícios para diminuir o edema, a dorensina a gemer, por isso os cuidados com a saúde". Quando sente qualquer mal-estarno tórax, ela consulta no ambulatório. Outra senhora completa: "E o medo do cân-cer".

Na semana seguinte, é indagado à novata, ainda não operada, como estava. Ela,sorrindo, diz: "Melhorei, não sei como". Sorrisos gerais. Uma diz: "É porque estí nogrupo, ouvindo e falando sobre a doença, o tratamento e o apoio que uma dá pra outrae recebemos aqui no grupo". Uma completa: "Todas passam igual". Uma senhoracom dois anos de mastectomia sob controle diz que ainda lembra da notícia do diag-nóstico: "Ficava me perguntando, por que eu?". Diz que sente "um choro recoÌhidoao falar do câncer". A do lado faz movimentos para cima com os ombros e diz:"Deixa pra lá, não fala mais nisso, procura lembrar o que já conseguiste depois damastectomia". Uma delas, chamando-a pelo nome, de forma afetiva, dizlhe: "Tufoste empurrada pelo grupo e melhoraste; não se pode esquecer do câncer porquetodos os dias, no banho e ao fazer exeÍcícios, a gente lembra, mas vai se vivendo".

O grupo como que emerge de uma atitude melancólica ao lidar com a durarealidade da doença e valoriza o permanecer vivo. Logo, uma senhora conta como fazpara freqüentar a piscina do clube com os familiares. Já sai de casa com a prótese e omaiô de /ycra colante por baixo da roupa. No clube não precisa trocar, pois "ninguémprecisa saber". Após sair da piscina, tranca-se no banheiro e troca de roupa. Uma dasparticipântes diz que sente vergonha e que poderia ter uma piscina só delas. Tal pro-posição não é aceita por todas, que verbalizam sua discordância para a proponente deforma afetiva e convincente. É dito que, se assim for, aumenta o preconceito e reforçao medo do câncer.

No final de cada reunião é a hora da oração. A voluntária abre uma páginaaleatória do livro de preces e passa para uma das senhoras fazer a leitura de otimismoe de esperança. Diversas senhoras usam os adomos de pulseiras, as chamadas ener-géticas.

Na última reunião observada, predominou o tema da vulnerabilidade humanacom a doença. Uma senhora relata a mudança ocorrida em si após o diagnóstico docâncer e a mastectomia: "Senti que não somos tão fortes como pensamos i agora acei-

1L4 . ZMERMAN & osoRlo

to todos como são, sem preconceitos". Faz um breve silêncio e num movimento comas mãos, direcionada a todas do círculo diz: "Todos somos iguais e frágeis; a doençanos leva a pensar no que somos, e o grupo é a prática". Conelacionei a expressão"didática da vida", utilizada no grupo das artríticas, com a das mastectomizadas "ogrupo é a prática".

Grupo de Auto-ajuda Encontro Positivo

O Encontro Positivo é um grupo de auto-ajuda pera pessoas infectadas com o vírusda AIDS, que funciona desde novembro de 1995 no GAPA - Porto Alegre, RS. Estegrupo é coordenado por três mulheres infectaras que foram treinadas pela equipetécnica do GAPA e que recebem assessoria de uma psicóloga.

O GAPA é uma instituição civil, sem fins lucrativos, que funciona em sedeprópria. O trabalho técnico é voluntário. Através de plantáo de aconselhamento, visita domiciliar, serviço de apoio terapêutico - individual e em grupo - e de grupo deauto-ajuda, presta-se apoio às pessoas infectadas ou com a doença manifestada.

As reuniões do grupo de auto-ajuda, de periodicidade semanal e com duas horasde duração, ocorrem numa graÍìde sala do GAPA, às quartas-feiras à noite.

Antes da observação das reuniões, foi feito um contato con a psicóloga asses-sora das coordenadoras, expondo-se os motivos e soli:itioa a permissão para a práti-ca. que foi prontamente aceita por todos.

Na primeira reunião observada, em abril de 1996, as 20 pessoas participantes dogrupo foram divididas, por iniciativa de uma das coordenadoras, em dois subgruposcom temáticas diferentes: tratamento altemativo e boas-vindas aos novos pacientes.Fiquei observando o subgrupo de tratamento alternativo, constituído por 12 pessoas.Nas extremidades do sâlão estavam os dois subgrupos separados e em círculos. Acoordenadora iniciou, perguntando nominalmente, para cada um, o que tem desco-berto e executado como tratamento altemativo para a infecção. Um rapaz relata queesteve em outro Estado, fazendo consultas com uma química e comprou poções echás com ervas de ação terapêutica. Todos ouvem atentamente. Ele esclarece deta-lhes quanto àficha preenchida, os depoimentos de "cura" e o nome de pessoas conheci-das no meio artístico que lá estiveram buscando ajudà. Uns indagam sobre confiabi-lidade e segurança, e outros dizem que 'ludo é válido fazer". As opiniões divergentesfluem, um não espera o outro terminar de falar. A coordenadora maneja, pedindosilêncio, e que deixem o falante concluir por ser importante para todos. Outro reiniciadizendo da importância da alimentação natural, evitando cames vermelhas e enlata-dos. Outro complementa que atividade ao ar livre é bom. Novamente ocorrem conver-sas paralelas, a coordenadora diz: "Pessoal, vamos ouvir o colega". Outro conta quehá 4 anos sabia que estava infectado, quando seu parceiro faleceu de AIDS. Esperou1 ano e meio para fazer o exame. Quando foi buscar o resultado, a médica perguntouse estava acompanhado. Respondeu à médica: "Não preciso, já sei do resultado".Iniciou o AZT, interrompendo por passar mal com enjôos e por voltar a tomar cerve-ja. Depois de um tempo, reiniciou a medicação e a alimentação natural. Outro, nova-mente, valoriza o uso dos naturais, tomando a vida mais saudável.

De repente, um breve silêncio, e um honem diz que "O vírus veio para punir".Logo, uma mulher não concorda. As conversas paralelas retomam, o clima fica dis-cursivo. A coordenadora maneja, em tom de voz mais alto, dizendo: "Deixa ele falarde suas coisas". Uma mulher diz: "São tuas culpas". Outro diz: "O sexo é muitobom". Risos gerais, opiniões diversas, movimentos de toques e carícias afetivas entre

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os que estão sentados juntos. A coordenadora retoma a palavra, estimulando os de-mais a falarem. O que primeiro relatou da viagem, buscando remédios com a quími-ca, diz de forma bombástica: "O vírus é intrusivo na minha vida, ele causou estragoscomo um alien saindo de dentro". Encosta a mão no peito e afasta, dando a idéia deperfuração torácica. Outro logo complementa: "Ele entrou sem ser chamado". Aspessoas movimentam-se na cadeira, a forma dramática de expressar a infecção viróticamobiliza grande ansiedade, como uma morte anunciada. A coordenadora diz que acabeça (aludindo ao psiquismo) ajuda ou prejudica a doença. Vários relatam experiên-cias de atendimento psicoterápíco e uso de técnicas altemativas. Com a mudançatemática, a ansiedade grupal vai se reduzindo. E comentada a busca de alívio e o usode terapia altemativa. Reconheço nas pessoas as mesmas pulseiras usadas pelos inte-grantes dos outros grupos de auto-ajuda e um anel chamado Atlanta, também conside-rado energético. No breve intervalo, é oferecido café e chá. Uma jovem participante,para auxiliar seu sustento, traz doces para vender.

Os dois subgrupos reúnem-se em círculo maior, sendo feita a apresentação nomi-nal e mencionado o tempo de infecção do vírus. Os novatos ficam esperançosos pelotempo longo de alguns presentes na reunião. O propósito deste segundo momento é atroca dos assuntos discutidos anteriormente. Um dos novatos à reunião relata dificulda-des pessoais ocorridas após a infecção, perdendo seu emprego e tendo de mudar decidade. O seu relato deixa todos comovidos. Alguns se aproximam dos outros e setocam nas mãos, nos cabelos, e cochicham. A coordenadora do outro subgrupo diz:"Pessoal, ele (o que relatou o efeito desestruturador) está de aniversário", e inicia acantar e bater palmas com o "parabéns a você". O aniversariante chora, sendo acalenta-do. E retomado o tema da influência do estado emocional na infecção. A coordenado-ra conta sua experiência com os tratamentos e, com as mãos direcionadas para siprópria, verbaliza calmamente: "Eu digo pra ele (o vírus), te aquieta".

Na reunião seguinte está escrito no quadro de avisos: Como contar? Por quê?

Quando? Grupo de novos: recepção. Negociação da camisinha.O grupo inicia no horário, com 10 pessoas presentes, e a coordenadora lê os

assuntos agendados. Ocorre uma discussão sobre a responsabilidade no uso da cami-sinha e corno contar ao novo parceiro que a pessoa está infectada. Todos emitemopiniões diversas. Um diz, com movimentos de mãos, que está impotente e ficoudesinteressado sexualmente após saber da infecção. Vários sorrisos e comentáriosparalelos. A coordenadora inÍerrompe um comentário pomográfico, dizendo: "Teaquieta". O assunto da transmissão retoma. Alguém levanta a questão de "quem dizque tem que dizer? Onde está escrito?". Uma pessoa afirma que transar com estranhoé com camisinha, a responsabilidade é de todos, de nós infectados e dos outros". Acoordenadora lembra a importância de evitar a reinfecção, que é prejudicial. Emseguida, é feito o comentário de que "o pau é esponja", pegando tudo. A coordenado-ra lembra dos ferimentos, pelo atrito das relações, como porta de entrada do vírus.Em tom jocoso, outro diz que "tem de usar camisinha no dedo, na língua, para seproteger". Ocorrem risos, a coordenadora aguarda e retoma aos temas agendados. Ogrupo faz comentários sobre a atitude preconceituosa e de estigma social com a AIDS."Quando é homem, é bicha; se mulher, é drogada ou prostituta". Os_ participantesrelatam situações de rechaço ocorridas com eles no convívio social. E relatado queum membro do grupo teve episódio diarréico, com desidratação, e foi conduzido parahospitalização. Os participantes ficam pensativos e procuram saber detalhes, interessa-dos em ajudar. Em seguida, é assinalado que uma participante grávida necessita deenxoval para a criança. Vários se dispõem a trazer ob.jetos e roupas. O grupo seanima de novo. Alguém dá notícias de outros GAPAs. São mostradas reportagens

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116 . ZMERMAN & osoRlo

com atitudes de militância dos direitos para todos. É sugerida a confecção de camise-tas do Encontro Positivo e o que pode ser escrito. Uma pessoa sugere um logotipo ea expressão "AIDS, Amor, Rebeldia, Aceitação". A coordenadora propõe, e todosaceitam, trazer as sugestões de logotipos na próxima reunião.

Observo que uma das três coordenadoras anota num cademo o nome dos parti-cipantes e os assuntos debatidos com sugestões e opiniões.

Finalizando, uma das coordenadoras informa a alteração da data da próximareunião, devido ao uso da sala para treinamento do voluntariado do GAPA. Tambémavisa que na próxima reunião do grupo será realizada uma palestra sobre novos me-dicamentos. A coordenadora enfatiza para todos os presentes que, dependendo danecessidade e interesse do grupo Encontro Positivo, são convidados profissionais desaúde para realizar palestras educativas e informativas.

COMENTÁRIOS DAS OBSERVACÕES

1. Os gmpos dos pacientes artríticos, mulheres mastectomizadas e soro-positi-vos para o HIV satisfazem as características necessárias da auto-ajuda: são de apoiomútuo e educacional, a liderança emerge entre os pârticipantes com a aceitação detodos, os membros são voluntários, não têm interesse pecuniário, procuram crescimen-to pessoal e têm caráter anônimo e confidencial.

2. A sugestão é o ponto comum dos grupos de auto-ajuda, emergindo dos fenôme-nos identificatórios entre seus membros e da força de coesão grupal dos assemelha-dos.

3. Na busca do alívio do efeito desestruturador, causado pelo evento traumáticoda doença e seu tratamento, o compartilhar experiências entre seus homogêneos é umfator importante.

4. As coordenadoÍas e os participantes do grupo procuram fazer com que osdemais, em especial os novatos, sintam-se confortáveis, aceitos e estimulados averbalizar seus anseios.

5. Nos três grupos de auto-ajuda observados, além da aderência ao tratamentoespecializado, todos utilizam, com uma maior ou menor crença, o recurso mágico.sugestivo, para alívio do seu sofrimenlo.

6. No grupo dos artíticos e mastectomizadas é valorizado um momento de me-ditação, com a leitura de preces e orações religiosas.

7. Poderíamos dizer que o mecanismo básico suportivo no grupo de auto-ajudaé o fenômeno da sugestão, que procura "colocar uma pedra em cima", abafando atrama conflitiva individual, focalizando a situação desestruturadora atual e a pessoaacometida juntamente com todos: "Todos estão no mesmo barco". A linguagem éúnica e familiar, buscando o crescimento pessoal por meio de aceitação, estímulo eapoio, porque o participante é valorizado como uma pessoa humana com suaspotencialidades para enfrentar o efeito desestruturador do transtomo acometido emsi e com o apoio mútuo e solidariedade dos participantes do gÍ1Ìpo. Embora se reconhe-

ça os benefícios dos grupos de auto-ajuda, estes têm caráter adaptatìvo e não-resolu-tivos.

8. Tialvez pudéssemos refletir sobre as mensagens emergentes nos grupos observa-dos - "didática da vida" (artríticos), "prática da vida" (mastectomizadas) e "o vírus éintrusivo" (Encontro Positivo) -, dizendo que todos os eventos traumáticos que pos-

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sam levar ao desequilíbrio são intrusivos à homeostase e à negação da morte. A práti-ca da vida é não viver preconceituosamente: Todos são frágeis e iguais como pesso-as, e a "didática da vida" é o convívio humano através da palavra, na busca do entendimento e aceitação do "como ser, como estar", reconhecendo as diferenças inevitá-veis, mas sob o prisma do respeito mútuo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ZIMERMAN, D.E. Fundamentos básìcos das grupoterapias, Pofio Alegre: Artes Médicas, 1993.ZUKERFELD, R. Ácto bulímico, cuerpo y tercera tópica. Buenos Aires: Ricardo vergara, 1992.ROOTES, L.E.t AANES, D.L. Á conceptüal Íramework for understandíng self-help groups: hospital

and community psychiaÍtc, washington, 43(4):3'19-81, 1992.

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T2Como Agem os GruposTerapêuticosDAVID E. ZIMERMAN

Em todo e qualquer campo grupal, sempre existe a presença simultânea de fatoresdisruptivos e coesivos, harmônicos e desarmônicos, da mesma forma que tambémsempre estão presentes, de modo concomitante, elementos conscientes e também osinconscientes, estes últimos de aparecimento manifesto ou subjacente.

Cabe uma analogiacom uma orquestra em que os diversos instrumentos, executa-dos pelos respectivos músicos e sob a direção de um mâestro, tanto podem interpretarsuas partituras em perfeita sintonia - quando então produzem um generalizado esta-do de bem-estar - como podem entrar em desarmonia pela desafinação de algumexecutante ou por falhas do maestro, e todo conjunto pode desandar.

Da mesma forma, de acordo com o tipo e a finalidade do grupo constituído,paÍicularmente com a eficácia da direção do coordenador do grupo em pauta, podemser construídos distintos ananjos entre os fatores sadios e os patológicos de cada ume do grupo como uma totalidade. Então, do que depende um grupo para seu destinoser de crescimento, estagnação ou de extinção? Fundamentalmente, ele depende domelhor ou pior aproveitamento da potencialidade dos múltiplos vetores que fazemparte integrante do campo grupalístico, sendo que, utilizando a mesma metáfora mu-sical, alguns "instrumentos" são mais úteis e mais "executados" em algumas "compo-sições grupais", enquanto outras composições exigirão que outros instrumentos sesobressaiam, embora todos eles estejam virtualmente presentes e conjugados entre si.

Este capítulo vai se restringir a abordar os fatores instrumentais dos grupos queestão precipuamente voltados para alguma finalidade terapêutica, quer esta seja pró-pria de grupos operativos, grupoterapia lato senso, ou no sentido estrito de grupoterapiapsicanalítica.

Antes de mais nada, é útil enfatizar que nem tudo que se passa num campogrupal terapêutico deve ficar limitado à busca e à resolução de conflitos. O ser huma-no tem uma tendência inata para querer saber, criar, brincaq cuÍir prazeres e lazeres,e também para filosofar [vem dos étimos gregos pàllos (amigo de) + sopàas (conhe-cimentos)], sob uma forma que está presente em todas as culhrras humanas conheci-das, que é a de conhecer de onde ele veio e para onde vai, o que ele é, por que e paraque vive; em resumo, todo indivíduo no fundo quer saber quem ele é, e qual é o seupapel no contexto grupal, social ou universal em que está inserido.

Como esquema didático de exposição, segue uma apresentação dos principaisfatores que conconem para uma ação de coesão, harmonia e integração, com vistas a

120 . zrvenunn a osonro

um crescimento mental, ou, confolme a finalidade do grupo, a possibilidades curati-vas.

Setting. A organização de um enquadre através da combinação de regras e nor-mas que, embora possam ter alguma flexibilidade, devem ser cumpridas e preserva-das ao máximo vai muito além de uma necessidade normativa unicamente de ordemprática. A ação terapêutica do settlng consiste no fato de que ele estabelece:

. Uma necessária delimitação e hierarquia dos indivíduos entre si e, principalmen-te, a desejável distância que deve ficar mantida entre eles e o grupoterapeuta.Esse aspecto é particularmente relevante quando se trata de um grupo com pacien-tes bastante regressivos, pois eles têm tendência auma simbiótica indiscriminaçãoentre o "eu" e o "outro", e, por conseguinte, a noção de limites está muito prejudi-cada.

. O enquadre, estabelecido e mantido, representa a criação de um novo espaço,onde podem ser reexperímentadas tanto as antigas vivências emocionais que fo-ram mal resolvidas como as novas experiências emocionais que o grupo estápropiciando.

. Um grupo que permanece coeso funciona como sendo uma nova família, e, espe-cialmente em grupos com pacientes depressivos, esse fato representa a reconstru-ção e a restauração da família original que, nesses pacientes, coshrma estar intema-lizada em cada um deles como estando dispersa e destruída.

. Em grupos como os de "auto-ajuda", a homogeneidade dos participantes favore-ce que cada um assuma a sua doença, ou limitação, com menor culpa e vergonhae com abrandamento da terrível sensação de se sentir um marginal diante daspessoas "normais".

. A importância do setting consiste no fato de que ele é um valioso "continente"das necessidades e angústias de todos.

Continente. Bion nos ensinou que em qualquer indivíduo, ou grupo, há um"conteúdo", representado pelo seu contingente de necessidades, angústias, emoções,ansiedades, defesas, etc., e, portanto, necessita de um "continente" que possa contero referido conteúdo (a palavra continente deriva de continei, que, em latim, querdizer conter). Assim, desde que nasce, o ser humano necessita vitalmente que a mãeexerça adequadamente essafunção de acolher, reter durante algum tempo, descodificare dar um significado, um sentido e um nome às experiências emocionais vividas pelacriança.

Na situação de terapia individual, cabe ao psicoterapeuta exercer essa função;nas grupoterapias, acontece um fato novo: não é somente o grupoterapeuta que executaeste papel, porém a própria gestalt grupal como uma abstração funciona com a açàoterapêutica de servir de continente para cada um em separado, e para a coesão dotodo grupal. Notadamente com pacientes bastante regressivos (psicóticos, borderline,psicossomáticos, regressivos graves, drogadictos, etc.), essa função do grupo comoum novo continente adquire uma importância de primeira grandeza.

A função "continente" antes referida também é conhecida como holding(conceituação de Winnicott), e o próprio Bíon também a chamava "capacidade derêveie" e "função alfa". Esta última alude mais especificamente ao exercício defunções que são fundamentais para a estruturação do psiquismo da criança e quedevem servir como um modelo para o filho. E útil lembrar que, especialmente com

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pacientes regressivos, como os anter iormente mencionados, a função de umgrupoterapeuta é isomórfica com a dos cuidados mâtemais originais com os filhos.

Modelo de identiÍìcação. A importância da mencionada "função alfa'consis-te no fato de que uma crianca somente poderá desenvolver certas capacidades de ego,se a sua mãe (no sentido genérico dessa palavra) as utilizou com o filho. Assim. se amãe não possuir uma capacidade de, por exemplo, ser um adequado continente. ceniì-mente o filho também não possuirá essa mesma capacidade. O mesmo vale para amaneira de perceber e lidar com os acontecimentos da vida, a forma de pensar asexperiências emocionais, o tipo de significação que empresta aos fatos cotidianos, etc.

Na situação de um campo grupal, é ao grupoterapeuta que cabe essa função alfa.de modo que, indo muito além das interpretações propriamente ditas, sob uma formainsensível, a totalidade do grupo vai absorvendo o "jeito"e se modelando pela manei-ra como o terapeuta encara as angústias, dúvidas, incertezas; de como enfrenta osconflitos; qual a sua forma de se relacionar, comunìcar e, muito especialmente, decomo ele raciocina e pensa as experiências emocionais que se passam na vida inter-na, e externa, do grupo.

Não é unicamente o grupoterapeuta que funciona como um indispensável mo-delo de identificação; os próprios pacientes também podem servir como modelos,uns para os outros, de determinados aspectos.

Ainda em relação ao processo da identificação, deve ser acrescido o fato de que,em grau maior ou menor, todo indivíduo é portador de identificações patógenas queficam bem evidenciadas no curso do gmpo. Nesse caso, a maneira como o gnìpo ageterapeuticamente consiste na possibilidade de promover des-identiJìcações, e assimabrir um espaço na mente para neo-ìdentíficaçõe.r mais sadias e que favoreçam aconstrução do sentimento de identidade.

A essencialidade da função de o terapeuta servir como um novo modelo deidentificação vale para qualquer grupo, ressalvando as devidas diferenças entre cadaum deles.

Função de espelho, Comumente os autores se referem ao campo grupal comouma "galeria de espelhos", a qual é resultante de um intenso e recíproco jogo deidentificações projetivas e introjetivas.Trata-se de uma expressão muito feliz, poisela traduz a ação terapêutica do grupo que se processa através da possibilidade decada um se mirar e se refletir nos outros e, especialmente, de poder reconhecer noespelho dos outros aspectos seus que estão negados em si próprio. Aliás, esta funçãode reconhecimenta, se bem percebida e trabalhada pelo grupoterapeuta, nas quatroacepções que seguem, exerce uma decidida ação terapêutìca, por permitir que:

. Cada um re-conlteça (volte a conhecer) aquilo que está esquecido ou algumaoutr:Ì forma de ocultamento em si mesmo.

. Reconheça ao oulro como uma pessoa autônoma e separada dele.

. Ser reconhecido ao outro (desenvolvimento do sentimento de consideração e degratidão).

. O indivíduo reconheça que, sob as mais diferentes formas, ele tem uma necessidadevital de vir a ser reconhecido peLos outros.

. A conjugação de todos esses aspectos ajuda a promover a passagem de um estadode narcisismo oara o de rm sociaL-ismo.

122 . zIlle*"or a oso*to

Sociabilização. Uma das características que diferencia a terapia individual d:grïpal é que estaúltima oportuniza excelentes condìções de os indivíduos interagireÍl:de uma forma menos egoística e defensiva, como comumente acontece. Em especia-com pacientes regressivos, exageradamente defensivos e, por isso mesmo, ora ensi-mesmados, quereÌantes ou polemizadores, abre-se uma possibilidade de contraírennovos vínculos fundados em uma mutualidade de confiânça, respeito, solidariedade eamizade, inclusive com a eventualidade de alguns se tornarem amigos, mesmo for:da restrita situação grupal. Também contribui para o desenvolvimento da sociabílizaçãco fato de se sentirem compreendidos um pelo outro em razão de compartilharem umamesma linguagem, o que facilita o importante processo da comunicação.

Comunicação. Cabe repetir a afirmativa de que "o grande mal da humanidadeé o problema do mal-entendido". Um dos fatores que melhor responde à pergunta"Como agem os grupos terapêuticos?" é justamente a oportunidade que o campogrupal propicia para observar e trabalhar com a patologia da comunicação entre a-.pessoas de um grupo qualquer. E no campo da terapia com família- mais notadamentena terapia de casal - que, com maior evidência, manifestam-se os disnirbios da comu-nicação: são pessoas que pensam que estão dialogando, quando, na verdade, o quemais habitualmente ocorre é que há uma surdez entre elas, sendo que a preocupaçãomaior de cada um do casal é a de fazer prevalecer as suas teses prévias e de impor asua verdade sobre o outro.

Uma grupoterapia propicia que o terapeuta trabalhe no sentido de os indivíduo:perceberem que podem estar ditorcendo a intenção das mensagens provindas dosoutros e que também podem estar emprestando significados que não existem... Damesma maneira, o campo grupal estabelece uma excelente oportunidade para traba-lhar com as eventuais formas complicadas de cada um transmitir aquilo que pretendedizer ao outro, e isso se manifesta com freqüência numa gama que vai da timidez deum à arrogância do outro, de um membro que funciona como um silencioso contu-maz ao do outro que participa como monopolizador crônico, etc.

Particularmente nos grïpos homogêneos, como os de auto-ajuda, um agenteterapêutico que deve ser valorizado é o fato de compartilharem uma linguagem co-mum, o que faz com que mutuamente se sintam acolhidos, respeitados e, sobretudo.compreendidos.

Também é possível evidenciar nos distintos campos grupais a presença de umaforma de comunicação que pode passar despercebida, pois ela se processa através deuma linguagem não-verbal, através de manifestações indiretas, como, por exemplo.onde sentam, como vestem, sinais sutis de impaciência, enfado ou encantamento nosmomentos em que outros estiverem falando, assim como o surgimento de actings.individuais ou coletivos, etc. A descodificação dessa linguagem não-verbal e a suatransformação em linguagem verbal é uma ação terapêutica grupal importante.

Um aspecto que merece uma atenção especiaì, notadamente por parte dogrupoterapeuta de um grupo dirigido à aquisição de inslghr, é o destino que os pacientesdão às interpretaçóes que ouvem, à forma como os participantes de qualquer grupoterapêutico se Iigam às intervenções do coordenador.

Intervenções do grupoterapeuta. O termo "interpretação", no seu sentido estri-to, está consagrado como sendo de uso exclusivo do referencial psicanalítico, e poressa razão eu prefiro, neste capítulo, empregar o termo mais genérico "intervenções",que é mais abrangente, de forma a englobar outras participações verbais dogrupoterapeuta que não só as clássicas interpretações transferenctals.

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Ninguém contesta que, nas situações psicanalíticas que visam fundamentalmenteà aquisição deinslgàtdas fantasias e conflitos inconscientes, também no campo grupalo uso das interpretações - muito particularmente aquelas que revelam o uso de iden-tificações projetiv as deuns dentro dos outros -é considerado o instrumento máximode acesso ao inconsciente dos indivíduos e do todo grupal. Não obstante, a interpre-tação não é o único instrumento curativo. Num grupo, também agem como fatoresterapèuticos as intervenções do grupoterapeula que propiciem:

. Perguntas, não as interrogatórias, mas sim aquelas que provÕquem reflexões,com o estabelecimento de correlaçõe s. Assinalamentos de contradições e falsifica-ções, da oposição entre o real e o ilusório, para que o grupo encontre um caminhopaÍa o importantíssimo aspecto do amor às verdades. Abertura de novos várÍicesde observação dos mesmos fatos, com vistas a possibilitar que as pessoas dogrupo mudem uma atitude radical e dogmática por uma outra mais flexível e comnovas altemativas de oosicionamento.

. É recomendável que o grupoterapeuta não perca de vista, em sua abordageminterpretativa, que! para todo lado infantil do grupo que ele esteja acentuando,também existe a contraparte adulta, e vice-versa; todo lado agressivo-destrutivonão exclui o amoroso-construtivo, e vice-versa; que subjacentes à autodesvaliaexistem potencialidades e capacidades esperando ser reconhecidas, resgatadas edescobeÍas. E assim por diante.

. Ganham uma crescente importância como fator de ação terapêutica as interven-ções do terapeuta dirigidas às funções do ego consciente dos pacientes. Dentreessas, vale enfatizar a importância da capacidade paÍa pensar as experiênciasemocionais e, a partir daí, conseguir verbalizá-las, e com isso se evita que asemoções se expressem por formas primitivas de comunicação, como os aclifrgs,as somatizações, os bloqueios de aprendizado, etc. Neste contexto, podemos consi-derar como sendo um eficaz agente terapêutico, particularmente em gÌrpos compacientes bastante regressivos, que o grupoterapeuta, durante aIgum tempo, e mp re-te ao grupo algumas das suas funções egóicas (pensar, conheceq juízo crítico, sercontinente, etc.) que neles ainda não estão suficientemente desenvolvidas.

. Faz parte da função interpretativa do grupoterapeuta que, diante de certos fatos eacontecimentos, ele confira significados diferentes daqueles que as pessoas dogrupo comumente vivenciam sob a forma de crendices, tabus, mitos (e ritos) e,acima de tudo, de concepções errôneas, tudo isso como uma resultante das signi-ficações inoculadas pelo discurso educativo dos pais.

. Uma outra vantagem evidente proporcionada pela grupoterapia consiste no fatode que ela faculta a observação "ao vivo e a cores" do desempenho dos papéisque cada um assume dentro do contexto gÍupal.

Papéis. Conceitualmente, o termo "papel" é sinônimo da palavra"rol', a qual,por sua vez, deriva etimologicamente de rotuLus: aqvilo que um ator deve recitar naencenação teatral. Isso pressupóe a existência de um texto - uma estrutura na qual oator vai ocupar um certo lugar e desempenho que não é próprio dele, já que o referidotexto também pode ser igualmente recitado por outros. Essa metáfora vale principal-mente para aqueles indivíduos, ou grupos, que agem sempre cumprindo os mesmospapéis, de uma forma compulsoriamente estereotipada. Em resumo, esse fato designao fenômeno pelo qual, em graus e modos distintos, todo indivíduo está sujeìto a umaordem de determinações intemas e desconhecidas, sob a forma de mandamentos,proibições, expectativas, crenças ilusórias e papéis a serem cumpridos.

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Também nesse aspecto particular, o funcionamento de um grupo representa umasignificativa vantagem como potencial terapêutico, pois há uma riqueza enorme decombinações no desempenho de papéis e ocupação de posições que favorece o traba-lho do grupoterapeuta na tarefa de obtenção de mudanças caracterológicas. Dessaforma, é fácil perceber quando sistematicamente cabe a um determinado paciente sero "bonzinho" do grupo, a um outro assumir o papel de porta-voz da agressão detodos, a um terceiro funcionar como o bode expiatório de tudo aquilo que os demaisnão toleram perceber em si mesmos, a um quarto agir como um "atuador" dos dese-jos inconfessados dos demais, e assim por diante. A experiência dos grupoterapeutasconfirma que os papéis desempenhados no grupo, qual uma miniatura do grandemundo, reproduzem os mesmos papéis que cada um costuma assumir na sua vida real.

Os terapeutas de casal e de família trabalham de forma consistente e prioritiíriaem tomo dos problemas pertinentes à delegação e assunção de papéis, e as posiçõesque ficam distribuídas entre estes intimamente vinculados entre si. Assim, para ficarem um único exemplo, é comum que um casal evidencie que um deles se comportacomo o submetedor, sádico, enquanto o outro do par funciona como o submetido, omasoquista, sendo que esses papéis podem ficar permanentemente fixos, ou, qualuma gangoÌra, ser altemantes. Na situação de terapia de família, vale enfatizar oexemplo do chamado "paciente identificado", que consiste no fato de um membro,geralmente o mais frágil e regressivo do grupo familiar, funcionar como depositáriodos problemas emocionais dos demats.

De um modo geral, pode-se afirmar que um bom critério para avaliar a marchamais ou menos exitosa deum grupo é quando, respectivamente, os papéis originalmenteassumidos ficam cambiantes e sofrem transformações, ou se, pelo contrário, eles semantêm inalterados. Dentre as transformações desejáveis vale destacar o desenvolvimen-to de uma capacidade de solidariedade coletiva, no lugar de um egoísmo centralizador.

Possibilidade para reparações. A obtenção de uma solidariedade entre todos,como antes referido, constitui-se num agente terapêutico peculiar das terapias grupais.PaÍicularmente em grupos compostos por pacientes bastante regredidos, com sériosproblemas decorrentes das pulsões agressivas mal-elaboradas e, por conseguinte, alta-mente desestruturantes do psiquismo, a terapia grupal propicia uma oportunidadeímpar, qual seja, a de um paciente, de alguma forma, poder ajudar a um outro.

Este último aspecto age terapeuticamente não só porque auxilia o indivíduo a sereconhecer, e ser reconhecido pelos outros, como alguém que é útil, capaz e, de fato,pertencente ao grupo, como também possibilita o exercício da importantíssima capaci-dade de fazer reparações aos danos que na realidade cometeram contra os outros econtra si, ou que, devido à interferência das fantasias sádico-destrutivas, eles imagi-nam ter cometido contra importantes objetos do passado e do presente.

É necessário frisar que essa função de reparar e auxiliar os companheiros degrupo não deve ser confundida com uma bondade samaritana. Para ser eficaz eestruturante, ela deve vir acompanhada de outros elementos próprios daquilo que aescola kleiniana denomina "posição depressiva", ou seja, um reconhecimento da par-cela de responsabilidade e de eventuais culpas pelos acontecimentos pâssados, e quede alguma forma se reproduzem no seu grupo, assim como pelo desenvolvimento desentimentos de consideração e de preocupação pelo outro.

Não é samaritanismo, até porque é desejável que as pessoas do grupo se permitam serem francas umas com as outras, e isso muitas vezes implica uma atmosferagrupal de aparência agressiva. Cabe ao coordenador do grupo não ficar assustadocom as manifestações de franqueza agressiva e, pelo contrário, servir como um mo-

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delo da diferença que deve existir entre agressividade (construtiva, a serviço de umasinceridade, leaÌdade e respeito pelo ovlro) e agressão, destrutiva (com o propósitode denegrig humilhar, etc.). A experiência clínica comprova o quanto contribui parao crescimento mental a oportunidade que um grupo propicia para as pessoas sent;remuma liberdade para serem verdadeiras consigo e com os outros, sem que daí resultemdanos que não possam ser reparados.

Função psicanalítica da personalidade, Esta expressão é original de Bion ealude ao fato de ser inerente ao ser humano uma sadia curiosidade epistemofílica emdireção ao conhecimento das verdades. Essa pulsão epistemofílica, em muitos indivÉduos, fica entorpecida e bloqueada pelos diversos conflitos neuróticos e psicóticos,porém ela pode e deve ser resgatada, pois a essa função consiste estabelecer cone-xões e correlações entre realidade e fantasia, consciente e inconsciente, fatos presen-tes e passados, pensamentos e sentimentos, o que é responsabilidade dele e o que édos outros, a parte infantil com a adulta, os elos associativos entre os vínculos (deamor, ódio, conhecimento e reconhecimento), etc. E especialmente importante noexercício dessa função psicanalítica da personalidade que o sujeito consiga estabele-cer a integração e a elaboração dos insights parciais, de modo a que eles resultem emverdadeiras mudanças intemas e, por conseguinte, na conduta exterior.

Em resumo, a aquisição dessa função, que já preexiste em estado latente nosindivíduos, consiste em desenvolver a capacidade, e o hábito, depensar as experiên-cias emocionais cotidianas e conseguir extrair um aprendizado com as mesmas. Enecess;lrio acrescentar que essa "função psicanalítica" somente adquire legitimidadese o indivíduo puder vir a exercê-la ao longo de sua vida, principalmente após otérmino de sua terapia formal. Uma grupoterapia propicia a aquisição dessa capacidade,porquanto cada sujeito do grupo faz contínuas introjeções de como os demais Iidamcom os problemas, sendo que a condição fundamental é a introjeção da maneira comoo grupoteraputa exerce a sua função psicanaÌítica.

Atributos do grupoterapeuta. No curso deste capítuÌo, fica evidente o quantotodos os itens enumerados para elucidar a questão de "Como agem os grupos?" invaria-velmente destacam a pessoa do grupoterapeuta e, não custa repetir, não unicamentecomo a repetição de uma figura transferencial, mas também como uma pessoa real,como um importante modelo de identificação.

( Embora já tenhamos feito em outros capítulos uma suficiente valorização dasicondições necessárias para um coordenador de gn:po terapêutico, cabe enfatizar aimportância imprescindjvel dele gostar de grupo e r/o seu grupo, ser verdadeiro" Íer

\\, empa.tia, funcionar como continente, saber commúcar,leÍ senso de humor, náo ter

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Jnais*rgs-peitar a maneira de cada um ser como essencialmente é, e sobretudo, quetenha uma capacidade de síntese e integraçdo. ----E-'r -esLmo, a p-esú do grupoterãpeúta, põr si só, pelo seu verdadeiro ser, tor-na-se um agente terapêutico fundamental nos grupos.

Conquanto este capítulo não tenha abordado diretamente como agem os outrosgrupos que não os terapêuticos propriamente ditos (ensino, empresas, instituições,etc.) - até porque isso será tratado nos artigos específicos - creio ser legítimo afirmarque, ressalvando as óbvias peculiaridades de cada modalidade grupal em separado,todas elas conservam a mesmaessâncta e a mesma validade do que aqui foi enfatizadoem relação aos grupos terapêuticos em geral.

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I3Grupoterapia PsicanalíticaDAVIDE, ZIMERMAN

Háuma longapolêmica geradora dos seguintes questionamentos: a grxpoterapia inspi-rada e processada em fundamentos psicanalíticos pode serconsiderada uma "psicaná-lise verdadeira"? Ela pode ser denominada "grupanálise"? Os autores se dividem nasrespostas, desde os grupoterapeutas, que mais discretamente advogam a simples deno-minação "grupoterapia", até aqueles que assumem com absoluta naturalidade acondi-ção de grupanalistas, como são os reconhecidamente competentes e sérios colegas daSociedade de Grupanálise de Lisboa. Nessa controvérsia, não levo em conta a opi-nião francamente contrária em relação ao método grupotenípico de pretensão psicana-lítica, que é provinda de psicoterapeutas e psicanalistas, os quais, embora muitasvezes se trate de profissionais respeitáveis, nunca trabalharam com grupos.

Não vale a pena aqui nos aprofundarmos nesse tópico, pois isso exigiria umadiscussão por caminhos controvertidos e complicados, algo que está fora do propósi-to do presente capítulo; no entanto, eu particularmente assumo a posição de que, nãoobstante existam claras diferenças com a psicanálise individual em diversos aspec-tos, não me resta a menor dúvida quanto à possibilidade relativa à obtenção de resul-tados autenticamente psicanalíticos, com evidentes transformações caracterológicase estruturais do psiquismo do sujeito.

Por outro lado, da mesma forma como nas psicoterapias individuais, também asgrupoterapias podem funcionar psicanaliticamente com uma finalidade voltada aolnslgàt destinado a mudanças caracterológicas, ou podem se limitar a benefíciosterapêuticos menos pretenciosos, como o de uma simples remoção de sintomas; alémdisso, podem objetivar à manutenção de um estado de equilíbrio (por exemplo, compacientes psicóticos egressos, ou borderline, elc.); ou ainda ficarem limitadas unica-mente à busca de uma melhor adaptabilidade nas inter-relações humanas em geral.

Há um outro aspecto que necessita ser registrado: o fato da psicoterapia grupalser mais barata que as individuais está longe de ser reconhecido como um aspectoalviçareiro e singularmente vantajoso, pela acessibilidade que isso poderia represen-tar para uma ampla fatia da população. Pelo contrário, ser mais barata a desqualificae desvaloriza, em um meio sócio-cultural como é o nosso, no qual há um apelo aoconsumismo daquilo que melhor impressione aos outros, pelo que possa significarum melhor s/a/as e, certamente, por um culto à propriedade privada.

O que importa consignar é que importantes autores têm manifestado a sua posi-

ção de que não se justifica a existência de uma concepção psicanalítica que faça umaseparação e distinção profunda entre os problemas que se passam no indivíduo e nosgrupos. Assim, podemos mencionar, dentre outros, o nome do próprio criador da

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psicanálise - visto que em inúmeras oportunidades Freud afirmou que "a psicologieindividual e a social não diferem em sua essência" - o de Bion, que foi um grandecriador e entusiasta da dinâmica grupal em bases psicanalíticas, e o de Joyce MrDougall, que, em uma entrevista concedida à revista G radiva (n.41, p.16, 1988)fezesta surpreendente declaração: " -.-E tive o prazer de descobrìr que as Íerapias degrupo tocavam em aspectos da personalidade que não eram notados na psicanáliscindividual".

Existem muitas variações na foÍÍna, no nível e no objetivo grupotenápico, osquais dependem fundamentalmente dos referenciais teórico-técnicos adotados pelosrespectivos grupoterapeutas. Na América Latina e em círculos psicanalíticos de al-guns outros países que sofreram uma nítida influência kleiniana, estes últimos refe-renciais fundamentaram toda a prática grupoteriípica de sucessivas gerações de grupo.terapeutas, e isso prevalece até a atualidade, embora venha se observando uma tendên-cia à adoção de novos modelos de teoria e técnica.

Particularmente, ainda conservo e utilizo os principais fundamentos da escolakleiniana, no entanto, sem aquela conhecida rigidez que a caracterizou em certa épo-ca, ao mesmo tempo adotei uma linha pluralista de referenciais provindos de outrasescolÍìs e, acima de tudo, fui sofrendo transformações na forma de entender e traba-lhar psicanaliticamente com gÍupos, à medida que fui aprendendo o que os pacientesme ensinavam na clínica privada.

Dessa forma, incorporo-me àqueles que pensam que a problemática atual vai"mais além" daconflitiva clássica das pulsões e defesas, fantasias e ansiedades, agressão destrutiva e culpas, etc. O aspecto predominante na atualidade consiste em que sereconheça em cada indivíduo e no grupo como um todo, além da habitual presençados sintomas e traços caracterológicos, o desempenho de papeis, posições, valores.modelos, ideais, projetos, atitudes, configurações vinculares, pressões da realidadeexterior, sempre levando em conta que a subjetividade permanentemente acompanhae é inseparável dos processos da cultura e da vida social contemporânea. De modoalgum, isso implica subordinar a terapia psicanalítica às condições da cultura atual.mas, sim, em ajudar as pessoas do grupo a se harmonizarem com ela, a partir daaquisição de uma liberdade interna. Os limites da pessoa se estendem aos do grupo eda sociedade na qual estão inseridos. A ideologia grupal preconiza que o costumeiÍomovimento inicial de "eu frente a eles" se transforme gradativamente em "nós frenteaos problemas do mundo".

Achei ser necessário fazer essa introdução, porque as considerações que se-guem neste capítulo acerca dos aspectos eminentemente práticos da grupoterapiapsicanalítica em grande parte refletem a atual posição do autor e, portanto, é bempossível que não reflita exatamente um consenso entre os grupoterapeutas latinG.americanos.

Em obediência à proposição didática deste livro, utilizarei um esquema quedescreva separadamente as situações que dizem respeito àformação de um grupo definalidade psicanalíticae aosfenômenos que se processam no campo grupal, procuran-do, sempre que possível, ilustrar com vinhetas clínicas.

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A formação inicial de um grupo desta natureza passa por três etapas sucessivas: l)encaminhamento, 2) se leçõo, 3) grupamento.

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Encaminhamento. A etapa da divulgação, junto a demais colegas, tendo emvista o encaminhamento de pacientes para a formação de um grupo, é importanteparticularmente para um teÍapeuta que esteja se iniciando na prática de grupoterapiae ainda não tenha uma expressiva procura por parte de pessoas interessadas em trata-mento grupal. O realce deste aspecto justifica-se pela razão de ser muito comum, e,muito frustrante, que o terapeuta já tenha um ou dois interessados, com o contratoterapêutico alinhavado e possa decorrer um período de tempo significativo até que sedefina um terceiro e um quarto ou quinto pacientes, o que pode gerar desistências dosprimeiros, e assim por diante. Nestes casos, é recomendável a prática de manter algu-ma linha de comunicação com os poucos pacientes já selecionados, inclusive com apossibilidade de manter sessões individuais para os que se sentem mais necessitadosaté que se atinja o número mínimo de três pessoas. E útiÌ fazer a ressalva acerca dofato de que alguns grupoterapeutas preferem iniciar a grupoterapia com qualquernúmero, inclusive com uma única pessoa, enquanto aguardam a entrada de novoselementos.

Este importante passo inicial de um encaminhamento satisfatório, ainda dentroda hipótese de que se trate de um grupoterapeuta iniciante, implica preenchimento,no mínimo, de uma condição básica: a de que ele tenha para si uma definição muitoclara quanto ao nível de seus objetivos terapêuticos e, portanto, de qual é o tipo depaciente que ele divulga e aguarda que lhe seja encaminhado. Essa condição é relevantena medida em que se sabe que um mesmo paciente borderline, por exemplo, podefuncionar exitosamente e muito se beneficiar num grupo homogêneo, enquanto elepode fracassar em um grupo formado exclusivamente com pacientes neuróticos, quefuncione em um nível egóico muito mais integrado que o dele.

Um ponto controvertido relativÕ à política de encaminhamento diz respeito aofato de que alguns autores têm expressado uma preferência no sentido de que, umavez que lhe tenha sido encaminhado um paciente por alguém de experiência, consi-deram-no automaticamente incluído. evitando entrevistá-lo individualmente Daraimpedir a "contaminação" do campo grupal. Pelo contrário, em nosso meio, de modogeral, postulamos a necessidade de que o grupoterapeuta entreviste, uma ou maisvezes, o paciente que lhe foi encaminhado com o objetivo de cumprir a segunda etapada formação do grupo: a seleção.

Seleção. A primeira razão quejustifica a indispensabilidade do crivo de seleçãode um determìnado paciente para um determinado grupo diz respeito ao delicadoproblema das indicações e contra-indicações. A segunda razão é a de evitar situaçõesconstrangedoras - por exemplo, o risco de compor o gÍïpo com a presença de duaspessoas que individualmente tenham sido bem selecionadas, porém que na sessãoinaugural tomam evidente a impossibilidade de virem a se tratar conjuntamente. Umaterceira razão é a de diminuir o risco de surpresas desagradáveis, como, por exemplo,um permanente desconforto contratransferencial, uma insuperável dificuldade do pa-ciente para pagar os valores estipulados, ou para os dias e horários combinados, etc.,assim como também o de uma deficiente motivação para um tratamento que vai lheexigir um trabalho sério, árduo e longo. Este último aspecto costuma ser um dosfatores mais responsáveìs pelos abandonos prematuros.

Em relação às indicações considera-se que a grupoterapia de fundamentaçãopsìcanalítica é, lato senso, extensiva a todos os pacientes que não estiverem enquadra-dos nas contra-indicações abordadas adiante. Em sentido estrito, pode-se dizer queem algumas situações a grupoterâpia se constitui como tratamento de escolha. As-sim. autores que têm uma sólida experiência no tratamento de Dâcientes adolescen-

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tes, tanto individualmente como em grupos, preconizam a indicação prioritária des-tes últimos. Uma outra indicação que pode serprioritária é quando o próprio consulentemanifesta uma inequívoca preferência por um Íratamento grupal. Da mesma forma.sabemos que determinados pacientes não conseguem suportar o enquadre de umaterapia individual, devido ao incremento de temores, como, por exemplo, os de natu-reza simbiotizante, homossexual, com o terapeuta. A experiência clínica ensina quetais pacientes que fracassaram em terapias individuais por não terem suportado umarelação bipessoal íntima podem funcionar muito bem em grupoterapia (é claro que.para outros casos, a recíproca também é verdadeira).

Quanto às contra-indicações. os seguintes pontos merecem uma consideraçãoespecial para aqueles pacientes que:

. Estão mal-motivados tânto em relação à sua reaÌ disposição para um tratamentolongo e difícil quanto ao fato de ser especificamente em grupo. Não é raro quealgumas pessoas procurem um gÍïpoterapeuta sob a alegação de que querem teruma oportunidade de "observar como funciona um gupo", ou que vão unicamen-te em busca de um grupo social que lhes falta, e assim por diante.

. Sejam excessivamente deprimidos, paranóides ou narcisistas: os primeiros. por-que exigem atençáo e preocupação concentradas exclusivamente em si próprios(é útil repetir que isso não exclui que possam evoluir muito bem em grupos homo-gêneos, compostos exclusivamente com pessous mais seriamente deprimidas); ossegundos, pela razão de que a exagerada distorção dos fatos, assim como a suaatitude defensivo-beligerante, pode impedir a evolução normal do grupo; os tercei-ros, devido à sua compulsiva necessidade de que o grupo gravite em tomo de si.o que os leva a se comportarem como "monopolistas crônicos".

. Apresentem uma forte tendência a aclìngs de natureza maligna. muitas vezesenvolvendo pessoas do mesmo grupo, como é o caso, por exemplo, da inclusãode pacientes psicopatas.

. Aqueles que inspiram uma acentuada preocupação pela possibilidade de gravesriscos agudos, principalmente o de suicídio.

. Apresentem um déficit intelectual, ou uma elevada dificuldade de abstração, oude entrar em contato com o mundo das fantasias (tal com costuma ocoÍrer compacientes excessivamente hipocondríacos), pela razão de que todos eles dificilmen-te poderão acompanhar o ritmo de crescimento dos demais de seu grïpo.

. Aqueles que estão no auge de uma séria situação crítica aguda, em cujo caso érecomendável o esbatimento da crise por um atendimento individual para depoiscogitar incluÊlo numa grupoterapia.

. Pertencem a uma ceÍa condição profissional ou política que representa sério-(riscos para uma eventual quebra do sigilo grupal.

. Apresentam uma história de sucessivas terapias anteriores interrompidas, o quenos autoriza a pensâr que se trate de "abandonadores compulsivos" (nestes casos.há um sério risco de que este tipo de paciente faça um abandono prematuro, comuma forte frustração para todos do grupo).

Grupamento. Os termos, conceituâlmente sinônimos, "grupamento" ou "com-posição" designam um arranjo, um "encaixe" das peças isoladas, sendo que, no casode uma grupoterapia, referem-se a uma visualização antecipada de como será a partici-pação interativa de cada um dos indivíduos selecionados na nova organização gestál-tica. Neste contexto, o sentimento contratransferencial do grupoterapeuta durante as

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prévias entrevistas de seleção funciona como um excelente indicador quanto à previ-são de como será a complementaridade dos papéis a serem desempenhados.

E adequado incluir um adolescente em um grupo cuja totâlidade é composta poradultos? E viável a inclusão de um paciente homossexual num grupo em que ele seráo único nessas condições? Podem participaÍ de um mesmo grupo psicoterápico ana-lítico pessoas que tenham algum grau de conhecimento ou de parentesco? Está indicadaa inclusão de um paciente que seja escessivamente silencioso? Ou que esteja atraves-sando uma crise aguda? Essas são algumas das inúmeras questões que coshlmam serlevantadas, e cujas respostas não podem ser dadas com regras fixas, porém podem serrespondidas, em grande parte, através do feelìng contratransferencial relativo aogrupamento, para cada situação em particular.

No entanto, muitas vezes, o sentimento contratÍansferencial despertado pelaentrevista preliminar com um indivíduo, tendo em vista o grupamento, pode conduzira equívocos de seleção. Vale ilustrar com uma situação da minha clínica grupal: porocasião da formação de meu primeiro grupo de finalidade psicanalítica, incluí umapessoa que desde o início se mostrou exageradamente loquaz, debochada, jubilosa ecom uma perÌnanente irriquietude; enfim, um claro estado de funcionamento manía-co que quase impossibilitou que o grupo tivesse um curso normal. Decorrido algumtempo, perguntei-me o que teria me impelido a uma seleção tão desastrosa e, já maìsexperiente, encontrei a resposta: os outros pacientes que já estavam selecionadosantes dele apresentavam caÍacterísticas mais marcadamente depressivas e de timi-dez, e inconscientemente eu estava ansioso com a possibilidade de que o grupo resul-tasse "sem vida"; assim, a presença de um "agito maníaco" seria a minha salvação...

É necessário levar em conta que as considerações anteriores a respeito da sele-

ção e inclusão de pacientes em um gnrpo referem-se unicamente à situação da com-posição inicial de um grupo que vai começar a funcionar, porquanto a conduta emrelação a pacientes a serem incluídos num grupojá em andamento obedece também aoutros critérios.

Pode servir como exemplo desta última afirmativa a experiência que tive comum paciente homossexual que me procurou pâra tratamento grupal em duas ocasiões.Na primeira delas, eu estava selecionando e compondo um gÍupo novo. com pacien-tes normalmente neuróticos e, não obstante ele ter me despertado uma empatia, deci-di não incluÊlo no grupo movido por um desconfortável sentimento contratransfe-rencial ao imaginá-lo entregue a uma possível rejeição dos demais, uma rejeiçãoextensiva a mim também, com o risco do grupo logo se dissolver. Na segunda oca-sião, quase 2 anos após, ele me procurou novamente, minha reação contratransferencialfoi de absoluta aceitação, e eu lhe propus a necessidade de declinar o seu nome e asua condição de homossexual para o grupo poder compartir comigo a decisão deleser incluído. Ele aceitou essa premissa, e durante umas quatro sessões o grupo anali-sou as respectivas angústias que a situação nova despertaria; após, foi incluído, per-manecendo neste grupo por 5 anos aproximadamente, não só com um bom aproveita-mento, como também a sua participação auxiliou todos demais a ressignificaremfantasias, tabus e preconceitos em relação à homossexualidade. Guardo uma convic-

ção de que, caso esse paciente fosse selecionado na primeira ocasião, não teria havi-do a evolução favorável que houve, pois era muito forte a carga de ansiedadesparanóides que estavam presentes nos movimentos iniciais deste grupo.sl

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ENQUADRE (SETTING) GRUPAL

O enquadre ê conceituado como a soma de todos os procedimentos que organizam.normatízam e possibilitam o processo psicoterápico. Assim, ele resulta de uma con-junção de regras, atitudes e combinações, como, por exemplo, local, horários, núme-ro de sessões semanais, tempo de duração da sessão, férias, honoriários, número depacientes, se será aberto ou fechado, etc.

O enquadre grupal não se compoÍa como uma situeção meramente passiva eformal, unicamente para a facilitação de aspectos práticos do funcionamento do gru-po; pelo contrário, eÌe está sujeito a uma contínua ameaça em vir a ser desvírtuado eserve como um cenário ativo da dinâmica do campo grupal, que resulta do impacto deconstantes e múltiplas pressões de toda ordem. Além disso, o estabelecimento de umsetting, poÍ si só, também funciona como um agente de ação terapêutica, tendo emvista que ele assegura uma necessária colocação de limites, delimitação de funções etambém pode funcionar como um "continente". Vale repetir que uma condição bási-ca para que uma grupoterapia funcione de forma adequada é a de que, independente-mente da combinação do enquadre no qual o grupo vai trabalhag a sua constânciaseja preservada ao máximo, sem uma rigidez radical -é claro, porém, que com bastantefirmeza.

Segue a enumeração dos principais elementos que devem ser levados em contana configuração do sel/irg do campo grupal:

. Homogêneo ou heterogêneo. Por grupo homogêneo entende-se aquele que écomposto por pessoas que apresentam uma série de fatores e de características que.em certo grau, são comuns a todos os membros. Esses grupos também costumam serchamados "grupos especiais". Pode servir como exemplo um grupo que seja compos-to unicamente por pacientes deprimidos, borderlíne, drogadictos, etc.

Grupo heterogêneo designa uma composição grupal em que há uma maior diversificação entreìs caracteiísticas básicas de seus membros. É o caso de umagrupoterapia analítíca em que, por exemplo, um dos integrantes seja uma moça histé-rica, um segundo, um senhor de meia idade, obsessivo, um terceiro é estudante soltei-ro com problemas de identidade de gênero sexual, e assim por diante.

É claro que a conceihÌação de grupo homogêneo ou heterogêneo é muito relati-va, dependendo do aspecto que serve de referencial, pois o grupo pode ser homogê-neo quanto à patologia (por exemplo, deprimidos) e, ao mesmo tempo, ser heterogê-neo quanto à idade, sexo, tipo e grau da doença, etc. A recíproca também é verdadei-ra, isto é, um grupo heterogêneo na forma de patologia (como antes exemplificado rpode ser homogêneo em muitos outros aspectos.

Na prática clínica parece ser consensual entre os gÍupoterapeutas que, em umagrupoterapia analítica com pacientes neuróticos, é desejável que o grupo seja heterogê-neo quanto aum certo tipo e grau de patologia, estilo de comunicação e desempenhode papéis, para que se propicie uma maior integração dos indivíduos através de umacomplementaridade de suas funções; ao mesmo tempo, é necessário que haja ummínimo de homogeneìdade nos níveis intelectuais e sócio-culturais Não sendo as-sim, corre-se o risco de que falte uma possibilidade de entrosamento, ritmo e umidioma comum de comunicação entre os integrantes do grupo, bem como que o mem-bro mais "diferente" seja expulso, ou se auto-expulse devido ao sentimento de margi-nahzação.

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. Aberto ou fechado. Por grupo aberto entendemos aquele que não tem prazode término previamente fixado, ficando claro que, na eventualidade de haver vaga nogrupo, ou diante da saída de algum membro, por interrupção ou por término, elepoderá vir a ser substituído por um outro. Ao contrário, grupo fechado alude ao fatode que a combinação feitâ com o grupo originário prevê que, uma vez composto ogrupo, não entra mais ninguém.

Virtualmente, todos os grupoterapeutas diante de grupoterapias psicanaìíticasadotam o método de trabalharcom grupos abertos, de duração ilimitada. No entanto,podem ocorrer duas eventualidades: a primeira é a possibilidade de que, após decorri-dos alguns anos, o próprio grupo queira se transformar em grupo fechado, até o seutérmino. Aindanão tive essa experiência, porém alguns autores que a tiveram recomen-dam que nesses casos deve ser fixada uma data de finalização. A segunda possibili-dade, com a qual já tive uma experiência, é a de fundir dois grupos que estavam comum número reduzido de integrantes, transformando-os em um grupo único. Conside-ro que foi uma experiência bastante interessante e que não trouxe maiores problemas.

. Número de pacientes. Em caso de grupoterapia analítica, o ideal é que onúmero de participantes não seja inferior a 4 e que não passe de 9. Na verdade, onúmero ótimo deve ser ditado pelo estilo particular de cada um, o que varia muito deterapeuta para terapeuta. Particularmente, trabalho melhor com um número médio de6 pacientes.

. Sexo e idade, Em relação ao sexo dos pacientes parece ser quase unânime aposição dos grupoterapeutas em preferir uma composição mista, o que propicia umasérie de vantagens inegáveis. Os que se posicionam contrários a isso alegam que umgrupo misto representa um sério risco de ocorrência deacírrgs de envolvimento afetivoe sexual, eventualidade que nunca ocorreu ao longo de minha prática.

Quanto à idade dos pacientes há uma maior diversificação de opiniões, algunsdefendendo r. ;:recessidade de manter uma homogeneidade de idade, enquanto outrospreferem uma ampla diferença etária para que ocorram vivências mais completas, emque cada um poderá se espelhar no outro. Inclino-me mais para essa segunda posiçãodesde que não haja discrepâncias máximas.

. Número de sessões por semana e tempo de duração da sessão. Algunsgrupoterapeutas preferem realizar uma sessão semanal, porém de duração longa; ou-tros grupanalistas adotam a realização de três sessões semanais como uma forma demanter um enquadre o mais similar possível ao de uma psicanálise individual; noentanto, a maioria no nosso meio, entre os quais me incluo, trabalham com duassessões semanais.

Em relação ao tempo de duração da sessão, ela costuma variar de acordo com onúmero de pacientes, o número de sessões semanais e o esquema referencial teórico-técnico do grupoterapeuta. Aqueles que trâbalham com uma sessão semanal geralmenteutilizam um tempo que fica numa média de noventa minutos (alguns preferem umtempo de duas horas); os demais, habitualmente, reservam a duração de sessentaminutos por sessão.

. Tempo de durâção do grupo,Um grupo pode ser de "duração limitada" ou de"duração ilimitada". A primeira situação diz respeito aos grupos fechados, enquantoa segunda comumente acompanha os grupos abertos.

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Os grupos de duração ilimitada prevalecem na clínica privada de cada grupote-rapeuta, com a ressalva de que em determinado momento a totalidade grupal resolvaestabelecer uma data para o encerramento definitivo. Os grupos de duração limitadageralmente acontecem em instituições, e podem adquirir duas modalidades. A pri-meira é a de funcionar em regime de grupo fechado e deveráexistirum tipo de combi-nação relativa ao tempo de duração, o qual varia muito em função das particularida-des próprias de cada instituição. A segunda possibilidade é a de que o grupo de dura-ção limitada funcione em regime aberto (permite o rodízio de pacientes), porém comum pÍzrzo combinado de término, e nestes casos geralmente se utiliza a tática decombinar que, ao final da data prevista - digamos, 2 anos - proceda-se a uma avalia-ção, com o direito de prosseguirem por mais um período, ou não.

Observador co-terapeuta supervisor. A presença de um observador que semantivesse mudo durante todo o curso da grupoterapia que ele deveria assistir sistema-ticâmente e se limitar a fazer apontamentos era preconizada pelos pioneiros comouma forma de perceber os eventuais pontos cegos do grupoterapeuta e de dinamizar adinâmicado campo grupal através do natural surgimento das dissociações que reprodu-ziriam aquelas que os filhos vivenciaram com a dupla dos pais. Na atualidade, esserecurso está reservado às situações de ensino. Eu mesmo passei por essa experiênciade ser observador durante o início de minha formação e posso testemunhar o quantoela é útil.

Quanto à co-terapia, ela tem sido bastante utilizada, principalmente por aquelesque trabalham com crianças, adolescentes e famílias. Parece que dá bons resultados;no entanto, é necessário destacar que deve haveruma harmonia entre os dois terapeutas:caso contrário, o gnÌpo, através de um jogo de identificações projetivas de seus próprios conflitos nos grupoterapeutas, podeú conseguir criar uma atmosfera de rivalidadee competição entre ambos.

A efetivação de uma supervisão sistemática, pirÍece-me que ninguém duvid4deve ser uma tarefa obrigatória para quem está iniciando, e é recomendável que pros-siga por um bom tempo para aqueles que desejam ampliar os seus horizontes e nãoquerem ficar presos numa forma estereotipada de trabalhar com grupos.

Outras combinações. É claro que existem inúmeros outros detalhes que devemficar bem esclarecidos, como é o caso da modalidade e da responsabilidade pelopagamento, o plano de férias, etc. Todavia, desejo me referir mais especificamente aofato de que os grupoterapeutas não são uniformes quanto ao procedimento em rela-ção ao modo como os pacientes devempaÍticipar nagrupoterapia, as regras de condutaexterior, como, por exemplo, a importantíssima questão do sigilo, etc.

Alguns grupoterapeutas preferem fazer uma longa dissertação inicial, esmiu-çando detalhe por detalhe aquilo que se espera de cadaum e do que presumivelmentevirá a acontecer. Outros, no entanto, preferem fazer as combinações iniciais básicase, à medida que o grupo for evoluindo e situações novas forem aparecen-do (inclu-são de algum paciente novo, algumas formas de cctinS preocupantes, problemas comhorários ou pagamentos, necessidade de viagens, participação excessivamentesilenciosa,etc.), vão analisando as situações que surgem e, a partir daí, estabelecemalgumas combinações a mais. Eu me incluo entre estes últimos.

Entrada de um novo elemento. Cabe um registro quanto ao procedimento daentrada de um elemento novo em um grupojá em funcionamento. A técnica que euutilizo é a de que, uma vez tendo selecionado um indivíduo para uma vaga existente,

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peço a sua permissão para declinar o seu nome no grupo e esperar pela democráticadeliberação do mesmo. Aliás, uma das formas de avaliar a evolução mais ou menosexitosa de um grupo é pela maneira mais ou menos receptiva com que recebem umapessoa nova e ainda desconhecida.

MANEJO DAS RESISTÊNCIAS

A resistência costuma seÍ definida como sendo tudo o que no decorrer de um trata-mento analítico - ou seja, atos, palavras e atitudes do analisando - se opõe ao acessodeste ao seu inconsciente. No entanto, é de fundamental importância que se faça adistinção entre as resistências realmente obstrutivas ao livre curso da análise e aque-las que devem ser acolhidas como bem-vindas, porquanto traduzem a forma de comocada um e todos se defendem diante das suas necessidades e angústias.

Na situação grupal importa muito discriminar quando a resistência está provin-do de uma pessoa em partìcular, ou se ela está sendo coletiva. Nesta última hipótese,cabe ao grupoterapeuta se questionar se o gÍupo não está reagindo a alguma impro-priedade sua.

A experiência clínica comprova qtJe as foftnas de manifestações resistenciaismais comuns, quer da paÍe dos indivíduos isoladamente, ou da totalidade grupaÌ,costumam ser as segulntes:

. Atrasos e faltas reiteradas.

. Tentativas de alterar as combinaçóes do setlin7 (por exemplo, continuados pedi-dos por mudanças de horários, telefonemas, intervenção de familiares, pedidospor sessões individuais, etc.).

. Prejuízo na comunicação verbal através de silêncios excessivos, de reticênciasou, ao contrário, uma prolixidade inútil.

. Ênfase excessiva em relatos da realidade exterior, ou em queixas hipocondríacas,com o rechaço sistemático da atividade inteçretativa dirigida ao inconsciente.

. Manutenção de segredos: isso tanto pode ocorrer por parte dos indivíduos emrelação às confidências que fizeram particularmente ao grupoterapeuta na entre-vista de seleção, mas que sonegam ao restante do grupo, como também podeocorrer por parte do grupo todo em relação ao terapeuta daquilo que eventual-mente eles falaram entre si, fora do enquadre grupal.

. Excessivaintelectualização.

. Um acordo, inconsciente, por parte de todos, em não abordar determinados as-suntos angustiantes, como, por exemplo, os de sexo ou morte.

. Complicações com o pagamento e horários.

. Surgimento de um (ou mais de um) líder no papel de "sabotador".

. Uma sistemática tentativa de expuÌsão de qualquer elemento novo.

. Excesso de ncrlngs, individuais ou coletivos.

. O grau máximo da manifestação resistencial é o da formação de impassesterapêuticos, ou até mesmo o das tão temidas "reações terapêuticas negativâs".

As causas mais prováveis que determinam o surgimento de resistências no cam-po grupal analítico costumam ser âs seguintes:

. Medo do surgimento do novo (especialmente quando há o predomínio de umaansiedade paranóide).

136 . ZIMERMAN & osoRlo

. Medo da depressão (a ansiedade depressiva os leva a crer que vão se confrontarcom um mundo intemo destruído, sem possibilidade de reparação).

. Medo da regressão (de perder o controle das defesas neuróticas, como as obsessi-vas, por exemplo, e regredir a um descontrole psicótico).

. Medo da progressão (o progresso do paciente pode estar sendo proibido pelasculpas inconscientes que o acusam de "não mereci'l lento").

. Excessivo apego ao ilusório mundo simbiótico-narcisista.

. Evitação de sentir humilhação e vergonha (de se r:conhecer e ser reconhecidocomo alguém que não é e nunca será aquilo que ele crê ser ou aparenta ser).

. Predomínio de uma inveja excessiva (e, por isso, não concedem ao terapeuta o"gostinho" deste ser bem-sucedido com ele).

. Manutenção da "ilusão grupal" (nome que designa uma situação específica dadinâmica grupal, que se manifesta sob a forma de "nosso grupo está sempre óti-mo", "ninguém é melhor do que nós",etc.) através da qual o grupo se ilude que éauto-suficìente.

. Por úttimo, vale dizer que a resistência do grupo pode estar expressando umasadia resposta às possíveis inadequações do grupoterapeuta.

Pelo menos seis tipos de resistência que podem surgir a partir de determinadosindivíduos merecem um regìstro especial:

l) silencioso: a experiência mostra que a melhor forma de manejar com esse tipo depaciente é ter paciência, fazer pequenos estímulos sem permitir uma pressío exage-rada;

2\ monopolízador: o manejo com esse paciente é o do contínuo assinalamento desua enorme necessidade de ser visto por todos, diante do intenso pânico de caìrno anonimato, ficar marginalizado;

3) desvìador de assuntos'. como o nome diz, trata-se de um tipo de paciente que"capta" o risco de certos aspectos ansiogênicos, e consegue dar um jeito de mu-dar para assuntos mais amenos, embora interessantes;

4) atuador: como sabemos, as atuações substituem a desrepressão de reminiscênci-as, a verbalização de desejos e conflitos, e o 2ensar as experiências emocionais:por essa razão, tanto no caso de o indivíduo estar atuando pelos demais, ou setratar de um dctlng coletivo, representa uma importante forma de resistência;

5) sabotador:àmoda de um lídernegativo, através de inúmeras maneiras, um indivíduo pode tentar impedir que um grupo cresça exitosamente e que os seus compo-nentes façam verdadeiras mudarças, pois ele se revelacomo um pseudocolaboradore prefere as pseudo-adaptações;

6) ambíguo: trata-se paciente que apresenta contradição em seus núcleos de identida-de, por isso maneja os seus problemas com técnicas psicopáticas e com isso gerauma confusão nos demais, ao mesmo tempo em que aparenta estar bem integradono gÌupo.

Manejo técnico. Como antes foi referido, é de fundamental importância a ade-quada compreensão e o manejo das resistências que, inevitavelmente, surgem emqualquer campo grupal; caso contrário, o grupo vai desembocar em desistências ounuma estagnação em impasses terapêuticos.

O primeiro passo, comojá foi dito, é a necessidade de que o grupoterapeuta saibafazer a discriminação entre as resistências que são de obstruçáo sistemática e as quesimplesmente são reveladoras de uma maneira de se proteger e funcionar na vida real.

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A segunda discriminação que ele deve fazer é se a resistência é da totalidadegrupal, ou se é por parte de um subgrupo, ou de um determinado indivíduo, em cujocaso há duas possibilidades: ou o indivíduo está resistindo tl, grupo, ou ele é umrepresentante da resistência do grupo.

O terceiro passo do grupoterapeuta é o de reconheceç e assinalar ao grupo, o 4rreestá sendo resistido, por que, por quem, como e paro 4líe isso está se processando.

Finalmente, o quarto passo é o de que o coordenador do grupo procure ter claropara si qual a sua participação nesse processamento resistencial, e isso nos remete aoimportantíssimo problema da cont ra-resistência, a qual pode assumir múltiplas for-mas de o próprio grupoterapeuta se aliar às resistências dos pacientes do grupo.

TRANSFERÊNCIA E CONTRATRANSFERÊNCIA

É de consenso entre os psicoterapeutas que o fenômeno essencial em que se baseia oprocesso de qualquer terapia psicanalítica é o da transferência, termo que emboraempregado no singular deve ser entendido na forma coletiva, ou seja, como umaabreviação de múltipÌas e variadas reações transferenciats.

Particularmente nas grupoteraPias, as transferências aparecem de forma múltipla e cruzada, segundo quatro vetores:

l) de cada indivíduo em reÌação ao grupoterapeuta:2) do grupo, como uma totalidade gestáltica, em relação ao gÍupoterapeuta;3) de cada indivíduo em relação aos seus paresl4) de cada um em relação ao gÍupo como um todo. Além disso, cada uma dessas

formas pode adquirir distintos modos, graus e níveis de manifestações, através deum jogo permanente de identificações projetivas e introjetivas

Não obstante isso, na atualidade, acredita-se que em todo processo terápico hátransferência, mas nem tudo deve ser entendido e trabalhado como sendo transferên-cia. Assim, existem controvérsias acerca da concepção de qual é o papel do psicote-rapeuta nessas situações. Para alguns autores, ele, sempre, não é mais do que umamera figura transferencial modelada pelas identificações projetivas dos personagensque cada paciente carrega dentro de seu interior. Para outros, o psicanalistâ é tambémum objeto real, com valores e idissioncrasias próprias e, como tal, ele virá a serintrojetado.

Assim, cada vez maìs expressões como "pessoa real do analista" e "aliança

terapêutica" estão ganhando espaço nos trabaÌhos sobre transferência. Da mesmaforma, vem ganhando força o ponto de vista de autores que crêem que a atitude do

analista é em grande parte responsável pelo tipo de respostâ transferencial dos pacien-

tes.Para uma compreensão mais profunda do fenômeno da transferência é útil que

façamos uma reflexão a partir desta questão: O fenômeno transferencial é unicamen-Íe f]ma necessidade de repetiçõo (nos termos clássicos, tal como Freud postulou) ou,antes, é a expressão de repetição de necessidades (náo sâtisfeitas no passado)? Umagrupoterapia psicanalítica permite observar com clareza o quanto está presente a se-gunda postulação. Esse aspecto relativo à necessidade das pacientes terem um novoespaço e uma nova oportunidade de reexperimentarem antigas e maì-resoÌvidas ex-periências emocionais é muito importante que esteja bem claro para o grupoterapeuta,porquanto ele determina uma atitude psicanalítica interna de natureza mais empática

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Habitualmente, as transferências são classificadas, em função de sua qualidadeafetiva, como "positivas" ou "negativas". No entanto, essas denominações, emboraconsagradas no jargão psicanalítico, não são adequadas pelo fato de conotarem umjuízo de valor moralístico. Ademais, sabemos que muitas transferências considera-das "positivas" não passam de conluios resistenciais, enquanto que outras manifesta-ções transferenciais de aparência agressiva, rotuìadas como "negativas", podem serpositivas do ponto de vista psicoterápico, desde que bem absorvidas, entendidas emanejadas.

A tendência atual é a de considerar o fenômeno transferencial não tanto pelosafetos que veicula, mas muito mais pelos efeìtos que produz nos outros, através domecanismo conhecido como "contra-identificação projetiva", quando essa se proces-sa dentro da pessoa do psicoteÍapeuta, caracterizando o conhecido fenômeno da con-tratransferênc ia.

A contratransferência, como antes foi ressaltado, resulta essencialmente dascontra-identificações projetivas dos pacientes, razão porque ela tanto pode servircomo um instrumento de empatia como pode assumir características patogênicas,caso o psicoterapeuta se confunda e se identifique com os objetos parentais neleprojetados.

Também é indispensável que tenhamos bem clara a distinção entre o que é con-tratransferência propriamente dita e o que é simplesmente a transferência pessoal dopróprio terapeuta em relação aos seus pacientes. Uma vez que o analista tenha condi-ções de fazer essa necessária discriminação, então, sim, ele pode utilizar os seussentimentos contratransferenciais como um meio de entender que esses correspondema uma forma de comunicação prìmitiva de sentimentos que o paciente não conseguereconhecer e, muito menos, verbalizar.

No processo grupal, é importante que todos os componentes da grupoterapiadesenvolvam a capacidade de reconhecimento dos próprios sentimentos contratrans-ferenciais que os outros lhe despertam, assim como os que ele despertou nos outros.Isso tem uma dupla finalidade: uma, a de auxiliar a relevante função do ego de cadaindivíduo em discriminar entre o que é seu e o que é do outro; a segunda razáo éadanecessidade, para o crescimento de cada pessoa, de que ela reconheça, por mais pe-noso que isso seja, aquilo que ela desperta e "passa" para os outros.

Finalmente, cabe destacar o sério risco de que se formem surdos conlriostransferenciais-contratransferenciais, sob modalidades como as de: um ilusório "fazde conta"; uma recíproca fascinação narcisística; um vínculo de poder de naturezasadomasoquista, etc. Um conluio inconsciente que representa um sério prejuízo parauma grupoterapia psicanalítica é quando o espaço do campo grupal está unicamenteocupado pela idealização, pois assim fica inibido o surgimento de sentimentos agres-sivos contidos na chamada "transferência negativa", e sem a análise da agressão e daagressividade um tratamento analítico não pode ser considerado completo.

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COMUNICAÇAO

As grupoterapias, mais do que o tratamento individual, propiciam o surgimento dosproblemas da comunicação e, portanto, favorecem o reconhecimento e o tratamentode seus costumeiros distúrbios.

A normalidade e a patologia da comunicação abarcam um universo tão amplode configurações que seria impossível detalhá-los aqui; no entanto, em estilo telegrá-fico, alguns pontos devem ser destacados:

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. Falar não é o mesmo que comunicar; assìm, a fala tanto pode ser util izada comoinstrumento essencial da comunicação como, pelo contrário, pode estar a serviçoda lncomunicação.

. Cadapaciente, assim como cada gÍupoterapeuta, temumestilo peculiarde transmi-tir as suas mensagens que, de modo geral, traduz como é a sua personalidade(assim, pode-se reconhecer o estilo arrogante do narcisista, o dramático do histéri-co, o detalhista e ambíguo do obsessivo, o evitativo do fóbico, o falacioso do"falso self', o autodepreciativo dos deprimidos, o defensivoJitigante dos para-nóides, o superlativo do hipomaníaco, e assim por diante).

. E de especial importância que o grupoterapeuta observe detidamente o destinoque as mensagens de uns ressoam nos outros, principalmente o de sua atividadeintemretativa.

. É igúalmente importante que o grupoterapeuta esteja atento às múltiplas formasde comunicação não-verbaìs (gestos, posturas, maneirismos, choro, riso, vesti-mentas, tonalidade de voz, somatizações, actrflgs, efeitos contratransferenciais,etc.).

O que deve ser enfatizado é o fato de que, nas grupoterapias em que o emissor(gnìpoterapeuta) e o receptor (grupo) não esfiverem sintonizados num mesmo canal,a comunicação não se fará. Isso é particularmente importante para os problemas dainterpretação.

ATIVIDADE INTERPRETATIVA

Ainda que a interpretação não sejâ o único fator terapêutico, ela é, sem dúvida, oinstrumento fundamental. No entanto, é útìl estabelecer uma distinção entre interpre-tação propriamente dita e atividade interpretativa, tal como ela está descrita nas "in-tervenções do grupoterapeuta" no capítulo deste livro que versa sobre "Como agemos grupos terapêuticos?".

A interpretação consta de tÍês aspectos: o conteúdo, a forma e o estilo, alêm,naturalmente, de um sólido respaldo teórico-técnico, e cada um desses permitiriauma alongada e relevante abordagem sobre a sua normalidade e patoÌogia. Todavia,não pretendo fazê-la aqui, pois seria uma exposição relativamente longa, e ela podeser lida em um outro texto simìlar (Zimerman, I 993).

Creio ser útil partilhar com o leitor as profundas transformações que vêm seprocessando em mim em relação à técnica interpretâtiva nesses meus 30 anos decontinuada prática grupoterápica. Assim, bem no início de meu trabalho com gruposterapêuticos psicanaÌíticos, mantive-me obediente aos postulados que os ensinamentosvigentes na época postulavam: sempre interpretar o grupo como um todo, ìnchtsiveevitando a nominação dos indivíduos; sempre interpretar no aqui-agora transferenciale nunca na extratransferência; evitar incluir na interpretação os aspectos infantis dopassado pela razão de que o grupo é uma abstração e, portanto, diferentemente dosindivíduos, ele não tem uma história evolutiva desde a infância; entender o campogrupal sob uma óptica kleiniana, isto é, sob a égide das pulsões destrutivas e dasrespectivas ansiedades de natureza psicóticâ.

Minha fidelidade a tais princípios durou pouco tempo: tudo me parecia algoartificial e eu me sentia um tanto violentado e, ao mesmo tempo, como que violentan-do os pacientes. Aos poucos, e cada vez mais, fui me permitindo fazer mudançastécnicas quanto à atividade interpretativa nos seguintes sentidos:

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Discriminar as individualidades, ainda que sempre em conexão com o denomina-dor comum do contexto grupal.Uma maior valorização dos aspectos extratransferenciais.Não faço mais uso de uma forma JiJle mática de interpretar no aqui-agora-conosco(com exceção, é claro, das situações em que a ansiedade emergente do grupoestiveÍ, de fato, ligada a mim).Em contrapartida, utilizo mais uma atividade interpretativa constante de pergun-tas (que instiguem indagações e reflexões); clareamentos; assinalamentos (deparadoxos, lapsos, desempenho de papéis, formas de linguagem não-verbal, etc.):abertura de novos vértices de percepção dos fatos; confrontos com a realidadeextenor, etc.Uma maior importância e utilização ao assinalamento de como os pacientes utìli-zam as suas funções do ego, notadamente as de percepção, pensamento, lingua-gem, comunicação, juízo crítico e conduta.Valorizo os aspectos positivos da personalidade, como, por exemplo, os que es-tão nas entrelinhas de muitas resistências e atuações.Enfatizo o desempenho de papéis fìxos e estereotipados presentes no grupo e quereproduzem os da vida lá fora.Uma valorização especial aos problemas da comunicação, em suas múltiplas ma-nifestações.Uma maior valorização dos aspectos contratransferenciais tanto porque isso podeser um impoÍante veículo de comunicação primitiva como porque pode levar aorisco de contrair conluíos inconscier?Íes com os pacientes.Permitir e, de certa forma, estimular que os próprios pacientes exerçam uma fun-ção interpretativa.Fazer, ao final de cada sessão, uma síntese (náo ê o mesmo que um resumo) daspúncipais experiências afetivas ocorridas ao longo dela, sempre visando a umaintegração e coesão grupal.

CRITÉRIOS

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ACTINGS

Sabemos que os actingJ ocorrem como uma forma substitutiva de não lembrar, nãopensar, não verbalizar, ou quando as ansiedades emergentes dos pacientes não foramdevidamente interpretadas pelo psicanalista. Por essa razão, eles se constituem numimportantíssimo elemento do campo grupal, uma forma de comunicar algo, que tantopode ser de natureza benigna, e até sadia, como pode adquirir características bastantemalignas.

Dentre estas últimas, além do risco não-desprezível de que possa ocorrer umenvolvimento amoroso entre pessoas do grupo, um acting qtu.e devemos considerargrave é o que diz repeito a uma quebra de sigilo do que se passa na intimidade dogÍupo, inclusive com a divulgação pública de nomes das pessoas envolvidas. Guardouma convicção que muito do declínio das grupoterapias analíticas se deve a um des-crédito que em grande parte foi devido a esse tipo de atuação, o qual costuma resultarde uma seleção mal feita.

Os actings também podem estar a serviço das resistências do grupo e se confun-dem com o desempenho de alguns papéis, tal como foi descrito no tópico relativo àsresistências. I

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coMorR^BALHAMoS CoM cRUPos . 141

Et:

CRITÉRIOS DE CURA

Conquanto eu esteja empregando o termo "cura" por ele ser de uso corrente na prática analítica, creio que, acompanhando Bion, o conceito dessa palavra está muitoligado à medicina, no sentido único de uma remoção de sintomas; por conseguinte, aexpressão mais adequada seria a de "crescimento mental".

Em termos mais estritamente grupais, pode-se afirmar que um processo e x itosoda grupoterapia psicanalítica, em uma concepção ideal, deveria abarcar os seguintesaspectos das mudanças psíquicas:

. Diminuição das ansiedades paranóides e depressivas. Isso implica que os indiví-duos possam assumir a parcela de responsabilidade pelo que fizeram ou deixa-ram de fazer para os outros e para si mesmos.

. Desenvolvimento de um bom "espírito de grupo", com um sentimento geral de"pertencência" e de coesão.

. Capacidade de comunicação e intemção com os demais, sem a perda dos neces-sários limites.

. Uso adequado das identificações projetivas, sendo que isso tanto vai possibilitaruma menor distorção de como eles percebem os demais, como o desenvolvimen-to de uma empatia, ou seja, a capacidade de se colocar no lugar do outro.

. Ruptura da estereotipia cronificada de certos papéis.

. Desenvolvimento da capacidade de fazer reconhecintentos: de si próprio; do ou-tro como pessoa diferente e sepaÍado dele; ao outro, como uma expressão deconsideração e gratidão; e reconhecer Õ quanto cada um necessita vitalmente serreconhecido pelos outros.

. Em pacientes muito regressivos, a passagem do plano imaginário para o simbólico, o que, por sua vez, permitirá a passagem da posição de narcis-ismo para a desocial-ismo.

. Desenvolvimento do senso de identidade individual, grupal e social, assim comoo de uma harmonia entre essas.

. Capacidade de elaborar situações novas, com as respectivas perdas e ganhos.

. Capacidade de fazer discriminações entre aspectos dissociados: do que é dele e oqueédooutro; entre o pensar, o sent i r e o agir ; entreai Ìusãoeareal idade,etc.

. Capacidade de se permitir ter umaboa dependência (é diferente de submissão ousimbiose), assim como o de uma relativa independência (é diferente de rebeldia,autoritarismo ou de "não precisar de ninguém"). Aquisição de novos modelos deidentificação e, ao mesmo tempo, umanecessáriades-idefiirtcação comarc^icosmodelos de identificações patógenas.

. Desenvolvimento das capacidades de ser continente de ansiedades - das de ou-tros e das suas próprias. Transformação da onipotência em capacidade parapen-scr,'da omnisciência pela capacidade de exÍrair tmaprendizado com as experiên-cias emocionais; da prepotência pela humildade em reconhecer a fragilidade e anecessidade dos outros.

. Desenvolvimenro de uma função psicanalítica da personalidade, expressão deBion que designa uma boa introjeção do psicanalista e, portanto, uma capacidadepara alcançar r'nsl ghts e, no grupo, poder fazer assinalamentos interpretativos.

Em resumo, um verdadeiro crescimento mental de cada indivíduo do grupo con-siste no fato dele ter tirado um aprendizado com as experiências emocionais vividas

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142 . ZMERMAN & osoRlo

nas recíprocas inter-relações que o grupo propiciou, de modo a se posicionar na vidapensando que o realmente valioso é adquirir a lìberdade para fantasiar, desejar, sen-tir, pensaÌ, comunicar, sofrer, gozlr e estürjunto coiri os outros.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ZIMERMAN, D.E. Fundamentos básicos las grupotercpías. Porto Alegrc: Artcs Médicas, I993.

T4

Te|mo originrl t . I

I4Psicanálise Compartilhada:AtualizacãoGERARDOSTEIN

(Prática solidária que aÍnplia os alcânces do método)

De como o nutridor acaba também poÍ ser nutrido.

Tratou-se, em seu começo, de uma variante técnica dcstinadâ a investigar o emprego dométodo psicanalítico no gÍupo. Essa expectativa conlinua sendo aÍualmente sua propos-ta: investigar dc que modo é possíveÌ o desenvolvimcnto de processos psicanalíticosìndividuais em um contexto ÌnultipcssoaÌ. Seu exercício na clínica mostrou-se cficazcomo recurso terapêutico, por um Iado, e demonstÍou, por outío, set um campo fecundoem contribuições para â psicanálise, também na terâpêuÌica individual, de família e degrupos pré-formados.Este encontÍo fundânte é uma mctáfora antecipadora: a psicanálise se propõe a alimen-taÍ a psicoterapia de grupo; a psicotcrapja dc grupo se dispõe a ser alimentada peÌapsicanálise.Na ação, as coisâs se tornam diÍe.cntcs do csperador a nutriz se toÍna também lactente.A investigação, neste campo de encontros intersubjetivos, será atravessada pela mesmamodalidade: veí-se-á como, no âmbito do intersubjctivo, o devir psíquico é sempre denatureza imprevisível e c.iativa. O enconlÍo dc duas intencionalidades gera sempreintencionalidades novas. Mais ainda, o parentesco com as gendoÍas da união costumaficar muito disiante. Trata-se, cntão, de um modelo cuja proposta fundacional foi e con-tinua sendo a investigação dc um modo possível para o desenvolvimento de processospsicanalít icos individuais €m um contexto mult ipcssoal.Os conceitos mencionados, e mais uma breve narração de suas origens, explicaÍão asrazões quc me inspiraram sua denominação: psicanálise compaÍtilhada'.

Iniciei a prática da psicoterapia psicanalítica de grupo na Policlínica de Lanús, emmeados de 1959.

"O Lanús", nome que até o presente identifica o Serviço de Psicopatologia,fundado 2 anos antes pelo professor Mauricio Goldenberg, iniciou uma mudançarevolucionária na psiquiatria de nosso país e de outros da América Latina: foi a pri-meira saída da Assistência em Saúde Mental fora do manicomial. Constituiu-se naentrada inaugural da mesma no hospital geral.

A investigação do novo, sem outros limites do que a seriedade da tentativa, eraa norma do que ali era possível. Seu chefe confiou essa tarefa a um conjunto deprofissionais jovens, constituídos com ele em "Staff Diretivo" do serviço. Tïve a

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' Termo original: psicoanálisis compaÍido.

144 . ZMERMAN & osoRlo

sorte de contar-me entre eles e, em pouco tempo, de assumir a direção do depana-mento de grupos.

A amizade do Dr. Goldenberg com o Dr. Enrique Pichon Rivière e meu desejc.junto com os de minha equipe, de contarcom sua ajuda, outorgaram-nos o privilégi:de tê-lo como supervisor de nossa tarefa.

Sua forma de trabalhar a psicanálise nesta matéria ofereceu experiências sur-preendentes. Fazia-nos ler o material clínico, sem mencionar o nome de seu produtor.fosse paciente ou terapeuta. Ainda mais, não devíamos dizer quando deixava de fazê-lo um e começava o outro. Tomava todo o material como a associação livre de ur:único sujeito: o grupo. ,.

As interpretações deviam s'er dirigidas ao gÌupo. Operava-se com o conceito deporta-voz. Se, por exempÌo, alguém dizia se sentir "uma pessoa desconsiderada". :intervenção do psicanalista era: "O grupo expressa sentir-se'o desconsiderado' dorgrupos do Lanús".

Comecei a trabalhar conforme seus ensinamentos, o que foi feito durante ba:-tante tempo, até que, em uma ocasião, sucedeu o inesperado: o surpreendente definidc:da psicanálise, quando a eficácia do inconsciente se põe em evidência.

Transcorria uma sessão como tantas de meu primeiro grupo terapêutico. Achr-va-me acompanhado por meus dois "observadores não-participantes" (naqueles tem-pos, a função de observador era limitada: deviam registrar por escrito o material .nada mais).

Pouco depois do início, mostrou-se chamativa a agressividade de Maria contr"Julia. Assistíamos todos impotentes a esta cena cruel. Um sentimento de piedade po:Julia promoveu uma transgressão impensada: "Maria", disse-Ìhe, "Seria important:que pensasse a razão de sua raiva de Julia".

A situação se traÍìsfigurou, para surpresa generalizada; a própria agredida per-deu sua atitude compungida e abatida, para unir-se ao olhar de cada um, cravado nianalista, inclusive observadores não-participantes. Este se sentiu invadido por unsentimento forte. Algo assim como o que experimentaria um religioso de quem esca-passe um grito blasfemo durante a prática de uma missa solene.

A pessoa aludida logo se recompôs. Em tom de mestra, repreendendo benevolent:um aluno desencaminhado, disse: "Eu agredindo!..., Doutor!... Não!... É o grupo!1...'

Maria revelou o que até então estâva oculto. Enquanto o trabalho interpretati\ ise dirigia "ao grupo", seus integrantes realizavam sua atividade independentementÈPôs-se em evidênciâ um pacto âté então invisível.

Posso descrevê-lo do seguinte modo: enquanto minha ocupação era falar para cgrupo, as pessoas conversavam entre si. Para eles, meu diálogo com "o grupo" er:tido por uma "ocupação mágica", daquelas que não chamariam a atenção - como s-em lugar de um psicanalista se tratasse de um "bruxo", dotado dos misteriosos segre-dos da cura. Ele "devia saber o que fazia". A conseqüência era natural. Não cabi:senão escutar, também em silêncio respeitoso, esse discurso a um interlocutor ocult.e sempre silencioso (pelo menos para eles): "O GRUPO". Os efeitos deste "ato ritu-al" seria "indubitavelmente benéficos para todos".

W. Bion ("Experiências com grupos") traz um enfoque esclarecedor para essesuceder. Trata-se de um grupo operando segundo o pressuposto básico do acasala-mento. O casal gestante da esperança messiânica acabou por ser constituído p..lcpsicanalista e por um ser ideal: "O Grupo". O Messias almejado era "A Cura". Curaque como Messias devia não chegar, e assim cumprir sua função principal: mantervlva a esperança.

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COMO TRABALHAMOS COM GRUPOS . 145

Enquanto isso, os pacientes diziam estar melhor. Acorriam pontualmente às ses-sões. A equipe terapêutica tinha, por sua vez, evidências de melhora, em alguns casosnotórias. Seria a força da esperança messiânica a sustentação ilusória de tais efeitossatisfatórios? Inclino-me a pensar em uma resposta afirmativa.

Porém, seria esta a única razão? Outros investigadores devem ter chegado auma pergunta idêntica, a julgar por sua afirmações'.

Em mim, esse acontecimento e tais interrogações produziram efeitos.Maria tinha feito um disparo contundente sobre minhas convicções. A potência

de seu impacto as levou por um caminho sem retomo.Seu comentárío irônico operou ao modo de uma interpretação psicanalítica pro-

funda. Entrou em interação com meus próprios questionamentos inconscientes àsteorias sustentadas. Ali, e a partir de então em minha consciência, eles puseram emação mudanças insólitas. Arrasados meus pressupostos teóricos e técnicos, optei porretomar ao mais conhecido: a psicanálise. Comecei simplesmente a escutar suas con-versas espontâneas em atenção flutuante, tal como aprendera com Pichon Rivière,como se escuta o livre associar de qualquer analisando. Isso, sim, esquecido do "in-terpretar para o grupo", como mandato. Tal nível interpretativo seria ampliado, massomente quando o grupo manifestasse inquestionáveis evidências de estar funcio-nando em termos de pressuposto básico. Como iria definir mais adia_nte, funcionandomais sob as leis da massa'", e não as do pequeno grupo de trabalho. E no âmbito desteúltimo que a psicanálise e sua escuta não tardaram a me submeter novamente a suassurpresas. Em uma ocasião, um paciente "4" falou de algum problema aflitivo. Emseguida outro, a quem chamarei de "B", iniciou comentários aparentemente descone-xos em relação aos de seu predecessor. Não obstante, seu conteúdo manifesto pareciaguÍìÍdar uma coerência sutil com o primeiro. O que sustentou tal coerência? Muitosimples: se "A" tivesse continuado seu discurso, dizendo ele o expresso por "B", eunão teria vacilado em categorizá-lo como uma associação livre significativa.

Assim, tornou-se tentador investigar a natureza e o posicionamento do nexoativo entre ambas as produções.

Juana: "Hoje, como sempre, vim por obrigação. Há algo que devo confessar a vocês.O Dr. já sabe, vocês também têm o direito de saber. Eu venho porque me manda-ram. Na realidade, não acredito neste tratamento".(Silêncio inusualmente prolongado).

Valeria: "Adrián, recém me lembrei. Tu vinhas falando em adotar um bebê. Faz mui-to tempo que não mencionas o tema. O que aconteceu?"

Adrián: "Eu não queria falar. Decidimos guardar segredo. Mas aqui é diferente. Ago-ra que estão me perguntando, entendo que, em análise, não há razões paÍa silen-ciar sobre isso. Me decidi, e falei com minha mulher. Levei-a para um café. Alinão poderia agir como em casa. Sempre interrompe, por alguma coisa que tempara fazer" .

Valeria: "Disseste a ela tudo o que estavas pensando?"

'Porexemplo: "Na verdade, quem tmbalha com grupos sabe que o campo gÍupal é muito cal€idoscópico e p€rmite uma gâmâ de

lressupostos inconscientes muito mais complexâ e variada. Aliás, essas linhas jí estavam escíitas quando me deparei com as

irlâvrâs do próprio Bion, âo ÍespondeÍ a uma perguntâ que lhe fizeram sobÍe â utilidade dos três supostos brísicos. 'São conÍru-

;ões, geneÍâlizações gÍosseims,., e se elas não me lembram a vida real, não me seÍvem pâra nada'." (ConyeÌsando coüÌ Bion,1992, p- 62); (ZIMERM AN, D.E. Bìon: da teoria à prática - una leituru dìütica. Poío AleEÍ.. AÍes Médicâs, | 996. p. ?8)." STEIN, G. "A APA, uma massa aíificial" le Il. Tmbdhos apresentados cada um em Íeunião científica da Associcçâo Psicânâ-:úica Argentina (1986), para sua discussão em pleniíÍio e pequenos gÍupos.

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146 o znlervlr a osonro

Adrián: "Tudo".Valeria: "E?"Adrián: "A verdade, ainda não posso acreditar. Ficou claro que ela estava esperando

essa atihrde minha. Estava decidida a adotar, mas não me via genuinamente conven-cido. Agora penso que tinha razão".

Nadia: "Desculpem, mas eu fiquei com o que Juana disse no começo. Me incomodousua atitude. Escuta, Julia, se não tens vontade de vir, seria melhor que tu ficassesem casa".

Adrián: (dirigindo-se a Nadia) "Não vejo por que tomas isso deste modo, se veio, edisse isso enquanto se sentou, é porque deve querer falar disso".

A essa altura da sessão, a expressão de Juana se tornara eloqüente para o ânalis-ta. Viâ-se como estava emocionada. Não havia muitas dúvidas sobre seu significado.Devia sentir-se descoberta em seu segredo, isso de que não falava, mas era conhecidopor mint. Decidi, então, vir em seu auxílio.

Analista - Adrián: "Você acaba de dizer: 'Juana deve querer falar disso'. É provável

. que ignore o verdadeiro alcance de suas palavras. Em minba opinião, você sabemais do que acredita saber a respeito de Juana. Agora, certamente vão se esclare-cer umas tantas coisas. Juana: você e eu sabemos algo que seus companheiros deanálise ignoram. É possível que considere que é chegado o momento de falá1o".

Juana: (começa a soluçar, e depois de um tempo fala) "Não posso falar. Por favor,Dr., diga você".

Analista: "Juana me pede que lhes diga o motivo de sua presença aqui. Trata-se desua esterilidade. Valeria: Juana começou falando de "algo que queria confessar avocês, que o Dr. já sabe": no manifesto, foi sua falta de motivação para vir. Igno-ro a forma com que seu inconsciente a escutou. Mas é surpreendente que logoentão você tivesse recordado o projeto de adoção de Adrián. Demasiado surpre-endente para considerá-lo casual. Como se, em algum lugar de você, não houves-se dúvidas a respeito de qual era a verdadeira confissão que Juana precisavafazer. A da esterilidade".

Adrián: "Você disse também que 'Aqui não há razões para guardar segredo'. Mesmoquando estava se referindo à sua própria pessoa, parece evidente haver funciona-do para Juana, em ressonância com um desejo próprio a ela. Estou bastante segu-ro de que seus desejos deram mais força aos dela: os de deixar de guardar osegredo".

Juana havia iniciado sua análise havia 3 semanas. Recorreu a ela, queixando-sede esterilidade e por conselho de seu ginecologista. Estudos clínicos exaustivos ti-nham se mostrado infrutíferos para encontrar as causas. Por tais razões, foi diagnos-ticada de origem psicológica. Seu encaminhamento para o tratamento psicanalíticofoi recebido com desagrado tanto por ela como por seu marido. Incoçorei-a a umaequipe de psicanálise compartilhada, integrada por 4 outros pacientes. Como era dese esperar, sua participação foi escassa durante as primeiras sessões. Era evidente seudesinteresse. Para seus companheiros de análise, era um enigma o motivo de suaconsulta, nunca havia mencionado sua esterilidade.

Valeria referiu-se ao projeto de adoção de Adrián. Este último pôs a descobertoum passo importante na compreensão de sua conflitiva inconsciente: seu rechaçopela patemidade por adoção, em aliança com um sentimento idêntico em sua mulher.Mais adiante, aprofundar-se-ia a análise de Juana. Isso nos depararia com uma nova

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' FREUD, S. ComEbs aTurosis obsesiví ' ( l9l l

coMOIRABALHAMoS Cov cnuPos r 147

descoberta: o rechaço inconsciente da matemidade por parte de Juana, possível res-ponsável por sua esterilidade. E difícil, a partir de um pensar psicanalítico, atribuir àcasualidade o sucedido. Resumindo:

a) A associação de Valeria, precipitando o comentário de Adrián.b) A descoberta de seu rechaço pela patemidade adotiva, incluído no mesmo.c) O prenúncio precoce das possíveis causas psicoÌógicas da infertilidade de Juana.d) O desdobramento, entre Nadia e Adrián, da conflitiva de Juana: a primeira, expri-

mindo o temor de investigar ("Seria melhor que ficasses em casa"); o segundo,seu desejo e necessidade de fazê-lo ("Ali não poderia agir como em casa"... e,depois, "Deve querer falar disso"). Isso foi eficaz de imediato. Considero-a umaintervenção psicanalítica de primeira ordem: antecipa-nos, ao modo de exempli-ficação, um ponto a desenvolver mais adiante: o exercício da função psicanalíti-ca por parte de qualquer um dos analisandos.

Ainda hoje ignoro a linguagem empregada por Juana para informar o ocultado eo que ocultava para si mesma ao inconsciente de seus companheiros de análise. Freuddescobriu um suceder capaz de lançar uma luz sobre isso. Afirmou, em vários traba-lhos, a existência, em todas as pessoas, de um dispositivo inconsciente c apaz de rea-gir adequadamente na leitura do inconsciente nos outros'. Depois de investigar anatureza e o posicionamento do nexo ativo dessas produções, no exemplo preceden-te, esta comunicação entre inconscientes acaba por ser a explicação que melhor pare-ce dar conta destes observáveis.

Neste exemplo, produziu-se o que defini como "ato fundante de psicanálisecompartilhada". Tal aspecto acontece quando o profissional informa a algum ou vá-rios (como neste caso) de seus integrantes que seu psiquismo inconsciente conseguiuser capaz de detectar e "interpretar" eficazmente a produção latente escondida nodiscurso manifesto de um outro.

A partir desse suceder, proáuz-se uma mudança na forma de intervir de cada umdos membros da equipe. Sem exceções, começa a desdobrar-se um chamativo inte-resse por reconhecer associações pessoais e comunicá-las, por alheias que pareçamao curso da "conversa comum", A "conversa comum" se enriquece, a partir de então,com este novo estímulo à intercomun icaçào, e sua riqueza para a escuta em atençãofluhrante, por parte do analista, toma-se mais matizada.

A uma associação costuma suceder-se outra. O analista, no tratamento individu-al, recorre a suas próprias associações. Elas são o derivado, em seu sistema conscien-te, das ressonâncias que, em seu próprio inconsciente, terão desencadeado as produ-

ções inconscientes do livre associar de seu paciente. Esses derivadosjá foram reconhe-cidos por Freud, precocemente, como a matéria-prima para a construção de suas inter-pretações ("Recomendações ao médico"). No campo observacional que estamos des-crevendo, somam-se aos do terapeuta os derivados produzidos pelos inconscientesdos outros. Isso determina uma conseqüência inevitável. O objeto de investigação éregistrado e traduzido por mais de um "receptor". As conseqüências serão óbvias: anatuÍeza das associações dos receptores gera novas ressonâncias e fomece, portanto,informação nova a respeito dos receptores. os quais passam a operar também comonovos emlssores.

' FREUD, S. Consejos al médico en el trutamiento psicoanalítico (1912). Madrir B. Nueva, 1948, tomo II; "Lâ disposición a la:ìeuÍosis obsesiva" (1913), Id. tomo L'I-o ìnconsciente", Id. Tomo I.

148 . znar"ro" a osonlo

Tais evidências encaminharão seguramente o leitor para uma melhor compreen-são do porquê da denominação "psicanálise compartilhada".

Os achados que sucederam aos mencionados iniciaram novas derivações. Trata-se de contribuições significativas à própria psicanálise: "de como o nutridor acabousendo tamMm nutrido".

Primeiro vou enumerar e depois desenvolver cada uma de tais contribuições.

. Circulação da função psicanalítica.

. Exercício espontâneo de estilos complementares e funções suplementares.

. Pulsão de saber e instinto de cura.

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CIRCULACÃO DA FUNCÃO PSICANALÍTICA

A partir do ato fundante, não se passa muito tempo até que algum participante seanime a produzir uma intervenção tão eficazmente psicanalítica como as melhoresproduzidas pelo profissional. E indubitável que o pôde incorporar como modelo deaprendizagem, evidência inefutável de algo: sua identificação com o método psica-nalítico. E imprescindível destacar esse ponto, dado que tal identificação é a que, emqualquer psicanálise, constitui a matriz sobre a qual irá se construindo a capacidadefutura de auto-análise do sujeito,

Assim como está aprendendo a "ler" o inconsciente de um outro, estará emcondições de ler o próprio, com o auxílío de um outro qualquer, quando houver termi-nado sua análise. Defino, neste sentido, a auto-análise como algo possível, semprecom a mediação de um outro. Se, manejando meu automóvel, escuto o insulto deoutro motorista e posso pensar, vencida minha raiva, "que terei feito para mereceristo?", e descubro a transgressão que cometi de forma involuntária, estarei empregandoo impropério do desconhecido como a intervenção de um companheiro de análiseinvoluntário, que se tomou disparador de uma descoberta: meu "ato falho" conduzin-do um carro. Talvez âté me esclareça sobre as causas do mesmo.

Resumindo o que foi dito até aqui, deparamo-nos com o incremento na produ-

ção e na comunicação de associações e com o surgimento do exercício de uma funçãoaté então privativa do terapeuta, a de interpretar. Já que a presença de dois derivadosconstitui o primeiro acesso à consciência de um novo saber sobre o inconsciente deum outro, tal função merece ser incluída na mesma categoria que a criação de umainterpretação: ambas ficam então constituindo o que defino como "exercício da fun-ção psicanalítica". O reconhecimento explícito, porparte do psicanalista, da validadee eficácia de tais intervenções facilita seu desenvolvimento, e a conseqüência é a"livre circulação da função psicanalítica".

Também me deparei com o risco da "banalização" no exercício desta função. Épossível que qualquer paciente acabe vencido pela tentação de desfrutar dos deleitesde acreditar "ser o analista", e comece a ÍealizaÍ um uso espúrio desta circulaçãolivre. Isso não deve nos preocupar demais. Não tardará muito algum comentário -por exemplo - de outro companheiro de análise que o traga de volta à realidade, comuma genuína interpretação: "Parece que estás acreditando ser o analista". "Piíra comisso,jáestás passando da medida". E isso seguido da aprovação geral dos companhei-ros. Tais respostas só podem conduzir ao aprofundamento da análise das causas queo terão levado a uma conduta tão ingênua. Estes últimos comentários apontam parauma consideração básica: a circulação da função analítica não deve ser consideradauma abdicação do lugar do analista. Este lugar ficará inquestionavelmente preserva-

COMO'I'RÂtsÂLHAMOS COM ORUPOS '

I49

do como garantia do processo da cura. Ocorrerá, não obstante, de modo inevitável -tal como ocorre em uma análise individual -, que algumas vezes o analista, em conse-qüência do fragor do trabalho psicanalítíco, perca momentaneamente seu lugar. Esseé outro tema a ser considerado. O colega que a esse respeito se considere imune a taleventualidade que atire a primeira pedra.

Eu não vi jamais um colega desses. Nem em meus analisandos didáticos, nemem meus supervisionandos didáticos, nem em meus amigos profissionais. Trata-se deum tema cuja abordagem é imprescindível: a neurose de contratransfeÍência do analista.O ideal é que isso não aconteça, mas ocorre. O importante é saber o que fazer, quandonos damos conta de quejá ocorreu. Suponhamos uma equipe de aniílise compartilha-da, em que um dos pacientes se dirige a mim nestes termos: "Dr., quando fala aRoberto, nota-se que está aborrecido". Suponhamos também que este aviso me permitereconhecer a veracidade desta afirmação. Qual deve ser, então, rninha conduta técni-ca? Em minha experiência, apenas uma, o reconhecimento da validade do comentá-rio: "Tens razão, me dou conta agora que o disse. Estive aborrecido com Roberto.Tentarei, por minha conta, averiguar quais podem ser meus motivos privados pelosquais isso ocorreu. Não vou informar a vocês as conclusões que obtive disso. Propo-nho-me a aproveitar o que ocorreu para compreender melhor o que está acontecendocom o RobeÍo".

Isso não é uma "confissão contratransferencial", que é sempre desaconselhável.O que no exemplo precedente ocorreu foi que a "confissão contratransferencial" jáhavia sido produzida, apesar da própria intenção do analista, quando mostrou seusentir com Roberto. O que fez depois foi simplesmente reconhecer a "confissão con-tratransferencial" previamente produzida, o que pôde fazer graças à interpretaçãoadequada que o paciente fez ao analista. Esse modo de proceder, longe de implicar aperda de seu lugarcomo psicanalista, constitui a recuperação do mesmo, anteriormenteperdido ao ser vítima de sua neurose de contratransferência. Aqui, o analista mostrousimplesmente que ele é uma pessoa a mais, e, como qualquer um, também possui uminconsciente eficaz, cujas produções às vezes transcendem suas mais genuínas inten-

ções: neste caso, preservar a regra de abstinência. As porções perceptuais do ego dopaciente denunciante terão sido reconhecidas, e a capacidade auto-analítica do ana-lista colocada em evidência. O que terá sido preservado, sobretudo, vai ser em pri-meiro lugar a psicanálise. De uma maneira não-habitual, mas não por isso menoseficaz, os pacientes terão uma nova evidência da profundidade e da eficácia do méto-do. Terão, além disso, a evidência de como o modelo é válido para o anâlista tantoquanto paÍa o analisando: a auto-análise, que, como sempre com o auxílio de umoutro, toma-se uma função sem cujo desdobramento suficiente não há cura possível.

EXERCÍCrO ESPONTÂNEO DE ESTTLOS COMPLEMENTARES E FUNçÕESSUPLEMENTARES

Compartilho com muitos colegas a seguinte convicção: o estudo mais exaustivo dopÍocesso de êxito de uma análise lança uma compreensão limitada sobre as causasque determinam muitas de suas conquistas. Transitando pela investigação dessas causíìsé que me deparei com os conceitos que intitulam esta parte do presente escrito.

David Liberman (comunicação pessoal, e seu livro Lingüística, interacción co-municativa y proceso psicoanalítico, l97l ) realizou um achado clínico formidável:os estilos discursivos complementares. Os descobriu, inVestigando protocolos clíni-cos de outros colegas. Deve-se prestar muita atenção a isto: descobriu que os própri

150 . zuenueN * osonlo

os psicanalistas os empregam sem sabê-lo e em suas melhores intervenções. Com-provou que âs interpretações mais eficazes o eram não apenas pelo fato de seu con-teúdo ser acertado. O eram porque o estilo discursivo empregado em sua comunica-ção era complementar ao utilizado até ali pelo analisando. O emergente de cada umade tais interpretações permitia observar, além de uma mudança no conteúdo das asso-ciações, também a do estilo discursivo do paciente. Sustentou, assim, sua hipótese deque o emprego espontâneo destes estilos outorgava um maior poder de penetração âoconteúdo do que era comunicado pelo profissional.

Ele fala de quatro estilos, interagindo aos pares:

Estilo lógico (obsessivo) - estilo de ação (psicopático)Estilo demonstrativo (histérico) - estilo observador não-participante (êsquizóide)

Pus deliberadamente entre parênteses a versão patológica dos mesmos, maisadiante explicarei os molivos que me movem a isso.

Sinteticamente: o estilo lógico contribui com o estilo de ação, a aptidão reten-tiva de espera necessária para um processamento adequado entre o impulso e as açõestendentes à sua satisfação. Reciprocamente, o estilo de ação contribui para o lógicocom a quota imprescindível que o processo mental do impulso requer, para não sedeter na dúvida obsessiva e poder passar, então, para o ato, em busca da satisfação.

O estilo demonstrativo provê a erotização faltante no agir'tientífico" do obser-vador não-participante, inibidorde uma suficiente satisfação do desejo.Inversamente,o estilo observador não-paÍicipante fomece ao demon sÍÍLtivo o quantum de abstra-ção que limita a erotização exagerada do demonstrativo. Esta dose mais adequada deerotização permite também um prazer mais desfrutável por parte do demonstrativo.

O sentido de colocar entre parênteses a versão patológica dos estilos dirige-se aressaltar um passo inaugural para uma nova proposta em psicanálise: o estudo dofuncionamento saudável do aparelho psíquico. O conceito saúde não aparece nosescritos freudianos, e essa falta fala por si mesma. As notáveis descobeÍas de Libermanconduzem à descrição de um encontro intersubjetivo funcionando de modo saudávele, conseqüentemente, também a de um aparelho psíquico operando de igual forma:interação dinâmica e harmônica dos quatro estilos nos processos pensantes. A psicaná-lise compartilhada tomou-se um espaço privilegiado no observacional: colocou apsicanálise frente ao desdobramento de ações diagnósticas e de exercícios terapêuticosespontâneos, provenientes dos pacientes. Vale de novo aquilo do nutriente ser trans-formado também em nutrido. O desdobramento dos estilos complementares tornou-se visível, de modo idêntico ao descrito nos analistas, entre os companheiros dasequipes de análise compartilhada. Sua efìcácia também. Observar sua atividade nesteâmbito permitiu-me compreender como sua ação transcende a observada por seudescobridor: o emprego espontâneo, por parte de um interlocutor, do estilo comple-mentar do outro, opera por si mesmo como agente de mudança profunda. Aprecia-se,nos diálogos da conversação comum, como as mudanças estilísticas se produzem naausência de conteúdos interpretativos em seu discurso. Encontro-me em condiçõesde assegurar o seguinte: estejogo discursivo, no espaço da intersubjetividade, operaao modo de aprendizagem e desenvolvimento das quatro aptidões discursivas em umsujeito. Tal operação promove mudanças estruturais no intrapsíquico. A nâtureza dosmesmos só pode ser explicada pelo desenvolvimento de funções egóicas até entãorelativamente atrofiadas. As causas destes crescimentos deverão ser encontradas em:

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PULSÃO Dl

Devbransoasasmcio.natutosa

COMOTRABALHAMOS COM GRUPOS . 1.51.

Aprendizagem via identificação e práxis de sua eficácia comprovada em cadaensaio com êxito, durante o transcorrer do conversar com o discurso complemen-tar do outro. Se me fosse feita agora a crítica "Mas isto é pedagógico, não psica-nalítico", poderia responder "E porque, se é pedagógico, não pode ser tambémpsicanalítico?".Estes conceitos levaram-me a outro: deparamo-nos com algo mais amplo do queum discurso complementar, trata-se do exercício de uma "função suplementar".É, de fato, tentador suspeitarque, na história pretérita, algo deve ter obstaculizado,talvez por carência relativa de tal função em sua família primária, justamente estedesenvolvimento necessário.

c) Esta análise levou ao encontro de outras numerosas ações facilmente categorizáveissob a mesma rubrica. Um paciente padecia, em sua fala, de um conflito particu-larmente incômodo para quem o escutava: pronunciadas algumas poucas pala-vras, requeria das pessoas que o escutavam evidências de ter sido entendido, comperguntas de tipo variado (Entendeu?, Me acompanham?). O analista, entre ou-tros, mais atento ao conteúdo do que à forma, apenas experimentava tal fato comouma interferência incômoda para o trabalho psicanalítico. Em certa oportunida-de, encontrou seu interlocutor esperado. Um companheiro de análise. Este respon-dia de modo genuíno e de maneira afirmativa a cada uma de suas perguntas recor-rentes. Ninguém pôde notar nele indícios de tédio ou aborrecimento, pelo contrá-rio, era visto como autenticamente interessado. Ele se converteu, assim, em seuinterlocutor ideal. Tal binômio passou a fazer parte do cotidiano no trabalho deequipe, e ninguém se apercebeu disso. Tampouco nos demos conta da diminuiçãopaulatina, até quase desaparecer, das "perguntas incômodas". Paralelamente, ocurso da análise do paciente em questão chegou a um ponto-chave: sua relaçãocom um pai capaz dos atos mais sutilmente cruéis na desqualificação de sua ca-pacidade de pensar. Recém então alguém recordou o velho sintoma, ojá curado.Foi evidente seu sentido. Acabou sendo também evidente o efeito terapêuticooperado sobre o mesmo pelo exercício da função suplementar de seu companhei-ro: tinhalhe dito, por meio de um proceder, algo assim como: "Fala para mim, eusei de teus temores, comigo não deves temer, interessam-me tuas idéias".

Tinha suprido uma função patema falida. A esse exemplo ilustrativo poderiaacrescentar muitos outros, mas deixo para a experiência pessoal do leitor o fascinan-te encontro com os próprios.

O que levou tal paciente a buscar a função e o que levou seu companheiro deanálise a provê-la? Não hei de entrar na intimidade do suceder particular dos dois:prefiro responder a essa pergunta com o desenvolvimento do tema seguinte.

PULSÃO DE SABER E INSTINTO DE CURA

Devo recordar novamente o "ato fundante" e, sobretudo, suas conseqüências: desdo-bramento espontâneo da função psicanalítica. O que move sistemâticamente as pes-soas em psicanálise compartilhada a desenvolver estas atividades? São inocultáveisas manifestações de prazer geradas em cada descoberta que atingem em seu exercí-cio. Isso lhes outorga o caráter de satisfação de desejos? Se for assim, qual será suanatureza? Opino que existe, no psiquismo, o desenvolvimento precoce de uma porten-tosa atividade, dirigida a exercer a curiosidade sobre o mundo que o constitui e que o

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152 . zluenv,qn a osonro

rodeia. Do exercício adequado dessa atividade dependerá a sobrevivência ou não dosujeito, e, ao consegui-la, a qualidade para desfrutar a vida. Desta ordem deve ser opulsional, que aciona tais atividades. Saber sobre o inconsciente de alguém, sabersobre o inconsciente dos outros é parte desta sabedoria necessária: a psicanálise for-malizou como ciência uma função preexistente nas pessoas, tão bem exercida, entreoutros, pelos "velhos sábios". Desse modo, essa pessoa dubitativa, vítima de ataquesprecoces a seu modo de pensar, buscou, sem sabêìo, e do melhor modo que pôde, emseu interior, o diagnóstico de seu padecimento mais profundo e o remédio que final-mente fosse eficaz para sua cura. E sem dúvida o exprimiu incomodando. Sim, efeti-vamente, sua maneira de exprimi-lo foi tão exasperante que, salvo uma pessoa, todosa ignoraram. O pranto de um bebê é também incômodo. Mas ele carece de outralinguagem para informar sua mãe do que sua vida depende: "Diagnostiquei que algoem mim vai mal e precisa de remédio, mas sem teu auxílio ainda não sei nem o que é,nem como se cura. O que sei, por minha dotação constitutiva, é que meu choro con-tém a capacidade potencial de te convocar em meu auxílio". A linguagem é um ato adois. Toma-se linguagem, quando se encontra com a linguagem daquele que escuta.O amor matemal, segundo García Marquez - "Essa amizade que se desenvolve coma criação do filho" -, contém, por sua vez, em seus mandatos de ADN, o instintomatemal e, como parte dele, o de cura. Ele a guiará ao encontro do diagnóstico etratamento adequados do padecimento de seu bebê. Estimo que a pulsionalidade emjogo, motor para a colocação em marcha do exercício espontâneo da função psicana-lítica, da prática dos estilos complementares e do operar inconsciente com as funçõessuplementares, deverá ser enc,ontrada em instâncias radicadas nas porções inconsci-ente do ego de cada sujeito. E fácil reconhecer seu parentesco próximo com a mãecuradora que apresentei anteÍiormente. Será função da psicanálise limpar de obstácu-los o acionamento de sua potencialidade curativa. Vale novamente recordar Freud,citando para modelizar o sentido íntimo da cura psicanalítica, o refrão capturado porele no consultório de um cirurgião: "Je le pansai, Dieu le guérif", algo assim como"Eu ponho as atâduras, Deus o cura".-É

importante destacar a escassa aparição do grupo operando em termos de pato-logização narcisística (grupo de pressuposto básico, por exemplo). Os organizadoresgrupais, trabalhados por R. Kâes, parecem operar nas equipes de psicanálise comparti-lhada como sustentação eficaz de sua taÌefa: curar-curar-se com o emprego do méto-do psicanalítico. O desenvolvimento de processos psicanalíticos em cada um de seusparticipantes paÍece garantido, desse modo, pelo reconhecimento, por parte do ana-lista:

. do desdobramento particular da função psicanalítica;

. das funções suplementares;

. das conseqüentes aptidões para a cura, de cada um dos pacientes.

O emprego desses aspectos específicos da técnica proporciona nutrição impres-cindível para o processo de narcisização trófica dos pacientes: considero esse passocomo uma passagem ineludível em todo processo psicanalítico encaminhado seriamen-te em direção à cura tanto em análise compartilhada como na análise individual. Empsicanálise compartilhada, é uma das explicações possíveis para o desdobramentoespontâneo e eficaz dos organizadores grupais mencionados.

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' N. d€ T. Dilo atÍibuído a Ambroise Pare. Agradeço à MaÍir

15Grupoterapia dasConfïgurações VincularesWALDEMAR JOSE FERNANDES

"InvestigaÍ a cesura; não o analista;não o anaìisando; não o inconsciente; não o conscienteinão a sanidade; não a insanidade.Mas a cesura, o vínculo, a sinapse,a (contratrans)ferência, o humoÍ transitivo-intransitivo"

Bion (1964)

Ao considerar o objetivo maior deste livro, que é mostrar como cada profissionaltrabalha em sua área, pretendo abordar apenas o mínimo de teoria e dar uma idéiapara os leitores a respeito das influências que tenho recebido durante os 25 anos emque venho trabalhando com grupos.

Minha primeira e mais importante influência vem do contato com BemardoBlay Neto, com quem tive 2 períodos de Psicoterapia Analítica de Grupo, num totalde 12 anos. Fui seu aluno no Instituto Sedes Sapientiae e no Instituto de Formação daSPPAG. Mais tarde, já seu amigo, tivemos oporhrnidade de escrever, em co-autoria,um trabalho que envolvia questões relativas à transferência e à contratransferência,incluindo aspectos vivenciados por ambos durante o tempo em que foi meu analista.Devo a Blay Neto, entre outras coisas, o estímulo à criatividade, o interesse pelosfenômenos ligados à comunicação e a falta de pressa para fazer interpretações.

Outra influência importante recebi de Manoel Munhoz, primeiro meu supervisore amigo; depois, colega de consultório e companheiro durante os 14 anos em quelecionamos na OSEC. Como lidar com os difíceis conceitos de Melanie Klein, Bion,ou com a interpretação psicanalítica dos mitos, de Paul Diel, de forma simples? Munhozerã capaz de passar informações para os alunos, como passou para mim, tão bemdigeridas, que imediatamente pareciam verossímeis. Os fatos ou acontecimentos dodia-a-dia do grupo eram muito valorizados por ele.

A terceira influência tenho recebido através dos contatos, infelizmente raros,mas muito ricos, de David Epelbaum Zimerman, que também tem a capacidade, comotinham Blay e Munhoz, de transcrever um assunto de certa complexidade de formatal, que passa a ter maior possibilidade de compreensão. Isso se deve a anos de refle-

A!Íadeço à Marina Durând e BeatÍiz Silverio Femandes a leitura prévia e as sugestões pâm â elaboração final deste capítulo.

154 . ,-r*nae* a oso*to

xão e de preocupação com a comunicação clara, ao contrário de muitos, que conse-guem ser mais complicados que o autor original do texto.

Vamos a algumas conceituações. Seria difícil, atualmente, tentarmos falar napsicanálise. Na verdade, há tantas psicanálises quanto pessoas ou entidades tentandÕdefini-las. Não podemos dizer que esta ou aquela é a certa, e uma ou outra, a errada.O objeto de conhecimento em psicanálise é a realidade psíquica - de si mesmo e dooutro. A busca da realidade psíquica é inerente ao ser humano (função psicanalíticada personalidade).

Atualmente há um movimento, de âmbito mundial, no sentido de se ampliar oestudo psicanalítico da grupalidade. Trata-se do que denominamos psicanálise dasconfigurações vinculares, que é uma forma de organizar conhecimentos existentes ede abrir um campo de estudo com visão mais ampla a respeito da psicanálise, noterreno dos grupos, famílias, casris e instituições. E chamado também psicanálisedos vínculos.

Para mim, "vínculos são estruturas relacionais onde ocorre experiência emocio-nal entre duas ou mais pessoas ou partes da mesma pessoa; engloba a transferência ea contratransferência. Nessa estrutura ou espiìço, ocoÌÌem as articulações dos planosinter, intra e transubjetivos".

Para Bion, na experiência emocional ocorrida nos vínculos, podem existir trêsemoções básicas: conhecimento (vínculo K), entre um indivíduo que busca conhecerum objeto e um objeto que se presta a ser conhecido; amor (vínculo L), análogo aoanterior, mas referente ao amar e ser amado; e ódio (vínculo H). Zimerman acrescen-tou importante contribuição - o vínculo R, vínculo do reconhecimento (com relaçãoa si mesmo, do outro e ao outro).

Chamamos configurações vinculares à estrutura existente, quando há duas oumais pessoas em interação, como um casal com seu analista, por exemplo. Não deixan-do de lado o mundo intemo, no trabalho com as configurações vinculares valoriza-mos a presença do outro real externo, que pode ser um obstáculo ao ego, mas étambém necessária para sua evolução, já que o outro "não é um mero produto deprojeções, mas tem existência própria". Aqui reside a especificidade técnica dessaproposta.

Penso que cada elemento do grupo traz, dentro de si, seu grupo de referência,suas matrizes vinculares e o registÍo às diferentes formas de pertencer à grupalidade,em quejá se inscreveu. Sendo assim, cada indivíduo comparece à sessão grupal comsuas configurações mentais dinâmicas e mitos, enfim, com seu potencial para estabele-cer vínculos nos espaços inter e transubjetivos, a partir de sua intra-subjetividade.Esse conteúdo latente vai emergir na sessão grupal, em parte por necessidade pesso-al, mas também pela estimulação de estar agrupado, provocada principalmente peÌapresença específica daqueles companheiros de grupo, do terapeuta e sua técnica. Tudoisso ocorre no aqui-e-agora da sessão e depende das ressonâncias que esse encontroproduz, tendo a ver ainda com a história do grupo e a cultura.

Tal como faces da mesma moeda, o indivíduo e o gnrpo estão ali. Dependendode nossa visão, observaremos a predominância de um ou de outro aspecto.

MATERIAL CLÍNICO

Passarei ao relato de uma sessão grupal, apresentada sinteticamente. Foi omitida aépoca em que ocorreu, e os nomes das pessoas foram alterados. No relato, a numera-

çío - l, 2,3 e 4 - refere-se a certos momentos da sessão que utilizo para mostraÍcomo trabalho com grupos.

Trata-se de um grupo de 4 pessoas, que até 3 meses antes, estava com 5 pessoas.Lurdes, 42 anos, física, vida universitária, abandonou o grupo após 2 anos, alegandodificuldades com a distância de sua casa e o trânsito congestionado. Teve período de4 anos e meio no mesmo grupo, tempos atrás, no consultório anterior. Os atuais mem-bros do grupo são: Armando, 43 anos, empresário no setor de peças automobilísticas,há I ano e meio no grupo; Ana, 45 anos, é administradora, está há 8 anos no grupo;Cristie, 32 anos, formada em geografia, há 2 anos e meio no grupo; Mariana, 35 anos,fisioterapeuta, com 4 anos de participação no grupo.

Nessa sessão, Armando faltou sem avisar; esperávamos que tivesse voltado deviagem. Estão presentes Ana, Cristie e Mariana. Inicialmente, após breve silêncio(1), Ana fala sobre o dia de folga que conseguiu dias atrás.

(1) Tenho o hábito de aguardar alguma comunicação, verbal, ou não-verbal,desde que o silêncio não seja muito prolongado, ou muito pesado. Tais avalia-

ções, subjetivas, dependerão do grau de sintonia com que eu esteja trabalhandocom o gÌupo. Não há um limite numérico estabelecido para que eu consideremuito ou pouco. Por vezes, eu pergunto: O que se passa? Posso também fazeralgum comentário, do tipo: Estão um bocado sérios hoje... - Parecem pensa-tivos....E extremamente raro eu fazer uma interpretação a partir de uma únicacomunicação. Penso que poderia tirar o grupo de seu rumo.

Ana: "EnquarÌto os outros trabalhavam, fiquei passeando com uma amiga aposenta-da, visitamos algumas pessoas fizemos compras, vimos uma porção de lojas ealmoçamos. Foi uma delícia." (Cita que deve se aposentar em 10 meses.)

Cristie conta que seu trabalho temporário terminou. Pretende dar aulas, estáprocurando o que fazer.

Mariana está sem trabalhar, mantém maior contato com os filhos, está preten-dendo dar assessoria em casa mesmo. Lembra do emprego anterioç em que trabalha-va durante todo o dia. "Eu trabalhava como um camelo, preparava planilhas, tabelase mais uma papelada que depois ninguém usava, era horrível."

Todos comentam sobre o trabalho inútil, desgastante, como isso é desagradável,etc.

Ana conta que, com seus subordinados, costuma dar tarefas e depois verificarcomo as realizaram, que dificuldades tiveram. Costuma perguntar para eles se achamque as coisas ficaram bem feitas ou não e se precisa melhorar aqui ou ali. Eles gos-tam, sentem que estão trabalhando juntos e que o que é pedido para eles tem algumvalor.

Cristie tem observado que nas conversas com as pessoas às vezes "se empolga",quando conhece o assunto, "dando verdadeiras aulas"... lembra então que Marianafez o mesmo na sessão anterior com relação ao assunto postura, trazido por Ana(orientação). Passa a lembrar que ficou "horas" falando com o namorado, explicandopara ele uma porção de coisas, referentes à geografia. '?iquei contente por ver quenão sou tão ignorante."

Mariana: "Antes daquele emprego, dei aulas e treinamento numa clínica, mas achoque me preocupava mais em exibir como faz ia bem os exercícios e não tanto como aprendizado. Gostaria de trabalhar agora com outro espírito".

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156 . 7yspys1.1 d, 656p1s

C((2) O terapeuta compara os diferentes relatos: Mariana que trabalhou em duassituações - numa não era considerada; na outra se exibia (inclusive na sessão anterior); Ana, que se referiu a trabalhar juntos, considerando que a tarefâ tem valor. Pare-ce que necessitam de um atestado de que têm valor, um reasseguramento, ou "injeçãode ânimo". No caso de Cristie, com o namorado ("não é tão ignorante...") a injeçãode ânimo era auto-aplicada.

(2) É comum essa atitude de minha parte. Procuro estabelecer ponros conver-gentes, diferentes ou conflitantes, clarear as comunicações, facilitando as des-cobertas que poderão fazer a seguir, que, não necessariamente, serão semelhan-tes às minhas. Com freqüêncìa estão percorrendo caminhos diferentes do meu.Quando percebo isso e verifico que não os perturbei,/a zendo sábias interpreta-ções precoces,fico muito satisfeito. No caso citado, nesse momento eu pensavano vínculo do reconhecimento.

Passam a comentar sobre a necessidade de, por vezes, sentir o reconhecimentoalheio, lembram de sessões em que já haviam sentido tal coisa, com relação uns aosoutros e com relação ao terapeuta. As vezes exageram nisso, por insegurança, falta deconfiança em si, etc.

(Terapeuta * faltava pouco tempo....no silêncio ocorreram-me duas coisas: l" -Ana se aposentando e seguindo planos já relatados (vai se mudar para região distantee se casar), deixará o grupo. Não digo nada (3), mas penso que precisamos conversarsobre alta) 2" - Notei que a primeira observação sobre o dia de folga ficou semcomentários.

(3) Em situações como essa, parto do princípio de que, se a pessoa não falou arespeito durante toda a sessão e o resfo do grupo, incluindo o terapeuta, nadapercebeu, é porque, provavelmente, há um importante processo defensivo emcurso, que só deveria ser desmontado em outra ocasião, mas nunca no últimominuto da sessão. Com relação ao dia de folga, achei que poderia me referir aoassunto, mesmo no final.

Terapeuta: "Ana, quando você informou sobre o dia de folga, sua apÕsentadoria e tal,tinha alguma coisa em mente?"

Ana: "Sim, por um lado acho maravilhoso, pela liberdade, a folga..., por outro, éhonoroso, não sei como vai ser... tudo novo... apesar de que eu posso aÌTumaruma série de atividades novas..." (fala em tom choroso).

No último instante as outras duas participantes perguntam para Ana: "O quevocê prefere, o que você quer no momento?".

Ana: No momento é descansar, ficar sem fazer nada mesmo!"Terapeuta (4): Eu tambóm!" (rindo) "Vamos parando... que está na hora...!".

(4) Atitudes desse tipo, espontâneas, alguma brincadeira, etc., fazem parte demeu estiÌo de trabalho. GeraÌmente deixam o grupo mais aliviado, no sentido deque percebem que estão na presença de um ser humano e que, por pior queestejam as coisas, podemos conversar e tentar avançarjuntos.

coMo TRABALHAMOS coM cRUPoS . 157

COMENTÁRIOS FINÀIS

Tal como Odilon de Mello Franco Filho, acredito que o uso de referenciais psicana-líticos para abordar o grupo pode ser eficiente e permite elaborações psicanalíticasque necessariamente não serão idênticas às de uma análise clássica. São dois proces-sos de trabalho diferentes - a psicanálise individual e a psicanálise das configuraçõesvinculares. Os resultados também não serão os mesmos, ambos os processos sãoimperfeitos, mas poderão, eventuâlmente, seÍ complementares.

Acredito que nas psicoterapias grupais, assim como nas psicoterapias bipes-soais, muitas interpretações - e entre elas as mais importantes - têm de ser feitas apartir das reações emocionais do analista. Por exemplo, no mesmo gmpo citado, masem outra sessão, eu senti grande mal-estar. Não entendia o que estava sendo comunicado, sentindo-me paralisado. Após transcorrer mais da metade da sessão, veio àminha mente a imagem da Esfinge, mais um elemento para me perturbar! Achei quese relacionava com assuntos de viagem ao Egito, pirâmides, etc., até que me ocoreuo Enigma da Esfinge: "Decifra-me ou te devoro!". Disse então para eles: "Estive mesentindo quase que obrigado a lhes dizer alguma coisa, mas o fato é que nada clarome ocoreu. Tenho de tolerar essa falta de clareza, mas tenho dúvidas sobre comovocês estão se sentindo nesta situação". Ana diz: "Eu estava sentindo muita raiva(Armando - "eu idem") com relação a você, Waldemar. Até idéias de agredi-lo tivecomo se não quisesse nos ajudar. Tudo isso me deixou aflita...". No decorrer dosminutos finais, ficou confirmado que as reações emocionais que eu senti correspondiamà experiência emocional pela qual o gÍupo passava.

O que acabei de expor não significa que acredito que tudo o que passar pelacabeça do terapeuta deve ser dito, nem que qualquer reação emocional do terapeutaseja puramente produto de projeções dos membros do grupo. Interpretar deveria ser-vir para ajudar os membros do grupo a se perceberem, encontrarem novos caminhose amadurecerem. Infelizmente pode também ser usado para mostrar como o analistaé inteligente, sensível, erudito, poderoso, etc., o que é relativamente comum aconte-cer. Entendo, neste caso, que é fundamental podermos perceber o quanto estamostrabalhando em favor do desenvolvimento dos clientes, ou se o que estamos procu-rando é reforçar, narcisicamente, tendências caracteroló g icas di auto -sat i sfação.

Há alguns colegas que consideram verdadeira missão do psicoterapeuta inter-pretar o tempo todo; não é o meu caso. Mesmo interpretando pouco, ainda assim,muitas vezes atrapalhamos o desenvolvimento grupal, tirando o grupo de seu rumo.Nessas ocasiões, teria sido melhor ficar calado.

Blay Neto costumava lembrar, ironicamente, de colegas que em seu trabalhodavam magníficas interpretações e, quando os membros do grupo não captavam amensagem - discordando, argumentando contrariamente, etc.-diziam: "Isso é resistên-cia!".

Ao contrário do que poderíamos pensar, não é a resistência que nos impede deperceber o inconsciente. Na verdade, quando existe a resistência é que comprovamosa existência do inconsciente.

A questão dos silêncios no início, durante ou no final da sessão está diretamenterelacionada com a sensibilidade do terapeuta, o quanto está presente na sessão, quala natureza dos vínculos que estabeleceu com o grupo, etc. No fenômeno da transfe-rência-contratransferência, que é vincular, estabelecem-se papéis complementares,como mãe-filho, que não impoÍam por si só. O importante é a qualidade e a "força"ou a "fragilidade" do vínculo. Nem sempre silêncio é sinônimo de resistência. E nobinômio transfeÉncia-contratransfeÉncia que freqüentemente encontramos a luz.

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158 . zlraenvm a osonro

Não só no silêncio, mas durante todo o tempo da sessão, costumo estar atento àscomunicações não-verbais, como gestos e olhares, por exemplo. Entretanto, é no tomde voz que, com maior freqüência, encontro o matiz da experiência emocional queconfirma ou retifica a comunicação formal.Por exemplo, em certa sessão, Marianacomeçou a falar em tom pouco audível, relatando uma série de coisas que poderiamvir a acontecer. O grupo prestava atenção, fazia perguntas, mas o conteúdo das comu-nicações não era esclarecedor, até que ficou mais evidente que ela falava comvoz depessoa moribunda no leito de mone. Assim que isso foi apontado, toda a sessãopassou a se desenvolver em torno da sensação de, em muitas situações, sentirem quesão vítimas indefesas, num mundo mau. O fio da meada para poderem falar e pensara respeito disso foi o tom de voz

Compreendo transferência como o conjunto de emoções e conftgurações men-tais despertadas nos pacientes pela presença do analista. Na situação de grupo énecessário ampliar o conceito para as reações despertadas também pela presença dosoutros membros do grupo.

Em minha maneira de ver, seja o que for que o analista traga para a sessão, deveter alguma relação com o material discutido ou com as pessoas ali presentes. Sendoassim, prefiro conceituar contratransferência da seguinte forma: "E a totalidade dereações emocionais e atitudes conscientes e inconscientes que experimentamos comrelação à parte dos membros, ou ao grupo como um todo, inclusive frente à transferên-cia".

As transferências bipessoais estão baseadas na matiz vincula4 inÍrojetada apaÍir da relação do bebê com a mãe. As relações primitivas são sempre vividas numarede de outros e, no contexto psicoterapêutico, as relações poderão se apoiar nascomunicações que ocorrem na matriz de grupo, quer o tratamento ocorra numa situ-ação bipessoal ou grupal.

O rnaterial clínico apresentado neste capítulo foi discutido numa reunião científicado NESME, em que estavam presentes cerca de 20 participantes. Foi muito interessânteverificar como cada um captou aspectos diferentes e como, a partir das primeirasobservações dadas por colegas que possuem certo stdlrrj na instituição. novo grupopassou a existir, o grupo dos discutidores. O que fica evidente por esse relato é quemuitas óticas existiriam para analisar as sessões. Entretanto, só o analista, no calor dovínculo transferencial poderá trabalhar no aqui-e-agora. Outra questão é a daanalisabilidade em grupo. Qualquer pessoa poderia se beneficiar das grupoterapias?Talvez sim, embora tenhamos de respeitar as indicações e contra-indicações cláss!cas, porém, como tudo na vida, não de forma absoluta.

Alguém pode ter um bom desenvolvimento com um analista e não com outro,seja nos grupos ou não. Todos nós já tivemos a experiência de colocar um pacienteem grupo e ele manifestar comportamentos inusitados com relação ao que haviamostrado, até então, nos contatos bipessoais. Suponho que aspectos de sua persona-lidade até então ocultos puderam emergir amplamente apoiados no clima grupal, nosentido que Kaës relata em Elayage eI structuracion du psychisme.

Finalizando, faço alguns posicionamentos. O terapeuta de grupo necessita estarplenamente consciente de que não pode ceder à tentação do poder onipotente, ineren-te à sua função. Por outro lado, não pode tomar-se "simplesmente um outro pacientedo grupo".

Trabalhar com as configurações vinculares também implica a necessidade deconter, contratransferencialmente, cargas emocionais de irritação e desgosto quandosurgem comentários desfavoráveis sobre nosso comportamento, ou sobre nossa per-sonalidade, coisas que são inevitáveis em nosso trabalho.

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Além das projeções de fantasias onipotentes, o analista e os pacientes são pes-soas reais e como tais apresentam sempre algum relacionamento não-intemretável.

Seja como foç o foco de nossa atenção deve estar..no vínculo e não no indiví_duo. Vínculo que é um espaço, verdadeiro ponto de contato que, tal como o hífen,separa e une".

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1995.

T6Laboratório TerapêuticoFRANCISCO BAMISTA NETo

Os grupos de tempo prolongado, também conhecidos como maratona, laboratório derelagões humanas, grupos I e outros, podem ser considerados como uma experiên-cia importante na busca de novos métodos de ensino e aprendizagem, crescimento edesenvolvimento pessoal-

Vários tipos de experiências podem ser encontrados, cujo objetivo se centra naconduta, nos pensamentos e sentimentos dos paÍicipantes como base para a aprendiza-gem e o crescimento.

Os grupos Synanon, universidades livres e grupos espontâneos são exemplosde atividades que chegam a incluir medítação,yoga e grande quantidade de exercíci-os não-verbais que podem estar centrados na agressão, no amor, na inclusão, na rejei-ção e na competição.

O tempo varia entre um microlaboratório de quatro horas ou uma maratona dequaÍenta horas a um programa residencial de duas ou três semanas que compreendemais de cem horas com o mesmo grupo.

Um exemplo de laboratório são os grupos T (derivado de rrainin6). O gnpo sereúne durante muitas horas, e cada pessoa pode ampliar sua compreensão das forçasque definem a conduta individual e a atuação de gnrpos e organizações. Como opróprio nome diz, é uma forma de treinamento eficaz, onde as pessoas centradas emuma tarefa podem ter experiências pessoais enriquecedoras.

Entre os centros mais famosos na realização de laboratórios está Esalen, proprie-dade que ocupa c.inco hectares de terreno sobre o mar em Big Sur, costa oeste dosEstados Unidos. E um local onde se realizam séries contínuas de laboratórios, defini-do por Rodrigué ( 1983) como "um gigantesco circo psicodraÍÍÌ.ático de Três Pistas. . .".

O laboratório terapêutico tem por objetivo o tratamento de grupos ou de pessoasem gÍupo, e as pessoas podem teç em períodos muito cuÍos, experiências de relação,intimidade, apreço e crescimento, bem como disposição paÍa correr riscos, busca,descobrimento, apoio e aceitação.

O laboratório oferece a possibilidade de formar um grupo primário instantâneo,onde as pessoas terminam sabendo bastante sobre os demais, nascendo uma lealdadeassociada geralmente a amigos íntimos, velhos companheiros ou membros imediatosda famflia. Entre as finalidades, uma é desestruturaÍ os estereótipos habioais. Apesardas interpretações individuais e grupais que realizamos durante o tratamento de ori-entaçáo analítica, tende-se a criar certos papéis fixos entre os integrantes. O tratamentopsicanalítico pode criaÍ estas estruturas fixas defensivas, que permanecem inconscien-tes para ambos protagonistas, ou seja, terapeuta e paciente.

L62 r ztÀaeRì.{Á.Ì.,Ic osonlo

Relatando sua experiência em Esalen, Rodrigué (1983) diz: "Esalen pode serconsiderado um lugar ótimo para realizar um serviço completo, um psicosserviço.Mais que atualização, pensem na ameba que, depois de fomicar sozinha durante muitotempo, necessita da cópula genuína com outra ameba para rejuvenescer".

No grupo intensivo, a pessoa pode obter uma imagem clara de sua personalida-de, obtendo retroalimentação dos outros membros, em distintos momentos do desen-volvimento do grupo. Isso inclui a compreensão das igualdades e diferenças de estilocom os outros,

Para entender inteiramente o propósito e o funcionamento destes grupos é neces-sário que se tenha alguma experiência direta. Por mais que se leia ou até se veja emfilmes ou videoteipes, os acontecimentos e as experiências de cada grupo são únicose pessoais, de forma que somente a vivência permite compreendê-los na sua totalida-de.

Quando estamos selecionando pacientes de um grupo para participar de umlaboratório, e um paciente que nunca participou pergunta a outros que já participa-ram "Como é que é", após vários minutos de tentativas de explicação surge sempre aresposta: "Você precisa participar para saber como é que é".

O meu objetivo é procurar demonstrar a partir de minha experiência clínica detrabalho com grupos os princípios e o funcionamento básico de um laboratório tera-pêutico.

Tenho realizado laboratórios de final de semana, no máximo com 10pessoas,5homens e 5 mulheres, com idade entre 25 e 45 anos e carga hori4ria de aproximada-mente dezoito horas. Seleciono pacientes de um mesmo grupo terapêutico regular,incluindo pacientes de outros grupos, pacientes de psicoterapia individual, ou mes-mo pacientes que estejam se submetendo à psicoterapia com outro profissional.

Nunca aceito pacientes que não estejam se submetendo a um processo terapêu-tico. Se, por um lado, a pessoa se encontra entre outras a quem lhes impoÍa escutar,entender e oferecer ajuda, o laboratório pode criar ilusões e castelos de areia, bemcomo gerar tensões que podem levar a surtos psicóticos. Este é um cuidado que oterapeuta deve ter e estar atento a estas possibilidades, que inviabilizam a participa-ção de pessoas sem acompanhamento terapêutico em laboratórios.

As contra-indicações para um laboratório estão bem próximas às de umagrupoterapia regular, levando-se em conta que no laboratório estarão presentes ex-clusivamente pessoas de bom nível de adaptação neurótica. Não indico para partici-parpacientes com episódio atual depressivo, com transtomo fóbico ansioso, psicóticos,nem portadores de transtomo de personalidade e de comportamento.

Tenho trabalhado em co-terapia e uma única vez trabalhei sozinho, o que foisuficiente para privilegiar o trabalho com um ou mais colegas. Trabalhar com dois outr€s facilita a compreensão dos fenômenos grupais, não permitindo que o terapeuta seenvolva demasiadamente e não caia nas armadilhas que todo grupo geralmente cria.A presença de uma terceira pessoa facilita a compreensão e até a descoberta de pa-péis que se estruturam entre as defesas de pacientes e terapeutas. Apesar da minhaformação de base psicanalítica, fiz pârceria com terapeutas das mais diversas forma-ções, como bioenergética, holística, análise transacional e psicodramática.

Atualmente, tenho trabalhado apenas com colegas com afinidade de formação,em que pese ter considerado válidas as experiências com os outros, que proporciona-ram aos pacientes a oportunidade de se submeterem a outras técnicas, além da psica-nalítica.

Creio ser esse um ponto muito importante. Sabemos que a psicanálise não é oúnico caminho para as pessoas que necessitam de ajuda psicológica. Sabemos até o

coMo TRABALHAMoS coM cRUPos . 163

quão restritiva ela é, daí existirem pessoas que são analisáveis e outras que não são.Além da psicanálise, existem outras formas de ajudar as pessoas, cujas dificuldadesse centram no corpo ou mesmo aquelas que simpÌesmente foram submetidas a umsistema educativo que não tenha dado oportunidades para o descobrimento, explora-ção, conhecimento de si mesmo e das pessoas significativas na sua vida.

Se, por um lado, é muito importante entender e compreender as motivaçõesinconscientes do indivíduo, nem sempre a técnica psicanalítica isolada é o melhorinstrumento para a ajuda que o paciente está buscando. Durante o laboratório, usa-mos técnicas da análise transacional, do treinamento autógeno, corporais e principal-mente do psicodrama, procurando associar o entendimento psicanalítico com a teoriasistêmica.

A dramatização passa a ser um elemento passível de ser introduzido a qualquermomento durante o laboratório. Ela é utilizada para facilitar os emergentes naturais eespontâneos do funcionamento grupal. Usamos a dramatização quaardo as necessida-des de expressão e elaboração aparecem dentro do grupo e percebemos tais necessida-des e o clima propício a esta intervenção.

Psicanálise e psicodramajuntos são instrumentos muito eficazes em um labora-tório. Lebovici diz não haver contradição aÌguma entre a prática do psicodrama e acondução de uma cura psicanalítica e conclui: "A psicoterapia de expressão dramáti-ca não pode ser compreendida em todos os seus aspectos e em todas as suas implica-ções semusaros conceitos teóricos da técnica psicanalítica". Por outro lado, Pavlovskydiz que há um melhor entendimento dos supostos básicos de Bion quando se utilizaos modelos dramáticos para investigá-los. (Bouquet, Moccio, 1971)---p ,O labolatório tem como objetivo compreender e elaborar todos os emer&qnJesde uqa ç1periência humana. Os terapeutas se incluem nos exercícios grupais comuma atitude mais ativa, desempenhando os mais diversos papéis. Durante todo labora-tório, os terapeutas conversam entre si. No início dos trabalhos o grupo é comunica-do que isso ocorrerá e que, em alguns momentos, eles sairão para conversar sozinhos.Os terapeutas poderão ou não fazer as refeições com o gÍupo ou mesmo dormir namesma casa, dependendo das circunstâncias.

O local é escolhido de forma que possâ assegurar aos pacientes um mínimo deconforto e privacidade. Geralmente escolho uma casa ampla, com muitos cômodos,em algum lugar isolado ou de pouco movimento. Uma casa de veraneio, fora datemporada, por exemplo, que tenha uma cozinha equipada e com quartos que dêem oconforto necessário para os participantes. Outra possibilidade é um sítio ou uma fazen-oa.

Peço aos participantes que cheguem a uma determinada hora. Todos são instruí-dos para levarem roupa de cama e comida. Digo a cada um que leve o que quiser ouo que goste. Na maioria das vezes, quando há alguns participantes de um mesmogrupo, eles combinam entre si e levam provisões que imaginam ser o suficiente paratodos.

Eu e o(s) colega(s) com quem vou trabalhar chegamos trinta minutos antes epassamos a observar a chegada de cada um. Alguns chegam sozinhos, outros vêm emdupla. Esse é um momento muito impoÍtante. Eles estão chegando num local desco-nhecido, sabendo que vão conviver durante dois dias com pessoas que nunca viram.

A forma como eles se acomodam na casa, o quarto que escolhem, a maneiracomo se agrupam inicialmente, os que chegam primeiro e os últimos a chegar, todosesses elementos são indicativos que devem ser considerados.

Após todos estarem presentes, desde que não haja um âtraso significativo dealgum dos participantes, iniciamos nosso trabalho. Raramente pedimos que se apre-

164 . ztrlgnníÁ,ÌrÌ r osorro

sentem formalmente. Na maioria das vezes fazemos um exercício que facilite essaapresentação.

Um exemplo é pedir que cada um se apresente como um animal ou um objetocom que se ache parecido. No caso de solicitarmos a apresentação na forma de umanimal, por exemplo, pedimos aos pacientes, após a escolha, que reflitam durantealguns minutos sobre as características do animal escolhido. Em seguida, solicitamosque se posicionem na sala, ou local onde estivermos reunidos, como se fossem oanimal escolhido. Pedimos que, sem falar, passem a se movimentar até encontraremuma posição na qual se sintam adequados ou confortáveis. A partir desse momento,solicitamos que relatem como cada um percebeu o outro, procurando identificar oanimal escolhido.

A revelação das escolhas e a discussão sobre o assunto permite, logo no iníciodo laboratório, que a pessoa demonstre características pessoais que geralmente nãoaparecem nas apresentações formais, através de um conteúdo simbólico, reprcsenta-do pela sua escolha e a forma como se posicionou em relação ao grupo. Facilita aintegração grupal e fomece material para o trabalho a ser desenvolvido.

Um exercício que costumo fazer no primeiro dia é pedir aos paÍicipantes que sedeitem no chão, fiquem relaxados e, com os olhos fechados, imaginem-se dentro deum avião que vai fazer uma viagem muita longa, que imaginem um destino e umobjetivo para a viagem e que se atribuam um personagem que não o real. Esse exercí-cio pode nos indicar os objetivos de cada um em relação ao laboratório, o papel quecada um pretende desempenhar, ou mesmo como ele está se situando perante a vida.

A experiência pode definir-se como exploradora da situação presente de cadapaciente, principalmente pela sua maneira de aplicar-se à tarefa (entrar nojogo), bemcomo a exploração das projeções futuras.

A partir dos acontecimentos do primeiro dia, o laboratório vai se desenvolven-do, sempre baseado na reação dos componentes do grupo. Os exercícios são escolhi-dos de acordo com o momento do gÍupo, ou de algum entre os seus membros.

O início do segundo dia, após a primeira noite, sempre é muito enriquecedoqcom muito material para ser trabalhado. Após o trabalho da noite, as pessoas vãopreparar o jantar. A partir desse momento, estabelece-se uma série de situações, taiscomo quem vai cozinhaç quem vai determinar o que comer, quem vai lavar a louça eas panelas, etc. Tratando-se de um grupo de homens e mulheres, as decisões e ospapéis assumidos terminam refletindo o cotidiano de cada um, com suas submissões,frustrações, autoritarismo, preconceitos, controles, etc.

Em determinado laboratório, após a divisão dos quartos, quando todos já esta-vam instalados, duas pacientes verificaram que a água quente de sua suíte não estavafuncionando, então elas ocuparam o banheiro de um paciente solteiro, de 36 anos,bem-sucedido profissionalmente, que estava sozinho em outrâ suíte.

No dia seguinte, as duas mulheres contavam divertidas como tinham ficadoimpressionadas com a organização e a arrumação do quarto e das roupas do pacienteno armário, e que tinham tido a impressão dele ter ficado muito desconfortável coma presença delas em seu quaÍto, o que foi confirmado por ele próprio.

A partir desse relato, surgiu o material que nos possibilitou tratar os aspectoscontroladores e invasivos das duas pacientes, bem como a dificuldade do pacienteem dividir seu espaço, dificuldade esta que se reflete na sua impossibilidade de man-ter vínculos duradouros.

As oportunidades de aprendizagem e crescimento estão muito relacionadas coma possibilidade de trocas. Quanto mais intensa é a correspondência ao grupo, maisaberto está o indivíduo para compartir pensamentos sentimentos e para mostrar dife-

rentes facetas de si mesmo. Ao mesmo tempo, ele se mostra mais receptivo paraescutar as reações dos demais com um mínimo de distorção ou rejeição.

Durante determinado laboratório, um dos participantes, a quem chamaremosG., passou todo tempo dando opiniões e fazendo comentários acerca dâs observaçõesdos outros, mas nunca se referindo a si próprio, nem colocando seus sentimentos. Nofinal do último dia, após a manifestação de determinada pesso4 G. começou a fazerseus comentários, com cunho religioso e moralista. A medida que ia falando, os mem-bros do grupo (10) foram se retirando, ficando 3 ou 4 pessoas na sala. Após o retomodos que saíram, um deles, certamente representando o grupo, come{ou a falar, de-monstrandÕ toda sua indignação pela participação dele no laboÍatório, por suas idéi-as, considerando-o um "preconceihroso, machista, moralista e autoritiário".

Essa situação permitiu que se pudesse verificar os dois lados da moeda. Se, porum lado, serviu para que o indivíduo tomasse consciência da reação que provocavanas pessoas, quando se imaginava dono de uma única verdade, também serviu paraque os outros se dessem conta dadificuldade que tinham em conviver com os contrá-rios. A "porta-voz" do grupo em particular deu-se conta de quanto era intolerantecom as pessoas que pensavam diferente dela e como isso estava atrapalhando seurelacionamento familiar e profissional, principalmÈnte na função que exerce comoprofessora. Puderam ver que o que mais criticavam no outro também existia em simesmos, só que de forma diferente.

Algumas vezes, durante o laboratório, evitamos as interpretações, principal-mente transferenciais, que, ao invés de se tomarem operantes, termínam aumentandoa resistência.

As palavras, às vezes, estão a serviço das defesas e resistências do paciente.Uma paciente com grande resistência para participar dos exercícios propostos

rejeitava qualquer tipo de interpretação. Resolvemos utilizar um exercício náo-ver-bal, chamado "cabra cega". A paciente teve os seus olhos vendados, e um componen-te do grupo, escolhido por ela, levou-a paÍa passear, sem fâlar, mostrando os objetosque encontravam através do tato. Durante o exercício, apaciente ficou ansiosa, experi-mêntando muito desconforto. Após retomarem e f^zerem o relato da experiência, elapôde verbalizar o quanto era difícil confiar em alguém e, através das associações quesurgiram, identificar as possíveis origens da sua dificuldade.

O fenômeno resistência está presente no laboratório como em qualquer proces-so terapêutico, com suas múltiplas causas e formas. Como diz Zimerman (1993): "Ede fundamental importância a adequada compreensão e o manejo das resistênciasque, inevitavelmente, surgem em qualquer campo grupal; caso contrário, o grupo vaidesembocar em desistências ou numa estâgnação em impasses terapêuticos"-

No laboratório, como sugere Zimerman, é importânte saber distinguir "entre asresistências que são de obstrução sistemática e as que simplesmente são reveladorasde uma maneira de se proteger e ft.rncionar na vida".

Determinados paeientes, pelas suas características, resistem a revelar-se ou, po-deíamos dizer, "comprometer-se" durante os exercícios, de forma que somente noúltimo dia do laboratório, vencidos pelo cansaço, eles se entregam.

Assim aconteceu com o paciente G., a quem nos referimos anteriormente. Resistiudurante os dois primeiros dias. Suas intervenções resumiram-se em aconselhar aspessoas, e, como citado, com conteúdo moralista. Quase não participou dos exercíci-os propostos ou mesmo das atividades domésticas (momento em que os pacientes fica-vam sem os terapeutas, para preparar comida ou jogos, e conversas antes de do.rmir).

No último dia, domingo, próximo ao meio-dia, todos estavam exaustos. A exce-

ção deste paciente, tinham tido oportunidade de expor aspectos pessoais que foram

coMo rRABAr-,rAMos mv c*n"os . 165

166 . zr'rsnr,r,cx * osoRto

examinados pelo grupo. Iniciamos a avaliação do laboratório, quando um dos presen-tes manifestou seu incômodo com a participação de G. e decidimos fazer um últimoexercício. Colocamos todos os pacientes em pé, abraçados, e pedimos a G., que esta-va de fora, que ele tentasse entrar no meio da roda e solicitamos ao grupo que não odeixasse entrar, Após várias tentativas que levou quase todos a exaustão, ele conse-guiu entrar. Finalizado ,.r exercício e interrogado sobre como estava se sentindo, G.revelou o desconforto e a angústia que presenciou durante o laboratório e principal-mente naquele momento, quando pôde compartilhar com o grupo aspectos de suavida pessoal. Ficou claro para todos que seu comportamento durante os dias de convi-vência com o grupo expressava as mesmas dificuldades que experimentavano conví-vio com outras pessoas. O material surgido possibilitou ao paciente trabalhar em suaterapia individual questões que não tinham aparecido anteriormente.

Como em qualquer grupoterapia, também nos laboratórios terapêuticos é possí-vel o surgimento de actings.' A seleção dos pacientes e o enquadre do grupo, namaioria das vezes, são suficientes para evitar o aparecimento de "atuações", mas nemsempre isso é possível. Certa feita, num laboratório, em que pese a proibição do usode bebidas alcóolicas, um paciente, vasculhando os armários da casa, descobriu pe-quena quantidade de bebida.

Na última noite, quando muitos pacientes estavam mobilizados pelo trabalho,ele convidou as pessoas a beberem. Todos aceitaram, e alguns chegaram a sair dacasa para comprzu mais bebida (os terapeutas estavam ausentes). Após o ocorrido,fizeram um pacto de silêncio.

No dia seguinte, último do laboratório, o nível de ansiedade do grupo estavabem abaixo do que habitualmente ocoÍÌe, com poucos pacientes mobilizados para otrabalho. Os terapeutas estranharam a situação, mas nada foi revelado. O fato só foitrazido nas sessões posteriores de grupo ou individual. Entendemos o acontecidocomo umâ atuação do grupo, onde esteve presente "ódio e revide" (Zimerman, 1993),principalmente por parte do paciente que ofereceu a bebida e que encontrou recepti-vidade no grupo, que necessitava aliviar a ansiedade existente. No caso em questão,o paciente apresentava sentimentos de inveja e competição muito intensos, que seexpressaram através de um acting maligno, com uma conduta destrutiva.

Os resultados de um laboratório não são mágicos, as pessoas não vão obternenhuma cura milagrosa.

Imediatamente, após a realização de um laboratório, as pessoas em geral sereferem à experiência como "fantástica", "maravilhosa", atribuindolhe a responsa-bilidade pela resolução de uma série de dificuldades. É sempre freqüente, após umlaboratório ou quando da sua avaliação, um paciente dizer:

"Aprendi mais sobre mim mesmo emum fim de semana do que havia aprendidocom você em 4 anos".

Com o passar do tempo, verifica-se que o ganho efetivo com a experiência estáno maior conhecimento do seu estilo pessoal, na capacidade de mover-se com umsentido maior de autodireção e o tipo de relação que gostaria de estabelecer comoutras Pessoas.

Em relação ao trabalho terapêutico, o laboratório funciona como facilitador nodesarme das amarras presentes em um processo prolongado, mobilizando o pacienteou o gÌupo em aspectos até então não-revelados. Concluo com Bion (1970): 'Exis-tem características nos indivíduos cujo significado só pode ser entendido se compre-

' Ácting-ort: conduta que se processa como substituta de sentimentos que não se manifestâm no conscienle.

coMo TRABALHAMoS colr Cnupos r 167

ende que se constituem partes do seu equipamento como um animal grupal: e o fun-cionamento desses aspectos só pode ser percebido ao se observar o indivíduo dentrodo grupo".

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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AiÍes: PÍoteo, l97l.MASSERMAN, J. CÍecimiento personal mediante experiencias de grupo intensivo, ln: Tecnicas

teraDeuticas, Buenos Aires: Paidós. 1974.RODRIbUÉ, E. Á liçao de Ondina.Rio de Janeiro: Imago, 1983.ZIMERMAN, D. Fundornentos básicos das grupoterapias. Pono Alegre: Artes Médicas, 1993.

17PsicodramaNEDÍO SEMINOTII

O leitor a quem é destinado este capítulo é o estudante e o terapeuta de grupoterapiaou coordenador de grupos operativos que têm motivação e disponibilidade, mzìs pou-ca experiência com técnicas psicodramáticas ou psicodrama, necessitando de funda-mentos essenciais e algumas recomendações úteis para que a dramatização não sejaapenÍrs uma representâção teatral ou, por outro lado, um mero estímulo para atuação.De posse desses fundamentos e com pequenas, mas necessi4rias modificações nasestratégias e táticas do método, pode-se aplicá-lo na terapia familiar (Seixas, 1992),nos gmpos operativos e mesmo na terapia individual verbal. (Seminotti, 1994; Moccio,1980) Guiado por esse objetivo, não abordo alguns determinados conceitos da teoriae técnica psicodramática. Ao leitor que desejar uma leitura mais ampla e profunda,faço indicação de bibliografia sobre teoria e técnica psicodramática. (Aguiar, 1988;Almeida, 1982; Gonçalves, 1988)

Em minha prática de ensino é freqüente a indagação sobre os pressupostos quenorteiam o trabalho psicodramático em grupos. Acho oportunÕ, por isso, esclarecerpreviamente que: a seleção e a composição do grupo seguem os critérios usuais dagrupoterapia; tenho uma compreensão dinâmica dos fenômenos grupais, nos quais osggnferídos inçonscientes, as fantasias, as identificações, os papéis, a transferência,etc., são levados em consideração; não uso compulsória e exclusivamente a metodo-logia psicodramática (a psicanalítica é usada rotineiramente também); as individuali-dades e a gmpalidade são entendidas dentro de uma "totalidade dinâmica", significandoque as individualidades, a grupalidade e as relações sociais reproduzidas no campognrpal são compreendidas dinamicamente; o psicodrama é umapsicot€rapia de insigÀt.

Status Nascendí. lnicialmente, toma-se necessária a menção de aspútóS histó-ricos, filosóficos e de conceitos fundamentais do psicodrama, a sua descrição alémda devida definição.

Jacob l-evy Moreno (1889-1974), médico, foi seguidor e líder do movimentofilosófico existencial que se propuúa a uma vida baseada na autenticidade, não levan-do em conta os limites da arte e ciência vigentes. Filiava-se, na religião judaica, aohassidismo, cuja noção de Deus propunha uma relação horizontal com o homem.Essas idéias o inspiravam significativamente na criação doteatm espontâneo, chamadode,pois psìcodramn Ele foi contempoúneo de Freud, em Viena, onde desenvolveualguns trabalhos significativos até a sua ida para os Estados Unidos em 1925. Entreesses destaco um trabalho de sociod.ramae orÍro de psicodranw mencionados sistema-ticamente na bibliografia da obra de Moreno. Tais ensaios são marcoS referenciais nahistória do sociodrama e do psicodrama. (Marineau, 1989)

170 . ZMERMÂN & osoRlo

Moreno reuniu num teatro pessoas da comunidade, políticos e autoridades, coma proposta de debater a falta dc Ìiderança na Austriiì do pós-guerra. Propôs numteatro, onde no palco havia um trono, uma coroa e um manto de púrpura, que alguémdo público exercesse a liderança e se entronizasse na cadeiriì do rei, configurando oseu papel. O público, não acostumado a esse tipo de teatro, e Moreno, aìnda semdominar a sua técnica com segurança, determinaram que aquela proposta não se reali-zasse, gerando frustração e vaias. A noite foi um fracasso. No entanto, esse episódiomarcou o nascimento do sociodrirma, método que aborda as relações intragrupais,intergrupais e ideoÌogias coletivas.

A descobeÍa do psicodrama como método de vaÌor terapêutico ocorÍeu duranteo trabalho com Barbara e os conflitos com Jorge, seu marido. Em 1922, Moreno faziaparte de um grupo de teatro que tinha como objetivo representar espontaneamentetemas do cotidiano. As notícias diárias eram redramatizadas no teatro. Barbara erauma das atrizes do grupo. Ela representava rotineiramente, com bom desempenho,papéis "ingênuos, heróicos e românticos".

Apaixonou-se por um homem da platéia, que a assistia rotineiramente, na primeirafila, com grandc entusiasmo. Jorge a admirava, surgindo daí um romance e logo ocasamento. Não demorou muito o marido veio a Moreno e lhe disse: "Aquele sersuave, angélico, que vocês todos admiram, âge como criatura endemoniada quandoestá â sós comigo". Numa noite, Moreno interrompeu Barbara em seu desempenhonaqueles papéis suaves e propôs que ela representâsse o papel de uma prostituta que,segundo a notícia que acabara de chegar, havia sido assassinada por um de seus ho-mens num bairro pobre de Viena. Para surpresa geral, ela teve um grande desempe-nho no personagem da prostituta, dando aos presentes a sensação de realìdade. Opasso seguinte, na descobeÍta do teatro terapêutico, foi a subida de Jorge para o pal-co, passando de espectador para ator, contracenando com sua esposa nos temas docotidiano, no qual estavam também Íepresentadas cenas do cotidiano deles comocasaÌ.

Aos poucos se acrescentou, na representação, aspectos da famflia de ambos,determinando nos espectadores uma repercussão e mobilização mais significativa,segundo diziam os espectadores a Moreno, após o espetáculo. (Moreno, 1972)

Vemos aqui como o scnpt dá lugar ao espontâneo para que ele determine o atorna representação dranuitícu. Assim ficam personificados e encenados os conteúdoshumanos significativos do indivíduo em relação com o mundo.

METODOLOGIA PSICODRAMÁTICA

São fundamentais, para a realização da sessão de psicodrama, a observação das etu-pas, instrumentos, contexto e técnicas básicas, com seus desdobramentos, os quaisestarei a seguir definindo. (Aguiar, 1988; Bermúdez, 1970)

A sessão é dividida em três etapas: aquecimento inespecífico e específico, dra-matização (ou representação dramática - RD) e compartilhamento.

Aquecimento inespecífico. E um procedimento ptra mobilização de ansieda-des necessárias (não em demasia, nem de menos), para expressão e definição deprocessos e produtos significativos grupais.

Se, por hipótese, o terapeuta (T) ou coordenador (C) de grupo elege a metodologiapsicodramática, ele necessìta propor ações de aquecimento. Para isso, precisa lançar

COMO'I'RÂBÂLI'AÌ!{O5 COM ARUPOS . 171

mão dos chamados iniciadores: físicos, mentais e sociais. Incluo ainda os inìciadoresexpressivos, os quais podem ser enquadrados em qualquer das denominações.

Iniciadores físicos. Com este procedimento estimula-se e privilegia-se, nas pes-soas agrupadas, a comunicação e a expressão não-verbal. As pessoas são convidadasa abandonar a expressão verbal em benefício de outras formas (corporal, pré-verbal,etc.). Os grupos de crianças têm multiexpressividade natural, assim como os de adoles-centes, embora não tão pronunciada. Os de ãdultos, no entanto, precisam de orienta-

ção e estímulo para abandonarem as formas mais elevadas de expressão. Um tipo deatividade iniciadora, que não exige do terapeuta ou do coordenador treinamento mai-or, é sugerir ao grupo que suprima a expressão verbal (isso produz ansiedade e talvezexija que se insista para que façam silêncio) e, ficando imóveis, observem a suapostura corporal (como estão sentados, onde estão as mãos, onde estão olhando, se éconfoÍável a posição ou não, eventuais contraturas ou dores), o lugar que ocupam nasala e que se indaguem sobre ele (próximos e/ou distantes de quem) sempre em silên-cio. Um próximo passo, para os terapeutas ou coordenadores que se sentem maisseguros, já que isso vai gerar mais ansiedade no gÍupo como um todo, inclusive nocoordenador, é propor gue todos se levantem e façam pesquisa corporal enquantocaminham em silêncio. E comum nesses exercícios a manifestação de conteúdos men-tais regressivos: as pessoas têm a sensação de ser um bando de loucos ou de crianças.Aquilo que estáregistrâdo na memória corporal é reativado, trazendo conteúdos signi-ficativos para análise.

Iniciaìlores mentais.É o procedimento natural, principalmente nos grupos deadolescentes ou de adultos. As pessoas vão falando, e o coordenador ou terapeutabusca aquilo que é o denominador comum. Pode emergir daí a cena para representa-

ção dramática. Basta que se dê atenção às cenas do relato verbal e, como procedi-mento complementar, esclareça-se bem a cena, o cenário, o tema, os papéis e as suasrelações. Uma alternativa de iniciador mental é o estímulo para que falem sobre al-gum tema específico.

Inicindores sociaís. É a designação dada aos temas sociais (contexto social)que despertam ansiedades e produzem, nos grupos, discussão ou polêmica. São exem-plos os temas políticos, do gênero sexual, da comunidade ou de hábitos pessoais.

Exemplo: um grupo terapêutico discute com muita mobilização as tarefas dohomem e da mulher na vida atual. O terapeuta, vendo que esse tema social tem signi-ficação na grupalidade, tanto entre os pacientes do grupo e destes com o terapeuta,sugere que as pessoas abandonem o debate e tentem identificar, no cotidiano, ascenas próprias de cada gênero sexual. A seguir, as pessoas são estimuladas a comuni-car as cenas visualizadas e eleger algumas que caracterizam melhor o que é própriode cada gênero. Foram escolhidos para representação dramática as cenas femininasde matemidade, bem como "do clube", do gênero masculino. Sucintamente, as cenascontinham o seguinte: matemidade - um grupo de mães esperando os filhos na saídadojardim de infância onde o tema circulante é a relação mãe-filho. O clima é agradá-vel. As mães falam da gratificação que os filhos lhes dão. Clube - os homens reuni-dos em clima de festa falam das mulheres (as outras), de futebol e política e, por fim,de terem que ir para casa, o que os desagrada muito.

Essas cenas foram representadas dramaticamente, Ievando o grupo à reflexão e àressignificação das peculiaridades próprias dos papéis femininos e masculinos.

172 r z[vrenv.{r a osonro

Inicitdores expressivos. São formas altemativas de expressão, que facilitam amanifestação e o conhecimento de aspectos desconhecidos de si mesmo e dos outros,favorecendo a empatia- Também percebe-se a altemância de papéis e suas configura-ções, além de estimulaÍ a expressão do lúdico. Entre eles, estão as expressões gráfi-cas: desenhos individuais ou coletivos; plásticos: moldagem, colagem; corporais:mímico, teatral, imagens pliísticas; literários: leitura ou produção de textos. (Moccio,l98o)

Aquecimento especíÍico. Identificado o material ciÌculante no grupo, encamÈnha-se para a representação dramática. O aquecimento específico é um procedimentopreparatório para representação dramática dos temas já mobilizados e identificadosno aquecimento inespecífico que agora são canalizadas para a cena. A cena aconteceem um certo cenário, contém papéis ou personagens e suas relações, e circula entreeles um determinado tema ou foco principal. A observância desses elementos auxiliapara que se evite, na dramatização, a atuação, ou seja, a simples descarga motora quepoderá ser estimulada naturalmente pela ação e interação cênica. Se, por hipótese, otema é de configuração edípica, ficam definidos os personagens da cena, as suasrelações. Se é obseÍvado também o cenário, teremos todos, no grupo, o conhecimen-to de contomos e âncora dessa cena, comum na vida e de conhecimento geral. Estesfundamentos dão seguftrnça para a espontaneidade e a responsabilidade com a onto ea filogenia deste conflito humano cenarizado. Assim, como o tema ou foco são elemen-tos determinantes e dão limites de segurança para a dramatização e não paÌa a atua-ção, poderão dar esta mesma segurança a cena (de opressão, por exemplo), os papéise suas relações (de medo). De modo geral, um deles sugere os demais, dehnindo comcontomos claros os elementos da dramatização.

Quando o grupo for operativo, o cuidado deve ser o mesmo, seja na relaçãoensino-aprendizagem, dos grupos de ensino ou a relação funcional nos gmpos detreinamento na organização. Nestes, é comum que a relação de poder deteÍmine mui-tas ansiedades e a pulsão agressiva do empregado busque descarga no empregador.Nas cenas em que se dramatiza esta relação, o diretor de cena, por identificação comos personagens, poderá atuar estimulando ou apenas permitindo a atuação. No finaldo capítulo, faço recomendações paÍa evitar a atuação.

Além da necessidade da definição daqueles elementos básicos, o diretor (D)deve auxiliar o gmpo para que ele os visualize. E mister, também, definir se o prota-gonista (Pr) é o grupo ou um indivíduo dele. No primeiro caso será o psicodramapropriamente dito. Se é o grupo o protagonistâ, será um sociodrama.

Relembrando os pressupostos, tenho em relação ao gÍupo uma compreensãodinâmica levando em conta a grupalidade e a individualidade em suas relações recí-procas de compromisso. O protagonista individual é o emergente ou Íepresentânte dogrupo e, portânto, se temporaÍiamente for dada atenção à sua veÍticalidade, isso se faráatentos à horizontalidade grupal e à verticalidade dos demais do gmpo.

A escolha do protagonista é sempre referida pelos alunos como sendo uma tare-fa difícil. Acho que tão difícil quanto achar o denominador comum no grupo é enten-der dinamicamente alguma ansiedade grupal e fazer uma inteÍpretação verbal, sejaela transferencial ou outra forma de intervenção, próprias do enquadre psicanalítico.O protagonista" seja o indivíduo ou o grupo, será o emergente grupal.

Dramatizar as ansiedades da grupalidade é a minha recomendação em geral,pois seu manejo é mais fácil. Além disso, evita o risco de transformaÌ o protâgonistâno depositário das ansiedades indesejáveis no grupo e dá mais segurança ao diretor.

COMO'IÏABALHAMOS COM CRUPOS . 173

Em paÍicular, o sociodrama'é recomendável nos grupos terapêuticos em suas fasesiniciais, quando a individualidade ainda não tem lugar seguro e, em geral, nos gÍuposoperativos, em qualquer momento. Tanto num quanto noutro ocorre a emergência doprotagonista individual, fenômeno nâtural da grupalidade, e o diretor tem a responsa-bilidade de evitar que ele se ofereça como objeto de projeções maciças excludentes.Sugiro que se tome o fato como indicador da dinâmica daquele gnrpo, que se definao protagonista e a cena e que ela seja dramatizada por todos, isto é, a cena individualpírssa a ser do grupo. O protagonista já deu a sua contribuição trazendo a sua cena, otema e o ceniírio principal. O restante do gmpo faú os papéis, cenarizando. O prota-gonista ficaÍá fora da cena, vendo-a se desenrolar, usando-se para isso uma varianteda técnìca do espelho.

Exemplo: num grupo de ensino cujo objetivo é aprender sobre relações huma-nas, um aluno apresenta como exemplo pâÍa estudo a sua relação amorosa. Todos orecebem bem. O diretorrelembra o grupo dos objetivos e sugere que a cena amorosa,jábem definida em seu tema, seja tomada emprestada e cenarizada, respeitando-se oselementos básicos trazidos por aquele aluno, mas agora tendo seu desenvolvimentodeterminado pela criatividade e espontaneidade daqueles que passaram a desempe-nhar papéis na cena.

Nos grupo operativos é recomendável que se pratique a chamada dramatizaçãotemática. O grupo elege um tema, como, por exemplo, a resistência à mudança, edefine os personagens envolvidos nele, cenário, papéis e relações. Assim se tem umacena coletiva, na qual as pessoas podem exercitar-se nos diferentes personagens quea compõem.

Quando se trata de grupo terapêutico e esse já tem uma certa maturidade, ascenas individuais, sem esquecer os seus significados na grupalidade, podem ser dra-matizadas com segurança.

Dramatização. Escolhido o protagonista (Pr) e a cena, o diretor (D) se ocuparáda preparação específica para a dramatização, começando com o cenário, ou o localonde ocorreu a cena, quândo se trata de cenas de realidade, isto é, que de fato ocorre-ram, ou, quando são cenas imaginiárias, criando o cenário imaginariamente. Configu-rar-se-à aqui o "como se" do psicodrama, espaço onde se personificam objetos erelações do mundo intemo e extemo e personagens reais ou imaginários, no "aqui-e-agora"-

Uma pessoa de 35 anos, que será chamada Claudia, tÍaz ao grupo terapêuticoum conflito que está vivendo com sua irmã mais velha. Diz estar incomodada comessa irmã" que, segundo ela, é cada vez mais metida e mandona nas questões famili-ares. "Agora", diz ela, "até na relação com o meu marido. O meu marido sempregostou de conversar com ela e eu não me impoÍo. Agora, querer dar opinião lá emcasa é demais. Ela sempre foi assim".

T.: "Semore foi assim?!"Pr.: "É, sernpre. Eu lembro que lá na casa do pai era assim também".

Faz um pequeno silêncio, dando sinais que está entregue a fragmentos de lern-branças.

' Não deve ser confundido com um teste sociorútrico abÍeviado e mal abÍeviado. ãDlicado rotineiÍamente nas escolâs. (Bustos.t979)

174 r zltusnt*eN & osoRlo

T.: "Tu estás lembrando de alguma cena significâtiva?"Pr.: "Não, nada assim que eu me lembrel (...) (silêncio com tensão)".T.: "Estás visualizando algum momento em que tua irmã agiu assim?"

Quando estimuladas e ajudadas, as pessoas dão-se conta de que estão lembran-do de cenas específicas, onde o conflito é vivido, e são capazes de descrevêlas comprecisão (com sua precisão, é claro), permitindo que todos "vejam" a cena. A cena,como o sonho, tem características de condensação.

Pr.: "Uma vez, não sei porque isso me marcou, eu me lembro que tava o pai e ela, umna frente do outro, conversando. Eles sempre, quer dizer, não sei se sempre (...),conversavam. Eta já maior. Bem maior que eu (...)".

T.: "Descreve a cena que estás visualizando".Pr.: "E na cozinha. Ela e o pai estão de frente um pra o outro, e eu estou ao lado do

pai".

A paciente dá sinais de que está muito envolvida com aquela cena. O terapeutajulga que, naquela cena, estão condensados aspectos importantes da história e caráterdaquela paciente e fenômenos transferenciais significativos daquele momento grupal:

T.: "Vamos dramatizar essa cena?"

Antes de dar prosseguimento ao proposto, são necessiários e oportunos a men-

ção e o exame de algumas questões metodológicas e recomendações úteis.Considerando a teoria da técnica psicodramática, pressupõe-se que esta pacien-

te, sendo protagonista (Pr), protagonizará ou representará a dinâmica grupal. Ametodologiado psicodrama permite que, temporariamente, as atenções do grupo todo,e especialmente do terapeuta, sejam dadas a um indivíduo do grupo. Não se trata deterapia de uma pessoa em grupo. Como disse, ela é emergente grupal, e veremos, norelato do desenvolvimento da cena, o tratamento técnico dado para dar continência aessa questão.

O terapeuta, no exercício da tarefa de dramatizar cenas, chama-se diretor (D) eassim o designarei daqui para frente.

O diretor e a protagonista levantar-se-ão e irão paÍa o centro do grupo, concre-tizando o chamado contexto dramático ou "como se". Ele tem regras próprias, haven-do um relaxamento das regras que atrelam a pessoa humana aos determinismos: soci-ais, genéticos, temporais, etc. No 'tomo se", quem é do gênero masculino poderáexperienciar o feminino. A temporalidade nele, como na lógica do inconscientefreudiano, não se cinge ao cronológico. A representação cênica transcende o tempo.As emoções e os sintomas são personificados e, tornando-se personagens, passam ainteragir na cena (sintoma contracena com a pessoa que se queixa dele, por exem-plo). Chamo a atenção para a ocorrência, contexto, de uma regressão parcial e tempo-riíria, que facilite a experiência, o lúdico e o criativo.

D.: "A cozinha poderia ser aqui?"Pr.: "Poderia...... digamos que aqui seria a porta que dí para a sala e lá a área de

serviço. A mesa aqui".D.: "O que mais tem de impoÍante aqui na cozinha?"Pr.: "Não sei porque, mas esse quadro aqui, nessa parede (apontando sobre a mesa),

sempre me chama atenção. E a sagrada família...(pequeno silêncio). Ali em cima

coMo TRABALHAMOS coM cRUPos . 175

da geladeira, a TV pequena que o pai vê as notícias ...que eu não gosto .... sempretem que ficar quieta. Não falar alto, pra ele ouvir uma notícia".

Imaginariamente (eventualmente, pode-se colocar algum objeto, mas não é ne-cessário) todos os elementos daquela cozinha são dispostos na sala do grupo, delimi-tando o contexto psicodramático. Quando se tem o cuidado de fazer com que todosdo grupo visualizem claramente o cenário que está montado no grupo e que o respei-tem como se concretamente ali estivesse (ninguém pode passar aonde existe umamesa), é o suficiente para circunscrevê-lo.

D.: "E a mesa como é?"Pr.: "Pequena, para 4 ou 5 pessoas".D.: "Com cadeiras ou outro...".Pr.: "5 cadeiras. O pai senta aqui. É o seu lugar".D.: "De frente para a TV?"Pr.: "E... os outros não têm muito lugar fixo. A minha irmã está na frente do pai, e eu,

do lado (referindo-se à cena em questão)".D.: "Que dia e hora é agora que vocês estão aqui sentados?"Pr.: "Acho que é sábado. E no café da manhã. São mais ou menos t horas".

Este cuidado facilita o aquecimento da protagonista, do terapeuta e do restantedo grupo.

Essa é uma cena da realidade. Se for imaginária, é indispensável também adefinição clara. Mesmo que às vezes haja recusa em, imaginariamente, concretizar ocenário, é desejável que o diretor faça um investimento para que se visu alize o cenâ-rio virnral. O diretor não deve negligenciar esta questão e os demais procedimentos,para não correr o risco de tomar a representação dramática uma mera teatralização,despida da dramaticidade.

Ato contínuo, o diretor (D) fará o aquecimento específico dos personagens queencenarão,

Vamos dar continuidade à representação dramática.

D.: "Qual a tua idade, agora, aqui nesta cozinha?"Pr.: "Acho que tenho 5 anos mais ou menos".D.: "Tu és pequeninha então?"Pr.: "Sou".D.: "E a tua irmã é maior, não é?"Pr.:"É, elajá tem uns l0 anos, fala tudo com o pai".D.: "Vocês agora estão, neste sábado, no café da manhã, estão os três: tu, tua irmã teu

pai".

O diretor (D) e a protagonista (Pr) olham para o cenário imaginário construídono "como se".

D.: "Tu do lado do pai. Perto ou longe?"Pr.: "Estou um pouco perto. Virada pra ele.D.: "Estás vendo a cena, não é!? Senta no

aqui nesta mesa",

Olhando ele falar com a mana".teu lugar, no lugar que tu estás te vendo

176 . zr',renv,qx a osonro

Ela, então, senta-se em seu lugar e expressa corporalmente, através da postura,olhar e expressão facial, que está em cena. O momento no grupo todo é de silêncio eatenção. O diretor deve estâr atento àqueles que não estão na cena, para certificar-seque, de fato, quem está em cena protagoniza o grupo. Se não estiver, o gÍupo sedispersa, ou dará outros sinais indicadores.

A protagonista está envolvida com sua intimidade dramática. O diretor pedeque "pense alto". Ele está usando a tácnica do solilóquio, de modo geral recomendá-vel quando percek-se que a pessoa, em cena, está voltada paÍa dentÍo, geralmenteenvolvida com fragmentos significativos de sua história. Para respeitar a sua privaci-dade e dar maior dramaticidade à cena, o diretor geralmente sugere que bâixe a cabe-ça e pense âlto em sinal de recolhimento, e assegura que ninguém a ouve, dando aentender a todos que o dito nesta condição não será considerado no diálogo eventualque venha a acontecer.

"A mana é boa em tudo. Ela faz tudo melhor que nós."(Solilóquio da protagonista)

Pr.: "Não sei o que fazer pra que o pai me olhe". (Falando com o diretor.)

Ao final da frase a expressão facial, que era amaÍga, fica alegre e sedutora.

D.: "Vamos experimentar o lugar do pai e da mana. Chama alguém para fazer o teupapel".

Pr.: "4 Joana". (Colega de grupo a qual é a representante maior, na história dessegrupo, da agressividade.)

Esta questão é importante como veremos no andamento da cena-A escolha dos elementos do grupo que desempenharão os papéis nas cenas deve

ser sempre do protagonista, propiciando que a rede de identificações inconscientesou as relações co-inconscientes (Moreno) tenham lugar e continência na representa-ção dramática. Inconscientemente, a protagonista dá sinais de que sua agÍessividadepode ser realizada em cena, quando escolhe Joana para repÍesenLála.

Joana entra no lugar de protagonista, e o diretor tem cuidado de fazer com queJoana, como ego auxiliar, adote a mesma postura e expressões corporais, pois elascontêm e expressam a memória corporal, filo e ontogenética, do desenvolvimentohumano.

Esse procedimento facilita também o ego auxiliar na tomada de papel e lhe dábase para criar sobre ele, sem abandonar a sua autenticidade.

Por definição, o ego auxiliar é a pessoa a quem o protagonista ou diretor desig-nam papéis, para representá-los em cena. O ego auxiliar profissional é aquele desem-penhado porum técnico que, em alguns grupos, existe especificamente para esse fim.Em outros, o diretor faz esse papel quando os colegas de grupo, por conflitos pesso-ais, não conseguem interagir com o protagonista conforme a dramaticidade exige. Asvezes, em papéis agressivos, outros sedutores ficam vedados ao paciente. Quandoisso acontece, devem ser considerados no processo terapêutico, mas na cena é melhorque se os substitua pelos que conseguem representar com a dramaticidade exigível.

Joana senta no lugar da protagonista.

D.: "Qual o papel que vais fazer agora2" (Dirigindo-se à protagonista.)Pr.: "Do nai".

COMO'TRAtsALHÂMOS COM GRUPOS . 177

D.: "Senta no lugar dele, então".

Já no papel do pai, a protagonista olha para onde, imaginariamente, está a filhamais velha e não para a menor Desta ela fica a dois palmos, ao lado, deixando verque a atenção dada, nesse momento, é para a mais velha.

Não parece necessário, ao diretor, todo o procedimento do aquecimento do pro-tagonista para o papel do pai. O aquecimento neste momento da dramatização já ésuficientemente bom e se manterá na seqüência da representação dramática. No en-tanto, se for necessário, isto é, se a protagonista não âssume o papel, é preciso adotaro mesmo procedimento descrito quando se preparou a protagonista para cena.

D.: "Como é o seu nome?" (Dirigindo-se à protagonista, no lugar do pai, ajudando afazer o papel.)

Pr.: "Adão".D.: "O Sr. está com suas filhas, neste sábado, no café. Isto é rotina aos sábados.

Vocês se reúnem. O Sr. com suas filhas?"Pr.:"É... durante a semana tenho pouco tempo para a família. No sábado elas sabem

que o pai está à mão e então essas duas, principalmente, que são muito agarradascomigo, vêm tomar café juntos".

D.: "O Sr. tem outros filhos?"Pr.: "Mais duas gurias, entre estas duas".

Definido o papel, o diretor a interrompe, pede que saia do papel e que escolhaalguém_para fazer o papel dele e que vá para o lugar, na mesa, destinado à irmã maisvelha. E significativa a escolha de Paulo para o papel do pai, o qual é considerado,pela protagonista, o "paizão" do grupo. A protagonista,já no papel do pai, é entrevis-tada pelo diretor para que se conheça o scrlpl básico do papel na cena.

A protagonista, no papel da irmã mais velha, revela na sua expressão facial umcerto incômodo com a irmã e diz: "Venho conversar com o pai, mas essa aí, que écheia dos ciúmes e muito mimada, fica miando pro pai".

Fala de maneira enfática e clara, causando risos no grupo. Também porque, nopapel da irmã, esta paciente destaca algumas caracteÍísticas suas bem conhecidas dogrupo.

O diretor tem o mesmo procedimento anterior e pede para chamar alguém parasubstituí-la e desempenhar o papel da irmã. Para esse papel convida Angela. Elasempre quer análises profundas racionalizadas. Busca para isso o apoio do terapeuta.

O cenário, a cena, os papéis com seus Jcr?ts básicos, assim como as relaçõesestão definidos e compreendidos. As pessoas convidadas para desempenhar papéis,em cena, constituem um grupo familiar, no "como se", concretizando a dramática deum indivíduo do grupo, a protagonista. Essa dramática tem um correspondente nasrelações grupais, como podemos ver nas escolhas que a protagonista faz para repre-sentar as pessoas de sua família. A distribuição de papéis no grupo, incluindo o doterapeuta, oferece outrâ hipótese para análise respaldada na configuração edípica eque poderia ser objeto de interpretação transferencial. A multiplicidade de vérticesde interpretação abrange a verticalidade dos indivíduos e a horizontalidade grupal.Na vida comum de cada um do grupo, essas cenas fazem parte do cotidiano e de suashistórias. Todas foram e são atores nestas cenas, ocupando ora um ora outro papel, eem alguns com mais freqüência do que em outros, porém sempre fazendo parte darelação, numa co-ação, co-experiência e co-existência, na linguagem moreniana, cons-tituindo a matriz de identidarl:, na qual o ato é uma unidade composta por papéis

178 . zlrrnr.aex a osonto

complementares. Estes pressupostos autorizam o diretor a permitir que os persona-gens, conhecendo e reconhecendo os elementos básicos de cada papel (fala, postura,expressão corporal), possam, dentro destes limites, representar espontaneamente,ancorados em suas experiências pessoais, as quais são também universais.

A repres.:ntação dramática propriamente dita será agoÍa Íe lizada. A protago-nista inicia em seu papel. Os demais são desempenhados por colegas do grupo (egoauxiliares) já definidos para eles. A seguir serão rela.tados os fragmentos principaisda representação dramática.

O pai e sua filha mais velha conversam sobre o colégio desta. A protagonistatenta, com seu sorriso, atrair a atenção do pai. Quando olha, no entanto, para a irmã,tem um olhar frio. Em seu papel, na cena, comunica-se e relaciona-se quase sempreatravés do não-verbal. Enquanto o pai conversa com sua irmã sobre aspectos do colé-gio dela, a protagonista vai aproximando-se do pai, busca o seu olhar, depois toca emseu braço com discrição, e, nessa progressão, acaba enfiando-se entre os seus braçose por fim o abraça, revelando nessa condição uma cara de triunfo sobre a irmã, aquem agora olha com ar de desdém.

Prossegue-se a cena e, em seu andamento, oferece-se à protagonista a troca depapéis (sendo a irmã e o pai), propiciando-lhe a experiência própria de cada um dospapéis e a complementaridade da relação.

A protagonista sai do seu papel, substituída pela pessoa que havia sido escolhida por ela (Joana). Propõe-se a experienciar o papel do pai. Neste, age naturâlmente,acolhendo a filha que busca o contato físico, abraçando-a discretamente ao mesmotempo que conversa com a outra filha. Entrevistada pelo diretor no papel de pai, aprotagonista diz: "As duas são muito agarradas comigo, gosto de conversar com afilha mais velha, pois fico sabendo como está no colégio. A pequena é ciumenta e mequer só para ela".

Entrevistar o protagonista é uma estratégia que permite conhecer a reflexão ecomparáJa com a ação e, quando necessário, manter o aquecimento para a dramatização. Neste caso específico, preparáJa para tomar o papel do pai e assim possibili-taÌ a inversão que veremos adiante.

No papel de irmã mostra-se hostil com a protagonista e diz: "É falsa, mimada,fica se fazendo", etc.

Volta ao seu papel, mantendo-se dentro das características que já havia definido.

O diretor pede que Joana fique ao lado da protagonista e que desempenhe opapel livremente sem se restringir à caracterização dada e desempenhada pela prota-gonista. Com esta designação, Joana passa a ser um duplo da protagonista. Ela podese guiar pelo que a cena despeÍa, e assim mostra-se irritada com a atenção divididado pai, entre ela e a irmã. Aos poucos começa a protestar e dizer ao pai que ele sósabe conversar coma a irmã, acrescentando, depois, ataques verbais a essa, que semostra estudiosa e interessada no colégio, só porque sabe que o pai vai elogiáJa. Asua expressão é de náusea. A protagonista fica atenta ao desempenho do seu duplo(como um dublê), tendo em seguida expressões de concordância com o mesmo, logoapós muda a sua expressão facial, mostrando-se irada e, pela primeira vez, usa aexpressão verbal para dialogar com o pai e a irmã.

A função do duplo é principalmente a de ajudar a protagonista a desempenharpapéis psicodramáticos que por seus conflitos não consegue fazêlo. O diretor,relembremos, pressupôs que, quando a protagonista escolheu Joana, desejava ex-pressar sentimentos hostís na relação com o pai.

coMo TRABALHAÀ{oS corrr cnupos r 179

IItI

. A protagonista em cena passa a ter expressões verbais e corporais agressivas,::.-ti""^"::.:^lr:

de palavras para com o pai, inesperadas no grupo, considerando ospapers amlstosos, melgos e sedutores que sempre assumiu nele.

Pr.: "Tu não dá bola pra mim, pai, só quer conversar com a Rosa. F-ica com ela então,''"tua queridinha' Tudo é a Rosa: como estuda, ... como os cademos dela sãoamrmadinhos ...". Vira-se então para a irmã Rosa e diz: ,,Sua falsa, diz pra ele Àque tu fala dele que ele é pão duio, tu acha nojenro o jeito Jele comer,,.^

.Qyanag l protagonista começa a silenciar, o diretor propõe a ela que tome opapel do pai. Joana é instruída para fazer o paper nesra úitima forma, ó assim elarepete as expressões verbais e corporais agressivas. A protâgonista, _""a" p"ì, "^cena se mostra compreensiva e tolerante com aquela condutida filha nao pàla'suaexpressão verbal, mas pela corporal

_ Aqui te^mos a inversão de papel, que permite vivenciar o outro extremo da rela-ção, personificando objetos e vínõr.rlosintèmos e externos, seja nas relações amoro-sas, de trabalho, familiares, etc.

-Ocupar o lugar do ort.o, ,io ."laçao,'de.enuoiu"

invariavelmente a empatia e a melhorìompree-nsão do outio.,. A protagonista volta ao seu papel, e o diretor lhe pergunta se tem algo mais adizer.

Pr.: "Não. Lavei a alma',. (soniso franco.)

- - O dire.to:plopõe então que se encerre a dramatização. Cada um retoma ao con_texto grupal. E sinal que acaba o .,como se".

Compartilhamento. Ao diretorcabe conrinuar dirigindo; quero dizer que, comono aquecimento e na drama(ização. ele é execuror da .ãtoaoioju.Neste momento. às vezes, as pessoas querem falar da unãlir" qo" fizeram dacena e do protagonista. euando são, no enìanto, estimuladas a faUr aaqrito queexperienciam, das lembranças e cenls reativadas, .orponiinoà u. suas vivências.Registro a seguir as principais manifesraçòes no Ëo-puniihu."nto.

Pr.: "Me senti meio estranha, brigando com o pai. Eu estou lembrando agora que elecom meus filhos é meio impaciente, acha que filho incomoda, que não tem quedar muita bola ...". Continui a protagonista: -C"." puiìqu_oo estive no papeldo pai), eu não dei muira bolá paã minha filha. Achei fu.

"ru ,. ataque deciúmes normal de criança. euando eu comecei a Urigar lom o pai, fiquei umpouco assustada. Depois fiquei aliviada.'.

Joana. Eu rive muiro ódio da Ràsa (irmã). euando Claudia ficava melosa, eu fiqueicom raiva dela também.Paulo (que fez o papel do pai) "Na cena, no início, eu me senti dividido e pressionado

para dar atenção mais a uma ou outra. euando a Claudiu." *,ngou, achei natu_ral, não esquentei".

Outras pessoas do grupo:

- "Lembrei dos.meus filhos quando me pedem atenção e a gentê não quer ser injus_to como o Dai".

180 . zMERMAN & osoRlo

- "Me vi ali na pele da Claudia. Com o meu pai tem muito disso. Não sei, às vezesfiquei do lado do pai."

Aqui se encerra a tarefa do terapeuta ou coordenador como diretor. Os fenôme-nos significativos das pessoas agrupadas serão interpretados e terão um encaminhamen-to determinado pelos objetivos e referencial teórico do terapeuta/coordenador, sejaele psicanalítico, humanista, pedagógico ou organizacional.

RECOMENDAçOES FINAIS

No aquecimento

Sintetizo alguns cuidados fundamentais, já mencionados, que facilitam o compro-misso dramático das Dessoas em cena:

Não descuide de qualquer dos procedimentos de aquecimento descritos (visualizea cena do relato verbal, identifique e defina o cenário, o tema, os papéis e asrelações).Contrate adramatização quando se trata de umprocedimento de intervenção grupaldesconhecido até então.Tome a iniciativa de levantar-se, abandonando a cadeira ou outro lugar em queesteja sentado. Essa postura é mais própria do pensar e analisar, estar de pé é daação (ego experiencial). Estimule o grupo a fazer o mesmo.Dramatize somente após estar seguro de que todos tenham clareza dos elementosfundamentais da cena.Aqueça especificamente os personagens no "como se". Se abandonam a identidadeprópria e se atribuem papéis imaginários, estes devem ser bem caracterizados(nome, idade, sexo, profissão e até câráter).

Na dramatização

Os cuidados descritos a seguir têm preocupação principal de evitar a atuação em cena(Pavlovsky, 1975):

"como se" é "aqui-e-agora", ajude o grupo a se manter na fantasia, depois do seuingresso nela, falando e agindo de acordo com essa circunstância. Exemplo: umgrupo caracteriza-se como alienígenas invadindo a terra. O diretor fala com eles,chamando-os pelo nome de extraterrestres.Delimite o contexto dramático, diferenciando-o do grupal. Use para isso algumtipo de sinal, indicador da mudança de contexto: objetos, som, luz, etc. Assegure-se de que o grupo todo conheça e respeite esses limites.As cenas podem ser curtas. Elas, mesmo assim, produzem e expressam conteú-dos significativos grupais e individuais.Não deixe que, em cena, crie-se confusão. Quando todos no grupo estão dramatizando (sociodrama), isso pode acontecer. Ponha foco em subgrupos altemados,ficando os demais paralisados. Lentifique os movimentos quando o grupo estáagitado, podendo ser essa lentificação uma sucessão de fotografias, entremeadas

( 'O}IO IRABÀLHÀTIOS COTI CRUPOS . I81

de palavras (solilóquio) que serão reflexões sobre a ação. Ofereça imagens pÌásticas(esculturas ou fotografias), para conter e simbolizar a ação. Impeça os movimen-tos de certas partes do corpo (braços cruzados.... dejoelhos.... passos limitados).Ainda no sociodrama, se alguém não quer participarda dramatização, é importanteque seja respeitado e que, durante a dramatizaçáo, se for possível, seja-lhe dadoum papel que o inclua no exercício dramático.Principalmente nas cenas (psicodrama), estimule a platéia a identificar cenas doseu cotidiano que contenham relações equivalentes às do protagonista, e, se possÉvel, na sessão em andamento ou noutra, represente-as dramaticamente. Esse prÕ-cedimento ajuda a simbolizar e evita a projeção maciça no protagonista.Essas cenas identificadas podem ser cenarizadas ou apenas compartilhadas.O contato físico pode ser invasivo e/ou abusivo. Fique atento aos limites daspessoas e, se for necessário, ofereça objetos que as substituam para contatos edescargas motoras.Se a pulsão está mobilizada e na iminência da descarga motora, use o solilóquio,o espelho (substitua o protagonista e coloque-o vendo a cena), a inversão depapel, para que tenha a noção da conseqüência. Exemplo: um paciente diz tervontade de estrangular sua mulher. Encena-se o seu desejo. Enquanto se dirige aela, representado por um ego auxiliaç pede-se que fale sobre o significado daque-le ato.

No compartilhamento

Nesta etapa é indispensável que as pessoas do grupo compartilhem o vivido durantea dramatização. Cabe ao diretor, como já explicado, estimulálas a fazer isso. A tare-fa dele, também nesta última etapa, é executar a metodologia psicodramática.

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PARTE 3Prática comGrupos Especiais

18Grupoterapia compacientes somáticos:25 anos de experiênciaJULIO DE MELLO FILHO

O estudo das influências psíquicas nas doenças somíticas recebeu o nome depsicossomática, acrescentando-se depois os fatores sociais: sócio-psicossomático. Pro-curava-se assim alcançar uma visão abrangente, totaÌizadora, da doença e do doente,por extensão. A psicologia médica, designação mais atual, procurou estudar a psico-logia da doença, a da relação-médico-paciente e das práticas de saúde em geral. Tudoisso redunda no campo da psicologìa médica, aberto a qualquer especialidade ouprática de saúde, onde se estudam várias intervenções psicoterápicas ou de ensino, opsicanalista, o especialista, o especialista psiquiatra ou qualquer outro profissionalnão-médico participante da saúde.

Este treìnamento de profissionais que vìsa ao manejo de aspectos psicológicosdo paciente privilegiou, entretanto, até aqui as abordagens individuais, até porquemuito pouco se ensina sobre técnicas grupais em nossos cqntros de medicina e psico-logia. Assim, temos um gap muito grande entre as necessidades de um paciente crô-nico, grave ou muito ansioso, incluindo seus problemas de família e as pespectivas deum atendimento psicológico voltado para a realidade, principalmente se levarmos emconta as vantagens de um atendimento grupal, quase nunca realizado por falta deinformação ou de preparo técnico. Na medicina, sobretudo, assistimos à tentativa deaplicação de técnicas individuais a instituições grupais em nossos hospitais. Assim,ensinamos técnicas de abordagem de clínica privada, de dupla médico-paciente, eminstituições de grupo, tais como ambulatórios, hospitais e todos os outros centroscoletivos de práticas de saúde, como são nossas instituições hoje em dia. Uma exce-ção honrosa a tudo isso é o serviço social, onde profissionais humanos aprendemcedo e com profundidade as regras do funcionamento grupal, e são treinados paracoordenar grupos onde olestablis hn?ur?Í médico permitir.

Nos hospitais da rede pública ouarivada há muitos tipos de grupo em funcio-namento, principalmente nas áreas de diagnóstico (discussão de caso em equipe) oude administração (reuniões de sÍdJïe demais membros de um serviço). Todavìa, issonão é feito com conhecimento de aspectos de dinâmica grupal, nem há reflexão sobreo que está sendo feito ou que outros caminhos poderiam ser tomados.

No campo de psicologia médica os recursos grupais propiciaram um enormecÍescimento. As reuniões em grupo sempre foram praticadas desde os primeiros tem-

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pos da psicossomática, principalmente quando se começou a trabalhar em hospitaisde ensino (Alexander) e se necessitou da colaboração de vários especialistas, parapoder discutir qualquer caso com rigor científico e visão multidisciplinar. Balint,sobretudo, foi muito feliz ao instituir grupos com médicos generalistas que atendiampacientes do sistema de saúde de Londres, os quais reuniam semanalmente em pe-quenos grupos, mantendo-se os mesmos. Ele também estudou os médicos como umainstituição grupal. Depois do seu falecimento, o grupo que continuou seu trabalho,também em equipe, estudou os fatores terapêuticos mais relevantes numa consultamédica comum (seis minutos para e pac., Enid Balint). Diga-se, a bem da verdade,que Balint não tinha formação em grupos e que todo seu trabalho foi feito basicamen-te com criatividade e intuição.

As práticas de psicologia médica são calcadas em processos grupais, emboramuito pouco tenha se escrito a esse respeito até hoje. Assim, a interconsultaê. pÍatica-da em pequenos grupos, bem como são grupais as reuniões de equipe baseadas empráticas reflexivas. Grupos com pacientes somáticos são realizados em um númerocada vez maior. Todavia, ainda são muito poucos em relação às necessidades psicoló-gicas desses pacientes e diante dos resultados positivos que se pode obter com suaprática. Ademais, pouco se conhece sobre seu funcionamento e alcance nas classesmédica e psicológica, inclusive. Em função desse aspecto, serão tais grupos motivomaior deste trabalho.

Ainda dirigíamos o Setor de Psicossomática da disciplina de Clínica Médica daUFRJ (Serviço do prof. Lopes Pontes) quando, em tomo de 1970, junto com AmauryQueiroz, decidimos nos reunir semanalmente com os pacientes internados no servi-ço. Essas reuniões, que visavam a discutir vários problemas ligados à intemação e àdoença destes pacientes hospitalizados, estabilizaram-se e foram institucionalizadas.Mais tarde, no Hospital do Fundão, participamos de um trabalho com familiares depacientes, supervisionando grupalmente assistentes sociais que funcionavam comoorientadoras destas famílias diante da intemação dos pacientes. O enfoque aqui eramas situações de ansiedade, dúvidas e perplexidade.

No HUPE - Hospital Universitário Pedro Emesto -esse trabalho teve continuida-de, desde 1980, e tivemos a oportunidade de organizar, coordenar ou supervisionargrupos em enfermarias ou ambulatórios em várias áreas; crianças internadas, adultosintemados, adolescentes (idem), cardiopatas (idem), cardiopatas em recuperação (am-bulatório), hemodializador (enfermaria), grávidas cardiopatas (ambulatórios), crian-ças diabéticas e seus pais (ambulatório), homossexuais portadores de AIDS (ambulató-rio), portadores de câncer de mama mastectomizadas (ambulatório), grupos hetero-gêneos (várias patologias), grupos de hanseníase (ambulatório, grupos de pacientescom DBPOC (ambulatório), grupos de hemofílicos (ambulatório), grupo de trans-plantados e doadores (ambulatório).

Desde 1975 conheço Eugênio Campos, terapeuta de grupo como eu e tambémvoltado para uma prática psicossomática, pelo que iniciamos vários planos e pesqui-sas em comum, incluindo o trabalho com gÍupos de pacientes somáticos. Sendo as-sim, seguirei neste capítulo as idéias expostas por nós, separadamente, nas duaspublicações que resumem o que vem sendo feito neste sentido em nosso meio. Sãoelas: Grupos com pacientes sonttiticos, Mello Filho, 1986, e O paciente somótico nogrupo terapêutico, Paes Campos, 1992.

Este campo é muito novo no Brasil e fora dele, pois ainda há poucas publica-

ções e trabalhos práticos a respeito. Mas, sem dúvida, constitui-se na prática grupalde maior alcance, pois abrange praticamente todo o terreno dos doentes somáticos e

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oferece oportunidade para outros profissionais, não-especialistas, participarem'. Serámesmo uma oportunidade, penso, para que a psicoterapia de grupo possa sair doestado de estagnação e desconhecimento no qual, absurdamente, há anos se encontra.

T{ISTÓRICO

Curiosamente, a psicoterapia grupal como prática começou com um trabalho de gru-po com pacientes somáticos, embora, por muito tempo, esse tipo de abordagem fossedesconhecido e, portanto, não praticado, nem estudado.

Atribui-se o início das práticas terapêuticas grupais a Pratt, um fisiologista deBoston que, sem qualquer formação psicológica, começou a ministrar aulas especiaispara pacientes tuberculosos, em turmas de 20. Tais pacientes eram egressos de umamesma enfermaria, e as aulas eram seguidas de discussões, onde eram debatidosvários temas, como a dieta, a alta, a vida fora do hospital. Assim se refere entre nósDavid Zimmermann sobre o trabalho de Pratt: "Partiu da observação de convívio depacientes tuberculosos... verificando que entre os mesmos se estabeleciam reaçõesemocionais que tomavam os pacientes mais animados. Isso o inspirou a reun!los emaulas semanais para administrarlhes um curso... Nestas aulas, discutia a âtitude dosdoentes em face de infecção tuberculosa, em relação aos familiares e amigos; compa-rava as várias maneiras de se defrontarem com a doença; dava conselhos e esperançade cura. As reuniões eram consideradas proveitosas porque, invariavelmente, os pacien-tes melhoravam: tornavam-se otimistas e mais corajosos. Mais tarde, ele empregouesta técnica com outros pacientes crônicos: cardíacos, diabéticos e psiconeuróticos".

Na técnica de Pratt funcionava principalmente a sugestão e a exortação. Erauma técnica dita pelo grupo, isto é, que funcionava através do grupo, sem incluirumavisão compreensiva da psicodinâmica do paciente e do processo grupal.

Um passo muito importante no estabelecimento de técnicas psicoteriápicas grupaiscom pacientes psíquicos ou orgânicos foi o trabalho dos Alcoólatras Anônimos (AA)iniciado em 1935 porum médico (alcoólatra) e um corretor de imóveis. Esse tipo degrupo funciona âté os tempos atuais, com muito sucesso, sendo a única terapia queoferece uma perspectiva real ao universo dos alcoólatras. A técnica tem em comumcom o caso dos pacientes somáticos: serem patologias crônicas com inúmeras difi-culdades de recuperação; basearem-se no apoio e numa atuação eventual superegóica;poderem atuar no lastro familiar do paciente; estes pacientes costumam ser aditos aalguma coisa (tóxicos, medicamentos, aquinas, pessoas, religiões)-

Depois do trabalho de Pratt, que ficou desconhecido por muitas décadas, a psi-coterapia grupal ficou silente por muitos anos e só surgiu como um trabalho estruturado,para neuróticos e psicóticos, nos últimos 30 anos, a partir de psicanalistas ingleses eamericanos, sobretudo (Foulkes, Bion, Slavson, Ezricl, Wolff, Schwartzman). NaAmérica Latina, este tipo de abordagem foi lançado por Grinberg, Lamger e Rodrigué,que, todavia, como os demais pioneiros do movimento, praticamente não se refer!ram a grupos com pacientes somáticos. Também no Brasil, Walderedo Ismael deOliveira e David Zimmermann, pioneiros no Rio de Janeiro ePorto Alegre, Íespectiva-mente, tão trabalharam com grupos de pacientes somáticos - Zimmermann, como sepode vêi em seu importante livro sobre Psìcoterapia analítica grapal, divulgou o

' O ideâl mesmo, penso eu, é que neste tipo de tmbâlho o grupo seja coordenado por uma dupla em co-terapia, formada peloespecialista psi e por um clíoico conhecedor dâs mãzelas do corpo destes doentes.

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trabalho de Pratt. Já o grupo de São Paulo, formado por analistas de grupo com umsólido enclave na psicossomática (Helladit Capisano, Luiz Miller de Paiva, NelsonPaes e Oscar Rezende de Lima), trabalhou com grupos de pacientes somáticos e vemdivulgando este enfoque, que envolve a psicanálise (individual e grupal) e a visãopsicossomática numa prática comum e integrada.

As publicações sobre grupoterapia com pacientes somáticos, com exceção dealguns trabalhos esparsos, surgiram mais consistentemente nas duas últimas décadas,nos Estados Unidos, principalmente, mas são ainda muito pouco significativas para aimportância do tema, ao nosso ver. Levando-se em conta a estrutura alexitímica departe destes pacientes (com pouca resposta à psicoterapia, portanto) e o pouco tempode que se dispõe, ambulatorialmente, para uma abordagem individual destes, agrupoterapia se impõem como prática de atendimento para muitos pacientes, comuma série de problemas de relacionamento, familiares, institucionais, além da difícilconvivência com a doença de que são portadores. Esta dificuldade do encontro comuma terapia que é uma importante altemativa para enfermidades comuns na práticamédica se explica também pelo relativo desconhecimento entre profissionais de saú-de do que são as técnicas grupais, seus resultados, suas perspectivas sociais.

Em nosso meio, fomos os primeiros a divulgar esse tipo de trabalho, em 1976,no Rio de Janeiro, trabalhando com pacientes de um serviço de clínica médica. De-pois, Eugênio Paes Campos divulgou sua experiência em pacientes ambulatoriais eintemados, em Teresópoìis. Atualmente, no Rio de Janeiro, desenvolvem-se traba-lhos em grupos com pacientes somáticos no Hospital do Fundão, Santa Casa de Mi-sericórdia, Lagoa e outros. Também em São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba e PortoAlegre são feitos vários desses trabalhos envolvendo pacientes portadores de AIDS,cânceq cardiopatas cinirgicos, entre outros, os quais, todavia, se divulgados em con-gressos de psicologia médica, são ainda muito pouco publicados.

O PACIENTE SOMÁTICO

---2 Paciente somático é aquele que descreve ou apresenta uma alteração de sua estruturaanatômica ou funções fisiológicas. Queixa-se do corpo através de dor, dormência,cansaço, náuseas, vômitos, hipertensão arterial, úlcerapéptica, edemas, etc. CeÍamen-te, a origens dos sintomas será de natureza diversa: agentes físicos, químicos, biológi-cos, psíquicos ou sociaìs poderão estar na gênese dessas manifestações. Todos, nãoobstante, serão pacientes somáticos.

Caberia distinguir nesse universo aqueles que, de um modo ou de outro, tives-sem os agentes psíquicos presentes (e, assim, sucetíveis deuma intervenção psicológi-ca). De um dado ângulo, todos trazem a marca psicológica, pois todos se queixam.Reclamam de algo em seu corpo que não vai bem, o que apresenta sempre uma poten-cial ameaça à integridade do indivíduo. Sentir-se doente constitui uma "ferida narcí-sica" no dizerde Otelo Correa dos Santos (1986). Há, portanto, uma gama ds sentimen-tos (de angústias) despertados pelo sentir-se doente. Ao falar em "sentir-se doente",fizemos uma distinção evidencìável pelos meios habituais de diagnósticos. Sentir-sedoente é se queixar de algo sem que qualquer lesão ou disfunção seja evidenciada.Paradoxalmente, algumas pessoas estão doentes sem se sentirem doentes, enquantooutras se sentem doen(es sem estarem doentes.

Quem se sente doente pode ou não estar doente. Na prática médica, freqüente-mente encontramos pessoas que trazem queixas físicas sem que se evidencie qual-quer anomalia corporal. Dizem as estatísticas que de um a dois terços dos pacientes

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que procuram ambulatórios médicos ou serviços de emergência encontram-se nessacategoria. Afinal, o que têm? De que padecem? Parece que as razões psicológicasocupam lugar de destaque. São manifestações hipocondríacas, histéricas ou, generica-mente, somatizações.

Entretanto, há os que se sentem doentes e estão doentes. Também esses podemter Íazões psicológicas influenciando seu estado físico. Os estudos de Slye sobreestresse e síndrome geral de adaptação, a neurofisiologia, a psicoendocrinologia e apsico-himunologia têm descrito, de modo cada vez mais específico, os caminhospercorridos desde o sistema nervoso central até os vários órgãos e tecidos. Finalmen-te, há os que estão doentes e não se sentem doentes. O que ocorreria com eles? Esta-riam negando a doença? Provavelmente sim, e essa negação é um fato psicológico.

Concluímos que todo paciente somático tem, de alguma forma, um comprome-timento psíquico de maior ou menor relevância, merecendo, pois, uma abordagempsicológica.

EFEITOS DA DOENçA NO PACIENTE E SEU MEIO SOCIAL

Eugênio Campos, em sua brilhante alocução por nós citada, fala do ser doente, estardoente e toda uma série de complexidades em reÌação, bem como da percepção deuma doença e suas várias significações. O campo é muito amplo e complexo e nosinteressa de perto, pois a psicoterapia do paciente somático, individual ou grupal, vailidar com a história de cada doente, os prejuízos que esta doença lhe causou, suaschances de reabilitação, sua visão particular de si mesmo, etc. E um campo extenso eparadoxal que muitos profissionais não penetram, por não perceberem os sortilégiosda visão particular de cada enfermo e seu mundo de significados.

Nosso sef(Eu) se constitui a partiÍ das primeiras reÌações com a mãe e o ambientee se estrutura de modo mais sólido ou frágil de acordo com o que se recebeu de afeto,adequação, respostas, coerência ou ambigüidade. Contém um potencial hereditáriomórbido que irá ou não se expressar de acordo com as situações de estresse e máadaptação que serão vividas posteriormente, nas várias etapas da vida.

A história pessoal de cada um contém a presença de uma ou mais enfermidadesque deixarão ou não seqüelas de acordo com a gravìdade dos processos mórbidos ecom o apoio maior ou menor do ambiente circundante, incluídos a proteção médica,familiar e social. A história médica de cada um de nós contém as vivências de cadadoença do passado, próximo ou remoto, bem como a significação das doenças familia-res de maior importância (pai, mãe, irmão, esposa, avós, filhos). No caso das doençashereditárias - como o diabete, por exemplo - forma-se um mapa de Iembranças, fanta-sias e percepções do diabete em cada familiar- porque foi assim, porque fiquei doenteaÍìtes dos outros, nosso paciente morreu, porque não está miÌis vivo e eu estou, etc.

Os traumas, físicos ou psíquicos, os erros do desenvolvimento a pressão dospais sobre a sexualidade de uma jovem, âs marcas das doenças, tudo isso deixa ras-tros, trilhos sobre os quais poderão se desenvolver outras enfermidades. São as sériescomplementares, nomeadâs por Freud, isto é, séries de acontecimentos das váriasetapas da vida que se combinam para nos tornarmos vulneráveis a futuras patologiassofridas.

A doença, principalmente se sofrida, demorada ou ameaçadora, nunca é bemrecebida por qualquer um de nós. Mesmo aqueles que parecem mais adaptadÕs têmuma dose de revolta por baixo de sua tolerância, pois nìnguém quer em última instân-cia estaÍ doente, enquanto os demais parecem todos sadios. Esse é um dos sentilnen-

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tos que acompanha o adoecer, são os sentimentos negativos. Estamos nos referindoaos vários outros, como as vivências de inferioridade, o medo, a raiva, a ansiedade, adepressão. Falando das vivências saudáveis, há a alegria, por exemplo, de ter enfren-tado a doença e ter vencido, afinal. Mas estas situações de triunfo sobre a doença,sobre a morte, são muitas vezes facilmente esquecidas, pois no aÍã de superarÌnos uminimigo vencido, para esquecê-lo e abandoná-lo, pomos de lado, também, uma sériede percepções e reminiscências de muita importância para nosso sefi preciosas emembates futuros. Assim, se esquecemos com facilidade os aspectos positivos, a vitó-ria, sempre nos recordamos de tudo que sofremos, as limitações, o leito, a febre, asdores. E tudo isso surge como fantasmas nas doenças que se seguirão, são fantasmasque pairam em nossas mentes, muito embora nem sempre se realizem.

A doença vale por onde ela se localiza, por sua possibilidade de ficar e, porúltimo, de nos destruir. A localização faz a patologia mental, a terapia preenche ogrupo. É muito diferente o que se passa num grupo de nefropatas (doença interna,sem cura), de lúpus (várias patologias e localizações), de Hansen (doença de pele,lepra - curada, mas sempre uma ameaça na mente do paciente).

Os pacientes com Hansen já entram parâ o grupo curados, mas desenvolvemuma hipocondria ao mal de Hansen. peregrinam como os personagens da Bíblia,tentando se livrar de um mal que nunca os deixará (em suas mentes). Os doentes delúpus convivem com lesões que ameaçam sua pele, sua imagem, o rosto, as partesdescobertas, o cabelo que cai. Temem perder sua beleza, seu encanto, seu poder desedução. A sexualidade, portanto, fica comprometida. Para o paciente renal, o impor-tante é a relação com a máquina de hemodiálise. Seus rins se foram, desgastaram-se,não funcionam mais; felizmente os médicos inventaram a máquina. Toda a terapia, ogrupo, centra-se na relação com a máquina, se funciona, como funciona, quais osperigos de funcionar enado, de não funcionar, quais os remédios, a dieta, tudo emtomo da doença crônica e da difícil sobrevivência. Alguns não têm mais potência,ereção. Isso pouco importa. Outros continuam lutando por merecer uma vida sexual.

Assim, a doença, como ela se apresenta e como significa para a4ossa fantasia,pode atingir nosso selí a auto-estima, a qualidade de vida, nossas perspectivas vitaise de sobrevivência, nossa sexualidade, a capacidade de amar, de ter esperanças, aspossibilidades e qualidades de relações pessoais - desde o cônjuge, os parentes, osamigos -, as relações, imagens, no ambiente escolar e profissional. Por vezes, a realidade dadoença é quase catastrófica, entre colegas deprofissão. Para qualquer profissio-nal de saúde, em geral, a presença da AIDS num colega é motivo de desconfiança,distância e desvalorização. Numa oportunidade, num hospital em que trabalhei, umenfermeiro com AIDS foi motivo de tanta curiosidade que os seus colegas fizeramuma imensa peregrinação ao seu quarto, quase moribundo, sem condições de nin-guém receber. A doença do médico em geral provoca inicialmente revolta nos cole-gas (porque, sendo médico, enfraqueceu e adoeceu?) Depois descaso e rejeição.

Se ir a um médico pode ser estressante (o diagnóstico; o que vai ser prescrito),mais ainda é o processo de internação, a perspeótiva de cirurgia, a medicação e osexames invasivos e iatrogênicos. Nas enfermarias, os médicos comuns pouco se li-gam no sofriÌnento mental do paciente - só a dor física e os sintomas detectáveis pelasemiologia e exames correntes. A enfermagem, por vezes, dá consolo espiritual aopaciente; mas isso depende da enfermeira em si e de sua formação profissional.

Se há um serviço de psicologia médica, de psiquiatria de ligação ou de psicolo-gia hospitalar, muito pode ser feito por estes pacientes, como um resgate de tudo quenão está sendo visto na relação médico-paciente, nas demais relações hospitalares,familiares, profissionais, nas carências, rejeições e preconceitos da vida em geral,

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desde que se adoeceu. Mas, este tipo de trabalho, apesar da multiplicação de siglasainda é muito pequeno para atender as necessidades psicossociais destes milhares depacientes que esgotam os leitos de nossos hospitais públicos e privados.

Ademais, quando se trata de ajudar um paciente a se adaptaÍ melhor a umaenfermaria hospitalar, a poder tirar mais proveito em termos de saúde e relaciona-mento de um processo de intemação, o melhor, se ele tem condições de saúde paraisto, é ajudá-lo a participar de reuniões com os colegas de enfermaria. Isto é em siterapêutico diante da regressão que pode acompanhar o estar doente, e, ao mesmotempo, aumenta a consciência (necessária) da doença e amplia as relações pessoais eseff-objetais (de dependência saudável), que podem se fazer numa enfermaria.

FENôMENOS SOMÁTICOS NOS GRUPOS TERAPÊUTICOS

Se considerarmos a chamada Iinhagem corporal como um modelo arcaico de comuni-cação onde operam mecanismos inconscientes de caráter regressivo, será fácil admi-tir que o setting grupal, qualquer que seja, pelo interjogo de emoções, troca de papéise revivescência de sihrações afetivas as mais diversas, constituindo-se num terrenoprivilegiado em relação à ocorrência destas manifestações. O que acontece é quemuitas vezes tais fenômenos passam despercebidos, como "doenças comuns", e nãosão relacionados pelo terapeuta a tensões intragrupais ou momentos especiais quedeterminado paciente está vivendo naquele grupo. Assim, podemos inicialmente fa-lar d,esomatizações habituaìs, qrue surgem no decorrerdas próprias sessões (cefaléias,

' crises de tosse, borborigmos, sensações dispnéicas), ou ao longo do evoluir do processogmpal (crises herpéticas, aftas, episódios dolorosos, sintomas alérgicos, etc.) em pa-cientes que têm ou não o hábito de somâtizar. Deste modo, expressam-se ansiedadesparticulares, mudanças, situações de perda, luto, microdepressões, vivências transfe-renciais em relação ao terapeuta ou a qualquer outro participante do grupo. Por ve-zes, tais situações têm caráter repetitivo - como o caso de uma paciente que todas asvezes que se sentia na contingência de "engolir" uma situação desagradável dentro oufora do grupo reagia com uma crise de estomatite aftosa localizada na garganta. Ou,como acontecia com outra paciente, que tinha necessidade imperiosa de urinar sempreque o grupo experimentava momentos de tensão e conflitos entre seus membros.

Essas somatizações, se compreendidas, podem representaÍ etapas de umprocessode elaboração, como foi o caso de uma paciente muito competitiva e reivindicadora,que costumava falar excessivamente, tomando a vez dos demais. Numa oportunidadeem que assim procedeu - desconhecendo, inclusive, as necessidades de uma colegaem depressão - foi criticada de modo construtivo por todo o grupo. Na sessão seguin-te, chegou com a boca tomada de aftas. Dissemoslhes ser seu sintoma expressão desua culpa pela voracidade e pouca consideração com os demais componentes do gru-po. "Assim eu sou obriga{a a falar menos, dando mais oportunidade aos outros",acrescentou, de modo sincero, a paciente.

Essas expressões somáticas configuram-se, por vezes, como autênticos dctrng-ouls corporais, que podem ocorrer dentro ou fora das sessões. Uma paciente comestrutura histérica e depressiva, que a levava a reagir com intensa dor mental aosinsights que começava a experimentar no tratamento, numa oportunidade em quedisse, literalmente, que não queria ouvir o que lhe relatávamos, apresentou um processode otite aguda no ouvido voltado para nós (sentava-se ao nosso lado). Mudou para ooutro lado e, tempos após, em situação semelhante, teve nova infecção'aguda noouvido oDosto.

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A elaboração de conflìtos por via somática pode fazer ressurgir no contextotransferencial antigas somatizações, constituindo-se em autênticas "neuroses somáticasde transferência". Tal aconteceu, por exemplo, com uma paciente que, numa épocaem que sentia seu pai como ausente e distante, tinha manifestações cutâneasurticariformes durante os contatos que mantinha com o mesmo, fazendo com que elaprópriâ as chamasse de "alergia ao pai". Numa fase do grupo em que ela me sentiaindiferente e estava muito mais ligada a outros pacientes, também apresentou igualreação alérgica, que se iniciava durante as sessões.

ASPECTOS TÉCNICOS

- l-A teoria dos grupos somáticos terapêuticos compreende a contribuição da psicoterapiaanalítica grupal (principalmente Foulkes), da chamada dinâmica grupal (Kurt Lewin),a teoria dos grupos operativos (Pichon Rivière) e os chamados gÍupos de reflexão(Delarossa). Como já disse antes, estes grupos têm uma estrutura teórica e técnicaque está sendo definida, elaborada e publicada. Essa é mesmo uma das metas de umnosso próximo livro, sobre este tem , a ser publicado brevemente com Paes Campos.

Tais apoÍes teóricos se combinam conforme a instituição onde se desenvolve otrabalho, sobre o lipo de grupo (de ambulatório ou de enfermaria, homogêneo ouheterogêneo), sobre o objetivo (breve, de médio ou longo prazo), sobre outras variá-veis (informativo, de preparo prra exame ou para terapia, etc.) Assim, os objetivosfazem a técnica, e essa deve ser sempre elástica, levando em conta se há pacientesgraves naquele grupo, qual a possibilidade daquele(s) paciente(s) pensar(em),conscientizar(em)-se, poder(em) refl etir.

Nos grupos de informação onde preparo, os objetivos são limitados, tratando-sede informar, esclarecer dúvidas, realidades, fantasias contribuir para diminuir as an-siedades do paciente, para que este entre numa cirurgia, por exemplo, com menoschance de ter uma complicação cardíaca ou um distúrbio de comportamento no pós-operatório. Estando menos ansioso e hipocondríaco, poderá ser mais cooperativo. Acatarse sempre é, por outro lado, um objetivo presente. E o falar da doença somática,de alguma coisa que não se sabe direito, o que - em seus primórdios principalmente- é sempre uma meta terapêutica, pois inclui âs fantasias sobre a doença que ele porvezes nunca confessou a ninsuém.--? No grupo de enfermarú. há que abordar as ansiedades, preparar os pacientes

para exames e cirurgias, paÍa muitos exames e uma longa permanência e até, porvezes, para conviver e enfrentar os sofrimentos que antecedem a morte. Portanto,trata-se de informar, apoìar, ouvi-los nas queixas (geralmente justas) em relação àequipe e à instituição, pois não vieram se intema para conviverem com baratas emédicos ou com médicos mal-humorados. Inclu!se também ajudá-los a formar umgrupo homogêneo e solidário que possa auxìliar cada um nos momentos de depres-são, medo, ou mesmo desespero.

As ferramentas técnicas e os procedimentos terapôuticos se tomam mais com-plexos à medida que o tempo de permanência do grupo se toma maior, e os objetivos,mais ambiciosos no sentido de conhecer os meandros e os significados da enfermida-de, as formas de conviver com o mundo e a perspectiva de mudar esta convivênciapara melhor, conhecendo, também, do que se sofre e por que sofre.

Assim, de uma terapia que foi mais de informação e suporte caminha-se parauma finalidade mais de conhecimento (insight) e de reflexão. Pensar, refletir sobrecomo é ter aquela doença, sendo a pessoa que se é, com aquela família, aquele cônju-

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ge, aquela vida sexual, aquele trabalho, pertence mais aos grupos homogêneos e hete-rogêneos, quando esses têm finalidades psicoterápicas. Aqui a psicanálise e a psi-coterapia analítica de grupo são os grandes referenciais em relação aos outros. Diga-se, a bem da verdade, que outras técnicas podem ser usadas em terapia grupal compacientes somáticos. Assim, acompanhei um grupo de asmáticos que apresentou bonsresultados terapêuticos com técnicas corporais utilizadas por Vera Cordeiro. Acredi-to que a dramatizaçlao e o role-playing (troca de papéis), que no ensino de psicologiamédica usamos com muito sucesso, possam ser muito úteis neste tipo de grupos.

A interpretação normalmente é reservada para as terapias psicanalíticas: a psi-canálise individual e os grupanalítica. Aqui falo da interpretação como vínculo comoinconsciente, dirigida a aspectos inconscientes até então não acessíveis ao conscientedo pâciente ou só parcialmente conhecidos deste. A interpretação, obviamente, peloseu mecanismo, pode dispersar viírias reações, como medo, raiva, culpa, dor, deses-pero. Também alegrias, euforia, momentos de criatividade.

Obviamente, não se usa interpretações deste tipo trabalhando com gÍupos compacientes somáticos, pois estamos fazendo psicanálise aplicada e não psicanálise pura,em que se usam basicamente interpretações transferenciais, relacionadas com oterapeuta, com os sentimentos do paciente para com seu terapeuta. Estas interpreta-

ções, ditas profundas pelas reações emocionais que podem despertar, sào, mesmo emparte, contra-indicadas num paciente já sobrecarregado com uma doença somática,com a auto-estima baixa, frágil, propenso a depressões e atitudes auto-agÍessivas,regredido mesmo por vezes.

Ao invés de interpretações, podemos usar intervenções prévias a uma interpre-tação, não tão profundas, todavia. São as clarificações - esclarecer sobre o funciona-mento psíquico do paciente, seus conflitos e defesas -e as confrontações - confrontá-lo com suas contradições e ambigüidades. Acima de tudo, assinalar as relaçõesintragrupais por trás das quais estão as formas de se relacionar de cada paciente comos demais e com o grupo como um todo. Assinalar não é interpretar, é apenâs mostraÍalgo significativo para o paciente e o grupo. O grupo (e cada um) vai, a partir disso,pensar, refletir, sobre este conteúdo e pode então por si só, ou como um conjunto,chegar a uma interpretação maior, enfechar aquela gesral1, produzir um novo conhe-cimento. Trata-se, mais do que interpretar, de possibilitar ao paciente (ou ao grupo)que ele descubra e crie aquela interpretação com a ajuda do terapeuta, que age como"ambiente facilitador" do desenvolvimento da terapia, da vida, enfim. O grupo é umexcelente espaço para, junto, descobrir-se verdades, aspectos de câda um e de todos,transicionalmente, diria Winnìcott.

A questão da reflexão, que perpassa a filosofia, as práticas orientais, a religião,foi redimensionada no ensino, na terapìa e nos grupos por Delarrosa e Ferschutt, naArgentina, na década de 70. Eles partiram da prática do ensino de psicoterâpiâ degrupo e criaram a expressão "grupos de reflexão", cada vez mais divulgada a partirde então. Num grupo de reflexão se percebe, pensa-se, recoloca-se, escolhe-se, to-mam-se decisões (se for o caso).

É este método que Balint elegeu para possibilitar a médicos discutir e ampliar aprática e o conhecimento da relação médico-paciente. Posteriormente, Luchino cha-mou estes grupos de "clínicos" ou de "especialistas" de "grupos de relação da tarefamédica", designando-os diretamente de grupos de reflexão e vinculando-os a todo oexercício da medicina e a relação com as instituições de saúde.

A expressão "grupo de reflexão" é uma das que cabe mais aos grupos homogê-neos, que são aqueles que costumam ter maior duração e maior constância de mem-bros, favorecendo os mecanismos de identificação e empatia que vão possibilitar a

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instalação de um grupo terapêutico voltado para o pensar, pensar aquela doença eaquelas situações vividas de um modo ou de outro por todos. Essas vivências tambémse aplicam aos grupos heterogêneos ambulatoriais, onde se enfocam, embora em tor-no de patologias diferentes, as questões do adoecer, da doença e dos efeitos desta navida do paciente.

GRUPOS COM PACIENTES SOMÁTICOS

Abordaremos aqui o trabalho com grupos constituídos apenas por doentes somáticos,em regime ambulatorial, hospitalizados ou prestes â se submeterem a uma cirurgia.Enquanto o trabalho com gÍupos de neuróticos é realizado basicamente em clínicaprivada, falaremos agora de grupos conduzidos em instituições públicas e, portanto,de um trabalho de maiores perspectivas sociais, voltado para o paciente comum,previdenciário, de baixa renda.

Desde os primórdios da psicoterapia grupal, fala-se em "grupos psicossomáti-cos" de pacientes com problemas vários (diabéticos, ulcerosos, coronarianos, hiper-tensos, asmáticos, etc.). No clássico livro de Grinberg, Langer e Rodrigué, há, inclu-sive, uma boa abordagem desse tema, com referência a problemas que se mantêmimportantes até os dias atuais, como as dificuldades das instituições em acolher taistécnicas, os problemas de lidar com doentes graves que freqüentemente interrompemseus tratamentos e a importância do trabalho conjunto do psicoterapeuta e do clínicona condução desses grupos.

Uma primeira questão diz respeito a classificarmos tais grupos como homogê-neos. Na realidade, são homogêneos em relação à patologia dos pacientes e heterogê-neos em relação ao sexo, idade, estado civil, etc.

Outro problema em aberto diz respeito à técnica a ser utilizada com esse tipo degrupos, a qual é extremamente variável, conforme a formação teórico-técnica do coor-denador (terapeuta, expressões, a nosso ver, neste caso especial, afins), tipo de patolo-gia a ser abordada, objetìvos a serem alcançados, instituição onde se reúne o grupo,etc. De um modo geral, já não se pretende mais trabalhá-los analiticamente. Assim,hoje não faz mais sentido a recomendação, por exemplo, de Grinberg, Langer eRodrigué de interpretar sistematicamente a raiva e a inveja que pacientes severamen-te enfermos têm da saúde visível dos terapeutas. Já se conhece bem mais das lesõesnarcísicas e da auto-estima desses enfermos para entendeÍ que não poderiam deixarde se sentir profundamente humilhados diante de colocações desse tipo. Tal aborda-gem pode ser feita de outro modo, discutindo-se a vulnerabilidade de todo ser huma-no às mais variadas doenças ou a necessidade de exaltarmos a força e a saúde daque-les de quem dependemos, por exemplo.

Vários autores chamam tais grupos de operativos ou de tarefa. Sem dúvida,trabalhamos, operamos, com a tarefa de discutir problemas comuns de saúde, limita-

ções e perspectivas de pessoas acometidas dos mesmos maÌes, ou realizamos conjunta-mente a tarefa de preparar doentes para se submeterem a terapêuticas cruentas emutiladoras. Porém, ao mesmo tempo, damos oportunidade a eles de falarem - emmuitos casos, pela primeira vez - do âmago dos seus padecimentos ou de criticaremos hospitais nos quais estão intemados, e lhes damos apoio na luta diária com suasdores e seus sofrimentos, ao mesmo tempo em que utilizamos a experiência de unsem prol do amadurecimento de outros. Se o grupo progride, mais abrimos espaçospara que todos e cada um possam meditar, refletir, sobre o que é estar enfermo, perdero total gozo da saúde, adaptar-se progressivamente aestas dolorosas condições existen-

COMO TRABALHAMOS COM CRUPOS 195

ciais com um mínimo de revolta e de sensação de excepcionalidade. Ainda conformeo preparo e os objetivos do coordenador e as possibilidades de cada um dos partici-pantes, poderemos enveredar na trilha dos condicionamentos conflituosos que alimentam muitos sintomas físicos, penetrando no mundo do inconsciente individual-grupal, e a partir daí buscar outros inrigfttJ e elaborações. Neste caminho, técnicaspsicodramáticas podem ser utilizadas na busca de novas percepções e de experiênci-as emocionais corretivas. Temos, assim, ao nosso dispor um rico repertório de técni-cas, objetivos e recursos terapêuticos, que vão desde a catarse, o apoio, o suportemútuo, a realização de tarefas, a reflexão, o trabalho focal, até a conscientização e oinsryftt, objetivos últimos de um manuseio psicoterápico.

GRUPOS COM PACIENTES HOSPITALIZADOS

Pacientes de clínica médica. Em fins da década de 60, prestávamos orientação eassistência psicológica às equipes de saúde e a pacientes intemados em enfermariasde ClínicaMédica do Hospital São Francisco de Assis, tendo constatado que os doentesde cada unidade passavam por sucessivas situações de crise, motivadas pela internaçãode pacientes-problemas (reivindicadores, regressivos, psicopáticos), pela moÍe decertos pacientes, por modificações das chefias, por mudanças de grupos de residentese de intemos, entre outras. Tais crises se manifestavam por estados de ansiedade oude depressão porparte dos pacientes, agravamentos dos quadros clínicos ou modifica-ções abruptas de comportamento, permanecendo geralmente ocultas, em suas verdadei-ras causas.

Numâ dessas oportunidades, reunimos-nos com pacientes da enfermaria mascu-lina, onde tinha havido uma seqüência de mortes inesperadas. Os doentes, por umlado, pediam alta ou transferência de enfermaria, e, por outro, faziam brincadeiras desortear o próximo a morrer. Após uma catarse geral, foram prestados esclarecimentossobre os óbitos e suas causas, desanuviando-se o ambiente, diminuindo o climapersecutório e o uso de defesas maníacas. Noutra ocasião. reunimo-nos com pacien-tes da enfermaria feminina, revoltadâs com a conduta de uma adolescente comcardiopatia reumática que, eufórica e exaltada com o uso de corticosteróides, agrediae ameâçava as mais idosas. Foram dados limites à paciente, que foi encaminhada auma psicoterapia individual.

Assim, nasceram as "reuniões de crise", que nos estimularam a promover reu-niões regulares, semanais, com os pacientes intemados nas quatro enfermarias doServiço, para as quais convidávamos um médico, a enfermeira-chefe e a assistentesocial. Sendo essa experiência pioneira em nosso meio em hospitais não-psiquiátri-cos, fomos aprendendo com a experiência e enfrentamos de início muitas dificulda-des de cooperação e participação dos pacientes. Eram, via de regra, doentes crônicos,por vezes idosos, pouco motivados para a nova técnica, que permaneciam silenciososnas reuniões, traduzindo também a postura habitualmente passiva deste tipo de paci-ente. Tal fato nÕs induziu a trabalhar o grupo mais operativamente, tentando realizartarefas coletivas de melhoria das instalações das enfermarias, iniciar atividades delaz er, discutir seus problemas previdenciários porventura não-resolvidos. Essa estraté-gia rendeu poucos resultados, a não ser em relação à organização do lazer, que foiestruturado em torno de uma sala com televisão e jogos, que reunia os pacientes emsuas longas horas de ociosidade. Predominava, todavia, o clima depressivo das enfer-meiras, e o grupo funcionava num pressuposto de dependência ou, por vezes, de lutae fuga, evitando falar de situações de saúde ou dos problemas decorrentes de uma

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hospitalização. Sabíamos que havia muitas críticas ao contexto médico-hospitalar;porém, apesar de estimulados, temiam fazêlo. As reuniões eram na sala ao lado dasenfermarias, o que impedia que os pacientes mais graves pudessem comparecet epossibilitava a outros alegarem impedimentos para estar presentes. Esse clima deapatia era maior nas enfermarias masculinas, o que constâtâmos em outras institui-ções em que realizamos tal tipo de trabalho. Os homens, em nosso meio, são maisfechados ao contato do que as mulheres, mais inibidos para tarefas coletivas, qual-quer que seja sua procedência, como também para tema psicológicos.

Só a ação do tempo e a persistência de nossos objetivos permitiu, aos poucos,modificar esse estado de coisas, enquanto estimulávamos o grupo a tomar-se maiscatártico e reforçávamos a comunicação e os mecanismos de solidariedade entre ospacientes. Começamos então a penetrar na intimidade do grupo, no seu contextoafetivo, detectando, inclusive, um complexo interjogo de experiências entre os paci-entes, entre eles e o pessoal administrativo, inclusive complicadas relações afetivas esexuais, por vezes mesmo configurando o que poderíamos chamar de perversõesinstitucionais. Por outro lado, objetivos até então latentes puderam ser paulatinamen-te alcançados. Os pacientes começaram a relatar probÌemas, dúvidas, questões desaúde, de medicamentos ou dietéticas, iatrogenias várias, situações administÍativas edesvio da rotina da enfermaria que puderam ser diretamente debatidos ou levados àdireção das enfermarias.

Outros resultados obtidos através das reuniões foram um melhorpreparo psicoló-gico dos pacientes para submeterem-se a exames complementares cruentos ou a proce-dimentos ciúrgicos, bem como discutir sobre as vìsitações familiares, situações dealta e acompanhamento ambulatorial, com todas as implicações psicossociais envolvi-das. Mantivemos tais reuniões por cerca de 8 ânos e, durante esse período, pudemostreinar médicos, estudantes, enfermeiras e assistentes sociais para o trabalho comgrupos, através da seqüência observador-co-terapeuta-coordenador grupal. A evolu-ção desse trabalho permitiu-nos, inclusive, abordar grupalmente o delicado problemada morte.

Mais recentemente, temos reaìizados essas reuniões no Hospital de Clínicas daUERJ, também em enfermarias de Clínica Médica, através de nosso então assistenteKenneth Camargo Júnior. Este reuniu-se com pacientes de uma enfermaria feminina,semanalmente; porém, diferentemente da experiência anterior, dentro da própria en-fermaria. Esta estratégia se, por um lado, permitiu que pacientes presos ao leito pu-dessem participar, por outro trouxe uma série de inconvenientes, devido à perÍnanen-te interrupção do clima grupal através de intervenção da equipe em funcionamento(retirada de pacientes para exames, aplicações de medicamentos, presenças inoportu-nas, etc.). Em que pesem essas dificuldades, conseguimos aliviar situações de tensãodentro da enfermaria e colaboramos também para criar um clima em que os pacientespudessem se ajudar mais uns aos outros.

Atualmente as reuniões são realizadas no HUPE, em enfermarias de clínicamédica, cardiologia, obstetrícia e nefrologia com bons resultados. Esses sempre de-pendem da continuidade da experiência, da construção de uma tradição. Assim, ospróprios pacientes preparam os novos para a participação.

Pacientes cirúrgicos. A perspectiva de submeter-se a uma cirurgia provocamedo e ansiedade, os quais podem interferir antes, durante e depois da operação,principalmente se esses sentimentos não são expressos e conscientizados. Masonrefere que a intemação hospìtalar e a expectativa de um procedimento ciúrgico estãoentre as experiências que mais elevam os índices hormonais de estresse. A rotina

COMO TRABALHÂMOS COM GRUPOS t97

cinírgica tradicional não inclui o preparo psicológico dos pacientes para o ato, poisacredita que os resultados serão melhores se a cirurgia for realizada logo e não fordado muito tempo para o paciente pensar sobre o assunto. Por tudo isso, equipes depsicologia médica vêm trabalhando no preparo psicológico de candidatos a uma ci-rurgia, individualmente ou em grupos, ou atuando nas complicações psiquiátricasque podem oconer no período pós-operâtório.

No Hospital de Clínicas da UERJ, num trabalho conjunto com o Serviço deCirurgia Cardíaca, dirigido por Waldir Jazbik, realizamos gÍupos com candidatos aesse tipo de operação. São pacientes que vão se submeter a cirurgias de revasculari-zação miociárdica (ponte de safena), colocação de próteses valvulares, de marcapassose de cardiopatias congênitas. Os grupos eram coordenados pelos nossos então assisten-tes Paulo Roberto Dias (psiquiâtra) e Dulce Maria de Castro (psicóloga) e incluem,no máximo, 8 componentes, de ambos os sexos. O fato de Paulo Dias já ter trabalha-do neste Serviço, quando estudante, possibilitavalhe dar as explicações necessiáriassobre os tipos de cirurgia, detalhes técnicos, funcionamento do CTI, tempo de perma-nência no Hospital, etc.

A incidência de complicações psiquiátricas nas cirurgias cardíacas a céu abertojá foi muito alta, até 307o, quando se iniciou esse procedimento, originando, inclusive, a expressão "delírio pós-cardiotomia". Pensava-se que problemas cerebrais de-correntes da circulação extracorpórea fossem, em parte, responsáveis por essa cifratão alta. Todavia, todos os estudiosos admitem que a falta de preparo psicológico dospacientes aumenta enormemente a possibilidade dessas complicações (estados con-vulsionais, crises psicóticas, crises depressivas, etc.). Nos centros em que esse prcpa-ro vem sendo feito, o índice de complicações psiquiátricas é apenas um pouco supe-rior ao encontrado nos serviços de cirurgia geral.

Um dos aspectos característicos que temos observado nesses grupos é que, embo-ra os pacientes se mostrem bastante ansiosos, negam constantemente o medo da ci-rurgia e, principalmente, da morte. Isso se explica exatamente pelo pavor que tal tipode cirurgia tende a provocar: abrir o tórax, manipular o coração, submeter-se a umaanestesia profunda. Sua impressão é de que se falarem do medo do qual se defendemeste se tornará insuportável. E o que acontece é exatamente o contrário. Quando oscoordenadores do grupo possibilitam que o medo apareça, o mesmo pode ser discuti-do e bastante aliviado. Normalmente, o medo da morte está deslocado para medosmenores: de rejeição de uma válvula, da anestesia, do que se passará no CTI, etc.

O problema da informação nesses grupos é da maior impoÍância. Atualmente,tais cirurgias são feitas com um mínimo de risco de vida e de complicações pós-operatórias, mas os pacientes freqüentemente não sabem disso. Informações sobre oíndice de mortalidade, detalhes de técnicas e recursos utilizados para lidarcom compli-cações, costumam trazer alívio quanto às fantasias persecutórias. A presença de pacien-tes já operados como vizinhos de quarto ou de enfermarias pode ser útil (depoimen-tos positivos) ou aumentar as ansiedades, quando falam de insucessos e se mostramressentidos com os médicos.

Os dois grupos principais de pacientes (coÍonarianos e valvulares) trazem dúvi-das e questões diversas, e também se compoÍam de modo algo diferente. Os valvula-res temem que as próteses produzam ruídos, sejam rejeitadas ou que precisem demais de uma operação. São muito mais facilmente agrupáveis e mais adaptados à suadoença, principalmente quando passaram porlongas evoluções. Os coronarianos que-rem saber detalhes das pontes e como essas funcionam. Como têm, via de regra, umapersonalidade característica que, inclusive, favorece a evolução da doença (ansieda-de, competição, agressividade, impaciência e baixa tolerância à frustração), compor-

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tam-se deste modo no grupo e por tal motivo são menos agrupáveis, ouvem pouco osoutros e aproveitâm menos da experiências compartilhadas. Assim, um coronarianoque quis se retìrardo grupo logo após seu depoimento teve um pós-operatório tumultuâ-do, no qual desenvolveu uma reação paranóide: sentia-se envenenado pelos medica-mentos e queria processar os médicos (ele era advogado).

Um ponto crucial 'ressas cirurgias é o preparo para as 48 horas de permanênciano CTI. Os pacientes acordâm da anestesia entubados, sem poder falar, com umasérie de cateteres e drenos. Sofrem dores, mal-estar e precisam colaborar ativamentenuma série de manobras, como exercícios respiratórios. Temos acompanhado casosde pacientes que foram operados às pressas, sem maiores informações e, ao acordarno CTI, perplexos com a situação invasiva, principalmente com a impossibilidade dese comunicar, reagiram com crises psicóticas.

Realizamos este trabalho durante cerca de 1 ano, principalmente através de Dulcede Castro, que já trazia uma boa experiência de psicologia médica. Os bons resulta-dos se explicam não só pelos grupos como também pelos atendimentos individuais epelas interconsultas e relacionamentos com a equipe médico-cirurgia. Tâmbém a assis-tência aos casos psiquiátricos era fundamental para a aproximação.

GRUPOS SOMÁTICOS HOMOGÊNEOS

Como já vimos, a psicoterapia grupal começou com Pratt, quando se propôs a ajudargrupos de pacientes tuberculosos a se readaptarem socialmente. Esse trabalho, embo-ra realizado de forma algo rígida e à base de doutrinações, foi uma das fontes quepermitiu o crescimento da psicoterapia grupal em múltiplas direções. Hoje, apossibili-dade de atender em grupos doentes somáticos portadores de doenças crônicas configu-ra, ao nosso ver, uma das direções revolucionárias de nossas práticas de saúde e doatendimento em massa de nossas populações. E um trabalho que apenas engatinha,diante de enormes possibilidades que se abrem ao seu futuro. O fato dos pâcientesterem os mesmos tipos de patologias, sofrerem por problemas semelhantes, enfrenta-rem as mesmas vicissirudes e necessidades, contribui para criar um forte nível decoesão e mútua solidariedade entre os mesmos. Algo semelhante ao que Yalom cha-ma de "universalidade de conflitos" faz com que os pacientes, logo ao ingressaremno grupo, sintam um enorme alívio ao perceber que os outros também têm o mesmotipo de fantasias, passam pelos mesmos desânimos, em suma, têm problemas queeles pensavam que só ocorriam com eles. Doentes com os sefs combalidos, atingidoem sua auto-estima, têm oportunidade de se sentirem valorizados ao apoiar e darsugestões úteis aos seus pares de grupo. Ao mesmo tempo, sentem-se amados e prote-gidos, quando o grupo os ampara e aconselha nos momentos de maior desvalia edesesperança.

A experiência de lidar com a doença e com o sofrimento faz com que certosdetalhes adquiram uma importância máxima. Assim, o modo como se lida com umabolsa de colostomia, os aspectos do funcionamento de uma máquina de hemodiáliseou as técnicas utilizadas para aliviar um tipo de dor crônica são conhecimentos queos pacientes de grupo partilham entre si, numa experiência de mutualidade que osaproxima cada vez mais. Também a discussão de detalhes sobre a gravidez normalem gestantes normais ou a possibilidade de complicações em gestantes de risco sãoexemplos de como o agrupamento de pessoas conforme suas características pode ser(homogeneidade) útil, sem provocar ameaças ou temores desnecessários, afora osestresses a serem inevitavelmente enfrentados.

COMO TRABALHAMOS COM GRUPOS 199

Tais grupos são também chamados de adaptativos (Democker e Zimpfe]. Éimportante salientar, entretanto, que, embora na maioria das enfermidades de cursocrônico e com lesões definitivas funcionem como tal, podem, em outras opomrnida-des, ser curativos, como no caso de asma de fundo psicogênico, na fase de doençaainda funcional e reversível. E, no caso de uma doença crônicajá estabelecida, comouma coronariopatia, podem contribuir para dar um novo rumo à sua evolução aoajudar o paciente a lidar melhor com os chamados fatores de risco (estresse emocio-nal, fumo, vida sedentária, obesidade).

As funções do coordenador são múltiplas: favorecer a comunicação, esclarecerproblemas específicos de saúde ou conflitos em evolução, dar apoio ao grupo ou acertos doentes mais necessitados, promover a catarse e a reflexão, entre outras. Efundamental que ele sempre possua conhecimentos da doença em questão, sem oque adquirirá uma postura teórica e perderá a credibilidade do grupo. O trabalho emco-terapia é de muita utilidade, permitindo aos terapeutas unir forças e enfrentaÍmomentos difíceis da evolução grupal. RecomenCa-se que um dos participantes sejaespecialista na enfermidade dos participantes do grupo. Uma prática muito importantee de grande alcance na economia do tempo de atendimento é a realização da consultaclínica dentro do setting grupal. Tal procedimento vsm sendo feito de rotina nosgrupos de hipertensos, em que a consulta clínica (com tomada da PA) é realizada naparte inicial do encontro e, depois, é realizada a dinâmica grupal propriamente dita.A comparação entre a cifra tensional de antes e depois da consulta pode informarsobre o estado emocional do paciente antes do grupo e depois deste, para avaliar oefeito da psicoterapia grupal na PA do paciente.

GRUPOS COM PACIENTES DE DOENÇA PULMONAR CRONICAOBSTRUTIVA

Quando Gerson Pomp, pneumologista do Hospital Pedro Emesto, procurou-nos parâdiscutir sobre a evolução de um grupo com pacientes portadores de doença pulmonarcrônica obstrutiva, ele coordenando, relutei, de início, em nos integrârmos nestaexpe-riência. Temíamos que pacientes com insuficiência respiratória crônica (enfisematosos,bronquíticos crônicos, asmáticos com complicações) formassem um grupo muitodeprimido, apático, com pequenas possibilidades de evoluir terapeuticamente. Fo-mos, todavia, contagiados pela experiência clínica e grande vitalidade de Pomp econcordamos em contribuir nesta tarefa. A equipe se uniu apsicóloga Simone Antirnes.Eraum grupo misto, abeÍo, que funcionava há 2 anos, com reuniões mensais de horae meia de duração, freqüentado por 8 a l2 pacientes. O custo operacional e físico dosdoentes impedia reuniões mais freqüentes. Nossa participação tem sido discutir como colega a experiência que ele vem conduzindo basicamente com seus recursos pes-soais e criatividade.

Gerson denominou esse grupo de "Intertratamento" baseado no fato de que alitodos se tratam uns com os outros - pacientes, familiares eventualmente presentes, oterapeuta e outros profissionais de saúde que participam das reuniões. Ele parte doprincípio de que cada experiência ali relatada é importante, pois, nesta especial condi-ção de vida em que até andar constitui uma sobrecarga, cada um dos pacientes é umsobrevivente. Eles pagam um alto preço por suas vidas, que não pode ser desperdiçada.Por isso suas experiências são ricas para cadaum dos participantes. O papel do coorde-nador é organizar as vivências apresentadas, representando-se com tudo de útil quese possa aprender a partir daí. Um paciente diz que tem melhorado com xarope de

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mel e agrião. Pomp diz que, como médico, sabe que isso dá certo, é um expectorante.Pede que ele ensine aos outros a prepararem e discute a diferença entre uma medica-ção doméstica eficiente e produtos que agem através da sugestão e da crendice popu-lar. Alguém aprende a tornar aminofilina antes de comer; assim é melhor, da menosnáuseas.

Os pacientes são orientados a procurar os recursos assistenciais das comunida-des em que vivem, em casos de emergência. Discute-se sobre as instituições de sâú-de, criticam-se seus aspectos negativos, e o coordenador mostra o lado positivo: "Aspessoas ficam satisfeitas quando vocês melhoram. E todos contribuem para isso, atéos serventes de um Hospitaì".

Certos temas costumam estar sempre presentes: a dispnéia e a limitação que trazao trabalho e à vida sexual; a doença crônica e o problema da dependência dos remé-dios para o resto da vida, a questão da tosse, a dependência do fumo. Durante assessões, são ensinados exercícios respìratórios e como tirar proveito do tossir. Ospacientes aprendem a administrar sua dispnéia e a ansiedade ligada a ela. Aprendema programâr uma caminhada, com pontos de parada que eles mesmo escolhem. Osque já aprenderam ensinam aos outros.

Foi comovente, nas reuniões em que tive ocasião de assistir, ver um pacientefalar de suas relações sexuais com a esposa, de como conseguiu uma performancemelhor aprendendo a mudar de posição com o grupo, de como foi importante para elepoder experimentar, ele que quase estava sem vida sexual, acuado pela dispnéia,tosse e outras limìtações advindas da doença. Ou a experiência de outro paciente, queensinou um colega de grupo a poder tomar banho com menos dispnéia, fadiga, sofri-mento,

Discute-se a respeito da doença e do medo da morte, porém também sobre avidâ e a importância da adaptação - das possibilidades infindas e insuspeitadas daadaptação humana. Ao cabo de cada reunião, os pacientes estão melhor, menosdepressivos. Ao fim de 2 anos não há praticamente caso de abandono nessa experiên-cia. Pacientes frustrados com tratamentos médicos anteriores rgaÍTam-se a essa vi-vência de vida, de amor e de solidariedade com todas as suas forças.

N. é um paciente enfisematoso grave que chegou ao grupo "um caso de gente","para morrer". A voz era tão fraca que o grupo mal o ouvia. Sua esposa tinha acabadode falecer, e ele estava profundamente deprimido. Pôde, então, chorar toda a suaviuvez recente e foi aos poucos se apegando de novo à vida. Começou por cuidar dasplantas que a mulher havia deixado e que a representavam simbolicamente. Hoje jáfaz trabalhos de pedreiro, consertou toda a calçada em frente à sua casa, do mesmomodo que reconstruiu ínternamente as partes que faltavam em sua vida.

GRUPOS IIETBROGÊNEOS

Em 1995, coordenamos um trabalho de pesquisa no Hospital Universitário PedroErneto, o qual foi financiado com verbas do CNPQ e realizado por Tânia Granja,Jane Nougueira e Deize Souza, com a colaboração de Luiz Femando Chazam. Trata-va-se de estudar o problema dos grupos somáticos heterogêneos (várias patologias)sobre uma perspectiva grupanalítica focal e breve.

Em trabalho concluído recentemente, os autores escreveram, sobre esta experiên-cia, as seguintes considerações:

BIBLIOTECAUNIMEP

COMO TRABALHAÌíOS COM CRUPOS 201

"... Observamos um contingente cada vez maior (são flagelados, são pingentes, bal-conistas) de pessoas que lotâm os ambulatórios públicos em busca de um remédiopara sua dor. Dor difusa que percorre todo o seu corpo, escolhendo um lugar para seinstalar, abrindo assim caminho para sua permanência e cronificação nas instituiçõesde "previdência"... Tomamos o modelo de grupo, porque entendemos ser essa práticaa que melhor favoreceria ir na mão oposta a esse cenário institucional, a que melhorfavorece a livre comunicação entre as pessoas e, em termos técnicos, a que maisproporciona o aparecimento de uma multiplicidade de relações transferenciais, vistoser esse um espaço de atualização de sentimentos ligados à rede de relaçõesinterpessoais... A gÍupoterapia é na sua essência um trabalho solidário, um continen-te seguro para os momentos de crise, espaço de trocas, de novas vivências e suportepara reorganização de novos conhecimentos e da própria vida. Acreditamos que, sen-do heterogêneo, a própria variação de patologias favorece a trocâ de experiências emaior aberturâ a novos aspectos da vida. A heterogeneidade das patologias selou asingularidade do nosso trabalho... Formamos então um primeiro grupo de caráterterapêutico. Depois de realizadas as entrevistas, iniciamos as sessões, com o númerode componentes incompleto. No contrato, foi abordado dentre outras coisas, o núme-ro de integrantes do trabalho, e a cada novo membro era reafirmado o contrato, excetoem um segundo grupo, cuja falha técnica veio a precipitar posteriormente o esvazia-mento do mesmo, relato que farèmos mais adiante. Constituímos um terceiro grupo...Tomamos o referencial psicanalítico como básico, e todos os conceitos dessa teoriaforam considerados como fronteiras entre o conhecimento e a prática. O apoio naforma conceitual fica para nós como registro, enquanto a experiência testemunha sualegitimidade.Atransferência,aresistência,acontratransferênciaeaidentificaçãosão questões que poderiam ser discutidas com inúmeros exemplos nas sessões degrupo, mas já foram exaustivamente apresentadas na literatura. Não trilharemos essecaminho para não sermos repetitivos. As interpretações, como as conhecemos classi-camente, não fazem parte também do nosso procedimento habitual. Os conflitos sãoconsiderados e enfrentados no próprio grupo à medida que vão aparecendo, entãovão sendo examinados e possibilitam uma maior integração e aperfeiçoamento darelação grupal, exigindo que se desarme e rompa uma série de estereótipos, que emalguns casos servem como defesas frente a outros seres humanos e frente à coisas taiscomo elas são".

O GRUPO E OS DILEMAS DO LÚPUS E DÀ SEXUALIDADE

Trabalhava ainda com clínica médica quando tomei contacto com o lúpus eritematososistêmico, uma espécie de câncer do sistema imune, naquela época, idos de 60. Hojeo lúpus ainda é um desafio clínico e terapêutico, apesar de se saber mais da doença ede como tratála. Doença crônica, estigmatizante, ameaçadora, ideal para uma abor-dagem grupal, pensava eu, e só mais recentemente pude, junto com Valéria Nasci-mento, no HUPE, concretizar essa experiência.

Já naquela primeira época observava a tendência natural das pacientes de seajudarem mutuamente. Elas freqüentavam um mesmo ambulatório -eu tive oportuni-dade de homogeneizar - e faziam visitas quando uma se intemava. Chegavam cedoao ambulatório para conversar, trocar experiências e se ajudar mutuamente. Os médi-cos do ambulatório não davam atenção a esses aspectos do comportamento das pacien-tes: só interessavam os aspectos clínicos (riquíssimos) e a resposta aos corticosteróides.

202 ZIMERMAN & OSORIO

Hoje, com a dedicação muito grande de Valéria ao gÍlpo e às pacientes, comuma colaboração total do Serviço de Reumatologia da UERJ, já conseguimos dese-nhar o que se pode chamarde perfil psicossomático da paciente com LES. São mulheres(957o) geralmente jovens que quase sempre iniciam a doença com um estresse (per-da, conflitos familiares), com agravamento por exposição soÌar ou gravidez. A doen-ça inclui geralmente lesões cutâneas, que deixam manchas escuras e provocam quedade cabelo. Febre, perda de peso e sintomas de acometimento geral também ocorrem epor vezes há ainda reumatismo, o que dificulta andar e realizar as tarefas habinrais.Em função disso, as pacìentes, prâticamente em sua totalidade, passam a apresentarum quadro depressivo, com intenso comprometimento da auto-estima (lesões de pelee queda de cabelos) e da feminilidade, desleixando-se nos cuidados, na coqueteria,na exibição natural. Em decorrência, há diminuição da libido e da capacidade orgástica,comprometendo a vida sexual por um período de vários meses geralmente.

A resposta positiva está na decorrência do uso adequado de corticosteróides,com reversão dos sintomas. Muito importante, também, é a atitude do marido e dafamflia, não rejeitando a paciente.

Este quadro pode recidivar nas crises posteriores, podendo incluir lesão renal,pulmonar ou cardíaca e até mesmo acometimento cerebral. O quadro referido, emseus aspectos psicológicos, psicossomáticos e somatopsíquicos, praticamente nãoestá descrito na literatura médica sobre a doença, apesar de sua quase universalidadeem nossos pacientes e em outros ciìsos de lúpus que vimos nesses 30 anos de experi-ência. Parece que só os aspectos lesonais, orgânicos, da doença são levados em conta,deixando-se de lado o psíquico, o reacional, o subjetivo - apesar de no lúpus tudo sepassar a partir de alterações físicas, bioquímicas ou teciduais. No entanto, são tantosos resultados das reuniões com pacientes de lúpus, que agora náo mais se afigura otratamento dessa doença sem um enfoque grupal paralelamente às consultas clínicas.Assim, os pacientes sabem do grupo no ambulatório e vêm ao grupo quase esponta-neamente, só alguns necessitando de um trabalho do reumatologista para comparecera nossas reuniões.

Se, por um lado, o LES é uma doença homogênea (febre, artrite, acometimentogeral, lesão cutânea, queda de cabelos, tudo isso em mulherjovem), por outro é hete-rogênea, pois uma paciente tem lesão renal, e outra pleuro-sicardite, alguma temneurose asséptica da cabeça de femuro e outra apresenta-se deprimida ou mesmopsicótica. Apesar dessas multiplicidades de lesões clínicas, a homogeneidade destegrupo é impressionante. São mulheres com idades aproximadas com um quadro ge-ral, articular e cutâneo semelhante, tratam-se no mesmo ambulatório, fazem, via deregra, os mesmos exames e, principalmente, tomam cortisona, que lhes provoca alte-rações semelhantes: acúmulo de gordura, obesidade, irritação gástrica, insônia, ansi-edade, agitação, aumento de apetite. O hábito de virem ao grupo, a homogeneidade ea confiança possibilitam que essas pacientes, com suas histórias dramáticas, suascondições de pobreza (por vezes), suas condições de crônicas, agudizadas, façamrelatos altamente catárticos, dolorosos, ouvidos com atenção pelas outras cúmplicesde sofrimento. Mas a disposição de se tratar, muito grande, aumenta ainda mais comos testemunhos das colegas que já passaram pelo pior. "E preciso tomar altas dosesde corticóides porque 'tá' com um problema dè lúpus no rim, então a gente toma(pulsoterapia)." "A gente não pode pegar sol por causa do lúpus, a gente não pega."

A grande coesão alcançada permitiu que se pudesse discutir problemas de muitaintimidade, como a vida sexual, a possibilidade de ter mais filhos, a fidelidade dosmaridos. Acredito que as muÌheres com problemas sexuais, saindo dàs fases agudas ecom um enfrentamento mais direto dos problemas, puderam superaÍ tais dificuldades.

ColtlO TRABI\LHAMOS CoM GRUPOS 203

Para terminar, alguns depoimentos de pacientes do grupo que falam por si mes-mos:

"...Antes do lúpus, eu era magrinha tinha paixão por mìm mesma. Hoje tenho pavorde me olhar no espelho, fujo dele até na rua. Me sinto uma baleia, cheia de estriâs.Estou toda complexada. Tenho pavor de mim. Me acho feia, ridícuIa...".

"Adoro sol, praia, botar as pemas de fora. Já pensou não poder ir à praia, ficar comcara de lua cheia e ter que usar filtro solar até dentro de casa? E as estrias que ficaramdepois que emagreci. Hoje só coloco short com duas meias finas pra disfarçar. Nahora de transar, peço a meu marido para apagar a lluz..."

"Depois que fiquei doente, nunca mais me senti a mesma mulher. Fiquei fria, não ligomais pra sexo..."

"Aprendi muito com o grupo. Lembra do dia que o senhor falou que meu maridoparecia meu filho? Pois é, cheguei em casa e na primeira chance falei para ele: 'Tápensando o que, sou sua mulher, mãe dos seus filhos, não sou sua mãe não'."

"Depois que eu vim ao grupo, minha cabeça ficou outra. Aqui eu falo de mim, escutoo que as outras têm a dizer. Também me faz bem quando posso ajudar alguém. Achoque muitas daquelas dores que eu sentia o tempo todo era cuca."

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T9Grupos com Portadores deTranstornos AlimentaresRUBÉN ZUKERFELD

rNrnoruçÃo E BAsE rnóruca.

Transtornos da alimentação e grupos

Os transtomos da alimentação (TDA) constituem um conjunto de patologias notavel-mente desenvolvidas e diagnosticadas na última década. A psiquiatria intemacional(DSM-lyJ situa em um capítulo somente a anorexia nervosa (variante restritiva ebulímica) e a bulimia nervosa (variante com purgas e sem purgas), mas clinicamentese incluem também aqui certas formas de obesidade, como o BED (Binge EatingDisorder).

A abordagem destes pacientes é interdisciplinar, e, dentro deste enfoque, foramdesenvolvidos diferentes tipos de sisÍemas grupais, que possuem pontos em comumcom os existenÍes para toxicômanos, alcoolistas e psicossomáticos.

Em Buenos Aires, iniciamos estes sistemas na década de 70, com pacientesobesos, e posteriormente foram desenvolvidas novas modalidades para bulímicos eanoréxicos.

Neste ponto, convém esclarecer o que é minha idéia atual sobre esses grupos:

a) São terapêutìcos: desde o momento em que existe um objetivo demudança psíqui-cd e compoíâmental, estes grupos, que costumam ser coordenados por profissio-nais de distintas orientações, têm uma finalidade terapêutica que vai desde modifi-cações sintomáticas até mudanças pessoais significativas.

b) Incluem procedimentos dear.úo-ajuda e educacionais. Os grupos de auto-ajuda eos que incluem rácnicas de auto-ajuda são muito populares em obesidade e TDA.E importante não tomar como sinônimos homogeneidade e auto-ajuda, porque,embora todo grupo de auto-ajuda seja homogêneo, nem todo grupo homogêneo éde auto-ajuda. Muitos sistemas grupais em TDA adquirem o estilo de grupooperativo, de reflexão, de aprendizagem ou psicoeducacional, à medida que exis-ta uma base informativa a partir da qual se desenvolve o processo grupal.Sáo homogêneos: esta é a característica que lhes dá sua peculiaridade definitória.Pode haver bulímicas, anoréxicas e obesos em grupos heterogêneos, mas o habi-tual é a homogeneidade, e isso requer conhecer seus princípios gerais, no campoda psicossomática e toxicomanias (ver mais adiante).

c)

206 ZÌMERMAN & OSORIO

Atualmente (ver figura 1), prefiro pensar esses grupos como estruturas que pos-suem uma dinâmica que implica circular por quatro posições (4, 5, 6 e 7), a partir detrês pontos iniciais (1, 2 e 3), que são dados pela ideologia dos líderes, a estratégia detratamento, as características institucionais ou uma combinação de todos esses aspec-tos. Essas posições, ou zonas de trabalho, são o resultado das necessidades dos integran-tes do grupo, em interação com a intenção dos líderes. Habitualmente, os grupos sãopropostos nas zonas 1, 2 ol 3, o que significa um predomínio da identificação, dainformação ou das intervenções terapêuticas. A zona 1 , ou de auto-ajuda pura, hierar-quíza o testemunho e costuma ter modelos (ver mais adiânte) mais rígidos. A zona2,ou educacional, é a de diversas técnicas de aprendizagem, q\e costumam organizar-se como programas pautados de duração limitada. A zona 3, ou psicoterapêutica,implica uma tendência a produzir efeitos emocionais no grupo, com uma liderançaprofissional. O promotor de mudança, em l, é um "irmão", em 2, é um "docente" e,em 3, é um "terapeuta", e o habitual é que se combinem esses papéis nas zonas 4, 5 e6. Estas zonas de trabalho são as mais comuns e as mais produtivas, pois a abordagemali é múltipla, assim como múltiplos são os fatores que influenciam essas patologias.

FIGURA 1. Homogeneidâde e zonas de lrabalho.

Princípios teóricos gerais e fatores curativos

No final da década de 70, propusemos algumas hipóteses teóricas sobre a utilidadeclínica dos grupos homogêneos, e que logo sustentamos como princípios gerais(Zukerfeld, 1979). Por outro lado, penso que os chamados/ntores curativos gn)pais(Yalom, 1985) estão vinculados com aqueles prìncípios, e que isso possui impoÍân-cia para a abordagem dos pacientes com transtomos alimentares. Deste modo, defini-remos três princípios, entre os quais se distribuem os fatores curativos, os quais,como destacou Yalom, são aqueles que, por consenso de coordenadores e participan-tes de grupos, demonstraram ter eficácia terapêutica.

COMO TRABALHAMOS COM CRUPOS 207

Princípio de semelhança

Estabelece a relação diretamente proporcional entre o que é semelhante na problemá-tica e a possjbilidade de mudança, e baseia-se no desenvolvimento de ide irtcaçõesprimárias. E cumprido à medida que ali se desenvolvem os seguintes cinco fatores:

a) Coesão: definida em um grupo como o equivalente ao vínculo na relaçãoindividual, é algo assim como a atração que mantém os integrantes do grupo comopertencentes ao mesmo. E uma pré-condição necessiíria, que implica interesse emmostrar-se frente ao outro, e que o outro igualmente se mostre, em um ambienteprotegido. Isso se obtém com mais facilidade em grupos de obesos e bulímicos doque com anoréxicas, que costumam manter-se em encerramentos narcisistas.

b) Universalidade: é um padrão que se define como a sensação de compartilharpadecimentos e/ou características com outros integrantes de um grupo, em oposiçãoao sentimento de "particular", "especial" ou "secreto". Em pacientes bulímicas, apossibilidade de compaíilhar condutas envergonhantes e ocultas tem importânciaterapêutica, pois serve para aliviar as sobrecargas do ocultamento.

c) Esperança: mencionamos, algures (Zukerfeld, 1992), que as três "anças":semelhança, confiança e esperança, são a base dos procedimentos de auto-ajuda. Oproblema que se coloca, para estes pacientes, é que todos compartilham a esperançade controle do impulso e de mudança corporal, mas com diferentes contatos com arealidade. Obesos, bulímicas e anoréxicas desejam emagrecer, mas só os primeiros onecessitam, e mesmo assim deve-se conhecer em que medida. Por isso, é importanteobservar, na tarefa gmpal, o que se espera do grupo.

d) Altruísmo: a possibilidade de ajudar o outro, fomecida por um grupo, possuigrande valor para a auto-estima daquele que busca a ajuda, e para a de quem a ofere-ce. Por isso, quando um paciente consegue colaborar para que outro melhore, porexemplo, sua relação com a alimentação, sente-se em melhores condições parafazê-lo também. Essa noção é muito característica da fratemidade própria aos sistemas deautogestão e implica uma superação da ambivalência e da rivalidade de pares.

e) Imitação: é um fator que gera controvérsias, à medida que seu sinal varia.Podem-se imitar condutas saudáveis ou patológicas, mas não há dúvida de que oprimeiro caso é um ensaio no desenvolvimento dos processos de mudança. Isso aconte-ce quando, em um grupo de obesos, um integrante relâta como pôde começar a cami-nhar, ou como pôde resolver uma situação emocional que o impelia a comer. Umexemplo oposto é o da anoréxica que "aprende" a vomitar em um grupo de "vomita-doras". Neste último caso, convém revisar se está sendo cumprido o princípio desemelhança.

P rinc ípio de mo de lizaç ão

Estabelece a relação diretamente proporcional entre c Lareza, explicitaçõo e consensoem relação à proposta terapêutica - o modelo - e sua eficácia. Baseia-se na possibili-dade de construir ideais desencarnados, com posterioridade ao encontro com o se-melhante, os quais, na prática, apresentam-se como "programas" de cura ou de recu-peração. Deste modo, o modelo possui conteúdos de nível distinto (por exemplo, em

208 ZIMERMÀN & OSORIO

um grupo homogêneo de hipertensos, "diminuir o sal" e descarregar a agressividade";em um de obesos, "caminhar três vezes por semana", "diferenciar fome de outrasemoções", etc.). Estes programas têm objetivos e métodos que são periodicamenterevisados e incluem sempre três fatores:

a) Informação: é impÕrtante compartilhar noções básicas sobre a doença, seuprocesso terapêutico e o próprio funcionamento do grupo. Muitas vezes, esta infor-mação se dá por tradição oral, em outras, é formal e escrita, sendo às vezes ad hoc,mas deve ser sempre clara e compartilfuula: a tncerteza sustentada é um fatoransiogênico que pode ser perturbador. Em todos os sistemas grupais com TDA, dequalquer orientação, existe aÌgum nível informativo sobre a doença, temas psicológi-cos (auto-estima, manejo da agressividade, crenças errôneas, etc.) e próprios do tra-tamento (conduta alimentar, imagem corporal, etc.).

b) Ressocialização: todo modelo inclui a possibilidade de que os integrantes deum grupo desenvolvam capacidades inibidas e/ou registrem as conseqüências de con-dutas inapropriadas ou estereotipad as, e realizem aprendizagem social. E muito ha-bitual, nos grupos com anoréxicas, a necessidade de trabalhar sobre os modelos soci-ais da esbelteza, e desenvolver uma atitude crítica em relação aos mesmos.

c) Fator existencial: quase todos os modelos que derivam do princípio geralprocuram estabelecer, nos integrantes do grupo, uma visão global da vida e da morte,e em especìal a noção de responsabilidade. Este é um conceito-chave, em especialpara as patologias que se autoperpetuam, por meio de comportamentos que implicamníveis de decisão. Isso significa que se pode trabalhar muito tempo em um gruposobre causas, conseqüências e benefícios secundários de estar gordo ou desnutrido,mas em última análise se trabalha sobre o conceito de e scolha yital namanutenção deum comportamento.

P rincípio d e c o nfro ntaç ão

Define-se como a relação direta entre as condições que um grupo fomece para poderenfrentar realidades negadas e sua eficácia terapêutica. E importante aqui ressaltarque um grupo homogêneo pode operar muito bem contra o desmentido e gerar mobi-lizações emocionais que impÌicam:

a) Catarse: este fator deve ser compreendido como a possibilidade que o grupooferece de exprimir emoções fortes, mantendo-se a coesão. Não implica a descargapor si só, e habitualmente é um fator valorizado pelos integrantes do grupo, emboranão esteja necessariamente associado a mudanças comportamentais. O grupo atuacomo suporte e como um campo onde se realiza um a verdadeira experiêncía emoci-onal corretiva, que implica um testar da,.realidade atual, para perceber a diferençaentre o presente temido, o passado traumático e o futuro desejado.

b) Aprendizagem interpessoal: este é um conceito-chave e costuma ser aculminação do trabalho grupal. Consiste em poder aprender com a experiência real oque o intercâmbio com as pessoas significa. Observe-se que há também aprendiza-gem na imitação (princípio de semelhança) e na informação (princípio demode lização), mas neles há mais risco - em pacientes com TDA-de intelectualizaçõese slogans ou estereótipos no comportamento. Em troca, o componente de confronta-

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COMO TRABALHAMOS COM GRUPOS 209

ção da aprendizagem interpessoal favorece a luta contra pseudo-aprendizagens cris-talizadas, e a possibilidade de verdadeiras compreensões.

CLÍNICA E TÉcNIcA

EÍicácia terapêutica (ET)

Ter-se-á observado que os três princípìos descritos se definem em função de umavariável que é a eficácia teriìpôutica do grupo. A experiência clínica mostra que,quanto maior presença dos fatores correspondentes aos três princípios, maiores serãoas conquistas de seus integrantes.

Em geral, e entendendo tal eficácia em relação à patologia em questão, existemrelações diretamente proporcioneis entre o cumprimento dos três princípios e o su-cesso terapêutico (ver figura 2). Se se medisse teoricamente, por exemplo, o grau decoesão (princípio de semelhança), o de ressocialização (princípio de modelização) eo de aprendizagem interpessoal (princípio de confrontação), seguir-se-ia uma curvaevolutiva até um ponto crítico (meseta), onde é necessário variar recursos (x, x'),dentro do princípio geral para restabelecer um novo ciclo e deter a decadência naturaldo grupo. Estas intenenções ntodificudoras são, por exemplo, a incorporação de

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210 ZIMERMAN & OSORIO

,,/novos integrantes e/ou rotação de coordenadores em certos sistemas (variação doprincípio de semelhança), mudanças na âpresentação e/ou conteúdo da proposta (va-riação do princípio de modelização) e distintas técnicas de mobilização (variação doprincípio de confrontação).

Desse modo, pode ser desenvolvida uma nova etapa, na qual, em um ponto (x'),voltará a ser colocado o mesmo problema típico dos grupos de tempo limitado.

Na realidade - segundo penso - ,esta é a evolução geral dos grupos homogêneos(psicossomáticos, toxicômanos, etc.), que em muitos casos pode passar despercebi-da, se foi estabelecido um limite temporal. Nos pacientes obesos, bulímicos eanoréxicos, convém primeiro definir o que se entende como eficácia terapêutica (ET),para depois ajustar o enquadramento e o setting grupal a esse objetivo.

Em todos eles, a ET significa: a) diminuição de peso, ou aumento até um pesorazoável ou possível (Cormillot, 1984), b) mudança na relação com o alimento e opróprio corpo, c) mudança no modo de vida e valores pessoais e d) melhora nosparâmetros médico-nutricionais.

Especificamente nos obesos, os programas grupais atuais vão desde a auto-aju-da pura, com modelos que se assemelham aos dos Alcoólicos Anônimos, até os gru-pos operativos e educacionais com e sem tócnicas de auto-ajuda. Em todos eles, omodelo inclui algum tipo de atividade física, além dos planos alimentares, e estes sãoos parâmetros mais objetivos para definir sua eficácia. Quanto mais profissional setoma a modalidade grupal, mais se produz um ganho e uma perda: aumenta a possibilidade de aprendizagem e de um ceÍio insight e diminui a importância da mística edos testemunhos pessoais. Em minha experiência pessoal, é difícil determinar cienti-

ficamente qual modalidade é mais eficaz, mas diferentes investigadores tratam defazêlo, utilizando, sobretudo, procedimentos de follow-up a médio prazo.

Habitualmente, os grupos de bulímicos e anoréxicos costumam teruma orienta-

ção mais psicoterapêutica e é mais estimulado o trabalho com conflitos interpessoais,de tal modo que sua eficácia é avaliada mais subjetivamente. Entretanto, existemaspectos bastante objetivos de evolução posi6va, que se aproximam da seguinte or-dem: diminuição das purgas (vômitos), diminuição em freqüência, quantidade e quali-dade do empanzinamento, modificação da imagem corporal, aceitação da necessida-de de normalizar o peso. Este é um antigo ponto de controvérsia, pois muitas vezes -como condição de continuidade em um gmpo - se estabelece este último aspecto,que passa de ser um objetivo para transformar-se em uma condição, nas situaçõesgraves (desnutrição, hiperobesidade).

Técnicas gerais

Como assinalamos no princípio, há diferentes tipos de grupos de pacientes com obe-sidade e transtomos da alimentação. Suas variantes "puras" são em geral de trêstipos: auto-ajuda, programas psicoeducacionais e grupos psicoterapêuticos de distin-tas orientações. Na prática, isso significa que predominam, em maior ou menor grau.um destes três "i": identificação, informação e intervenção.

Os grupos podem ser de duração ilimitada (como na auto-ajuda pura e em al-guns grupos psicoterapêuticos), ou, o que é mais habitual, podem ter prazos e seremestruturados emprogramas interdísciplinares. Estes últimos, com durações em geralde 3 meses a um ano, permitem ser avaliados com maior rigor. Deste modo, pode-secomparar se, de acordo com os objetivos estabelecidos, é mais útil trabalhar sobre a

COMO TRABALHAMOS COM GRUPOS 2ll

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cA: Abertura PautadaB: Meio Jogo AbeÍtoC: Encerramento Pautado

dinâmica interpessoal do que à maneira cognitivo-comportamental, ou, então, se éconveniente intensificar técnicas dinâmicas ou corporais ou enfatizar a auto-ajuda-

A freqüência tradicionaÌ é de uma reunião semanal com uma hora e meia deduração, mas muitas vezes é modificada para duas reuniões semanais, e às vezes setrabalha com grupos intensivos diários. Convém aqui diferenciar os grupo5 ambula-toriais daqueles que são realizados em uma internação em instituição, que costumamser diários e variados.

Os programas interdisciplinares possuem uma estrutura de reuniões com come-ço e finalização predeterminados, e geralmente (figura 3) seguem o que chamamosde "estilo em escada". Este estilo consiste em construir "escalões", que são as ses-sões grupais com abertura e encerramento programados' (A e C), mas com dinâmicaaberta no meio do processo, que é o lugar das intervenções (B). Além disso, espera-se que cada encenamento seja conectado com a abertura da próxima reunião. A eficáciadessas modalidades depende muito da quantidade de integrantes e da clareza dosobjetivos. Por outro lado, é importante a capacitação dos líderes grupais profissio-nais e não profissionais, no que se refere à maneira de dar informação, aos sentimen-tos contratransferenciais e às intervenções. Deste modo, os gnìpos com pacientesobesos, bulímicos ou anoréxicos caracterizam-se poruma necessidade técnica constan-te de manter um equilíbrio entre o trabalho sobre o alimento e o corpo e o que estárelacionado com outras áreas. A consigna quejá propúnhamos no final dos anos 70 é:"Se se fala só de comida ou de peso, o grupo vai mal- Se não se fala nunca de comidaou de peso... também vai naf'. Muitos sistemas tratam de garantir este equilíbrio,utilizando em (A) um material escrito, que atua como informativo, mas também como"disparador" de temas sobre os quais são feitas reflexões pessoais. Outras vezes,tomam-se os emergentes individuais, para iç em um segundo momento, para o traba-Iho com o material escrito, o que não é utilizado, em outras modalidades.

Habitualmente, as intervenções variam de acordo com o estilo e a formação doslíderes, o modelo institucional em jogo e o tipo de demanda, que pode ser diferenteem obesidade, bulimia e anorexia nervosa. Há técnicas gerais de compromisso e demobilização, qlu.e costumam ser aplicadas em geral, e técnicasfocalizadas exclusiva-mente em determinada oroblemática.

FIGURA 3. Enquadramento e processo grupal.

' Ê semelhante ao modelo de paÍtida de xadrez, que Freud utilizou par Íeferir-se ò técnica psicoterapêutica individuâÌ.

212 ZÌMERMAN & OSORIO

As primeiras incluem diferentes procedimentos (geralmente com o formato de'Jogo" ou "experiência"), cuja ênfase está em obter coesão em grupos dispersos, parao desenvolvimento da tarefa, e em mobilizar grupos "estancados" em sua dinâmica.Se se observar bem, ver-se-á que se trata de intervenções vinculadas com o princípiode semelhança e o de confrontação.

Isso implica entender que a dificuldade existente é independente do modelo(princípio de modelização). Ou seja, a proposta terapêutica mantém-se fixa, e o trabalhoé estritamente sobre a dinâmica grupal. Outras vezes, ocorre ser necessário modificaro próprio modelo; esse processo é geralmente mais complexo e prolongado, e neleinflui a evolução da ciência, os costumes e os paradigmas vigentes. Mudar o modelosignifica mudança nos objetivos e nas técnicas. Em obesidade, por exemplo, costu-mam constituir-se "grupos de manutenção ou de recuperados", cujas problemática emaneira de trabalhar são muito distintas de quando o objetivo é o emagrecimento. Hátambém grupos de hiperobesos, bulímicas e anoréxicas com modelos variados.

As técnicas que chamamos de/ocalizndas concentram-se em uma problemáticaespecífica, que é considerada significativa para os integrantes de um grupo em particu-la-r (auto-estima, imagem corporal, descontrole, agressividade e raiva, assertividade,expressão de emoções, vínculos familiares, sexualidade, problemas laborais, desenvol-vimento de habilidades, etc.). Implementam-se em diferentes formatos, mais didáti-cos ou mais vivenciais, dentro do programa habitual do grupo, ou como oficinasespeciais. O treinamento e a criatividade dos líderes grupais é importante pÍrÍa perce-ber as necessidades do grupo, fazendo uso de seus sentimentos contratransferenciais,seu senso comum e não esquecendo o objetivo principal da atividade.

De maneira geral, minha forma atual de pensar sobre a coordenação desses gru-pos é hierarquizar três condições naturais e três capacidades adquiridas pelo estudo eexperiência, acima da origem profissional ou ideológica. Não impoÍa tanto que sejamédico, psiquiatra ou nutricionista, mas o que se espera dele: cordialidade, lideran-

ça e capacidade de sugestão, denrro de sua maneira de ser, e que esteja capacitado adar apoio e informação, e realizar ceÍtas confrontações com a realidade. E fundamentalo conhecimento das patologias, o autoconhecimento e a posição ética frente ao tema,além do treinamento em grupos.

É muito útil, em minha experiência, o trabalho em co-terapia, com papéis diferen-ciados, em que pcdem ser combinados, por exemplo, o psicanalista e o médico ounutricionista, ou (s* é o c^aso) com "o recuperado" da patologia em questão, ou qual-quer outra combinação ;rofissional.

Vinheta clínica'

Trata-se de um grupo de 9 pacientes bulímicas mulheres, de 22 a28 anos, coordena-do por uma psicóloga.

Integrântes

B: possui sobrepeso, antecedentes de ingesta de álcool e comprimidos. Pouco comu-nicativa, muito querida e cuidada pelo grupo.

' Agmdeço à Licenciada Gabíela Cassoli o material oferecido pela sup€Ívisão, do quâl foi extraídâ eslâ vinheta clínica.

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COMO TRABÂLHAÀÍOS COI{ GRUPOS 213

A: baixo peso e purgas. Antecedentes de internação, está em tratamentopsicoterapêutico individual. Muito integrada e comunicativa.

L: baixo peso e purgas. Está casada e é psicóloga. Muito racional.

M: sobrepeso e purgas. É professora e realiza psicoterapia individual.

M, A.: muito curiosa, peso normal, com purgas. Recebe medicação psiquiátrica.

C: tímida, peso normal, é a mais antiga.

P: estudante de psicologia com dificuldades de integração. Baixo peso e empanzina-mentos.

J: com dependência de laxantes, falta freqüentemente.

G: sobrepeso e empanzinamentos. Boa integração.

Observe-se, nesta brevíssima apresentação, o grau de cumprimento do princí-pio de semelhançr. Isto se avaliaria da seguinte forma: semelhança total em sexo eidade, quase total em conduta alimentar (quatro integrantes têm purgas), 507o empeso (aproximadamente a metade pode baixar de peso) e total também na condiçãosócio-cultural. No modelo deste grupo, seus integrantes são pesados pela nutricionista,e essa informação depois é dada pela psicóloga, em termos de "subida", "descida" ou"manutenção"; é colocada aênfase na expressão de emoções vinculadas àproblemáticaalimentar ou qualquer outro tipo de conflitos.

Sessão abreviada

A. pergunta a B. como está, e B, lhe diz que, no momento, não quer falar; propõefalar depois. A coordenadora dá uma informação geral sobre a evolução do peso, e L.diz que deve confessar algo: pesou-se sozinha, antes que a nutricionista a pesasse.Reconhece que não fez o qge devia e não sabe se isto vai repercutir de forma impor-tante no grupo. Os demais integrantes fazem alguns comentários, e a coordenadoratoma o tema das questões perigosas (balança'), durante a primeira parte do tratamen-to, e sobre a necessidade de cumprir as regras.

M. A. conta que sua mãe a perseguia com a balança, e relata uma briga muitoforte com ela, na qual sua mãe lhe diz que parece que, para que M. A. fique bem, énecessário que ela morra. A partir desta situação, M, A. decide ficar fora de casa nashoras de comida. Faz suas refeições na casa de seu namorado ou amigos. Conta quesua máe esteve doente "com depressão", por 3 anos, diante do que ela tomou conta dacasa. Nesse momento, quer consultar uma psicóloga, e seus pais a levam ao pediatra.O grupo assinala a incoerência de ser a "Senhora da casa" e ir ver um pediatra. Acoordenadora observa M. chorando, e M. diz que está muito mal, porque voltou acomer compulsivamente esta semana e isso a preocupa. Conta que está prestes acompletar o primeiro aniversário da morte de sua mãe. Diz que está tudo bem comela, menos os vômitos e as compulsões. A coordenadora pergunta o que a deixa maistriste, M, começa a chorar e diz que se sente muito só. O grupo lhe pergunta sobre arelação que tinha com sua mãe e como foi sua morte. M' fala de uma relação de

\ r 'i A FLr\É balanzâ", em castclhâno, târnbérn podc ser entendida com o scntido Íìgurado de forca.

I

2t4 ZIMERMAN & OSORIO

"cupinchas". Nos últimos tempos, viveu só com sua mãe, compârtilhando inclusive acama. Ali começa seu tratamento psicológico e fica noiva. Começam as críticas desua mãe, acusando-a de abandono. Em seis meses, a mãe rnorre de câncer. Até aqui,o grupo escuta atentamente, e não faz nenhuma intervenção. A coordenadora propõetm exercício. M, aceita: apagam-se as luzes, pede-se a ela que feche os olhos e ima-gine que tem a solidão sentada frente a ela, e que lhe fale. Há um tempo em que M.lamenta estar sozinha; depois quer sentir que, embora sua mãe não esteja, pode reti-rar de si a culpa que tem por dentro, por não ter podido despedir-se dela, por não terfeito tudo o que teria que fazer para ajudá-la, por ter sido egoísta.

O clima do grupo é muito emotivo, vários integrantes choram. Termina o exercí-cio, acendem-se as luzes e, durante alguns minutos, ninguém fala. A. oferece a M.um lenço, senta-se a seu lado e a abraça. C. comenta uma situação semelhante, comrespeito à morte de seu pai, e lhe diz que não tem de sentir culpa, que fez tudo o quepôde e até mais.

G. diz que não saberia o que fazer em uma situação dessas, e pouco pode dizera M,, ela também sente culpa ao pensar que, fazendo determinadas coisas, possaprejudicar sua família, dizJhe que é importante que tenha falado.

J. diz que naquela semana morreu um dos tios que a criou (sua mãe morreuquando ela tinha 2 anos), e a única coisa que pôde fazer foi fechar-se em casa ecomer. Não pôde ir ao velório, nem despedir-se do tio. Fala de sua dificuldade desentir e exprimir afetos. Diz â M. que ela teve a oportunidade de fazer algo por suamãe, ela (J.) não teve tempo. M. responde que às vezes os pais não aceitam o cresci-mento e que sua mãe morreu quando ela estava se desapegando para fazer sua vida.L, lhe diz que a única coisa que lhe faltou (a M.) foi morrer, junto com sua mãe. P.,muito angustiada, diz que, escutando M,, identifica-se com ela, no que se refere aoque acontece atualmente com sua mãe, que está viva.

A coordenadora pergunta ao grupo pâra que acreditam que serviu o exercício.A. dá prioridade ao que M. contou sobre sua mãe, e o quanto está só. Frente ao

tema das compulsões e vômitos, diz que é mais importante que lhe cause mais dor ofato de enfrentaÍ a morte de sua mãe do que estar com compulsões. B. consideraimpoÍante que M. pudesse desabafar. L. fala da relação que existe entre a comida etodas as mães, e diz aM. que ela está se enchendo de comida, assim como gostaria deestar se enchendo de mãe. Fala das dificuldades que existem com as mães, os desejosque rebentem e as culpas por esses sentimentos. J. diz que todo mundo, em determi-nado momento, se sente só. Diz que se leva esta solidão por dentro, e muitas vezes apreenchemos com comida. A. diz: "Que pequena parece uma compulsão, perto detudo isso que estamos falando!"...

M, diz que o exercício serviu, para ela, para conectar-se com o que estava sen-tindo e que lhe fez descaÌregar todo o choro que estava acumulado.

M. A. relaciona a sensação de solidão com as mães e a comida. A. mostra quequanto mais uma pessoa come, mais escapa de situações, e volta a pedir aB. que fale.Quando do final do grupo, a coordenadora assinala que é necessário falar da finalida-de do exercício, antes de terminar o grupo. Mostra a B. a dificuldade que teve, aolongo do grupo, para ocupar um lugar e ser escutada. B. reconhece sua dificuldadepara falar no grupo. Pede-se a ela que fale disso no próximo grupo. Também afirmaque a finalidade do exercício foi sobre o que fazer com a sensação de solidão, e sãopropostas as seguintes metas:

1) é fixado um horário paraB,, no qual deve começar a falar no próximo grupo; se nãoo fizer neste horário, uma companheira escolhida por ela (4.) a lembrará disso.

COMO TRABALHAMOS COM GRUPOS . 2I5

2) Indicam-se M. e M. A., que deverão falar por telefone durante a semana sobreaquilo que tiverem vontade, e depois trazer uma síntese para o próximo grupo.

Comentário

No material clínico apresentado, podem-se observar diferentes exemplos da aplica-ção dos princípios gerais e das modalidades técnicas antes mencionadas. Em primeiro lugar, observe-se que o momento de início desta sessão está na zona 2, mas rapida-mente o grupo trabalha na zona 3, e depois circula para azona5.Influi nisso o graude coesão (princípio de semelhança), que é alto, e que permitiu desenvolver umaexperiência emocional e uma aprendizagem interpessoal em relação à figura mater-na, as perdas, a solidão e sua relação com a conduta alimentar. Muitos grupos quecomeçam na zona 2 circulam até a 5, onde também confluem os que começaram nazona I (auto-ajuda). Observe-se também a estrutura que chamamos de "escada", emque no princípio a terapeuta dá uma informação própria do modelo de trabalho, omiteintervir sobre o desejo de não falar de B. e toma o que propõe L. para fazer umassinalamento geral ao grupo, também vinculado ao modelo (balança, etc.).

A partir daí, M. A. conecta aproposição geral comuma situação pessoal vinculadacom sua mãe, seu papel em casa e a alimentação. O grupo interpreta um aspecto deseu relato e ali a terapeuta intervém, ao observar a M. para trazer o que vai ser o temacentral do "meiojogo" do grupo.

A coordenadora propõe um exercícìo, o qual, para este grupo e neste momentode trabalho, é oportuno, por seu efeito de mobilização sobre os outros integrantes. Dedistintas formas, G., J., P. e A. expressam sua identificação com aspêctos do expressado(e mostrado) por M. Observe-se que 8., que no princípio não queria falar, consideraimportante que M, possa desabafar, e que L., que rompeu no princípio uma regrabásica do grupo, é quem realiza uma "interpretação" intelectualizada. Em troca, J. êespecialmente A. exprimem de forma mais emocional.a conexão entre os problemasalimentâres e emocionais.

No final, a coordenadora retoma a finalidade do exercício, confrontandoB. comsua realidade, e propõe tarefas vinculadas com a importância da expressão verbal dosproblemas. Observe-se que a intervenção sobre B. é mais "comportamental", apro-veitando o vínculo com A., e, no caso de M. e M, 4., procura-se fortalecer a identifi-cação e a auto-ajuda.

Quanto ao conteúdo em si desta situação grupal, em relação aos transtornosalimentares, podem-se apreciar os seguintes aspectos:

a) Quando M, diz que "está tudo bem com ela, menos os vômitos e as compulsões",abre-se um tema típico qlue é onde colocar a ênfase no trabalho grupal. Aqui, acoordenadora - em outro momento do grupo, ou em outro tipo de grupo - teriapodido perguntar sobre os vômitos e compulsões, ou participar ao gmpo essetema, para depois fazer algum assinalamento. Entretanto, escolhe intervir sobre oestado geral de M., perguntando-lhe o que a deixa triste. Dali surge o tema doluto não-elaborado e da solidão. Através desse caminho - via exercício - traba-lha-se também com o problema das compulsões.

b) Observe-se como, pela boca de 4., de L. e de M. 4., exprimem-se diferentesníveis de conexão entre o sintoma alimentar e o estado emocional: para 4., émais doloroso enfrentar a morte da mãe, e uma compulsão é um mal-estar muitopequeno em relação a isso. Tal é um tema habitual de grupos em que há pacientes

216 ZIMERMAN & OSORIO

que magnificam o empanzinamento pela sensação subjetiva de descontrole. L. eJ. tomam o aspecto substitutivo do cheio de comida, mas de maneira distinta: L.lhe atribui especificidade ("mãe"), eJ. lhe dá mais generalidade ("solidão"). Comoescrevemos algures (Zukerfeld, 1992), se a manifestação bulímica é neurótica,pode ser adequada a intervenção de L,, porém, se não é, é construída uma racio-nalização, em que a paciente continuará comendo, dizendo que está se "enchen-do de mãe". Em ìVI. A., está mais marcado o sintoma alimentar, como benefíciosecundário para evitar enfrentamentos com a realidade.

c) Em geral, o trabalho grupal com empanzinamentos e vômitos começa com a descri-

ção das circunstâncias (lugar, horiirio, quantidade e qualidade da alimentaçãoanterior), a reconstrução do estado de ânimo e da forma de pensar (intenção die-tética, depressão, hostilidade, ansiedade, automatismo). Posteriormente, inclui-se a valorização subjetiva que o paciente faz do sintoma, sua forma de apresentá-lo ao grupo, seu efeito nos demais integrantes, o ocultamento ou o pedido deajuda, etc. Como vários desses aspectos já haviam sido trabalhados em reuniõesanteriores, a coordenadora se dirige ao ponto de urgência, que era a tristeza de M,

d) Muito do material que surge neste, e em muitos outros grupos, não é trabalhado nogrupo, mas no marco da psicoterapia individual. Um trabalho interdisciplinarequilibrado permïte produzir temas, e destinálos ao campo individual médico-nutricional ou psicoterapêutico. Tinha sido interpretado justamente a M., há Imês, sua tendência ajejuar e a necessidade de lembrar-se da inclinação a comer,para não ter empanzinamentos. E também habitual a situação inversa: indicaçõesdo nutricionista ou intervenções na psicoterapia, que são trabalhadas no gÍupo.Por isso, dizemos que, quando um grupo homogêneo trabalha bem, é receptor-continente de diferentes temas. mas também é produtor de conteúdos Dara o ter-reno extragrupal.

A paciente N., de baixo peso, recebe a indicação médica de aumentar o valorcalórico de sua alimentação. Tal fato a angustia, e toda uma reunião grupal se dá paracontêJa. Mas, além disso, nessa mesma sessão, trabalha-se seu horror à gordura e éesclarecido seu temor oculto de ficar parecida com a mãe obesa, tema que é derivadopara a psicoterapia individual. Também é estabelecido um sistema de ajuda, para quecoma o que é indicado, e surge uma série de observações que deverão ser discutidasposteriormente com a nutricionista.

CONCLUSÕES

O trabalho em grupo com pacientes com obesidade e transtomos da alimentação temsido muito difundido. Há importantes organizações, em diferentes países, que há 30anos trabalham grupalmente com obesos (Weight Watchers, Overeaters Anonimous,nos Estados Unidos, Al-CO e Dieta Club, na Argentina, etc.) e numerosos programaspara anorexia e bulimia, nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, França, Espanha,Brasil e Argentina. Esses grupos têm bons, medíocres ou maus resultados, porém,segundo meu critério, não deveriam ser avaliados isoladamente, mas incluídos emabordagens interdisciplinares mais amplas. Possuem suas indicações e contra-indica-ções, como qualquer recurso terapêutico, e há controvérsias sobre quais são as modalidades mais eficazes. Neste sentido, não creio que a técnica (auto-ajuda, educacional,psicoterapêutica, etc.) seja o que define a evolução, mas o encontro entre integrantese coordenadores em um contexto adequado:

COMO TRABALHAMOS COM CRUPOS 217

. Os integrantes do grupo estabelecem uma combinação aleatória de vínculos, comsuas distintas personalidades e experiências terapêuticas (sua maior ou menorinclusão em programas interdisciplinares) e o grau de pressão social e/ou famili-ar que têm para modificar sua condutâ e/ou seu corpo. Não se deve esquecer -neste último sentido - que as patologias de que trata este capítulo são fortementeinfluenciadas por fatores sociais tanto em sua constituição como em seu trata-mento. Deste modo, o grupo homogêneo é muitas vezes uma "ilha", com valorese regras opostos aos do ambiente cultural e familiar do paciente. São muito co-nhecidos os problemas dos pacientes perlencentes a atividades vinculadas com obalê, a atividade física, a nutrição, a moda, modelos, etc., em que se chocam osvalores dos diferentes âmbitos.

R, de l7 anos, conseguia ver o quão m agÍa estav adentro do grupo de anoréxicos,graças às intervenções "em espelho" de outros integrantes, quando eram feitas expe-riências sobre a imagem corporal. Porém, no colégio inglês que freqüentava, lhecomentavam que era magra de cara, mas tinha músculos gordos. Era conhecida nogrupo como "Penélope", porque o que se "tecia" no grupo se "desfazia" no dia se-guinte, no lugar onde permanecia por mais de 8 horas diárias.

. Os coordenadores possuem características de personalidade, treinamento e papelprofissional (ou não profissional), conhecimento dos princípios gerais, criatividadee também - como algo específico destas patologias - sua experiência pessoal emrelação à alimentação e ao corpo. Este é um temamuito amplo, que não desenvolve-rei aqui, mas é importante a influência das crenças, preconceitos e sentimentoscontratransferenciais dos terapeutas em relação àqueles temas.

Em uma supervisão, a psicóloga S., com um certo sobrepeso, relata que assina-lou a uma integrante do grupo que está tendo "excessiva" atividade física, indo aoginásio 4 vezes por semana. Pode-se ver logo que S. tem um intenso rechaço à ativi-dade física, por sua experiência pessoal frustrante e inclusive uma certa rivalidadecom a paclente.

Em geral, determinar o que é "muito" ou "pouco" na alimentação, e o que é"gordo" ou "magro" no corpo, possui zonas ambíguas, onde é decisiva a experiênciapessoal do observador, os costumes sociais e os paradigmas vigentes.

Em definitivo, a tarefa grupal com pacientes com transtomos alimentares, in-cluída dentro de uma abordagem interdisciplinar, é um recurso muito útil, à medidaque se conheçam seus princípios gerais, tenha-se clareza nos objetivos, humildadenas expectativas e criatividade nas técnicas. Deste modo, conseguir-se-á também di-minuir a improvisação, combater as seitas e dar hierarquia à solidariedade, na cons-trução de subjetividades.

RETERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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20Grupoterapia paraAlcoolistasSERGÍO DE PAULA RAMOS

Desde que, no século passado, Magnus Huss conceituou alcoolismo como doença,discute-se a forma mais eficaz de tratá-la. Aliás, se faz oportuno reconhecer que,apesar dos desenvolvimentos havidos neste campo nos últimos 30 anos, a maioriadas pessoas que bebem de uma forma problemática segue sem procurar tratamento.O esquema 1 (p- 220) tenta ilustrar o que se passa na história natural desta doença.

Como pode-se depreender, para que as chances terapêuticas aumentem é necessá-rio que o profissional esteja apto a reconhecer, e a entender, a crise motivadora daprocura de ajuda; saber formular corretamente os diagnósticos do indivíduo e suafamília; traduzi-los de maneira compreensiva aos mesmos, para que objetivos tera-pêuticos possam ser compartilhados entre o técnico, o paciente, e, sempre que possí-vel, com sua família. Dessa comunhão deverá surgir uma clara proposta terapêutica.

Parece que os desâfios no tratamento de alcoolistas são tão grandes que, desde oeletrochoque até as terapias de reposição de íons, desde a psicanálise até as técnicascognitivistas de prevenção de recaídas, foram propostos com entusiasmo por diferen-tes autores.

Esse espectro de altemativas, a partirdos anos 70, começou a ser cientificamen-te avaliado quanto à sua eficácia, e hoje um conceito bastante atual é do mctching, ouseja, reconhece-se que não existe a técnica terapêutica mais efircaz para todos oscasos, e o que se procura é adequar um determinado esquema terapêutico para umdado paciente.

O esquema 2 (p. 221) deve ser entendido como um esforço didático para nortearas diversas opções de tratamento.

Por esse esquema devemos considerar sempre a severidade da doença e a moti-vação que conseguimos despertar em nosso paciente.

De uma maneira geral, pacientes menos graves e bem motivados podem sermuito ajudados numa terapia breve, a qual deverá se alicerçar em técnicas de preven-ção da recaída, restringindo-se ao foco das relações do indivíduo com as bebidasalcoólicas.

Quando, no entanto, estamos frente a um dependente grave e com muitos anosde evolução de sua enfermidade, é pouco provável que uma terapia focal dê conta deajudáJo na complexidade de todos os seus problemas.

O presente capítulo discute qual o lugar que a psicoterapia de grupo para alcoo-listas continua tendo no contexto aludido.

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COMO TRABALH.\ÀÍOS CO]!Í CRUPOS 221

Bem motivados Pouco molivâdos

Pouco dependentesde álcool

Muito dependentesdê álcool

Terapìa BreveCognitiva Focal

lnformação

Terapiamaisextensa Hospitalizaçàocom aboÍdagem de outrosproblemas também

ESOUEMA 2. Diferentes propostas terapêuticas e a questão do matching.

Inicialmente, é justo reconhecer que alcoolismo é uma doença estigmatizadora,na qual seus portadores pensam (on ipotentemente) serem os únicos a virienciarem taisituação. O grupo passa então a ter a vantagem do compartilhamento de experiencias,que haverá de facilitar a meÌhor percepção do funcionamento do indivíduo, visto, poiidentificação projetiva, nos demais membros do grupo.

. Portanto, quando alcoolistas já foram bem diagìosticados e estão motivados, aindicação de grupo se destaca, respeitando-se apenai as seguintes contra_indicações:

a) funcionamento psicóticob) pessoa de reconhecimento públicoc) intoxicados ou pouco.onui.tos qurnlo à abstinência

- Sendo um grupo apenas de alcooÌistas, como será descrito adiante, um paciente

psicótico rapidamente será identificado como "o diferente" do grupo e.marginaliza-do, sendo que desse processo ninguém tira proveito.

. _ _Igualmente, uma pessoa que seja bastante conhecida (como, por exemplo, auto_ridades e artistas), num grupo, acabará ficando exposta, iabido que o sigilo ã algonem sempre mantido por todo o tempo. No entanto, parece que esta contra_indicaçãoé para grupos em geral e não apenas para gÍupos de alcooliitas.

Por último, pacientes ainda intoxicados, pouco convencidos a manterem-se abs-têmios e ainda sem vínculo maior com o terapeuta beneficiam-se mais se perrnanece-rem por argum tempo ainda em atendimento individual, onde seu acompanhamentopoderá se dar com a intensidade devida.

Finalizando o tópico, uma paravra sobre os introvertidos. Tâis pacientes dão-semelhor em grupo do que em atendimento individuar, onde sentem obrigação de farar,angustiando-se com isso e interrompendo o tratamento antes que algu;a;juda possalhes ser dada.

OBJETIVOS

.{té quase a presente década, o objetivo de quaÌquer alcoologista com seu pacienteera a abstinência, e as terapias - individuais ou grupais _ limitavam_se a ajudar ocliente a manter-se abstêmio.

. O tempo mostrou queum abstêmioque se mantenha desadaptado, ou pelas seqüe_l1s próprias do alcoolismo ou por dificuldades neuróticas

" pii"ótica, iubjacenìes,

tem maiores chances de recair no uso do álcool que um abstêmio adaptado. Adapta_

) ) ' , ZIMERMAN & OSORIO

do, aqui, compreende o indivíduo capaz de desenvolver uma interação criativa comseu meio.

Na prática, aìnda que a simples abstinência seja um elemento propulsor de umamelhor adaptação, posto que a expressiva maioria dos alcoolistas é constituída dealcoolistas primários, isto nem sempre acontece, e passa a ser objetivo do grupo aelaboração de dificuldades pessoais relacionadas com o presente do paciente, visan-do a ajudá-lo a melhorar sua vida de relações.

O GRUPO

Alcoolistas são pacientes que necessitam se abster do álcool numa sociedade queestimula seu consumo. Desse fato, emana uma série de peculiaridades no tratamentode tais doentes, as quais não se encontrâm em grupos de pacientes com outros trans-tornos. Por isso, a experiência ensinou que convóm reunir os alcoolistas em gÍuposhomogêneos, ou seja, só de alcoolistas. No entanto em consultórios em que a deman-da não comportar a existência de um grupo exclusivo, a introdução de dependente deoutras drogas não acarreta dificuldade técnica maior.

Em um passado não distante, além da hofnogeneidade nosográfica, também seprocurava homogeneizar o grupo qurnto uo sexo. ao nível sócio-econômico e à faixaetiíria. Nota-se, atualmente, tendência inversa, e a maioria dos técnicos que traba-lham com alcoolismo pensa ser enriquecedor o grupo de alcoolistas ser heterogêneoem todos os outros aspectos, cabendo ao próprio gmpo fazer suas triagens naturais.

Outra questão a ser considerada na formação dos grupos é seu tamanho.Na literatura, encontram-se propostos desde grupos com 7 pacientes (Brown,

l97l) até 40 o\ 50. A leitura dessas diferentes propostas esclarece, entrementes, queo tamanho do grupo é em função de seus objetivos. Um grupo que se restrinja a ser deexclusiva manutenção da abstinência pode ser maior, mas deve-se questionar se essesmacrogrupos não seriam substituídos, com vantagens econômicas e mesmo de eficá-cia, pelos Alcoólicos Anônimos.

Quando os gÍupos se propõem a manter a abstinência e melhor adaptar seusmembros, então o número fica limitado até o máximo de 15 participantes; é notório eimportante salientar que cada terapeutiì tem um continente intemo próprio para estesgrupos, uns preferindo trabalhar com 8 pacientes, outros com 13, como é o caso doautor deste capítulo.

O CONTRATO TERAPÊUTICO

Já se disse que um contrato bem feìto é meio caminho andado. No caso do alcoolismoé2/31

Sendo o álcool uma substânciâ neurotrópica, um paciente que reincidir no seuuso tem a tendência de querer mudar as regras do jogo de acordo com sua visãoparticular do mundo. Portanto, um contrato dúbio, que fique apenas ao nível do im-plícito, é ocoÌrência suficiente para justificar um fracasso terapêutico. Ao contráriodisso, o contrato com alcoolistas deve ser claro, explícìto, e não são poucos os auto-res que sugerem que o mesmo seja por escrito e em duas vias (uma para o paciente,outra para o gnÌpo), ou mesmo em três vias (incluindo-se o familiar significativocomo afiador do mesmo) (Vannicelli, 1982). Escrito ou verbal, o fato é que um bomcontrato terapêutico com aÌcoolistas deve, necessariamente, incluir os seguintes itens:

COMO TRABALHAMOS COM CRUPOS ,.).1

I - objetivo do tratamento2 - prazo mínimo de mútuo compromisso3 - tentativa de abstinência4 - abstinência no dia da sessão5 - nenhum segredo com os membros do grupo6 - sigilo com pessoas estranhas ao gÍupo7 - horários e local das sessões8 - aviso prévio nas impossibiÌidades previstas9 - honorários, dia do pagamento e data dos reajustes periódicos.

Esses itens devem ser discutidos um a um e combinados explicitamente na(s)entrevista(s) individual(aìs) de admissão do paciente ao grupo, e reprisados na pre-sença de todo o grupo, posteriormente.

Uma palavra sobre cada um dos itens antes de prosseguirmos.

7 - Objetivos: abstinência e melhoria da qualidade de vida (adaptação). Nãobasta que esses objetivos estejam claros para o terapeuta. E necessiírio que fiquemigualmente claros para o paciente, principalmente quanto ao que concretamente emsua vida pode se entender como melhoria da qualidade de vida.

Esse item, bem discutido, favorecerá, no futuro, a discussão sobre a alta.Já está assentado na lìteratura que dependentes leves de bebidas alcoólicas, de-

pois de uma desintoxicação e período de 6 meses a I ano de abstinência, podemtentar "beber sem problemas". Tais tentativas a meu juízo devem ser feitas ou nocontexto de terapia individual ou em grupos que, por terem apenas dependentes le-ves, podem ter a ingestão controlada como objetivo comum.

2 - Prazo mínimo de ntútuo comprontisso.' alcoolistas recentemente desintoxicâ-dos e principalmente sem experiência prévia de tratamento têm a têndência de desen-volver um comportamento arredio inicial com o grupo, expresso boa parte das vezespor um silêncio tenso. Tal situação, em pessoâs que freqüentemente têm um baixolimiar de tolerância à ansiedade, pode levar a um rompimento precoce.

Esse fato é possível de ser evitâdo se for combinado um prazo de 3 meses paraver se acontece ou não a adaptação ao gÍupo. Além disso, convém que também sejaestabelecido um tempo referencial de 2 anos, que pode ser maior ou menor, para oprocesso terapêutico.

3 - Tentatìva de abstinência: no contrato deve ser esclarecido que terapeuta epaciente concordam em que a abstinência deve ser tentada sinceramente pelo enfer-mo, constituindo-se quase que num requisito (mais do que num objetivo) para a participação no grupo, ressalvando o caso discutido no item l. Também deve ficar claroque uma recaída é possível, mas que o gÍupo espera ser avisado sobre ela na sessãosubseqüente à ingestão de álcool.

4 - Abstinência no dia da sessõo: alcoolismo é uma síndrome de evolução crôni-ca e, como tal, sujeito a recaídas. No entanto, se o pacìente ingerir álcool (qualquerdose) no dia da sessão, ele não está em condições de aproveitá-la e o melhor para si,bem como para os demais, é que não venha.

5 - Segredo: não há possìbilidade de que um processo psicoterapêutico sejalevado a cabo se "certas" coisas não puderem ser faladas no grupo. Portanto, é compro-misso do paciente não exercer qualquer censura consciente de seu material com ogrupo, sejam informações reÌacionadas com o uso do álcool, ou independentes deles.

224

6 - Slgila.' o comentário sobre revelações feitas em grupo fora dele comprometea confiabilidade e liquida com as chances terapêuticas.

7 - Horárìos e local das sessries: existem grupos de freqüência semanal e outrosde 2 vezes por semana. Um pacìente, âo seÍ introduzido em um desses grupos, precisacompreender a importância da assiduidade, sendo indispensável que o grupo se reúnasempre no mesmo local. Regra fundamental para serviços ambulatoriais, nos quaismuitas vezes existem variações nas salas usadas.

8 - Aviso de faltas previstas: a lalta de um membro, principalmente quando setrata de um grupo novo, é sempre motivo de inquietação. Será que fulano bebeu?Devido a isso, espera-se que o paciente sempre avise até momentos antes da sessãosobre sua falta e os motivos.

9 - Honorários, dia do paguntento e rcajustes: é salsido que o alcoolismo é umadoença consumptiva também do ponto de vista econômico. A prática demonstra,entretanto, que os custos de um tratamento de grupo são sempre inferiores ao gastocom a própria bebida.

O acerto do preço, dia de pagamento e reajustes é feito como em qualquer outrocontrato terapêutico.

PERIODICIDADE

Alguns autores preferem trabalhar com duas sessões semanais, de uma hoia cada,sentindo-se mais confortáveis em acompanhar o paciente de perto. AIém disso, comuma freqüência dessas, alegam tornar o processo psicoterapêutico mais fluente. Ou-tros, entretanto, não vêem acréscimo qualitativo significativo e optam por uma únicasessão semanal.

Este autor trabalha com ambas as periodicidades, indicando o grupo semanalpara pacientes menos comprometidos.

TÉCNICA

Foram muitas as tentativâs de entendimento etiológico do alcoolismo primário nosúltimos 30 anos. Pesquisas sobre o metabolismo (principalmente hepático e cere-bral), sobre a genética e sobre aspectos sociológios foram as mais destacadas. Deconclusivo temos pouca coisa, e a principal delas é que não parece residir no campoda psicologia a resposta etiológicado alcoolismo primário. Afastadâs, categoricamente,as relações entre oralidade e alcoolismo (como fator etiológico), a frase "tem proble-mas porque bebe" é mais aceita atualmente do que a antiga "bebe porque tem proble-mas".

Com essa visão da síndrome de dependência do álcool é que se discutirão asquestões técnicas.

De início, fica afastada a técnica psicanalítica e suas adaptações para grupo.Aliás, interpretarum alcoolista em atividade, ou abstêmio recente, é fazer com que semobilize ansiedade no paciente, a qual não poucas vezes o levará ao consumo deálcool, sendo essa a razão do insucesso da psicanálise com a doença.

A técnica que parece ser usada pela maior parte dos especialistas é algo quepo<li ser descrito como uma terapia suportiva, onde o mais importante é um contínuo

COMO TRABALHAMOS COM CRUPOS )7\

confronto entre o que o paciente diz estar vivendo e o que o grupo percebe ser arealidade. Tal procedimento justificou que Glasseç 1975, tenha descrito essa técnicacomo terapia de realidade.

Um alcoolista, quando introduzido num grupo, encontra-se abstêmio há poucotempo, e necessitando reaprender todo um novo estilo de vida. A bebida, que lhe fezcompanhia em quase todas as situação vivenciadas nos últimos anos, ou mesmo dé-cadas, está proibida.

Ele chega ao grupo cheio de dúvidas quanto à natureza de suas dificuldades eansioso com a radical mudança de conduta que se lhe impôs. Sem dúvida, vive umasituação de luto, por ter perdido "a eterna companheira".

Uma postura carinhosa e receptiva que o estimule a falar, na velocidade quepuder, de suas novas vivências é indicada, pois só assim se animará a esclarecer avontade que tem de bebeç o constrangimento que sentiu ao recusar uma dose debebida frente a velhos companheiros, ou, ainda, a ansiedade experimentada na primeirafesta em abstinência. Esses assuntos, compartilhados pelo grupo, serão enriquecidoscom o depoimento dos demais membros há mais tempo abstêmios, funcionando comoexemplo incentivador. O que está vivendo não é privativo de sua vida, mas todos osdemais passaram por isso, e, o mais importante, hoje estão bem.

Ao mesmo tempo, reprisar este tipo de assunto enseja uma revisão nos demaispacientes sobre o grau de convicção na abstinência e a vontade de beber.

Nesta fase, onde o grupo não se furta ao secreto desejo de "embebedar" oterapeuta, quando é tão repetitivo o assunto álcool, vontade de beber, etc., cabe aoterapeuta suportar o evento, intervindo, sempre que necessário, para explicar fatossobre o alcoolismo, dando inclusive informações teóricas. Há mesmo autores quepreconizam aexistência, na sala de grupo, de um quadro-negro para aulas expositivas,e outros que trabalham com videocassete com o mesmo objetivo (Brown, 1977).

De qualquer forma, o terapeuta terá em mente ajudar o novato a perceber quaissão para ele as situações de risco de uma recaída, ajudando-o e ao grupo a evitar taissituações quando estáveis e a aumentar a sua auto-eficácia, para lidar com as situa-ções inevitáveis de maior risco de ingestão de bebidas alcoólicas.

Portanto, nesta primeira fase de um grupo predominarão as técnicas de preven-

ção da recaída.Durante este período - e a revisão aqui em fases é puramente didática -, mais

cedo ou mais tarde, impreterivelmente, surge a pergunta sobre os hábitos alcoólicosdo terapeuta.

Um profissional inexperiente responderá de pronto, ou mais afoitamente aindadevolverá a pergunta para o grupo.

O exame do que o grupo pensa sobre cada uma das possibilidades é enriquecedore não pode ser atropelado. No entanto, no final, cabe ao terapeuta responder a per-gunta.

Frente à questão sobre os hábitos alcoólicos do terapeuta, pelo menos duas impres-sões podem estar implícitas: "Se ele não bebe, o que entende de beber para me tra-tar?", "Se ele bebe, por que quer que eu pare?".

Na elaboração dessas questões, bem como de qualquer outra, não se deve nuncaesquecer que alcoolistas em gÍupo não são pacientes de análise, jamais devem serinterpretados e carece de sentido uma posição neutra por parte do técnico. Ao contrá-rio, indica-se uma atitude afetiva sugestiva, confiante e participante.

Após dois ou três meses de sessões, cujo tema predominante é o álcool, o grupocomo que acorda do pone, propiciando a seus membros começarem a olhar para si epara os outros, examinando as relações consigo mesmos e com os demais, não só

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membros do grupo, como familiares, colegas de trabalho e de lazer. Inicia-se, dessamaneira, a fase terapêutica propriamente dita, onde o paciente será ajudado a verrealisticamente sua contribuição no estado de sua vida de relações. Aqui, há de sepreferir o enfoque da atualidade e centrado em mudanças de conduta. De nada adian-ta, dentro desta técnica usada, trazer fatos de um passado distante, o qual não serápossível ser elaborado. Sem dúvida, essa fase é a mais demorada, e dela o pacientesai para tratar de sua aÌta.

A prática demonstra não estar indicado dar alta para um paciente com menos dedois anos de abstinência e seus critérios serão discutidos a sesuir.

Quando da alta de um membro, o grupo passa por uma ciise de desligamento ecomo vivencia essa crise é um bom sinal para o terapeuta avaliar o prógresso de seusmembros. Será adotando antigos procedimentos de retaliação mútua, ou com umaconduta onde os sentimentos de perda poderão ser reconhecidos e verbalizados]

Tanto a terapia de apoio centrada na realidade (Glasses, 1977), quanto o grupooperativo (Yalon, 1974), ou o psicodrama (Araujo, 1985; Blum, 1978) são úütousados por especialistas em alcoolismo e, em qualquer dessas técnicas, essas trêsfases podem ser percebidas.

RECAÍDAS

A natureza crônica do alcoolismo faz prever que uma eventual reincidênciano uso doálcool deva ser incluída no rol das possibilidades.

Os pacientes que estejam engajados num grupo e recaiam têm um prognósticobenigno e, no mais das vezes, o próprio grupo pode lhes dar o suporte necessário pararetomar à abstinência. Entretanto, nem sempre isto acontece e, às vezes, o pacientechega a interromper seu tratamento para "beber sossegado". (Vide esquema l.)

Nesses casos, é boa prática que algum membro do grupo telefone para o pacien-te e, na eventualidade disso não ser suficiente para fazer o alccolista retomar às ses-sões, uma visita conjuntâ de dois ou três participantes do grupo à sua casa poderesolver o problema. Como esta é uma ocorrência freqüente em pacientes novos nogrupo, a vergonha por teÍ bebido e ter de enfrentar os comn:nheiros é a alavancamotora da conduta de afastamento. O saber que será visita.io funciona como estímulode permanência no gÍupo, pois o paciente está ciente que de qualquer maneira (nogrupo ou em sua casa) terá que conversar com seus parceiros de tratamento.

E raro que paciente em psicoterapia de grupo tenha uma rccaída séria o sufici-ente para necessitar hospitalização. No entanto, quando isto está indicado, um perío-do curto com posterior reintrodução no grupo é boa conduta.

A recaída pode ser oÌhada também pelos demais membros do grupo como umaoportunidade para se rever as convicções em torno da abstinência.

CRITÉRIOS DE ALTA

Um alcoolista que esteja pelo menos há dois anos sem bebere que nesse tempo tenhase readaptado frente à família, ao trabalho, ao lazer, bem como retomado sua saúdefísica e psíquica está pronto para alta.

Esta deve ser sempre da inciativa do paciente, que discutiÍá este assunto, tendo-se em vista seus objetivos pessoais no grupo. expresso no contrato de admissão.

COMO TRABALHAÀ1OS COIl I CRUPOS )1',7

Um fato que também acontece é o paciente sentir-se apto â ter alta do grupo,mas querer iniciar uma terapia individual para tratar "coisas que não têm a ver comseu alcoolismo". Havendo condições financeiras, este paciente é um bom candidatopara análise, desde que encaminhado para um analista que não questione sua absti-nência, ientando a moderaçãol

Combinada a alta, convém que a mesma seja marcada para dali a dois ou trêsmeses, para que possa ser elaborada tanto pelo paciente quanto pelo grupo. Por oca-sião da mesma, é boa prática incentivar o paciente a visitar o grupo, caso sinta necessi-dade.

GRUPO DE AUTO.AJUDÀ

Os mais populares na América do Sul são os Alcoólicos Anônimos (AA) e os clubesde ex-alcoólicos. No Brasil, que se saiba, existe apenas o AA.

Sua eficácia é indiscutível e a indicação é universal para alcoolistas. O que senota, no entanto, é uma resistência de pacientes de nível econômico maior em fre-qüentar as reuniões, bem como pâcientes que não foram tão longe em suas caneirasalcoólicas a ponto de se identificarenr com as histórias ouvidas numa sala do AA.

Cabe também iros profissionais da saúde ajudar a mudar tal situação, incenti-vando a que seu paciente não tão grave, ou inculto, ao passar a freqüentar o AAmude, com o tempo, o perfil de seu membro típico.

Por fim, cabe salientar que não há nenhum conflito entre a terapia leiga do AAe os grupos de psicoterapia, sendo boa conduta que os pacientes freqüentem ambos,simultaneamente. O único cuidado é que o terapeuta necessitará ser experiente osuficiente para evitar que o paciente venha ao grupo discutir os problemas do AA, eno AA querer discutir o que sente em seu grupo psicoterápico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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to3, t974.

2TGrupos com DrogadictosSILVIA BRASILIANO

Ao longo das últimas décadas, a psicoterapia de grupo tem emergido como um dosinstrumentos mais populares no tratamento da drogadicção, e em suas variadas mo-dalidades costuma integrar os mais diferentes tipos de programas terapêuticos. (Dodes,1991; Blaine, 1990) A ampla utilização dessa abordagem está embasada no consensodos especialistas de que a psicoterapia de grupo é uma intervenção valiosa comdrogadictos. A despeito disso, contudo, não se sabe até o momento qual orientaçãopsicoterapêutica é mais efetiva para estes pacientes. (Blaine, 1990; Pattison, 1989;Woody, 1989; Brandsma, 1985)

Assim, quando se fala em psicoterapia de grupo com drogadictos, não está sefalando de um campo único e consensualmente estabelecido. Na realidade, aspsicoterapias são tantas quanto são as formulações teóricas existentes, os métodosgrupais, as metas do trabalho e as orientações de cada terapeuta. Como conseqüên-cia, é fundamental que cada abordagem psicoterapêutica grupal com drogadictos es-pecifique quais são os pressupostos que a embasam. (Laufer, 1990)

PRESSUPOSTOS PARA UMA PSICOTERAPIA GRUPAL PARADROGADICTOS

Dentro do âmbito deste trabalho utiliza-se como referencial teórico-técnico para apsicoterapia grupal a psicanálise. No que diz respeito à drogadicção, esse referencialimplica a noção fundamental de que a dependência se dá na relação que o indivíduoestabelece com a droga, ou seja, não se considera que a droga sozinha seja responsá-vel pela situação do paciente. Ao contrário, pressupõe-se um sujeito ativo, que busca,usa e perde o controle sobre a substância, tornando-se um drogadicto. (Laufer, 1990)DèSsa forma, o entendimento se dá a partir do sujeito, emuma relação dialética, ondeseé verdade que não existe drogadicção sem dependência a uma droga, por outro lado,não é essa dependência que vai definir o sujeito. (Inem, 1993; Bittencourt, 1993)

Assim, a droga não vai atacar qualquer indivíduo, independentemente de quemele seja, o que deseja ou que conflitos tenha. A drogadicção envolve a globalidade dosujeito em um inter-relacionamento intricado e variável para cada indívíduo, que, sepor um lado não permite inferir necessariamente uma psicopatologia subjacente àqualquer drogadicção, por outro, aclara que a categoria drogadictos como um gÍupoé composta de indivíduos com realidades psíquicas muito diferentes entre si. (Inem,1993; Bittencourt, 1993; Silveira Filho, 1995)

230 ZIMERMAN & OSORIO

Nesta perspectiva, a psicanálise tem como objetivo primordial a particularidadedo sujeito, e a ação psicoterapêutica orienta-se na busca e na apreensão do sentido dadroga_em sua vida. (Laufer, 1990: Cancrini. 199 | )

E importante ressaltar que a proposta psicanalítica na clínica da drogadicçãonão é simples e coloca ao terapeuta uma série de impasses. Estamos tratando compacientes em que a quei;^a - o uso de drogas - é geralmente prazerosa, ou no mínimotem constituído a sua única fonte de vida e de identidade. Ademais, a fragilidadeegóica e a intolerência à frustração, aliada à dificuldade - ou ausência - de simboli-zação, impõem mudanças à abordagem psicanalítica tradicional. (Warks, 1989)

Particularmente com esses pacientes, a principal mudança a ser reaÌizada dizrespeito à mobilidade do terâpeuta. Esse é um fator fundamental e com pelo menosdois sentidos. Em princípio, ser móvel refere-se à técnica que com drogadictos nãoestará limitada à interpretação da resistência e da transferência. Tal fato não significaa utilização indiscriminada de qualquer instrumento técnico. Porém anular o proces-so analítico somente porque uma atitude mais próxima e calorosa do terapeuta, ouintervenção mais diretiva fez-se necessária é no mínimo questionável. Mobilidadesignifica também o reconhecimento de que a abordagem psicanalítica tem limitaçõesimportantes com drogadictos, o que implica a disponibilidade do analista para inse-rir-se em outros espaços terapêuticos e, principalmente, em um trabalho em equipemultidisciplinar. Em suma, na relação com drogadictos, o settíng analítico estarátanto mais resguardado quanto maior for a possibilidade do analista poder criar eousar. (Birman, 1993)

Nesse sentido, é importante lembrar que o próprio Freud, já em 1918, defendiaque para determinados pacientes seria necessário adaptar a técnica às suas condições,desde que os ingredientes da análise a ser realizada fossem aqueles tomados dapsicaná-lise estrita e nãotendenciosa. (Freud, l9l8)

Assim, desde a nossa perspectiva, para que a essência da psicanálise seja mantidaé impositivo respeitar seu elemento fundamental, ou seja, a "consideração da escutado funcionamento psíquico dos drogadictos, como condição sine qua non para seumanejo terapêutico". (Birman, 1993) O rigor do processo ànalítico está centrado naexigência de escutar e sublinhar o que está em pauta neste funcionamento, ou, emoutros termos, é a própria escuta que vai delinear a ética e o sentido da relaçãopsicoterapêutica. (Brasiliano, I 995)

DEFININDO OS NOSSOS GRUPOS COM DROGADICTOS

O objetivo de nossa psicoterapia com drogadictos é o de criar um espaço de reflexão,onde o paciente possa buscar o sentido de suas próprias vivências, na tentativa deencontraruma resposta diferente, que não a droga, para a transformação de sua realida-de. Dessa forma, o terapeuta não se coloca como uma autoridade das drogas quesabe, entende e está lá para ensinar. Ao contrário, oferecendo-se como receptáculo àsfantasias que nele possam ser projetadas, seu lugar é de quem não sabe, mas estãaberto a escutar e conhecer. (Mélega, 1994)

Esta tarefa não é simples, pois é justamente da vivência de sua realidade psíqui-ca que a droga protege o dependente. Essa realidade é sentida como frágil e dolorosa,e a angústia é de aniquilamento, destruição e morte. A droga funciona como umagarantia permanente de que o indivíduo não se confrontará com seu desamparo, pelaexaltação e grandiosidade do ego que seu uso provoca. (Kalina, 1976) Abster-se dela

COMO TRABALHAMOS COM GRUPOS 231

remete o drogadicto à sua problemática inicial e ao inevitável confronto com a exDe-riência do vazio, agora acrescido do desespero e da impotência, frente à constataçãode que a solução drogadictiva falhou. (Silveira Filho, 1995)

Os grupos que desenvolvemos só aceitam pacientes diagnosticados como de-pendentes de droga e são mistos em relação ao sexo, à idade e ao tipo de droga usada.As sessões de grupo têm freqüência semanal, com uma hora de duração, e não épredeterminado um tempo para a finalização do processo.

O grupo inicia-se com pelo menos 5 pacientes e funciona de forma aberta, atéque o número máximo de 10 paúicipantes seja atingido, quando, então, o grupo éfechado. No peíodo aberto, aentradade novos pacientes é mensal, sempre na primeirasessão de cada mês. Se, no deconer do tempo, um número maior que 6 pacientesabandonar a psicoterapia, o grupo pode novamente se abrir, por deliberação conjuntado terapeuta e dos pacientes.

O grupo é conduzido porum psicólogo com formação psicanalítica e supervisio-nado semanalmente. Não há qualquer contato individual entre o paciente e o terapeutaantes ou no decorrer do grupo. O encaminhamento para a psicoterapia é feito por ummembro da equipe, em geral um psiquiatra, que é responsável pelo atendimento indi-vidual do drogadicto.

Na primeira sessão do paciente no grupo é solicitada aos participantes uma bre-ve apresentação e é explicitado o contrato terapêutico. Esse momento é especialmen-te importante, pois drogadictos têm como característica alterar as regras de acordocom sua visão de mundo. Por temerem o aprofundamento de suas questões psicológi-cas, distorcem a percepção das situações que vivem, estruturando mecanismos de-fensivos no sentido de adequar a realidade às suas vivências. Assim, um contratoterapêutico com regras absolutamente claras e bem definidas funciona como garantiainicial para que o trabalho possa ser desenvolvido. (Ramos, 1987;7nmel,1992'1

Nosso contrato terapêutico inclui os seguintes itens:

Data. horário e local da sessão.Número mínimo e máximo de participantes: cada grupo terá no máximo l0pacientes e a sessão só ocorrerá quando pelo menos 2 estiverem presentes.Férias do terapeuta.Tempo mínimo de permanência no grupo: como o paciente é encaminhado aogrupo sem conhecê-lo - o que inclui o terapeuta, é compromissado que ele deveráfreqüentá-lo ao menos por I mês, antes de decidir, se for o caso, não continuar apsicoterapia. A proposta desse período de experiência tem como meta auxiliar opaciente a enfrentar o medo do desconhecido e abrir a possibilidade de criação deum vínculo terapêutico.Faltas e abandonos: caso o paciente esteja impedido de comparecer a algumasessão, deve cornunicar com antecedência ao grupo. Se ele não justificar suasfaltas por 3 sessões consecutivas, será convocado a compaÍecer. Se, mesmo as-sim ele faltar, será considerado como abandono, ou seja, será inferido que não háinteresse em participar da psicoterapia. Nesse caso, se, em algum momenro, opaciente desejar retomar o tratamento, será submetido auma nova avaliação indi-vidual e encaminhado para um novo grupo. Esta regra foi instituída para evitar afreqüência flutuante de muitos drogadictos que, passadas as primeiras dificulda-des com a abstinência, só comparecem ao gÍupo quando recaem.Sigilo: todas as situações tratadas no grupo não devem ser comentadas fora dassessões. O terapeuta também mânterá segredo, pois não conversará com familia-res, amigos ou colegas de trabalho do paciente.

a)b)

c)d)

e)

232 ZIMERMAN & OSORIO

h)

Associação livre: o tema das sessões é livre, não-restrito às drogas, sendo esco-lhido pelo gÍupo - o terapeuta não sugerirá nenhum assunto.Uso de drogas: é incentivada a abstinência no dia da sessão. Quando não ocorrer,o paciente compromete-se a revelar seu uso, e o grupo em conjunto com o terapeutadecidirá sobre a suâ participaçào na sessào.

Este item é especialmente polêmico, pois a posição dos diferentes autores écompletamente discordante. Alguns se colocam frontalmente contra a presençado paciente intoxicado na sessão, enquanto outros consideram a proibição comouma exigência impossível e até iatrogênica. (Warks, 1989; Kanas, 1982) Sobnosso ponto de vista, a recaída não possui o mesmo significado para todos osindivíduos e, portanto, é um contra-senso estabelecer a priori uma regra únicapara todas as situações. (Charles-Nicolas, 1991) Ao mesmo tempo, nossa aborda-gem grupal tem como uma de suas metrs a progressiva responsabilização dosujeito por sua vida, o que contradiz a deliberação exclusiva do terapeuta nesteassunto. Assim, o paciente intoxicâdo é considerado material de sessão, e dar aogrupo o direito de decidir permite com que os membros experimentem suas esco-lhas e possam trabalhar com os sentimentos identificatórios que a situação apre-senta. Vamos apresentar dois exemplos:

"C., uma pacientejovem dependente de cocaína, comparece ao grupo claramen-te drogada. Antes que alguém fale, conta que se drogou para "poder falar de suavida". Diz que se droga porque sua irmã gêmea morreu, ainda no útero da mãe,porque ela "roubou-lhe a vida, matando-a para poder sobrevivei'. Fala de suaculpa e do quanto drogar-se é ficar igual à irmã, morta. Chora muito e diz que,"de cara limpa", jamais falaria disso. O grupo silencia, e, depois de algum tempo,passa a dividir a sensação dejogo com a morte que também sentem quando sedrogam. Discriminados, podem falar a C. que não vivem culpa pela morte deninguém, mas sabem o que significa "morrer para pagar pecados". Ao final dasessão, todo o grupo parece mais aliviado"."Em outra sessão, M., dependente de cocaína injetável, aparece extremamenteagitado e começa a faÌar sem parar. Intenompe a todos, grita, levanta-se e andapela sala. Todo o grupo parece muìto incomodado, mas ninguém fala nada. Oterapeuta aponta o incômodo e relembra a regra. D. sugere, então, que M. fiquena sessão, mas de costas e sem falar nada. Ele obedece, e todos passam a falarsobre o que ocorreu na semana, como se M. não existisse. O terapeuta interpretaque negar a presença de M. ó negar uma parte da vida de todos, a intoxicação. M,está incomodando, mas também paÍece incômodo relembrar que já se comporta-ram como ele, atrapalhando quem esteve ao seu lado. Há um novo silêncio e J,conta que uma vez atrapalhou a festa de sua irmã por estar drogado. B. diz que éverdade, que não podem deixar M. de lado, e D., mostrando-se culpado, propõeque ele se vire e faÌe o que quiser. O teÍapeuta aponta como suas vidas parecemorientadas pelo tudo ou nada: ou esquecem o que houvem, ou se culpam e tole-ram tudo. Há uma nova discussão até que decidem que M. pode falar, desde quepossa respeitar os outros. M. ainda tenta interromper, mas sempre alguém o aler-ta dizendo que ele não está podendo ouvir. No final da sessão, O., que haviapermanecido calada, comenta "Puxa, como a gente é diferente drograda! E euque pensava que eu eÍa um barato, na verdade era muito chata!".

Pagam€nto: quando o atendimento é privado, deve ser combinado o preço doshonorários e definida com clareza a data do pagamento.

i)

COMO TRABALHAMOS COM GRUPCS 233

IN:CIANDO UM GRUPO

O momento de início de um grupo de psicoterapia com drogadictos é particularmentedelicado. Embora possa ser dito que em qualquer grupo há reaçóes frente ao desco_nhecido, em um grupo de dependentes a ansiedade está acentuada, até porque é para-4oralmente negada. Esse distanciamento defensivo da realidade ocot e,-e. iune,em função da mobilização do drogadicto para o tratamento, pois sua busca só oiorrequando se instala uma crise na sua relação com a droga. Muitas vezes essa crise nãoé da natureza de um conflito angustiado e trata-se somente de uma ameaça física,social ou psicológica que mobiliza o dependente. Neste sentido, nem semprjo desejodo drogadicto é curar-se ou reestruturar sua vida, mas sim livrar-se diameaça óureequilibrar a relação prazerosa, a lua-de-mel com a droga. que foi perdida. (Kãlina,1988; Olivenstein, 1988) Assim, a negação, a projeção e a racionalização funcionamcomo defesas fundamentais, pois operam como uma forma de proteção contra a peÍ-cepção da dependência e seus significados. (Brasiliano, 1993b)

_ Neste contexto, o processo inicial do grupo é marcado pela fala sobre a droga,embora dois momentos distintos possam ser discriminados:

1. "O jardim de infância":

Nesta fase, o discurso do grupo é repetitivo, vazio e desafetivizado."Na primeira sessão de um grupo, X. diz que começou a usar cocaína na escola,

pois "andava com más companhias, que o levaram ao vício". Roubou e traficou paraconseguir droga, mas hoje sabe que perdeu tempo na vida e por isso vai deixãr ovício. Questionado pelo teÍapeuta sobre sua decisão de buscar ajuda, responde imedi-atamente que "agora percebeu que a droga é besteira!". Na mesma sessão, Y. fala quecomeçou a tomar xarope "por bobagem, era gostoso, deixava-me calmo". euando oterapeuta pergunta o que ele pensa que ocorreu para aumentar o Uso, diz não saber,"sua vida era boa e, afinal, brigar com a mulher ou com o chefe todo mundo faz!".Fala que não parou antes porque não quis, mas agora que quer "vai ser muito fácil',.Z. fala que usava maconha por causa do pai, "com um pai como o meu, qualquer umfumariai' e agora vai parar porque finalmente o pai saiu de casa.

Nestas sessões a história pessoal não existe, pois se confunde com a história dadroga. Não existe um passado, um futuro ou problemas independentes da substância.Não parece haver sofrimento pelo seu abandono, e a fala do dependente restringe-sea,uma descrição estereotipada de crise, onde a mágica da droga é substituída pelaidealização da abstinência, solução para todos os problemas, pertinentes à drogá ounão. (Silveira Filho, 1995; Bettarello, l99l )

"D,, emuma sessão, fala longamente sobre as dificuldades que tem com o sócio.ApesaÍ de ser seu amigo, descobriu que ele estava roubando, fazendo negócios embenefício próprio, levando comissões por fora, etc. Quando questionado peló terapeutacomo imaginava resolver esta situação, responde sem pestanejar: 'ïá resolvi! Sem adroga vou poder conversar com ele e resolver tudo. Antes eu não via nada com clare-za, agora posso acompanhar tudo e, como ele é meu amigo, tudo acabará bem".

Nesta dinâmica, droga como problema, abstinência como solução, a interven-ção do terapeuta deve ser cautelosa. Não há como interpretar esse movimento, sempôrem risco o processo terapêutico, pois ainda não há suporte para o aprofundamentopsicológico. Assim, suas intervenções são dirigidas somente ao levantamento de ques-tões que facilitem a discriminação e ampliem a percepção das dificuldades ou dosrecursos grupals.

Nesta fase, o grupo ainda não se inter-relaciona, e a meta principal de cadamembro é estabelecer um vínculo exclusivo com o terapeuta, alvo e direção de todoo discurso. Contratransferencialmente, o terapeuta sente-se em um jardim de infân-cia, onde, embora todas as crianças estejam juntas para brincar, cada uma brincasozinha e não há qualquer constrangimento em arrancar o brinquedo do outro, se esteinteressar mais. O terapeuta não pode se deixar seduzir nem por um membro indivi-dual, nem atuar como a professora que ordena a brincadeira, dispondo que cada umfale em sua vez. Sua atuação principal é poder esperar o movimento grupal, só intervin-do nas situações mais difíceis - interrupções constantes da fala do outro, tentativasde ocupar toda a sessão com seu problema - para apontar como mesmo abstinentes,agem como drogados, ou seja, impõem a sua percepção individual da realidade àprópria realidade vivida. (Brasiliano, 1993b)

2. "A categoria dos drogadictos":

O início desta segunda fase ocorre quando já há um bom número de pacientesabstinentes há algum tempo. A falta da droga começa a tomar-se uma realidade vivi-da, provocando sentimentos dolorosos de desespero e pânico, aos quais o grupo rea-ge intensa e defensivamente com manobras que modificam a configuração grupal e aforma de abordagem do conteúdo droga.

A necessidade de preencher o vazio insuportável da ausência da droga rapida-mente mobiliza o grupo a unir-se e transformar o jardim de infância. Instaura-se,então, a categoria dos drogadictos, ou seja, contra a angústia de aniquilamento éoferecida uma identidade segura: a dos drogados. Essa identidade igualará a todos,conduzindo, através da fusão, a uma sensação temporária de fortalecimento do ego.(Brasiliano, 1995)

Assim, pode-se faÌar mais espontânea e livremente sobre a droga. Essa liberda-de, entretanto, não pode ser confundida com movimento, pois a relação mantida comela ainda é central e o que se modifica são os mecanismos de defesa, agora fundadosna cisão e na projeção.

Neste contexto, há inúmeras sessões em que o grupo recorda suas experiênciascom a droga e o alívio e prazer que ela representava. São sessões aparentementecalmas, onde se ri muito e há grande participação grupal. Todos querem contar seusepisódios com a droga e mesmo as eventuais "tragédias" são colocadas de formadivertida. Nestas sessões, o terapeuta quase não tem lugar, e sente na contratransfe-rência os efeitos claros de estar intoxicado. (Bettarello, 1991) Após um gmpo desses,um terapeuta comentou: "Realmente não consigo discutir nada, estou completamentedrogado".

A essas sessões altemam-se outras em que a droga está colocada como um enor-me perseguidor, que tem o poder devastador de atacar qualquer indivíduo, em qual-quer momento, tomando-se necessário, então, extirpá-Ìa da sociedade. Como não hárecursos para vincular seu uso à realidade subjetiva, fala-se muito de matar trafican-tes, eliminar todos os pipoqueiros que forçam as crianças a usar drogas ou mandarprender os profissionais que receitam remédios que contenham drogas. (Zemel,1992)

Este momento grupal é particularmente difícil, pois o espaço terapêutico éfreqüentemente neutralizado. (Brasiliano, 1995) O terapeuta deve mais uma vez po-der esperar, evitando as armadilhas que lhe são habitualmente colocadas. Assim, se,nas sessões idealizadas, mobilizado pela angústia, ele tentar interpretar a negação dadestrutividade da droga, cai na tentação de competir com ela, cuja sedução jamaispoderá superar. (Silveira Filho, 1995) Seu papel principal neste peíodo é auxiliar na

234 ZIMERMAN & OSORIO

COMO TRAEALHAMOS COÌ{ CRUPOS 235

desmontagem progressiva da identidade fusional, lembrando-se sempre que se a ci-são persiste é porque a ìntegração ainda não é possível.

DA TDEALTZAÇÃO DA ABSTTNÊNCrA À rnnAr,ZlçÃO tO TERAPEUTA

Com o passar do tempo, a vivência da perda da relação com a droga impõe-se maisintensamente ao grupo. Ademais, a abstinência começa a mostrar-se insuficiente pararesolver toda a problemática do indivíduo, ou seja, perde seu caráter mágico idealiza-do de solução absoluta. (Bettarello, l99l) O drogadicto começa a perceber que seabandonar a droga resolveu algumas dificuldades, outras ameaçam aparecer.

Essas dificuldades geram uma situação insuportável para o dependente, pois aameaça é de desestruturação. Assim, a angústia que é mobìlizada pelos conflitos enão pode ser relativizada pela simbolização - o que permitiria a espera e possibili-taÍia tolerar as frustrações - manifesta-se sob a forma de atuações. (Birman, 1993) Ogrupo torna-se extremamente turbulento, já que a fala cede lugar aos actln g-outs.Emrclaçío ao setting, estabeÌece-se uma persistente tendência à oposição e à quebra denormas: há questionamentos infindáveis sobre o contrato, atrasos constantes, faltas,abandonos e até mesmo saídas abruptas no meio da sessão. No que diz respeito àdrogadicção, os acting-outs manifestam-se como recaídas, muito freqüentes nesteperíodo. Ao mesmo tempo, o terapeuta é demandado no lugar onipotente de satisfa-ção de todas as necessidades. (Silveira Filho, 1995)

Estes movimentos podem, a princípio, parecer contraditórios. Na verdade, sãotodos manifestação da mesma dinâmica, ou seja, diferentes formas de lidar com aan$ístia, obturando a vivência da falta e a abordagem de seus significados. Assim,questionar o grupo e suas normas ou colocá-Ìo no lugar salvador são duas faces damesma moeda. As recaídas também obedecem ao mesmo princípio: se a soluçãomágica não vem do terapeuta, a droga volta a ocupar este lugar.

Neste sentido, a atuação do terapeuta deve ser essencialmente firme, interpre-tando imediatamente todas as tentativas que são feitas para impossibilitar a aborda-gem das dificuldades. É claro que esta nãó é uma tarefaÌácil para ele, pois os aorng-ouÍs sucessivos provocam sentimentos de raiva, frustração ou impotência. Entretan-to, é somente quando o terapeuta pode receber a projeção da onipotência sem atuá-laque o grupo progride. Ao interpretar que este mecanismo está relacionado às experiên-

-òias das situações grandiosas e à repetição da busca de soluções mágicas, o terapeutapode devolver ao drogadicto suas próprias vivências, abrindo caminho para a inte-gração destas em seu mundo intemo. (Silveira Filho, 1995)

O VAZIO: DO GRUPO DE DROGADICTOS PARA O GRUPO DE INDIVÍ-DUOS QUE SE DROGAM

Com a progressão do trabalho psicoterapêutico a configuração grupal e a relaçãotransferencial adquirem novas características. O fortalecimento do vínculo entre osmembros e destes com o terapeuta coloca o grupo em um lugar estável de continênciae apoio, o que permite significativas trocas afetivas experienciais, facilitando, simul-taneamente, que a angústia e os conflitos possam ser verbalizados e não exclusiva-mente atuados. Neste contexto, o terapeuta tem a possibilidade de aprofundar-se na

conflitiva individual e é solicitado a discriminar, nomear sentimentos e apontar cor-relações. (Silveira Filho, 1995; Garcia, 1993)

O trabalho nesta fase é, entretanto, bastante complexo, pois atua na questãobásica da drogadicção, ou seja, o prazer e o êxtase, em detrimento do sentido e dopensar. (Bittencourt, 1993) As dificuldades aparecem em todos os momentos grupais.Se a impulsividade não leva à ação concreta, aparece como substituição à reflexão.

"Em uma sessão, em que só homens estavam presentes, X., parecendo triste,fala que está com problemas com a mulher: "Não conseguimos nos entender. Ela dizque não consigo estar perto dela. Antes, quando eu me drogava, ela tinha razão, mas,agora, eu não sei o que é isso...". O grupo todo mobiliza-se com as dificuldades deX.e diversos comentários aparecem: "Mulher é sempre assim! Desiste dela, você é umcara bacana, trabalhador e, sem drogas, consegue a mulher que quiser! Se a mulhernão te apóia, você se separa, arruma outra, mais bonita". Enquanto todos falam eriem, X. permanece quieto. Novas soluções aparecem, sempre no mesmo sentido, oque não está bom, deve ser extirpado. No meio da sessão, X. interrompe a todos e diz:"Vocês não entenderam nada, eu gosto dela!". Há um longo silêncio, até que C. diz:"Ah, então não tem jeito!". O terapeuta interpreta a dificuldade do grupo em refletirsobre o que oconia no casamento de X., pois a busca impulsiva de soluções nãodeixava nenhum espaço para tentar compreender o que ele pedia: entender o queacontecia no seu relacionamento"

Quando o grupo tem apossibilidade de refletir, a busca de sentido para a vivênciatambém é penosa, pois expõe o drogadicto à constatação de que ele é responsávelpela condução de sua vida. E se isso é fonte de alívio por retirar do indivíduo suasensação de completa insignificância frente à realidade, ao mesmo tempo, remete-o àsua finitude, ou seja, ao confronto com a angústia da escolha e suas incertezas, que,se não são absolutas, também não possibilitam o controle onipotente de tudo. (SilveiraFilho, 1995)

O terapeuta deve ter claro que o caminho de dar sentido é totalmente novo parao drogadicto. Até o momento, ele age como se seu mundo interno não existisse e elenão soubesse o que tem de se perguntaÌ, ou mais além, se é preciso fazer algumapergunta. Assim, a psicoterapia funciona como um longo ptocesso de aprendizagem,onde é necessiírio oferecer altemativas, para que a correlação entre o vivido e o sen-tido possa ser percebida.

"Em uma sessão, E, fala que esta semana usou de novo a droga. O terapeutaquestiona o que houve, mas E. diz não saber: "Eu estava normal". O terapeuta insistena questão, perguntando em que dia foi, como ele estava nesse dia, nessa semana. E.só consegue dizer que: "Um dia, passando no ponto, deu vontade e não resisti". Ogrupo reage imediatamente, dizendo quejá falou para E. não passar perto do ponto.O terapeuta relembra a todos que E. passa todos os dias no ponto, pois ele fica aolado de sua casa, então algo poderia ter oconido naquele dia da semana que não nosoutros. E lembra-se, então, que neste dia seu vizinho foi despedido, mas "nem penseinisto". O terapeuta pergunta se o que ele sentiu não foi angústia e medo.

Muitas sessões seguem esse mesmo desenvolvimento. Entretanto, tal processonão é linear, já que em muitos momentos o vazio existencial é projetado no grupo,operando-se, na transferência, sob a forma de regressão a mecanismos anteriores deidealização e tusão. (Brasiliano, 1995)

"Em uma sessão em que vários pacientes iniciam falando, N. permanece quietoe aos poucos dorme. Após algumas tentativas infrutíferas de aprofundar um tema, oterapeuta aponta como a situação do grupo parece tensa. Uns reclamam dizendo quenão, que está tudo bem. Outros fazem brincadeiras e contam piadas. Um paciente

236 ZIMERMAN & OSORIO

COMO TRABALHAMOS COM CRUPOS

incomoda-se com a atitude de N., que continua a dormir, mas logo fala: "Se ele nãoquer aproveitar o grupo, deixa...". O terapeuta aponta que contar piadas e brincar éigual a dormir, pois é como se o grande vazio não pudesse ser dito, mas somentepreenchido ou negado.

Em outras ocasiões, a discriminação eu-outro gera mecanismos defensivos deresistência e evitação do contato com a conflitiva pessoal.

"Dois pacientes iniciam a sessão falando que recaíram. Com o trabalho, pode-seperceber que, em um, a angrístia frente à sua solidão, traduzida na falta de um projetode vida e na ausência de um grupo de amigos, havia mobilizado-o a recair. Já, com ooutro, a percepção de que muitas coisas o incomodavam na mulher- "que eu nem viaquândo estava drogado" - e sua necessidade de discutir o que ocorria com ela cons-tituíram o impulso para a droga: "Assim meu casamento ficava bom como antes". Oterapeuta aponta como em cada um a recaída teve um sêntido diferente. Após estafal4 G., que tinha permanecido quieto a sessão toda, diz que também recaiu. Oterapeuta interpreta como parecia difícil para ele falar sobre isso, já que coloca seuproblema somente quando não há mais tempo paÌa discuti-lo. Na sessão seguinte,quando o terapeuta chama o grupo, G. não se levanta. O terapeuta repete seu nome,mas ele permanece impassível. Quando se aproxima dele, G. diz "Oi" e, apontando oouvido, fala: "Não entendi o que você falou, hoje não posso ir ao grupo, esta semâna,sem mais nem menos, fiquei surdol".

Esta fase do trabalho é difícil e cansativa para o terapeuta. Muitas vezes, brincáva-mos em nossa equipe de terapeutas que a nossa abordagem poderia ser chamada de"psicanálise pedagógica: do nariz para dentro, mundo intemo, do nariz para fora,mundo externo!".

Quando o grupo pode ultrapassar o sofrimento deste período, o que nem sempreocorre, há uma nftidança qualitativa em sua dinâmica, pois já é possível captar adimensão psíquicado drogar-se e a articulação real e simbólica disso cõm os aconteci-mentos da vida de cada um. (Charles-Nicolas, 1991) A passagem do grupo dedrogadictos para o grupo de indivíduos que se drogam (oü se drogavam) é lenta, masó õãminho da transformação, que implica o indivíduo na busca de sua subjetividade,esLá aberto.

CAMINIIANDO

Lentamente, o assunto droga começa a esgotar-se. Como diz Zemel (Zemel, 1992),passada a fase da desintoxicação, o grupo pode falar da angústia de viver, compor-tando-se como qualquer outro grupo terapêutico. O episódio droga parece terminado,e agora se trata da abordagem dos sentimentos de i-nsatisfação, dos conflitos, daspqrguntas que ficaram sem resposta... É claro que há um tema que permeia as váriassituações: a dependência, pois é ela que, em última instân cia, caracteriza, adrogadicção.(Silveira Filho, 1995) Contudo, essa problemática integrou-se à história individual eao mundo intemo de cada sujeito, ou seja, a função da drogajá pode ser perdida...

CONCLUSÃO

A complexidade do processo psicoterapêutico com drogadictos consiste primordial-mente na entrada no jogo paradoxal que o drogadicto estabelece com a morte, onde,pga qle 9l.e possa se altorizar a viver, é obrigatório roçar ou morrer. (Silveira Filho,

237

1995) Neste jogo, a abertura psicanalítica oferece uma altemativa desconhecida aosujeito, pois, se, em um extremo, a análise também lida no morrer para renascer, oscaminhos a serem percorridos são outros. Na psicanálise, tal como na drogadicção, arepetição é parte integrante do processo. Entretanto, enquanto, na primeira, a repetição opera a favor da emergência do novo e da diferença, na dependência de drogas,repetir é ter a certeza da etemidade, onde se busca a potência extema, para reafirmar-se o definitivo e o absoluto. (Jorge, 1994)

O grande desafio da psicanálise com drogadictos funda-se na instauração dodiscurso, que pode mediar, através da simbolização, a relação entre o sujeito e amoÍe como prova concreta. Sua possibilidade é de articular um sentido ali onde elese perdeu, ou seja, na experiência com a droga, onde não há palavras, nem comunica-ção, e é impossível ao indivíduo identificar como seu e de sua vida. (Jorge, 1994) Suaproposta remete ao despertar impossível para o drogadicto, reconstruindo o que nãoé dado anteriormente, mas pode ser buscado inscrevendo o antes e o depois da drogaem uma história pessoal de um sujeito particular. (Iorge, 1994; Ponczec, 1993)

O trabalho aqui exposto é o relato do caminho de nossa experiência comdrogadictos, que, se teve como base os pressupostos da psicoterapia analítica de gru-po, fundamentou-se no aprendizado com cada grupo. Suas colocações não preten-dem e não devem ser estabelecidas como verdades inquestionáveis, já que não quere-mos coÌrer o risco de, identificados com os drogadictos, tomá-las completas e pere-nes, pois isso significaria a nossa morte enquanto possibilidade terâpêutica criativa,viva e mutável.

Tal como Oliveinstein (1982), acreditamos que "a verdade clínica não é umaverdade fixa, mas é o movimento gerado em volta que vai determiná-la como tal".

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22Grupo com DeprimidosCILBERTO BROFMAN

Este trabalho é o resultado da nossa experiência e a de alguns colegas, que partilhamdela através de discussões sobre o tema e através de seus próprios grupos, no atendi-mento de pacientes deprimidos utilizando a técnica grupal.

Inicialmente, conceituamos, de formabreve, a doença depressão e algumas ca-racterísticas comuns aos pacientes deprimidos. Em seguida, examinamos o grupoatravés dos aspectos técnicos utilizados e as características grupais que nos parecemimportantes no tratamento destes pacientes. Finalmente, colocamos alguns atributosdo terapeuta que são úteis para um melhor resultado neste tipo de trabalho, aquiapresentado.

A DOENÇA

O termo depressão abrange situações que podem ser bastante distintas entre si. De-pressão pode expressar um sintoma, uma síndrome ou uma doença. Pode expressarqrÌadros curtos e abruptos com risco de suicídio - como um episódio depressivo gra-ve - ou duradouros e menos intensos - como distimia ou personalidade depressiva.Pode, ainda, representar situações evolutivas e de amadurecimento - como a posiçãodepressiva de M. Klein -, ou mesmo reações à perda, como o luto patológico. Essespoucos exemplos dão uma idéia do quadro amplo e variado que existe com a denomi-nação "depressão". A explicação principal para isso é o que se denomina de a equa-ção etiológica, ou seja, de que forma e com que intensidade esses estados depressivosexpressam uma etiologia biológica, psicológica ou social. Além disso, sabemos queos vários aspectos dessas três veÍtentes não são estanques entre si, ao contriáÍio,complementam-se e se interpenetram. Por exemplo, podemos ter um quadro commanifestações genéticas e biológicas, mas, ainda assim, deveremos tratar as reper-cussões psicológicas e sociais que a doença representa para aquela pessoa.

Aqui no nosso trabalho utilizamos o termo depressão.(ou deprimido) neste sen-tido amplo e genérico.

O PACIENTE

Assim como falar em depressão implica uma diversidade muito ampla, também opaciente pode se apresentâr em graus bastante diferentes da doença, o que vai deter-minar a conduta a ser tomada. Ele pode se encontrar numa fase mais aguda, onde

242 ZIMERMAN & OSORIO

predominam as distorções cognitìvas e as alterações motoras (lentifìcação ou agita-ção), ou numa fase crônica e constante, onde convive com conflitos e afetos de or-dem depressiva que ao longo do tempo e do uso constante de mecanismos de defesapodem gerar desde traços até uma estruturação depressiva da personalìdade.

As situações graves da doença são de fácil reconhecimento. Porém há um gran-de número de pacientes cujos sinais de depressão são tênues como sintomas, masexpressivos como prejuízo para o funcionamento e o bem-estar destas pessoas. Ci-tando Zimerman, vemos que "apesar da variação de forma e de grau das depressões,alguns de seus sintomas e sinais clínicos são de presença constante, como, por exem-plo, baixa auto-estima, sentimento culposo sem causa definida, exacerbada intole-rância a perdas e frustrações, alto nível de exigência consigo próprio, extrema sub-missão ao julgamento dos outros, sentimento de perda do amor e permanente estadode que l.í- algum desejo incançável".

A combinação e a intensidade desses aspectos e dos conflitos inconscientes éque vai determinar o papel q]Je estes pacientes tenderão a assumir dentro de umgrupo e o convite implícito para que os demais se encaixem com ele, constituindoassim uma configuração vincular. Nesse sentido, o grupo se toma um "cenário" pri-vilegiado onde podemos visualizar e apreender as necessidades dos nossos pacientes.

OGRUPO

Como é a finalidade desta obra, veremos a seguir uma forma de se trabalhar em grupocom pacientes deprimidos, util izando principalmente conhecimentos dt ârea dapsicofarmacologia, da dinâmica grupal e com um referencial psicoanalítico amplo.Desdejá, cabe uma importante ressalva: esta é apenas uma das formas de se abordartais pacientes, certamente existem outras com referenciais teóricos diferentes - porexemplo, as teorias cognitivo-comportamentais€ de aprendizagem. Todas elas têm asua validade, embora atuem em aspectos e instâncias diferentes do paciente. Alémdisso, mesmo utilizando o referenciaÌ psicoanalítico, pode-se ter uma ampla variaçãode técnicas e objetivos, que vão desde a supressão de sintomas até mudançascaracterológicas.

O objetivo deste grupo é oferecer um tratamento combinado, isto é, uma psico-terapia de orientação analítica dirigida ao insìght aliada ao uso, quando necessário,de psicofármacos.

A TÉCNICA

Este grupo se reúne duas vezes por semana em sessões que tem a duração de umahora. Ele é aberto e homogêneo. Acreditamos que em função das características des-tes pacientes ele não deve ser muito numeroso, 7 a 8 membros no máximo.

O processo de seleção dos pacientes é um momento de grande importância, umavez que uma boa indicação e agrupamento são fundamentais para o êxito do trata-mento do indivíduo e, portanto, para o melhor andamento do grupo. Os casos deabandonos ou fracassos terapêuticos são vividos com dificuldade pelos demais paci-entes. Isso é válido para qualqueÍ tipo de grupo, mas especialmente para o de depri-midos, em função de suas vivências emocionais: eles podem experimentar um refor-ço na idéia de que de fato não vão conseguir melhora alguma, podem se sentir culpa-

I

COMO TRABALHAÀIOS CO}I CRUPOS 243

dos, achando que expulsaram o colega que saiu, podem sentir proibições internaspara melhorarem caso alguém do grupo esteja permanentemente mal ou podem aindasentir que o terapeuta não é cap^z de lidar com êxito com as suas dificuldades.

A seleção é feita através de entrevistas individuais, nas quais algumas tarefasdevem sercumpridas: a) o estabelecimento deum diagnóstico psiquiátrico com deter-minação da necessidade, ou não, do uso de fármacos antidepressivos, estabilizadoresde humor ou outros; b) de um diagnóstico psicodinâmico; c) da motivação do pacien-te para se tratar em grupo. Este último aspecto tem sido apontado por vários autorescomo o melhor preditor de que o paciente permaneçâ no grupo até alcânçar resulta-dos satisfatórios.

Feita a seleção, podemos ter: um paciente com indicação e agrupável, um pacienteque não deseja se tratar em grupo (o que deverá ser bem examinado, pois isso poderepresentaÍ uma conseqüência da sua doença - por exemplo, temer entrar no grupo enão ser bem recebido ou ser rejeitado) ou um paciente que não pode entrar no grupopor se encontrar em uma fase aguda da doença. Neste caso, ele necessita um grau deatenção que seria difícil no contexto grupal. Não vemos contra-indicação técnicapara que este paciente que está em fase aguda seja atendido pelo mesmo terapeutaque o tratará em grupo, quando ele estiver em condições, mesmo que tenha decorri-do, por exemplo, alguns meses em atendimento individual.

,- Outro aspecto técnico, já referido e de grande importância, é o de por que trata-mos os pacientes com depressão em gÍupos homogêneos e não os agrupamos emgrupos heterogêneos com pacientes com outras pâtologias ou estruturas psicodinâ-micas. Isso corresponde à nossa observação, e a de alguns colegas que a corrobora-ram, de que as pessoas com estruturas depressivas trabalham melhor e se sentemmelhor em grupos homogêneos. Vejamos um exemplo: é um grupo heterogêneo com-posto por 5 adultos jovens (22 a 34 anos). Um desses pacientes, Julia, 27 anos, é umaprofissional liberal de nível superior que vem a tratamento com grau elevado de insatis-fação com seu desempenho profissional e afetivo, além de uma âuto-estima muitobaixa. Descreve vários namoros curtos e frustrantes, nos quais gemlmente se sentepouco querida e por conta disso se separa ou gera uma separação. Seu papel no grupose manteve relativamente inalterado ao Ìongo dos 2 anos em que participou dele.Quase sempre iniciava as sessões e era quem tinha as falas mais longas e sua temáticadava voltas na sua desesperança e sensação que com ela tudo era mais difícil, comoam:mar namorados satisfatórios ou ter mais sucesso profissional.

Os outros membros do grupo por um longo período tiveram uma postura deconsolo e um confronto carinhoso com esta "realidade" apresentada por Julia. Nosmeses que antecederam a sua saída do grupo, além de ouvirmos alguns relatos defeitos e conquistas de dois membros, começaram a surgir sinais de desconforto einitabilidade no gÍupo em relação ao papel rígido que Julia desempenhava. Apesardos constantes assinalamentos e interpretações feitas pelo terapeuta acerca da suacondutâ repetitiva, Julia difícilmente fazia tm insight ou uma reflexão destes aspec-tos e dos conflitos que os geravam, permanecendo "presa" em suas distorçõescognitivas. Em uma ocasião em que ela apresentou disposição diminuída e alteraçõesde sono, o terapeuta propôs e instituiu o uso de antidepressivos. Apesar de ter tidouma resposta favorável, Julia passou a se descrever como a única paciente do grupoque usava medicação e, "portanto, uma prova de que com ela as coisas não davamcerto mesmo".

Como já foi citado, 2 anos após, Julìa deixou o grupo praticamente inalterada ecaregando consigo um reforço de suas crenças e que, provavelmente, o grupo e oterapeuta não teriam gostado o suficiente dela.

244 ZIMERMAN & OSORIO

Acreditamos que Julia teria melhores resuÌtados num grupo homogêneo, ondealgumas dificuldades suas seriam melhor manejadas pelo terapeuta e pelo grupo.Vejamos:

a) No grupo anterior, pelo fato de haver pessoas com o ego mais maduro e estável,Julia se viu compelida a estabelecer um papel monopolista (as longas e queixo-sas falas), como a denunciar a sua necessidade de receber atenção e afeto de todoo grupo e o seu temor de que, caso não procedesse assim, poderia ficar excluída.Num grupo de "iguaìs", Julia não se sentiria diferente, e provavelmente não teriatanta necessidade deste papel e do vínculo que ele propunha aos demais mem-bros.

b) Pelo fenômeno da ressonâncía, eÌa poderia comparÍilhar com uma intensidadebastante maior os seus conflitos e suas conseqüências, fazendo com que não sesentisse "especial", "a única".Tal situação (o compartilhar) vale também para um uso "potencializado" dospsicofármacos, isto é, um uso aceito e incentivado pelos membros do grupo, umavez que em um ou outro momento quase todos eles têm necessidade dos medica-mentos e podem dividir os resultados obtidos.

c) Neste tipo de grupo seria mais fácil para Julia sentir-se reconhecìda, isto é, veri-ficar que ela compartilha com um ou mais membros do grupo seus temores eansiedades - por exemplo, que não é tão agressiva quanto se imagina - e emfunção desse reconhecimento sentir-se membro efetivo do grupo (fenômeno decoesão grupal). Tal atitude facilita bastante que os pacientes possam exercer unscom os outros a função analítica da personalidade (Bion), ajudando assim a dis-criminar melhor suas realidades intema e extema e a corrigir distorções cognitivascomo as que Julia apresentou.

Um último comentário sobre aspectos da-técnica diz respeito ao uso concomi-tante de psicofarmacoterapia e psicoterapia, compondo o que tem se chamado comotrotamento combinado (como ficou claro ao longo do texto, é a técnica que utiliza-mos).

Tudo o que diz respeito ao uso dos medicamentos - tanto os aspectos objetivoscomo indicação, efeitos colaterais, etc. - e os aspectos psicodinâmicos que acompa-nham o seu uso, tais como reações de dependência ao teÍapeuta, reações com colori-do paranóide, vivência de fracasso, etc. - são discutidos e examinados dentro dosetting grupal sempre que necessário ou quando apareça o tema. Não é infreqüenteque os próprios pacientes façam indicações corretas para o uso de fármacos tantopara si como para os demais membros, o que se deve à sua sensibilidade quanto àdoença e experiência no uso dos remédios.

AS CARACTERÍSTICAS GRUPAIS

O campo grupal propiciauma série de fenômenos de funcionamento que são úteis notrabalho terapêutico. A utilização desses aspectos no tratamento é o que carateriza asdiferenças entre o âtendimento individual e o grupal. Embora comum a todos osgrupos, revisaremos agora aÌguns destes aspectos, que são particularmente importan-tes, na dinâmica do grupo com pacientes deprimidos.

Vamos começar com um exemplo: Eduardo, 30 anos, com nível superior emfase de pós-graduação, vem a procura de tratamento em grupo. Teve dois episódios

COMO TRABALHÂìÍOS COÌ\í CRUPOS 245

depressivos intensos em passado recente, nos quais fez uso de medicação antidepres-siva, mas atualmente está assintomático. Ele ingressa num grupo homogêneo, compacientes com história de depressão.

Após um breve período inicial, em que permanece mais quieto, F/uardo come-ça de forma crescente a fazer relatos cada vez mais longos e detalhados de inúmerosaspectos do seu dia-a-dia: como tinhatido um ótimo fim de semana, ótimos passeios,como se saía bem nos estudos e nos esportes, mas, principalmente, o seu relato minuciG.so de suas conquistas de mulheres. Estas situações obedeciam a um padrão repetitivo:Eduardo se empenhava na conquista e, assim que a pessoa se envolvia afetivamentecom ele, vivia uma fase de intensa paixão, porém nápida, e logo em seguida acompa-nhada por um total desinteresse de sua parte, quando então se separava.

As outras pacientes do grupo (com exceção de Eduardo, eram todos mulheres)passaram, por sua vez, a ficar mais quietas, a formar uma platéia que ouvia atenta-mente. Havia um certo prazer no grupo com a situação que se criou a ponto de,quando Eduardo estava mais quieto ou não iniciava a sessão, alguém o convidava afazêlo.

Esse arranjo durou por volta de uns 6 meses, onde o grupo ficou deslumbrado(sem luz própria) com os relatos e, portanto, submetidos à situação. Sentiam que osseus temas não eram mais importantes, mas o de Eduardo sim. Aqui vemos como sepode lidar de formas diferentes com os sentimentos depressivos. Enquanto o pacien-te empregava defesas narcisistas para tentar preencher suas intensas expectativas e asque supunha que os outros teriam dele, os demais membros do grupo empregavam asubmissão.

Apesar das inúmeras interpretações feitas pelo terapeuta, o arranjo não sofriaalterações significativas. Eduardo aceitava intelectualmente que tinha muitas mulhe-res, que talvez fosse bom ter uma namorada fixa, mas ao mesmo tempo âdmitia que asituação lhe dava prazer e o colocava em destaque perante os amigos. As mudançasmais efetivas iniciaram quando os membros do grupo começaram a "se cansar" dosrelatos de Eduardo e a estabelecer críticas à sua conduta de "Don Juan", algumasdelas com agressividade. Expressavam também uma reclamação com o espaço ex-cessivo que o paciente ocupava no grupo, iniciando, então, a rompercom sua submis-são ao papel monopolizador que Eduardo tinha estabelecido no grupo, assim comofazia em seus "grupos extemos" (amigos, colegas, família, etc.).

A situação hoje, 2 anos e meio depois do ingresso de Eduardo no grupo, é bas-tânte diversa. Ele pôde abrandar significativamente â sua postura narcísica e, depoisde duas ou três tentâtivas, tem uma namorada estável há 1 ano. Verbalizou ao grupoque se não se sentisse no "máximo" de seu desempenho temia ser um "chutador"(uma fraude) e que não tolerava essa idéia.

Nesse exemplo, além de alguns aspectos psicodinâmicos individuais e de umamodalidade de configuração vincular que se criou, podemos ver alguns dos mecanis-mos grupais que surgiram e tiveram utilidade terapêutica:

a) O grupo funcionou como uma galeria de espelhos, onde os pacientes puderamrefletir a imagem de Eduardo, ajudando-o a se confrontar com sua imagem real ea corrigir suas distorções. Isso está continuamente ocorrendo num grupo que seencontra coeso,

b) Os pacientes tendem a.escutarmelhor os colegas do grupo do que ao terapeuta. Àmedida que as várias mensagens apontaram na mesma direção, ficou difícil paraEduardo manter suas negações e onipotência.

246 ZIMERMAN & OSORIO

c) O estar em gÍupo é um elemento favorecedor de um aspecto muito importantepara o paciente com depressão: o exercício da capacídade reparatória- Alutal-mente Eduardo pode prestar mais atenção aos temas dos colegas do grupo e ajudá-los com colocações importantes. Em uma ocasião, ajudou um colega em umasituação extema ao grïpo, com seus conhecimentos profissionais.Existem outros elementos grupais não tão explícitos no exemplo, mas de grandeimportância:

- O grupo funciona como um crntinente (Bion). Essa função pode se estabele-cer com o grupo como uma abstração, com o terapeuta e com os colegas dogrupo. Tal aspecto vai ajudar o paciente deprimido, através do processo dedesidentificação/neo-identificação, a recompor uma família intema, que commuita freqüência se encontra danificada. Ele passa a estabelecer um novosenso de identidade: "Eu sou alguém dentro do meu grupo".

- Pelo fenômeno da ressonítnciu opaciente tem facilitado o seu contato com osseus sentimentos reprimidos, âtravés do tema colocado por outro paciente.

- O estar num gntpo homogôneo permite o compartilhar de uma série de aspec-tos comuns a estes pacientes. Isso traz repercussões com efeitos terapêuticos- por exemplo: ele já não está só, o que é um sentimento comum ao deprimi-do (como foi comentado, a paciente Julia, descrita no primeiro caso, nãopode ter o benefício mais amplo destes dois últimos aspectosr por estar numgrupo heterogêneo).

- No grupo, o paciente pode exercitar a sua capacidade de socialização (comfreqüência prejudicada), melhorando com isso aspecto s de conJìança básìca.

Pelo exposto, acreditamos que a técnica grupal constitui uma ferramentaprivilegìada para o tratamento dos nossos pacientes com depressão.

O TERAPEUTA

Que atributos deve ter alguém que se proponha a trabalhar com deprimidos? Emprimeiro lugar, deve conhecer a fundo todas as vicissitudes que esta doença ampla emultifacetada apresenta tanto do ponto de vista biológico (psicofarmacológico) comopsicológico e sociaÌ, mas, principalmente, que se sinta à vontade no seu contato como deprimido e possa manter um interesse constante por ele. Isso é extremamentenecessário, porque, ao longo do tratiìmento, que muitas vezes dura anos, o terapeutaserá questionado consciente e inconscientemente se agüenta as desesperanças, asambivalências, as agressões dos pâcientes, ou seja, se ele, o terapeuta, também não éfrágil, deprimido. Em outras palavras, ele deve exercer uma função continente (Bion)oD de holdinq (Winnicott) firme e constantemente.

Por outro lado, atender o paciente não significa só ser simpático com ele, usarpalavras de estímulo, etc., significa principalmente entendê-lo, pois qualquer pessoaque sofre deseja ser entendido mas o deprimido necessita mais que qualquer outrodoente.

E, fìnalmente, em relação ao tratamento aqui exposto, é preciso que, como dizVal, o terapeuta possa ter a capacìdade para tolerar um certo grau de ambigüidade(nos aspectos etiológicos da depressão) e flexibilidade (nos métodos terapêuticos)para poder oferec er rm tratamento combinado com convicção.

COMO TRABALHAIÍOS COTÍ ORUPOS 247

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Revista do Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto AlegÍe, ano 1, n" I ' nov 1992.

23Grupos com AutistasSONI MARÍA DOS SANTOS LEWISVIVTANE COSTA DE LEON

É possÍvnr,r

Parece um paradoxo escrever sobre experiências de trabalho com grupos de indivídu-os autistas. Na verdade, é mais um desafio neste enìgma qtl'e é. o d,e permanecer só,mesmo cercado pela família, ou por companhelros, ou simplesmente por outros.Aprendemos que o tratamento do indivíduo autista á uma tarefa de vida, portantu, oqre esperamos é que os que estiverem próximos, de alguma maneira, de um indiví-duo autista possam com esta leitura se sentir ajudados a ajudar.

A pnítica clínica com grupos de indivíduos autistas deverá considerar inicial-mente o conceito de tal patologia, bem como sua abrangência no que diz respeito aocontinuum autista.

O caso de Donald, descrito por Leo Kanner em 1939 (Kannér, 1943), oferece-nos uma clara idéia deste tipo de patologia:

" Ele perdia-se sorrindo, fazendo movimentos estereotipados com seus d,edos, cru-zando-os no ar. Ele movimentava sua cabeça de um lado para outro, sussurrando oucantarolando as mesmas três notas musicais. Ele rodopiava com grande prazer tudoo que era possível... Quando colocado em uma sala, desconsiderava completamenteas pessoas e instantaneamente se yoltava aos objetos, de preferência aqueles querodavam... Elefuriosamente empurrava a ntão de quent estivesse em seu caminho ouo pé de quem pisasse em seus blocos".

Loma Wing descreve o que conhecemos como Tríade de l/ing: as pessoas comautismo apresentam déficits específicos nas áreas de irnaginação, socializaçõo e co-municação.

Se hoje é aceito o conceito de que existem níveis de autismo, bem como níveisde retardo mental associado, podendo esse nem estar presente, seria natural pensaremumcontinuumou espectro mais amplo de tal desordem. Se tal conceito é aplicadona prática, a ocorrência deste quadro sobe de 4 casos a cada 10.000 nascimentos para20, conforme estatísticas da escola inglesa.

Vê-se, portanto, que não se tmta de uma patologia muito rara.

Agmdecemos com emoção aos pais, aos estudantes e à equipe do CINH a possibilidâde de ter colabomdo nesta obm.

250 ZIMERMAN & OSORIO . . \ \

Não há dúvidas de que os problemas na área da socialização, em pessoas comautismo, são os mais pervasivos, complexos e difíceis. Isso também é verdade por-que o comportamento social apresenta requisitos tle linguagem, pensamenío e en-tendimento (Mesibov e cols., 1986) e ocorre em todos os contextos:. escola, trabalhoe at iv idade s fami Ii are s.

Desenvolvendo comportamentos sociais em pessoâs com autismo, é possívelmelhorar as suas relações com o outro e com o resto do mundo, o que faz uma grandediferença na vida dessas pessoas e de suas famílias. Pesquisas recentes indicam quenão é somente o comportamento social atípico o que diferencia o autismo de outraspatologias, mas, além disso, a coordenação e o uso dessas habilidades comporta-mentais em resposta à emìssiio do outro.

Nas pessoas normais e mesmo nos indivíduos com retardo mental, sem sinto-mas de autismo, existem muitas razões para aprender a trabalha4 a produzi4 a realïzar "trocas"; elas querem estar enx contato, datr, receber, agradar mamãe e papai,elas querem seu sorriso, elas querent ser corno eles... Contudo, essa motivação inter-na é originária de um nível imparcial de abstração social, objetivo de baixa probabili-dade para os autistas. Então, se assim se toma necessário, é fundamental que se iniciecomnmamotivaçõo externa, um estímu Io motivador concreto. Esse importante objeti-vo na prática clínica, cuja finalidade é potencializar a vida diária destes indivíduos,pode ser alcançado através da metodologia TEACCH.

TEACCH - Treatment and Edncation of Autistic and Related CommunicationHandicapped Children (Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com DéficitsRelacionados à Comunicação) -é um programa que envolve as esferas de atendimentoeducacional e clínico em uma prática predominantemente psicopedagógica.

Ele teve sua origem em 1966, nos Estados Unidos, na Universidade da Carolinado Norte (Escola de Medicina, Divisão de Psiquiatria). Foi criado pelo Dr. EricSchopler e col., atravós de um projeto de pesquisa que procurou questionar a práticaclínica daquela época, na sociedade americana, em que se acreditava que o autismotinha uma causa emocional. Para esse grupo de pesquisadores incomodava a idéiaclássica referente aos pais: que esses seriam os agentes causadores da doença de seusfilhos e que, portanto, deveriam ficar colocados fora do processo terapêutico.

Em 1972, o Programa TEACCH recebeu autorização, através da Assembléia Ge-ral do Estado daCarolinado Norte, paraque então fosse constituída aDivisão TEACCH,localizada no Departamento de Psiquiatlia da EscoÌa de Medicina, da Universidade daCarolina do Norte, em Chapel Hill, Estados Unidos. Esse foi o primeiro programaestadualreconhecido com base em umprograma comunitário dedicado a prestar melhorianos serviços voltados ao entendimento da patologia do autismo e suas consegüênciasem indivíduos portadores da síndrome, bem como em seus familiares.

A Divisão TEACCH tem desde então servido como modelo internacional decomo estruturâr locais de atendimento a indivíduos autistas. oDerando em seis cen-tros regionais na Carolina do Norte, abrangendo iíreas co moavaliaçõo, desenvolvimen-to de curriculwn individualizado, treinanlento de habilidades sociais, treinamentode atividades vocacionais, aconselhamenío para pais e formação sobre o progranutTEACCH para profissionais da área. Além disso, a equipe clínica da DivisãoTEACCH presta assessoria a salas de auÌa, residências especiais e outros serviçoscomunitários voltados ao bem-estar de indivíduos com autismo na Carolina do Norte.

Também em 1972 o Programa TEACCH recebeu uma premiaçáo - GoldAchievement Awarrl - pela Associaçiro Americana de Psiquiatria, por estabelecer umnível excelente de pesquisas produtivas relacionadas a transtomos do desenvolvi-mento e implantar uma efetiva aplicação clínica do suporte teórico estudado.

COMO TRABALHAI\IOS COTI GRUPÔS 251

Em 1980, na Conferência sobre Família, na Casa Branca (White House Confe-rence oíthe Family), o Instituto Nacional de Saúde Mental (Families Today) descre-veu o TEACCH como sendo o mais eficaz programa de estado disponível nos EUApara indivíduos com autismo e outros transtomos da comunicação.

No Brasil, a sua utilização iniciou em 1991, no Centro TEACCH Novo Horizonte,em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, e vem sendo ampliada para outros Estados(Lewis,1995), seguindo com fidedignidade os parâmetros estabelecidos originaÌmentepelo Dr. Schopleç tendo recebido, inclusive, o seu apoio para a utilização do nome"Centro TEACCH Novo Horizonte".

Os comportamentos adaptativos socialmente desejados que faltam no repertóriodos autistas variam de indivíduo para indivíduo. Podem ser habilidades acadênticas(ler, escrever, discriminar cores, contar, etc.), ativ idades de vida diária (vestir-se, alimen-tar-se, ter controle dos esfíncteres, etc.), soclcrs (saber manter uma conversa, namorar,fazer compras, andar sozinho na rua, etc.) oü prortssio[dis (ter um trabalho ou ocupa-ção). Todos esses comportamentos adaptativos merecem um progrâma específico (in-dividualizado) para serdesenvolvido no grupo, segundo suas competências e dificuldadesobservadas e registradas, e não a partirdas supostas 'taracterísticas típicas da síndrome".

O atendimento terapêutico sob forma de grupos tem sido mais eficaz através detécnicas de modificação de comportanerúo, mais precisamente, sob os princípios dametodologia TEACCH, que associa a essas técnicas o estudo da psicolingüística. Decada abordagem foram retirados determinados elementos que, juntos, enriquecerame deram suporte teórico à prática clínica do TEACCH.

A influência da psicoterapia comportamental estáL clara na ênfase dada à estru-tura, paÍticularmente nos estágios iniciais do aprendizado de repertórios de condutabásicos, na especificação de comportamentos-alvo, bem como nas suas condições econseqüências ao se eliciar determinada conduta e também ao propiciar aquisiçõesde repertórios com o uso de reforçadoÍes e pronÌpt (realizar pelo e con o sujeito).

A preocupação fundamental deste enfoque é trabalhar diretamente sobre os com-portamentos observáveis do indivíduo, tentando aumentar o seu repertório de compor-tamentos adequados e diminuir e/ou modificar os comportamentos inadequados queo caracterizam como indivíduo autista. Procura-se transformar seu "funcionamentoautista" ou "anormal" de atuar no meio ambiente físico e social, visando a diminuirou neutralizar os efeitos negativos do estigma.

Quanto à base psicolingüística, essa se evidencia nas categorias de comunica-ção propostas e utilizadas pela metodologia e na importância atribuída à escolha deobjetivos que sejam compatíveis, o mais próximo possível, com a idade cronológicado eshrdante com autismo.

Constituímos, dessa forma, o que entendemos como princípios norteadores denosso trabalho:

. Busca de entendimento exaustivo de como ,í, como pensa, como age, tanto acriança quânto o adolescente autista.Determinação de objetivos específicos e claramente definidos com relação à terapia.Especificação dos repertórios de comportamento que a criança pode ou não de-sempenhar, sem fazer uso de rótulos, categorizações e interpretações.Elaboração de planos terapêuticos individuais (que podem ser desenvolvidos emgrupo) com clara definição da resposta esperada.Atenção constante naquilo que vemos a criança ou o adolescente fazer, com re-gistros imediatos.Seleção cuidadosa de comportamentos que sejam relevantes.

14, ZIMERMAN & OSORIO

. Divisão do comportamento finâl esperado em tantos passos quantos forem neces-sários, numa seqüência progressiva e repetida.

. Utilização de reforçadores e de estímulos de preparação como recursos disponí-veis ao plano terapêutico.

. Uso de comunicação alternativa como: linguagem porfotos e cartões/linguagemgesíuaulinguagem verbal curta e objetiva.

Em termos práticos, apresentamos um exemplo de plano terapêutico indivi-dzal. (Ver figura l.)

Segue-se um relatório mensaÌ onde são realizados os registros para posteriorestudo e elaboração de um gráfico com os comportamentos adquiridos, os comporta-mentos emergentes e os comportamentos não-adquiridos. (Ver figura 2.)

Finalmente, é possível observar que âs bases do Método TEACCH - ou seja, apsicoterapia comportamental e a psicolingüística - convergem para os princípios defuncionalidade (expressa pela visão comportamental) e da pragmática (expressa pelavisão psicolingüística).

Através do TEACCH, na nossa prática clínica, procuramos ensinar crianças eadolescentes com autismo a se comunicarem com mais significado, em maior núme-ro de situações, e com mais propósito, em todas as categorias semânticas: aonde/comquem./de que forma; e funções da comunicação c omo: pedir/solicitar atenção/rejei-tar/c om enta r/da r e bu s ca r i nfo rnt a ç õ e s.

A partir do levantamento das áreas de habilidades e de comportamentos emer-gentes 1â é possível dar início ao trabalho terapêutico com ênfase nas necessidadesdo indivíduo.

O ideal é que ocoÍra em um retÍi?g estruturado de psicopedagogia, pois é fatocomprovado por pesquisadores da Divisão TEACCH, da Universidade da Carolinado Norte, EUA, que a falta de estrutura aumenta a falta de objetivo na ação, e tambémaumentam os comportamentos estereotipados. Por settrnS estruturado entende-se umespaço físico que deva ser indicador de ações e atitudes e qve a atividade propostadeva ser clara quanto ao que deve ser feito.

Em nosso trabalho diário, se propusermos uma atividade com um material comomassinha de modelar, por exemplo, é muito difícil que um estudante com autismoentenda o que é esperado dele naquele momento/o quanto ele deverá realizarlo querealizará depois. Ao contrário, se a atividade proposta for, por exemplo, de empare-lhamento de figuras iguais ou encaixes, as chances de que sua performance seja ade-quada são imensamente mais altas, pois há, na própria atividade, orientadores con-cretos do que deve ser feito.

Por isso, no espaço de trabalho, há a necessìdade de uma organização clara eprevisível que diferencie rírea livre de área de trabalho, tanÍ.o q\anto a de estímulosorientadores em rclação à duração do traballn.

Como podemos informar o tempo para os estudantes com autismo?Através de sinalizadores concretos como Cespertador ou alarme utilizados no

pulso, relógio de parede ou na mesa de trabalho, ou ainda uma sineta.Lembramos que a utilização de estratégias dessa natureza irá assegurar uma

qualidade de desempenhos e a conseqüente convivência no grupo com um mínimo dealterações, seja na instituição seja em casa.+ O grupo de autistas é um grupo diferenciado em razão da situação em si, ou seja,ter que dividir espaço, material, atividades e lidar com a proximidade física do outro,elementos que já se constituem num desafio para aqueles qtse tèm preferência pelaatividade solitária, repetitíva e estereotìpada.

COMO TRABALHAMOS COM CRUPOS . 253

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COMO TRABALHÂI!íOS COÀt GRUPOS

FIGURA 3. Organização visual da atividade.

FIcURA 4. Modelo de instÍuçôes visuais.

,. . .Trabalhar em grupo com autis.Ías não signijìcafazer as coisas juntos. Significadividir algumas coisas. estar próximo, trocú sinaii indicadores de algo, cãm umminrmo de "crises" . Faz-se necessário manter a atividade individualizãda a fim depotencializar a performance do indivíduo como um todo.._ São freqüentes os distúrbios de comportamento, como crises de birra e automu_

tilação, quando as atividades grupais não estão suficientemente estruturadas e sob ototal controle do terapeuta. Essas tendem a aumentar, se o indivíduo se encontra emuma situação por demais complexa, da qual não consegue ter o devido entendimento.. As relações humanas não são previsíveis, não têm regras rígidas e dependem de

sinais subjetivos comotonalid.ade ãa conversa, proxìmidãde.Sísiïa, maneira d.e olhare escolha das palayras. Os estudos da teoria de mente de Uta Frith e col., mais recen_temente d,e Francesca Happé, explicam por que estâs questões são tão problemáticaspara o rndrviduo com autismo: a incapacidade de se colocar no htga-r do outro, desimbolizar e de atribuir idéias, sentìmentos e intenções para aquilo que escuta e vê.

256 ZIMERMAN & OSORIO

FIGURA 5. Alunos da turma dos jovens em atividadeindividualizada compartilhando o espaço Íísico.

As crianças e os adolescentes com autismo apresentam uma dificuldade extre-ma de entender e introduzir-se no pensamento do outro, mesmo quando não têmretaÍdo mental associado.

O enigma permanece, porém já temos mais clareza quanto à natureza dos trans-tornos: provavelmente estão ligados a transtornos específicos nas áreas dementalização, conexão e repre sentaçtío -

Portanto,já no contato inicial, deve-se lembrar que a base da comunicação comuma criança ou adolescente com autismo éda ordem defrases simples, com palnvrascomuns e objetivas, com apoio de gestos e informações visuais comofotos ou cartõesem murais de apoio, a fim de facilitar o entendimento da linguagem falada, que seutiliza de signos que requerem um nível de simbolização muitas vezes demasiadopaÍa o autista.

FIGURA 6.MuÍal de apoio: organização das roupas.Aulorizado por C. Gillberg, Md & T. Peeters, Áutism, 1995; publicaçáo:JANssEN-CILAG.

COMO TRABALHAMOS COM CRUPOS 257

FIGUBA 7. Boupas orgânizadas de acordo com a ìndicaçáo do mural de apoio.Autorjzado por C. Gillberg, Llld & T. PeeteÍs, Áullsm, 1995; publicação:JANSSEN-CILAG.

FIGURA S.Mural de apoio: indicações do uso e organização dos objetos.Autorizado por C. Gillberg, Md & Ï. Peeters, Áullsm, 1995; publìcação;JANSSEN-ClLAG.

Para o indivíduo com autismo, e.rÍar em grupo êumdesafio constante. É comoestar sempre na fronteira de um país em que não se sabe a língua e não se conhece oscostumes.

Parece-nos importante trazer o relato de Donna Williams, autista, que revela emsua autobiografia (Nobody Nowhere, 1992) que se trata de "uma história de duasbatalhas, uma batalha para mantera/a stado o mundo e outra batalha pam c ompartilhá-/o: "Eu tenho sido através de minha própria luta: ela, você, Donna, para finalmenteser Eu mesma. Se você sentir a distância, você não está enganado. Ela é real. Bem-vindo ao meu mundo".

Os tópicos de conversação de indivíduos com autismo tendem a ser idiossincrá-ticos: sapatos, músicas, carros, etc. Podemos partir deste ponto inicial para mostrar

258 ZIMERMAN & OSORIO

como se interage e se ensina sinais que orientem o quânto o outro está também inte-ressado ou não nestes assuntos.

No Centro TEACCH Novo Horizonte, iniciamos ensinando como se comportarem grupo. Através de situações extremâmente estruturadas, partiremos do treino in-dividual, após, para atìvidades em dupla, depois, em trio, e assim sucessivamente, atéalcançarmos o repertório básico para que seja possível realizar alguma tarefa socialcom todo o grupo terapêutico do qual determinado estudante faz parte (no máximo 6indivíduos).

Entendemos por situações extremamente estruturadas aquelas em que há deli-mitação do espaço físico, sendo muitas vezes necessário contenções do tipo:minimização dos estímulos do ambiente, indicadores visuais (fotos ou desenhos) comroteiro da ação esperada, demarcação do tempo de trabalho e, se for o caso, conten-

ção física para que o indivíduo com autismo permaneça na atividade proposta.No trabalho inicial, as respostas tendem a ser melhores quando a atividade é

feita um a um com o terapeuta, sentados frente a frente. Os comportamentos quecompõem o repertório básico de conduta social são os seguintes:

. Emitir contato visual.

. Atender ao seu nome.

. Responder a instruções visuais ou verbais simples.

. Permanecer sentado por um período mínimo de l5 minutos.

. Tolerar a proximidade física.

. Ser capaz de participar em atividades simples como encaixes, ou virar páginas deum livro.

Como estímulos de apoio, faz-se necessírio o emparelhamento da atividade pro-posta com estímulos reforçadores (tudo o que for possível observar como prazerosopara o indivíduo autista - por exemplo, música, revistas, quebra-cabeças, objetos,comestíveis, um abraço, etc.).

Para que se alcance o nível de interação desejado neste primeiro momento detrabalho, apresentam-se atividades que sejam muito claras quanto ao tipo de respostaque está sendo esperada pelo estudante. Por exemplo: encaixes simples de madeira,jogos que envolvam toque e som, ou atividades corporais, como bater palmas.

Num segundo momento, o terapeuta inclui na atividade outra pessoa da mesmafaixa etária e com o mesmo nível de funcionamento, mas ainda sem a expectativa deque seja uma atividade cooperativa entre ambos. Caracteriza-se com essa situação oque se chama de ativìdode de brinquedo paralelo.

Como todo o aprendizado humano, a aquisição do comportamento social tam-bém se dá lentamente e em seqüência. As vezes, esquecemos que isso também valepara pessoas com atraso do desenvolvimento e acabamos por iniciar uma abordagemclínica pelo comportamento Jhnl: línguagem verbttl.

Essa seqüência envolve:

. Treino da atividade solitária.

. Treino da atividade paralela.

. Treino da capacidade de dividir os materiais e os jogos.

. Treino da atividade cooperativa em gÍupo.

COMO TRABALHAÀÍOS CO]!I GRUPOS 259

Efetivada a seqüência sugerida, po.st{9r à aquisição da capacidade para per_manecer em gÌupo adequadamente, é dada ênfase à interâção enrre seus pares e não àinteração inicial do indivíduo voltada para o obiero.Podemos passar_ então para momèntos de óompartilhar tarefas do cotidiano.

. As atividades até aqui descritas podem ser realizìdas tanto por indivíduos autistasverbais quanto pelos não-verbars.Através da atividade de culinária_(atividade profissionalizante que desenvolve_

mos com todos os estudantes d-o CTNH), podemós, por exemplo, trabalhar diversosaspectos envolvidos na in(eração social, como:

. Esperar a sua vez.

. Dividir o espaço físico.

. Realizar a tarefa em grupo.

. Compartilhar interesses e finalidades.

. Atender às solicitações do outro.

. Trocar experiênciai (um poderá ser muito bom em descascar frutas, enquanto ooutro o é em separar ou preparar os ingredientes).. chegar a uma conclusão conjunta (exemplo: salada de frutas).. Dividir o prazer do produto final (refeição feita em conjunto com o alimentopreparado pelo grupo).

O que se propõe é que a atividade de grupo seja realizada da seguinte forma:

' os grupos devem ser.pequenos com uma média de 6 pessoas, com idade cronoló-grca e nlvers de ïunctonamento tanto quanto possível semelhantes.. Deve haver uma rotina previsível qué p.op-"ion" uutonoÀiu e segurança aosseus membros.. Deverá haver mais momentos de atividadcs grupais programaús do que ativida_

des grupais livres (estas devem ser evitadas).. Deverá haver mais momentos de..atividades individuais, mas .Juntos,,, do que

atividades grupais propriamente ditas..

9:110^:."^r "jividade grupal, essa deverá ser de nível leve de dificuldade, jamais

atgo novo, a llm de que a atividade seja facilitadora da interação.' o espaço físico e a proximidade fÍsicicom o outro sào os pontos Íbrtes da ativi_dade em grupo, mas no caso, na maioria das uer"s,.udu u'Á estará realizando asua atividade, em sua mesa, com.o seu material, havendo, no entanto, a mediação

da terapeuta para que todos estejam em comunicação.. A convivência mais produtiva em grupos segue um programa de treinamento

com passos específicos e determinados individualmente, onãe cada atividade deveser cuidadosamente estruturada.

,._._^ ïl y]tli 9:r nossas experiências podemos afirmar, observan do a performancetrvre oos tnotviduos com autismo, que exisle-uma precariedade de recursós para seenvolverem. e aproveitarem qualquer tipo de jogo, Èrinquedo ou atividade livre. Nangura^t z, observa_se esta precariedade de recursos comportamentals.

-.,*.r^a:":O_.^:-,Ìitjrn g terapêurico é organizado buscando ,". indi"odo. de ações,anuoes, e possÍvel observar maior envolvimento do autista com a atividade, te;como uma qualidade acentuada frente a tal solicitação: o contato visual, seguimento

9:llr.,.T"ï' ll"el d€ arenção. todos esses elementos se elevam e, por outro lado,qrmrnuem as estereotlplas e o comportamenlos de birra.

260 ZIMERMAN & OSORIO

FIGURA g.Alunos da turma dos jovens em trabalho independente com comunicação media-da Dor teraDeuta.

FIGURA 10. Alunos da turma dos jovens em atividade de dupla.

FIGURA 11. Alunos da turma do primário em aìividade de dupla.

COÀÍO TRABÁLH\}I05 COTÍ CRUPOS 261

FlGUBA l2. Alunos em atividade livre evidenciando estereotipias.

Porém isso requer conhecer o paciente:

. Saber que condutas adquiridas fazem parte de seu repertório.

. Que comportamentos estão emergindo.

. O que ainda não está adquirido.

A fim de favorecer o entendimento do que é esperado do paciente naquele momen_to e do que exatamente ele deverá realizar, faz-se fundamãntal o planeiamento dotrabalho.

FIGURA 13. Sen/hg de trabalho estrulurâdo.

262 ZIMERMAN & OSORIO

FIGURA 14. Alunos da turma dos jovens em atividade de dupla.

A seguir apresentamos um exemplo de setting de tÍaba,lho estruturado. Quandoa dupla de crianças que irá trabalhar chega ao ambiente, a atividadejá está organiza-da e é em si esclarecedora quanto ao que deve ser feito.

Quando apresentamos atividades ainda desconhecidas para o estudante, ou mes-mo que não estejam totalmente dominadas, têm-se melhores resultados se feitas indivi-dualmente.

Em função dos resultados positivos que temos obtido, reiteramos a importânciada informação de que os estudantes com autismo entendem melhor os estímulos visu-ais (sinalizadores de atividade), os quais respondem a perguntas do tipo quando/porquanto tempo/como. Eles têm "horários de trabalho" e "horários livres" em dosescuidadosamente medidas, cada um de acordo com suas necessidades.

Algumas atividades de Iazer são organizadas alroximadamente da mesma manei-ra que tarefas de trabalho, só que os materiais são associados e usados com indicaçõesestruturadas para assegurarem arealização da atividade de forma motivada e produtiva.

No âmbito do treino social da conversação, é necessário também que se tenhaabsoluta clareza de que, antes de se trabalhar a interação social (para chegar às rela-ções duais e grupais) em nível verbal e conversacional, devemos enfatizar situaçõesde grupo que requeiram operações mentâis de base concreta, o que pode ser organiza-do através de passos.

Aqueles que são verbais e que não têm comprometimento intelectual grave po-derão passar para a etapa seguinte, que envolve o treün da linguagem como instru-mento de interação social.

A linguagem, antes de mais nada, deve ser entendida como um instrumentoatravés do qual se consegue coisâs ou modifica-se o contexto do qual se participa.

No primeiro passo, é preciso que o indivíduo com autismo seja levado a dar-seconta de que verbalizando "não" ele faz escolhas; não é mais necessário jogar-se nochão, gritar, atirar as coisas ou auto-agredir. Dizendo "não", apontando o cartão do"não quero" e/ou fazendo um gesto, ele tem a possibilidade de não fazer aÌgo, outalvez f^zeÍ o\tr^ coisa, possivelmente aquilo que estava querendo.

No segundo passo, é preciso dar o nome, descobrir a funcionalidade dos objetose ser capaz de descrever ações (suas e do outro).

No terceiro passo, já haverá possibilidade de trocar estas informações com ooutro ou com o grupo.

COMO TRABALHÂTÍOS COJ\í CRUPOS 263

Faz-se necessário mostrar, vivenciaÌ, treinar o autista na busca exaustiva doentendimento de que o nosso comportamento também vai depender do comportamentodo outro e dos sinais que ele nos manda, como, por exemplo:

. Gestos.

. Atenção (ficar olhando para os lados, para o relógio, arrumar-se, bocejar podesignificar que o nosso "papo" não está interessando).

. Postura.

. Pausas, silêncios.

Com esses sinais vamos regular o nosso comportamento verbal-social.Esta busca exaustiva usa passos que serão divididos em tantos quantos forem

necessários, de forma repetida e sistemática, como segue:

. Dar dicas de como se inicia uma conversa (através do cumprimento social deestender a mão, olhar para o outro, apertâr a mão, sorrir, dizer "tudo bem ?").

. Contar um fato ocorrido ou perguntar algo.

. Manter o contato visual (olho no olho).

. Manter-se próximo do outro.

. Neste momento, evitar rodopios, piscar os olhos, colocar as mãos na cabeça,balançar as mãos, estalar os dedos, emitir sons estranhos e outros comportamen-tos estereotipados.

. O toque na outra pessoa só é permitido se houver correspondência nesta ação.

. Se quiser trocar de assunto dizer: "Vamos falar sobre outra coisa?" ou "Podemosagora falar sobre canos?".

. Quando o outro disser "tchau", é hora de terminar a conversa.

. Se quiser terminar a conversa, dizer "khau" ou "Tenho que ir embora".

No âmbito mais espercífico das atividades motoras que facilitam a interaçãogrupal, recorremos a algumas proposições com ilustrações trazidas por Gillbert &Peeters em Autism, 1995 (publicação da JANSSEN-CILAG), que nos mostram autllização de "sinalizadores", os quaís ajudarão os estudantes autistas a alcançar aperformance desejada. Tais atividades são quase sempre realizadas em gÍupo, mascada estudante recebe o seu caÍão sinalizador.

Um exercício apenas colocando os braços atrás da cabeça e deitando, voltandoa sentar imediatamente, colocando os braços para a frente, não tem significado para

FIGUBA í5. Indicação para o exeÍcício abdominal.Autorizado por C. Gillberg, Md & L Peeters, Áutism, 1995; publicação:JANSSEN-ClLAG.

264 ZIMERMAN & OSORIO

os autistas, notadamente, se for explicado verbalmente. Mas se forem colocadas va-ras atrás do estudante, e a cada vez que ele deitar, pegar uma vara e ao sentar colocá-la em uma caixa que está à sua frente, isso jír será bem mais compreensível para oautista e poderá ser uma atividade compatível com duplas ou até mais estudantes. Asindicações do material apontam para:

. O que devo fazer?

. Para que fazer?

. Como devo fazer?. Como se inicia?. Como termina?

Essas perguntas já estarão respondidas no próprio "sinalizador".Outro exemplo é um exercício de corrida. Dizer apenas "corra" não tem signifi

cado, não indica:

. Onde começar?

. P^r ^, ,

rht^ têmnô?

. Para onde?

. Por quê?

FIGURA í6. lndicação para o exercício de corrida.Autorizâdo por C. Gillberg, Md & T. Peeters, Autlsm, 1995; publicação:JANSSEN-ClLAG.

Começamos por onde está a bandeìra:

Pega uma bola desta caixa.Dá uma volta.Coloca a bola na outrâ caixa.

E novamente:

Pega a outra bola.Dá uma outra volta.Coloca a bola na outra caixa...

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COMO TRABALHAMOS COM GRUPOS 265

j

As instruções devem se repetir a cada vez, com o auxílio do ..sinalizador" até asbolas terminaÍem.

_. A seguir são apresentados outros dois exemplos, que são atividades de dupla(ogo), onde se faz necessi4rio sinalizar, como aparece nas ilustrações (Gillberg, 1995).

FIGURA 17. Indicaçáo para o iogo de lego em dupta.Autorizado por C. Gi berg, Md & Ï. peeters, Áufism, i99S; pubticação:JANSSEN_CtLAG.

FIGURA 18. Indicaçáo para o jogo com bolas cotoridas.Autorizado por C. cillberg, Md & ï peeters, Áut3rr, 1995; publicação:JANssEN-ClLAG.

Que vão responder para o estudante:

. Como devo fazer?

. Que peças devo pegar?

. Onde devo colocar?

. O que meu companheiro vai fazer?

. O que meu companheiro espera de mim?

- Nesta situação, o cartão com a figura sinaliza toda a atividade (iogo), facilitan_

do "o jogar e o estarjunto".

. O-apoio visual fala por si mesmo. O que o estudante deve fazer não precisa serinduzido.

Pretendemos com esses exemplos demonstrar para o leitor que as .,habilidadesduais e grupais", apesar de se constituírem na área dè maior dificuldade para os indi_

266

víduos autistas, podem ser "treinadas", "exercitadas", "aprendidas", através de estraté-gias simples, que devem seguir passos previrmente pesquisados, organizados e se-qüencializados.

Em nosso trabalho com a metodologia TEACCH, buscamos uma análise atentado comportamento social em seus vários estilos e transformamos em "programas detreinamento social", através também de vídeos/peças de teatro (criadas pelos estu-dantes)/desenhos/música, procurando mìnimizar os aspectos sutis e as muitas variá-veis de cada contexto paÍticulâr.

Dentre nossas tentativas, uma particularmente mostra promissora: ensinar com-portamentos sociais - através de "cenírios"e "encenações". Os princípios dos "sina-lizadores" são os mesmos, ou seja, tentamos com os "suportes visuais" estabelecerum "cenário extemo" que dê a chance aos estudantes autistas de "ler" situações sociais.

Os cenários sociais também são usados para preparar as pessoas com autismopara as eventuais mudanças, e para lhes dizer mais enfaticamente que tipo de com-portamento é esperado delas em determinadas situações. Assim, para o indivíduoautista, será mais provár'el e mais fÍcil "se comportar com educação", pois, na maiorparte das vezes, quando causa problemas, é porque não entendeu o "comportamentoesperado". Isso porque ainda não "r'iu" e "aprendeu" este comportamento em todosos seus passos e configurações, para poder compreender o que as pessoas estão queren-do de si.

Em síntese, â preocupação fundamental é trabalhar diretamente sobre os "com-poÍamentos observíveis" do indivíduo, tentando aumentar o seu repertório de com-portamentos adequados e diminuir e/ou modificar os comportâmentos inadequadosque o caracterizam como "autista", Procuramos transformar seu "funcionamentoautista" ou "anormal" de atuar no meio ambiente físico e social, visando à diminuição ou à neutralização dos efeitos negativos do estigma.

Essa forma de abordagem pode ser mal interpretada como "fria, neutra e isola-da", que "molda"o indivíduo ao sistema, mas, na verdade, é a maneira mais satisfatóriae de resultados positivos concretos de dar ao "autista" condições básicas para "usu-fruir desse sistema", tendo acesso a uma vida o mais possível funcional e satisfatória,como qualquer pessoa. Isso só se tomará possível na medida em que ele preencher osrequisitos mínimos de um comportamento socialmente aceitírvel e produtivo.

Enfim, considerando as propostas apresentadas não somente em funções de abor-dagens teóricas, mas tâmbém através de nossas práticas clínicas, concluímos que aresposta à questão inicial deste capítulo, sem dúvida, é afirmativa.

"A essência de tudo é a qualidade de vida."

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24Psicoterapia de Grupo paraPacientes Internados eEgressosJOSE ONILDO B. CONTEL

os pnluónoros DA rÉcNrcn

A psicoterapia de grupo e a psicoterapia de grupo em instituição, segundo a Associ-ação Americana de Psicoterapia de Grupo, tiveram origem no grande Departamentode Ambulatórios do Massachusetts General Hospital, em Boston, em 1905. Um médicoclínico, Joseph H. Pratt, pressionado pelo grande número de pacientes tuberculosospobres a atendeq e na impossibilidade de intemáìos, matriculava-os em um sistemade classes de 15 a 20 alunos, para os quais oferecia viírias atividadès terapêuticas, aserem desenvolvidas durante o tratamento. Dentre essas, uma vez por semana, reu-nia-os e aplicava uma técnica empírica de grupo.

Observou que a tuberculose, como doença comum a todos os pacientes, favore-cia uma grande união e camaradagem entre eles, quando interagiam no grupo sema-nal. Considerava o grupo a parte mais importante do tratamento. Nele, explicava osmétodos de cura da época e exortava os pacientes a colaborarem com o tratamento.Aqueles que seguiam suas lições e apresentavam melhoras rápidas tinham o privilé-gio de serem apontados, durante a hora do grupo semanal, como exemplos para osdemais, tanto como prêmio como para encorajarem os outros a se animarem com otratamento e, também, pelo espírito de esperança que infundiam em todos. (Pratt,1992: Zímerman, 1993)

No entanto, só bem mais tarde, durante a Segunda Guerra Mundial, apsicoterapiade grupo recebeu impulso notável e definitivo. De novo, o grande número de pacien-tes a atender, representados por baixas nas frentes de batalha, entre militares ameri-canos e ingleses, por motivo psiquiátrico, e o número insuficiente de psiquiatras parâatendêlos exigiram que inovações urgentes fossem introduzidas no tratamento dopaciente intemado.

Surgiu daí, pela primeira vez, a aplicação intensiva, abrangente, compreensiva emodema dos grupos nas unidades psiquiátricas para pacientes intemados. Menninger,chefe da psiquiatria americana durante a Guerra, impressionado pelos resultados posi-

Sou grato à minhaesposâ, profâ. Drâ. Eücléia Pritno B. Contel, pela revisão do texto.

270

tivos da aplicação do método, considerou a prática dos grupos, no esforço de Guerra,como uma das maiores contribuições da psiquiatria militar à psiquiatria civiÌ. (Mennin-ger, 1946)

O GRUPO COMO UM TODO: A IMPORTÂNCIA DO INTERPESSOAL

As primeiras publicações desses psiquiatras e oficiais do exército, alguns com passa-- gem em unidades de combate, descreveram o trabalho com grupos desenvolvido no

NorthfieÌd Military Hospital, dc Londres. Mostraram-se clarâmente convencidos datremenda influência dos fatores sociais na fomação das experiências cognitivas,afetivas e comportâmentâis de soldados e oficiais. (Clark, 1974)

Thomas F. Main, um dos mais influentes e famosos psiquiatras militares ingle-ses, juntamente com W. R. Bion, S. H. Foulkes e Maxwell Jones, percebeu que osÕldado altamente treinado, individualmente, era mais valorizado ainda quando contri-buía para o grupo de combate e para os propósitos do mesmo, ou seja, a sobrevivên-cia do grupo como um todo transcendia a vida de qualquer dos seus membros indivi-duais. (Main, 1946)

A dissonância entre tais conceitos e a formação psicanalítica dos psiquiatras naépoca, centrada na concepção individual e intrapsíquica, em detrimento da teia derelações interpessoaìs em que ela está inserida, deve ter sido imensa. Tal situaçãoocorre até hoje naqueles terapeutas que não têm a oportunidade de conhecer estespoderosos fatores interpessoais, freqüentando um gÍupo terapêutico como cliente,observador ou terapeuta.

O HOSPITAL COMO UM GRANDE GRUPO DINÂMICO: A TERAPIA NOSPEQUENOS E GRANDES GRUPOS

Coube a Main inventaÍ â expressío conunidade terapêuÍicu. Descobria-se uma for-ma de mudar-se a imagem do hospital psiquiátrico como forâ conhecida até então.Estabelecia-se a prática com grupos como instrumentos potentes para provocar essamudança. Revolucionava-se a forma do oferecimento de cuidados, no enquadramentopsiquiátrico do paciente intemado. O hospital passou a ser visto, ern seu conjunto,não mais como uma entidade passiva e deposìtária de doentes, ÌÌas sim como umainstituição terapêDÍica per se.

Nesta mesma época, W. R. Bion foi responsável pela ala de reabilitação doNorthfield Military Hospital, pâra 300 a 400 homens, sofrendo do que hoje se denomi-naria estresse pósìraumático. Durante 6 semanas, conduziu um experimento comgrupos que ficavam disponíveis a todos os pacientes. Todos os homens teriam que sermembros de um ou mais grupos de atividades como: artes manulis, cursos por coÍres-pondência, carpintaria, etc. Qualquer um poderia organizar um novo grupo, se essimo desejasse.

Estava convencido de que o experimento exigiria disciplina dos soldados. Comohipótese de trabalho, convenceu a todos que a disciplina era necessÍria para vencer operigo comum da neurose como uma incapacidade da comunidade. Segundo ele, aala de reabilitação, com surpreendente rapidez, tomou-se autocrítica. Ficou combinadodesde o início do experimento, que todos os soldados, todos os dias, a partir das l2 he l0 min, e estritamente durante 30 minutos, estariam reunidos para a divulgação decomunicados e outros assuntos da ala de reabilitação. (Bion, 1970: Zimerman, 1995)

I

COMO TRABALHÂMOS COÀÍ CRUPOS 271

Inaugurava-se o que hoje denominamos de reunião comunitária. Como Bionqueria, estes grupos tinham como uma das suas finalidades permitir aos pacientes etécnicos como que saírem da estrutura daunidade hospitalar e examinarem o funciona-mento dela com o desligamento de espectadores. Intuía-se que toda unidade hospita-lar que viesse a trabalhar com grupos e em comunidade terapêutica necessitaria tantode um programa de atividades como de um sistema de comunicaçõo.

Maxwell Jones, trabalhando no MiÌl Hill Emergency Military Hospital, de Lon-dres, com soldados portadores de dorprecordial sob estresse, também passou a atendê-los em grandes grupos, dando aulas sobre a origem dos sintomas. No entanto, logopercebeu o potencial terapêutico tanto do grande grupo como da comunidade hospitalare da própria sociedade em funcionar como fator curativo. Os terapeutas deveriam

' agir como facilitadores do processo.

Foi um acaso Main e Jones descobrirem, de modo independente, em hospitaisdiferentes e ao mesmo tempo, a importância de explorarmos os dinamismos dos peque-nos e grandes grupos, incluindo-se neles pacientes, técnicos e familiares. Eles funcio-navam como subsistemas, que recebiam influências e influenciavam um sistema maior,a própria organização hospitalar, vista no seu conjunto também com finalidades tera-pêuticas. Introduzia-se na psiquiatria a noção de sistemas. (Jones, 1952)

Main chegou às suas conclusões utilizando um ponto de vista psicodinâmico deinspiração psicanalítica, enquanto MaxweÌl Jones se valeu de pressupostos sócio-dinâmicos. Ambos, pelo resto de suas vidas, dedicaram-se ao que foi denominado demovimento da comunidade terapêutica. Hoje, no Brasil e no mundo, os asilos deportas fechadas, repletos de desocupados sem esperança e de lunáticos andando aesmo em pátios enormes estão desaparecendo. Pequenas unidades em hospitais ge-rais, hospitais-dia, lares protegidos, núcleos de atenção psicossocial, setorizados geo-graficamente, tomam o antigo asilo cada vez menos necessário. Os pacientes têmvoz, e os usuiírios, pacientes, ex-pacientes e familiares também opinam. Muito detudo isso devemos à intuição genial desses dois pioneiros. (Clark, l99l )

A DIFUSÃO DA TÉCNICA

Recuperava-se na psiquiatria modema os ideais humanitários de Phillipe Pinel, aplican-do-se instrumentos teóricos tanto da psicanálise como da sociologia (Whiteley, l99l ).O modelo sócio-dinâmico foi mundialmente mais aceito tanto pela sua divulgaçãocarismática e inovadora feita por Jones (Rapoport, 1991) como por sua assimilaçãomais fácil para os terapeutas sem treinamento psicanalítico. Em duas ocasiões, em1971, no Segundo Congresso Brasileiro de Psiquiatria, em São Paulo, e, em 1977, naUniversidade de Michigan, pudemos constatar que Jones, como todo reformadorutó-pico, pensava e agia, ideoÌogicamente, pela sua fé inabalável e convicção contagiantee deixava de lado os princípios até então aplicados ao hospital. Era capaz de simpli-ficar e radicalizar suas idéias novas para melhor difundi-las e vencer resistências.

Os princípios da comunidade terapêutica começaram a ser divulgados e aplica-dos precocemente nos Estados Unidos, em Topeka, Kansas, pela Clínica Meninnger.O trabalho The hospìtal as a therapeutic instilution, que tomou Main famoso, foipublicado pela primeira vez no Bulletin ofthe Menninger Clinic, em 1946.

Marcelo Blaya, psiquiatra brasileiro, em meados da década de 50, durante suaresidência de psiquiatria no Topeka State Hospital e seu Fellowship na MenningerSchool of Psychiatry, em Topeka, aprendeu tanto os princípios da comunidade tera-

,|,|,,

pêutica, com inspiração psicanalítica, como a apÌicação compreensiva, abrangenÍe,intensiva e modema dos grupos ao hospital com pacientes intemados. ApÌicou-osentão com sucesso nâ Clínica Pinel de Porto Alegre, de sua propriedade. Muitospsiquiatras, entre os quais nos incluímos, na medida que aprenderam a técnica, toma-ram-se divulgadores na sua aplicação em hospitais psiquiátricos do Brasil. (Blaya,1960; Contel ecols. , 1977; Contel ecoÌs. , 1993)

Entendemos ter sido esta, senão a única, ao menos a principal porta de entradada aplicação moderna e duradoura deste trabalho com pacientes intemados, bem comodo seu primeiro e definitivo teste brasileiro. Seguiu-se sua divulgação pelo Brasil, emespecial nas décadas de 70 e 80, e sua consolidação em alguns locais, como tem sidoo caso de Ribeirão Preto. (Contel, I 991)

Mesmo com 50 anos de existência, neste final de século, a comunidade terapêu-tica não é uma teÌ'Ìdência dominante em psiquiatria e psicoterapia: no .ntanio, apsicoterapia de grupo passou iì ser vistiì com importância cada vez maior tanto parapacientes internados como para egressos.

Em recente levantamento, o NatiottuL Ittstitute oÍ Mental llecllà (USA) mostrouque mais da metade dos pacientes agudos ou reagr:dizados admitidos em hospitaispsiquiátricos americanos participou de alguma forma de psicoterapia de grupo, defi-nida. como uma reunião planejada para mais que dois pacientes e que envolva dinâ-mica de grupo e ìnteraçõas.

No Brasil, a Portaria 224 de 29 de janeìro de 1992, do Ministério da Saúde,regulamentou o trabalho com grupos e recomendou sua aplicação em todos os servi-ços para pacientes intemos e externos que viessem a ser financiados pelo govemo.

A QUESTÃO DO ENQUADRAMBNTO EM PSICOTBRAPIA DE GRUPO

Autonomia, Iivre discussão circulante e interpretação no grupo deneuróticos

Entre 1964 e 1965, durante 6 meses, uma vez por semana, pudemos, na condição deobservador mudo situado fora do grupo, acompanhar a psicoterapia analítica de gru-po conduzida pelo Dr. Hernan Davanzo. Era um grupo de.pacientes aeq$gicos que,ao praticarem a livre discussão circulânte enì grupo, produziam matèrial riquíssimosobre o qual o terapeì.Ìta podia utilizar da análise da transferência. (ConteÌ, 1992)Lembramos de um grupo no qual um jovem estudante de medicina teve seus ataquesao terapeuta motivados pelo exame dos seus atrasos freqiientes e injustificados, osquais foram interpretados como umiÌ nova edição do conflito original com a figurapatema. Era um grupo cujos pacientes permaneciam praticamente os mesmos, mês amês, nas reuniões semanais de uma hora e meia de duração. Tinham níveis estáveis,integrados e similares de funcionamento do ego. Vinham ao grupo por livre vontadee logo estabeleciam um diálogo animado e ardorosas discussões. Tinham grande au-tonomia sobre a escolha dos temas e do juízo que faziam sobre os mesmos. Muitasvezes eram extremamente unidos, noutras se dividiam irremediavelmente. Os temasversavam sobre o cotidiano de cada um, tat'ìto fora como no g.upo. Às vezes eram tãounidos que era como se todos tivessem os mesmos pensamentos. A autonomia e aespontaneidade eram notáveis entre eles, e de todos com o terapeuta.

Esses grupos denominados, genericamente, de orientação interpessoal e dinâmica,como vimos anteriormente, são compostos por membros bastante parecidos ouanto

COMO TRABALHAMOS COM GRUPOS 273

às forças do ego, grau de introspecção e conscientização psicológica, motivação paraa mudança e capacidade para tolerar a estimulação interpessoal. Nestes pacientes sãopropostas mudanças no caráter, acompanhadas por mudanças duradouras no compor-tamento interpessoal. Egressos, forado surto que motivou a intemação e que tenhamas caracteísticas supracitadas, são candidatos parâ tratamento nesses grupos comoprofilaxia de futuros surtos. As psicoses reativas breves, com fatores desencadeantespsicológicos próximos e detectáveis, são um exemplo. (Vinogradov e Yalom, 1992)

A execução de tarefas concretas em grupo de psicóticos crônicos internados

Com Azoubel, em 1964, durante 6 meses, uma vez por semana, durante duas horas,experimentamos peÌa primeira vez trabalhar com gÍupos terapêuticos em hospitalpsiquiátrico. Visávamos à reabilitação psicossocial de pacientes psicóticos cronica-mente hospitalizados, pela aplicação de atividades lúdicas.

Era um grupo que Yalom chama hoje de baixo nível de funcionamento (Yalom,1983; Vinogradov; Yalom, 1992). Encorajávamos a interação interpessoal no grupopelacriação de conteúdos, indiretamente, através da atividade prescrita pelo terapeuta.Os grupos das oficinas teÍapêuticas de hoje, muitas vezes apresentados como grandenovidade, baseiam-se neste princípio básico. Continuam como método útil e eficien-te para a mobilização terapêutica destes pacientes tanto enquanto intemos como de-pois, na condição de egressos. A terapia ocupacional grupal tem aqui grande aplica-ção, quando combinada com psicofarÍnacoterapia.

Selecionamos 22 pacientes masculinos que tinham em comum a capacidadefísica e a disposição para deixarem o pátio de 700 pacientes anônimos, e exercitarem-se nas atividades lúdicas oferecidas, aplicadas e coordenadas pelo terapeuta. Impres-sionavaneles apassividade, o anonimato e um nível quase insignificante de interaçõesverbais interpessoais, que, no entanto, aumentavam significativamente durante a prá-tica da atividade lúdica. Eram capazes de reaÌizar as tarefas propostas, no entanto,não pareciam expressar entusiasmo. (Contel e Azoubel, 1966)

A agenda inicial do grupo como tarefa a cumprir

Mais tarde, em 1967 e 1968. durante 2 ânos. tratamos na Clínica Pinel de PortoAlegre, com intemação integral, uma média de 12 pacientes adultos por mês, emgeral agudamente psicóticos. Atendíamos, dìariamente, em grupos que duravam umahora, das 8 às t horas da manhã, 5 vezes porsemana e enquanto durasse o intemamentode cada um. Tratamos cerca de 200 pacientes e conduzimos cerca de 400 destesgrupos. Como o intemamento era curto, e a psicopatologia, muito variável de umpaciente para outro, tinha-se sempre um grupo de grande rotatividade e heterogenei-dade.

Uma lista de assuntos, denominada agenda, elaborada com os pacientes nosprimeiros 10 a 15 minutos de cada sessão, orientava o uso do tempo no restante dahora. A partir dai e até o final da sessão, os pacientes eram solicitados, com a necessi{riafirmeza e energia, a cumprir a agenda acordada entre todos, no início daquela sessão.São gmpos que Yalom denominou de alto funcionamento, em contraste com o gÍupode pacientes crônicos apresentado na experiência anterior.

Diante da constante instabilidade psicótica do grupo, esta era uma forma deestabelecermos uma ordem para o processo grupal, que estava por se desenvolver.

274 ZIMERMAN & OSORIO

Era preciso, enquanto líderes, mantermo-nos íntegros, independentes e coerentes,diante de tanta fragmentação.

Na agenda, predominavam temas de interesse imediato dos pacientes, como alta,fins de semana em casa, medicamentos e seus efeitos colaterais, relacion_amento comfamiliares, conflitos interpessoais entre pacientes e destes com os técnicos. E fácil imagi-nar a necessidade de ordem nestes grupos que têm como caÍacteústica intrínseca lidarcom o acting-oul psicótico do paciente maníaco ou delirante persecutório, e outraspsicopatologias graves, expressas enquanto o grupo está sendo processado. (Blaya,l97O)

O ajuste da técnica e a versatilidade da psicoterapia de grupo

Estes três tipos de grupos, aplicados em popuiações de pacientes tão diferentes entresi, mostram tanto a versatilidade das aplicações da psicoterapia de grupo como a suaflexibilidade de objetivos. E possível na aplicação da técnica : l) ser tão sofisticadopara analisar a transferência em busca do insight psicanalítico, como no grupo depacientes neuróticos de Davanzo; 2) sugerir a expressão de papéis lúdicos e de execu-

ção concreta, como no gÍupo para pacientes psicóticos cronicamente internados, reali-zado em colaboração com Azoubel; e 3) manteÍ o enquadramento terapêutico, mes-mo diante de sintomas psicóticos, diretamente expressos no grupo, através de umaagenda que impõe uma ordem e um sentido durante o processamento do grupo, comovimos nos grupos para pacientes agudos ou reagudizados, da Clínica Pinel.

Como generalização, e segundo os três exemplos supracitados, podemos afir-mar que o ajuste da técnica está na dependência direta de cinco fatores principais: l)grau de autonomia e sofisticação cognitiva, afetiva e comportamental da população-alvo; 2) tipo e localização do enquadramento em consultório privado, ambulatório desaúde mental, hospital-dia, hospital geral ou psiquiátrico, escola ou empresa; 3) duraçãobreve ou longa da terapia e da freqüência e duração das sessões; 4) objetivos terapêu-ticos, mais ou menos ambiciosos, a serem alcançados; e 5) grau de familiaridade,treinamento e convicção da eficiêncìa da técnica que os profissionais de uma determi-nada unidade hospitalar possuem.

PSICOTERAPIA DE GRUPO PARA PACIENTES INTBRNADOS

Mesmo com o impacto do avanço da psicofarmacologia clínica e da duração médiade permanência cada vez mais curta, a psicoterapia de grupo continua sendo de gran-de importância nas internações psiquiátricas. Apesar da variação dos modelos e dasterminologias usadas nas grupoterapias, nota-se que toda e qualquer psicoterapia degÌupo para pacientes internados tem em comum o objetivo de criar um tratamentoterapeuticamente útil e clinicamente relevante. No presente trabalho, daremos ênfaseà necessidade do ajuste da técnica segundo os cinco fatores antes relacionados e, apartir daí, procuraremos apresentar modelos práticos e objetivos realísticos para essaforma de psicoterapia.

Grau de autonomia da população-alvo: a necessidade de estrutura

Entendemos que a técnica será aplicada emumapopulação de pacientes cuja intemaçãointegral, em uma unidade fechada, fez-se necessária em função de distúrbios psico-

COMO TRABÀLHÂMOS COÀI CRUPOS

patológicos graves, de evolução aguda ou subaguda, para os quais falharam ou nãoforam utilizadas outras instâncias terâpêuticas ou, se foram, o paciente não respon-deu adequadamente. Enquadram-se aqui todos ou quase todos os distúrbios psicóticosque, presumivelmente, podem provocardanos graves, às vezes irreparáveis, ao pacien-te, a terceiros ou ao patrimônio.

Perdem a autonomia de ir e vir e são obrigados a conviver, temporariamente,com outros pacientes e técnicos, enquanto perdurar a internação. Quanto maiores osprejuízos sofridos pelas funções do ego, mais desorganizado e caótico o paciente seapresentará na unidade de intemâção. Estas caracteísticas do paciente exigem umamodificação essencial da técnica, que, por sua vez, deixa tais grupos radicalmentediferentes dos gnrpos tradicionais de longa duração para pacientes ambulatoriais,como vimos com Davanzo.

Para conviver com a desorganização psicótica e ao mesmo tempo tratá-la, sãonecessários limites, dentro dos quais o paciente testa seu funcionamento mental. Noextremo, pode ser necessário conter o paciente em seu leito, de onde sairá, negocian-do a expressão futura do seu comportamento com seus terapeutas, sabendo do riscode recair na contenção, caso não cumpra o combinado.

Todos os dias, àsse mesmo paciente estará participando do grupo, que, necessaria-mente, também terá limites para ele, como manter-se sentado, não fumar durante asessão, ouvir e prestar atenção enquanto os demais falam, chegar na hora do grupocomeçar e ficar até o término da sessão, vestir-se com o mínimo necessário de ade-quação e higiene, contribuir com temas importantes e de interesse de todos.

Nota-se que a população-alvo, quando em grupo, necessita de uma ceÍtaestruturação maior ou menor, que varia em um mesmo grupo ou de um dia para outro.Nesses grupos, para oferecer essa estrutura. organizamos, nos primeiros l0 a 15 mi-nutos iniciais, uma lista de assuntos em número variável de 3 a 5 e o tempo restante édividido entre cada um dos assuntos, de modo equivalente. Quanto mais esses temasselecionados forem importantes e do interesse da maioria, mais atentos todos estarãoe mais coeso e terapêutico será o grupo.

Embora o advento e a aplicacão intensiva de medicamentos antipsicóticos te-nham mudado o quadro clínico da doenca psicótica, as pesquisas indicam que apsicoterapia de grupo e a psicofarmacoterapia reforçam uma à outra. (Vinogradov eYalom, 1992)

Tipo e localização da psicoterapia de grupo: a prote ção do setting

A unidade de intemação que trabalha com grupos, ou pretende vir a trabalhaq precisacaracterizar, com a maior clareza possível, qual será o tipo de grupo a ser processado.Começa por aí a orientação do paciente e o seu convencimento, bem como dos técni-cos da unidade sobre o tipo de tratamento que será oferecido.

Grupos que exploram a origem dos sintomas, facilitam a intensificação dos afe-tos e contam com liderança que não oferece estrutura em geral são grupos de médiaou longa duração e que ficam melhor colocados para pacientes extemos. São os gru-pos clássicos de ambulatório. Foi o caso do grupo de Davanzo, que suportava a investigação em profundidade do conflito e assimilava interpretações de inspiração psicana-Iítica.

As unidades para internâção de curto prazo para pacientes agudos comheterogeneidade de psicopatologias e giro hospitalar rápido se dão melhor com gm-

)1\

276 ZIMERMAN & OSORIO

pos estruturados, que examinam as interações imediatas dos pacientes entre si, comos técnicos e os familiares.

O apoio explícito e contingente à situação que merece suporte terapêutico e aminimização do conflito devem ficarem púmeiro plano. Esse procedimento faz sen-tido porque o paciente hospitalizado, em geral, sente-se desmoralizado, isolado soci-almente e com baixa auto-estima. As possibilidades de interações suportivas no gru-po se contrapõem a esses sentimentos.

A sala do grupo deve oferecer o mínimo necessiírio de isolamento físico e acús-tico em relação ao ambiente do conjunto da unidade. É preciso caracterizar um espa-ço próprio, com cadeiras e tempo disponíveis, enquanto durar cada sessão. Essa prote-ção física e acústica pode indicar o quanto a psicoterapiade grupo é levada em conside-ração, por uma dada unidade. Fechada a porta para o início da sessão, estabelecemoswn setting próprio em conexão, mas com um delineamento único e peculiar quepersonaliza e distingue o grupo das demais dependências físicas e terapêuticas daunidade.

Duração da terapia, freqüência e duração das sessões

Na Clínica Pinel, as sessões eram dirírias, de segunda à sexta, com duração de umahora, e o tratamento do pacíente durava, em média, de quatro a seis semanas. O grupoera processado das 8 às t horas. Era a primeira atividade, colocada logo depois docafé da manhã. Eram esperados no grupo entre 12 a 14 pacientes, em média participa-vam de 10 a 12. O médico, no caso um residente do primeiro ou segundo ano, sempreera acompanhado, no grupo, por um auxiliar de enfermagem, que depois dava assis-tência àqueles pacientes no restante do dia hospitalar.

A duração médiade permanência breve caracterizava, portanto, uma psicoterapiade grupo breve ou de tempo limitado de vinte sessões, naqueles que permaneciamquatro semanas, e de trinta sessões, naqueles que permaneciam seis semanas.

Essa brevidade exigia que a técnica acompanhasse, em tempo real, as vicissitu-des do conjunto do tratamento de cada paciente, desde a melhora dos sintomas fran-camente agudos até o progressivo desaparecimento ou mitigação dos mesmos, Nestemomento já se iniciava a preparação da alta. Pouco depois, começava tudo de novocom os novos pacientes que estavam chegando. Nestas condições, o grupo, bem con-duzido, era uma referência das mais seguras para os novos e uma oportunidade paraelaborar-se a despedida para aqueles que tinham alta.

Entre 1969 e 1976, na coordenação da residência de psiquiatria do Hospital dasClínicas de Ribeirão Preto, tentamos reproduzir a técnica no Hospital Psiquiátrico deRibeirão Preto e, mâis tarde, desde 1974, instalamos o trabalho intensivo com gÍuposno Hospital-Dia, para a seguir colaborarmos, desde 1978, para manter a técnica naEnfermaria de Psiquiatria do Hospital das Clínicas tanto para a terapia dos pacientesintemados como para a formação de especialistas.

Nesses quatro locais, esses grupos tiveram em comum: início no começo damanhã; duração de uma hora; freqüência semanal de cinco sessões; aplicação empacientes com sintomas agudos ou subagudos; duração limitada; eram e continuamsendo objeto de ensino para as novas gerações de psiquiatras e psicoterapeutas (maisde 200 em Ribeirão Preto, desde 1971); em geral, são grupos pequenos; seguem atradição dos grupos de agenda.

\L

COMO TRABALHAMOS COM GRUPOS

Objetivos terapêuticos

PaÍa o tratamento de pacientes psicóticos agudos com essa técnica, precisamos terobjetivos realísticos e que ofereçam um sentido de realidade de comprovação o maisóbvio e imediato possível ao paciente intemado. Precisamos colaborarna reorganiza-ção das funções psicológicas simples e complexas de um ego ampla e profundamentedesorganizado pelapsicose. A compreensão psicanalítica dos momentos de integraçãoe co€são, que se altemam com momentos caóticos e de fragmentação do grupo, ébem-vinda e útil para o terapeuta orientar-se na interyenção a tomar. Os conceitos degrupo de trabalho e de supostos básicos de Bion ajudam a entender essa dinâmica.(Bion, 1970; Blay a, 197 0; Zimerman, 1995)

A interpretâção do grupo como um todo ou do paciente individual no grupo,visando ao insigàÍ psicanalítico, no entanto, costuma ser um desastre que mais "botalenha na fogueira" da confusão psicótica do que contribui para reorientar o pacientepara o pragmatismo da realidade do dia-a-dia. A validação consensual da realidade,pelo confronto do conteúdo manifesto no aqui-e-agora do grupo é a melhor técnica.

Objetivos mais simples são de assimilação mais fácil e de resultados ceÍos paraa melhora sintomática, como: I ) promoção do engajamento e da expressão verbal; 2)diminuição e, se possível, a extinção do sentimento de isolamento e exclusão dopaciente intemado; 3) estimulação da auto-ajuda entre os pacientes para melhorar aauto-estima e diminuir a tensão interpessoal dentro daunidade;4) colaboração para opaciente formar um juízo do ambiente interpessoal que freqüenta e da parte que lhetoca na formação do mesmo; 5) oferecimento de oportunidades para o aprendizado eexperimentação de modelos mais ajustados de interação com os demais; 6) desmisti-ficação do processo terapêutico e maximização da habilidade do paciente para respon-sabilizar-se por si mesmo; 7) criação de uma experiência terapêutica de sucesso e deesperança que encoraje o paciente a continuar trâtando-se após a a'lta..Pacientes queaprenderam e se deram bem com o grupo deveriam continuar em grupo quando egres-sos.

Sempre é bom lembrar que os pacientes com ego mais integrado podem ganharmais atenção dos terapeutas, que tentâm com eles técnicas mais profundas, em detri-mento das técnicas estruturadas e orientadas para objetivos que sabidamente beneficiam os mais desorganizados do grupo. Uma lista bem-elaborada de assuntos no co-meço do grupo deve contemplar a maioria dos pacientes, sem distinção para um ououtro

-mais integrado.

E preciso ao coordenador manter-se colado ao conteúdo e ao manifesto, emcada sessão. O nível de ansiedade e de exposição do paciente, enquanto no gÍupo,deve ser cuidadosamente, até onde for possível, mantido dentro de limites confortá-veis. Permitir exposição exagerada tende a piorar a desorganização do paciente etomar o grupo uma experiência desagradável e até iatrogênica.

Familiaridade, treinamento, liderança € convicção da eficácia da técnica

277

Desde o tempo dos pioneiros, o entusiasmo na aplicação e a convicção da eficácia datécnica foram uma constante. Hoje não é diferente. A dinâmica e o processo grupalsão envolventes e estimulantes tanto para pacientes como para terapeutas. O grupo éum microcosmo social, como diz Yalom. Adoecemos na relação com outras pessoas,portanto, nada melhor que a interação em grupo para percebermos em que ponto ou

278 ZIMÊRMAN & OSORIO

até que ponto vai a nossa responsabilidade pelas respostas do outro às nossas açõesou omissões. Aprende-se melhor, no grupo, a graduar-se a distância e a intimidadecom as pessoas, em especial com psicóticos, que estão a confundir mundo intemo emundo externo.

Adquirimos familiaridade com a técnica pelo treinamento e, mais tarde, pelaliderança de um ou mais grupos. Aqueles que têm a oportunidade de ver terapeutasexperimentados trabalhando com grupos já recebem um modelo pronto, sobÍe o qualacrescentarão sua criatividade, dando ao processo grupal o traço pessoal.

Ainda segundo Yalom, os grupos para pacientes intemados, como os apresenta-dos aqui, não têm lugar para uma liderança frouxa ou titubeante. Pacientesmonopolizadores e agitados - e o maníaco é um exemplo - precisam obedecer àagenda do dia e, caso recusem, devem ser excluídos, sob risco de desorganizarem ogrupo a ponto de tomálo ântiterapêutico. Como os grupos são diários, o paciente saisabendo que poderá tentar, de novo, no dia seguinte (Yalom, 1983). Expectativas eobjetivos realísticos também são necessários para proteger o terapeuta de idealizaçõesutópicas e desmoralizantes sobre a prática com esses grupos.

A presença no grupo de um psicoterapeuta mais experimentado, ou de um ob-servador qualificado, pode aliviar dificuldades contratransferenciais em potencial,em especial entre iniciantes. E preciso lembrar, também, que o grupo está imersodentro da unidade hospitalar, como um ecossistema, com o qual o coordenador deveestar atento, pois o grupo influencia e é influenciado, decisivamente, pelas caracte-rísticas dinâmicas e semipermeáveis desta interface.

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PARTE4Prâtica comGrupos na Area deFamília

25O Casal: uma EntidadePsicanalíticaJANINEPUCET

A possibilidade de trabalhar em um enquadramento psicanalítico com casais levounecessariamente à revisão e depois à ampliação de algumas hipóteses fundamentais.A psicanálise foi criada para compreender o funcionamento de uma única mente, àluz do que lhe acontecia, no marco de uma relação terâpêutica com um analista, cujapresença produzia modificações no comportamento e nas associações do paciente.Mas aqui "paciente" se referia sempre a um único sujeito em contato com um analis-ta. Desse modo, deu-se um sentido limitado às projeções que incidissem sobre arealidade extema, conferindo-se, então, uma ênfase especial às representações men-tais que surgiam do intercâmbio entre realidade extema, enquanto amplificadora dasfantasias inconscientes, e realidade interna. Daí surgiu o conceito de relação objetal,fantasia inconsciente e mecanismos de defesa, muito conhecidos pglos psicanalistas,com o predomínio de alguns, segundo as diferentes escolas.

Quando iniciamos nosso trabalho com grupos, casais e famílias, costumávamosimaginâr que aquilo que sabíamos - a partir da psicanálise - tal como havia sidocriada por Freud e sucessores podia ser suficiente para compreender uma entidadepsicanalítica diferente. Logo pudemos nos dar conta, cada um a partir de diferentesinquietações e elaboração de fracassos, que o simples translado de modelos e concei-tos não era suficiente paÍa entender a complexidade do vínculo. Isso implica levaremconta o que acontece, quando se toma como eixo a idéia de dois ou mais egos conec-tados entre si, em uma relação na qual a extraterritorialidade de um e de outro éfundamental . Com o tempo, englobamos as diferentes entidades psicanalíticírs compos-tas de vínculos, com o termo configuração vincular, e em cada caso nos vimos dianteda necessidade de especificar se se trata de casal, família ou grupo. Cada uma dessasentidades possui invariantes e também mecanismos específicos a ela, e, poÍanto, trazconsigo problemas igualmente próprios.

Em conseqüência, estamos há muitos anos empenhados na tarefa de revisarcon-ceitos e propor modificações em nosso instrumento de trabalho, que é constituído,porum lado, pela função analítica, exercida em parte por meio da interpretação ou dealgum outro tipo de intervenção terapêutica, e, por outro, pelo enquadramento. As-sim, fomos levados a ter que diferenciar quando um sujeito fala em presença de umou de viários outros que mantêm com ele uma relação de extraterritorialidade e, por-tanto, de serem alheios. Chamamos esta última unidade, a de dois ou mais egos

284 . zrue^tot r, osooto

VOLTAR A PENSAR A CONSTITUIÇAO DO APARELHO PSIQUICO

conectados, de vínculo, e com isso confbrmamos um conjunto que agrupa tanto ocasal como a família e o grupo.

Com base nisso, suponho que a presença real de dois ou mais sujeitos tem comoconseqüência a criação de um esplço ürrer, ou sejr, um espiìço entre eles. Nesteespaço, dá-se o encontro entre esses egos diferentes, espaço que se torna condiçãonecessária para que haja intercâmbio e construção da subjetividade de cada um. Ovínculo é, então, uma entidade com s/a/rs metapsicológico próprio, e é a unidadeconstitutiva de um espâço ou mundo ao qual chamo de intersubjetivo. Sendo assim,diferencio-o do espaço no qual o sujcito ou o ego constrói representações mentais, asquais foram conceituadas como fantasias ou relações objetais que, embora em umtempo precisem de um outro da realidade para suiì completa constituição, podemdepois transcorrer nr ausôncia de t;Ìi\ represenliìntes externos. E assim que a relaçãoobjetal também possui seu próprio strrtrrs metapsicológico.

A representação que dois ou mais egos fazem do espaço intersubjetivo, do vínculono qual estão indissoluvelmente Iigados, ocuplndo lugares correlacionados e opos-tos, vai ser a base de nosso trabalho com as configurirções vinculares. Essa constru-ção não ocorre na ausência de um outroi e como tentiìtiva de elaborá-la, senão que éconstruídiì na presença desse outro, e isso constitui a diferença entre relação objetal evínculo. Na relação objetal, ir representação é uma construção que só é factível apartir do vazio deixado pelo outro. E uma maneira de voltar a representar mentalmen-te o que foi vivido, sem que o outro tenha tanto a ver con'ì tal construção. A ausênciacria uma nova forma, suscitada precisamente pela dor pela ausência do outro, enquantoa representaçaÌo de um vínculo é uma modelizaçiÌo que a mente se faz de tal cena. Issoé possível porque o aparclho psíquico dispõe dc uma propriedade disposicional, queé a capacidade de se representar. Onde se encontram essas representações vinculares,e por certo psíquicas, obriga a pensar no aparelho psíquico como indissoluvelmenteligado a outros, e a abandonar a idéia de poder imaginar um aparelho psíquico exclu-sivamente singular, individual. Isso tomarír possível, em troca, propor um modelo noqual caibam represerìtações vinculares. E difícil. prra todos nós, que fomos acostu-mados a conhecer o aparelho psíquico dentro de um espaço a que chamamos demente - e que possui uma representâção em imagem poder representar um aparelhopsíquico que se situiì em um espaço entre r.Ìm ego e outro ego. Em muitas discussões,surge sempre a idéia - que certamente é resistencial - de que, se se trata de aparelhopsíquico tão-somente, deve estar situirdo em uma única mente, c não se poderia falarde um aparelho que precisa necessariamente de duas ou mais mentes para existir.

Este enfoque leva-me a propor a existência de um aparelho psíquico constituídopor diferentes zonas-espaços-mundos, algo assim como se fossem três pilares â partirdos quais o sujeito se constrói. São três pilares necessários, mas cada um deles, porsua vez, é independente do outÍo, e só se estabelecem pontes significativas em algu-mas ocasiões.

No processo de construção de tais espaços-muÌldos, tomo como centrais doismecanismos: a identificação, tal como é conhecida classicamente e foi descrita porFreud em Psicolo gia das ntassas e análise do ego e O ego e o id, sendo o que possibi-lita, mediante transformações sucessivas, a constituição da identidade sexual. Tam-bém dou um lugar constitutivo ao mccanismo de atribuição, que cunhamosjunto com

COMOTRÂBALHAMOS COÌ!í GRUPOS . 285

outros autoÍes (Bianchedi e cols., 1993). Pensamos este último como capaz de possi-bilitar ao ego a ocupação de um lugar na estrutura inconsciente, seja sociaÌ, familiarou seu próprio corpo. A atribuição consta de dois movimentos: um ativo - em que osujeito atribui à sociedade em seu conjunto, ou a um grupo, à família ou ao casal,determinadas características e valores - e um movimento passivo - por meio do quaÌrecebe as atribuições que lhe são dadas. Esses dois movimentos são sempre conflitivos.O atribuir-ser atribuído mantém uma relação direta com a imposição ineludível depertencer a uma estrutura e a coexistente capacidade de escolher, dentro de umaampla gama de possibilidades, a maneira de ocupar um lugar na estrutura. Em todoesse pÍocesso, são determinantes os valores ético-ideológicos.

Quando emprego o conceito de lugar a ser ocupado, concebo-o como inerente auma estrutura composta de posições e funções inter-relacionadas por mecanismos deconelação e de oposição. Tais lugares são os que o, ou os sujeitos, vão ocupando paraserem sujeitos da estrutura familiar e de casal, como sujeitos da estrutura social.Propor como mecanismos eixos de nossa compreensão a identificação e a atribuiçãotem a ver com a idéia de que há dois processos aos quais é necessário dar valor. Umé o de ìr sendo,em relação a um outro ou outros, e também o de construir um diálogointemo com seus objetos internalizados. O outro é o de ir estando emum sistema, e,com base nisso, adquirir o sentimento de pertença, ao ocupar um lugar que sempreterá a ver com uma posição relativa a um outro lugar. Todo lugar determina um den-tro e um fora, um €spaço e uma conexão com um outro dentro-fora.

Viver com um outro, ou simplesmente estar com um outro, pensar e comparti-lhar experiências põem em atividade um mecanismo inconsciente segundo o qual seproduziria um duplo movimento: por um lado, uma tendência a confundir o que re-presenta o diferente e o igual para compartilhar e, por outro, a impossibilidade defazer com um outro. A proximidade de dois sujeitos leva, às vezes, ao desapareci-mento ilusório do espaço inter, podendo fazer crer que o que é alheio, a alteridade, foieliminado. Isso constitui a base da psicopatoÌogia da vida dos casais, quando, por umlado, levar em conta a alteridade do outro toma-se insuportável e, por outro, a perdado espaço inter desperta os sentimentos de solidão, de invasão e perda dos próprioslimites, que também se tomam insuportáveis.

Em qualquer vínculo estável e especialmente no vínculo matrimonial, é impor-tante dar à separatividade dos egos significações que se abrem em leque.

No espaço inter, cria-se sempre uma zona de ilusão, que significa esperança,projeto possível, aceitação de não-relação concreta ou pelo menos imediata, curiosi-dade, idealização que se toma enamoramento, estados passionais sustentados tantopor Eros como por Tanatos. Quando tal ilusão desaparece, parcial ou totalmente,surge um mal-estar investido de abonecimento, desesperança e tédio. Uma das metasterapêuticas da psicanálise de casal é devolver ao espaço inter sua função criativa.

Contudo, não há dúvida de que considerar de forma estável a própria subjetividade e a do outro estabelece problemas de uma ordem absolutamente diferente doque quando se trata de reconstruir as problemáticas inerentes à subjetividade de umsó ego, e as vicissitudes de seu mundo de fantasias. A subjetividade é construída aolongo de um processo interminável e, ao mesmo tempo, provém de um paradoxo. Apresença do outro é necessária e, ao mesmo tempo, é uma fonte permanente de sofri-mento, porque exige do próprio ego uma renúncia: a de ser auto-suficiente para definir-se oor si só.

286 . ZLMERMAN & osoRlo

PSICANÁLISE DE CASAL

Para delinear rapidamente o que implica psicanalisar um casal, proponho um percur-so que inclui os seguintes passos: indagar cor.no se constrói o sentimento de pertençaa uma confìguração vincular de par matrimonial; reconhecer as identificações necessá-rias para realizar a escolha de um outro como esposo ou esposr; detectir a força dosmandatos famìliares e sociais predominantes para a constituição do acoÍdo inconsci_ente que sela o par matrimonial; percon:er âs vicissitudes do processo de sexuação,desde as qualidades de gênero, que constituem a identidade sexual masculino-femi-nÍno e sua articulação, coincidente ou não, com o sexo biológico; dar-se conta decomo tais qualidades sustentam tanto a sexualidade como a procriação e semantizamas diferenças que possibilitam a constnÌção de um vínculo; formular uma hipótesesobre o narcisismo vincular e seus observhveis; reconhecer as vicissitudes lisadas àalternância entrc fragiÌidade e estabilidade vincular, que fezem da zonr de encontroum espaço potencial de confÌito.

MATERIAL CLÍNICO

Juana e Pablo pedem uma hora, sem saber se quercm análise de família ou de casal.Para a análise de família, vai ser difícil encontrar uma hora, já que as crianças têmmuitos compromissos escolares. Clalo, diz Juana, que poderiam faltar ao colégio,mesmo que fosse uma vez, até que nos puséssemos de acordo. Dou uma hora que caijustamente em um ferìado para o colégio, pelo que poderiam vir. Na realidade,tampouco sabem se vaÌe a pena que venham todos os filhos, porque o problema éuma filha. Estou situada no lugar de ter qr.re decidir sobre uma indicação, iem conhe-cer ainda a família. Ao mesmo tempo, já estão me dìzendo ser difícil encontrar umtempo-espaço, Iugar na mentc em quc toda a família caiba e possa ser pensada. pas-sam-se alguns minutos depois do primeiro chamado, e Juana me chama, dizendo quena realidade Pablo pensa que é melhor que venham como casal e que vai se verdepois. Nesse caso, há menos probÌemas de horário, pelo menos para a primeiraentrevista.

Quando vêm para a primeira entrevista, comentiìm que Juana tem um carátermuìto mau, e não suporta o namoracio da filha mris velhe. Este é de outra relisião eisso lhe é intolerável. Pablo diz que Juâna reage com tanta vìoÌência que roda a famÊlia se inquieta, e que a filha não pode entender o que está acontecendo. Os namoradosda filha são em geral de outro estrato social, o que aumenta ainda mais o mal-estar. Acasa se tomou um lugar incômodo para todos, a filha tem que se esconder e não hámaneira de argumentar. Juana explica que não entende porque deveria ser de outramaneira, porque não a respeitam, que foi criada em uma comunidade que lhe parecemuito valiosa e que sente que sua família não tem a menor consideração por ela.Pablo, apesar de pertencer à mesma comunidade reÌigiosa, não é fanático, e alémdisso pensa que mais de uma vez os moços começam escolhendo alguém fora dacomunidade, mas no final, quando realmente querem câsar-se, então mudam. Dequalquer maneira, já não suporta o mau humor de Juana. Juana expÌica a dor que issolhe causa, e sente que é uma afronta a sua família e amigos que possa estar em suacasa um namorado como os que sua fiÌha escolhe. Com os outros filhos, não háproblemas. Decidimos conjuntamente que o principal do mal-estar do casal mereceser atendido neste enquadrâmento, e se dão conta de que vir com a filha teria porfinalidade convencô-la de que trocâsse de namorado. Iniciamos o tratamento em um

COMOTRABALHAMOS COM CRUPOS . 287

clima de colaboração, interrompido por acessos de choro e intolerância, quando setocava no tema das diferenças de religião. O diferente insuportável foi o eixo daanálise deste casal. Perguntei-me como pensar este tema. A questão seria de conven-cer Juana de que pode entrar em sua família alguém que pertença a outra comunida-de, ou seria o caso de que a família aceitasse as regras que sua peÍença à comunidadepodia lhes acarretar? Não havia dúvida de que a forte impregnação ideológica dotema poderia trazer dificuldades para o trabalho terapêutico, já que poderia infiltrar-se a própria ideologia do analista. Um primeiro caminho foi o de semantizar as dife-renças e seu rechaço. De manifesto, deram-se conta de que não coincidiam em nada,salvo quando iam para fora, em viagem, longe de sua família atuâl e de sua família deorigem. Então podiam ter uma vida sexual relativamente prazerosa e acompanhar-se.De qualquer modo, ela rechaçava o nível econômico de Pablo, e este não podia enten-der o porquê,já que toda a família desfrutava desta situação. Ela se casou com a idéiade que tudo o que se obtém deve ser com sacrifício, e ele lhe oferecia uma situaçãoeconômica folgada. Do ponto de vista manifesto, desde o início da relação nenhumdos dois valorizava o que o outro tinha, porque ia contra seus princípios. O diferente,que irrompe com o namorado da filha, surpreende, desorganiza o que possibilitou aeste casal instalâr-se em um vínculo que não fez sintoma até que nascessem os filhos.O "não lugar" "nem hora" para os filhos, da primeira entrevista, repete-se na organi-zação do casal, que não se concebe como pais, mas tão-somente como esposos, sem-pre e quando possam se esconder, e um representante das famílias de origem não seinteire da existência do vínculo de casal.

Outro casal, Julio e Nora, vem para a análise porque não suportam mais o sofrÈmento que lhes ocasionou um aborto. Realizaram-no há pouco tempo, e lhes pesamos remorsos. Eles são muito religiosos e sentem quenunca poderão perdoar-se. Rompe-ram com o mais sagrado e, se bem que tenham agido de comum acordo, e com baseem certas considerações ligadas à idade de ambos, não encontram consolo. Retenhoem miúa mente o argumento de "ter rompido com suas crenças e tradição", expressocomo ter rompido com o mais sagrado. Julio vive deprimido, com crises de ansieda-de; Norajá não sabe o que fazer, e isso se tornou insuportável, desde a morte de seuspars.

A primeira cadeia causal, motivo do pedido de análise, eles a estabelecem comum aborto e haver rompido com o mais sagrado. A segunda com a depressão dele,sendo ela instalada como cuidadora, sem grande êxito. A terceira com a morte dospais dela. Com o tempo, Nora descobre uma infidelidade do marido, que na realidadeé contada por ele, que deseja clarear sua situação. Nova ruptura de um mandato. Juliotenta explicar, mas, entretanto, admite não entender o que lhe aconteceu. De qualquermaneira, propõe outro estilo de explicação ligado a algo que falta, mas já instaladono vínculo. Ela não estava presente para êle, quando se encontrava intensamenteligada a seus pais, ou seja, a sua família de origem, e ele se sentia muito só. Tinha decuidar de seus pais. Essa explicação instala um grande mal-estar, porque ela se ofen-de ainda mais, não apenas por sua infidelidade, mas pelo que considera como umatotal falta de respeito à memória de seus pais. Ela tem uma família com a qual man-tém relações "indivisíveis". Não pode romper com uma família que a absorve. Issotem suâ representação em uma série de bens, cuja gerência está sob a responsabilida-de de um irmão de Nora, e que, apesar de ocasionarem perdas, ela considera valiosos.Julio trata de demonstrarlhe que não podem continuar assim, e pouco a pouco ele iráocupÍu um lugar na família de origem da esposa, já não como filho, mas como umesposo que tenta produzir um corte no indivisível. A família de origem de Julio nuncase ocupou dele afetivamente e sempre lhe exigiu conquistas intelectuais e profissio-

288 . ztr"^ro^ a osonto

nais, coisa que cumpriu amplamente. Não havia reuniões familiares, e o importantepara ele era não estar em casa. Sua casa da infância é descrita como fria, sem vida,nunca havia comida nem nada preparado para recebê-lo e à sua família atual, isso nãopor dificuldades econômicas, mas por pão-durismo. Acrescentam-se hoje as doençasdos pais. Na família da esposa, somente ela seguiu uma carreira universitária. Apesarde ter um título, não exerce sua profissão. Rompeu também com um mandato famili-ar, que incluía que não se valorizassem os estudos universitários, mas em troca tudoo que estava ligado à produção de dinheiro sem trabalhar.

Julio tem um papel ativo na demanda de análise, e ela vem sem entender real-mente para que serve, mas, como de tÕdo modo ele está tão mal, e o aborto lhesprovocou tanta angústia, isso não lhe parece ruim. Ela se mantém distante e um pou-co hostil com a analista, e ele trata de convencê-la, como se estivesse muito preocu-pado com que ela pudesse deixar o tratamento, que ele considera valioso.

O espaço analítico, sobre o qual se está transferindo um aspecto do acordo in-consciente, é também conflitivo: é âceito como obrigação e ocupam-se nele lugaresque determinam um vínculo assimétrico.

Até agora, a única coisa mencionada como resultado de um acordo manifestofoi o aborto, com o subseqüente desastre emocional. O clima é de vir obrigado, algoassim como se tivessem de insistir em demonstrar que fazem algo por obrigação enão por desejo. Será mais aceitár,el reconhecer a obrigação do que o desejo?

A casa é descrita como um espaço também diferente para cada um. Julio sesente invadido pelos filhos, que irrompem no quarto. Não sabe, a partir de seus mo-delos infantis, o que são filhos tendo um lugar. Por ora, este seria construído emdetrimento do que lhe corresponde. Nora diz que gosta de ocupar-se da casa e dosfilhos, mas, em certÕ sentido, também tem de supoÍar que os filhos a impeçam dereal izrr-se prof issionalmente. Hi r lgo f l l tcndo nr crsa.

Os únicos momentos bons (como no casal anterior) sucedem durante as viagensao exterior, onde parece que passam muito bem. Escapam, muitas vezes com algumpretexto - como, por exemplo, uma obrigação de trabalho dele ou uma questão desaúde dela. Também escapam da análise, já que, em muitas ocasiões, informam naúltima hora que vão faltar.

O acordo inconsciente inicial deste casal, que tendia a se repetir por meio dasdiferentes modalidades de intercâmbio, poderia ser formulado da seguinte maneira:devia ficar fora do víncuÌo o prazer que poderia provir de zonas ou intercâmbios querompessem com a tradição familiar de ambos. Para os dois, a casa era só para terfilhos, dos quais ela ia se ocupar, e ele ia contribuir economicamente para o bem-estar da família. A comunidade se estabeleceu na base de uma aparente comunidadereligiosa, embora logo se tenha visto que ambos estavam posicionados de forma dis-tinta diante da religião. Outro aspecto do acordo inconsciente dava conta de umacomplementaridade. A família dela representou para ele, no começo de seu casamen-to, um ideal, e ele ali se instalou como filho. Ela se sentia orgulhosa de levar para suafamília um homem tão trabalhador, que não ia lhe exigir nenhuma ruphlra com suafamília de origem. Nora nem tinha de se ocupar de seus sogros, que mal se interessa-vam por ela. Essa relação de irmãos ou de mãe-filho foi assintomática durante bas-tante tempo, ató que a depressão dele e um sentimento de estranheza e mal-estar nelacomeçaram a minar as bases do acordo iniciaÌ. A morte da mãe de Nora foi um mo-mento importante, porque ela reivindicava cuidado, por sua tristeza, e ele sentia quetinha direito ao mesmo tipo de cuidado, já que ela tinha sido quase sua mãe.

Por acordo inconsciente, entendo aquilo que o casal estabelece, inconsciente-mente, para poder casar-se, tentando manter fora do acordo aquilo que é vivido como

COMO TRABALHAI\IOS COM CRUPOS . 289

incompatível com o mesmo. O que fica de fora, como todo o recalcado, tende areaparecer, fazendo sintoma. Os acordos sempre têm um aspecto ligado à repetição, eoutro capaz de ser transformado, ao longo da vida matrimonial, e em geral depois oudurante cada crise. Cada crise denuncia as falhas do acordo inicial, que poderá serreforçado patologicamente, ou então modificado, dando lugar a novas modalidadesvinculares e à inclusão de intercâmbios dotados de maior complexidade.

A análise deste casal transcorreu durante muitos anos, tentando construir umlugar, um dormitório com uma porta que se pudesse fechar e um lugar para os filhos.A espacialidade e a geografia revestiram-se de uma grande polissemia, já que tantoaludiam ao corpo vincularcomo a uma organização onde houvesse categorias ligadasa uma boa distribuição do espaço, assim como aos distintos espaços geográficos deonde provinha cada um, e que estavam ligados a ideologias de vida de algum modoopostas - para ele, o esporte, os idiomas, as conquistas intelectuais e econômicas;para ela, a vida diária rotineira, a comida, a família e atividades relacionadas com ocampo: o simples, dizia ela. O espaço era também mencionado como categoria, emrelação àqueles lugares onde o prazer do casal era permitido, mas com exclusão desua função parental, e, neste caso, devia transcorrer longe e com algum argumentoque lhes permitisse esconder-se do olhar das famílias. O espaço também simbolizavaos corpos genitais de cada um.

Ela se descrevia como uma camponesa, ele como um profìssional provenientede um meio burguês folgado. A articulação destas duas modalidades criou uma novaforma, o casal Julio e Nora. E precisamente o "novo", a ruptura com a tradição quefez sintoma e os levou a pedir análise. Durante muito tempo, ela exigiu à analista quecensurasse o marido, por sua relação extraconjugal, que nunca ia perdoar, e que nãoadmitia que se pudesse interpretar. Exprimia muito mal-estar com a análise e com aanalista, e só vinha porque ele queria. Queria saber onde se encontrava o casal deamantes e quando. Não queria significar a modalidade vincular que sustentou a infi-delidade, e queria somente um juízo. Parecia um obstáculo, algo assim como o indi-cador do efeito inconsciente de um componente repetitivo do acordo inconscienteligado à manutenção ou ruptura de um mandato. O vínculo entre eles foi estabelecidoem uma base endogâmica, não romper com a família de origem dela. Por outro lado,sabiam que esta organização não possibilitava o crescimento do casal. Durante toda asua vida, tentaram encontrar soluções que permítissem fazer-lhes crer que cumpriamos mandatos familiares, podendo, entretanto, fazer um pequeno lugar para si.

Dar explicações e analisar-se era, para Nora, também uma ruptura com sua fa-mflia de origem. No campo, não se davam tantas explicações. Com seus pais, fala-vam de coisas simples. Ele, em troca, tinha vindo para a análise, ou pelo menos paraalgum tratamento psicológico, por uma depressão impodante, com fantasias de suicí-dio. Assim, era aceita a psicanálise a partirda medicina, seus pais não davam importân-cia a esse mal-estar-depressão, já que para eles a única coisa que valia era que fosseum bom profissional e não ìhes desse trabalho ou lhes exigisse contato afetivo. Elevivia deprimido e medicado e, se bem que ela se sentisse disposta a ajudá-lo, a lem-brança da infidelidade a mortificava tanto que via como única solução a separação, equeria comentar isso com os filhos. Durante um tempo, sua idéia fixa era informar osfilhos, como se isso pudesse trazer algo a mais. Trabalhamos muito o tema, e foi setomando claro que os filhos eram um aspecto do casal que ainda não estava inteiradoda assunção de seu papel de esposos. Por isso, os filhos iam ser aqueles que saberiamdizer algo para que a família se instalasse como tal, e os pais estabelecessem umvínculo exogâmico- Seriam os filhos que iriam pedir explicações e, portanto, tratarde entender o oue tinha ocorrido. Os filhos tomariam contato com o sofrimento dos

290 . zuenueN a oto*to

pais, por terem de cumprir mândatos contraditórios. Os filhos estariam situados nolugar de pais, como ele e ela estavam e tinham estado. Os filhos tinham de saber que,para construir sua próprias identidades sexuais, algo devia ser dito.

A terceiridade, que teve como protagonistas os filhos, a infìdelidade, a analistae a construção de um lugar passaram por distintas altemativas.

Nos últimos tempos, Norâ menciona que, se bem quejá tivesse falado, em suaanálise individual, de um problema relacionado com sua famí1ia de origem, necessitafalar disso na sessão de casal, porque se dá conta de que não é o mesmo. Criou-se, emsua mente, um espaço privilegiado, onde o dito adquire significado em função dosoutros.

Anos depois, o casaÌ continua discutindo sobre a conquista de um lugar paracada um. Ambos, porém, já exercem sua profissão, estabeleceram um ritmo que in-clui altemativamente filhos e sem os filhos. Convidam de tempos em tempos algummembro das famílias, sendo eles os que lhes dão lugaq e já não somente como filhos.

Durante um ceÍo tempo, os filhos foram sintomas do aspecto repetitivo do acordoinconsciente inicial: um filho com dificuldade de aprendizagem grave; outro filhocom uma severidade extrema em seus hábitos, que os fez temer uma possível doençapsiquiátrica. A casa era um caos, porque nenhum filho a cuidava. Havia muita violên-cia entre os filhos, o que eles olhavam impotentes.

O acordo inconsciente teve de ser dolorosamente reformulado, em diferentesmomentos, o que implicou percorrer um caminho segundo o qual um intruso - fosseesse a famíÌia de origem dela, a doença depressiva dele, a profissão, os filhos, e éclaro que na transferência a analista - pudesse passar â ocupar um outro lugar, nãomais o de intruso disruptivo, mas o de terceiro dinamizante.

Outro caminho foi o de dar um lugar ao desconhecido do outro, sem que issoimpÌicasse uma grave feridâ nârcisista.

O DESCONHECIDO DO OUTRO E DE SI MESMO

Um dos temas problemátìcos e fontes de angústia em um vínculo é o impossível deconhecer do outro, com o qual, entretânto, é necessário vincular-se, dado que é con-dição para o advento de um sujeito. No casal que apresenteì, Nora e Julìo, tomarconsciência do desconhecido do outro, que surgiu sintomrticamente de forma trau-mática, com a ruptura da monogamia - ou seja, com a infidelidade - abriu uma linhade trabalho impoÍante e dolorosa.

Aceitar que o outro deve ser necessariamente diferente, mas nào necessaria-mente complementar, de alguma maneira desconhecido e inatingível, põe o casaldiante de um dos paradoxos constitutivos do vínculo. Que o outro seja o mais conhe-cido e desconhecido para o próprio sujeito. A qualidade de "diferente" põe o outronão apenas no lugar do que o sujeito deseja ter ou ser, mas também desperta o desejode conhecer o incognoscível, o que, por sua vez, salva da fusão narcisista, que seriaequiparável à mone vincular.

A presença de um outro real é um indicador inegável da existência de um fora,um outro mundo, fundamentalmente diferente, que não pertence nem pertencerája-mais ao próprio sujeito. O fora-de e dentro-de é diferente para um vínculo e para umarelação objetal. E fonte de ansiedade na vida de um casal, ou de quaÌquer organizaçíovincular. Nunca fica totalmente delimitado o que é dentro e o que é fora, e, alémdisso, sempre exìste o anseio de penetrar no dentro do outro, que se reveste ou inves-

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coMo TRABALHAMoS coM CRUPoS . 291

te de segredo e de exclusão. Deste modo, os casais procuram revisar a caixa secretado outro, ou a carteira, imaginando descobrir ali o incognoscível do outro.

Muitas perguntas sobre o que fizeste, onde estiveste, com quem, além de preen-cher uma trama vincular, possuem, inconscientemente, um significado de intrusãonaquela zona desconhecida e às vezes incognoscível.

Outra variável a ser levada em conta, na análise de casal, é o significado dapresença na zona de encontro do desconhecido de si mesmo e do outro, que só seconhece através do olhar do outro que, em algum momento, e ainda que seja parcial-mente, haverá de transformar-se em compartilhado. Há um conhecimento que só seobtém ao ser escutado por um outro que olha e vê, dando uma perspectiva diferenteao que é vivido por um só ego. Deixa uma marca importante dar-se conta de que apresença do outro é que dá sentido ao pensado em solidão, e que nunca poderá serigual ao que é dito em outro enquadramento. A partir disso, cria-se simultaneamenteum sentimento de dependência, que pode tanto se revestir de Eros como de Tanatos,dando lugar a sentimentos ligados à fobia, seja agorafóbica ou claustrofóbica. É ne-cessário ser dois, para se obter uma visão binocular, ou seja, uma visão que adquireuma profundidade, dada pela dimensão de ser olhado e escutado por um outro. Estetema foi trabalhado por Bateson e reelaborado por Berenstein (1990).

E por isso que, se a identificação projetiva é um dos mecanismos principais paraa análise individual, quando é utilizada em extenso na análise de casal só se produzum recobrimento do desconhecido do outro, com a conseguinte anulação do espaçointersubjetivo, o único que é capaz de dar vida à dinâmica vincular.

E então fundamental dar lugar, na análise de casal, de famflia ou de grupo, aovazio, à separatividade e à dependência de um outro, ao qual em parte não se conhe-ce, e deve ser conservada sua qualidade de desconhecido ao qual se deseja conhecer.

Outra variáveÌ é o limite. No caso apresentado de forma mais extensa, Norasofria por ter que interromper seu monólogo, assim como Julio sofria por ter queescutálâ, a qual, por momentos, fazia-lhe perder tempo com comentários que nãovinham ao caso. Em algumas ocasiões, brigavam para falar, sentindo que o dito porum impedia o outro de se expressar. De algum modo, pediam-se desculpas por inter-romper-se, como se imaginassem que falar, em um vínculo, é interromper e lesar aidentidade do outro. Onde começa, e onde termina cada ego?

Além disso, todo vínculo implica, para cada um de seus participantes, aquiloque Aulagnier chamou de um excesso de informação, que não pode ser metabolizadoem sua totalidade. Isso se inscreve como uma ferida narcisista, à medida que nem opróprio ego nem o outro poderão ser apreendidos em sua totalidade, e que cada um sópoderá tomar-metabolizar parte do que o outro lhe oferece. Isso se manifesta, porexemplo, em um vínculo, quando um dos dois quer contar algo ao outro, e este últimosente que não pode escutar tanto. "Eu queria contarJhe tudo, e me dei conta de que sedistraía e me interrompia com quaÌquer argumento". Dar-se conta de que, embora sedeseje escutar o outro, é impossível escutá-lo em sua totalidade, põe em contato como tema dos limites da capacidade de metabolizar uma informação alheia, que vem deum outro, ao qual, entre(anto. procura-se conhecer.

ANSEIO DE RECONHECIMENTO

O vínculo de casal é também o espaço mais privilegiado para desdobrar, em toda asua amplitude, o mecanismo segundo o qual se dá e recebe reconhecimento para a

:

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292 . z,vsnlreN a oso*lo

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identidade própria e a do outro (Puget, 1993) Chamei esse estado do aparelho psÊ

quico de um anseio inefável de reconhecimento, olhar necessário e impossível' Parto

do pressuposto de que o ego se constitui e continua se construindo ao longo da vida'

em uma relação reflexiva, ou seja, através de saber-se olhado, escutado e pensado por

um outro qué haverá de devolver algo: só assim o pensado, vivido e observado adqui-

," sua conàição d" marca representativa de um movimento psíquico. Algumas dessas

marcas podám inscrever-se como que para permitir uma maior expansão do próprio

aparelhó psíquico e vincular, enquanto outras se inscrevem como efração momentâ-

nàu, qrundo o devolvido tem para o próprio ego um caráter traumático Volta um

significado que de alguma forma interrompe o curso natural dos pensamentos, e é tão

divergente do pensado que o ego se acha deslocado diante de si mesmo'

Èm resumo, considero importante ampliar o marco conceptual que sustenta nos-

so trabalho analítico, partindo da idéia de que o campo vincular tem seu sistema

explicativo próPrio.- O casal enquanto vínculo estável - do qual se esPera que solucione, desde a

solidão singular ãt ê a realizaçáo genital, o pÍojeto, a obtenção de um lugar na vida

social, o reforçamento narcisista e identificatóÍio, todas as demandas e tudo aquiloque possa ser pensado a partir da idealização do enamorâmento - é um espaço de

grande fragilidade, em permanente equilíbrio instável, tendo, ao mesmo tempo, uma

significação de estabilidade etema.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERENSTEIN, I. Ps ícoanalizar una fanília. Buenos Aires: Paidós, 1990BIANCHEDI. E.l BIANCHEDI, M.; PELENTO, M. L.; PUGET, J EI Status psicoanalít ico de la violencia social

(psychoanalytic status of social violence), J8l,it húernalìonal Ps1'clronttorrt," con8rcss. Amsterdã, julho det993.

pUGET, J. En la búsqueda inefâble dc un Íeconoccdor pÍivilcgiado. Acíuali.l.t.l Psicológica, ano XVIIÍ, n' 196, p.

2. Marco de 1993.

26A Famflia como Grupo e oGrupo como FamfliaM. CRISTINA RAVAZZOLASUSANABARÍLARIcAsróN MAZIERES

A TERApIA FAMILIAR srsrÊurcl nM DIsrINTos coNTExros

Nosso objetivo, neste capítulo, é procurar conceptualizar sobre os desenvolvimentosatuais em terapia familiar sistêmica, considerando que estes desenvolvimentos pos-suem aspectos comuns com paradigmas oriundos do campo do grupal e do social.Explicaremos como ampliamos nossa metodologia clássica de terapia familiarsistêmica, desenvolvendo propostas complexas, nas quais convivem as entrevistas deterapia familiar propriamente dita com os grupos de pares. Em nossa experiência,esta unidade assim estruturada é uma interação permanente entre seus componentes,gerando uma potencialização das possibilidades de mudança muitíssimo superior àsconquistadas com a terapia familiar isolada. Exemplificaremos a aplicação conjuntada terapia familiar sistêmica com terapias grupais, como resposta à necessidade deresolver problemas específicos de dependência de drogas.

Vamos abordar, deste modo, a construção de modelos terapêuticos que permi-tam processos de contenção, perturbação e socialização nas organizações familiaresque padecem "abusos".

Vamos começar por descrever muito sinteticamente, sob o título "A família comogrupo", os delineamentos gerais da terapia familiar sistêmica. Posteriormente, sob otítulo "Os grupos como família", transcreveremos os desenvolvimentos principais denossa abordagem grupal, articulados com a terapia familiar sistêmica, em uma amplaestmtura, na qual os membros da famflia revisam e refletem sobre seus vínculos.

A FAMÍLIA COMO GRUPO

Breve introdução sobre a história da terapia familiar

Como surge a terapia familiar? Desde meados deste século, surgem distintos gnposde profissionais da saúde mental, que consideram que os problemas das pessoas de-vem ser olhados e atendidos no contexto de sua vida familiar e cotidiana, indo alémdas teorias sobre o que lhes acontece como indivíduos. Nestes grupos, as equipes de

294 . znlgnnanN t osonto

médicos, psicólogos e trabalhadores sociais começam a desenvolver formas de traia-mento nas quais envolvem aqueles que compartiÌham a vida de seus pacientes, reu-nindo-os para que conversem entre si. Essas iniciativas, que concretamente incorpo-ravam a família a participar ativamente de programas terapêuticos, derivam, com otempo, em uma pluralidade de formulações teóricas e técnicas, as quais são conhecidas pelo nome de terapir, familiar. Destâ origem múltìpla, a terapia familiar impÌicacritérios e ideologias diversas, que tomam difícil unificar conceitos que nos ajudema definir na atualidade este campo.

Neste capítulo, descrevemos de forma geral um destes desenvolvimentos daterapia familiar: o caminho chamado "sistêmico". Dentro dele existem diversos mo-delos que privilegiamos, os quais devem necessariamente variar e flexibilizar-se di-ante de cada família, problema ou contexto. Por último, poremos em destaque moda-lidades da terapia familiar sistêmica que utilizamos especificamente no contexto deum programa de reabilitação ambulatoriaÌ e familiar para pessoas que abusam dedrogas.

Algumas definições sobre a instituição família

Consideramos a família um sistema social que, a pârtir de uma definição política.,está composto de atores sociais que levam a cabo funções necessárias para sua organi-zação. Essa organização possui regras, estabelece fronteiras entre essa família e oexterior, tem agrupamentos intemos e há fronteiras entre estes âgrupamentos (descri-

ções trazidas em geral pelas correntes chamadas de estruturais, lideradas por S.Minuchin e por alguns autores das correntes chamadas de estratégicas). De uma pers-pectiva semântica, são descritos para as famílias códigos, valores, hierarquias, histó-rias e mitos, assim como diferenças de poder entre seus membros. Por certo, isso nãoalude a nenhuma essência, mas à construção que Íìz da família um observador particu-lar, o qual, no caso da prática da terapia familiar, é o/a terapeuta.

Em uma linguagem mais sociológica, a família surge como um grupo socialdelimitado e identiÍìcável, cujas dinâmicas internas vão estar em relação com o con-texto social mais amplo ao qual, por sua vez, pertencem. Trata-se de pessoas que seinfluenciam mutuamente com intensidade (dependem emocionalmente) e respondema expectativas recíprocas que os determinam. Em geraÌ compartilham alguns signifi-cados, entre os quais possuem peso especialmente os mitos históricos e os códigos elógicas que configuram uma cultura particular. Os que não pertencem a essa famfliade fora irão necessitar, segundo os graus de permeabilidade das fronteiras familiares,"salvo-condutos" e traduções, por parte de alguém de dentro, para poderem partici-par desta cultura.

Na descrição semântica da família, referimo-nos a laços de dependência emo-cional, a emoções que foram chamrdrs "primárirs". E dìfÍcil definilas. As "afinida-des", os "gostos", os "apegos" e os "rancores" são pobremente representados pelaspalavras. Faltam-nos os símbolos lingüísticos que expressem graus muito próximos eintensos de envolvimento emocional. Tivemos de recorrer às metáforas. Todos pode-

' Heinz von FoeÍstet citado poÍ B. Keeley eÍn Ld Estótica det Ctnbh. propõe lJln análise da fâmíiâ corno sistemâ social,fazendo uma distinção entre um enfoque político (orgÂnizacional: qucm fâz o que, em que momento) da mesma, e um enfoquesemântico, ou sejâ, o dÂqueles elementos da narÍâtiva frmiliaÍ (como, para qre e por decisío de quem) que dão significado aomârco político adotâdo por uma fâmília em paÍiculâr

mos reconhecer momentos de intimidade prazerosa, de re_união frouxa e cômoda, desituações desejadas e buscadas nas quais não queremos que o tempo pÍLsse, com ima_gens e sensações de calidez, de interesse genuíno pelo bem-estar de si mesmo e dosoutros, aspectos esses do que chamamos AMOR. podemos também, a Dartir de ou_tras emoções, conectarmo-nos com o rancor, o ódio, a afronta e a do( frente a atos deoutro, pelos quais nos sentimos relegados, sem impoÍância, excluídos... torÍnentosque nos afetam, se este outro está em um entorno próximo.

Quem não depende emocionalmente? Apenas os seres muito marginais social_mente podem crer que_prescindem dos outros, que são invulneráveiJ à emoçõesintensas de amores e ódios. Aqueles que cresceram ,,em família", ou seja" com ümamãe, uma avó, ou um pai temos, ou criaram esta circunstância para si mesmos eoutros, reconhecem uma "química" emocional especial, que os relaciona com os quesão sua FAMÍLIA

Por que os terapeutas familiares convocam as famílias?

A definição da famflia como sistema observado não abrange apenas a famflia, senãoque inclui os observadores que a estão definindo e construi;do. Irá haver, então,famílias diferentes para observadores diferentes. por exemplo, terapeutas familiaresde origem anglo-saxônica que rrabalham em hospitais psiquiátricos ém Seattle (USA)vão considerar os papéis de pai, de mãe e de filhos adolescentes de uma maneira ouepossivelmente não coincida com as expectativas das funções familiares que lhes airi-buiria uma terapeuta familiar de origem judia oriental da província de Santa Fé (Ar_gentina), assim como vão ser organizados sistemas terapêuticos entre estas famílias eesses terapeutas com diferenças notáveis entre si.

Porém, entretanto, a maioria dos terapeutas familiares coincide, independentede onde sejam, em convocar a família, quando nos consultam por úm adòlescente"psicótico" ou por umajovem toxicômana. por quê? O que esperamos que aconteça,a partir de contar com a presença, na reunião, de pais, irmãos e avós, òu seja, cómessa rede composta por pessoas que interdependem emocionalmente?

Longe de sustentâr teorias causais, que responsabilizem a família pelas condu_tas pelas quais consultam', os terapeutas familiares esperam que os membros da fa_mília produzam um contexto de idéias, interações e formas organizativas diferentedo que produziram até o momento, isto é, que com sua intervenção seja criado umcontexto diferente, que tenha o efeito de promover condutas diferentes ãaquelas queos preocupam. Dito de outro modo: os terapeutas familiares pensam que nestes gru_pos vem-se produzindo um fenômeno repetitivo, que auto-realimenh, è que, de algu_ma maneira, está sustentando as condutas "sintomáticas,,.'. pensamos que tal fe;ô_meno poderiadeixarde serrepetido, se forem detidas as interações que os rèalimentam.Os que estão acostumados a utilizar explicações relacionais sabem que, ao mudar ocontexto, já não se reproduz o padrão no qual a conduta ..patológica; tinha lugar.

Em outras palavras, terapeuta e família conseguem, em conjunto, como g.uposolidrário, ajudarem-se mutuamente a estimular a emergência de aspectos e recursosinesperados e até mesmo desconhecidos da estrutura familiar.

coMo TRÁBÂLIL{-\ÍOS COrt CnUpOS . 295

' Como tem sido, larnentavelmente, a trâdição de muilas construções psicológicas que culpabilizam as famíias, especiâlrÌìeote .smães." Ìdéias formuladas por C. Sluzki, no aÍigo "Cibernética y Terapia Familiar Un mâpa mínimo".

296 . ZIMERMAN & osoRlo

As entrevistas familiares são então um campo de interações que fomece a opor-nrnidade de que possam surgir condutas novas que interrompam essas seqúênciascomunicacionais que incluem sintomas, e que possam âparecer condutas novas.

Generalidades sobre terapia familiar

Como se realiza, em geral, um pedido de terapia familiar? No âmbito da práticaprivada, habitualmente um pai. uma màe, ou uma esposa chama solicitando algumaforma de tratamento para o familiar "problema".

"Queremos consultá-la por nosso filho mais velho, Pedro. Não quer sair, nãotem amigos e está sempre angustiado, com medos."

E, no telefone, a terapeuta já se vê levada a resolver vários dilemas. Não é amesma coisa este chamirdÕ da mãe do que se Pedro, preocupado consigo mesmo,suficientemente independente em economia e critérios, solicitasse uma entrevista. Ochamado matemo está indicando uma série de relações que possivelmente estejaminfluindo para manter estes padrões repetitivos, nos quais se instala o sintoma dePedro, e então a terapeuta considera útil convocar os membros da família para queajudem a identificar e modificar tais padrões. Os gestores da terapia (mãe, pai, etc.)fazem parte do sistema que se organiza, incluindo o problema, sendo muito útil con-tar com eles.

Se, em troca, fosse dada a segunda circunstância, o chamado de Pedro, pedindopara ser ajudado, a terapeuta certamente teria menos necessidade de contar com apresença dos familiares e, se considerar que as conversações grupais são benéficas,poderá, quando acreditar conveniente, convocar os distintos grupos com os quaisPedro está habituaÌmente relacionado, ou incluir Pedro em uma experiência de tera-pia de grupo.

Aprofundando a terapia familiar sistêmica

A seguir são apresentados alguns conceitos sobre: 1) a prática da terapia familiarcomo recurso único e 2) a terapia familiar incorporada no contexto institucional espe-cífico de um programa ambulatorial de reabilitação para dependentes de substâncias.

Terapia familiar como recurso único

Voltemos à terapia familiar como uma forma especìal de grupo terapêutico e a nossaexpectativa de que, como dissemos antes, a conversação e as cenas emocionalmenteintensas, levantarão "véus anestésicos"" e "perturbarão" o habitual devir interacionaldo sistema.

Vamos continuar com o exemplo de Pedro, para dar uma idéià muito sintéticadas práticas atuais da terapia famiÌiar sistêmica, que integram elementos das corren-

' Utilizamos com muita frcqüôncia a metífoÍâ da "anestcsia", para moslraf umc função impoÍante do terapeuta, pcla qual ajudaâos que estão enÍedados em uÌnâ tramâ Ícpc(ilivi, rperreDer essas trarnas e esses enrcdos, especialmcnle nas formas de comuni-car-se, de ÍÌìaneiÍa tal que se lhes tomem eliíL,r/ej os mâlcs dx siturção que estão aceitando viver e dccidam e "âgenciem" asmudanças de que necessitam.

con(] RABÂLH.d\tos co,\t cRUPos . 297

tes estratégicas, estruturais e experienciais dos primeiros momentos de sua criação,dentro de um marco de consciência co-construcionista, perrnanentemente includentedo observador-terapeuta como parte da experiência.

Tínhamos chegado até o ponto em que a terapeutâ recebe a chamada telefônicada mãe, informação a partir da qual vai convocar toda a família para a sessão. Pedro,o pai, a mãe e uma irmã casada de Pedro vão responder a este pedido de ajuda expres-so pela terapeuta. Nesse primeiro encontro, vão certamente se perfilar algumas for-mas comunicacionais com as quais eles irão reproduzir, na conversação, as interaçõesque habitualmente "lhes são armadas" ou se repetem, em sua relação. Neste caso,efetivamente, é isso que acontece. A mãe faz uma descrição das condutas e dos proble-mas que vê em Pedro, o pai traz sua visão de Pedro de um modo sutilmente desqua-liÍìcador, a irmã protesta contra as expressões do pai, tudo isso enquanto Pedro esrápresente como ausente, sem dar sinais de que tal situação tenha algo a ver com ele.

No contexto deste tipo de consulta, a terapeuta escolhe o momento em que vaiintervir, para interferir nesta ordem seqüencial. Sua intervenção tenderá a produziralguma modificação nesse padrão que já observou várias vezes. Seguramente, e emespecial porque Pedro já passou da adolescência e esse padrão repetitivo já está vi-gente há muito tempo, a terapeuta vai "desafiar". essa modalidade familiar, cuidandopaÍa manter uma relação de aliança e cordialidade com cada um, pessoalmente. Ouseja, vai "provocar" a função repetitiva redutora e indesejada de cada um, enquantoprotege as pessoâs, que concebe como sendo muito mais do que essa funçãoempobrecida que representam, como se fosse um papel de uma obra teatral".

Estamos descrevendo muito sinteticamente um processo grupal, no qual os ato-res construíram uma tramâ relacional que os "obriga" a repetir sempre o mesmodrama, esquecendo que podem desempenhar muito mais condutas do que as que es-tão prescritas neste livro. A terapeuta pode fazer e dizer muitas coisas que signifi-quem um obstáculo para a continuidade fluida dessa trama. Agora, diz a Pedro: "Nãoé necessário que me respondas, mas... me intriga saber como fazes para que teus paise tua irmã dancem ao teu redor, sem que fiques nenhum pouco incomodado. E sem-pre assim, ou, às vezes, tens que te deixar cair deprimido em alguma poltrona? Preci-sas fazer algo para que se enganchem assim contigo ou já não precisas, como agora,nem fazer um mínimo gesto? (Continua, sempre olhando apenas para Pedro.) Eudevo estaÍ muito confusa, porque vejo apenas um rapaz com uma cara bastante inteli-gente, que tem de se fazer de indiferente, enquanto os demais se desgastam paraajudáJo. (Agora a terapeuta se pôs de pé, por trás de Pedro, a quem coloca a mão noombro.) Também quero ver como se vê esta história pelo teu lado. Talvez isso me dêa pista sobre o que te faz contemplar esta cena como se não tivesse nada a ver conti-go",

Toda a família deve acomodar-se agora a esta formulação da terapeuta, que nãodefine Pedro a partir de um marco conceptual psiquiátrico (o esperado), senão queestá descrevendo uma cena da vida cotidiana e está pedindo para seus protagonistasque se confrontem com o que ela percebe. Para que tal mensagem tenha algum im-pacto, a terapeuta deve conseguir, por meio de muitas formas sutis, estabelecer umarelação com a família, ocupar uma tal posição importante para eles, que o que ela

'.{.Ddolfi, Sâccu e Minochin são autores qüe incluem o "d€saÍìo" em suâs intervenções.- P3r3 ãprofuodar estes desenvolvimentos, é conveniente ler os livros Por trdr dt Mtiscaro Familìar,de Andolfi e col., e FdmílÀaÍe T.rapia Familiar, de S- Minuchin, e os aíigos "A Eme€ência da Pâtologia', de H. MatuÍânâ, C. L. Méndez e s. Coddou, e-L_Ed Meúfom dâ Relação Terapeuta-Famíliã: Co-autorcs de Novos Livretos", de G. Maziercs e M. C. Râvazzola, como uÍÍú:È{rosâfia bÍevíssima sobÍe esta temática.

298 r znaenv,ql a osonro

comente não seja fácil de negar ou expulsar, senão que lhes produza isso que anteri-orrnente chamamos "perturbação"'.

Uma vez colocados obstáculos à repetição do padrão habitual, cada membro dafamflia pode refletir sobre si mesmo, e recuperar capacidades que não apareciam nocontexto anterior. Dessas capacidades irão resultar novas configurações de condutas,algumas das quais favorecerão, talvez, situações semelhantes às que motivaram aconsulta, mas que podem ser lrabalhadas de diferentes maneiras, ao longo do proces-so de uma terapiâ. Nenhuma dessas ações é simples e requerem um intenso treina-mento dos que se dedicam a esse tipo de psicoterapia. E justamente o mais difícil dadescrição de um tratamento deste tipo é a transcrição dos sinais múltiplos e sutis queo terapeuta vai tateando e levando em conta para decidir suas intervenções. As cenasque se estabelecem, os distintos personagens arquetípicos que vão aparêcendo, a ín-dole indutora de alguns fenômenos, os pequenos gestos, indicadores de emoçõesintensas, as incongruências e os "sintomas em sessão", que assinalam as armadilhase paradoxos comunicacionais", são difíceis de descrever e mostrar. São quase invisí-veis. Se fossem evidentes, a família os iria decodificando e utilizando, sem anecessida-de da ajuda de um especialista.

Como o princípio ideológico subjacente a toda esta atividade terapêutica é aconvicção de que a família é um grupo social que pode operar beneficamente, desba-ratando um jogo relacional que adoece um ou vários de seus membros, todo estetrabalho requer um cuidado peÍÌnanente da relação de respeito e cooperação comcâda um.

Incorporação da terapía familiar em um contexto institucional de umprograma ambulatorial de reabilitação para dependentes de sabstâncias

Em relação às circunstâncias de aplicação da terapia familiar, um aspecto muito im-portante é a consideração de que o problema - isto é, a toxicomania e as condutasabusivas do dependente de drogas - é o tema central ao redor do qual giram todas asinformações e todas as proposições. Na terapìa familiar, podem-se propor problemasrelacionados com o casal dos pais, ou problemas com condutas dos irmãos, mas tudoisso vai ser visto quanto à sua repercussão sobre o toxicômano que está em tratamen-to. Dizemos que o foco da consultâ é a dependência de drogas e vamos trabalhar comas condutas, na sessão, que podem estar favorecendo as anestesias e as cumplicida-des de cada um em relação ao problema da adicção.

Pensamos que, nos espaços de encontro entre os membros das famílias e osterapeutas da Instituição (programa de drogadição), um dos objetivos mais importan-tes para alcançar é a recuperação e o crescimento dos recursos familiares, já que irãoser os próprios membros da família que vão operar ativamente como agentes de mu-dança. Para que isso seja possível, deve ser gerada uma relâção cada vez mais firmede aliança entre a Instituição e a família.

' O biólogo H. Mâturâma explicou, em uma aulâ em Buenos AiÍes, hÍ muitos anos, que qualquer mecanismo acostumado a umfuncionaffento automático se "peíurba", se se reÍlete sobre ele. Deu o exemplo de uma pessoa que maneja um automóvel e que,por alguma râzâo, põe-se a exârnìnâÍ em que momento pôe o pé sobre qual pedal. A paíir dessa r€flexão, seu modo de dirigirjánão permanece iguâ|." Os fenômenos habituais na comunicação entrc pessors que funcionam "enredâdâs" em íelações que lhe fâcilitam condutâssintonúticas sãodescritosem Âlguns capítulos do livro sobreabusos nâs relações: Histórios Inlamer, de MaÍía Cristina Ravazzola,no momenlo em processo de publicação.

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COÌ!ÍO TRÂBALHA\IOS COTÍ GRUPOS ' 299

Os maiores obstáculos para a consoÌidação da recuperação dos recursos fami-liares (o que, em língua inglesa, chama-se empowennent) são as sin:ações de oposi-ção antagônicâ entre a família e a Instituição e as dificuldades dos terap€utas pararegistrar e transmitir aos membros das famílias a confiança em suas capacidades.Com freqüência, vemos que algumas destas famílias, a partir da experiência de dor efracasso vivida com o adicto-problema, apresentam-se aos terapeutas como as maisdesvalidas ou as mais desafiadoras. E este desvalimento induz os terapeutas a dar-lhes algumas respostas que os próprios familiares certamente poderiam encontff seconfiassem em suas próprias capacidâdes. Outras se apresentam com um estilo desâfi-ador, que vai fazer com que o terapeuta tenda a aliar-se com o paciente e a sentir hosti-lidade para com os membros "provocadores" da família.

Para evitar o anteriormente descrito (erros dos terapeutas) são muito imponan-tes as reuniões de equipe e as supervisões, nas quais revisamos tais situações, queatuam como um forte foco de indução, e elaboramos quais podem ser as respostÍLsmais adequadas dos terapeutas em cada circunstância.

Por que, para alguns problemas ligados a abusos, pensamos que a terapiafamiliar, como recurso único, não é suficiente?

Por abuso, entendemos o uso desmedido de substâncias (alcoolismo e toxicomania),assim como o uso de pessoas como se tratasse de objetos (maus tratos físicos e psicoló-gicos, incesto, violação e outros abusos de poder, de índole sexual).

Quando os problemas coincidem com a presença de condutas de abuso em al-guns dos membros da família, pensamos que, para que as famílias produzam mudan-ças, e depois para nos assogurarmos de que essas mudanças se sustentem, precisamostrabalhar na direção das seguintes conquistas: l) produzir uma perturbação dos pa-drões rígidos do abuso, 2) desenvolver capacidades de controle e de limites e 3) gerarum âmbito de participação grupal em processos de ressocialização que incluam valo-res solidários, de respeito, gratidão, reconhecimento, etc.

Para conseguir o primeiro objetivo, é importante a terapia familiar. Mas o segundoe o terceiro necessitam a interação em redes sociais para que se desenvolvam proces-sos de re-socialização que permitam a uma ação social, comunitária, em que não nosfaltem interações múltiplas para que se incorporem, através do relacionamento comoutras pessoas, modelos, expeJências, exemplos, etc.

Queremos por isso transmitir nossa experiência da implementação de técnicasinspiradas no pensamento sistêmico, para trabalhar com pacientes dependentes dedrogas, tomando a prática da terapia familiar como um dos elementos de uma estru-tura multigrupal que também inclui os pais em grupos de pais, os irmãos, em gruposde irmãos, as esposas e esposos, em grupos de cônjuges, além de tratar os toxicôma-nos em grupos de pares e de reunir os coordenadores para refletir também em grupo.

OS GRUPOS COMO FAMÍLIA

Para entender como funciona este programa de reabilitação familiar ambulatorialque descreveremos, propomos pensar em uma família com um membro toxicômano:mãe, pai, irmãos, etc. Periodicamente, eles se reúnem como grupo familiar (entrevis-ta de terapia familiar) e, além disso, cada membro comparece a grupos de "pares",

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300 . ZIMERM^N & osoRlo

onde revisa, questiona e reflete sobre seu "papel". Em função de sua participação emquaisquer dos grupos de pirres, cada familiar poderá incorporar e modificar condutas,as quais colocará em prírtica na interação com sua família, o que desencadeará ou nãouma nova configuração nessa dinâmica familiar.

O recurso que utilizamos neste programa é armado de uma "estrutura" comple-xa, cujos componentes são as próprias famílias. Seus membros se agrupam da se-guinte maneìra: por um Ìado, compartìlham grupos com seus pares;por outro, parti-cipam de entrevistas familiares, e, por último, reúnem-se em grandes grupos, comoutras famílias. Então, as novas capacidades que começam a circuÌar em cada famfliaprovêm tanto das entrevistas familiarcs como da participação de cada membro emum grupo de pares, ou das reuniões multilamiliares.

Grupos de pares

Na consulta por abuso tlc drogas, geralmeÌÌte é algum membro da família, e não opróprio toxicômano, que realiza o primeiro contato com a instituição. A modalidaderelacional de tratamento das condutas abusivas que utiÌizamos necessita da presençaconcreta dos membros da família ou redc substituta motivados para ajudar. Comodissemos, estes membros da fiìmília que participam do trafamento serão distribuídosem diferentes grupos de pares: toxicômanos, irmãos, pai, etc. Nestes grupos, eÌesencontram geralmente pela primeirii vez um espaço qualificado, onde podem falar datoxicomanìa e da dor que isso lhes produz. Ali, os familiares voltam a tomàr contatocom os aspectos mais potentes de seu papel e aprendem, por sua vez, condutas eficazes,que lhes permitirão participrìr ativameÌlte no tratamento do dependente de drogas.

Exemplo: Ana e Luís comparecem a uma primeira entrevista grupal de orienta-

ção. São um casal de pais que consulta por seu filho Ignacio, de l6 anos. Muitoangustiados, não conseguem rceitar o risco em que se encontra seu filho, apesar deter duas entradas na polícia por posse de drogas. A participação dos pais no grupoobteve, através da reflexão com outros pais, que Ana e Luís encontrassem novosrecursos, vencendo dificuldades que até agora consideravam inevitáveis: "O que pensa-rão no colégio?"; "Seus amigos também consomem?"; "Como faremos para colocat-lhe limites?"; "Não vai querer vir ao tratamento", etc. Em menos de uma semana,levaram Ignacio para sul primeira entrevista, e começou o processo de seu tratamento.

Estes pais, nos grupos, por meio dc conversas com outros pais, encontraramuma maneira eficaz para ajudar seu filho nas medidas de cuidado. Durante seu com-parecimento aos grupos, graças à experiência dos outros pais, tomaram consciênciadas condutas de risco a qüe estava exposto seu filho, às quais, até este momento, nãodavam importância. Ana e Luís poderão, â piìrtir de agora, começar com condutas decuidado real.

É comum que, em momentos ìniciais de sua participação no grupo de pares, osfamiliares repitam as pâlavrâs que o toxicômano lhes diz, para explicar sua conduta:"E a última vez que consumo", "Eu saio sozinho disto", "A droga não faz mal". Osfamiliares, a partir de sua própria insegurança, devido a seus medos e a sua confusão.ficam submetidos à sedução das palavr:rs do toxicômano. Necessitam realizar umárduo trabalho de desmistificação, para compreender que as palavras do toxicômano- que tiìnto valorizrm - apenas têm virlor na medida em que eles mesmos o outor-guem a elas, e isso sempre sob o alto custo de silenciar seu próprio juízo. Quandodiminui o efeito anestésico dcssa sedução, os familiares recuperam o registÍo de suasemoções. Chegr o nlon'ìento em que os membros da família recuperam sua capacida-

COMO TRABALHA-\ÍOS CO\Í GRUPOS . 301

de de pensar de forma autônoma, e podem deixarde prestaÍ atenção ao que o toxicôma-no diz, para prestar atenção apenas ao que ele realmente faz. Surge assim neles omedo de que o toxicômano seja capturado pela polícia; o medo da overdose, da AIDSe da morte. Recuperadas as suas próprias emoções e pensamentos, os pais podemagora trabalhar para que o filho toxicômano comece a tomar contato com as idéias esentimentos que lhe são próprios e que até então haviam conseguido delegaÍ em suafaniília.

A interação entre pares toma-se facilitadora da mudança. Escutar um par não éo mesmo que um terapeuta. As pessoas se aliviam ao descobrir que outros comparti-lham seu problema e que tÍansitam por caminhos semelhantes.

Exemplos: Maria, dirigindo-se a outra mãe: "Me acontecia o mesmo que paraìvocê. No princípio, não podia entender que meu filho era toxicômano. Estava cheiade raiva e não podia ajudáJo. Depois fui vendo outras coisas... não queria perder meufilho, mas recuperá-1o".

Nas famílias de toxicômanos, as condutas de abuso são habituais. Vemoscomumente maus-tratos, agressões, o não-registro das necessidades dos demais, onão-reconhecimento pelo recebido e a falta de compromisso, expressos em palavras,fatos ou gestos. Ao trabalhar nos grupos sobre os vínculos, diversas formas de maus-tratos ficam a descoberto e agora sob o foco da observação, poderão ser tratadas. Porsua vez, os pais enfrentam a tarefa de reconhecer em si mesmos as emoções que osinvadem, e a de reaprender, a partir de seu próprio sentir, novas formas de estabelecerrelações, agora sem abusos.

Exemplo: Juan (toxicômano em tratamento), em sua família, tinha por costumeassumir o papel de crítico violento e "corretor" da conduta de seus pais. Em umaocasião, o pai chega em casa e ouve seu filho falar com dureza para sua mãe. Indigna-do e sem um momento de dúvida, detém Juan -pela primeira vez - e, firmemente, diza ele que não permitirá que fale a sua mulher desta maneira. Neste momento,redescobre-se a si mesmo como Dai e como marido.

À medida que evolui o proiesso terapêutico, transcoÍrem sessões grupais e fa-miliares de intenso movimento emocional, nas quais cada membro da família redefinesua posição, seu papel, no seio de sua própria família. Pais e filhos aprendem a dialo_'gar e a negociar novos projetos, recuperando o humor e o prazer de estaÍem juntos.Cada participante, no fim do processo terapôutico, expressará a satisfação de apren_der novas formas de estar com sua família, assim como o fato de ter obtido, pàra simesmo, satisfação por seu próprio crescimento.

Grupos multifamiliares-

Através do "encontro" de famílias que compartilham da mesma problemática, cria-seum novo espaço terapêutico que permite um rico intercâmbio a partir da solidarieda_de e ajuda mútua: origina-se, assim, um novo contexto, no qual agora as famílias seajudam mutuamente.

A terapia multifamiliar consiste no encontro de um grupo de famílias com ca-racteísticas e modalidades próprias e diversas, em que estão presentes várias gera-ções que atuam entre si. Cada participante tem a possibilidade de ver os demais em

' Tomândo idéias das Licenciadas S. Bâril'i, M. Ballvé e D. CÂrcia, em um trlbalho apÍesenúdo no CongÍesso A€€nrinoorgâni?.do pela A.S.I.B.A., em 1990.

III

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302 . ZMERMAN & osoRlo

interação com seus familiares e com o resto do grupo. Não se trata de uma presençamediatizada pelo relato de quem fala, senão de observáveis desse momento. Não é omesmo, por exemplo, escutar um companheiro de grupo falando de sua mãe, ou vê-lointeragir com ela no grupo ìnterfamiliar.

Nas reuniões multifamiliares, as famflias se convocam para ajudar a solucionaro problema de uma e de todas, gerando-se um verdadeiro efeito de rede. Todas sãopartícipes e destinatárias da ajuda. Um pai pode ver outros pais agindo a respeito deseus filhos, e ver seu próprio filho em relação a outros pais ou a seus pares. Cadapessoa pode observar diferentes alternativas em relação à sua própria conduta, o queamplia o contexto de cada uma das famílias. Essa ampliação contextual das reuniõesmultifamiliares é dada pela presença dos demais membros das famílias, de modoque, retomando os exemplos, enquanto um pai fala a outro, estão a lhe escutaÍ outrospais, esposas, filhos, etc. A presença de outros permite revisar as crenças que cadafamília sustenta, questionar os segredos, infonnações incompletas e tabus, e abredúvidas acerca de pressupostos mantidos rigidamente através do tempo.

Exemplo I (Roberto - adicto - fala ao pai de Marcos, companheiro de grupoterapêutico): "Desculpe, Sr., mas creio que não está escutando Marcos. Ele não lhepede que o acalme, pedeìhe que comece a conhecê-1o".

Exemplo 2 (De Fernanda, esposa de um toxicômano, a Mara, outra esposa): "Seeu estivesse em teu lugar, me sentiria mal, porque Marcelo ameaça permanentementedeixar o tratamento. Me aconteceu o mesmo com Darío. Eu vivia com medo. até oueum dia tive claro que, se não se tratasse, eu o deixaria, ia embora. e pude assim lhe falarsem rodeios. Não vais ajudá-lo, se te deixares pressionar por ele."

O encontro entre pais, filhos e avós tâmbéÌn permite dimensionar os conflitosem um plano intergeracional. Pode-se falar "dos filhos" em relação aos "pais", dosavós em relação à geração dos netos e de seus próprios filhos. Surgem as contradi-ções e os mandatos de cada geração. O encontro trigeracional favorece também arevisão de hierarquias, que nas famílirs com um membro toxicômano se encontramem geral subvertidas, produzindo-se agora o surgimento de uma nova acomodação.

A reunião multifamiliar favorece e potenciaìiza a emergência e a circulação doemocional. No encontro entÍê as famílias, as enroções adquirem grande intensidade eressonância, sejam sentimentos de grâtidão, reconhecimento e reconciliação, comotambém de raiva, enfado, decepção ou mal-estar. As possibilidades de contençãogrupal se ampliam, e cada pessoa agora está acompanhada e estimulada na expressãode seus próprios sentimentos, devido a ser testemunha e co-participante da expressãodos sentimentos dos demals.

Algumas considerâções sobre o programa de reabilitação de toxicômanos(estrutura familiar grupal ambuÌatorial)

Uma das maiores dificuldades com que nos deparamos no desenvoÌvimento de nossotrabalho foi, desde o princípio, a carência de uma linguagem que nos permitisse con-ceptualizar o processo de uma rede em ação, já que há poucas teorias e epistemologiasque auxiliem a definìção destas práticas. Porém, à medida que transcorria nosso traba-lho terapêutico com os grupos, pudemos desenvolver conceitos, formas de pensar"em redes", que nos permitiram informar sobre nossa modalidade de trabalho.

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Em todas as etapas do processo terapêutico, destaca-se o prolixo trabalho meto-dológico dos coordenadores terapêuticos, que devem estar ligados minuciosamenteao campo onde se desenvolve a tarefa. Eles devem planejar permanentemente no\ asestratégias, construindo um acionamento coerente e flexíve_I, que, ao ser posto emprática, possa enfrentar todo tipo de situações resistenciais. E muito importanre tam-bém que a equipe de coordenação não assuma vivências paralisantes de fracasso. eseja capaz de transformar os erros em "aprendizagem rica". Isso dá lugar a modificaros caminhos equivocados, promovendo novos projetos, enrìquecidos agora pela ex-periência vivida.

Na medida em que o programa de recuperação hierarquiza a idéia do "trabalhoem rede", ele dá a qualquer familiar a possibilidade de sentir-se participando, ou seja.fazendo parte de uma organização que gera mudanças. No intercâmbio de problemascomuns, são descobertos recursos novos para compreender que o que até ontem empouco modificável pode-se agora mudar, viver de outra manelra.

CONCLUSÕES

A experiência de integrar o pensamento sistêmico em diferentes níveis da ação tera-pêutica grupal, experiência que desenvolvemos em um programa de reabi litaç ão parapessoas dependentes de drogas, permitiu-nos encontrar soluções a partir de espaçosque convocam cada família (terapia familiar) e espaços que convocam diferentesfamflias de forma conjunta (redes).

A proposta de trabalhar articulando a terapia familiar e os grupos com idéias epráticâs atuais resgata o valor das intervenções relacionais. A amplitude de alternati-vas que se abrem, incorporando esses enfoques contextuais dá lugar a um trabalhocolaborativo, novo, criativo, no qual cada família potencializa suas possibilidades erecursos para conseguir organizar uma realidade diferente.

Vemos como proveitoso o futuro de uma linha de abordagem sistêmica, que foirica em seu começo tanto em produção técnica como em recursos comunicacionais, eque está atualmente consolidando sua produção teórica a partir das contribuições dapós-modemidade. E vemos como interessante que essa abordagem se conjugue demodo eficaz e frutífero com produções provenientes da reunião das pessoas afetadaspor um problema comum, de tâl modo que os resultados só possam ser explicadoscomo conquistas conjuntas de profissionais e membros da comunidade.

Descrevemos um percurso muito sucinto do que foi a criação de uma instânciaterapêutica familiar e desenvolvemos algumas idéias atuais, que resgatam o valor dasintervenções relacionais e a amplitude de altemativas que se abrem ao serem incor-porados enfoques contextuais.

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27Grupos com GestantesCERALDINA RAMOSVIçOSA

Começar a gestar tem inúmeras implicações no psiquismo da mulher, pois, além dasmodificações do corpo, vão acontecer mobilizações emocionais na sua vida anteriorpara adaptar-se ao novo papel. Por vida anterior entendemos relações com os pais,vivência do triângulo edipiano, experiências de separação.

A gestação é uma fase do ciclo vital da mulher em que ela não só aprende sobresi mesma como também vivencia ansiedades e desamparo num clima de intensa ex-pectativa. Todo o esquema corporal da mulher passa por profundas modificações porum tempo limitado, exigindo profundas e rápidas adaptações físicas e emocionais.Todos esses fatores são geradores de ansiedade, que, num nível exagerado, impede aboa evolução da gravidez e da interação com o bebê. Quanto mais oportunidades defalar sobre a percepção que vai tendo de suas modificações - físicas, no humor, narelação com o companheiro e familiares - forem dadas à gestante, mais aumentamsuas chances de adaptação. O conhecimentos de todos os fenômenos da gestação éoutra maneira de participação ativa, e as observações clínicas mostram grande alíviodas ansiedades, conforme a grávida vai se tomando emocionalmente envolvida.

O grupo liderado por um técnico treinado em saúde mental juntamente com oobstetra funciona como uma mãe suficientemente boa, contendo as ansiedades e pro-piciando integração psicocorporal.

Portanto, não é sem motivo que priorizamos no acompanhamento da gestante eseu companheiro o atendimento em grupo. pois esse serve como suporte e espaçorico para para trocas de vivências, além de servir de "arena", onde os participantespodem perceber e falar de seus conflitos.

GENERALIDADES

Vários autores têm se dedicado ao estudo dos diferentes motivos e impulsos quelevam um homem e uma mulher a desejarem ter um filho com toda a complexidade epotência que envolvem tal desejo. A realização do desejo da matemidade tem impor-tantes conseqüências no interjogo entre experiências emocionais primitivas e novasemoções e fantasias na busca de uma nova identidade. Entre os fatores importantesem jogo na gravidez são assinalados: identificação, necessidades narcísicas, desejode renovar antigos relacionamentos e oportunidade de substituir e de separar-se daprópria mãe.

A identificação é um processo psicológico que tem origem na infância da meni-na. Esta começa adotando a postura das mulheres de seu ambiente (imitação) e isso é

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reforçado pelos adultos que a rodeiam. Na gravidez, dá-se ainda um "reviver" doscuidados matemos recebidos na infância, uma maior aproximação da mãe e um forta-lecimento de identificações inconscientes.

As necessidades narcísicas ficam reveladas na gravidez pelo "desejo de dupli-car a si mesmo", que alimenta o desejo de ter um filho. A gravidez dá uma sensaçãode completude, e a existência da criança no interior do corpo dá a experiência depotência e produtividade. A esperança de autoduplicação mantémuma noção de imor-talidade.

Os desejos narcisistas dos pais são indispensáveis, mas podem vir a interferir nodesenvolvimento da criança. Após o nascimento do bebê, a mãe deverá ir projetandoas necessidades nercisistas no seu bebê para se tomar capaz de tolerar todo o seuenorme egoísmo (bebê).

As modificações físicas da gestação requerem um grande preparo psicológicoque mantém os pais em prontidão. O primeiro estágio tem algumas peculiaridadesque acompanham as primeiras mudanças corporais e psicológicas. O segundo estágioé marcado pelos "movimentos" do feto. Aqui começa o apego primordial, pois há apossibilidade de uma relação com um ser separado. Essa é a primeira "contribuição"da criança, que poderá provocar as mais diversas reações por parte dos pais e princi-palmente da mãe. A maioria das mães começa a perceber essas sensações no quartomês de gestação e, inconscientemente, passaa se colocarno lugar do feto. Essa percep-

ção dá à mãe uma nova realidade e novas fantasias. Ela agora pode reviver os desejosde fusão e simbiose com a sua própria mãe. E um retomo ao útero fantasiado, acriança por nascer parece servir de mediadora entre a mãe e suas relações primitivas,que sofiem uma revitalização nesse período. É dada à gestante a oportunidade detentar elaborar novamente conflitos de separação. Para equilibrar essas emoções énecessária a participação do pai do bebê, que retirará da mãe a ilusão de ser a únicaprodutora do filho.

No último trimestre da gravidez (terceiro estágio) parece que o bebê está de-monstrando uma vontade de encontrar o ambienfe extemo (fora do útero), e os paiscomeçam a perceber que seu filho é capaz de sobreviver fora do útero. O parto seaproxima e cresce na mãe o medo de ter prejudicado seu bebê em algum momento dagestação. Os pais precisam personificar o feto e para isso passam a arumar um quar-to, preparar roupinhas, escolher um nome, interpretar padrões de comportamento dobebê dentro da barriga ("calmo", "bailarino", "jogador de futebol"). A mãe, nessepeíodo, está "cristalizada", está mais quieta, fala pouco, caminha devagar, passa aprever com precisão os movimentos do bebê e sente medo. Por um lado, a identifica-

ção com sua mãe a prepara para desempenhar os cuidados com o bebê e, por outro, aidentificação com o bebê faz com que haja uma maior empatia com este e a possibilidade de entender sua linguagem (dupla identificação).

Esses sentimentos reaproximam a gestante de sua mãe (isso às vezes só apareceem sonhos). Tal aproximação pode encaminhar para um processo psicológico queleve a resgataÌ a relação com a mãe, tão prejudicada pelos sentimentos de inveja. Aomesmo tempo que isso acontece, a grávida está "estudando" o seu bebê. Ela não se dáconta de que tem essa sensibilidade até que lhe seja solicitado que anote algo sobre os"movimentos" do filho. Essa preparação psicológica acompanha todos os estágios dâgravidez, que é uma crise vital mobilizadora de muitos sentimentos, entre os quais sedestaca a ambivalência. Toda essa constelação de emoções pode variar conforme agravidez, seja ela planejada ou não.

Na gravidez planejada, os sentimentos de dependência dos pais devem dar lugarà responsabilidade com o filho, e o relacionamento a dois deve dar lugar a uma rela-

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ção triangular. O não-planejamento acrescenta a tudo isso um montante de ansiedadegerada pela luta com o ambiente familiar.

Quando a gestação não-planejada ocorre durante o processo de adolescência, aansiedade matema sofre um outro acréscimo, que é a omissão do pai da criança. fatoque ocoÌre com muita freqüência e que desqualifica a mulher. Muitas vezes esseproblema passa a 'tompetir" com os compromissos emocionais que a nìãe tem queter com o seu bebê em formação, e grande parte de sua atenção passa a ser deslocadapara o conflito familiar e para o companheiro.

Quando a gestante é muito jovem, ela se aproxima mais de sua mãe (em aleunscasos "abandona" o companheiro e vai para a casa da mãe, ambas chegando a dormirna mesma cama). O apego matemal "depende da capacidade que a mulher tem deretomar suas fantasias de unidade com a própria mãe", e a gravídez proporciona agratificação com as fantasias de simbiose. Tudo isso tem que estar em equilíbrio coma função adulta da gravidez para a mulher não ser "engolfada" por sua mãe, "servin-do de útero" para ela e, conseqüentemente, tornando-se a "irmã mais velha" de seupróprio filho (fenômeno comum nas gestações precoces).

Se esse peíodo é cercado de conflitos, a sensação constante da mãe é de prejudi-car seu bebê, gerando sentimentos de culpa, emoções ambivalentes, que a tomammais vulnerável. Tal processo facilita o surgimento do medo, muitas vezes até depavor, do momento do parto. Todos esses sentimentos produzem um "embotamento"psicológico na grávida, o que dificulta o "trânsito numa via de duas mãos" de suainteração com o filho.

Os fatores antes relacionados impedem, muitas vezes, o desenvolvimento deuma disponibilidade matema, sentimento vital na relação com o filho. Os bebês sãoextremamente sensíveis aos estados emocionais de suas mães, e as reações nessainteração não são sutis, mas produzem efeitos visíveis que poderão dar um rumomarcado por desencontros entre a mãe e o(a) filho(a).

MATERIAL CLÍNICO

Nos grupos de gestantes se cria um espaço onde elas podem "dizer" seus problemase refletir sobre eles. Ao se ouvirem relatando suas vivências e preocupações, tomamconsciência dos fatos que estão ocorrendo consigo mesmas e à sua volta. Ao mesmotempo, recebem informações científicas sobre o fenômeno gestacional. A combina-ção do dizeq refletir e receber informações científicas contribui para a redução dosmedos do desconhecido e, conseqüentemente, para o alívio da ansiedade. Um exem-plo da dinâmica de um gÍupo com gestantes pode ser visto a seguir.

A sessão tem início com as gestantes trazendo preocupações com o parto: "Qualo tamanho da cabeça do bebê?", "Como se dá a dilatação?", "Como se processa asaída da cabeça do bebê no parto normal?", "Quando está indicada a cesariana?". Asgestantes são estimuladas a expressarem como "imaginam" que se dá o nascimentodo bebê e vão manifestando aos poucos o nível de conhecimento que têm dessesfenômenos. Um dos técnicos vai ao quadro e, com o auxflio de um desenho, vaiexplicando a evolução do trabalho de parto. Todas ficam muito interessadas, fazemperguntas e acrescentam outras dúvidas.

Andréia, que esú muito atenta, diz: "Eu ouvi falar que quando essa 'dilatação'não acontece assim, a grávida pode fazer força e ajudar". Isso abriu a oportunidadepara um dos coordenadores falar sobre a dinâmica do útero e que nem tudo dependeda "vontade" da gestante: "Quando o bebê está 'pronto', dá-se um comando biológi-

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co que é involuntário". Ester vivamente diz: "E como se explica o paÍo prematuro, jáque o bebê não está 'pronto'?". Novamente o assunto é devolvido para todas as par-ticipantes do grupo para verificar o conhecimento que elas têm da "prematuridade".

Silvia, que está no sétimo mês de gestâção, conta que sua irmazinha nasceu depaÍo prematuro e tudo foi muito complicado. O bebê teve riscos de vida e seus paisficaram traumatizados. Ela se preocupa com isso. Cláudia, que_está também no séti-mo mês, inquieta, pergunta por que essas coisas acontecem. E explicado a elas osvários fatores que podem levar ao parto prematuro. Andréia, ansiosa para participar,diz: "Tensão e problemas emocionais podem levar a uma situação dessas?". Solicita-se que ela própria fale sobre isso.

Andréia conta que tem brigado muito com seu companheiro: "Tenho me pegadono pau com ele; acho que também sou ciumenta... fico furiosa, agrido-o... sempre quebrigo com ele vou ao banheiro para ver se não saiu sangue...". Revela sua preocupa-ção com a sobrecarga da mulher na maternidade: "A mulher também fica feia, engor-da... as roupas não me deixam bonita, não posso usar mais minha minissaia. Me olhono esDelho e me sinto um horror...".

É comentado que no início da sessão elas haviam trazido preocupações com obebê - o que fazer para não prejudicá-lo -, e que agora estão podendo falar dos"estragos" que o bebê está trazendo ao corpo delas e as mudanças de humor que estãoapresentando: '?rovavelmente não é só Andréia que se preocupa com isso".

Ester passa a falar de um diáÌogo que teve com seu companheiro (Luciano), quehá algum tempo vem comentando que ela mudou o humor com a gravidez. Nesseúltimo fim de semana ele lhe disse: "Será que vais voltar a ser'linda' como eras?".Luciano logo tentou "consertar" dizendo: "Eu estou te achando'lindinha', não teacho feia, mas às vezes {ico com a impressão que não vais voltar a ser como antes".Ester conta que estava muito à vontade no "papo" com ele porque não está se achan-do feia: "Antes da gravidez nós brigávamos, eu não gostava que ele fossejogar bolacom os amigos, e hoje eu fico tranqüila quando ele sai para se encontrar com a turma.Estamos mais companheiros, e ele me faz todas as vontades. Antes me cobrava quan-do eu não o esperava com janta, e hoje ele tÍaz, por exemplo, umapizza pronta, para eu.não ir para a cozinha". E mostrado a elas que Ester está se sentindo acompanhada pelobebê, gratifica-se com isso e, poresse motivo, está se relacionando melhorcom Luciano.

Vera, qüe está com 4 meses de gestação e que não foi planejada, se surpreendeucom o carinho que sua família recebeu a notícia da gravidez, mas confessa que, mes-mo sendo bem tratada, se sente "diferente": "Antes eu era calma e atualmente estoubriguenta. Me sinto agressiva com o meu irmão. Tudo o que ele diz me irrita, mascom o Roberto (companheiro) não me sinto assim".

Andréia volta a falar de sua relação com o marido e que uma das queixas que eletem é o fato de "não estar cuidando de sua aparência": "Mas eu não posso mais cuidardo meu cabelo como fazia antes, porque me disseram que 'os produtos' podem preju-dicar a saúde do bebê. Não uso mais meus cremes pelo mesmo motivo...". Ester sediz muito vaidosa e não acreditanessas crendices: "Não deixo de pintarminhas unhas,cuidar dos cabelos, me enfeitar..." Andróia retoma as "rusgas" com o companheiro eé assinalado a ela que, provavelmente, no fundo, está magoada com ele por outrosmotivos. Ela, então, conta que sua grande mágoa é ele não ter aceito bem a notícia desua gravidez e ter dito que "o filho não era dele". Rosa, que também está se sentindogorda e feia, e está com medo de ficar "toda deformada" depois do nascimento dobebê, ao ouvir as queixas de Andréia, diz que o seu companheiro, no início da gravidez, disselhe também que "o filho não era dele". Ester, ao ouvir isso, diz que amulher na gravidez "tem que se sacrificar, enquanto o marido joga bola com os ami-

collto TRÂBÂLHd\toS Coìt CRUPoS . 309

gos": "Sei que depois do nascimento do meu filho terei que renuncial aos meus cabe-los. Adoro os meus cabelos compridos, e foi muito difícil chegar até esse 'ponto' emque está, mas também sei que 'atrapalha' nos cuidados com o bebê - \'ou cortar...depois crescem novamente...".

Interpretamos então que o fato de se sentirem maltratadas pelos companheirosalgumas vezes faz com que se sintam desqualificadas, feias, deformadas, sintâm quetêm que "ir para o sacrifício".

Mara, que quase não falou durante a sessão, diz que o que mais a preocupaatualmente é o "uso de medicações" - o que usar para doq náuseas, febre, sem trazerprejuízos ao bebê. Tem tanto medo disso que tem evitado colocar "óleo" no cabelo,pois teme prejudicar o bebê.

E mostrâdo a elas que todas essas preocupações fazem parte dessa fase impor-tante da vida delas, pois vão ser mães, e ora estão preocupadas com os prejuízos quepodem causar aos bebês, ora suas preocupações giram em tomo do "risco" de teremseus corpos prejudicados pelo bebê. E assinalado a elas que as modificações do cor-po geralmente são reversíveis, mas as emocionais deixarão "marca" nelas e no pai dobebê, ou seja, é a conquista de uma nova identidade, estão se tomando pais. Todoesse interjogo de emoções é importante na interação com o filho que vai estar comeles dentro de ooucos meses.

coNsrDERAçOES FTNATS

Entendemos que, para que a abordagem com gestantes em grupo seja bem-sucedida,deve ser realizada uma entrevista individual de avaliação. Alguns casos de muitaansiedade necessitam deum atendimento individual que poderá ser paralelo ao atendi-mento grupal.

Quanto à modalidade, o grupo aberto é o que melhor corresponde aos objetivos,pois a gestação tem um tempo limitado e se torna rico o trabalho quando existemgestantes em diferentes estágios. A troca de experiências entre elas é maior e lhes dáuma sensação de evolução.

Em nossa experiência acertamos que a última participação no grupo é após oparto e com o bebê, para relatarem essa experiência vivida recentemente. Esse étambém um momento de avaliação do trabalho realizado com as gestantes, pois desserelato transparece o quanto o esclarecimento de fenômenos desconhecidos por elasdiminuiu o nível de ansiedade e aumentou o grau de concentração na tarefa que tive-ram que desempenhar.

O terapeuta, frente a um grupo de gestantes com seus companheiros, deve usara técnica grupal na sua forma mais simples e adotar uma postura bem-espontânea,seguindo o c_onteúdo das comunicações e encorajando os componentes do grupo acontinuar: "E como uma agulha seguindo os sulcos de um disco". Deve: posicionar-se como uma parte interessada, fazendo perguntas esclarecedoras, comentários deaprovação ou suscitar uma ampliação de algum assunto importante para o grupo:interessar-se pelos temas trazidos pelos participantes, fazendo comentários queaprofundem os conteúdos e induzam a uma fala continuada, ou seja, "alinhavando"os assuntos (rastreamento); utilizar-se desse momento biopsicológico de intensa sen-sibilidade para explorar, conhecer, orientar as gestantes com o objetivo de ampliar oucriar um espaço psicológico necessiário à interação com o(a) filho(a). Deve, por fim,proporcionar aos pais maior capacidade de usufruir esse momento tão importante deseu ciclo evolutivo.

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28Grupos com CriançasRUTH BLAY LEVISKY

" - Vamos brincar de esconde-esconde?""Onde está você? Está difícil de te achar...""É! Está difícil achar aquilo que está escondido, principalmente aquilo que estií den-tro da gente.""Isso me deixa nervoso!"

Aproveitando-me de trechos de uma sessão clínica, quero revelar a vocês quefalar sobre grupos e a respeito de minha experiência pessoal com crianças, ao mesmotempo que me traz uma certa inquietação, também me provoca um excitante desafio.

O ato de iniciar um trabalho, o de selecionar as idéias, o modo como transmiti-las, é uma tarefa complexa e angustiante. Vivemos essa ansiedade em relação aonovo e também no início de cada sessão grupal. No entanto, na medida em que somoscapazes de suporlar essas emoções desagradáveis, as idéias começam a fluk e a seorganizar.

Este início do artigo fez-me lembrar de Bion, quando ele se dirige aos leitoresde seus livros, sugerindo que não desistam de continuaÍ a ler o seu texto, mesmo queeste esteja confuso. Tal falta de clareza, segundo ele, não deve ser atribuída somenteaos leitoÍes, mas tambem à dificuldade do próprio autor para transmitir suas idéias. Àmedida que ocorre envolvimento, elas vão se tomando cada vez mais claras tantopara o autor quanto para o leitor. Acho essa relação feita por Bion muito interessante,pois ela me remete à própria dificuldade que às vezes o analista sente paÍa compreen-der aquilo que está sendo comunicado pelos seus pacientes. Mas, geralmente, nodecorrer da sessão, isso se toma possível, uma vez que vai se formando uma redeassociativa de comunicações, que tem como pano de fundo uma matriz comum.

Espero, portanto, que essas associações iniciais me permitam ser capaz dê trans-mitirìhes minhas experiências com grupos, como psicoterapeuta de adultos, de cri-anças e de famílias, e sugerir, como Bion, que tenham paciência e perseverança paraenfrentar os momentos de possível incompreensão, que sinceramente desejo se tor-nem compreensíveis ao longo do texto.

BREVE IIISTÓRICO DA GRUPOTERAPIA INFANTIL

Pratt (1906) é conhecido como o iniciador da psicoterapia de grupo. Contudo, umadas primeiras referências citadas na bibliografia, e anterior a Pratt, é o trabalho de

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Witner, na Pensilvania, em 1896, com um grupo de crianças que apresentava proble-mas emocionais.

Anna Freud também trabalhou com grupos de crianças. A partir de 1945, quan-do ela publicou suas idéias sobre a indicação para a análise infantil, houve uma gran-de difusão e aumento da credibilidade e da eficiência sobre a ludoterapia, seja emnível individual seja grupal.

Slavson (1951) que trabalhou com grupos psicoterápicos infantis, acreditavaque o processo grupal favorecia a catarse e o fortalecimento do ego, com conseqüen-te diminuição da ansiedade. Nessa época, ele dizia que não emergiam "sintomasgrupais", mas somente individuais, daí trabalhar com os indivíduos inseridos numgrupo.

Em 1959, Speler, discípula de Telma Reca, inicia em Buenos Aires os primeirosgrupos psicoterápicos com crianças, baseados nos critérios de Slavson. No entanto,ela também tinha uma preocupação diferente da dele, que era a busca da compreen-são do significado simbólico que cada criança expressava no grupo.

Dessa época em diante, psicanalistas começaram a se interessar pelo fundamen-to da dinâmica do grupo, e houve uma tendência a trabalhar com o todo grupal, e nãocom os indivíduos, tais como Grimberg, Langer e Rodrigué (1963), Bion (1963),Foulkes e Anthony (1967), entre outros.

Em Paris, no Centro Alfred Binet, Lebovici e Diatkine, na década de 60, inicia-ram um trabalho com um grupo de crianças "desajustadas socialmente" que passa-vam o dia na instituição, no sistema de hospitat-dia. Esta experiência, que continuaaté hoje, trouxe muitas contribuições na área grupoanalítica infantil.

Bettelheim, Winnicott (1976) também se dedicaram a experiências grupais comcrianças, dentro de instituições.

Dentre os psicanalistas brasileiros, não podemos deixar de mencionar a experi-ência com grupoterapia infantil, na maior parte das vezes, ligada a instituições, de DiLoretto, na década de 70, Blaya (1963), Zimmermann (1969), Osório (1970), Pez(1981), Outeiral (1986), Fernandes ( I 995), entre outros. Muitos centros da rede mu-nicipal e estadual de São Paulo estão realizando grupos de diagnóstico com crianças,além do trabalho grupal infantil no sistema de hospital-dia.

Não pretendo fazer uma ampla revisão bibliográfica do assunto, mesmo porqueesse não é o objetivo deste capítulo. Quero ressaltar, entretanto, que existem inúme-ros trabalhos, em outras abordagens teóricas, que fogem ao meu conhecimento, pelofato de possuir mais familiaridade com a psicanálise.

GRUPOTERAPIA INFANTIL E O PERFIL DO PSICOTtsRAPEUTA DEcRrANçAS

O homem por natureza é um ser gregário e, como tal, sente necessidade de agrupar-se. Inúmeras mudanças ocorridas em nossa cultura - como, por exemplo, a emanci-pação feminina - trouxeram conseqüências diretas no funcionamento da dinâmicafamiliar, como o fato das crianças se socializarem mais precocemente. Portanto, aentrada na escola hoje se faz, quase que imprescindível, em torno dos 2 anos, quandonão mais cedo do que isso, em sistema de escolas-berçários. Como a vivência grupalse torna mais precoce em nosso meio, seria importânte que os profissionais seaprofundassem nos estudos sobre o funcionamento mental dos grupos.

Lembro-me da minha primeira aula no curso de formação em psicoterapia ana-lítica de grupo, quando o Dr. Nelson Poci perguntou aos alunos como se sentiam

coÀÍo TRABÀLH.d\IOS Corí cRUPOs . 313

quando estavam reunidos diante de um grupo de pessoas. As respostas foram as maisvariadas. Ele colocou que, em sua opinião. para ser um terapeuta de gmpo. em pri-meiro lugar, a pessoa deveria sentir-se à vontade para estar com viárias pessoas.Zimerman (1993) também pensa de forma semelhante e acrescenta que o proÍìssio.nal, além disso, deve "acreditar nessa modalidade terapêutica".

Penso que para trabalhar com grupo de crianças é necessário uma condição amais, ou seja, a de gostar e de se interessar por elas.

Trabalhar com crianças é mais difícil do que com adultos: ser psicoterapeuta degrupo infantil, mais ainda. Por essa razão, não é incomum que um gÌupo de criançaspossua mais de um terapeuta. Há quem prefira um casal de terapeutas, outros umterapeuta e um observador.

A formação de um terapeuta infantil é bastante longa. O profissional deve já rerfeito ou estar em análise pessoal, ter uma formação aprofundada sobre o desen-volvimento psicobiológico da criança, fazer um curso de especialização a respeito dadinâmica do fundamento mental e grupal, além de supervisões clínicas com profissi-onais mais experientes na área.

Essa árdua trajetória ajuda o profissional a amadurecer conceitos, a ir adquirin-do vivência clínica amparada por supervisores de maior experiência e a encontrar asua identidade profissional dentro do referencial teórico eleito.

O psicoterapeuta de crianças deve ser uma pessoa que tenha capacidade de con-tinência, para tolerar frustrações, receber ataques por vezes corporais do grupo, teruma comunicação simples e acessível com as crianças, entrar e sair do mundo mági-co com o grupo, ter condições físicas para suportarjogos muitas vezes cansativos eviolentos, além de criatividade e liberdade no seu trabalho.

O terapeuta infantil, antes de mais nada, é uma pessoa que gosta de brincar e dese comunicar. Deve ter trabaÌhado em sua análise pessoal seus núcleos infantis, mas,ao mesmo tempo, guardar dentro de si um lado pueril e lúdico, que o faz se aproximarde forma empática com as crianças. Segundo Foulkes e Anthony (1967), o teÍapeutade grupo de crianças é um "observador-participante". Ele tenta, através das fantasiasindividuais e grupais, decodificar o simbolismo implícito que apaÍece no materiallúdico e nas atividades que ele vivencia com as crianças nas sessões. A sua participa-ção no grupo é ativa e, ao mesmo tempo, discreta.

Com o desenvolvimento analítico do grupo, a comunicação toma-se cada vezmais verbal. É comum observar aspectos projetivos que uma criança coloca na outra,como um modo de comunicar ao terapeuta aspectos seus ainda não-elaborados.

PoÍanto, o grupoterapeuta de crianças deve ser um indivíduo sensível, intuiti-vo, que apresenta condições para brincar, sonhar e levar o grupo ao desenvolvimentode uma capacidade do pensar.

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO

Vários são os aspectos que devem ser levados em consideração para a formação deum grupo:

. Idade, sexo e número de participantes: a procura de auxílio psicoterápicopara crianças, quando não se trata de casos graves, é mais freqüente em tomo dos 6 a7 anos de idade. Essa é a época em que normalmente se inicia o processo de alfabeti-zação, e quando geralmente começam a aparecer de forma sintomática as dificulda-des. Elas se expressam mais comumente ao nível da escolaridade e/ou da socializa-

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ção. Fica mais fácil para os pais se darem conta e aceitarem os problemas dos filhosquando podem concretamente "explicá-los" por razões extemas, mas que na realida-de correspondem a questões internas.

Penso que é indicado de quatro a seis crianças por gÍupo. Um número maioracho muito difícil para se lidar.

De forma geral, é mais comum formar grupos com crianças cuja idade varie de6 a 9 anos, e de 9 a 12. Existem autores, como Speier, que sugerem que se formemgrupos de um só sexo, quando as crianças estiverem em idade púbere, pois é nessafase que começam a surgir no grupo questões ligadas à sexualidade. Esse tipo detemática dificilmente é tratado num grupo misto.

. Diâgnóstico: existem várias formas para se trabalhar com grupos infantis. Seeles funcionam dentro de instituições, os grupos podem ser constituídos por patolo-gias orgânicas semelhantes, o que dá ao grupo um caráter de homogeneidadediagnóstica. Não podemos, no entanto, deixar de esclarecer que esta é umahomogeneidade relativa, pois as reações emocionais são distintas e peculiares a cadaindivíduo. Podemos citar vários exemplos de grupos homogêneos formados por pa-tologias orgânicas: deficientes físicos, hemofílicos, aidéticos, diabéticos, obesos, etc.

Mesmo dentro das instituições podem ser formados grupos de crianças cujointeresse é o trabalho psicoterápico de problemas emocionais. São geralmenteindicadas para psicoterapia de grupo crianças com conflitos de natureza neuróticaque afetam o desenvolvimento infantil nas áreas social, escolar e familiar, como, porexemplo, problemas de atenção, hiperatividade, dependência, timidez, inibição, etc.Distrirbios psicossomáticos também se beneficiam muito da grupoterapia.

Costuma-se evitar a entrada de crianças com agressividade excessiva, manifes-tações psicopáticas, problemas de inadaptação social que ultrapassem os limites deconvivência, déficit intelectual, hiperatividade de causa orgânica, em situação deextremo estresse, ou casos de depressão intensa.

Nas instituições, o diagnóstico e o encaminhamento podem ser feitos por umaequipe multidisciplinar, desde que esta tenha claro quais são os objetivos do serviço.Mas há quem prefira que a seleção das crianças indicadas para grupoterapia sejarealizada pelo próprio terapeuta do grupo.

Em consultórios privados existem profissionais que recebem crianças indicadaspor outros colegas para grupoterapias e que não as submetem à sua própria avaliação.Pessoalmente, prefiro, mesmo nessas condições, ter contato com a famflia e com acriança, para ter a minha avaliação do caso. Sempre que possível faço algumas entre-vistas com a família toda, para compreender a dinâmica das relações que se estabele-ce entre eles. O modo como a família se comunica também é um indício imoortantepara a observação da qualidade dos vínculos afetivos presentes. Tais aspectoi auxili-am no diagnóstico da criança e na indicação terapêutica.

Minha experiência com crianças menores do que 6 anos tem sido a indicação,pelo menos inicial, de uma terapia familiar (Levisky, 1995). Isso ajuda a trabalharquestões ligadas à dinâmica relacional e também auxilia o profissional a fazer umdiagnóstico baseado não só na queixa trazida pelos pais. Nas famílias, é freqüente aeleição de uma pessoa, a quem denominamos "paciente identificado", e sobre a qualsão projetadas as angústias familiares. Comumente é a criança com sintoma que aca-ba sendo o "bode expiatório" da família.

Tenho, quando possível, usado este critério diagnóstico de algumas sessões coma família toda para a indicação terapêutica, seja de uma ludoterapia individual, sejagrupal.

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Quero deixar claro que, para mim, quando me refiro a fazer um diagnóstico docaso, estou preocupada em observar os aspectos psicodinâmicos da personalidade. enão apenas o sintoma. Entendo o sintoma como uma via de expressão da angístia edo conflito. Principalmente na criança, o sintoma representa o "grito de socorro". asua forma de pedir ajuda diante do sofrimento. E importante estaÍ atento à çeixa gueos pais trazem dos filhos, que muitas vezes não Íepresentam patologias, mas crisescomuns dentro de um processo de desenvolvimento normal. Por exemplo, aspectosregressivos apresentados por uma criança por ocasião do nascimento de um irmão,dificuldades na área da apÍendizagem, distúrbios de atenção por motivos de doençade algum parente próximo à criança, ou dificuldades decorrentes pela separação dospais, etc.

PoÍanto, é importante avaliar o que está por trás do sintoma, através de unìainvestigação detalhada da história do paciente, da relação familiar e também da ob-servação de como está sendo vivida a relação transferencial entre a criançae o terapeutanesta fase diagnóstica. Esse conjunto de dados permitirá avaliar os mecanismos dedefesa utilizados pelo ego, os investimentos libidinais, as características das relaçõesde objeto, as fantasias inconscientes e conscientes, os aspectos narcísicos da perso-nalidade e as possibilidades de manejo dos conflitos. (Levisky, 1994)

CONTRATO TBRAPÊUTICO

Para quem trabalha com crianças, tanto em grupo como individualmente, o contratoterapêutico deve ser feito em dois níveis: o dos pais e o do grupo.

Com os pais, além de serem tratadas questões de ordem prática - como honorá-rios, duração das sessões, sistema de faltas e férias -, acredito que outros pontos,relativos à resistência que surge durante o processo terapêutico - àÀ vezes por partedas crianças, outras, dos pais -, também devem ser conversados e esclarecidos, parao bom funcionamento da terapia.

A maioria dos pais não tem idéia do que venha a ser um trabalho psicoterápico.Se não houveruma tentativa de desenvolverjunto a eles um sentimento de confiançae de cumplicidade consciente com o terapeuta, o trabalho sofrerá com grande proba-bilidade interferências e boicotes.

Tenho, sempre que possível, indicado uma orientação psicológica aos pais. comum outro profissional, para lidar com ansiedades que surgem durante o trabalho psi-coterápico. Contudo, às vezes só o paiou a mãe é que necessitam de um encaminhamen-to.

O trabalho com os pais pode ser realizado ao nível do casal, em grupo de casais,ou grupo de mães; grupos só de pais dificilmente se formam, talvez por herançasimpregnadas em nossa cultura, onde os problemas dos filhos são vistos, na maioriadas vezes, como atribuições maternas. Percebo, no entanto, que essa mentalidadetem-se modificado nos últimos anos, pela maior participação e interesse dos pais naeducação de seus filhos.

Também discuto o contrato com cada membro novo do grupo, principalmenteno que se refere ao sìgilo e ao respeito pelos participantes do grupo. A dinâmica defuncionamento grupal também é conversada com as crianças. Quando trabalho emsistema de grupos abertos - ou seja, existe a possibiÌidade de entrada de novos mem-bros durante o processo terapêutico -, as questóes contratuais são ditas na fase deencaminhamento da criança, logo após o período diagnóstico. Por outro lado, emgrupos fechados, com tempo e objetivos delimitados, o contrato é discutido em grupo.

316 . ZIMERMAN & osoRlo

Setting terapêttico

Para se trabalhar com grupos de crianças é fundamental ter um espaço adequado. Asala não deve ser muito grande para não dispersar demais a atenção das crianças. Eladeve ter um piso de fácil limpeza, uma pia, uma ou mais mesas de trabalho, depen-dendo do tamanho do grupo, uma estante para guardar materiais e jogos coletivoscom altura que proporcione às crianças um fácil acesso e um espaço suficiente para ogrupo se reunir em círculo.

Material terapêutico

Cada criança do grupo terá uma pasta contendo lápis, bonacha, tesoura, cola, tinta,lápis de cor, papel, um conjunto de bonequinhos de pano - representando a famflia -e alguns animais.

Na estante são colocados os jogos de uso coletivo, argila e gravador.Acho interessante haver um espaço com chave, para serem guardadas as pastas

no final das sessões. Cada criança encontra a sua forma de identificar a própria pasta,colocando o seu nome, fazendo desenhos, ou colagens.

TÉCNICA DE TRABALHO PSICOTERT(PICO CoM CRIANÇAS

Acho impoÍante ressaltar que irei trazer minha experiência técnica com crianças,através de ilustrações clínicas de várias sessões individuais e grupais, além dequestionamentos fundados dentro de um referencial psicanalítico.

No início das sessòes. as crianças pegam a suíÌ pasta e escolhem a atividade.Sempre é difícil e angustiante o começar. Geralmente, este é um momento tumultua-do, de desorganização, e que expressa a ansiedade pelo novo que está sendo vivido.

Vivian grita querendo chamar a atenção do grupo, dizendo que quer fazer algu-ma coisa. Mas a bagunça continua, e todos falam ao mesmo tempo.

Terapeuta: "Vejo que está complicado para vocês decidirem o que fazer".Maria imediatamente escolhe um jogo, e dirige-se a mim: "Você está esquisita hoje

com uma cara diferente!"Terapeuta: "Por que diz isso?".Maria: "Acho que você está brava e não quer brincar".Rita: "Eu não acho que ela está brava, você é que está chata".Maria: (irritada) "Fica quieta que você não sabe nada".Terapeuta: "Vocês estão imaginando coisas que passam dentro da cabeça de vocês".

Silêncio por alguns minutos. Maria pára, olha para mim e para o gÍupo.Essa intervenção do terapeuta Ìeva Maria e o grupo a entrarem em contato com

suas fantasias, com seu mundo interno, assim como com os aspectos projetivos darelação transferencial.

Sérgio: (entra na sala trazendo uma pasta de executivo) "Ganhei esta mala de meupai". (Abre e mostra que dentro tem uma agenda.) "Vou fazer a minha festa deaniversário na segunda-feira." (Abre a agenda e mostra que tem um telefone de

coMoTRABALHÀ\ÍOSCOyGRLTPOS . 317

sua avó. Pede o meu telefone. Quer escrevê-lo junto ao de sua avó. Fala semparar.)

Terapeuta: Acho que ficar mais velho está te deixando preocupado. Você quer o meutelefone e a mim bem perto de você.

Sérgio sai de seu lugar. Começa a andar pela sala, ora dando p.ìssos pequenos,ora grandes. "Você se lembra quando eu era pequenininho, e que vinha aqui, e ficavabrincando de me balançar no portão?" Ele então começa a falar comigo soltando sonsde nenê.

Neste momento da sessão o nível de angústia aumenta. Sergio encontra essaforma para comunicar-me seus sentimentos de ambivalência e de temor pelo novoque se descortina. Esse é o seujeito informatizado de chamar a atenção e a sua formade me pedir ajuda. Nem sempre as crianças têm desenvolvida uma capacidade detraduzir em palavras os seus sentimentos. Aliás, quanto menores elas forem, ou esti-verem num estado regressivo, ou em momentos de depressão, a comunicação ocorrecom mais freqüência em níveis pré-verbal e não-verbal. A comunicação surge atra-vés dojogo, dadramatização, do corpo, e mesmo da ação. Verdadeiras atuaç ões (acting-or., carregam em si um sentìdo comunicativo. Quando isso ocorre, háuma mobilizaçãointensa do terapeuta, que, por vezes, leva-o a contra-atuar, também como uma formapara se comunicar com a criança. É um processo inconsciente. sendo vivenciado nasessão de modo tão rápido, que não permite a possibilidade do desenvolvimento deum espaço pÍìra o pensamento. (Levisky, 1994)

Terapeuta: "Sabe, quando a gente cresce, existem muitas coisas que não sabemos.Isto dá medo. O importante é que estamos juntos para conversar sobre essas coisas que você está sentindo".

Luís: "Uma vez eu fiquei muito bravo com a minha mãe, porque ela não deixou eubrincar na água, e aí eu fui para o meu quarto e não quis falar com ela. Nem quiscomer o meu lanche naquele dia. Fiquei com tanta raiva que chutei os meus brin-quedos. Chorei e gritei muito".

Cláudia: "Eu também fiquei brava com a professora outro dia, porque ela não medeixou sair da classe".

Marcelo: "Eu só choro e não falo nada quando estou triste".Roberta: (fica encolhida num canto da sala, olhando alheia para a janela).Terapeuta: "Este é o jeito que estão encontrândo para nos dizer que, quando ficam

bravos, berram, chutam, não falam, choram ou não comem. Parece que esse é oúnico modo que estão encontrando para comunicar que alguma coisa não estálegal aí dentro de vocês!".

Penso que quando as crianças percebem que o terapeuta e o grupo são capazesde serem continentes de suas angústias, e elas se sentem compreendidas, acabam pordesenvolver um "olhar" intemo para as suas experiências emocionais. Aí se desenvolveum espaço para o pensar. Não vejo necessidade do terapeuta sempre interpretaÍ, mas,sim, estaÍjunto e atento aos movimentos emocionais que se estabelecem na relação.

Slavson considera duvidoso que ocorra a transferência, no estrito sentidoFreudiano, em gnÌpos de crianças. Segundo ele, a criança desloca a sua angústia, enão transfere para a figura do terapeuta o seu amor ou ódio, uma vez que não oidentifica como progenitor. Anna Freud também considera que a criança não temcapacidade como adulto para transferir seus sentimentos, devido a uma imaturidadeegóica. Acredito, como Bion, que a transferência, mesmo entre as crianças, constitui-

318 . zrur*n oN a osonto

se sobre um "fantasma" do grupo, e que o terapeuta, ou qualquer membro do grupo,pode ser vivido com funções e papéis os mais distintos possíveis.

A força de um grupo pode ser expressa não só terapeuticamente. Uma vez, pre-senciei uma reunião de uma classe de maternal composta por 15 crianças de 4 anos.Já existia um bom relacionamento grupal, e um hábito instituído pela professora eauxiliar de todo dia, no final das aulas, as crianças se reunirem para a "rodinha" denovidades. Esse espaço permitia às crianças contar o que acontecia com elas.

Uma delas disse que seu pai tinha se mudado para outra casa. Imediatamente,outra pergunta-lhe: "Por quê?".

Ela responde que seus pais brigaram. "Os meus também brigam toda a hora",disse-lhe a coleguinha.

Uma outra, mostrando-se muito angustiada, faz a seguinte colocação:"Então, ele não vai mais ser seu pai?"A professora, de um modo muito continente, diz que está percebendo que mui-

tos têm coisas para falar, e que terão tempo para conversar sobre tudo isso. Desenvol-ve-se no grupo uma troca de experiências reais, e em nível fantasioso e projetivo,onde crianças de pais separados falam de suas vivências: outras verbalizam o medoque os seus pais se separem. Surge a fantasia da culpa que muitos sentem de serem osresponsáveis pela separação.

"Acho que meu pai foi embora porque briguei com meu irmão, e eles náo gosta-ram."

Quero chamar a atenção para a força que existe nas relações grupais, e para ofato de que, apesar desse não ser um grupo terapêutico, ter apresentado uma funçãocatâÍlica,, pois encontrou uma professora sensível e continente, que soube com habilidade dar espaço para se falar das ansiedades e das experiências pessoais.

Com isso mostro a necessidade de um preparo de profissionais nas áreas daeducação e da saúde no gue tange ao conhecimento de aspectos emocionais e dinâmi-cos da mente humana. E claro que a função interpretativa somente cabe nos gruposterapêuticos, mas a condução e o manejo adequados de grupos em escolâs e institui-

ções poderá trazer um grande auxílio para a melhoria da saúde mental.Gostaria de transmitir também uma experiência curiosa referente à minha técni-

ca de trabalho. Certa vez, uma criança me pediu um gravador na sessão, pois queriabrincar de ser artista; ela queria ser uma cantora, e por isso necessitava gravar a suamúsica. Faríamos, segundo ela, um show gravado. De início, resisti à idéia, interpre-tando a sua vontade de sempre querer aquilo que não tem ao seu alcance. Mas, dianteda falta de ressonância às minhas interpretações, percebi, sim, a minha resistência aonovo e ao criativo que surgia na relação. Aceitei a idéia, e na sessão seguinte eutrouxe o gravador, e ela, uma fita virgem, conforme havíamos combinado. Essejogose repetiu por várias sessões. Ela era a cantora, e eu, a apresentadora. Outras vezesinvertíamos os papéis. O interessante é que, durante as primeiras sessões, era impor-tante ouvir o que já havia sido gravado anteriormente; era o modo de viver umacontinuidade de nossa relação. Mas, com o passar do tempo, ouvíamos só o final dagravação anterior. Interpretei que no início havia uma necessidade de deixar grava-das coisas importantes que aconteciam conosco. Era uma gravação concreta,vivenciada, viva, mas que ao longo do processo, quando nossos vínculos afetivostomavam-se mais fortes e representativos, essa "gravação" já estava intemalizada,introjetada.

A partir de então, tenho usado esse recurso técnico com crianças. A liberdade deme permitir inovar, e viver novos desafios, representou a descoberta de que ser um

Col!Ío TRABALHÂ\|OS COrr CnUpOS . 319

terâpeuta de crianças é empaticamente acompanhar as necessidades emocionais dospacientes no brincar e no mundo fantasioso do faz-de-conta. E pÍeciso tomar cuidadoe distânciâ para o terapeuta não se perder e não se deixar envolver somente na erpe-riência lúdica. O importante é decodificar qual o sentido inconsciente que a criaaçaestá depositando na brincadeira e na relação.

Uma outra experiência que me vem à memória é dos meus tempos de juvenrude.quando fui chefe de um grupo bandeirante, com crianças de 7 a 9 anos. Nessa época.usava uma técnica que aprendi, que era a do "encantamento". As crianças escolhiamos bichos que gostariam de ser, e a saÌa era trânsformada numa floresta. Então. cadabicho falaria do que gostaria de ser, dos seus sonhos e desejos. Isso permitia às crian-ças poderem falar de si e dos colegas, no aqui e no agora grupal. Eu nomeava àscrianças os sentimentos que estavam sendo verbalizados. No final do encantamento.as crianças deixavam de ser bichos. Era o voltar à realidade e à percepção do que vema ser o viver no mundo do imaginário, e o poder lidar com as frustrações impostaspelo mundo real.

Continuo, hoje, utilizando esse processo de dramatização, por ser um modo detrabalhar vivencialmente com as crianças os dois modos de funcionamento mental,ou seja, o regido pelo princípio do prazer e o pelo princípio da realidade. Essa é umatécnica distinta do psicodrama, pois as escolhas dos papéis, assim como as assocla-

ções feitas pelas crianças, são Iivres, e sempre partem dos componentes do gnrpo, enão do terapeuta.

As crianças são sensíveis e captam variaçóes que ocorrem no setÍing. Elas sãoapreendidas por uma mudança na qualidade relacional do grupo, como, por exemplo,quando o terapeuta não está com uma capacidade empática "suficientemente boa"com o grupo. Penso que nessas horas é útil para o terapeuta fazer uso da leitura dossentimentos contratransferenciais emergentes, que poderão auxiliá-lo na compreen-são da experiência psíquica.

O terapeuta geralmente é ouvido pelo grupo, quando esse se sente compreen-dido e amparado. E comum haver muitas oscilações em grupos, principalmente decrianças, indo de momentos de grande desorganização, de um verdadeiro caos, aoutros de depressão. Isso não significa necessariamente que os momentos de cal-maria signifiquem que o grupo esteja vivendo a "posição depressiva" de Klein, ou,como Bion chamaria, de um funcionamento mental voltado para o "grupo de traba-lho". Aliás, com crianças o processo elaborativo aparece de modo distinto aos dosadultos, pois ele é indireto, uma vez que a mudança de postura num jogo, a maiortolerância às frustrações, a maior capacidade para suportar situações de inveja e deciúmes na relação grupal são indícios de estar havendo algum tipo de insight.

Acredito, na minha experiência no trabalho psicoterápico em crianças, que nemsempre elas têm consciência dos aspectos elaborados. Cabe, portanto, ao terapeutaauxiliálas a dar nome às emoções de natureza inconsciente que surgem na dinâmicagrupal. No entanto, o terapeuta, para transmitìr o que pretende comunicar, deve to-mar o cuidado para usar um vocabulário simples e acessível à compreensão da crian-

ça. Não significa falar como a criança, mas para a criança.Ser terapeuta de crianças é desenvolver uma capacidade para entrar na brinca-

deira, sem, no entanto, perder a funçào analítica. E poder ter,acesso ao mundo intemodos pacientes, através do que se vive na relação analítica. E aprender a ouvir, olharpaÌa os conteúdo_s não-verbais e simbólicos do lúdico, e a conter angústias juntamen-te com o grupo. E continuar brincando de "esconde-esconde", com a função de tentarachar o escondido na mente das crianças e do grupo.

320 . r-r^ueN a o.ooto

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Grupoterapia comAdolescentesLUIZ CARLOS OSORIO

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A psicoterapia analítica de grupo é, em meu entender, a terapia de escolha na adoÌes-cência, por corresponder à natural inclinação dos adolescenìes de procurar no grupode iguais a caixa de ressonância ou continente para suas ansiedìdes existericiaìs.Através do interjogo de identificações projetivas propiciado pelo grupo terapêutico,pode o adolescente adqu'irir ìnsìght de aspectos de suacrise trànsici-onil, que àefensi_vamente escotomiza, e melhor superar as vicissitudes peculiares e esta etapã evoluti'a.

Claro está que não se pretende, com a afirmação acima, estabeleàr o pressu_posto indevidamente generalizado de que todo adolescente, independentemènte dapsicopatologia que apresente, se beneficia da grupoterapia ou que esta é sempre aindicação.prioritária. em qualquer paciente adoleicente. Ent"ndo, apenas, que e amodalidade psicoterápica que melhor se adequa às características evolutivas ào pro_cesso puberal.

.Penso que, pela tendência grupaÌ manifestada pelos adolescentes, o grupo é amatriz dinâmica onde melhor podemos acompanhar e entender a expressãó dã seusconflitos, ensejando-lhes sua resolução rlen trò e pelo próprio grupo.

Knobel (l 971 ) nos chama a atenção para uma pecutiariaãAjao funcionamentodos adolescentes em grupo, qual seja o processo de sobreidentificação maciça, ondetodos se identificam com cada um a ponto de que a separ.ação do grupo palece quaseimpossível.

. A fácil adesão aos objetos substitutivos das imagos familiares na busca de umamaior autonomia do ego e o simultâneo incremento clas identificações projetivas naadolescência propiciam à terapia grupal possibilidades técnicas tão piomiisoias quanroainda inexploradas.

INDICAÇOES E CONTRA-INDICAÇÕES

Tomando como marco referenciaÌ os parâmetros diagnósticos atuais, pocler-se-ia rìi-zer que as indicações e contra-indicações diì grupoterapia analítica na aclolescênciacoincidem em linhas gerais com as_de outras faixas etáiias. As principais incìicaçõessão os quadros neuróticos em geral, benr como a denominac.la icrise-adolesccnte..csuas exacerbações ou váìriantes patológicas; contra-indica-se a grupoterapia analíticaa adolescentes com marcadas tendôlcias psicopirticas ou paranóides c aos psicóticosem seral.

322 . zna"*v.cÌ.{ a osonto

SELEÇAO E AGRUPAMBNTO

Tomamos aqui os termos seleçõo e agrupamento no sentido em que os conceituaZimmermman (1969): a "seleçõo" consiste em invesíigar as caracíerísticas de umpaciente, afim de veriftcar se a indícação é ou não a psicoterapia de grupo; e por"agrupamento" se deve entender a eleição adequada do paciente já selecionadopara determinado gnqo terapêutico.

Embora se credite, freqüentemente, o sucesso ou fracasso de um grupo terapêuticoaos critérios vigentes na seleção de pacientes, a verdade é que ainda dispomos deescassas coordenadas para nos guiar nesta difícil tarefa preliminar à constituição deum gÍupo. O critério predominante parece ser, por enquaÍìto, o contrcttransferencial,de bases antes intuitivas que científicas, e que foi glosado no jocoso aforisma deAnthony (1971): cada terapeuta temo grupo que merece. Claro está que o própriocritério contratransferencial se apóia em elementos diagnósticos, e principalmenteprognósticos, incorporados à nossa experiência pregressa como terapeutas de adoles-centes-

O\ros elementos não menos significativos para seleção adequada são o modocomo se processa o contato inicial do paciente conosco, as motivaçõês ou justificati-vas que apresenta para vir tratar-se em grupo, a eventual intermediação dos pais e aavaliação de sua receptividade para com o tratamento dos filhos e, last but not least,aquilo que, à falta de denominações mais apropriadas, continuaúamos chamando dea teoria da doença e afanlasia de cura do pacìenÍe.

Quanto ao agrupamento, é de suma importância considerar-se que há notáveisdiferenças entre um púbere de treze anos e um adolescente de dezoito, tanto quantoao grau de amadurecimento e autonomia do ego, quanto às exigências do ambientesócio-familiar. Destarte, é mister formarmos subgrupos etários na faixa adolescenteonde, menos que a idade cronológica, importa considerar o nível de escolaridade ecerta homogeneidade quanto aos interesses sócio-culturais.

Dividimos os adolescentes em três subgrupos: os púberes (ou escolares do l'grau), cuja idade oscilados treze aos quinze anos, em médïa1, osadolescentes interme-diários (ou escolares de 2" grau), de dezesseis a dezoito anos aproximadamente e osadolescentes tardios (ot universitários e/ou profissionais), dos dezenove anos emdiante.

Os grupos são mistos quanto ao sexo. Há quem forme grupos de púberes de ummesmo sexo, justificando tal critério pelas inibições existentes na comunicação entreindivíduos de sexos opostos nas primeiras etapas da adolescência e pela maior inci-dência neste período de manifestações agressivas mais difíceis de serem manejadasnos grupos heterossexuais. Ainda que tais alegações se justifiquem do ponto de vistaestritamente técnico, penso que não se deva fazer esta discriminação por se opor aDinilia a um dos mais importantes vetores do amadurecimento social do adolescente,qual seja, a aceitação e convivência com o sexo oposto e o correspondente preparopara a heterossexuaìidade adulta.

Uma observação local que parece coincidircom a experiênciade outros terapeutasde adolescentes é que em gÍupos de púberes a maior procura é de pacientes do sexomasculino, nos de adolescentes intermediários há um relativo equilíbrio entre os se-xos e nos de adolescentes tardios o predomínio é de pacientes do sexo feminino.

Coincido com Goldin (1973) em que os três subgrupos assinalados propõemproblemáticas com características diferentes. Nos grupos de púberes há uma marcadadificuldade na verbalização e as defesas preponderantes são as fóbicas e obsessivas;nos grupos de adolescentes intermediários a verbalização é mais fluente, mas o uso

col Io TR.1B.\LH{\1CS CO\1 CRL;, i : jS . 323

maciço da intelectualização como defesa predominante bloqueia o acesso ar-ìs ní\'eismais profundos do psiquismo e, finalmente, nos grupos de adolescentes tiìrdicìs irverbalização direta do material conflituoso e a possibilidade de irsi-glrr é mrior.

Vinculados à questão da adequada seleção e agrupamento de pacienrer esrit osaspectos relativos ao que chamaria o caráter do gmpo.

Poder-se-ia dizer que o caráter do grupo é a resultante dos mecanismos dc C:tè-sa de seus componentes. E é mister para o bom rendimento terâpêutico do srup.. nir-reunirmos pacientes que empreguem primordialmente as mesmas técnicas det3nsi-vas. Como na adolescência há um predomínio de determinados mecanismos dcÍensi-vos, tais como a intelectualização e as técnicas obsessivas, corremos semprc o ri\cLìde reunirmos num mesmo grupo pacìentes com tais características defensivas. confc-rindo então ao grupo um pâdrão rígido de funcionamento, marcadamente rechaçantcdos conteúdos inconscientes. Esses grupos apresentariam o que analogicamente po-deríamos denominar uma neurose de caráter grupal e que, a exempÌo das neurosesde caráter individuais, é de difícil abordagem psicoterápica, pois o próprio cariiteraparece aí como uma formação essencialmente defensiva, destinada a proteger o in-divíduo - ou o grup(: no caso - não apenas contra a emeÍgência de manifestaçÕes davida instintiva como iambém contra o apiìrecimento dos sintomas e outros equivalen-tes afetivos.

COMENTÁRIOS SOBRE A TÉCNICA

A literatura sobre psicoterapia analítica de grupo com adolescentes faz referência aoemprego de técnicas acessórias, com o intuito de franquear novas e mais amplas viasde acesso ao hermético mundo intemo de nossos pacientes adolescentes. Entre essastécnicas sobressai, pela freqüência das citações e a experiência já acumulada, o usode d1amatizações, visando obter-se um maior lnslgil sobre as motivações inconsci-entes das situações críticas emer-qentes no grupo através de sua representaçãovìvenciada.

A introdução do elemenÍo psicodramático em grupos psicanaliticamente orienta-dos pode revelar-se de extrema valia, particularmente em situações onde a comunica-

ção verbal tornou-se difícil (como ocorre freqüenteÌnente em grupos de púberes) ouna vigência de "impasses" na evolução de um grupo de adoÌescentes. Não obstante, épreciso levar-se em conta as limitações que todos temos ao trabalhar com distintosmarcos referenciais teóricos, simultaneamente.

Se me indagassem qual o objetivo primordial de um grupo terapêutico de adoles-centes não teria dúvidas em responder tão simples quanto enfaticamente: a supera-

ção do sentimento tle vergonhu e a recuperação da espontaneidade (útfantil) penli-da.

O sentimento de vergonha é, a meu ver, o eixo gravitacional em torno do qualgiram todas as vicissitudes do processo puberal - vergonha do corpo que se transfor-ma; vergonha do rlrslr vulcânico dos impulsos sexuais; vergonha da fala bitonal, dogesto sem jeito, da piada sem graça que conta, da resposta pouco inteligente que dá,do ar apalermado que mostriì; vergonha, enfim, do que é, porque não passa de um vir-a-set

E porque o adolescente se envergonha, nega. Nega tanto suas limitações comosua impotência para resolver exitosamente o impasse de recrudescente situação edípicaatravés do faz-de-conta onipotente e maníaco de certas situações de acasalamentofreqüentes nos grupos de adÕlescentes. Vejo tais situações menos com o propósito

324 . ZMERMAN & osoRlo

evasivo, assinalado por Bion ( 1959), de proporcionar uma saída ou esperança de tipomessiânico ao grupo do que como um incremento das resistências coletivas ao examedos aspectos mais temidos, porque tidos como vergonhosos, do inconsciente grupaladolescente.

Veremos, a seguir, num sumáriofils/r clínico, como a compreensão dos aspec-tos subjacentes a uma dessas situações de acasalamento permitiu a um paciente (epor extensão, ao grupo) a devolução da espontaneidade perdida e a conseqüente libe-ração de sua criatividade reprimida:

Célio se apaixona porum novo elemento feminìno que ingressa no grupo, fatoaliás que já ocorreÍa anteriormente. Naquela ocasião, a situação fora interpretada deacordo com a premissa genérica de que aquilo constituía um ataque ao grupo e embo-ra tudo evoluísse para uma resolução aparentemente satisfatória do acring, ficou-mea sensação de que permanecera incompreendida po mim, e pelo grupo, a matriz dinâ-mica subjacente ao actirtg em questão. Desta feita, conhecendo-se melhor o perfillcaracterflógico de Célio e as características de funcionamento do grupo, pôde-seperceber\ue havia na repetição do actirtg um intento de manter, através deste, âcondição de liderança roubada de mim e delegada pelo grupo a Célio, através daligação com a paciente recém-chegada. Eu é quem ficara então como terceiro exclu-ído da situação edípica representada por Célio e a nova paciente, com a anuência ecumplicidade dos restantes.

Após a interpretação e elaboração por parte do grupo da situação vigente, comuma particular e mais aguda percepção por parte de Célio de seus sentimentos com-petitivos comigo, seguiu-se o seu relato particularmente fluente e natural de umaexperiência homossexual dâ infância, relato este comovidamente acompanhado pe-los demais componentes do grupo. Nas sessões seguintes, a par de um significativoprogresso demonstrado por Célio na sua capacitação profissional, o grupo eviden-ciou um inusitado interesse em superar a vergonha de abordar certos temas até entãoconsiderados tabus, como os impulsos incestuosos e homossexuais e o reconheci-mento dos temores genitais.

Fiz menção acima ao emprego de técnicas psicodramáticas como catalizadorasda comunicação grupal ou para auxiliar na resolução de situações de impasse emgrupos de adolescentes. Vejamos agora, atravós de outra vìnheta clínica, como isto seprocessa:

Trata-se de um grupo de oito adolescentes entre l5 e l8 anos. As sessões anas-tavam-se monótonas, com repetidas queixas trocadas entre seus participantes de quesó tratavam assuntos banais, oconências de seu cotidiano existencial, sem que emnenhum momento o grupo atingisse a profundidade ou o nível de comprometimentoemocional evidenciados em ocasiões anteriores. Comentavam, freqüentemente, que"era preciso entrar um novo participante para sacudir aquele grupo".

Sugeri, entáo, um exercício de "troca de papéis", onde livremente escolhessemo(a) companheiro(a) com quem quisessem permutar de identidade duÍante o jogodramático sugerido. Como instrução complementar postulou-se que deveriam parti-cipar da sessão como sentem que o(a) parceiro(a) cuja identidade houvessem assuml-do costuma fazer, mas tratando, a seguir, de verbalizar o que lhes parece que este nãoestá se permitindo trazer à discussão no grupo. Foi ainda sugerido que trocassem delugar entre si para facilitar pela representação espacial o "colocar-se no lugar dooutro". Acrescente-se, ainda, que se respeitou a resistência de uma paciente a partici-par do exercício dramático, tendo eu, então, convidado a paciente que ficou "despar-ceirada" a trocar de lugar comigo, já que em diversas oportunidades .manifestara eladeseio de sentar-se na cadcila habitualmente ocupada por mim.

co}Ío TRABì:-: j \ \ :ôS CO\Í CRLPOS . 325

A sessão transcorreu num clima de animação infantil e se deiro de irz:r rqu imaiores comentários sobre a mesma é porque quero justamente dar ênÌìie ao mlt:ri-al surgido na sessão seguinte e que, em meu entender, é confirmatório de qu: Lì re!-ur-so psicodramático empregado atingiu os fins a que se propunha {tal qurl e r r...r-ia-

ção seguinte que confirma a adequação de uma interpretâção dada ao longo d: um:sessão psicanaÌítica).

Nessa sessão posterior, então, trouxeram material alusivo a Vir êncir. tr:umiti-cas da infância, referindo-se a práticas homossexuais e atitudes de sedução por prn:de adultos, bem como a situações de abandono por parte dos pais.

Utilizam-se do termo "brincadeira" para se referir ao que fizemos na s...ioanterior e então lhes interpreto que hoje trouxeram sentimentos e episódios de surinfâncias que estavam sendo reprimidos por julgarem-nos "vergonhosos" e qu3. i:agora os puderam mencionar, foi pela "brincadeira" que acham que fiz com eÌes nasessão anterior, ou seja, através do que experimentaram como uma "brincadeira"puderam me sentir cap,az de aceitar seus jogos (ou "coisas de criança", como chama-ram), pois se eu era cafiz de entrar na "brincadeira" e participar dela na peÌe de umdeles quem sabe tambéÀ seria capaz de participar de outras cenas de suas vidasquando eram crianças e ajudá-los a entender suas vergonhas, surs insegurrnças eseus medos de abandonos.

Os adoÌescentes, por estarem procurando afirmar suas identidades adultas emer-gentes, rechaçam ou evidenciam muitos temores em deixar aflorar certos aspectosinfantis, como se isso fosse comprometer seu processo de crescimento e cristalizaçãoda identidade adulta. Ao constatarem que os pais-terapeutas não se envergonham debrincaq por exemplo, animam-se a expor seus "aspectos infantis" que, justamente aocontrário do que supõem, enquanto não tiverem livre acesso à consciência e puderemser aceitos como parte indissociável de suas experiências de vida, comprometem seunrocesso de amadurecimento.-

É importante, contudo, que se faça uma distinção entre essa disposição doterapeuta de adolescentes em participar de uma "brincadeira terapêutica", e o terapeutaassumir sistematicamente uma atitude "pseudo-adolescente", falando, vestindo-se oucomportando-se como um adolescente durante as sessões, no pressuposto de queassim seus pacientes o sentiriam mais próximo. Além de incorrer num grosseiro errotécnico, pela postum sedutora, o terapeuta que assim procedesse estaria levando seuspacientes adolescentes a uma situação confusional, por se verem desprovidos nestacircunstância de um modelo de identificação adulta que pudesse balizar sua busca deidentidade.

Há um fenômeno que, pela intensidade e alcance psicoterápico que adquire nosgrupos de adolescentes, meÍece referência. Trata-se do efeito mobilizador de ínsíghtobtido pelas intervençóes ou lnÍurp retoções dospríprios pacientes. Observamos quequando um adolescente interpreta o material veicuÌado por um companheiro ou de-terminada situação vigente no grupo, a carga afetiva mobilizada e os efeitosterapêuticos observados são geraÌmente mais significativos do que os determinadlsmesmo pelas mais bem-sucedidas interpÍetações do terapeuta. Isso nos convida ârefletir sobre o substrato psicodinâmico desse fenômeno.

Os grupos espontâneos de adolescentes se formam a partir de uma necessidadebásica de desvincular-se do grupo familiar de origem e testar, em novas relaçõesobjetais com seus pares, os padrões adaptativos que possibilitarão a cristalização daidentidade adulta. Para tanto, os adolescentes membros de um grupo de iguats (peergranp) funcionam reciprocamente como egos-atailiares no processo de aquisiçãodesta identidade emergente. A ocorrência deste mecanismo no grupo terapêutico e

326 . ZMERMAN & osoRlo

seu adequado manejo por parte do terapeuta pode se constituir num recurso inestimá-vel para a integração grupal. O terapeuta poderá interpretar através das intervençõestipo ego-auxiliar que souber catalisar nos componentes do grupo, com maior rendi-mento para o insight coletivo.

A predisposição adolescente para vivenciar as experiências emocionais numclima de alto teor emocicnal, entretido por este interjogo de identificações projetivascruzadas, confere também à situação transferencial uma carga afetiva de maior im-pacto do que a existente habitualmente em grupo de adultos.

Vejamos agora através de um brevefasrlr clínico como na situação transferenciala ocorrência de identificações projetivas maciças com o terapeuta permitiu que trêsadolescentes tomassem consciência de importantes características suas:

Fábio é um adolescente impulsivo que encama bem o paradoxal mote da can-çáo: aja duas vezes antes de pensar. Sua dificuldade básica atual é negligenciar com-promissos. Seu funcionamento no grupo caÍacteriza-se por repetidos acÍlngs e o usodefensivo de um insigftr intelectual para se evadir de suas responsabilidades âfetivas.

.Reinaldo tem sido criticado por outros membros do grupo pelo tom excessiva-menÌ\pueril e inconseqüente de suas intervenções. Sua maturidade emocional nãoacompânha seu desenvolvimento intelectual. Relaciona-se de modo superficial e in-constante com namoradas e amigos.

Aldo é um temperamento introspectivo, com marcadas dificuldades na comuni-cação e relacionamento com todos. Suas intervenções caracterizam-se pelo tom auto-acusatório e um oceânico sentimento de inferioridade em relação aos demais.

A sessão se aproxima de seu final e Reinaldo lidera uma avaliação do compor-tamento do terapeuta durante a mesmâ:

R.: "Vocês repararam que hoje o O. falou mais? Parece que ele se sentiu criticadopelo que dissemos na terça-feira (alusão a circunstâncias da sessão anterior) e semexeu mais, hoje, aprofundou mais os negócios..."

F.: "Pois eu acho que não, â mim me parece mais é que o O. está com receio de nósnos porÍnos nas mãos dele e está é querendo tirar o corpo fora; olha, vocês nãoesperem sair daqui curados, a coisa depende de vocês..."

A.: "Interessante... eu achei que ele conseguiu pôr em palavras o que nós não estáva-mos conseguindo. Acho que ele resumiu o pensamento do grupo".

O.: "Vocês me viram ou me sentiram conforme o gÍupo vê vocês ou conforme cadaum se sente aqui; o R, estava sendo criticado no início da sessão pela S. por nãoexaminar mais a sério sua relação com seus pais, ou seja, por não aprofundarmais os negócios, não se mexer mais aqui; o F. tem se esquivado da prensa dogÍupo para que se decida quanto ao que faz da vida, anda tirando o corpo fora eo A. quer muito poder pôr em palavras tudo o que sente e pensa...(o grupo todofica alguns instantes em silêncio, meditativo, após o qual F, faz uma exclamaçãoque sói identificar quando foi tocado por uma interpretação)".

Na sessão seguinte o tema foi retomado e, pelas associações surgidas então, viu-se que não só os três adolescentes em questão como os demais componentes do grupomostraram sensíveis progressos na avaliação crítica de seu respectivo funcionamentotânto no grupo terapêutico como nos demais grupos de que fazem parte (familiar,escolar, social, etc.).

Vejamos agora como se insere a problemática da crise de identidade adolescen-te em nosso enfoque da terapia grupal.

COMO TRABALHÀIíOS Co]!Í GRUPOS . 327

A identidade adolescente, como forma transicional que é entre a identidade in-fantil e a adulta, é de natureza polimorfa e essencialmente cambiante. As angÍstiasconfusionais determinadas pelo estado de caos transitório vigente nessa troca de iden-tidades intensificam os mecanismos de identificação projetiva e íntrojetiya- Há umapremente necessidade de testar novos padrões relacionais através de identificaçõesfugazes mas de altacarga emocional. O clima intrinsecamente propício à mobiÌizaçãode afetos e ao desencadeamento de identificações cruzadas existente num gÍupoterapêutico torna-se assim a ambiência desejável para a emergência do materialconflituoso relativo às vicissitudes adolescentes na busca de uma identidade estável.

Estas circunstâncias que poderíamos considerar - como o estamos fazendo -significativamente favoráveis para a abordagem grupal de nossos pacientes adoles-centes determinam, por outro lado, um importante problema técnico e colocam empauta o correspondente cuidado que devemos ter no seu manejo.

Ao interpretar sistematicamente o grupo como uma totalidade dinâmica, de acor-do com o preconizado pela maioria dos autores, predispõe-se a uma contínua difusãodas identidades de seuqmembros, o que entre os adolescentes incrementa desneces-sária e antioperatiuurnàì" u. angrístús confusionais nem sempre mitigadas pela simultânea integração proporcionada pelo izslgftr grupal.

Observei que os protestos contra as interpretações deste tipo sempre provinhamdos pacientes mais amadurecidos e com uma identidade adolescente melhor defini-da, enquanto os pacientes mais regressivos se "submetiam" e continuavam associado"obedientemente" dentro do esquema referencial grupal proposto, ou seja, compor-tando-se como partes abúlicas de um todo e não como unidades criativas de um con-junto. Pergunto-me, então, se o uso sistemático de interpretações dirigidas ao grupocomoum todo não constitui um fator antiintegrativo e, por conseguinte, antiterâpêutico,por contrapor-se ao processo de individuação/dessimbiotização que acompanha aaquisição da identidade adolescente. Esta é uma questão que a meu'verestá a merecermaior reflexão por parte dos terapeutas de grupo de adolescentes,

Penso que isso ocorra não só pela já assinalada necessidade do adolescente depreservar sua individualidade no grupo mas também com propósitos defensivos.

Outro problema técnico peculiar aos grupos de adolescentes deriva-se da com-pulsiva tendência destes em substituir a reflexão pela ação, o que despertacontratransferencialmente no terapeuta o impulso correspondente de agirinterpretativamente anles de reíletir sobre a conveniência e oportunidade da interPre-tação a partir do potencial abstracional do grupo.

A comunicação extra ou paraverbal não tem menor importância na psicoterapiade grupo do que noutras formas de terapia com adolescentes.

A ainda incompleta capacidade de abstração do adolescente e sua recorrênciaao pensamento de tipo concreto acaneta por vezes dificuldades importantes paranossa atividade interpretativa no gÍupo. Reagem, os adolescentes, com manifesta-ções de estranheza ou rechaço a interpretações que exijam um maior grau de abstra-ção, como habitualmente ocorre com as interpretações transferenciais que tomam ogrupo como um todo.

O adolescente se exprime essencialmente através de uma linguagem de açãoque abrange muito mais do que a simples expressão corporal e que demanda porparte do terapeuta não só a compreensáo desta linguagem corporal, como eventual-mente a capacidade de expressar-se ele também nesta linguagem.

As expressões faciais, o maior ou menor tônus muscular, as alterações de postu-ra, os gestos que soem acompanhar ou reforçar a expressão verbal, todos esses ele-

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mentos são amplificados pela condição multiespecular do círculo terapêutico do gru-po, onde todos e cada um funcionam como sensível instrumento capaz de registrar erefletir a imagem psicológica dos outros.

O terapeuta de adolescentes deve ser capaz de acompanhar este outro nívelcomunicante que o grupo estabelece para entender o que se passa e intervir adequa-damente. Freqüentemente, mais do que ocorre com os adultos e mesmo com as crian-

ças, são as atitudes e modulações paraverbais dos pacientes e não o conteúdo de seusrelatos que identificam a fantasia grupal predominante num momento dado.

Num determinado grupo terapêutico as intervenções se processavam regular-mente, as associações fluíam naturalmente, mas havia na expressão facial de seuscomponentes um ar entendiado e sua postura nas cadeiras me transmitia uma sensa-ção de abandono e enfado. Quando finalmente interpretei em função desta sensaçãocontratransferencial a apatia reinante e que me era transmitida pelos citados elemen-tos extraverbais, houve um brusco movimento generalizado de protesto contra minhaintervenção, a que se seguiu um material associativo sobre as vantagens da acomoda-ção ao dÍaÍas qrlo vigente nas respectivas instituições de ensino que freqüentavam.Posteridìçente, tornou-se claramente evidenciável que a fantasia básica do gruponaquele instante era delegar a mim a responsabilidade pela superação da inércia quese opunha a um crescimento que julgavam penoso e por vezes até mesmo impossível.Quero enfatizar novamente que foi através do que me comunicaram paraverbalmenteque pudemos juntos compreender e superar, ainda que transitoriamente, um fatorobstaculizante ao progresso do grupo.

Os grupos de adolescentes, a par dos objetivos terapêuticos que lhes são ineren-tes, possuem, por vezes, uma importante função diagnóstica. Pelajá referida dificulda-de em distinguir o normal do patológico na adolescência, eventualmente os grupostêm nos auxiliado na discriminação e detecção de quadros patológicos de maior gravi-dade mascarados pelas características patoplásticgs do processo puberal. Cite-se ocaso de duas adolescentes cuja investigação inicial, feita através de entrevistas comos familiares e com as próprias pacientes, me deixaram dúvidas quanto ao significadoe extensão dos distúrbios de tipo psicopático que apresentavam. Indicada a terapiagnrpal com uma dupla e simultânea finalidade de prospecção diagnóstica e tentativaterapêutica, â posterior evolução e desempenho das pacientes no gmpo permitiu que numdos casos se consolidasse o diagnóstico de personalidade sociopática em franca eclosão(necessitando posterior encaminhamento para atendimento institucional), enquanto o outromostrou tratar-se de emprego de técnicas psicopáticas defensivas à reativação de umasituação edípica mal-elaborada e desvendada no contexto da dinâmica grupal.

POSSIBILIDADES TERAPÊUTICAS

A experiência que possuo com a grupoterapia analítica não me permite avaliar comprecisão estatística e o devido rigor científico sevs resuhados terapêuticos; por issoprefiro me relerir a suas possíbilidades terapêtticas, termo que me parece mais coe-rente com a realidade de friíhã vivência clínica até agora e que melhor se adequa aocaráter predominantemente subjetivo das considerações a fazer neste tópico.

Penso que a psicoterapia grupal leva vantagem quando comparadacom a indivi-dual para a faixa etária adolescente. Isso se deve possivelmente a certos fatores (al-

' guns dos quaisjá mencionados) e que resumirei a seguir:

cot\totRAR.\I l l i l ios crì\1GlìLtoi . 329

I A natural e espoqtânea tendência à formaçiro de gÍupos na adolescèn.-il.2 A menor resistência ì abordagem grupal de temas/ol'lgerros nos plcientes adcl:s-

centes, tais como suas fantqsias edípicas, conflitos com o próprio ccTJ : Ì.-Dlo-res de contato com o sexo oposto.

3 O efeito mobilìzador do ittsíght propiciado pelas identificações projerir as cruza-das que se estabelecem entre os elementos de um grupo terapêutico.

4 A diluição das angristias persecutórias vivenciadas na situação transferenciaÌ ce.muma mais rápida e eficiente superação dos sentimentos de vergonha e liber.rçioda espontaneidade original.

5 A criaçao no grupo de um clima propício ao intercâmbio e confronto de experi:n-cias e que permitia a seus componentes uma melhor indentificação dos ÌirnitesenÍe o eu e o outro, através da compÍeensão das motivações inconscientes dosdistintos modos de sentir, pensar e agir, favorecendo a resoÌução da crise de identi-dade, fulcro da problemática adolescente.

Por outro lado, quer me parecer que a grupoterapia anaÌítica tem suas meÌhorespossibilidades terapêu tcas no subgmpo dos adolescentes tardios. Nessas pacientesjá houve habitualmentdrrm significado grau de amadurecimento do ego e a definiçãodas respectivas identidades, o que, aliado a um mais autêntico desejo de autoconheci-mento e a um mais fácil e espontâneo relacionamento social, propicia melhores condi-ções de elaboração de seus conflitos dentro da matriz grupal. Acrescente-se a isso acircunstância de que para os adolescentes tardios as duas mais importantes escolhasda vida do indivíduo - a do(a) companheiro(a) e a da atividade profìssional - tênrainda alentadas chances de reversibilidade, o que já não ocorre em anos posteriores,sendo justamente um dos grandes benefícios da gmpoterapia poder auxiliá-los nes-sas duas escolhas, de cuja adequação depende o desenvolvimento criativo de suaspersonalidades e a correspondente conquista da alegria de viver.

Concluindo, julgo a grupoterapia analítica a técnica psicoterápica de mais am-plas possibilidades terapêuticas na adolescência, pois o grupo é a matriz dinâmicaadequada para o adolescente adquirir lnsigár da condição e vicissitudes peculiares àcrise normativa desta etapa evolutiva, podendo assim melhor elaborar os lutos pelasperdas que acompanham o necessário abandono da identidade infantil e preparar-separa bem usufruir as aquisìções da emergente identidade aduÌta.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ZIMMERMANN, D. Esludíos sobtc psicoterapia arnlítíca de gtrr2os. Bucnos Aires: Hormó, 1969.

30Grupos com IdososCUITE I. ZIMERMAN

Inicialmente desejo apresentar aos leitores a minha identidade profissional. Minhaformaçào é a dd\gssistene social, e também fiz especialização em gerontologiâ. Apropósito, julgo ii'ììportante estabelecer a diferença que existe entre gerontologia egeriatria.

Gerontologia, tal como designa a sua etirrologia grega é a ciência que estuda(logos) o envelhecimento (geros). A geriatritt, por sÌÌà vez, refere-se ao campo damedicina que se ocupa das enfermidades do organismo do velho, e alude à necessidade de estabelecer níveis de prevenção, tratamento e reabilitação da patologia pró-pria desta faixa etária.

Podemos classificar a gerontologia em dois tipos: a básica e a social (Gomes ecols., 1985). A primeila delas é a que compreende o estudo da relação dos diversosórgãos entre si, como é o caso do sistema nervoso, mais precisamente, as funçõescerebrais. Já a gerontologia social diz respeito ao estudo das relações recíprocas en-tre o indivíduo e a sociedade - e ninguém pode contestar a força dos fatores sociais,culturais, econômicos e ambientais que podem qualificar ou prejudicar o inevitávelprocesso do envelhecimento.

O presente trabalho se restringirá à u tiIíztçío prãtica dos recursos grupais como

'-:m meio de promover no idoso benefícios de nattÌreza biopsicossocial. Antes, noentanto, é necessário estabelecer alguns dos principais fundamentos teóricos quealicerçam as aplicações da prática grupoterápica com os idosos. Dentre outros mais,creio ser útil destacar os seguintes aspectos: o idoso e sua inserção na família e nasociedade, alguns dados estatísticos e a impoltância da grupalidade.

A palavra "idoso" permite uma certa relatividade conceitual. Do ponto de vistacronológico, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estabelece que a idade de 60anos, para aqueles que vivem nos países em desenvolvimento, e a idade de 65 anos,para os países desenvolvidos, constitui o critério que detelmina a condição de pessoaque ingressa na 3" idade. Entretanto, outros critérios devem ser adotados que nãounicamente o da faixa etária, como são aqueles que, sobretudo, valorizam as condi-ções físicas, mentais, sociais e existenciais, assim como a capacidade e a vitalidadepara o trabalho útil, lazer, sexo, etc.

E indispensável tecer algumas considerações acerca dos preconceitos sociaisque habitualmente (pré)conceituam o velho junto à família e à sociedade. Assim,comumente a palavra "velho" conota um juízo de algo pesado, feio, triste, melancó-lico, deprimente, etc. Eu, particularmente, Ììão comLÌngo dessa idéia, talvez pelo fatode gostar muito de velhos, embora reconheça que do ponto de vista da realidade

332 . rtntno^to" l os,u.,,,

sociaÌ brasi le i la, como unl problerrr lss istcncial , a velhicc const i t r . r i -sc conlo umíìproblenrática muito séria e nrclancólica.

Ao Ìongo dos meus muitos anos dc lliìbllho conr vclhos, encontrei alguns que-ridos, geniais, interessântes c siibios. rìssilìl conìo tarnbénr nrc depareicorÌì outros quepodem ser qullificados de "chatos", ÌÌìlìrìs, cgoÍstas c tilanosi enfinì, existc uma di-versidade cantcterológica, da nresma forrllt corno sucede cnr qualquer outra faixa deidade. Sabernos o quanto é cornuIrì o ernplcgo dc enlìmisrros para designar o velho("pessoa dc idade avançada", "um senhot rr tcrceira iclaclc", ctc.). Niro vcjo razõespara trocar a piÌlavra "r'elho" por orÌtra qualqucr. rlas, sinr, advogo a necessidade detrocarmos it intugatu quc cla desperta. porqulÌnto tuclo dcpcndc das lentcs coÌn queolhamos para a velhice. Acrcclito que, apcsll clo pcso dos anos, rugâs, limitaçõesfísicas, uma constante anìeaça ì saúde, ao scxo c à vìrlu, ctc., o velho tiutbóm apre-senta muita coisa boa c bonita, como Lrnra naior tranqLiilidade, proÍìndidade, umaformir dilèrente de curtir os Í' i lhos e nctos, c, acirna tlc ludo, a aquisiçÍo de umasabedoria que a experiência du vida forìou. I:nr resunro, poclc-sc dizer que "nõo exis-te unt yelho chaÍo; eríste unt.jovanr cltuÍrt tltrc tttvclltt,ccrr".

O maior problema consiste no fato cle cluc a vclhice costuma ser cncarada comosene\ um declírio da juventudc, porquanto a .juventLrclc, nu nossa cultura, ó tomadacomo o parâÌ'netro refcrcncial de quiìse trrdo clue é r,alolizado corno é tácil observarno dia-a-dia, err filmes ou na influêncìa cla nrídil, a qual ó plioritarianrcnte dirigidaaos jovens. Consoante conr isso, ó eYidcrtc iÌ constiìtiìçalo dc qrÌanto o velho costumaser discriminado pela socicdade, por elc nrcsnro e ffeqiicntcnìente pela família, comoalguém que represeÌlta uÌrÌa ciìrgiÌ a ser srrpol tiìda: as poflas cstão fechadas para no-vos empregos e oportunidadcs de trabalho; os nais.jovcns são incr'édulos, quandonão irônicos c debochados, a rcspeito de rrnrr vidn scxrlìl plenamente ativa dos ve-lhos (e o pior é que esses aceitam tul plcconceito e. cnvcrgonhados, ao invés deorgulhosos, mântêm ocuÌta cssa bela clplcicladc prcselvada). O velho perdeu osratrrsde figura central da família, que até hír poucus dócadas atlás ele gozava. Da mesmaforma, a aposentadoria, que poderia scr cncallcla corrro urn tributo ao mélito e umaabertura para uma qr.raìificação de vidr, é vistiÌ c ostrÌ lÌlc iriìuìente como uma "aposen-tâdoria da vida", urna dccadôncia, urn custigo que sinalizulia o início do processo deesperar a mortc. E assim por diantc.

No entânto, unì tìto é iÌlcontestíÌ\,e I : o IJlasil. rssirl como demais países de suaidade de existência, já nÍo podc mais scl consicleraclo conlo "um país jovem". Naverdade, teÌìos uma população idosiì ll lìstiÌrlc volurnosa c rì.Ìm progrL'ssivo cresci-mento. Isso se deve a algrns f r toÌcs. ( lcr ì l lc os c luais dois s i Ìo relevantes e secomplementam: clirnirtuiçuo da rntalidurla o qrÌc. por si só, reduz a população jo-vem - e o ountento do longct'idada -propiciarlo pclos avançados conhccimentos erecursos da moderna tecÌlologia nrédic1.

Em relação a alguns dados estatísticos, no Blasil, no período de 1960 a 1970,enqual'ìto a população totiÌl crescia ìrLìDliì taxa anual rrédia de 2,9c/a, o crcscimentodos idosos foide4}%. Em l990,apopuìacãoidosafoi dc6,7%,em l995foi calcu-lada em 7,57c, e a projeção dos cstatísticos ú a dc c}rc, no ano 2025, ela será de13,87o, ou scja, dentro de 30 anos, pliìticxrnerte cloblani ou triplicará o número develhos no Brasil. Partindo dc outros daclos, cabe cÌizer quc na atualidade conr popula-

ção próxima de 150 milhões de pcssoas, o puís tcÌ'Ìr erÌr torno de I I milhões de velhose, em 2025, scrão cerca de 32 milhõcs. llsta últirra ciÍìa projeta que o Brasil será,nesta época, a sexta potência do munclo crn popuÌaçio dc idosos, ao mesÌìo tempoque os estatísticos calcularn quc é o país clLrc rr atualicludc mais cresce no número develhos, no mundo todo.

( oÀr() r'R^0.\r.lr^Àtos co cRupos . 333

e-rcti-letoES

Jeleese-tÍttas-

Por outro lado, há l0 anos, havia 100 geriatras e gerontólogos no Brasil, e naatualidade este número quadriplicou. Da mesmir for ma, observa-se a criação, emboramuito lenta, de empresas e serviços dirigidos exclnsivamente para velhos, assim comoa instalâção de "centros de convivência", de comprovados resultados.

Certamente esses números sugerem a alta relevância da questão do idoso tantono que diz respeito ao lugar como ao papel do velho, a mudança do mercado consu-midor, mas principalmente a séria problemátìca dos planos de assistência ao velho ea instituição de leis sociais que não tenham o cariíter caritativo como são as de hoje,mas, sim, leis que acima de tudo privilegiem o respeito ao merecimento de uma vidacom tranqüilidade e dignidade.

Todos concordamos com relação à importância da glLrpalidade, pelo fato do serhumano ser essencialmente gregário, e que ele não existe e nem subsiste se não man-tiver alguma forma de comunicação, interaçiro e de reconhecimento de seus pares.Assim, desde o dia em que nasce, e para o resto diì vida, todo indivíduo está inseridoem algum tipo de grupo(s), embora modifique constinìtemente a natureza dos mes-mos (familiar, escolar, social, profissionaÌ, esportivo, etc.).

Em qualquer grupo, sempre se forma uma distribuição e hierarquia de papéis,posições e funções, os quais vão sofrendo sucessivas transformações à medida queigualmente vã\ p,rocessando,outras modificações na interação do indivíduo com atami l la e a socreulde na oual e le está inser ido.

Dessa forma, ocorre com o velho sucessivas perclas físicâs, mentais, sociais, deamigos, trabalho, separações, doenças e mortes, as quais desestabilizam o seu sensode identidade, o seu papel e o lugar que ele ocupa na família, no trabalho e na socie-dade. Repito como sendo de importância essencial o fato de que os papéis que ovelho desempenha na família sejam bem conhecidos e respeitados por todos - a co-meçar por ele mesmo - como uma fornrl de evitar os constrangedores e tão conhe-cidos problemas costumeiros de recíprocas acusações, cobranças e maÌ-entendidos.

A PRATICA DE GRUPOS COM IDOSOS

Pelo que foi referido antes, e por considerar a velh ice uma questão basicamente soci-al, acredito que um atendimento parâ os idosos, em moldes grupalísticos, adquireuma extraordinária importância no sentido de promover a reconstrução da identidadeque pode estar algo confusa ou perdidl, e, pol conscguinte, propiciar o resgate devínculos com familiares e de capacidades que existerr rnas que estão "aposentadas".

Os grupos com velhos podem adquirir distintas rnoclalidades, conforme as cir-cunstâncias e os objetivos propostos. Ncste trabalho, pretendo trazer a minha experi-ência com quatro tipos diferentes de gnlpos: I ) l/r/cglzgão; 2) sócio-terápico; 3) contfamilìares; 4) rÌe capacitação con equipe tle utcndinterúo.

GRUPO DE INTEGRAçAO

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Relatarei a seguir minha experiência com unr grupo de velhos, o qual era compostopor 7 mulheres, e cuja idade variava entre 70 e 82 anos, sendo que eu já tinha umprévio e relativamente longo convívio de atendimcnto incìividual, com um vínculo debastante confiança, com cada um deles cr'Ìr particular.

Denomino-o como "grupo de integraçiio", porqrÌanto a sua finalidade maiorconsistia em reintegrar cada um deles na respcctiviì l lnrília. Esse propósito seria

334 . ZIMERMAN & osoRÌo

conseguido a partir de uma integração prévia entre eles, a ser obtida no seio do grupo,através do estímulo à realização de tarefas coletivas e do assinalamento tanto dasangústias e das falsas crenças que cercam iì veÌhice como também do desempenhodos seus papéis e dos problemas dos mâl-entendidos da comunicação.

Segue uma descrição da rotina destes grupos: o local da reunião era numa amplasala de uma casa onde morava uma das idosas, sendo que fazíamos duas reuniõessemanais, com a duração de duas horas cada. Ao chegarem, os velhos iam sentando ese agrupando espontaneamente, sendo que invariavelmente os primeiros assuntoseram de "aquecimento", ou seja, trocavâm notícias e perguntas sobre "novidades". Aseguir, entrávamos no planejamento de tarefas e de programação de atividades, querfossem atividades físicas (articulação, respiração e circulação), projetos de passeiose lazeres, e realização de jogos, especialmente aqueles que representassem um estí-mulo ao uso da memória, concentração e raciocínio.

Durante o desenvolvimento dessas tarefas, trabalhávamos com as "resistências"que alguns apresentavam, como aquelas que derivam de uma forte desvalia e de ummedo do fracasso (considero que o grau mais preocupante da qualidade de vida équando o velho está submerso em um estado mental que podemos denominar de"dçsistência"). Neste último caso, o idoso raranrente se motiva, e se opõe a qualquerinic\tiva sob os mais diversos argumentos racionalizados. A experiência mostrouque o indispensável descongelamento deste estâdo de "desistência" se efetivâ a paÍirdos estímulos solidários provindos dos demais elemeÍìtos do grupo, até porque elesfalam_a "mesma linguagem" e por isso se sentem meìhor entendidos.

E útil assinalar dois dos problemas que comumeDte acontecem em grupos comvelhos de idade mais avançada, como o qlìe estou relatando. O primeiro é uma ten-dência deles virem a fazer longos relâtos sobrc as minúcias dos sintomas orgânicosque julgam estarem padecendo, e isso pode obstruir um livre curso do grupo para astarefas e um estado mental construtivo. Às vezes, essas queixas podem servir de temapara uma discussão franca e livre para assì.lntos, desde o "aqui-agora", como o daproximidade da morte, que umâ vez ventilaclos e âbordados com nahtralidade, acar-retam um enorme alívio para todos. O segundo problcma, pelo menos na minha expe-riência, refere-se à chegada do inverno, época em que os velhos acusam que os sinto-mas reumáticos recrudescem e limitam a locomoçlÌo, alegam que os dias escurosdificultam bastante a capacidade visual e que assim ficam expostos a acidentes diver-sos, e assim por diante.

A freqüência dos velhos ao gmpo, duÍante o nosso invemo sulino, baixava bas-tante. Na primavera, o número voltâva a. aumentar e ficava completo no verão, sendoque o tempo de duração do funcionamento deste gÍupo foi de I ano e meio, comresultados que podem ser considerados bastante satisfâtórios e animadores, em rela-ção aos objetivos propostos.

GRUPO SÓCIO-TERÁPICO

Adotei essa denominação para o tipo de grupo com idosos a seguir relatado paracaracterizar que a sua finalidade precípua é a de incentivar um resgate prazeroso deatividades sociais, em ambientes exteriores às quatro pâredes das suas casas, nasquais costumeiramente eles ficam confinados. Coerente com essa proposição, emdeterminados dias pré-combinados eu os apanho com o meu carro, na residência decada um deles, e saímos a passear, freqiientlrs/rry2l[g^r, museus, praças, exposições,restaurantes, etc. Durante esses momentos, a conversa gira nío só em torno das im-

colto TR.\D^l- l t ì \ jos co\t cRtjpos . 335

pressões bue os respectivos eventos vão despertando em cada uma de nós _ somos

A assiduidade das velhas tem sido absoluta, e o firzem de forma visiveÌmentesatisfatória, ao mesmo tempo que reconhecem que essa atividade lhes abriu um no.'oleque de opções de vida e uma retomada de interesse pela leitura de jomais e revisras,em busca de novas motivações de tarefas e locais interessantes para visitarmos, co_nhecermos e discutirmos.

Em complementação, um dos recursos estriÌtégicos qrÌe costumo empregar nes_te grupo é o de manter este ressurgimento de ÌÌìotivaçÍo através da atribuição detarefas em casa, como o de pesquisar determinaclo assur'tto de interesse, exercÍóios deestimulação ou o de alguma delas ficar encanegada de criscorrer sobre determinadaexperiência importante ocorrida ao longo da vida, etc. Tal atividade é proposta àmoda de um "tema para casa", e visa, sobretudo, incentivar o exercício das ativìdadesfísicas e mentais que estavam entorpecidas, bem como promover o redirecionamentodessas capacidadqs para tarefas compatíveis com a rcalidade das condições de cadauma. \

Da mesma forma, este grupo se mantém unido hii muito tempo, e não encontreiproblemas com o inverno, talvez porque o Íìúo de buscír-las de camo e entregá-las emcasa facilite o enfrentamento dos problemas decorrertes do mau tempo exte-mo. Umaoutra razão é a escolha de locais abrigados e pr.opícios para as nosias arividades delazer.

Além das atividadesjá citadas, também manrenho um livre canal de comunica_ção com os familiares (filhos, cônjugues, etc.), arendcììres, empregadas, etc., desdeque o respectivo velho saiba que absolutamente nadir está sendo feito sem o seuconhecimento e consentimento. Além disso, util izo o recurso de propiciar a oportu_nidade de fazerem exercícios físicos apropriados para a velhice, através de um pro_fessor de educação física que foì particularmente treinldo por mim para entend-er apsicologia do velho e o modo de tratá-lo.

E cìaro que a exemplificação aqui util izada para ilustrar uma modalidade deatendimento grupal com velhos, e que estí bâseada em minha experiência pessoalcom um grupo restrito de pessoas idosas, diferenciadas social, cultural e economica_mente, está longe de representar a realidade do que se passa em relação à assistênciagerontológica, como um grave problemn de saúcle pública. No entanto, tenho a firmeconvicção de que o grupo que antes descrevi poclc scr-vir cotno tm modelo de estimu_lação das capacidades de ego que estão atrofiaclas por.ÍìrÌta de uso e de motivação, emqualquer tipo de velho, desde que, é óbvio, leve-se em corta a necessidade de que ostécnicos usem a criatividade de encontrar outras manei'as. adaptadas às distintai situ-ações, para conseguir o mesmo resuÌtado de despertar as caplcitaçóes adormecidas.

GRUPO COMFAMILIARES

Considero de excepcional importância a necessidade de que o atendimento ao r,elhoseja simultaneamente acompanhado de um sistemÍúico coÌÌtato com os seus familia_res mais significativos. Essa recomendação ateude ir cluas necessidades: a primeira serefere não somente a uma imprescindível colhcita de clados sobre tudo o que dizrespeito aos aspectos físicos, psíquicos e sociiris do passado e do presenre do relho-

336 . ZMERMAN & osoRlo

mas também ao fato de que o velho está irìevitavelmente sujeito a uma série de pro-blemas de natureza prática, como os de saúdc, adnrinistração de bens, etc., e quepodem requerer a participação atenta dos familiares mais próximos, ou daqueles queestão distantes - mas que provavelmente um trabalho bem feito por nós pode promo-ver uma reaproximação, às vezes comovedor a, cour o velho que estava esquecido, oucom a famíÌia mal comprendida por ele.

A segunda razão que justifica um acompanharnento dos familiares do idoso dizrespeito à importância de que se processeÌl algunras modificações na forma do en-tendimento e do relacionamento recíprocos entre o velho e a sua família. Isso se fazatravés do assinalamento de algum tipo de conduta, nir maioria das vezes não-consci-entes, e que pode gerar um círculo v ic ioso maì igno le lat ivo aos problemas daradicalização de papéis e para aqueles qì.Ìe são pcrtiÍìentes aos "mal-entendidos" dacomunicação.

Esse acompanhamento pode ficar restrito a rìm único familiar, o que é bastantecomum; entretanto, em determinados câsos, cr.Ì1 que predomina uma nítida existênciade conflitos intrafamiliares - os quais muitas vezes rcfletem uma dissociação de ati-tudes ambivalentes e contraditórias em relaçiro ao vellro -, creio ser muito mais útil e

. produtivo instituir algunra fbrrna de acompanhanrento do grupo familiar, com o mai-

\ núrnero possível de familiares significativos. Crso contrário, é alto o risco de quesè instale um clima de confusão no aterdimento ao velho, quando não de um verda-deiro caos.

Uma das medidas práticas para reduzir a possibilidade de um clima de atendi-mento confusional consiste na necessidade de estabclcccr com os familiares, de for-ma bastante clara, umr série de combinlçõcs leltrentcs a horários, honorírrios, férias,assim como os direitos e deveres de cada um ro Ìlrogfamiì de tratamento. Enì relâçãoàs férias, opto por programí-las para o inverno, clc modo ir poder continuar atendendono período de verão, no qual habitualmerrte os l'anriliarcs viajam, o qr:e torna a minhaproximidade junto ao idoso uma forte scgrÌrlnça prÌra todos.

Faço questão de deixar bem claro que não cstou pr opondo umiì /e/zpíu de famí-lia, mas sim tm acomptutluunento de familiarcs, scmpre levando em conta que osproblemas debatidos em grupo ginm exclusivanrente em tomo daqueles que envolvemdiretamente o velho, com quenr eles corvivcm c tônr ulgum grau de responsabilidade.

Na minha experiência, observo que a sinrplcs entrada do técnico no campoansiogênico do grupo familiar, por si só, jír lecluz pela rnctade a ansiedade que acompa-nha cada um da família, e esta como um todo. Entrclanto, deve-se estar muito atentopara a possibiìidade de q e esta tranqiiil izaçio d os fanriliares possa estâr representandouma fantasia dos mesmos de que agorl poderr rcspilar descansados porque delega-ram a responsabilidade do destino do velho pull aleLrérr que " entende do assunto" eque vai assumi-lo integralmente. E evidcnte cyLre rle lbrrla alguma se assume tal pa-pel, pois não é possível e tampouco desejín'el c út il; pclo contrário, o trabalho com osfamiliares é o de conscientizá-los quanto ao clLrinhÍo de responsabilidade de cada um,e ao mesmo tempo propiciar a possibiliclaclc rlc cncontlarem algum grau de gratifica-

ção em participarem dirctamente no proglama clc nrclhoria de qualidade de vida parao seu familiar idoso. Por conscguinte, o nìcsnìo valc para a futura veÌhice daquelesfamiliares que hojc ainda não são velhos...

Por essa razão, é indispensável qrìe o tócnico clcixe bem claro ao grupo famìliaro alcance e as limitaçóes de suas atribuiçõcs, clcsfirzendo qualquer ilusão exces-sìvamente idealizada que lhe venha a ser atribu ída.

Um outro aspecto que tenho obser-r,ado nilidlnìeÍÌte no curso do acompanha-mento do grupo de familiarcs dc idosos ó qLrc hír r.rrra trnsmissão tt' lnsgeneracionaÌ

CUIIO Ì R,\U,\LH.\\ IUs CU\I GRL PUs ' 337

de valores e condutas, isto é, a forma de como os mais jovens tratam os ar'ós vai serepetir na maneira de como eles tratarão os seus próprios filhos e, da mesma forma,com os netos, e assim por diante, criando uma verdadeir-a cultura de valores e padrõesde conduta da família. A propósito, é interessante observar o quanto é comum que osfilhos de um velho em atendimento, durante o curso das reuniões com familiares,conscientizern-se do drama que representa para um velho ser esquecido pela famÍliae sociedade e solicitem a inclusão dos seus próprios filhos (logo, os netos do velho)no acompanhamento destes grupos, com a finalidade profilática destes virem a en-tender os problemas que cercam a velhice.

Creio que o maior benefício obtido com estes grupos com os familiares consistena definição e no clareamento dos respectivos papéis, posições e funções que cabe acada um desempenhâr no contexto familiar, da mesml forma como particuÌarmentetrabalhamos com o velho em relação ao seu lugar, seus direitos, deveres e, sobretudo,aos seus limites. Minha experiência confirmir qtre, qì.lanto mais claramente ficaremdefinidas e delimitadas as combinações dos irspectos antes mencionados, maisharmonicamente se processam os vínculos familiales, pois diminuem as recíprocascobranças, ressentimentos e culpas.

Habitualmente, procedo a uma reunião melsal com o grupo familiar, com aduração aproximadale uma hora, em meu local de trabalho privado, de uma maneiraformãl e profissional,ìiferentemente do que procedo com o velho que está aos meuscuidados, ao qual não costumo atender em meu consultório, para evitar um clima deformalismo e de um certo artificialismo.

Propugno no sentido de que haja a participação do maior número possível defamiliares mais significativos na vida do velho, costumeiramente, os filhos, genros,noras e, por vezes, alguns netos. Tais reuniões são feitas sem a presença do velho, e,por outro lado, elas podem contar eventualmente com a presença de algum outrotécnico que possa prestar alguns esclarecimentos mais específicos, de âlguma outraárea que não propriamente a minha. Nestes últimos casos, é comum que eu solicite apresença do psiquiatra, neurologista ou do médico clínico que acompanha o caso,etc., porém reservo para mim o papel do técnico cetúraliz.ador ou seja, sou eu quemnormalmente sugere os demais profissionais, e, nesta função de "meio de campo",executo um importante contato entre a família e o velho, assim como um contatoentre a família e o pessoal que de alguma forma trabalha mais diretamente com ovelho, como é o caso de aÌgum médico, enfermeiro(a), ernpregada doméstica, profes-sor de atividades físicas, atendentes, etc.

Acontecem coisas muito interessantes nessas teuniões com o grupo familiar.Por exemplo: uma das alegações mais freqiietìtes, por parte dos filhos, é a de que"nós nunca fomos velhos, não sabemos o que fazet com o velho". Nota-se, aí, queeles estão realmente atrapalhados, então, a partir dos esclarecimentos de uma orien-tação com diretrizes consistentes e coereÍìtes, a configuração grupal relativa ao velhopode mudar substancialmente, com a saída de un.ì estereotipado círculo viciosodesestruturante e a possibiÌidade de ingressarmos em ì.Ìm círcuìo virtuoso estruturante.

Também é comum acontecer que algum farriliar solicite para falar separada-mente comigo, porque ele quer dizer alguma coisa qr"re ele não gostaria que fosseouvida publicamente, como é o caso, por exemplo, de confessar que "eu não gosto deminha mãe, tenho sérias dificuldades com ela, e prefiro manter a maior distânciapossível dela...". É importante encarar esse tipo de desabafo como um momento muitosignificativo para a nossa tarefa, pois ele está r'epleseutardo não só um aÌívio para asculpas do familiar, por ele poder expressíìr sentirnentos negativos sem sofrer censuraou desaprovação moralística, mas também pclo fato de que essa difícil confìssão

338 . zusnvlru a osonto

pode estar significando um clima de uma necessírrìa confiança e veracidade comigo.Este último aspecto, sem a menor sombra de dúvida, representa um dos fatores maisimportantes para o êxito de nosso trabalho.

Um outro aspecto que costuma oconer com uma certa freqüência é o que dizrespeito ao fato de alguns familiares não mais voltarem a participar das reuniões, sobas alegações de que o tempo não permite, que estão com compromissos e ocupaçõesinadiáveis, etc. Nesses casos, devemos envidar esforços para poder reverter a priori-dade de suas ocupações, porém sem "comprar briga" e nos dispormos a trabalharcom aquelas pessoas do grupo familiar que reaÌmente têm condições e estão motiva-das para trabalharem com seriedade e dignidade.

Grupo de capacitação com equipe de atendimento

Este grupo é realizado ccm o "pessoal que trabalha com o velho", e isso alude tantoaos técnicos propriamente ditos, com os quais eu mantenho cursos regulares de for-mação de natureza gerontológica, como também diz respeito ao pessoal auxiliar que

, presta serviços de manutenção e preenchimento das necessidades básicas para a so-

\revivência do velho que esteja desamparado, em alguma forma e grau.A experiência me ensinou que a "novit família do velho", representada pelas

pessoas que o cercam mais diretamente, e diariamente - como é o caso de algumaempregada, atendentes, "dama de companhia", eventr.ral motorista, etc. - podem sermais significativos na estruturação psìcológica do velho do que a sua família real, nahipótese em que os seus familiares verdadeiros se limitam ao cumprimento de umavisita esporádica, ou não.

Justamente por valorizar sobremaneim a impoltância desse pessoal auxiliar éque costumo fazer um acompanhamento personaÌizado com cada um deles, sendoque, em algumas ocasiões, decido reunilos em um grupo para desfazermos equívo-cos, recíprocas "fofocas", mal-entendidos, surdos ressentimentos, atitudes contradi-tórias e paradoxais para com o velho, etc., com o objetivo de trabalhar a postura delesdiante do mesmo.

Da mesma forma como foi acentuado em relação aos familiares, também com opessoal auxiliar é necessário manter de maneila bastante clara a definição e a delim!tação dos papéis, objetivos e funçóes de cada um em separado.

Algumas dessas pessoas acompanhaÌltes, pelo seu grau de representatividade navida do idoso, são entrevistadas em meu consultório, de forma regular e sistemática,num ritmo quinzenal; tal procedimento tem se revelado de uma significativa importân-cia, pois alivia ansiedades - e é bem conhecido o fato de que a ansiedade se comportacomo um vírus, isto é, a ansiedade de cada um contagia o outro e cria uma atmosferapor vezes foÍemente ansiogênìca, cuja pantalha mais sensível é a pessoa do idoso.

E gratificante perceber que as pessoiÌs que compÒem o grupo de atendimentoauxiliar, por mais humilde que algum deles possa ser, conseguem adquirir a capaci-dade de valorizar a importância de uma qLnlidade de vida, estabelecer as diferençaspessoais na forma de cada um ser e estilo de trabaÌhar, respeitar ao outÍo para podervir a ser respeitado, e especiaìmente de poder extrair um aprendizado com as experi-ências - tanto as gratificantes quanto as frustrantes no convívio íntimo com o ve-lho. A aquisição dessa capacidade de respeitar para ser respeitado passa a ficar exten-siva para o psiquismo, logo, das atitudes, do própr io velho.

E muìto comum que o grande foco de atritos e de angústia neste pessoal auxiliaradvenha não tanto do trato direto com o velho. mas- sim. como resultado da interfe-

colloTR,\8.\Llt,\\:os co]Í cRupos . 339

rência dos familiares, os quais se julgam no direito de fazer cobrarças. acusações editar normas que por vezes são bastante contraditórias com as de outros familiaresque igualmente sejulgam no mesmo direito. Náo siro raras as vezes em que é possír.elperceber que esse tipo de conduta intrusiva por pa e de alguns familiares se der.e auma necessidade, não deliberadamente conscieÍìte, de mostrar para si mesmo e paraos outros que está realmente interessado e participante na recuperação dos t"ur pro-genitores, assim se eximindo das culpas decorrentes do seu abandono afetivo.

Considero ser de especial importância que predomine um clima de harmonia.respeito e valorização, de forma recíproca, entre o pessoal auxiliar de atendimento eos familiares do velho. No meu papel de íntennetliatlort costumo estimular os familia-res a definirem com os atendentes, com muita clareza, as combinações do tipo detrabalho que terão que desempenhar, direitos trabalhistas, folgas, critérios de paga-mento e coisas afins, pois tais aspectos são os que mais comumente geram situaçõesdifíceis e constrangedores, as quais, como frisei aÌìtes, vão repercutir mais diretamenteno próprio idoso, que funciona costumeiramente conro sendo a caixa de ressonânciados aludidos desentendimentos. Da mesma fonÌìa, incentivo os familiâres a gratifica-rem os atendentes com uma atitude realmente sìrtceru, de forma adequada e semexageros, com alguma quantia de dinheiro ou presente, por ocasião de alguma datafestiva, ou como retribuição a alguma hora de serviço extra, etc. Via de regra, esse tipode conduta proqove uma atinrde igualmente sinccla por parte do pessoal auxiliaç numaaritude de desvéÌ5 no trato com o velho, inclusive dispensando afetuosos cuidadoscorporais a este, como o da escolha de roupas adequadas, um breve passeio, um pente-ado caprichado, etc. Não custa repetir que estes úl(imos cuidados são mais alusivospara aqueles velhos que estão sem condições completas de cuidarem de si próprios.

Um outro aspecto importante que decorre das reuniões com o pessoal que dis-pensa os cuidados primários ao veÌho é o fato cle eu servir como um modelo de iden-tificação em relação à forma como encaro e lido conr queixas, pedidos, angústias edificuldades do velho, ou de que critérios uso para dispensar uma maior ou menorpreocupação para determinado sintoma orgânico cour a respectiva atitude a ser toma-da, ou alguma recomendação de ordem dietética e medicamentosa, e assim por dian-te. Dessa maneira, incentivo o atendente que mris diretamente convive com o veÌhoa se dar ao direito de entrar em contâto comigo, com o psiquiatra, ou o médico clíni-co, diante das freqüentes situações do velho em mostrar intolerância a um certo me-dicamento, uma recusa em fazer um exercício prescrito, uma insônia pertinaz, etc.

Tais iniciativas concedidas ao pessoal auxiÌiar sempre serão avaliadas e discuti-das nas reuniões conjuntas comigo, juntíìmente corìì oLÌtros âssuntos de livre escolhado grupo, sendo que nunca abro mão do meu papeÌ de figura centralizadora eintegradora das distintas fontes que de uma folrna ou outra têm participação nestecontinuado processo de propiciar uma melhor qualidade de vida ao velho.

Em relação às reuniões de treinamento e capacitaçiro para os técnicos que traba-lharão mais diretamente com os velhos e as respcctivas famílias, além de um progÍa-ma de seminários sistemáticos de fundamentos teór icos e técnicos, com a Curlção deI ano e encontros semanais, eu dedico atençiÌo especial à transmissão de uma itleolo-gia que cerca o problema da velhice. Essa ideologla consiste em desenvolver umaatilude psíquica interna, não só relativa aos cuidatlos de atendimento com algumvelho em particular inserido em seu contexto sócio-farniliaq mas dedicamos umagrande fatia de nosso tempo para a Ìivre discrÌssão e a reflexão dos problemas deâmbito sociológico. Assim, despeÍamos a consciência e a preocupação pelos probÌe-mas socias, econômicos, culturais e os da precíu ia assistência estatal que cercam avelhice. Mais do que isso, procuramos iralém do objetivo de atendimento propriamenÌe

340 r zlrrlenrrl,cN aosonro

dito, e ingressar n a âret da educação da população em geral, através de programas damídia palestras, programas comunitários, etc., de sorte a procurar modific aÍ amenta-Iídade preconceituosa que denigre e prejudicâ o reconhecimento do velho como al-guém que deveria ter direitos de viver em condições relativamente iguais às de qual-quer outra pessoa.

Um bom exemplo de como é possível envolver a comunidade em progrÍrmasque dignifiquem a imagem do idoso como pessoa capaz e produtiva consiste na exe-cução de um projeto que criamos, que mobilizou tanto a grupalidade de técnicoscomo uma equipe de trabalho solidário, bem como provocou uma repercussão positiva em diversas camadas sociais e, principalmente, na população idosa. Estou mereferindo ao programa de umTorneio de Natação especifïcamente dirigido a idosos,que já foi realizado por 2 anos consecutivos e que dado ao sucesso alcançado estásendo cogitado para fazer parte integrante do calendário oficial dos eventos esportivos promovidos pela Federação de Natação do Rio Grande do Sul.

A referida promoção não se limita à disputa na piscina, com o incentivo daentrega de medalhas aos vencedores: a festa se prolonga com uma ampla confrater-nizaçáo de comes e bebes, música e dança entre os atletas idosos, familiares, técni-cos, público em geral, com o acompanhamento por órgãos de divulgação, particular-mente com as imasens transmitidas oela televisão. de velhos saudáveis e felizes.

coNsqpRAçoES FrNArs

À guisa de resumo e conclusões, mencionarei, de forma bastante sintética, alguns dosprincipais aspectos que dizem respeito à velhice, assim como farei alguns comentári-os quanto às diversas modalidades de atendimento de velhos, mais particularmenteas que utilizam o recurso grupal.

. É importante destacar que o idoso, em essência, e como regra, não é tão frágile "acabado" quanto ele próprio e os demais pensam que ele seja. Vale a recomenda-ção técnica de que os responsáveis pelo seu atendimento não enfoqt'em unicamente olado negativo - que é inerente ao inevitável declínio físico e provavelmente mentaldo velho - mas, sim, que a nossa atenção se volte igualmente para a sua reserva decapacidades positivas, que estão à espera de serem acreditadas e estimuladas poralguém que realmente goste deles.

. É comum observar que, diante de crises existenciais - como, dentre outras, ado intercurso de alguma doença, a perda de alguma pessoa impoÍante e notadamenteapós a aposentadoria (que parecia tão almejada) -, o idoso entre em um estado deinércia física e psíquica. O risco é que ele "vista o pijama" e se instale uma progres-siva cronificação dessa apatia vital. E justamente neste período que deve haver algu-ma programação de incentivo e estímulo, físico, mental e psíquico.

. É bastante freqüente que neste crítico período da aposentadoria eclodam sinto-mas da esfera psiquiátrica, como o surgimento de quadros depressivos graves, inclu-sive com a possibilidade de risco de suicídio, manifestações de alcoolismo, etc. Porconseguinte, toma-se útil a instituição de programas de reeducação para aposenta-dos, o que pode ser feito através de recursos grupalísticos.

coltí l TR \3 ì l-H \\ tos co\í cRrPo5 . 341

. Por tudo isso, pode-se afirmar que o maior objetilo de assistência ao r eÌho é ode lhe devolver a dignidade, e promover a reativaçi'Ìo de suas capacidades. arrar'és deum redirecionamento das mesmas para atividades compatí\'eis com as sua-s possibili-dades e limitações. Neste particular, no meu enteÌ'ìder, a utilização do recursogrupalístico adquire uma importância especialíssima, embora ele ainda esreia sendomuito pouco utilizado.

. Os grupos com idosos peÍÍnitem uma variabilidade de técnicas e táticas ope-rativas; no entanto, em todas elas encontramos alguns elementos comuns que funcio-nam como fatores terapêuticos, dentre os quais vâle a pena destacar os sesuintes:

l) A abertura de um novo espaço adequado para o estravasamento de emoçõesque ora estão contidas dentro de cada velho, ora são despejadas nas demaispessoas da casa, que já estão "cheias" e não mais as escutam. Esta últimaatihrde gera uma circularidade progressivâmente viciosa, pois, quanto menoso velho se sente entendido e escutado, mais ele sente necessidade de expres-saÌ-se através de queixas, lamúrias e acusações.

2) O grupo pode funcionar como um canal cle contunicaçtío - que muitas vezesestá deteriorado - entre o velho e os familiares, se partirmos da premissa dequeÈÍÉcnico responsável pelo atendimento do idoso mantém paraleÌamentereuniões com o grupo de familiares.

3) A técnica utilizada nos grupos com os idosos, ou com os familiares, nãoconsiste de interpretações de natureza psicanalítica (muito embora eventual-mente elas possam ser utilizadas); pelo contriirrio, cremos que os assinalamentosdo técnico devem ser de natureza cogrútiva. Isso impÌica o fato de que ofuncionamento do grupo visa a estimular o conhecimento dos problemas re-lativos à velhice tanto no que se refer e aos aspectos profiláticos como tam-bém aos de cura e reabilitação, os físicos e os psicológicos.

4) O grupo propicia o resgate de uma ressociolizaçã.o, porquanto os velhos sesentem reconhecidos, falam um mesmo idioma emocional e freqüentementese formam verdadeiras amizades entre alguns deles.

5) A dificuldade maìor no emprego de grupos com idosos consiste justamenteno fotor social, se levarmos em contiì que o desamparo real exterior - quer oda sociedade, da desinformação cultural, das autoridades responsáveis peìapolítica, como também a eventualidade de desamparo provindo de um aban-dono por parte da família - assume proporções tão gigantescas, que dificultasobremaneira o despertar no velho do gosto e direito de viver a vida. Umprimeiro passo para enfrentar esse seríssirno problema seria o da criação deProgramas de Educação dirigidos à população em geral, inclusive com a uti-lização de grupos de discussão.

. A implantação desses Prograrnas de Educação estájustificada no fato de queem nossa cultura existe uma espécie de gerorttofobia, ou seja, há uma generalizadaevitação de um contato mais íntimo com o velho. Essa "fobia" ao veÌho deve serentendida como uma reação por parte daqueles que têm um verdadeiro pavor deconfrontar-se com a sua futura velhice.

. Por tudo isso, além de uma necessária criação e expânsão dos Centros deLazer e Educação Pennanente para idosos e o estíÌrìì.ìlo à r.rtil ização dos recursosgrupalísticos, impõe-se igualmente, como LÌr'rìiÌ iÌììportante nredida profilática- a di-

342 . ZMERMAN&osoRlo

vulgação pelos órgáos da mídia dos aspectos educacionais antes aludidos, que visem,acima de tudo, auma mudança de mentalidatle acerca do velho e da velhice.

Como exemplo desta última assertivâ, vale destacar a importância de umaconscientização de todos - desde as crianças até os próprios idosos - de que avelhicenão é sinônimo de doença. Assím, embora potencialmente a velhice represente umafacilitação para a instalação de prejuízos e de doenças, ela também pode representara possibilidade de viver com sabedoria, prazer,lazer e dignidade.

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sembléia Mundial sobre Envelhecimento.

PARTE 5Prâtica comGrupos na Áreado Ensino e daAprendizagem

3IGrupos de ReflexãoLUIZ CARLOS ILLAFONT CORONEL

nrsrónrco E coNcErroMuitas vezes, o início de um método científico é extremamente difícil de localizar notempo e no eseço. A literatura sobre o tem;ì "grupo de reflexão" aponta na direçãode um trabalholue foi realizado, pela primeira vez, em Bawdsey, na Inglaterra, noano de 1938. Foi formado então um grupo coordenado pelo prêmio nobel de física,Blackett, com o intuito de verificar o uso operotìvo que o radar poderia ter. EssegÍupo era interdisciplinar e não tinha nenhr.rm especialista em radar, embora fossecomposto de pessoas do mais alto nível científico e estivesse dentro dos esforços daguerra que então a Inglaterra e o mundo ocidental travavam com as forças nazistas. Ométodo não só rendeu frutos como permanecelÌ, por tel sido satisfatório e exitoso nopós-guerra.

Este movimento chegou a expandir-se para o continente europeu, alcançandoinclusive o novo mundo, onde alguns países constituíram socìedades de pesquisaoperacional ou, como ficou conhecido, "método de indagação operativa" (a desig-nação original era operatìonal researclr). Na Argentina, também foi constituída umasociedade nesses moldes. E nesse terreno ideológico que surge a importante figura dopsicanalista Enrique Pichon-Rivière que, em l958, realiza a primeira experiênciainterdisciplinar na Universidade do Litoral ern Rosário, a primeira de "indagaçãooperativa". A partir dessa experiência e realizando outr-as, Pichon desenvolveu a teo-ria e a técnica do que denominou "grupos opelativos".

Importantes contribuições para tal desenvolvimento teórico foram as experiên-cias dos chamados "laboratórios sociais" conduzidos por Kurt Lewin, os quais surgi-ram em 1946 em Connecticut, Estados Unidos da Amér'ica. Nessa experiência, Lewine outros usaram a discussão em grupo e o desempenho de papéis visando a diagnos-ticar alterações de conduta que interferissem na solução dos problemas apresentados.Os resultados foram tão satisfatórios que os grupos de capacitação em habilidadesbásicas - Basic Skill Training (BST) - como ficar am conhecidos, desenvolveram-se,e em 1949 originaram os Íraütìng grorrps - gnrpos T. Os grupos BST treinavam paraa ação, ensinando como operar com gÌïpos, ao passo que os grupos T, para a indaga-ção do que ocorria com os membros de tais grupos.

Os grupos operativos de Pichon-Rivière apóiam-se nessas bases conceituris,acrescidas dos desenvolvimentos do referencial psicanalítico. Segundo as própriaspalavras de Pichon-Rivière: "O grupo operativo ó o campo parâ a indagação ativa pormeio de técnicas que Kurt Lewin chama de labolatório social". e esclarecendo seus

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objetivos: "tarefa do grupo operativo; quando o objetivo seja terapêutico apontará aresolver a ansiedade do grupo; quando uma disciplinÍ'.

Os grupos de reflexão resultam da experiência de ensino e formação de grupo-terapeutas conduzidos por Alejo Dellarossa, em 1970, na Associação Argentina dePsicologia e Psicoterapia de Grupo e constituem um grupo operativo, tal como foiconceituado por Pichon-Rivière, ou seja, nas próprias palavras de Dellarossa, "o ob-jetivo da formação desses grupos era que permitissem elaborar as tensões que segeravam no trabalho com os pacientes psiquiátricos e nas diferentes atividades comos professores e coordenadores da instituição assistencial", referindo-se a uma dasexperiências conduzidas com os grupos de reflexão. Assim, o grupo de reflexão é umgrupo operativo aplicado ao ensino/aprendizado.

Qual é a razão que leva Dellarossa a designar de um modo diferente esse grupooperativo? A principal razão, segundo o próprio, é que os grupos operativos enfatizamo aspecto operacional, o aspecto operativo, a ação. E como tiverâm um desenvolvi-mento e disseminação muito grandes, aconteceu uma espécie de "risco de diluição"do conceito, onde qualquer reunião de pessoas em nível assistencial, ou de ensino,ficava sendo sinônimo de grupo operativo. Dessa forma, com a expressão "grupo dereflexão", Dellarossa pretende enfatizar o reÍletir, o indagar as tensões oriundas doprocesso de ensino/aprendizado.

O fato é que, em seu desenvolvimento também exitoso, os grupos de reflexãoeJlcontraram uma aplicação em outros campos que não apenas o do ensino/aprendi-ziila. Passaram a ser um instrumento extremamente ÍÌtil e valioso para outras situa-ções onde surgissem tensões grüpais decorrentes da realização de outras tarefas (tra-balho etc.).

Podemos então dizer que os grupos de reflexão, embora encontrem sua aplica-ção principal no campo do ensino e formação, abrangem áreas mais amplas das rela-ções humanas e de seus problemas. O traço distintivo maior que permanece é emrelação aos gnrpos terapêuticos, porque não vìsam ao trâtâmento das pessoas e sim,exclusivamente, o aprendizado orientar-se-á para a'resolução das ansiedades ligadasao aprendizado de "tensões originadas" em seus estudos, sua formação, seu trabalho,sua convivência institucional. Obviamente, quando esses grupos são bem-sucedidos,eles acabam tendo efeitos teranêuticos.

ASPECTOS TÉCNICOS

Toda abordagem técnica, nos grupos de reflexão, visa à remoção das dificuldadesque estão impedindo que os grupos realizem suiìs tarefas (seja de ensino/aprendiza-do, trabalho, etc.). Essas dificuldades são as "tensões grupais" (na expressão deDellarossa) e apresentam-se fenomenologicamente como clima de discórdia, confl!tos intensos, competição exacerbada, elevada ansiedade e, às vezes, paralisia dasatividades. Em suma, o grupo não está conseguindo estudar, conviver ou trabalhar,ou, se consegue, o custo emocional é muito elevado.

Este deve ser o foco das atenções do coordenador, isto é, fazer-se a pergunta:Porque o grupo não está conseguindo realizar o que pretendia? A resposta ou osindicadores da mesma etapa é que irão determinar o plano de trabalho com o grupo.Denomino essa etapa diagnose situacional, ou seja, de formulação de uma hipótesediagnóstica da situação e de qual é (ou quais são) o(s) problema(s) que está(ão) impe-dindo o grupo de efetuÍrrem suas tarefas. Em algumas oportunidades, o trabalho com

co\to TRIB,\LHA\ÍOS CO\t CRLPOS . 347

o grupo será somente este, no caso do grupo ficar satisfeito com a comDreensào e oalívio obtidos nesse processo (conforme o exemplo n" l).

Nacondução das sessões, valorizamos, em primeiro lugar, acomunicacão erupai,examinando os obsLáculos a que ela se estabeleça, particularmente o, mãl-.ntendi-dos, as distorções, os paradoxos, etc. Dessa forma, removem-se os obstáculos oarafalarem ou ouvirem de modo verdadeiro e não apenas formalmente.

A comunicação tomando-se mais Ìivre e espontânea permitirá que surja o quepodemos chamar de conrtguração íanÍannátìca, ot seja, a "tensão" específica ãa-quele grupo e que não está permitindo que trabalhe normalmente. Essa cônfisuracãocompõe-se de fantasmas, ansiedades, em um todo relativamente integrado. nisim. noexemplo no l, o gnrpo sentia-se dando "tudo" e recebendo "pouco", carente de .,reco_nhecimento", e, no exemplo n'2, havia um sentimento generalizado de terem sido"abandonados", por isso estavam desanimados ou ambivâlentes com o serviço. Já noexemplo n' 3, como era um novo Programa de Residência Médica, apresentâvam-semuito_queixosos e beligerantes por não terem um "serviço pronto, acabado e perfei_to". No caso do exemplo n'4, oscilavam entre sentirem-se "os melhores e eleìtos', ea "desilusão" de estarem começando a formação (de grupo-terapeutas, no caso), ten-do um longo caminho a perconer

- Após a detecção da conjlguraçã.o fantasnttítica específica da situação, podemos

fazer uma devqlução para o grupo de nosso enteudimento. Caso faça sentião para ogrupo, promov8ão uma mudança de atitude mental coletiva: no exemplo n. l, ãeixa-ram de sentir-se "explorados e sugados" e puderam trabalhar, realisticamente, as alter-nativas que tinham para sair daquela situação; assim, também no exemplo no 3, saÊram da posição de ataque e queixas, desejando unt serviço "prol.ìto e perfeito,,e con-seguiram trabalharjunto com os preceptores e pr.ofessores na estruturação do setor.

As intervenções do coordenador devem visar sempre aognqo, em suas dificulda-des e ansiedades, e nunca aos indivídrros. Acreditarnos que essa seia uma resra técni-ca da maior importância.

Finalizando esta paÍe, pensamos que contribui para dar um sentido de continui-dade no tempo e no espaço (muito importante para o desenvolvimento da identidadeindividual ou grupal) que seja feito, ao final de cada sessão e/ou de cada bloco desessões, uma espécie de síntese d,o que foi abordado e examinado.

APLICAçÕES PRÁTICÀS

Como exemplos de aplicações práticas, citamos o que segue:

Exemplo 1: trata-se de um grupo de reflexão realizado com profissionais daárea de saúde, em uma cidade do interior, que trabalham no principal hospital dacidade. Esse grupo, na sua história, tinha tido a opoltunidade de realizar um progra-ma de educação médica continuada e, tendo em vista que estavam com algumas difi-culdades em seu trabalho e nas suas relações, pediram ajuda. Com a finalidade detentar ajudá-los, realizamos um encontro de três horas com esse grupo. O grupo en-contrava-se reunido, com mais ou menos umas 50 pessoas, na hora e no local escolhi-dos. Quando chegamos, escolheram dar início aos trabalhos pela apresentação docoordenador e pela leitura de um relatório do diretor administrativo do hospital. Esserelatório salientava o esforço que a sua gestão estava fâzendo e as conquisìas atingi-das, entre as quais a ampliação do número de leitos da emergência, reforma e ampli-

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ação da lavanderiâ (passou a ser a maior da região, com capacidade para lavar algoem tomo de 15 mil quilos de roupas/mês). Após esse relato deixamos o grupo àvontade, procurando e estimulando uma comunicação livre e espontânea.

Surgiram, então, muitas queixas do setor administrativo relacionadas aos médi-cos, muitas queixas dos médicos com a administração, da enfermagem paÍa com osmédicos, dos auxiliares com a enfermagem e destes com os médicos e administração;também havia ameaças de setores da enfermagem, aparentemente por questões sala-riais, de greve para os próximos dias. A medida que o grupo progredia foram sendorevelados os conflitos, podendo ser francamente debatidos e entendidos. Pode-se verque havia uma tônica: do diretor administrativo até a mais modesta auxiliar de enfer-magem, todos sentiam-se dando o máximo e, ao mesmo tempo, pouco reconhecidosem seus esforços e remuneração.

Foi apontada, então, a "emergência" em que se encontrava o grupo e que a salaestava "ampliada" (com o coordenador e os demais participantes) e que esse estadode dar'1udo" e pouco ou nada "receber" tinha como uma de suas determinantes o nãoreconhecimento e valorização de um setor pelo outro. No entanto, demonstrava ogrupo, com sua iniciativa de refletir a respeito, o quanto estava ampliada sua capaci-dade de "lavar a roupa suja". Penso que o grupo, pelas notícias posteriores que tive,ao terem reasseguradas suas capacidades, pôde fazer um bom uso de sua "lavanderiae sala de emergência" e, assim, continuar trabalhando sem tanto desgaste emocional.

- Exemplo 2: o gnrpo que havia solicitado o atendimento era um setor de um

os$tal escola que atravessavâ a seguinte situação: acontecia uma mudança de che-fia. O chefe histórico do setor havia deixado o hospital e estava assumindo um novochefe.

Na ocasião foi realizado um trabalho de "reflexão" porum período de 3 meses,com encontros semanais de uma hora de duração, com a finalidade de ajudar o grupoa resolver essa dificuldade. As primeiras dúvidas deles apaÍeceram em tomo da situ-ação do berçário ser de alto risco, e existirem muitas crianças com lesão cerebral. Asdúvidas eram se valia ou não a pena investir nessas'crianças visto que, muitas vezes,obtendo alta, elas retomavam às suas famílias de oligem e não eram bem cuidadas,perdendo os progressos que haviam obtidos.

Através desse material o grupo comunicava suas dúvidas, no sentido de investirnovamente no berçário, no seu local de trabalho, tendo em vista que sentiam-se, talqual as crianças com lesão cerebral, prejudicados pelo imaginário abandono do "che-fe histórico" do setor. Esta era a "lesão" do grupo e, por isso mesmo, o conflito como novo chefe. Será que novamente não seriam "lesados" com ele (abandono); valeriaa pena investir no setor, nesta nova chefia, sem correrem o risco de novamente sesentirem abandonados?

Uma vez compreendida tal configuração, o grupo pôde elaborar a perda e voltara investir no serviço e no novo chefe, o qual permanece na função, passados cerca del0 anos.

Exemplo 3: essa terceira experiência foi com uma turma de médicos residentesde psiquiatria. Os encontros eram semanais, durante um período de 2 anos. Eram asprimeiras turmas deste programa de residencia médica, a qual se desenvolvia em umhospital, que ainda não tinha tradição psiquiátrica formada e firmada, com todas asdificuldades oriundas de um serviço novo. O primeiro e o segundo ano desse grupode reflexão foram dominados pela preocupação e por temores de que o serviço e o

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co\ro TRÂ8.\Ll iÂ\10s co\Í 6RLPos . 349

grupo não se constituíssem, e que a chefia do serviço não fosse suficientemente "con-

tinente e forte" para que fizesse "acontecer", para qrÌe supenìsse as dificuldades deinstalação e de desenvolvimento deste servìço.

Vencida essa primeira etapa de ansiedades iniciais de constituicão do sen iço. eque o serviço se revelou uma "mãe" suficientemente boa e continente palìì ess:6angústias, pôde o grupo trabalhar os aspectos mais relativos às suas atitudes com oaprendizado, com a doença, com os pacientes e com a própria instituição.

Ao fazer o exame dessas âtitudes, foi possível promover mudanças biísicas nomodo de pensaq compreendendo que a boa formação não era como ditava um p€nsa-mento obsessivo e estereotipado (perfeito), mas significava o desenvoh'imento dacapacidade de "aprender a aprender".

Exemplo 4: trata-se de uma turma de alunos de um curso de formação emgrupoterapia, freqüência semanal, com encontros de uma hora, desenvolvidos duran-te 2 anos. O objetivo era refÌetir sobre o aprendizado e as ansiedades decorrentesdeste, e de estar em grupo. O primeiro ano deste grupo obedeceu ao seguinte movimen-to: inicialmente todos eram iguais, irmãos, colegas, amigos, de alguma forma "elei-tos" e um sentimento eufórico configurando aquilo que Anzieu chamou ilusão grupal.Ao final do primeiro ano, começaram a surgir as diferenças: nem todos tinham amesma facilidade, alguns eram melhor dotados, etc. O desempenho diferenciado evi-denciava que uma parte do grupo estava por "obrigação", outra, por "escolha", etc.

$Iavia também preocupações e temores ligados ao início da parte técnica (no 2"ano).'A medida que o grïpo pôde compreender e aceitar as diferenças, entre si, depropósitos, expectativas e possibilidades, cresceu na sua identidade de grupoterapeutas.

CONCLUSÃO

Como vimos, os grupos de reflexão são grupos que têm como base e objetivo refletir,indagar, sobre o que está acontecendo com o grupo naquele momento ou naquelacircunstância. Podendo refletir sobre as "tensões" que acontecem, pode credenciar-se a promover as mudanças necessárias a fim de que possa trabalhar em conjunto etentar encontrar suas próprias soluções. Pela aplicaçÍo que encontra no terreno doensino/aprendizado dos grupos profissionais e institucionais, vemos que pode ser deextrema valia. E um instrumento privilegìado para operar nessas circunstâncias.

32Grupos de EducaçãoMédicaDAVID E. ZIMERMAN

O título original previsto para este capítulo era o de "Grupo de ensino-aprendizagemna área médica". Preferi a terminologia "educação" ao invés de "ensino" pelo fato deque, conforme nos mostra a etimologia desses dois termos, o ensino está mais volta-do para a transmissão de conhecimentos dentro dos alunos (a palavra ensino derivados étimos en, que quer dizer "dentro de", e signos, que significa "sinais", conheci-mentos), enquanto educação ahtde a uma facilitação do desabrochar de capacidadesjá existentes, porém em estado latente e, portanto, mal aproveitadas (a paìavra educa-ção procede dos étimos e,r, que significa "para forn", e de tlucare, que quer dizer"dirigir").

Para conceituar melhor a ideol,,gia de aplendizagem que está contida na dife-rença de significação de ambas as palavras que empreguei acima, vou me utilizar dametáfora empregada por Freud, que para distinguìr os propósitos da interpretaçãopsicanalítica inspirou-se em Leonardo da Vinci, que afirmou a existência de duasmodalidades de criação artística: avia di porre - ta,l como acontece com os pintoresque "colocam" as cores em um papel em branco (e que eu comparo com ensino) - ea via di levare - utilizada pelos escultores, que "retirâm" o excesso de um bloco demármore de modo a possibilitar o surgimento de uma figura que já "preeexistia" emseu interior (que comparo com educagda). Quero deixar claro que ambas as modali-dades são igualmente úteis, e elas não se excluem, pelo contrário, se complementam.

O tipo de grupo empregado para a finalidade de educação médica (poderia serpara advogados, professores, poÌíticos, etc.) pode ser definido como sendo o de gru-po operativo, mais precisamente, o de reflexão, tal como eles estão descritos noscaoítulos esnecíficos deste livro.'

É muiò difíciÌ fazer uma deÌimitação precisa entre grupo operativo e grupoterapêutico pela razão de que eles tangenciam e, muitas vezes, imbricam-se. Assim,todas as modalidades de grupos terapêuticos funcionam de acordo com os princípiosgerais dos grupos operativos, enquanto estes. reciprocamente, exercem, de formaindireta, uma inequívoca ação terapêuticâ.

A expressão "grupo operativo" é muito genérica, sendo que, em sua essência,designa mais propriamente uma ideologia do que uma técnica específica. Essa ideo-logia,lato sensu,visa sempre a um aprendizado conectado com uma mudança psico-lógica (atitudes), especialmente a de aprender a aprentler.

352 . ZMERMAN & osoRro

Como já foi frisado, o grupo operativo comporta muitas variações técnicas etáticas e, conseqüentemente, muitas subdenominações, sendo que, pelas razões jáexpostas - especialmente a de desenvolver a capacidade de refletir, isto é, a capaci-dade para pensar as experiências emocionais -, vale considerar como sendo grupo dereflexão a técnica empregada nos quatro exemplos que utilizarei neste capítulo.

EXEMPLO 1

Pela crescente importância que essa técnica vem desempenhando na área de ensino-aprendizagem e pela razão de comprovar que os fenômenos do campo grupal tambémse reproduzem em grupos que não têm uma finalidade terapêutica precípua - apesarde, como antes foi dito, promover modificações psicológicas -, exemplificaremosmais detalhadamente o funcionamento de um grupo de reflexão que durou 2 anos eque foi realizado com médicos residentes de um hospital-escola com a finalidade depromover um ProgÍama de Educação Médica Continuada (PEC). (Zimerman, 1986)

A ilustração que segue se refere à primeira reunião. Uma semana antes, os mé-dicos foram comunicados de que a residência plopiciaria um PEC com vistas à rela-ção médico-paciente e que a participação ao mesmo não era obrigatória. De um totalde 30 residentes, aproximadamente, um pouco mais da metade se fazia presente,entre homens e mulheres, todos muitojovens. Além deles, o médico chefe, diretamenteresponsável pelo ensino, e eu, como coordenador do grupo de reflexão.

Na hora aprazada, apresentei-me e fiz um curto preâmbulo para destacar que anossa atividade seria a de, em conjunto, refletirmos acerca das inter-relações que omédico tem com o doente, a doença, os colegas, os familiares do doente, assim comoa medicina em geral, a partir de relatos de quaisquer situações que eles trouxessem,da forma mais livre possível.

Seguiu-se um silêncio, enquanto todos me olhavam com expectativa, algunscom canetas e bloco de anotações à mostra. No momento em que me pareceu quedavam sinais de inquietação crescente, fiz a plimeira observação, assinalando que,justificadamente, estavam algo aturdidos, pois era uma situação nova com a qual nãoestavam familiarizados e, por isso mesmo, tendiam a se proteger no quejá conheci-am, isto é, num clima próprio de aula magistral. Sorriram e fez-se a sugestão para quedispuséssemos as cadeiras em círculo, a fim de "aquecer mais", como disse um deles.

Assim foi feito, com algum alarido descontraído, após o que se seguiu um novosilêncio tenso, até que uma residente perguntou que tipo de caso eu preferia que fossetrazido. Repassei a pergunta ao grupo, o qual respondeu, com manifestações tímidas,que eu é que entendia disso e que deveria orientír-los. Fiz minha segunda observação:a de que num nível lógico eles sabiam - porque havíamos combinado - que qualquerassunto serviria como poÍa de entrada para as nossas reflexões, mas que, naquelemomento, diante de uma situação desconhecida, estavam operando num nível pré-lógico, ou seja, não estavam conseguindo usar a sua plena liberdade. Assim, conferi-íun-me o papel de "grande" que sabe tudo, enquanto eles ficariam com o papel de"pequenos", precisando pedir permissão e orientação para as suas iniciativas.

A maioria assentia com a cabeça e a mesma residente disse que queria discutirum caso clínico que a embaraçava muito: tratava-se de uma paciente sua, mulherjovem que se queixava de frigidez sexual. A médica não sabia o que fazer, "nem mesentia médica e me vi impelida a dar conselhos e aulinhas". Com pequenos estímulosmeus, alguns outros participantes trouxeram situações e angústias semelhantes em

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outros pacientes seus. A seguir, o grupo manifestou a espemnça de que eu tivessealguma "dica" para solucionar tais casos. Observei-lhes que tallez os decepcionasse,mas eu não tinha dicas mágicas para dar, e até, por outro lado, perguntava-lhes se. aoinvés de derramar meus conhecimentos (aulinhas), não topariam fazermos uma refle-xão conjunta acerca do que estaria se passando com as referidas pacientes fígidas nofundo da personalidade delas, como um todo.

As colocações e as hipóteses que passaram a fazer giraram em tomo de possí-veis medos de suas pacientes frígidas, tanto os antigos e internos como os atuaisligados à realidade do risco de gravidez, doenças, aborto: e a não-confiabilidade des-sas pacientes em relação aos respectivos companheiros.

O trabalho grupal vinha se desenvolvendo em uma atmosfera algo fria e tímida,pois só uma minoria participava verbalmente. Fìz um assinalamento, sob a forma delhes questionar se, de certa maneira, não teriam escolhido o enfoque em mulheresfígidas como um modo - não-intencional é claro - de me comunicar que também ogrupo se sentia frígido em relação à nossa atividade, à nossa "relação", porque, aexemplo dos pacientes, também eles estavam sentiÌrdo rnedo e não sabiam se podiamconfiar no parceiro: eu.

A resposta não se fez esperar. Sabiam que eu era psicanalista e, como tal, deve-ria ter uma capacidade de raio X, e assim poder devassar a intimidade de cada um, ouaté, como expressou um dos que até então estava silencioso, se o meu propósitooculto não seria o de querer tratá-los. Outros verbalizaram a desconfiança de que euestivesse a mando da direção para observá-los e depois "dedar" os mais loucos, que,então, seriam expulsos da residência. Seguiram-se outras manifestações nessa linha,já agora em um clima acalorado, com o grupo aos poucos retomando a vontade dequerer entender o que se passava e o que fazer com aquelas pacientes.

Ao término da hora combinada, encerrei o grupo de reflexõo com uma observa-ção final: a de que eles poderiam compreender melhor o problema da frigidez se cadaum tivesse a capacidade de empatia, isto é, de poder colocar-se dentro da patologiadas pacientes. Para tanto, poderiam senlir em si mesmos o quanto também eles havi-am começado muito frígidos e, à medida que foram atenuando o medo e a desconfi-ança, forarn deixando aparecer as reais capacidades de uma participação quente.

O exemplo que utilizei pode dar uma idéia equivocada de que a tônica preva-lente dessa técnica seria a da interpretação transferencial. Ainda que o objetivo maiorseja o de tocar as emoções de cada Ìim, somente recorremos ao clareamentotransferencial propriamente dito, e. assim mesrno. ao grupo como um todo, e nuncaaos indivíduos isoladamente, quando, como no exemplo anterior, as ansiedades pré-tarefa estão intensificadas e tão emergentes que obstaculizariam a tarefa, caso nãofossem removidas.

O importânte a assinalar nesse exemplo é que o coordenador, ao invés de darrespostas diretas às questões levantadas pelos pafticipantes do grupo, preferiu utili-zar a técnica de fazê-los refletir (pensar) acerca das fortes experiências emocionaisque eles estavam vivenciando na sua cotidiana priiúica médica.

Um outro aspecto que merece ser destacado neste exemplo é o prop6sito docoordenador em desenvolver a capacidade de enpatia em cada um deles, isto é, acapacidade de pôr-se no lugar do outro, no caso, o paciente. Essa capacidade deempatia constitui-se como a condição mínima necessária para um adequado exercí-cio do ato médico.

354 . zraenlaer, a osonto

EXEMPLO 2

A vinheta que segue, de uma reunião posterior do grupo de reflexão do exemplo l,mostra com mais fidelidade como é o seu processamento habitual.

A atividade começa com um residente propondo que o grupo discuta a atitudeque deve ser tomada diante de "pacientes nervosos, que não colaboram e aindâ ofen-dem os médicos". Segue-se, por pârte de alguns, o aporte de distintas situações clíni-cas dessa natureza, até que a atenção de todos fica centralizada no relato de um episó-dio, oconido há pouco, em que uma paciente muito nervosa estava dando um showna enferÍnâria somente porque a sua cirurgia - salpingectomia - fora adiada. Elaalegava quejá se submetera à tricotomia, que só bem depois do horário previsto paraa cirurgia é que lhe deram uma explicação que não a satisfizera (disseram que acirurgia anterior se prolongara demais e que não havia outra sala, o que não lhe foidito é que a desorganização provinha de uma briga intema entre a equipe médica) eque ninguém sabia lhe dizer quando faria a tal cirurgia. No prontuário constava quesempre fora nervosa e que tinha um problema de tireóide. Foi-lhe dada uma boa"reprimenda", um aumento da dosagem de tranqüilizantes e solicitada uma investi-gação quanto a uma possível tireotoxicose.

No grupo, após uma troca de pontos de vista, um residente disse que queriatrocar "para um assunto completamente diferente", pois não podia deixar de relataruma situação que o estava indignando. Passou, então, a criticar, de forma exacerbada,a conduta do professor X., que reiteradamente chegava às t horas para uma atividadede ensino marcada para as 8. "Ele manda que nós ocupemos a hora inicial para aleitura dos prontuários, com fins de posterior discussão. Isso é embuste dele, é des-culpa para poder ficar dormindo mais. Ele nos enroÌa e quando chega muito tardeainda toma a iniciativa de nos criticar antes. E nós, trouxas, temos que acordar cedo,ficar bem quietinhos e ainda ouvir desaforos." .

Diferentemente do que fizera na primeirr reunião do grupo do exemplo anteri-or, o coordenador não precisou assinalar uma possível mensagem transferencial, por-que o clima era de confiança, e tampouco sentiu necessidade de remover obstáculosao livre fluir do trabalho. Preferiu mostrar que o último assunto trazido não era "com-pletamente diferente" dos anteriores; pelo contrário, eram iguais e se completavam.Assim, a justa indignação diante do professor "enrolador" era a mesma indignaçãoque a da paciente porque também ela se sentira enrolada, desrespeitada, oprimida e,ainda por cima, indicada como se fosse a cuÌpada.

O fato de os residentes se colocarem na condição da paciente indignada permi-tiu que entendessem - e sentissem - o "nervosismo" dela e que valorizassem o quan-to é imporlante respeitar e ser respeitado.

E)(EMPLO3

Há uma terceira modalidade de aplicação do grupo de reflexão com grupo de mé-dicos, sem o grau de classificação e de pretensão que descrevemos nos dois exemplosanteriores - especialmente o primeiro deles, que consistiu mais claramente no em-prego do referencial utilizado nas grupoterapias de base psicanalítrca.

Essa terceira modalidade grupal alude mais precisamente ao uso de uma técnicade natureza cognitiva, isto é, a de trabalhar com as funções conscientes do ego decadaum do grupo, como são as capacidades para perceber, pensar, conhecer, comuni-car, etc. A tática do coordenador consiste simplesmente em extrair, dentre os relatos

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de situações clínicas, alguma dificuldade relevante de quem está relatando. mas quecertamente deve estar sendo do interesse e da vivência emocional de todos os demaisdo grupo.

Vou exemplificar com uma situação trivial. Um médico relatava ao grupo umepisódio em que ele atendia uma moça que sofrera um sério acidente de carro. junta-mente com quatro outros amigos, sendo que ela foi a única a sofrer um fortetraumatismo físico - qual seja, uma contusão na coluna cervical que por pouco nãoseccionou a medula, o que significaria a tragédía de sobrevir uma terrível tetraplegia.

Ainda no hospital, com o pescoço imobilizado pelo aparelho ortotrÉdico. a paci-ente recebeu a visita do médico (que nos fazia o relato), o qual, ao entrar no quarto.exclamou satisfeito "que sorte tivestes...". A pacìente interrompeu abruptamente e.de uma forma indignada, quase aos gritos, protestou que estava sendo tratâda deforma injusta, pois ela teve "isso sim, um enorme azar; sorte tiveram os seus amigos,que nada sofreram...". Revoltada, ela quase expulsou o médico e ameaçou trocá-lopor um outro.

Tratava-se de uma reação evidentemente exageradíssima por parte da paciente,no entanto, compreensível se levarmos enì conta o intenso estresse emocional a queestava submetida, o trauma e a fadiga física, a imobilização no leito e a contenção daliberdade de uma livre movimentação, a suspensão das atividades normais, etc.

Neste caso, o coordenador limitou-se a propor ao grupo o exercício de umareflexão mais abrangente acerca dos problemas rclativos ao mal-entendido das comu-nicações. O grupo chegou a um consenso de que a formulação do médico, sem perdera sua espontaneidade e afetividade natural_, poderia tel sido algo como: "Diante doteu enorme azar, tivestes muita sorte...". E interessante registrar como os médicosdesse grupo que estamos exemplificando ficaram impressionados e mobilizados parafazerem uma profunda reflexão a respeito dos possíveis disnirbios de comunicaçãoque cercam atos aparentemente banais, entre eles e os pacientgs, familiares, colegas,etc.

Esse terceiro exemplo, conquanto seja por der.nais simples, permite verificar oquanto o relato único de uma situação clínica pode lepresentar uma discussão grupalde muita riqueza, centrada em algum tema que toca nas experiências emocionaisinerentes às vivências da prática médica, de cada um e de todos. No caso do exemplo,o tema foi o do mal-entendido da comunicação verbal, no entanto, os exemplos pode-riam se multiplicar com outros temas de igual importância.

EXEMPLO 4

Há 2 anos venho me reunindo regularmente (Ìlos primeiros tempos, quinzenalmente,e, na atualidade, mensalmente) com uma equipe de cirurgiões plásticos que criaram emantêm em funcionamento em um hospital-escola, um impoftante serviço de atendi-mento e de ensino-aprendizagem para médicos-residentes dos 3 anos de formação deespecialistas nessa área médica.

O motivo pelo quaÌ o líder deles me procul'ou consistia no fato de que, emborahouvesse um clima de uma aparente harmonia, pairava nm desconforto generalìzadona equipe, "algum cheiro de desagregação próxima". Além disso, também havia ummal-estar disseminado no Servìço, pois os residentes, em sua expressiva maioria,"não colaboravam, promoviam boicotes, agrediam-se reciprocamente e ao Serviçoatravés de condutas incompatíveis com uma adequada identidade médicâ (no tipo devestimentas, cuidados pré e pós-ciúrgicos, cumprimentos de horários, problemas

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Ddeuni-atos

356 . zwenueN p osonro

éticos, etc.). Essa situação se agravou após a entrada de dois médicos vindos de forae que, por convite, passaram a fazer parte da equipe principal.

A evolução do gmpo e das nuances técnicas nele empregadas tem sido tão inte-ressante, que por si só ele mereceria um artigo à parte. No entanto, paÍa os propósitosdo presente capítulo vou me restringir a assinalar seus movimentos principais, quepodem ser resumidos na sucessão das três etapas seguintes, com a duração média deoito meses cada uma delas.

Na primeira etapa, os assuntos trazidos pelos médicos desse gÌupo, sem exce-ção, ficavam centrados quase que exclusivamente nas múltiplas e variadas queixascontra os residentes, especialmente as que diziam respeito ao "boicote contra o apren-dizado e ao bom andamento do Serviço". A reação que essa atitude afrontadora dosresidentes despertava nos participantes do nosso grupo consistia no fato deles seimporem através de uma crescente demonstração de autoridade, a qual acabou poradquirir uma característica de âutoritarismo, constante de uma maior repressão, ame-aças de suspensão ou expulsão, sendo que as reuniões de "integração" do Serviçoeram tensas, com uma nítida divisão em dois gmpos: os da cúpula diretiva contra os"rebeldes" da residência.

Não foi difícil conseguir que o nosso grupo refletisse acerca do quanto poderi-am estar projetando nos residentes os seus próprios conflitos intemos, principalmen-te os ligados aos problemas de autoridade, podere reconhecimento de valor. O enfoquecentral da reflexão consistiu na compreensão do quanto os papéis e as posições esta-vam confundidos, como conseqüência de um jogo de identificações projetivas eintrojetivas entre todos eles, com o surgimento de ansiedades, actrngs, revides departe a par(e. etc.

A medida que os médicos foram modificando a sua atitude defensiva - e, porconseguinte, com as características de um controle agressivo e de aparência tirânica- foi possível reduzir significativamente o clima dó "guera". Paralelamente foi ins-tituído um manuâl impresso, com as diretrizes éticas e científicas, direitos e deveresde cada residente, assim como um conjunto de normas e procedimentos para as rotinas de atendimento e do ensino-aprendizagem. Esse código de valores passou a sertransmitÌdo para os residentes com clareza e coerência (acompanhando as modifica-ções do estado mental interno de cada um dos componentes cle nosso grupo), sem oclima anterior de ameaças ou algo equivalente, porém com uma firme determinaçãoquanto à necessiíria obediência dos padrões instituídos.

Aos poucos, a situação de trabalho por parte dos residentes foi serenando e setransformando em uma recíproca cooperação entre eles e com a cúpula. Ingressamosentão em uma segunda etapa desse nosso grupo de reflexão, na qual os seus integran-tes pouco ou nada falavam dos residentes, âo mesmo tempo que começaram a surgiros conflitos interpessoais entre eles, sob a forma de mútuas queixas, surdos ressenti-mentos, rivalidades, mal-entendidos, etc.

Por momentos, parecia que poderia eclodir um clima insustentável e que o gru-po se dissolveria. No entanto, graças à maturidade dos indivíduos componentes, es-pecialmente a pessoa do seu líder, o nosso grupo saiu fortalecido e mais integrado,pelo fato de que a força de coesão amorosa prevaleceu sobre a de repulsão agressivo-destrutiva. Além disso, o grupo desenvolveu o exercício de atitudes reparatórias; amodificação de maneiras inadequadas de comunicação; o desenvolvimento da capa-cidade de empatia; a possibilidade de se expressarem com franqueza, ainda que even-tualmente ferindo ao colega, porém sem agressão, mas sim alicerçados no despertarde um amor à verdade.

(urru rRÀaÁLH{\ros co\Í GRLPos . 357

A terceira etapa da evolução desse grupo - a atual - está se cafacterizando porum redirecionamento das energias psíquicas para atividades criativas dentro do Sen'iço.a introdução de novas rotinas e tecnologias, uma melhor seleção de residentes (para-lelamente, tem aumentado de forma considerável a quantidade e a quaìidade dosmédicos que se candidatam a uma vaga na residência), assim como está fluindo comnaturalidade a realização de trabalhos científicos produzidos por distintas equipesque contam com a participação de professores e residentes.

COMENTÁRIOS

Os quatro exemplos que utilizamos permitem uma constelação de observações relati-vas ao campo grupal que é formado em um grupo de reflexão.

Na primeira ilustração, pode-se observar a clivagem dos planos do conscienteyersrs inconsciente, resistência a uma situação nova, sentimentos de dependência eidealização em relação à figura do líder simultâneos aos de medo e desconfiançadele, compreensão da linguagem simbólica e a importância da comunicação verbal,possibilidade da perda de papéis ("não me senti médica"), sintoma (frigidez) indisso-ciado do paciente como um todo somato-psíquico-social, a importância da empatia,etc.

A segunda ilustração permitiu que refletíssemos acerca das diferentes atitudesmédicas possíveis diante de uma mesma situação clínica. Assim, no caso, prevaleceuo uso da projeção (a paciente foi usada como pantalha do "nervosismo" da equipemédica, da repressão (xingão e aumento da sedação) e a busca de causas orgânicas(investigação da tireóide). O grupo pôde concluir que tudo isso ocorreu por não terhavido uma empatia com as angústias da paciente (tanto as que são inevitáveis diantede qualquer submetimento cinírgico como as angústias que se Somaram por se tratarde uma mutilação no trato genital), além do afâstâmento prolongado de sua casa e deuma possível percepção de que ela estivesse servindo, para a equipe médica, como omarisco entre o choque do mar e do rochedo, etc.

O terceiro exemplo permite ilustrar a importância de se poder utilizar algumasituação clínica isolada para estimular nos médicos o exercício de funções do ego,notadamente, a capacidade para se pôr no lugar do paciente, e assim pensar maisprofundamente sobre as experiências emocionais que cercam o ato médico.

A quarta ilustração visa a apresentar um panorama evolutivo de um grupo dereflexão, e destacar o fato de que ele pode ter uma duração mais prolongada, desdeque ele continue manifestando claros sinais de que está em movimento de mudanças.

A partir dessas reflexões - não é demais enfatizar: não-intelectualizadas, massim pcnsadas e sentidas em si próprios -, médicos, nesse aprendizado, devem pro-gressivamente aliar os conhecimentos e as habilidades que estão adquirindo as atitu-des consubstanciadas, especialmente, no desenvolvimento das capacidades de empatias a de saber pensar.

Vale citar alguns dos fatores da dinâmica do grupo de reflexão que concoÍrempara rsso:

. Há uma recomposição do grupo frr.iiliar ("pais e irmãos"), o que propicia a quecada um passe a entender e :r respeitar melhor as dificuldades e inibições dosoutros e se fazer respeilrl a si próprio.

. A possibilidade de ãzer novas identificações e compartir um novo código devalores.

358 . z.uenueNaoso*ro

. A percepção das cargas projetivas que fazem, e que sofrem, permite que melhorpossam reconhecer-se nos outros, diferenciar-se dos outros e a se colocarem nolugar destes.

. A vivência dos problemas fundamentais que cercam a comunicação entre as pes-soas,

. O desenvolvimento cio senso de identidade médica e de alguns outros atributosinerentes à profissão.

Dentre estes últimos, vale enfatizar quão importantes são os atributos de o mé-dico saber escutar (ao invés de simplesmente ouvir), enxergar (é diferente de olhar),dizer (não é o mesmo que falar), compreender (não é o mesmo que simplesmenteentender), ser bom (é bem diferente de ser "bonzinho"), serempático (vai muito alémde unicamente ser "simpático") e, assim por diante, outros recursos importantes deuma formação médica podem ser mais adequadamente desenvolvidos através dosrecursos grupalísticos.

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33O TFabalho com Gruposna EscolaJOSEOÏTONI OUTEIRAL

"Educar, ao lado de governar e psicanalisar, é uma profissão impossível."

Sigmund Freud ( 1937)

Penso que são duas as contribuições principais que o psicanalista e o terapeuta degrupo podem darà instituição escolar: aprimeiraé referente ao conhecimento psicana-lítico como uma (a) teoria do desenvolvimento e (b) do funcionamento da mentehumana, e a segundaestá ligadaao conhecimento dadinâmica grupal que se estabeleceentre (a) a família, a escola e a sociedade e (b), na escola, a instrumentação para otrabalho grupal entre as variadas combinações possíveis, taiscomo grupos de alunos,de professores e de pais, e que dependerão da criatividade dos envolvidos nessa tarefa.

O relato que passo a apresentar resulta de minha própria experiência no trabalhocom comunidades escolares e como psicanalista e terapeuta de grupo. Quando falode minha experiência é evidente que me refiro também a vários autores e pessoas queme possibilitaram tais vivências e cujo conhecimento me serve como marco referencial.

UMA VISÃO GERAL

A escola tem, como sabemos, todos ao nível cotlsciente, um papel primordial para acriança e o adolescente. Conforme o ambiente que lhes é oferecido (e suas potencialida-des), teremos um aprendizado propício e prazeroso ou, então, distúrbios de conduta e./ouaprendizagem. A funçío da, escola é educar, isto é, conforme o significado etimológicoda palavra, "colocar para fora" o potencial do indivíduo, ao contrârio de ensinar, que é in+ signo, on sej4 "colocar signos para dentro do indivíduo". Evidentemente, quando acriança (ou o adolescente) chega na escola, ela tem, além de seus aspectos constitucio-nais, suas vivências familiares, mas o ambiente escolar será também uma peça funda-mental em seu desenvolvimento. Estes três elementos - aspectos constitucionais, víncu-los familiares e ambiente escolar - constituirão o tripé do processo educacional.

Mas qual a escola? Essa é uma pergunta que os pais se fazem com freqüência eque é extremamente necessária, pois uma criança ou um adolescente (e, inclusive,seus pais) poderá ou não se adaptar em um ambiente escolar. As escolas são institui-ções com "culturas" próprias e singulares (Cultura de Grupo; Bton, 1963) e queterão significados diferentes para diferentes alunos. A escola, a sala de aula, é um

23+

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358,

io.

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360 . z-t.tenuoN a osonro

lugar "imaginiário", "mais além" do espaço real de cadeiras, classes e salas. Ela é oque o aluno percebe a partir de sua história, seus desejos e seus medos. Na escolaacontece um interjogo de forças inconscientes que se cruzam, opõem-se, conflitam-se ou se reforçam, através de situações manifestas, claras e evidentes, ou de um sutiloperar oculto, latente, e, nem por isso, menos operante. Cria-se uma dinâmica grupalque precisa ser compreendida, e neste setting a presença de profissionais com treina-mento para o trabalho com grupos é muito importante.

Algumas escolas têm seu processo educacional mais dirigido, com limites maisestreitos, ao contrário de outras, mais abertas e mais liberais. Um adolescente, porexemplo, com dificuldades de organização poderá se beneficiar (ou não) de um am-biente escolar mais estruturado e de Iimites mais precisos, sendo necessário avaliar,em cada caso, a situação, buscando conhecer como funciona determinada escola. Assimplificações do tipo "meu filho é tímido, portanto, precisa de uma escola maisliberal" ou "como ele não tem limites, uma escola mais rígida irá ajudáJo" não sãosempre verdadeiras. O "óbvio ululante", no sentido que o usa Nelson Rodrigues -nosso cronista do dia-a-dia - de que cada criança e adolescente e cada escola têmpeculiaridades próprias é fundamental: escrevo isso porque agora me refiro a SaintExupéry - o escritor da fantasia/realidade - "o essencial é invisível aos olhos"... eesta é a maneirâ que encontro para sublinhar a idéia.

As escolas, por seu lado, têm o que chamamos de um "currículo manifesto" eum "currículo oculto", ou seja, aquilo que manifestamente é dito e/ou escrito e averdadeira prática no cotidiano da sala de aula. Não são raras as experiências deouvirmos falar, por exemplo, de uma "educação libertadora", às vezes dita com so-berba e empáfia, e constatamos, depois, uma educacão retrógrada e carregada deambigüidades, que são "denunciadas" pela percepção acurada dos alunos adoles-centes. O processo educação/escola é hoje alvo de questionamentos que se situambasicamente em dois pólos: a educação tradicional - na qual nós adultos fomos for-mados - em contraposição à educação progressista - que propõem uma relação maissatisfatória e prazerosa com o conhecimento.

A primeira, mais comum, oferece-nos algumas garantias, já que nos tomamosadultos pelo menos supostamente aptos: mas nem todos viveram essa experiênciacom prazer, alegria e satisfação em aprender, como deve ser o processo educacional.A segunda, dita progressista, tem favorecido em alguns casos a obtenção de umarelação mais tranqüila e flexível com o mundo do conhecimento e desenvolvido boacapacidade nos alunos para pensar de forma espontânea, criativa e autônoma: nãopode garantir, no entanto, o "montante" de conhecimento e cultura geral antes obtido.

As dúvidas quanto à adequação de um ou outro modelo (ou de uma síntese dosdois) não são um privilégio só dos pais, mas dos educadores também. A escola, aeducação, vive um momento de perplexidade, sem definição de como conciliar asnecessidades de um mundo moderno, de uma sociedade em mudança perÍnanente,em crises de valores e de ética, com uma proposta educacional que prepare "o ho-mem do futuro". Temos de pensar, então, que nem sempre a escola "tem razão" e que,muitas vezes, a apreciação do aluno é "correta". A escola é feitapor pessoas (professo-res, orientadores e diretores, assim como os pais e os alunos são "pessoas") que lidammelhor ou pior com determinadas circunstâncias. Os pais têm de estaÌ atentos parasituações que se derivam desses fatos. Qualquer "Manual de Educação Modema"aponta como pressuposto a necessidade de respeitar as características individuaiidos alunos; entretanto, o que se verifica na prática é a realização de um ensino mas-sificado, em grandes escolas, com turmas enormes de alunos, mais ao estilo de umalinha de montagem industrial. Como exemplo verifica-se também, não raramente, a

COIÍOTRÀB-ìLH.{\IOS COrr CnUpOS . 361

dificuldade que os professores e aprópria escola têm para "reprovai' (palavra ertrema-mente inadequada) um aluno quando ele não conseguiu dominaÍ uma quantidade "X"de conhecimento em um tempo "Y" e acabam projetândo na família ey'ou no próprioaluno a resistência em aceitar a reprovação, como desculpa para suas próprias incerte-zas. Os professores muitas vezes não toleram as dificuldades de um determinado alunoporque as sentem como uma "ferida narcisistâ" em sua capacidade de ensinar.

E importante que pais e professores saibam, dentro de uma visão de dinâmica degrupor que estes últimos serão os "recepientes" de impulsos, ansiedades, fantasias.emoções, paixões e pensamentos, mais ou menos conscientes, que criancas e adoles-centes têm em relação a seus próprios pais. Amor e agressividade originalmente diri-gidos aos pais serão "transferidos" (ou projetados) para os professores. Poder:i, porexemplo, acontecer que um adolescente irritado com seus pais tenha com estes umaatitude aparentemente "adequada", extravâsando com um professor toda a "bronca"com o pai e a mãe. O professor ficará surpreso com a atitude do aluno, mas suaexperiência e intuição lhe farão perceber que "algo se passa ..." de diferente. Podeníacontecer também, tomando o exemplo anterior, que o âdolescente não demonstreexplicitamente a irritação dirigida aos pais com o professor e que a conduta negativavenha na forma de um baixo rendimento escolar. E não serão apenas os sentimentosagressivos que serão "transferidos deste modo", os amorosos também. Os professo-res são muitas vezes os primeiros objetos - após os pais - de "amor edípico", ocor-rendo uma "transferência" amorosa. Por exemplo, um menino pode transferir o amorque sente pela mãe para uma determinada professora, por esta lembrar-lhe, conscien-te ou inconscientemente, a figura materna. Esse amor tem um aspecto incestuoso,produzindo ansiedade e culpa, o que poderá se manifestar de uma forma sublimada,através de um grande interesse em aprender ou, ao contrário, por um desinteressepela matéria. Algumas dificuldades escolares se organizam em torno de problemasdesse tipo. E interessante também lembrar que trabalhar com crianlas e adolescentesdesperta aspectos infantis e adolescentes nos adultos, e isto, nos professores, poderádesenvolver distintos sentimentos por uma determinada criança ou adolescente quelhe evoque suas próprias situações de vida nestâs etapas do desenvolvimento.

O que confere à escola importância vital no processo de desenvolvimento dacriança e do adolescente é o fato dela ter a característica de ser uma "simulação davida", na qual existem regras a serem seguidas, mas que se pode transgredi-las semsofrer as conseqüências impostas pela sociedade, e ser esta uma oportunidade deaprender pela transgressão. Também se deve levar em conta que a relação do alunocom a escola é afetada pela significação que os pais dão a ela, aos estudos de seu filhoe às relações com os demais. Pais que tenham sido submetidos a uma escolarizaçãomuito rígida podem inconscientemente buscar uma escola permissiva que "compen-se" a sua vivência escolar de sofrimento. Por outro lado, podem fazer com que seusfilhos sofram tanto quanto eles e "passem" por tal situação para poderem se tornartão "educados" quanto eles. O desejo de saber e obter prazer pelo saber certamenteestá mediatizado em primeiro lugar pelos pais e depois, mais tarde, pelos professorese pela escola. Um pode compensar o outro ou até anular seus efeitos.

A escola não oportuniza, entretanto, somente â relação com o saber e, comouma atividade eminentemente grupal, também tem funções de sociabilização. Embusca de sua identidade o jovem encontra na microssociedade que é a escola umsistema de forças que atuam sobre ele - entre outras coisas, reedita seu ciúme frater-no, compete, divide, rivaliza, oprime e é oprimido, ou seja, reproduz o sistema social.

Podemos dizer, "brincando", que se ser adolescente é "difícil', ser um adultoem contato com ele é duplamente "difícil": primeiro, porque temos de lidar com o

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adolescente "de fora", extemo, e depois - last but not least - com o adolescente "dedentro". Novamente, enfatizamos a importância do fato de que o adulto que está emcontato com o adolescente (pais, professores, etc.) deve ter uma "visão binocular",de dentro e de fora, do intemo e do externo, do adolescente real e do de nossas"memórias adolescentes", canegadas ainda de impulsos e fantasias, desejos, emo-ções, etc., não como algo indesejável, mas como manifestaçõo de vida. E muito im-portante, também, que exista (se podemos chamar desta forma) uma relação de "con-fiança" entre a família e a escola escolhida pelos pais, evidentemente, para educarseus filhos, isto é, para que os "auxilie" a educar seus filhos. Com freqüência, vemosos pais criticarem a filosofia pedagógica da escola escolhida na presença dos filhos,dificultando a relação deles com a instituição. Evidentemente, críticas existirão departe a parte, mas elas deverão ser tratadas nos "canais de comunicação" existentesôdeqrr_ad6s (ou a serem criados), ligando o binômio família-escola.

E extremamente necessário que se evitem dissociações (tão freqüentes, ...) emque os pais criticam a escola (projetando na instituição todos os aspectos negativosdo processo ensino-aprendizagem e, por sua vez, da conduta dos filhos) e que, porsua vez, a escola faça o mesmo (projetando na família todas as incompetências, faltade colocação de limites, falta de participação, etc.). A criação de uma "comunicaçãoÍealmente operante" poderá tornar a relação família-escola mais integrada e commenos "distorção e ruído" na comunicação; a utilização de técnicas de grupo nessatarefa é fundamental.

UMA COMPREEENSÃO INTERSISTÊMICA

Como compreensão intersistêmica me refìro â um triângulo que tem, como é eviden-te, uma interação muito dinâmica entre seus vértices: a família, a escola e a socie-dade. Uma visão que privilegie esse enfoque é essencial para que o trabalho com umsistema educacional seja efetivo. Uma outra visão, digamos espacial, para transmitira minha idéia, é considerar a escola como no meio do caminho entre a família e asociedade : quase um "espaço" de transcionalidade (Winnicott, 1975), não é mais oconhecido e protegido "espaço familiar" e tampouco o tão temido e desejado "mundoadulto" . Assim, a escola é o /ocas onde a criança e o adolescente exercitam seuspassos em direção à independência, à individuação e à separação de seu grupo origi-nal. Pensando dessa forma, é necessário considerar que a escola sofre importantespressões, mais ou menos manifestas, às vezes diretamente e outras vezes de formaindireta, em algumas situações em nível consciente e em muitas outras inconsciente-mente, tanto por parte da família como pelo lado da sociedade. Defrontamo-nos,então, com uma tarefa complexa e difícil, e ao mesmo tempo sedutora e gratificante,o que levou Freud a considerá-la como "impossível".

Parodiando Freud, quando ele se referiu à mulher, quero formular duas pergun-tas - "O que quer a família?" e "O que quer a sociedade?" - para que possamoscompreender o que é esperado por ambas da escola.

O que quer a família?

Inicialmente, é necessário dizer que não existe um "modelo de família", mas, sim,uma infinidade de modelos familiares, com muitos traços em comum entre si, mascom uma infinidade de sinsularidades. E oossível se conieturat oue cada família tem

coMo r RATALHAÀros coir cqupos o 363

uma identidade própria e, como tâI, uma história e fantasias. Trata-se, na verdade, deum agrüpamento humano em constante evolução, constituído com o intuito básico deprover a subsistência de seus integrantes e protegê-los. E dessa maneira palco dos"dramas" de nossa espécie: amor, ódio, ciúmes e inveja, entre outros sentimentosmais ou menos confessáveis, que estão presentes no cotidiano deste agrupamentoespecial. O que Freud descreve em Totem e tabú, ao falar da horda primitiva, pode serobservado, tal como eu penso, com facilidade nas famílias; quero frisar, entretanto,que escrevo sobre "famílias comuns". Os mecanismos que operam nos grupos sào,evidentemente, observados na dinâmica grupal da família, com o fato de que ali oslaços de dependência são fundamentais, e o convívio de seus integrantes é constantee permanente, o que propicia que se revelem estados mentais primitivos (como teste-munho disso, podemos observar como as violências físicas contra crianças ocorremprincipalmente dentro da própria família). Em relação aos filhos e às expectativasquanto àescola encontramos várias fantasias familiares, das quais enumerarei apenasduas delas: a) o desejo de que a instituição escolar "eduque" o filho naquilo que afamília não sejulga capaz, como, por exemplo, em relação a limites e sexualidade; b)que ele seja preparado para o ingresso na universidade para obter um êxito profissio-nal e financeiro. A escolha da escola pela família, assim, é um ponto que requeravaliação para que se possa entender o que levou a tal decisão, quais as fantasias eexpectativas, se consideramos que cada instituição, bem como as famílias, têm tam-bém suas características e peculiaridades: como já foi explicitado algumas têm umsistema mais "rígido" e outras são mais "flexíveis", determinadas escolas são ligadasa grupos étnicos ou religiosos e isso determina uma história e uma maneira de "ser";algumas tèrão uma perspectiva mais "humanista" e outras serão mais "técnicas" e háas que ainda estão passando por transformações, pois - assim como todas as institui-

ções - elas têm um "ciclo vital". A família precisa saber por que optou por esta ouaquela escola, o que torna necessário conhecer a instituição tanto quanto possível. Asescolas não são organizadas para receber "qualquer criança", assim como as criançasnão necessitam se adaptar a "qualquer escola". Essa situação, que poderá nos parecermuito evidente, é muito mais comum do que se imagina.

O que quer a sociedade?

A sociedade procuÍa ter na escola uma instituição normativa que trate de transmitir acultura, incluindo aí, é certo, não apenas conteúdos acadêmicos, mas, e principal-mente, seus elementos éticos e estruturais. O cunículo é construído em função dessesfatores, de uma forma manifesta (ou explícita, escrita em seus estatutos) ou latente(no dia-a-dia). Se, de alguma maneira, a escola "colide" com as pretensões da socie-dade, esta trata de submetê-la a seus objetivos, das mais diversas maneiras. Podemospensar, por exemplo, sobre a situação do ensino público e refletir sobre este tema.

A DINÂMICA DE GRUPO NA ESCOLA

Podemos pensar, de uma maneira metodológica, que existirão três maneiras de ope-rar com gnrpos na escola: grupos de alunos, grupos de professores e grupos com pais.E ceÍamente possível fazermos diversas outras combinações, mas é sobre as referi-das que vou comentar, por serem as mais evidentes. As ansiedades, as fantasias e asdefesas serão as que encontramos na dinâmica em geral dos grupos e que, em minha

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maneira de pensar, são melhor trabalhadas dentro dos conceitos de grupo desenvolvi-dos por W. Èion (1970). E fundamental que conheçamos os mecanismos dos grurposde trabalho, grupos de dependência, grupos de luta-e-fuga e gmpos de acasalamento,tais como nos aporta este autor.

GRUPOS COMALUNOS

Atividades de grupo com alunos são fundamentais para uma "vida escolar" eficiente.Esses grupos, tais como eu tenho acompanhado, são feitos semanal ou quinzenal-mente (com um totâl ótimo de não mais de l5 alunos), com as turmas divididas emdois grupos, por um ou dois períodos escolares, coordenados - em geral - por umorientador escolar e seguindo a idéia geral de grupos operativos (Zimmermann, 1969).São eles centrados essencialmente em uma ou mais tarefas, tais como, por exemplo,os relacionamentos dentro da sala de aula ou no manejo de situações ligadas a limitesou sexualidade, que em minha maneira de ver são as "demandas" mais freqüentes.Passarei a relatar alguns exemplos clínicos de situações.

O final do curso

Em uma escola (como acontece em quase todas) as turmas do terceiro ano do segun-do grau apresentavam uma conduta agressiva entre os próprios alunos e com os pro-fessores e no "último dia de aula'(como nos últimos meses...) criavam situaçõesdifíceis, depredando a escola e causando tumultos na rua, o que tomava necessáriochamar não só os pais, mas incÌusive a polícia e "punir" exemplarmente alguns alu-nos. Foram então realizadas reuniões com os professores, ficando evidentes os se-guintes aspectos: a) que essas "atuações" diziam respeito à dificuldade dos alunos dese separarem da escola, com o final do curso, refletindo assim uma dificuldade tam-bém com o processo de separação-individuação em relação a seus próprios gruposfamiliares, uma das tarefas centrais da adolescência (Outeiral, 1994); e b) que osprofessores também tinham dificuldades em se separar de seus alunos, com os quaisestavam em contato, muitas vezes, desde a infância e que, de forma inconsciente,também "atuavam" não conversando (não preparando) com os alunos sobre isso, masapresentando uma descrição "trágica" do mundo fora da escola ("vestibular muitodifícil", "perspectivas profissionais péssimas", etc., só para citar algumas). Não sur-preendia assim que os alunos expressassem suas ansiedades e fantasias de uma ma-neira manifesta com agressividade, bem como as de seus professores, que de umamaneira inconsciente as projetavam neles e os faziam "atuar", atacando a instituiçãoe assim negando a dor psíquica e a depressão de ter de ser afastar de um local ondetinham tantas ìigações. Trabalhou-se, então, com alunos e professores em tomo destetema: a) da ansiedade de separação como fenômeno presente e fundamental da expe-riência humana; b) da "atuação agressiva" como negação dos sentimentos relaciona-dos com a ansiedade de separação (se denegrimos o objeto ao qual estamos ligados,sofremos menos com a separação); e b) como os fenômenos mentais observadoseram comuns a alunos, que os expressavam diretamente, e professores, "induzindoinconscientemente" os alunos a agirem (ao não conversarem sobre esses temas emesmo ao "assustarem" os adolescentes com o "tão desejado e temido mundo adul-to"). A estratégia utilizada e que deu resultados oportunos e interessantes, mais ma-

cotl0 I RÂ8i\LHA\to5 co\t cRL Pos . 365

duros e integrados, foi trabalhar em grupos com alunos, professores e pais. Com osalunos, a paÍir do segundo semestre do último ano (nas reuniões, o tema .'seplftrçiro"

era trazido e discutido tanto no que dizia respeito à escola como à famíÌia) e conl osprofessores (examinando-se como sentiirm a saída dos alunos e como os "iÌs\ustiÌ-vam", bem como fantasias e realidades deles próprios - em suas adolescências inclu-sive - relacionadas a essa questão) e com os pais, em reuniões mais espaçadas, tarn-bém se incluía essa problemática. O discutir e compreender os fatos, nos diferentesníveis (ansiedades, mecanismos de defèsa, momentos evolntivos, funcionamento cons-ciente e inconsciente, dinâmica de grupo, etc.), auxiliou a todos - alunos, professorese famílias - e diminuiu em muito "o terror dos últimos dias de aula", que foi substitu-ído por excursões, tomeios esportivos, iìpresentações teatrais sobre o tema, convite aprofissionais para falarem sobre suas profissões e o mercado de trabaÌho, etc.

Uma vinheta de um grupo operativo com adolescentes

Estão reunidos cerca de l5 adolesceÌ'Ìtes, rapazcs c rnoças, de uma mesma série comidades entre l5 e l6 anos. O grupo é rellizado por uma orientadora educacional acada l5 dias e tem a duração de 50 minutos, tempo que representa a duração de umaaula.

O clima é de risos, alguma coist escondida é passada de mão em mão. Aorientadora intervém, perguntando o que se passiÌ. Os adolescentes seguem rindo,como se compartissem um segredo entre eles, com ir orientadora "ficlndo de fora".

Orientadora: "Penso que vocês querem me manter de fora... Talvez esteja ocorrendoalgo como em casa, ou seja, vocôs necessitiìm ÌÌlâÌlter âlgo 'escondido' dos pais...".

Aluno: "Não é nada... é só uma brincadeira... quem sabe a professora tenta advinharo que é?"

Os alunos começanì novamente a l ir-. Dois ou trôs deles pedem silêncio e tentamfazer "cessar a bagunça". A orientadorr percebe que utìla paÍte do grupo começa a seocupar com a realização dâ "tarefa".

Orientadora: "Parece que começa a haver, por paÍte da turma, um interesse pelo quenos reúne aqui...".

EIa não faz sua intervenção se referindo a "alguns" alunos, mas trata de estendê-la a todo o grupo, tomando a manifestâção de alguns alunos como uma expressão detoda a turma. Os alunos diminuem a "bagunça" e se mostram mais atentos: começa ase estabelecer um nível rnais intesrado de funcionarìlento.

Um dos alunos: "Ei! Vamos calar a boca! Vamos telrìliniÌr com a esculhambaçÍo!"

A orieÌ'ìtadora pensa que começr a surgir urn rnovimento em torno de um líderautocrático ("superegóico", associa...), mas é rapidarnente intenompida em seus pensa-mentos.

O mesmo aluno de antes: "Vamos organizar as coisas! O assunto é se podemos ou niofazer provas com consulta... porque algumas disciplilas permitem e outrirs n.ìu... '

366 . ZIMERMAN & osoRlo

Os alunos agora estão (relativamente...) quietos e pararam de passar entre siuma camisinha (preservativo), que havia sido distribuída a um deles como divulga-ção de uma campanha contra a AIDS. A orientadora percebe que o tema da sexua-lidade, que causava a "bagunça" anterior, ficou deixado de lado, embora seja o verda-deiÍo "emergente grupal". Ela associa que "deixar ou não deixar", proibir ou nãoproibir, tem mais a ver com o tema da camisinha/sexualidade do que o de poder-fazer-prova-com-consulta-ou-não. Evita interpretar neste momento, resolvendo aguar-dar a evolução do grupo.

Vários alunos falando ao mesmo tempo: "E absurdo. ou deixam ou não deixam! Uau,vamos resolver isto agora! E impossível fazer as provas sem consulta! Esta é umaescola modema ou não!"

O "líder autocrático" (agora com mais seguidores): "Vamos ficar quietos! Em or-dem!".

A orientadora até este momento havia "deixado" seguir o grupo, intervindo pouco.Percebe que é necessário, agora, contribuir para a "organização".

Orientadora: "Vamos objetivar! Ficamos hoje de conversar sobre haver ou não con-sulta na provas, este é o nosso temal Vamos fazer uma agenda e anotar os nomesde quem quiser falar! Por ordem ! Quem quer anotar os nomes?".

O "líder autocrático": "Eu inscrevo quem quiser falar!".

Vários alunos levantam o dedo e são agendados. A orientadora percebe que ogrupo estavamais integrado. O "líder autocrático", percebido também como um emer-gente grupal, estava "mais democrático". A dinâmica do grupo se encaminhava paraa de "um grupo de trabalho" (Work Group;Bion,196l ). Ocone à orientadora que, emsua experiência, os gÌupos de adolescentes, em todas as reuniões, passavam por umperíodo inicial de desorganização, que ela associoü de várias maneiras: buscam in-vestigar os "limites" do grupo; precisam de um período de hesitação inicial Qteriodof hesitation; \N innicott, 1975), como descreve Donald Winnicott no Jogo da Espárula;que no início predomina sempre um grupo de luta-e-fu ga (Basic Assumption: Fight-tlight;Bion,196l ). A orientadora começa a "compreender teoricamente" o funciona-mento grupal e a pensar na organização deste material para levar para supervisão.Percebe, entretanto, que agora é ela, em seu "devaneio teórico" que "ataca a tarefa" evolta para a agenda...

Uma menina que era chamada de "galinhatt pelos colegas...

Um grupo de crianças, de 10 a l2 anos, mostrava-se agitado, com agressões e baixorendimento escolar. A "bagunça" estendia-se a todos os momentos em que estavamna escola. Um professor observou que brincavam aos empurrões e lhe pareceu que,assim, buscavam um contato físico entre si. Essa observação cuidadosa e oportunafez com que o Serviço de Orientação Educacional reunisse o grupo para "conversar"sobre o que estava acontecendo. Os assuntos trazidos evidenciaram que a puberdadee a adolescência inicial estavam produzindo toda a "turbulência" e que os mais "agita-dos" estâvam, realmente, mais "excitados": davam "puxões" e "empurrões", faziamfreqüentes reuniões dançantes e chamavam de "galinha" uma menina que, precocemen-te, apresentava os primeiros sinais da puberdade e que, com suas características se-

coNro rRr\8ÀLHArtos co\t GRLpos . 367

xuais secundárias, provociìva ansiedade Ìlâ turma, que tentava, entÍo. "queimá-la"numa "versão púbere" da inquisição. As reuniões com o Serviço de Orienração Educa-cional ofereceram um "limite", um espaço e um tempo "protegido", que propiciousubstituir a "agitação" pela verbalização dos conflitos.

GRUPOS COM PROF'ESSORES

As atividades de gmpo com professores poderão se desenvolver de várias maneiras:com professores de uma mesma disciplina, de uma série, com professores de sala deaula e com os que estão em atividades de apoio didático e/ou administrativo - são,enfim, variadas as possibilidades. O trabalho de consultoria psiquiátrica (Silva, I 980)se constitui também em um importante modelo de dinâmica de grupo que pode seraplicado em uma escola. As atividades grupais podcrão ser organizadas de uma maneirasistemática (um semestre ou um zìno letivo) ou eÌr torno de uma tarefa específica(com um número definido de reuniões). O ideal é que sejam coordenadas por umapessoâ não diretamente envolvida nas situaçõcs que serão examinadas e que por estemotivo poderá manter uma visão mais "neutrâ". As resistências ao trabaliro gnrpaldeverão ser compreendidas, aceitas e, se lecesshrio, assinaÌadas. Essa ressalva é ìmpor-tante porque, muitas vezes, existe uma fìÌÍìtasia entre os professores de que são os"mestres" e que "não vão à escola para aprender", "representam o mundo adulto e,por isso, mais maduro, com Íazão, etc...", sendo difícil aceitar que também eles pode-rão aprender muito com a escola e, certameÌlte, coÌÌì os adolescentes. O paradoxo daescola é de que Iá, onde alguns ensinam a muitos, todos âprendem! Parzr ilustrar,alguns exempÌos.

A colocação de limites

Certa ocasião comecei a trabalhar com Ìlm grullo de professores, â pedido deles,porque estavam com "dificuldades em colocar limites em um grupo de alunos"; estesquebravam objetos escolares, jogavam cadeiras pelasjanelas e desafiavam os profes-sores. Os professores estavam, como diziam, "imobilizados", sem sirber se deveriamtomâr âtitudes "mais firmes e até mais drírsticas" ou "ir relevândo e tentando conver-sar" com os alunos. Temiam ser tanto "permissivos" como "castradores", e a situaçãoia "se arrastando"... Iniciamos a trabalhar com essas questões e eu me surpreendiacom a dificuldade que tinham de colocar Ìinlites "na prática" porque "na teoria"sabiam como deveriam fazer frente às situações que estavâm acontecendo. Era evi-dente que algo que escapava à comprecnsão do conteúdo manifesto estava ocorren-do, isto é, havia certamente elementos irìconscientes impedindo unra visualização euma tomadâ de posição. Enquanto discutíamos c cu não compreendia o qLÌe se passiì-va, os professores e funcionários desta instituição entlalam em greve, protestando"pela má situação saÌarial". Ficou evidente, entiÌo, uma irlitação importante dos "adul-tos" com a instituição, ìrritação essa que aindir não havia surgido nas reuniões. Se-qui-mos trabalhando, mesmo no período da gÍeve, por insistência dos professores. qucqueriam saber o que fazer com os alunos quaÌldo retornassem. O trabalho ent gÍupopossibilitou, entretanto, compreender o clue acontecia. Ficou evidentc para os protès-sores que suas dificuldades em pôr lintites deviam-se ao fato dc que os uìunos tinh:Ìnlatitudes que eles, de maneira inconscicntc, estiÌlLìlavam. aprovlÌ\'anl c - dl cenlmaneira - corl :ua passividade estinrulavant: eles, "os adr.rltos", nlo podÌln "ltaclr"

368 . z-r"m.r.l a osonro

diretamente a instituição, coisa que os alunos faziam por eles... A compreensão des-ses mecanismos permitiu "recuperarem" seu conhecimento pedagógico e agir de for-ma madura e eficaz.

Os bons e os mâus professores

A Direção de uma escola havia decidido tomaruma atitude com determinados profes-sores qúe estavam tendo "dificuÌdades" com os alunos, ou seja, não conseguiam õolocarlimites ou, quando o faziam, era de forma "ríspida" e da qual os alunos muito recla-mavam. Eram tidos pela comunidade escolar como "professores mal-preparados" naverdade como "maus professores". Foram realizadas, então, inicialmente, atividadesgrupais com a direção e com os orientadores educacionais. No trabalho, foi possívelconstatar que havia uma gÍande dissociação, onde os alunos e parte dos professores("os bons professores") depositavam em um pequeno grupo ("os maus professores")todos os aspectos indesejáveis e regressivos da comunidade escolar; eles tornavam-se assim os "bodes expiatórios", que, como no exemplo bíblico, necessitavam ser"sacrificados" para manter a homeostase do grupo. Em um segundo momento traba-lhamos com o grupo de professores e o grupo de alunos. A medida que a dissociaçãofoi sendo trabalhada e a questão dos "bodes expiatórios" melhor compreendida, estesúltimos começaram a recusar a assumir o papel que lhes estava sendo designado, e osaspectos que eram projetados (e assumidos) neles começou a ser melhor distribuídoentre todos; todos tinham problemas em pôr limites. Os "bons professores", na verdade,tratavam de "seduzir" os alunos e assim melhor controlálos, ocultando suas dificulda-des. A comunidade escolar funciona também como um sistema de vasos comunicantes;a pressão dos alunos, isto é, a necessidade que tinham de serem "contidos" como énatural na adolescência, deslocava-se todâ para um grupo de professores que tinha,então, de lidar com uma "carga excessìva". No trabalho com o grupo de alunos, estesaspectos também foram trabalhados e foi interessante observar como eles começa-ram a identificar os elementos "bodes expiatórios", entre eles. O que inicialmenteparecia dirigir-se para um ritual de "sacrifício" pôde ser compreendido e possibilitouaos diversos grupos uma âtitude mais madura e compreenslva.

Alunos desinteressados

Os professores queixavam-se de que os aÌunos do turno da noite que trabalhavamdurante o dia recusavam-se a entÍar nar salade aula, e a maioria permanecia nas imedia-

ções da escola namorando, conversirndo ou fumando. Na atividade de gnìpo com osprofessores começamos a conversar sobre o tipo de aluno que freqüentava o tumonoturno. Quase todos trabalhavam e, no serviço, eram responsáveis. O que se passa-va, então, quando estavam na escola? Não demorou muito para que se tomasse evidenteque o currículo oferecido não respondia às necessidades imediatas desses alunos eera desinteressante e distanciado de suas vivências. Mais interessante ainda foi perce-ber, progressivamente, num trabalho de elaboração grupal, que também os professo-res estavam identificados com o "desinteresse" dos alunos: sentiam-se desmotivados,pouco valorizados e não remunerados de uma forma digna. Ficou claro que se senti-am como os adolescentes e, assim, também não procuravam respostas mais criativase currículos mais atualizados.

coNl{J lR^8ÀLH^}rOs CO\r CRUpOS . 369

Os níveis de competência

Em uma determinada situação, os professores, após conversarem com os pais e insrr-dos por eles - que reclamavam da "pouca atenção" da escola pela "educação sexual"- começaram a se mobilizar, organizar ser.ninários, preparar currículos, convidar pro-fissionais, etc., de uma forma, digamos, "excessivamente preocupada e apurada".Depois de algum tempo, começaram a se sentìr desestimulados e sem saber comoencaminhar, na prática, as questões "exigidas" pelos pais. Trabalhando em gÍïpo,fomos percebendo como os pais haviam acionado os professores, fazendo-os senti-rem-se responsáveis por umir "educação" que era, principalmente, encargo da famí-lia; os pais evitavam falar com os filhos sobre um tema que lhes era difícil e o "ptrs-saram" pata os professores; estes, por sua vez, sentiram-se, inicialmente, "orguÌho-sos" da tarefa, maìs valorizados, como se "soubessem mais do que os pais", e excede-ram sua competência. A reflexão permitiu compreender que seria mais adequadochamar, antes dos adolescentes, os pais, para juntos definirem melhor a tarefa, ascompetências e as formas de encaminhar o trabrlho não só na escola, mas também -e principalmente - nas casas, entÌ€ pais e adolescentes.

Consultoria psiquiátrica

Várias são as possibilidades de trabalho grupal dentro da perspectiva da consultoriapsiquiátrica (Silva, 1980). Minha experiência corr essa atividade compreende umtrabalho semanal, programado para dois semestres letivos, com grupos de orientadores_,em tomo de 7 ou 8 profissionais, corÌì ÌÌma hora de duraçio em cada encontro. Enecessário que seja um projeto que tenlìa umâ duração razoável, poìs ele tem umobjetivo informativo e, em certa medida, também formativo. se considerarmos que aspróprias vivências do gÍupo serão trâbalhadas para desenvolver habilidades nos parti-cipantes. A consigna básica é a discussão de situacões vividas em sala de aula, trazidasa critério dos orientadores. As principais questões diziam respeito às dificuldades deum determinado aluno e de manejo de situações de gmpo em sala de aula. Quando,por exemplo, era trazido "um aluno" para discussão, buscava-se ter uma visão globalda dificuldade, momento evolutivo, situação familiar, atitude dos colegas e professo-res, etc., estabelecendo-se uma reflexão entre todo o grupo; algumas vezes se compre-endia a "sintomatologia" como uma expressão do momento evolutivo da criança; emoutras ocasiões, como um "emergente grupal" (como um "bode expiatório") ou, ain-da, como alguém que necessitava de ajuda especializada, discutindo-se, então, o en-caminhamento, entre muitas outras experiências. O gnrpo de orientadores desenvÕÌ-veu uma habilidade crescente em relação a estes elementos e ao seu próprio funciona-mento como grupo e, a partir disso, a âplicação deste conhecimento na dinâmicagrupal da sala de aula. Nas discussões, para exemplificar, alguns se mostravam maisrígidos e "punitivos"; outros, condescendentes e "maleáveis", o que oportunizava dis-cutir os mecanismos de cisão, identificação projetiva e introjetiva, etc. Considero estetipo de atividade uma das mais importantes no trabalho com grupos de professores.

GRUPOS COM PAIS

Os grupos conr plis poderao. llmbónì. ser de tliver:os lipos:

370 o zllgnl"r,tN & osoRIo

Grandes grupos, com um tema geral para ser discutido, escolhido pelos pais ecom a ajuda de profissionais. Inicialmente, todos assistirão a uma exposição,depois serão feitos pequenos gÍupos para reflexão e discussão sobre o tema (comum secretário aÍìotando as princìpais questões) e, ao final, haverá um retomo aotrabalho em grande grupo, com uma breve exposição do secretário de cada pe-queno grupo e o coordenador fazendo uma síntese.Pequenos grupos para discussão de determinados temâs ou situações específicassugeridos pelos próprios pais e/ou pela escola, com uma freqüência combinada,como, por exemplo, uma reunião semanal ou quinzenal, de uma ou uma hora emeia de duração, por um período de alguns meses.Grupos de pais e professores (e, eventualmente, alunos) reu;'.idos em conjunto,para discutir questões comuns da comunidade escolar.

Exemplos

Drogas e sexualidade

Um assunto que surge, amiúde, como demanda de informação por parte dos pais é"drogas". Evidentemente, esse é um assunto muito importante, porém é significativaa freqüência com que surge como tentativa de encobrir outras questões mais comuns,como a "sexualidade", pelas quais todos passam, o que não acontece com drogas, esobre as quais é mais difícil falar. Ter um "posicionamento" sobre "drogas" é fácil,mas sobre "sexualidade" é bem mais difícil. Certa ocasião, uma escola religiosa, queaté há poucos anos havia sido exclusivamente feminina, organizou um programa de"Adolescência hoje", incluindo toda a comunidade escolar. Ocorreram situaçõesgrupais muito interessantes, algumas até mesmo côÍnicas. Em uma reunião de pais,com o auditório lotado, antes de iniciar uma conferência sobre o tema "sexualidadena adolescência", o expositor foi até o banheiro. Inadvertidamente, uma religiosa daescola o fechou a chave no banheiro, atrasando a reunião por mais de meia hora, comtodos procurando o expositor... Nesta mesma ocasião, após uma "conferência" comos alunos, alunas em sua maioria, o expositor começou a receber perguntas escritas,e a primeira, significativamente, dizia "O problema desta escola não é drogas é sexo...",que ao ser lida causou muito riso em todos. Estes episódios, de conteúdo maníacopelas reações que produziram, permitiram trabalhar e entender que a demanda verda-deiramente necessária da escola era o tema da sexualidade, tanto por parte de adultoscomo de adolescentes. O programa que havia sido planejado passou a incluir entãoeste tema tTro emergente e difícil de ser abordado. O episódio do banheiro foi tomadonão como uma simples e anedótica casualidade, mas como uma expressão do emer-gente grupal, assim como a pergunta-afirmação de uma aluna também foi compreen-dida dessa forma. Tais fatos foram percebidos como "co:nunicações" de toda a co-munidade e utilizados para o '::ltendimento da situação.

Tiabalhando com o tema da identidade em uma "escola de comunidade"

Em uma "escola de comunidade", isto é, ligada a uma comunidade religiosa e cultu-ral, foi feito um trabalho, com pais e professores cujo tema era "Identidâde e Juven-tude". Inicialmente, foi feito com um grupo de representantes dos pais, professores e

A

E

coMo rRABÂLHÂìÍos colr cnupos r 371

um líder religioso um levantamento de temas que lhes pareciam imponanres paraessa questão: o ritual de iniciação dos jovens e um tema religioso sobre a morte.Surgiram, em tomo desses dois temas, variados elementos, como peças de teatro,filmes, poesias, contos, desenhos e pinturas, etc. Os adultos mostraram-se muito inte-ressados e estimulados na busca desses elementos culturais e religiosos, como se aproposta, inicialmente, tendo osjovens como pretexto, fosse uma demanda, um dese-jo deles próprios. Assim. em um primeiro momento, trabalhou-se este tema com osadultos da comunidade, pais e professores. A dinâmica de grupo utilizada transcor-reu da seguinte forma: inicialmente se assistia (ou eram feitas leituras coletivas) decontos, poesias, teatro ou cinema sobre os temas; posteriormente, organizava-se umamesa com profissionais de diversas áreas (literatura, psicanálise, religião, etc.) paraapresentação dos temas conforme a "ótica" de cada um e, após, o "grande grupo" eradividido, as apresentações comentadas e finalmente o "grande grupo" se reunia no-vamente para discussão. O importante, neste trabalho, além da dinâmica utilizada,foi compreender que a sugestão feita pelos adultos era importante para eles próprios,desejosos de trabalharem "suas raízes" e sua identidade religiosa e cultural. Tal expe-riência produziu alguns textos que, desdobrados, hoje servem aos mesmos objetivosem outras localidades e novos elementos culturais foram incorporados e, mesmo,encon(rados após pesqu isas.

A utilização do teatro como "mote" para o trabalho grupâl com pais

Uma experiência interessante é a utilização de pequenos "esquetes", escritos pelospróprios alunos e/ou professores (Berlim, 1996), sobre temas de interesse levantadospelos pais. Esses esquetes são apresentados pelos alunos e, depois, são discutidosentre os pais com a coordenação de um orientador (ou profissional da área convida-do). O teatro produz um "impacto mobilizador" entre os participantes que é muitoprodutivo.

ELEMENTOS BÁSICOS DA DINÂMICA DE GRUPO NA ESCOLA

Esclarecendo meus marcos referenciais teóricos e clínicos básicos, quero fazer refe-rência a alguns textos que considero fundamentais: inicialmente a dois livros deSigmund Freud, Totem e tablt (1913) e Psicologia d.e grupo e antilise do ego (1921);ao clássico texto deBion, Experiências cont gntpos', ao lìvro de David Zimmennann,Estudos sobre psicoterapia analítica de grupo (1969); ao livro de Luiz Carlos Osorioe colaboradores, Grupoterapia hoje (1986); ao de David Zimerman, Fundamentosbásicos das grupoterapias (Zimerman, 1993) e, last but not least, os trabalhos Ossistemas sociais como defesa contra as ansiedades persecutória e depressiva, deElliott Jaques, e O funcionamento dos sistemas sociais como defesa contra a ansie-dade, de Isat:elMenzies ( 1969). Acredito que esses livros e trabalhos serão de ajudaaos profissionais que desenvolverem sua prática clínica nas escolas, e com eles querocompartir essas referências que me foram úteis. Caso seja possível fazer uma síntesesobre a dinâmica de grupo na escola (ou qualquer outra estrutura social), sugiro queimaginemos o seguinte "esboço":

. O grupo, evidentemente composto por indivíduos, funciona como se fosse umaunidade, e seus componentes representam aspectos desta "unidade-formada-por-

372 . 'TMERMAN

& osoRro

partes"; a manifestação de um dos membros é tomada (embora nem sempre) comoum emergente de todo o grupo.A integração grupal permite aflorar (e, inclusive, produz) diversas ansiedades efantasias que determinam mecanismos de defesa do grupo e, por fim, a forma defuncionamento mais ou menos integrada deste grupo.As ansiedades predominantes serão do tipo confusional, paranóica e depressiva,e os mecanismos de defesamais observáveis (relacionados às fantasias e ansiedadesanteriormente descritas) são, principalmente, a cisão, a identificação, a identifi-cacão projetiva e introjetiva e os mecanismos maníacos e de reparação (Segal,1964; Winnicott, 1935).Estes processos de funcionamento grupal determinam o surgimento de papéis nogrupo ("bode expiatório", "bom aluno" ou "bom professor", "mau aluno" ou "mauprofessor", "profeta", etc.) que, quanto mais "fixos", mais representam uma atituderegressiva do grupo como um "todo" (e, conseqüentemente, quanto mais "saudá-vel" o grupo, mais estes papéis "circulam" entre seus membros);O grupo tenderá a funcionar de uma maneira alternada entre o grupo de trabalhoe os supostos básicos de funcionamento grupal, tal como descritos porBion (1961),como "grupo de dependência", "grupo de acasalamento" e "grupo de luta-e-fuga".

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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34Grupos de OrientaçãoProfissional com AlunosAdolescentesAIDÊ KNUNIK wAINBERG

"No mcio do caminho, t inha urna pcdla, t inha uma pcdla no nlcio do caminho."

Carlos Dnnmrond cle Andratle

O adolescente tem como um de seus problemas centrais a busca de sua identidade, naqual se inclui a identidade ocupacional. Essa busca, que deveria acompanhar o processode transição e de desenvoÌvimento, toma-se mais conflituada em razão de problemasatuais e objetivos.

O grande número de profissões existentes, as dificuldades de mercado de traba-lho, a pressão e a expectativa Íamiliares, as exigências do grupo de iguais coloca umapedra no caminho de quem deve escolher.

Neste trabalho, refiro-me à minoria dos adolescentes brasileiros que conseguemconcluir o segundo grau e podem optar por uma profissão a até mesmo por um cursouniversitário.

No caminho dos privilegiados também há uma pedra.Conforme dados apresentados no Segundo Sirnpósìo Brasileiro de Orientação

Profissional (São Paulo, setembro de 1995), 4O% dos estudantes da UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul (UFRGS) abandonam o clÌrso no primeiro ano. NaUniversidade Federal de São Paulo, o índice de evasão chega a 42,937o.

As pesquìsas realizadas pelas universidades brasileiras constatâram que a prin-cipal causa do abandono do curso é a escoLln erruda da profissão.

Esses dados confirmam a preocupação com a escolha profissional do indivíduoe têm gerado estudos desde o final do século XIX com os primeiros testes mentais deJ. M. Cattel e Binet, e com a publicação em 1909, por Parsons, do primeiro trabalhoespecífico vocacional: Choosing a vocation.

Das idéias da época - "aconseÌhamento" vocacional: existêncìa de aptidões espe-cíficas mensuráveis e estáveis; vocação inata; realidade sócio-cultural e profissõesimutáveis e a incapacidade do adolescente decidir pol si mesmo - houve uma evolu-

ção: o adolescente desempenharulo papel ativo no processo decisórío, na busca daelaboração dos conJlitos e ansíeclatles que experinletÌta em reluç't7o tto Jìrturo: naidéia das potencialklades não serun estcíticas trcnr cspecíjìcas, nrus ntodificdveís

374 . ZMERMAN & osoRro

com o tempo; a realidade sócio-u tural mutável e por isto a importância do conhecí-mento de novos campos de trabalho.

O processo da orientação profissional acompanha essa evolução. Não é maisvisto como auxílio na escolha de uma ocupação, mas como parte do processo debusca da identidade pessoal.

Os objetivos básicos da orientação profissional, segundo Boholowsky (1983) são:

. a escolha de uma atividade profissional;

. a aprendizagem do processo decisório; e

. a promoção da identidade profissional.

Assessorar o jovem em suas reflexões para a elaboração de um projeto profissi-onal pessoal inclui maior autoconhecimento, consciência da realidade ocupacional edas profissões para realizar uma escolha profissional, o mais livre possível, com umavisão pessoal responsável da sua escolha.

O papel do assessor é informar e esclarecer - uma atividade técnica de ajuda,uma tarefa clínica que acompanha o indivíduo em busca de uma identidade profissi-onal. Esse processo técnico de ajuda se baseia na organização de informações e expe-riências significativas para o sujeito. O vocacional é expresso através de um processointerativo entre o sujeito e a sociedade. Esta relação dialética nunca se esgota e nuncaé resolvida de forma definitiva, pois a busca pode não levar a uma rêsposta única:nõo ociste uma só profissão para Ltnt só sujeito.

A proposta de orientação profissional que apresento neste capítulo se baseia nométodo clínico-operativo, cujas principais fontes teóricas advém da psicanálise e dapsicologia social, colocando o sujeito com sua história, possibilidades e conflitos emprimeiro plano. Venho utilizando esse modelo básico nos últimos anos, com base naexperiência iniciada em 1975, na área de assessoria vocacional, tanto em instituiçõesescolares como na clínica particular. É um modelo adaptável às características espe-cíficas de cada grupo.

A atividade em gmpo é facilitadora do processo de identidade individual e grupal,oferecendo melhores condições na elaboração dos sentimentos ìnerentes à atividade. Atroca de experiências, o relato de vivências, assim como a tendência natural do adolescentepara se agrupaÍ toma o enfoque grupal indispensável para a realização deste processo.

Os grupos caracterizam-se em média por oito encontros, com duração de umahora e meia cada um, I vez por semana. O número de participantes varia de 8 a 10, ena maioria das vezes cursam o segundo ou o terceiro ano do segundo grau.

É importante ter claro que este não é um momento isolâdo, particular. Faz partede um processo maior de busca de identidade pessoal que inicia já antes do nasci-mento, quando dos planos e expectativas dos pais em relação ao seu futuro bebê, e éo resultado de uma série de dec.sões tomadas durante muitos anos, algumas vezes,durante toda a vida.

Escolher é tarefa de quem vai seguir o caminho.

PRIMEIRO ENCONTRO

Objetivos

1. Apresentação dos membros do grupo e favorecimento da integração.

CoMo TRABALHAT!ÍOS corr cnupos . 375

)J.

Discussão das expectativas do grupo em relação ao trabalho.Estabelecimento do Contrato de Trabalho.

l . Conhecimento e Integração. Distribuição de crachás de identificação aos membros do grupo.. Solicita-se a apresentação pessoal, com dados significativós iobre a história

individual. Esta tarefa estende-se também ao coordenador.

Expectativas. Distribuição ao grupo de folhas de papel cartaz, papel colorido, revistas, ca_

netas, cola, fita adesiva, tesouras.. Pede-se que, utilizando o material, representem as expectativas do grupo em

relação ao processo de Orientação profissional. (Esta iarefa pode sei feita empequenos grupos ou no grande grupo. Dar liberdade de escolha.)

3. Estabelecimento do ContrâtoNo contrato deve estar claro:. o número de sessões;. horário;. duração de cada encontro;. dinâmica do trabalho (tarefas individuais, grupais e de casa.l;. regras de sigilo;. regras de funcionamento (atrasos, faltas, entrada de novas pessoas);. responsabilidade individual na decisão; e. possibilidade da escolha não ser concluída até o final do programa.Todo o conteúdo do contrato de trabaÌho será decidido pelo gìupo.

4. Tarefa de CasaRelacionar os interesses, hobbies, coisas que gosta de fazer nos momentos livrese listar disciplinas escolares pelas quais tem maior ou menor interesse e maior oumenor facilidade.

Tarefas

)

Observações

A finalidade principal dessas técnicas utilizadas no primeiro encontro é de causar, nogrupo, um impacto positivo quanto ao processo de orientação profissional adotado.

A expectativa habitual dos adolescentes e surs famíiias, quando buscam estetrabalho, é a da realização de bateria de restes vocacionais, com resultados imediatose definitivos, como se as aptidões e interesses levantados expressassem a verdadeiraescolha do indivíduo. O adolescente muitas vezes considera o teste como um lnsrru-mento mágico, capaz de resolver o problema da escolha de seu próprio futuro.

Diante das tarefas integradoras, da busca de sentimentos de identificacão nogrupo, dos aspectos característicos de procura e realização e da elaboração participati'ade um contrato de trabalho, busca-se obter do grupo e de cada um dè seus membrosum sentimento mais real de pertinência e de responsabilidade.

376 . zrrue*"o* a osonto

SEGUNDO ENCONTRO

Objetivos

Discussão sobre as características e interesses individuais e favorecimento das rela-ções interpessoais

Tarefas

Entrega para preenchimento individual do material "Frases para Completar"-.Distribuição do grupo em pares.Discussão aos pares: apresentação da tarefa de casa (primeiro encontro), integrandocom o "Frases para Completar".Apresentação ao grande grïpo: os pares escolhem a forma de apresentação dosperfis individuais - por exemplo, colocando-se um no lugar do outro - ou porqualquer outra forma que estimule a criatividade.

Tarefa para casa

Elaborar uma árvore genealógica profissionaÌ de sua família (Argevoc.1".

Instrução

"Trazer de casa, numa folha grande, a sua árvore genealógica do ponto de vista dasocupações e vocações de cada familiar, direta ou colateral, tanto da linha patemaquanto da matema."

Podem ser incluídas na ARGEVOC pessoas significativas, amigos da famíliaou aqueles que por sua ocupação tenham se transformado em personagens com estevalor.

Observações

As técnicas adotadas no segundo encontro visam a enfatizar a matéria essencial doprocesso de orientação profissional, ou seja, a individualidade em todos os seus ní-veis. Portanto, iniciando o trabalho com o "Frases para Completar", dividindo o gm-po em pares, para depois relacionâr com a tarefa de casa do primeiro encontro e, porfim, retornando ao grande grupo com os elementos disponíveis ao estímuÌo dacriatividade individual e da integração, permite-se a discussão das dificuldades, arevelação de sentimentos e a consciêncìa do perfil individual.

Este segundo encontro proporciona âo coordenador uma melhor visão do funci-onamento indivìdual e do grupo.

'Descrita ioicialmeote por Bohoshvsky (1979) e adaptada poÍ Dulce Hclcna P S. Lucchieri." ElaboÍâda por Alicia Migliaoo.

1.7

3.

4.

(uNr(] rRAIt, \LHAÀ|OS ( Ort CRr tos . 377

Anexo do segundo encontro: "Frases para Completar"

Este material o ajudará a conhecer-se melhor, a pensar mais em você mesmoe nas coisas que fazem parte do seu mundo. Por isso, é importante que vocêseja sincero e espontâneo ao realizá-lo.

Complete as frases no espaço em branco. Se necessário, use o verso da folha.

l. Eu sempre gostei de...2. Me sinto bem quando ...3. Se estudasse ...4. Às vezes acho melhor...5. Meus pais goslar iam que eu . . .6. Me imagino no futuro fazendo ...7. No segundo grau sempre ...8. Quando criança queria...9. Quando penso no vest ibuìrr . . .10. Meus professores pensam que eu ...l l. No mundo em que vìvemos, vale mais a pena ...12. Se não estudasse ...13. Prefiro ... do que ...14. Comecei a pensar no [uturo . . .15. Não consigo me ver fazendo ...16. Quando penso na universidade ...17. Minha famílìa ...18. Escolher sempre me fez ...19. Uma pessoa que admiro é ... por...20. Minha capacidade ...21. Meus colegas pensam que eu ...22. Estou certo de que ...23. Se eu fosse ... poderia ...24. Sempre quis ... mas nunca poderei fazer ...25. Quanto ao mercado de trabalho ...26. O mris impoíí ìnte nl v ida. . .27. Tenho mais habilidades para... do que ...28. Quando cr iança meus pais quer iam . . .29. Acho que poderia ser feìiz se ...30. Eu.. .

TERCEIRO ENCONTRO

Objetivo

Informação ocupacional.

378 r znasnv,AN a osoRÌo

Tarefas

1. Listagem das profissões existentes, partindo das levantadas pela história famili-ar vocacional (tarefa de casa do segundo encontro), e complementação da listagemcom profissões apontadas pelo grupo e coordenadora.

2. Escolha individual das profissões que despertam maior interesse.

3. Apresentação, pela coordenadora, de arquivo com fichas sobre profissões exis-tentes em nível de terceiro grau.Essas fichas contém os seguintes dados:. nome da profissão;. universidades onde existem os cursos;. currículo de cada curso;. características das atividades desenvolvidas pelo profissional;. áreas de atuação;. qualidades pessoais exigidas pela profissão;. mercado de trabalho;. perspectivasprofissionais;. fontes de maior informação sobre a profissão.

Consulta individual ou grupal, conforme interesse, do arquivo profìssional apresen-tado.

Tarefa de grande grupo: comentário e avaliação sobre o trabalho realizado, res-saltando caracterização das profissões, semelhanças e diferenças, condìções detrabalho, perspectivas de mercado e sentimentos presentes.

Tarefa para casa

Entrevistar profissionais ou visitar locais de trabalho referentes aos respectivos interes-ses manifestados.

Observações

Minha experiência profìssional de muitos anos com adolescentes exige uma observa-ção indispensável para a compreensão da importância do tema do terceiro encontro,neste trabalho. O adolescente vivencia os conflitos de identidade e modelos de iden-tificação. Ao enfrentar a realidade das profissões existentes, suas características, be:nefícios e dificuldades, através do conhecimento pessoal e direto, depara-se com ofato real que, muitas vezes, é revelador e pode gerar uma melhor compreensão dospreconceitos, das exigências familiares, das imposições do grupo de iguais e da pró-pria condição sexual (masculino ou feminino). Com isso a coordenadora poderá,além de assessorar na informação profissional prática, auxiliar na coneção das ima-gens distorcidas que o grupo possa ter sobre o mundo profissional dos adultos.

Desmistifica-se fantasias preconceituosas pela aproximação com a realidade.

4.

5.

( oMo lRABALHAMOS colr cnupos . 379

QUARTO ENCONTRO

Objetivos

Transmissão de informação e esclarecimento dos vínculos do adolescente com ascaneiras profissionais e ocupacionais futuras. Reconhecimento dos conflitos do adoles-cente e as perspectivas profissionais.

Tarefas

Relato de cada membro do grupo da tarefa de casa.Comentário e avaliação geral sobre o trabalho realizado.Adaptação da técnica R.O.-

Primeira instrução

Distribuir para cada membro do grupo um conjunto de cinco cartões com o nome deuma profissão em cada um. Explicar que cada caúão representa uma pessoa e quedeverá estabelecer relacões entre as Dessoâs como se fossem famílias com nome esobrenome.

Segunda instrução

Apresentação da sua família ao grupo, descrevendo, por exemplo, o que fazem, ondevivem, como vivem, a que aspiram, a que se dedicam, etc.

Terceira instrução

Você oferecerá uma festa para a qual não poderá convidar todos os seus "parentes".Determine quais os que convidaria com certeza, quais os que não convidaria e

quais os que teria dúvida entre convidar ou não. Justifique a colocação de cada "pes-soa" em uma das listas.

Tarefa para casa

"Emum determinado momento da festa, vai ser batidauma foto. Distribua os convida-dos do modo que achar melhorpara que apareçam na foto." Entrega-se acada elementodo grupo um cartão em branco onde deveÍá apresentar os convidados, graficamente.

1.

3.

'Adaptada dr técnicr R.O. (Bohoslrvsky. 1987. p. 167)

380 . zrn,'anlrox * oso*ro

Observações

O quarto encontro tem o sentido de permitir aos adolescentes membros do grupo umamaior liberação da fantasìa criativa, dâ imaginação e dojogo, sem perder a perspecti-va da relação entre a realidade objetiva (presente), as aspirações futuras, crise deidentidade e o conflito "querer ser, dever sei'.

Assim, sob a aparência de uma atividade lúdica, a coordenadora percebe ascontradições suscitadas pela vivência, na maior parte dos casos inusitada, entre arealidade aparente (ambiente familiar, expectâtivas, exigências de iguais, condição se-xual, preconceitos, proibições, desejos não-realizados ou irrealizáveis, fantasias de fugaou de rebeldia) e a realidade, que surge através das tarefas anteriormente realizadas.

QUINTO ENCONTRO

Objetivos

Reforçar os objetivos do quarto encontro.

Tarefas

Retomada da tarefa de casa.Imagine uma conversa entre vários profissionais convidados para a festa da se-mana anterior e que estão prcsentes na "fotografia".Dramatize uma conversa entre os convidados, cada um assumindo o papel de umnrofissional.

Tarefa de casa

Distribuição de folhas em branco. SoÌicita-se que cada um descreva um dia de traba-lho "perfeito" para aquele profissional que mais se identificar.

Observações

Neste encontro, busca-se maior maturação do conhecimento das profissões e dassuas relações com o meio ambiente individual.

Através da elaboração e da representação dos papéis sugeridos nas taÍefas eencontros anteriores, os interesses tendem a mostrar-se mais claros e definidos.

SEXTO ENCONTRO

Objetivos

Facilitar a projeção do futuro profissionaÌ.

Ta

l .,

Ins

3.

'De

coMo rR^B^LHAÌvÍos coÀÍ cRupos . 38L

Tarefas

Retomada da tarefa de casa.Aplicação da técnica Visão do Futuro..

Instrução

'"Tratem de imaginar-se, por um momento, numa cena do futuro. Tratem de ver-senesta cena, fazendo algo, uma atividade ocupacional onde tenham sucesso. Quandotiverem esta imagem, desenhem-na na folha."

3. Apresentação oral dos desenhos, com explicação das atividades e sentimentos.Discussão no grupo.

l .

FIGURA 1. Escolha: Educacáo Fìsica.

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FIGURA 2. Escoìha: Artes Cênicas.

' Descrita poÍ Silvia Gelvan de veinstein.

382 . zna"nÀr.qÌ{ a osonro

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oì, , , '1

FIGURA 3. Escolha: Ciências Jurídicas e Sociais.

Threfa para casa

Desiderativo vocacional".

Objetivo

Indagar sobre identificações nas escolhas vocacionais ou ocupacionais.

. Quem gostarias de ser se não fosses quem és? Por quê?

. Que pessoa da antigüidade gostarias de ser? Por quê?

. Que pessoa do sexo oposto gostarias de ser? Por quê?

. Que pessoa gostarias de ser dentro de cinqüenta anos? Por quê?

Observações

O sexto encontro me permite, através da técnica "Visão do Futuro", estimular a ima-ginação do grupo em relação às suas ambições, bem como trabalhar os seu temores,preferências, expectativas e imagem de si mesmo.

A tarefa de casa complementa o trabalho realizado na sessão, pois também per-mite fantasiar em relação ao futuro por identificação com modelos atuais.

E proposta, então, uma avaliação da técnica:

Ta

In

ol

;' Adaptação feitâ por Haydée Hemaez, HiÌda M. de scâÌese e outÍos.

coMo TRABALHÂMOS coM CRUPos . 383

Identificações realistas ou fantasiosas (tipo).Identificações benignas ou aterrorizantes (quaÌidade).Identificações norÍnativas e culturais.Identificações egóicas: distância entre o real e o possível.Identificações com o grupo famìliar: papéis e modelos específicos.Identificações com grupos de casais: modelos atuais.Identificações pelo contrário: com respeito ao grupo pertinente.Pseudo-identificação: aspectos parciais ou excessivos do objeto.Mecanismos de defesa e suas características.Identidade sexual.

SÉTIMo ENcoNTRo

Objetivos

1. Avaliação do processo de orientação vocacional.2. Propiciar a expressão da fantasia em relação ao afastamento do grupo e a resolu-

ção de seu problema de escolha.

Tarefas

1. Aplicação da técnica do aeroporto'.

Instruções

"Imaginem que o grupo se encontra em um aeroporto, onde cada pessoa está saindode viagem paraum lugar Cadaum vai contando para onde vai, o que fará, como estáse sentindo em partir e despedindo-se das pessoas que encontra."

2. Avaliação do trabalho realizado buscando a manifestação dos sentimentos expe-rienciados nos diferentes momentos do processo.

3. Exame da colagem realizada no primeiro encontro.

Observações

A técnica do aeroporto permite ao grupo trabalhar a separação de forma lúdica, demaneira que possam expressar a importância que tiveram os colegas no seu processode orientação profissional. A viagem simboliza tambóm o projeto que cada adolescenteestá construindo e a necessidade de separação para permitir a seqúência de seu proje-to individual.

' Descrita por Dulce Helenx PS. Lucchieri (1992).

384 . ZMERMAN &osoRro

OITAVO ENCONTRO

Objetivos

Tarefas

1. Entrevista individual.2. Análise do material individual.3. Exame do desiderativo vocacional (sexto encontro).4. Avaliação final.

Comentários

1. Avaliação individual do processo, mediante exame dos aspectos pessoais quenão foram abordados no grupo.

2. Exame da escolha profissional propriamente dita, envolvendo perfil profissional.

Neste encontro, integra-se os momentos vìvenciados nos anteriores: as expectativas,o processo de escolha, o autoconhecimento, a informação profissional, a participa-

ção no grupo e a escolha realizada.Se o trabalho não atingiu uma definição profissional, é reforçado o processo de

escolha individual, com vistas a decisões posteriores.Em alguns casos, a participação dos pais nesta etapa é necessária em função de

suas expectativas, ansiedades, exigências e também como elemento participante dacompreensão do significado da escolha na vida do filho e da família.

A participação ou não dos pais será combinada previamente com o adolescente.O modelo de trabalho proposto representâ um, avanço em relação aos métodos

usualmente utilizados, onde os "testes vocacionais" são decisórios, imbuídos de po-deres mágicos, definindo quem são os melhores para realizar determinada tarefa. Ostestes, assim como outros instrumentos e técnicas, não apresentam valor por si só:constituem-se em um meio e não em um fim.

Quando o adolescente busca orientação, procura alguém em quem confia porsua qualificação e que se comprometa a facilitar a informação de forma mais comple-ta e precisa possível. Tem dúvidas e quer umâ profissão que o faça feliz. Contudo,não o dirá de forma tão simpÌes, mas demonstrará pela expressão da própria dúvidaque não busca apenas uma carreira, mas sim algo que o realize e que, além da recompen-sa material, seja também uma ativìdade prazerosa.

O processo de escolha desenvolve-se através da soma de experiências conscien-tes e inconscientes. Necessita conhecer-se, perceber a sua realidade e o mundo dasprofissões.

Um dado básico é revelador da faÌta de preparação objetiva familiar e escolar noauxílio à escolha profissional: o ttclolescente não conltece o anrbientefísico das uni-versidades e irá conhecê-lo somente rto período do vestibular Essa é mais uma ca-racterística do "princípio de neutralidade" utilizado pelos pais. Tal princípio lhesgarante o orgulho de não ter influenciado ou induzido o filho na escolha: "Meufilho

faz o que quise4 a escolhq é dele, au não me envolvo ". Na verdade, vemo-nos frentea uma omissão. Como se não fosse dever dos pais, especialmente em um país como o

COMO TRABALHÂMOS COM CRUPOS . 385

nosso, examinar a realidade, o mundo das profissões e o mercado de trabalho junto aseus filhos.

Observa-se, com freqüência, que o adolescente gostaria de cursar uma facuÌda-de, mas trabalhar em outra atividade. Vejo a dissociação entre dois aspectos quedeveriam estar unidos e que com freqüência não estão: "Gosto desta profissão, masnão quero passar fome... vou trabalhar em tal profissão, mas gosto da outra".

A escolha profissional vem muito identificada com pessoas de sua relação: "Que-ro ser médico como meu tio, gosto muito do que faz meu primo". As relações famili-ares influenciam diretamente na escolha.

Para um melhor entendimento, relatarei a participação de Pedro e Marcelo emum grupo.

Pedro dizia: "Pretendo fazer Engenharia Civil, porque meu pai é engenheirocivil, tem um escritório grande, todo montado, com muitos engenheiros e clientes. Émais fácil eu trabalhar com ele".

Marcelo, no mesmo grupo, dizia: "Eu queria ser engenheiro civil, mas meu paitem um escritório grande com mais engenheiros e muitos clientes. Não quero traba-lhar com ele nem discutir meu trabalho com ele, por isso estou muito atrapalhado".

Enquanto para um deles a situação familiar era facilitadora na escolha profissional, para o outro ela era reveladora de conflitos.

Segundo Erikson, "chega a surpreender que, em meio a uma crise tão intensa, oadolescente consiga realizar tarefas tão importantes como as que tem de concluiqdefinir-se ideológica, religiosa e eticamente, definir sua identidade sexual e sua iden-tidade ocupacional".

Não posso concluir este capítulo sem abordar a questão da realidade brasileira ea questão ética.

Quanto à primeira, encontramo-nos num momento em que o desemprego é umproblema social grave. Esse é um fato condicionante para a escolha profissional, poisatinge o mercado de trabalho. O "subtrabalho", a economia infornÍal, pode se incluirnesta situâção, mas certamente não levará o âdolescente à procura de um assessora-mento.

Somam-se a isso os conflitos de um país que mistura staÍrrs de primeiro mundoe condições primitivas de vida, os quais transformam o adolescente que participa dotrabalho de Orientação Profissional num privilegiado, tema sobre o qual não deixo derefletir e que me leva à questão ética, exposta peÌas contradições pragmáticas e ideo-lógicas insertas na realidade objetiva e temporal a qual pertencemos.

Atenta às características particulares dos grupos e de seus membros, norteio-mepelo princípio básico segundo o qual o Homem é sujeito de sua escolha, o futuro éalgo que lhe pertence e nenhum profissional, por mais capacitâdo que seja, tem odireito de explorar.

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PARTE 6Prâtica comGrupos na ÁreaInstitucional

' .)

35Terapia InstitucionalLUIZ CARLOS OSORIO

Diz-se que o homem é um ser gregário e com isso alude-se à sua inata tendência aagrupar-se pÍÌra assegurar sua identidade e sobrevivência como espécie; analogamente,poder-se-ia afirmar que todo grupo busca institucionalizar-se para garantir sua unida-de e permanência.

Desde suas mais remotas origens o homem agrupou-se não só para se defenderdos perigos naturais como para instrumentalizar seu domínio e poder sobre gruposrivais, na medida em que os primitivos agrupamentos humanos se consolidaram, ouseja, institucionalizaram-se, adquiriram autonomia ou identidade própria e se toma-ram eles mesmos instrumentos de dominação e poder sobre seus componentes. Issoocorreu com a família, unidade grupal nuclear da sociedade, e com todos os demaisgrupos surgidos ao longo do processo evolutivo social.

Assim, os grupos, de depositários dos desígnios humanos, como erâm em suâsorigens, tornaram-se, gradativamente, agentes modeladores dos desejos, pensamen-tos e conduta de seus membros.

Esta breve digressão inicial - que tangencia tema bem mais amplo e abrangenteque o deste relato, qual seja, o das relações de poder dos grupos humanos - outra

. intenção não leva que a de pôr em relevo certos elementos identificatórios da nature-za intrínseca de qualquer agrupamento humano, que são, a nosso ver:

1) o caráter universal da tendência à institucionalização dos grupos humanos;2) o progressivo afastamento dos objetivos originais do grupo à medida que ocorre

seu processo institucionalizante;3) a conquista ou manutenção de "estados de poder" como objetivo imanente a qual-

quer agrupamento humano (ou seja, os grupos são sempre instrumentos da buscade poder, busca essa inerente à condição humana).

Essa colocação inicial teú, como se verá mais adiante, crucial importância para oestabelecimento de nossa estratégia na abordagem da instituição como uma totalidade.

O propósito desta comunicação é refletir sobre uma vivência clínica na aborda-gem de instituições visualizadas como "pacientes" de um 'processo terapêutico".Esse enfoque necessariamente nos obrigará a sacrificar, por razões de tempo e espa-

ço, referências à sustentação teófica de nossa abordagem; não obstante, entendemosserem indispensáveis alguns esclarecimentos iniciais sobre o vértice ideológico queorienta nosso trabalho nesta área.

Embora consideremos bastante discutíveis as extrapolações que simplistamentesão feitas do modelo médico para o psicológico e do referencial indivíduo para o

390 ZÌMERMAN & OSORIO

gmpo, pensamos que, por ora, não há como evitar em certa medidatais extrapolações,a fim de não comprometer a autenticidâde desse relato, uma vez que nossa aborda-gem inegavelmente é oriunda do modelo qrÌe pautou nossa identidade profissionalinicial. A meu ver, qualquer tentativa de negar â presença em nosso trabalho dessaidentidade médica anterior não só soaria falsa como acarretaria maiores distorçõespela adoção extemporâr ea de um referencial ainda não incorporado a nossa práxiscotidiana.

Assim, embora prefeíssemos não usar expressões contaminadas pelo uso clíni-co corrente, como o são "paciente", "doença", "diagnóstico" ou "terapia", não asevitaremos por ora, pelas razões exposta anteriormente.

Tenha-se em conta, contudo, que consideramos nosso "paciente" o "agente" deseu processo de mudança, do qual somos meros catalisadores. Se, como entendemos,a "doença" institucional é função basicamente da estereotipação das relações inter-pessoais e da concentração de poder, nosso prìmeiro cuidado ao abordá-la "terapeu-ticamente" é não nos constituirmos erì novo elemento centralizador de poder (nocaso, o poder da suposta cura) e não pemitimos que em nossa relação com a institui-

ção se estereotipe ou institucionalize o modelo "terapeuta-paciente". Esta seria umamaneira de "infantilizar" arelação e permitir o movimento regressivo anticrescimento-e-mudança, gerador de impasses.

Considerando-se, como postulamos inicialmente, que há em todo grupo umatendência, que lhe é inerente, a institucionalizar-se, visualizamos qualquer agrupamen-to humano, seja ele uma famíÌia, uma empresa industrial, um clube de futebol ou umacasa de saúde, como regido por celtos princípios comuns de natureza psicodinâmica.Em nosso entender, portanto, a compreensão e a abordagem de uma instituição comopaciente não diferem essenciâlmente daquelas dos grupos que atendemos em nossosconsultórios. Evidentemente, a estrâtégia e a táticâ adotadas diferirão em função dacomplexidade da rede interacional em um grupo institucional.

Vamos, a seguiç transmitir-lhes algumas reflexões pessoais oriundas de vivênciasem instituições (como membro de algum de seus escalões) ou como profissionalchamado a intervir no processo de mudança buscado por instituições de caráter pú-blico ou privado. Nesta última circunstância, nossa experiência é ainda muito escassae discuti-la aqui é, certamente, uma ousadia. Não obstante, a crescente preocupaçãocontemporânea com os males institucionais e a progressiva utilização de técnicasgrupais na sua identificação e atendimento trouxeriìm-nos o necessário estímulo paraarrostar os riscos de expor tão premâturâmente nossas reflexões a respeito.

Em seqüência, e com propósitos ÍÌ.ìeramente expositivos, vamos referir separa-damente algumas caracteústicas dos eventuais pacientes de uma clínica institucional,a estratégia, táticas ou técnicas empregadas na sua abordagem e as vicissitudes desseatendimento, finalizando com uma sucinta descrição do perfil desejável de quem sedisponha a tratar instituições.

OPACIENTE

Esquematicamente, para os propósitos em pauta, uma instituição pode ser divididaem dois subgrupos:

l) aquele formad o pelos mentbros eslrrrtarcls da instituição. Exemplificando: numafábrica, esses seriam os dirigentes, técnicos e operários; numa escola, o corpodocente e funcionários administrativo. e assinr por diante:

COMÔ TRABALHAMOS COM GRUPOS 391

2) a clientela-alvo dessa instituição, ou seja, respectivamente, os que comerciam ouutilizam o(s) produto(s) industrial(aìs) da fírbrica, o corpo discente da escola e ostorcedores do clube.

Embora na prática nosso atendimento habitualmente não inclua o segundo sub-grupo, não podemos deixar de levá-lo em conta para o estabelecimento de nossaestratégia operacional. Esta é uma proposição logística definida que deve ser clara-mente postulada no contrato com o "cliente" para que possamos eventualmente in-cluir no processo diagnóstico e/ou terapêutico a clientela-alvo (ou quem a represen-te) quando julgarmos oportuno ou mesmo indispensável.

Parece-nos também útil, para fins operacìoniris, considerar três tipos de institui-ção quanto seu tamanho e correspondente complexidade:

a) instituições "pequenas": até l0 membros estrutur:ris;b) instituições "médias": de l0 a 100 membros estnÌturais;c) instituições "grandes": acima de 100 membros estruturais.

Entendemos ainda serde grande valia detemrinar ao longo do processo diagnóstico o caráter institucional,ou seja, que traços caracterológicos predominam no compor-tamento global da instituição. Há uma certa correspondência entre a natureza de deter-minadas instituições e o caúter prevalente nelas encontradas. Assim, por exemplo,um hospital ou uma escola apresentam, habitualmente, um peÍfil caracterológico dotipo obsessivo-compulsivo; uma agremiação poÌítica aproxima-se da estrutura para-nóide; uma empresa multinacional corresponde em lìnhas gerais a um caráter oral,como um museu, a um caráter anal, e assim por diante.

Analogamente ao que ocorre com os indivíduos, pensamos que uma instituiçãonão será alterada em sua "patologia básica", a menos que se proceda à análise de seuselementos estÍuturais (caracterológicos) e possa ela como um todo se conscientizar(adquirir inslglrl) das motivações operacionais (mecanismos defensivos) subjacentesa seus objetivos manifestos.

Uma equipe interdisciplinar pode procurar ajuda com um terapeuta institucionalcom a "queixa sintomática" do mal-estâr reinante peÌas disputas e rivalidades entreseus membros; em uma investigação mais supelficial identìficaremos, quem sabe, asinvejas mobilizadas no confronto das ambições pessoais dos componentes do grupoe trabalharemos então sobre o emergerte da voracidirde grupal, sem nos dar-mosconta, contudo, que o núcleo do conflito grupal assenta-se na situação confusionalsubjacente e que decorre da falta de uma melhol definição de objetivos do grupo pelavigência de uma crise de identidade numa equipe multidisciplinar, buscando uns nosoutros a resolução de frustrações nas sues opções vocacionais originais e, assim, sobuma aparente capa competitiva, escondem-se os núcÌeos esquizóides da definiçãoprofissional.

O caráter do grupo institucional não é a sirnples superposição dos traços carac-terológicos de seus membros, mas a resultante dos vetores individuais que compòeme que muitas vezes apontam para distintas direções. Há que se considerar, ainda, amatriz operacional onde se inserem esses vetores e que diz respeito à natureza intúnsecae definitória de cada instituição. A instituição (ou grupo que se ìnstitucionalizou)molda o funcionamento do indivíduo deÌ'ìtro dela, tiìnto quanto a resultante dos vetorespessoais de seus membros confere à instituição uma identidade própria que a distin-gue de todas as congêneres.

392 ZIMERMÀN & OSORIO

Essas aparentes obviedades tonlÍÌram-se cruciais pontos de referência quandonos propomos a definir umâ estratégia de aproximação às instituições, o que nosocupará no próximo tópico.

ABORDAGENS TÉCNICAS

Teórica e didaticamente podemos considerar os aspectos logísticos, estratégicos, tá-ticos e técnicos de uma abordagem institLrcional. Na prática, contudo, há umainterpenetração e condensação desses distintos aspectos, razão pela qual não vamosconsiderálos isoladamente aqui.

Nossa abordagem é calcada basicamente no modelo teórìco psicanalítico, mas,se a psicanálise é capaz por si só de sustentar unla teoria compreensiva da psicodinâ-mica institucional, não nos parece que o rnétodo psicanalítico seja suficiente paraalicerçar os procedimentos diagnósticos e tefilpêrÌticos no atendimento a instituições.

Aí nos defrontamos com as limitações e deÍblmações da extrapolação do indivi-dual para o grupal e/ou social.

Em nossa experiência, até o presente, temos trabalhado com a teoria psicanalíticacomo marco de referência básico para a compreensão dos fenômenos institucionaisenquanto circunscritos à área das inter-relações humanas; na elaboração dos procedimen-tos de abordagem institucional colhemos subsídios na teoria dos sistemas e da comun!cação humana, bem como nos valemos da contribuição das técnicas psicodramáticas.

Entendemos como fundamental. no estabelecimento do contrato de trabalho como cliente, que fique claro que o consideramos uma unidade a ser investigada em suatotalidade sem que nessa tarefa possamos ser cercados pela delimitação de "áreastabus" que supostamente fiquem à margem dos procedimentos de investigação (eposterior "tratamento", quando Íbl o caso). Assim,.num clube de futebol, por exem-plo, não podemos nos limitar a trabalhar com o time e o corpo técnico que o prepara;é indispensável incluir as áreas administrativas c a diretoria do clube ao qual perten-ce o time para que nossa tarefa possa ser levada a cabo. Cremos ser um erro táticofundamental circunscrever o processo diagnóstico-terapêutico a setores isolados dainstituição.

Para tomar mais clara nossa exposição vamos nos valer do organograma de umahipotética instituição, no caso uma escola, a firn de ilustar a abordagem que fazemosconforme o modelo descrito.

A avaliação diagnóstica é feita através de teuniões com e entre os vários estra-tos institucionais. Assim, teremos inicialmente dois tipos de reuniões: um com osmembros de um mesmo escalão técnico ou adnrittistlativo e outro com membros dediferentes setores institucionais. No caso ploposto teríamos, por hipótese, os seguin-tes encontros:

a) Dentro do ntesmo segmetúo irtstitucìornl:

a.l) Reunião com o Conselho Superior Deliberativo e o Conselho Fiscal.a.2) Reunìão entre o Dìretor e seus dois Vice-Diretores;a.3) Reunião com o médico, dentista, auxiliares de enfermagem, orientador

educacional e estagiários, psicóloga;a.4) Reunião com os dois coordenadores pedagógicos;a.5) Reunião com os representatìtes dos colpo docente;a.6) Reunião com os alunos e/ou seus tesponsírveis;

COMO TRABALHAMOS COM GRUPOS 393

coNSELHO SUPERTOR DELTBERATTVO (9)

coNSELHO FTSCAL (3)

DIRETOR

VICE.DIRETOR PARÁASSUNTOS PEDAGÓGICOS

VICE.DIRETOR PARAASSUNTOS ADMINISTMTIVOS

ODONÍOLOGICO EDUCACIONAL

GABINETÉ GABINETE IMEDICO- DE ORIENÌ

Bt l tLADt :IUARU'BSBTS '

tuROATTEOCR

o

LEOEIMORDOMOC GERAL

MÊDICO DENTISÌA(+ aux. enferm.)

COORDENAçÃODE PRÊ E 10 GRAU

COORDENAÇÃODE 20 GRÂU

OEFlcCAINOT

oPSICÒLOGA

ORIENT.EDUCACIONAL(+ 2 €stagiáÍìes)

20 prcÍessores

(ALMOXARIFADO)

Porta â, pessoaldecopa e cozinha,sêruênles, jerdineiro,enc, de rêparcs, êlc.

CLIENTELA.ALVO 600ALUNOS

40 proÍessoíes

(e sêus íarniliares)

a.7) Reunião com os responsáveis peÌa Biblioteca, Museu, Laboratório, Artes eOfícios, Música e Canto;

a.8) Reunião com o Mordomo Geral, pessoal de secretaria e tesouraria;a.9) Reunião com os porteiros, pessoal de copa e cozinha, serventes, jardinei-

ros, encarregado de reparos, etc.

b) Entre os diferenÍes segmentos institucionais:

b.l ) Reunião com o ConseÌho Superior Deliberativo, o Conselho Fiscal, o Dire-tor e os Vice-Diretores;

b.2) Reunião com o Vice-Diretor para Assuntos Pedagógicos, médico, dentista,orientadores educacionais, psicóloga;

b.3) Reunião com os coordenadores pedagógicos e os professores;b.4) Reunião com o Diretor, seus Vices, os membros do gabinete médico-

odontológico e de orientação vocacional, representantes dos professores edos alunos e/ou familiaresl

b.5) Reunião do Vice-Diretor para Assuntos Administrativos com o MordomoGeral, Secretários e Tesoureiros;

b.6) Reunião do Vice-Diretor para Assuntos Administrativos com os responsá-veis pela Biblioteca, Museu, Laboratório, Artes e Ofícios, Música e Canto:

b.7) Reunião do Vice-Diretor para Assuntos Administrativos, do Mordomo Ge-ral, do porteiro, pessoal de copa e cozinha, jardineiro, encanegado de repa-ros, etc.

394 ZIMERMAN & OSORIO

E tantas outras reuniões quântas se mostraÍem necessárias. Por exemplo, poder-se-ia propor uma reunião com representantes dos professores e representantes dosalunos, dos coordenadores pedagógicos com os responsáveis pela biblioteca, museu,etc., ou mesmo uma grande reunião geral onde estivessem representados todos ossegmentos técnico-administrativos da instituição. Aliás, essa reunião geral, habitual-mente realizada ao final do processo diagnóstico, é de suma valia para a integraçãodas várias etapas desse processo.

Quando se trata de uma instituição de grande porte (100 ou mais membros es-truturais), via de regra é impossível avaliar as inter-relações entre todos os seus mem-bros; então precisamos tomar, aleatória ou intencionalmente, representantes de cadasetor ou área funcional da instituição e agrupáJos para o que denominamos "estudodas ordenadas institucionais". Essa tarefa é comolementada nelo "estudo das abcissasinstitucionais", ou seja. a avaliação do inter-relicionamento dentro de um determina-do setor ou área institucional.

Na abordagem de instituições médias ou grandes, pela extensão da tarefa propostae sua correspondente complexidade, faz-se mister ainda o trabalho em equipe, seguindoo modelo co-terápico. Eventualmente, os co-terapeutas não participarão juntos detodas as etapas investigatórias ou terapêuticas, mas como nas técnicas de abordagemmúltipla de pacientes de alto risco (Kalina e cols.) é indispensável o encontro dos co-terapeutas ao final de cada etapa programâda para avaliação e levantamento dos da-dos ou resultados colhidos e planejamento conjunto dos procedimentos seguintes. Ainteração da equipe de atendimento é naturalmente ôor?ditio sine qua non para o bomêxito da proposta de atendimento institucional e para tal é importante também queessa equipe se disponha durante seu trabalho a periódicos exercícios de auto-avalia-ção e eventualmente à supervisão de outra equipe ou profissional não comprometidono processo em curso.

Ainda no tocante à equipe de atendimento, cremos ser de utilidade recorrer aassessorias técnicas especializadas, quando se tratar de "pacientes" cuja semióticaoperacional não nos seja familiar; assim, podemos luscar o assessoramento de umadministrador hospitalar quando o paciente for uma casa de saúde, um engenheirocivil quando for uma firma de construções ou um técnico em educação quando foruma escola.

Last but not least, é condição indispensável para o bom êxito da tarefa a que nospropomos junto a determinada instituição que nenhum membro da equipe técnicaque irá participar de seu atendimento tenha vínculo empregatício, vigente ou anteri-or, com a referida instituição, o que o coloca na situação de membro estrutural daentidade paciente (se o vínculo existe no presente) ou tira-lhe as condições exigidasde neutralidade (caso o vínculo tenha existido no passado).

VICISSITUDES CLÍNICAS

Considerem-se as naturais dificuldades de quem se aventura a trilhar território inós-pito e quase inexplorado, sem contâr com o mapeírmento prévio da região e comequipamento não testado nas condições vigentes da expedição e ter-se-á o perfil denossas vicissitudes clínicas na abordagem institucional.

Para um psicanalista mais afeito a circularno espaço intimistada relação bipessoalque pauta seu labor cotidiano (ao qual provavelmente foi atraído por sua naturezapredominantemente introspectiva), toma-se, por vezes, árdua tarefa pensar em ter-mos coletivos e mover-se no território multifacético dos fenômenos grupais institu-

COMO TRABALHAMOS COM GRUPOS 395

cionais. Não obstante, o hábito de contínua reflexão e atenção aos mínimos detalhesque caracteriza o que fazer analítico pode vir a se constituir em fator altamente propi-ciatório ao entendimento do processo metacomunicacional que acompanha o traba-lho com instituições.

As primeiras vicissitudes clínicas a referir estão justamente no despreparo téc-nico para a tafera. Mesmo uma razoável experiência anterior em ambientoterapia ecom psicoterapia analítica de grupo, aliada à prática com pacientes individuais empsicanálise, parece-nos um background ainda insuficiente para quem se disponha atratar instituições. Conhecimentos teóricos na rírea da comunicação humana e treina-mento em técnicas psicodramáticas foram aportes importantes para cristalizar umaemergente identidade de terapeuta institucional. Cremos, no entanto, que só umacontinuada experiência numa equipe de atendimento com uma ideologia comum e asupervisão cruzada com colegas que participam de experiências similares situarãomelhor quais são os requisitos prévios para a adequada realização da tarefa proposta.

Na introdução fizemos alusão a certos elementos inerentes a qualquer agrupamen-to humano e cuja consideração determinaria a estratégia básica de nossa abordagem,bem como constituiram os principais obstáculos à tarefa proposta de buscar-se aruptura dos estereótipos institucionais e a criação de um estado de predisposição àmudança, sem o qual nossos esforços são abordados ab initio. Dissemos, então, queum grupo, qualquer que seja ele, vai se afastando dos objetivos que determinaramsua formação à medida que evolui e inevitavelmente se institucionaliza. Assim, porexemplo, a família, o mais elementar e primitivo de todos os agrupamentos humanos,que se originou na necessidade básica de prover o necessário suporte material e afetivopara a sobrevivência dos descendentes (a exemplo do que ocone nas demais espéciesanimais), acabou por tomar-se ao longo dos tempos um cÍrmpo de provas para oexercício do poder, onde via de regra os filhos tornam-se meros instrumentos dasexpectativas dos pais, cujo voru apego à fantasia de imortalidade através da descen-dência os leva a "programar" os filhos à imagem e semelhança de seus desígnios.

Analogamente, um hospital, cujo objetivo precípuo seria proporcionar ao pacienteas melhores condições para a recuperação de sua saúde, acaba por se estruturar segundoas conveniências dos médicos e funcionários administrativos que, freqüentemente,estão em oposição às necessidades dos pacientes. Que outra explicação para a desu-mana disciplina de ceúas práticas da rotina hospitalar, tais como horários de refei-

ções defasados com os hábitos dos pacientes ou o intempestivo despertar de plantãoou ainda a não concessão de altas em domingos ou dias feriados? Assim também osberçários e as salas de recuperação cinírgica foram criados em nome dos benefíciosaos pacientes, benefícios esses duvidosos como a experiência tem comprovado. Aadoção do room-in jâ ê prâtíca consagrada nas matemidades modernas, assim comopodemos vaticinar que em breve o serão nos serviços de cirurgia.

Idêntico comentário poderia ser feito sobre a transformação de uma indústria deinofensivos utensflios domésticos em parque de material bélico para atender aos im-perativos colonialistas de uma ditadura militar.

Apenas para não nos desviarmos demasiado dos propósitos desta exposição,deixaremos em suspenso esse apaixonante tema das distorções dos objetivos iniciaisde um gmpo institucional para retomarmos o fio de nossas considerações sobre asvicissitudes clínicas no âtendimento a instituições.

Entre os inúmeros mecanismos de interação grupal detectados em nossa experiên-cia institucional, háum que por sua transcendência para a avaliação de nossas limita-

ções e possibilidades terapêuticas merece destaque. Trata-se do que batizamos decircularidade da patologia institucional ou "fenômeno da batata quente". Resumida-

396 ZTMERMAN & OSORIO

mente, é o seguinte: em todas as instituições há sempre um núcleo conflitivo ou áreade atritos (a "batata quente") que circula em seus vários estratos organizacionais ouníveis funcionais. Quanto mais tempo essa "batata quente" perÍnanece estacionárianum determinado setor institucional, pior o prognóstico quanto ao estado da "saúde"institucional; e, conseqüentemente, quanto mais a "batata quente" circular, melhoresas perspectivas quanto ao nível geral de saúde institucional. Mas, por mais que circu-le, essa "batata" nunca esfria, pois pela entropia institucional ela é constantementereaquecida. A eficiência de nossa ação terapêutica, portanto, não será identificadapela resolução do fenômeno (por ser ele inerente à condição institucional), mas pelaaceleração do processo circulatório da "batata quente", de tal sorte que ao reduzir otempo de permanência do núcleo conflitivo em cada setor institucional as conseqüên-cias nocivas de sua presença sejam mitigadas, ou seja, conforme nossa imagem, senão podemos esfriar a "batata" por possuir ela a propriedade de reaquecer-se, toma-mos menores as chances de "queimaduras" ao seu contato, pela aceleração de suapassagem de mão em mão.

Vamos exemplificar com uma ilustração clínica:Em determinada Comunidade Terapêutica percebemos que, na medida em que

as ansiedades circulantes entre os pacientes foram sendo reduzidas pelo manejo maisadequado de suas atuações na comunidade por parte dos membros da equipe técnica,houve simultaneamente um incremento de mal-estar e conflitos entre os elementosda iírea administrativa, que de certa forma foram atingidos em sua rotina de trabalhopelas medidas tomadas pelos terapeutas a fim de atender certas reivindicações feitaspelos pacientes que lhes pareceram justas. Paralelamente à resolução das tensõesexistentes ao nível do setor administrativo, surgiram atritos e desentendimentos nacúpula diretiva da instituição, que uma vez discutidos e compreendidos trouxeramnovamente a concórdia e harmonia entre seus membros. No exato momento em queisso aconteceu, eclodiu um novo surto de agitações psicomotoras entre os pacìentesde um dos setores clínicos da Comunidade Terapêutica. E assim por diante, numarepetição cíclica de conflitos emergentes ora num, ora noutro setor comunitiírio.

A princípio nos frustrávamos com nossa impotência para resolver tais situações"de uma vez para sempre" como desejaríamos, e atribuíamos à nossa inexperiência eincompetência essa impossibilidade de controlar definitivamente tais "surtosconflitivos". Houve momentos em que detectávamos a tendência do conflito a estaci-onar em determinada área e então, numa inércia aparentemente inexplicável, o man-tínhamos ali enquistado como que parâ não contaminar ou espalhar-se noutras áreasconsideradas mais vitais para a sobrevivência da instihrição. No entanto, posterior-mente observamos que esse mecanismo defensivo, longe de poupar a instituição denovas vicissitudes conflitivas, acarretava uma baixa generalizada de nosso entusias-mo no métier e do rendimento global no trabalho assistencial, de ensino e pesquisa aque nos propúnhamos. A análise dessas circustâncias levou à conclusão de que éinevitável na vida institucional a ocorrência dessas situações de conflitos intra-sistêmicos, cuja resolução ou desaparecimento equivaleriam forçosamente à extinçãoda própria instituição. Vida é conflito e temos de aceitar essa realidade também nasinstituições. E própria à sua natureza dinâmica a presença do conflito e nossa funçãoterapêutica não é tentar ingenuamente eliminá-lo, mas sim identificar sua ação e ten-tar impedir que se estruture a determinado nível institucional, o que gradativamenteleva ao bloqueio e paralisa de todo o sistema.

O mesmo raciocínio feito com relação ao chamado "fenômeno da batata quen-te" poderá servir para a análise das relações de poder dentro de uma instituição.

P

COMO TRAAALHAMOS COM CRUPOS

Se, como postulamos inicialmente, toda instituição serve aos propósitos deinstrumentar a busca de poder inerente à condição humana, onde as alianças por ela(instituição) propiciadas visam a reforçar ou multiplicar o insuficiente poder dosindivíduos que a constituem, ter como objetivo terapêutico esvaziar o poder dentroda instituição é propor-se a aniquilar a própria essência institucional. Nosso propósi-to deve, igualmente, ser o de mobilizar ol agíIízar a altemância de poderes dentro dainstituição, de tal sorte que se crie um equilíbrio dinâmico que não predisponha àcristalização dos modelos ãutocráticos ou concentradores de poder, que desvitalizamqualquer instituição e a ameaçam de extinção. A rotatividade do poder é, destarte,sinônimo de saúde institucional.

Quando se propõe a troca de "ditadura da aristocracia" pela "ditadura da bur-guesia" ou desta pela "ditadura do proletariado", penso que se está fundamentalmen-te propondo a concentração de poder em outras mãos e não sua rotatividade, razáopela qual o modelo proposto acaba por adoecer dos mesmos males do modelo quequer substituir.

PERFIL DO TERAPEUTA INSTITUCIONAL

À guisa de mero exercício pÍospectivo trataremos agora de esboçar a formação e ascaracterísticas que nos parecem desejáveis num terapeuta de instituições.

Parece-nos menos relevante a área profissional onde o terapeuta institucionalfez sua formação básica (medicina, psicologia, sociologia, serviço social, adminis-trâção de empresas, etc.) do que certas exigências de qualificação para a tarefa que arigor âté agora nenhuma área específica proporciona. As recomendações que nosatrevemos a fazer a seguir não levam outra intenção que a de abrir a discussão sobrequais as condições preconizadas para tal qualificação. Desde logo advertimos queelas refletem menos os objetivos a serem idealmente buscados dó que as circunstân-cia pessoais de uma trajetória apenas iniciada, procurando superar limitações e def!ciências que nos são próprias.

Assim, quer nos parecer que, embora não seja indispensável ser o terapeutainstitucional um psicanalista, tal condição lhe dá certas vantagens iniciais quanto àpostura reflexiva de sua tarefa e quanto às possibilidades de compreensão e manejodas motivações inconscientes subjacentes à conduta humana. Para os indivíduos dota-dos de peculiar capacidade de inslglrÍ sobre os fenômenos intre e interpessoais basta,quem sabe, o que tenham vivenciado num processo de autoconhecimento de tipopsicoterápico.

Exige-se, certamente, um conhecimento sólido de dinâmico grupal e dos distin-tos aportes referenciais trazidos por certos autores que se dedicaram em algum momen-to ao estudo dos grupos institucionais. Entre os pertencentes à escola psicanalítica, eque são obviamente os que melhor conhecemos, destacaúamos E. Jacques e W.R.Bion na Inglaterra, Pichon Rivière e J. Bleger na Argentina, para ficarmos apenascom aqueles cujas obras têm sido melhor divulgadas entre nós.

Pela riqueza e abrangência conceitual no tocante aos fenômenos grupais. asteorias dos sistemas e da comunicação humana (conforme o trabalho pioneiro dodenominado grupo de Palo Alto, na Califómia, U.S.A., e de outros tantos que parale-la ou conseqüentemente se desenvolveram em diferentes latitudes) nos fomecem im-portantes subsídios tanto para o diagnóstico quanto para a elaboração das estratégiasde abordasem institucional.

397

398 ZIMERMAN & OSORIO

Ao lado da matriz operacional dos exercícios de dinâmica de gmpo, as diferen-tes variações e artifícios técnicos desenvolvidos pelo psicodrama têm-se evidenciadode grande valia na elaboração de um modelo de atendimento institucional.

Finalmente, cremos que muitos profissionais que labutam na esfera administra-tiva como consultores na organização, planejamento e estudo da viabilidade econ&mica de empÍesas poderiam trazer importantes subsídios ao emergente campo daterapia instinrcional.

Obviamente, a psicologia organizacional, pela experiência acumulada no tratocom instituições, embora com outro escopo, tem também sua contribuição a trazeÍpara a formação dos terapeutas institucionais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRT$ICAS

BLEGER, J. P.ricoÀrgiene t psicología institucional. 2.ed. Blueítos Aires: Paidós, 1912, 212 p,JAQUES, E. Social systems as a defense against persecutory and depÍessive anxiety. In: KLEIN, M. et

al. New directíow in psycho-analysis. New York: Basic Books, 1952. pp. 478-98.KALINA, E. Comunicação pessoal.PICHON RÍVIERE, E. El prcceso grupal de psicoaruálísìs a la psicología social. l6,ed, Buenos Aires:

Nueva Visión. 1981. 213 D.

36Formacão de Líderes:

t2

oGrupoEoFórumAdequadoMAURO NOCUEIRA DE OLIVEIRA

Wilfred R. Bion (1897-1977) identificou que todo grupo funciona, simultaneamente,em dois níveis: um consciente, racional, objetivo, voltado para resultados, manifesto- o nível tarefa - cuja liderança, normalmente, é exercidâ, e o grupo espera que sejapor uma autoridade constituída formalmente: o chefe, gerente, diretor, etc.; e outro,inconsciente, atávico, primitivo e latente - o nível emoção - cuja liderança (ou lide-rânças) despontam no gÍupo a serviço de um dos pressupostos básicos: união (oupareamento, ou acasalamento), dependência e luta-fuga.

Em nossa cultura organizacional, nossos gestores não são preparados para tra-balhar com gÍupos mas, sim, com indivíduos. Ainda acreditamos que a autoridadeconstituída é naturalmente detentora dâ liderança do grupo e por isso muitas vezessomos surpreendidos com "lideranças negativas" que nada mais são do que manifes-tações do grupo contriírias ao tipo de autoridade que estí sendo exercida, pelo fato denão ser respeitado o nível emocional do grupo, pois este precisa satisfazer simultane-amente o nível tarefa e o nível emoção.

Quanto mais a autoridade formalmente constituída se preocupa com o níveltarefa, mais o gmpo reage através de um, ou de todos, os pressupostos básicos queestão no nível emoção. Quantas vezes já vimos acontecer decisões que implicam oafastamento de uma "liderança negativa", para reestabelecer o bom-clima no gÍupoe, passado algum tempo, o grupo elege inconscientemente outra "liderança negati-va", só que fazendo uma confrontação mais sutil e inteligente.

Estou usando a expressão "liderança negativa" como um exemplo somente, poisde outras formas pode se manifestar o nível emoção do gÍupo, como, por exemplo, ogÍupo que ocupa muito do seu tempo trabalhando mais suas relações interpessoais(união ou pareamento à espera de um "salvador" que pode ser um membro do grupoou uma idéia ôu, ainda, um fato que sirva para aliviar a ansiedade do grupo) do quevoltado para a tarefa objetiva; ou o grupo que faz com que a oportunidade de conflitonão seja utilizada para sua administração, mas, sim, para salientar sua insatisfação(luta/fuga), ou ainda, o grupo que estimula um de seus membros a entrar em liúa deconfronto com a autoridade estabelecida (luta). Enfim, entendamos quejunto com ascaÍacteísticas individuais de seus membros, e o grupo as aproveita, existe todo umprocesso grupal que não pode ser gerenciado, colocando o foco em indivíduos, mas

400 ZIMERMAN & OSORIO

no gÍupo. E aí toma-se importante e necessário o gestor dar-se conta de que tal pro-cesso passa por suas atitudes, pela intensidade conì que está se focando na tarefa,conseqüência, talvez, da pressão que recebe parl que obtenha resultados, deixandode aproveitar a energia contida nos pressupostos biísicos para que isso aconteça efazendo com que "o tiro saia pela culatra", ou seja, a energia do grupo volta-se para amanifestação de uma insatisfação, e como a energia é limitada, não resta muito delapara a concretização da tarefa.

Quando trabalho com este referencial teórico nas organizações, meu objetivo émostrar àqueles que exercem função de gestores como isso acontece no grupo; paratanto uso o que chamamos Modelo Tavistock.

COMOTRABALHO

Antes de entrar em aspectos práticos, é ìÌrtelessante salieÍìtâr que o ponto de partidapara este tipo de atividade é a base teórica e a certeza de que o objetivo é auxiliar ogrupo a entender o seu funcionamento, pois, caso contrário, o impacto que provocano grupo pelo inusitado em nossa cultura, não estando claro esses dois pontos, podegerar um sentimento de total frustração, de perdr de tempo e, principalmente, deativar sentimentos atávicos cujo fórum para serem examinados é num espaçopsicoterapêutico e não de cunho desenvolvimentistâ.

A POSTURA DO COORDENADOR

A posnrra do coordenador é adotada para provocal iüitação. ódio, frustração de ex-pectativas, sendo isenta de manifestações não-verbais, sem ser neutra. E uma posturade observador atento a serviço do grupo e, prìncipalmente, voltado para a tarefa quepropõe ao grupo realizar, ou seja, a de examirlar o seu próprio comportamento àmedida que ocorre.

A TAREFA DO COORDENADOR

O coordenador deve auxiliar o grupo na sua talefa. Fazer intervenções, interpreta-

ções, esclarecimentos, procurar salientar fâtos que estejam ocorrendo possibilita aogrupo aprofundar o conhecimento de si mesmo, enquânto grupo e, aos seus mem-bros, no quanto contribuem para tal funcioramento, oportunizando insights e refle-xões a respeito de outros grupos além daquele que estão vivendo. Como se trata degrupos organizacionais, com gestores, normallnente a colrelação é feita com os seusgrupos de trabalho e os papéis que desempenham neles, e outros papéis desempenha-dos por seus membros. No entanto, tambéin aparecem outros grupos que não somen-te os orsanizacionais.

É Ìmportante salientar que a tarefa do cootdenaclor - ajudar o grupo na suatarefa - pode ser também desempenhada por um dos membros do gnrpo quando elefaz intervenções mostrando o funcionamento do grupo para realizar ou não a tarefa,não havendo, então a necessidade da intervenção do coordenador. Não assumir aDostura de detentor do conhecimento.

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coÀ,to TR^B^Llt^Ì!ros coìr cRUPos 401

O PROCESSO

Inicio o grupo lendo um texto onde estão descritas as bases do trabalho, ou seja, paraentendermos como um grupo funciona. precisamos vivenciar um grupo em funciona-mento. Defino o objetivo e a tarefa do grupo e também a minha tarefa. Estabeleço oslimites de horários, até que horas trabalharemos para que o grupo tenha noção dafunção temporal. Normalmente o grupo faz confusão a esse respeito, pois, ou negaque foi dito o horário do término e extrapola o limite temporal, ou, então, antecipa ohorário do término, pois normalmente, trabalho quatro horas e proponho um interva-lo após duas horas de trabalho, e aí entendem que o final será no intervalo. Tambémusam, muitas vezes -já que é o único fato concreto conhecido por eles - a questão dohorário para tentarem estabelecer uma comunicaçÍo com o coordenador, perguntan-do: "Até que horas iremos mesmo?". Um momento bem caracterizado como "depen-dôncia" que, se houvesse a resposta do coordenador', aÌiviaria o grupo de uma peque-na ansiedade inicial.

Como não é satisfeita essa expectativa, o que mais ocorre é iniciar. proposto poralguém do grupo, uma apresentação de cada um dos membros. O pressuposto básicoé o de pareamento/união/acasalamento, pois tlaz embutida uma esperança de quealguém com um "bom" currículo poderá nos liderar. O que mais ocorre é que aqueleque propõe a apresentação se escale para ser este líder. Nem sempre o grupo o aceitae ató inicia um processo de "luta" contra essiÌ pretensa liderança, ainda mais se hou-ver no grupo outros "candidatos a líder mais velhos, maìs experientes, com maisbagagem" do que aquele ansioso iniciante. O passo seguinte é, após todos terem seapresentado, voltarem-se para o coordenador e pedir que este se apresente. ì.,Íais umatentativa de "dependência". Frustrada também, o movimento se transforma em "luta",então dizem: 'Não adianta, vamos continuar sen ele como até agora. Não ajuda emnada". Quando este processo é denunciado, como o grupo buscando alguém que pos-sa diminuir o estresse pelo qual está passando, há manifestações do tipo: "Sempreque iniciamos um programa de treinamento alguém tem que fazer o papel de profes-sor. Tu estás sendo omisso", ou, "Tu estás aí para quê? Se é para ficár quieto, estão tepagando muito caro". E há também outras: "Realmente, como estamos habituados aque alguém nos diga o que fazer...", ou "Será que nós, enquanto gerentes, não trata-mos nosso grupo dessa forma, ou seja, nos colocamos numa situação para que ogrupo experimente dependência de nosso papel?".

Como a cultura predominante é a da centfalização, da "autocracia condescen-dente" e até do autoritarismo, há manifestaçóes contríÌrias, dizendo que o papel dolíder, do gerente, do professor, é orientar os menrbros do grupo na realização datarefa; ele está lá para isso. Se não cumpre o seu papel, alguém tem que cumprir.Enfim, inicia um dar-se conta de que o espaço gerado pela ausência de uma esperadaliderança é suprido pelo próprio grupo através de seus membros.

O interessante é que na maioria das vezes essa reflexão é feita com relação aosgrupos em geral, mas não com seu grupo específico. Nos seus grupos de trabalho, nosquais exercem um papel de autoridade formal estabelecida, cada um é o líder do nívelemocional também, não há problemas. E como todos são líderes será fácil para elesencontrarem uma saída para aquela situação. Quando é levantada a hipótese de quejustamente por todos serem líderes o que está havendo é uma disputa para decidirquem substituirá a liderança expectada, há a negação e o ataque àquela figura, dizen-do que isso ocorre em função da sua omissão. Mais tarde, normalmente retorna essareflexão a respeito da omissão: que alguns problemas que enfrentam no grupo podem

402 ZIMERMAN & OSORIO

. ser gerados pela sua própria omissão ou excessiva preocupação com a tarefa a serrealizada, desconsiderando o processo que está haveudo no grupo.

Qualdo começam a examinar esses aspectos, surge alguma coisa como que umsentimento de "irmanados na dor", na dificuldade de desempenhar este papel dianteda situação que vivem na empresa: cobrança de metas e resultados por parte de pes-soas que não vivem o seu dia-a-dia. Noto que quando há intervenção da coordenaçãonum momento como este levantando a hipótese de que podem estar chamândo acoordenação para auxiliá-los, estimula um movimento de luta-fuga ou o dar-se contade que fazem isso como forma de justificar suas dificuldades, atribuindo a responsa-bilidade a algum superior ou a algum fato da cultura empresarial.

Outro movimento muito comum neste tipo de atividade é o de estabelecer re-gras para o funcionamento do grupo. Como o único limite estabelecido é o do horário- e o experimentar liberdade não é algo comr.rm em nossa cultura organizacional - asregras para a convivência durante aquele período servem como elementos controla-dores, assim como a definição de um tema a ser tratado (fugindo do processo) e, ú agrande discussão dá uma sensação de estar sendo cunrprida uma tarefa mais próximade sua realidade- negócios. Muitas vezes, há uma forte indignação quando acoordena-ção levanta a hipótese de estarem fugindo da tarefa proposta através da discussão deum tema comum a todos os membros do grupo. Indignação porque tais temas fazemparte do seu dia-a-dia, do objetivo pelo qual a emplesa lhes paga; pelo menos estãofazendo alguma coisa útil além de ficar quietos esperando que alguérn lhes diga o quefazer. Estão justificando o estar ali, já que vieram para uma atividade de treinamento.

Após tantos movimentos do grupo e tantas hipóteses por parte da coordenação,na maioria dos grupos começa o dar-se conta nho só de alguns membros, mas dogrupo como um todo, a respeito do próprio exercício; de que a coordenação represen-ta para eles o mesmo papel que eles representam em seus grupos e que às vezes não sepermitem perceber de que acontece algo além da tarcfa, principalmente, quando osobjetivos não estão muito claros e que, muitas vezes, eles como gerentes não deixamos objetivos muito claros pâra o grupo. Surgem muitos motivos: manter o poder, adependência do grupo em relação a eles, a focalização excessiva na tarefa. O quantolhes incomoda quando surgem lideranças no grupo que se opõe à sua e que conside-ram "nocivas" ao grupo e que muitas vezes pensam que a solução é afastâr tal lide-rança. Eles, enquanto gmpo de gerentes, quando reunidos com seus superiores hie-rárquicos, adotam comportamentos idôrrticos ao qrÌe estiìo experimentando. Quantoestresse é gerado em nome de manter as aparências.

Enfim, não que em todos os grupos ocorra tal processo, há sempre uma tomadade consciência a respeito da necessidade de rever o exercício do papel. Foram colo-cados como autoridade de um grupo sem, muitas vezes, conhecerem o funcionamen-to do grupo e com uma única preocupação: alcançar resultados com aquelas pessoas,desconsiderando fatos que são do funcionamento do gnrpo e, se provocarem desvioda tarefa, exercitam o autoritarismo sem ter consciência dos efeitos que isso provocano gÌupo.

CONCLUSÃO

Durante muito tempo, principalmente consíderando que nossa geração de executivosfoi formada na época da repressão - não só política, mas familiar e educacional,principalmente -, acreditou-se e treinou-se aqueles que estavam em posição de auto-

COMO TRABALTIA]\1OS COM GRUPOS 403

ridade para serem líderes mais efetivos, mais eficazes, mais controladores, e, salien-to, mais manipuladores, visando a manter a repressão.

Pessoas que se destacavam ou por serem botts técnicos, ou por terem caído nasgraças de figuras de autoridade, ascendiam a postos de podet, eram treinadas para"serem líderes", na direção da visão freudiana de líder': o grupo é emergente de seulíder, então precisamos de líderes "bem preparados" para moldar os grupos. Não poracaso, aliviada a repressão, o surgimento de movimentos participativos, o retomar deum processo democrático surge não mais a figura do líder como o elemento-chave,mas o grupo como o pilar de uma pretendida nova gestaìo. Aí se deu o choque dodiscurso novo e das posturas antigas. Felizmente, prefilo acreditar, continuam asboas intenções do discurso novo, e sobre elas é que estlto ocorrendo oportunidadespara entendermos e vivenciarmos que o processo de liderança é muito mais comple-xo, mais rico, mais vivo e mais verdadeiro, pois é o trabalhar com a realidade dogrupo e não com o desejo da autoridâde.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁF'ICAS

BION, W.R Experiáncias con grupos. São Pâulo: Imago. I975.RICE, A,K. Formaçao de líderes: relações ìtxcryrupais e interpessotLis. São Paulo: Ibrasa, 1970.

3lAtendimento a Grupos emInstituicõesNEIDI MARCARETH SCHNEIDER

Temos aplicado nosso trabalho focalizando o desenvolvimento de adultos sob a óticaandragógica, que considera o adulto com a capacidade de revisar seus valores e cÍ€n-ças a partir de uma predisposição para tal. O adulto aprende somente aquilo que deseja,e estií disposto a conhecer e revisar dentro de suas idéias preconcebidas sobre o tematanto no plano intelectual quanto no afetivo. A atitude traz a necessidade de juntar estÍts"partes", aprender conhecimentos e rever comportamentos.

O adulto em geral acredita ter visto ou vivido a maior parte das experiências davida o que, por vezes, é um dificultador de revisão de cÍenças intelectuais e afetivas.Portanto, ele aprende aquilo que quer, no tempo que se permite. As revisões de or-dem intelectual, que pressupõem mudança, geralmente são lentas, pois necessitam deuma postura de reaprendizagem. Quando estamos falando de mudanças de ordemafetiva, que pressupõem mudanças de atitude, a tendência ao desconforto é geralmentemaior. As restrições ao novo, ao diferente do conhecido, provocam algumas resistên-cias - diríamos que estas têm umarelâção direta com apredisposição do indivíduo derever a si mesmo e a permitir-se lidar com mais facetas de sua personalidade, o que setraduziú em atitudes diferentes das anteriormente estabelecidas.

Nosso trabalho tem pemeado tais questões, tendo em vista que a maioria dasinstituições que nos solicita um diagnóstico ou uma intervenção psicossocial o fazexpressando algum desejo de mudança, às vezes consciente, ou não. Também ocorrede estarem nos chamando para fazer um trabalho num "contrato psicológicosubjacente", isto é, desejam a mudança desde que não se mude nada. Esse aparenteparadoxo é mris comum do que se possa imaginar.

Os grupos, sejam eles de formação, desenvolvimento, experimentação ou pes-quisa, trazem uma dimensão oculta que tanto interfere no processo do pequeno gÌupocomo sofre a interferência desde por amostragem representativa que é a dimensãoinstitucional. Exemplo disso é que, diante de um grupo de alunos ou de pacientes deuma determinada instituição, necessita-se trabalhar a equipe pedagógica ou a médicapara conquistar-se também mudanças da 'tultura" desta instituição.

Quando o macrossistema, no caso a instituição, permite ser trabalhada a fim derever suas regras e normas de funcionamento explícitas e principalmente, as implíci-tas, observamos resultados mais profundos e duradouros nos microssrsteÍnÀs - ospequenos gmpos.

406 ZIMERMAN & OSORIO

Os grupos tendem a retratar, através da instituição, a ambivalência do ser huma-no. Comumente, o adulto manifesta desejar intelectualmente uma mudança, uma revi-são de procedimentos, desde que a alteração se mânterhà sob controle. Eles tendemapotencializar as necessidades dos indivíduos que os compõe, assim, tanto as disponi-bilidades pessoais como as resistências apaÍecem no grupo proporcionalmente. Ainstituição, vista como um grupo em funcionamento, também reproduz seus conflitosde valores, crenças, colocando-se muitas vezes como'luí2a ", balisadora das permis-sões ou não-permissões, incluindo ou excluindo pessoas, que se adaptam ou não aessesconjuntos de normas. As normas explícitas são geralmente proporcionadoras de toma-da de decisão por parte do adulto. Porém as nofinas e regras subjacentes são as causadorasde conflitos maiores, pois sua não-explicitação leva à vivência de situações de descon-forto e sentimentos de impotência dos membros que fazem parte da instituição/grupo.

QUESTOES TEORICAS

Reportamo-nos à idéia de que o grupo como um todo é envolvido num conflito cen-tral e este permeia qualquer momento do grupo, o que foi originalmente descrito porFreud (1922), Bion (1961) e Ezriel (1950), da Clínica Tâvistock de Londres.

O conflito é visto como uma saída para as manifcstações mais primárias, dosdesejos e medos dos seus membros, e intelpõe-se nos estágios de desenvolvimentodo grupo a que eles pertencem. Os conflitos bastante fleqiientes se centram em ques-tões envolvendo autoridade, liderança e a relação entre os membros. Apesar de serativo no "aqui-e-agort', é um conflito que, na maioria das vezes, os membros dogrupo não têm sob a forme conscìente.

Schutz (1955) aborda a questão da dependência (autoridade) e interdependência(autonomia), considerando que os indivíduos, através de suas necessidades interpes-soais, evidenciadas em todos os grupos, são movimentos denominados de:

. Inclusão: sentir-se considerado pelo outro, estlbelecer limites de sua participâ-

ção, desenhar o papel que pretende desempenhar no grupo.. Controle: interesse pelos procedimentos que levam ìrs decisões, a distribuição do

poder no grupo e controle das atividades dos outros. Aparece um jogo de forças,competição pela liderança, formulação de normas, ctc.).

. Afeição: busca da expressão e integração emocional através de manifestaçõesabertas de hostilidade, ciúme, assim como apoio, abraços. Testa-se os limites darelação e esboça-se a aceitação pelas diferenças pessoais.

Essas etapas são cíclicas durante a vida de um grupo, independente de sua dura-ção ou objetivos.

Bion nos oferece uma visão de aspectos comÌÌns aos gÍïpos com suas concep-ções denominadas tle "supostos básicos", os quais se revelariam em movimentos de:

. Dependência: os Í,embros buscam relações de proteção, elegem e identificamlideranças que lhes proporcionem segurança. Tendem a expressar sentimentos dedesamparo e de colocar na figura de autoridade a responsabilidade pelos aconte-cimentos, etc.

. Luta-fuga: luta - interações confrontativas, insistentes, relutância a situaçõesnovas, etc.; fuga manifestações teóricas inopol'tunas, baixo envolvimento comos objetivos, generalizações, visão centrada no oLÌtro, etc.

COMO TRÀBALHAMOS COM GRUPOS 407

. Acasalamento/união: apoio às idéias dos outros, cooperação, eleição de situa-ções, idéias ou pessoa "salvadora" de eventuais dificuldades que o grupo estejavivendo, etc.

Nenhum desses movimentos pode ser visto isoladamente ou considerado bom,/mau. Digamos que toda a expressão que determina um processo grupal é desejável evaliosa, pois proporciona altemativas de expressão dos conflitos intrapessoais, quese manifestam nas relações interpessoais e, por sua vez, determinam as característicasintragrupais e estas desencadeiam as relações intergrupais. Essa rede de relaçõesintergrupais, ântes descrita, promove o modus operandrs da instituição, a manifesta-ção de sua cultura, determinando tais inter-relações e sendo por ela influenciada.

Entendemos que o principal trabalho do coordenador de grupos, nas instituições, é ajudar os membros a compreender o conflito e inter-relacioná-lo à sua mani-festação no momento presente; propiciar que, independente da etapa que o mesmo seencontre, os membros tenham, na pessoa do coordenadoç um continente paÍa suasmanifestações de angústias, satisfação, medo ou desejo; e receber também a possibi-lidade de construir seu próprio entendimento da vivência e da expressão de seussentimentos.

EXEMPLO

Tratava-se grupo que se encontrava numa fase clássica de inclusão, testando suaaceitação pelos demais membros e pela coordenação e procurando sair de suas postu-ras extremamente críticas e ígidas para uma relação mais espontânea. Num dadomomento, começou a descrever, com assuntos hilariantes, pouco comuns, fatos ocor-ridos com crianças que tiveram que suportar adultos, vistos por eles como insensíveise sem consideração.

Neste estágio do desenvolvimento do grupo, eles se deparavarn com um de seusdilemas importantes - oportunizarem-se outros papéis além do formal conhecido, oumanterem-se dentro do conjunto de regras e papéisjá experimentados. Esse conflitodificultavalhes ações mais espontâneas, Quando traçamos um paralelo de que pro-vavelmente eles estavam falando de seus sentimentos presentes relativos à coordena-ção, que estaria representando os adultos antes mencionados "sem consideração",pois colocava-os através do trabalho diânte de suas dificuldades de lidar com seulado criança - espontâneo e criativo -, a reação de adesão foi imediata. Houve, inclu-sive manifestações de hostilidade à coordenação, responsabiüzando-a por deixar ognpo experimentar essa grande dificuldade.

Nosso entendimento relativo à questão do conflito central é de que cada mem-bro está envolvido numa tensão de grupo comum, e que, somente por insigthprópiodo dilema do grupo e da sua natureza inconsciente, ele poderá avançar individual-mente.

Um caso de atendimento a grupos em instituições

Tratava-se deuma instituiçáo prestadora de serviços à comunidade, de grande porte ecom uma imagem bastante qualifìcada. Fomos chamados em função de mudançasestruturais que pretendiam realizar, as quais, por sua vez, trariam necessidades derevisão de postura das pessoas que compunham o quadro funcional da instituição. O

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foco do nosso trabalho, poíanto, era auxiliar os gestores de pessoas a examinarem

. suas atitudes, o impacto das mesmas nos demais membros das equipes e conseqüen-temente a repercussão dentro da instituição. Tratava-se cle um trabalho de revisão depapéis formais e informais.

O processo tinha início a paÍir das mudanças dos papéis estruturais (formais,portanto). Essas mudanças, num primeiro estágio, dariarn-se "de fora para dentro",portanto, não espontâneas e, sim, circunstanciais. A tendência, pela nossa prática, erade encontrar resistências maiores as geralmente apresentadas em situações onde osgmpos se formam espontaneamente na busca de mudanças que surgem "de dentro parafora'. No segundo caso, a predisposição tende a tomar-se mais evidente, mas não édeterminante na conquista do propósito das pessoas daquele grupo.

Nas primeiras intervenções, percebeu-se um nível muíto bom de compreensãoda proposta de revisão dos papéis institucionais. Diríamos que no plano intelectualelas estavam relativamente assimiladas. As dificuldades começaram no momentoque se procuÍou integrar a consciência do pÌano intelectual com as necessidades demudança no plano afetivo, traduzidas em mudanças de atitudes. A revisão dos papéisconhecidos mexia em questões como poder, autoridade, reconhecimento, liderança,relações interpessoais, intragrupais e intergrupais.

As mudanças estruturais institucionâis não eram geradoras de desconforto, poisaconteceriam "no papel". O que causava medo eram as mudanças de atitudes decor-rentes Ca primeira. As pessoas assustâvam-se em ter de mudar seu jeito de ser dentrodaquele contexto conhecido.

Os gestores que antes tinham alguma forma de poder centralizado agora deveri-am compartilhá-lo com outras pessoas antes de uma tomada de decisão mais definiti-va. O discurso propunha uma revisão da postura dos gestores, que estimulavam atéentão atitudes dependentes por parte dos membros do gnrpo. O comum era mandarfazer, determinando todos os passos da taÍefa, tirando do outro toda possibilidade deiniciativa.

O novo modelo de coordenação dos gestores deveria estimular a autonomia daspessoas, o que pressupunha. inclusive, mais riscos.

Se a atitude mais centralizada causava desconfortos por tolher a liberdade cri-ativa e pensante, a outra pressupunha um comprometimento maior das ações realiza-das, uma exposição maior de acertos e erros. Portanto, o sabor da autonomia e daliberdade vinha recheado de maior responsabilidade e um grande número de receios.

As frases, "Fiz assim porque o fulano determinou" ou "Segui o manual de re-gras" ou "Sempre se fez desse jeito" passariam a mostrar-se ineficazes. Haveria umacobrança maior por parte da instituição e seus membros, pela responsabilização daatitude dos indivíduos isoladamente, ou destes, em seus grupos de trabalho.

Alguns grupos repetiam essa relação de dependência conosco da coordenação,reproduzindo a vivida com suas figuras de autoridade formal na instituição. Pediamque lhes fosse determinado como fazer as atividades, emprestar-lhes julgamento devalores como certo e errado, adequado, inadequado. Reivindicavam também que nósda coordenação nos responsabilizassemos pelo cumprimento de acordos como horá-rios. ausências. etc.

Exemplo: um membro do grupo, dirigindo-se a nós, coordenadores, mencionouseu desconforto e desconfiança com os resultados do trabalho, tendo em vista queoutras pessoas não estariam cumprindo os acordos feitos. Como exemplo, citou umaassembléia ocorrida com todos os grupos anteriormente, onde as equipes teriam feitoacordos que não se cumpriram na prática. Segundo esse membro do grupo, na insti-tuição as pessoas que detinham cargos e poderes formais (referia-se aos gestores),

COMO TRABALIIA}{OS COM CRUPOS 409

diziam uma coisa e fâziam outra: "Não é possíveÌ confiirr dessa forma, acredito queassim não vamos obter sucesso nos nossos objetivos de mndar a estrutura desta institui-

ção". A maioria do grupo se identificou com essl fala e manifestou seus desagrados.Ao sugerir-lhes que talvez parte desse desagrado e descoÌlfiânçâ estivesse na relaçãodos membros do grupo conosco, coordenadores, pois uós também não assumíamosum papel formal de responsável pelo "destino do grupo", que eles acreditavam sernossa responsabilidade. Mencionamos que tal hipótese estava embasada nas mani-festações de chateação e frustração, por parte dos membros do grupo, quando perce-biam que nós, coordenadores, não trazíamos para nossa rcsponsabilidade a cobrançade acordos feitos como horários, atrasos, agenda, etc. Tampouco, expressávamos des-contentamento ou satisfação frente às conquistas ou fiacassos relatados pelo grupo.

O grupo reagiu favoravelmente à intervenção. Mencionamos, então, que essapoderia ser uma expressão de sentimentos deles para corn eles próprios, à medida quetambém estavam tendo dificuldades em mudar detetminados papéis; realizar as mu-danças de atitudes, valorizadas e desejadas por eles descÌe o início dos trabalhos.Longos silêncios aconteceram posteriormente a essa intelvenção. O inslgrÀ vindo dogrupo foi de que eles repetiam o que tânto combatiiìÌn e se qtÌeixavam, também faziamacordos que nem sempre lhes era possível cumprir ou ató mesmo realizar nos tempose jeitos propostos. Também referiram seu entendimento do paradoxo que estabeleci-am conosco, ou seja, queriam liberdade e pediam contlole ao mesmo tempo.

Assim que contataram com ess:Ì perspectiva inicirrrm um movimento de troca& feedbacks, primeiramente tentand'o encontrar responsáveis por tal "fracasso".Depois, numa perspectiva diferente, começaram r perrnitir-se entrar em contato coma parte de cada um no processo do grupo e com as partcs depositadas nos outros. Ajunção destes sentimentos e percepções deu ao grupo Ìtì]la Ììova dimensão das suaspotencialidades individuais e grupais e realizott um nìovinlento de maior aceitaçãoaos tempos individuais, aos jeitos de cada um, às diÍèrcnças de atitude frente às situ-ações.

Também procuramos explicitar-lhes outra hipótese, a de que, quando as situa-

ções ou pessoas não correspondiam àquilo que o grupo entendia como correto, atendência era o rechaço, a desvalorização, a exclusão. O ilìusitado ainda era vividocomo motivo de muito desconforto, pois reportavâ-os a sentimentos de desqualificação,de incapacidade de realizar.

O cenário institucional reforçava tais sentimentos, oferecendo espaço para as"fofocas", para decisões de "bastidores", e impregnava, dessa forma, interrelaçõesde culpa e de culpados. Colocava-se também como a ptovedora das oportunidades.Sempre que isso era questionado, o papel assumido era cle víti:na, o outro visto comoalguém ingrato. Grande parte das manifestações de resistências apareciam nos gru-oos de desenvolvimento na forma de comentltrios eventttais, âparentemente sem com-promisso de que "fulano falou isso no correclor", ou "... dissi de seu desagrado du-rante o almoço, etc".

Quando convidávamos o gÍupo a examinrr por que essas questões de desagradoestavam aparecendo fora do ambiente de nossas reuriões e qual seria o significadodelas, a tendência do grupo era de encontrar razões bastante racionais. Quando essasnão tinham mais sustentação, a tendência do gÍïpo era de desqualificar seus mem-bros, taÍìto colegâs como coordenadores.

Trabalhávamos com vários grupos, simultaneame nte, e essa tendência foi relati-vamente comum na maioria dos mesmos. A difercnciação começou a aparecer ì pro-porção que esses mecanismos de defesa não sut'tiam nrais os efeitos esperados. e os

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gÍupos começaram a demonstrar, de forma mais clara, sua predisposição de reverseus papéis no grupo, na instituição, através da disponibilidade de cada um.

Os grupos com um clima dominante mais competitivo - onde na maioria dasvezes, as perdas de poder e Jtdtrr.s eram mais evidentes e concretas - tendiam a mos-trar-se mais resistentes aos assinalamentos ou à construção de entendimento dosmovimentos do grupo. Havia predominância de exclusões tanto de membros do gru-po como de idéias inovadoras. Por outro lado, nos grupos onde o clima dominante erao da predisposição à mudança, as novas idéias fluíam com maior rapidez. As pessoastraziam alterações de conduta conquistadas nas suas atitudes do dia-a-dia. Observa-mos que, nestes grupos, em geral a perda de poder ou autoridade formal não era tãoacentuada. Era onde havia, com maior facilidade, a permissão do grupo à existênciade líderes emergentes, com menor cristalização de papéis formais. A flexibilidadeintelectual e afetiva se apresentava sem tantos receios de possíveis perdas.

No transcorrer dos trabalhos, alguns grupos fizeram conquistas interessantesaproximando-se da proposta da instituição, de rever, tânto estrutural como atitudinal-mente, seus papéis. Essas conquistas começâram a traduzir-se, na maior parte dasvezes, em manifestações claras de desejos de maior independência de pensar e deagir, autonomia, reivindicações de espaço, de poder, etc. Neste momento, a instituição, através de seus poderes formais, começou a temer os resultados do trabalho dedesenvolvimento por nós coordenado e solicitou uma parada para revisão de objeti-vos. Essa "revisão" culminou na não-continuidade dos trabalhos.

A nós, coordenadores do processo de desenvolvimento, restou uma mescla deconceitos de competência pela facilitação na obtenção de parte dos objetivos, bemcomo o papel de depositários da incompetência peÌo fato de outra parte não ter atin-gido seus propósitos. Atribuíram também a nosso trabalho, pensamos, a parte com aqual lhes era difícil lidar, onde residiam suas ambivalências entre mudar ou manteros poderes institucionalizados.

Nosso entendimento vem do fato de qÌÌe, quanclo começamos a trabalhar, aspessoas que detinham realmente o poder decisório em grande parte se mantinhamrígidas na representação de seus papéis formais, havendo, porém, outra parte queesboçava, com crescente freqüência, mudânças de atitude frente os problemas usuaisda instituição e um claro desejo de descristirlizar os papéis, tornando-os rotativos eflexíveis. Esse movimento, pensamos, tornou-se muito ameaçador e contribuiu parao desejo de parar o trabalho. Outro dado interessante ó que a instituição que nosconvidou a realïzar o trabalho fazia parte de um sistema institucional ainda maior,onde regras, normas e procedimentos tinham uma conotação bastante rígida e dog-mática. Portanto, as possibilidades de mudanças reaìs e objetivas tomaram uma gran-de proporção e foram vividas como uma ameaça lo sistema maior. A continuidade dotrabalho poderia pôr em cheque os espaços ainda existentes entre o discurso de mudan-ça e a postura de manutenção do conhecido. Quando tais questões começaram a evi-denciar-se, houve a decisão definitiva de parar. Essa nunca foi explicitada, pois pode-ria vir à tona a parte da instituição e seus gÍupos de guardiões do modelo anterior.

Entendemos que o movimento reâlizado não é diferente daquele que era a gran-de queixa dos grupos, o de excluir o que incomoda, ao invés de examinar e aprofundaro entendimento e a busca de altemativas. Naquele momento, os coordenadores eramas pessoas a serem excluídas, na tentativa de retirarjunto com eles todos os aspectosda instituição que tanto incomodavam. Diríamos que a coordenação serviu de telabranca para a instituição, que nem sempre gostou do que viu. Acreditamos que estainstituição tem o desejo real de mudar, porém numa perspectiva própria, onde seuspreceitos e crenças maiores precisam, neste momento, ainda ficar preservadas.

COMO TRABALHAMOS COM CRUPOS 4rl

COMENTARIOS FINAIS

O caso apresentado nos remete às questões iniciais, onde comentamos da dificuldadedo adulto de deparar-se com mudanças que pressupõem revisão de crenças e atitudespraticadas. Mostra-nos também muitos dos movimentos comuns dos grupos, quandoesses defrontam-se com seu conflito central, expresso na sua ambivalência de mudarou manter padrões de funcionamento conhecidos e controláveis. A busca da uniãopara o crescimento, ou para o controle, ou a exclusão de aÌguém, como s aída. "mági-ca" para a solução de seus problemas é, entre outros aspectos, o cotidiano dos grupos.Suas manifestações são a expressão profunda de seu conflito central, que passa pormedo e desejo de enfrentar a si e aos outros.

Assim, podemos afirmar que cada grupo é parte e é todo, e também ó únicocomo tal. Seus membros passam, ao longo de seu desenvolvimento, porleis e proprie-dades comuns. A composição do grupo, através das diferenças de seus membros,quanto às suas personalidades, habilidades, conhecimentos, potencialidades, limites,resistências ou predisposições pessoais, oportunizam as características do gmpo emsi. Porém, sob nosso entendimento, é preciso contextualizar cada grupo à instituiçãoa que ele pertence ou representâ e procurar entender sua dinâmica numa visão inter-relacionada.

Tal visão nos permite perceber que as manifestações das várias facetas de cadagnrpo misturam-se às nuances da instituição, fazendo interfaces por vezes difíceis deseparar. Tal fato ocoÍre porque as manifestações e os movimentos destes vários gru-pos devem ser lidos, entendidos e devolvidos, observando as particularidades do con-texto onde se desenvolvem.

Reforçar aos membros dos grupos, em suas instituições, a possibilidade de to-mar suas próprias decisões, respeitar suas diferenças e compreender seu processo,para que possam se desenvolver com suas características e forças inerentes à suarealidade, é a parte mais importante e complexa do trabalho de atendimento a gruposem instituições. Devido a isso nosso trabalho nas instituições tem se caÍacterizadopela busca das conexões e identificações das necessidades de interdependência dasquestões individuais e suas manifestações na coletividade.

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38Laboratório: Exercício daAutoridade, ModeloTavistockNEIDI MARCARETH SCHNEIDERLU|Z CARLOS OSORTOMAURO NOGUEIRA DEOLIVEIRAMÔNICA cUAZELLI ESTRoUco

rusrómcoApós a Segunda Guerra Mundial, lVillfred R. Bion atuou na Clínica Tavistock, emLondres, com grupos de candidatos a papéis de liderançâ em cargos govemamentais.Esses grupos de aprendizagem denominavam-se "grupos de estldo" (study group).Era, de uma ceÍa forma, a resposta britânica ao movimento de T-Group surgido nosEstados Unidos pelos mesmos motivos, ou seja, estudar e trabalhar as pessoas para oexercício da sua autoridade e liderança.

Entre 1947 e 1948, funcionaram na Clínica Tavistock, coordenados por Bion edo qual faziam parte A. K. Rice, E. L. Trist e C. Sofeç os primeiros Study Groups.Posteriormente, em 1957, surgiu o primeiro congresso baseado nas idéias de Bion,patrocinado pelo Instituto Tavistock de Relações Humanas e pela Universidade deLeicester, com o objetivo de estudar os processos de autoridade e liderança que ocor-rem nos gÍupos. E, desde então, a Clínica Tavistock, a Universidade de Leicester, oInstituto Grubb, todos na Inglaterra, e o Instituto A. K. Rice e o NTL (LaboratóriosNacionais de Treinamento), nos EUA, realizaram e realizam diversos congressoscom esse enfoque. Inicialmente, os ingleses adotaram o tetmo "Congresso" paradesig-nar esse tipo de trabalho, até porque não havia outrâ forma de reunir um grupo depessoâs paÍa examinar seu funcionamento e porque durante o "Congresso" haveriapalestras proferidas por cspecialistas, o que fez com que passassem a adotar o termo"Conferência", até hoje utilizado.

Em setembro de 1993, Neidí Margareth Schneider e Mauro Nogueira de Olivei-ra piticiparam da 56" Conferência realizada pela Clínica Tavistock, em Londres,Inglatena, U. K. O desejo de trazer esse trabalho para o Brasil foi amadurecendo e,em 1995, nasceu o Grupo Orbis, em Porto Alegre, composto por profissionais multi-disciplinares.

A busca das parcerias dentro do Gmpo Orbis foi regida pelo critério da multidisciplinaridade, a ousadia de inovar, a seriedade e competêncìa nos seus respectivos

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campos profissionais. Assim, o grupo ficou formado por um administrador de empre-sas com formação em dinâmica de grupo e vasta experiência em consultoria de pro-cesso; uma advogada com forte experiência com o grupo familiar; um psicanalistaatento e pioneiro no trabalho com grupoterâpia; urna psicóloga com formação emdinâmica de grupo e significativa experiência na iirea de consultoria a empresas einstituições em geral; uma administradora do evento com experiência em oÍganizà-ções de trabalhos de grupo, fonnação em serviço social e em dinâmica de grupo.

Respeitando as idiossincrasias culturais, mas mântendo as mesmas bases teóri-cas desenvolvidas por Bion sobre grupos, resolvemos desenvolver e proporcionar umespaço para o estudo e a sensibilização à formação de líderes através da vivência ecompreensão dos processos grupais. Adotamos o termo "laboratório", mais próximode nosso entendimento, em virtude de tratâr-se de uma experiência vivencial realiza-da em grupo.

O FUNCIONAMENTO DO LABORATÓRIO

O laboratório funciona como uma organização temporírria e desenvolve sua própriadinâmica, rituais e maneiras de trabalhar suas estnÌtuÍas. Os participantes e os con-sultores são parte dessa organização e podem olhar para esses processos e para suÍrscontribuições à culrura.

O laboratório está desenhado para oportunizar aprendizagem: examinando einterpretando suas experiências no laboratório como LÌma instituição, os participan-tes podem desenvolver seu entendimento de outras organizações e de seus papéisdentro delas. O laboratório, entretanto, não tem objetivo teÍapêutico e não focaliza apersonalidade do indivíduo. Cada participante pode vivenciar como experiências deautoridade influenciaram seu comportamento, seja conto líder seja como liderado navida adulta.

A tarefa é educacional, baseada no exame das experiências do "aqui-e-agora".Cada participante usa sua autoridade para aceitar o que considera válido e para rejeitaro que não considera. Através desses processos, os participiÌntes podem experimentardeque maneira eles exercitam sua autoridade nos vários sistemas de sua vida diária. Oindivíduo, como a organização ou grupo, funciona como um sistema.

OBJETIVOS E ATIVIDADES

O objetivo principal está em promover oportunidades para os participantes vivenciareme refletirem sobre o seu exercícìo de autoridade e liderança, através de eventos especí-ficos. Os gmpos são montados em vários tamanhos e com o critório da heterogenei-dade entre os participantes.

O laboratório consta das seguintes atividades: pleni'ìria de abertura, intragrupos,intergrupos, grupos de consultoria e grupos de revisão. Dessa forma, enfatiza-se deque não há encerramento e que o lâboratório é um processo que deve tercontinuidadeno cotidiano de cada um.

Os eventos intragrupos oportunizam aprendizagem a respeito do processo dopequeno grupo através do estudo do próprio grupo, das relações entre os membros dogrupo, e desses para com o consultor que se faz presente a todos os encontros. Opapel do consultor é o de facilitar o processo do grïpo e seu entendimento.

COMO TRABALHAMOS COM GRUPOS 415

Os eventos intergrupos oportunizam aprendizagem a respeito do processo dosgÌupos entre si e do exercício da autoridade de uns sobre os outros. A partir dasrelações dos intragrupos, os grupos desenvolveram culturas próprias. No momentodos intergrupos há oportunidade de ver essâs diferentes culturas interagindo no siste-ma. O consultor só se faz presente frente a solicitações específicas de algum grupo.

As plenárias oferecem oportunidade para discutir o laboratório como um todoou, se for o caso, de um evento em particulâr.

Os grupos de revisão têm múltiplas tarefas: oportunidade para discutir o aconteci-do e o diltlgado, considerar as experiências relevantes que levarão para o seu cotidi-ano e como lidar com alguns problemas após deixar o laboratório.

Os gnrpos de consultoria propiciam situações de troca e de ajuda real, pois oobjetivo é desenvolver habilidade para trabalhar colaborativamente num estilo deconsultoria em relação auma situação específica decorrente de uma experiência profis-sional.

RELATO DE UMA EXPERTÊNCIA

Vamos começar o relato de uma experiência com este tipo de laboratório, comentan-do alguns aspetos do funcionamento e interações entre os coordenadores e os parti-cipantes.

Sobre os coordenâdores

Os coordenadores mostraram-se sempre prontos a investigar suas motivações inter-nas para o trabalho, assim como seus sentimentos mÍrtuos. A dinâmica do grupofluiu, na maioria das vezes, na busca da inclusão de seus membros, o que não noseximiu de vivenciar sentimentos de inveja, disputa pelo poder. Exemplo disso foiquando, apesardas combinações realizadas entre os coordenadores, houve uma disputapelo poder através de quebra de regras e normas previamente acordadas. O acordoprevia que um dos membros dacoordenação representaÌia o papel de diretor do evento.

A situação ocorreu diante do grupo de participantes, o que colocou o colega nopapel formal de Diretot numa situação difícil. Quando os coordenadores reuniram-se, sem a presença dos paÍicipantes, pârâ discutirem como estavam realizando suatarefa, o próprio membro que disputou a liderança e o poder deu-se conta do episódioe procurou rever a situação. Portanto, fica claro como as necessidades individuaisinteragem e interferem nas relações grupais, mesmos sob acordos formais e compessoas aparentemente com domínio da situação. Os impulsos individuais trans-parecem sobre os preceitos formaìs e enriquecem a dinâmica das relações interpessoais.

Outro episódio marcante foi a surpresa dos participantes, quando se deparavamcom eventuais mudanças de postura dos coordenadores. Quando estes saiam de seuspapéis formais de coordenador de grupo, e colocavam-se de forma mais espontânea enatural, o grupo reagia solicitando a postura convencional conhecida.

Esses episódios reportaÍam-nos à percepção de dificuldades em flexibilizar-seas condutas, pois elas representam relativa segurança aos membros do grupo. O des-conhecido, não usual dentro das regras explícitas e implícitas do grupo, pareceu-nosser vivido como uma ameaça à desestruturação dos papéis já estabelecidos pelo gnr-po. Nossa hipótese é que os sentimentos gerados devem retratar a forma como expe-rimentam vivências semelhantes em seus grupos de origem: trabaìho, família, etc.

416 ZIMERMAN & OSORIO

A vivência veio carregada de sentimentos de "traição", e reflexões posterioresforam feitas sobre suas capacidades pessoais de flexibilizar, observar a realidade demuitos ângulos, não estreitar sua percepção seletiva nas diversas situações que re-gem o comportamento humano e, principâlmente, como exercem o seu poder e auto-ridade junto às demais pessoas.

Em outro grupo houve uma vivência forte relativa ao tema "diferenças individu-ais ou de estilos de coordenação". O grupo mostrava-se interessado em saber e enten-der como estilos de coordenação vistos e significados como diferentes podiam propi-ciar resultados semelhantes no que tange à oportunidade de crescimento individual egrupal. O aspecto que alí ficou evidenciado foi o da dissociação, pois colocavamforte, suave, profundo, superficial em pessoas diferentes, como se não fosse possívelhaver partes disso em cada um, que por suâ vez, as expressavam de forma diferente.

Quando o grupo conseguiu integrar essas "partes" colocadas nos coordenadores hou-ve um momento de reflexão profunda dos estilos de cada um dos membros do grupo.A possibilidade de integrarem dentro deles âs partes qÌìe projetavam fora de si deu-lhes uma dimensão mais humana das suas capacidades de agir. A visão "maníqueista"de certo e errado, bom ou mau, deu lugar'à visão sistêmica de partes que compõemum mesmo todo.

Outro emergente desse mesmo grupo refere-se à questão do controle e daindependização. O controle vivido como algo fora de si dava uma dimensão de ame-aça como era expresso na possibilidade de ser dernitido, ser vítima do sistema, nãoser aceito ou amado. Quando o grupo depara-se com sua porção pessoal de controlee diferencia-o de limites necessários à convivência humiìna, mostra-se satisfeito porperceber a potência que tem o poder pessoal e o uso que fazem dele, expressando seuestilo de exercitar sua autoridade.

Sobre o grupo de participantes

O grupo de participantes foi formado com o critório da heterogeneidade, porém opadrão predominante era o de pessoas que tinham o 3" grau, trabalhavam com gru-pos/equipes e apresentavam conhecimento intelectuirl sobre o assunto. Havia uma"aura de sapiência" sobre essas pessoas. AÌgumas Íblam consideradas "destoantes"num primeiro momento, por não serem de nível universitíÌrio, mostravam-se muitosimples, com uma visão extremamente pragmíüica de suas vivências com grupos,sem colocações mais intelectualizadas, ou elaboradas. O estigma criado era: elas nãopertenciam ao grupo de "elite", os "iÌ 'ìteligeÌìtes" e "experientes". As relações comtais pessoas estabeleciam-se como se fossem de um 2" time. Tudo fazia parecer quenão estavam em sintonia com o restaÌìte do grupo.

O desconforto dos participantes era pelceptível. Os próprios coordenadoresquestionaram-se sobre o fato de estarem qualificados pâra estarem naquele grupo,fazendo aquele tipo de trabalho.

No transconer do laboratório verificou-se que fbram essas pessoas que tiveramum excelente aproveitamento, com riqueza de ìnsights e contribuições valiosas sobresuas descobertas pessoais, permitindo-se crescer e contrìbuir para o crescimento deoutros membros do grupo.

Acreditamos que esses sentimentos surgem de ltma visão parcializada das pes-soas, onde o foco fìca nos papéis formais, seus cirrgos e suas posições manifestas.

À medida que as pessoas foram se despindo de sua intelectualidade, mostrando-se mais inteiras, além dos seus papéis formais foi ficando claro o que representava

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esse pequeno grupo dos "destoantes". A eles, dentro dos movimentos do grupo, ficoureservado o papel de excluídos (eram os "diferentes", "menos inteligentes","despreparados"). Enquanto essas questões ficaram depositadas neles, o restânte dogrupo não precisou assumir sua porção "menos inteligente", despreparada, simples,para lidar com o tema autoridade dentro de si.

Esse pequeno grupo, à medida que não aceitou mais o papel de bode expiatóriodo grande grupo, denunciou com sua fala simples (mas muito franca na maioria dasvezes) o despreparo, o medo e a resistência dos demais. A questão era como serautoridade sem ser no gabarito dos papéis formais estabeÌecidos e aceitos pela socie-dade. Enquanto estava depositado no pequeno grupo, ficava aparentemente sob con-trole para o grande grupo o medo de lidarcom as diferenças, dificuldades, o despreparopara com o novo, ou com aquilo que não está sob controle no .scrip, conhecido.

O ocorrido numa sessão de intergrupos nos remete a outrâs questões importan-tes sob o tema controle e dissociação. O intergrupo é um momento do laboratório emque, sem a presença dos coordenadores, os pârticipantes têm a oportunidade de agru-parem-se primeiro com seu intragrupo e daí escolherern como querem trabalhar, ouseja, reunindo-se com outro intragrupo, misturando os intragrupos, ou fazendo esco-lhas individuais que vão além dos Iimites impostos pelos grupos de origem (intra-grupos, onde sempre há a presença de um mesmo coordenador). Os consultores (coor-denadores) ficam à disposição dos membros e só participam quando solicitados.

Houve um grupo que, no primeiro momento de intergrupo, se reuniu sozinho,sem solicitar a presença dos coordenadores. No segundo momento dos intergrupos"convocou" dois dos coordenadores, um homem e uma mulher. Interessante foi queos coordenadores chamados eram pouco conhecidos da maioria dos participantes. Osoutros dois coordenadores eram mais familiares, tendo em vista fazerem paÍe deuma instituição muito conhecida da maioria dos pârticipantes.

Neste interim, o outro intergrupo resolveu "visitar" o intergrupo anteriormentereferido. O impacto causado pelos visitantes, somado ìr presença dos coordenadores"convocados", causou muitas surpresas e conflitos.

A reunião que então transcorreu foi polarizada por sentimentos de desconfortoe sensações de invasão por parte de uns e a impressão de estarem sendo rechaçadospor parte de outros. Esses sentimentos geraram desconfiança e desencadearam a saí-da da maioria dos "visitantes", pois foram rotulados de estranhos. Três membros,porém, resolveram ficar à revelia da decisão de seus companheiros, alegando deseja-rem compreender melhor o que estava se passando e afirmando não estarem vivendocom tanta intensidade o aludido rechaço.

O grupo então, num movimento de identificação, uniu-se para atacar e tomatcomo bode expiatório o membro do gmpo que havia explicitado claramente sua cha-teação com apresença dos "estranhos". Os "dissidentes" do oüro intergrupo resolve-ram retirar-se dizendo que agora sentiam-se incomodados com os rumos da conversa.Colocaram também sua curiosidade em saber como seus companheiros de grupo vi-venciaram suas decisões de ficar. Posteriormente, ficou-se sabendo que esses senti-ram-se traídos pelos "dissidentes", pois eles teriam feito um acordo de não permitirque nada os fragmentasse.

Nossa hipótese é que o movimento inicial de ousar e experimentar transformou-se em sentimento de culpa pelas exclusões manifestas, pela raiva gerada pelos senti-mentos de invasão, e pelas escolhas feitas em deixar os outro dois coordenadores defora, que de certa forma representavam figuras parentais para um número significat!vo de participantes.

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A escolha dos coordenadores chamados a participar poderia revelar um desejode controle e sedução, pois o chamado lembrava uma oportunidade do grupo de tirá-los do papel formal e integrá-los ao grupo como membros. A disposição da sala,neste momento, era completamente informal, onde todos estavam recostados emcolchonetes no chão (diferentemente dos intragrupos que dispunham-se em cadeirasnum círculo), descontraídos no semblante, brincando com a chegada do "casal" decoordenadores.

À medida que o grupo deparou-se com a realidade, ou seja, que havia papéisdistintos entre eles e os coordenadores, provavelmente vivenciou sua impotência emcontrolar os "casais" da coordenação e projetou essa frustração nos parcèiros de gru-po com sentimentos de raiva, culpa, rechaço, abandono. O exercício das lideranças láocorrido demonstra a força do desejo de controle para assumir um papel diferenciadonos grupos. É como se somente pudessem exercitar sua autoridade e poder se pudes-sem manter imobilizados os coordenadores formais. Seja por meio da sedução ou daexclusão, pois assim, independente da forma, provâvelmente, no imaginário dessegrupo, os coordenadores formais estariam sob contlole, e então eles estariam livrespara ocupíu o espaço.

Interessante ver que trata-se da necessidade de excluir algo para permitir-seocupar os espaços. A necessidade está, dessa forma, em contribuir para que se faça ajunção, integração das partes, ou seja, crescer independente das figuras externas,intemalizando figuras que revelem permissão. Só assim, haverá espaço intemo paÍa oexercício do poder e liderança sem culpa e necessidade de manipulação.

Outra experiência a ser compartilhada foi de um grupo que escolheu nos seusmomentos de intergrupos um mesmo "casal" de coordenadores sob a alegação de queneles estaria significado o novo e o profundo. À medida que os trabalhoi tianscone-ram, foram reunindo partes suas plojetadas nos consultores/coordenadores, suas ca-pacidades de dar-se conta de momentos em que buscavâm harmonizações que fica-vam por conta da necessidade de controlar as situações para não viver as diferençasindividuais que poderiam levar a conflitos oú confrontações. Houve um intergrupoque também chamou dois coordenadores com o intuito de pedir ajuda, e ao percebe-rem que a maior ajuda que precisavam era a capacidade de lidar sozinhos com suÍlsansiedades, retomaram para si a potência antes colocada nos consultores. Esses aoperceberem este movimento abrirâm espaço saindo da reunião e permitindo ao grupoexperimentar sua capacidade de manejar sozinho com suas dúvidas e desejos. Forammomentos de grandes descobertas pessoais e de enterdimento dos movimentos queum grupo tende a fazer quando vive a desvalia como sentimento maior.

COMENTÁRIOS FINAIS

O trabalho caracteriza-se pelas múltiplas oportunidades de experimentação dos parti-cipantes em exercitar suas capacidades de liderar ou ser liderados, e o impacto dessesmovimentos em suas vidas. A postura dos coordenadores pretende oferecer um mo-delo de identificação, onde haja possibilidades de diferenciar postura de autoridadede postura autoritária, dogmática.

Trabalha-se a liberdade de experimentar, descobrir e aprender. O foco não éensinar, e sim aprender a partir de si e dos outros como recurso de identificação einsight. O papel dos consultores/coordenadores é o de facilitadores deste processointraDessoal.

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Amor e ódio, amizade e hostilidade, confiança e desconfiança, são componen-tes inseparáveis de qualquer relação humana que vá aÌém do meramente superficial.Assim, se as relações dos líderes e dos liderados baseiam-se em sua interdependênciamútua, as tensões e conflitos causados por essas sensações contraditórias devem serenfrentados, suprimidos ou controlados de outrâs maneiras, porém sempre há umadecisão a tomar.

A liderança, por mais mutável ou transitória que seja, deve relacionar o grupocom o ambiente exterior, sem perder de vista a complexidade das personalidades deseus componentes.

Conscientemente, o líder concentra-se na realização das tarefas, mas inconsci-entemente expressa sentimentos e emoções. Ele pode ser eleito ou nomeado, e o fazracionalmente. Porém, a expressão de sua liderança somente se dará verdadeiramen-te quando ele assume intemamente este papel.

Nossos questionamentos passam por perguntas como:

- até onde se pode desenvolver liderança?- âté onde os participantes deste tipo de laboratório estão dispostos a tolerar a dor

da aprendizagem?

Os participantes que comparecem a este trabalho tem a oportunidâde de apren-derem ou não, como bem entenderem, ou puderem. Temos convicção que o processode aprendizagem é um processo de "intemaÌização", de incorporação das experiên-cias vividas e a sua relação com seu mundo interno de fantasias e de razões.

Acreditamos que a predisposição e a resistência siro cumulativas e a aprendiza-gem pode ser uma parte da disposição para modìficações que é inerente a qualquerorganismo de crescimento e amrdurecimento.

O objetivo deste trabalho está nâ creÌìça de que a liderança e o exercício daautoridade exigem sensibilidade face aos sentimentos e as atitudes dos outros, capa-cidade de compreender o que se passâ dentro de um grupo, tanto no seu latente quan-to no manifesto, e a habilidade de agir de maneira a contribuir para a realização dastaÌefas inerentes ao grupo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RICE, A. K. Formação de líderes: relações itergrupais e üúerpassoctís. São Paulo: Ibrasa, S. Paulo,1970.